Você está na página 1de 6

“Os Maias”- Contextualização Histórica e Social

- Geração de 70

Assim se designa o grupo de jovens intelectuais portugueses que, primeiro em Coimbra e


depois em Lisboa, manifestaram um descontentamento com o estado da cultura e das
instituições nacionais.

O grupo fez-se notar a partir de 1865, tendo Antero de Quental como figura principal, e
integrando ainda literatos como Ramalho Ortigão, Guerra Junqueiro, Teófilo Braga, Eça de
Queirós, Oliveira Martins, Jaime Batalha Reis e Guilherme de Azevedo. Juntos ou, como
sucedeu mais tarde, trilhando caminhos de certa forma divergentes, estes homens
marcaram a cultura portuguesa até ao virar do século (se não mesmo até à República), na
literatura e na crítica literária, na historiografia, no ensaísmo e na política.

Os "Vencidos da Vida"

Os homens da Geração de 70 tiveram possibilidade e, sobretudo, apetência de contacto


com a cultura mais avançada da Europa como não se via em Portugal desde o tempo da
formação de um Garrett e de um Herculano. Puderam, pois, aperceber-se da diferença que
havia entre o estado das ciências, das artes, da filosofia e das próprias formas de
organização social no país e em nações como a Inglaterra, a França ou a Alemanha. Em
consequência, esta juventude cosmopolita nas leituras, liberal e progressista não se revia
nos formalismos estéticos que grassavam nem naquilo que consideravam ser a estagnação
social, institucional, económica e cultural a que assistiam.

O seu inconformismo havia de se manifestar em diversas ocasiões, com repercussões


públicas dignas de registo. Em 1865 é despoletada a chamada Questão Coimbrã, que opôs
o grupo, a pretexto de uma obra literária de mérito discutível, ao ultrarromantismo instalado
que António Feliciano de Castilho personificava. Travou-se uma acesa polémica, à qual
subjaz grandes diferenças ao nível das referências estéticas mas também ideológicas. O
grupo reunir-se-ia depois na capital, formando o Cenáculo, e em 1871 organizou as
Conferências Democráticas do Casino Lisbonense, com as quais chamou definitivamente a
atenção da sociedade.

Nos anos seguintes, embora a atitude de crítica e de intervenção cultural e política se


mantivesse, os membros do grupo foram definindo caminhos pessoais independentes, ora
dedicando-se mais a umas atividades, ora a outras. Antero suicidou-se em 1891, e dir-se-ia
que esse gesto simboliza o destino destes homens a caminho do final do século, em
desilusão progressiva com o país e o sentido das suas próprias vidas.

- Questão Coimbrã
Também conhecida como a Questão do Bom Senso e Bom Gosto, foi uma das mais
importantes polêmicas literárias portuguesas e a maior em todo o século XIX que, como
explica Margarida Vieira Mendes, "alastrou de forma explosiva, de novembro de 1865 a
julho do ano seguinte, em cartas, crônicas e artigos de imprensa, opúsculos, folhetins,
poesias e textos satíricos, alusões em conferências (...) ou mesmo discursos
parlamentares" (in Dicionário do Romantismo Literário Português, Editorial Caminho, 1997).
Foi desencadeada em Coimbra por um grupo de jovens intelectuais que vinham reagindo
contra a degenerescência romântica e o atraso cultural do país.

A polêmica começou em outubro de 1865, quando António Feliciano de Castilho aludiu, na


carta-posfácio ao Poema da Mocidade, de Pinheiro Chagas, à moderna escola de Coimbra
e à sua poesia ininteligível, ridicularizando o aparato filosófico e os novos modelos literários
de que ela se nutria ("temporal desfeito de obras, de encómios, de sátiras, de plásticas, de
estéticas, de filosofias e de transcendências"), numa referência provável às teorias
filosóficas e poéticas expostas nos prefácios a Visão dos Tempos e Tempestades Sonoras
(ambas de 1864), de Teófilo Braga, e na nota prefacial das Odes Modernas, de Antero de
Quental (de julho de 1865). Para além disso, António Feliciano de Castilho fez elogios
rasgados a Pinheiro Chagas, chegando ao ponto de propor o jovem poeta para reger a
cadeira de Literatura no Curso Superior de Letras.

