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As influências da

fenomenologia e do
existencialismo na
psicologia
SÁ, R. N. As influências da fenomenologia e do existencialismo na
psicologia. adaptação In:. História da psicologia : rumos e percursos
/ organização Ana Maria Jacó-Vilela, Arthur Arruda Leal Ferreira,
Francisco Teixeira Portugal. - Rio de Janeiro : Nau Ed., 2006
A fenomenologia

◦O pensamento de EDMUND HUSSERL (1859-1938) deu origem a uma das mais férteis
correntes da filosofia moderna, a fenomenologia. Essa corrente influenciou decisivamente
o movimento filosófico e cultural que se propagou na Europa após o fim da Segunda
Guerra Mundial, conhecido como existencialismo. Fenomenologia e existencialismo, em
suas convergências, tensões e entrecruzamentos, constituem juntos uma das importantes
matrizes filosóficas das psicologias do século XX.
Biografia
◦EDMUND HUSSERL (1859-1938).
◦Nasceu em Prossnitz, na Morávia (República Tcheca). Foi aluno
de Brentano na Universidade de Viena e lecionou nas
Universidades de Halle, Gotinga e Freiburg. É o fundador da
corrente fenomenológica.
A PALAVRA
FENÔMENO
PROVÉM DO
GREGO
PHAINOMENON,
QUE SIGNIFICA O
SIMPLES APARECER
DOS ENTES.
Fenômeno
◦Quando paramos para pensar num ato de
percepção, como, por exemplo, ver uma
árvore no campo, em geral, dividimos tal
percepção em duas partes. Pensamos que
há um objeto árvore, que existe “lá fora”
no campo, e, em relação com ele, uma
imagem representada da árvore “aqui
dentro” na consciência do sujeito. Temos,
assim, duas árvores, uma em-si, “lá fora”,
e outra representada “aqui dentro”, mas,
por que ter na consciência uma imagem
de um objeto significa conhecer o objeto?
O que uma imagem de árvore tem a ver
com uma árvore em-si?
Fenômeno
◦Para a fenomenologia, esse modo tradicional de
compreender a percepção é equivocado, não se pode saber
nada sobre árvores em-si, ou muito menos sobre supostas
árvores representadas, porque todo objeto é sempre objeto-
para-uma-consciência e nunca objeto em-si, e toda
consciência é sempre consciência-de-um-objeto e nunca
consciência “vazia”. A fenomenologia refere-se a esse fato
dizendo que a consciência é sempre intencional. Assim,
“deixando de lado” (suspensão fenomenológica) a árvore
em-si e a representada, a atitude fenomenológica retorna
para as “coisas mesmas”, isto é, a árvore-no-campo-
percebida-por um-sujeito ou, ainda, o “FENÔMENO”
árvore.
Fenomelogia

Assim, a fenomenologia de Husserl, na direção contrária à tradição que


ele criticava, enfatiza a prioridade da intuição sobre o pensamento
conceitual. A intuição é a via de acesso ao fenômeno.

O procedimento intuitivo é considerado como o elemento essencial da


atitude filosófica. É através da intuição que se dá o âmbito de interesse
mais próprio da fenomenologia: a correlação entre sujeito e objeto.
Fenomenologia

A fenomenologia pode ser compreendida O adjetivo ONTOLÓGICO se aplica


como a descrição das estruturas gerais da àquilo que diz respeito ao ser em geral
consciência, não do sujeito empírico ou ao modo de ser dos entes. Já o termo
estudado pela psicologia, mas do sujeito “ôntico”, que aparecerá mais adiante, se
transcendental, que é a condição refere aos entes, isto é, a todas as coisas
ONTOLÓGICA de possibilidade das que são, em um determinado modo de
experiências humanas concretas nos ser já estruturado. A dimensão ôntica da
diversos níveis e regiões de realização da realidade funda-se, portanto, na
existência. ontológica.
◦A partir da fenomenologia “pura” de Husserl, muitos
pesquisadores desenvolveram aplicações “regionais” do
método fenomenológico, dirigidas a dimensões

