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Filosofia da Ciência - Semana 3 - Método das Conjeturas e Refutações e Critério de

Demarcação da ciência

Reconsideração sobre a matéria da semana 1 (Filosofia da Ciência e Conhecimento


científico)
Começamos com as questões da Filosofia da Ciência, nomeadamente "o que é a
ciência", "como se constrói conhecimento científico", "como se prova uma hipótese", "o que é
uma teoria", etc. A partir destas questões entende-se que o objetivo da Filosofia da Ciência não
é estudar corpos, reações químicas, proteínas, seres vivos e, em suma, acumular conhecimento
sobre esses objetos mas o de questionar e problematizar os fundamentos que estão na base do
trabalho e das descobertas científicas.
Depois tentou-se perceber qual a diferença entre o conhecimento comum/vulgar e o
conhecimento científico. Vimos várias características. Talvez a mais importante relaciona-se com
a profundidade do conhecimento científico. Profundidade aponta para uma explicação das
causas e, pelo contrário, superficialidade aponta para uma explicação prática. Por outras
palavras, o conhecimento científico procura responder ao "porquê", o conhecimento vulgar
procura satisfazer necessidades práticas, de tal forma que eu até posso precisar de ter de
aprender alguma linguagem técnica para perceber os efeitos de certo medicamento, mas o que
guia a procura de conhecimento não é procura pelos fundamentos mas a satisfação de uma
necessidade prática. De tal forma que, quando a necessidade prática seja satisfeita deixo de
inquirir mais, quero apenas satisfazer a tarefa quotidiana. O conhecimento comum caracteriza-se
maioritariamente pela procura do mínimo que funciona, o conhecimento científico pela
exploração da explicação.

O conhecimento científico pode tornar-se conhecimento comum?


Por um lado, sim. Foi isso que aconteceu com a ideia da Terra ser esférica quando antes
se pensava ser plana. Este conhecimento é tido como científico pois terá sido comprovado por
cientista. Para alcançarem este conhecimento, ou para terem visto que a o planeta Terra se trata
de uma esfera, tiveram de fazer cálculos matemáticos ou tiveram de ter conhecimentos que se
desenvolveram durante centenas ou até milhares de anos até serem capazes de ter uma
perspetiva externa sobre o planeta Terra e simplesmente observarem que era esférica. Isto é, se
podemos dizer que o conhecimento científico se pode tornar comum, pois após as investigações
científicas as suas conclusões foram utilizadas por todos e tornaram-se num consenso geral…
Por outro lado, podemos também dizer que não, pois, quantos de nós somos capazes de
provar que a Terra é esférica? Quanto de nós conseguem provar, com certeza, que as fotos da
Terra são verdadeiras, quantos de nós conseguem fazer cálculos que provem esse
conhecimento? No que toca a medicamentos, quantos de nós sabemos provar/justificar a razão
do medicamento ter o efeito que tem? Isto é, se podemos dizer que as conclusões científicas se
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Demarcação da ciência

tornaram comuns, pois são utilizadas e ditas por todos, a justificação e todo o processo
justificativo é uma mera crença que ganha a sua força pela confiança que é depositada no
conhecimento científico. O comum utiliza as conclusões científicas mas não passou nem sabe
quais os passos para provar esse conhecimento.

Método de Conjeturas e Refutações (Karl Popper)

Dois séculos depois de inventados e sistematizados os dois métodos científicos


previamente estudado surgiu um novo método criado por Karl Popper. Este método visava evitar
o problema da indução e, como tal, evitar também a experiência e a verificação ou confirmação
da hipótese que, como sabemos, por mais experiências positivas que possa ter nunca permite
que possam com propriedade aferir a validade universal de uma dada proposição.

Assim sendo, no toca aos passos iniciais do método o método de Popper de Conjeturas e
Refutações1 irá aproximar-se do método de Galileu, que começa com uma hipótese ou
conjetura que visa explicar um ou vários fenómenos.2 Depois, de igual forma ao método de
Galileu, fazem-se as deduções da conjetura inicial. No passo seguinte surge a grande inovação.
Popper não acreditava que deveríamos tentar validar/confirmar o conhecimento mas sim tentar
falsificá-lo. Ou seja, o passo seguinte seria o de tentar arranjar forma de provar que a conjetura
e as seguintes deduções estariam erradas. Se as tentativas de falsificação/refutação falharem,
então a teoria é dada como corroborada.

