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FILOSOFIA
AULA 1
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CONVERSA INICIAL
entende como sendo filosofia. Nesta aula, vamos estudar as origens do pensamento filosófico na
cultura ocidental. Veremos como o seu surgimento está relacionado ao pensamento grego antigo,
Compreenderemos, neste tema, quais são as características do pensamento mítico e por quais
explicações em torno da origem e funcionamento do Universo e dos seres humanos eram dadas
com base em concepções míticas. O predomínio do mito na cultura grega se deu entre os séculos
XI ao IV a.C., quando, a partir do século VII e sobretudo IV a.C., a filosofia desponta criticando esse
dos seres humanos e da natureza. Em grego, o termo deriva da palavra mythos, que significa
narração. Segundo o pesquisador francês Jean Pierre Vernant (2001, p. 255-267), na obra Entre
mito e política, as construções míticas podem ser categorizadas em cosmogonias e teogonias. Do
grego cosmos, universo ou ordem; e gonos, gênese, origem, cosmogonias são mitos que narram a
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natureza. Apresentados na maioria das vezes oralmente, por poetas, ou nos teatros gregos, por
meio das tragédias, os mitos produziam, nos ouvintes, emoções, com as histórias de grandes
heróis. Entre choros e risadas, os ouvintes entravam em transe porque se identificavam com as
justificação e organização da sociedade, seja do ponto de vista político, seja do ponto de vista
intitulada O Universo, os deuses, os homens, Vernant (2000, p. 14) indica que o mito “[...] contém
As principais fontes de narrativas míticas entre os gregos provinham do poeta Homero, que
teria vivido entre os séculos XIX e VIII a.C. e escrito a Ilíada, referente ao conflito entre gregos e
troianos, e a Odisseia, história que narra a trajetória de Ulisses (ou Odisseu), personagem
considerado racional e que se confronta com os deuses gregos na tentativa de retornar para sua
cidade natal, Ítaca, após a Guerra de Troia (Homero, 2013, 2014). Há dúvidas se Homero teria ou
não existido; se teria de fato escrito essas duas obras ou se representou, na verdade uma escola de
poesia responsável pela compilação de mitos narrados no passado, de forma oral, na Grécia. Por
vezes, Homero é descrito em relatos da Antiguidade como um cego, andarilho que narrava os
descrições de Hesíodo (2002, 2003), que viveu no século VII e escreveu importantes obras, como
filosofia surgiu, na Grécia, com a intenção de combater essas explicações sensíveis e divinas
presentes nos mitos. Ainda que os mitos sejam atacados pela filosofia, autores como Vernant
(2001) não deixam de apontar que eles, apesar de terem o predomínio de concepções fantásticas e
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No presente tópico, você estudará o contexto histórico, na Grécia Antiga, que permitiu a
Quando se procura estabelecer que a filosofia nasceu na Grécia Antiga, por volta do século VII a.C.,
com Tales de Mileto, isso não quer dizer que outras culturas ou sociedades não tenham
que difere a filosofia ocidental das demais e o que fornece a ela um caráter sui generis é a
realização de uma cisão ou divórcio entre a razão (logos) e o mito (mythos). Outros povos e
civilizações desenvolveram filosofias nas quais as forças divinas e naturais misturam-se, em seu
grega produziu cisma inédito. Buscou separar o racional do mitológico, como também negar e
A partir do pensamento pré-socrático, que será abordado no próximo item, a cultura ocidental
passará por uma ruptura com a tradição mítica, em direção à construção de modelos racionais que
terão impacto e deixarão heranças nas construções sociais, políticas, econômicas, científicas e
mesmo religiosas da cultura ocidental. Isso se deve ao fato de que, segundo Deleuze e Guatari
(1991), na obra O que é filosofia?, a própria filosofia trabalha com conceitos que procuram, de
humana.
