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FILOSOFIA E EDUCAÇÃO
O SIGNIFICADO DA FILOSOFIA
I ara educarmos os homens de um modo sensato e esclarecido, convém saber no
que queremos que eles se tornem quando os educamos. E para sabê-lo é
necessário indagar para que vivem os homens — ou seja, investigar qual pode
ser a finalidade da vida. e o que ela deve ser. Portanto, devemos também
inquirir sobre a natureza do mundo e os limites que este--fixa-para-o- que
o homem pode saber e fazer. A natureza humana, a boa vida e o lugar do
homem no esquema das coisas estão entre os tópicos perenes da Filosofia.
Se refletirmos sobre o significado da educação para a vida humana, teremos
de, mais tarde ou mais cedo, considerar filo-sòücamente a educação. O que
é, pois, a filosofia e- qual a sua contribuição para a educação?
A Filosofia corno Especulação
A Filosofia é a tentativa para pensar do modo mais genérico e sistemático
em tudo o que existe no universo — no "todo da realidade". Por que os
filósofos querem pensar na realidade total? Por que não se contentam, como
os cientistas, cm estudar apenas uma parte? A resposta reside na
qualidade
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u
PREFÁCIO
A finalidade deste livro é esboçar aqueles elementos de Filosofia que
consideramos relevantes para uma compreensão adequada da educação e da
tarefa do ensino. Grande parte do conteúdo provém de um texto por mim
editado sob o título de Foundations of Education (Wiley, 1963). Reescrevi
e, em certos trechos, ampliei o original, especialmente as seções sobre
existencialismo e análise lógica, que decidi colocar num capítulo separado.
Espero, assim, dotar as instituições de educação para o professorado com um
texto que resume a matéria dentro do tempo concedido nos programas normais.
Espero, também, ter escrito algo de valor para o leitor geral que deseje
informar-se sobre o que os filósofos e os pensadores educacionais disseram
a respeito da educação. Ainda me atrevo a esperar que esta obra ajude os
críticos leigos que se dedicam a problemas educativos a articularem suas
opiniões de um modo mais rigoroso.
Ê meu desejo que a Filosofia da Educação encontre um público muito mais
vasto do que o atual e que as universidades e instituições de treinamento
dos Estados Unidos em breve imitem as estrangeiras, ao darem maior ênfase à
Filosofia na educação de professores.
George F. Kneller
Universidade da Califórnia, Los Angeles Julho, 1964
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDtlcAÇÃO .
única do espírito humano, impulsionado pela curiosidade intelectual e pelo
desejo de ordem. Através de múltiplas complexidades da experiência,
tendemos a procurar certo padrão que nos habilite a compreender a soma das
coisas de que nós, como indivíduos, somos unicamente uma parcela. Sem tal
padrão, a experiência humana, a longo prazo, seria desprovida de
significado.
Examinemos por um momento essa necessidade de organização. Quando lemos um
livro, ou contemplamos um quadro, ou estudamos uma tarefa, interessamo-nos
imediatamente pela maneira como o escritor ou artista dispôs o seu
material. Mesmo em nossa própria vida, a tendência é para estruturarmos as
coisas numa ordem que faça sentido. Não tentamos organizá-las numa ordem de
importância? Não relacionamos os meios com os fins? A Filosofia promana da
necessidade do homem organizar suas idéias e encontrar significado no
domínio global do pensamento e ação.
Ora, é claro, existe um limite para o que cada um de nós pode saber. No quo
àFilosofia diz respeito, não é sequer possível a alguém saber uma coisa
exaustivamente. Todavia, se não apreendermos a natureza das coisas como um
todo, não poderemos avaliar adequadamente as contribuições dos
nossos-estudos especiais para o domínio total do conhecimento. De fato, os
estudos especiais estão relacionados, tanto pela origem como pela
finalidade, com o desejo humano de compreender a realidade total através de
suas parcelas separadas. Um grande defeito de muitos especialistas e também
de muitos estudantes é a tendência para considerar os estudos especiais
como de suprema importância, pelo fato de vivermos numa era de
especialização. Pondo de parte o provincianismo de tal atitude, permanece o
fato de que não podemos tratar apropriadamente qualquer assunto isolado
enquanto não possuirmos um conhecimento operante do que significa existir,
saber, avaliar e inquirir as coisas em geral.x É neste ponto que a
Filosofia penetra em nossa vida.
1 Ver Paul Weiss, "The New Outlook", em Sidney Hook, American Philosophers
aí Work, Criterion, Nova York, 1956, págs. 304-305.
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FILOSOFIA E EDUCAÇÃO.*
A Filosofia como Prescrição
A Filosofia tem múltiplos aspectos. Até agora, tenho focalizado apenas o
que é geralmente designado como o lado especulativo da Filosofia — seu
aspecto contemplativo e con-jetural. Outros dois aspectos são o
prescritivo e o crítico,
A Filosofia é prescritiva ou normativa quando recomenda (prescreve) valores
e ideais. A Filosofia prescritiva examina o que entendemos por bom e mau,
certo e errado, belo e feio. Analisa se essas qualidades são inerentes às
próprias coisas ou se são, simplesmente, projeções das nossas próprias
mentes.
Na verdade, a Filosofia não faria prevalecer sua pretensão : de investigar
a realidade total se não examinasse e estipulasse tanto o que deve ser como
o que é, pois a realidade em que vivemos não é apenas o universo material,
mas também um mundo de moralidade, de relações sociais, arte, drama e uma
série de outros processos que jorram da natureza total do homeflr.
Onde o cientista estuda os fatos, o filósofo prescritivo os avalia. O
cientista pode ser capaz de prever as conseqüências de certo tipo de
comportamento, sob condições específicas e mensuráveis, mas deixa de
fa]ar_como cientista se declarar que esse comportamento está certo ou
errado. Para o psicólogo, as perversidades do homem não são moralmente boas
nem más; pelo contrário, trata-se de aspectos da natureza humana a serem
estudados objetiva e "empiricamente. Quando o psicólogo julga essas
perversidades, quando lhes atribui u(m valor, deixa de falar como cientista
para falar como filósofo prescritivo.
A Filosofia como Crítica ou Análise
Unia terceira espécie de Filosofia concerne à crítica e à análise. O
filósofo analítico examina conceitos tais como mente, eu e causa — e, na
educação, motivação, adaptação e interesse a fim de descobrir seu
significado em diferentes contextos. Esclarece aquilo que já sabemos e
assinala as incoerências do
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INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
nosso pensamento. È prudente e empírico por temperamento e não constrói
novos sistemas de pensamento.
Atualmente, o critério crítico ou analítico domina a Filosofia americana,
ao passo que a tradição especulativa ainda floresce na Europa, onde tem
raízes mais profundas. Mas seja qual for o gênero de Filosofia que pareça
predominar em qualquer momento dado, a maioria dos filósofos concorda que
todos os gêneros são necessários. A especulação desacompanhada de análise
voa com excessiva facilidade para alturas inacessíveis e irrelevantes para
o mundo que conhecemos, ao passo que a análise sem especulação desce a
minúcias, torna-se acadêmica e estéril.
Filosofia e Ciência
Acredita-se geralmente que o cientista faz suas descobertas mediante^ a
observação de inúmeros fatos e, depois, formulando generalizações, a partir
dos mesmos. Isso não é inteiramente verdade. Com efeito, não existe o que
se possa chamar uma observação sem preconceitos. A natureza não dita coisa
alguma ao cientista e, pelo contrário, para usarmos uma metáfora jurídica,
o cientista interroga a natureza. Para fazê-lo, deve saber precisamente que
informação procura; deve ter suas perguntas preparadas antecipadamente. É
claro que não vai necessariamente encontrar aquilo que busca; pode não
encontrar coisa alguma ou descobrir algo muito diferente. Mas sua
investigação deve ter um propósito; isto é, deve principiar com uma
hipótese, que é uma conjetura para guiar sua investigação.
Como nasce uma hipótese? Pode ter origem em hipóteses anteriores ou surgir
novinha em folha — gerada na imaginação do cientista. O que popularmente se
considera ciência — basicamente, a previsão e a comprovação experimental —
só começa depois da hipótese ter sido formulada, e isto requer algo mais do
que generalização e verificação. Exige audácia imaginativa, a capacidade de
pressentir uma ordem e um padrão nas coisas onde anteriormente nada fora
vislumbrado.
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filosofia k educação:
Todas as afirmações científicas são fatuais; as suas conseqüências podem
ser verificadas, quer através dos sentidos, quer com instrumentos que
constituem prolongamentos dos sentidos, por qualquer pessoa que siga os
métodos conducentes às conclusões. A Filosofia por outro lado, examina as
questões que se situam-além do âmbito da ciência, pois sua preocupação não
reside nos fatos, mas no que os fatos pressupõem. A ciência tradicional
pressupõe, por exemplo, que todo evento é causado por outros eventos que,
por sua vez, causam ainda outros eventos. Logo, para a ciência não existe
acontecimento sem causa. Mas como poderemos tér a certeza disso? Causa e
efeito existirão no próprio mundo, ou serão frutos da nossa imaginação?
Essas perguntas não podem ser respondidas cientificamente, pois a
causalidade não é um fato estabelecido, mas um pressuposto da ciência. A
menos que o cientista supQnha que a realidade é causai na natureza, não
poderá começar a investigá-la.2 Uma vez mais, a ciência ocupa-se das.
coisas tal como parecem aos nossos sentidos e aos nossos instrumentos. Mas
as coisas serão realmente, em si mesmas, tais como nos parecem ser? O
cientista não pode fornecer a respoita,_ visto que as coisas em si mesmas,
em oposição às suas aparências, estão, por definição, além da verificação
empírica.
As ciências do comportamento reuniram' grande soma de informações sobre a
natureza humana. Se observarmos essas informações, verificamos que a
Psicologia nos dá uma imagem do homem, a Psicanálise outra, a Sociologia
outra, a Antropologia outra, a Economia ainda outra, etc. O que possuímos,
depois de todas as ciências terem sido inventariadas, não é uma imagem
composta do homem, mas uma série de imagens diferentes. Todas deixam de
satisfazer, porque explicam aspectos distintos do homem, em vez do homem
como um todo.
2 Não está em meus propósitos * perseguir a questão de saber se a Física
subatômica trocou pelo conceito de causalidade isomórfica — uma dada causa
provocando um dado efeito — o conceito de causalidade estatisticamente
provável -— certo número de causas possíveis acarretando certo número de
efeitos possíveis — pois a discussão não afetaria materialmente o argumento
aqui apresentado.
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INTRODUÇÃO A FILOSOFIA . DA EDUCAÇÃO
Nas várias ciências, vemos o ser humano fragmentado numa série de imagens
diferentes. Recordam-nos a técnica de um pintor cubista <|ue, quando
executa um retrato, divide a imagem do modelo numa série de facetas ou
planos, cada um visto de um ângulo diferente. O pintor, contudo, não se
ajusta à situação acima descrita. Usa a sua concepção da pintura terminada
¦— a idéia que êle está procurando realizar na tela — a fim de fundir os
diversos elementos de sua criação num todo, Podemos também, por nossa vez,
unificar as imagens parciais do homem num único e completo retrato? Sim, se
usarmos o método. correto. Contudo, o método correto não será o método
científico, visto que a ciência apenas estuda aquelas coisas que, no homem,
podem ser quantitativamente medidas. É principalmente através da Filosofia
que compreenderemos a natureza total do homem.
Portanto, a Filosofia é simultaneamente natural e necessária ao homem,
porque o espírito humano busca eternamente uma visão mundial ou uma
estrutura compreensiva através da qual as nossas intuições da realidade
possam explicar-se. A Filosofia não é apenas uma parte do nosso
conhecimento, a par da arte,-da ciência e da religião; na realidade,
abrange essas disciplinas em suas fases teóricas, procurando explicá-las e
interligá-las.
A Natureza da Realidade
Antes de compreendermos a estrutura da Filosofia educacional, temos de
aprender algo sobre a própria estrutura da Filosofia. Relanceemos
sucintamente as categorias de que ela se compõe,
A metafísica representa, essencialmente o lado especulativo da Filosofia.
Estuda a natureza da realidade suprema. Examina perguntas como estas: O
universo, como um todo, está racionalmente planejado ou é,
fundamentalmente, desprovido de significado? Aquilo a que chamamos
espírito nada
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FILOSOFIA E EDUCAÇÃO.*
mais é do que uma ilusão alimentada pela presente inadequação do
conhecimento científico, ou possui uma realidade própria? Serão todos os
organismos determinados ou alguns, como o homem, serão livres?
Com a ascensão da ciência, muitos acreditaram que a metafísica era uma
perda de tempo. As descobertas da ciência foram consideradas mais dignas de
confiança, já que podiam ser observadas e medidas, ao passo que* as noções
metafísicas não podiam ser verificadas empiricamente, e dificilmente
pareciam relevantes para a vida cotidiana.
Hoje, porém, reconhecemos que a metafísica e a ciência são duas atividades
diferentes, cada uma delas valiosa por direito próprio.3 Embora ambas
procurem generalizações universais, os depoimentos científicos submetem-se
à previsão estatística, enquanto as generalizações metafísicas tratam de
conceitos tais como certeza e eu, que não são estatisticamente mensuráveis.
Isso não significa que a metafísica seja independente da ciência. Com
efeito, usa freqüentemente conclusões científicas para corroborar
substancialmente suas generalizações. Além âisso, alguns metafísicos
concluem, a partir das descobertas científicas, que todas as coisas
existentes são fundamentalmente físicas*—Por outras palavras, para
eles,._ajdfeãa_E_rova_ que a realidade é estruturalmente material
Por seu turno, a ciência deve conüar na metafísica. Muitos estudantes não
se dão conta desse fato. A dependência em que as ciências físicas se
encontram das teorias da realidade é reconhecida pelos maiores matemáticos
e cientistas, Alfred North Whitehead escreveu em sua obra Adventures of
Ideas: "Nenhuma ciência pode ser mais segura do que a metafísica
inconsciente nela tàcitamente pressuposta" (pág. 17). E nas palavras de Max
Planck:
A imagem científica do mundo obtida pela experiência — e o mundo
fenomenológico — continua sendo sempre uma simples aproximação, um modelo
mais ou menos bem dividido. Assim como existe um ob-
3 Ver Edwin Burtt, The Metaphysical Foundations of Modem Phy-sical Science,
Doubleday Anchor, Nova York, 1955.
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INTRODUÇÃO A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
jeto material subentendido em todas as sensações, também existe uma
realidade metafísica subjacente em tudo o que a experiência humana
demonstra ser real... 4
A ciência moderna reconhece que, embora as afirmações metafísicas sejam
especulativas, não são irresponsáveis nem destituídas de sentido:
[A metafísica] afeta a ação não oferecendo o controle sobre a natureza, nem
oferecendo instrumentos físicos que possam ser usados para vários fins, mas
dando forma a conceitos sobre o que é a natureza e como pode e deve ser
controlada, indicando os fins apropriados. Fá-lo por intermédio de uma
teoria da ética, baseada numa teoria axiológica que, por sua vez, baseia-se
num conjunto de conceitos respeitantes à natureza da existência e do
conhecimento. 5
A metafísica neoplatônica, por exemplo, foi responsável pelo
desenvolvimento da ciência monástica e o neo-aristotelismo pelo estudo das
essências materiais. Em tempos mais modernos, o materialismo dialético tem
uma influência determinante em todas as fases da vida na União Soviética.
Os grandes cientistas, usualmente, sustentaram uma Filosofia coerente. Os
estudantes agnósticos têm muitas vezes dificuldade em compreender como um
cientista católico romano pode conservar sua fé, em vista do que parece,
para eles, ser uma flagrante contradição. A resposta é que as teorias da
realidade estão intimamente relacionadas com as teorias da ciência. O
progresso adequado de cada uma depende da outra. Eis por que o cientista
religioso não encontra um conflito essencial entre a ciência e a religião.
De fato, o progresso científico poderá ajudar os homens a entenderem melhor
a religião!
Portanto, a desconfiança da metafísica tem origem numa concepção limitada
da natureza da ciência e numa falta de percepção das nossas próprias
suposições metafísicas. Como disse Bertrand Russell, existe uma "metafísica
oculta, usual-
4 Max Planck, "The Meaning and Limits of Exact Science", Science (1949),
págs. 319-327.
6 Everett W. Hall, "Metaphysics" em Dagobert D. Rimes, Living Schools of
Philosophy, Littlefield, Adams, Ames, lowa, 1956, pág. 130.
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FILOSOFIA E EDUCAÇÃO;
mente inconsciente, em todo escritor de Filosofia. Mesmo que o seu tema
seja a metafísica, é quase certo êle possuir um sistema em que
intransigentemente crê e que está subentendido em seus argumentos
explícitos".6
Apesar das críticas que suportou, a metafísica ganhou em apreço nos anos
mais recentes. A ciência deixou de proclamar sua capacidade para resolver o
enigma do universo. Embora um grande progresso material e melhores
condições de existência tenham resultado da ciência e da tecnologia, muitas
pessoas conservam-se céticas e confusas. Ê deveras difícil acreditar que o
homem ficasse completamente em paz se toda a miséria e toda a fealdade
fossem removidas da sua vida. O homem é, por natureza, um ser metafísico. É
dominado por um desordenado anseio de extrair dos diversos materiais de sua
experiência vivencial um entendimento da natureza final das coisas. Os
problemas metafísicos continuam sendo editados, época após época, porque
são problemas humanos universais. Cada um de nós tem de pensar a respeito
dêies, em termos de sua própria experiência íntima.
A NATUREZA DO......CONHECIMENTO
Epistemologia
Epistemologia é a teoria do conhecimento. Trata do conhecimento como
matéria universal e procura desvendar o que está envolvido no processo de
conhecer. Formula perguntas como: Existe algo comum a todas as diferentes
atividades a que aplicamos o termo "conhecer"? O conhecimento será um tipo
especial de ato mental? Se assim for, qual é a diferença entre conhecer e
crer? Poderemos conhecer alguma coisa além dos objetos com que travamos
contato pelos nossos sentidos? O conhecer faz alguma diferença para o
objeto conhecido?
6 Bertrand Russell "Dewey's New Logic", cm Paul Schilpp, The Philosophy of
John Dewey, Northwestern University Press, Evanston, Illinois, 1939, pág.
138,
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l
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Ao contrário do psicólogo, o epistemologista não está interessado em reunir
e classificar fatos sujeitando-os a uma análise estatística. O
epistemologista possui idéias sobre o modo como as pessoas pensam e sentem,
mas não pretende estar habilitado a explicá-las cientificamente. Examina os
conceitos psicológicos relevantes como percepção, memória e reforço, a fim
de determinar se são coerentes, não forçosamente com os fatos, mas com eles
próprios. Conhecendo o uso psicológico dessas expressões, procura analisar
o seu significado. Em geral, o problema epistemológico de maior importância
é estabelecer e avaliar as próprias bases em que o conhecimento assenta e
sobre as quais se pretende qb tê-lo, Há, evidentemente, tipos diversos de
conhecimento, dos quais analisaremos agora os mais importantes.
TIPOS DE CONHECIMENTO
Conhecimento Revelado
-------O conhecimento revelado é, em parte, a espécie de saber
que Deus revela ao homem. Em sua oniscíência, Deus inspira certos homens
para registrar Sua revelação em forma permanente, tornando-se dessa maneira
acessível a toda a humanidade. Para os cristãos e judeus, está contido na
Bíblia; para os muçulmanos, no Alcorão; para os hindus, no Bhaga-vad-Gita e
nos Upanichades. Divinamente autenticado, promete aos que o aceitam que
nunca, de acordo com suas próprias luzes, cairão em erro. A interpretação
poderá desvirtuar uma parte dele, mas, em si próprio, é a verdade divina. O
conhecimento revelado limita-se às religiões ou seitas que o reconhecem
como o Verbo de Deus. Não é, simplesmente, um pronunciamento individual e
pessoal. Baseia-se também em fenômenos sobrenaturais, embora possa
aplicar-se a fenômenos naturais, como no Gênese. Pouco se pode argumentar
sobre a credibilidade de sua fonte original. Não pode ser provado nem
reprovado empiricamente. Aceitamo-lo na base da fé,
20
FILOSOFIA E EDUCAÇÃO;
amparado sempre que possível pela razão e pela experiência crítica.
Conhecimento Autoritário
É o conhecimento aceito como verdade porque provém de especialistas. O'
conhecimento colhido em enciclopédias é usualmente considerado como
autoritário, tal como o dos melhores tratados e obras didáticas. Outras
fontes são as monografias e publicações especializadas, da autoria de
reconhecidos profissionais competentes. Na prática escolar, aceitamos sem
discussão as fórmulas para resolver certos problemas matemáticos e
decoranjos tabelas para converter as medidas inglesas em decimais.
Poderíamos verificar pessoalmente a verdade dessas formas e tabelas, mas
preferimos aceitá-las para poupar tempo e esforço. No fim de contas, têm
sido comprovadas e garantidas por autoridades matemáticas, desde há muito
tempo. A maior parte do nosso conhecimento fatual baseia-se na autoridade,
constituído pelo registro de realizações, experiências e fatos que uma
cultura julga de suficiente valor para que se perpetuem.
Conhecimento Intuitivo........
A intuição é, talvez, o mais pessoal meio de saber. Ocorre no que os
psicólogos chamam de nível subliminar, abaixo do "limiar da consciência".
Está intimamente relacionado com o sentimento e contrasta com os processos
lógicos usualmente associados ao pensamento em nível consciente. Como
pessoas, vislumbramos "num súbito relâmpago de inspiração", que o caso é
assim. Apreendemos diretamente o conhecimento. Contudo, ignoramos como
adquirimos esse conhecimento. Apenas um sentimento intenso nos parece
convencer de que descobrimos aquilo que buscávamos.
A intuição é freqüentemente equacionada com um instinto que se tornou
autoconsciente e, por isso, é por muitos
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INTRODUÇÃO A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
considerada a única fonte verdadeira do conhecimento. Para Nietzsche, a
intuição é "a mais inteligente de todas as espécies de inteligência".
Jerome S. Bruner, de Harvard, chama-lhe a "técnica intelectual para chegar
a plausíveis, mas conjetu-rais formulações, sem passar pelas fases
analíticas por meio das quais essas formulações seriam consideradas
conclusões válidas ou inválidas".7 Isto não significa que a intuição sobre
uma teoria científica, por exemplo, chegue a um indivíduo independentemente
do seu conhecimento dessa ciência. Se não estivermos familiarizados com o
âmbito e estrutura dos conhecimentos envolvidos, não poderá haver intuições
substanciais a respeito dos mesmos.
A intuição de maneira alguma é monopólio de místicos, santos e mulheres. Os
cientistas, artistas, filósofos e líderes religiosos que experimentaram
momentos de profunda contemplação, todos testemunham o fato de que algumas
de suas realizações m^is construtivas ocorreram após súbitas intuições ou
momentos de inspiração. Contudo, por si só, a intuição não é, por certo,
uma fonte idônea de conhecimento. Deve ser comprovada pelos conceitos da
razão e pelas percepções sensoriais. Os pensamentos intuitivo e analítico
devem complementar-se reciprocamente, e as teorias científicas intuídas têm
de ser verificadas pelos métodos científicos normais, antes de poderem ser
declaradas válidas e dignas de crédito.
7 Jerome S. Bruner, The Process of Education, Harvard University Press,
Cambridge, Massachusetts, 1960, pág. 13. Ver a narrativa de Otto Loewi
sobre uma idéia experimental que se insinuou em seu inconsciente enquanto
êle dormia. Foi o estabelecimento da teoria química da transmissão dos
impulsos nervosos que lhe valeu o Prêmio Nobel de 1936, de Fisiologia e
Medicina. Nas próprias palavras do Dr. Loewi, em "An Autobiographical
Sketch", Perspectives in Biology and Medicine, vol. 4, n.° 1 (outono de
1960), pág. 25: "A história desta descoberta mostra que uma idéia pode
estar adormecida durante décadas no inconsciente mental e depois,
subitamente, reaparecer. Além disso, indica que devemos, por vezes, confiar
numa súbita intuição, sem demasiado ceticismo. Se eu a tivesse
cuidadosamente examinado durante o dia, sem dúvida teria rejeitado a
espécie de experiência que realizei... Foi uma sorte que, no momento do
palpite, eu não pensasse, mas agisse."
22
FILOSOFIA E EDUCAÇÃO:
Não há dúvida de que as nossas escolas tendem a realçar o pensamento
analítico em detrimento da intuição, por causa, em grande parte, da
imprevisibilidade e da qualidade extremamente pessoal da intuição. Mas a
intuição, afirma Braner, é uma "característica essencial do pensamento
produtivo, não só nas disciplinas acadêmicas formais, mas também na vida
cotidiana", e o. poder intuitivo de um estudante deveria ser cultivado como
fonte genuína de capacidade criadora.8 Unr professor deve ser capaz de
diferenciar o "palpite educado" do estudante, que é intuição, da fraude
habilidosa que ele pode usar para esconder a ignorância. Os professores
poderão ter que desenvolver eles próprios maiores podêres de intuição a fim
de reconhecerem as intuições nos outros!
Conhecimento Racional
A razão é uma fonte de conhecimento da qual derivamos juízos universalmente
válidos e coerentes entre si. Certas verdades matemáticas e lógicas, por
exemplo, são espécies de conhecimento "autò-evidente" que satisfazem a
nossa razão. Consideremos a proposição de que duas afirmações
contraditórias não podem ser ambas verdade ao mesmo tempo, ou a proposição
que diz: se A é maior do que B e B é maior do que C, então A é maior do que
C. Ambas são afirmações verdadeiras, independentemente de casos reais, e
não derivam dos sentidos. São válidas, à parte da nossa experiência pessoal
com elas.
Os que destacam a razão como o fator importante no conhecimento são
conhecidos como racionalistas. Reconhecem a contribuição dos sentidos para
o conhecimento, na forma de simples fatos e impressões isoladas. Mas
acreditam que o intelecto interpreta e organiza esses fragmentos e parcelas
de informação, convertendo-os naquilo a que podemos chamar um conhecimento
idôneo e significativo.
Contudo, o conhecimento pela razão tem limitações importantes. Tende a
ser abstrato. Ocupa-se de um mundo de
8 Bruner, loc. c\i.
23
\
V
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO-
relações e significações e oferece reduzida compreensão do mundo físico.
Como a nossa vida está inevitavelmente imersa nesse mundo físico,
precisamos da ajuda de outros tipos de conhecimento. Além disso, os nossos
processos de raciocínio podem ser influenciados por preconceitos,
interesses e inclinações, que muitas vezes impedem a razão de manifestar-se
objetivamente.
A razão pura é hoje menos usada do que nos primeiros dias da Filosofia,
quando o homem acreditava que só a razão tinha importância máxima. Todavia,
continua sendo ainda o árbitro e juiz do conhecimento, se quisermos que
este seja racional. Neste ponto, a razão encontra-se numa posição algo
difícil, pois, ao que parece, o espírito humano deve realmente julgar-se a
si próprio.
A razão, declarou certa vez Kant, tenta "empreender a mais laboriosa de
todas as tarefas: a da autocrítica". E Locke escreveu: "O entendimento, tal
como os olhos, conquanto nos faça ver e perceber todas as outras coisas,
não se dá conta de si próprio; e só com arte e duras penas é possível
fixar-se a certa distância, tornando-se seu próprio objeto." 9
Conhecimento Empírico ____. '•___________________z______
O conceito de que o conhecimento provém dos sentidos é conhecido como
empirismo. Vendo, ouvindo, cheirando, sentindo e provando, formamos a nossa
imagem do mundo que nos cerca. Portanto, o conhecimento compõe-se de idéias
formadas de acordo com os fatos observados. Um empirista adverte-nos para
que "procuremos e vejamos", ao passo que um racionalista nos diz que
"pensemos completamente as coisas".
Embora dependamos dos nossos sentidos para o conhecimento do mundo
cotidiano, por vezes os sentidos iludem-nos, como no clássico exemplo da
vara que parece curva, quando mergulhada na água, mas resulta ser reta
quando a tocamos. Gs
9 Citado por Max Rosenberg, Introduction to Philosophy, Philoso-phical
Library, Nova York, 1955, pág. 62.
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FILOSOFIA E EDUCAÇÃO:
nossos preconceitos também podem influenciar a maneira de vermos as coisas.
Por vezes, só vemos o que estamos condicionados para ver, não o que
realmente está à vista. A acuidade dos nossos sentidos pode ser ainda mais
reduzida por elementos tais como o frio, o nevoeiro, o calor, o ruído ou a
fumaça. Não obstante, os sentidos têm seu próprio papel a desempenhar na
formação do conhecimento; -A
Visto que a ciência moderna é empírica, a sua metodologia está
estreitamente aliada com este particular aspecto da epístemologia. As
teorias ou hipóteses são comprovadas através de experiências para descobrir
qual delas explica melhor um determinado fenômeno. O êxito depende de
múltiplos fatores, como a eliminação de elementos estranhos e espúrios, a
cuidadosa compilação de dados, o plano adequado de pesquisas e seleção de
métodos, e a atitude e capacidade do investigador. Mesmo assim, nunca se
espera que a conclusão de uma experiência prove ou reprove absolutamente
uma hipótese. Pode apenas apresentar os resultados como mais cm menos
prováveis. Portanto, o conhecimento empírico não é necessariamente o mais
digno de confiança de que dispomos, como muitos supõem. Ocupa o seu lugar
ao lado de outros tipos de conhecimento, como mais um caminho aberto para a
compreensão da realidade.
A NATUREZA DO VALOR Tipos de Valor
O estudo geral dos valores tem o nome de axiologia. Existem, claro,
diferentes teorias e tipos de valores, constituindo logicamente uma parte
das escolas de Filosofia estabelecidas.10 Em regra, um estudo axiológico
gravita em torno de três questões principais: 1) se os valores são
objetivos ou subjetivos, isto é, pessoais ou impessoais; 2) se são
variáveis ou constantes; e 3) se existem hierarquias de valores.
10 Ver H. Osborne, Foundations of the Philosophy of Value, Cam-bridge
University Press, Londres, 1933.
25
INTRODUÇÃO A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
1. Os valores objetivos existem independentemente dos sentimentos e desejos
pessoais do homem. São cósmicos no caráter e podem ser considerados como
derivantes da própria natureza do universo. Verdade, bondade e beleza, por
exemplo, são, por este conceito, realidades ontológicas e possuem valor
intrínseco. A verdade objetiva tem seu valor próprio; é bom dizer a
verdade, quer gostemos ou não dela. A bondade também é um valor; praticamos
o bem pelo bem e não porque nós desejamos fazer o bem. Numa teoria objetiva
da arte, dizemos que a beleza reside no objeto. A beleza do poente — suas
cores em cambiante e combinação — é uma qualidade à parte do juízo do
observador. Sua beleza é própria. Os valores objetivos existem para todos
os homens. Provocam uma reação apreciativa de nossa parte, sem atender aos
nossos desejos individuais. Neste critério, a educação ou aprendizagem
constitui um valor objetivo, um "bem" em si mesmo, não dependendo de
recompensas monetárias ou lucros pessoais.
Os valores subjetivos, por outro lado, relacionam-se còm o desejo pessoal,
que confete valor ao objeto examinado. Avaliar algo significa desejá-lo.
Acreditamos que é bòm, simplesmente porque o desejamos. Os valores
subjetivos são de criação humana, variando de acordo com o homem e as
circunstâncias. Mencionamos alguns valores subjetivos como instrumentais
pelo fato de constituírem instrumentos ou meios para obter certas
satisfações desejadas. Bill Smith ajuda seus colegas de classe a fazerem
seus trabalhos de casa porque assim obtém a simpatia deles, ou estuda com
afinco para poder arranjar um emprego bem remunerado ou para vir a ser um
erudito.
2. Os valores também podem ser considerados: a) absolutos e eternos, ou b)
variáveis e transitórios. Os valores absolutos são constantes. Derivam do
caráter do mundo e são um reflexo da própria realidade. Não mudam de
geração; para geração ou de sociedade para sociedade; em sua essência,
permanecem constantes para sempre. O quê para nós é hoje errado era-o
também para os nossos predecessores de há mil anos.
26
FILOSOFIA E EDUCAÇÃO;
Os valores transitórios, pelo contrário, são reações às necessidades
imediatas do homem. Ao contrário dos valores absolutos, surgem no decorrer
das experiências diárias do homem. São-lhe relativas e pessoais. Portanto,
esses valores estão sempre sujeitos a revisão. Em geral, são mais sociais
do que individuais. Foram formulados empiricamente e comprovados
publicamente a fim de obterem a aprovação de um grupo informado.
3. Acreditarmos ou não numa permanente hierarquia de valores depende da
Filosofia geral de cada um de nós. Algumas Filosofias aderem a uma
estrutura axiológica mais ou menos fixa, que enaltece as coisas do espírito
acima das coisas da matéria. Colocam os valores religiosos num plano
elevado, porque tais valores ajudam o homem a aderir a uma ordem
espiritual. Outros filósofos concordam que certos valores são mais
importantes do que outros, mas colocam em plano mais elevado os valores
empíricos, por ajudarem a adaptarmo-nos à realidade material. Dão* valor às
Ciências Físicas e. Matemáticas por desvendarem certos fatos do universo
dos quais os valores empíricos derivam. Ainda outros filósofos recusam
estabelecer uma hierarquia de valores. Para eles, uma atividade tem tantas
probabilidades de ser tão boa quanto qualquer outra, desde que satisfaça
uma necessidade urgente e possua valor instrumental. Esses filósofos dão
maior destaque ao processo do que à finalidade de avaliação. São sensíveis
aos valores que a sociedade aprecia, mas deliciam-se tanto em estabelecer
métodos para a comprovação de valores como na contemplação racional dos
mesmos. Pensam dessa maneira, em grande parte, por acreditarem que, a longo
prazo, todos os valores passados e presentes são apenas instrumentais para
o estabelecimento de novos e melhores valores.
A matéria componente dos valores é vasta e intrigante, especialmente em
nossos dias, quando os especialistas lutam por estabelecê-los de um modo
lógico e científico. Se, por exemplo, os investigadores puderem demonstrar
que os americanos apreciam os mesmos valores que as outras pessoas de
qualquer outra parte do mundo, teremos dado um grande passo
27
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUC/ÍÇAO
no sentido de lançar os alicerces para o entendimento internacional.
Conquanto a opinião popular sustente que o Oriente e o Ocidente estão muito
distanciados em seus valores sociais e morais, testes experimentais
poderiam demonstrar, de fato, que os americanos e japoneses concordam
realmente muito mais, a respeito de certos valores, do que os americanos e
os britânicos,11 Elaboradas classificações foram feitas do que os homens de
jato apreciam, em contraste com o que eles dizem apreciar. Os resultados
são surpreendentes e deveriam ser estudados por todos os educadores. Dessa
maneira, as conclusões estatísticas do cientista social fornecem ao
educador e ao filósofo um acervo de fatos para reflexão profunda. •
Ética
A ética é o estudo filosófico dos valores e da conduta moral. Trata de.
questões como "O que é a vida boa para os homens?" e "Como nos deveríamos
comportar?" Seu tema é fornecer valores corretos para ações corretas. Esses
valores, ou princípios, justificam ou condenam a conduta pessoal de cada um
de nós.12
____^Um sistema ético pode estar intimamente relacionado com
uma religião. Sendo assim, tende a ser absolutista, composto de normas
fixas de conduta, às quais se espera que todo mundo obedeça. Hoje em dia,
porém, os sistemas éticos tendem mais a ser seculares, naturalistas e
relativistas. Os sistemas éticos do mundo ocidental, embora bastante
inspirados e influenciados pelo cristianismo, justificam-se freqüentemente
noutras bases não-religiosas. Nos Estados Unidos, uma política estabelecida
de separação da Igreja e do Estado levou à rejeição do ensino religioso nas
escolas públicas. Isto, por sua vez, levou o povo a indagar se certos
valores morais deveriam ser ensinados para ocuparem o lugar do conhecimento
religioso.
** Ver Charles Morris, Varieties of Human Value, University of Chicago
Press, Chicago, 1956.
12 Ver Wilfred Sellars e John Hospers, Reading in Ethical Theory,
Appleton-Centary-Crofts, Nova York, 1952.
28
FILOSOFIA E EDUCAÇÃO.*
Dois tipos de teoria ética são pertinentes a esta introdução: o
intuicionismo e o naturalismo. O intuicionismo declara que os valores
morais são diretamente apreendidos. Percebemos se uma coisa é correta ou
errada por meio de um senso moral inato. Portanto, os valores morais não
podem ser avaliados em termos de suas conseqüências; são certos em si
próprios e não necessitam ser verificados pela experimentação, científica.
Além disso, são "não-naturalistas"; de fato, se é preciso que sejam alguma
coisa, são ".rapranaturalistas".
O naturalismo é o conceito segundo o qual os valores derivam das
necessidades, interesses e desejos do homem, e são por eles determinados. O
homem é o originador e a medida de seus próprios valores. A retidão ou
incorreção de seus atos depende das conseqüências que lhe advenham.
Portanto, uma vez que as conseqüências podem ser empiricamente verificadas,
os valores também podem. Por exemplo, se acreditarmos que as relações
sexuais pré-maritais são moralmente erradas, devemos acreüitar que o são,
não por afirmações éticas já formuladas a tal respeito, mas por causa das
conclusões obtidas pelas experiências e observações científicas sobre os
efeitos concretos de tais relações. Uma pessoa que aceita a interpretação
naturalista da ética fundamenta seus princípios naquilo que acredita terem
já os cientistas demonstrado ser o caminho apropriado para a conduta dos
seres humanos. Por outras palavras, a pessoa insiste em que os valores
morais devem satisfazer as necessidades reais dos.homens, em sua
convivência atual, e que devem basear-se mais num humanismo terreno do que
num humanismo celestial.
Estética
A estética é o estudo dos valores no domínio da beleza e da arte. A
estética ocupa-se dos aspectos teóricos da arte em sua mais ampla acepção,
não devendo confundir-se com as obras concretas da arte nem com as críticas
especializadas sobre as mesmas. Os valores estéticos são mais difíceis
de
29
mm
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
avaliar que os valores morais, pois inclinam-se a um critério mais pessoal
e subjetivo e estão relacionados com a imaginação 9 o poder criador. Uma
determinada obra de arte suscita várias reações entre diferentes pessoas.
De gustibus non est disputandum. Quem irá dizer que esta ou aquela reação é
a apropriada?
