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Compreende-se como filosofia moderna, toda a filosofia desenvolvida no período entre o século
XV e XIX, o início dessa era pode ser relacionado com o início do Renascimento. Apesar de uma
denominação comum as teorias propostas por essa corrente de pensamento não são
homogêneas, apresentando inclusive diversos fragmentos filosóficos distintos que são: Filosofia
do Renascimento, Filosofia do século XVII, Filosofia do século XVIII e Filosofia do século XIX.
O período renascentista significou uma profunda mudança nas relações entre a igreja e a
sociedade, grande parte dos pensadores optaram por uma ruptura dos padrões comportamentais
baseados em dogmas religiosos que por muito tempo travaram o desenvolvimento do
conhecimento científico e filosófico. Entre os principais expoentes da filosofia renascentista
destacamos Francis Bacon, Galileo Galilei e René Descartes.
Considerada por muitos como a “idade da razão”, a filosofia dessa época precedeu o iluminismo,
nesse período o desprendimento dos valores da igreja foi acentuado, dando margem à um
pensamento mais racional e voltado ao homem.
d) Século XIX
e) Foco de estudo
No período moderno a filosofia passou a ter uma divisão melhor de seu foco de estudo. No início
ainda era comum vermos questões no que dizia respeito a provar a existência de Deus e a
imortalidade da alma, principalmente em textos de René Descartes e George Berkeley, em suas
obras as Meditações e o Tratado, de autoria dos dois, respectivamente. Porém,
muitos filósofos deste período pareciam estar usando a filosofia para abrir caminhos que
pudessem ajudar a fundamentar algum tipo de concepção, de ideia. Era como se tentassem
encontrar uma forma de provar aquilo que tentavam passar.
Podemos citar alguns desses filósofos e seus problemas filosóficos como exemplo:
Descartes: Buscava conseguir algum fundamento para explicar uma determinada concepção
científica;
John Locke: Buscava preparar o território para que fosse mais fácil a ciência tomar um rumo e
agir de maneira mais direta;
Berkeley: Buscava competir com alguma conclusão científica, contrapondo-se aos métodos
utilizados pela ciência.
Com o passar dos tempos a filosofia moderna foi sofrendo algumas alterações, deixando de ter
seu foco diretamente relacionado ao conhecimento material e a descoberta de todas as verdades,
deixando esse papel para que as ciências buscassem descobrir, como também deixando um
pouco de lado as questões de tentar justificar as crenças religiosas, tão abordadas no período
filosófico anterior.
A filosofia moderna, assim como outras fases da filosofia, pode ser dividida em escolas de
pensamento que organizam as diferentes correntes filosóficas da época. As principais escolas da
filosofia moderna são: racionalismo, empirismo, filosofia política, idealismo, existencialismo
e pragmatismo.
Racionalismo
Empirismo
Exemplos de filósofos empiristas modernos: John Locke, George Berkeley, David Hume e
Francis Bacon.
Filosofia política
A filosofia política moderna analisa tópicos relacionados à liberdade, justiça, direitos e leis. Dentro
desses temas, os filósofos políticos estudam a razão de ser e a legitimidade dos governos, quais
direitos e garantias devem ser protegidos, além de avaliar quais deveres os cidadãos possuem
em relação ao Estado.
Exemplos de filósofos políticos modernos: Thomas Hobbes, John Locke, Montesquieu, Jean-
Jacques Rousseau, Voltaire e Karl Marx.
Idealismo
O idealismo é a escola filosófica que entende que a realidade como a conhecemos é fruto da
mente humana. Em termos epistemológicos, o idealismo defende que é impossível conhecer
qualquer coisa que esteja além das capacidades da mente, e por isso a percepção da realidade
sempre será limitada.
Existencialismo
Pragmatismo
O pragmatismo é o estudo responsável por relacionar teoria com prática. Os filósofos pragmáticos
acreditam que diversos métodos e conceitos da ciência moderna devem ser utilizados na filosofia
para otimizar a utilização do conhecimento.
Cria o método cartesiano: (1) verificar as evidências; (2) analisar o problema, dividindo-o em
tantas partes quanto possível; (3) sintetizar, reagrupando as partes em um todo completo; (4)
enumerar as conclusões e princípios.