Samos (século V a.C.). Filosofia, em grego é a justaposição de dois termos: philia, que significa
desejo intenso, amizade, gosto ou amor fraternal; e sophos, que expressa a noção de
conhecimento ou sabedoria (Kirk; Raven; Schofield, 1994). Ou seja, filosofia significa um amor ou
amizade pela sabedoria ou conhecimento. É importante destacar que a filosofia desperta nos
indivíduos aquilo que Platão (2007), na obra Teeteto, e Aristóteles (1973), em Metafísica,
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classificam com o termo grego thaumazein, que é traduzido como estranhamento, perplexidade,
a nossa volta, isto é, no instante em que não se observa mais o mundo com os olhos habituais,
como antes estávamos acostumados a enxergar a realidade, ou com uma visão conformada a se
tomar as coisas como se fossem normais ou como se sempre tivessem sido assim. A filosofia surge
do sentimento de que o sentido das coisas está no fato de que nada faz sentido, quando há um
como as míticas. Por isso, a filosofia, quando surge na Antiguidade, irá se opor aos mitos, tomados
pelos cidadãos gregos como verdadeiros e fontes legítimas para todas as explicações sobre o
Como o papel da filosofia é interrogar todos os aspectos de nossa existência, como a vida
social, a política, as crenças, as hierarquias e a posição que nossa existência ocupa no Universo, ela
não está preocupada com fornecer ou alcançar as respostas verdadeiras (pois elas podem variar de
pensador para pensador); senão, a filosofia procura promover as verdadeiras perguntas. Esse
princípio se torna mais claro com o dito socrático só sei que nada sei, o que significa dizer que
A filosofia não é uma ciência, embora influencie, com suas questões, todas as demais formas
de conhecimento científico, sejam elas ciências exatas, sejam ciências naturais ou humanas,
exatamente por possuir a percepção de que as verdadeiras perguntas são mais relevantes que a
busca das verdadeiras respostas. Embora a filosofia e a ciência tenham em comum o uso do logos,
ou seja, da razão, vemos a filosofia se diferenciar da ciência na medida em que esta última tem a
tendência o trabalho lógico da mente diante de temas mais subjetivos, como a felicidade, o bem
comum, a virtude ou os atributos cognitivos que permitem à mente estar certa ou equivocada.
Outra diferença importante entre filosofia e ciência está no fato de que a ciência é cumulativa,
o que significa dizer que ela evolui, se aprimora ou se desenvolve de tal forma que nos permite
dizer que os achados científicos de hoje são mais avançados ou superiores do que certas
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conduz ao progresso científico. Já a filosofia não permite esse tipo de constatação, de modo que
não se pode dizer que, por exemplo, a filosofia contemporânea seja melhor ou mais avançada do
que a antiga. São, na realidade, filosofias diferentes, com coordenadas distintas, o que não nos
novo. Há um vocabulário específico a esse pensamento que torna, no início, sua compreensão
difícil. Porém, à medida que ele é estudado e o leitor penetra nas principais questões e conceitos
fornecidos pelos filósofos, lhe é permitido compreender melhor uma determinada filosofia e
conjunto de conceitos e ideias. Enquanto a ciência avança como uma linha do progresso, com seus
métodos e respostas, a filosofia opera como uma espiral, porque seus problemas e perguntas são
Na obra Convite à filosofia, a filósofa Marilena Chauí (1994) responde de forma irônica à
questão para que serve a filosofia?, geralmente feita pelos críticos do saber filosófico. Os críticos
Chauí (1994, p. 10), geralmente vê-se que “[...] a filosofia não serve para nada. Por isso, se
costuma chamar de ‘filósofo’ alguém sempre distraído, com a cabeça no mundo da Lua, pensando
Portanto, deve-se responder ironicamente à questão para que serve a filosofia. A resposta é: a
