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FILOSOFIA
AULA 3

Prof. Paulo Niccoli Ramirez

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CONVERSA INICIAL

TEORIAS DO CONHECIMENTO

O objetivo da aula é compreender teorias do conhecimento que despertaram a partir do

pensamento moderno. Quando falamos de teoria do conhecimento, estamos preocupados com a

questão que envolve quais são os elementos e condições necessárias para que existam ideias e

pensamentos em nossa mente. Veremos no primeiro tema dessa aula que o pensador francês do

século XVII, René Descartes e pai da corrente chamada “racionalismo”, afirma que as ideias

verdadeiras têm origem na própria mente e estão conosco desde o nosso nascimento. O chamado

empirismo inglês, que será abordado no Tema 2, teve origem com Bacon ainda no século XVI, mas

obteve seu maior desenvolvimento no século seguinte com Locke e Hume. Esta corrente

promoveu críticas à concepção cartesiana ao considerar que a origem das ideias são as

experiências sensíveis ou corporais, isto é, as sensações formam as ideias.

Estudaremos no Tema 3 como Kant foi o grande responsável na solução da disputa entre

empiristas e racionalistas com a obra Crítica da Razão Pura no final do século XVIII. Além disso,

Kant fez contundente crítica ao pensamento metafísico, impondo limites à razão e

consequentemente afastou da filosofia qualquer possibilidade de especulação sobre a existência

de Deus, do Ser ou da natureza humana.

No Tema 4, abordaremos o modo como o pensador alemão Hegel (1770- 1831) elaborou a

concepção dialética a partir de bases idealistas para conceber sua teoria do conhecimento. No

Tema 5, veremos a oposição de Marx (1818-1883) ao idealismo de Hegel com a elaboração do que

designou como materialismo histórico-dialético. Com a oposição entre a dialética idealista de

Hegel e a dialética materialista de Marx, identificaremos que para a primeira das teorias, a origem

do pensamento humano é meramente subjetiva, ou seja, emana de concepções metafísicas. Para o

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materialismo de Marx, a origem de nossas ideias e comportamentos são as relações econômicas

ou materiais, portanto, a forma como a economia e o trabalho estão organizados a partir das

relações sociais concretas, jamais a partir de concepções meramente ideais.

TEMA 1 – O RACIONALISMO DE DESCARTES

Créditos: Pict Rider/Adobe Stock.

Legenda: Descartes (1596-1650) é o mais importante filósofo francês do século XVII. É

considerado o fundador do racionalismo na modernidade.

Veremos no primeiro tema a relevância de Descartes (1596–1650) para a construção de novos

alicerces no que diz respeito à teoria do conhecimento. Isto porque na Antiguidade e Idade Média,

tanto os pensadores gregos quanto os clérigos da Igreja Católica, indicavam que a origem do

pensamento, das ideias e da ordem do mundo derivavam necessariamente de Deus ou de alguma

entidade divina, que era o caso de Platão, que tomava o Mundo Inteligível como dotado de todas as

verdades. Deus era tomado como criador do mundo e da natureza ou Primeiro Motor do Universo,

conforme indicava Aristóteles, e era reafirmado por muitos teólogos medievais. Nessa estrutura

de pensamento, a humanidade era tomada como passiva em relação a Deus ou à própria natureza.

A novidade trazida por Descartes no século XVII foi a afirmação de que a origem das ideias e dos

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pensamentos não seria Deus, senão o próprio indivíduo, fundando aquilo que o pesquisador

Franklin Leopoldo Silva (2001) designa como a “metafísica da modernidade”.

Descartes estabelece uma nova teoria do conhecimento à medida que afirma a mente ou a

razão humana como protagonista principal do conhecimento, sendo Deus e as leis da natureza

secundárias diante das verdades e saberes produzidos de forma inata pela consciência. Vamos

investigar de forma mais detalhada estes elementos a partir de agora.

1.1 O QUE É O RACIONALISMO?

Antes de compreender o significado do que vem a ser o “racionalismo”, é preciso distinguir

esse termo de outras duas palavras que se parecem, mas possuem significados diferentes.