Retrato de Antero de Quental por Columbano Bordalo Pinheiro, 1889

Sentindo-se visado, Antero de Quental respondeu com o panfleto Bom Senso e Bom Gosto,
carta ao Ex.mo. O Sr. António Feliciano de Castilho, em que definiu "a bela, a imensa
missão do escritor" como "um sacerdócio, um ofício público e religioso de guarda
incorruptível das ideias, dos sentimentos, dos costumes, das obras e das palavras", que
exige, por um lado, uma alta posição ética, por outro lado, uma total independência de
pensamento e de carácter. Como consequência, e numa clara alusão a Castilho, Antero
repudiava a poesia que cultiva a "palavra" em vez da "ideia"; a poesia decorativa dos
"orientadores das ninharias luzidias"; a poesia conservadora dos que "preferem imitar a
inventar; e a imitar preferem ainda traduzir"; em suma, a poesia que "soa bem, mas não
ensina nem eleva".
Estavam marcadas as posições: de um lado os intelectuais conservadores; do outro a nova
geração, aberta às recentes correntes europeias. Seguiram-se "Bom Senso e Bom Gosto,
folhetim a propósito da carta...", de Pinheiro Chagas, que acorreu em defesa de Castilho, e,
do lado dos coimbrões, os folhetos Teocracias Literárias, de Teófilo Braga, e A Dignidade
das Letras e as Literaturas Oficiais, de Antero. Neste texto, Antero repudiava uma vez mais
"as literaturas oficiais, governamentais, subsidiadas, pensionadas, rendosas, para quem o
pensamento é um ínfimo meio e não um fim grande e exclusivo" e preconizava uma
literatura que "se dirige ao coração, à inteligência, à imaginação e até aos sentidos, toma o
homem por todos os lados; toca por isso em todos os interesses, todas as ideias, todos os
sentimentos; influi no indivíduo como na sociedade, na família como na praça pública;
dispõe os espíritos; determina certas correntes de opinião; combate ou abre caminho a
certas tendências; e não é muito dizer que é ela quem prepara o berço onde se há de
receber esse misterioso filho do tempo - o futuro".

Embora de origem literária, a questão alargou-se a outras áreas como a cultura, a política e
a filosofia. Esta refrega durou mais de um ano e envolveu nomes que já eram ilustres, como
Ramalho Ortigão e Camilo C. Branco. Os artigos, folhetins e opúsculos em apoio de uma e
de outra parte multiplicaram-se, até que, a partir de março de 1866, a polémica começou a
declinar em quantidade e qualidade.

No entanto, a ruptura provocada pela Questão Coimbrã iria abalar irreversivelmente as


estruturas socioculturais do país, lançando as sementes para o debate de ideias e o projeto
de reforma das mentalidades que nortearam a intervenção da que viria a ser a Geração de
70. Aquela que constituiu a polémica mais importante da nossa história literária, pois nela
participou, em uma ou outra frente, praticamente toda a intelligentsia da época, fez emergir
uma geração nova, protagonista de uma revolução cultural e literária cuja amplitude
ultrapassa até a do próprio Romantismo.
- As Conferências do Casino

Série de conferências - também conhecidas simplesmente por Conferências do


Casino - levadas a público em 1871, em Lisboa, por iniciativa do chamado grupo do
Cenáculo, de que faziam parte Antero de Quental, Eça de Queirós, Jaime Batalha
Reis, Salomão Sáragga, Manuel Arriaga e Guerra Junqueiro. Este é o ponto mais
alto da Geração de 70. Visavam abrir um debate sobre o que de mais moderno, a
nível de pensamento, se vinha fazendo lá fora. Aproximar Portugal da Europa era o
objetivo máximo, anunciado, aliás, no respetivo programa.
O programa das Conferências, que surgiam como uma espécie de consequência
natural das discussões ideológicas travadas no Cenáculo, anunciava "ligar Portugal
com o movimento moderno", "agitar na opinião pública as grandes questões da
Filosofia e da Ciência Moderna" e "estudar as condições da transformação política,
económica e religiosa da sociedade portuguesa".
A conferência inaugural, intitulada "O espírito das conferências", foi proferida por
Antero de Quental, que afirmou a necessidade de regenerar Portugal "pela
educação da inteligência e pelo fortalecimento da consciência dos indivíduos". Na
segunda conferência, o mesmo Antero analisou as "Causas da decadência dos
povos peninsulares", que, na sua opinião, correspondiam ao catolicismo pós-
tridentino, que impôs o obscurantismo à centralização política das monarquias
absolutas, que determinou o aniquilamento das liberdades locais e individuais, e à
política expansionista ultramarina, que impediu o desenvolvimento da pequena
burguesia. A terceira conferência, intitulada "A literatura portuguesa", foi
pronunciada por Augusto Soromenho, que denunciou a decadência da literatura
portuguesa e defendeu a necessidade de "dar por base à educação a moral, o
dever, do que aproveitará a literatura". A quarta conferência, "A Nova Literatura (O
Realismo como nova expressão da Arte)", foi proferida por Eça de Queirós, que aí
lançou os fundamentos da sua concepção de Realismo, influenciada por Flaubert,
Proudhon e Taine. A quinta conferência coube a Adolfo Coelho, que avançou
algumas propostas revolucionárias para a reorganização do ensino em Portugal, a
mais importante das quais consistia na "separação completa do estado e da igreja".
As conferências foram interrompidas antes da sexta, que seria dita por Salomão
Sáragga e que versaria sobre os críticos históricos de Jesus, por portaria ministerial
do Marquês de Ávila e Bolama, onde se alegava que nas conferências se tinham
sustentado "doutrinas e proposições que atacam a religião e as instituições políticas
do estado". Os conferencistas reagiram contra a proibição com um protesto público,
com o qual se solidarizaram vários intelectuais, como Alexandre Herculano, que
acudiram em defesa da liberdade de expressão.
De qualquer modo, entre os intelectuais portugueses, ficou o gérmen da
modernidade do pensamento político, social, pedagógico e científico que na França,
na Alemanha e na Inglaterra se fazia sentir. Este espírito revolucionário e positivista
dominava a maioria da jovem classe pensante.

