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Letras em dia, Português, 11.

º ano

Educação Literária

Em relação: Amor de Perdição ▪ A Abóbada

Lê os dois textos e as notas. Na resposta aos itens, tem em consideração ambos os textos.

Teresa maravilhou-se da quietação inesperada de seu pai e desconfiou da incoerência.


Escreveu a Simão. Nada lhe escondeu do sucedido; nem as ameaças de Baltasar por
delicadeza suprimiu. Rematava comunicando-lhe as suas suspeitas de algum novo plano de
violência.
O académico1, chegando ao período das ameaças, já não tinha clara luz nos olhos para
5 decifrar o restante da carta. Tremia sezões 2, e as artérias frontais arfavam-lhe entumecidas 3.
Não era sobressalto do coração apaixonado: era a índole arrogante que lhe escaldava o sangue.
Ir dali a Castro Daire e apunhalar o primo de Teresa na sua própria casa, foi o primeiro conselho
que lhe segredou a fúria do ódio. Neste propósito saiu, alugou cavalo, e recolheu a vestir-se de
jornada4. Já preparado, a cada minuto de espera assomava-se em frenesis 5. O cavalo demorou-
10 se meia hora, e o seu bom anjo, neste espaço, vestido com as galas 6 com que ele vestia na
imaginação Teresa, deu-lhe rebates de saudade daqueles tempos e ainda das horas daquele
mesmo dia em que cismava na felicidade que o amor lhe prometia, se ele a procurasse no
caminho do trabalho e da honra. Contemplou os seus livros com tanto afeto, como se em cada
um estivesse uma página da história do seu coração. Nenhuma daquelas páginas tinha ele lido,
15 sem que a imagem de Teresa lhe aparecesse a fortalecê-lo para vencer os tédios da continuada
aplicação e os ímpetos dum natural inquieto e ansioso de emoções desusadas. «E há de tudo
acabar assim? – pensava ele, com a face entre as mãos, encostado à sua banca de estudo. –
Ainda há pouco eu era tão feliz!… Feliz! – repetiu ele, erguendo-se de golpe. – Quem pode ser
feliz com a desonra duma ameaça impune?!… […]»

CASTELO BRANCO, Camilo, 2015. Amor de Perdição. Porto: Porto Editora (p. 46)

20 – Senhor rei – disse o cego, erguendo a fronte, que até ali tivera curvada –, vós tendes um
cetro e uma espada; tendes cavaleiros e besteiros 7; tendes ouro e poder: Portugal é vosso, e
tudo quanto ele contém, salvo a liberdade de vossos vassalos: nesta nada mandais. Não!… vos
digo eu: não serei quem torne a erguer essa derrocada abóbada! Os vossos conselheiros
julgaram-me incapaz disso: agora eles que a alevantem.
25 As faces de D. João I tingiram-se do rubor do despeito8.
– Lembrai-vos, cavaleiro – disse ele –, de que falais com D. João I.
– Cuja coroa – acudiu o cego – lhe foi posta na cabeça por lanças, entre as quais reluzia o
ferro da que eu brandia. D. João I é assaz nobre e generoso, para não se esquecer de que
nessas lanças estava escrito: Os vassalos portugueses são livres.
30 – Mas – tornou el-rei – os vassalos que desobedecem aos mandados daquele em cuja casa
têm acostamento9 podem ser privados da sua moradia…
– Se dizeis isso pela que me destes, tirai-ma; que não vo-la pedi eu. Não morrerei de fome;
que um velho soldado de Aljubarrota achará sempre quem lhe esmole uma mealha 10; e quando
haja de morrer à míngua de todo humano socorro, bem pouco importa isso a quem vê
35 arrancarem-lhe, nas bordas da sepultura, aquilo por que trabalhou toda a vida: um nome
honrado e glorioso.
Dizendo isto, o velho levou a manga do gibão aos olhos baços e embebeu nela uma lágrima
mal sustida. El-rei sentiu a piedade coar-lhe no coração comprimido de despeito e dilatar-lho

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suavemente. Uma das dores de alma que, em vez de a lacerar 11, a consolam, é sem dúvida a
compaixão.