Estamos nos referindo aos termos “racionalidade” e “racionalização”. Embora os termos se

assemelhem, os sentidos são bem diferentes. O “racionalismo” é uma teoria filosófica criada no

século XVII por René Descartes, cuja principal característica é afirmação da existência de ideias

inatas, ou seja, ideias com as quais já nascemos e que não dependem do aparelho sensorial ou dos

sentidos (paladar, tato, olfato, audição ou visão) para se constituírem em nossa mente. O

racionalismo, portanto, estabelece que a razão humana é a origem de todas as verdades existentes

na própria mente, não derivando de Deus ou do corpo. O racionalismo, por isso, é também

conhecido como uma teoria “inatista”.

Já o termo “racionalidade” é genérico e designa qualquer emprego ou modalidade de uso da


razão. Dessa forma, o racionalismo de Descartes seria uma variação do uso da racionalidade, tal

como o pensamento de Platão ou Aristóteles, que empregam cada um ao seu modo da

racionalidade para a compreensão do mundo e da própria subjetividade humana. Mesmo a

teologia medieval, responsável por promover a argumentação racional sobre a existência de Deus

seria também uma variação do uso da “racionalidade”. Por fim, o termo “racionalização” passou a

ser empregado com maior vigor no século XIX na cultura ocidental. Seu significado está

relacionado a um processo de modernização ou aperfeiçoamento, seja do Estado ou mesmo de

instituições privadas. Nesse sentido, utilizar a palavra racionalização expressa um movimento de

melhoria que implica no desenvolvimento de uma determinada organização ou sistema de mundo.

1.2 O COGITO

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Descartes é um pesador francês que durante a sua infância e juventude estudou num colégio

Jesuíta chamado La Fleche, no início do século XVII. Nesse colégio, aprendeu a Escolástica e,

portanto, uma série de concepções científicas depois criticadas pela ciência de Copérnico e Galileu,

conforme estudamos anteriormente. Descartes se defrontou com duas visões opostas: de um lado,

a Escolástica, que tomava a ordem da natureza a partir de Deus; do outro, uma nova ciência

inaugurada por Copérnico e Galileu, que concedia maior autonomia intelectual ao gênio humano e

se afastava de explicações dos fenômenos da natureza a partir da causalidade divina.

Ainda jovem, Descartes conviveu diante de uma grande dúvida, isto é, em qual das duas

concepções de mundo deveria confiar: na tradição da Escolástica ou na nova ciência. Esse dilema

fez com que despertasse nele o projeto de refundar toda a filosofia, relato presente nas obras

Discurso do Método (1973) e Meditações Metafísicas (1973), publicadas respectivamente nos anos
de 1637 e 1641. A refundação da filosofia deveria partir da dúvida radical, também chamada de

“dúvida hiperbólica”, o que significa dizer que é necessário duvidar de absolutamente tudo: Deus

existe? Como diferenciar o sonho da realidade? O mundo a minha volta é real? Eu existo? Seria eu

um louco imaginando um mundo que parece ser real? Deus poderia ter inventado um mundo para

nos ludibriar? A dúvida passa a ser empregada como método filosófico.

Segundo Descartes, a principal função da dúvida é afastar os raciocínios equivocados e

permitir que os verdadeiros sejam encontrados. Ao promover a dúvida hiperbólica, o filósofo

constata que ao duvidar de tudo ou mesmo que estejamos nesse momento no meio de um sonho

imaginando uma aula de filosofia, há um elemento encontrado na dúvida que se estabelece como

verdadeiro. Trata-se do cogito, termo que em latim pode ser traduzido como pensar, refletir,

duvidar ou qualquer outra operação da mente. Descartes constata a primeira verdade, “Penso,

logo existo” (Cogito ergo sum em latim, que poderia ser traduzido também como “duvido, por isto

sou”). A constatação do chamado cogito cartesiano revela que mesmo que tudo seja uma farsa, ou

que Deus tenha inventado um mundo para nos enganar, ainda que sejamos loucos e imaginemos

ou sonhemos um mundo irreal; ou mesmo que as impressões sensoriais sejam mentirosas, não se

pode duvidar da própria dúvida ou do próprio pensamento. A dúvida (ou cogito) torna-se a

primeira verdade, antes que se constate a existência de Deus ou se o mundo em nossa volta é real.

