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O que é a filosofia?

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O estatuto do conhecimento
científico [Filosofia da Ciência]
Em discussão
Filosofia da ciência

Disciplina que se ocupa da reflexão crítica sobre a ciência,


analisando o(s) método(s) científico(s) e procurando compreender
o que caracteriza o conhecimento científico.

Problemas em discussão

• O que é a ciência? Como a diferenciamos da pseudociência e do senso comum?


• O que distingue as teorias científicas das que não são científicas?
• Qual o método mais indicado em ciência? O que o caracteriza?
• Como evolui a ciência?
• Será que o conhecimento científico é objetivo?
1. O que é a ciência?

Ciência e pseudociência

Ciência

Atividade e um tipo de
conhecimento que nos Permite-nos atualmente
tem proporcionado a viver mais tempo e com
compreensão do mundo mais qualidade – valor
na sua diversidade de prático da ciência.
seres e fenómenos.
Ciência

Cientismo Pseudociência

Tipo de teoria ou atividade


sem qualquer base
científica, mas que procura
passar por científica.
Doutrina que considera o
conhecimento científico
como a única forma de
conhecimento fiável, seguro
e rigoroso. A divulgação da cultura
científica é uma das armas
em que se deve apostar
para fazer face à
pseudociência.
Do senso comum à ciência
Senso comum ou conhecimento vulgar

Tipo de conhecimento que resulta da acumulação de informações,


crenças e ideias dispersas que retiramos diretamente das nossas
experiências de vida e que nelas encontram a sua justificação.

Este conhecimento é coletivamente partilhado e transmitido de


geração em geração.
Não é organizado nem
depende de um plano de
investigação detalhado.
É superficial ou pouco É expresso por uma
aprofundado. linguagem imprecisa.

Senso comum

É essencialmente
É ametódico.
prático.

É assistemático.
Senso comum Ciência

Conhecimento Conhecimento organizado,


desorganizado, prático, explicativo e que recorre a
transmitido de geração em métodos para testar e avaliar
geração. as suas teorias.

Pressupõe o desenvolvimento de
Resulta de uma atitude acrítica
uma atividade organizada,
ou dogmática.
metódica e crítica.
Faz-se acompanhar, na maioria dos
casos, de instrumentos de medida.
Baseia-se em pesquisas e Implica a construção de
investigações apoiadas em leis e teorias explicativas e
métodos. sistemáticas.

Principais características
da ciência

Procura descrever, explicar


Encontra-se sujeita a
e prever os fenómenos e
correções e a alterações.
as suas relações.
Recorre a uma linguagem
específica, técnica e rigorosa.
2. O problema da demarcação – teorias científicas e não
científicas

Problema da demarcação

Trata-se de saber o que distingue a ciência do que não é ciência, ou


o que separa o conhecimento científico de outras formas do saber.
O critério da verificabilidade

Critério da verificabilidade

Uma teoria é científica apenas se consistir em afirmações


empiricamente verificáveis, isto é, apenas se for possível verificar
pela experiência aquilo que ela afirma.

Afirmação empiricamente verificável

É aquela cujo valor de verdade pode ser, pelo menos em


princípio, determinado através da observação ou da experiência.
Afirmações verificáveis

Alguns coelhos são


herbívoros.

As duas primeiras afirmações podem ser


verificadas na prática através da
O monte Everest tem observação. O valor de verdade da
8849 metros de altura. terceira ainda não foi estabelecido, mas
é possível conceber um conjunto de
observações que o possam estabelecer.

Existe vida em Júpiter.


Afirmações não
verificáveis

Alguns anjos têm emoções.

Estas afirmações não podem ser


Na porta do Inferno estão
empiricamente verificadas, uma vez que
escritas palavras de
o seu conteúdo ultrapassa o domínio
desespero.
dos factos observáveis.

A essência da realidade é de
natureza espiritual.
Objeção ao critério da
verificabilidade

A maioria das teorias científicas expressa-se em enunciados universais,


e esses enunciados não são suscetíveis de verificação empírica.

Todo o ferro dilata quando é aquecido. Todas as algas têm clorofila.