Fenomenologia específicas da correlação entre o sujeito e o mundo: as


fenomenologias da percepção, da imaginação, da
emoção, da linguagem, bem como as fenomenologias
das religiões, das relações interpessoais, dos distúrbios
psíquicos etc
◦De um modo geral, a grande contribuição da
fenomenologia a essas ciências é a de fornecer um
modelo de descrição e compreensão de sentido
Fenomenologia próprio para a abordagem dos fenômenos que
dizem respeito ao espírito, ao contrário do modelo
de “explicação causal” empregado pelas ciências da
natureza.
Pensadores
◦MARTIN HEIDEGGER (1889-1976).
Nasceu em Messkirch (Baden), na Alemanha.
Foi aluno de Rickert e Husserl na
Universidade de Freiburg. Lecionou em
Marburg e Freiburg.
Pensadores
◦JEAN-PAUL SARTRE (1905-1980). Nasceu
em Paris, onde estudou Filosofia. Em Berlim,
estudou as obras de Husserl e Heidegger.
Lecionou em diversos liceus da França. Após
1945, dedicou-se mais à atividade literária.
Pensadores
◦MAURICE MERLEAU-PONTY (1908-1961).
Nasceu e estudou na França. Lecionou Psicologia
na Sorbonne e Filosofia no College de France. Foi
co-editor, junto com Sartre, do jornal Les Temps
Modernes.
Pensadores
◦PAUL RICOEUR (1913-2005). Filósofo francês.
Estudou na Universidade de Rennes. Lecionou nas
universidades de Strasbourg, Sorbonne, Nanterre e
Chicago.
A EXISTÊNCIA PRECEDE A
ESSÊNCIA
Essência
◦Platão denominou “idéias” essas essências supra-sensíveis e
eternas que serviam como o verdadeiro fundamento para a
existência das coisas sensíveis e temporais. Ao longo da
história da filosofia, outras denominações foram atribuídas ao
ser ou à essência dos entes, isto é, das coisas (substância,
Deus, espírito, razão), mas aquela decisão inicial de que a
verdadeira essência das coisas era atemporal e supra-sensível,
opondo-se, assim, à sua existência sensível e temporal,
vigorou por todo pensamento filosófico, com raras exceções,
chegando até à nossa época. Em virtude dessa valorização da
essência em detrimento da existência, se diz que a tradição
filosófica, ou metafísica, do Ocidente é essencialista.
Existência
◦Existir é um modo específico de ser
relacionado ao ente cujo sentido nunca
está dado a priori – o homem
◦No caso do homem, a relação se inverte, primeiro é preciso ser homem, existir, para depois
pensar sobre isso e atribuir-lhe sentido. Assim sendo, somente em relação ao homem é válida
a inversão da fórmula tradicional da metafísica que dava precedência para as essências. No
caso do homem, o existencialismo postula que a existência precede a essência. Por isso, só
ele, ao contrário dos outros entes, não está predeterminado quanto ao seu sentido, só ele é
livre.
A DISTINÇÃO ENTRE O “EM-SI” E O “PARA-SI”
POSSUI ANALOGIA COM A DIFERENÇA QUE O
EXISTENCIALISMO ESTABELECE ENTRE
“SER” E “EXISTIR”: SÓ O HOMEM EXISTE,
ENQUANTO A FOLHA DE PAPEL É.
◦"Que significa, aqui, que a existência precede a essência? Significa que o
homem existe primeiro, se encontra, surge no mundo, e se define em seguida.
Se o homem, na concepção do existencialismo, não é definível, é porque ele
não é, inicialmente, nada. Ele apenas será alguma coisa posteriormente, e será
aquilo que ele se tornar. Assim, não há natureza humana, pois não há um Deus
para concebê-la." (Sartre, em ‘O existencialismo é um humanismo’)
◦Heidegger designa como Dasein (ser-aí) o
modo de ser deste ente que mesmos somos. Sua
diferença radical com relação aos entes que não
Dasein (ser-aí) têm o modo de ser do homem é que ele não
possui uma essência anterior à existência, antes,
o que ele é, seu ser, está sempre em jogo no seu
existir
◦O modo de ser dos entes não humanos é
denominado “ser simplesmente dado”
(Vorhandenheit) porque o que eles são, o seu
Dasein (ser-aí) sentido, nunca está em jogo em seu devir
temporal; enquanto que o modo de ser do
homem é a “existência”, o “ser-aí”, o “ser-no-
mundo”.
◦ A expressão “ser-no-mundo” revela a unidade
estrutural ontológica da existência do Dasein. A
análise dessa estrutura nos remete aos três
momentos constitutivos da totalidade desse
Dasein (ser-aí) fenômeno: a idéia de “mundo” como estrutura
de sentido; o “quem é no mundo”, que se revela
de início como impessoalidade cotidiana; e o
modo de “ser-em” um mundo, cuja estrutura se
desdobra em compreensão e disposição.
A MUNDANIDADE
A mundanidade