Nas Meditações Metafísicas (1973), Descartes afirma:

Fecharei agora os olhos, tamparei meus ouvidos, desviar-me-ei de todos os meus sentidos,

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apagarei mesmo de meu pensamento todas as imagens de coisas corporais, ou, ao menos, uma
vez que mal se pode fazê-lo, reputá-las-ei como vãs e como falsas; e assim, entretendo-me

apenas comigo mesmo e considerando meu interior, empreenderei tornar-me pouco a pouco
mais conhecido e mais familiar a mim mesmo. Sou uma coisa que pensa, isto é, que duvida, que

afirma, que nega, que conhece poucas coisas, que ignora muitas, que ama, que odeia, que quer e

não quer, que também imagina e que sente. Pois, como notei acima, conquanto as coisas que
sinto e imagino não sejam talvez absolutamente nada fora de mim e nelas mesmas, estou,

entretanto, certo de que essas maneiras de pensar, que chamo sentimentos e imaginações,
somente na medida em que são maneiras de pensar, residem e se encontram certamente em
mim. E nesse pouco que acabo de dizer, creio relatado tudo o que sei verdadeiramente, ou, pelo

menos, tudo o que até aqui notei que sabia. (Descartes, 1973, p. 27)

O cogito revela ser parte integrante do que se entende como racionalismo. Trata-se de uma

ideia inata com a qual já nascemos e que não depende das sensações ou do mundo externo para

existir. Descartes funda uma metafísica moderna, afirma Franklin Leopoldo (2001), à medida que a

primeira verdade é o próprio pensamento ou dúvida, e não a existência de Deus. Antes de tudo,

somos uma substância ou coisa pensante (rex cogitans), que se distingue de tudo o que é material

ou corporal (rex extensa). Descartes considera outras ideias inatas além do cogito, como a ideia de

Deus, do infinito e absoluto, as formas geométricas perfeitas ou os números, uma vez que

sonhando ou acordado, sendo ou não o mundo a minha volta real, o triângulo sempre terá três

lados e 2+2 sempre será necessariamente igual a 4.

Descartes buscará comprovar a existência de Deus como uma verdade secundária. Seu

raciocínio gira em torno de reconhecer que nosso pensamento (o cogito) alcança no máximo como

primeira verdade o próprio pensamento ou dúvida. No entanto, o filósofo reconhece que somos

seres finitos e limitados, de modo que mesmo que tudo o que esteja a nossa volta seja uma ilusão,

não poderia ter sido nosso pensamento o responsável pela criação de cada detalhe dessa suposta

realidade. Dessa forma, nossa mente não poderia ter dado origem a cada folha presente em todas

as árvores e muito menos a criadora de cada página e letra de um determinado livro. Por ser

limitada e finita, não se pode dizer que nossa mente seria a responsável por elaborar a

multiplicidade de detalhes presentes no mundo.

Descartes reconhece que apenas um ser infinito, absoluto e superior, portanto Deus, poderia

ter dado origem ao mundo, ainda que ele possa ser uma ilusão. O filósofo ainda especula se

poderia haver um Deus maligno ou um Gênio enganador que teriam criado este mundo para

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ludibriar os indivíduos. Descartes abandona estas hipóteses e reconhece a existência de Deus

porque um ser absoluto e infinito apenas poderia ser necessariamente bom, de modo que o mundo

diante de nossos olhos não pode ser uma ilusão, senão uma realidade, pois Deus sendo infinito é

bom e não inventaria um mundo para nos enganar.

O que importa destacar nesse movimento do pensamento de Descartes é que o cogito

apresenta-se como a primeira verdade, e Deus, a segunda. Deus é um intermediário entre a

existência do cogito e o mundo concreto, físico ou a natureza, por ser Seu criador.

TEMA 2 – O EMPIRISMO BRITÂNICO

Investigaremos no tópico 2 da aula uma linha de pensamento filosófica que se tornou oposta

ao racionalismo cartesiano, principalmente durante o século XVII na Inglaterra. Trata-se do

empirismo. Inaugurado por Francis Bacon ainda no século XVI, esta teoria ganhou maior vigor no

século seguinte nas mãos de John Locke e David Hume, conforme veremos a seguir. Mas o que

define o empirismo? Estudaremos que o empirismo parte do pressuposto de que todas as ideias

constituídas na nossa mente não são inatas, ou seja, não são ideias com as quais já nascemos,

senão sua origem remete às sensações corporais. Trata-se uma filosofia que se opõe ao

cartesianismo. Vamos aprofundar o tema.

