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Filosofia da Ciência - Semana 1 - Conhecimento Vulgar e Conhecimento Científico

(…) É o desejo de explicações que sejam ao mesmo tempo


sistemáticas e controláveis através de dados factuais que gera
a ciência, e é a organização e classificação do conhecimento
segundo princípios explicativos que é o objectivo próprio das
ciências.
Ernest Nagel, A Estrutura da Ciência

Filosofia da Ciência

A Filosofia da Ciência não faz ciência, isto é, a filosofia da ciência distingue-se por
questionar as condições de possibilidade da ciência, definindo primeiramente "o que é a
ciência", e depois como é possível alcançá-la, i.e., "como se constrói o conhecimento
científico?". Deste modo, a filosofia não é positiva, no sentido de querer alcançar mais
conhecimento ou aumentar o que já existe, mas quer analisar o que já foi feito e/ou perceber
qual o terreno próprio para que aconteça/"cresça" conhecimento científico.

Na unidade passada, foi esclarecido o que significa conhecer, as várias fontes e as


várias teorias sobre a origem primeira do conhecimento. O problema que agora
primeiramente nos vai preocupar é a distinção entre dois tipos de conhecimento, o
conhecimento vulgar (ou senso comum) e conhecimento científico.

Conhecimento Vulgar
Definição: Conjunto de conhecimentos fundados na experiência quotidiana. Pelas
suas características, preocupa-se mais com o reconhecer do que com o conhecer. Não
procura explicar a realidade, mas enquadrá-la num todo social coerente e estável 1. É, por
isso, fundamental para que possamos resolver tarefas do dia-a-dia.

Caracterização:
● Utiliza linguagem não-técnica/vulgar
○ A linguagem vulgar é mais fácil de perceber mas não refere tão precisamente
o objeto em questão. Vejamos os seguintes exemplos a) "Um nó na barriga"
b) “O volvo gástrico é caracterizado por uma rotação anómala do estômago
sobre os seus eixos.” Ambos os exemplos referem-se ao

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Isto é, não se preocupa em explicar e procurar explicar as coisas como são mas continuar a
conhecer as coisas como todos/a sociedade dizem que é. Podemos imaginar o caso da terra plana,
grande parte não procurou conhecer a verdade mas aceitar e propagar o que já era dito , como
também as novas descobertas tentava-se enquadrar nesse “conhecimento”.
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mesmo, no entanto, o exemplo a) apesar de ser mais fácil de perceber é
menos preciso, está mais relacionado a uma certa sociedade ou costumes.
Já o segundo, por utilizar linguagem técnica, é mais difícil de perceber, mas é
aquele que está associado a um sistema de conhecimentos especializados e
partilhados por toda uma comunidade científica.
● Discurso razoável
○ (fala daquilo que tem funcionado) mas não garante que os raciocínios sejam
raciocínio válidos. Ex.: Vai chover (porque se sente humidade, nuvens
escuras, etc.). Apesar de algumas vezes termos visto nuvens escuras e ter
chovido, não há nenhuma relação necessária entre nuvens escuras ou
humidade e chuva.2
● Relaciona-se com o concreto e o prático.
○ Visa resolver questões práticas e afasta-se da teoria ou do puramente
abstrato. Nós não nos interessamos em saber o porquê das coisas, apenas
saber o suficiente para que possamos resolver as questões quotidianas. É,
por isso, um conhecimento superficial.
● Varia com as circunstâncias.
○ Enquanto que o conhecimento científico é idealmente objetivo. Ex.: O Alberto
sabe como plantar a sua horta, sabe onde cresce melhor as semilhas e onde
crescem melhor as abóboras. No entanto, esse tipo de conhecimento é
circunstancial, pois refere-se apenas à sua situação espaço-temporal, aquele
espaço e aquele tempo. É mais subjetivo pois relaciona-se com a experiência
individual de cada um.
● É fundamentado a partir da experiência pessoal de cada um.
○ Recorre, por isso, à observação e indução. Percebamos, como já dizia Hume,
que a experiência é bastante importante na nossa educação, i.e., ao longo da
nossa vida vamos aprendendo coisas porque têm funcionado. Se funcionou
daquela vez, nós repetimos, assim por diante. No entanto, não podemos dizer
que seja um conhecimento correto ou o verdadeiro mas, subjetivamente tem
funcionado para as necessidades de cada um.