filosofia não serve a nada não porque seja inútil ou desinteressante, senão devido ao fato de que a
filosofia não serve por não ser servil ou escrava de nenhuma forma de poder, domínio ou
hegemonia. A filosofia é um saber livre e libertador que nos permite contradizer e questionar toda
TEMA 3 – OS PRÉ-SOCRÁTICOS
praticadas por outras culturas devido ao fato de que se promoveu na Grécia Antiga a cisão entre as
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Alguns fatores históricos e geográficos foram determinantes para que a filosofia e a separação
deles está no fato de que a maioria das cidades gregas são portuárias, de modo que isso permitiu
aos seus habitantes, desde cedo, o contato com outras civilizações e mitos diferentes dos seus,
como os povos egípcios, babilônicos, sumérios, fenícios, persas, entre outros. Concebe-se que o
Universo tenha levado alguns pensadores, na Grécia, a partir do século VII ao V a.C., a buscarem
formas e alternativas mais racionais de entendimento da natureza, fugindo dos relatos sensíveis,
Além disso, as cidades gregas, conhecidas como polis, possuíam leis escritas que transferiram
à filosofia a tradição de fixar na forma de livros as reflexões desses primeiros filósofos, embora
praticamente todas as obras dos pensadores conhecidos como pré-socráticos tenham se perdido
os textos dos pré-socráticos que se perderam. Com isso, citaram trechos ou teceram comentários
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Outro fator importante para o surgimento da filosofia na Grécia foi a existência da escravidão,
conforme aponta Vernant (2001), pois o trabalho escravo, embora forçado e oposto à liberdade
humana, possibilitava que alguns homens, considerados cidadãos, tivessem condições como
dispor de tempo livre e ócio para participar da praça pública (como a chamada ágora de Atenas) e
Isso se deve ao fato de que, diferentemente do que veio a ocorrer a partir da filosofia de Sócrates
(470-399 a.C.), preocupada com questões em torno do ser, da relação entre corpo e alma, da
direcionados à seguinte questão: qual é o elemento primordial ou qual a origem de tudo o quanto
existe na natureza? Esse elemento primordial que buscavam explicar é designado arché.
arché, isto é, o elemento primeiro que dá origem e está presente em toda a matéria da natureza, a
sua busca e interpretação é um elemento comum nas construções desses filósofos e, por isso
A ruptura com o pensamento mítico se deu quando Tales de Mileto (séc. VII e VI a.C.) procurou
por uma explicação pragmática da arché que fosse concreta e distante das construções fantásticas
ou sobrenaturais dos mitos. Filósofo jônio, estabeleceu a água como arché. De acordo com a obra
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Os filósofos pré-socráticos (Kirk; Raven; Schofield, 1994), Tales observou a relação da água com
todos os seres da natureza; e em seus estados sólidos, líquidos e gasosos. No Egito, percebeu
como a terra desértica se tornava fértil com a cheia do Rio Nilo. Em altas montanhas, encontrou
fósseis de animais marinhos. Concluiu, assim, que o mundo era coberto pela água, originalmente.
Tales é considerado o pioneiro do que hoje chamamos de paleontologia (Kirk; Raven; Schofield,
1994).
Anaximandro (610-547 a.C.), buscou dar uma outra resposta sobre o elemento constituinte de
toda a realidade. Diverge de seu mestre ao propor que a arché é o ápeiron, palavra grega que
imaterial, infinita e imortal, mas que origina todos os elementos e toda a matéria presente no
Universo. O indeterminado é a origem e a causa de tudo o que existe, sendo apreendido apenas
pelo pensamento e não pela sensibilidade. Anaximandro concebia que o Universo é guiado pelo
movimento eterno e circular do ápeiron, que faz surgir o quente (fogo) e o frio (ar); nele, há
Anaxímenes (Mileto, 585-528/525 a.C.), filósofo jônio, afirma que a arché é o ar (pneuma).