Dúvida Hiperbólica: colocar todo seu conhecimento em dúvida, buscando um fundamento
seguro;
Autor do famoso pensamento “Penso, logo existo”.
Divisão entre mente (res cogitans) e matéria (res extensa).
Agora, pois, que meu espírito está livre de todos os cuidados, e que consegui um repouso
assegurado numa pacífica solidão, aplicar-me-ei seriamente e com liberdade em destruir em geral
todas as minhas antigas opiniões. Ora, não será necessário, para alcançar esse desígnio, provar
que todas elas são falsas, o que talvez nunca levasse a cabo; mas, uma vez que a razão já me
persuade de que não devo menos cuidadosamente impedir-me de dar crédito às coisas que não
são inteiramente certas e indubitáveis, do que às que nos parecem manifestamente ser falsas, o
menor motivo de dúvida que eu nelas encontrar bastará para me levar a rejeitar todas? E, para
isso, não é necessário que examine cada uma em particular, o que seria um trabalho infinito;
mas, visto que a ruína dos alicerces carrega necessariamente consigo todo o resto do edifício,
dedicar-me-ei inicialmente aos princípios sobre os quais todas as minhas antigas opiniões
estavam apoiadas.”
John Locke: Conhecimento e Verdade
Representante do empirismo;
Considera a mente como uma tábula rasa, isto é, uma folha em branco;
As ideias são formadas a partir da experiência;
O conhecimento pode ser intuitivo, demonstrativo ou sensível;
As coisas possuem qualidades primárias (como solidez, forma e número) ou secundárias
(como cor, gosto e textura).
Nas palavras do autor,
“Todas as idéias derivam da sensação ou reflexão. Suponhamos, pois, que a mente é, como
dissemos, um papel em branco, desprovida de todos os caracteres, sem nenhuma ideia; como
ela será suprida? De onde lhe provém este vasto estoque, que a ativa e ilimitada fantasia do
homem pintou nela com uma variedade quase infinita? De onde apreende todos os materiais da
razão e do conhecimento? A isso respondo, numa palavra: da experiência. Todo o nosso
conhecimento está nela fundado, e dela deriva fundamentalmente o próprio conhecimento.
Empregada tanto nos objetos sensíveis externos como nas operações internas de nossas
mentes, que são por nós mesmos percebidas e refletidas, nossa observação supre nossos
entendimentos com todos os materiais do pensamento. Dessas duas fontes de conhecimento
jorram todas as nossas ideias, ou as que possivelmente teremos”.
Locke, no livro Ensaio Acerca do Entendimento Humano
David Hume: Conhecimento e Verdade
Representante do Empirismo;
A experiência é a fonte de todo conhecimento;
O hábito se torna um conceito central no modo como entendemos o mundo;
Enfatiza a incerteza do conhecimento.
Nas palavras do autor,
Tampouco precisamos temer que essa filosofia, ao esforçar-se para limitar nossas investigações
somente à vida ordinária, venha a subverter os raciocínios próprios dessa vida e levar suas
dúvidas tão longe a ponto de aniquilar não só toda a especulação, mas também toda a ação. A
natureza sempre afirmará seus direitos e prevalecerá, ao final, sobre qualquer espécie de
raciocínio abstrato. Embora, por exemplo, seja preciso concluir, como na seção precedente, que
em todos os raciocínios baseados na experiência a mente dá um passo que não encontra apoio
em nenhum argumento ou processo do entendimento, não há perigo de que esses raciocínios,
dos quais quase todo conhecimento depende, cheguem a ser afetados por tal descoberta. Se não
é um argumento que obriga a mente a dar esse passo, ela deve estar sendo conduzida por algum
outro princípio de igual peso e autoridade, e esse princípio preservará sua influência por todo o
tempo em que a natureza humana permanecer a mesma. Descobrir qual é esse princípio pode
muito bem recompensar todas as dificuldades da investigação.
Hume, no livro Uma Investigação Sobre o Entendimento Humano
Kant: Conhecimento e Verdade
Dialoga tanto com a tradição racionalista quanto empirista, buscando retomar a certeza do
conhecimento que havia sido abalada por Hume;
É responsável pela chamada Revolução Copernicana na filosofia, isto é, de colocando que a
experiência humana é condicionada por um modo de conhecer humano.
