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Teste de avaliação – 11.º ano novembro 2022

Educação Literária

Grupo I (115 pontos)

A (92 pontos)

Lê atentamente o seguinte texto e consulta as notas apresentadas.

Com os voadores tenho também uma palavra, e não é pequena a queixa. Dizei-me,
voadores, não vos fez Deus para peixes? Pois porque vos meteis a ser aves? O mar fê-lo Deus
para vós, e o ar para elas. Contentai-vos com o mar e com nadar, e não queirais voar, pois sois
peixes. Se acaso vos não conheceis, olhai para as vossas espinhas e para as vossas escamas, e
conhecereis que não sois ave, senão peixe, e ainda entre os peixes não dos melhores. Dir-me-
eis, voador, que vos deu Deus maiores barbatanas que aos outros do vosso tamanho. Pois
porque tivestes maiores barbatanas, por isso haveis de fazer das barbatanas asas?! Mas ainda
mal, porque tantas vezes vos desengana o vosso castigo. Quisestes ser melhor que os outros
peixes, e por isso sois mais mofino 1 que todos. Aos outros peixes, do alto, mata-os o anzol ou a
fisga, a vós sem fisga nem anzol, mata-vos a vossa presunção e o vosso capricho. Vai o navio
navegando e o marinheiro dormindo, e o voador toca na vela ou na corda, e cai palpitando. Aos
outros peixes mata-os a fome e engana-os a isca; ao voador mata-o a vaidade de voar, e a sua
isca é o vento. Quanto melhor lhe fora mergulhar por baixo da quilha 2 e viver, que voar por
cima das entenas3 e cair morto!
Grande ambição é que, sendo o mar tão imenso, lhe não basta a um peixe tão pequeno
todo o mar, e queira outro elemento mais largo. Mas vedes, peixes, o castigo da ambição. O
voador fê-lo Deus peixe, e ele quis ser ave, e permite o mesmo Deus que tenha os perigos de
ave e mais os de peixe. Todas as velas que para ele são redes, como peixe, e todas as cordas,
laços, como ave. Vê, voador, como correu pela posta 4 o teu castigo. Pouco há nadavas vivo no
mar com as barbatanas, e agora jazes em um convés amortalhado nas asas. Não contente com
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infeliz.
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peça forte de um barco que vai da proa à popa.
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antenas.
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Naquele tempo, era a “posta” ou mala-posta, o meio mais rápido de locomoção.
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ser peixe, quiseste ser ave, e já não és ave nem peixe, nem voar poderás já, nem nadar. A
natureza deu-te água5, tu não quiseste senão o ar, e eu já te vejo posto ao fogo. Peixes, contente-
se cada um com o seu elemento. Se o voador não quisera passar do segundo ao terceiro, não
viera a parar no quarto. Bem seguro estava ele do fogo, quando nadava na água, mas porque
quis ser borboleta das ondas, vieram-se-lhe a queimar as asas.
À vista deste exemplo, peixes, tomai todos na memória esta sentença: Quem quer mais
do que lhe convém, perde o que quer e o que tem. Quem pode nadar e quer voar, tempo virá em
que não voe nem nade. (…)
Oh alma de António, que só vós tivestes asas e voaste sem perigo, porque soubestes
voar para baixo e não para cima!
Padre António Vieira, Sermões, II, prefácio e notas de António Sérgio e Hernâni Cidade, 3.ª ed., Lisboa:
Sá da Costa, 2008. [“Sermão de Santo António aos Peixes”, cap. V, pp. 135-136.]

Apresenta, de forma clara e bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.
1. Explica as consequências da ousadia dos “Voadores”.
2. Explicita o significado das frases de caráter proverbial presentes no início do terceiro
parágrafo (ll. 26-28).
3. Justifica a apóstrofe final a Santo António, tendo em atenção a globalidade deste Sermão.
4. Identifica o recurso expressivo presente na frase “mas porque quis ser borboleta das ondas”
(l. 25) e explica o seu valor expressivo.

B (23 pontos)

5. Tendo em conta a tua experiência de leitura do “Sermão de Santo António (aos peixes)”,
numa breve exposição, apresenta o modo como se concretizam nesta obra os três objetivos
da eloquência.
A tua exposição deve incluir:

 uma introdução ao tema;


 um desenvolvimento no qual explicites os três objetivos da eloquência,
fundamentando com, pelo menos, um exemplo significativo;
 uma conclusão adequada ao desenvolvimento do tema.

Grupo II (45 pontos)


Leitura | Gramática
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Referência aos elementos que, segundo os filósofos, constituíam o Universo: terra, água, ar e fogo.
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Nas respostas aos itens de escolha múltipla, seleciona a opção correta.


