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Filosofia da ciência

Capítulo 4 – Os problemas da demarcação, do método,


da evolução e da objetividade da ciência

Sara
Carl Raposo
os P
ires
F I L O SO
FIA 11.º

F ilo s o fia d a c iê n c ia estuda


A
funciona,
o que a ciência é, como al
e a lógica através da qu
ento
podemos obter conhecim
científico.
?
PROBLEMAS

1 Os problemas da demarcação e do método científico.

2 Os problemas da evolução e da objetividade da ciência.


PROBLEMA DA DEMARCAÇÃO

1
O problema da demarcação

O que distingue as teorias científicas das não


científicas?

Positivismo lógico Falsificacionismo

Verificação Confirmação Falsificabilidade


Senso comum vs. conhecimento científico

Senso comum: Conhecimento científico:

• Baseia-se na experiência da vida e nas • Trata-se de um saber que evolve investigações


tradições com alguma complexidade e que não pode
ser adquirido apenas com base na experiência
• É um saber essencialmente prático e na vida

• Pode variar de pessoa para pessoa e é • Envolve uma sistemática preocupação com o
utilizado sem uma preocupação rigor e a justificação das afirmações
sistemática de rigor e de justificação
• Caracteriza-se pela procura das causas dos
• Inclui, também, algumas superstições, fenómenos e pela tentativa de construir um
como, por exemplo, acreditar que o conjunto organizado e coerente de
número 13 dá azar conhecimentos
O PROBLEMA DA DEMARCAÇÃO

Colocar o problema da demarcação significa


perguntar se é possível encontrar um critério de
cientificidade.

Este critério permitirá dizer quais são as características


que as teorias devem ter para serem consideradas
científicas. Ou, por outras palavras, o critério para
distinguir o que é ciência, o que não é ciência (como a
filosofia, a literatura, as artes) e o que é pseudociência.
VERIFICAÇÃO
O positi
v
Os filósofos defensores do positivismo lógico começaram por considerar que lógico t ismo
ambém
uma teoria só é científica se for constituída por afirmações empiricamente conhec é
ido com
verificáveis, ou seja, quando se pode conceber experiências que estabeleçam neopos o
itivismo
conclusivamente a sua verdade ou falsidade. empiris e
mo lógi
co.

Para esclarecer o critério de cientificidade acima proposto, vejamos os seguintes exemplos:


1. Júpiter tem satélites.
2. Existe uma aura à volta da cabeça de certas pessoas.

A frase 1 é verificável, pois a sua verdade ou falsidade pode ser estabelecida através da experiência.
Contudo, a frase 2 não é verificável, pois não há observações que possam evidenciar a sua verdade
ou falsidade.

Segundo Ayer e outros positivistas lógicos, a verificação é um critério


de cientificidade que se aplica às ciências empíricas.
Crítica ao critério de verificabilidade

Este critério de demarcação foi alvo de fortes críticas.

Uma dessas críticas alega que, sendo as hipóteses e as leis científicas expressas por
enunciados universais, estas não podem ser alvo de verificação, pois isso implicaria algo
que ninguém consegue fazer: observar todos os casos.

Por maior que seja o número de casos observados, não é possível garantir a verdade
de uma lei que se expressa num enunciado universal, já que é impossível observar
o número indefinido de casos a que a proposição universal se refere.
CONFIRMAÇÃO
Devido às objeções apontadas ao critério de verificabilidade, outros filósofos positivistas –
nomeadamente Carnap – apresentam um critério de cientificidade alternativo: a confirmação.

Se uma teoria é científica, então é empiricamente confirmável. Ou seja, pode acumular-se um


número significativo de evidências empíricas a favor de uma hipótese. Se assim for, esta pode
ser considerada verdadeira e tomada como lei científica. Contudo, o número de casos será
sempre finito.

Os indícios empíricos disponíveis apoiam as hipóteses e conferem-lhes um grau de


probabilidade maior ou menor, embora não possam garantir, de forma conclusiva, a sua
verdade.

Todavia, também a confirmação das hipóteses coloca dificuldades: como definir,


em cada contexto, quais são os indícios empíricos relevantes e em que número
para confirmar a hipótese em causa? O próprio Carnap reconhece esta
dificuldade apontada ao seu critério de cientificidade.
A RESPOSTA DE POPPER: FALSIFICABILIDADE

Popper responde ao problema da demarcação propondo um outro critério: a falsificabilidade.