Coloca o espaço e o tempo como organizadores da nossa experiência humana;
Fala sobre a diferença entre o conhecimento a priori e a posteriori.
Nas palavras do autor,
“Não resta dúvida de que todo o nosso conhecimento começa pela experiência; efetivamente,
que outra coisa poderia despertar e pôr em ação a nossa capacidade de conhecer senão os
objetos que afetam os sentidos e que, por um lado, originam por si mesmos as representações e,
por outro lado, põem em movimento a nossa faculdade intelectual e levam-na a compará-las,
ligá-las ou separá-las, transformando assim a matéria bruta das impressões sensíveis num
conhecimento que se denomina experiência? Assim, na ordem do tempo, nenhum conhecimento
precede em nós a experiência e é com esta que todo o conhecimento tem o seu início.
Se, porém, todo o conhecimento se inicia com a experiência, isso não prova que todo ele derive
da experiência. Pois bem poderia o nosso próprio conhecimento por experiência ser um
composto do que recebemos através das impressões sensíveis e daquilo que a nossa própria
capacidade de conhecer (apenas posta em ação por impressões sensíveis) produz por si mesma,
acréscimo esse que não distinguimos dessa matéria-prima, enquanto a nossa atenção não
despertar por um longo exercício que nos torne aptos a separá-los.”
Kant, no livro Crítica da Razão Pura
Pensamento Científico na Filosofia Moderna
É considerado um dos pais da ciência moderna, pois marca a transição da filosofia natural da
antiguidade para o método científico moderno;
Defende um método científico com experimentação prática das teorias, com um uso cada vez
maior da matemática;
Desenvolve diversos instrumentos para a verificação prática das teorias científicas, como o
aperfeiçoamento da luneta;
Se preocupa com a divulgação científica de suas descobertas, escrevendo na língua comum
(italiano);
Desenvolve a teoria heliocêntrica.
Queria realizar a Instauratio Magna, a Grande Restauração: um novo método que superasse e
substituísse o de Aristóteles;
Valorizava o método indutivo, que parte da observação e da experimentação para a teoria; e
criticava o método dedutivo, que desenvolve as conclusões a partir da razão e da lógica;
Criticava o método antigo e medieval de coletar poucos fatores e utilizá-los para justificar as
teorias; para Bacon, os dados devem ser coletados em grande quantidade e a partir de um
método científico rigoroso;
Falava de quatro ídolos que atrapalham nosso modo de fazer ciência: Ídolos da Tribo, erros da
nossa própria tribo humana; Ídolos da caverna, fazendo referência às nossas crenças pessoas;
Ídolos de Foro, problemas derivados da própria linguagem; e Ídolos do Teatro, problemas
derivados de sistemas filosóficos e tradicionais.
Trabalhava três tábuas: a Tábua da Presença; a Tábua da Ausência e a Tábua da
Comparação;
A ciência deve levar o homem a ter poder sobre a natureza.
Propõe uma instrumentalização da natureza, uma explicação racional dos fenômenos e das
coisas e uma mecanização, onde tudo passa a ser compreendido a partir das partes que o
compõe. Sua visão mecanicista é baseada em sua divisão entre res cogitas e res extensa;
No lugar do pensamento indutivo, propõe um método dedutivo onde as experiências confirmam
os princípios gerais delineados pela razão;
Desenvolve o método cartesiano, método que possibilitou o desenvolvimento tecnológico
posterior. Esse método consiste nos passos de verificar as evidências, analisá-las, dividindo-as
em partes menores, sintetizar essas unidades em um todo e enumerar as conclusões e
princípios;
Uma de suas principais contribuições foi a geometria cartesiana, que usa a álgebra para
descrever a geometria, e a base do cálculo que será desenvolvida posteriormente.
Nas palavras do autor,
E, como a multiplicidade de leis frequentemente fornece desculpas aos vícios, de modo que um
Estado é muito mais bem regrado quando, tendo pouquíssimas leis, elas são rigorosamente
observadas; assim, em vez desse grande número de preceitos de que a lógica é composta,
acreditei que me bastariam os quatro seguintes, contanto que tomasse a firme e constante
resolução de não deixar uma única vez de observá-los.
