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Filosofia – 11.

º Ano

O estatuto do conhecimento científico

O Problema da Demarcação

Ano Letivo 2022/2023


O Problema da demarcação

Karl Popper formulou-o do seguinte modo:

“Quando é que uma teoria deve ser classificada como científica? (...) Existe algum
critério que determine o caráter ou o estatuto científico de uma teoria?”

- Karl Popper, Conjeturas e Refutações, Almedina, Coimbra, 2003, pp. 55


→ Colocar o problema da demarcação significa perguntar se é possível encontrar um
critério de cientificidade.

Este permitirá dizer quais são as características que as teorias devem ter para
serem consideradas científicas.

O critério para distinguir o que é ciência, o que não é ciência e o que é


pseudociência.
Pseudociência

“Uma disciplina ou teoria é pseudociência se possui as características superficiais de


uma disciplina ou teoria científica, mas não satisfaz os critérios aceites para ser
ciência. A astrologia é um exemplo comum.”

- Lisa Bortolotti, Introdução à Filosofia da Ciência, Gradiva, Lisboa, 2008, pp. 318 (adaptado)

Nota: Portanto, as artes, a literatura e a filosofia não são ciências, mas também não
são pseudociências.
Há várias razões que justificam a necessidade de encontrar um critério de
cientificidade:

→ Teóricas - saber delimitar e compreender o objeto de estudo de cada uma das


áreas referidas.

→ Práticas – saber identificar quando ocorrem discursos pseudocientíficos e como


agir nas situações em que isso acontece.

→ Educacionais – saber o que ensinar nas escolas.


O Problema da demarcação

O que distingue as teorias científicas das não científicas?

Positivismo lógico Falsificacionismo

Verificação Confirmação Falsificabilidade


Verificação

Os filósofos do positivismo lógico começaram por considerar que uma teoria só é


científica se for constituída por afirmações empiricamente verificáveis, ou seja,
quando se pode conceber experiências que estabeleçam conclusivamente a sua
verdade ou falsidade.

Critério de verificabilidade
Para esclarecer o critério de verificabilidade, vejamos os seguintes exemplos:

1. Júpiter tem satélites.


2. Existe uma aura à volta da cabeça de certas pessoas.

A frase 1 é verificável, pois a sua verdade ou falsidade pode


ser estabelecida através da experiência.
A frase 2 não é verificável, pois não há observações que
possam evidenciar a sua verdade ou falsidade.
Segundo Ayer e outros positivistas lógicos, a verificação é um critério de
cientificidade que se aplica às ciências empíricas.

A. J. Ayer (1910 – 1989)

• Filósofo britânico.
• Proponente do positivismo lógico.
• Foi professor na Universidade de Londres.
“O critério que utilizamos para testar a genuinidade de aparentes enunciados factuais
é o critério de verificabilidade. Dizemos que uma frase tem significação factual para
um indivíduo se, e apenas se, ele souber como verificar a proposição que a dita frase
parece exprimir. Isto é, se ele souber quais são as observações que o levariam, sob
determinadas condições, a aceitar a proposição como verdadeira, ou a rejeitá-la
como falsa.”

- A. J. Ayer, Linguagem, Verdade e Lógica


Crítica ao critério de verificabilidade

Sendo as hipóteses e as leis científicas expressas por enunciados universais estas


não podem ser alvo de verificação, pois isso implicaria algo que ninguém consegue
fazer: observar todos os casos.

Por maior que seja o número de casos observados, não é possível garantir a
verdade de uma lei que se expressa num enunciado universal, já que é impossível
observar indefinido de casos a que a proposição universal se refere.
Confirmação

Devido a objeções como esta, outros filósofos positivistas - nomeadamente Carnap -


apresentaram um critério de cientificidade alternativo à verificação: a confirmação.

Rudolf Carnap (1891 – 1970)

• Filósofo alemão.
• Defensor do positivismo lógico.
• Membro do Círculo de Viena.
Se uma teoria é científica, então é empiricamente confirmável.

Ou seja, pode acumular-se um número significativo de evidências empíricas a favor


de uma hipótese.
→ Se assim for, esta pode ser considerada verdadeira e tomada como uma lei
científica. Contudo, o número de casos observados será sempre finito.
Os indícios empíricos disponíveis apoiam as hipóteses, e conferem-lhe um grau de
probabilidade maior ou menor, embora não possam garantir, de forma conclusiva, a
sua verdade.

Em suma:
Sendo impossível a verificação das hipóteses, é possível a sua confirmação (mais forte
ou mais fraca, dependendo dos dados existentes para o sustentar).
Contudo, também a confirmação das hipóteses coloca dificuldades.

Como definir, em cada contexto, quais são os indícios empíricos relevantes e em


que número, para confirmar a hipótese em causa?
Por isso, os falsificacionistas, como Popper,
rejeitam que a verificação e a confirmação
permitam distinguir a ciência da não ciência.
A resposta de Popper: falsificabilidade

Karl Popper
(1902 – 1994)

• Nasceu na Áustria.
• Doutorou-se em Psicologia da educação.
• Dedicou-se ao estudo da Física, da Matemática
e da Filosofia da Ciência.
Proponho um outro
critério:
a falsificabilidade!
De acordo com Popper, a principal distinção entre as teorias científicas (o filósofo
tem em vista as ciências empíricas e não a Matemática) e não científicas é o facto de
as primeiras serem falsificáveis.

