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Educação Literária
A (80 pontos)
Com os voadores tenho também uma palavra, e não é pequena a queixa. Dizei-me,
voadores, não vos fez Deus para peixes? Pois porque vos meteis a ser aves? O mar fê-lo
Deus para vós, e o ar para elas. Contentai-vos com o mar e com nadar, e não queirais voar,
pois sois peixes. Se acaso vos não conheceis, olhai para as vossas espinhas e para as
5 vossas escamas, e conhecereis que não sois aves, senão peixes, e ainda entre os peixes não
dos melhores. Dir-me-eis, voador, que vos deu Deus maiores barbatanas que aos outros de
vosso tamanho. Pois porque tivestes maiores barbatanas, por isso haveis de fazer das
barbatanas asas?! Mas ainda mal, porque tantas vezes vos desengana o vosso castigo.
Quisestes ser melhor que os outros peixes, e por isso sois mais mofino que todos. Aos
1 outros peixes, do alto, mata-os o anzol ou a fisga, a vós sem fisga nem anzol, mata-vos a
0 vossa presunção e o vosso capricho. Vai o navio navegando e o marinheiro dormindo, e o
voador toca na vela ou na corda, e cai palpitando. Aos outros peixes mata-os a fome e
engana-os a isca; ao voador mata-o a vaidade de voar, e a sua isca é o vento. Quanto
melhor lhe fora mergulhar por baixo da quilha e viver, que voar por cima das entenas e
cair morto!
1 Grande ambição é que, sendo o mar tão imenso, lhe não basta a um peixe tão
5 pequeno todo o mar, e queira outro elemento mais largo. Mas vedes, peixes, o castigo da
ambição. O voador fê-lo Deus peixe, e ele quis ser ave, e permite o mesmo Deus que tenha
os perigos de ave e mais os de peixe. Todas as velas para ele são redes, como peixe, e
todas as cordas, laços, como ave. Vê, voador, como correu pela posta o teu castigo. Pouco
há nadavas vivo no mar com as barbatanas, e agora jazes em um convés amortalhado nas
2 asas. Não contente com ser peixe, quiseste ser ave, e já não és ave nem peixe; nem voar
0 poderás já, nem nadar. A natureza deu-te a água, tu não quiseste senão o ar, e eu já te vejo
posto ao fogo. Peixes, contente-se cada um com o seu elemento. Se o voador não quisera
passar do segundo ao terceiro, não viera a parar no quarto. Bem seguro estava ele do fogo,
quando nadava na água, mas porque quis ser borboleta das ondas, vieram-se-lhe a queimar
as asas.
2 À vista deste exemplo, peixes, tomai todos na memória esta sentença: Quem quer
5 mais do que lhe convém, perde o que quer e o que tem. Quem pode nadar e quer voar,
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PALAVRAS 11
tempo virá em que não voe nem nade. Ouvi o caso de um voador da terra: Simão Mago, a
quem a arte mágica, na qual era famosíssimo, deu o sobrenome, fingindo-se que ele era o
verdadeiro filho de Deus, sinalou o dia em que aos olhos de toda Roma havia de subir ao
Céu, e com efeito começou a voar mui alto; porém a oração de S. Pedro, que se achava
3 presente, voou mais depressa que ele, e caindo lá de cima o mago, não quis Deus que
0 morresse logo, senão que aos olhos também de todos quebrasse, como quebrou, os pés.
(…)
Eis aqui, voadores do mar, o que sucede aos da terra, para que cada um se contente
com o seu elemento. Se o mar tomara exemplo nos rios, depois que Ícaro se afogou no
Danúbio não haveria tantos Ícaros no Oceano.
3 Padre António Vieira, Sermões, II (Obras Escolhidas, vol. XI), 2.ª ed., Lisboa: Sá da Costa, 1997.
5 [“Sermão de Santo António (aos Peixes)”, cap. V, pp. 193-194.]
Apresenta, de forma clara e bem estruturada, as tuas respostas aos itens que se seguem.
1. Explica as consequências da ousadia dos “Voadores.
2. Explicita o significado das frases de caráter proverbial presentes no início do segundo
parágrafo (ll. 21 e 22).
3. Justifica a apóstrofe final a Santo António, tendo em atenção a globalidade deste
Sermão.
4. Identifica o recurso expressivo presente na frase “mas porque quis ser borboleta das
ondas” (l.26) e explica o seu valor expressivo.
B (20 pontos)
5. Explicita, num texto de oitenta a cento e trinta palavras, exemplificando, o modo como
se concretiza, neste excerto do “Sermão de Santo António (aos Peixes)", a alegoria de
intuitos críticos.
OU
B (20 pontos)
Lê o seguinte texto.
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Nas naus estar se deixa vagaroso,
Até ver o que o tempo lhe descobre:
Que não se fia já do cobiçoso
Regedor corrompido e pouco nobre.
Veja agora o juízo curioso
Quanto no rico, assim como no pobre,
Pode o vil interesse e sede inimiga
Do dinheiro, que a tudo nos obriga.
(…)
2
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Este rende munidas fortalezas,
Faz tredores e falsos os amigos:
Este a mais nobres faz fazer vilezas,
E entrega Capitães aos inimigos;
Este corrompe virginais purezas,
Sem temer de honra ou fama alguns perigos:
Este deprava às vezes as ciências,
Os juízos cegando e as consciências;
Luís de Camões, Os Lusíadas, Canto VIII.
a decisão de escolher a língua de Camões para dar cidadania à sua genial criação poética
em detrimento da língua de Shakespeare. (…)
Por isso, a Universidade de Lisboa está agora empenhada em promover e angariar
2 mecenas para financiar um projeto de preparação, verdadeiramente colossal mas urgente,
5 da edição anotada da obra do Padre António Vieira em 30 volumes. (…)
Esperamos que este grande projeto de edição de um dos mais valiosos tesouros da
literatura portuguesa encontre mecenas que percebam a importância de uma aventura desta
natureza para a promoção da língua e cultura portuguesas em Portugal e no mundo, com
atenção estratégica ao novo centro nevrálgico que constituem hoje as potências do
3 Extremo Oriente, onde a língua portuguesa está a conhecer um renovado interesse em
0 termos de aprendizagem.
Andreas Farmhouse, “Obra completa do grande jesuíta a caminho”, Ler, outubro de 2011, pp. 34-35.
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2. O jornalista lamenta
(A) a desconsideração da obra do Padre António Vieira.
(B) a falta de homenagens ao Padre António Vieira.
(C) a genialidade da obra vieiriana.
(D) o forte investimento nas celebrações de dois centenários vieirianos.
3. O jornalista aplaude
(A) a compilação dos sermões do Padre António Vieira.
(B) a promoção da língua portuguesa setecentista no Oriente.
(C) as potências emergentes do Oriente.
(D) a procura de patronos para a publicação e a tradução da obra completa
vieiriana.
4. No contexto em que surge, a palavra “mecenas” (l.31) significa
(A) protetor.
(B) editor.
(C) professor.
(D) escritor.
10. Classifica a oração “onde a língua portuguesa está a conhecer um renovado interesse em
termos de aprendizagem” (ll.34-35).
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https://expresso.pt/opiniaoeblogues/cartoon/blog_humoral_da_historia/a-mascara-da-
corrupcao=f509549 (consultado em 11/11/2020)
Bom trabalho!