O primeiro era de nunca aceitar coisa alguma como verdadeira sem que a conhecesse
evidentemente como tal; ou seja, evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e não
incluir em meus juízos nada além daquilo que se apresentasse tão clara e distintamente ao meu
espírito, que eu não tivesse nenhuma ocasião de pô-lo em dúvida.
O segundo, dividir cada uma das dificuldades que examinasse em tantas parcelas quantas fosse
possível e necessário para melhor resolvê-las.
O terceiro, conduzir por ordem meus pensamentos, começando pelos objetos mais simples e
mais fáceis de conhecer, para subir pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos
mais compostos; e supondo certa ordem mesmo entre aqueles que não se precedem
naturalmente uns aos outros.
E, o último, fazer em tudo enumerações tão completas, e revisões tão gerais, que eu tivesse
certeza de nada omitir.
Essas longas cadeias de razões, tão simples e fáceis, de que os geômetras costumam servir-se
para chegar às suas mais difíceis demonstrações, levaram-me a imaginar que todas as coisas
que podem cair sob o conhecimento dos homens encadeiam-se da mesma maneira, e que, com
a única condição de nos abstermos de aceitar por verdadeira alguma que não o seja, e de
observarmos sempre a ordem necessária para deduzi-las umas das outras, não pode haver
nenhuma tão afastada que não acabemos por chegar a ela e nem tão escondida que não a
descubramos.
Descartes, no livro Discurso do Método
Isaac Newton: Pensamento Científico
Para Newton, a função da ciência era descobrir leis universais e enunciá-las de forma racional:
com isso, ele busca descrever a mecânica do universo através de equações;
Suas investigações possuíam um intenso rigor matemático, transformando-se um modelo
científico para os séculos posteriores.
Nas palavras do autor,
É realmente uma questão de grande dificuldade descobrir, e efetivamente distinguir, os
movimentos verdadeiros de corpos particulares daqueles aparentes; porque as partes daquele
espaço imóvel, no qual aqueles movimentos se realizam, de modo algum são passíveis de serem
observadas pelos nossos sentidos. No entanto, a situação não é totalmente desesperadora, pois
temos alguns argumentos para nos guiar, parte devido aos movimentos aparentes, que são as
diferenças dos movimentos verdadeiros, e parte devido às forças, que são as causas e os efeitos
dos movimentos verdadeiros. Por exemplo, se dois globos, mantidos a uma dada distância um do
outro por meio de uma corda que os ligue, forem girados em torno do seu centro comum de
gravidade, poderíamos descobrir, a partir da tensão da corda, o esforço dos globos a se
afastarem do eixo de seu movimento, e a partir daí poderíamos calcular a quantidade de seus
movimentos circulares. E então, se quaisquer forças iguais fossem imprimidas de uma só vez nas
faces alternadas dos globos para aumentar ou diminuir seus movimentos circulares, a partir do
acréscimo ou decréscimo da tensão da corda, poderíamos inferir o aumento ou diminuição de
seus movimentos; e assim seria encontrado em que face aquelas forças devem ser imprimidas,
para que os movimentos dos globos pudessem ser aumentados ao máximo, isto é, poderíamos
descobrir suas faces posteriores ou aquelas que, no movimento circular, seguem. Mas sendo
conhecidas as faces que seguem, e consequentemente as opostas que precedem, igualmente
conheceríamos a determinação dos seus movimentos. E, assim, poder-se-ia encontrar tanto a
quantidade como a determinação desse movimento circular, mesmo em um imenso vácuo, onde
não existisse nada externo ou sensível com o qual os globos pudessem ser comparados.
Newton, no livro Principia - Princípios Matemáticos de Filosofia Natural
Defende o estudo da política como campo autônomo, não condicionado por outros campos de
estudos;
Realismo político: é necessário trabalhar com as coisas como elas realmente são, e não como
elas “deveriam ser”;
Há uma visão pessimista do homem, que para Maquiavel tende a ser mal - assim, o político
deve levar isso em consideração ao tomar suas ações;
Embora o ideal fosse ser temido e amado, é muito difícil conciliar ambos - dessa maneira, a
escolha mais funcional para o estado é ser temido;
A virtude é a habilidade natural, e a virtude política do príncipe é um complexo de força, astúcia
e capacidade de dominar a situação; a essa virtude opõe-se à sorte, e metade das coisas
humanas dependem da sorte;
O ideal político de Maquiavel é a volta aos princípios da república romana; o príncipe por ele
descrito era considerado uma necessidade do momento histórico.