De qualquer modo, uma questão básica ocupou os este-ticistas ao longo dos
séculos. A arte deve ser imitativa e representativa, ou deve ser o produto
da imaginação criadora de cada um? No primeiro caso, a arte deve reproduzir
fielmente a vida e a experiência humana. Devemos reconhecer nitidamente a
cena outonal ou o poente agônico reproduzidos numa pintura paisagística. Na
verdade, quantos dentre nós admiramos a vida parada num vaso de flores,
cada flor tão bem pintada, suas pétalas tão vibrantes de frescor, que somos
impelidos a estender a mão e tocá-las!
O segundo ponto de vista pode-se considerar uma reação contra o primeiro.
Agora, o artista exprime-se espontaneamente sobre qualquer aspecto da vida
que lhe interesse. Não precisa copiar os objetos que vê ou experimenta na
vida real. Disse Degas: "Uma pintura jamais deve ser uma cópia... O ar que
vemos nas pinturas dos velhos mestres nunca é o ar que respiramos." 13 O
artista segue seu próprio rumo. Goza de uma liberdade ilimitada para
utilizar seus meios da maneira que satisfaça autenticamente seu impulso
criador. Cria a partir de suas próprias experiências pessoais; exprime seus
sentimentos sobre a beleza ou fealdade do mundo e, talvez, mostra o que ele
pensa que o mundo deveria ser. Pode-nos ensinar tão eficazmente quanto o
artista representativo (ou figurativo) como ver e sentir a vida.
Em ambas as concepções, surge o problema relativo ao tema apropriado e ao
âmbito da arte. Se a arte é uma expressão da vida, deve ocupar-se de toda
ela — o feio, o belo, o grotesco, o excelso. Contudo, há muitos artistas,
especialmente
13 Edgar Degas, 'The Painter", em George B. de Huszar, The Intelectuais:
The Free Press of Glencoe, Nova York, Í960, pág. 211.
30
FILOSOFIA E EDUCAÇÃO:
entre os adeptos da primeira concepção, que acreditam haver na arte uma
função social. Para eles, a arte deve falar ao coração de todos os homens.
A arte que não consiga comunicar seu espírito e mensagem não pode4ser
autêntica. A arte cujo significado permanece para sempre no íntimo do
criador, disse Jung, chama-se "neurose".
Por outro lado, se o artista for compelido a ter constantemente em vista a
necessidade de comunicar a sua mensagem a uma sociedade que não tem
possibilidade de conhecer e apreciar seus sentimentos mais íntimos, sua
capacidade criadora ficará atrofiada, • se não completamente destruída.
Para muitos, em especial os que defendem a segunda concepção, a função
social da arte não constitui a sua mais alta finalidade. A própria
sociedade é efêmera; transforma-se, progride, vê as coisas diferentemente
com o evoluir dos tempos. Um artista nascido numa geração pode estar
criando, para a seguinte. Deverá ser condenado pelo fato de não agradar aos
seus contemporâneos? Um artista que agradou aos seus críticos está
provavelmente no fim de seus podêres inventivos, pois os juizes tendem a
julgar de acordo com os padrões aceitos. O criador rejeitado pode ser o
verdadeiro inovador._________________________
A NATUREZA DO PENSAMENTO ORDENADO
Tipos de Lógica
A lógica é o estudo do pensamento correto. Examina as regras da inferencia
válida, que nos habilitam a passar com êxito de um argumento para outro.
Estabelece critérios, tais como o princípio da autocontradição ou a lei de
exclusão do termo médio, que nos habilitam a avaliar a coerência interna de
afirmações. Daquilo que nos é dado e aceito como auto-evi-dente ou já
demonstrado, passamos a algo que necessariamente se segue — ou com a maior
probabilidade. As crianças de escola, por exemplo, cometem uma inferencia
quando dizem ao professor que sabiam ter chovido porque o chão estava
úmido.
31
\
INTRODUÇÃO k FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Contudo, a conclusão não é bastante decisiva para que essa infe-rência seja
válida. O chão podia estar molhado porque o jardi-neiro esteve regando.14
Por ser uma das maiores responsabilidades do professor cultivar nos
estudantes a capacidade de pensar clara e corretamente, é imperativo que
ele se submeta a certo aprendizado de lógica. Há muitos tipos de lógica,
mas, para o presente fim, será suficiente descrever dois deles. Mais
adiante, examinaremos sua importância para os processos da educação.
Lógica Dedutiva
Dedução é uma forma de raciocínio que parte de uma afirmação geral para um
caso particular. Extrai implicações de um ou de uma série de axiomas ou
hipóteses básicas. O silo-gismo é um exemplo de raciocínio dedutivo. A
premissa maior de um silogismo adota a forma de uma afirmação geral, como
"Todos os homens são mortais". É uma declaração uniyersal, que ninguém pode
negar. Segue-se-lhe urt^a premissa menor, usualmente mais específica, tal
como esta: "João é um homem". Trata-se de um fato particular e ninguém
duvida dele. A conclusão é inevitável: "João é mortal"... No .raciocínio
jjedutivo,___
logo que certas premissas estão aceitas, a conclusão é indiscutível, desde
que seja vàlidamente deduzida das premissas.
O valor da dedução não reside tanto em derivar certas conclusões das
proposições universais como na necessidade lógica de que as conseqüências
estejam de acordo com as premissas. Na conversação diária, as pessoas
pensam estar usando corretamente o silogismo; elas dizem que seus pontos de
vista são "lógicos". Tomemos, por exemplo, o caso do jovem apaixonado que
busca refúgio na lógica para informar sua namorada sobre seus verdadeiros
sentimentos: "Todo o mundo me ama", disse êle. Esta foi a sua premissa
maior. Estava certa? Premissa menor: — Você é todo o mundo para mim! —
Certo?
14 Ver Joseph G. Brennan, A Handbook of Logic, Harper, Nova York, 1957.
32
FILOSOFIA E EDUCAÇÃO;
Conclusão: "Portanto, você me ama." O leitor concorda? E que dizer da
lógica de um aluno da quarta clasae que "deduziu" que um porco era um
"porco" porque era um animal muito sujo? Ou consideremos um exemplo mais
sofisticado. Ouvimos com freqüência este gênero de argumento: "Todos os
comunistas são totalitários; todos os fascistas são totalitários; portanto,
todos os comunistas são fascistas." O erro está na suposição de que, se
dois grupos compartilham de uma única qualidade, devem portanto ser
idênticos.
Lógica Indutiva
A lógica indutiva é habitualmente definida como o raciocínio que parte de
casos particulares para uma conclusão geral. Certos particulares com
características semelhantes são colocados na mesma categoria. Portanto, as
generalizações efetuam-se na base desses particulares. Obviamente, o
professor deve acau-telar-se contra a tendência dos estudantes para caírem
em generalizações, a partir de particulares insuficientes. Uma indução
prematura pode discorrer da seguinte maneira: Um homem embriagou-se na
segunda-feira com rum e soda, na terça-feira com uísque e soda e na
quarta-feira com gim e soda. O que provocou a sua embriaguez? Obviamente,
a soda!
Lógica e Psicologia
Se a lógica é o estudo do pensamento correto, não fará parte da Psicologia?
Não exatamente, porquanto, ao passo que a Psicologia examina o processo
real e concreto de pensar, a lógica estuda o conteúdo do que é pensado ou,
mais precisamente, os tipos de proposições em que esse conteúdo se amolda.
A lógica, portanto, trata do que as nossas proposições afirmam; mas de que
maneira um indivíduo concretamente pensa, quando afirma essas proposições,
é um problema irrelevante para a lógica. A nossa apreensão de um silogismo,
por exemplo, pode ser estudada como um evento psicológico, visto
33
INTRODUÇÃO k FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
ser um ato do pensamento; contudo, o silogismo que apreendemos não é em si
um evento psicológico, mas, pelo contrário, uma relação entre as formas de
três proposições.
Assim, uma inferencia é válida ou inválida segundo o que se infere, não
pelas operações mentais concretas que devem ocorrer quando essa inferencia
está sendo feita. Se eu inferir que, pelo fato de um finalista ter feito um
curso de introdução à Filosofia da Educação, êle conhece certas coisas
sobre-a Filosofia de John Dewey, então a minha inferencia é verdadeira ou
falsa independentemente dos acontecimentos neurofisiológi-cos, das imagens
mentais, etc, que constituem o ato de inferir, em oposição ao conteúdo
inferido.
Não obstante, embora a validade de uma inferencia não seja afetada pelo
estado psicológico da pessoa que infere, uma pessoa deve ser motivada para
pensar logicamente; isto é, deve estar psicologicamente condicionada de
modo que deseje formular inferências válidas e saiba como fazê-las. Assim,
de início, se um professor recompensar um estudante por pensar logicamente,
o estudante continuará pensando logicamente para receber a recompensa.
Gradualmente, porém, o estudante percebe que esse modo de pensar satisfaz
não só porque é premiado, mas também porque élógicor-Por outras palavras, o
hábito de pensar logicamente pode ser cultivado por meios psicológicos —
por exemplo, pelo reforço positivo e negativo — mas se qualquer inferencia
particular é ou não válida depende das relações entre as proposições em que
essa inferencia está expressa.
APLICAÇÕES DA FILOSOFIA A EDUCAÇÃO
Até agora, consideramos a estrutura da Filosofia formal. Passemos a
examinar como a Filosofia formal se relaciona com a educação e a Filosofia
educacional, e como as diversas categorias da Filosofia formal podem ser
úteis ao pensamento que se dedica a questões educativas.-
34
FILOSOFIA E EDUCAÇÃO.'
O Significado de Educação
A educação pode ser considerada em dois sentidos: um lato, o outro técnico.
Em sua acepção lata, a educação diz respeito a qualquer ato ou experiência
que tenha um efeito fonnativo sobre a mente, o caráter ou a capacidade
física de um indivíduo. Neste sentido, a educação íxunca termina;
verdadeiramente, "aprendemos pela experiência" ao longo de nossa vida.
Todas as espécies de experiência podem ser educativas — desde a leitura de
um livro até uma viagem ao estrangeiro, desde as opiniões das pessoas
nossas Conhecidas até a possibilidade de surpreendermos um comentário, no
burburinho de um bar. Na sua acepção técnica, a educação é o processo pelo
qual a sociedade, por intermédio de escolas, ginásios, colégios,
universidades e outras instituições, deliberadamente transmite sua herança
cultural — seus conhecimentos, valores e dotes acumulados — de uma geração
para outra.
Devemos igualmente distinguir entre educação como um produto e como um
processo. Como um produto, a educação é o que recebemos através da
instrução ou aprendizagem — os conhecimentos, ideais e técnicas que nos
ensinam. Como processo, a educação é o ato de educar alguém ou de nos
educarmos.
Examinemos agora as definições de educação por três especialistas, as quais
diferem mutuamente e também da que por nós foi proposta. Herman Horne, um
idealista, escreve: "A educação. .. é o processo externo de adaptação
superior do ser humano, física e mentalmente desenvolvido, livre e
consciente, a Deus, tal como se manifestou no meio intelectual, emocional e
volitivo do homem." 15 John Dewey, um pragmático, declara: "A educação pode
ser definida como um processo de contínua reconstrução da experiência, com
o propósito de ampliar e aprofundar o seu conteúdo social, enquanto, ao
mesmo tempo, o
15 Herman Horne, The Philosophy o} Education, Macmillan, Nova York, 1927,
pág. 285.
35
\
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
indivíduo ganha o controle dos métodos envolvidos."16 De acordo com o Papa
Pio XI: UA educação consiste, essencialmente, em preparar o homem para o
que deve ser e para o que deve fazer aqui na Terra, a fim de atingir o fim
sublime para que foi criado... O assunto da educação é o homem global e
inteiro, alma unida ao corpo em unidade da natureza, com todas as suas
faculdades naturais e sobrenaturais, tal como a razão justa e a revelação
lhe mostraram que fosse. .."1T Assim, diferentes Filosofias fornecem
diferentes definições da educação. Qual é a natureza da Filosofia
educacional que torna possíveis semelhantes diferenças?
O Âmbito da Filosofia Educacional
Assim como a Filosofia geral procura entender a realidade como um todo,
explicando-a da maneira mais genérica e sistemática, assim a Filosofia
educacional procura também compreender a educação, na sua integridade,
ínterpretando-a por meio de conceitos gerais suscetíveis de orientarem a
escolha de objetivos e diretrizes educativas, Do mesmo modo" que a
Filosofia geral coordena as descobertas e conclusões das diversas ciências,
a Filosofia educacional interpreta-as na medida em que se relacionem com a
educação. As teorias científicas não comportam em si mesmas inequívocas
implicações educacionais; não podem ser aplicadas diretamente. Um motivo
para isso é que os cientistas nem sempre concordam entre si sobre o que
constitui um conhecimento definitivo. Não existe, por exemplo, uma teoria
de aprendizagem geralmente aceita. Outro motivo é que, ao selecionar
objetivos e diretrizes educativas, temos de formular juízos de valor, de
decidir, entre uma quantidade de
16 John Dewey, artigo sobre "Education", em Paul Monroe, Cyclo-pedia of
Educaíion, Macmillan, Nova York, 1911, pág. 400.
17 Papa Pio XI, A Educação Cristã da Juventude, Carta Encíclica, 1930.
36
FILOSOFIA E EDUCAÇÃO;
fins e meios possíveis, quais os que deveremos adotar. Como já vimos, a
ciência não pode tomar por nós tais decisões, se bem que possa fornecer
muitos dos fatos em que as nossas decisões se baseiam. Esses juízos têm de
ser elaborados dentro do quadro de uma Filosofia que pessoalmente
aceitamos. X^ A Filosofia educacional depende da Filosofia formal porque
quase todos os grandes problemas da educação são, no fundo, problemas
filosóficos. . Não podemos criticar os ideais e as diretrizes educacionais
existentes, nem sugerir novos, sem atendermos a problemas filosóficos de
ordem geral, tais como a natureza da vida boa, que é um dos alvos da
educação; a natureza do próprio homem, porque é o homem que estamos
educando; a natureza da sociedade, porque a educação é um processo social;
e a natureza da realidade suprema, que todo o conhecimento procura
penetrar. A Filosofia educacional, portanto, envolve a aplicação da
Filosofia formal ao campo da educação.1S Tal. como a Filosofia geral, ela é
especulativa, prescritiva e crítica ou analítica.
A Filosofia educacional é especulativa quando procura estabelecer teorias
da natureza do homem, sociedade e mundo, por meio das quais ordene e
interprete os dados conflitantes da pesquisa- educacional e das ciências
humanasr—O filósofo educacional pode estabelecer tais teorias deduzindo-as
da Filosofia formai e aplicando-as à educação, ou, então, passando dos
problemas particulares da educação para um esquema filosófico capaz de
resolvê-los. Seja qual for o método que siga, permanece o fato de que a
educação suscita uma série de problemas que nem ela nem a ciência podem
resolver sozinhas, pois são
18 Cf. Gene Phillips, "Various Conceptions of the Role of the Edu-cational
Philosopher'1, Journal of Education, Boston University, CXLI, n.° 1
(outubro de 1958), especialmente págs. 2-13. Ver também: Paul A. Schilpp,
"The Distinctive Functign of Thilosophy of Education' as a DiscipIine,,,
Educational Theory, Iíí, n.° 3 (julho de 1953), 257-268; Sterling M.
McMurrin, "What about the Phiiosophy of Education", Journal of Phiiosophy,
LIX (25 de outubro de 1962), 629-637; B. Otlia-niei Smith, "Views on the
Role of Phiiosophy ih Teacher Education", ibid., 638-647.
37
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
meros exemplos das questões que perenemente se repetem na própria
Filosofia.
Uma Filosofia da educação é prescriíiva quando especifica os fins a que a
educação deve obedecer e os meios gerais que deve usar para atingi-los.
Define e explica os fins e os meios existentes do nosso sistema educativo e
sugere novos meios e fins para devida consideração. Para um tal propósito,
os "fatos'*, mesmo quando definitivos, não podem ser suficientes. Os fatos
apenas indicam, com maior ou menor rigor, as conseqüências de adotarmos
certas diretrizes. Não nos dizem se tais orientações são desejáveis ou,
sendo desejáveis, se justificam o abandono de outras diretrizes. Tanto as
finalidades da educação como quaisquer de seus meios, excetuando os mais
particulares, não podem ser estabelecidos.mediante critérios considerados
válidos unicamente para a educação, visto que, como disciplina, a educação
não pode ficar sozinha. Com efeito, sem recorrermos à Filosofia Política,
como poderemos inteligentemente discutir a questão de saber se a escola
deve ou não praticar a democracia na administração e no governo dos
estudantes? Ou, sem referência à Filosofia Social, como poderemos discutir
o problema da instrução individual? Quando o educador escolhe os seus fins,
deve fazê-lo não como educador, mas como filósofo.
Uma Filosofia da educação também é analítica e crítica. Nesta acepção,
analisa suas próprias teorias especulativas e prescritivas, bem como as
teorias que encontra em outras disciplinas. Examina a racionalidade dos
nossos ideais educativos, sua coerência com outros ideais e a parte neles
desempenhada pelo pensamento improvisado ou ilusório. Comprova a lógica dos
nossos conceitos e sua adequação aos fatos que procuram explicar. Demonstra
as inconsistências existentes em nossas teorias e indica o preciso alcance
das teorias que restam, quando as incoerências são removidas. Examina a
vasta proliferação de conceitos educacionais especializados. Sobretudo,
luta por esclarecer os múltiplos significados diferentes ligados a
expressões tão desgastadas como "liberdade", "adaptação", "crescimento",
"experiência", "interesse" e "maturidade".
38
FILOSOFIA E EDUCAÇÃO.*
Metafísica e Educação
As questões metafísicas podem parecer abstratas e distantes das tarefas do
ensino cotidiano. Não obstante, estão subentendidas com freqüência nas
dimensões de ciasse, em. várias áreas temáticas. Por exemplo, a questão
metafísica se a vida humana tem ou não qualquer finalidade e, se tem, qual
é, está implícita em qualquer debate sobre a criação e a evolução numa
classe ginasial de Ciências Naturais. Se um estudante concluir, de um
debate sobre a evolução, que o universo como um todo não tem finalidade,
segue-se que a sua vida só tem o significado que êle pessoalmente desejar
incutir-lhe. Em tais condições, que passos deve êle dar para preencher suas
necessidades individuais? Que finalidades deve perseguir na vida? E que
efeito suas ações terão em outras pessoas? Como poderá uma classe de
Biologia ajudar a responder a tais perguntas? Só um professor que tenha
tenazmente persistido em seus esforços para encontrar um significado na
existência poderá dominar eficientemente essas perguntas.
Tomemos outro problema prático da educação que é basicamente metafísico.
Ouve-se falar muito a respeito de ensinar a criança e não o assunto.-
Que-significa-essa afirmação para um professor? Mesmo que o professor
responda, "Prefiro limitar-me a ensinar a minha matéria", a pergunta ainda
permanece: Por quê? Qual é o propósito supremo do ensino de uma matéria?
Temos, então, o problema da natureza do espírito. Que é o espírito? Será
diferente do corpo? Como estão relacionados? Será o espírito a origem dos
pensamentos? No processo de aprendizagem, será usado o espírito ou o
cérebro? Talvez o que chamamos "espírito" não seja uma entidade, no fim de
contas. Estudos fisiológicos e psicológicos do cérebro deram-nos
informações fatuais, mas não responderam às indagações básicas da
metafísica sobre o espírito. Logo, o educador tem de considerar essas
questões filosòficamente.
O maior valor da metafísica reside em seu poder gerador de discussões
inteligentes sobre os problemas teóricos que não
39
\
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
podem ser respondidos pela apresentação de fatos. Nada contribui mais para
uma reflexão contínua, paciente e cuidadosa do qué o tratamento de um
problema em suas dimensões metafísicas.19
Epistemologia e Educação
Um dos interesses primordiais da educação é descobrir e transmitir
conhecimento. Mas nem tudo o que circula sob o nome de educação pode
corretamente ser rotulado de "conhecimento". Como é importante para o
professor, pois,.ser capaz de avaliar as bases em que se formulam as
exigências de conhecimento!
O professor pode ajudar os estudantes a compreenderem e distinguirem entre
opinião e fato, entre crença e conhecimento. Da convicção de que uma crença
é verdadeira não se segue, necessariamente, que a crença é verdadeira de
fato, a menos que satisfaça os padrões do conhecimento idôneo. Por exemplo,
o princípio da separação da Igreja e do Estado não é a razão suprema para a
exclusão da religião das escolas públicas. Um motivo pertinente para o
problema em questão-é-que------
o estado de conhecimento das crenças religiosas não está esclarecido;
muitos consideram as crenças religiosas algo predominantemente mítico.
Outros, que não negam a benéfica influência moral da religião sobre o
comportamento dos estudantes, duvidam que a religião possa fornecer
conhecimentos de um modo apropriado. Claro, os teólogos e outros estão
convencidos de que a religião fornece conhecimento, de fato: o conhecimento
revelado. Talvez a única solução para os professores seja admitirem uma
preferência por certos tipos de conhecimento ou dizerem que os padrões para
julgar o que é conhecimento e o que não.é constituem, eles próprios,
matéria para debate.
10 Christian O. Weber, Basic PJiilosophies of Educations, Rinehart, Nova
York, 1960, pág. 208.
40
FILOSOFIA E EDUCAÇÃO:
O professor também pode discutir os métodos pelos quais o conhecimento é
adquirido — através da revelação, autoridade, intuição, razão, os sentidos
e a experimentação. O conhecimento derivado da experimentação científica é
o mais aceito, hoje em dia. Isto não quer dizer que os outros métodos sejam
errados ou inúteis. Pelo contrário, o professor pode demonstrar que os
diferentes métodos, na realidade, complementam-se entre si. Só a percepção
sensorial fornecerá fatos e dados objetivos e distintos. Mas precisamos da
razão para sintetizar as descobertas empíricas, para incorporá-las
numa'teoria ou numa lei. Se abandonado a si próprio, contudo, o raciocínio
estaria vazio de conteúdo. O filósofo alemão, Imma"nuel Kant, resumiu a
interdependência do raciocínio e da percepção sensorial no ato de
conhecimento: "Os conceitos sem percepções são vazios; as percepções sem
conceitos são cegas." O conhecimento intuitivo, revelado e autoritário,
cada um deles poderá ser o que melhor atua em diferentes situações da vida.
A vida é, com efeito, demasiado variada e imprevisível para que qualquer um
formule arrogantes afirmações a seu respeito. A questão importante para o
professor é a seguinte: "Quanto tempo e esforço deve ser dedicado a cada um
desses métodos?" A_jresposta dependej^em grande parte, da matéria que êle
estiver ensinando.
7~~
Em última análise, porém, deve depender sobretudo da sua Filosofia de
educação. Como veremos no próximo capítulo, diferentes Filosofias sublinham
diferentes tipos de conhecimento e, por conseguinte, diferentes
metodologias de ensino.
Axiologia, Ética e Educação
Seja qualfôr a importância das teorias do conhecimento para a instrução
concreta na sala de aula, a necessidade de uma sólida teoria social e ética
é facilmente aceita como fundamental para a prática educativa. De fato,
muitos consideram a educação do caráter mais importante para a juventude do
que o ensino de matérias cognitivas. Estão mais preocupados com a maneira
como as escolas podem eficazmente transmitir
41
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
os valores mofais e espirituais que façam do mundo um melhor lugar para se
viver do que com as questões de conteúdo da matéria dos programas. Os
inúmeros escritos sobre a relação entre a Filosofia e a educação revelam
que a maioria dos que consideram a metafísica e outras categorias
filosóficas sem importância especial para a prática educativa está
impressionada com a necessidade de um estudo dos valores em educação. A
pergunta parece ser sempre: "Quais os valores e tipos de -valor que são,
justamente, os mais pertinentes?" A razão para tal é que a educação está
sempre formulando avaliações. Não hesita em articular juízos, em suas
estimativas da prática escolar. Os professores avaliam os estudantes e são
por estes avaliados. A sociedade avalia os cursos de estudos, os programas
escolares, a competência do ensino; a própria sociedade está sendo
constantemente avaliada pelos educadores. Um estudo de axiologia é,
portanto, uma necessidade para o professor do divertimento."
O valor específico que um professor atribui aos problemas escolares
derivará do seu próprio sistema de valores. Uma posição professoral, por
exemplo, considerada principalmente como um degrau para-fins e intuitos
pessoais, poderá refletir perfeitamente valores subjetivos. A posição não
terá um valor próprio. O professor que considera a sua classe um meio para
alcançar um fim, em vez de um fim em si mesma, poderá refletir uma
preferência por valores instrumentais. Ensinará de um modo tal que os
estudantes apreciarão o processo de ensino, em vez de dominarem o
conhecimento que o professor propicia. Nas palavras de um anúncio: "Chegar
lá é já metade do divertimento".
Deverá um professor realçar o valor da matéria ou do discípulo a quem
ensina? Se alguém disser que, para tornar-se um professor de categoria,
precisará apenas de ter um conhecimento especializado na sua matéria, que
valores gerais estão sendo aqui refletidos? Que espécie de comportamento
moral deve o professor apregoar em suas classes? Deve uma pessoa religiosa
incentivar o tipo de religião que ela aprova ou o tipo estimulado por um
humanismo social genérico e acordado pela
42
FILOSOFIA E EDUCAÇÃO:
sua comunidade? Deve realmente recomendar certos traços de caráter ou deve
deixar que se desenvolvam na situação social da sua ciasse, utilizando a
aprovação ou reprovação do grupo para determiná-los? Qualquer professor que
pretenda ser sério em sua vida de trabalho tem de responder a essas
perguntas. Algumas sugestões sobre o modo conto o professor em perspectiva
responde por si próprio são dadas nos comentários finais do capítulo 4.
Lógica e Educação
A tarefa de ensinar estudantes a pensar e a raciocinar logicamente é,
reconhecidamente, missão difícil. Muitas pessoas que não possuem
"mentalidade lógica" submetem-se inconscientemente às suas emoções. Os
fatores condicionantes da sociedade contemporânea são de tal modo poderosos
que o aprendiz tem muitas vezes dificuldade em adaptar-se a um pensamento
sem emoções nem inclinações e à comunicação na escola. A sociedade e a
família negam, freqüentemente, a própria objetividade que a escola pretende
implantar e defender.-------:—:
A lógica é importante para os professores, por muitos motivos. Por exemplo,
nada pode ser ensinado ou aprendido sem linguagem. Mas, embora a linguagem
seja indispensável, pode impedir o raciocínio lógico, sempre que fôr
emotivamente usada. Reagimos muitas vezes a uma idéia, negativa ou
positivamente, segundo a linguagem em que se exprima. O professor,
portanto, poâe ajudar os seus estudantes a distinguirem entre as diversas
funções da linguagem, a saber: 1) emotivas, 2) afetivas e 3) simbólicas. As
duas primeiras dessas funções tratam dos sentimentos e das reações
subjetivas pessoais, ao passo que a terceira se refere à comunicação fatual
de asserções. Todas as três possuem usos adequados em nossa vida. O
importante é saber o gênero de tarefa que pedimos à linguagem que
desempenhe, sempre que a usamos.
Os estudantes também devem distinguir entre a matéria que estudam e seus
próprios sentimentos sobre essa matéria.
43
i
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Quando, por exemplo, está em estudo o colonialismo, o imperialismo ou o
comunismo, o professor deve, em primeiro lugar, encorajar os seus
estudantes a que encarem essas matérias des-prendidamente quanto possível.
O mesmo vale dizer para a educação religiosa ou sexual em escolas públicas.
Notar a frase, em primeiro lugar, visto que os juízos devem ser formulados
primeiro na base de provas objetivas. As reações emocionais são legítimas,
evidentemente, mas devem ser reconhecidas pelo que são; em qualquer caso,
tornam-se muito mais dignas de confiança se estiverem alicerçadas no
pensamento lógico.
A lógica é inerente ao processo educativo. Ensinar um assunto ou resolver
um problema conduz a um resultado. Mas, para obter um resultado certo, o
professor deve saber que passos lógicos dar e por quê. Portanto, êle
planeja a sua tarefa da maneira mais ordenada possível, um ponto atrás de
outro e levando a outro. A seqüência de razões e idéias subentendida nos
diversos passos que levam a um resultado deve ficar bem clara para os
estudantes. A simples memorização de uma tábua de multiplicações não conduz
a uma aprendizagem significativa. Os estudantes devem compreender a
estrutura lógica de semelhante tábua.
.
— No ato de ensinar, "o professor define, interpreta, explica, prova e
avalia. Trata-se de operações lógicas de que o professor deve estar
cônscio, se quiser ensinar os seus alunos tão inteligentemente quanto
possível. Existe, de fato, uma grande necessidade, na teoria e prática
educacionais, de esclarecimento conceptual, rigor intelectual e precisão
lingüística, que um conhecimento da Filosofia analítica pode propiciar,20
Lógica, Psicologia, Metodologia Educacional
Em educação, formula-se muitas vezes a pergunta: Será mais "lógico"
apresentar o conteúdo na base de uma organi-
20 Ver Israel Scheffler, The Language of Education, Charles C. Thomas,
Springfield, Illinois, 1960.
44
FILOSOFIA E EDUCAÇÃO;
zação objetiva da matéria ou de acordo com a fase de desenvolvimento
atingida pelo aluno? Especificamente, deverá o estudo de Física começar
sempre depois do de Álgebra (ordem lógica) ou estas matérias deveriam ser
ensinadas em qualquer momento que se verifique estar o aluno apto para
aprendê-las (ordem psicológica)?
A apresentação lógica da matéria baseia-se na teoria de que a ordem lógica
e a inteligibilidade já estão integradas nela, a matéria. Os vários
componentes da Álgebra, por exemplo, estão ordenados logicamente e devemos
conhecer certas partes da Álgebra antes de sermos capazes de compreender
outras. E só apreendemos certas operações de Física depois de conhecermos a
Álgebra.
Os proponentes dessa teoria argumentam que, se um estudante dominar a
aprendizagem dessa maneira, automaticamente pensará de um modo lógico e
perfeito. Os seus mais ardentes defensores rejeitam qualquer incursão da
Psicologia que possa interferir na alegada lógica interior da matéria.
Sustentam que um dos principais propósitos do estudo da matéria é dar ordem
a um cérebro que se apresenta em estado de desorga-- nização. Como,
perguntam, eles, poderemos permitir a um cérebro desorganizado e sem
exercício que dite qual deve ser a organização da matéria?
Em regra, os tradicionalistas realçam a apresentação lógica da matéria.
Alguns sublinham a importância da matéria, independentemente das
experiências do aluno. Para eles, o importante é que um ponto da matéria
conduza nitidamente a outro. A harmonia e a inteligibilidade da matéria não
podem ser deixadas ao acaso. Outros, preocupados com a coerência interna
das idéias, destacam a unidade intrínseca e a totalidade da matéria como
base para a sua ordem lógica.
Por outro lado, a ordem psicológica relaciona a matéria com as ambições,
interesses e experiências do estudante. A aprendizagem começa não com a
apresentação de matérias organizadas, mas com a experiência do aprendiz.
O processo de
45
INTRODUÇÃO A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
aprendizagem, graças à sutil e hábil orientação do professor, é iniciada
pelo aluno; seu interesse é suscitado; seus podêres de reflexão recebem o
repto de um problema; e sua curiosidade é gratificada. O estudante e a
matéria "interatuam".
Para alguns filósofos, as ordens lógica e psicológica não entram em
conflito, mas seguem de mãos dadas. John Dewey, por exemplo, acredita que
elas desfrutam uma relacionação de meio e fim: "Estão ligadas como o
percurso e o término, ou fases concludentes do mesmo processo de
aprendizagem."21 Dewey identifica "processo e produto" com "psicológico e
lógico", respectivamente. O processo psicológico, diz êle, é o meio para o
entendimento da matéria em sua forma lógica. Esta é um ideal para o
aprendiz atingir, não um ponto do qual possa iniciar a marcha.22 O processo
de aprendizagem é, portanto, "o progressivo desenvolvimento do que já foi
experimentado, para uma forma que será mais plena, mais rica e organizada,
forma essa que gradualmente se aproxima da matéria apresentada à pessoa
hábil e madura". 23
Em suma, quando a lógica é apropriadamente usada na prática educacional,
resulta em: 1) clareza de pensamento; 2) consistência e irrefutabilidade do
raciocínio; 3)~ propriedade fatual e idoneidade das exigências de
conhecimento;-4) objeti-
21 John Dewey, How We Think, Heath, Boston, 1933, pág. 84.
22 John Dewey, Democracy and Education, Macmillan, Nova York, 1916, pág.
257.
23 John Dewey, Experience and Educaiion, Macmillan, Nova York, 1951, pág.
87. Freqüentemente ouvimos dizer que John Dewey favoreceu mais a atividade
do que a passividade em aprendizagem e isso foi desvirtuado de modo a
significar que Dewey esperava que os alunos estivessem constantemente
empenhados em movimentos físicos e agitadas tarefas. Pelo contrário, o
princípio de atividade, de Dewey, inspira-se nos conceitos que acabamos de
esboçar, segundo os quais os estudantes devem aprender, ativamente. Devem
ficar conscientemente envolvidos quando está sendo apresentada uma lição e
não, simplesmente, ficar sentados tomando notas! Devem ativar suas
inteligências; por outras palavras, devem se preparar psicologicamente para
lidar com a matéria em toda a sua natureza essencialmente lógica.
46
FILOSOFIA E EDUCAÇÃO:
vidade das exigências de conhecimento; e 5) racionalidade do comportamento
moral e proposital.2é
Com esta declaração sobre a lógica, podemos concluir o nosso exame da
natureza e significado da Filosofia em suas relações com a educação.
Passemos a resumir agora o que ficou dito. A Filosofia da educação guia a
teoria e a prática de três maneiras: 1) ordena as descobertas e conclusões
das disciplinas relevantes para a educação, incluindo as descobertas da
própria educação, dentro de uma concepção compreensiva do homem e da
educação que se lhe ajuste; 2) examina e recomenda os fins e os meios
gerais do processo educacional; e 3) esclarece e coordena os conceitos
educativos básicos.
BIBLIOGRAFIA ADICIONAL
Champlin, Nathaniel, et <^., ^'The Distinctive Nature of the Philosophy of
Education", Educational Theory, IV, n.° 1 (janeiro de 1954), 1-3.
Harvard Educational Review, XXVI, n.° 2 (primavera â&
1956).- Este número é inteiramente dedicado à relação
"~ entre Filosofia e educaçãa.-----------------------------------—
0'Connor, D. J., et aL, "Discussion: Philosophy of Education",
Harvard Educational Review, XXXIII (primavera de
1963), 219-236. Price, Kingsley, Education and Philosophical Thought, Allyn
&
Bacon, Boston, 1962, págs. 3-16. Reid, L. Arnaud, "Philosophy and
Education", em A. V. Judges,
Education and the Philosophic Mind, Harrap, Londres,
1957, págs. 186-205.
White, Morton G., Toward Reunion in Philosophy, Harvard University Press,
Cambridge, Massachusetts, 1956.
24 Ver Herbert Feigl, "Aims of Education for Our Age of Science:
Reflections of a Logical Empiricist", The Fifty-fourth Yearbook of the
National Society for the Study of Education, Parte I, University of Chicago
Press, Chicago, 1955, págs. 304-340.
47
í
2
FILOSOFIAS TRADICIONAIS DA EDUCAÇÃO
AS ESCOLAS DE FILOSOFIA
1 endo explorado as relações entre a educação e as diferentes categorias
filosóficas, concentremos agora a atenção nas principais escolas de
Filosofia, na medida em que afetam a educação. —- — —— - Os--próprios
filósofos discordam- quanto-^o—número de escolas filosóficas existentes e
no que consistem. Para os nossos atuais propósitos, podemos distinguir
três: idealismo, realismo e pragmatismo. Contudo, esta divisão, embora
conveniente, não é completa. No capítulo 3 examinaremos algumas Filosofias
mais recentes: o existencialismo, que ainda terá de firmar-se nos Estados
Unidos, e a análise filosófica. Todas estas expressões representam
classificações amplas, abrangendo cada uma delas uma variedade de atitudes
filosóficas.
Não basta localizar um filósofo numa determinada escola, porém; êle deve
também ser estudado como indivíduo. O grande filósofo e homem de letras,
francês do século XVIII, Jean-Jacques Rousseau, não era, simplesmente^ "um
naturalista romântico"; foi um pensador ímpar e fascinante,
indiscutivelmente. Alguns filósofos foram classificados em mais de uma
escola. Locke e Kant, por exemplo, foram "idealistas"
49
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
em certos aspectos e "realistas" noutros. Ainda mais confuso é o fato de
não ser de maneira alguma fácil, hoje em dia, encontrar um. existencialista
que o admita ser!
Só podemos compreender uma escola filosófica se conhecermos as
contribuições que tiver dado para as diversas categorias de Filosofia
examinadas no capítulo 1. Devemos, portanto, considerar uma "metafísica
idealista", uma "epistemologia realista", uma "axiologia pragmática" e
assim por diante. Para conseguirmos uma clara apreensão do que se segue,
talvez ajude a elaboração de um esquema em que as idéias principais das
diferentes Filosofias sejam inscritas, à medida que as encontramos.
Natureza Metafísica Hurnam Epistemologia Valores Educação
Idealismo
Realismo Pragmatismo
IDEALISMO
Metafísica Idealista, Realidade e Educação
Definimos a metafísica como o estudo da "realidade suprema". O idealista
pretende que essa realidade é de natureza mais espiritual do que física.
Não nega a existência do mundo à nossa volta — o mundo de casas, montes,
estrelas e de todos os objetos e acontecimentos com que a ciência e os
nossos sentidos nos familiarizaram. Mas sustenta que, embora sejam reais,
não são ultimamente reais. São manifestações de uma subjacente realidade
espiritual.
Platão, por exemplo, acreditava que todas as coisas materiais são cópias
imperfeitas de certas Idéias eternas ou arquétipos. Logo, a verdadeira
natureza de uma coisa encontrar-se-ia
50
FILOSOFIAS TRADICIONAIS ÜA EDUCAÇÃO
não na aparência que ela apresenta aos sentidos, mas na Idéia de onde
proveio, e esta só é acessível à razão. Berkeley sustentou a tese de que as
coisas materiais eram idéias no espírito do observador. Hegel declarou que
este mundo era a expressão resultante de um Espírito que lutava por
consubstanciar-se ainda mais completamente na forma material.
O idealismo contemporâneo procura unir a criança com a realidade espiritual
a que pertence. Ensina-a a cultivar a alma como a parte dela que se
encontra mais próxima dessa realidade. Tenta igualmente criar uma
intimidade mais estreita entre a criança e a natureza. A criança não deve
olhar o mundo à sua volta como uma enorme máquina funcionando
desalma-damente e sem propósito. A natureza é mais do que simples matéria
em movimento, dado que mesmo os componentes últimos da matéria são
espirituais c, portanto, da mesma essência da própria criança.