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40 – Vamos, bom cavaleiro – disse el-rei pondo-se em pé –, não haja entre nós doestos 12. O
arquiteto do Mosteiro de Santa Maria vale bem o seu fundador! Houve um dia em que nós
ambos fomos pelejadores13: eu tornei célebre o meu nome, a consciência mo diz, entre os
príncipes do Mundo, porque segui avante por campos de batalha; ela vos dirá, também, que a
vossa fama será perpétua, havendo trocado a espada pela pena com que traçastes o desenho
45 do grande monumento da independência e da glória desta terra. Rei dos homens do aceso
imaginar, não desprezeis o rei dos melhores cavaleiros, os cavaleiros portugueses!

HERCULANO, Alexandre, 2014. A Abóbada. Porto: Porto Editora (pp. 60-62)

1. o académico: Simão; 2. sezões: febres intensas, intensamente (figurado); 3. entumecidas: inchadas; 4. jornada: viagem; 5. frenesis: impaciências,
inquietações; 6. galas: trajes de cerimónia usados em dias festivos; 7. besteiros: soldados armados de bestas (armas); 8. despeito: ressentimento por
ofensa ou desconsideração; 9. acostamento: morada; 10. mealha: antiga moeda de cobre equivalente a meio ceitil; 11. lacerar: despedaçar, rasgar;
12. doestos: acusações, injúrias; 13. pelejadores: combatentes.

Apresenta as tuas respostas aos itens que se seguem de forma bem estruturada.

1. Simão e Afonso Domingues apresentam características que permitem defini-los como heróis
românticos.

1.1. Explica o modo como uma dessas características, comum a ambas as personagens, se
manifesta em cada uma delas.
Na tua resposta, começa por identificar a característica comum às personagens.

1.2. Mostra como se afirma, em ambos, o individualismo, enquanto traço de carácter.

2. Completa as afirmações abaixo apresentadas, selecionando da tabela a opção adequada a cada


espaço.
Regista apenas as letras – (a), (b) e (c) – e, para cada uma delas, o número que corresponde à
opção selecionada em cada um dos casos.

Nos excertos transcritos, são utilizados recursos que contribuem para a expressividade do
discurso.
Assim, em «foi o primeiro conselho que lhe segredou a fúria do ódio» (ll. 7-8) está presente a
_____(a)_____ que contribui para o conhecimento _____(b)_____ da personagem.
No final do segundo excerto, a apóstrofe «Rei dos homens do aceso imaginar» (l. 45) integra
também uma perífrase, através da qual D. João I se refere aos _____(c)_____.

(a) (b) (c)

1. metáfora 1. do carácter prudente 1. príncipes do mundo

2. personificação 2. do temperamento impetuoso 2. vassalos portugueses

3. ironia 3. da sensibilidade 3. artistas

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Sugestões de resolução

Em relação: Amor de Perdição ▪ A Abóbada


1.1. Simão e Afonso Domingues revelam a intensidade dos seus sentimentos e a força do seu carácter. O
protagonista de Amor de Perdição deixa-se levar, momentaneamente, pela «fúria do ódio» (l. 8),
apaziguada, contudo, pela força do amor e pela lembrança de Teresa. Afonso Domingues exalta-se na
defesa da liberdade individual, em nome da qual confronta inclusivamente o rei (ll. 20-24 e 29). Ambos se
revelam também defensores acérrimos do valor da honra, perante ameaças à sua felicidade (ll. 18-19) ou ao
seu nome e reconhecimento profissional (ll. 33-35).
1.2. O herói romântico é, por natureza, excecional e insubmisso, defendendo a sua liberdade e a sua
individualidade. Por isso, confronta-se frequentemente com quem ou com o que, de algum modo, limita a
sua independência, revoltando-se contra as convenções sociais que, de alguma forma, o condicionam na
sua singularidade. Simão e Afonso Domingues enquadram-se neste modelo. O primeiro, afrontado na
«índole arrogante» (l. 6), defende, hipotecando até a sua vida e a sua liberdade, a possibilidade de
concretizar a «felicidade que o amor lhe prometia». O arquiteto de A Abóbada, apesar das limitações físicas,
defende a sua competência profissional, que não faz depender da visão. Afrontando quem o menoriza,
assume uma dimensão algo visionária e mostra não temer as consequências que poderão advir do facto de
dizer o que pensa e sente.
2. (a) 2; (b) 2; (c) 3.

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