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Escolas I João Araújo Correia

ENSINO SECUNDÁRIO | PORTUGUÊS | 11º ANO | 21,22

11º Ano Professora Emília Craveiro

CONFERÊNCIAS DO CASINO

Os jovens universitários de Coimbra que, nos anos sessenta do século XIX, se revoltaram contra
Feliciano de Castilho eram os mesmos que, acrescidos de outras personalidades, trataram, em 1871,
de levar à prática a organização das Conferências do Casino.
Este grupo juntou-se em Lisboa, procurando continuar, de certo modo, o movimento cultural
antes encetado em Coimbra. A Antero de Quental, Eça de Queirós, Teófilo Braga, Ramalho Ortigão,
juntar-se-ão Jaime Batalha Reis, Germano Meireles, Salomão Saragga e outros. Nasce assim o
Cenáculo.
Em nome da livre discussão de problemas sociais, filosóficos, culturais, religiosos e outros, este
grupo de intelectuais começou a reunir-se, a partir de 1868, num quarto alugado por Jaime Batalha
Reis, na Travessa do Guarda-Mor. Em 1871, ano particularmente marcado por acontecimentos
relevantes a nível europeu, como a Comuna de Paris1, a unificação da Itália e as guerras na Polónia e na
Irlanda, o grupo fazia regularmente as suas reuniões numa casa da Rua dos Prazeres.
É nesta altura que surgem as Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, no Largo da
Abegoaria (hoje Largo Rafael Bordalo Pinheiro), cuja sala foi alugada por Antero e Batalha Reis. O
irmão de Eça, Alberto de Queirós, propagandeou as Conferências Democráticas no seu “Revolução de
Setembro”, jornal em que foi publicado, em 18 de Maio de 1871, um manifesto assinado por doze
nomes.
Se lermos atentamente o Programa então divulgado, apercebemo-nos claramente de que os
objetivos dessas conferências, embora pacíficos, eram os de agitar toda uma série de problemas que,
segundo os seus autores, eram os responsáveis pelo estado de decadência do país e pelo seu
afastamento em relação à Europa considerada culta. Pretendia-se “estudar serenamente a significação
dos interesses em jogo”; “investigar como a sociedade é e como ela deve de ser”; e “estudar todas as
ideias e todas as correntes do século”.
Em carta dirigida a Teófilo Braga, Antero de Quental, além de indicar o âmbito das palestras,
vinca bem a intenção democrática que estava subjacente e que justifica o título de Conferências
Democráticas. Escreve Antero: “[...] temos resolvido [...] abrir em Lisboa uma sala de conferências
livres, livres em todo o sentido da palavra, não frequentada por convidados da literatura, mas aberta a
toda a gente e de todas as condições, onde se trate as grandes questões contemporâneas religiosas,
políticas, literárias e científicas, num espírito de franqueza, coragem, positivismo, numa palavra, com
radicalismo.”
Pelos títulos das conferências que se realizaram e pelos das que estavam anunciadas,
verificamos que os seus mentores pretendiam uma abordagem temática variada. Assim, vejamos:
1.ª Conferência: “O Espírito das Conferências”, por Antero de Quental, proferida em 22 de Maio
de 1871, de que nos chegaram apenas os relatos dos jornais contemporâneos2;