Não podemos verificar estas proposições no sentido em que nunca poderemos provar de forma conclusiva que
elas são verdadeiras.
Tentativa de resposta à objeção

A verificação empírica parcial é suficiente, desde que o “grau de confirmação” das teorias possa
ser estabelecido e, assim, possa ser escolhida aquela hipótese científica que estiver em
conformidade com o maior número de dados empíricos

As hipóteses científicas podem ser confirmadas.


O critério da falsificabilidade

Critério da falsificabilidade

Uma teoria é científica apenas se for empiricamente falsificável, ou seja,


apenas se for possível falsificar pela experiência aquilo que ela afirma.

Uma proposição, hipótese ou teoria é empiricamente falsificável


se e só se
for possível conceber uma observação ou uma experiência capaz de a refutar.
Afirmações falsificáveis

Observar um pedaço de ferro que não dilate


Todo o ferro dilata quando é aquecido. quando aquecido basta para provar que a
proposição é falsa.

Se o referido cometa não for visível da Terra no


O cometa Halley aparecerá no ano de
ano indicado, provar-se-á que a proposição é
2061. falsa.

Esta proposição é uma tautologia. Nenhuma


Amanhã, nevará na serra da Estrela. observação possível provaria que ela é falsa.

Todos os nativos de Peixes são Se observarmos um nativo de Peixes que não


mulheres. seja mulher, então esta proposição será falsa.
Afirmações não falsificáveis

Observar um pedaço de ferro que não dilate quando


Algum ferro dilata quando é aquecido. aquecido não prova que a proposição é falsa.

Não se dizendo uma data nem em que consiste tal


Surgirá no céu uma bola de fogo. bola, é impossível provar que a proposição é falsa.

Amanhã, ou nevará na Guarda, ou não Esta proposição é uma tautologia. Nenhuma


nevará. observação possível provaria que ela é falsa.

O próximo ano trará energias positivas Esta afirmação é vaga. Nenhuma observação
aos nativos de Peixes. poderia mostrar que ela é falsa.
Todos os animais são carnívoros.

Todos os cães são


carnívoros.

O meu cão é
carnívoro.

Quanto maior for o grau de falsificabilidade de uma afirmação,


mais interessante ela será para a ciência.
Afirmações falsificáveis

1. O meu cão é carnívoro.


Menos conteúdo empírico e
menor grau de falsificabilidade

2. Todos os cães são carnívoros.

Mais conteúdo empírico e maior


grau de falsificabilidade
3. Todos os animais são carnívoros.
Falsificabilidade Falsificação

Característica que todas as


Todas as teorias científicas são
teorias têm de ter para serem
falsificáveis, mas nem todas as
consideradas científicas; têm
teorias são ou foram
de poder ser submetidas a
falsificadas, isto é, dadas como
testes empíricos que visam
falsas.
refutá-las ou falsificá-las.

Uma teoria falsificável é uma Uma teoria está falsificada


teoria para a qual conseguimos, quando não resistiu a um
pelo menos em princípio, fazer determinado teste a que foi
uma experiência cujos submetida, quando com ele se
resultados sejam incompatíveis provou que ela não é
com o que nela se defende. verdadeira.
3. O método científico e o problema da verificação das
hipóteses

Método

Conjunto de procedimentos, orientados por um conjunto de regras,


que estabelecem a ordem das operações a realizar com vista a atingir um determinado resultado.

Qual é o método utilizado pelos cientistas?

De que modo os cientistas trabalham?


A perspetiva indutivista do método científico

Indutivismo

Perspetiva que salienta a importância da indução para a ciência.

A indução está presente no contexto de justificação das teorias e também,


segundo muitos indutivistas, no próprio contexto de descoberta.
Teorias científicas

Contexto de descoberta Contexto de justificação

Processo pelo qual o cientista Processo pelo qual o cientista


formula (ou descobre) a testa, defende (ou justifica) a
hipótese ou teoria. hipótese ou teoria.
Procedimentos – Método Científico

1. Observação dos factos ou fenómenos.


O cientista parte da observação, que é neutra, isenta, rigorosa, objetiva e imparcial.
Contexto
de
descoberta 2. Formulação de hipóteses.
O cientista formula a hipótese – explicação geral acerca dos fenómenos e das suas relações –,
inferindo, através da indução, um enunciado geral a partir de enunciados particulares ou singulares.