A condição natural dos homens é de guerra de todos contra todos: os homens buscam utilizar
o necessário para sua sobrevivência e assim dominam uns sobre os outros. Dessa maneira, o
homem é o lobo do homem;
Para escapar dessa situação, onde ele está em perigo de vida, ele constitui a sociedade;
As leis naturais não bastam para constituir essa sociedade: é necessário um poder que obrigue
os homens a respeitá-las. Assim, Hobbes defende um governo absolutista, simbolizado pela
figura do Leviatã.
O homem nasce bom, mas a sociedade o corrompe: o homem selvagem tinha a calma das
paixões e ignoravam os vícios, em um estágio anterior ao bem e ao mal. A sociedade nasce com
o surgimento da propriedade e das hostilidades que vinham disso.
A cultura piora o homem, favorecendo os vícios e conflitos. Para corrigir isso, seria necessária
uma ruptura radical, reconstruindo a sociedade, apoiando-se na bondade humana e
renaturalizando o homem.
O contrato social tem como base a vontade geral que deseja o bem comum. É o fruto de um
pacto entre iguais, onde o indivíduo abandona seus direitos individuais, dando origem a um corpo
moral e coletivo.
A passagem do estado natural ao estado civil produziu no homem uma mudança considerável,
substituindo em sua conduta a justiça ao instinto, e imprimindo às suas ações a moralidade que
anteriormente lhes faltava. Foi somente então que a voz do dever, sucedendo ao impulso físico, e
o direito ao apetite, fizeram com que o homem, que até esse momento só tinha olhado para si
mesmo, se visse forçado a agir por outros princípios e consultar a razão antes de ouvir seus
pendores. Embora se prive, nesse estado, de diversas vantagens recebidas da Natureza, ganha
outras tão grandes, suas faculdades se exercitam e desenvolvem, suas idéias se estendem, seus
sentimentos se enobrecem, toda a sua alma se eleva a tal ponto, que, se os abusos desta nova
condição, não o degradassem com frequência a uma condição inferior àquela de que saiu,
deveria abençoar incessantemente o ditoso momento em que foi dali desarraigado para sempre,
o qual transformou um animal estúpido e limitado num ser inteligente, num homem. Reduzamos
todo este balanço a termos fáceis de comparar. O que o homem perde pelo contrato social é a
liberdade natural e um direito ilimitado a tudo que o tenta e pode alcançar; o que ganha é a
liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui. Para que não haja engano em suas
compensações, é necessário distinguir a liberdade natural, limitada pelas forças do indivíduo, da
liberdade civil que é limitada pela liberdade geral, e a posse, que não é senão o efeito da força ou
do direito do primeiro ocupante, da propriedade, que só pode ser baseada num título positivo.
Poder-se-ia, em prosseguimento do precedente, acrescentar à aquisição do estado civil a
liberdade moral, a única que torna o homem verdadeiramente senhor de si mesmo, posto que o
impulso apenas do apetite constitui a escravidão, e a obediência à lei a si mesmo prescrita é a
liberdade. Mas já falei demasiadamente deste assunto, e o sentido filosófico do termo liberdade
não constitui aqui o meu objetivo.
Rousseau, no livro O Contrato Social
É verdade que nas democracias o povo parece fazer o que quer; mas a liberdade política não
consiste em se fazer o que se quer. Em um Estado, isto é, numa sociedade onde existem leis, a
liberdade só pode consistir em poder fazer o que se deve querer e em não ser forçado a fazer o
que não se tem o direito de querer.
A democracia e a aristocracia não são Estados livres por natureza. A liberdade política só se
encontra nos governos moderados. Mas ela nem sempre existe nos Estados moderados; só
existe quando não se abusa do poder; mas trata-se de uma experiência eterna que todo homem
que possui poder é levado a dele abusar; ele vai até onde encontra limites. Quem diria! Até a
virtude precisa de limites.
Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder limite
o poder. Uma constituição pode ser tal que ninguém seja obrigado a fazer as coisas que a lei não
obriga e a não fazer aquelas que a lei permite.
Montesquieu, no livro O Espírito das Leis