Metafísica Idealista, Natureza Humana e Educação
Para o idealista, o homem é um ser espiritual que exerce o livre arbítrio e
é responsável por suas ações. Porque o homem ê" livre e espiritual, a sua
essência foge-nos se o, estudarmos, simplesmente, como um objeto. Platão
considerou a alma como se emanasse do mundo das Idéias e estivesse
temporariamente aprisionada no corpo, regressando após a morte ao seu
anterior habitai. Berkeley assume a posição cristã ortodoxa de que a alma é
imortal, tendo sido criada por Deus para desfrutar a vida eterna com Êle,
após suas provações na Terra. Segundo Kant, o homem é, ao mesmo tfempo,
livre e determinado, livre na medida em que é espírito, determinado na
medida que também é um ser físico e sujeito à lei natural. O idealismo
hege-liano considera o homem como um fragmento do Absoluto, uma centelha,
por assim dizer, do Espírito Eterno em que será reabsorvido. Assim,
verificamos que os idealistas estão unidos na aceitação da essência
espiritual do homem., mas divergem sobre o modo como, exatamente, êle está
relacionado com a realidade espiritual suprema de onde êle promana.
51
INTRODUÇÃO k FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
O aluno é, portanto, um ser espiritual cuja principal finalidade na vida é
dar expressão à sua própria natureza. O propósito da educação é ajudá-lo
nessa tarefa. Lesaremos a criança se a olharmos, primordialmente, como um
sistema nervoso ou mente que armazena informações; devemos considerada,
pelo contrário, uma pessoa com um destino espiritual a cumprir. Por
conseguinte, deve ser ensinada a respeitar o valor è a dignidade morais das
outras pessoas, não tanto para que se conforme com êxito ao que todos
esperam dela, mas sobretudo pela elevada consideração com que deve encarar
a pessoa humana como tal. Os idealistas de radical, personalista, em
particular, que realçam a importância dá personalidade individual,
sustentam que o ponto significativo para a criança não é o fato de
"entender-se bem" com todo mundo — embora isso também seja bom, desde que
não conduza a criança ao desenvolvimento de uma falsa personalidade — mas
que amadureça genuinamente de acordo com as suas próprias potencialidades
inatas.
Pelo fato de que, a longo prazo, o Estado é uma personalidade maior do que
qualquer indivíduo e é, com efeito, um todo mais importante do que as suas
parcelas, o estudante deve aprender a respeitar o seu país e a comunidade
onde nasceu. Deve estudar os fundamentos culturais da nação, bem como a
localidade onde vive, a fim de desenvolver um poderoso sentido de lealdade
em relação dos ideais políticos da sua nação e de sua comunidade.l
O professor idealista preside, como Sócrates, ao nascimento das idéias,
consideradas não como coisas extrínsecas ao estudante, mas como
possibilidades dentro dele que precisam de ser concretizadas. Não deve
esperar que o estudante amadureça de acordo com regras de desenvolvimento
que foram decididas por outras pessoas, mas procurará despertar nele
1 Josiah Royce, The Philosophy of Loyalty, Macmillan, Nova York, 1908. Os
estudantes interessados nesta fase particular do idealismo fariam bem em
estudar a "Filosofia da lealdade1*, de Josiah Royce, cm especial pelo fato
de Royce insistir em que as nossas lealdades deveriam ser não só nacionais,
mas internacionais também.
52
FILOSOFIAS TRADICIONAIS DA EDUCAÇÃO
suas próprias capacidades latentes. O professor idealista também acredita,
com Kant, que o conhecimento é mais bem "espremido" do estudante para fora
do que "vertido" dentro dele, embora o conteúdo da educação não seja algo
que o estudante decida por si próprio. Ê só a matéria aprovada que o
professor poderá-"espremer". Finalmente, o professor idealista deverá ser,
em princípio, uma pessoa com quem o estudante possa competir. No idealismo,
portanto, confere-se ao professor mais importância do que em qualquer outra
Filosofia educacional.
Epistemologia Idealista e Educação
Dentro do âmbito do idealismo, diferentes filósofos propuseram diferentes
teorias de conhecimento. Platão sustenta • que o conhecimento adquirido
através dos sentidos deve sempre conservar-se incerto, visto que o mundo
sensorial só em parte é real. O verdadeiro conhecimento é produto solitário
da razão, pois esta desvia-se da confusão $a matéria para contemplar a
ordem e a clareza dos puros arquétipos. A verdade, portanto, reside nas
idéias da razão e não no mundo físico.
Para um idealista absoluto como Hegel, o conhecimento d válido na medida em
que forma-unr sistema. Quanto mais compreensivo for o sistema, no sentido
de compreensão do todo, e mais coerentes as idéias que abrange, tanto mais
verdade se poderá dizer que possui. Êstfe princípio é geralmente conhecido
como teoria de coerência da verdade. -Baseia-se no critério de que o
conhecimento não é fragmentado, mas unificado, uma vez que a realidade, que
o conhecimento reflete, é em si mesma um todo. Qualquer item particular do
conhecimento só se torna significativo na medida em que seja visto em seu
total contexto. Logo, todas as idéias e teorias devem ser válidas de acordo
com a coerência das mesmas, num sistema unificado e em constante evolução
do conhecimento.
O currículo escolar deve refletir a totalidade do conhecimento e da
realidade. Deve ampliar a compreensão do universo e do próprio homem, por
parte da criança. Logo, deve
53
INTRODUÇÃO k FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
prestar maior atenção a matérias como a História, a Filosofia, as
Belas-Àrtes e a Religião, que tendem a ser menosprezadas na escola
contemporânea. Á ciência deveria ser ensinada menos como informação fatual
do que como um método de pensar. Especialmente influenciados por Kant, os
idealistas afirmam que o espírito impõe, ativamente, um significado e uma
ordem às informações dos sentidos. Portanto, a finalidade do ensino não é
tanto familiarizar o estudante com a massa de informação como estimulá-lo a
descobrir o significado dessa informação para êle próprio. Como o que é
conhecido depende, em parte, do conhecedor, o estudante deve relacionar sua
informação com as suas experiências anteriores, de maneira que o que
aprende torne-se significante para êle, pessoalmente. Aprender não
consiste, portanto, em absorver itens selecionados do conhecimento, mas em
explorar pessoalmente a realidade que está em redor de nós e em nós
próprios.
Os idealistas rejeitam a pretensão de que os métodos científicos constituem
o único caminho para a verdade. Sustentam que na vida pessoal,
especialmente, o pensamento intuitivo é tão importante quanto o pensamento
científico. Logo,
____ recomendam o estudo da arte e da literatura para fomentar e
disciplinar a faculdade intuitiva. Ao mesmo tempo, advertem que as
intuições devem ser racional e experimentalmente comprovadas, sempre que
possível.
Os idealistas também crêem que o professor deve julgar as diferentes
necessidades e capacidades de seus estudantes, combinando o conhecimento
científico com a intuição pessoal. A Psicologia pode medir algo da
inteligência infantil, mas deve ser suplementada pela própria apreensão
intuitiva, por parte do professor, da personalidade da criança.
Valores Idealistas e Educação
O idealismo declara que os valores são absolutos e imutáveis. A bondade e a
beleza não são criações humanas, mas, pelo contrário, uma parcela da
própria estrutura do universo.
54
FILOSOFIAS TRADICIONAIS DA EDUCAÇÃO
. A orientação escolar deve fundar-se, portanto, em princípios duradouros.
 criança deve aprender a viver segundo valores permanentes, que a coloquem
em harmonia com o todo espiritual a que ela pertence. Terá de compreender
que 'certas ações são adequadas para ela, como membro de uma ordem
espiritual, ao passo que outras ações profanam essa relação. Deverá também
compreender que o mal ofende, não só a ela própria, ou a sociedade, ou até
a humanidade como um todo, mas a própria Alma do universo» Seus valores só
se tornam idôneos e significativos quando se relacionam com. esse padrão de
realidade, que o professor poderá definir..
O idealismo contemporâneo explica o mal em termos da desorganização e
carência de um sistema, que ainda existem no universo; o mal é um bem
incompleto, não uma entidade em si mesmo^ À medida que o Espírito
subjacente se exprima cada vez mais plenamente, o universo torna-se mais
sistemático e menos imperfeito; logo, o mal e a fealdade decrescem. Na
medida em que a criança atua moralmente, está em harmonia-com a natureza
das coisas; mas, na medida em que atua imo-' raímente, perturba essa
concórdia. Em qualquer sistema escolar não existem, para o professor
idealista,-crianças realmente más, tão-sòmente crianças que se extraviaram
ou não compreenderam inteiramente a ordem moral fundamental do universo.
Tanto Platão como Hegel destacaram com ênfase que a vida boa só é viável
numa sociedade altamente organizada. Em Á República, Platão descreve uma
sociedade ideal em que cada indivíduo desempenha sua função especial. Essa
sociedade é governada por uma elite de filósofos-reis. Hegel declara que,
sendo tudo o que existe real na medida em que participa de um todo maior do
que qualquer das partes, o indivíduo só se realiza como participante da
sociedade. O homem deve à sociedade sua lealdade completa, diz Hegel, pois
dela deriva sua natureza moral e sua liberdade. Kant, porém, propõe uma
ética menos totalitária, instigando os homens a tratarem-se
55INTRODUÇÃO À FILOSOFIA, DA EDUCAÇÃO
mutuamente como fins e não como meios. Seu famoso imperativo categórico, ou
lei moral, declara que devemos atuar sempre como se nossas ações estivessem
para converter-se
em lei universal da natureza, vinculando todos os homens em circunstâncias
semelhantes.
Supondo que ninguém desejaria ver universalizadas as suas próprias más
ações, seria de esperar que quem obedecesse à máxima de Kant abster-se-ia
sempre de cometer
ações maléficas. Quando um aluno se torna um problema disciplinar, o
professor idealista tenta mostrar-lhe o efeito da sua má conduta sobre o
resto da classe. O
professor pergunta ao faltoso o que sucederia se todos se comportassem como
êle. Estará êle dando um bom exemplo a ser seguido pelos seus camaradas? (O
professor
poderá também indagar de si próprio se é um bom exemplo que os alunos
possam seguir.) Onde quer que o estudante vá e seja o que for que êle faça,
precisa recordar
sempi£ o que deve à sua comunidade. Precisa ter sempre presentes as
obrigações que deve a seus semelhantes, sem os quais êle nada seria.
Portanto, as infrações à
disciplina foram concebidas como demonstrações de egoísmo e teimosia a
serem punidas de acordo com os princípios morais que foram incorporados na
cultura comum ou
religiosa, ao longo de muitas gerações.
Se deixamos o idealismo sem crítica, não quer isso dizer que o idealismo
seja a Filosofia "perfeita" a ser defendida e mantida por um professor. Mas
uma crítica
adequada do idealismo nos levaria para muito longe dos nossos propósitos
atuais. Será melhor ler os argumentos das Filosofias concorrentes que
estabeleceram suas
* próprias posições, em parte, refutando as das suas rivais. O realismo
filosófico é um desses rivais. Trata-se de outro sistema absoluto, mas que
se baseia numa
teoria de realidade inteiramente diversa da do idealismo. Estudando o
-realismo estaremos, de fato, lendo um ataque implícito e, por vezes,
explícito, ao idealismo,
como Filosofia alternativa daquele.
56
FILOSOFIAS TRADICIONAIS DA EDUCAÇÃO
^ REALISMO
A base do realismo é a crença na realidade da matéria. O universo, para o
realista, não é uma ilusão, mas, pelo contrário, algo que realmente e
concretamente existe.
Montes, árvores, cidades e estrelas não são simples idéias na mente dos
indivíduos que observam essas coisas, ou mesmo na de um Eterno Observador.
Existem em si
mesmas, independentes do nosso espírito. Contudo, embora os realistas
concordem sobre a realidade da matéria, discordam "em certos outros
aspectos que os dividem
em! muitas escolas diferentes. Hoje, os principais grupos são o realismo
racional, por um lado, e o realismo natural ou científico, por outro lado.
Tipos de Realismo Racional
O realismo racional ainda pode ser dividido em realismo clássico, por vezes
designado humanismo clássico, e realismo religioso, do qual o tipo
principal é a escolástica,
Filosofia oficial da Igreja Católica Romana.2 Ambas as escolas ostentam a
marca do grande filósofo ateniense, Aristóteles, que fundou sua^propria
escola de pensamento
como alternativa._ do plato-nismo. Âo passo que os realistas racionais
olham diretamente para Aristóteles, os escolásticos fazem-no indiretamente;
a base de sua
Filosofia está em S. Tomás de Aquino, o grande filo-sofo-teólogo medieval.
Disciplinando as doutrinas de Aristóteles de acordo com a teologia da
Igreja, S. Tomás
criou uma nova Filosofia cristã, mais tarde denominada tomismo, em oposição
ao platonismo modificado que era esposado pela maioria dos teólogos do seu
tempo.3
2 Os anglicanos ortodoxos (episcopalianos), os judeus e os batistas
situam-se entre outros grupos de realistas religiosos,
3 Contudo, S. Tomás não rejeitou totalmente o platonismo; seria mais exato
afirmar que o subordinou. Investigações recentes (por R. J. Henle, por
exemplo), mostraram
que S. Tomás foi mais influenciado por Platão do que a maioria dos autores
geralmente admite.
57
INTRODUÇÃO A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Realismo Clássico e Religioso — Á Natureza da Realidade
Tanto os realistas clássicos como os religiosos declaram que o mundo
material é real e existe fora do espírito dos que o observam. Os tomistas,
porém, sustentam
que tanto a matéria como o espírito foram criados por Deus, que construiu
um universo ordenado e racional, a partir de sua sabedoria e bondade
supremas. O espírito,
ainda que não seja exatamente mais "real" do que a matéria, é, contudo,
mais importante; é um modo "superior" de ser, porque o próprio Deus é
Espírito e perfeito
em tudo.
Como podem os tomistas saber isso? Pela revelação — através da história
bíblica, das profecias e dos ensinamentos de Jesus Cristo, que eles afirmam
ser o Verbo de
Deus para toda a humanidade. Mas o conhecimento dos tomistas é também
alcançado por outros meios além da fé, ou seja, pela razão e pela
experiência. Entre os mais
famosos porta-vozes mundiais do tomismo moderno, contam-se Etiene Gilson e
Jacques Maritain. Entre os tomistas americanos mais eminentes, incluem-se
William McGucken,
Robert J. Henle, Èdward A. Fitzpatrick e William F. Cunningham. Os mais
conhecidos expoentes americanos das implicações educacionais do realismo—
clássico são Mortimer
Adler, Robert M. Hutchins e Scott Bu-chanan, cujas opiniões serão
examinadas mais adiante, sob a epígrafe de "Perenalismo".
Realismo Natural ou Cientifico — A Natureza da Realidade
O realismo natural acompanhou o progresso da ciência na .Europa durante os
séculos XV e XYI. Seus principais defensores foram os filósofos ingleses
Francis Bacon,
John Locke, David Hume e John Stuart Mill. No campo da educação, seu lídimo
expoente foi Jean-Jacques Rousseau. fundador do naturalismo romântico,
embora alguns
prefiram classificá-lo como idealista. No século atual, o realismo natural
conduziu à formação de duas escolas americanas, o neo-realismo e o realis-
58
FILOSOFIAS TRADICIONAIS DA EDUCAÇÃO
mo crítico, cujas diferenças são largamente epistemologicas. Segundo o
neo-realismo, percebemos os objetos diretamente; de acordo com o realismo
crítico, só o fazemos
em segunda inão, através de certos meios intervenientes que não são, em si
mesmos, de ordem física. Entre os principais neo-realisías estão Bertrand
Russelí, Alfred
Nortfa Whitehead e Ralpfa Barton Perry. O mais conhecido realista crítico é
George Santayana.
De formação cética e experimental, o realismo naturalista afirma que a
Filosofia deve procurar imitar o rigor e a objetividade da ciência. Sendo
real o mundo à nossa
volta, é tarefa mais da ciência do que da Filosofia investigá-lo; a função
da Filosofia é coordenar os conceitos e conclusões das diferentes ciências.
A característica
mais significativa do universo é ser permanente e duradouro. A mudança e
certamente real, mas ocorre de acordo com leis da natureza, que fazem do
universo uma estrutura
contínua. Muitos realistas naturais negam a existência do espírito ou,
então, sustentam que a sua existência não pode ser demonstrada.
>( Realismo e Natureza Humana
Os realistas estão divididos quanto à concepção do homem. Os realistas
racionais considerai^ o homem como ser espiritual. Os realistas clássicos
sustentam que a
racionalidade é o atributo supremo do homem, mas rejeitam a opinião de que
ele tenha sido divinamente criado. Os tomistas declaram que o homem é uma
fusão do material
com o espiritual, corpo e alma formando uma só natureza. O homem é livre,
dizem eles, e responsável por suas ações. Também é imortal, tendo sido
colocado na Terra
jftgra amar e honrar o seu Criador e para viver com Êie após a morte em
perfeita .felicidade. Müomo todos os homens estão implicados no pecado do
seu progenitor,
Adão, cada indivíduo é propenso ao mffl, a menos que seja auxiliado pela
Graça Divina.
De acordo com o realismo natural, o homem é um organismo biológico com um
sistema nervoso altamente desenvolvi-
59
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
do e uma disposição naturalmente social. Suas atividades pre-tensamente
mentais ou espirituais são, de fato, processos físicos imensamente
intrincados, que a ciência
ainda não foi capaz de explicar de um modo satisfatório. A maior parte dos
realistas naturais nega a existência do livre arbítrio; argumenta que o
indivíduo está
determinado pelo impacto do meio físico e social sobre a sua estrutura
genética herdada. Aquilo a que chamamos liberdade de escolha é apenas
aparente. Pensamos que
escolhemos ou decidimos, mas, realmente, não o fazemos.
Metafísica Realista e Educação
O realista afirma que, como o universo existe independentemente de nós e é
governado por leis sobre as quais exercemos reduzido controle, é necessário
saber algumas
coisas definidas sobre o universo, para que nos adaptemos a êle. A educação
deve possuir um núcleo central de matérias que familiarizem os alunos com a
estrutura
física e cultural básica do mundo em que vivem. O realista católico
acrescenta que a ordem e a harmonia do universo devem ser vistas como
resultado da Criação Divina;
portanto, diz êle, devemos estudar à natureza como obra saída/ia mão de
Deus. De acôrdcLCom esta opinião, o propósito fundamental de toda a
educação é preparar o
ser humano para a vida de além-túmulo. A Terra é um campo de provas. Deus
colocou-nos aqui, entregues a nós próprios, dotados de consciência e livre
arbítrio. Mas
Êle também estabeleceu a Igreja como entidade educadora suprema; se formos
sábios, aceitaremos sua orientação e aprenderemos sua doutrina. Para os
realistas clássicos
não existe um Deus pessoal nem céu. Logo, outros fatores, cuja natureza
será explicada em devido tempo, devem converter-se em determinantes da
educação.
Para o realista, a finalidade da educação não consiste, primordialmente, em
converter cada criança em algo raro e individual. É habilitá-la a tornar-se
uma pessoa
tolerante e bem-ajustada, mental e fisicamente em harmonia com o seu meio
60
FILOSOFIAS TRADICIONAIS DA EDUCAÇÃO
físico e cultural. Este conceito não significa que o realista subestime o
valor da capacidade criadora individual. Na opinião de Whitehead, em
especial, toda a natureza
é criadora e a capacidade individual de criação é uma das manifestações da
força criadora universal. Quando falamos de adaptação, também queremos
dizer, portanto,
adaptação ao individualismo, à energia criadora, à curiosidade e à
iniciativa pessoal que realmente se encontram presentes na natureza
.humana. A «concepção realista
de adaptação não é hostil à espontaneidade e ao individualismo.
Epistemologia Realista e Educação
Os realistas afirmam que os objetos existem independentemente da percepção.
Além disso, estabelecemos contato direto com eles. O que vemos, ouvimos,
provamos, tocamos
e cheiramos não são idéias ou impressões, mas as próprias coisas. Em vez de
criar ou recriar ativamente seu próprio mundo, como sugerem os idealistas,
a mente recebe
informações do mundo. A mente nada dita à realidade; é esta que se impõe à
mente.
Para o realista, uma idéia é verdadeira quando "corresponde" àqueles
aspectos do mundo que pretende descrever. Uma teoria sobre o mundo não pode
ser simplesmente
verdadeira pelo fato de "ajustar-se" ou de "ser coerente" com outras
teorias existentes. Para interpretar o mundo vàlidamente, uma teoria deve
corresponder-lhe.
É da responsabilidade do estudante dominar aqueles elementos do
conhecimento que resistiram à prova do tempo. Antes de decidir o que fazer
a respeito do mundo, ele
deve aprender o que os especialistas afirmam que o mundo realmente é. O
professor não deve ser desviado por temporárias modas da realização de sua
verdadeira tarefa,
que é transmitir um conhecimento substancial do mundo tal como ele é, na
realidade. Nem deve permitir ao aluno que descubra por si mesmo seja o que
for que pretenda
saber, pois o que êle quer saber é muitas vezes menos importante do que
aquilo que devia saber.
61
, INTRODUÇÃO À FILOSOFIA. DA EDUCAÇÃO
Os realistas clássicos insistem em que, como o homem é um ser racional, a
escola deveria dar prioridade ao cultivo da razão. Esta ênfase no treino
intelectual é
um dos pontos que foi compartilhado pela maioria das filosofias
educacionais em épocas passadas. Â escola realista clássica tende,
portanto, a ser tradicional em
sua escolha dos métodos e matérias de ensino. Apesar da concentração da
escola mais no ensino da matéria do que na personalidade da criança
individual, não constitui
propósito da educação gerar pedantes e professores, mas indivíduos bem
formados no sentido aristotélico — moderados e temperados em todas as
coisas.
Os realistas naturais sustentam que a ciência física dota o homem com o
tipo mais idôneo de conhecimento. Logo, a seguir aos três RRR, * a ciência
deveria ocupar
o lugar mais importante no currículo escolar. Os realistas naturais
preconizam a aplicação de métodos científicos ao estudo de todos os
aspectos da vida humana.
Negam, porém, que as ciências do comportamento — Psicologia, Sociologia,
Antropologia — sejam bastante idôneas para justificarem, por enquanto,
atenções centrais
na escola.
Para o realista, a iniciativa, em educação, pertence ao professor. E de sua
responsabilidade decidir o conhecimento que deve ser ministrado à criança.
Se êle puder
ensinar de um modo tal que os próprios interesses e a curiosidade
intelectual da criança fiquem satisfeitos, muito melhor, mas os desejos dos
alunos não constituem
preocupação dominante. A inteligência exige disciplina — a disciplina
imposta pela consciência das coisas que são permanentes e inalteráveis no
mundo e pela nossa
consciência dos limites da capacidade humana. O conhecimento torna-nos
"realistas5', tanto na acepção popular como na filosófica do termo.
* Ensino dos três RRR: Designação tradicional inglesa para as disciplinas
básicas da educação elementar: iíeading (ler), Wnting (escrever) e
Arithmetic (contar).
(N. do T.)
62
FILOSOFIAS TRADICIONAIS DA EDUCAÇÃO
^ Valores Realistas e Educação
Embora todos os realistas concordem que os valores são permanentes e
objetivos, eles divergem em suas razões para assim pensarem. Os realistas
clássicos aceitam,
com Aristóteles, que existe uma lei moral universal, acessível à razão, que
vincula todos os homens como seres racionais. Os tomistas concordam que os
homens podem
discernir essa lei moral usando a «razão, mas insistem que ela foi
estabelecida por Deus, que dotou o homem com a faculdade racional para
discerni-la. O homem pode
entender a lei moral sem ajuda divina. Mas, pelo fato de sua natureza ter
sido corrompida pelo pecado original, ele não pode praticá-la sem a graça
de Deus. Os realistas
científicos negam que os valores tenham qualquer sanção sobrenatural. O bem
é aquilo que ajusta o homem ao seu ambiente, o mal aquilo que o afasta e
isola. Como
a natureza humana e o seu meio físico são constantes, os valores que
ajustam uma ou outro são também constantes. É certo que as instituições e
práticas sociais variam
consideravelmente mas os valores básicos que qualquer sociedade deve
observar permanecem imutáveis.
Os realistas concordam enr que qualquer sistema educacional deve ser
engrenado para certos valores bem definidos. Como os valores não variam, em
si próprios, tampouco
variam os verdadeiros fins da educação. Do mesmo modo, os padrões morais
que ensinamos à criança devem ser o menos possível influenciados pelas
opiniões do professor
ou pelos preconceitos da época. Pelo contrário, devem conformar-se ao que
esteja provado ser de mais duradouro valor para o homem, ao longo da
História. A criança
deve ser ensinada a viver de acordo com padrões morais absolutos, no
conhecimento de que o que é certo é certo para todos os homens e não,
apenas, para os membros
de uma determinada raça ou sociedade. Também para ela é importante adquirir
bons hábitos, pois a virtude não surge automaticamente; tem de ser
aprendida.
Os realistas religiosos declaram que a bondade "natural" é insuficiente.
Sustentam a opinião de que o homem foi criado
63
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDU&AÇÃO
para transcender o que é natural e atingir o sobrenatural. A verdadeira
finalidade da moralidade e da educação é a salvação das almas. À criança
deveria ser ensinado
sempre a manter sua alma num estado de graça, isto é, repleta de Graça
Divina ç livre de;pecado mortal. Deve procurar o bem e evitar o mal, àão
apenas porque assim
está prescrito pela razão, mas Sobretudo porque essa é a vontade de Deus.
A educação, dizem os realistas religiosos, deve treinar tanto a vontade
quanto o intelecto do homem. Embora Deus ofereça a salvação, é ao próprio
homem que compete
aceitá-la ou rejeitá-la. Logo, a sua vontade deveria ser "acostumada" a
fazer as escolhas certas. Pelo fato da natureza humana ter sido corrompida
pelo Pecado Original,
a educação também tem um papel essencialmente corretivo a desempenhar. A
firme disciplina é. necessária para eliminar os maus h4bitos e cultivar os
bons.
O realismo natural, por seu turno, ensina que o bem e o mal, em vez de
resultarem de princípios religiosos, têm sua origem na compreensão que o
homem abriga sobre
a natureza. A moralidade deve basear-se no que a investigação científica
demonstrou ser benéfico para o homem, como suprema espécie animal. A doença
é um mal, a
saúde um bem. Devemos favorecer o bem tomando medidas que melhorem a nossa
constituição genética e superem o mal pela compreensão e pelo progresso do
meio em que
vivemos.
Muitos realistas científicos possuem também espírito religioso, mas a
tendência deles é para compreender a religião e a ciência como dois
aspectos distintos da mesma
verdade. Sem que tenham de estar, necessariamente, em conflito mútuo, a
religião e a ciência levam a uma compreensão maior do mistério supremo do
universo: "Os céus
declaram a glória de Deus e o Armamento revelou Sua obra." Deus
concedeu-nos o talento para compreendermos sua obra. Dotou-nos até com a
razão pela qual podemos
rejeitá-Lo e disse que dispúnhamos do livre arbítrio para assim proceder.
Mas a rejeição de Deus apenas significa que teremos de pressupor algum
outro princí-
64
FILOSOFIAS TRADICIONAIS DA EDUCAÇÃO
pio explicativo, e não existe razão alguma para acreditarmos que esse algo
mais tenha maior validade do que o Deus cristão. Assim como vários
cientistas, muitos
professores desempenham também suas tarefas sem sentir a necessidade de
tomar qualquer decisão final em tais matérias. Contudo, o problema fica de
pé: quando as
crianças procuram elas próprias as respostas, que poderão os mestres
oferecer-lhes? Por quanto tempo um professor de Física pode manter-se
neutro em presença de-espíritos
inquisitivos? Não será bastante para os estudantes conhecerem os "fatos" da
Física? Fazendo a mesma pergunta antes formulada: A longo prazo, por que
estamos, afinal,
ensinando e aprendendo Física, se não for. para entendermos a natureza do
universo como os físicos o concebem? E para que nos serve a interpretação
do físico, se
êle não tiver tomado em consideração o conhecimento que foi obtido noutros
domínios?
PRAGMATISMO
O pragmatismo é popularmente considerado como a Filosofia indígena da
América. De fato, está ligada à tradição empírica britânica, que sustenta
só podermos conhecer
o que os nossos^ sentidos experimentamr ~ ¦ Pàrã~~ã süa~"doutrina de
transformação, apóia-se em Heráclito, filósofo grego que viveu antes de
Sócrates. Seus lídimos
expoentes, 'Charles Sanders Peirce, William James e John Dewey, diferem
consideravelmente em seus métodos e conclusões. O conceito pragmático de
Peirce está orientado
para a Física e a Matemática, e o de Dewey para as Ciências Sociais e a
Biologia. A Filosofia de James, por seu turno, é pessoal e psicológica,
estando motivada
por considerações religiosas.- Em medida muito maior do que o realismo ou o
idealismo, o pragmatismo foi influenciado pelos acontecimentos seus
contemporâneos. Durante
a Depressão, por exemplo, perdeu* a ênfase aúterior no individualismo e
clamou por uma consciência social nlaior.
Os principais temas dessa Filosofia são: 1) a realidade da transformação
sobre a permanência; 2) a relatividade dos va-
65
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
lôres; 3) a natureza social e biológica do homem; 4) a importância da
democracia como modo de vida; 5) o valor da inteligência crítica em toda a
conduta humana.
O pragmatismo tem sido conhecido sob uma diversidade de nomes, desde o
pragmaticismo, usado por Peirce, até o instrumentalismo, funcionalismo,
experimentalismo.
Este último termo mereceu especial favor entre os mais recentes
comentaristas sobre as relações do pragmatismo com a metodologia
educacional. Em seus últimos anos,
.Dewey preferiu experimentalismo a instru-• mentalismo, argumentando que o
último tinha um timbre excessivamente materialista.
Pragmatismo, Realidade e Educação . „
Os pragmáticos estão de acordo com os realistas em que o mundo material
existe concretamente a^não é uma projeção da mente. Contudo, sustentam que
o mundo não é
permanente nem independente do homem. Sendo a transformação a essência da
realidade, não podemos estar certos de que exista alguma coisa perdurando
para sempre.
Além disso, a própria realidade não é simplesmente exterior ao homem, mas
algo criado pela interação do organismo humano com o seu meio circundante;
a realidade
é a soma total daquilo que experimentamos.. Portanto, o homem e o meio
estão "coordenados". Ambos são igualmente responsáveis pelo que é real.
O mundo só é significativo na medida em que o htímem seja capaz de imprimir
nele o seu próprio significado, Se o universo porventura possui alguma
finalidade mais
profunda, ela está oculta ao homem e não pode fazer parte de sua Filosofia.
O que o homem não pode experimentar não pode ter realidade para êle. O
pragmatismo é
humanista por sua natureza, subscrevendo a velha máxima grega: "O homem é a
medida de todas as coisas." A diferença entre o pragmatismo de James e o de
Peirce e
Dewey é que o primeiro realçou o direito do indivíduo a criar sua própria
realidade, ao passo que
66
FILOSOFIAS TRADICIONAIS DA. EDUCAÇÃO
os últimos declararam que os fatos da realidade foram estabelecidos,
primordialmente, pelos cientistas.
Se, como os pragmáticos, acreditarmos que a transformação é a essência da
realidade, devemos estar sempre preparados para mudar a maneira como
fazemos as coisas.
Os meios e os fins da educação devem ser flexíveis e abertos a constante
revisão. Devem também ser adotados cientificamente, à luz de todos os fatos
e valores relevantes,
em vez de especulativa-mente, na base apenas da razão. Existe igualmente
uma relação íntima entre meios e fins; estes são recíprocos. Os meios são
inerentes aos
seus fins próprios, e estes derivam de seus meios. Assim, no plano da
educação, o interesse não está oposto à disciplina e, pelo contrário, é a
disciplina que provém
do interesse. Do mesmo modo, o método psicológico de aprendizagem
complementa a organização lógica da matéria a ensinar.
Como a realidade é criada pela interação do homem com o seu meio, devemos
aprender a estudar o mundo tal como êle nos afeta. A criança deve encarar a
realidade,
não como impenetrável ao homem, mas como algo intimamente responsivo e
capaz de servi-lo por múltiplas maneiras. Tal como o homem não é um ser à
parte do seu meio,
também a escola não é separada da própria vida. A educação ê vida e não uma
preparação para ela. A escola deve usar situações da vida real, em lugar de
depender,
sobretudo, dos estudos formais e acadêmicos.
Pragmatismo, Natureza Humana e Educação
Com a notável exceção de William James, a maioria dos pragmáticos rejeitou
a idéia de que o homem é um ser espiritual. Por outra parte, insistiram em
que o homem
é uma criatura demasiado complexa para que nada mais seja do que um
mecanismo altamente intrincado, como alguns realistas naturais sustentaram.
De fato. o homem,
dizem eles, é um organismo natural vivendo num meio social e num meio
biológico. Realçaram o lado social da natureza humana e a amplitude
67
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
com que o indivíduo pode ser formado pela interação ponderada com outros,
sustentada pelo esforço.
Ao contrário dos realistas e idealistas, os pragmáticos consideram a
natureza humana fluida e plástica. Acreditam que a educação acarreta o
desenvolvimento total
do indivíduo. Devemos educar a criança como organismo ativo e pensante, que
a ciência e a observação revelaram ela ser, persuadindo-a continuamente a
reconstituir
e interpretar suas próprias experiências. Visto que a criança só t cre3ce
em associação com outras pessoas, deve aprender não só a cooperar, mas
também a transigir.
Deve ser ensinada a como viver numa comunidade de indivíduos e como
adaptar-se inteligentemente a suas necessidades e ideais. Portanto, os que
a ensinam devem conhecer
mais sobre a natureza do comportamento do grupo e a parte desempenhada
pelos indivíduos nos processos do grupo do que atualmente sabem.
Epistemologia Pragmática é Educação
Os pragmáticos consideram a mente algo exploratório e ativo, em vez de
receptivo e passivo. O homem não se limita a receber conhecimento; já-lo.~
A~ verdade não
reside mera-" mente na correspondência com a realidade externa, porquanto a
realidade, para o homem, não é independente das idéias que êle propõe "a
fim de a explicar.
O conhecimento' é uma transação entre o homem e o seu meio.
Os pragmáticos foram acusados de sustentar que uma idéia só é verdadeira se
"funciona". Esta acusação é enganadora. James, de fato, considerou
verdadeira uma idéia
cujas conseqüências sejam favoráveis para a pessoa que a acolheu. Por outro
lado, Peirce e Dewey sustentaram, com a maioria dos pragmáticos, que uma
idéia só é verdadeira
se tiver conseqüências favoráveis quando for cientificamente comprovada.
Todos os pragmáticos concordam, pelo menos, que o significado de uma*idéia
reside em suas
conseqüências,,depois de ter sido posta em ação.
68
FILOSOFIAS TRADICIONAIS DA EDUCAÇÃO
Contudo, os pragmáticos negam que o homem invente quantas verdades quiser.
A verdade não pode ser algo exterior ao homem, esperando a sua descoberta,
como os realistas
disseram; mas também não é uma coisa premeditadamente fabricada. A verdade
é o que o homem conclui depois de ter cuidadosamente investigado as provas.
Como a verdade
depende dos elementos investigados e dos métodos usados para investigá-los,
"é necessariamente revista e ampliada à medida que melhores métodos são
usados e mais
elementos ou dados se descobrem. A verdade é, portanto, relativa e
variável.
De acordo com o pragmatismo, o "método de inteligência,, é o caminho ideal
para adquirir conhecimentos em quaisquer circunstâncias. Apreendemos melhor
as coisas
localizando e solucionando os problemas. Frente a um problema, a
inteligência pressupõe hipóteses para explicá-lo e manipulá-lo. A hipótese
que explica os fatos
ou resolve o problema pode ser considerada, com êxito, uma verdade. Resulta
no que Dewey chamou de "asserção justificada", que é útil para comprovar
novas hipóteses.
O professor pragmático constrói, portanto^ situações de aprendizagem em
torno de determinados problemas, que êle — considere verdadeiramente
significativos para
os seus alunos e com probabilidades de acarretarem melhor entendimento
mútuo e do meio em que se situam. Em vez de ensinar diretamente as matérias
tradicionais,
o professor só as evoca à medida que contribuam para a solução dos
problemas em causa. Como veremos no capítulo 3, quando chegarmos ao
progressismo, esses problemas
podem ser tópicos de interesse geral e imediato, tais como "transportes" e
"vida numa aldeia índia". Para que se entendam tais tópicos ou para
completar um trabalho
relacionado com os mesmos, o aluno recorre àqueles aspectos do conhecimento
que sejam pertinentes para a sua tarefa particular. A leitura, a escrita e
a Aritmética
tornam-se mais significativos e de mais fácil domínio, declara o
pragmático, quando ajudam o aluno a realizar seus fins. A criança estuda
melhor quando apreender
a relevância do que aprende para o que inteligentemente necessita.
69
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Assim, a aprendizagem é principalmente motivada pelo interesse e
curiosidade do aluno. Em vez de alimentar o aluno, exclusivamente, com
informação selecionada para
êle por outras pessoas, na base de que essas são as coisas que uma "pessoa
educada" deve saber, o professor deve permitir-lhe que aprenda aquilo sobre
que pessoalmente
está interessado e revela curiosidade. A função do professor é dar
assistência à criança quando ela está em dificuldade e orientar seu
desenvolvimento geral, à luz
de uma sabedoria superior que a criança ainda não possui. Isto não
significa que os alunos possam ser caprichosos na sua escolaridade, mas,
pelo contrário, que seus
estudos devem estar o mais relacionados possível com seus próprios
interesses examinados.
O pragmático não rejeita o estudo de matérias logicamente organizadas, mas
sustenta que essas devem aparecer mais tarde, e não mais cedo, na carreira
escolar do
discípulo. A inteligência é melhor exercitada quando se aplica ao que a
interessa. Quando está exercitada, ou em bom caminho para isso, o estudante
pode então dedicar-se
ao conhecimento organizado como tal. Seus estudos, portanto, devem evoluir
gradativamente, tornando-se cada vez mais abstratos e exigentes, os tópicos
mais genéricos
em suas implicações, até êle estar apto a dominar as principais disciplinas
intelectuais.