Discorda de Anaximandro, pois a arché não poderia, para ele, ser o indeterminado, posto que o
ápeiron seria inconcebível pelo pensamento, porque abstrato. Diferentemente da água (na tese de
Tales), o ar é invisível, mas nem por isso deixa de ser natural e estar presente em tudo o quanto
existe, sendo o elemento primordial constituinte do Universo. Anaxímenes constata que, do nascer
ao morrer, há a existência do primeiro até o último respiro, sendo o ar determinante para qualquer
ser vivo. O mundo é vivo e respira (ar seria equivalente a alma, algo comparado ao corpo da
Xenófanes de Cólofon (570-475 a.C.) deixou a Jônia em direção ao sul da Península Itálica
quando os persas invadiram a Grécia. Errante, andarilho e recitador de poemas, visitou diversas
cidades, sendo o patrono da escola eleática, da qual farão parte também Parmênides e Zenão.
não apresentando nenhum elemento sólido como o princípio de tudo, mas manifestando-se com
base no elemento terra. A concepção de um deus único, imortal e imutável como princípio de tudo
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religiões que conheceu, sobretudo a grega. Deu-se conta de que a intenção de atribuir aos deuses
as próprias características e potencialidades humanas era natural, porém equivocada (Kirk; Raven;
Schofield, 1994).
Heráclito (Éfeso, 540-470 a.C.) foi um filósofo jônio conhecido como O Obscuro ou O Fazedor
constante mudança, num constante devir ou fluir, tendo como sua engrenagem ou arché o fogo,
é-lhe atribuída a sentença Ninguém pode entrar duas vezes no mesmo rio. O mobilismo está
relacionado ao termo criado por Heráclito, o logos (razão ou inteligência) presente na natureza,
havendo assim estabilidade na mudança, sendo o fogo o garantidor do fluxo dos contrários (Kirk;
Parmênides e Zenão serão críticos da tese mobilista de Heráclito. Parmênides (515-460 a.C.)
última dos seres), consequentemente da metafísica e da filosofia num sentido mais abstrato.
essência (imutável e verdadeira – alétheia) e aparência (que se transforma sempre, como a doxa –
opinião, algo, portanto, instável, falso e ilusório). O mobilismo de Heráclito não levaria, segundo
Parmênides, ao conhecimento verdadeiro, mas a opiniões variáveis sobre as coisas, o que tornaria
não verdadeira a concepção mobilista dos seres ou a tese do movimento de Heráclito. A verdade,
para Parmênides, é única, imóvel, eterna, imutável, sem princípio nem fim, contínua e indivisível.
Por isso, Parmênides afirma que o ser é (uma essência imutável e verdadeira, afinal a sentença o
que é é o objeto do pensamento). O que muda é o não ser (o que não é é que está em
transformação e é capturado pelos sentidos, sendo, portanto, falso). O acesso à verdade do ser se
impressões sensíveis, que são por si só ilusórios, imprecisos e mutáveis (Kirk; Raven; Schofield,
1994).
Zenão (489-430 a.C.), por sua vez, foi discípulo de Parmênides e seu pensamento consiste na
defesa das teorias monistas (sobre o indivisível, o imutável e o verdadeiro) de seu mestre por meio
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paradoxos concluem que não existe movimento e mudança e que esses se tratam de uma confusão
tartaruga e o do arqueiro, com base nos quais ele conclui que cada movimento é constituído por
A respeito de Pitágoras (Samos, 570-496 a.C.), pouco se sabe de sua vida, sendo o
pitagorismo possivelmente uma escola de pensamento e certamente uma seita religiosa secreta,
que no futuro exerceria influência sobre Platão. Pitágoras considera a arché como do âmbito dos
números, das formas geométricas e das suas proporções harmoniosas. A natureza, portanto, é
(século V a.C.), que sugeriu a ideia de movimento da Terra (Kirk; Raven; Schofield, 1994).