Por exemplo, pedras e árvores


O Dasein é “mundano”, co- estão no mundo, mas não têm
originário ao “mundo”, mundo, isto é, não são aberturas
diferenciando-se dos entes de sentido, não se podendo dizer
simplesmente dados, delas que “existem”. Mundo é
“intramundanos”, mas estrutura de sentido, contexto de
destituídos de mundo. significação, linguagem sempre
historicamente em movimento.
◦O homem, enquanto “ser-no-mundo”, não é
encerrado em si mesmo, numa interioridade
psíquica, estando sempre num contexto

A relacional. Ainda que esteja no isolamento, é


“ser-com”, co-presença. É nesse ser-nomundo-

mundanidade com-os-outros que aparece o sentido como


desvelamento dos entes que lhe vêm ao
encontro. A palavra “cuidado” (Sorge) é usada
para expressar a característica ontológica do
Dasein de estar sempre referido a outro ente.
◦O modo das relações do Dasein com os “entes

A cujo modo de ser é simplesmente dado” foi


denominado por Heidegger “ocupação”

mundanidade (Besorgen), e o modo das relações com os entes,


também dotados do seu modo de ser,
“preocupação” (Fürsorge).
Sendo um fenomenólogo, Heidegger não
inicia a análise do Dasein a partir de alguma
situação ideal na qual ele supostamente
revelaria suas maiores virtudes, antes, está
interessado no seu modo de ser cotidiano

O Cotidiano mais comum.

Impessoal É na “indiferença mediana”, “impessoal”,


que se encontra, de início e na maior parte
das vezes, o existir. Há uma tendência para o
“encobrimento”, isto é, o Dasein foge de si,
esquecendo-se do seu “ser próprio”,
relacionando-se com ele como algo que já
possui uma configuração preestabelecida.
◦A ausência de surpresas e a evidência
caracterizam a preocupação e a ocupação. O
modo de falar e escrever descomprometido
O Cotidiano (falatório e escritório), a forma despersonalizada
e insaciável de lidar com o novo (curiosidade)
Impessoal para preservar o conhecido, evitando as
transformações, expressam o modo de ser
cotidiano do Dasein, “decadente” e
“inautêntico”.
O “ser-em” não diz respeito a uma relação espacial de dois
entes extensos, nem tampouco à relação entre sujeito e
objeto. O “em” significa que o Dasein e o mundo são
coexistentes. Um jamais antecede o outro, são co-originários.

Compreensão
e disposição O Dasein é abertura de sentido, e as dimensões essenciais
dessa abertura são denominadas por Heidegger
“compreensão” (Verstehen) e “disposição” (Befindlichkeit).
Tal abertura compreensiva não é algo afetivamente neutro,
que se restringe ao âmbito intelectual. Toda compreensão já é
sempre dotada de uma “coloração” afetiva, de um “humor”
ou “disposição”. Disposição e compreensão constituem o
modo de ser da abertura.
O SER-PARA-A-MORTE
E O PODER-SER EM
SENTIDO PRÓPRIO
O ser-para-a-morte e o poder-ser em
sentido próprio

Tendo analisado o Dasein em


seu modo de ser cotidiano, tal Como na interpretação
como se encontra de início e na ontológica a totalidade do
maior parte das vezes, fenômeno precisa ser levada em
Heidegger prossegue sua conta, fazia-se ainda necessária
analítica, na segunda parte de essa investigação do “ser-no-
Ser e tempo, buscando agora mundo” em seu modo mais
desvelar as possibilidades mais próprio.
próprias e autênticas desse ente.
O ser-para-a-morte e o poder-ser em
sentido próprio

◦Por sua característica fundamental de poder-ser, o Dasein resiste a uma apreensão total, já que
deve, em podendo ser, ainda não ser algo. Enquanto é um ente, o Dasein jamais alcança sua
totalidade, permanecendo em constante inconclusão. Mas, se não podemos falar aqui de
totalidade enquanto reunião de todas as possibilidades, podemos falar de totalidade enquanto
aquilo que se circunscreve a um limite, a um fim.
O ser-para-a-morte e o poder-ser em
sentido próprio