Para o pragmático, o conhecimento abstrato não é algo difícil de
compreender ou divorciado da vida. Consiste em qualquer experiência ou
idéia que se emancipou do.
seu contexto limitado e a que se concede uma referência mais ampla para uso
futuro. O processo de abstração é indispensável para qualquer atividade
reflexiva. O
pensamento abstrato implica também que o estudante não só aprendeu os
símbolos físicos específicos de um problema, mas, o que é mais importante,
apreendeu o seu
significado e está apto a transferir esse significado para outros e
semelhantes problemas. Nas palavras de Dewey, o pensamento abstrato
"significa transferência
consciente de um significado assente em passada experiência para utilização
numa nova. Ê a própria artéria da inteligência, da entrega intencional de
uma experiência
disponível para orientação
70
FILOSOFIAS TRADICIONAIS DA EDUCAÇÃO
de outra".4 Assim, o pensamento abstrato é uma ativa experiência educativa
e, contrariamente à opinião popular, uma ativa experiência educativa não é
limitada ao
exercício muscular. Inclui a intelectualização, a conceptualização, a
imaginação ou qualquer coisa que nos ajude a pressentir o significado do
que está acontecendo.
Valores Pragmáticos e Educação
Para o pragmático, os valores são relativos. Não há princípios absolutos
sobre os quais possamos apoiar-nos, sejam quais forem as conseqüências para
outros. Todos
os cânones morais e estéticos são passíveis de alteração no curso do
desenvolvimento de uma cultura. Isto não é pretender que a moralidade
flutue de dia para dia.
É sustentar que nenhum preceito moral pode ser olhado como universalmente
vinculativo, independentemente das circunstâncias em que é exercido. O
Quinto Mandamento,
por exemplo, não é um princípio absoluto; há ocasiões ;em que pode ser
legítimo matar, como no caso de uma guerra justa, em defesa própria ou para
salvar a vida
de outrem. Os valores a serem ensinados na escola são os que melhorem o
bem-estar humano. A criança deve aprender como tomar decisões difíceis, não
recorrendo a
princípios rigidamente prescritos, mas determinando, outrossim, qual o
curso de ação inteligente suscetível de produzir os melhores resultados em
termos humanos
e finitos.
Os homens devem estabelecer os seus valores da mesma maneira que a verdade
de suas idéias deve ser estabelecida. Devem permitir à inteligência que
examine imparcialmente
os problemas das questões humanas e selecione os valores que pareçam ter
mais probabilidades de resolvê-los. Tais valores não devem ser impostos a
nós por uma autoridade
superior. Devem ser acordados, se possível, após uma franca e esclarecida
discussão.
4 John Dewey, Democracy and Education, Macmillan, Nova York, 1916, pág.
264.
71
v
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
í
Somente uma democracia permite a expressão de todos os pontos de vista e o
estabelecimento do livre consentimento. Logo, na opinião pragmática,
democracia e inteligência
estão , mutuamente implícitas. Só num meio
democrático a inteligência
pode atingir a liberdade de pensamento e de ação que ela, idealmente,
requer. A escola deve ativamente fomentar o espírito democrático e conceder
aos estudantes
o máximo âmbito possível para que se governem a si mesmos.
A concepção de Dewey, de "crescimento que conduz a mais crescimento", bem
como a sua definição de educação — "um processo de contínua reconstrução da
experiência"
— realçam tiois pontos muito importantes: a educação nada mais é senão um
processo e nunca termina. Há uma tendência para aludir à educação como algo
que "tivemos",
por exemplo, quatro anos de universidade ou um curso de Física, como se
tivéssemos passado por algo final, algo que nunca mais experimentaremos' de
• novo. Contudo,
na realidade, a educação jamais termina. Não é um produto que -se leve psra
casa, como um saco de mercearias, depois de sairmos da escola, mas um
processo que evolui,
em parte na escola e em parte no decorrer da vida inteira, através de toda
a interação social esclarecida.
Para o pragmático, a realização própria constitui o fim supremo.de todos os
homens. A sociedade encarrega-se de que essa meta seja alcançada através da
educação.
À medida que o grupo social fica mais coiüplexo, exerce maiores 'exigências
sobre o indivíduo. Seus'fitos, capacidades e valores são incorporados à
instrução escolar.
Mas Dewey jamais colocou o indivíduo contra a sociedade ou a sociedade em
oposição ao indivíduo. Sua moralidade social rejeitou qualquer espécie de
individualismo
empedernido que apoiasse a exploração de outros e qualquer arranjo social
que submergisse a realidade única da pessoa. Dewey preconizou uma
combinação de pensamento
individual e sanção do grupo, marcada pelo que ele designou como "um
compromisso crítico". A comunidade utópica, que Dewey abraçou, é
estabelecida pelo povo que
tiver coragem de pensar independentemente e, entretanto, relacionar-se com
o grupo, Esta é uma sociedade que
72
FILOSOFIAS TRADICIONAIS DA EDUCAÇÃO
incentiva o intelectualismo, a capacidade criadora e um espírito
verdadeiramente humanista.
Tudo isso e ainda mais constitui a contribuição pragmática à educação. Mas
para vermos essa contribuição articulada em maior detalhe, teremos de
esperar até examinarmos,
no capítulo 4, o movimento educacional conhecido como prôgres-sisrno.
Passemos agora a duas novas Filosofias, que largamente recusam as
tradicionais categorias em cujos termos foram expostas as três--Filosofias
versadas neste capítulo.
Ambas as Filosofias poderiam, é certo, ser comprimidas nessas mesmas
categorias, mas é mais justo deixar que elas falem por si mesmas.
BIBLIOGRAFIA ADICIONAL
Brubacher, John S., Modem Philosophies of Education, Mc-
-Graw-Hill, Nova York, 1962. Burns, Hobert W., e Charles J. Brauner,
Philosophy of Education, Ronald, Nova York, 1962. Butler, J. Donald, Four
Philosophies and Their
Practice in Edu-
____cation and Religion, Harper, Nova York, 1957._____
Henry, Nelson B.3 The Fórty-first Yearbook of the National
Society for the Study of Education, vol. I, University of
Chicago, Chicago, 1955. Judges, A. V., Education and the Philosophic Mind,
Harrap,
Londres, 1957. Park, Joe, Selected Readings in the Philosophy of Education,
Macmillan, Nova York, 1958. Weber, Christian O., Basic Philosophies of
Education, Rinehart,
Nova York, 1960.
73

3
MODOS MAIS RECENTES DE PENSAR
capítulo 2 esboçou as contribuições das três Filosofias tradicionais para a
educação. O presente capítulo explora duas Filosofias mais recentes,
existencialismo
e análise, que não se prestam à apresentação em termos de categorias
estabelecidas. O existencialismo concentra-se na pessoa; a análise enfoca o
significado. Embora
nenhuma dessas duas Filosofias tenha ainda proposto um programa educacional
tão específico quanto os anteriormente descritos, a crítica por elas
desencadeada contra
a Filosofia tradicional é tão contundente e, por implicação, tão
significativa para a educação que não nos podemos permitir ignorá-la. Além
disso, ambas estão crescendo
de importância, não só entre os filósofos acadêmicos, mas também entre os
filósofos da educação.
^EXISTENCIALISMO
Elementos Existencialistas Comuns
O existencialismo é notoriamente difícil de definir, e ninguém mais parece
querer admitir que seja existencialista. Mui-
75
V
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
tos pensadores proeminentes, outrora rotulados de "existencialistas",
desautorizaram depois o título e com bons motivos, pois êle sugere
erroneamente, que todos
podem ser alinhados por trás de um corpo de doutrina convencionado. As
atitudes expressas nas obras de Soeren Kierkegaard, Friedrich Nietzsche,
Martin Heidegger,
Karl Jaspers, Jean-Paul Sartre e Gabriel Mareei, claramente os situaram
fora dos domínios da Filosofia acadêmica. A seus nomes, podem ser somados
aos de Blaise Pascal,
dos romancistas Fyodor Dostoievski, Franz Kafka e Albert Camus, o filósofo
russo Nikolai Berdiaeff, e teólogos contemporâneos como Karl Barth, Martin
Buber, Paul
Tillich e Reinhold Niebuhr. Não obstante, há certos elementos mais ou menos
comuns à concepção existencialista, os quais passaremos agora a examinar.
1. A Filosofia não deve ocupar-se, objetivamente, das questões filosóficas
tradicionais; deve, antes, converter-se num encon&o apaixonado com os
perenes problemas
dá vida e, em particular, com a inevitabilidade da morte, a agonia e a
alegria do amor, a realidade da escolha, a experiência da liberdade e a
futilidade ou esterilidade
das relações pessoais. O existen-cialismo procura filosofar do ponto de
vista mais do ator que do espectador. A Filosofia que resulta unicamente do
intelecto, que
é um produto de noites consumidas em gabinetes cheios de livros, em vez de
gerar-se no tumulto e agitação da própria vida, arroga-se um desprendimento
espúrio que
os homens, em todo caso, não podem verdadeiramente alcançar. O filosofar
deve principiar, outrossim, na apaixonada consciência individual da
angustiosa situação
humana — da sua própria situação — que é a finitude e contingência da
existência do homem. Logo que a Filosofia perde de vista a condição de cada
homem, não só perde
todas as suas amarras como se converte em pura especulação — especulação
que, ainda por cima, não é um inofensivo malabarismo com abstrações
irrelevantes, mas deveras
perigosa, visto que, quando convertidas em ideologias, essas abstrações
exercem um efeito hipnótico sobre as mentes de milhões de pessoas.
76
MODOS MAIS RECENTES DE PENSAR
2. No famoso aforismo de Sartre, "a existência precede a essência". Quer
dizer, o fato puro e brutal de que as coisas existem tem prioridade lógica
sobre qualquer
essência ou defi-nição-íque possamos querer incutir-lhe. Os objetos existem
e o homem interpreta-os; mas, antes mesmo dele os encarar como as
consubstanciações de
certas características, os objetos simplesmente estão. O mundo está ali: é
concreto e particular, e qualquer essência que dele se abstraia é menos
real do que os
dados donde ela foi abstraída.
3. O universo, em si mesmo, é desprovido de significado ou propósito.
Contrariamente aos ensinamentos da teologia e dos grandes sistemas
metafísicos, o homem
não faz parte de um único plano cósmico, visto que o plano ou "desígnio"
não passa de um conceito mental, e o universo é indiferente à mente. Os
propósitos que julgamos
surpreender no universo nada mais são que uma projeção do nosso próprio
desejo de ordem. Na verdade, somos "fundidos" num mundo estranho, para, o
qual não fomos
especialmente criados, mas no qual teremos de morrer, mais tarde ou mais
cedo. O nosso Angst ou "temor'V surge da nossa consciência do "absurdo"
dessa condição,
de
.que somos livres, mas finitos, estamos no mundo e, entremen-tes,
divorciados dele; e, sobretudo, condenados à morte. O homem, que conhece o
significado, tem de
viver e morrer num mundo sem significado. Em sua liberdade, êle transcende
o mundo e, através de sua morte, está submetido a êle.
4. Precisamente porque o homem não faz parte de qualquer sistema
universal, possui liberdade absoluta. Em flagrante contraste com as
inúmeras formas de determinismo
científico e filosófico hoje predominantes, o existencialismo afirma a
liberdade total do homem e, conseqüentemente, sua plena responsabilidade
por todas as suas
ações. Veremos adiante como o existencialismo analisa as tentativas do
homem para fugir ao terrível' fardo da sua liberdade, um fardo tão terrível
quanto a "diversidade"
do mundo em que vive.
5. Sendo o homem livre, "faz-se a si mesmo". Como a liberdade é pura
potencialidade enquanto não se concretizar
77
INTRODUÇÃO k FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
em atos, o homem "nada" é enquanto não atuar. O homem é a soma de suas
próprias ações, totalmente responsável por cada uma delas, visto que
poderia sempre escolher
de outra maneira ou atuar de outro modo. Nas palavras de Sartre:
O que se pretende com a afirmação de que a existência precede a essência?
Pretende-se dizer que, primeiro de tudo, o homem existe, cresce, aparece em
cena e só depois
é que se define a si próprio. Se o homem, tal como o existencialista o vê,
é indefinível, é porque, de início, ele é nada. Só depois será alguma coisa
e êle próprio
terá feito de si o que vier a ser. .. Não só o homem é o que êle próprio
concebeu ser, mas também o que quer ser após esse impulso para a
existência. O homem nada
mais é senão aquilo que sé fêz.1
6. Sendo o homem livre, o filósofo deve expor, não como observador mas
também como indivíduo apaixonadamente empenhado em seu ponto de vista; as
tendências, no século
XX, que agem para desumanizar o homem, minando sub-repticia-mente a sua
liberdade, tais como a exploração de unidades humanas pelos meios de
comunicação em massa,
a subordinação de indivíduos às máquinas ou aos sistemas econômicos, a
tirania da maioria no processo democrático e do grupo nas questões sociais.
Ouçamos o que
Nicolai Bcrdiaeff diz a tal respeito:
O treinamento social e a civilização dos homens bárbaros podem constituir
processos benéficos; mas isso não" significa a formação de personalidades.
O homem completamente
socializado e civilizado pode ser inteiramente impessoal; pode ser um
escravo e não notar que o é... O problema do homem é mais primordial que o
problema da sociedade.
Todas as doutrinas sociológicas do homem estão erradas; apenas conhecem a
camada superficial e objetificada do homem... A origem da escravidão. é a
objetivização,
a exteriorização, a alienação. É escravidão em tudo: na aquisição de
conhecimentos, na moral, na religião, na arte, na política e na vida
social... O homem anseia
por liberdade... Existe dentro dele um imenso impulso, para a liberdade;
entretanto, não só êle cai facilmente na escravidão como até ama a
escravidão.2
1 Jean-Paoíl Sartre, Existencialisrh, Philosophical Library,
Nova York, 1947, pág. 18.
2 Nicolai Berdiaeff, Slavery and Freedom, Scribne^s, Nova York, 1944,
cap. 1.
78
MODOS MAIS RECENTES DE PENSAH
Alguns Obstáculos para Entender o Existencialismo
Sem cuidar de quanto possa haver em comum entre os existencialistas, o fato
é que estão profundamente divididos por diferenças fundamentais. Nietzsche,
Heidegger,
Sartre e Camus são ateus, ao passo que Kierkegaard, Jaspers e Mareei são
teístas. Mareei é católico, Buber judeu, Neibuhr, Barth e Tiiiich são
protestantes e Berdiaeff
pertenceu à Igreja Ortodoxa Russa." Ainda, enquanto Mareei e Jaspers
chegaram a conclusões moderadamente otimistas, Heidegger e Sartre
mantiveram-se profundamente
pessimistas. Tais diferenças constituem o primeiro obstáculo importante
para compreender a natureza geral do existencialismo.
Um segundo obstáculo é o fato de que o existencialismo — assim o dizem seus
adeptos — não pode ser objetivamente estudado de fora, mas requer que o
estudante se
identifique interiormente com a doutrina. O filósofo existencialista não
analisa as questões a uma distância segura, mas, pelo contrário, mergulha
nelas intelectual
e emocionalmente. "O elemento dinâmico em minha .Filosofia, encarada como
um todo", escreveu Gabriel Mareei,
pode ser visto como uma batalha obstinada e infatigável contra o espírito
de abstração... Desempenhei a função de um advogado de acusação contra toda
Filosofia que
me parecesse conservar-se prisioneira de abstrações.3
A Filosofia deve começar em temor, uma consciência genuína da condição
humana. Se o estudante não adotar o método existencialista de filosofar,
perde necessariamente
a mensagem do movimento e, portanto, juiga-o injustamente.
Um terceiro impedimento para a compreensão desta Filosofia é que as obras
dos existencialistas estão cheias de dificuldades estilísticas. A prosa
brilhante e aforística
de Nietzsche torna-o um dos mais legíveis de todos os filósofos, mas o
estilo
3 Gabriel Mareei, Man Against Mass Society, Regnery, Chicago, 1952, pág. |.
79
t
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO I
? i
sutil e irônico de Kierkegaard e o uso da dialética desorientarão quem não
o ler com a maior atenção. Heidegger, porém, estaria destinado a
converter-se na bete
rioire existencialista dos filósofos anglo-americanos. Cito ao acaso um
trecho de sua obra magna, Sein und Zeit ("Existir e Ser"):
O "Nada" é revelado em temor, mas não como algo que "é". Também nãò pode
ser tomado como um objeto. O Temor não é uma j
apreensão do Nada, De qualquer modo, o Nada é revelado e através do temor,
mas, repetimos, não no sentido de que o Nada apareça como se fosse
destacado e à parte
de aquilo-que-é-em-totalidade, quando temos esse "estranho" sentimento.
Diríamos antes: em temor, o Nada funciona como se estivesse unido com
aquilo-que-é-em-totalidade.4
j
Semelhante estilo prova ser difícil de penetrar para os que estão
habituados à prosa lúcida de Locke, Berkeley e John Stuart Mill. Os
existencialistas também usam
freqüentemente termos tais como angoisse e Sorge, que se traduzem conven-"
cionalmente pòr "angústia" e "preocupação", mas que, no original, irradiam
uma penumbra
de significações e acentos que nenhum equivalente inglês pode refletir. Com
efeito, os próprios existencialistas sentem-se, por vêzes^ mutuamente
confundidos. Mareei,
por exemplo, escreve a propósito do conceito de Heidegger, Sein zum Todev
> ¦ — 7-----j
' /
" I
Zum Tode sein não pode traduzir-se para francês. .. £tre vers Ia
mort ("ser para a morte") — mas o que significa isso? "Estar destinado à
morte"? Ou, talvez, "Estar entregue à morte"? Aqui reside um equívoco de
grandes conseqüências...
Em minha opinião, nada existe aí que seja auto-evidente. 5
O fato de que o existencialismo se presta melhor, freqüentemente, a um
tratamento literário em vez de filosófico, cria outro problema. Os
existencialistas franceses
usaram o romance e o teatro, profnsamente, a fim de divulgarem suas pró-
4 Martin Heidegger, Existence and Being, Vision Press, Londres, 1949, pág.
368.
6 Gabriel Mareei, citado na obra de Jean Wahl, A Short History of
Existencialism, Philosophical Library, Nova York, 1949.
80
MODOS MAIS RECENTES DE PENSAR
prias idéias — com maior êxito, talvez, do que o obtido na Filosofia. Na
ficção pode consubstanciar-se a dialética de idéias, mediante o encontro e
conflito de personagens
reais, em cujas situações a mente e os sentimentos do leitor estão
simultaneamente envolvidos. Sartre e Camus são dois dos autores principais
da França, por muito
que Os Caminhos da Liberdade, de Sartre, possa divergir de O Estrangeiro e
A Peste, de Camus. Na Alemanha, Heidegger voltou sua atenção para uma
análise filosófica
dos poemas de Hõlderlin. Para compreender adequadamente o existencialismo,
devemos estudar tanto a Literatura como a Filosofia.
Finalmente, o existencialismo floresceu melhor em condições de colapso
social e econômico — na Alemanha, depois dà I 'Guerra Mundial e na França
depois da* Segunda
— que parece ser mais propício do que a prosperidade para a intros-pecção
angustiada, o desespero ressonante e as afirmações de desafio que
caracterizam o movimento.
Mas, para muitos americanos, que nãcTtiveram de sofrer a tragédia real e as
devastações da .guerra, a doutrina parece ser um tanto ridícula,
"des-toante" e quase
mórbida. O temperamento americano, se pudermos usar tal abstração, ainda se
conserva essencialmente
___otimista, confiante, em. que, na. presença do KHow-how* nada
existe que o homem não possa realizar, desde que se decida a tanto. Por
outro lado, por mais variável que seja o seu temperamento, nota-se uma
crescente preocupação
com o desenvolvimento do conformismo, preocupação essa que reflete, ainda
quç superficialmente, a inquietação existencialista pela sorte do
'indivíduo em sua luta
contra a pressão da multidão anônima (das Man).
a Existencialismo e Educação
A intransigente afirmação de liberdade autêntica e de uni-cidade individual
é a mensagem estimulante do existencialismo para a hodierna Filosofia da
educação. Uma
teoria educacional baseada no existencialismo inverteria, concebivelmente,
81
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
a maré na luta determinada que muitos educadores estão desencadeando contra
a notória tendência para o conformismo nas escolas de hoje. Contudo, o
realce dado
pelas Filosofias expe^ rimentais à natureza essencialmente social da
experiência humana levou ao desenvolvimento de um sistema educacional que
encoraja o aluno a
adaptar-se aos rumos de seus camaradas, em vez de abrir um caminho próprio.
¦ Tal sistema admira mais as realizações do grupo do que as conseguidas
isoladamente
e enaltece a aprendizagem coletiva -de preferência ao esforço individual
O aluno "bem ajustado" tem sua réplica, fora da escola, no "homem da
organização" das
nossas grandes empresas, os gerentes cuja virtude primordial é sua
capacidade para "entender-se" com os seus associados de negócio; e, em
política, nos políticos
com "imagem" atraente, populares entre a gente comum porque eles se podem
apresentar como versão ampliada do homem da rua. O existencialista
afirma que o indivíduo
não se "realiza" necessariamente no grupo, mas troca, apenas, seu
verdadeiro eu pela máscara anônima do grupo. Em vez de encontrar sua plena
realização,.perde-se
realmente a si próprio. As atitudes polidas do grupo, os maneirismos
facilmente assimilados da classe social apresentam a mais simples fachada
do sucesso, escassamente
ocultando a vacuidads do fracassado ser humano. Quantas neuroses
resultam da su-focação da originalidade nas dobras da convenção? A
"informalidade" e a "convivência
de pátio" não são menos sufocantes do que o formalismo que se pretendeu
substituir por aqueles hábitos! A escola deve encorajar o desenvolvimento
de uma individualidade
livre e criadora, que fermenta sob o .amável exterior daquele supervenerado
conceito, "o espírito de equipe". O indivíduo, declara o existencialista,
pode juntar-se
ao grupo se desejar, mas sem pressões e por sua própria e livre vontade.
Será facilmente compreendido que os temas usuais da educação divergem
amplamente dos temas
usuais do existencialismo. Não é possível, portanto, falar de conexão
entre ambos da mesma maneira que se fala da relação entre uma Filosofia
tradicional e a educação.
Tentamos, não obstante, estabelecer alguns pontos de contato, usando temas
mutuamente pertinentes
MODOS MAIS HECENTES DE PENSAM
como estes: 1) angústia e morte; 2) o indivíduo e os outros (das Man); 3) o
conhecimento e o conhecedor; 4) os valores e o indivíduo; 5) o professor e
o estudante;
e 6) o processo educacional.
1. A finitude é a característica mais significativa da condição humana, e a
morte o acontecimento mais (importante da vida de um homem. A morte não
deve ser simplesmente
encarada como o encerramento inoportuno dos nossos dias ou uma libertação,
há muito esperada, da velhice ou da dor; não é meramente um acontecimento
negativo, o
ponto em que paramos de viver, mas, pelo contrário, uma entidade positiva,
a meta para a qual cada um de nós caminha em todos os momentos de nossa
vida. Como anteriormente
afirmado, o homem é "fundido" no "mundo, não sabendo por que, mas
simplesmente que, existe. E, contudo, de todos os inumeráveis objetos e
criaturas que compartilham
do universo, só o homem sabe que *" deve morrer. Cônscio de sua finitude e
da inevitabilidade da morte, o homem enche-se de Angst ou temor.
É aqui que a Filosofia deve começar — "do outro lado do desespero" —
tentando ver nos fatos da condição humana a relação do homem com o próprio
Ser. Para consegui-lo,
deve abandonar o conceito cotidiano de morte como evento impessoal — a
sorte inevitável da raça humana. Informar que um milhar de pessoas morre
todos os dias ou
ler até nos jornais a ocorrência de um acidente fatal não nos comove
pessoalmente, como devia ser, mas provoca tão-sòmente a reflexão trivial de
que toda mundo morre.
Imobilizamos o pensamento naquilo sobre que deveríamos refletir, isto é,
que eu devo morrer. Não deveríamos relegar a idéia de morte como se não
fosse de importância
para nós, pessoalmente; deveríamos refletir constantemente que as nossas
mortes apagam, de um modo total, tudo o que fomos, ou pensamos, ou fizemos.
Viver autenticamente
é Viver na consciência onipresente da morte. Toda escolha ou decisão que
adotarmos, deveria ser como se se tratasse da última.
À primeira vista, não parece haver lugar, na educação, para um confronto
tão direto e "melodramático" com a morte.
83
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Para o jovem, a morte ou é demasiado remota no tempo — algo que acontece
quando uma pessoa anda pelos setenta anos," o que é tão distante quanto a
própria eternidade
— ou então é, simplesmente, uma idéia melancólica para alimentar em
momentos de depressão do humor. Mas, certamente, se este for o caso, a
conclusão a extrair é
não que as nossas escolas devam banir a morte como irrelevante para os
jovens, mas que estes devem dar-lhe a atenção que justamente merece.
Aceitemos que as nossas
escolas adotem a atitude de que unicamente o pensamento da morte nos torna
verdadeiramente cônscios dos valores da vida. Ter consciência da morte — da
nossa própria
morte — não é entregàrmo-nos à morbidez, mas propiciar a exaltação da vida.
Ao estudante deveria ser mostrado que a existência pela existência.não
supera todos os
demais valores . e queé realmente possível pagar um preço excessivamente
alto4 pelo privilégio de continuar vivo. Muitas vezes, é mais belo morrer
por um ideal,
do que conservar a própria vida atraiçoando alguém. A História refulge com
exemplos daqueles que espontaneamente fizeram o supremo sacrifício, de mães
que morreram
por seus filhos, soldados pelas suas pátrias, mártires pela sua fé.
"Maior amor do que este nenhum homem
jamais mostrara, o daquele que entregou sua vida por. um__
amigo." Com efeito, o estudante tem diante dele dois magníficos exemplos,
que eclipsam todos os outros: o de Cristo em sua agonia, morrendo pela
redenção da humanidade,
e o de Sócrates bebendo a cicuta, para que o império da lei em Atenas
pudesse ser mantido.
Embora o professor deva inspirar seus discípulos pela descrição de tais
exemplos, sua tarefa não termina aí. Incutindo--lhes a noção consciente da
ínevitabilidade
e, em certas ocasiões, até da desejabilidade da morte, deve no entanto
levá-los a examinarem a qualidade de suas próprias vidas, pois a iminência
da morte é o mais
poderoso incentivo para o auto--exame. Por outra parte, o professor seria
mal avisado se persuadisse o estudante de que vive sob uma perpétua
sentença de morte,
embora no sentido existencialista isso possa ser verdade. Pelo contrário,
o estudante deve aprender a viver sua
84
MODOS MAIS RECENTES PE PENSAR
vida no conhecimento de que um dia, algum dia como este, a vida chegará ao
fim. Então, deixemos que êle se interrogue para que vive. Estará êle
plenamente vivendo
como um homem livre, ou contenta-se simplesmente em existir? Quando morrer,
terá alguma importância se êle viveu mesmo ou não? Deixemos que êle recorde
as palavras
de Blaíse Pascal: "Viva hoje como se fosses morrer amanhã."
2. Os existencialistas divergem em suas opiniões sobre a relação do
indivíduo com outros. Para Sartre, todo homem está sempre, potencialmente,
em conflito com o
seu semelhante, e todas as relações sociais — quer com a própria família,
ps amigos, o objeto de amor carnal ou o próprio .Estado — estão condenadas
à frustração.
Por quê? Segundo 'Sartre, o homem é completamente livre para exercer a sua
liberdade ou * para se parecer com um objeto. Sempre que entra em contato
com outra pessoa
— nem que seja meramente olhando para ela — deve dominá-la ou ser por ela
dominado. No primeiro caso, nega a liberdade do outro, ao tratá-lo como um
objeto. No segundo,
nega a sua própria liberdade ao "objetificar-se". Este conflito atinge a
sua maior intensidade no amor, que se converte em sadismo, em que a pessoa
nega a liberdade
daquela que - ama^ou-masoquismo, em que nega a própria-liberdade, O único
compromisso autêntico que um homem livre pode contrair sem sacrificar a sua
própria liberdade
ou a de outros é aquele que amplia a área total da liberdade humana. Na
medida em que um sistema social restringe a liberdade, poderemos cooperar
com outros para
o reformar ou abolir. Poderemos, por exemplo, tomar o partido da classe
trabalhadora contra a burguesia, não com base no princípio marxista de que
a vitória do proletariado
é inevitável, mas, antes, de acordo com a opinião existencialista de que a
classe trabalhadora não alcançou ainda a liberdade a que tem direito.
Menos radical a esse respeito do que a Sartre, Heidegger argumenta, não que
qualquer ordem social deva conflitar inevitavelmente com o egoísmo
fundamental do homem,
mas, pelo contrário, que a sociedade, em sua forma atual, é inimiga daquela
livre camaradagem de indivíduos autônomos que carac-
85
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
teriza o verdadeiro Dasein. * Os homens deviam ser capazes de escolher seus
próprios associados e se comunicar com eles como queiram. Como as coisas
estão, a sociedade
(das Man) força o indivíduo a conformar-se exteriormente às normas próprias
daquela, em troca de fornecer ao homem certa medida de segurança. Não exige
uma autodisciplina
autêntica, mas impõe normas de fora para dentro. A reação do indivíduo
autêntico é renunciar às piadas vulgares e à vivacidade ruidosa de das Man
e conservar a companhia
de alguns camaradas bem escolhidos.
Mareei e Jaspers discordam tanto de Sartre como de Hei-degger e insistem
que a verdadeira liberdade ou existência autêntica conduz a uma calorosa
participação nas
atividades dos outros. Como homens livres somos obrigados a reconhecer a
liberdade dos demais, e esse reconhecimento leva, por sua vez, ao amor e
participação mútua.
Não obstante, a participação deve manter-se como interação autêntica de
personalidades livres, não a "coesão" espúria do grupo, que é conseguida
mais pela debilitação
do que pela revigoramento da personalidade dos seus componentes. Por isso
deploram a despersonalização do homem na sociedade industrial. _ Também
deploram a influência
das ciências do comportamento, que estudam o homem não como um ente livre,
mas como um ser sujeito a complexos, mecanismos de estímulo e reação, e
interação social.
Com o seu desprezo pela existência inautêntica de das Manf os
existencialistas condenam o declínio dos padrões provocado pela educação
universal. Se a preocupação
primordial de um sistema educacional se concentra no estudante médio e não
no excepcional, substitui pela certeza de mediocridade a possibilidade de
brilhantismo
e compele o indivíduo a conformar-se à lei da mediania. Nietzsche
escreveu:
* Dasein; a tradução literal da expressão heideggeriana é "estar aí", na
acepção de que o homem "está imediatamente presente no mundo". (N. do T.)
86
MODOS MAIS RECENTES DE PENSAR
Podia parecer a essas massas que a educação para o maior número de homens
era unicamente um meio para a bênção terrena dos poucos; [mas] a "maior
expansão possível
da educação" debilitou de tal modo a educação que acabou por não conferir
mais privilégios nem inspirar respeito. A mais genérica forma de cultura
chama-se, simplesmente,
barbarismo. 6
O existencialista contemporâneo não defenderia, claro, a opinião
nietzschiana de educação para uma elite de super-ho-mens em potencial.
Contudo, êle insiste em que
a igualdade de oportunidade educacional não deve constituir uma desculpa
para educarmos todas as crianças ao mesmo ritmo e da mesma maneira. O nosso
sistema educacional
deve permitir muito maior variedade em seus métodos e organização a fim de
acomodar-se à infinitamente maior variedade da natureza humana.
O existencialista é um crítico severo da tendência predominante para educar
as crianças em grupos e não como indivíduos. Assinala que ó grupo obstruirá
o desenvolvimento
dos seus componentes mais lentos, se acompanhar a velocidade dos mais
rápidos, ou então cerceará as asas dos mais inteligentes se adotar o ritmo
dos mais atrasados.
Os grupos são freqüentemente dominados por uma, duas ou poucas pessoas, que
inibem a capacidade dos demais para se expressarem livremente. Em qualquer
caso, a tendência
de todos os grupos é para a padronização, em vez da diferenciação, para a
média e o típico em lugar do único e do individual. E que dizer do
indivíduo que prefira
conservar-se silencioso no grupo? Quantos membros do grupo são real e
genuinamente hostis a seus camaradas? Contudo, o existencialista não
rejeita totalmente a instrução
em grupo. Este método pode ser usado, não primacialmente para elevar os
padrões da ciasse ou grupo como um todo, mas para estimular o
desenvolvimento de cada indivíduo,
dentro do grupo. A finalidade da educação em grupo é a educação do
indivíduo. E o indivíduo usa o grupo para a sua própria realização pessoal.
6 Friedrich Wilhelm Nietzsche, On íhe Future of Our Educational
Institutions, Macmillan, Nova York, 1924, págs. 37-38. Ver também pág. 75.
87
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Os existencialistas' também deploram a tendência dos pais para cederem cada
vez mais suas responsabilidades educativas à escola. No lar, a criança é
tratada como
um indivíduo, num grau que dificilmente será possível na atmosfera mais
impessoal da sala de aula, onde a atenção do professor tem de ser repartida
por muitos. Se
a criança não desenvolver um eu autêntico e indepente no seio da faniília,
tenderá, em regra, a conformar-se às atitudes e expectativas dos colegas.
Contrariamente
à opinião popular, o existencialista enaltece a vida de família como a mais
autêntica organização social e quer que o lar seja uma força educativa
muito maior do
que atualmente ~é. " A" liberdade de ter filhos acarreta a responsabilidade
pelo *seu desenvolvimento mais plenamente autêntico. Os pais não podem
abdicar da responsabilidade
pela educação da prole e confiar na escola para que realize por eles essa
tarefa.
3. Provavelmente, a mais amplamente aceita e defendida teoria de
conhecimento, em círculos educacionais, é a teoria pragmática segundo a
qual o melhor processo
para adquirir conhecimento é a proposição e comprovação de hipóteses que
expliquem determinadas situações. O ideal a cultivar é o de
desprendimento — a calma
supostamente imparcial do cientista em sua busca da verdade. Em
contraste, o existencialista in-_ siste que; se o conhecimento "puramente
objetivo" não empenhar
os sentimentos do conhecedor, jamais poderá ser decisivo para êle. O
homem é uma criatura não só de intelecto, mas também de sentimento; e, para
verdadeiramente
conhecer alguma coisa, deve ser capaz de relacioná-la consigo,
pessoalmente. O conhecimento deve estar ligado à verdadeira finalidade do
indivíduo, que é envolver-se
autenticamente na vida. Para o existencialista, o "saber desinteressado"
é coisa que não existe. O existencialista está menos preocupado com a
compilação de provas
do que com o que o indivíduo consiga para si com essas provas. Insiste
em afirmar que a ciência é inevitavelmente limitada em seu âmbito pelo
mistério do Ser
e que a verdade, em sua integridade, deve sempre fugir-nos.
O conhecimento, apropriadamente concebido, acarreta liberdade, visto que
emancipa o homem da ignorância e do
88
MODOS MAIS RECENTES DE PENSAR
preconceito, habilitando-o a ver-se como realmente é. Portanto, a escola
deve rever completamente suas concepções de conhecimento. Deve cessar de
encarecer a matéria
como um fim em si ou como um instrumento para preparar o estudante para a
sua carreira futura, considerando-a antes como urn meio para a cultivação
do eu. Uma vez
que a existência autêntica envolve o homem todo, não devemos continuar
olhando o ensino, primordialmente, como uma disciplina mental. Pelo
contrário, o estudante
deve ser incentivado a envolver-se intelectual e emocionalmente em tudo o
que estudar; deve apropriar-se de qualquer exercício, problema ou estudo a
que se dedique.
Toda a ênfase do currículo deve transferir-se do mundo dos objetos para o
mundo da pessoa. Como o significado da existência reside no próprio homem,
o estudante
deve usar o seu conhecimento de realidades externas para congraçar-se mais
completamente com a sua própria natureza.
4. Os únicos valores aceitáveis para o indivíduo são os queb-êle adotou
livremente. Com efeito, o primeiro princípio de todo o valor e a base da
moralidade é o fato
da escolha humana, de modo que a finalidade de qualquer sistema moral deve
ser a ampliação da liberdade de escolha para todos. Por outra parte, o
existencialismo
não dá abrigo ao egoísmo desen-freado, visto que buscarmos egoisticamente a
nossa própria liberdade sem atentar nos efeitos que essa atitude possa ter
em outras
pessoas eqüivale a violar o próprio significado de liberdade.
Se a base da moralidade é a liberdade, não podemos esperar que o indivíduo
abrace padrões morais estabelecidos independentemente dele e aos quais o
intimam que se
conforme, sem cuidar de seus sentimentos pessoais. Os valores que não são
livremente escolhidos são inválidos. O professor não deve impor seus
próprios valores,
mas deve apresentar os princípios em que crê e as razões para os mesmos,
solicitando aos alunos que escolham, quer os aceitem ou não, O
existencialismo não pede
à escola que favoreça a anarquia moral entre os estudantes. Mas afirma,
isto sim, que o estudante não pode continuar a ser condicionado pelo seu
professor na aceitação
89
INTHODUÇAO A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
de princípios morais supostamente eternos, que deve sustentar
inflexivelmente seja qual for o custo em sofrimento humano ou por mais que
esses princípios lhe repugnem.
O professor deve convencer veementemente o estudante de que, seja o que for
que este faça, não poderá escapar às conseqüências das suas ações; deve
aceitá-las como
resultado inevitável de sua própria e livre escolha, por mais impensada que
essa escolha possa ser, algumas vezes. E deve insistir em que a vida de
cada homem compete
a êle mesmo conduzi-la, ninguém podendo orientá-la em vez dele. É inútil
atribuirmos nossos fracassos a fatores" tais como o meio, a família, o
temperamento ou a
influência de outros. Por mais importantes que esses fatores pareçam, nada
mais fazem senão criar o cenário para o nosso exercício da escolha. Embora
possam explicar
os nossos equívocos ou erros, não os exoneram. A criança deve aprender, a
desenvolver os seus próprios princípios e um sentimento de orgulho êm si
própria, de maneira
que despreze, simplesmente, seguir ou obedecer à massa.
Finalmente, o estudante deve reconhecer que a frustração e o conflito não
são apenas estados indesejáveis que é preciso evitar a todo custo; eles
promanam do "desamparo"
inato da condição humana, na medida em que a liberdade do homem o colocou à
parte do resto do mundo. Na verdade, a escola deveria familiarizar a
criança tanto com
o lado "mais negro" da vida, com a dor, o terror e a aparentemente
inexplicável brutalidade da vida, como com a sua beleza, êxtase e alegria.
O estudante deve tornar-se
pessoalmente interessado na compreensão da sua própria natureza e naquilo
que Tillich chama a coragem de sermos nós próprios. Como é diferente, diz o
existencialista,
esta atitude da conduta esperada de tantos dos nossos jovens, nas escolas
públicas de hoje, que são instigados a agir e pensar em grupos, a
entender-se mutuamente
a todo custo e a adotar como seus valores unicamente aqueles sobre que
possa haver concordância pública! Como é diferente, também, da idéia
popular de que o individualismo
é, essencialmente, individualismo social e de que o homem é, inerentemente,
um animal político ou social!