Empédocles (Agrigento, 490-435 a.C.) foi político, poeta, médico e cosmólogo e não buscou
um único princípio das coisas. Ao contrário, defendeu que a arché é constituída pelos quatro
elementos: fogo, terra, água e ar. Esses quatro elementos são separados e unidos pelo ódio (que se
forma pelas diferenças) e pelo amor (que reúne as semelhanças). Há em seu pensamento a
divino) entre os quatro elementos (do uno ao múltiplo). Empédocles se aproxima de Parmênides
Anaxágoras (Clazômenas, cerca de 500-428 a.C.), de origem jônia, teria vivido em Atenas por
cerca de 30 anos e por lá fundado uma escola de filosofia. Considera a arché composta de uma
divisível e não do uno e do limitado. A quantidade de coisas no mundo seria, assim, sempre a
mesma, e tudo seria infinitamente divisível. Nessa visão, não existe o nada. Anaxágoras concebe a
Leucipo (Mileto, séc. V a.C.) e Demócrito (Abdera, cerca de 460-370 a.C.) são conhecidos
como atomistas. Segundo esses pensadores, existem dois elementos primordiais para a formação
de todas as coisas: o átomo e o vazio. A arché é tomada com base nos átomos (que, em grego,
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movimento), que se diferem entre si pela forma, tamanho, posição e ordem. Os átomos se
transformar. Tudo quanto existe seria, com isso, resultado de combinações tidas como
decomposição e à morte. A natureza deve ser explicada por si mesma e os acontecimentos não
têm uma causa primeira, contendo, sem exceção, tudo o que foi, é e será. Nessa direção, os
humores humanos, como a felicidade, devem ser compreendidos conforme a composição material
Vamos investigar agora o principal pensador grego, Sócrates, suas ideias e críticas contra os
costumes e visões de mundo dos gregos, baseados na mitologia. Avaliaremos a relação do mestre
com o discípulo, Sócrates e Platão, e por quais motivos o pensamento socrático deu origem a
Sócrates (470-399 a.C.) nasceu em Atenas e era filho de uma parteira. Em grego, maiêutica é
o termo que significa dar à luz, parir. Sócrates compara o aprendizado filosófico ao nascimento ou
parto, de forma que o conhecimento seria, em sua visão, um processo doloroso, até que se
consolide o nascimento do pensamento filosófico nos indivíduos. Sócrates nunca escreveu nada,
pois afirmava que escrever seria uma forma de aprisionar o conhecimento. Sabemos da existência
de Sócrates por meio do trabalho de dois de seus discípulos, Platão e Xenofonte. Platão (428-347
a.C.) foi pertencente a uma família abastada e nobre de Atenas; Xenofonte (430-355 a.C.) foi um
poeta e jurista ateniense. Uma terceira visão sobre quem foi Sócrates foi dada por Aristófanes
(447-385 a.C.), um poeta crítico às ideias do filósofo por considerá-lo subversivo por atacar as
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Platão torna seu mestre, Sócrates, o principal personagem de suas obras, destacando-se, por
exemplo, o livro A república (Platão, 1988). Comentadores da obra de Platão tendem a demonstrar
dois filósofos constitui uma continuidade e certa unidade que dá origem ao complexo de ideias
questionadora, que produziu severas críticas às crenças nos mitos gregos e na política ateniense, a
democracia. Sócrates foi acusado e declarado culpado por corromper a juventude, atacar a
democracia ateniense e o politeísmo grego; opôs-se às duas principais figuras de sua cidade: os
poetas (responsáveis pela manutenção das tradições religiosas baseadas nos mitos) e os sofistas
utópico e idealizado baseado numa monarquia governada por filósofos no lugar, respectivamente,
da democracia e dos sofistas. Sócrates atacou a escravidão nas cidades gregas; defendeu a
participação das mulheres na vida social e política, inclusive a formação de guardiões e guardiãs,
com o fim do casamento monogâmico entre esses guerreiros; propôs que todas as riquezas
fossem confiscadas e administradas pelos filósofos, com o objetivo de se gerar uma cidade justa.
Devido às suas ideias, consideradas radicais, Sócrates foi condenado à morte e envenenado por
ingestão de cicuta. Embora pudesse ter escolhido o exílio, a censura ou o pagamento de uma multa
para se livrar da pena, optou por ingerir o veneno e alcançar a morte, pois considerava a alma e a
razão como eternas e o corpo, os sentidos ou as sensações corporais como corruptíveis, mutáveis e
Para se opor aos discursos convincentes, porém falsos, de poetas e sofistas, voltados a fazer
chamada dialética. Esse método consiste num debate, discussão ou diálogo elaborado por meio de
sucessivas perguntas, sempre realizadas pelo filósofo, que têm como objetivo questionar e
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conduzir à contradição as opiniões (doxa) das pessoas comuns, principalmente poetas e sofistas.