3. Experimentação/Verificação experimental.
O cientista deduz consequências da hipótese e procura verificá-las através de testes experimentais
– verificação experimental. Se as consequências se verificarem em cada caso, dá-se a confirmação
Contexto da hipótese.
de
justificação 4. Generalização dos resultados.
Recorrendo à indução, o cientista generaliza a relação encontrada entre os factos ou fenómenos
semelhantes, estabelecendo uma lei geral.
A observação não é
necessariamente o ponto de
partida para fazer ciência.

Ainda que o cientista recorra à Há teorias científicas que têm


observação, ela não é totalmente Críticas ao como objeto factos que não são
neutra, imparcial, pura ou isenta indutivismo observáveis (ainda que alguns o
de pressupostos ou preconceitos. possam vir a ser um dia).

Problema da indução.
O raciocínio indutivo não confere
o rigor lógico necessário às
teorias científicas.
A perspetiva falsificacionista do método científico

Karl Popper

Popper concorda com Hume relativamente ao problema da indução: a indução não é racionalmente justificável.
No entanto, acredita que este problema não põe em causa a ciência.

A indução e a verificabilidade não constituem, do seu ponto de vista,


aquilo que permite distinguir a ciência do que não é ciência.
Leis ou teorias científicas

São, para Popper, conjeturas que o cientista procurará submeter


a testes que visam a sua refutação ou falsificação.

Método crítico (método da discussão crítica)


ou método das conjeturas e refutações.

A ciência é uma atividade crítica.


Método das conjeturas e refutações

A hipótese Problema A hipótese


resiste aos testes não resiste aos testes

Tentativa de explicação:
Hipótese corroborada hipótese ou conjetura. Hipótese refutada

Tentativa de refutação: Reformulação da


Continuação dos testes,
hipótese ou formulação
cada vez mais severos observação e testes experimentais.
de nova hipótese
Teorias científicas

São refutáveis e conjeturais.

Uma boa teoria científica é uma teoria que,


por ter continuamente resistido à sua falsificação,
tem sido sucessivamente corroborada.
Este método não se baseia no raciocínio indutivo,
mas sim no raciocínio dedutivo.
Falsificação
de teorias

P→Q • Se a teoria T é verdadeira, então o que ela prevê ocorre.


Modus
Q • O que ela prevê não ocorre.
tollens
 P • Logo a teoria T não é verdadeira.

Exemplo • Se todos os planetas são esféricos, então o próximo


planeta que descobrirmos será esférico.

• O planeta que descobrimos não é esférico.

• Logo, não é verdadeiro que todos os planetas são


esféricos.
Verificação
de teorias

Falácia da P→Q • Se a teoria T é verdadeira, então o que ela prevê ocorre.


afirmação do Q • O que ela prevê ocorre.
consequente P • Logo a teoria T é verdadeira.

Exemplo
• Se todos os metais são condutores de eletricidade, então
o metal x será condutor de eletricidade.

• O metal x (testado) conduziu eletricidade.

• Logo, todos os metais são condutores de eletricidade.


Teorias científicas

Mesmo se estas passarem com sucesso nos testes,


é incorreto afirmar que são verdadeiras

É igualmente incorreto dizer que aumentou o seu grau de confirmação


ou a probabilidade de serem verdadeiras.

É posta em causa a perspetiva indutivista do método científico.


O processo de falsificação não é o
mais comum entre os cientistas.
Popper apresenta uma conceção
idealizada da ciência.

Ao nível da história da ciência


Popper, com o critério
encontramos episódios que parecem
falsificacionista, subestima o valor,
pôr em causa a ideia de que a Críticas a Popper para o progresso da ciência, das
ciência progride por meio de
previsões bem-sucedidas.
conjeturas e refutações.

Popper não dá conta do


conhecimento útil da ciência, que
tem um carácter positivo.
4. Os problemas da evolução da ciência e da objetividade do
conhecimento científico
Ciência

É geralmente entendida como uma atividade racional,


sustentada em métodos, capaz de produzir conhecimento objetivo,
no qual podemos confiar.

Racionalidade científica

No entanto, muitos filósofos procuram compreender como a ciência evolui


e se essa evolução é inteiramente racional ou não.
Problema da evolução da ciência.

Como evolui a ciência?

A ciência é objetiva?