90
MODOS MAIS RECENTES DE PENSAR
5. Os existencialistas, rejeitam as concepções tradicionais da relação
entre o professor e p aluno. O professor não está primordialmente na sua
sala de aula para
transmitir conhecimento (realismo), ou como consultor em situações
problemáticas (pragmatismo), ou como uma personalidade a ser imitada
(idealismo). Sua função é
assistir pessoalmente a cada estudante, em sua jornada para a
auto-realização. JJm bom professor atua, êle próprio, como um livre agente;
sua influência não é temporária,
mas persiste na vida adulta. Quantas vezes encontramos homens, talvez de
idade avançada, que falam com entusiasmo e respeito de um professor que os
inspirou há muito
tempo. De todas as pessoas, o professor está melhor colocado que ninguém
para fomentar o desenvolvimento da masculini-dade^ livre e criadora
naqueles que se lhe
apresentam, inspi-rando-os com uma preocupação apaixonada pelo significado
da vida e a qualidade de suas próprias existências. O bom professor instiga
os seus alunos
a defrontarem e criticarem as opiniões áé\Q; adverte-os para que não se
deixem dominar pelo temor do erro, desde que usem um critério honesto e
autêntico. Exorta-os
a jamais aceitarem sem prova as opiniões dos outros, escritas ou ouvidas, e
a desprezarem a mera imitação e reprodução de idéias em segunda mão. Em
virtude de seu
próprio compromisso com a liberdade e a individualidade, o professor pode
gerar um semelhante entusiasmo por esses ideais entre os seus estudantes.
Mas a tarefa do professor não é, simplesmente, estimular uma originalidade
latente. Deve também encorajar o estudante a empenhar-se no seu trabalho, a
refletir sobre
cada parcela de conhecimento, até que a mesma seja de importância para êle,
pessoalmente. Trata-se de uma afirmação não sobre a natureza da verdade,
mas sobre a
natureza da aprendizagem. O conhecimento não é mais importante do que o
homem, mas menos — servindo à sua principal finalidade, que é a busca de
autenticidade.
Quando tenha de tratar com um adolescente rebelde, o professor não deve
procurar humilhá-lo ou expô-lo ao ridículo ante o resto da classe.
Castigará a criança,
sem dúvida algu-
91
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
ma, deixando assim bem claro que um determinado tipo de comportamento não
será tolerado, mas não deve dirigir-se-lhe em termos humilhantes ou que
roubem ao prevaricador
o senti-mento.de respeito próprio. Também não existe razão para que
repreenda os alunos mais atrasados. A importância da educação, para os
estudantes, como para
todos, aliás, não reside em quanto eles podem aprender, mas como aprendem e
o que isso significa. Se usarem o pouco conhecimento que adquiriram para
valorizar-sua
própria liberdade e originalidade, então fizeram o que estava certo. Embora
o pfofessor nunca deva deixar de instigar seus discípulos para que realizem
o maior esforço
intelectual, isso não implicará que encare a proficiência nos exames como
um fim em si. O estudante que for capaz de usar eficientemente o pouco que
tiver aprendido,
é muito mais digno de admiração do que outro apenas capaz de reproduzir a
pedido uma porção de informações.
Sobre os.aspectos mais sublimes da relação entre o professor e o aluno,
ninguém escreveu com mais se&íimento do que Martin Buber, cuja notável
obra, / and Thou,
deveria ser obrigatoriamente lida por todos os que sinceramente se dedicam
à missão de ensinar. O Eu é o professor, o Tu é o estudante. Assim se
exprime êle:
Se Eu defronto um ser humano como o meu Tu e lhe digo a palavra primária
Eu-Tu, êle não é uma coisa entre coisas e não consiste em coisas. Esse ser
humano não é
Êle ou Ela, destacado de todos os outros Êle ou Ela, um ponto específico no
espaço e tempo, dentro do conjunto da palavra; nem é uma natureza apta a
ser experimentada
e descrita, um feixe ocasional de qualidades identificadas. Mas sem
próximos e todo em si mesmo, êle é Tu e enche os céus. Isto não significa
que nada exista exceto
êle próprio. Mas tudo o mais vive na sua luz.7
Uma melodia não é simplesmente composta de notas; nem um poema só de
palavras; nem uma estátua só de linhas. Nãò posso tomar do homem a quem
digo Tu a cor do seu
cabelo,
7 Martin Buber, / and Thou, Clark, Edimburgo, 1950, pág. 4.
92
MODOS MAIS RECENTES.OE PENSAR
o som da sua voz, a qualidade da sua bondade, embora eu deva constantemente
fazê-lo, sem que êle deixe de ser Tu.
A vida dos seres humanos não decorre apenas na esfera dos verbos
transitivos. Não existe somente por virtude de atividades que têm algo por
seu objeto. : Percebo
algo... Imagino algo... Penso algo. A vida dos seres humanos não consiste
só em tudo isso e o que se lhe pareça. Isto e o que se lhe parece, em
conjunto, estabelecem
o domínio de a coisa. Mas o domínio do Tu tem uma base diferente. Quando Tu
é proferido, o que fala nada tem por objeto. Pois onde há uma coisa, há
outra coisa.
Toda a coisa esti limitada por outras; a coisa só existe através de seu
condicionamento por outras coisas. Mas quando Tu é proferido, não há coisa
alguma. Tu não
tem limites. Quando se diz Tu, aquele que o diz não tem coisa; na verdade,
nada tem. Mas ocupa sua posição em relação a. .. Toda a vida real é
encontro.8
Como toda a existência real é encontro, o mesmo se pode dizer de todo o
ensino — uma relação íntima de dois seres que unem a espontaneidade e a
inventividade com
a disciplina da forma.
O que o discípulo deseja é sua própria participação nos eventos vindouros.
Isto não deve ser confundido com o que os instrumentalistas estão prontos a
designar por
impulso para a atividade ou com a noção_ popular de _que_ uma criança
precisa de manter-se ocupada. Pelo contrário, a criança quer construir ou
destruir, acariciar
ou agredir, aceitar ou rejeitar, jamais manter-se apenas ocupada sem um fim
evidente. As crianças são, por natureza, pioneiras, criadoras, inventoras.
E assim o
professor deve entrar no tipo de relações, com o seu aluno, que liberte a
capacidade criadora, dentro do quadro daqueles valores naturais em que
ambos se integraram.
Como se verá na próxima seção, o conhecimento concreto e os valores sociais
são indispensáveis, e compete ao professor selecionar habilmente aqueles
elementos do
"mundo viável" que sejam mais apropriados à tarefa de ensinar, considerada
aqui um ato supremo de encontro. O professor de verdadeiro talento age
sobre o tecido
da imaginação humana e, no sentido socrático,
8 Ibid., pág. 8.
93
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
funciona como a parteira que ajuda os estudantes a darem à luz grandes
criações.
6. O que ensinaremos e como o ensinaremos? O fato do existencialista estar
menos preocupado com o que realmente se ensina do que com o objetivo para
que se ensina
não significa, implicitamente, que êle seja indiferente aos estudos
fundamentais. Pelo contrário, o existencialista insiste em que há um
considerável acervo de matérias
tradicionais que devem ser dominadas peio aluno, visto ser necessário que
este compreenda a "dadivosidade" do mundo em que a sua liberdade tem de
exercer-se. E,
embora o estudante possa usar o mundo para ampliar seus próprios
desígnios', não se deduz que possa fazer dele o que lhe apeteça. O mundo e
o homem não formam um
encadeamento único de experiência, como o pragmático afirma, sendo
necessariamente separados por natureza, pois o homem é livre ao passo que
as xoisas não são. Não
há como evitar os rigores do estudo, e o estudante deve disciplinar-se para
aprender integralmente a realidade em que vive.
Os existencialistas dão grande importância às humanidades, dado que a
História, a Literatura, a Filosofia e a Arte revelam com maior profundidade
e de maneira mais
imediata do que outras matérias a natureza do homem e seu conflito com o
mundo. O estudante das Artes trava conhecimento íntimo com as reflexões dos
mais belos espíritos
do mundo sobre a morte, culpa, sofrimento, amor, liberdade, ódio,
mortalidade, júbilo, misticismo — na verdade, sobre os perenes temas do
espírito, que assim se
apresentam para atrair o estudante emocional e intelectualmente. A História
não deve ser ensinada como simples catálogo de fatos. A chamada
"objetividade" da História
é um mito, pois os acontecimentos devem ser sempre interpretados de acordo
com o ponto de vista do historiador. O existencialista vê a História em
termos da luta
do homem para conquistar a sua liberdade. O estudante deve também
entregar-se ao período que estiver estudando, mergulhando nos seus
problemas e personalidades.
A História que êle lê não existe simplesmente para ser aprendida, decorada
e depois despejada
94
MODOS MAIS RECENTES, DE PENSAR
num exame. Deve, outrossim, desencadear seus pensamentos e sentimentos,
tornando-se parte integrante dele próprio.
A superespecialização é um erro, porque obstrui o desenvolvimento total da
vida íntima do aluno. Ê esse, em particular, o caso da ciência, que se
tornou tão ramificada
e tão imensamente complicada que, em regra, o cientista tem de
concentrar-se apenas numa especialidade e ignorar tudo o resto. Como
Nietzsche acentuou, "um especialista
em ciência começa por assemelhar-se apenas a um trabalhador fabril que
despende a vida inteira dando voltas a um determinado parafuso ou a
manobrar certo instrumento
ou máquina".9 É vital para o estudante de Ciências, a fim de impedir sua
mente e simpatias de se amesquinharem, que continue estudando
incessantemente Humanidades.
O existencialista opõe-se também a qualquer espécie de ênfase vocacional,
na base de que, em vez de encorajar o aluno a converter-se num indivíduo
livre, treina-o
para ser um tipo especial de pessoa. Idealmente, o indivíduo deveria usar
qualquer carreira ou ocupação, primordialmente, como um meio para o
exercício da liberdade
e só secundariamente para compensações imediatas e tangíveis. Treinemos os
estudantes, sem dúvida, para abraçarem determinadas carreiras, mas
eduquemo-lo,- aomesmo-tempo,-
de- um moáct -mais-genérico-,—E-não comecemos demasiado cedo com o
vocacionalismo!
O método socrático é o modo ideal de educação, uma vez que, por meio dele,
o estudante aprende aquilo que pessoalmente conclui ser verdade. As
relações entre o professor
e o aluno tornam-se íntimas e pessoais. O professor persuade o estudante a
pensar interrogando-o sobre suas crenças, pondo ante êle outras crenças e
assim forçando-o
a sondar a atividade da sua própria mente. Dessa maneira, o estudante
aceita a verdade, mas tão-só porque é verdade para êle. O existencialista
rejeita o critério
do problema central, adotado pelos experimen-talistas, com base. em que os
problemas escolhidos interessam ao estudante, principalmente em seu papel
como ser social.
O existencialismo opõe-se ainda à opinião de que os estudantes
9 Friedrich Wilhelm Nietzsche, op. cií., pág. 39.
95
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
devem resolver os problemas "imparcialmente", sem "interferência" dos seus
sentimentos. As soluções desprendidas e objetivas não têm qualquer valor
para o indivíduo
autêntico.
Em seu aspecto mais ligeiro, o existencialismo realça a importância do
"jogo". Sartre, por exemplo, enaltece o valor do jogo sobre o espírito
sério (1'esprit de
sérieux). No jogo, o indivíduo dá rédea solta à sua inventividade. Com
efeito, quanto mais improvisado for o jogo, mais livres são os seus
jogadores. O jogador também
procura impor-se aos objetos, fazê-los seus. O jogador de futebol tenta
fazer a bola, a cancha, todo o jogo conformarem-se à sua vontade. Contudo,
é claro que os
existencialistas vêem pouco valor nos jogos que subordinam o indivíduo à
equipe e procuram converter os homens em unidades ou peças, com o único
objetivo de conseguir
uma vitória para a alma mater. O jogo está na ação e em seus efeitos sobre
os indivíduos que nela tomam parte, e não no resultado, seja vitória ou
derrota.
O Desafio aos Professores ,
Concluamos,-portanto, com a reflexão-de que o existencialismo é, sobretudo,
uma Filosofia de liberdade pessoal e de responsabilidade individual. Como
pode um indivíduo,
como professor, realizar esse ideal de liberdade? Êle deve pensar, agir e
ensinar de acordo com os seus próprios princípios. Mas isto não é coisa
fácil. O rumo da
liberdade é muitas vezes arriscado e desencorajador, pois o verdadeiro
indivíduo encontra em seu caminho a incompreensão, a hostilidade e, talvez
pior que tudo,
puro desinteresse. O professor deve estar preparado para defender suas
opiniões perante os conselhos escolares, os* supervisores, os
administradores, as associações
de pais e professores, ante quem quer que se revista de autoridade. Deve
atrever-se a correr riscos inteligentes!
O professor é responsável não só pela sua própria liberdade, mas também
pela dos seus estudantes. A tendência para o conformismo em nossa
sociedade, diz o existencialista,
é dema-
96
MODOS MAIS RECENTES DE PENSAR
siado óbvia. Onde melhor o combater" senão na escola, pois é aí que êle em
grande parte começa? O professor deve impressionar cada um de seus alunos
com a necessidade
de ser êle mesmo ou ela mesma, em vez de um estereótipo do grupo. Deve
assinalar que, para tornar-se um homem, não faz falta vestir, simplesmente,
uma camisa de
colarinho formal e pôr uma gravata, mas ter sobretudo coragem e
independência. Deve-se dizer aos -estudantes que jamais temam a
impopularidade. Aquele que tiver
coragem de ser êle próprio arrisca-se a incorrer na hostilidade do ..grupo;
contudo, a popularidade pode freqüentemente ser comprada pelo preço da
integridade. Pela
palavra e exemplo, um professor deve demonstrar sua própria independência.
Seu efeito nas crianças, se. fôr um bom mestre, será imediato e duradouro.
A compensação
terá sido o enriquecimento incomensurável das vidas dos que o ouviram e
observaram, no período de maior intensidade formativa e, ao escolher a
defesa integral do
seu próprio eu, ter alimentado nos seus discípulos o mesmo desejo.

ANALISE
A Filosofia-analítica interessa-se-;pela classificação^ e_veri-ficação da
linguagem corrente e científica. Ao contrário do existencialismo, procura
remover o pessoal
e o subjetivo da pesquisa de significado; torna a verdade dependente do
significado; afirma que jamais chegaremos..a compreender o significado real
de qualquer coisa,
se não a sujeitarmos ao teste da ciência e da lógica.
As raízes da análise podem ser localizadas no materialismo cético de
Anaximandrò, Anaxímenes de Mileto e os antigos ato-mistas. Uma atitude
analítica é observada
no empirismo britânico e no positivismo comtiano. Auguste Còmte (1798-1857)
foi um dos primeiros a afirmar que a Filosofia é útil, unicamente, se puder
esclarecer
os conceitos da ciência — que são ao mesmo tempo comprováveis e universais
— visto que a ciência se aplica igualmente a toda a humanidade, ao passo
que a metafísica
é em grande parte subjetiva.
97
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
A análise filosófica de maneira alguma constitui o desvio da Filosofia
tradicional que por vezes pretendeu ser. Na realidade, consiste amplamente
na aplicação, de
métodos mais precisos de análise da linguagem, em relação aos problemas
filosóficos tradicionais. Por exemplo, em vez de indagar, como os
idealistas e realistas,
se a realidade poderá ser conhecida "fora" da consciência humana, o
filósofo analítico pergunta se afirmações como "Um pássaro voou para dentro
de casa numa ocasião
em que não havia ninguém perto para observar o acontecimento", fazem algum
sentido e são, em princípio, verificáveis. A Filosofia tradicional e a
análise filosófica
são semelhantes na temática, mas diferentes em suas respectivas
formulações. 10
Atualmente, existem dois ramos principais da análise filosófica. O
primeiro, agora designado como empirismo lógico, pretende desenvolver uma
linguagem lógico-simbólica
que seja mais precisa do que as linguagens correntes. Bertrand Russell, por
exemplo, propôs um grupo de símbolos quase-algébjicos, representando
palavras, conceitos
e afirmações, que, quando ordenados e processados matematicamente,
produziriam soluções isentas dos caprichos da preferência pessoal. Ludvvig
Wittgens-tein, seu
discípulo em Cambridge, vaticinou o tempo em que todo o discurso seria
baseado numa linguagem lógica altamente desenvolvida e em que deixaria de
se escrever toda
a espécie de livros de Filosofia. A finalidade da Filosofia, disse êle, não
é formular proposições novas, mas tornar claras as proposições existentes.
Não foi o
primeiro a fazer tais observações. Já Nietzsche dissera, uma vez, que os
filósofos sujam a água para fazê-la parecer mais profunda. A proposta de
Lorde Russell também
não foi novidade, pois Leibnitz exprimira freqüentemente a esperança de que
algum dia a metafísica estivesse apta a equacionar os seus argumentos
mediante o uso
de cálculo! De qualquer modo, o método do empirismo lógico é hoje usado
muito mais rigorosamente do que antes em disciplinas tais como
10 Ver Arthur Pap, "The Role of Analytic Philosophy in College EducatioiT,
Harvard Educational Review, XXVI, n.° 2 (primavera de 1956), pág. 115.
98
MODOS MAIS RECENTES DE PENSAR
a Matemática, a Física e as Ciências do Comportamento. É também utilizado
na educação ou, pelo menos, na fase educacional que pode ser denominada
Ciência Comportamental.
O segundo ramo é o da análise lingüística, que procura desenvolver métodos
para esclarecer as expressões e termos do discurso corrente. Não só as
afirmações empíricas
são investigadas em detalhe,, mas também as definições, declarações morais,
juízos de valor e conceitos em.geral, especialmente nos domínios da Ética e
do Direito.
Esses métodos estão sendo cada vez mais aplicados na educação, visto que os
educadores desejam compreender o significado real de conceitos tais como
adaptação, motivação,
ajustamento, necessidade, interesse, etc. Na análise lingüística, portanto,
a linguagem e a lógica não são meros instrumentos do filosofar, mas também
a matéria--prima
e o produto final da Filosofia. Como Wittgenstein afirmou, os problemas
conceptuais só aparecem quando a linguagem saiu de férias — observação esta
que provocou
logo uma réplica espirituosa, a de que, em meados do século atual, já nada
mais restava aos britânicos para defender senão a língua inglesa!u ;
____Esses dois ramos da análise afetam a educação de muitas
maneiras. Por um lado, pela influência que exercem na Sociologia e na
Psicologia, e, mais recentemente, na aprendizagem planejada e na medição
educacional, os empiristas
lógicos tendem a apoiar aqueles educadores que advogam uma teoria
científica da educação, cujos princípios e conclusões seriam estabelecidos
e comprovados por métodos
lógicos e empíricos. Os analistas lingüísticos, por outro lado, sublinham a
necessidade de reavaliar a linguagem especial usada no discurso
educacional. Examinemos
mais detalhadamente cada um desses ramos.
Empirismo Lógico
Em sua forma atual, o empirismo lógico é uma combinação de duas escolas
separadas de pensamento. Uma, conhecida
11 Abraham Kaplan, The New World of Phüosophy, Random Hou-se, Nova York,
pág. 62.
99
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
originalmente como o Círculo de Viena e, mais tarde, como positivismo
lógico, deu o maior realce aos problemas lingüísticos e matemáticos. Era
liderada por Schlick,
Hahn, Feigl, Frank, Neurath e Carnap. A outra escola, concentrando-se na
metodologia científica e na Matemática, tornou-se conhecida como empirismo
lógico. Tinha
à sua frente Reichenbach, Koh-ler e Lewin.
Uma das principais características do empirismo lógico é a respectiva
"teoria de verificação", a qual estabelece que as proposições empíricas
podem ser verificadas
direta ou indiretamente. 12 O método direto é simples — comprovamos a
proposição pela percepção sensorial. Assim, a proposição "vejo um livro"
pode ser provada ou
reprovada facilmente. Ou vejo um livro ou não o vejo — eis no que se resume
o caso. Us empi-ristas lógicos estão mais interessados no método de
verificação indireta.
Rudolf Carnap define o critério de verificação indireta da seguinte
maneira: "Uma proposição P, que não é diretamente verificável, só pode seT
verificada pela verificação
direta de proposições deduzidas de P, em conjunto com outras proposições já
verificadas."13 A título ilustrativo:
Proposição Pi: Este livro é feito de papel. Tal proposição não é
diretamente verificável, mas podemos estabelecer ás seguintes premissas, a
fim de comprová-la:
P2: "Se colocarmos fogo sob o papei, este arde." Trata--se aqui de uma lei
física, já diretamente verificada.
P3: "Esta chama é fogo." Esta proposição também está diretamente
verificada; isto é, podemos ver ou sentir a chama.
12 A teoria da verificabilidade, também chamada "critério da significação
empírica", é uma questão que suscita controvérsia entre os ernpiristas
lógicos. Alguns
sustentam que nenhuma afirmação empírica é significativa se não for
empiricamente verificável, ao passo que outros aderem a certos testes
operacionais. Ainda outros
estabeleceram uma noção de "logicamente possível de verificar", ou um
critério de confirmação (verificação incompleta), ou até de
confirmabilidade (logicamente possível
de confirmar). Estas distinções, embora importantes para a teoria geral,
são demasiado técnicas para as considerarmos aqui.
13 Rudolf Carnap, Philosophy and Logical Syntax, Kegan Paul, Londres,
1935, pág. 11.
100
MODOS MAIS RECENTES DE PENSAR
P4: '"O fogo é colocado sob o livro." A proposição é agora diretamente
verificada pela observação.
Podemos agora deduzir a conclusão das nossas premissas:
P5: O livro agora arderá.
A nossa proposição final é uma previsão ou hipótese que pode ser comprovada
por observação.14 Se a observação e novos testes corroborarem a hipótese,
ficaremos mais
certos de que o livro é realmente feito de papel. Mas nunca poderemos ficar
absolutamente certos. Com efeito, as afirmações relativas ao mundo material
só podem
acarretar um "grau muito elevado de probabilidade". Pelos mesmos indícios,
uma hipótese poderá, ser desacreditada, mas nunca completamente.15
A questão é que, se não podemos verificar diretamente o que lemos ou
ouvimos, devemos verificá-lo dedutivamente, mediante uma série de
afirmações que podem ser diretamente
verificadas. Se, no exemplo citado, tivéssemos sido incapazes de chegar
logicamente, a P4 partindo de Pl9 a afirmação "este livro é feito de papel"
não teria sentido
empírico.
O princípio de verificação baseia-se, em parte, na distinção entre o que se
chama afirmações analíticas e sintéticas. As afirmações analíticas são
verdadeiras em
virtude dos termos que - contêm.- São-verdadeiras-^-^riori ou por
definição.—A aürma--_ ção analítica "As solteironas são mulheres", é
verdade por causa do significado
das expressões "solteironas" e "mulheres". As declarações matemáticas
também são analíticas. A verdade delas provém unicamente do significado dos
termos que contêm.
Assim, 2 X 5 = 10 é verdade por causa da natureza previamente definida de
2, 5 e 10. As afirmações analíticas são também conhecidas como tautologias,
porque nada
nos dizem além daquilo que já estava implícito no significado de seus
termos.
14 As condições em que as observações ou experiências são conduzidas são
aquelas que fornecem um "padrão" para a previsão ou que permitem a máxima
discriminação,
logo, a máxima previsão.
1J> Rudolf Carnap, Semantics, Harvard Uaiversity Press, Cambrid-ge,
Massachusetts, 1942, pág. 15. Ver também A. J. Ayer, Language, Truth and
Logic, Dover, Nova York,
1946, pág. 95.
101
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
As proposições sintéticas, por outro lado, são verdadeiras ou falsas porque
afirmam uma questão de fato ou de fantasia; A verdade delas não lhes é
intrínseca. Não
está implícita desde o princípio — a priorí — mas é descoberta depois — a
poste-riori. A afirmação, "O ar está hoje calmo", não é verdade em virtude
do significado
das palavras "ar", "calmo" e "hoje"; só é verdade se afirma o que acontece
ser o. caso. Se se levantasse vento, a afirmação seria imediatamente
falsa./ Assim, as
declarações sintéticas afirmam mais do que os seus termos implicam.
Dizem-nos coisas sobre o mundo externo que não conhecíamos antes. ' A
verdade das mesmas nunca
é necessária, mas sempre contingente. A afirmação analítica, "este Fórd é
um veículo" é necessariamente verdadeira, porque o significado de Ford já
foi definido
de modo a incluir a propriedade de ser um veículo. Mas a afirmação
sintética, lièste veículo é um Ford", é apenas contingentemente verdadeira,
dependendo do veículo
ser ou não verijicàvelmente um Ford.
De acordo com o empirismo lógico, toda afirmação empiricamente
significativa deve ser automaticamente sintética.1G As afirmações
metafísicas, éticas, religiosas
e poéticas, em sua maior parte, não são empiricamente significativas, visto
não poderem ser empiricamente verificadas. Nas palavras de Carnap:
As supostas sentenças da metafísica, da filosofias de valores, da ética (na
medida em que é tratada como disciplina normativa e não como uma
investigação psico-sociológica
de fatos) são pseudo-sente.n-ças; não têm conteúdo lógico, sendo apenas
expressões de sentimento que, por sua vez, estimulam sentimentos e
tendências volitivas por
parte do ouvinte.17
Assim, a expressão "Não matarás" não é uma afirmação significativa, pois
não é verificável analítica nem empiricamente.
16 As declarações analíticas também são significativas, mas vazias de
conteúdo fatuaí. Quer dizer, sua significação é puramente formal, pois
resulta apenas da maneira
como as expressamos; A afirmação "Todos os homens são mortais" tem
significação, mas nada nos diz que não já soubéssemos.
17 Rudolf Carnap, The Loglcal Syntax of Language, Harcourt, .
Brace, Nova York, 1937, *pág. 278.
102
MODOS MAIS RECEXTES DÊ PEXSAR
Ê a expressão de uma crença ou preferência, não uma declaração de fato.
Podemos acreditar que seja errado cometer um assassínio, mas é possível
verificar que seja
de jato errado? Podemos descobrir, certamente, se a maioria dos habitantes
da Terra acredita ou não que é errado. Mas isso verificaria apenas a
declaração de fato:
"A maioria das pessoas acredita que o assassínio é errado." Não podemos,
diz ó émpirista lógico, verificar sentenças éticas, porque não existem
critérios objetivos
de certo e errado em que nos apoiarmos.
Recentemente, porém, os èmpiristas lógicos atingiram o ponto de distinguir
entre afirmações puramente.emotivas e afirmações que, embora
primordialmente emotivas,
têm também um conteúdo cognitivo. Assim, quando um professor descobre que
um estudante cometeu fraude em seus exames, poderá dizer-lhe: "O que você
fêz é ruim."
A finalidade do professor não é transmitir um conhecimento cognitivo, mas
orientar o comportamento futuro do estudante. Se, por outro lado, o
professor diz a um
estudante que consulte um determinado livro de referência porque explica
muito bem certo tópico, a afirmação tem conteúdo cognitivo. Em grande
parte, a afir-mação_pode
ser comprovada pelo exame do livro em questão. Assim, em todos os juízos
éticos ou axiológicos, devemos separar o conteúdo emotivo do cognitivo.18
O empirismo lógico é uma Filosofia extremamente complexa, mas pode-se
reduzir a quatro teses básicas.
1. A função da Filosofia é a análise lógica. Uma verdadeira Filosofia é
exclusivamente crítica e analítica, não especulativa. Não cria novo
conhecimento, mas esclarece
o antigo conhecimento mediante o exame do significado dos termos e das
relações lógicas entre eles. Recusa suscitar ou responder a perguntas tais
como "Qual é o
significado da vida?" ou "Os homens são imortais?", porque estas não
admitem uma resposta empiricamente verificável.
18 John Hospers, An Introducüon to Philosophkal Analysis, Pren-tice-Haii,
Englewood Cíiffs, New Jersey, 1953, págs. 476-484.
103
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDWCÀÇÃO
2. A maioria das afirmações normativas, quer morais, religiosas ou
estéticas, são empiricamente inverificáveis e, portanto, despidas de
significação. Se dissermos
"a maioria dos americanos opõe-se ao Governo totalitário", ou "a arte
moderna tem muitos críticos", estamos falando significativamente, pois
estamos formulando declarações
de fato, que podem ser verificadas empiricamente. Se, por outro lado,
dissermos "os Governos totalitários são maléficos" ou "a arte moderna não
devia ser criticada",
deixamos de falar com senso, porque nenhuma dessas afirmações é
empiricamente verificável, sendo, antes, uma expressão de sentimentos
pessoais.19
3. Todo o discurso significativo compõe-se. de proposições analíticas
ou sintéticas. Nelas estão incluídas «as sentenças formais da Lógica e da
Matemática, as
comunicações científicas e todas as outras proposições empiricamente
verificáveis.
4. Todas as proposições sintéticas podem ser reduzidas à
apresentação'de experiências elementares que se exprimem em termos de uma
linguagem lógico-simbólica.
De início, os em-piristas lógicos esperavam elaborar uma única linguagem
lógica para'todas as ciências, semelhante na forma a linguagem da Física,
assim fornecendo
uma base para a unificação de todas as diferentes ciências. Hoje, os
empiristas. lógicos já perceberam que não existe uma linguagem para todas
as ciências. Acreditam,
porém, que muitas afirmações científicas podem ser traduzidas para uma
linguagem das formas lógicas sem perderem demasiada significação. A
consideração importante
é que a linguagem. lógica seja firme e precisa, que existam regras
específicas para a manipulação dos termos e que o sistema seja consistente
em si mesmo. Assim,
qualquer linguagem simbólica, incluindo a simples Aritmética, é considerada
como linguagem da ciência.
O resumo precedente interpretou, forçosamente, o empi-rismo lógico de um
modo algo limitado. Poucos entre os seus atuais adeptos, se porventura
algum, manejaria
o princípio de
19 Áibert W. Levi, Phílosophy and the Modem World, Indiana University
Press, Bloomington, Indiana, 1959, págs. 343-346.
1Ô4
MODOS MAIS RECENTES DE PENSAR
verificação com o mesmo vigor dos seus predecessores. Ê mais provável
aceitarem que diferentes espécies de afirmações devem ser comprovadas, de
diferentes maneiras.
As declarações éticas não podem ser recusadas por insignificantes, pois a
moralidade é um fator indispensável na vida. Algo deve estar errado numa
Filosofia que
diz não fazer sentido julgar como os homens devem ou não devem
comportar-se. Por conseqüência, o empirismo lógico parece tornar-se um
tanto menos rígido; reconhece
agora que as declarações éticas têm uma definida função lingüística a
desempenhar — a de orientar o comportamento. A mora-.lidàde e a beleza
desempenham um papel
vital na vida das pessoas;'" As proposições religiosas e estéticas não
podem ser repudiadas como simples declarações sem nexo.
Como rejeita a elaboração de um sistema de análise, o empirismo lógico não
produziu qualquer teoria formal de educação, semelhante À ao perenalismo,
progressismo
ou essencia-lismo (ver o capítulo 4). Todavia, nos últimos anos, exerceu
uma crescente influência nó pensamento educacional, não tanto através da
Filosofia formal
como das ciências do comportamento, que cada vez mais influenciam a
educação.20 A busca de modelos teóricos para explicar e prever o
comportamento educacional parece
estar cada vez mais usurpando os métodos tradicionais do pensamento
educacional. De fato, grande parte da teoria subentendida na
instrução-automatizada baseia-se
em modelos experimentalmente verificáveis de aprendizagem com-portamental.
A programação de matérias específicas pressupõe que os objetivos implícitos
na matéria
— a importância de aprender Aritmética, por exemplo — são firmes; o que não
pode ser programado para instrução automática é rejeitado. Embora os
defensores desse
critério não neguem o valor da matéria incapaz de ser programada, a
tendência inevitável é para depreciar o que é posto à margem, um fato que,
até agora,
20 A busca, pelo empirismo lógico, de linguagens lógicas aplicáveis aos
vários inquéritos científicos levou muitos educadores a suspeitar de
todas as teorias
de educação que não possam ser verificadas ou analisadas de acordo compôs
termos e condições de qualquer lógica cientí-- fica.
105
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
tem caminhado para a obstrução do desenvolvimento da teoria educacional
empírica.
Não obstante, a instrução automatizada transformaria a sala de classe num
laboratório. Todo passo do programa de ensino — a ordem, a espécie de
material, o processo
de exame — seria comprovado constantemente dentro de um quadro
experimental. Semelhante programa foi justificado por uma teoria de ensino
que realça a necessidade
de compensações imediatas ou, mais tecnicamente, de reforço positivo. Sendo
uma característica destacada da instrução automatizada, essa teoria "de
ensino depende
de experiências cujas hipóteses são verificadas, em grande parte, através
de métodos estatísticos — isto é, da linguagem estatística. Para tal
efeito, quase todas
as teorias de ensino, bem assim fatores como os critérios para a seleção de
professores, o currículo de estudos e as técnicas de orientação, foram
enquadrados em
hipóteses suscetíveis de verificação e avaliação por meio de técnicas
estatísticas. Como já mencionamos, os educadores profissionais que
consideram a educação, primordialmente,
uma disciplina científica, insistem no uso da linguagem estatística e dos
processos experimentais para validarem qualquer teoria ou prática
educacional.
Análise Lingüística
O empirismo lógico, como vimos, pretende desenvolver uma linguagem
científica que possa ordenar e avaliar logicamente as proposições
suscetíveis de serem verificadas
pelos métodos semânticos e empíricos. Os filósofos da "linguagem vulgar",
como os analistas lingüísticos de Oxford e de outras partes freqüentemente
se intitulam,
também se interessam pelos problemas da linguagem. Acredita que o propósito
da Filosofia é esclarecer a linguagem e o significado de frases e
expressões. Estão interessados
em localizar as fontes de perplexidade filosófica e explicá-las através de
jogos lingüísticos, casos padrões ou paradigmas, e métodos parecidos. Os
filósofos da
linguagem vulgar evitam a distinção analítico-cmpírica essencial ao
empirismo lógico.
106
MODOS MAIS RECENTES DE PENSAR
Em qualquer debate teórico, o analista lingüístico separa o uso, que se
refere ao significado, da utilização, que se relaciona com o modo como a
linguagem é usada
por vários- tipos de pessoas. Distingue as expressões em discurso
educacional ¦ dos'slogans e metáforas representando alguma utilização
anterior em discurso partidário.
Pelo fato de ter interesses mais amplos do que o empirista lógico, o
analista lingüístico pode elaborar critérios para analisar a linguagem
usada em qualquer debate
sobre diretrizes. Como a teoria educacional é geralmente expressa em termos
normativos, é de esperar que o analista lingüístico exerça uma influência
mais direta
na teoria educacional do que o empirista lógico. Consideremos a declaração:
"A educação é um processo de auto-realização, no qual o eu desenvolve todas
as suas potencialidades."
Trata-se de uma declaração de fato ou de preferência? Como poderemos
dizê--lo? Qual é o significado — o uso — de eu e de auto-realiza-çãol Como
são usados esses
termos por diferentes grupos de linguagem? Temos de analisá-los
exaustivamente, se queremos decifrar a complexidade de muita teoria
educacional.
Aplicando mais estritamente à educação os métodos de análise-lingüística,
podemos decidir ate onde o ensino é um empreendimento moral e artístico e
até onde é consentâneo
com a investigação científica. A análise pode facilitar o caminho para uma
aplicação mais ampla de métodos científicos àqueles problemas educacionais
suscetíveis
de serem cientificamente tratados. A pesquisa científica, escreve Israel
Scheffler, de Harvard, preconiza o destaque tanto da qualidade quanto da
reputação profissional
dos professores:
A medida em que o ensino é amparado pela pesquisa científica. .. constitui
um importante fator na determinação da envergadura e reputação do mesmo. O
contínuo desenvolvimento
de tal pesquisa é sua aplicação na prática do ensino dependem não só do
progresso autônomo das ciências relevantes, mas da permanente disposição
para aplicar tais
ciências na prática... Dependem também... da aceitação das diversas
orientações do professor e investigador e da mútua compreensão de suas
divergentes finalidades.-*
21 Israel Scheffler, The Language of Eclucation, Charles C. Thomas,
Springfieíd, Illinois, 1960, pág. 105.
107
V
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Os educadores, diz Scheffler, devem redefinir sua terminologia básica.
Expressões como "ensino" e "aprendizagem" devem ser cuidadosamente
analisadas. A aprendizagem
deve ser definida em termos de comportamento específico; a sala de aula
deve-se converter num laboratório. Deveríamos esforçor--nos por definir
exatamente a seqüência
completa dos "movimentos" que constituem o ensino e especificar qual a
seqüência de passos necessária para alcançar êxito. Os esforços de
Scheffler constituem uma
tentativa para combinar ambas as escolas de Füosofia analítica e aplicá-las
à educação.22
Vem agora a propósito dar dois exemplos da maneira como os analistas da
linguagem operam. O primeiro exemplo analisa brevemente uma observação
feita por um comentarista,
responsável e nacionalmente conhecido sobre temas de educação. O segundo é
o próprio exame de um analista ao conceito educacional de adaptação.
Consideremos, primeiro,
a seguinte observação: ¦
Se acreditarmos que o treino intelectual constitui a função primordial das
escolas, então acreditaremos, naturalmente, que a educação deve possuir um
conteúdo determinado^
que existe uma hierarquia de assuntos, que os estudos importantes no
currículo são o Inglês, a_História, as Ciências, a Matemática e as línguas
Estrangeiras.....
Segundo esse comentarista, a afirmação de que a primeira finalidade da
escola é o treino intelectual acarreta a segunda
22 A obra do Professor Scheffler suscitou muitas críticas quanto à sua
exatidão técnica e à propriedade com que ele aplica os métodos da análise
da linguagem vulgar
às questões educacionais. O uso por ele feito da palavra "movimento", por
exemplo, foi considerado ambíguo: falarmos ou pensarmos para nós próprios
constituirá um
movimento? Na verdade, poderemos especificar antecipadamente todos os
passos lógicos necessários ou diversos grupos de alternativas lógicas que
geram o êxito dô
ensino? Trata-se, sem dúvida, de uma tarefa inglória, mesmo para os mais
recentes computadores eletrônicos. Apesar dessas críticas, os comentários
de Scheffler são
importantes porque representam o esforço mais ambicioso de um talentoso
filósofo educacional para enfrentar os problemas de um ponto de vista da
análise da linguagem
vulgar, na qual os princípios do empirísmo lógico foram incorporados.
