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RAMOS, Feliciano. História da Literatura Portuguesa. 9. ed.

Livraria Cruz Braga:


Braga,1967.

Após um longo período em que o romantismo reinou soberano como tendência


artística, mantendo sempre os sentimentos humanos e a perspectiva subjetiva como único
viés respeitável em que, para se pensar a arte, “as excentricidades da imaginação, uma legião
de frases estereotipadas de índole sombria e a sentimentalidade mórbida eram moda estética
obrigatória” (RAMOS, p. 645) o desgaste desse modelo foi inevitável: o ultrarromantismo
trouxe uma face da realidade, que diante da complexidade de temas possíveis, foi maculada a
ponto de não mais representar o que se vivia enquanto sociedade e espécie.
Interessante mencionar espécie, considerando as dimensões em que o cientificismo
se encontrava na época, visto que, dado o progresso de diferentes áreas do conhecimento
humano, a publicação da A Origem das Espécies de Darwin, em 1859, colocava em cheque
uma gama de certezas humanas e de verdades já estabelecidas. O homem, colocado como ser
superior, por direito divino, próximo do Criador em detrimento de todas as outras criaturas
terrestres, agora via-se deposto desse lugar, questionado como mais uma das tantas espécies
existentes, tendo que repensar seu lugar entre os anjos e os animais, como diria Giovanni
Pico della Mirandola em seu Discurso sobre a Dignidade do Homem (1496).
Além de Darwin, outros progressos científicos estiveram à frente para mudar o
pensamento filosófico e as tendências artísticas da época,

O aparecimento das locomotivas originou uma rede de caminhos de ferro pela


Europa. A máquina a vapor traz perspectivas novas à navegação oceânica. AS
distâncias encurtam-se extraordinariamente, O telégrado eléctrico espalha-se com
rapidez também. As comunicações tornam-se cada vez mais fáceis. A arte e as ideias,
graças a estes inventos e técnicas, propalam-se com mais facilidade e tornam a vida
mais amena e confortável. A nova civilização, toda voltada para a vida material e
concreta, vem a influir no destino da própria) literatura, dando-lhe uma feição mais
prática e utilitária. (RAMOS, p. 647)

A religião e a metafísica por certo também sofrem com a nova onda cientificista que
invade a sociedade europeia: a espiritualidade busca afirmar-se através da ciência e muitos de
seus temas já não são mais encarados como pertinentes. Questiona-se o local da religião na
educação, como no romance Os Maias, ou ainda, qual o seu papel moralizante, se é que
realmente seria imprescindível nesses aspectos. Outros trabalhos de Eça de Queirós
caminharam com mais ênfase nesse sentido, como é o caso de O Crime do Padre Amaro, A
Relíquia, A Ilustre Casa de Ramires e A cidade e as Serras.
A questão Coimbrã exemplifica o marco da transição dessa tendência e a guerra de
ideias que performava entre os escritores de Portugal em que cartas e panfletos serviam de
veículo para atacar e defender ideias.
O início desse episódio se deu no momento em que Antônio Feliciano de Castilho,
ao escrever o prefacio do Poema da Mocidade, de Pinheiro de Pinheiro Chagas, teceu duras
críticas a nova geração de escritores, então estudantes da Universidade de Coimbra, entre eles
estavam Antero de Quendal, Vieira de Castro e Teófilo Braga. Adeptos de um movimento
literário que então buscava uma simplificação do estilo, a fim de evitar as rebuscadas
interpelações do romantismo, além de aproximar a temática de sua escrita à realidade da
sociedade da época, Castilho os rebaixou e elogiou o fazer literário vigente, o romantismo,
apelando para o que ele chamou de falta de “bom gosto” e “bom senso”. Possivelmente
indignado, Antero escreve uma carta, denominada Bom Senso e Bom gosto, em 1865, que é
apontada pela fortuna crítica como o início do Realismo em Portugal.
Nessas trocas de farpas, que se estenderam, houve inclusive o duelo de espadas entre
Antero de Quental e Ramalho Ortigão. Após este dizer que “Antero havia maculado ‘os seus
vinte e cinco anos com a mais torpe das nódoas que um mancebo pode lançar no seu carácter:
a cobardia’” (RAMOS, p.652). Antero teria partido para o Porto e duelado com Ramalho, a
quem feriu o braço, finalizado o duelo como vencedor.
Cinco anos depois, Antero organiza as suas conferências democráticas, também
conhecidas como Conferências do Casino, por terem se realizado no Casino Lisbonense,
durante a primavera de 1971, teriam sido 12 reuniões no total, amplamente divulgadas pelos
jornais. (RAMOS, p. 653).
Eça de Queirós foi o terceiro conferencista, responsável por dissertar sobre o tema
Realismo como nova expressão da Arte. Ao chegar a quinta conferência, ministrada por
Salomão Saragga, cujo tema seria Os Historiadores Críticos da Vida de Jesus, poucos
minutos antes de sua fala, as autoridades mandaram fechar o casino, com apoio considerável
da gente comum, afirmando que o teor das reuniões ia contra alei do estado e da religião
católica. Apesar da impossibilidade da retomada das conferências, esses letrados mantiveram
suas ideias e continuaram firmes no propósito de revolucionar a literatura e as ideias
nacionais.