2.1 A HERANÇA EXPERIMENTAL NO PENSAMENTO DE FRANCIS BACON

Em grego, o termo empeiria significa experiência. Francis Bacon (1561-1626) é considerado o

fundador do empirismo inglês, sobretudo quando escreve a obra Novum Organum (1999) no ano

de 1620. O pensador foi um nobre inglês que (acredita-se) tenha estudado em Florença, onde teve

contato com a ciência experimental de Galileu. Lembremos que Galileu é o pai dos procedimentos

experimentais na ciência, segundo os quais o conhecimento apenas pode ser obtido por meio da

reprodução artificial dos movimentos e fenômenos da natureza, ou seja, experimentos.

Impactado por esta concepção, Bacon leva a noção de experimentação científica para a

Inglaterra e expandiu esta concepção ao adotá-la no campo da teoria do conhecimento. Isto

porque a noção de experiência não se limita apenas à revelação de elementos científicos. A noção

de experiência abarca igualmente a constatação de que nossas ideias têm origem nas sensações ou

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experiências sensoriais. Segundo Bacon, todo conhecimento deve ser baseado em dados da

experiência.

É interessante notar que o empirismo inglês se constitui como uma espécie de consenso em

diferentes campos do conhecimento. Por exemplo, a noção de experimentação influenciou o

desenvolvimento de máquinas que servirão nos séculos XVIII e XIX à Revolução Industrial, que

surgiu na Inglaterra. O empirismo influenciou teorias políticas e econômicas como o liberalismo

político de John Locke (que será discutido futuramente) e o liberalismo econômico de Adam Smith

(1723-1790). Estas teorias pressupõem que é por meio da experiência e da posse ou propriedade

do corpo que é possível trabalhar e gerar riqueza e liberdades individuais.

2.2 O EMPIRISMO DE LOCKE E A TÁBULA RASA

Créditos: Georgios Kollidas/Adobe Stock.

Legenda: John Locke foi o principal pensador inglês a criticar o racionalismo de Descartes.

 Em 1695, John Locke (1632-1704) escreveu a obra Ensaio acerca do Entendimento Humano

(1999). A mais famosa tese do empirismo desenvolvida por John Locke é a “tabula rasa”. Trata-se

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da crítica ao cogito e o inatismo cartesianos. Considera que todas as ideias têm origem nas

experiências sensíveis. A mente é como uma folha em branco, por isso o termo “tábula rasa”, que é

preenchida a partir das sensações (os cinco sentidos), sendo a memória o elemento-chave para a

recordação e justaposição de sensações. Com este conceito, o filósofo queria dizer que ao

nascermos não temos nenhum princípio ou ideia inata e tudo que aprendemos e processamos em

nossa mente é originado com base nas experiências feitas e adquiridas durante a vida. Locke é um

dos pioneiros no estudo da percepção e formação de ideias em cegos, percebendo a formação de

ideias na mente por meio da sensorialidade.

Todas as ideias derivam da sensação ou reflexão. Suponhamos, pois, que a mente é, como
dissemos, um papel em branco, desprovida de todos os caracteres, sem nenhuma ideia; como

ela será suprida? De onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e ilimitada fantasia do

homem pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde apreende todos os materiais da
razão e do conhecimento? A isso respondo, numa palavra: da experiência. Todo o nosso

conhecimento está nela fundado, e dela deriva fundamentalmente o próprio conhecimento.


Empregada tanto nos objetos sensíveis externos como nas operações internas de nossas

mentes, que são por nós mesmos percebidas e refletidas, nossa observação supre nossos

entendimentos com todos os materiais do pensamento. Dessas duas fontes de conhecimento


jorram todas as nossas ideias, ou as que possivelmente teremos. (Locke, 1999, p. 57)

Locke opõe a tábula rasa ao cogito cartesiano. De um lado, temos com Locke a noção de que

todas as nossas ideias e tudo o que somos derivam das sensações; do outro lado, o racionalismo

cartesiano afirma a existência do inatismo, considerando que todas as ideias verdadeiras em nossa

mente surgiram do próprio pensamento e não têm vínculos com a experiência sensorial.