De acordo com este filósofo, a principal distinção entre as teorias científicas e não científicas
é o facto de as primeiras serem falsificáveis.

Mas o que é a falsificabilidade e por que razão esta é uma condição


necessária para uma teoria ser considerada científica?

Uma teoria é falsificável se for possível pensar numa circunstância que caso, ocorresse, a
desmentiria (a tornaria falsa).
Popper salienta que essas condições empíricas que permitem refutar (ou falsificar) as teorias
científicas têm de ser logicamente pensáveis ou imagináveis; não significa que tenham de vir
a ocorrer, podem acontecer ou não.
A RESPOSTA DE POPPER: FALSIFICABILIDADE

De acordo com Popper, os cientistas devem adotar uma atitude crítica. Ou seja, devem formular
teorias claras, onde se explicitem as condições em que estas podem revelar-se falsas e depois
realizar testes exigentes, procurando eventuais erros nessas teorias – ou seja, devem procurar
falsificá-las.

Portanto, teorias como a astrologia – que procuram apresentar explicações


propositadamente vagas que não sejam refutadas por nenhum caso concreto –
não são científicas.
A RESPOSTA DE POPPER: FALSIFICABILIDADE

Quando uma teoria não resiste às tentativas de falsificação dos testes empíricos, diz-se
que foi falsificada e terá de ser substituída por outra (na totalidade ou em parte) que
corrige os erros da anterior.

Se, pelo contrário, os dados observacionais não conseguem pôr em causa a teoria, diz-
-se que foi corroborada (saiu fortalecida). A corroboração permite a aceitação
provisória da teoria enquanto resistir aos testes que procuram falsificá-la. Mas, ainda
assim, essa teoria continua a ser falsificável.

Consequentemente, para Popper as hipóteses ou teorias científicas são sempre


conjeturais, isto é, são tentativas provisórias de explicação, suposições que podem vir
a revelar-se falsas. Por isso, não devemos dizer que são verdadeiras.
Popper: graus de falsificabilidade

Popper considera que as teorias mais


interessantes para a ciência são aquelas
que possuem um elevado grau de
Quanto maior é a
falsificabilidade.
generalidade de um
enunciado científico
Os cientistas devem procurar teorias ,
maior é o seu grau
ousadas e com elevado conteúdo de falsificabilidade.
empírico, que digam mais sobre o
mundo, com maior poder explicativo e,
por isso, correndo maior risco de falhar.
Popper: graus de falsificabilidade

Para exemplificar os graus de falsificabilidade, Popper afirma:


 as teorias de Kepler e Galileu foram unificadas e
substituídas pela teoria de Newton;
 as teorias de Newton e Maxwell foram, por sua vez,
unificadas e substituídas pela teoria de Einstein.

 As teorias de Kepler e Galileu são as menos


Teoria de Einstein
falsificáveis – porque são menos abrangentes.

Teorias de Newton  As teorias de Newton e Maxwell são mais


e Maxwell falsificáveis do que as anteriores.

 A teoria de Einstein é a mais abrangente – tem


Teorias de Kepler o grau de falsificabilidade mais elevado; é mais
e Galileu fácil ser desmentida pelos factos.
Popper: condições suficientes

A falsificabilidade é uma condição necessária para uma teoria ser científica. Porém, não é uma condição
suficiente. Para ser científica uma teoria deverá reunir, em simultâneo, os seguintes requisitos:

1 Ser falsificável.

2 Ter capacidade explicativa, fornecendo respostas para problemas com alguma complexidade.

Há enunciados que são falsificáveis, mas não científicas, pois são respostas a questões banais,
como, por exemplo, «Nenhum futebolista gosta do Algarve».
O problema do método científico

??
A que método recorrem
os cientistas para elaborar
e justificar as hipóteses?

Perspetiva
Perspetiva
falsificacionista
indutivista
A perspetiva indutivista do método
De acordo com esta perspetiva, podemos descortinar as seguintes etapas
do método científico (por vezes chamado método experimental):

1 Observação e registo dos factos empíricos.

2 Elaboração da hipótese.

3 Experimentação.

4 Formulação das leis científicas.


A perspetiva indutivista do método

Etapas do método científico

• Na primeira etapa, observam-se determinados factos e são recolhidos, de forma


imparcial e rigorosa, dados.