Como Popper não acreditava no alcance da verdade, nem da probabilidade correta,


entendia que todo o conhecimento científico poderia meramente ser corroborado, i.e., aceite até
que se prove o contrário. O que justifica esta forma de pensar é a crítica ao método indutivo, por
mais confirmações de uma dada proposição que possamos ter ela possui ainda e sempre a
possibilidade de não estar correta enquanto que, pelo contrário, se encontrarmos apenas um
erro na nossa teoria conseguimos ter a certeza da falsidade).

Popper entendia as tentativas de falsificação e, consequentemente, a eliminação dos


erros de certa teoria como “o motor do avanço da ciência” 3. Ao contrário dos métodos que

1 Síntese do método na página 220.


2 Popper não é claro relativamente à questão da autoria da conjetura, i.e., se terá de ser criada pelo
cientista ou se quem irá falsificar poderá utilizar também as conjeturas de outros. Não obstante, podemos
considerar estas duas possibilidades como válidas. A utilização de conjeturas próprias ou de outrém
servem ambas o mesmo propósito o da tentativa de falsificação, eliminação dos erros e, com isto, a
evolução da ciência.
3 Manual, pág. 218
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Demarcação da ciência

utilizam o raciocínio indutivo e visavam, por isso, confirmar as hipóteses, o método de Popper
visa o contrário, não confirmar o “espaço positivo” (aquilo que uma teoria afirma) mas tentar
negar o espaço negativo, eliminando o erro e fechando cada vez mais o espaço à verdade.

Texto 7 / Pág. 217

1. Explique em que consiste o método proposto por Popper


a. O método proposto por Popper consiste primeiro na formulação de uma conjetura
explicativa de um dado problema e as deduções (necessárias) derivadas dessa
conjetura. O passo seguinte é o de falsificação, onde se coloca à prova a
conjetura. Se não resistir ao processo de falsificação a conjetura é descartada se
sobreviver, é considerada corroborada.
O objetivo de Popper é a constante crítica e tentativa de derrubar certa teoria para
conseguir descobrir e eliminar os erros que possam surgir e assim aproximar-se
da verdade (sabendo que nunca a alcança), recorrendo primordialmente à razão
do que à experiência.
2. Qual o ponto de partida proposto por Popper?
O ponto de partida proposto por Popper é a conjetura que significa uma hipótese ou
antecipação de explicação criada pelo pensamento/razão.

Critério de Demarcação da Ciência

O critério de demarcação visa marcar a fronteira entre aquilo que podemos podemos
chamar de proposições/conhecimento científico e aquilo que tem apenas aparência de ciência,
i.e., pseudociência. “Após o final da Primeira Guerra Mundial, três teorias ganham força na
Áustria e são amplamente discutidas pelos estudantes da época: a teoria física da relatividade,
de Einstein, a psicanálise, de Freud e Adler, e a teoria da história, de Marx, o marxismo.” 4 Ora,
estas teorias ganharam representavam o que de mais relevante existia no mundo intelectual
e/ou científico. Estavam, por isso, a ser consideradas como conhecimento científico, mas
“seriam estas áreas (...) merecedoras do estatuto científico?”5

Mediante a necessidade de distinguir o científico do não-científico (pseudocientífico)


pensou-se no critério da demarcação da ciência. Por um lado, aqueles que defenderam o

4 Ibid. pág.215
5 Ibid.
Filosofia da Ciência - Semana 3 - Método das Conjeturas e Refutações e Critério de
Demarcação da ciência

método indutivista, utilizaram o critério de demarcação verificacionista e os que defendiam o


método de Conjeturas e Refutações, utilizaram o critério falsificacionista.