108
MODOS MAIS RECENTES DE PENSAR
afirmação de que a escola deve "naturalmente15 ensinar uma hierarquia
específica de assuntos. Se definirmos "treino intelectual" como treino
acadêmico, então não
hesitaremos em concordar com esse autor, ainda que não seja obrigatório
deduzir que o treino acadêmico consista, precisamente, no ensino das
matérias que êle menciona.
Se, por outro lado, interpretarmos o treino intelectual de um modo mais
amplo para incluir nele,, entre outras coisas, a capacidade geral para
resolver problemas,
então já não poderemos concordar. Com efeito, distinguimos freqüentemente
entre um bom intelecto ou mente e outro que é puramente acadêmico,
assinalando que o primeiro,
mesmo que seja deficiente em certos ramos de matéria de ensino, possui uma
amplitude e um vigor que faltam no segundo. Assim, o autor desse comentário
confundiu
duas acepções do termo "treino intelectual" e tirou conclusões do sentido
mais lato que só poderiam ser tiradas da acepção mais estrita.
jO segundo exemplo é fornecido expressamente para o presente livro por C.
J. B. Macmillan, cujo texto é seguidamente transcrito sem comentários nem
alterações............
_____Conceito de Adaptação
Nos estudos sobre educação, a "adaptação" dos indivíduos merece
freqüentemente exame. A palavra "adaptação" é amplamente usada e
compreendida sem dificuldade. Depois
de interrogarmos, porém, os que usam essa palavra, vemos que eles caem,
muitas vezes, em tipos peculiares de discordância c discussão.
Um desses tipos de discordância é exemplificado pela discussão entre a
escola que defende a teoria educacional de "adaptação à vida", que
floresceu entre 1945 e
1950, aproximadamente, e autores como o Dr. Maxwell Rafferty,
Superintendente Escolar do Estado da Califórnia, o qual salienta que a
adaptação individual dos estudantes
só pode conduzir ao suicídio societário. Esse argumento é singular, já que
os adeptos da adaptação à vida não concebem a "adaptação" como um
109
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
malefício ou algo conducente ao malefício. Com efeito, para eles, a
daptação consubstancia um conceito dos estudantes indi-•viduais como
organismos que se esforçam
por encontrar sua própria manutenção e realização mediante um pacto com os
problemas ambientes e sociais com que se defrontam. Não existe uma nítida
discordância
racional entre essas diferentes teorias; o fato sugere" que a dificuldade
pode ser resultante de um mal-entendido ou confusão de ordem conceptual ou
termi-nológica.
Um segundo» tipo de controvérsia capaz de provocar confusão seria a que
tivesse lugar entre dois professores que discutem a adaptação de um
estudante à rotina escolar.
Um argumentaria: "Emílio está-se adaptando à rotina." O segundo diria:
"Emílio não se está adaptando à rotina." Isto parece ser uma clara
discordância de fato, como
"Emílio bateu ontem em Maria", que. pode ser solucionado ou resolvido pelo
exame das provas evidentes. Mas esses dois professores podem colí*-cordar
sobre todos
os fatos — Emílio ocupava sua cadeira ontem à hora exata, como já sucedera
no dia anterior, obedece às regras, etc. — mas continuarem divergindo sobre
se Emílio
está-se adaptando ou não. Esse tipo de discordância é.muito confuso, embora
se registre freqüentemente nos contextos educacionais; sua resolução
depende de uma idéia
clara do comportamento lógico implícito no conceito de adaptação.
Ainda mais, como os professores baseiam sua prática nas teorias e
conclusões de um grupo de psicólogos, que estudam a "psicologia da
adaptação humana", abrem-se
novas possibilidades de debate que podem brotar da confusão conceptual e
levar a uma prática mal orientada. Na verdade, a confusão conceptual entre
os psicólogos
que elaboram teorias para explicar e prever a adaptação humana pode
conduzir a outros tipos de discussão e confusão.
' Esse artigo examinará as fontes de confusão conceptual que vingam entre
os educadores e psicólogos na discussão da adaptação humana. As conclusões
serão negativas;
a tarefa, neste caso, é a limpeza de favelas: os barracos devem ser
demolidos antes de novos alojamentos poderem substituí-los.
110
MODOS MAIS RECENTES DE PENSAI*
Devem-se distinguir dois usos do conceito de adaptação; primeiro, dizemos
coisas como "Emílio está-se adaptando à rotina escolar", significando com
isso que êle
está entrando em "relações adequadas" com a rotina. Segundo, dizemos
freqüentemente coisas como "A adaptação de Emílio é boa", significando que
êle é mentalmente
saudável. Tais usos são seriamente distintos; o primeiro relaciona o
indivíduo com outros objetos, ao passo que o segundo lhe atribui algo
próprio. Cada um dos casos
será seguidamente examinado, pois a confusão desses dois usos de
"adaptação" conduz a muitas confusões conceptuais no domínio das teorias
psicológicas e educacionais.
1. O Uso Relacionado de "Adaptação". Para elucidar devidamente o
significado da palavra "adaptação" quando é usada para descrever ou
caracterizar as relações entre
um indivíduo e certas situações no seu meio ambiente, será útil examinar
vários tipos de réplica que poderiam ser apresentados contra a frase
"Emílio está-se adaptando
à rotina escolar", que pretende estabelecer um fato verdadeiro.
Consideremos cada uma das seguintes refutações num contexto em que o
professor diz "Emílio está-se
adaptando à rotina escolar":
d}__"Emílio nunca freqüentou _a_ escola,__Como podeis
afirmar que êle se está adaptando à rotina da escola?"
b) "Emílio fugiu ontem da escola. Como podeis afirmar que êle se está
adaptando à rotina da escola?"
c) "Não vemos nisso problema algum: Emílio esteve antes na escola, na
mesma situação, e sempre deu conta do seu papel. - Como podeis ^firmar
agora que êle se
está adaptando à rotina escolar?"
d) "Emílio está em transe catatônico; apenas se comporta como sempre se
comportou — a rotina escolar não faz diferença alguma em sua conduta; vai
às aulas, obedece
às regras, etc, apenas porque a isso é levado pelo comportamento geral das
outras crianças. Como podeis afirmar que êle se está adaptando à rotina
escolar?"
e) "Começamos agora a aula cinco minutos depois do que fazíamos antes de
Emílio freqüentar a escola, simplesmente
111
INTRODUÇÃO À. FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
porque Emílio chega sempre com esse atraso. Como podeis afirmar que êle
se está adaptando- à rotina da escola?"
Note-se ser improvável que qualquer par das réplicas acima pudesse ser-
verdadeiro, em qualquer caso singular; a razão para enumerá-las dessa
maneira é o fato de
que a verdade de qualquer uma seria bastante para mostrar que a noção de
adaptação não era relevante para o caso de Emílio e da rotina escolar.
Esclarecendo, ainda
melhor, qualquer uma delas poderia ser verdadeira e a afirmação "Emílio
está-se adaptando à rotina escolar" também o ser, mas unicamente porque o
contexto pode ser
preenchido para mostrar que se trata de uma exceção às normas habituais que
governam a palavra "adaptar". Assim, por exemplo, poderíamos dizer "Emüio
está-se adaptando
à rotina escolar, embora tenha fugido ontem da escola. Certos problemas
familiares foram a causa de sua fuga". A palavra "embora", usada neste
contexto, mostra que
estamos na presença de uma exceção ao uso habitual da palavra "adaptar".
Ao mesmo tempo, nada disso demonstra que a afirmação "Emílio não se está
adaptando à rotina escolar" seja uma declaração verdadeira, pois esta
implica que Emílio
poderia estar-se adaptando à rotina escolar — isto é, que se encontra numa
posição em que poderia ser esse o" caso, mas que acontece,-simplesmente,
êle não estar-se
adaptando. Por exemplo, consideremos a réplica a), se a declaração fosse
negativa: "Emílio não freqüenta a escola e não se está adaptando à rotina
escolar." A resposta
seria: "Claro que não se está adaptando! Seria mesmo impossível que se
adaptasse ou não.se adaptasse: a noção não cabe, meramente, nessa
situação.'*
Vê-se, portanto, que essas réplicas não apontam para o que é afirmado na
declaração "Emílio está-se adaptando à situação", mas, outrossim, para o
que é pressuposto
pela declaração. Essas pressuposições podem ser especificadas mais
formalmente: "Qualquer afirmação na forma X está-se adaptando a Y pressupõe
que as seguintes afirmações
são igualmente verdadeiras:
a) X e Y estão significativamente relacionados.
b) X conserva-se numa relação significativa com Y.
112
MODOS MAIS RECENTES DE PENSAR
c) A situação de Y é algo problemática para X.
d) X está a par da existência de Y; sua conduta é diferente da que
seria se Y não estivesse em causa.
e) Y não se alterou significativamente em resultado da relação de X com
Y." .
A declaração "Emílio está-se adaptando à. rotina escolar" afirma que Emílio
está entrando em "relações adequadas" com a rotina da escola; muitas das
dificuldades
suscitadas por essa palavra, "adaptação", provêm do fato de se afirmar que
as relações em questão são "apropriadas". Poderíamos dizer que existe um
único significado
de a "adaptação" qtfe qualquer pessoa conhecendo a linguagem compreenderia:
é que a relação entre Emílio e a rotina escolar é apropriada; o que não se
revela necessariamente
por tal afirmação são os critérios pelos quais a relação em causa está
sendo avaliada. Dessa maneira, a palavra "adaptar" ostenta os' mesmos
problemas e dificuldades
da palavra "bom", em qualquer contexto em que a encontramos. Sabemos o que
"bom" significa — a recomendação do objeto por essa palavra descrito, por
exemplo — mas
ignoramos quais os critérios relevantes para cada uso de "bom".
Poi^exemplo, jouvindo um especialista dizer "£ um bom dachs-hund", * a
afirmação habilita-nos a deduzir
que, se quisermos um animal dessa raça, deveremos escolher um que seja como
o que motivou a afirmação; mas não nos habilita a especificar à luz de que
características
especiais vale a pena adquirir esse animal. Do mesmo modo, o professor que
diz, "Emílio está-se adaptando à rotina escolar", avaliou a sua conduta e
afirmou que
esta é apropriada, mas não nos disse mediante que critérios julgou adequado
esse comportamento.
Esses critérios possuem diversas características formais que convém
mencionar. Em primeiro lugar, uma pessoa não julga uma coisa adequada ou
inadequada simplesmente
na base de gostar ou não dela; isto é, os critérios para a propriedade da
* Em alemão no original. Tipo de cão de fila semelhante ao galgo,
especialmente usado em caça grossa européia: javali, por exemplo. (N. dò
T.)
113
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
relação entre Emílio e a rotina escolar devem ser objetivos, no sentido de
que devem ser observados e comprovados por mais de uma pessoa. As
características que
forem comprovadas podem chamar-se "características promotoras da
propriedade" da relação.
Em segundo lugar, a propriedade dessas características poderá ser
justificada de duas maneiras distintas: a) apelando para determinados fins
que são realizados pelas
pessoas participantes nas relações específicas com a situação (como, por
exemplo, as relações de Emílio com a rotina são adequadas porque o
habilitam a aprender
a ler e escrever); b) mostrando unicamente que essas relações devem ser,
por si mesmas, consideradas adequadas (como, por exemplo, um professor que
seja da opinião
de que, suceda o que suceder, as crianças devem ser vistas e não ouvidas).
Essa é a distinção muitas vezes efetuada entre valores extrínsecos e
intrínsecos.
2. Õ Uso da "Adaptação" como Atributo. Um segundo uso do conceito de
adaptação implica as relações entre as partes de um único mecanismo ou
organismo, quando considerado
como um todo, uma unidade. Tal uso é exemplificado por mecanismos tais
"como"um carburador; os critérios para as re-— lações adequadas entre as
partes derivam da
finalidade ou função do próprio mecanismo. Assim, as peças do carburador
estão desajustadas (por definição) se as relações entre elas forem tais que
impeçam o funcionamento
do carburador dentro do mais amplo contexto do motor de que faz parte.
Por outras palavras, os critérios que poderiam ser usados para medir as
relações entre as peças de um carburador derivam da função do mesmo num
contexto maior. Quaisquer
relações entre essas partes que não levem ao correto funcionamento do
mecanismo total devem ser consideradas relações impróprias. Isto não quer
dizer que umai falha
no funcionamento do carburador não possa ser causada, porém, por qualquer
outro colapso; por exemplo, um carburador poderá não funcionar corretamente
porque a bomba
de alimentação sofreu um desarranjo ou porque é de má qualidade a gasolina
empregada. Contudo, o mau funcionamento do carburador é um
114
MODOS MAIS RECENTES DE PENSAR
sintoma áo desajustamento de suas peças; aquele é uma prova prima facie
para este.
Estabelecendo um paralelo mais amplo do uso acima ilustrado — com uma larga
participação» talvez, da teoria homeos-tática da Biologia — as pessoas
também podem ser
descritas como adaptadas ou inadaptadas; a adaptação poderá, ser descrita e
avaliada não em termos de" suas relações com os estímulos ambientes, mas
como relação
apropriada entre as "parcelas" de suas personalidades. Este uso da
"adaptação" pressupõe as seguintes condições:.
a) que existem maneiras de identificar as parcelas independentes da
personalidade;
b) que essas parcelas separadamente identificáveis podem relacionar-se
mutuamente de diversas maneiras;
c) que existem testes por meio dos quais é possível distinguir as
relações entre as partes;
d) que existem critérios para avaliar a propriedade das relações entre
essas parcelas.
A justificação desses critérios difere significativamente, porém, da dos
critérios utilizados em mecanismos tais como os carburadores; não existe
uma única função
que todos os filósofos aceitassem como a função do homem, A correção do
funcionamento das pessoas individualmente, em seu meio físico e social, é
uma questão das
mais acaloradamente discutidas em toda a história da Filosofia; não existe
unanimidade sobre o que constitui o comportamento rigorosamente correto
para um ser humano.
individual.
Assim, as relações próprias entre as parcelas da personalidade de um
indivíduo — se acaso existissem — são menos sòlidamente fundamentadas do
que as existentes entre
as peças de um mecanismo, que tem um fim para o qual foi criado. Com
efeito, poder-se-ia argumentar que seriam adequadas aquelas relações que
não impedissem o indivíduo
de funcionar plenamente; essa opinião pode ser considerada correta se
basearmos a noção de adaptação pessoal na noção de'"saúde física, caso este
em que é correto
afirmar que uma pessoa é sadia enquanto
115
\
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
não está doente. Mas trata-se de uma noção negativa, e a justificação dos
critérios de adaptação é ainda bastante diferente da justificação para os
critérios de
afinação de um mecanismo ou objeto como um carburador.
3. A Psicologia da Adaptação, Quando se efetuam tentativas para elaborar
"teorias de adaptação humana", os teóricos parecem querer utilizar ambos os
significados
de "adaptação" sem especificar qual deles será o central para a teoria, as
relações adequadas de um indivíduo com o seu meio ou as relações adequadas
entre os fatores
que compõem a personalidade de um indivíduo. Isso não seria grave se o
rigor na definição não fosse da máxima importância, no caso de pretender-se
que uma teoria
científica forneça explicações logicamente adequadas e previsões férteis.
Um teste importante de uma definição, realçado pelo Prof. Carl G. Hempel em
sua obra Fundamentais
of Concept Formation in Empirical Science, é-nos dado pelo "princípio de
fixação sintática"; este princípio estabelece que uma definição deve, pelo
menos, especificar
a forma lógica do contexto em que o termo poderá ser usado. Assim, uma
definição de "marido" deve fixar sé a palavra aparecerá na forma "X é um
marido" ou "X é o
marido de Y". A primeira dessas formas especifica um fato a respeito do
indivíduo, não requerendo a menção de qualquer outra pessoa, ao passo que a
segunda requer
a menção de, pelo menos, duas pessoas. Do mesmo modo, a sintaxe de
"adaptação" deve ser especificada, visto que a forma "X adapta-se a Y"
requer o preenchimento
dos dois termos, ao passo que "X é inadaptado" requer a fixação de apenas
um dos termos; ambas exigem critérios de propriedade, mas esses critérios
serão diferentes,
segundo outro objeto ou situação é ou não mencionado.
As "teorias de adaptação humana" que aparecem em textos como os escritos
por Laurance E. Shaffer e E&ward J. Shoben Jr., The Psychology of
Adjustment (Houghton-Mifflin,
Boston, 1956), ignoram o princípio de determinação ou fixação sintática.
A preocupação revelada por esse setor da Psicologia concentra-se nos
padrões de comportamento que as pessoas exibem
116
MODOS MAIS RECENTES DE PENSAR
como "satisfação das exigências*' dos íespeétivos meios social e físico.
Contudo, nenhuma psicologia da adaptação considerou o adaptar-se (ou "fazer
uma adaptação")
como processo de satisfazer, simplesmente, as exigências do meio; de fato,
os "mecanismos de adaptação" incluem evasão, defesa e vários tipos de
alteração da situação
para que se ajuste ao indivíduo. Assim, Emílio pode "adaptar-se" à rotina
da escola não a freqüentando, violando as regras, perturbando a classe,
etc. Tudo o que
êle faça como reaçãb à rotina escolar é considerado o seu meio de
adaptar-se à mesma.
Esse uso da "adaptação" pode ser criticado por menosprezar uma importante
distinção que é feita na linguagem, vulgar.. A força lógica da afirmação:
"Emílio está-se
adaptando à rotina escolar" é drasticamente alterada. Enquanto na^linguagem
vulgar a declaração afirma que Emílio está entrando em relações apropriadas
com a situação,
nesse novo uso, pelo contrário, afirma-se apenas que êle está reagindo à
rotina. A função de tal afirmação é apenas causai: seu comportamento será
explicado pela
presença dessa especial situação problemática.
O que ganhamos com essa manobra é podermos agora falar de qualquer relação
jentre iim indivíduo s_o seu meiaxomo sua "adaptação" à situação e qualquer
reação a uma
situação é o método da pessoa para "entrar em relações de adaptação" ou
"fazer uma adaptação" à situação. Isto só poderia ser uma explicação
aceitável do termo se
obtivesse resultados teóricos frutuosos para explicar e preconizar o
comportamento humano.
Se considerarmos as relações entre o indivíduo e o seu meio como a
"adaptação" do primeiro à situação, teremos a seguinte possibilidade: os
critérios para a adaptação
interna de uma pessoa são determinados pelo fato dela ser ou não capaz de
realizar sua adaptação externa. Os dois tipos de ada_ptaçãp são-
semelhantes, na medida
em que envolvem critérios para avaliar relações. Mas os dois tipos estão
relacionados de um modo contingente; quer dizer, a existência de um tipo de
adaptação não
constitui uma condição logicamente necessária para a existência do outro,
visto que outros fatores estão igualmente
117
INTRODUÇÃO k FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
envolvidos. Não há contradição lógica em-dizer "Êle está adaptado à
situação, mas a sua adaptação pessoal é fraca". N.em existe contradição
lógica na frase "Sua
adaptação pessoal é boa, mas/não se adaptou a esta situação". Em cada caso,
as relações em causa constituem tipos distintos de relação; e tais tipos
relacionam-se
de maneira suscetível de experimentação. - São as relações existentes entre
esses dois tipos que a psicologia da adaptação deveria considerar seu mais
importante
campo, na realização de esforços de investigação.
/ Contudo, os psicólogos da adaptação não distinguem entre essa noção
ampliada de adaptação ao meio e a adaptação interna do indivíduo. Em
resultado disso, transformam
o que é essencialmente uma relação causai entre as duas numa relação
lógica, em que a adaptação interna se torna logicamente anterior e com
prioridade sobre a adaptação
externa: um indivíduo não está adaptado a uma situação enquanto não tiver
reduzido as tensões internas por aquela suscitadas. "Adaptação" significa
"redução de tensão".
No melhor dos casos, as explicações fornecidas pelo psicólogo da adaptação
jsão logicamente confusas; a adaptação de um indivíduo às situações do seu
meio é tratada
como se fosse a sua adaptação pessoal. Muito mais poderia ser realizado
nesse domínio se essas diferenças de adaptação pudessem ser nitidamente;
discernidas.
Uma parte da confusão conceptual assinalada nõ início deste artigo pode ser
agora observada a uma luz mais clara. Em primeiro lugar, os professores que
discordam
sobre se Emílio está-se adaptando ou não à rotina escolar não discordam
quanto ao seu comportamento, mas quanto à natureza dos critérios que
deveriam ser usados
para avaliar as relações entre as crianças e a rotina escolar. As
dificuldades em decidir que critérios usar são da máxima importância
prática, pois das decisões
que forem envolvidas em semelhante debate depende a espécie de conduta que
os professores tentarão fomentar e a que tentarão banir.
A divergência entre o Dr. Raffcrty e a escola de educação de "adaptação à
vida" resulta de uma notória confusão sobre o significado de adaptação:
Rafferty parece
tomar a palavra
118
MODOS MAIS RECENTES DE PENSAR
na sua acepção vulgar, que implica a aceitação individual das situações
ambientes e o ajustamento pessoal às mesmas. A escola de adaptação à vida,
por outro lado,
preocupa-se com todas as relações entre indivíduos e seus respectivos meios
ambientes, e com qualquer tipo de reação que um indivíduo possa evidenciar
em face das
situações ambientes. Para essa escola, "adaptação" é um termo bastante mais
lato.
A teoria psicológica de adaptação provoca certas confusões desse teor,
visto que obscurece as distinções efetuadas na linguagem vulgar; os
psicólogos da adaptação
não usam ó termo em sua acepção vulgar e. as "explicações" resultantes são
de uso muito restrito nos contextos correntes, já que ignoram as distinções
criadas —
e que o deviam ser — em situações práticas como o ensino. Em lugar de
examinarem e explorarem as possíveis relações entre adaptação interna e
adaptação ao meio,
os dois tipos de. adaptação foram tratados como logicamente equivalentes.
O termo "adaptação" é v£go e ambíguo, na linguagem vulgar, está totalmente
impregnado de valor, e este fato nem sempre é claro; nos domínios mais
esotéricos da teoria
psicológica e educacional, as distinções importantes foram obscure-cidas.
De um ponto-de vista prático, os educadores não podem permitir-se o uso de
tais conceitos
em sérias teorias de educação.
Chegou agora o momento de resumirmos o significado para a educação da
análise filosófica como um todo: *'
1. Os educadores devem pensar e exprimir-se claramente; devem distinguir o
que faz sentido do que não faz e evitar a ambigüidade.
23 Ver Herbert Feigi, "Aims of Education for our Age of Science:
Reflections of a Logical Empiricist", The Fifty-fourth Yearbook of the
National Socieiy for the
Study of Education, parte I, University of Chicago Press, 1955, págs.
335-336:. "A principal implicação educacional da concepção filosófica do
empirismo lógico poderia
ser assim formulada: Esclarecimento científico contra obscurantismo
tradicionalista. A moderna atitude científica tem muito do ardor de
Prometeu: o facho do esclarecimento
iluminará os cantos escuros de nossos espíritos; e nos libertará das
algemas dos hábitos rígidos de pensamento e ação".
119
\
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
1
2. Devem raciocinar coerentemente, observando as regras da lógica
formal.
3. O conhecimento que se arrogam deve ser objetivo; não só deve estar
isento de inclinações pessoais e, tanto quanto possível, culturais, como
deve também ser
publicamente verificável por especialistas.
4. O conhecimento que se arrogam deve ser idôneo; onde as provas não
forem adequadas, devem evitar a formulação de juízos até que novos dados se
encontrem para
decidir a questão.
5. Os educadores devem examinar cuidadosamente todas as proposições
normativas ou ocultamente normativas, classificando-as por aquilo que são.
6. Devem esclarecer, os termos e regras de todo o discurso e debate.
7. Os princípios de probabilidade indutiva devem ser aplicados à
verificação de hipóteses, generalizações e teorias.
8. Muito especialmente, a análise requer de nós que desembaracemos a
teia de definições, slogans e metáforas, que freqüentemente mascaram uma
adesão intransigente
a determinada ideologia educacional.
A análise filosófica também exerceu um efeito mais genérico no pensamento
educacional:" Influenciou o critério, sustentado por muitos teóricos
atuais, de que a disciplina
da educação deveria declarar a sua independência da Filosofia tradicional
Esses teóricos sustentam que, como os problemas da educação surgem no
próprio marco da
experiência da educação, deveriam ser resolvidos pelos métodos inerentes à
própria educação. Tais métodos estão intimamente ligados aos da Filosofia
analítica, porque
esta última é objetiva e lógica, ao passo que as Filosofias tradicionais
são reconhecidamente tendenciosas, abstratas, indignas de crédito,
improváveis e, em qualquer
caso, não acarretam implicações necessárias à prática educacional. Além
disso, a análise filosófica incentivou o interesse em resolver problemas
educacionais com
o auxílio das Ciências Sociais, que fornecem as pistas metodológicas para
tratar situações pertinentes ao currículo, instrução, administra-
120
MODOS MAIS RECENTES DE- PENSAR
ção e outros aspectos da educação. Neste campo, a análise filosófica, como
um movimento para tornar â Filosofia mais lógica e científica, contribui
para o novo e
compreensível desejo de tornar a educação mais lógica e também mais
cirúrgica.
BIBLIOGRAFIA ADICIONAL
Existencialismo
Barrett, William, Irrational Man: A Study in Existential Philosophy,
Doubleday, Nova York, 1958.
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em Nelson B. Henry, Modem Philosophies and Education, 54th Yearbook of the
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Análise Filosófica
Hospers, John, An Introduction to Philosophical Analysis, Prentice-Hall,
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and Kegan Paul, Londres, 1961.
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Springfield, Illinois, 1960.
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Urmson, J. O., Philosophical Analysis, Clarendon, Oxford, 1950.
121
Mi
4
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
x\té agora, examinamos as conseqüências para a educação de cinco escolas
filosóficas: idealismo,, realismo, pragmatismo, existencialismo e análise.
As três primeiras
foram examinactas, de preferência a atitudes filosóficas tais como o
humanismo e o materialismo, porque estas últimas estão menos
sistematicamente elaboradas e,
em todo caso, impregnam mais o pensamento filosófico como ura todo do que
constituem escolas propriamente ditas. Logo, possuem significado menos
nitidamente desenvolvido
para a educação. O humanismo, por exemplo, que pode ser definido como um
modo de pensar em que prevalecem os interesses humanos, é característico de
grande parte
do idealismo, realismo, pragmatismo e existencialismo; portanto, dizer que
a educação deveria ser orientada para o humanismo é dizer muito pouco, a
menos que consideremos
o humanismo em termos de uma determinada escola filosófica. O
existencialismo e a análise foram ainda escolhidos porque estão começando a
exercer considerável influência
no pensamento educacional e é provável que venham a ter ainda mais.
Tendo visto o que os filósofos disseram sobre a educação, é agora oportuno
examinar o que os próprios educadores, influenciados pela Filosofia,
afirmaram a respeito
de seu próprio domínio. Consideraremos, por outras palavras, os tipos
de
123
\
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
I
teoria que tomam os problemas educacionais como seu ponto de partida e
procuram soluções recorrendo k Filosofia.
Muitas pessoas desconfiam da educação porque ela parece alimentar várias
teorias distintas. Outras disciplinas, dizem elas, procedem mais.
linearmente, à sombra
de uma única teoria ou, pelo menos, de um conjunto unitário de teorias. Mas
isso de maneira alguma é verdade. Na Medicina, por exemplo, existem muitas
teorias a
respeito da natureza das doenças, seus sintomas e cura apropriada — teorias
que resultam de uma vasta gama de estudos na química do corpo, vírus e
alergias. Teorias
mais inclusivas são então propostas para explicar a natureza da doença,
procedendo-se à sua validação de muitas maneiras diferentes. Em seu estudo
da Medicina homeopática,
Samuel Hahnemann propôs a teoria de que todas as doenças poderiam ser
curadas pela aplicação de agentes medicinais que produzissem sintomas
semelhantes aos da doença
em questão. Segundo a teoria da Medicina eclética ou popular, para cada
doença que a Providência gerou, existe uma erva que a cura. Tais teorias
foram eclipsadas
por outras, fundamentadas na Biologia experimental, na Química e ciências
afins. A Psiquiatria, que nem sempre é experimentalmente verificável, e a
terapêutica musical
conservam-se ainda como exemplos mais sofis--ticados dos tipos
não'-materiais de Medicina. Mesmo em tais domínios, porém, existem várias
teorias de Psiquiatria e
outros tantos tipos de Psicanálise. Um estudante não deve ingressar na
profissão educacional sem um considerável conhecimento das teorias que se
aplicam aos seus
domínios.
À, palavra teoria possui uma série de significações, das quais mencionarei
duas. Por uma parte, pode ser sinônimo de pensamento ou especulação, em
geral; nesta acepção,
teoria educacional é o mesmo que pensamento educacional. Por outra parte,
pode ter uma conotação mais rigorosa ou científica e significar, assim, uma
hipótese ou
conjunto de hipóteses que foram verificadas pela observação e experiência,
como, por exemplo, a teoria da gravitação. Nesta segunda acepção, a teoria
serve de guia
à ação, não através de propostas finalidades, mas por meio de fatos
reveladores. Leva-nos a alterar
124
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
as nossas concepções ao demonstrar que as mesmas são inadequadas para os
fins que pretendiam supostamente servir. Também pode fazer com que
escolhamos novas finalidades,
ao chamar a nossa atenção para informações que mostram serem menos
atraentes e talvez erradas as finalidades que anteriormente proclamávamos.
Em suma, a,,teoria pode ser normativa (ou prescritiva), como na Filosofia,
ou descritiva, como na ciência. No segundo caso, a teoria fornece dados
concretos que
ajudarão a realizar mais eficientemente as metas sugeridas pelo filósofo.
Em virtude da "ciência*' da educação ser ainda imatura, existe
comparativamente pouca teoria
educacional do tipo descritivo. De fato, na opinião--de muitos, a educação
nunca chegará a ser uma ciência no sentido habitual, embora possa e deva
relacionar estreitamente
as suas atividades com as conclusões científicas de natureza idônea.
No presente livro, estamos «interessados na teoria que é normativa e3 neste
capítulo, iremos explorar as teorias educacionais que conduzem a programas
de reforma.
Na sua maior parte, essas teorias promanam de Filosofias formais, mas estão
condicionadas por experiências exclusivas da educação.
Nos Estados Unidos, ã primeira teoria educacional a" atrair a atenção geral
foi o progressismo. O movimento progressista eclodiu com força
revolucionária no cenário
educacional. Exigiu a substituição das práticas tradicionais por uma nova
espécie de educação baseada nas conclusões das ciências do comportamento. A
própria força
do movimento progressista e a publicidade que recebeu facilitaram o caminho
para uma contra--revolução. Um conservadorismo renovado, incorporando
alguns dos progressos
registrados pelas ciências do comportamento, anatematizou os excessos dos
progressistas, más, ao mesmo tempo, aceitou algumas de suas doutrinas mais
moderadas. A
atitude conservadora teve expressão em duas escolas de pensamento — o
perenalismo, aristocrático por natureza e conscientemente filosófico, e o
essencialismo, mais
moderado e prosaico em sua essência. Depois da II Guerra Mundial,' o
movimento conhecido como reconstrutivismo procurou substi-
125
INTRODUÇÃO A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
tuir o progressismo na trilha da reforma educacional. Examinemos
separadamente cada uma dessas teorias.
PROGRESSISMO
Na medida em que é uma Filosofia, o progressismo consiste, largamente, na
aplicação do pragmatismo à educação. Mas o progressismo não veio ao mundo
pela mão de filósofos
pragmáticos. Já em 1870, o educador Coronel Francis W. Parker preconizava
as reformas escolares mais tarde propostas por John Dewey. Antes da
passagem do século,.
certo número de educadores, vagamente conhecidos como "progressistas",
tinha-se rebelado contra o que chamavam o excessivo forma-lismo da educação
tradicional, com
sua ênfase na rigorosa disciplina, no ensino passivo e no treino intensivo,
mas sem finalidade. Foi ò filósofo-educador John Dewey que primeiro dominou
a educação
progressista e a Filosofia pragmática. Contudo, a principal obra de Dewey,
Schools of Tomorrow (As Escolas de Amanhã), só foi publicada em 1915, e
mais quatro anos
decorreram até ser fundada a Associação para a Educação Progressista.
Assim, o progressismo já caminhava há trinta anos, antes do seu impacto ser
realmente sentido.
Em suas primeiras fases, era de natureza acentuadamente individualista,
refletindo as tendências boêmias da época; foi nessa altura que atraiu o
apoio de William
Heard Kilpatrick, da Universidade de Colúmbia.
Com o início da Depressão, o progressismo lançou todo o seu peso no
movimento para a transformação social, sacrificando o seu anterior
individualismo em favor da
ênfase na cooperação e democracia. Durante esse período, juntaram-se--lhe
John L. Childs, George Counts, V. T. Thayer e Boyd H. Bode. Quando a nação
emergiu da II
Guerra Mundial, o progressismo perdera uma parte do seu ímpeto anterior,
mas já transformara radicalmente a face da educação americana. Muito do que
fora antes defendido
a despeito de poderosa oposição tornara-se prática aceita. Embora a
Associação para a Edu-
126
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
cação Progressista fosse dissolvida, o progressismo continuara a exercer
considerável influência, não como um movimento separado, mas através das
opiniões e escritos
de experimenta-Jistas contemporâneos, como Lawrence G. Thomas, H. Gordon
HuIIfish, George Axtelle, Bruce Raup, Frederick C. Neff, Er-nest Bayles e
William O. Stanley.
Partindo do conceito pragmático de que a transformação é a própria essência
da realidade, o progressismo declara que a educação está sempre em processo
de desenvolvimento.
Os educadores devem estar preparados para modificarem métodos e diretrizes,
à luz de novos conhecimentos e de mudanças no ambiente. O âmago da educação
não é a adaptação
à sociedade, ou ao mundo externo, ou &, certos padrões perenes de bondade,
beleza e verdade; é a contínua reconstrução da experiência. Como foi
expresso por Dewey:
Chegamos assim a uma definição técnica de educação: é aquela reconstrução
ou reorganização da experiência que se soma ao significado da experiência e
que aumenta
a capacidade para dirigir o curso das experiências subseqüentes.*
Por outras palavras, a educação habilita-nos.- a interpretar^.
o fluxo de experiência, de modo que possamos compreendê-la com maior
clareza e numa perspectiva mais verdadeira. Ao mesmo tempo, o maior
conhecimento e mais perfeita
noção da experiência presente e passada habilitam-nos a orientar a futura
experiência de um modo mais adequado. Em lugar de vagarmos, apenas, ao
sabor da maré dos
acontecimentos, fixamos o nosso próprio rumo. O progresso, através da
reconstrução da experiência, constitui a natureza e o objetivo da própria
educação.
Os Princípios Básicos do Progressismo
Os princípios básicos do progressismo podem ser resumidos da seguinte
maneira: 1) A educação deve ser "ativa" e
i John Dewey, Democracy and Education, Macmillan, Nova York, 1916, pág. 89.
C-*

127
INTHIHHJÇÃO À, FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
estar relacionada com os interesses da criança. 2) Uma pessoa defronta com
maior êxito as novidades e perplexidades da vida quando fraciona suas
experiências de
modo a incidirem em problemas específicos. Logo, a aprendizagem deve ser
realizada através de esquemas de solução de problemas, em vez da absorção
de matérias. 3)
A educação, como reconstrução inteligente da experiência, é sinônimo de
vida civilizada. Portanto, a educação dos jovens deve ser a própria vida,
em vez de uma preparação
para a vida. 4) Como a criança deve aprender de acordo com suas próprias
necessidades e interesses, o professor deve agir mais como guia ou
conselheiro do que como
figura de autoridade. 5) Os indivíduos realizam mais quando trabalham em
colaboração do que uns contra os outros. Logo, a escola deve fomentar a
cooperação em vez
da concorrência. 6) Educação;e democracia estão mutuamente implícitas;
logo, as escolas devem ser democraticamente dirigidas. *-'¦.<.
1. A educação deve ser "ativa" e estar relacionada com os interesses da
criança. De todas as escolas de pensamento educacional, o progressismo é a
que acolhe mais
ansiosamente as descobertas e conclusões das ciências do comportamento.
Enquanto outros pensadores educacionais foram impressionados pelas Ciências
Físicas, a Psicologia,
a Sociologia e a Antropologia, em aditamento à Biologia, é que
principalmente agitaram os progressistas. Insistem eles que a educação deve
ser elaborada em torno
da criança tal como ela é, em vez da maneira como as atitudes morais e
filosóficas tradicionais a interpretaram. Introduziram o conceito de
"criança total" como
resposta ao que consideravam interpretações parciais da natureza infantil.
"A concepção da 'criança total' comporta duas implicações que no fundo
concordam", escreveu
Kilpa-trick. "Uma, que não desejamos, em momento algum, desprezar qualquer
dos diversos aspectos da vida da criança; a outra, que a criança, como um
organismo, responde
adequadamente como um todo unitário."2
2 William Heard Kilpatrick, "The Essentials of the Activity Move-ment",
Progressive Educaíion, II (outubro de 1934) 357-358.
128
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
Assim, o progressismo defende a escola "centralizada na criança", na qual-
o processo de aprendizagem é determinado não só pelo professor e pela
matéria a lecionar,.
mas principalmente pela criança individualmente considerada. Um jovem, diz
o progressista, está naturalmente disposto a aprender tudo quanto se
relacione com os
seus interesses ou pareça resolver os seus problemas; ao mesmo tempo, tende
a resistir a tudo o que sinta ser-íhe imposto de cima. Deve aprender,
portanto, porque
tem necessidade e quer aprender, não forçosamente pelo fato de que alguém
pensa que êle devp aprender. Deve estar apto a perceber a importância
daquilo que aprende
para a sua vida, tal como a está conduzindo, e não apenas para a concepção
que um adulto tenha feito sobre o gênero de vida que uma criança de sua
idade deveria
levar.
Isso não significa que à criança deva permitir-se proceder de acordo com
todas as suas inclinações. A criança não tem maturidade suficiente para
definir propósitos
significativos. Embora conte consideravelmente para o processo de
aprendizagem, não é oseu árbitro final. Necessita a orientação de
professores que possam avaliar
os interesses dela mais realís-ticamente, visto que: eles- já -possuem- o-
que-- Dewey chama—o fruto amadurecido de experiências"'.
O professor progressista influencia o crescimento de seus alunos, não
martelando fragmentos de informação em suas cabeças, mas pelo controle do
meio em que esse
crescimento se realiza. O crescimento é definido como "o aumento de
inteligência na direção da vida"; é a "inteligente adaptação ao meio".
