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Unidade 4 | Teste de avaliação

GRUPO I

Apresente as suas respostas de forma bem estruturada.

Educação Literária

PARTE A

Leia o texto e as notas.

E no dog-cart1, com aquela linda égua, a Tunante, ou no faetonte2 com que


maravilhava Lisboa, Carlos lá partia em grande estilo para a Baixa, para “o trabalho”.
O seu gabinete, no consultório, dormia numa paz tépida entre os espessos
veludos escuros, na penumbra que faziam os estores de seda verde corridos. Na
sala, porém, as três janelas abertas bebiam à farta a luz; tudo ali parecia festivo; as
poltronas em torno da jardineira3 estendiam os seus braços, amáveis e convidativos;
o teclado branco do piano ria e esperava, tendo abertas por cima as Canções de
5
Gounod; mas não aparecia jamais um doente. E Carlos – exatamente como o criado
que, na ociosidade da antecâmara, dormitava sobre o Diário de Notícias, acaçapado4
na banqueta – acendia um cigarro Laferme, tomava uma revista, e estendia-se no
divã. A prosa, porém, dos artigos estava como embebida do tédio moroso do
1
0 gabinete: bem depressa bocejava, deixava cair o volume.
Do Rossio, o ruído das carroças, os gritos errantes de pregões, o rolar dos
americanos5, subiam numa vibração mais clara, por aquele ar fino de novembro: uma
1
luz macia, escorregando docemente do azul-ferrete, vinha dourar as fachadas
5 enxovalhadas, as copas mesquinhas das árvores do município, a gente vadiando
pelos bancos: e essa sussurração lenta de cidade preguiçosa, esse ar aveludado de
clima rico, pareciam ir penetrando pouco a pouco naquele abafado gabinete e
2 resvalando pelos veludos pesados, pelo verniz dos móveis, envolver Carlos numa
0 indolência e numa dormência… Com a cabeça na almofada, fumando, ali ficava,
nessa quietação de sesta, num cismar que se ia desprendendo, vago e ténue, como
o ténue e leve fumo que se eleva de uma braseira meio apagada; até que, com um
2 esforço, sacudia este torpor, passeava na sala, abria aqui e além pelas estantes um
5
livro, tocava no piano dois compassos de valsa, espreguiçava-se – e, com os olhos
nas flores do tapete, terminava por decidir que aquelas duas horas de consultório
eram estúpidas!
– Está aí o carro? – ia perguntar ao criado.
Acendia bem depressa outro charuto, calçava as luvas, descia, bebia um largo
sorvo de luz e ar, tomava as guias6 e largava, murmurando consigo:
– Dia perdido!
Eça de Queirós, Os Maias, Porto, Porto Editora, 2016, pp. 108-109
NOTAS
1
dog-cart – viatura usada pela aristocracia.
2
faetonte – carruagem ligeira e de quatro rodas.
3
jardineira – móvel onde se colocam flores ou outros objetos de adorno.
4
acaçapado – encolhido.
5
americanos – carros que andam sobre carris de ferro, movidos por tração animal.
6
guias – rédeas.

1. Compare, nas suas semelhanças e diferenças, os espaços representados no excerto. Ilustre a resposta
com elementos textuais pertinentes.

2. Explicite dois dos traços caracterizadores de Carlos da Maia.

3. Complete as afirmações abaixo apresentadas, selecionando a opção adequada a cada espaço.


Na folha de respostas, registe apenas as letras – a), b) e c) – e, para cada uma delas, o número que
corresponde à opção selecionada em cada um dos casos.

Nos excertos transcritos, é possível encontrar várias características da linguagem e estilo de Eça de
Queirós, nomeadamente a       a)       presente na descrição dos espaços e dos objetos, como em
“três janelas abertas bebiam à farta a luz” (linha 5). Além disso, a acutilância e vivacidade da crítica,
sobretudo no trabalho a que Carlos se predispõe, são conseguidas pelo recurso à ironia, como o
segmento
      b)       evidencia. Do mesmo modo, a adjetivação revela múltiplos sentidos, como no segmento
“espessos veludos escuros” (linhas 3 e 4), conseguidos também através da       c)      ,
expressando, simultaneamente, conforto e bem-estar.

a) b) c)

1. personificação 1. “abafado gabinete” (linha 18) 1. gradação

2. metonímia 2. “quietação de sesta” (linhas 20 e 21) 2. sinestesia

3. metáfora 3. “– Dia perdido!” (linha 29) 3. anástrofe


PARTE B

Leia o texto.

Carlos, nessa manhã, ia visitar de surpresa a casa do Ega, a famosa “Vila Balzac”,
que esse fantasista andara meditando e dispondo desde a sua chegada a Lisboa, e onde
se tinha enfim instalado.
Ega dera-lhe esta denominação literária, pelos mesmos motivos por que a alugara
num subúrbio longínquo, na solidão da Penha de França – para que o nome de Balzac,
5 seu padroeiro, o silêncio campestre, os ares limpos, tudo ali fosse favorável ao estudo, às
horas de arte e de ideal. Porque ia fechar-se lá, como num claustro de letras, a findar as
Memórias de Um Átomo! Somente, por causa das distâncias, tinha tomado ao mês um
1 coupé da Companhia.
0
Carlos teve dificuldades em encontrar a “Vila Balzac”: não era, como tinha dito Ega no
Ramalhete, logo adiante do Largo da Graça um chalezinho retirado, fresco, assombreado,
sorrindo entre árvores. Passava-se primeiro a Cruz dos Quatro Caminhos; depois
1 penetrava-se numa vereda larga, entre quintais, descendo pelo pendor da colina, mas
5
acessível a carruagens; e aí, num recanto, ladeada de muros, aparecia enfim uma casota
de paredes enxovalhadas, com dois degraus de pedra à porta e transparentes novos de
um escarlate estridente.
Eça de Queirós, Os Maias, Porto, Porto Editora, 2016, p. 153