O critério de demarcação da ciência verificacionista afirma que para uma teoria ser
considerada verdadeira terá de ser possível verificá-la (verificável). A teoria falsificacionista
afirma o contrário, para ser considerada científica a teoria tem que ser capaz de ser falsificada
(falsificável).6

Vejamos os seguintes exemplos:


1. Alguns corvos são negros.
2. Todos os corvos são negros.
3. Não existem corvos negros.
4. Alguns corvos não são negros.

Se quiséssemos verificar a oração 1, teríamos apenas de encontrar alguns exemplos


positivos, i.e., verificar que alguns corvos são de facto negros. O mesmo aconteceria na oração
4, se encontrássemos corvos de outra cor que não negra. Por outro lado, será possível verificar
que todos os corvos são negros? E todos em que sentido? Em todo o espaço e em todo o
tempo? Parece impossível para o ser humano verificar totalidades e, como tal, também para o
método indutivo, verificar enunciados universais. Assim, segundo o critério de demarcação da
ciência verificacionista, será ciência os enunciados particulados, pois são os únicos em que
somos capazes de verificar.

Por outro lado, segundo o critério falsificacionista, seremos capazes de refutar a


afirmação 1? Seria possível garantir que não existe nenhum corvo negro? E o mesmo acontece
na afirmação 4. Visto que não somos capazes de garantir totalidades (pressupõe-se), não somos
capazes de garantir que todos os corvos são negros e falsificar a ideia de que alguns não são.
Pelo contrário, as orações universais, 2 e 3, basta-nos encontrar um único caso contrário para
garantir a falsificação da teoria.

Em suma, o critério verificacionista, aceita como orações científicas os enunciados


particulares e o critério falsificacionista as orações universais.

Os neo-positivistas, no entanto, adicionaram uma alteração aceitando os enunciados


prováveis como verificados, aceitando assim as teorias que passaram por processo de
experimentação de forma positiva. Por outras palavras, aceitaram que poderiam verificar
orações universais se fossem verificadas (particularmente) várias vezes com alta probabilidade.

6 Veja final da página 217 sobre os conceitos de verificabilidade e falsificabilidade.


Filosofia da Ciência - Semana 3 - Método das Conjeturas e Refutações e Critério de
Demarcação da ciência

Vejamos agora a crítica feita às teorias da psicanálise de Freud e de Adler. Estas


teorias visam explicar o comportamento humano baseado, no caso de Adler, no sentimento de
inferioridade. Por exemplo, se entramos numa sala e nos sentamos no meio, Adler justifica que
seria por causa do sentimento de inferioridade que quereria passar despercebido. Se se senta à
atrás seria por causa do sentimento de inferioridade porque quer estar mais longe. Se se senta à
frente é por causa do sentimento de inferioridade porque sente que necessita de ser melhor. Em
suma, as teorias de Adler e Freud, parecem conseguir tudo verificar/confirmar e, como tal, não
parecem ser capazes de falsificação, porque tudo justificam. Há até uma expressão relacionada
com isto onde é dito, perante qualquer dificuldade de compreensão, “Freud explica….”.

Mas por que somente teorias ou enunciados falsificáveis merecem o título de científicos?
Porque os enunciados que são falsificáveis estimulam a crítica e o debate, forçam o homem a
fazer uso público da razão; já os enunciados que não podem ser falsificáveis são dogmáticos,
pois estão muito próximos do irracionalismo. A principal característica de alguém que se
comporta de forma dogmática é não considerar a razão para decidir acerca de um determinado
estado de coisas.7

Na indução há mais experiência na conclusão que nas premissas.

As generalizações empíricas não são verificáveis, mas apenas falsificáveis.

O crescimento do conteúdo empírico de uma teoria, aumentando os seus falsificadores,


acarretará maior probabilidade de a teoria ser refutada pela experiência. Uma teoria falsificável
em mais alto grau diz mais sobre o mundo da experiência.

O que é mais falsificável?


Todas as pedras vulcânicas caem com aceleração constante.
Todos os corpos caem com aceleração constante.

7 Em conhecerepensar.wordpress.com/2017/09/08/popper-e-a-critica-ao-indutivismo/

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