Dewey advertiu o professor:
Tais são as capacidades, as realizações, em verdade, em beleza e em
conduta, franqueadas a essas crianças... Cuidai agora de que, dia a dia, as
condições sejam tais
que as próprias atividades delas caminhem inevitavelmente nessa direção,
rumo à culminância delas próprias.3
3 John Dewey, The Child and the Currictdum, University of Chicago, Chicago,
1943, pág. 41. Grifado no original.
129
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Alguns dos adeptos de Dewey aproveitaram a sua "doutrina de interesses" e
levaram-na a extremos que o próprio filósofo jamais tencíonara. O resultado
foi o muito
difamado movimento da atividade infantil que floresceu por algum tempo
entre 1930 e os primeiros anos da década de 1940. Claro, essa concepção de
que a criança deveria
ser o centro da atividade da escola é muito mais antiga do que os escritos
de Dewey ou Kilpatrick. Foi defendida, por diversas razões metafísicas, por
Rousseau,
Froebel e Pestalozzi; e, na América, pelo Coronel Parker e G. Stanley Hall.
Contudo, sofreu uma alteração radical, no contexto do relativismo moral
preconizado pelo
movimento progressista. Quando Froebel, por exemplo, argumentou em favor do
livre desenvolvimento da natureza da-criança, fê-lo com um objetivo
absoluto em mente:
conceder à criança unir-se voluntária e espontaneamente com Deus, sob a
orientação inspirada, mas não a direção, de seu professor. O progressismo,
por outra parte,
não reconhece qualquer finalidade absoluta, a menos que seja a do progresso
social atingido através da liberdade individual. Contudo, muitas pessoas
encaram tal
finalidade como demasiado nebulosa e discutível para que possa ser seguida
em educação. _-________^_________,
2. A aprendizagem, através da resolução de problemas deve substituir a
incuícação de matérias. O progressismo rejeita o critério tradicional de
que a aprendizagem
consiste, essencialmente, na recepção de conhecimentos e que o saber em si
é uma substância abstrata inculcada e armazenada pelo professor na mente
dos alunos. O
conhecimento, declaram os progressistas, é um instrumento para manobrar a
experiência, para dominar as novas situações constantes com que a
muta-bilidade da vida
nos confronta. Se quisermos que o saber seja significativo, devemos estar
aptos a fazer algo com êle; logo, deve ser ativamente adquirido e unido à
experiência.
Como Dewey assinalou:
Contudo, o golpe mais direto desferido na separação tradicional entre fazer
e conhecer e no prestígio tradicional dos estudos puramente "intelectuais"
foi o progresso
da ciência experimental. Se esse progresso demonstrou alguma coisa, foi a
não-existência daquilo a que
130
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
sc pudesse chamar um conhecimento autêntico e uma compreensão fru-tuosa,
exceto como produto do jazer. A análise e o reagrupamento de fatos, à
classificação correta,
não podem ser atingidos de um modo puramente mental —: dentro da cabeça. Os
homens têm de jazer algo às coisas, quando desejam descobrir algo; têm de
alterar condições.
Esta é a lição do método de • laboratório, e a lição.que toda a educação
tem de aprender.4
A criança só aprende adequadamente quando pode relacionar o que aprende com
os seus próprios interesses. Mais, a busca de conhecimento abstrato deve
ser traduzida
para uma ativa experiência educacional. Só no laboratório um estudante pode
aprender a manejar os princípios da* Ciência Natural. A' sala de aula tem
de converter-se
numa experiência viva de democracia social se quisermos que o estudante
ganhe uma verdadeira apreciação de Sociologia e Ciência Política.
Experiência e experimentação
constituem as palavras básicas do método progressista de ensino.
Dewey não rejeitou o conteúdo das matérias tradicionais do ensino; pelo
contrário, disse que grande parte das mesmas deveria ser conservada. Mas as
matérias mudam
constantemente, nos termos daquilo que os homens realizam no seu meio
físico e social. Por conseqüência, a educação não pode estar limitada às
experiências obtidas
unicamente através do professor ou dos manuais. Não é a coleção, de
conhecimentos ou experiências anteriores que conta, mas, pelo contrário, a
constante reconstituição
da experiência passada, incluindo o saber pregresso, à luz da nova
experiência. Assim, a resolução de problemas deve ser encarada não como uma
busca de conhecimentos
meramente funcionais ou utilitários, mas como uma perpétua confrontação das
matérias. A confrontação não deve ser entendida apenas como um movimento
físico — manejo
de tubos de ensaio, contar dinheiro ou levantar — mas, primordialmente,
como pensamento crítico e a reelaboração de idéias anteriormente mantidas.
Em vez de assuntos genéricos, tais como a Economia ou a Geografia,
deveríamos substituí-los por áreas de problemas
4 Dewey, Democracy and Educatiòn, op. cit., págs. 321-322.
131
\
»
i
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇ&O
!•
específicos, como transporte, comunicação e comércio. Mas nem mesmo estes
assuntos são fixos. Portanto, um currículo, declara Lawrence G. Thomas:
... não pode ser mais do que esboçado amplamente, por antecipação, pelo
professor; e consistirá principalmente numa série de recursos que ó
professor prevê poderem
ser exigidos à medida que as atividades normais da classe avançam para
novos interesses e novos problemas. Os detalhes concretos do currículo
devem ser elaborados
em colaboração na própria classe, de semana a semana.5
Kilpatrick sugere que, em lugar de tentar apreender princípios abstratos,
num nível teórico, a criança deve estudar determinados tópicos ou
situações, tais como
o método de experimentação de Galileu ou a maneira como os índios Hopis
colhem e preparam alimentos. A criança deve chegar à compreensão de seus
próprios problemas,
observando como outras pessoas resolveram os delas em outras partes e
outras épocas. O estudante dedica-se a projetos que nascem, em primeiro
lugar, da sua natural
curiosidade em aprender, mas adquirem maior significado através de
discussões mantidas com outros membros da classe e com o professor. Por
outras palavras, o projeto
deve ser "socialmente significativo". •' Uma vez aceito, ocupa o estudante
em várias espécies de atividade pessoal, de modo que ele descobrirá muitas
coisas por
si mesmo. For sua iniciativa, poderá muito bem descobrir fatos e idéias em
que os demais componentes do grupo nunca tinham pensado. Como fiscaliza
pessoalmente o
desenrolar do seu projeto, apoia-se em sua própria capacidade criadora; e
como quer realizá-lo pessoalmente, gera sua própria indústria.
Esse método de aprendizagem por projetos e resolução de problemas foi
denominado educação geral por Kilpatrick. Recomenda o seu uso em toda a
fase de ensino elementar
e na maior parte do currículo secundário. Com efeito, prossegue
naturalmente até o nível de estudos universitários. E não há dúvida de que
nos estudos avançados
que precedem a cola-
5 Lawrence G. Thomas, "The Meaning of 'Progress' in Progressive Education",
Educational Adrninistration and Supervision, XXXII, 7 (outubro de 1946),
399.
132
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
ção de grau, são os próprios interesses do estudante que determinam,
predominantemente, aquilo que êle aprende.
Dewey, contudo, não pretendia que o ensino se mantivesse indefinidamente ao
nível de resolução de problemas. Pelo contrário, a resolução de problemas
não constitui
uma finalidade; é um meio pelo qual a criança é conduzida das questões
práticas para os princípios teóricos, do concreto e sensorial para o
abstrato e intelectual.
Escreveu Foster McMurray que, de acordo com a teoria de John Dewey:
... um bom programa escolar é aquele que conduz os alunos de um interesse
inicial na solução de problemas de um gênero imediatamente localizado e
concreto para um
interesse mais maduro em resolver problemas que surgem através da
curiosidade intelectual e do desejo de conhecimentos abstratos.
Evidentemente, a intenção da teoria
de Dewey era estimular maior e melhor aprendizagem das artes, ciências e
tecnologias. Não havia nesse programa uma preocupação por. fragmentos
imediatamente práticos
ou diretamente utilitários da informação e técnica, nem qualquer processo
de seleção e organização de informações em tôffro das atividades
características da vida
cotidiana. Pelo contrário, na versão do pragmatismo de Dewey, as atividades
características da vida cotidiana eram pontos de partida psicologicamente
úteis para
fazer o estudante avançar no sentido do exame de significações cada vez
mais remotas, abstratas e mutuamente relacionadas em
sistemas.impessoais1r_em-lugar de um
uso-prático e cotidiano.6-----
3. A educação deve ser a própria vida em vez de uma preparação para a
vida. Toda a vida inteligente é aprendizagem, já que envolve a
interpretação e reconstrução
da experiência. A escola, portanto, deve ser um lugar onde a criança
aprende a viver critica e inteligentemente. Deve colocá-la em situações de
aprendizagem que
se ajustem à sua idade e que apontem para aquelas que terá probabilidades
de encontrar na vida adulta.
4. A função do professor não é dirigir, mas aconselhar, visto que os
interesses próprios da criança devem determinar o que ela aprende. As
crianças planejam
juntas seu próprio
6 Foster McMurray, "The Prescnt Status of' Pragmatism in Edu-cation",
School and Society, LXXXVÍÍ, 2145 (17 de janeiro de 1959), 14-15.
133
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
desenvolvimento; o professor está presente unicamente para orientar a
aprendizagem. Coloca seu maior saber e experiência à disposição delas e
ajuda-as toda vez que
chegam a um impasse. Sem dirigir o curso dos acontecimentos, trabalha com
as crianças para que se atinjam fins estabelecidos de mútuo acordo. Segundo
o critério
progressista, declara Lawrence G. Thomas:
... professor possui, meramente, uma experiência superior e mais rica para
influir na análise da situação que se apresenta... O professor é vitalmente
importante
como organizador .de cena, guia e coordenador, mas não constitui a fonte
exclusiva de autoridade.7
5. A escola deve fomentar a cooperação em vez àa concorrência. Os homens
são sociais por natureza e derivam sua maior satisfação das relações
mútuas. Os progressistas
sustentam que. o amor e a associação são mais adequados à educação do que a
concorrência e a* luta pelo êxito pessoal, porque aqueles desenvolvem o
lado social e
superior da natureza humana. Tal como a existência civilizada, a educação
deve ser uma experiência de grupo. A própria criança, dizem, obtém maiores
vantagens e
maior felicidade fazendo coisas com outras do que as fazendo sozinha. A
educação como "reconstrua ção da experiência" leva à "reconstrução da
natureza humana" num
âmbito social, pois os indivíduos, para se desenvolverem satisfatoriamente,
têm de crescer juntos. De que maneira o movimento conhecido como
reconstrutivismo desenvolveu
esse aspecto do pensamento progressista, convertendo-o numa teoria de
educação para a ação social, será descrito mais adiante.
O progressismo rejeita o conceito social darwinista, desenvolvido por
Herbert Spencer, de que a sociedade deveria imitar a natureza e encorajar a
concorrência, de
modo que as compensações do êxito se atribuem aos mais capazes para
recebê-las. A vida na selva parece realmente, na frase de Ten-nyson, "de
goela e garras sangrentas",
mas só quando os animais têm fome, ou se encolerizam ou lutam pela fêmea.
Atualmente, sabemos que, de modo geral, os animais são mais
7 Thomas, op. c/7.., pág, 398.
134
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
cooperativos do que competitivos, e que diferentes espécies podem coexistir
para benefício mútuo. Mesmo que a natureza possuísse as características que
lhe foram
imputadas pelo dar-winismo social, o argumento de que a implacabilidade e a
crueldade, pelo fato de existirem na natureza seriam por isso desejáveis na
sociedade,
é falso e improcedente. Os animais, que são incapazes de se controlarem ou
de dominarem suas condições naturais de vida, não podem melhorar o seu
estado; o homem
pode. O progressista não nega que a concorrência tem, evidentemente, certo
valor. Concorda em que os estudantes devem competir entre si, em
determinadas ocasiões,
desde que essa competição favoreça o desenvolvimento. Contudo, insiste em
que a cooperação se ajusta melhor do que a competição aos fatos biológicos
e sociais da
natureza humana.
6. Somente a democracia permite — de fato, incentiva — a livre interação de
idéias e personalidades, que é uma çgndição necessária do verdadeiro
desenvolvimento.
Os princípios 5 e 6 estão relacionados entre si, visto que na concepção
progressista democracia e cooperação se encontram mutuamente implícitas.;
Idealmente, a'democracia
é experiência compartilhada. Como Dewey escreveu, "uma democracia é mais do
que forma de Governo; é, primordialmente, unx_modo de existência associada,
uma experiência
conjunta e comunicada".8 A repartição da experiência entre todos é uma
condição de desenvolvimento, a qual por sua vez, exige educação. Portanto,
democracia, desenvolvimento
e educação estão interligados. Para ensinar democracia, a própria escola
deve ser democrática. Deve fomentar o governo do estudante, a livre
discussão de idéias,
o planejamento conjunto discente-docente- e a plena participação de todos
na experiência educativa. Contudo, o progressismo não comunga na crença
reconstrutivista
de que a escola deveria doutrinar seus alunos nos princípios de uma nova
ordem social. Instruí-los num programa específico de ação social e política
seria adotar
um autoritarismo que o progressismo rejeita especificamente.
8 Dewey, op. c/7., pag. 1.0í.
135
|
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
A Crítica ao Progressismo
O princípio da escola centralizada na criança foi redondamente criticado. O
progressismo sustenta qué a auto-atividade conduz à melhoria individual, ao
progresso
social e à vida boa. Mas como definir "melhoria", "progresso" e "a vida
boa"? Há muitas pessoas que poderiam aceitar o princípio da atividade da
criança no caso
que a mesma conduzisse a um objetivo definido. Se permitirmos à criança a
liberdade para que exerça a auto-atividade, terá de haver um objetivo
determinado a ser
atingido por ela. A concepção' de atividade da criança ilustra
admiràvelmente a teoria progressista de que o desenvolvimento acarreta mais
desenvolvimento. Contudo,
o processo- parece ser totalmente" circular em sua natureza. O crescimento
como tal não pode justificar-se a si próprio, visto precisarmos saber para
que fim se
dirige. Requeremos a garantia de que, quando nos esforçamos por alcançar um
determinado fim, êstè; será desejável em si próprio quando realmente o
alcançarmos,;
e não passível de substituição por outra finalidade, e assim por diante ad
infirütum, Na opinião de muitos críticos/ a auto-atividade propícia ao
desenvolvimento
só se justifica quando possui, um fim absoluto e não uma série de fins
relativos;--------'">¦;.."'""
Os críticos também atacaram o princípio de que a criança deve aprender de
acordo com os seus próprios interesses. Certo, concedemos aos estudantes,
universitários
uma grande parcela de liberdade em seus estudos, mas só porque são
intelectualmente maduros e, presumivelmente, podem reconhecer onde residem
seus verdadeiros interesses.
Os progressistas replicam que os seus métodos de aprendizagem acostumam a
criança à pesquisa independente e a confiarem em si próprias desde o
princípio da carreira
escolar; habilitam-na a amadurecer intelectualmente mais cedo do que pelos
métodos tradicionais. O âmago da controvérsia reduz-se à questão de saber
até que ponto
a autodisciplina necessária à maturidade intelectual pode ser auto-ensinada
e até que ponto se desenvolveria através da experiência .da disciplina
aplicada de fora.
136
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
O progressismo insiste que, como a criança é naturalmente ativa e curiosa,
deve ser encorajada a devassar ela própria os conhecimentos, cooperando com
os seus camaradas
e aconselhada pelos seus professores. Os críticos respondem que, como a
capacidade para discriminar entre o saber essencial e acessório é uma
conquista adulta, compete
ao próprio mestre transmitir grande parte daquilo que a criança aprende. A
maturidade intelectual não pode ser acelerada. É um produto da disciplina
mental que só
se adquire após muitos anos — uma disciplina, além do mais, que a criança
será porventura renitente em aprender por si mesma. Acresce que um
professor certamente
sabe muito mais sobre o assunto do que uma criança. Está profissionalmente
treinado em Pedagogia e Psicologia Infantil, em virtude do que se supõe
possuir um conhecimento
especial da natureza da criança, incluindo o q&e é bom para ela e o que
deve saber. Na prática educacional, como em outros tipos de prática, deve.
prevalecer a lei
da parcimônia. A vida é curta e há muito que aprender e fazer. Por que
consultamos advogados, médicos e dentistas, se não temos a intenção de
aceitar seus conselhos
especializados? Embora existam diferenças_. entre_a&_ profissões, je_as -
analogias^ sejam arriscadas, seria mais razoável que a autodireção dos
estudantes constituísse
uma fase secundária da aprendizagem, a ser permitida apenas sob uma
supervisão especializada.
Os progressistas pretendem que a aprendizagem através da resolução de
problemas conduz a um desprendimento mais autenticamente intelectual do que
o atingido através
de outros métodos de ensino. Se esta pretensão está ou não comprovada pela
pesquisa empírica é uma questão a discutir. Os progressistas apontam para
experiências
como o Plano de Estudos de Oito Anos, de 1933, para demonstrarem que os
estudantes preparados para o ensino superior pelos métodos progressistas
portaram-se tão
bem ou melhor do que os preparados pelos métodos tradicionais.
Infelizmente, esse mesmo estudo é também alvo de controvérsias. Muitos
críticos insistem em que
o
137
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
número de variáveis incontroladas, nessa experiência, diminuiu o valor das
suas conclusões.9
O progressismo tem boas bases psicológicas para a sua pretensão de que a
criança não é um pequeno adulto e não deve ser simplesmente tratada como
uma pessoa estudiosa.
Rous-seau foi o primeiro a chamar a nossa atenção para esse fato. Afirmou
ele ser inútil esperarmos que uma criança aceite de bom grado perseguir
questões intelectuais
abstratas enquanto não tiver alcançado a idade da razão. Em vez disso, uma
criança deve aprender as coisas que é capaz de compreender através da
descoberta pessoal.
Os adeptos de Rousseau insistem com os professores para que conjuguem o que
a criança aprendeu na escola com o que experimentou no lar e em sua
comunidade — isto
é, conjugar a educação com a vida.
Contudo, sem uma clara e compreensiva definição do significado e finalidade
da vida, não é fácil aprofundar exatamente o que se entende por educar para
a vida. A
vida de- uma criança exibe inúmeros aspectos dos quais o menor, não será o
processo de crescimento e transformação intelectual. Portanto, não será
despropositado
conceder aos interesses infantis que exerçam uma tão grande influência
naquilo que-a criança deve aprender? Observados em retrospecto, os
interesses de hoje parecerão
triviais e imprestáveis. Até que ponto devemos ceder ao desejo, infantil de
ser cowboy? Até que ponto devemos satisfazer o desejo da criança de ir
matar peles-vermelhas?
Os próprios progressistas têm noção do perigo que existe numa excessiva
ênfase sobre o presentismo, na prática educacional. Bode assinalou que a
escola deve conduzir
a criança não só para que viva, mas também para que transcenda sua
existência atual, superando qualquer hábito que pudesse conservá-la
imatura. É parte da vida inteligente
e, portanto, da própria educação, atender tanto às exigências do futuro
como às do presente.
9 W. Aiken, The Story o] the Eight-Year .Stiuly, Harper, Nova York, 1942.
Aiken concluiu que o importante não era» o tipo ou número de assuntos
estudados, mas, pelo
contrário, a qualidade do trabalho realizado.
138
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
É difícil, em qualquer caso, ver como a escola poderia ser uma réplica da
vida, mesmo que o tentasse. Inevitavelmente, a escola é uma situação
artificial de aprendizagem,
cercada de restrições e proibições diferentes das que se encontram no
contexto da vida como um todo. É unicamente uma situação da vida, uma
entidade educacional.
Assume tarefas que as outras entidades sociais não podem realizar. Com
efeito, a lógica dos progressistas leva-os a uma situação estranha. Por um
lado, defendem
a situação de vida real e, por outro, preconizam tipos de tolerância,
liberdade e controle raramente .permitidos na vida real. Os progressistas
podem muito bem retorquir,
como de fato fizeram, que a escola deve selecionar os melhores elementos da
vida, tal como se apresenta e como deveria ser. Contudo, a educação não é a
.própria
vida; é, antes, a vida como deveria ser. Além disso, não nos são fornecidos
critérios definidos por meio dos quais selecionarmos os elementos ideais ou
concretos
que mereçam a sua inclusão na educação escolar dos jovens, já que os
próprios progressistas divergem quanto aos bens da vida.
A respeito do realce dado pelo progressismo à cooperação, em- lugar da
competição, os críticos assinalam que o indivíduo desejoso de contribuir
para o bem geral
pode, em dado momento, estar incapacitado para colaborar, precisamente
porque os seus princípios são inaceitáveis para a maioria das pessoas. A
tirania da maioria,
como a de poucos, também tem seus perigos. Devemos recordar que a maioria
não é necessariamente mais ciarividente nem mais generosa que o indivíduo.
A mentalidade
da massa, por vezes, pode ostentar vendas morais e intelectuais que a mente
singular não tem. Muitas reformas foram obtidas pela coragem e persistência
de indivíduos
que estavam preparados para enfrentar a impopularidade, por amor ao que
acreditavam ser justo. Assim, devemos assegurar-nos de que a nossa
cooperação é livre e espontânea
— em resumo, que não se converte em conformismo.
. Finalmente, que dizer da relação entre progressismo e democracia? Embora,
a partir de sua teoria de democracia, o progressista tenha extraído certas
conclusões
sobre o comporta-
139
. i
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
mento na escola, outras doutrinas igualmente democráticas estipularam
diversos tipos de comportamento. Por exemplo, até há pouco tempo, a
educação francesa foi autoritária,
a julgar pelos padrões progressistas. Mas a França é certamente uma
democracia, e o seu sistema educacional corresponde aos desejos de seu
povo. A educação sueca,
que até recentemente era mais tradicional e mais conservadora que na
maioria das nações ocidentais, refletia indiscutivelmente os desejos de uma
democracia representativa.
Veremos que. o perenalismo, que tem sido criticado como conservador,
reacionário e, antidemocrático, é tão firmemente devotado à democracia
quanto o progressismo.
Com efeito, seria difícil encontrar um defensor mais vigoroso da liberdade
acadêmica e do modo de vida democrático do que Robert Maynard Hutchins. O
essencialismo,
ostensivamente conservador em suas opiniões, é igualmente democrático. A
questão é que diferentes pensadores preconizam diferentes interpretações do
modo democrático
de vida, todas viáveis, mas nenhuma definitiva. A democracia americana tem
lugar para uma infinidade de idéias válidas e responsáveis sobre educação.
O Progressismo depois do "Sputnik"
------—Ao longo de toda" a sua história, o-progressismo tem sempre
atraído o bombardeio da crítica pública, mas" nunca com intensidade
semelhante à que se registrou durante aqueles dias de espanto e humilhação
que se seguiram ao
lançamento do primeiro "Sputnik" soviético. Talvez nenhum outro
acontecimento tenha jamais estimulado uma tão generalizada condenação do
sistema educacional de um
país. Os americanos tinham sido convencidos pelos seus porta-vozes
educacionais de que a educaçã,o russa era antidemocrática e autoritária e,
portanto, ineficaz.
Como seria' possível explicar semelhante êxito da ciência e da tecnologia
soviéticas? Não é só o dinheiro que lança "Sputniks" para o ar; é também um
sistema educacional
que produz homens capazes de inventá-los e aperfeiçoá-los. Seria afinal o
caso das escolas americanas estarem
140
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
n™í ?cessiv^ menção às crianças a quem ensinavam e muito Svo/nnT S q«S
^.«^«vam? Houve um movimento nrnitc ^° centralism° infantil»
identificado com
o
C nnrmH°- °? *»*""• ***** tinham mimado seus
ÍSSdE* ímf ° temp°; a nação estava ficaQdo mole; a corrosão tinha de ser
sustada.
nnJní2cand° ° ^^ ^Z0113 esm°receu e prevaleceram as opiniões mais
moderadas, foi reconhecido que o progressismo introduzira muitas e_valiosas
transformações^ edScago
anTe-2ZL ,Z ^ T°.P°^ andar P^a trás; o progressismo ISTh \ Ç*°
Permanente, que outras concepções
tenam de aceitar se quisessem conservar sua influência Po-
êSSLTí COQfianteS <* ^e ° atual declínio do progressismo e apenas
temporário. O movimento, como todos os outros movimentos semelhantes,
reviverá em formas mais viçosas
e com redobrado vigor. Chamando a atenção para as correntes de mudança e
renovação que. fluem constantemente através do universo e da própria
educação, e continuamente
desafiando a ordem vigente, o progressismo exprime uma atitude educacional
de permanente significado.
PERENALISMO
caríin X^enaím? sustenta <lue °s princípios básicos da edu-cação são
imutáveis.ou perenes. Baseado na filosofia do rea-
ffl£ofnfS!-°'*é ap°iad0 também P°r muitos Calistas. Os filosoxos mais
freqüentemente citados são Aristóteles e S. To-
rMorHríST0A^eUS 2íg°^S Sã° Robert MayQard Hutcnins eM£erÍ' ^TdIer-
Hutchins, que foi diretor da Faculdade de Direito da Universidade de Yale,
ascendeu aos píncaros
da fama como reitor iconoclasta da Universidade de Chicago, que desencadeou
ataques demolidores contra o que êle derlo-
rerAde?TelerKaiismo"da educaçã° ^ ™*™p°-
emente nn Vqr t^™* SUa prÓpda FiIosofía independaisiunLf m,bia' UQ1U:Se a
HutcMns em Oüc£>. em 1929. Juntos formularam muitos dos princípios do
perenalismo.
141
INTRODUÇÃO Á FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Outras figuras importantes do movimento incluem String-fellow Barr, Mark
Van Doren, Scott Buchanan e Sir Richard Livingstone, um classicista inglês
que conquistou
adeptos dedicados nos Estados Unidos. Embora muitas escolas e faculdades
tenham aceito certas idéias perenalistas, a doutrina, propriamente dita,
foi aplicada mais
consistentemente no St. John's College, Anápolis, Maryland.
Contra a ênfase progressista na onipresença da transformação, os
perenalistas preconizaram o regresso aos princípios absolutos. Apesar da
aceleração da história
moderna, com suas importantes convulsões sociais e políticas, a
permanência, afirmam eles, é fundamentalmente mais concreta que a
transformação. A natureza humana
não se altera e conserva-se essencialmente a mesma; o mesmo vale dizer da
vida boa — a vida mais certa que aos homens é dado desfrutar — dos
princípios morais que
os homens devem observar e da educação que devem receber.
Os Princípios Básicos do Perenalis?no
O perenalismo tem seis princípios básicos: iyTal como a natureza do homem é
constante, assim deve ser a natureza da educação. 2) Como a característica
peculiar ao
homem é a sua razão, a educação deve-se concentrar no desenvolvimento da
racionalidade. 3) O único tipo de adaptação que a educação deve propiciar é
a adaptação
à verdade, que é universal e imutável. 4) A educação não é uma réplica da
vida, mas uma preparação para a vida. 5) Às crianças devem ser ensinados
certos assuntos
básicos que as colocarão ao corrente das permanências do mundo, tanto
espirituais como físicas. 6) Essas permanências são melhor estudadas no que
os perenalistas
designam por "Grandes Livros".
1. Os homens são basicamente os mesmos em toda parte; logo, a educação deve
ser a mesma para todos. Os perenalistas insistem neste ponto, apesar da
diversidade de
culturas. "A função de um cidadão ou de um súdito", escreve Hutchins:
142
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
... pode variar de sociedade para sociedade... Mas a função de um homem,
como homem, é a mesmai em todas as épocas e todas as sociedades, uma vez
que resulta da
sua natureza como homem. A finalidade de um sistema educacional é a mesma
em todas as épocas e todas as sociedades onde tal sistema possa existir: é
a de melhorar
o homem como homem.10
Ou, nas palavras de Adler:
Se o homem é um animal racional, constante em sua natureza ao longo de toda
a história, então têm de existir certas características constantes em todo
o programa
educacional verdadeiramente sólido, independentemente de época ou de
cultura.11
As crianças não são infinitamente plásticas e maleáveis. Elas possuem, em
qualquer parte, certas características comuns, das quais a mais importante
de todas é a
racionalidade. Como essa natureza humana universal revela-se mais
nitidamente na Literatura e. tia História, as Humanidades devem situar-se
no centro do currículo.
Ò; conhecimento também é o mesmo em toda parte. Adquirir conhecimento é a
essência da educação. A opinião, claro, é uma coisa diferente; aí, podem os
homens discordar."
Mas quando todos concordam, a opinião torna-se conhecimento. Não há~
qualquer virtude em encorajar mentalidades imaturas a perderem tempo para
descobrir por si próprias
a espécie de conhecimentos que lhes podem ser ensinados em poucos minutos.
Se a memória fracassar, deverá ser reforçada pelo treino intensivo e pela
repetição. Se
algumas crianças levam mais tempo para aprender que outras, não devemos por
tal motivo diluir a qualidade intelectual de educação, mas, outrossim3
dedicar mais tempo
e esforço para ajudar aquelas que aprendem mais lentamente, a fim de que
adquiram o mesmo tipo de conhecimentos obtidos pelos demais colegas. Não
estaremos,
10 Robert Maynard Hutchins, The Conflict in Education, Harper, Nova York,
1953, pág. 68.
11 Mortimer J. Adler, "The Crisis in Contemporary Education", The Social
Frontier, V (fevereiro de 1939), 141-144. Citado em John S. Brubacher,
Eclectic Philosophy
of Education, Prentice-Hall, Engle-Cliffs, New Jersey, 1951, pág. 62.
143
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INTKOUUÇAO A FILOSOFIA DA EDUCftÇAO
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CftÇÀt.
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indagam os perenalistas, fomentando uma falsa noção de igual-
dade quando promovemos as crianças na base da idade, em vez da realização
intelectual? Não será o caso das crianças respeitarem-se mais a si próprias
se souberem.que
mereceram a promoção passando pelos mesmos exames a que "foram submetidos
os melhores estudantes da respectiva classe?
2. Sendo a racionalidade o mais elevado atributo do homem, este deve
usá-la para dirigir sua natureza instintiva de acordo com finalidades
deliberadamente escolhidas.
Os homens são livres, não determinados; deve-se atribuir-lhes a responsa-.
bilidadfc por suas ações. Não podemos desculpar um malfeitor com fundamento
em que sua
conduta foi favorecida por um ambiente desfavorável ou por problemas
pessoais. Nem podemos recomendar a indulgência na escola, com base em que a
criança está simplesmente
exprimindo seu verdadeiro eu ou aliviando suas tensões íntimas. O homem é
racional; portanto, o seu dever é viver pela razão e controlar a rebeídia
dos seus instintos.
Uma auto-restrição inteligente é para êle tão importante quanto a liberdade
de expressão. No homem civilizado, a liberdade e a disciplina
complementam-se mutuamente;
só os bárbaros dão livre curso aos seus sentimentos, no mesmo instante."
Portanto, não"deve ser consentido à criança que se exprima tal como deseja,
pois o qüe ela
exprime pode não ser necessariamente bom. A racionalidade pode ser inata
nela, mas também tem de ser educada para que seja útil.
3. A tarefa da educação é adaptar o homem à verdade, que é eterna, em
vez do mundo contemporâneo, que não o é. De acordo com o famoso silogismo
de Hutchins:
A educação implica o ensino. O ensino implica saber. O saber é verdade. A
verdade é a mesma em toda parte. Logo, a educação deve ser a mesma em toda
parte.12
Isto não significa que o perenalismo deseje educar os homens divorciando-os
de sua época; pelo contrário, rejeita apenas
12 Robert Maynard Hutchins, The Higher Learning in America, Yaie
University Press, New Haven, Connecticut, 1936, pág. 66.
144
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
um currículo subordinado principalmente, ou exclusivamente, ào que é
contemporâneo. Acredita que a famiüarização com aquelas coisas que são
permanentemente importantes
constitui uma preparação melhor para enfrentar quaisquer problemas que se
deparem ao homem do que uma educação orientada para as preocupações
conscientes da sociedade,
num dado momento.
Embora afirmem sua crença na democracia, os perena-listas rejeitam o
conceito de que a escola deva instilar em seus alunos o desejo de reforma
social. Não cabe nos
deveres da escola captar os alunos para um determinado programa de ação
política. A democracia progredirá porque as pessoas são educadas e não
porque tenham sido
ensinadas a agitar-se para certas reformas.
4. A educação não é uma imitação da vida, mas uma preparação para a
vida. O perenalismo nega que a egcola possa ou deva fornecer situações da
"vida real". A finalidade
da escola é criar um meio artificial em que, ao invés da vida, o
desenvolvimento do intelecto seja a preocupação máxima. Quando o
perenalista fala de educação como
preparação para a vida, quer dizer que o estudante deve toiqar contato com
o que há de melhor em sua herança cultural, de maneira que possa
compreender os "Valôres-dessaherança~ert
alvez7 contribuir para ela com suas próprias realizações.
5. Â criança devem-se ensinar certos assuntos básicos que as coloquem a
par das permanências do mundo. A criança não deve ser empurrada para
estudos que só parecem
importantes no momento, tais.como os destinados a ajudar os Estados Unidos
a concorrerem com a União Soviética na conquista do espaço. Nem deveria
consentir-se que
estude matérias tais como a automecânica, que especialmente a atraem numa
determinada época. O currículo básico ginasial deve compreender Inglês,
Línguas, História,
Matemática, Ciências Naturais, Belas--Artes e Filosofia. "A educação básica
de um animal racional", escreve Adler:
... é a disciplina dos seus podêres racionais e o cultivo do seu
intelecto. Essa disciplina é obtida através das artes liberais, as artes
de
145
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
ler e ouvir, de escrever e falar, uma vez que o homem é tanto um animal
social quanto um racional e sua vida intelectual é vivida numa comunidade
que só pode existir
através da comunicação dos homens. Os três RRR, que sempre significaram as
disciplinas formais, constituem a essência da educação liberal ou geral.13
Além disso, não é missão da escola treinar para ocupações específicas, mas,
antes, educar seres humanos bem formados que possam encarregar-se do
trabalho do mundo.
O treino ocupacional fica melhor entregue ao desempenho da própria
profissão.
6. A educação deve pôr o aluno a par das preocupações universais da
humanidade, através do estudo das grandes obras da Literatura, Filosofia,
História e Ciências,
em que essas preocupações se exprimiram. Tais obras representam as mais
belas intuições do homem a respeito da natureza das coisas e de sua própria
natureza. Como
essas intuições não mudam, a mensagem do passado é perene. Estudando essas
obras, òlestu-dante aprende as idéias que deram forma ao espírito humano.
Aprende verdades
que são mais importantes do que quaisquer que êle pudesse descobrir pela
busca de seus interesses próprios ou mergulhando ao acaso na cena
contemporânea. Mortimer
Adler resume admiràvelmente esta opinião:
Se existe uma sabedoria filosófica, como um saber científico; se a primeira
consiste em intuições e idéias que mudam pouco com o decorrer do tempo, e
mesmo que o
segundo tenha muitos conceitos duradouros e um método relativamente
constante; se as grandes obras de literatura e as de Filosofia abordam os
problemas morais permanentes
da humanidade e exprimem as convicções universais dos homens, envolvidos em
conflitos de ordem moral — se tudo isto assim é, então os grandes livros da
antigüidade
e da época medieval, tanto quanto os modernos, são um repositório de
conhecimentos e sabedoria, uma tradição de cultura em que cada nova geração
deve ser iniciada.
A leitura desses livros não é para fins de erudição fria e pesada; o
interesse não é arqueológico nem filológico... Pelo contrário, esses livros
devem ser lidos
porque são hoje tão atuais quanto o foram na época em que os escreveram, e
porque os problemas neles tratados e as idéias
*3 Adler, op. cit.t pág. 62.
146
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
neles apresentadas não estão sujeitos à lei do progresso perpétuo e
interminável.14
Como as verdades básicas ensinadas pela educação encontram-se registradas
nessas obras, os métodos de educação serão primordialmente verbais.
A mente da grande maioria dos jovens americanos, dizem os perenalistas,
nunca foi realmente exercitada em matérias intelectuais, mormente porque os
próprios professores
são demasiado indiferentes e desistem com excessiva facilidade. É muito
mais fácil ensinar estudantes no próprio ritmo por estes imposto e de
acordo com os que eles
aceitarão de boa vontade. Contudo, aó permitirmos que as inclinações
superficiais da criança determinem o que ela aprende, estamos realmente
impedindo que ela desenvolva
seus verdadeiros dotes de talento. A auto-realização exige autodisciplina,
e esta não é conseguida sem disciplina externa. Aqueles interesses
superiores — literários,
artísticos, políticos e religiosos —- seja apenas um ou mais do que um, que
estão latentes em todos nós, não emergem, de modo geral, sem um trabalho
árduo e aplicação.
Nada é mais fácil do que subestimar as capacidades de uma criança mediana,
nessas direções* — Deixemos bem claro, de maneira objetiva, que todo homem
deve tornar-se
um aristocrata em determinados interesses mais elevados. Por que decidirmos
por menos? Por que não fazer de cada homem um soberano em certo domínio
intelectual?
Isso é, certamente, uma finalidade mais valiosa do que decidirmos pela
mediocridade intelectual e igualarmos falsamente essa mediocridade com o
espírito de democracia.
A Crítica do Perenalismo
O perenalismo foi acusado, freqüentemente, de ser "ascético'* e
"aristocrático". Diz-se que fomenta uma "aristocracia do intelecto" e que
restringe sem razão o maior
volume do seu ensino à tradição clássica dos Grandes Livros. Não entende
n íbid., pág. 63.
147
1-
IXTRODUÇAO A FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
que, embora faltem a muitas crianças os dotes intelectuais que a sua
Filosofia particularmente exalta, elas podem tornar-se, apesar disso, bons
cidadãos e trabalhadores
produtivos. Sujeitá-las ao mesmo gênero de rigoroso treino acadêmico
ministrado aos estudantes de calibre universitário eqüivale, realmente, a
atrasar-lhes o desenvolvimento
de atributos tão valiosos quanto as qualidades acadêmicas apreciadas pelos
perenalistas. Numa democracia, dizem os críticos, cada estudante tem
direito a uma educação
adequada aos seus talentos específicos. É injusto forçar a maioria dos
estudantes a submeter-se a um sistema apropriado para alguns apenas. Além
disso, como não
é provável que os jovens voltem a abrir um livro clássico depois de saírem
da escola, não há vantagem em realçar tais obras para a" educação de uma
criança mediana,
particularmente se as dificuldades por esses textos ocasionadas atrasam o
seu progresso nos sucessivos anos letivos.
Para evitarmos a repetição dos argumentos positivos de outras teorias, não
citaremos mais objeções feitas ao perena-lismo. A próxima teoria que
examinaremos agora,
o essencialismo, pode ser considerada, em parte, um caminho
inter-mediário__entre_ o perenalismo e o progressismo.