2.3 O EMPIRISMO DE DAVID HUME

O pensador escocês David Hume (1711-1776) escreveu em 1739 a obra Tratado da Natureza

Humana (2002). Na realidade, Hume não realiza críticas aos seus antecessores defensores do
empirismo, senão uma espécie de aprimoramento dessas concepções. Avança na concepção de

empirismo à medida que a novidade passa a ser apresentação de que a formação das ideias em

nossa mente não depende unicamente das sensações, mas também dos hábitos ou costumes

causados por estas experiências e que acabam por produzir ideias cada vez mais complexas na

mente. Por exemplo: como sabemos que amanhã devemos trabalhar? O que garante que o Sol

despertará todos os dias?

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Para o empirista David Hume, as impressões são obtidas pela experiência, isto é, pela

sensação, percepção e pelo hábito. Estas condicionam a memória por meio de um processo de

associação de ideias. É assim que se formam os pensamentos cada vez mais complexos. O próprio

hábito de associar ideias, pelas diferenças ou semelhanças, formam as noções presentes na mente.

Hume lembra como um jogador de bilhar aprimora seu jogo por meio do hábito ao lado da

experiência. Ele não utiliza instrumentos geométricos para ser habilidoso. Sua habilidade é

adquirida por meio da experiência e sucessivos erros, tentativas e acertos que conduzem a práticas

e habilidade incríveis.

TEMA 3 – O CRITICISMO DE KANT E O FIM DA METAFÍSICA

Créditos: pict rider/Adobe Stock.

Legenda: Kant é considerado um pensador que solucionou a disputa entre empiristas e

racionalistas. Foi também responsável por liquidar especulações metafísicas no pensamento

ocidental.

Apresentaremos o pensamento do filósofo alemão Kant (1724-1804) e a sua obra Crítica da

Razão Pura (2012) publicada em 1781. Essa obra é considerada uma das mais importantes do
pensamento filosófico moderno por dois grandes motivos. O primeiro deles gira em torno do fato

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de que Kant foi o responsável por afastar as explicações metafísicas da filosofia, o que significa

dizer que especular sobre a existência de Deus, do Ser ou da natureza humana são temas muito

subjetivos para que nossa razão possa dar um veredito último ou absoluto a respeito. Kant

também protagonizou uma solução para o debate entre empiristas e racionalistas sobre a origem

das ideias. Vamos agora compreender as reflexões de Kant.

Na Crítica da Razão Pura, Kant procura superar a dicotomia ou oposição entre o racionalismo e

o empirismo que percorria toda a filosofia dos séculos XVII e XVIII. Kant procura investigar as

possibilidades e os limites do conhecimento efetivo e absoluto, afirmado pelos racionalistas e

negado pelos empiristas. O filósofo alemão teve sua atenção despertada para o problema do

conhecimento após ler a obra do empirista Hume, que, segundo o próprio Kant, o acordou do

“sonho dogmático”, ou seja, o fez criticar certas presunções da razão (pura) ao tentar explicitar

elementos subjetivos como a existência de Deus, o que é o infinito ou mesmo o que é o Ser ou a

natureza humana.

A solução para a oposição entre o racionalismo e o empirismo foi chamada por ele mesmo de

“Revolução copernicana da filosofia”, numa referência à revolução científica feita por Copérnico no

campo da astronomia e que mudou os paradigmas do conhecimento humano, pois alterou a visão

sobre mundo e da posição que a humanidade ocupa no universo. O primeiro passo para

compreender a “crítica da razão pura” é promover a diferença entre “a coisa em si” e o

“fenômeno”, conforme o esquema a seguir:

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A diferença apontada por Kant entre “a coisa em si” e o “fenômeno” revela que o primeiro

conceito é inalcançável pela nossa mente, demonstrando os limites da razão. A questão sobre a

existência de Deus ou da alma deixa de ser relevante para a filosofia. Não significa dizer que a

filosofia não possa se questionar sobre Deus, a alma ou a essência de todas as coisas, senão

conduz à constatação de que a mente é limitada e incapaz de dar uma resposta certa e segura a

respeito. A crítica da razão pura procura questionar os subjetivismos da própria razão. Ao verificar

que é impossível conhecermos “a coisa em si”, nos aproximamos do ato de perguntar se o número

de estrelas em todo universo é par ou ímpar. Kant reconhece que a razão humana está limitada a

conhecer os “fenômenos”. Para a filosofia, um fenômeno não tem relação com o que

consideramos fenomenal, uma exceção ou evento fantástico. Fenômeno designa tudo aquilo que

se manifesta e que é apreensível pelas nossas sensações e pensamentos, tal como o latido de um

cachorro, a chuva, uma folha em branco ou mesmo esse texto que você lê agora.