• Na segunda etapa, formula-se – através da generalização – uma hipótese, ou seja,


uma tentativa provisória de explicar o que foi observado.

• A terceira etapa permite testar se as previsões, feitas com base na hipótese,


correspondem ao que acontece na realidade.

• Na quarta etapa, se a hipótese for confirmada pelos dados empíricos transforma-se


– através da generalização – numa lei científica que é aplicável a todos os
fenómenos semelhantes.
Críticas ao indutivismo
Segundo alguns filósofos, incluindo Popper, a visão indutivista do método científico não
corresponde a uma descrição correta das atividades dos cientistas.

Duas objeções que pretendem mostrar que a perspetiva indutivista está errada:

Não há observação pura, independente de pressupostos teóricos.


1
Os cientistas fazem observações em função de um determinado enquadramento
mental, que engloba interesses, expectativas e conhecimentos já adquiridos.

Assim sendo, a observação é sempre orientada por pressupostos teóricos prévios


e visa responder a uma questão que, colocada antecipadamente, orienta a
observação e justifica a sua realização.
Críticas ao indutivismo

Duas objeções que pretendem mostrar que a perspetiva indutivista está errada:

O ponto de partida não é sempre a observação.


2
Há fenómenos estudados pelos cientistas que não são diretamente observáveis;
por exemplo, o facto de uma parte do universo ser constituída por matéria negra.
Esta não é visível, mas sim inferida através dos efeitos gravitacionais sobre a
matéria visível (estrelas, galáxias, etc.).

Casos como estes permitem colocar em causa a perspetiva indutivista do método.


Críticas ao indutivismo
Há uma divisão de opiniões relativamente à importância da indução no método científico.

Conceção indutivista do
SIM método

A indução é utilizada
no método científico?

Conceção falsificacionista do
NÃO
método
O método das conjeturas e refutações – Popper

Em alternativa à conceção indutivista da ciência, Popper defende que, nas ciências da natureza,
os cientistas utilizam o método crítico ou o método das conjeturas e refutações.

Assim, segundo a perspetiva falsificacionista, podemos distinguir


as seguintes etapas do método científico:

1 Problema.

Conjeturas.
2
Submissão a testes: refutação ou corroboração
3 (das conjeturas).
O método das conjeturas e refutações

 Na primeira etapa, o cientista coloca uma questão para a qual pretende encontrar uma resposta.

 Na segunda etapa, o cientista formula uma hipótese (uma suposição ou tentativa de solução do
problema) desejavelmente com elevado conteúdo empírico.
Mas como se chega a essa hipótese? Popper pensa que a descoberta das hipóteses
deve-se ao espírito criativo e imaginativo dos cientistas. O que é relevante, depois de
apresentar a hipótese, é a possibilidade de deduzir consequências empíricas, ou
seja, de fazer previsões a partir desta, de modo a testá-la.

 Na terceira etapa, as consequências deduzidas das hipóteses são submetidas a testes que visam
confrontá-las com os factos.
Popper considera que os testes são tentativas de refutação (e não de confirmação
ou verificação). Os cientistas, na discussão crítica das teorias, devem procurar
detetar erros de modo a falsificá-las. Se as conjeturas ou teorias resistirem às
tentativas de falsificação, são corroboradas. As teorias que não resistem (porque
os testes mostram que são falsas) são refutadas.
O problema da indução e a resposta de Popper

Popper concorda com a análise lógica que David Hume fez do problema da indução: as
conclusões das inferências indutivas ultrapassam os dados da experiência e não se
encontram racionalmente justificadas.
Poderia pensar-se que as conclusões céticas de Hume seriam extensíveis às teorias
científicas, mas Popper rejeita isso. Para ele, na investigação científica, não é necessário
recorrer às inferências indutivas (nem para formular as hipóteses, nem para as
justificar) e, por isso, a racionalidade e a objetividade das ciências empíricas não é posta
em causa pelas ideias defendidas por Hume.