Quando, em 1874, Eça de Queirós disserta sobre o Realismo como nova expressão
da Arte, no Casino lisbonense, condena ainda a sentimentalidade ultrarromântica e
terça armas pela objetividade e pela observação na literatura. Propõe mais que a
matéria literária se extraia da vida contemporânea. O escritor deveria exercitar as
faculdades observativas do meio que o rodeava.[...] Mas Eça de Queirós, ao ocupar-
se do Realismo e ao chamar a atenção para a vida contemporânea, fundamentava-se
em Flaubert, que detestava as efusões líricas e o impressionismo sentimental, bem
como recorria ainda ao pintor francês, Gustavo Coubert, cujos quadros, muito
ousadamente, analisou sem jamais os ter visto.
O rigor da observação, a inclinação para realçar o concreto, naturalmente mais
susceptível de análise, a preferência pela vida contemporânea, o gosto pelas
anormalidades psíquicas e pelos desequilíbrios fisiológicos, a proscrição da retórica
lírica e sentimental, enfim, o contacto com a vida e o real constituem as tendências
que individualizam a estética nova. (RAMOS, p. 655)

Sobre a vida de Eça:


“Nasceu José Maria de Eça de Queirós aos 25 de Novembro de 1845, na P[ovoa do
Varzim. Era filho de D. Carolina Augusta Pereira de Eça de Queirós e do Dr. José Maria de
Almeida Teixeira de Queirós. Levado pela Vila do Conde, é baptizado na Igreja Matriz pelo
padre António da Silva Coelho.” (p. 687).
No princípio de sua vida, não vive com os pais, mas com um casal de vida modesta,
Ana Joaquina Leal de Barro e o marido António Fernandes do Carmo. Os pais iam visita-lo
com certa frequência. Depois de alguns anos, o menino é levado para a casa dos avós
paternos, em Verdemilho, para ser cuidado então pela D. Teodora Joaquina de Almeida e
Joaquim José Queirós. Quando completa 10 anos, desaparecem os anos – de acordo com
Ramos – e ele é levado pelos pais para o Colégio da Lapa, no Porto.
“Em 1859 e 1861, continua os estudos preparatórios, seguindo-se os exames
seguintes: História, Cronologia e Geografia, Poética, Literatura Clássica, Física, Química e
Matemática. Concluídos os preparatórios, em 1861, matricula-se na faculdade de Direito, da
Universidade” (p. 687-688).
Foi na universidade que Eça conheceu alguns de seus companheiros intelectuais
mais importantes, também escritores de renome na época, como Antero de Quendal,
Germano Meireles, Antônio de Azevedo Castelo Branco, José Falcão, Santos Valente, Lobo
de Moura, Teófilo Braga, Alberto Sampaio, entre muitos outro. (p. 688). Enquanto estudante,
não foi nada brilhante, teve uma atuação bastante singela.
Sua estreia no mundo da literatura se dá através de um folhetim, enquanto cursava o
seu último ano da faculdade. “Noites marginais” na Gazeta de Portugal, publicação iniciada
em 23 de março de 1866. Formou-se em Direito em Junho desse ano.
No entanto, não atuou diretamente com a área, preferindo segui o caminho de
escritor. Em 1867, era redator do jornal Districto de Évora.
Em 1869, após a inauguração do Canal do Suez, impelido de curiosidade, junto a seu
amigo Conde de Resende, Eça vai de viagem ao Egito e à Palestina. A viagem foi bastante
significativa para Eça e influenciaria alguns de seus trabalhos futuros. Ele regressaria ao
oriente em janeiro de 1870.
“Homem sem Fé, ajoelhou-se, porém, nos Lugares da Palestina, junto ao sepulcro de
Jesus” (p.688)
Eça decide seguir a careira diplomática. Presta o concurso para cônsul e é o primeiro
classificado.
Em 1971 realizam-se as Conferências do Casino em que ele palestra sobre o
Realismo como Nova Expressão da Arte. Em 1972 parte para Havana como cônsul. Em 1974
ele é transferido para New Castle, na Europa. Nesse tempo visitou os EUA, mas achou um
grande ‘nada demais’.
É na Inglaterra que ele escreverá seus primeiros grandes romances, O Crime do
Padre Amaro e O Primo Basílio.
Era desejo de Eça formar família. Em carta a seu amigo Ramalho Ortigão, chegou a
dizer o seguinte:
“precisava duma mulher serena, inteligente, com uma certa fortuna (não muita), de
caráter firme disfarçado sob um caráter meigo, que me adotasse como se adota uma
criança, me obrigasse a levantar a certas horas, me forçasse a ir para a cama a horas
cristãs – e não quando os outros almoçam – que me alimentasse com simplicidade e
higiene, que me impusesse um trabalho diurno e salutar, e que, quando eu
começasse a chorar pela Lua, ma prometesse – até eu a esquecer... Essa doce
criatura salvaria um artista de si mesmo – que é o pior abismo dum artista – e faria
uma daquelas obras de caridade que outrora levaram gente ao Calendário” (p. 689).