O fato é que depois de Kant nunca mais nenhum outro grande pensador da cultura ocidental

procurou provar ontologicamente (ciência do ser) a existência de Deus, ou discutir o que é a alma

ou a natureza humana. Essas concepções representam a razão pura ou “a coisa em si”. O filósofo

Lebrun expôs de forma interessante esta abordagem no seu conhecido livro intitulado Kant e o fim

da metafísica (1993).

Do ponto vista estético, na obra Crítica da faculdade do Juízo (1995), publicada em 1790, Kant

afirma que o belo é uma experiência subjetiva particular. Não há uma noção universal de belo que

seja eterna, imutável ou absoluta. O belo tem origem na forma como uma obra se manifesta frente

à percepção de cada indivíduo.

De certo modo, Kant tentou provar que tanto os inatistas (os racionalistas, que consideravam

certas ideias inatas na alma) quanto os empiristas estavam errados. Não há ideias inatas, conforme

concebia Descartes, mas nossa mente tampouco não é uma tábula rasa, como queria Locke. Ou

seja, os racionalistas diziam que os conteúdos do conhecimento são inatos; os empiristas

afirmavam que eram adquiridos pela experiência. Kant postula que a razão é inata, mas é uma

estrutura vazia e sem conteúdo, que não depende da experiência para existir.

Em outras palavras, Kant estabelece que as capacidades mentais (como a noção de tempo,

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espaço, entre outras faculdades) são inatas, porém os conteúdos são apreendidos por meio da

experiência. Desta maneira, a estrutura da razão é inata e universal, enquanto os conteúdos são

empíricos, obtidos pela experiência. Uma metáfora que nos ajuda entender o raciocínio de Kant

seria comparar suas reflexões com o aprendizado de idiomas. Podemos dizer que todos os seres

humanos nascem com a capacidade inata de falar qualquer idioma com facilidade depois de um

momento de aprendizagem na infância. Porém, apenas é possível aprender este ou qualquer outro

idioma se um indivíduo possuir a experiência e vivenciar a cultura em que o idioma é falado por

outros sujeitos. Nesse caso, a capacidade de aprender e falar um idioma é inato, no entanto, só é

possível aprendê-lo empiricamente. Por isso, Kant afirma que as faculdades são inatas e os

conteúdos são apreendidos por meio da experiência.

Segundo o filósofo, não podemos conhecer a realidade das coisas e do mundo, o que ele

chamou de noumeno, “a coisa em si”. A razão humana só pode conhecer aquilo que recebeu com a

percepção a posteriori, ou seja, os “fenômenos” como cor, tamanho etc.  As formas são inatas (a

priori), elementos que organizam o conhecimento como o tempo e o espaço, os sentidos, a


capacidade de julgar, constituem o sujeito do conhecimento. Dessa forma, Deus não pode ser

comprovado pela razão ou pela experiência. A realidade não está nas coisas (já que não as

podemos conhecer em última análise), mas em nós, porque vemos o mundo “filtrado e

processado” pela nossa razão e sentidos. Depois de Kant, a Teoria do Conhecimento tomou um

rumo diferente se comparada ao racionalismo e empirismo. A solução dada ao tema pelo filósofo

não eliminou as discussões e os questionamentos, mas deu-lhes um limite. Eis a Crítica da Razão

Pura.

TEMA 4 – A DIALÉTICA DE HEGEL

Veremos no Tema 4 o pensamento de Hegel (1770- 1831), um importante intelectual alemão

responsável por conceber um novo método de análise da história e da construção das ideias. Esse

método é a dialética. A obra-prima de Hegel é a Fenomenologia do Espírito, publicada (1974) em

1807.

Em Hegel a lógica dialética representa o movimento da história dado pela oposição entre tese,

antítese e síntese. “Dialética” significa conflito, contradição ou antagonismo. Em alemão, dialética

(Aufhebung) poderia ser traduzida ao mesmo tempo como construir, destruir e elevar (ou superar).

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A dialética diferencia-se do determinismo ou da causalidade porque não se limita à relação causa e

feito ou ação e reação.