Mas o que é a falsificabilidade e por que razão esta é uma condição


necessária para uma teoria ser considerada científica?
→ Uma teoria é falsificável se for possível pensar numa circunstância que, caso
ocorresse, a desmentira (a tornaria falsa).

Popper salienta que essas condições empíricas que permitem refutar (ou falsificar) as
teorias científicas têm de ser logicamente pensáveis ou imaginárias, não significa que
tenham de vir a ocorrer: podem acontecer ou não.
“O comportamento de uma mesa contradiria a teoria de Newton [sobre gravidade
terrestre] caso a mesa começasse a andar. Se a chávena em cima da minha mesa
começasse subitamente a dançar, a girar e a dar voltas, seria uma falibilização da
teoria de Newton – especialmente se o chá não se entornasse com as voltas dadas pela
chávena.”

- Karl Popper, A Vida é Aprendizagem, Edições 70, Lisboa, 2020, pp. 34-35
Quando uma teoria procura explicar o mundo corre o risco de falhar. Se uma teoria
se apresenta como infalsificável é porque contém algum “truque” para evitar o
falhanço e o preço disso é incapacidade explicativa.

→ É por isso que a falsificabilidade, longe de ser uma característica negativa, é uma
condição necessária para uma teoria científica.
De acordo com Popper, os cientistas devem adotar uma atitude crítica.

Devem formular teorias claras, onde se


explicitem as condições em que estas podem
revelar-se falsas, e depois realizar testes
exigentes procurando eventuais erros nessas
teorias – ou seja, devem procurar falsificá-las.
Portanto, teorias como a astrologia – que procuram apresentar explicações
propositadamente vagas que não sejam refutadas por nenhum caso concreto – não são
científicas.

As explicações astrológicas interpretam tudo o


que acontece como uma confirmação da teoria.
São irrefutáveis.
→ Quando uma teoria não resiste às tentativas de falsificação dos testes empíricos,
diz-se que foi falsificada e terá de ser substituída por outra (na totalidade ou em
parte) que corrige os erros da anterior.
→ Se, pelo contrário, os dados observacionais não conseguem pôr em causa a teoria,
diz-se que foi corroborada (saiu fortalecida).

A corroboração permite a aceitação provisória da teoria enquanto


resistir aos testes que procuram falsificá-la.

Mas, ainda assim, essa teoria continua a ser falsificável.


Consequentemente, para Popper as hipóteses ou teorias científicas são sempre
conjeturais.

Isto é, são tentativas provisórias de explicação, suposições que podem vir a


revelar-se falsas. Por isso, não devemos dizer que são verdadeiras.
Graus de falsificabilidade

Popper considera que as teorias mais interessantes para a ciência são aquelas que
possuem um elevado grau de falsificabilidade.
Os cientistas devem procurar teorias ousadas e com elevado conteúdo empírico, que
digam mais sobre o mundo, com maior poder explicativo e, por isso, correndo mais
risco de falhar.

Tais teorias têm um grau de falsificabilidade mais elevado e é positivo que assim
seja.
Por conseguinte, os cientistas não devem interessar-se por teorias que “passem”
facilmente nos testes empíricos, mas antes por teorias que resistam a tentativas
exigentes de falsificação.
→ Quanto maior for a generalidade de um enunciado científico universal, maior
será o seu grau de falsificabilidade: quanto mais fenómenos referir, maior será a
possibilidade de surgirem contraexemplos.

Ex.1: Todos os corpos terrestres são afetados


pela gravidade.

Ex.2: Todos os corpos do universo são afetados


pela gravidade.
→ No caso das previsões, quanto mais precisas e específicas forem, maior é o seu
grau de falsificabilidade. Previsões vagas não são falsificáveis.

Ex.1: No próximo ano, a pandemia continuará a afetar a


saúde física e mental dos jovens portugueses.

Ex.2: Nos próximos dois meses, a pandemia continuará a


afetar a saúde física e mental dos jovens portugueses.
Condições suficientes

A falsificabilidade é uma condição necessária para uma teoria ser científica. Mas, não
é uma condição suficiente.

Para ser científica uma teoria deverá reunir, em simultâneo, os seguintes requisitos:

1. Ser falsificável.
2. Ter capacidade explicativa, fornecendo respostas para problemas com alguma
complexidade.
Sendo assim, há enunciados que são falsificáveis, mas não são científicos, pois são
respostas a questões banais.

Ex.1: Nenhum futebolista gosta do Algarve.


A pseudociência

→ Utiliza uma linguagem vaga.

→ Interpreta qualquer dado observado como uma comprovação da teoria.

→ Não se submete a testes empíricos.

→ Se uma teoria não pode ser sujeita ao processo de falsificação, as suas explicações
são irrefutáveis.
Para além da astrologia, Popper afirma que a psicanálise e o marxismo são também
pseudociências.

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