Sócrates e Platão opõem a dialética, relacionada à filosofia e à razão (logos), à opinião (doxa),
considerada vaga, ignorante e equivocada porque vinculada aos mitos, sensações e paixões
humanas. Sócrates deseja que sejamos guiados pela razão, esta sim capaz de conduzir à verdade e
às virtudes, e não pelas paixões ou emoções, fontes de todo erro e de vícios que corrompem o bem
verdade da aparência, por meio da oposição entre o que denominaram mundo sensível e mundo
inteligível (ou mundo das ideias). O sensível corresponderia a tudo o que é concreto, físico,
material e sensível (as nossas sensações corporais), aos objetos sensíveis diante dos nossos olhos
e demais sentidos. Tudo que pertence a esse mundo, o mundo material, está em transformação, é
transitório e muda. Quando somos guiados pela sensibilidade (os sentidos), somos conduzidos,
logo, ao erro, pois somos influenciados pelas emoções (elementos presentes no mito e no discurso
dos sofistas). O mundo sensível, portanto, seria dominado pelas aparências, segundo essa linha de
pensamento, posto que o que é transitório e muda a todo instante, como os nossos sentimentos,
não pode corresponder à verdade. As aparências e os sentidos podem produzir os vícios, já que
acomodam o corpo e a mente. Os vícios seriam paixões produzidas pelos sentidos, fazendo do
indivíduo escravo do prazer. O mundo sensível deve ser, assim, relacionado à noção de simulacro
O mundo inteligível, por sua vez, só seria acessível por meio do uso da razão. Nesse mundo
estão as verdades, também chamadas de essências, formas ou ideias. A verdade seria eterna,
imutável e universal, não se transformando jamais, o que a diferiria das aparências presentes no
mundo sensível. A razão, por conduzir o homem à verdade, produziria as virtudes e guiaria a vida
para o bom caminho e não para os vícios. Segundo Marilena Chauí (1994, p. 269-270):
Eis por que a ontologia platônica introduz uma divisão no mundo, afirmando a existência de dois
primeiro é o mundo das coisas. O segundo, o mundo das ideias ou das essências verdadeiras. O
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mundo das ideias ou das essências é o mundo do Ser; o mundo sensível das coisas ou aparências
é o mundo do Não-Ser. O mundo sensível é uma sombra, uma cópia deformada ou imperfeita
Platão concebia a noção de imortalidade da alma e uma doutrina de reencarnação das almas
pela qual indivíduos dedicados à razão, à filosofia e à virtude tenderiam a alcançar o mundo
inteligível após a sua morte, tomando conhecimento pleno do que seja a verdade, a justiça, o bem,
o belo e Deus. É importante ressaltar que Sócrates e Platão são os primeiros filósofos a
monoteísmo é defendido pelos dois filósofos porque Deus deve ser único, eterno, imutável e seus
Segundo Châtelet (1994), como a relação entre corpo e alma é acidental, quando nossa
existência é dada ainda no mundo sensível apenas é possível alcançar as ideias originais, essências
ou formas do mundo inteligível com o uso da razão, por exemplo, a essência ou o pensamento
perfeito da ideia de uma mesa, casa, ser humano, números ou formas geométricas. As ideias são
perfeitas; porém, no mundo sensível, não encontramos seus correspondentes, a não ser cópias
malfeitas e degeneradas das essências. Além disso, o mundo sensível apresenta dois patamares. O
primeiro deles corresponde ao dos objetos físicos, cópias distorcidas das ideias originais. O
segundo patamar diz respeito aos discursos dos poetas e sofistas, considerados do mais elevado
patamar de mentira, cópias das cópias, que revelam o que há mais falso, levando os indivíduos ao
erro e à ignorância.