Problema da objetividade
do conhecimento científico.
A perspetiva de Popper sobre a evolução da ciência

Popper

A ciência progride através do método das conjeturas e refutações.

A possibilidade de as teorias científicas serem falsificadas ou refutadas permite à ciência


avançar progressivamente, detetando erros ou falhas e propondo novas teorias.
Como evolui a ciência?

Popper faz uma analogia com a teoria da evolução por seleção natural de Darwin.

As teorias científicas que mais vão resistindo aos testes ousados e severos são as
mais fortes e as que se mantêm vigentes;
as teorias menos aptas são eliminadas e dadas como erros.
Eliminação
Problema
Teoria
(conjetura)
de erros
(refutação)
Novo
problema …

Só com uma atitude crítica será possível ao cientista avançar.


O seu objetivo é encontrar a verdade, ainda que essa tarefa corresponda apenas a uma aproximação à verdade.
Nova teoria
(melhor do que a teoria anterior)

Resolve problemas que


Explica os aspetos que Elimina erros da
teoria anterior. a teoria anterior não
a teoria anterior explicava.
conseguia resolver.
Em ciência, podemos mostrar apenas que dada teoria é mais verosímil do que outra.

Verosimilhança

Grau com que uma teoria capta a verdade: uma teoria é mais verosímil do que uma teoria rival
apenas no caso de implicar mais verdades e menos falsidades do que essa teoria rival.

Para Popper, o progresso na ciência


(ou, pelo menos, o progresso significativo)
é sempre revolucionário.
A perspetiva de Popper sobre a objetividade da ciência

Será que a ciência é objetiva?

Popper acredita que a ciência evolui de acordo com critérios racionais, lógicos e objetivos,
e que o conteúdo das teorias obedece a princípios lógicos que garantem o rigor e a objetividade da ciência.

Na escolha entre teorias concorrentes só intervêm critérios objetivos,


sem a interferência de quaisquer aspetos subjetivos.
Critérios objetivos
para a avaliação das teorias científicas

Sucesso em Capacidade de
Capacidade
testes prever novos
explicativa.
independentes. fenómenos.

A verdade é a meta para a qual a ciência avança.


A perspetiva de Thomas Kuhn sobre a evolução da ciência

Kuhn

Rejeita a ideia, defendida por Popper,


de que a ciência evolui ou progride em direção à verdade.

Na história da ciência, há longos períodos de estabilidade


e curtos períodos de instabilidade.
Análise do problema
da evolução da ciência

É histórica, pois valoriza o contributo É sociológica, pois procura compreender o


da história da ciência. contexto em que a ciência se faz.
A construção das teorias científicas está sempre dependente de um paradigma, isto é,
de um modo de perceber, abordar e resolver problemas que se institui no interior da comunidade científica.

Paradigma científico

Matriz disciplinar, ou uma visão do mundo que os membros de uma comunidade científica partilham
e que fornece princípios teóricos e práticos para se fazer ciência
num determinado domínio de investigação durante um certo período.
Funciona como um modelo de referência
reconhecido por todos os cientistas.

Inclui instrumentos, valores, É constituído pelas teorias


objetivos e pressupostos Paradigma científico fundamentais que a
metafísicos. comunidade científica aceita.

Fornece as regras, os objetivos, os métodos,


os princípios teóricos e práticos, os problemas
e as soluções modelares, para uma
comunidade científica.
Desenvolvimento da ciência

Ciência
Crise científica Revolução
Pré-ciência Ciência normal extraordinária
(por acumulação científica
(ausência de (sob um (divergências na
de anomalias (mudança de
paradigma) paradigma) comunidade
persistentes) paradigma)
científica)

Ciência normal
Ciência Revolução
(sob um Crise científica
extraordinária científica
novo paradigma)

Ciência normal
Pré-ciência

Fase pré-paradigmática, em que ainda não há ciência propriamente dita;


é uma situação marcada por divergências e por tentativas avulsas de resolução dos problemas.
Ciência normal

Investigação que ocorre no âmbito de um dado paradigma aceite pela comunidade científica.
Consiste essencialmente na resolução de enigmas (puzzles) de acordo com a aplicação dos
princípios, regras e conceitos do paradigma vigente.

