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Dâmaso Salcede
Entrevista de Pedro Vieira
Encontrar o meu entrevistado não foi tarefa fácil. Não temos amigos em comum (é difícil tê-
los quando procuramos alguém nascido no século XIX), a Área Metropolitana de Lisboa é isso
mesmo, uma área metropolitana, sem caleches nem carruagens nem ar puro em zonas outrora
verdejantes, hoje engolidas pelo betão, pelas centenas de milhares de habitantes e pelos
5 escapes; e ainda se colocou a questão espinhosa do apelido. Empenhei-me em encontrar um
Salcede, nom raro que deveria facilitar a tarefa de busca, mas acabou por sair-me em sorte um
Silva […]. Dâmaso Salcede chega apressado, dando muitos passos curtinhos e suando por todos
os poros […].
Dâmaso Salcede, arrepende-se de alguma coisa?
10 Silva, trate-me por Silva. Da Silva, se quiser. Era assim que assinava o senhor meu pai. […]
Devo dizer-lhe que essa pergunta me intriga, porque a verdade é que não tenho assim nada de
que me arrependa, a não ser do facto de ter passado demasiado tempo de camélias ao peito.
[…].
A vida ensinou-me a tomar conta do meu próprio destino, sabe? Longe vão os tempos em que
me entregava de alma e coração ao serviço dos outros. Fui alvo de muita ingratidão e de muitos
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desaforos, e nesta fase da vida, que já vai longa, tendo a concentrar-me em mim próprio. […]
Mas anteriormente já havia quem lhe apontasse o defeito do egocentrismo.
Durante a minha era dourada apontaram-me de tudo um pouco, fruto da inveja e da
mesquinhez. Os provincianos nunca lidaram bem com o meu savoir faire. Invejavam-me tudo. […]
Chegava a ser um tédio, lidar com tanta gente sórdida. Escapavam duas ou três almas boas, como
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o meu querido Carlos, que mesmo assim cegou, à conta de maus conselhos e amores levados da
breca.
As coisas que mandou publicar sobre ele na Corneta do Diabo também não terão
ajudado…
São atos de amor, extravagâncias. Se tinha o orgulho um pouco ferido? Tinha-o, de facto. Fui
vítima de muita intriga, de muita fofoca sem fundamento. Logo eu, que lhe admirava tudo, do
porte nobre ao verniz dos sapatos.
2. Os advérbios «outrora» e «hoje», usados no primeiro parágrafo (ll. 3 e 4) contribuem para a coesão
(A) gramatical interfrásica. (C) gramatical temporal.
(B) gramatical frásica. (D) lexical por reiteração.
5. Nas expressões «A vida ensinou-me a tomar conta do meu próprio destino» (l. 12) e «Durante a
minha era dourada apontaram-me de tudo um pouco» (l. 16), os pronomes pessoais desempenham
as funções sintáticas de
(A) complemento direto, em ambos os casos.
(B) complemento indireto, em ambos os casos.
(C) complemento indireto e de complemento direto, respetivamente.
(D) complemento direto e de complemento indireto, respetivamente.
8. Refere os tipos de dêixis assegurados na frase: «Devo dizer-lhe que essa pergunta me intriga» (l. 10).
10. Transcreve a passagem de que o pronome «o», em «Tinha-o, de facto.» (l. 21), constitui uma anáfora.
Sequência 4 – Os Maias
1. (B)
2. (C)
3. (A)
4. (C)
5. (D)
6. (B)
7. (D)
8. Dêixis pessoal («Devo», «lhe» e «me); dêixis temporal («devo dizer») e dêixis espacial («essa»).
9. Dâmaso pediu ao entrevistador que o tratasse por Silva ou por «da Silva», se quisesse, já que era assim
que assinava o senhor seu pai. Acrescentou que devia dizer-lhe que aquela pergunta o intrigava, porque a
verdade era que não tinha nada de que se arrependesse, a não ser do facto de ter passado demasiado
tempo de camélias ao peito.
10. O pronome recupera, como anáfora, «o orgulho um pouco ferido».