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A religião e a metafísica por certo também sofrem com a nova onda cientificista que
invade a sociedade europeia: a espiritualidade busca afirmar-se através da ciência e muitos de
seus temas já não são mais encarados como pertinentes. Questiona-se o local da religião na
educação, como no romance Os Maias, ou ainda, qual o seu papel moralizante, se é que
realmente seria imprescindível nesses aspectos. Outros trabalhos de Eça de Queirós
caminharam com mais ênfase nesse sentido, como é o caso de O Crime do Padre Amaro, A
Relíquia, A Ilustre Casa de Ramires e A cidade e as Serras.
A questão Coimbrã exemplifica o marco da transição dessa tendência e a guerra de
ideias que performava entre os escritores de Portugal em que cartas e panfletos serviam de
veículo para atacar e defender ideias.
O início desse episódio se deu no momento em que Antônio Feliciano de Castilho,
ao escrever o prefacio do Poema da Mocidade, de Pinheiro de Pinheiro Chagas, teceu duras
críticas a nova geração de escritores, então estudantes da Universidade de Coimbra, entre eles
estavam Antero de Quendal, Vieira de Castro e Teófilo Braga. Adeptos de um movimento
literário que então buscava uma simplificação do estilo, a fim de evitar as rebuscadas
interpelações do romantismo, além de aproximar a temática de sua escrita à realidade da
sociedade da época, Castilho os rebaixou e elogiou o fazer literário vigente, o romantismo,
apelando para o que ele chamou de falta de “bom gosto” e “bom senso”. Possivelmente
indignado, Antero escreve uma carta, denominada Bom Senso e Bom gosto, em 1865, que é
apontada pela fortuna crítica como o início do Realismo em Portugal.
Nessas trocas de farpas, que se estenderam, houve inclusive o duelo de espadas entre
Antero de Quental e Ramalho Ortigão. Após este dizer que “Antero havia maculado ‘os seus
vinte e cinco anos com a mais torpe das nódoas que um mancebo pode lançar no seu carácter:
a cobardia’” (RAMOS, p.652). Antero teria partido para o Porto e duelado com Ramalho, a
quem feriu o braço, finalizado o duelo como vencedor.
Cinco anos depois, Antero organiza as suas conferências democráticas, também
conhecidas como Conferências do Casino, por terem se realizado no Casino Lisbonense,
durante a primavera de 1971, teriam sido 12 reuniões no total, amplamente divulgadas pelos
jornais. (RAMOS, p. 653).
Eça de Queirós foi o terceiro conferencista, responsável por dissertar sobre o tema
Realismo como nova expressão da Arte. Ao chegar a quinta conferência, ministrada por
Salomão Saragga, cujo tema seria Os Historiadores Críticos da Vida de Jesus, poucos
minutos antes de sua fala, as autoridades mandaram fechar o casino, com apoio considerável
da gente comum, afirmando que o teor das reuniões ia contra alei do estado e da religião
católica. Apesar da impossibilidade da retomada das conferências, esses letrados mantiveram
suas ideias e continuaram firmes no propósito de revolucionar a literatura e as ideias
nacionais.
Quando, em 1874, Eça de Queirós disserta sobre o Realismo como nova expressão
da Arte, no Casino lisbonense, condena ainda a sentimentalidade ultrarromântica e
terça armas pela objetividade e pela observação na literatura. Propõe mais que a
matéria literária se extraia da vida contemporânea. O escritor deveria exercitar as
faculdades observativas do meio que o rodeava.[...] Mas Eça de Queirós, ao ocupar-
se do Realismo e ao chamar a atenção para a vida contemporânea, fundamentava-se
em Flaubert, que detestava as efusões líricas e o impressionismo sentimental, bem
como recorria ainda ao pintor francês, Gustavo Coubert, cujos quadros, muito
ousadamente, analisou sem jamais os ter visto.
O rigor da observação, a inclinação para realçar o concreto, naturalmente mais
susceptível de análise, a preferência pela vida contemporânea, o gosto pelas
anormalidades psíquicas e pelos desequilíbrios fisiológicos, a proscrição da retórica
lírica e sentimental, enfim, o contacto com a vida e o real constituem as tendências
que individualizam a estética nova. (RAMOS, p. 655)
É no ano de 1884 que conhece a senhora D. Emília Resende, com quem se casará em
1886. A correspondência amorosa deles já foi publicada.
“Em abril de 1885, de passagem em Paris, visita o romancista Emílio Zola, com
quem conversa durante algumas horas. O romancista francês, ao saber, mais tarde, da morte
de Queirós, dirá, numa homenagem de admiração, que o romancista português era superior ao
seu mestra, Flaubert.” (p.690).
Em 1888 é nomeado cônsul em Paris, o que o deixa extremamente feliz, por seu de
seus sonhos. (p.690).
“Vive com a Esposa, D. Emília de Castro, as naturais alegrias e contrariedades da
fortuna. Tudo faz para que os filhos sejam felizes e saudáveis. Parece ter possuído a mística
da família. Já quando o seu estado de saúde ia piorando, Eça de Queirós esquecia-se quase
completamente de si, se era preciso tratar os seus” (p.690).
Em 1889 agrega-se aos Vencidos da Vida, grupo de escritores muito discutidos.
Visita Portugal pela última vez em 1900.
Falece em agosto daquele ano, devido as suas doenças intestinais. Eça teria um tipo
raro de doença que acometia a base intestinal1, a amiloidose hereditária.
“Na manhã de 16 de agosto de 1900, o especialista Bouchard verifica a
incurabilidade do doente e surpreende-se com a lucidez de Queirós, que descreve toda a
nitidez os seus mortais procedimentos. À tarde, começa a piorar. O Padre Lenfant, chamado
pela família, lança0lhe a absolvição e ministra-lhe a Extrema-Unção. Às quatro horas e meia
da tarde, desse dia, Eça de Queirós morria junto dos seus, com toda a serenidade.” (p. 692).
1
Informações disponíveis em: https://www.pfizer.com.br/noticias/releases/obra-inacabada-de-eca-de-queiroz-
ganha-finais-ineditos-para-alertar-sobre-doenca-rara#:~:text=O%20escritor%20portugu%C3%AAs%20E
%C3%A7a%20de,o%20diagn%C3%B3stico%20de%20tuberculose%20intestinal. Acesso em 24 de jun. 2023.
procuram ajustar-se à realidade bem observada: O Primo Basílio, escrito em New Castle e
publicado e 1878; A Relíquia, que sai do prelo em 1887, Os Maias, em que trabalha pelo
menos desde 1880, vem a público em 1888.
Em relação a uma exata pintura de realidade social, é possível apontar neste livros
inverossimilhanças de pormenor, erros de informação, inexatidões, o que é natural: Queirós
não estava fazendo investigação científica, mas sim arte. Todavia, a sociedade lisboeta do
último quartel do século XIX, está primorosamente descrita no grande romance de Os Maias,
o livro que melhor nos transmite o gênio literário de Eça de Queirós. A imaginação, uma
vaga de idealismo, a magnifica arte de ironia e da caricatura queirosiana, um saudável bom
humor sobressaem deliciosamente nestas obras, cujo merecimento artístico é incontestável ”
(p. 693 – 694, grifos do original).