1
No final da guerra franco-alemã, a França procura reconstruir o país depois da pesada herança do império de Napoleão III.
O movimento insurrecional conhecido por Comuna de Paris tem início em 18 de Março de 1971, com a formação de um
Governo provisório, frente à Assembleia Nacional, que assumia todos os poderes públicos e abolia a propriedade privada e
termina, abrupta e violentamente, com a perseguição e execução dos seus líderes, em 27 de Maio do mesmo ano, sob as
ordens de Thiers.
2
Antero insistia na ignorância, na indiferença e na consequente repulsa dos portugueses pelas ideias novas, na missão que
os grandes espíritos tinham de preparar as inteligências e as consciências para o desenvolvimento das sociedades e os
resultados da ciência. A Europa servia de exemplo e Portugal de vergonhosa exceção.
2.ª Conferência: “Causas da Decadência dos Povos Peninsulares”, por Antero de Quental,
proferida em 27 de Maio de 18713;
3.ª Conferência: “A Literatura Portuguesa”, por Augusto Soromenho4;
4.ª Conferência: “A Literatura Nova”, ou, como mais tarde surge designada, “O Realismo como
Nova Expressão da Arte”, por Eça de Queirós5;
5.ª Conferência: “O Ensino”, por Adolfo Coelho, em 19 de Junho de 1871 6.
Destas cinco conferências só existem os textos publicados da segunda e da quinta. O professor
António Salgado Júnior fez a reconstituição das restantes.
Estavam ainda anunciadas as seguintes: “Os Historiadores Críticos de Jesus”, por Salomão
Saragga; “O Socialismo”, por Batalha Reis; “A República”, por Antero de Quental; “A Instrução
Primária”, por Adolfo Coelho; e “Dedução Positiva da Ideia Democrática”, por Augusto Fuschini.
Como sempre sucede quando se tenta abrir um caminho novo, que pode conduzir ao
desconhecido e ao inesperado, as reações negativas não se fizeram esperar. Através de uma Portaria
de 26 de Junho de 1871, o Governo, acusando o grupo do Cenáculo de atacar a religião e o Estado e de
ofender as leis da monarquia, encerrou o Casino e proibiu as Conferências Democráticas. No mesmo
dia, Antero de Quental entregou, nos jornais, o seguinte protesto, assinado coletivamente:
“Em nome da liberdade de pensamento, da liberdade de palavra, da liberdade de reunião,
bases de todo o direito público, únicas garantias da justiça social, protestamos, ainda mais contristados
que indignados, contra a portaria que mandou arbitrariamente fechar a sala das conferências
democráticas. Apelamos para a opinião pública, para a consciência liberal do país, reservando-nos a
plena liberdade de respondermos a este ato de brutal violência como nos mandou a nossa consciência
de homens e cidadãos.”

3
Antero mencionava as três causas da decadência nacional: o catolicismo posterior ao Concílio de Trento, que desvirtuara a
essência do cristianismo e atrofiara a consciência individual; a monarquia absoluta, que coartara as liberdades nacionais e
embotara na cega submissão o carácter dos povos peninsulares; e as conquistas ultramarinas, que tinham exaurido o país e
criado hábitos funestos de ociosidade e grandeza. Antero propunha soluções: opor ao catolicismo a consciência livre, a
ciência, a filosofia, a crença na renovação da humanidade; à monarquia centralizada a federação republicana, com aposta
na democratização dos municípios; à inércia industrial, a iniciativa do trabalho livre, sem interferência do Estado.

4
Augusto Soromenho, professor do Curso Superior de Letras, negou sistematicamente os valores literários nacionais,
considerando exceções apenas Gil Vicente, Camões e pouco mais. Negou até a existência de uma literatura portuguesa,
uma vez que, na sua perspectiva, esta nunca fora expressão da vida nacional.
5
Eça de Queirós, na sua intervenção, revoltou-se contra as tradições literárias. A sua palestra, inspirada em Proudhon,
alertou para a necessidade de trazer para a literatura a mesma revolução que se estava a dar noutros domínios. A arte deve
ser produto da sociedade, intimamente ligada ao progresso e decadência desta, subordinada não a fatores individuais mas
a causas extrínsecas, como o solo, a raça, o clima – causas permanentes – e as circunstâncias históricas – causas acidentais.
Eça criticou cerradamente o romantismo e verberou o terrível divórcio entre o artista e a sociedade. A definição
apologética da nova Escola – o Realismo – baseia-se na crença de que este era a negação da arte pela arte.
6
Esta conferência, cujo título, aquando da sua publicação em opúsculo, foi alterado para “A Questão do Ensino”, traçava o
quadro desolador do ensino em Portugal ao longo da História. Defendia a separação completa entre a Igreja e o Estado e,
como a primeira deprimia o povo e do segundo nada havia a esperar, o único remédio era apelar à iniciativa privada,
esperando que esta difundisse o verdadeiro espírito científico no sistema de ensino.
PROGRAMA DAS CONFERÊNCIAS DO CASINO