4. Explicite dois traços caracterizadores de João da Ega. Ilustre a resposta com elementos textuais
pertinentes.

5. Selecione a opção de resposta adequada para completar as afirmações abaixo apresentadas.

No terceiro parágrafo, entre a caracterização do espaço apresentado tanto por Ega como por Carlos,
estabelece-se uma relação de                 . Neste sentido, o uso do diminutivo, que pode
apresentar vários valores, adquire, na linha 11, um sentido                 .

(A) dissimilitude … pejorativo


(B) similitude … afetivo
(C) dissimilitude … afetivo
(D) similitude … pejorativo
GRUPO II

Leitura e Gramática

Leia o texto e as notas.

A decisão aprovada por unanimidade na Assembleia da República visando conceder


honras de Panteão Nacional a José Maria Eça de Queiroz constitui um ato de elementar
reconhecimento em relação a quem é referência indiscutível das culturas de língua
portuguesa. No lugar cívico de homenagem a figuras referenciais da história portuguesa,
está em causa a valorização do Panteão, de modo a melhor dignificar uma identidade
nacional antiga, aberta, complexa e fecunda. […]
No Panteão estão sepultadas figuras nacionais marcantes e são ainda recordados,
através de “cenotáfios”1, os nomes de: Nuno Álvares Pereira, Infante D. Henrique, Vasco
5 da Gama, Pedro Álvares Cabral, Afonso de Albuquerque e Luís de Camões. O mosteiro
dos Jerónimos funcionou provisoriamente como Panteão, mas não tem hoje esse estatuto
formal, ainda que tenha os túmulos de Vasco da Gama e de Luís de Camões, na nave do
1 templo, de Alexandre Herculano, na antiga Sala do Capítulo, e de Fernando Pessoa. Em
0
S. Vicente de Fora, está o Panteão da Dinastia de Bragança, onde se encontram
sepultados membros da família real que reinou após a Restauração de 1640. No entanto,
trata-se aqui de um Panteão familiar. […]
1 Se há figura histórica em Portugal cuja presença no Panteão Nacional se justifica
5
plenamente, é o autor de Os Maias e de A Ilustre Casa de Ramires, como romancista que
retratou a sociedade portuguesa do final do século XIX em termos que nos permitem
compreender melhor de onde vimos e quem somos. Não significa isto que a sociedade
2
0 contemporânea não tenha mudado. Mudou muito, mas prevalecem elementos duradouros
que nos permitem pôr em confronto o que resiste e o que se transforma. Ainda se usa a
expressão vencidismo para caracterizar a geração de Eça de Queiroz – no entanto não
tem sentido negativo essa expressão, uma vez que a palavra “vencidos” nasceu como
2
5 uma ironia (“battus de la vie”) que o tempo não confirmou como fatalidade profética, mas
sim como orientação crítica e como obrigação de uma modernização cosmopolita e
europeia. Não transigir2 com a mediocridade e o atraso foi a marca dessa geração de
3 1870. E se virmos bem, Eça de Queiroz, sendo um diplomata a viver fora de Portugal, foi
0 sempre na perspetiva de português que retratou a nossa sociedade. A marca própria está
na visão citadina que sempre imprimiu à sua obra, enquanto alguém como Camilo Castelo
Branco (romancista de primeira água, a merecer também as honras de Panteão) foi mais
3 próximo do país profundo rural, apesar da sua extraordinária cultura erudita. […]
5
E assim se concretiza a fidelidade ao pensamento de Eça de Queiroz e da sua
geração – para quem o País não poderia ser condenado ao atraso e à mediocridade. E as
“honras de Panteão Nacional” significam reconhecimento de um excecional contributo
cultural e cívico.
Guilherme d’Oliveira Martins, “A presença de Eça de Queiroz…”, in Jornal de Letras, janeiro / fevereiro de 2021, p. 29
(texto com supressões)

NOTAS
1
“cenotáfios” – memoriais fúnebres erguidos para homenagear pessoas cujos restos mortais estão noutro local.
2
transigir – condescender; aprovar.
5. No contexto em que ocorre, a expressão “no entanto” (linha 22) contribui para a coesão
(A) interfrásica.
(B) frásica.
(C) temporal.
(D) lexical.

6. A oração “que reinou após a Restauração de 1640” (linha 14) é subordinada


(A) substantiva relativa, com função de predicativo do sujeito.
(B) adjetiva relativa explicativa, com função de modificador apositivo do nome.
(C) substantiva completiva, com função de complemento oblíquo.
(D) adjetiva relativa restritiva, com função de modificador restritivo do nome.

7. Os segmentos “mas não tem hoje esse estatuto formal” (linhas 10 e 11) e “um excecional contributo
cultural e cívico” (linhas 34 e 35) exprimem a modalidade
(A) apreciativa, no primeiro caso, e epistémica, no segundo caso.
(B) epistémica, no primeiro caso, e apreciativa, no segundo caso.
(C) epistémica, em ambos os casos.
(D) apreciativa, em ambos os casos.

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