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O ILUMINISMO

O Iluminismo, ou Século das Luzes, Ilustração ou Aufklärung., foi um movimento do pensamento europeu
característico basicamente da segunda metade do século XVIII. Abrange não só o pensamento filosófico, mas
também as artes, sobretudo a literatura, as ciências, a teoria política e a doutrina jurídica. Trata-se, portanto,
de um movimento cultural amplo, que reflete todo um determinado contexto político e social da época,
embora adquira características próprias em países e momentos diferentes, não consistindo assim em uma
doutrina filosófica ou teórica específica, mas sim em um conjunto de idéias e valores compartilhados por
diferentes correntes e tendo diferentes formas de expressão nas ciências, nas letras e nas artes.
Seus principais representantes são: na França, Jean-Jacques Rousseau, Voltaire, Fontenelle, Helvétius,
Montesquieu, Holbach, La Mettrie; os enciclopedistas: Diderot, D’Alembert, Condorcet; na Alemanha,
J.Herder, Lessing, Kant, que escreve sobre a idéia de Iluminismo, e, em um primeiro momento de sua obra , o
próprio Goethe; na Inglaterra, Hume, Alexander Pope, Jeremy Bentham, Adam Smith; na Itália, Gianbattista
Vico, Beccaria.

A primeira noção de Iluminismo, Ilustração, ou ainda Esclarecimento, como o termo é por vezes traduzido,
indica, através da metáfora da luz e da claridade, uma oposição às trevas, ao obscurantismo, à ignorância, à
superstição, ou seja, à existência de algo oculto, enfatizando, ao contrário, a necessidade de o real, em todos
os seus aspectos, tornar-se transparente à razão. O grande instrumento do Iluminismo é a consciência
individual, autônoma em sua capacidade de conhecer o real; suas armas são, portanto, o conhecimento, a
ciência, a educação. Neste sentido, o projeto enciclopedista de sintetizar em uma obra – a Enciclopédia, cuja
publicação se iniciou em 1751 – todo o saber da época, tornando-o potencialmente acessível a todos os
indivíduos, é bastante representativo dessa concepção, uma vez que atribui ao conhecimento a capacidade de,
precisamente, libertar o homem dos grilhões que lhe são impostos pela ignorância e pela superstição,
tornando-as facilmente domináveis.
O pressuposto básico do Iluminismo afirma, portanto, que todos os homens são dotados de uma espécie de luz
natural, de uma racionalidade, uma capacidade natural de aprender, capaz de permitir que conheçam o real e
ajam livre e adequadamente para a realização de seus fins. A tarefa da filosofia, da ciência e da educação é
permitir que essa luz natural possa ser posta em prática, removendo os obstáculos que a impedem e
promovendo o seu desenvolvimento. O Iluminismo possui assim um caráter pedagógico enquanto projeto de
formação do indivíduo, podendo ser visto também como herdeiro do humanismo iniciado no Renascimento.
Isso pode ser ilustrado pelo famoso verso do poeta inglês Alexander Pope: “o objeto de estudo apropriado
para o ser humano é o homem”.
A noção de progresso racional da humanidade é assim característica desse tipo de concepção. Em
contrapartida, devem ser igualmente identificados os elementos que impedem tal progresso, que se opõem à
razão. Dentre esses elementos encontra-se a religião, na medida em que subordina o homem a crenças
irracionais e a uma autoridade, a Igreja, baseada na submissão e nas superstições. O pensamento iluminista é
assim fortemente laico e secular e até mesmo, em alguns casos, abertamente anticlerical. As obras de Voltaire
e Diderot são exemplos disso.
A questão básica desse período pode ser, portanto, assim explicitada: por que o homem, dotado dessa luz
natural, dessa capacidade racional de conhecer, não consegue pura e simplesmente obter o conhecimento real
necessário à sua ação no mundo da melhor forma possível? O que o impede?
No prefácio da 1a. edição da “Crítica da Razão Pura”(1781), Kant responde de certa forma a essa questão:
Nossa época é propriamente a época da crítica, à qual tudo tem de submeter-se. A religião, por sua
santidade, e a legislação, por sua majestade, querem comumente esquivar-se dela. Mas desse modo suscitam
justa suspeita contra si e não podem ter pretensões àquele respeito sem disfarce que a razão somente outorga
àquilo que foi capaz de sustentar seu exame livre e público.
O Iluminismo volta-se assim contra toda autoridade que não esteja submetida à razão e à experiência, que não
possa justificar-se racionalmente, que recorra ao medo, à superstição, à força, à submissão. O pensamento
deve ser autônomo, não-tutelado. Só assim o homem poderá atingir o que Kant chama de sua “maioridade”,
ou seja, a possibilidade de pensar por si mesmo, de modo independente. Há, nesse sentido, sempre um caráter
“ético e emancipador” no projeto iluminista. Em seu texto “Resposta à questão: “Que é Esclarecimento?”
(1783), Kant afirma que:
Esclarecimento (Aufklärung) é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado.
A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro indivíduo. O homem
é o próprio culpado dessa menoridadese a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta

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de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude! Tem coragem de fazer
uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do Esclarecimento.

A filosofia crítica, que o pano de fundo do Iluminismo, caracteriza-se por três pressupostos básicos: 1) a
liberdade, exemplificada pela defesa da livre iniciativa no comércio, segundo o pensamento liberal e opondo-
se ao absolutismo (ainda vigente no final do século XVIII em várias monarquias européias, como França,
Prússia, Áustria e Espanha, mas não mais na Inglaterra); 2) o individualismo, que se baseia na existência do
indivíduo livre e autônomo, consciente e capaz de se autodeterminar; 3) a igualdade jurídica, que visa
garantir a liberdade do indivíduo contra os privilégios.
Nesse sentido, a Revolução Francesa (1789) pode ser considerada uma tentativa de concretização desses
ideais, o que pode ser ilustrado pelo seu famoso lema, “Liberdade, Igualdade, Fraternidade”. A Declaração
dos Direitos do Homem expressa essa concepção, ao afirmar em seu preâmbulo: “Os representantes do povo
francês constituídos em assembléia nacional, considerando que a ignorância, o esquecimento e o desprezo
pelos direitos do homem são as únicas causas dos males públicos e da corrupção dos governos, resolvem
estabelecer em uma declaração solene os direitos naturais inalienáveis e sagrados do homem”. E em seu
artigo primeiro, “Os homens nascem e permanecem livres e iguais em seus direitos [...]”. É importante notar
aí, no espírito do liberalismo e do Iluminismo, a referência aos direitos naturais e à natureza humana, à
liberdade e à igualdade como inerentes ao homem, bem como ao fato de que os males resultam da ignorância
e da obscuridade que causam a opressão e a corrupção.
Na Declaração de Independência dos Estados Unidos (1776), redigida por Thomas Jefferson e que antecede a
declaração francesa em treze anos, fica clara a inspiração nas teorias liberais quando se afirma que:
“Consideramos auto-evidentes as seguintes verdades: todos os homens foram criados iguais, e dotados por seu
criador de determinados direitos inalienáveis, dentre os quais se incluem a vida, a liberdade e a busca da
felicidade, e é para assegurar estes direitos que os governos foram instituídos”. A concepção de igualdade
humana, a crença nos direitos naturais, a idéia de que estas verdades são auto-evidentes e a definição do papel
do governo correspondem precisamente à visão de liberalismo e racionalismo ilustradas por John Locke.
O racionalismo iluminista estabelece que o homem, o indivíduo dotado de consciência autônoma, deve ser
livre em relação à autoridade externa, política e religiosa que o domina e oprime, mas também em relação às
suas próprias paixões, emoções e desejos. O homem livre é senhor de si também no sentido de que deve
exercer controle sobre si e agir sempre de acordo com sua vontade e decisão racional.
É claro, no entanto, conforme sustenta Kant em seu célebre texto “Resposta à questão: O que é
Esclarecimento?”, que não vivemos ainda em uma época plenamente ilustrada; porém, podemos saber o que é
a Ilustração e o que é necessário para promovê-la, realizá-la, e esta é basicamente a tarefa da filosofia nesta
concepção. A discussão em torno do projeto iluminista – seu sentido e sua validade, bem como a
possibilidade e as condições de realizá-lo – é ainda um tema atual no debate filosófico contemporâneo.

(MARCONDES, Danilo. Iniciação à História da Filosofia. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2000).

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