◦Ao morrer, o Dasein não é mais no mundo, findam-se as suas


possibilidades. Portanto, apreendê-lo como um todo é um empreendimento
que requer o esclarecimento do fenômeno da morte, entendido de forma
ontológica como o seu poder-ser mais próprio. Enquanto existe, o Dasein é
ser-para-a-morte. Desde que nascemos já está implícita em nossa
existência, a qualquer momento, esta possibilidade. Porém, há uma
dificuldade ôntica de fazer a experiência ontológica do “ser-para-a-morte”.
O ser-para-a-morte e o poder-ser em
sentido próprio

◦Não temos acesso à perda ontológica sofrida por quem morre; no máximo,
estamos apenas juntos. São duas experiências diferentes: uma delas é sofrermos
no modo da preocupação reverencial pelo outro, o que é possível somente por
sermos essencialmente “com-o-outro”; outra é experienciarmos o nosso próprio
“ser-para-a-morte”.
A Daseinsanalyse

◦Em virtude da abrangência quase indefinida que a expressão “análise existencial” adquiriu, os terapeutas
que desenvolveram seu trabalho sob a influência direta do pensamento de Heidegger acabaram por adotar
o termo alemão Daseinsanalyse, mesmo em línguas estrangeiras. A palavra, que é proveniente da obra Ser
e tempo, significa “análise do Dasein” e refere-se à tematização ontológica das estruturas existenciais
constitutivas do homem enquanto “ser-aí” (Dasein).

◦A Daseinsanalyse clínica constitui, no entanto, uma aplicação ôntica da analítica heideggeriana, pois cada
fenômeno que vem à luz no diálogo clínico deve ser discutido a partir do contexto factual concreto em que
surge e nunca reduzido genericamente a uma estrutura existencial
Humanismo X Existencialismo

Embora seja compreensível a


aproximação entre fenomenologia Trata-se de uma aproximação muito
existencial e humanismo, como mais negativa, isto é, determinada
muitas vezes se pode verificar pela mais por uma aliança contra um
fusão dos termos na expressão opositor comum do que por uma
“psicologia existencial humanista”, identidade profunda de
é preciso analisar com maior perspectivas.
cuidado tal associação.
Humanismo x Existencialismo

Se, por um lado, a fenomenologia


existencial também valoriza a
O humanismo tem como principal intuição e critica a separação entre
matriz a filosofia romântica que sujeito e objeto da tradição
exalta a contemplação estética, o cientificista, ela não entende a
intuicionismo afetivo e a superação, experiência direta dos fenômenos
por fusão empática, da dicotomia como algo que diga mais respeito ao
entre sujeito e objeto. âmbito afetivo do que ao racional, e
muito menos abre mão do rigor e da
dimensão crítica.
Humanismo x Existencialismo

◦Outra diferença, talvez ainda mais importante, é a concepção de sujeito. Se, para o humanismo,
é central a idéia de uma subjetividade interior, individual, autoconsciente e sempre voltada em
última instância para a auto-realização, a Daseinsanalyse postula como fundamento essencial a
impossibilidade de qualquer forma de objetivação da existência humana como subjetividade
encapsulada, seja como psique, eu, pessoa, personalidade, consciência etc.
Humanismo x Existencialismo

◦O tema é polêmico mesmo entre os principais pensadores da fenomenologia existencial. Em


1945, Sartre pronuncia sua famosa palestra intitulada O existencialismo é um humanismo, na
qual defende a idéia de que, por tratar-se de uma filosofia que confronta o homem com sua
liberdade e responsabilidade, levando-o a uma ética da ação e do engajamento, o existencialismo
seria, portanto, um humanismo no sentido mais próprio.
Humanismo x Existencialismo

◦Já Heidegger, em uma carta enviada ao seu discípulo francês Jean Beaufret, e publicada
em 1947 com o título Sobre o humanismo, declara a incompatibilidade entre a
compreensão do ser do homem como existência, pura abertura de sentido, e as
perspectivas humanistas que afirmam algum tipo de essência positiva do homem, tal
como a razão, a emoção, a personalidade, a alma etc.

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