^ESSENCIALISMO
A primeira resposta importante ao progressismo foi dada em nome da
Filosofia. O perenalismo apelou, explicitamente, para o realismo clássico.
O essencialismo, por
outro lado, começou como um movimento primordialmente educacional. Não se
prendeu formalmente a qualquer tradição filosófica e é compatível com uma
diversidade de
concepções filosóficas. Ao contrário do perenalismo, o essencialismo não se
opõe ao progressismo como um todo, mas apenas a certas doutrinas
progressistas. Ao sustentar
que existem determinadas matérias essenciais que todos os homens educados
devem conhecer, não repudia tanto a epistemologia de Dewey quanto os
pronunciamentos dos
seus adeptos menos prudentes, muitos dos quais
148
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
negaram abertamente a importância das matérias de estudo. Os essencialistas
dedicam seus principais esforços ao reexame das matérias curriculares,
distinguindo o
essencial do supérfluo nos programas escolares e restabelecendo a
autoridade do professor na aula.
Fundado no início da década de 1930, o movimento abrigou em suas fileiras
educadores da envergadura de William C. Bagley, Michael Demiashevich, Henry
Morrison, Thomas
Briggs, Frederick Breed, Isaac L. Kandel e Ross Finney. Obteve também o
apoio de Herman H. Horne. Em 1938, esses homens fundaram o Comitê
Essencialista para o Progresso
da Educação Americana. A tradição essencialista mantém-se nas obras de
William Brickman, diretor de School and Society. O Conselho para a Educação
Básica, cujos
componentes mais ativos são Arthur Bestôr e Mortimer Smith, pode ser
considerado também essencialista em seu espírito.
Os essencialistas não apresentam uma frente única. ^.Como defendem
Filosofias diferentes, não surpreende que discordem no nível da teoria.
Também divergem em questões
de currículos. Bestor, um historiador, gostaria de reduzir o número de
cursos profissionais para os estudantes do magistério e reduzir a
influência dos professores
metodólogos naspráticas educacionais. Brickman, um pedagogo, pede mais
dados e menos polêmicas por parte de autores como Bestor, que, em sua
opinião, não estão qualificados
para emitir juízos responsáveis sobre um terreno tão complexo e
especializado como o da educação.
Alguns essencialistas voltam-se para a Psicologia Educacional a fim de
obterem um conhecimento definitivo sobre o processo de aprendizagem e a
natureza do estudante.
Outros são menos confiantes; embora não neguem a importância para a
educação das descobertas das ciências do comportamento, encaram-nas, porém,
com um sentido mais
crítico. Num domínio como o da Psicologia, onde pouco se afinna que não
seja instantaneamente alvo de discussões, o educador daria uma prova de
sabedoria se procedesse
com a devida cautela; A
149
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA. EDUCAÇÃO
teoria de observação direta entra em conflito com o behavio-rismo, o
funcionalismo com a Psicanálise, de modo que é impossível dizer qual dessas
teorias fornece
um conhecimento mais idôneo. Enquanto as conclusões da Psicologia
Educacional não forem mais autenticamente científicas, os essencialistas
como Mortimer Smith preferem
observá-las com uma boa dose de ceticismo.
Tal como o perenalismo, o essencialismo defende o restabelecimento da
matéria de curso como centro do processo educacional. Mas não compartilha
da opinião perenalista
de que a verdadeira matéria da educação seja formada pelas verdades eternas
conservadas nos. Grandes Livros da civilização ocidental. Essas obras devem
ser estudadas
não por seu próprio conteúdo, mas na medida em que nos adaptam às
realidades presentes. O essencialismo adverte continuadamente os educadores
sobre a necessidade
de elevar os padrões educacionais, numa época em que a maior disseminação
de oportunidades educativas diluiu, ao que dizem, a qualidade da educação
oferecida. Neste
ponto, critica especialmente a atenção dada pelo progressismo à liberdade e
interesses da criança, em vez de atender às exigências da própria matéria
de ensino.
- Tendo esses aspectos presentes, examinemos agora os. princípios básicos
do essencialismo.
Os Princípios Básicos do Essencialismo
Os princípios básicos do essencialismo são quatro: 1) A aprendizagem
envolve necessariamente trabalho árduo e aplicação. 2) A iniciativa, em
educação, deve caber
ao professor e não ao aluno. 3) O núcleo da educação é a* absorção de
matérias prescritas. 4) A escola deve conservar os métodos tradicionais de
disciplina mental.
1. A aprendizagem, por sua natureza, envolve trabalho árduo e, com
freqüência, uma aplicação renitente. Ao passo que o progressismo defende a
liberdade da criança,
ó essencia-lista insiste na importância da disciplina. Em vez de
sublinhar
150
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
os interesses imediatos da criança, insiste na dedicação a metes mais
distantes. Contra a ênfase progressista no iníerêsseíja pessoa, coloca o
conceito de esforço
pessoal. Concorda que o interesse numa dada matéria ou problema cria,
muitas vezes, o esforço necessário para dominá-la. Também acentua, porém,
que os mais elevados
e duradouros interesses não são normalmente sentidos logo de início, mas
são suscitados através de muito trabalho árduo, cujos primeiros passos não
atraem a criança.
Assim, o domínio de uma língua estrangeira, ^quando atingido, abre novos
mundos para o espírito; todavia, o principiante tem, freqüentemente, de
superar a falta
de interesse e até o desagrado — salvo se, como raramente acontece, o
idioma em estudo prove ser de valor imediato para a sua vida cotidiana. Do
mesmo modo, muitos
universitários iniciam uma tarefa com relutância para descobrir que, feito
o esforço inicial, o interesse no trabalho pode constituir o próprio motivo
para dar-lhe
continuidade. ^
Entre as coisas vivas, só o homem é capaz de subordinar seus desejos atuais
a fins menos imediatos. Se não encorajarmos essa capacidade na criança,
estaremos retirando-lhe
o estímulo para fazer o melhor uso possível de seus próprios recursos.
Tornamos mais difícil para ela atingir a autodisci-plina e o autodomínio
necessários para
a conquista de qualquer finalidade digna de apreço. A autodisciplina
.rarafnente se aprende de modo espontâneo; constitui, normalmente, o
resultado da experiência
da disciplina externa. A grande maioria dos estudantes só a alcança através
da submissão voluntária e inteligente à disciplina imposta pelo professor.
2. A iniciativa, em educação, deve caber ao professor e não ao aluno,
porque a criança necessita da orientação e controle dos adultos, se
quisermos que ela realize
suas plenas potencialidades como ser humano. O papel do professor é o de
medianeiro entre o mundo adulto e o mundo da criança, visto que pór si
própria a criança
não pode compreender a natureza e as exigências da idade adulta. O treino
do professor preparou-o especialmente para essa tarefa e êle está,
151 X
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃ^
portanto, muito melhor qualificado para guiar o desenvolvimento de seus
alunos do que eles próprios. As capacidades próprias da criança devem ser
extraídas delas
por um professor hábil. Como disse Isaac L. Kandel:
O essenciadista não está menos interessado que o progressista no princípio
de que a aprendizagem só pode ser bem sucedida se for baseada nas
capacidades, interesses
e finalidades do aprendiz, mas crê também que esses interesses e
finalidades devem ser suplantados pela habilidade do professor, que é
senhor daquela "organização
lógica" denominada assuntos e que compreende o processo de desenvolvimento
educacional.1^
O professor está revestido de muito maior autoridade do que na escola
progressista e é mais diretamente responsável pelo controle do
desenvolvimento de seus discípulos.
Deve estar plenamente qualificado, no plano intelectual e emocional, para
ocupar o seu .posto coma verdadeiro líder na situação da classe. Nas
palavras de Brickman:
^.
O essencialismo coloca o professor no centro do universo educacional. Esse
professor deve ter uma educação liberal, um conhecimento erudito nos
domínios do ensino,
uma profunda compreensão da psicologia infantil e do processo de
aprendizagem, capacidade para transmitir fatos e ideais à geração- mais
jovem, dotes de apreciação
dos fundamentos histórico-filosófiços da educação e uma séria dedicação ao
seu trabalho.16
3. O âmago do processo educacional consiste na absorção dos assuntos
prescritos. Esta opinião concorda com a posição realista de que é, em
grande parte, o meio material
e social do homem que dita como êle viverá. O essencialista concorda com o
progressismo em que a educação deve habilitar o indivíduo a realizar suas
potencialidades.
Mas, acentua, tal realização deve ocorrer num mundo independente do
indivíduo —
*5 Citado por William W. Brickman, "Essenciaiism — Tem Years After", School
and Society, LXVIÍ, n.° 1742 (15 de maio de 1948), pág. 365. *
16 William W. Brickman, "The Essencialist Spirit in Education", School and
Society, LXXXVI, n.° 2138 (11 de outubro de 1958), 364.
152
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
um mundo a cujas leis êle deve obedecer. A finalidade de uma criança, ao
freqüentar a escola, é tomar conhecimento com esse mundo, tal qual é,' e
não limitar-se
a interpretá-lo à luz de seus próprios interesses. Nem poderá assimilar
tais conhecimentos ao acaso, pela ordem que mais lhe agrade. Devem ser-lhe
apresentados segundo
a organização lógica da matéria. Kandel explica este princípio:
Visto que o meio traz em si próprio o cunho do passado e as sementes do
futuro, o currículo deve incluir, inevitavelmente, aquele conhecimento e
aquela informação
que familiarizem o estudante com a herança social, que o introduzam no
mundo à sua volta e o preparem para o futuro.17
O essencialismo ressalta a importância da experiência racial ou herança
social, colocando-a acima da experiência do indivíduo. Essa herança resume
as experiências
de milhões que procuraram adaptar-se ao meio. A sabedoria de muitos,
comprovada pela história, é mais significativa do que o. conhecimento do
indivíduo e do que
a totalmente incerta experiência infantil. Uma cultura complexa requer um
sistema altamente organizado de educação e, portanto, um grau mais elevado
de eontrôlerpor-
parte-de prof essefy-do que-o progressismo-admite.
4. A escola deve conservar os métodos tradicionais de disciplina mental. Ê
certo haver algumas vantagens no método progressista de resolução de
problemas, mas não
se trata de um procedimento aplicável em toda a extensão do processo de
aprendizagem. Muito conhecimento é abstrato, por sua própria natureza, e
não pode ser fragmentado,
satisfatoriamente, em problemas supostamente "práticos".
Embora a aprendizagem pela "execução" possa ser apropriada em certas
circunstâncias e para certas crianças, não deve ser generalizada. Terá
realmente a criança de
construir uma tenda para aprender como os índios adotaram seus hábitos
domésticos? Não há dúvida de que, se o fizer, isso ajudá-lá-á
17 Isaac L. Kandel, Conflicting Theories of Education, Macmillan, Nova
York, 1938, pág. 99.
153
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
a compreender o modo de vida índio. Mas tal experiência deve constituir um
apoio ao processo de aprendizagem e não converter-se em sua própria
essência. À criança
devem ser ensinados os conceitos essenciais de que necessita para
compreender a vida doméstica dos índios, mesmo que tais conceitos tenham de
ser adaptados ao seu
próprio nível psicológico e intelectual. Ou — para adotarmos um conceito
mais generoso da atitude progressista — por que fexigir de todas as
crianças a atualização
de suas experiências emocionais, só porque a maioria não é capaz de
conceptualizá-las adequadamente? É preferível para a criança mediana
praticar aqueles tipos de
conceptualização que terá de usar numa idade posterior. Mesmo para a
criança lenta em aprender, o movimento desde a situação concreta de uma
tenda índia até ao seu
significado teórico deve ser muito mais rápido e direto do que o
progressismo parece disposto a admitir.
Se o profesTor progressista não for cuidadoso, a busca de conhecimento dará
lugar a uma preocupação com os exemplos concretos. Em seu interesse pela
atividade e
experiência pessoal, é capaz de esquecer a finalidade real da educação, que
é inculcar conhecimentos sobre a vida toda, em vez de concentrar-se na
solução de problemas
julgados de interesse para— o estudante em determinadas fases do seu
desenvolvimento.
Essencialismo contra Perenalismo
O essencialismo é, primordialmente, uma crítica do progressismo. Em certos
aspectos, diverge também do perenalismo. Primeiro, defende uma educação
menos totalmente
"intelectual", pois não se preocupa tanto com certas verdades supostamente
eternas, como com a adaptação do indivíduo ao seu meio material e -social.
Segundo, está
mais disposto do que o perenalismo a absorver $s contribuições positivas
que considera terem sido dadas ;:pelo progressismo para as técnicas e
metodologia da educação.
Finalmente, enquanto o perenalismo reverencia os grandes cometimentos e
realizações do pas-
154
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
sado, como expressões perenes da intuição universal do homem, o
essencialismo usa-as mais como fontes de conhecimento para tratar os
problemas gerais do presente.
A maioria dos ataques feitos à edütação pública nos Estados Unidos é,
provavelmente, de natureza essencialista. As críticas de Arthur Bestor
servem para corroborar
esse ponto. Paul Woodring e James B. Conant são-mais conciliadores e
poderiam situar-se a meio caminho entre os pontos de vista progressista e
essencialista. O Almirante
Hyman G. Rickover, embora não seja um educador profissional, tem afinidades
com o essencialismo e o perenalismo. Como muitos essencialistas, êle
acredita que a ciência
física contribuiu mais do que a ciência do comportamento para a prática
educacional. Também preconiza maior ênfase no conhecimento pelo
conhecimento. Falando como
professor de Inglês, Jacques Barzun inclina-se mais para o perenalismo dó
que para o essencialismo, pelo fato do primeiro destacar a importância das
Humanidades.
Bernard Iddings Bell, um filósofo religioso, apoiaria a maior parte das
opiniões de Barzun. O mesmo diremos de Howard Muxnford Jones, um humanista
liberal, e muitos
outros que estão grandemente preocupados com a amplitude em que, na opinião
deles, a educação americana, especialmente ao nível universitário, está
sendo sacrificada
às exigências tecnológicas e Vocacionais da era presente.
A Crítica do Essencialismo
A principal crítica à escola essencialista é ser demasiado estática para
uma cultura em evolução. Ê certo que o currículo essencialista reconhece a
importância da
Ciência Física, mas subestima as Ciências Sociais. Se uma pessoa tiver de
compreender os problemas da sociedade contemporânea e desem-.penhar seu
papel na resolução
dos mesmos, necessitará de uma compreensão teórica da sua cultura e
sociedade, que só poderá adquirir através do estudo de, pelo menos, duas
das disciplinas de Sociologia,
Economia e Antropologia.
155 \
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
ma". Só se pode decidir qual dos sistemas é o melhor depois-*de se
proceder a um cuidadoso estudo de ambos.
Seja qual for o método que usamos para elaborar uma Filosofia, que mais nos
compete fazer? Em primeiro lugar, devemos examinar nossa própria vida para
descobrir
qual o propósito que. nos guia na existência, o que é que apreciamos acima
de tudo, qual o conhecimento que consideramos de maior valor. Que
preocupação o bem-estar
da humanidade realmente nos suscita, pessoalmente? Quando dizemos que
gostamos das pessoas, que queremos realmente dizer com isso? O leitor já
analisou alguma vez
por que "ama" as crianças? Pode ser que, se respondermos honestamente a
estas perguntas, cheguemos à conclusão de que, no fim de contas, não
devíamos ser professores,
pois as nossas preferências pessoais são diferentes de um professor
verdadeirametne grande.
Seja qual for a conclusão final, essa auto-analise não pode deixar de fazer
bem. Em qualquer senda da vida temos de possuir uma Filosofia própria, a
fim de sabermos
que rumo levamos. Se um professor ou um líder educacional não tiver uma
Filosofia da educação, será difícil que chegue a algum lado. E os alunos
não terão outra
alternativa senão caminhar" sem rumo certo ou formular as grandes perguntas
da juventude a outrem.
Terminemos com esta reflexão. A Filosofia liberta a imaginação do professor
e, ao mesmo tempo, disciplina o seu intelecto. Ao atribuir os problemas da
educação às
suas raízes na Filosofia, o professor vê esses problemas em perspectiva
mais ampla. Pensando filosòficamente, êle aplica o seu espírito, de um modo
sistemático,
a questões de importância que foram esclarecidas a refinadas. Um educador
que não use a Filosofia é inevitavelmente superficial. Um educador
superficial pode ser
bom ou mau — mas, se for bom, é menos bom do que poderia ser e, se for mau,
pior do que precisava ser.
166
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPOHANEAS
BIBLIOGRAFIA ADICIONAL
Bagley, William C, "The Significance of the Essentialist Move-ment in
Educational Theory", Classical Journal, XXXVI (1938-1939),
págs. 326-344.
Bode, Boyd H., Progressive Education ai the Crossroads, Newson,
Nova York, 1938.
Brameld, Theodore, Philosophies of Education in Cultural Perspective,
Dryden, Nova York, 1955.
Hütchins, Robèrt M., The Conflict in Education in a Democratic Society,
Harper, Nova York, 1953.
Kilpatrick, William H., Philosophy of Education, Macrnillan, Nova York,
1951.
Woodring, Paul, Let*s Talk Sense about Our Schools, McGraw-
-Hill, Nova York, 1953.
i
167
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA. PA CDUCAÇÃQ
sociais democraticamente determinados. É difícil, de fato, conceber uma
democracia tão pluralista quanto os Estados Unidos chegar a qualquer acordo
sobre as profundas
transformações propostas pof Brameld. Uma coisa é votar num candidato
político ou numa questão bem delimitada e outra muito diferente- é fazê-lo
em questões de educação,
afetadas como são por uma infinidade de outras considerações — morais,
religiosas, estéticas e sociais, bem como as puramente pessoais. Como
poderiam os múltiplos
interesses concorrentes da* sociedade americana encontrar um sistema
educacional de caráter nacional que satisfizesse a todos por igual?
Finalmente, talvez o gênero de doutrinação indulgente que Brameld preconiza
seja, na realidade, uma contradição em termos. O reconstrutivismo, como
doutrina, exige
o comprometimento. Um professor reconstrutivista não pode ensinar a
doutrina sem que êle próprio esteja comprometido ou empenhado nela, ou sem
esperar que os seus
estudantes adotem atitude idêntica. Por muito esforço que faça para ser
desprendido em sua classe, êle não pode, pela natureza das coisas, ser
desprendido e reconstrutivista
ao mesmo tempo., Até o ponto em que a nossa sociedade se encontra
profundamente dividida com respeito aos valores sociais, seria preciso nada
menos que um movimento
totalitário para lograr alguma vez unificá-la. Tal unidade jamais poderá
ser atingida democraticamente — jamais numa sociedade livre e aberta. Nem
deve ser. Toda
a nossa estrutura política teria de mudar, e o capitalismo seria, para
todos os intuitos e propósitos, gravemente debilitado ou completamente
eliminado. O reconstrutivismo
de Brameld parece votado a conduzir-nos para uma utopia coletivista, em que
os homens acreditariam na verdade de qualquer coisa, desde que obtida por
métodos científicos,
e satisfizesse ao consenso social informado, desde que persuasivamente
apresentada.
PARA UMA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Chegados a este ponto, já procedemos ao exame de cinco Filosofias formais e
suas implicações para a educação, bem
164
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
como de quatro teorias de educação propostas por educadores. Alguns
leitores já terão decidido qual dessas concepções vão adotar — ou adaptar.
Alguns, sem dúvida,
serão atraídos de diversas maneiras por todas elas e recorrerão a inúmeras
fontes para encontrar idéias que, quando somadas, constituirão, pelo menos,
uma atitude
básica em face da educação. É esse o método dos ecléticos e constitui um
primeiro passo razoável para a elaboração de uma Filosofia sistemática da
educação. Se alguém
tiver essa Filosofia, terá de certificar-se de que cada um dos seus
elementos está logicamente relacionado com todos os demais. Somar a atitude
de Hutchins a respeito
do currículo com uma base de epistemologia deweyana é querer combinar
termos incompatíveis, visto que Dewey e Hutchins encaram a educação de
modos muito .diferentes.
Por outro lado, como todas as Filosofias principiam eclèticamente, cada
leitor terá de iniciar a sua tarefa selecionando, entre as Filosofias que
leu e da sua própria
experiência da vida, aqueles ideais que, generalizados num todo, melhor
representem seus próprios pensamentos e sentimentos.
Se o leitor nãa puder adotar-qualquep-dos pontos-de-vista examinados no
presente texto, terá deveras um problema, visto que, no seu conjunto, eles
abrangem todo
o domínio da Filosofia geral e educacional. Isto não quer dizer,
evidentemente, que nenhuma nova Filosofia possa vir ainda a surgir.
Contudo, é preciso um espírito
altamente dotado para a criar.
Mas ninguém é forçado a elaborar uma Filosofia da educação, de acordo com o
método usado neste livro, que é basicamente tradicional. Muitos filósofos
da educação,
inclinados em regra para o pragmatismo, sustentam que a Filosofia
edu-cional devia partir de problemas inerentes à educação. Teria sido
possível, por exemplo, elaborar
este livro em torno de certos temas ou conceitos, tais como "experiência",
"crescimento", "disciplina" ou "motivação". Nesse caso, o livro teria sido
um estudo comparativo
e analítico do que os grandes pensadores disseram sobre todos esses
tópicos, e o nosso conhecimento se centralizaria no "problema" ao invés de
no "siste-
165
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
realmente em separado, mas em uníssono. Devemos, por conseguinte, construir
um currículo cujos assuntos e subdivisões se relacionem integralmente num
todo unificado,
em lugar de serem tratados como uma simples seqüência de conhecimentos
componentes. Nas palavras de Brameld:
Uma teoria de homem unificado, derivado do nosso conhecimento experimental
do comportamento humano, em suas múltiplas perspectivas, e para ele
contribuindo também,
não só deve integrar todos os demais terrenos do conhecimento; deve também
fornecer-lhes um novo e poderoso significado.23
6.. O reconstrutivismo ressalta a medida em que a criança, a escola e %
própria educação são modeladas por forças sociais e culturais. O
progressismo, declaram os
reconstrutivis-tas, exagerou a defesa da liberdade individual e subestimou
a medida em que estamos todos socialmente condicionados. Certo, o
progressismo chama a
atenção para a natureza social do homem e a importância do grupo na
educação, mas fá-lo a partir de um ponto de vista que não deixa de ser
fundamentalmente individualista.
Em sua preocupação para encontrar meios em que o indivíduo possa
realizar-se através da sociedade, esqueceu^, grau em__que apropria
sociedade-faz do indivíduo aquilo
que êle é.
A vida civilizada é, em grande parte, a vida de grupo. Logo, os grupos têm
de desempenhar uma função importante na escola, para que o adulto educado
saiba como usar
seus dotes no meio social onde ingressa. "Devemos reconhecer os grupos por
aquilo que realmente são", escreve Brameld.
Não devemos condenar cinicamente nem aceitar passivamente o comportamento
deles como inevitável, mas, através de um diagnóstico convincente, procurar
construir um
programa social e educacional que ajude a resolver seus anseios, reduzir
suas imoralidades e libertar suas potencialidades humanas.24
23 íbid.
24 Theodore Brameld, Pattems of Educational Philosophy, World Book,
Yonkers, Nova York, 1950, pág.. 425.
162
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
Ê agora possível à sociedade remodelar-se pela educação de seus membros, de
modo que eles ganhem consciência da necessidade de reformas sociais
definidas e estejam
preparados para realizá-las. Assim, Brameld denomina a educação como
"auto-realização social", querendo significar que, através dela, o
indivíduo não só desenvolve
o lado social da sua natureza, mas também aprende como participar nos
movimentos sociais que pretendem tornar a sociedade numa democracia
planejada.
A Crítica do Reconstrutivismo
O reconstrutivismo de Brameld é formulado de um modo estimulante. Seu apelo
torna-se ainda mais atraente pelo fato de reivindicar para suas bases as
conclusões idôneas
dás ''ciências comportamentais. Tal pretensão, se correspondesse à
verdade,-seria difícil de contradizer. Infelizmente, está viciada pelo
fato_de que essas conclusões,
para não mencionar outras, permitem uma variedade de interpretações, das
quais a de Brameld é apenas uma. Como já foi assinalado, e o próprio
Brameld admite, as
conclusões empíricas estabelecidas pelas ciências comportamentais são
deveras escassas, e não compor-tam-implicações certas para a
educação-.—Além-disso—existem
muitas divergências entre os cientistas comportamentais como entre os
educadores — e bastam, por certo. O que um sociólogo ou economista sustenta
ser verdade é facilmente
refutado por outros. Sabemos compro vadamente que os psicólogos de modo
algum concordam sobre os tipos de comportamento desejáveis numa sociedade
justa. A ciência
tem ainda de responder às perguntas — "Quais são os melhores valores
aceitáveis pelos homens?" e "Quais as instituições sociais que melhor
ajudam à sua realização?"
A jactância do reconstrutivismo — de que se baseia em idôneos conhecimentos
científicos do comportamento humano — não pode ser sustentada.
Muitos duvidam se o reconstrutivismo estará cabalmente integrado na
principal corrente da tradição cultural americana, como seus adeptos
pretendem, visto que o individualismo
liberal participa tanto daquela tradição quanto a fidelidade a ideais
163 í
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
O controle pela maioria mais ampla possível...dás principais instituições e
recursos de qualquer cultura é o. teste supremo da democracia... o povo
trabalhador deve
controlar suas principais instituições e recursos, se quisermos que o mundo
se torne genuinamente democrático.20
Uma vez que a sociedade ideal é uma democracia, deve ser também realizada
democraticamente. A estrutura, objetivos e diretrizes da nova ordem devem
ser aprovados
na barra da opinião pública e promulgados somente com a maior porcentagem
possível de apoio popular. Uma revolução que tenha lugar no espírito dos
homens é mais
profunda e duradoura do que qualquer mudança realizada apenas por políticos
ou imposta pela força das armas. Se verdadeiramente nos dispomos a
reconstruir a sociedade,
devemos reeducar os seus membros.
4. O povo deve ser persuadido a reconstruir a sociedade em que vive e tal
persuasão deve começar na escola. Ê dever do professor convencer os seus
alunos sobre a
validade e~ urgência da solução reconstrutivista, mas deve fazê-lo com
escru-pulosa atenção, aos processos democráticos. Deve permitir o exame
aberto das provas
a favor e contra suas opiniões; deve apresentar francamente soluções
alternativas; e deve permitir aos seus alunos que defendam suas próprias
soluções. A decisão
final, quer para aceitar ou rejeitar as opiniões do professor, deve caber à
própria classe. Segundo as palavras de Brameld:
... Somos professôres-cidadáos com convicções, com obrigações, com
parciaiismos que acreditamos serem defensáveis. E pretendemos não só
expô-las na praça pública,
não só propor uma inspeção completamente livre de cada convicção, mas
trabalhar para que sejam aceitas pela? maioria mais vasta possível..,21
A escola deve ter como seu fulcro o futuro, preparando o caminho para uma
nova ordem pela educação dos espíritos
20 Theodore Brameld, Toward a Reconstructed Philosophy of
Education, Dryden, Nova York, 1956, págs. 328-329.
21 lbid.t pág. 338.
160
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
e dos caracteres dos alunos, para que estes fiquem preparados para o
percorrer. Semelhante concepção não lhes deve ser imposta, mas aceita
espontaneamente por seus
próprios méritos. O professor só poderá doutrinar os seus estudantes se
estes estiverem dispostos a isso.
5. Os meios e os fins da educação devem ser completamente remodelados para
satisfazerem às exigências da presente crise cultural e para concordarem
com as descobertas
da ciência do comportamento. A importância das ciências com-portamentais
está no fato de que nos habilitam a descobrir quais são os valores exatos
em que o homem
deve mais vigorosamente acreditar e se esses valores são universais ou não.
Na posse dessa informação, podemos planejar uma ordem social e
internacional apropriada.
Por isso, Brameld declara:
... as ciências comportamentais estão começando a provar, realmente pela
primeira vez na história, que é possível formular objetivos humanos não por
razões sentimentais,
românticas, místicas ou de algum modo arbitrárias, mas na base do que
estamos aprendendo a respeito de valores transculturais e até universais.
Embora os estudos
nesse difícil terreno tenham ainda avançado pouco, foi no entanto o
suficiente para que se tornasse já plausível descrever esses valores
objetivamente e r^mnri«trar
gr»* ^ maioria doa sêrea humanos os prefere aos valores alternativos.22
Devemos observar com uma visão nova, diz Brameld, para o modo como os
nossos currículos são formulados, os assuntos que eles contêm, os métodos
educacionais usados,
a estrutura da administração e os métodos como os professores são
preparados. Portanto, tudo isso tem de ser reconstruído de acordo com. a
concepção científica da
natureza humana, para que preste sua contribuição direta à criação da nova
ordem. Estamos começando a compreender, por exemplo, como a natureza humana
se comporta,
como um todo, e que funções tais como a razão, a imaginação e a vontade não
se exercem
22 Theodore Brameld, "Imperatives for a Reconstructed Philoso-phy of
Education", School and Society, LXXXVII, n.° 2145 (17 de janeiro de 1959),
20.
161
INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
1. O reconstrutivista aceita a definição progressista da
experiência-como a interação do organismo humano com o seu meio social e
material. Também acolhe favoravelmente
a opinião de que o progressismo contribuiu para os métodos de educação.
Insiste, porém, que Dewey dotou a educação de meios, apenas, e não de
finalidade. Endossa
o ponto de vista pérena-lista e essenoèalistá de que o desenvolvimento pelo
desenvolvimento é inadequado como objetivo final da educação. Mas a
solução, diz ainda
o reconstrutivista, está na revisão dos métodos do progressismo e em
usá-los, então, para se atingirem fins sociais bem definidos. A educação
deve-se tomar o meio
principal para a * promulgação de um programa de ação social clara e
precisa. Rejeita a concepção progressista de uma sociedade planejadora, com
sua ênfase na maneira
como o planejamento fera de ser realizado, e favorece a idéia de uma
sociedade planejada, em que principalmente se acentuam os fins a atingir.
Assim, Brameld critica o progressismo como "dilatório" e "ineficiente".
Diz êlc:
Ê o esforço educacional de uma cultura adolescente, sofrendo as agradáveis
penas do crescimento, a preocupação com as excitações dos eventos
presentes, o transe
cultural de experimentar e errar quando as proteções da. infância ficaram
para trás, mas as autonomias planejadas da maturidade ainda aguardam futuro
delineamento
e concretização. 18
7
O progressismo exagerou o valor da" flexibilidade até um ponto em que se
converteu em positivo obstáculo à ação social efetiva. Em vez de rasgar e
refazer continuamente
seus planos, de acordo com metas relativas e limitadas, o educador deveria
forjar agora um plano definitivo de ação social -e política, cuja
realização converter-se-á
na finalidade principal do nosso sistema de educação.
2. Pretendendo ser a Filosofia de uma "era de crise",-o reconstrutivismo
ressoa como um sinal de urgência não ouvido em outras teorias
educacionais. A civilização,
declaram os
18 Theodore Brameld, Fattems of Educatiomd Philosophy, World Book, Yonkers,
Nova York, 1950, pág. 204.
158
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
seus adeptos, enfrenta agora a possibilidade de auto-aniquila-mento. A
educação deve conduzir-nos a uma profunda transformação na mentalidade dos
homens, de modo
que os tremendos podêres à nossa disposição, tanto os atuais como os que
já. se anunciam, possam ser usados para criar em vez de destruir. Ao mesmo
tempo, o impressionante
progresso realizado nos últimos anos pelas ciências do comportamento
oferece-nos uma fonte de conhecimentos sem precedente, por meio dos quais
poderemos descobrir
a natureza da nossa sociedade que melhor se ajuste às verdadeiras
aspirações do homem e, ao mesmo tempo, os meiol para contagiar a juventude
do entusiasmo necessário
para e&ficar, essa sociedade. A educação deve-se empenhar imediatamente na
criação de uma nova ordem social que preencha os valores básicos da nossa
cultura e, ao
mesmo tempo, se harmonize com as forças sociais e econômicas subjacentes no
mundo moderno. A sociedade deve ser transformada, não só por intermédio da
ação política,
mas, de um modo mais fundamental, através da educação dos seus membros,
para uma nova visão da vida em comum. Essa vinculação à nova ordem não é
tênue e hesitante,
mas urgente e direta. O reconstrutivismo, escreve Brameld:______
... compromete-se, acima de tudo, com a edificação de uma nova cultura.
Está radicado numa profunda convicção de que nos encontramos em pleno
período revolucionário,
do qual deve emergir nada menos do que o controle do sistema industrial,
dos serviços públicos, dos recursos culturais e materiais pelo e para o
povo comum que,
ao longo das idades, tem lutado por uma vida de segurança, decência e paz
para êle e para seus filhos.1**
3. A nova sociedade deve ser uma democracia autêntica, cujas instituições e
recursos principais são controlados pelo próprio povo. Tudo quanto afete
suficienteihente
o interesse público, quer se trate de pensões, saúde ou indústria, deve
passar a ser da responsabilidade de representantes populares eleitos.
Assim, Brameld declara:
19 Theodore Brameld, "Philosophies of Education in an Age of Crisis",
School and Society, LXV, n.° 1695 (21 de junho de 1947), 452.
159
!
INTRODUÇÃO k FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
Também se diz que o essencialismo não logra cultivar a iniciativa
intelectual. Em vez de instigar o aluno a pensar por si mesmo, desde o
início da carreira escolar,
o essencialismo solicita-lhe que absorva matérias Ijue êle não escolheu nem
dispôs. Essa submissão ao professor e à matéria desencoraja o hábito de
pensamento crítico
e independente, que é imprescindível numa democracia bem sucedida.
^ RECONSTRUTIVISMO
O reconstrutivismo proclama ser o sucessor legítimo do progressismo.
Declara que a principal finalidade da educação é "reconstruir" a sociedade
de maneira que enfrente
a crise cultural da nossa época. Para tal, a escola deve reinterpretar os
valores básicos da civilização ocidental, à luz do conhecimento científico
atualmente,
à nossa disposição.
Já em 1920 John Dewey sugeria o nome de reconstrutivismo no título de seu
livro Reconstruction ín Philosophy. No início da década de 1930, um grupo
conhecido como
os "Pensadores da Fronteira" formou a escola para liderar o caminho no
sentido da criação de uma sociedade mais eqüitativa, inculcando a
fidelidade a unia nova ordem
social. Seus principais representantes eram George Counts e Harold Rugg.
Counts escreveu The American Road to Culture (1930) e Dare the Schools
Build a New Social
Order? (1932), e Rugg escreveu Culture and Education in America (1931).
Nessa época, progressistas como Kilpatrick e Childs estavam também
instigando os educadores
para que tomassem consciência de suas responsabilidades sociais. Mas
discordavam da afirmação de Counts e Rugg de que a escola devia vincular-se
a fins sociais específicos;
preferiam salientar a finalidade geral do desenvolvimento através da
cooperação democrática. Não tendo obtido o apoio progressista, os
Pensadores da Fronteira declinaram
em importância.
Contudo, duas décadas depois, quando o movimento progressista perdeu
impulso, foram realizadas novas tentativas para
156
TEORIAS EDUCACIONAIS CONTEMPORÂNEAS
?
usar a Filosofia de Dewey em apoio de teorias educacionais socialmente
comprometidas. Em sua prmcipal obra, The Ideal and the Community, publicada
em 1958, Isaac
B. Berkson procurou uma reaproximação do progressismo e do essencialismo,
sugerindo que, embora a própria escola não devesse tomar a liderança da
reforma social,
deveria contudo colaborar com movimentos já ativos na sociedade, que
advogassem uma realização mais completa dos valores culturais americanos.
Porém, foi Theodore
Brameld quem, em 1950 lançou os fundamentos do reconstrutivismo social
através da educação, com a publicação de Patterns of Educational
Philosophy,. seguido de Philo-sophies
of Education in Cultural Perspective (1955), Toward a Reconstructed
Philosophy of Education (1956) e Cultural Foundations of Education — An
Interdisciplinary Àpproach
(1957). Embora certa quantidade de teorias' se proclamem reconstrutivistas,
nenhuma delas iguala em importância a obra de Theodore Brameld. O trabalho
de Berkson,
por exemplo, é socialmente idealista na tradição de Royce-e tem fortes
acentos pragmáticos, mas falta-lhe o timbre revolucionário da obra de
Brameld. Portanto, neste
resumo do reconstrutivismo, limitar--nos-emos aos temas principais que por
Brameld foram apre-~ sentados.—------------- . —--------
~________
,, Os Princípios Básicos do Reconstrutivismo
O reconstrutivismo tem seis princípios básicos: 1)0 principal objetivo da
educação é promover um programa meditada-mente elaborado de reforma social.
2) Oj educadores
devem ocupar-se dessa tarefa sem demora. 3) A nova ordem social deve ser
"genuinamente democrática". 4) O professor deve persuadir seus alunos
democraticamente sobre
a validade e urgência do ponto de vista reconstrutivista. 5) Os meios e os
fins da educação devem ser remodelados de acordo com as conclusões da
ciência do comportamento.
6) A criança, a escola e a própria educação são modeladas, em grande parte,
por forças sociais e culturais.
157
I I
2.3/09-/0 8
George R Kneller
da Universidade da Califórnia, Los Angeles
CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO
Z A H A R
EDITORES
•A

Título original: Iniroduction to the Philosaphy of Education


Traduzido da primeira edição, publicada em 1964 por John Wiiey & Sons,
Inc., de Nova York.
Copyright © 1964 by John Wiley á Sons, Inc.
capa de
É RIC O
i <J 7 1
Direitos para a língua portuguesa concedidos a ZAHAR EDITORES
Rua México, 31 — Rio de Janeiro que se reservam, a propriedade desta
tradução
Impresso no Brasil
ÍNDICE
CAPÍTULO 1 FILOSOFIA E EDUCAÇÃO
O Significado da Filosofia .......
A Natureza da Realidade ...........
A Natureza do Conhecimento .....
Tipos de Conhecimento .............
A Natureza do Valor..............
A Natureza do Pensamento Ordenado Aplicações da Filosofia à Educação ..
CAPÍTULO 2 FILOSOFIAS TRADICIONAIS DA EDUCAÇÃO
As Escolas de Filosofia..................
Idealismo : tt .........\ttttt rrwT-rWr-m
Realismo..............................
Pragmatismo..........................
CAPÍTULO 3 MODOS MAIS RECENTES DE PENSAR .... 75
Existencialismo............................ 15
Análise .....................i............ 97
CAPÍTULO 4
TEORIAS
NEAS .,
EDUCACIONAIS CONTEMPORA-
Prog?-essismo.................
Perenalismo...................
Essencialismo ................
Reconstrutivismo ..............
Para uma Filosofia da Educação
m
12S 141 148 156 164
r

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