Escreve, na folha de respostas, o número do item e a letra que identifica a opção
escolhida.
A Companhia de Jesus
É conhecida dos historiadores a ação desencadeada pela Companhia de Jesus para obter
o monopólio, o controlo total do ensino, quer normal quer universitário. Conseguiram montar
uma rede de colégios e escolas oficiais por todo o país e colónias, além de universidades que
rivalizavam com a de Coimbra (…).
Para essas escolas criaram uma pedagogia e plano de estudos próprios, que condicionam
geneticamente algumas facetas da produção de Vieira.
Entre as disciplinas ministradas (latim, grego, teologia, filosofia, gramática) contava-se
a Retórica ou seja a disciplina que ensina um orador a construir um discurso de forma a
persuadir os seus ouvintes. Nesta, como noutras matérias, os jesuítas adotavam o livro único,
compêndio dado por todos os professores, com o consequente abandono da leitura direta dos
tratadistas antigos, o que veio a contribuir para a anquilose 6 e uniformização na construção dos
sermões ao longo do século.
Também estimularam bastante o uso, então vulgarizado, de coleções ou elencos de
lugares-comuns, listas intermináveis de passos das Escrituras e dos Doutores da Igreja, e ainda
de alguns escritores latinos, para consulta e uso do pregador, onde este podia encontrar os
“conceitos predicáveis” que serviam de fundamento obrigatório à sua argumentação. Parece ter
sido mesmo um jesuíta o introdutor do método dos conceitos predicáveis na eloquência sacra.
Se se conhecer um plano de estudos como a Ratio Studiorum de 1599, em vigência
durante a educação de Vieira, verifica-se que na formação do educando entrava um sério e
apurado treino para a pregação, sobretudo através de constantes sabatinas e exercícios escritos
de composição, que além de estimularem a emulação e o espírito combativo, faziam
desenvolver a capacidade dialética e a procura da novidade, da surpresa, da “agudeza”
(descoberta de relações subtis entre dois ou mais termos). O critério de orientação e de
apreciação dos mestres integrava múltiplos e minuciosos fatores que diziam respeito à
composição desses textos (número de frases, sua ligação, teor dos lugares-comuns, digressões,
etc.) o que revela um efetivo adestramento dos seus pupilos na competência oratória. (…)
Para além da retórica, fazia parte da formação de bons técnicos na eloquência aquilo a
que J. L. de Azevedo se refere nestes termos, a propósito dos dois anos de noviciado na
Companhia: “Diariamente exercícios de memória, com textos decorados do Antigo e Novo
Testamento; e os de declamação, que na língua da Companhia se denominavam repetição dos
tons para as inflexões do púlpito. Instrução sobre o porte e ademanes, sobre o andar, o riso, a
voz, a posição das mãos, a direção do olhar, o modo de compor o vestido. Os lábios não devem
estar contraídos nem em demais abertos. Evite-se o franzir da testa ou do nariz, pois cumpre
que se leia no rosto, espelho da alma, a serenidade do interior. Tudo isto se acha especificado
em regras escritas que o noviço tem de conhecer e praticar”. Assim se vê que o sermão, o texto
de que hoje dispomos, é apenas uma das partes que compunham o espetáculo teatral da
pregação, onde intervinham outras unidades significativas como espaço cénico, iluminação,
marcação, gestos, entoações, etc. A própria arquitetura barroca adotou o modelo jesuíta de
igreja-salão, sem naves laterais para que o púlpito pudesse ser visto (como a igreja de S. Roque
em Lisboa).
Sermão de S.to António (aos peixes) e Semão da Sexagésima, Padre António Vieira, Apresentação crítica de
Margarida Vieira Mendes, Lisboa: Seara Nova, 1978, pp.17-19.

1. A Companhia de Jesus

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Padronização.
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(A) desenvolveu um trabalho importante embora essencialmente burocrático.


(B) implementou uma ação importante no ensino universitário.
(C) desenvolveu uma ação marcante em Coimbra.
(D) implementou um projeto pedagógico-didático notável.

2. O plano de estudos da Companhia de Jesus


(A) centrava-se numa única disciplina.
(B) desvalorizava o estudo da Retórica.
(C) centrava-se na leitura direta dos textos antigos.
(D) baseava-se no estudo de um compêndio comum a todos os colégios jesuítas.

3. A Ratio Studiorum
(A) é o plano de estudos que Padre António Vieira seguiu.
(B) não é um documento sobre a pregação.
(C) estimulava o estudo dos jovens do século XV.
(D) foi um documento elaborado por Padre António Vieira.

4. O sermão no século XVII


(A) era um texto para ser lido.
(B) era uma obra de arte.
(C) era um espetáculo teatral.
(D) era declamado no altar por um estudioso.

5. O orador
(A) dirige-se, na terceira pessoa, a todos os jovens presentes.
(B) recorre a recursos verbais e não verbais.
(C) dirige-se, na primeira pessoa do plural, a toda a humanidade.
(D) pretende atingir os quatro objetivos da eloquência.

6. Identifica a função sintática desempenhada pelo vocábulo sublinhado “que ensina um


orador a construir um discurso de forma a persuadir os seus ouvintes” (ll. 8-9).

7. Classifica a oração subordinada na frase: “verifica-se que na formação do educando


entrava um sério e apurado treino para a pregação” (ll. 19-20).

Grupo III (40 pontos)


Escrita
Redige um texto de opinião bem estruturado, com um mínimo de 180 e um máximo de 240
palavras, sobre o respeito pelos direitos humanos na atualidade. Para fundamentares o teu
ponto de vista, recorre a dois argumentos, ilustrando cada um deles com um exemplo
significativo.
Não te esqueças de planificar previamente o teu texto e de o rever. Deves ter em conta as
marcas específicas deste género textual.

Bom trabalho!

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