Nos períodos de ciência normal, o desenvolvimento ou progresso da ciência é cumulativo,


uma vez que a resolução de enigmas permite ampliar a aplicação do paradigma
e acrescentar novos conhecimentos ao conhecimento já existente.
Por vezes, certos enigmas constituem verdadeiras ameaças à pesquisa científica.

Anomalias

Problemas ou enigmas que os cientistas não conseguem resolver a partir dos pressupostos teóricos
fundamentais de um paradigma, dentro do qual era suposto serem resolvidos.
Os cientistas não abandonam o paradigma ou as teorias vigentes
imediatamente após surgir uma anomalia.

Num período de ciência normal, a atitude da comunidade científica é de


conservadorismo e de resistência à mudança.

A maioria dos cientistas tudo faz para resolver as anomalias inesperadas.


Acumulação de anomalias persistentes

A ciência entra em crise.

Ciência extraordinária

Fase de questionamento dos pressupostos e


fundamentos do paradigma vigente. Gera-se o
debate sobre a manutenção do paradigma
(velho) ou a escolha de um novo paradigma.
Revolução científica

Impõe uma mudança de paradigma.

Logo que o consenso em torno do novo paradigma se estabelece,


tem início um novo período de ciência normal.
Mudança de um
paradigma para outro

Não é um As revoluções científicas são


É um processo
processo episódios de desenvolvimento
revolucionário.
cumulativo. não-cumulativo.
Incomensurabilidade
dos paradigmas

Não existem, entre os paradigmas,


pontos comuns a partir dos quais
Paradigma X Paradigma Y
eles possam ser objetivamente
comparados.

Não são
objetivamente comparáveis.

São formas totalmente distintas de


explicar e prever os fenómenos.

A verdade das teorias científicas estará sempre dependente do paradigma em que elas
se inserem, e aquilo que é verdadeiro num paradigma pode não o ser noutro.
Perspetiva de Thomas Kuhn sobre a evolução da ciência: exploração de imagens

Representações cartográfica do modelo geocêntrico (à esquerda) e heliocêntrico (à direita).


Perspetiva de Thomas Kuhn sobre a evolução da ciência: exploração de imagens

Representação de um buraco negro


Perspetiva de Thomas Kuhn sobre a evolução da ciência: exploração de imagens

Representação da curva espaço-tempo


Perspetiva de Thomas Kuhn sobre a evolução da ciência: exploração de texto e imagens

«“Estar consciente” é, em primeiro Este “inconsciente” coincide com


lugar, uma expressão puramente “latente, capaz de consciência”. É certo
descritiva, que invoca a perceção que os filósofos objetariam: “Não, o
imediata e segura. A experiência termo ‘inconsciente’ não pode ser
mostra-nos, em seguida, que um usado aqui; enquanto a ideia estava em
elemento psíquico – por exemplo, uma estado de latência não era nada
ideia – normalmente não é consciente psíquico”.»
de forma duradoura. É típico, isto sim,
Sigmund Freud, O Eu e o Id (1923), in Sigmund Freud -
que o estado de consciência passe com Obras Completas, vol. 16, Companhia das Letras, pp. 12-13
rapidez; uma ideia agora consciente (adaptado).

não o é mais no instante seguinte, mas


pode voltar a sê-lo em determinadas
condições fáceis de se produzirem.
Nesse intervalo ela era ou estava – não
sabemos o quê. Podemos dizer que era
latente, com isso querendo dizer que a
todo momento era capaz de tornar-se
consciente. Ou, se dissermos que era
inconsciente, também forneceremos
uma descrição correta.
Perspetiva de Thomas Kuhn sobre a evolução da ciência. A incomensurabilidade dos paradigmas: exploração de imagens

Kuhn exemplifica a
incomensurabilidade dos
paradigmas recorrendo
às imagens da
psicologia da
forma (Gestalt): estas
imagens ilustram a
inesperada e total
mutação de formas que
ocorre de um
paradigma para outro.
Perspetiva de Thomas Kuhn sobre a evolução da ciência. A incomensurabilidade dos paradigmas: exploração de imagens

Euclides Riemann Lobachevsky-Bolyai

Podemos considerar o exemplo das três conceções de espaço (a de Euclides, de Riemann e de Lobachevsky-Bolyai) que
suportam três geometrias diferentes: todas podem ser verdadeiras, pois todas funcionam em paradigmas distintos.
Incomensurabilidade dos paradigmas e desenvolvimento da ciência

Kuhn não entende a evolução da ciência como um processo de contínua


aproximação à verdade, mas como um processo descontínuo,
sem um fim predeterminado.