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Temos que nos lembrar do que significa necessário, i.e., aquilo cujo contrário implica contradição.
Por todo o conhecimento vulgar ter fonte na experiência e por ser feito de forma superficial, nunca
tem a força suficiente para ser encarado verdadeiramente como logicamente válido, i.e., como um
conhecimento necessário.
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Conhecimento Científico
Definição: É um tipo de conhecimento idealmente objetivo e universal. Embora visto
como mais seguro e justificado que o conhecimento comum, não é um conhecimento
absoluto ou definitivo, pois os seus resultados são sempre abertos e revisíveis. Os cientistas
mantêm, por isso, uma perspetiva crítica e anti-dogmática em relação ao conhecimento.

Caracterização:
● Procura descrever, explicar e prever fenómenos.
○ A ciência não visa resolver as questões mais banais do dia-a-dia mas a
medição precisa dos fenómenos e a procura de relação entre eles. Qual a
relação entre ovos estrelados e colesterol, e quais os efeitos no corpo
humano, qual a relação entre velocidade e massa ou qual a relação entre os
diferentes objetos do universo. Para isso, tem que ser feita uma medição dos
fenómenos. Quanto mais precisa mais longe do erro.
■ Note-se que o avanço da tecnologia serviu em muito para esses fins,
para “ver” coisas para além das capacidades humanas e conseguir
medi-las com cada vez mais precisão. Uma maçã deixou de ser algo
apenas para comer, com certas cores e passou a ser também algo
com protões, neutrões, eletrões, massa, vitaminas, etc.
■ Note-se também a diferença para o conhecimento comum, que não se
interessa por medir ou explicar mas apenas pelo resultado imediato e
superficial.
○ Sabendo a relação entre fenómenos eu saberei também as causas a partir do
efeito e vice-versa. Se eu sei que um canhão envia uma bola de chumbo a
certa velocidade, eu sabendo a relação entre massa velocidade, etc., saberei
exatamente o efeito, i.e., o local onde a bola irá cair, com que força, etc.

● Sistemático, metódico e objetivo


○ A característica sistemática deve-se à evolução e acumulação de
conhecimento num só sistema. Quando antes alguém poderia
descobrir alguma coisa sem estar relacionado com os conhecimentos
de outro, agora todos os conhecimentos inserem-se num sistema de
conhecimento que foi passado de geração para geração, de
professores para alunos. De tal forma, que o ainda aluno, futuro
cientista, recebe os conhecimentos tidos verdadeiros e irá descobrir
novos conhecimentos tendo por base os outros que recebeu, partindo
do sistema e contribuindo para o sistema.
○ O método, está também relacionado com a sistematicidade, pois a
utilização de um método permite a replicação da experiência noutro
espaço e noutro tempo e os resultados deverão ser os mesmos. De tal
forma que qualquer um pode confirmar o suposto conhecimento. O
método foi também importante, pois foi uma tomada de consciência da
necessidade de proceder de forma organizada para conseguir

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obter resultados que fossem o mais rigorosos ou objetivos possíveis
(sem interferência do sujeito).
○ A objetividade é o ideal do conhecimento científico. O conhecimento
deverá ser do mundo (do objeto) e não ter qualquer interferência do
sujeito. Por exemplo: se estamos a tentar perceber os constituintes da
água de certa fonte, mas o recipiente onde a colocamos adiciona
coisas (bactérias, pó, terra, etc.) então o nosso conhecimento não
está a ser objetivo.
● Linguagem própria, técnica e exata
○ A tentativa de alcançar conhecimento objetivo e exato leva a que se
desenvolva e utilize termos que sejam precisos. Para além de
determinar os objetos de forma exata, houve também a necessidade
de nomear objetos que antes não eram conhecidos ou não éramos
capazes de ter notícia (átomos ou glóbulos vermelhos, por exemplo).
● Experimental
○ Conhecimento, dito científico, implica que possa ser demonstrado ou
verificável a partir de uma experiência.3 Para tal foram criados
métodos formais de prova, isto é, certas regras ou procedimentos que
cada ciência teria de responder. O conhecimento científico não é
estabelecido a partir de uma autoridade que diz o que é ou não
conhecimento mas a partir da sua justificação/verificação que seguiu
certo método que garanta cientificidade.
● Crítico e revisível
○ Porque alguns conhecimentos ditos científicos falharam, a ciência não é
vista como um conhecimento absoluto mas falível, apesar de bastante
seguro. Como tal, percebeu-se que era necessário adoptar um ponto
de vista crítico. Mas também ao contrário, só porque se adoptou um
ponto de vista crítico ou antidogmático é que foi possível avaliar
ativamente os conhecimentos já tidos e reparar em falhas de alguns
conhecimentos e perceber que o conhecimento científico pode e deve
ser revisto.

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Demonstração é a expressão utilizada para a justificação dos conhecimentos relativos às ciências
formais (lógica, matemática, etc.) e verificação experimental para as ciências naturais.

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