A Figura 1 permite compreender as distinções entre os dois mundos avaliados por Sócrates e
Platão.
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Dessa forma, no mundo inteligível estariam nossas ideias originais. É o que se chama de logos
(razão, ciência, conhecimento, discurso racional que nos leva à verdade, ou seja, elementos da
atividade do filósofo). Já no mundo sensível (ou das aparências) apenas vemos as cópias das ideias,
Vamos estudar agora uma das narrativas mais conhecidas da história da filosofia. Platão e
Sócrates comparam o mundo sensível a uma prisão por meio da chamada alegoria da caverna,
presente no Livro VII da obra A república (Platão, 1988). A alegoria trata de indivíduos que viveram
toda a sua existência acorrentados no interior de uma caverna, ou seja, aprisionados pelas paixões
e sensações, e que apenas poderiam olhar para frente, onde eram projetadas sombras, na parede
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da caverna que habitavam. Assim, essas pessoas tomavam as sombras e aparências como se
fossem verdadeiras, sem saber que atrás deles havia outros indivíduos (leiam-se, sofistas e poetas)
manipulando, na frente de uma fogueira, objetos que davam origem às sombras projetadas na
percebe então que havia sido sempre enganado, tomando as aparências como se fossem a
realidade. Decide, depois disso, sair da caverna, para encontrar as ideias, as formas, isto é, a
realidade fora da prisão, e enfim observa a luz do Sol, que representa a verdade, o belo, o bem e a
justiça. O filósofo toma a difícil decisão de retornar à caverna para advertir seus antigos
companheiros a respeito do fato de que estavam sendo enganados, acreditando que as sombras
eram verdadeiras. Ao retornar, esses companheiros não acreditam em suas palavras: acabam por
Sócrates, ou seja, a oposição entre os mundos sensível (a caverna) e inteligível (fora da caverna,
onde há a luz do Sol). Além disso, a mesma alegoria expressa como se deu a morte de Sócrates,
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que, por utilizar a razão e contestar poetas e sofistas, foi condenado ao envenenamento por cicuta,
em Atenas.
NA PRÁTICA
verbetes, relacionando-o da seguinte maneira ao fenômeno das fake news: “Post-truth (pós-
verdade): relativo ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes
na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais” (Word, 2016, tradução nossa). A
noção de pós-verdade diz respeito ao processo de deslegitimação das ciências, de certezas
racionais em nome de opiniões falsas, passionais e geradoras de notícias falsas (as fake news).
Seria possível relacionar a noção de pós-verdade com os problemas identificados por Sócrates em
relação às opiniões dos sofistas? Investigue uma fake news que tenha sido abordada criticamente
por meios de comunicação (jornais, revistas, sites de notícias e afins) e, em seguida, faça uma
inteligível.
FINALIZANDO
Nesta aula, estudamos o surgimento da filosofia ocidental, com base nos pensadores gregos.
Avaliamos que o discurso filosófico na Grécia apareceu com os filósofos conhecidos como pré-
socráticos, que foram responsáveis por produzir reflexões de teor racional, sobre a natureza, em
oposição às intepretações de cunho fantástico e sobrenatural presentes nos mitos. Investigamos a
a. construção de uma teoria do conhecimento que supõe uma rígida separação entre corpo
b. crítica da democracia e proposição de um regime político fundado na razão e não mais nos
mitos, modelo que subverteu as tradições gregas ao elaborar sistemática oposição aos mitos,
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REFERÊNCIAS
CHÂTELET, F. Uma história da razão: entrevistas com Émile Noël. Rio de Janeiro: Jorge
Zahar, 1994.
DELEUZE, G.; GUATARI, F. O que é filosofia? São Paulo: Editora 34, 1991.
_____. Teogonia. Tradução e estudo: Jaa Torrano. São Paulo: Iluminuras, 2003.
JAEGER, W. Paideia: a formação do homem grego. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
_____. O Universo, os deuses, os homens. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
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