A dialética hegeliana é conhecida como idealista. Isto porque a obra de Hegel é tida por

muitos estudiosos como o “último suspiro” da metafísica na filosofia ocidental. Hegel estabelece a

existência do que designa como “Espírito Absoluto”, uma figura ideal e racional, origem de toda a

realidade e conquistas racionais. O Espírito Absoluto é uma entidade divina, um Deus, é racional e

anterior à existência humana, mas se realiza progressivamente na história por meio da ação de

certos indivíduos extraordinários. Hegel afirma que o Espírito Absoluto é capturado de forma

gradual e fragmentada por meio de indivíduos excepcionais, ilustres e raros (poetas, filósofos,

líderes religiosos ou políticos).

Seu idealismo se deve ao fato de que a origem da realidade e de todas as ideias são o Espírito

Absoluto, por isto afirma várias vezes na obra: o que é real é racional e o que é racional é real, o que

significa dizer que primeiro a ideia ou a razão formam e transformam o mundo material ou

concreto e, em seguida, a realidade, ao entrar em confronto dialético com a razão, passa a exigir a

elaboração de novas ideias, e assim sucessivamente. O esquema a seguir revela que a razão e as

ideias constituem o mundo, entram em contradição com ele, transformando-o e em seguida

surgem novas transformações nas ideias. Trata-se de um movimento de retroalimentação, cujo

ponto de partida, segundo Hegel, é sempre a razão ou o chamado Espírito Absoluto:

Hegel indica que quem faz a história são os indivíduos excepcionais. Foram responsáveis por

introduzir ao restante da humanidade a racionalidade, conduzindo-a à marcha do progresso da

história, rumo à perfectibilidade. Cada um dos indivíduos excepcionais contribuiu com o progresso

humano capturando uma ideia, uma parte ou um fragmento do Espírito Absoluto, como se

estivessem montando um mosaico. Indivíduos ilustres capturam um fragmento ou uma parte do

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Espírito Absoluto. De forma permanente, cada parte capturada se opõe à anterior, dando origem a

um novo elemento. Um exemplo disso seriam as oposições entre a visão espiritualista de Platão e

o materialismo de Aristóteles; ou mesmo a disputa entre racionalistas e empiristas e a solução

dada por Kant, como síntese dessa contradição. O progresso da humanidade se dá por meio da

realização do Espírito Absoluto na história. O movimento da história é o resultado do choque de

ideias. A dialética promove o processo de aperfeiçoamento da humanidade na história.

TEMA 5 – A DIALÉTICA DE MARX

Créditos: >Georgios Kollidas/Adobe Stock.

Legenda: Marx elaborou na filosofia o materialismo histórico-dialético.

O Tema 5 é dedicado ao estudo da contribuição de Karl Marx (1818-1883), também pensador

alemão, para a construção de uma inovadora teoria do conhecimento. Em sua juventude, o

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pensador buscou inverter a dialética hegeliana, de caráter idealista, conforme vimos. No seu lugar,

Marx propôs uma nova abordagem dialética, que foi denominada como materialismo histórico-

dialético. Vamos aprofundar o tema.

Embora Marx seja mais conhecido por suas concepções revolucionárias socialistas e crítica ao

capitalismo, é importante frisar que em sua juventude três escritos formam o que pode se verificar

como sendo as bases filosóficas que constituem o materialismo histórico-dialético. Estes textos

foram publicados postumamente: Crítica da Filosofia do Direito de Hegel (2005), escrita em 1843,

porém apenas publicada na União Soviética em 1927; Manuscritos econômicos-filosóficos (2005),

texto elaborado em 1844 e publicado pelos soviéticos em 1932; e A ideologia alemã (2007), escrito

em 1845, porém veio a público em 1932.

Nessas obras Marx promoveu a inversão da dialética de Hegel, isto é, colocou-a de ponta-

cabeça, pois considera que a origem de nossas ideias, comportamentos e a forma como a realidade

é organizada pelos indivíduos não têm origem no Espírito Absoluto, senão nas relações sociais a

partir de bases materiais econômicas, ou seja, de acordo como o trabalho e o domínio sobre a

natureza estão organizados. O resultado dessa reflexão é que o indivíduo é dialeticamente

(primeiro) produto da sociedade e (depois) seu produtor.