É no ano de 1884 que conhece a senhora D. Emília Resende, com quem se casará em
1886. A correspondência amorosa deles já foi publicada.
“Em abril de 1885, de passagem em Paris, visita o romancista Emílio Zola, com
quem conversa durante algumas horas. O romancista francês, ao saber, mais tarde, da morte
de Queirós, dirá, numa homenagem de admiração, que o romancista português era superior ao
seu mestra, Flaubert.” (p.690).
Em 1888 é nomeado cônsul em Paris, o que o deixa extremamente feliz, por seu de
seus sonhos. (p.690).
“Vive com a Esposa, D. Emília de Castro, as naturais alegrias e contrariedades da
fortuna. Tudo faz para que os filhos sejam felizes e saudáveis. Parece ter possuído a mística
da família. Já quando o seu estado de saúde ia piorando, Eça de Queirós esquecia-se quase
completamente de si, se era preciso tratar os seus” (p.690).
Em 1889 agrega-se aos Vencidos da Vida, grupo de escritores muito discutidos.
Visita Portugal pela última vez em 1900.
Falece em agosto daquele ano, devido as suas doenças intestinais. Eça teria um tipo
raro de doença que acometia a base intestinal1, a amiloidose hereditária.
“Na manhã de 16 de agosto de 1900, o especialista Bouchard verifica a
incurabilidade do doente e surpreende-se com a lucidez de Queirós, que descreve toda a
nitidez os seus mortais procedimentos. À tarde, começa a piorar. O Padre Lenfant, chamado
pela família, lança0lhe a absolvição e ministra-lhe a Extrema-Unção. Às quatro horas e meia
da tarde, desse dia, Eça de Queirós morria junto dos seus, com toda a serenidade.” (p. 692).

Sobre a Obra de Eça:

Preferencialmente, o romance como instrumento literário. Escreveu também contos


e ensaios, além de textos jornalísticos. Sua primeira obra de destaque, O Crime do Padre
Amaro que teve mais de uma edição circulando, tendo a 1 sido distribuída em 1874 e a
definitiva em 1880; Eça teria realizado modificações atentando-se aos movimentos da crítica.
(p.692).
O romance de costumes teve pro inspirações obras francesas, La Faute de l’ Abbé
Mouret, de Zola, e Mounsier de Boisdhyver, de Chamfleury.
“A sociedade Portuguesa, imperfeitamente vista do estrangeiro, com suas anomalias
e anormalidades, e escalpelizada com energia crítica e doutrinária, é que proporciona ainda a
Eça de Queirós matéria para os seguintes romances, que, como O Crime do Padre Amaro,