O paradigma em vigor não está mais próximo da verdade


do que o paradigma que ele substituiu.
Críticas a Kuhn

Como a adesão da comunidade


Posição relativista sobre a
científica a um paradigma se
ciência. Kuhn acaba por colocar
assemelha a uma conversão
as explicações que a ciência
religiosa, então existe
fornece num plano idêntico ao de
irracionalidade na atividade
outras explicações, como os mitos
A tese da incomensurabilidade é científica, o que contradiz a ideia
ou as lendas.
desajustada e pouco plausível. que temos da ciência.
Muitas teorias científicas são
melhores do que outras: resolvem
as anomalias e permitem fazer
previsões mais rigorosas.
A perspetiva de Thomas Kuhn sobre a objetividade da ciência
Kuhn acredita que a avaliação e a escolha das teorias científicas obedecem a determinados critérios
que são conhecidos e partilhados no seio da comunidade científica.

Critérios objetivos de Consistência


Exatidão escolha das teorias • Coerência interna da
• Refere-se às previsões
teoria e sua
que a teoria permite
compatibilidade com
fazer.
outras.

Alcance
Fecundidade
• Abrangência da teoria Simplicidade
• Capacidade da teoria
(quantidade e • Sobriedade e elegância
para impulsionar novas
diversidade de na forma como a teoria
descobertas de
fenómenos que ela é explica os fenómenos.
investigação.
capaz de explicar).
Na escolha entre teorias rivais interferem não só fatores objetivos como também fatores subjetivos.

Fatores que interferem


na escolha de teorias

Objetivos Subjetivos

Critérios partilhados pela comunidade Critérios individuais; aspetos


científica; princípios, regras ou idiossincráticos, dependentes de
características como a simplicidade aspetos biográficos e da
ou a exatidão das teorias. personalidade dos cientistas.
Avaliação das teorias científicas

Não é inteiramente determinada por critérios objetivos.


Isto porque a interpretação e a aplicação desses critérios
estão dependentes de fatores subjetivos.

A ciência não é totalmente objetiva.


Análise comparativa das perspetivas de Popper e Kuhn sobre a ciência
Como evolui a ciência?

Karl Popper Thomas Kuhn

A ciência apresenta um desenvolvimento


A ciência evolui através da eliminação de cumulativo dentro de cada paradigma (na fase
erros ou da refutação de teorias. de ciência normal) e um desenvolvimento
As hipóteses sofrem uma espécie de evolução não-cumulativo nas mudanças de paradigma
seletiva. (revoluções científicas).

O progresso significativo na ciência é sempre Os episódios revolucionários são muito raros


revolucionário. no desenvolvimento da ciência.

A ciência evolui progressivamente em direção à Não podemos dizer que a ciência evolui
verdade. progressivamente em direção à verdade.

As teorias falsificadas são substituídas por A mudança de um paradigma para outro, não
outras melhores e que mais se aproximam da sendo cumulativa, significa apenas um modo
verdade (maior grau de verosimilhança). diferente de entender o real
(incomensurabilidade).
O conhecimento científico é objetivo?

Karl Popper Thomas Kuhn

O conhecimento científico é
O conhecimento científico é dependente dos valores, opiniões e
independente dos valores, opiniões, crenças dos investigadores integrados
crenças dos cientistas. numa comunidade científica.

A escolha e a avaliação das teorias dependem A escolha e a avaliação das teorias


apenas de critérios objetivos. Por isso, a dependem de critérios objetivos e de
ciência é objetiva. fatores subjetivos. Por isso, a ciência
não é totalmente objetiva.
O conhecimento científico é um
“conhecimento sem conhecedor”. “Conhecimento sem conhecedor” é uma
contradição.
A ciência é conjetural, ela não atinge a verdade,
mas a verdade é sua meta (verdade como A verdade é sempre relativa ao
correspondência aos factos). paradigma vigente; só pode ser
entendida dentro dos limites que ele
impõe.

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