Popper substitui os dois grandes alicerces do método indutivo:


1. Substitui a verificação / confirmação pela falsificação.
2. Substitui a indução pela dedução.
Críticas ao método das conjeturas e refutações

1 Não está de acordo com a prática científica

Se conhecermos um pouco da história da ciência, concluímos que, na prática, os


cientistas trabalham no sentido de confirmar as suas teorias, e continuam a defendê-
las mesmo quando as suas previsões não se confirmam.
Thomas Kuhn realizou um estudo aprofundado da historia da ciência e constatou que,
contrariamente ao que se poderia supor, os cientistas são muito resistentes à
mudança e sentem relutância em abandonar uma teoria que durante algum tempo
estruturou a sua visão do universo e o seu trabalho enquanto investigadores.

Na realidade os cientistas não passam a vida a tentar mostrar que as suas teorias são
falsas, para que possam surgir novas teorias. Antes pelo contrário, preocupam-se
sobretudo com a demonstração da precisão e do alcance das teorias existentes.
Críticas ao método das conjeturas e refutações
Não é razoável abandonar uma teoria apenas porque foi refutada por um teste experimental
2
Muitos autores incluindo o próprio Kuhn, acreditam que o facto de um procedimento experimental
não decorrer de acordo com o previsto numa dada teoria, ou hipótese, não é suficiente para
estabelecer de modo conclusivo a sua falsidade. O problema pode estar precisamente no processo de
falsificação e não na teoria.

Na verdade, para além da hipótese ou teoria (T), existem vários fatores envolvidos num
procedimento experimental que podem ser responsáveis pelo seu fracasso, como os instrumentos
utilizados (I) e os fatores pessoais e sociais (F), entre outros.

Assim, podemos concluir que a lógica subjacente ao falsificacionismo não é tão robusta quanto
parecia à primeira vista pois a antecedente da primeira premissa do modus tollens envolvida no
processo de refutação de uma teoria não é composta apenas pela hipótese ou teoria (T), mas sim
pela conjugação de todos os fatores envolvidos no próprio procedimento experimental. O que
significa que, caso uma ocorrência prevista por uma teoria (P) não se confirme, o problema pode não
estar na teoria, mas sim num desses fatores.
Críticas ao método das conjeturas e refutações
Não é razoável abandonar uma teoria apenas porque foi refutada por um teste experimental
2
A verdadeira estrutura lógica subjacente ao método das conjeturas e refutações pode ser
apresentado como se segue:
Sendo T a hipótese a ser testada, P uma determinada ocorrência por ela prevista, I os
instrumentos utilizados e F os fatores pessoais e sociais envolvidos num processo
experimental:
(1) Se T, I e F, então P.
(2) Não-P.
(3) Logo, não-T.
Esta forma lógica não é válida. Afinal, a verdade de T não é suficiente para garantir a
observação de P durante um procedimento experimental, é preciso que todos os outros
fatores estejam a funcionar de modo adequado.
Críticas ao método das conjeturas e refutações

3 Nem todas as teorias científicas são falsificáveis.

A falsificabilidade não constitui uma condição necessária para que uma dada teoria possa ser
considerada científica, porque algumas teorias científicas referem-se a objetos que não são
diretamente observáveis, e não é inteiramente claro que, à partida, seja possível conceber um
teste experimental capaz de mostrar a sua falsidade.
No entanto, isso não implica que essas teorias tenham forçosamente de ser encaradas como não-
científicas.

4 Subestima a importância das confirmações no progresso científico.

Segundo Popper, nunca temos justificação racional para aceitar que uma dada teoria científica é
verdadeira. Na sua opinião, por muito que uma teoria tenha sido corroborada pela experiência,
esta nunca deixa de ser apenas uma conjetura que ainda não foi refutada.
No entanto, o facto de algumas teorias científicas possibilitarem grandes avanços tecnológicos e
permitirem controlar a Natureza e prever o seu comportamento de modo relativamente fiável
pode significar que temos justificação para acreditar que aquelas são verdadeiras e não apenas
conjeturas por refutar.
Em que consiste
o método científico?

Conceção indutivista Conceção falsificacionista

Observação e registo dos


1 factos empíricos. 1 Problema.

2 Elaboração da hipótese. 2 Conjeturas.

Experimentação. Submissão a testes:


3 3 refutação ou corroboração.
Formulação das leis
4 científicas.

critério de cientificidade adotado: critério de cientificidade adotado:


verificação ou confirmação falsificabilidade.
das hipóteses. ………..

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