Ninguém desconhece que se está dando em volta de nós uma transformação política, e todos
pressentem que se agita, mais forte que nunca, a questão de saber como deve regenerar-se a
organização social.
Sob cada um dos partidos que lutam na Europa, como em cada um dos grupos que constituem
a sociedade de hoje, há uma ideia e um interesse que são a causa e o porquê dos movimentos.
Pareceu que cumpria, enquanto os povos lutam nas revoluções, e antes que nós mesmos
tomemos nelas o nosso lugar, estudar serenamente a significação dessas ideias e a legitimidade desses
interesses; investigar como a sociedade é, e como ela deve ser, como as Nações têm sido, e como as
pode fazer hoje a liberdade, e por serem elas as formadoras do homem, estudar todas as ideias e
todas as correntes do século.
Não pode viver e desenvolver-se um povo, isolado das grandes preocupações intelectuais do
seu tempo; o que todos os dias a Humanidade vai trabalhando deve também ser o assunto das nossas
constantes meditações.
Abrir uma tribuna, onde tenham voz as ideias e os trabalhos que caracterizam este momento
do século, preocupando-se sobretudo com a transformação social, moral e política dos povos;
Ligar Portugal com o movimento moderno, fazendo-o assim nutrir-se dos elementos vitais de
que vive a Humanidade civilizada;
Procurar adquirir a consciência dos factos que nos rodeiam, na Europa;
Agitar na opinião pública as grandes questões da Filosofia e da Ciência moderna;
Estudar as condições da transformação política, económica e religiosa da sociedade
portuguesa;
Tal é o fim das Conferências Democráticas.
Têm elas uma imensa vantagem, que nos cumpre especialmente notar: preocupar a opinião
com o estudo das ideias que devem presidir a uma revolução, de modo que para ela a consciência
pública se prepare e ilumine, é dar não só uma segura base à constituição futura, mas também, em
todas as ocasiões, uma sólida garantia à ordem.
Posto isto, pedimos o concurso de todos os partidos, de todas as escolas, de todas aquelas
pessoas que, ainda que não partilhem as nossas opiniões, não recusam a sua atenção aos que
pretendem ter uma ação – embora mínima – nos destinos do seu país, expondo pública mas
serenamente as suas convicções e o resultado dos seus estudos e trabalhos.
Lisboa, 16 de Maio de 1871

Adolfo Coelho, Antero de Quental, Augusto Soromenho, Augusto Fuschini, Eça de

Queirós, Germano Vieira de Meireles, Guilherme de Azevedo, Jaime Batalha Reis,

Oliveira Martins, Manuel de Arriaga, Salomão Saragga, Teófilo Braga


Síntese informativa sobre as CONFERENCIAS DO CASINO
1.ª Conferência – 22 de Maio de 1871
Orador – Antero de Quental
Título – O espírito das Conferências
Assunto:
. Desenvolvimento do programa contido no manifesto;
. Apelos de adesão às novas ideias;
. Responsabilização dos "grandes espíritos" a quem incumbia a preparação das inteligências e mentalidades
para o progresso social.
2ª Conferência – 27 de Maio de 1871
Orador – Antero de Quental
Título – Causas da decadência dos povos peninsulares
Assunto:
Causas da decadência:
. O catolicismo que desvirtuara a essência do cristianismo e atrofiara a consciência individual;
. A monarquia absoluta que reprimia todas as liberdades individuais e nacionais, gerando um espírito de
submissão na raça ibérica;
. As conquistas ultramarinas que tinham esgotado as energias do país e criado hábitos de ociosidade.
Propostas de superação:
. Opor ao catolicismo a consciência livre, a ciência, a filosofia e a crença no progresso da humanidade;
. Criar uma federação republicana com larga democratização da vida municipal;
. Incentivar o trabalho livre e "organizado de forma a estabelecer a transição para o novo mundo industrial
do socialismo".
3ª Conferência – 6 de Junho de 1871
Orador – Augusto Soromenho
Título – Literatura Portuguesa
Assunto:
. Crítica à literatura portuguesa;
. Negação dos valores literários nacionais, com raras exceções, como Gil Vicente e Camões;
. Apologia do belo absoluto.
NOTA – Conferência de impacto reduzido
4ª Conferência – 12 de Junho de 1871
Orador – Eça de Queirós
Título – A Literatura Nova – O Realismo como nova expressão da Arte
Assunto:
. Necessidade de operar na literatura a mesma revolução que se estava dando na política, na ciência e na
sociedade;
. Perspetiva da arte ligada ao progresso ou decadência da sociedade subordinada igualmente ao solo, à
raça, ao clima e à própria História;
. Crítica ao Romantismo e à reação contra o Realismo;
. Apologia e definição do Realismo.
5.ª Conferência – 19 de Junho de 1871
Orador – Adolfo Coelho
Título – A Questão do Ensino
Assunto:
. Visão crítica do ensino em Portugal ao longo dos tempos;
. Propostas para superar a união Igreja/Estado;
. Defesa dum ensino de iniciativa privada que difundisse, verdadeiro espírito científico.
6ª Conferência – não chegou a realizar-se devido à proibição governamental de 26 de Junho
Orador – Salomão Sáraga
Título – Os Historiadores Críticos de Jesus

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