- Realismo e Naturalismo

Em Portugal o Realismo e o Naturalismo, o Naturalismo dele se diferencia por


conduzir a ciência para o plano da obra de arte, fazendo desta como que meio de
demonstração de teses científicas. O Realismo, mais estetizante, embora se apoie
no que as ciências do século XIX vinham afirmando e desvendando, não vai até à
profundidade analítica do Naturalismo, donde advém a sua não preocupação pela
patologia, característica do romance naturalista. A par disso, enquanto no
Naturalismo implica uma posição combativa, de análise, dos problemas que a
decadência social evidenciava, fazendo da obra de arte uma verdadeira tese com
intenção científica, o Realismo apenas “fotografa” com certa isenção a realidade
circundante, sem ir mais longe na pesquisa, sem trazer a ciência, dissertativamente,
para o plano da obra. O romance realista encara a podridão social usando luvas de
pelica, numa atitude fidalga de quem deseja sanar os males sociais, mas sente
perante eles profunda náusea, própria dos sensíveis e estetas. O naturalista,
controlando a sua sensibilidade, ou acomodando-a à ciência, põe luvas de borracha
e não hesita em chafurdar as mãos nas pústulas sociais e analisá-las com rigorismo
técnico, mais de quem faz ciência do que literatura.
Em suma, realistas e naturalistas amparam-se nos mesmos preconceitos científicos,
bebidos na atmosfera cultural que envolve a todos, mas diferenciam-se no modo
como aproveitam os dados de conhecimento na sua obra de arte.
Essas diferenças, postas aqui em síntese e nos seus aspectos fundamentais, não
têm valor absoluto, porquanto existem vários pontos de contacto entre Realismo e
Naturalismo, por se orientarem pelas mesmas verdades científicas e coexistirem
numa época saturada de revolução cultural. Mais ainda: muito embora se
classifiquem os romancistas dessa época em realistas e naturalistas conforme a
predominância duma dessas direções estéticas, os autores portugueses Realismo e
Naturalismo acabam muitas vezes por se confundir.
Com o Naturalismo, a caracterização das personagens especializa-se: estão em
causa sobretudo factores educacionais, elementos concernentes à hereditariedade,
relações com o meio e sua influência, etc.. Tudo inspirado numa concepção
determinista e evolucionista da existência, a que não eram alheias às teses de
Darwin a propósito da origem das espécies e da sua seleção por força de
características ambientais específicas.
Ora com a crise do romance naturalista entra em crise também este tipo de
tratamento de que a personagem gozará, desvalorizando-se então a minudência e o
desejado cientificismo até então vigentes. Por isso mesmo e também porque a
gestação de Os Maias coincide, em grande parte, com a gradual instauração da
descrença nos valores da estética naturalista, não admira que, neste romance, a
caracterização das personagens não seja regida por uma atitude constante. Por
outras palavras: n’Os Maias, encontraremos uma caracterização ainda tipicamente
naturalista (a de Pedro da Maia), uma outra de carácter híbrido (Maria Eduarda) e,
finalmente, a do próprio Carlos da Maia, praticamente por completo arredada das
normas impostas no romance experimental.

Você também pode gostar