1
Informações disponíveis em: https://www.pfizer.com.br/noticias/releases/obra-inacabada-de-eca-de-queiroz-
ganha-finais-ineditos-para-alertar-sobre-doenca-rara#:~:text=O%20escritor%20portugu%C3%AAs%20E
%C3%A7a%20de,o%20diagn%C3%B3stico%20de%20tuberculose%20intestinal. Acesso em 24 de jun. 2023.
procuram ajustar-se à realidade bem observada: O Primo Basílio, escrito em New Castle e
publicado e 1878; A Relíquia, que sai do prelo em 1887, Os Maias, em que trabalha pelo
menos desde 1880, vem a público em 1888.
Em relação a uma exata pintura de realidade social, é possível apontar neste livros
inverossimilhanças de pormenor, erros de informação, inexatidões, o que é natural: Queirós
não estava fazendo investigação científica, mas sim arte. Todavia, a sociedade lisboeta do
último quartel do século XIX, está primorosamente descrita no grande romance de Os Maias,
o livro que melhor nos transmite o gênio literário de Eça de Queirós. A imaginação, uma
vaga de idealismo, a magnifica arte de ironia e da caricatura queirosiana, um saudável bom
humor sobressaem deliciosamente nestas obras, cujo merecimento artístico é incontestável ”
(p. 693 – 694, grifos do original).

“O naturalismo de Queirós filia-se, em parte, no processo, então corretne, de anotar


o que no homem se devia a circunstâncias atávicas e temporais. Era seu intuito estético não
esquecer, como diz numa das Cartas, que ‘há no homem – nervos, fatalidades hereditárias,
sujeições às influências determinantes de hora, alimento, atmosfera, etc.’. E daqui a presença,
nos grandes romances queirosianos, de quadros impuros e sombrios, de situações que brigam
até com a elegância moral. O homem, como escravo do instinto e comandado por impulsos
inferiores, é objeto de cuidada análise. Adota-se uma temática nova, talvez bastante populista,
que se situa longe da aristocracia dos clássicos, do humanismo ainda selecionado dos
românticos, e mais próxima do homem fisiológico. No entretanto, Eça de Queirós, com a
franqueza e ousadia das suas prospecções, enfrenta a desagregação moral da sociedade e dos
indivíduos, faz uma crítica das irregularidades sociais, censura e desaprova o crime e o vício.
Apesar disto, os romances de Eça têm contra si o azedume de censores que, só animados de
propósitos moralistas, negam que, na pintura dos aspectos da vida, o artista tenha o direito de
não mostrar preferências pelo melhor nem pelo pior, e possa retratar o bem ou o mal. [...]Não
obstante isso, subsiste a sua indiferença metafísica, assim como o seu invariável culto do
mundo exterior.” (p. 695).

No entanto a perspectiva de Eça sobre espiritualidade, moralidade e a vida comum


do homem muda. Separam sua criação em primeiro Eça e em segundo Eça.
Eça escreve A vida de São Cristovão:
“Com a Vida de São Cristovão, Queirós posta-se a grande distância da Relíquia e do
Crime do Padre Amaro. Está atento ainda à natureza humana, mas ao que nela se eleva para o
céu, para o mundo do espírito. De fato, Cristóvão, movido pelo seu instinto metafísico e pela
Fé, chama pro Cristo ao cair de noite: ‘de pé numa rocha, os seus braços estendiam-se para o
céu, para neles estreitar Aquele que, para o salvar, fora pregado na cruz. E três vezes o
chamou: Jesus, Jesus, Jesus!’. Mas também é certo que este Cristóvão não se interioriza, nã
tem o gsoto da meditação interior, e parece até detestar o recolhimento de um templo. Prefere
À oração e ao isolamento de uma vida de concentração religiosa, a existência ao ar livre, no
meio da natureza que acarinha, praticando o bem e o amor do próximo: à religião
contemplativa opõe a vida religiosa ativa em prol do seu semelhante” (p. 699).
Na nota de rodapé: “Nesta interpretação de S. Cristóvão, Eça de Queirós atribui ao
santo a sua própria natureza de extrovertido: o santo é concebido à imagem e semelhança do
romancista. Queirós não respeita a cronologia, como no-lo prova o seguinte fato: o mártir
cristão S, Cristóvão, que viveu no século III, ao entrar no templo da sua terra natal, lá
descobre jpa uma imagem de S. Francisco de Assis, que viria a nascer no século XII, isto é,
900 anos depois daquele bem-aventurado ter morrido...”
Posteriormente, A Cidade e as Serras também irá enaltecer a vida simples, próxima
da natureza.
“A apologia da simplicidade, o regresso à inocência primitiva, a incapacidade da
civilização para solucionar o problema da felicidade moral do homem, o interesse pela
paisagem campestre do Norte de Portugal, o lusitanismo crescente do escritor, vivem em
todos, ou em alguns, destes contos que compõem, deste modo, o ambiente moral que envolve
A Cidade e as Serras”. (p.699-700)

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