Quando se considera a formação do indivíduo a partir de bases concretas e econômicas,

estamos nos referindo à noção de que a dialética marxista é materialista, histórica e científica,

opondo-se às interpretações subjetivistas dos idealistas, sobretudo Hegel. Portanto, Marx inverteu

a ordem de raciocínio lógico de Hegel. A origem da realidade não é o Espírito Absoluto ou

concepções ideais, senão as relações econômicas (denominas por Marx como condições

históricas). As condições materiais ou econômicas (ou seja, a maneira como a realidade está

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organizada, a organização entre dominadores e dominados, a posse ou não da propriedade de

terras e o trabalho) determinam primeiro a consciência e, em seguida, a consciência entra em

contradição com a realidade, transformando-a, e assim sucessivamente.

Trata-se de uma abordagem histórica (materialista) e científica da constituição da consciência.

Marx estabelece que a organização do trabalho e o modo como a natureza é transformada (a

economia) constituem e modelam a consciência humana, que passa em seguida a transformar a

realidade. No primeiro volume da obra O Capital (1995), publicada em 1867, Marx denomina a

economia como “infraestrutura”, a qual influencia a chamada “superestrutura” (são as demais

esferas sociais: a política, religião, cultura, educação, artes, subjetividades etc.).

Hegel afirmava que apenas os indivíduos excepcionais fazem a história, capturam o Espírito

Absoluto e o distribuem aos demais indivíduos comuns. Na obra O 18 Brumário de Luís Napoleão

(1997), Marx inverte essa premissa, considerando que todos os indivíduos fazem a História: "Os

homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob

circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e

transmitidas pelo passado" (Marx, 1997, p. 21).

NA PRÁTICA

É possível que nos deparemos com discursos que de alguma forma reproduzam argumentos

próximos aos expostos pelos racionalistas, empiristas, kantianos, hegelianos e materialistas

histórico-dialéticos. Elabore por meio de uma expressão artística (vídeo, quadrinhos, charges,

entre outras) um diálogo entre pelo menos duas das correntes estudadas nesse capítulo. O

objetivo é que você traduza numa forma estética o que aprendemos na aula, tendo como foco a

questão: qual é a origem de nossos pensamentos e comportamentos?

FINALIZANDO

Estudamos com o primeiro tema o racionalismo de Descartes e elaboração do argumento a

respeito da existência do cogito enquanto primeira verdade. Em seguida, analisamos as

contestações dos empiristas na Inglaterra contra o racionalismo cartesiano. Verificamos que os

empiristas rejeitam a existência de ideias inatas e afirmam que todos os pensamentos têm origem

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nas experiências sensíveis ou corporais. No Tema 3 foi investigada a solução para a oposição entre

empiristas e racionalistas por meio da obra Crítica da Razão Pura, de Kant, responsável por impor

limites às especulações racionais, sobretudo a metafísica. O Tema 4 dedicou-se ao estudo da

dialética hegeliana e seu teor idealista, enquanto o Tema 5 refletiu sobre a constituição do

materialismo histórico-dialético de Marx.

REFERÊNCIAS

BACON, F. Novum Organum ou Verdadeiras interpretações acerca da natureza. São Paulo:


Nova Cultural, 1999.

DESCARTES, R. Meditações metafísicas. In: Os pensadores, vol. XV. São Paulo: Abril Cultural,
1973.

HEGEL. A fenomenologia do espírito. In: Os pensadores, vol. XXX. São Paulo: Abril Cultural,

1974.

HUME, D. Tratado da Natureza Humana. Tradução de Débora Danowski. São Paulo: Editora

da Unesp, 2002.

KANT. Crítica da faculdade do juízo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

KANT. Crítica da razão pura. Rio de Janeiro: Vozes, 2012.

LEBRUN, G. Kant e o fim da metafísica. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

LOCKE, J. Ensaio acerca do entendimento humano. São Paulo: Cultural,

1999.

MARX, K. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.

MARX, K. El capital (Livro 1). México: Fondo de Cultura Económica, 1995.

MARX, K. Crítica da filosofia do direito de Hegel. São Paulo: Boitempo, 2005.

MARX, K. O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.

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SILVA, F. L. e. Descartes: a metafísica da modernidade. São Paulo: Ed. Moderna, 2001.

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