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Os Maias

Contexto histórico-cultural

A Segunda metade do século XIX:


Na década de 50 assistiu-se a um grande desenvolvimento das vias de
comunicação e a um progresso económico. Esta época de estabilidade política ficou
conhecida por Regeneração. Este desenvolvimento económico deu-se graças a
Fontes Pereira de Melo, tendo sido o iniciador de uma política de implementação de
infra-estruturas, tais como: caminhos-de-ferro, estradas, pontes, telégrafo, etc...
designada por "fontismo".
No entanto, esta política não foi pacífica nem igual para todos, uma vez que se
verificaram desequilíbrios entre o interior e o litoral.

O contexto cultural:
Enquanto o crescimento económico progredia, os padrões estético-literários vigentes
na época dominados ainda pelo ultra- romantismo e pela sua figura emblemática
permaneceram iguais.
A década anterior à publicação de Os Maias foi a mais polémica da História da
Literatura, foi marcada por uma série de revoluções:
a) o idealismo cede lugar ao positivismo;
b) o romantismo é violentamente atacado pelo realismo;
c) o realismo clarifica os grandes males sociais;
d) a arte literária é entregue ao serviço da revolução de mentalidades.

Eça de Queirós terá demorado cerca de 8 anos para escrever a obra Os Maias,
tendo sido publicada a 2 de Junho de 1888. Isso poderá explicar o afastamento progressivo,
à medida que a ação avança, do romantismo para o naturalismo/ realismo. No inicio da
obra, Eça é fortemente influenciado pelas teses naturalistas (meio, educação,
hereditariedade), assim como elege o destino como responsável pelo desenlace trágico da
família Maia. A obra foi atacada por fortes críticas quanto à sua extensão e outros fatores,
tanto por críticos como também pelo próprio Eça.

A Questão Coimbrã
O "Poema da Mocidade" de Pinheiro Chagas foi fortemente elogiado por Castilho
numa publicação de um prefácio, no qual Castilho aproveitou para censurar um grupo de
jovens de Coimbra que acusa de exibicionismo, obscuridade propositada e de tratamento
de temas que nada tinham a ver com a poesia.
Desse grupo faziam parte Teófilo Braga e Antero de Quental. Antero de
Quental decidiu responder a Castilho com uma Carta intitulada "Bom Senso e Bom
Gosto" que acabou por sair em folheto.
Formou-se assim um conflito entre Castilho e Antero de Quental. Castilho
defendia a arte pela arte, enquanto para Antero, a arte deveria estar entregue ao
serviço das transformações sociais.

A Geração de 70
Um grupo de jovens intelectuais da Universidade de Coimbra formado por Antero de
Quental, Eça de Queirós, Teófilo Braga, Alberto Sampaio, Oliveira Martins, entre outros,
responderam às inventivas dos seus adversários e realizaram um conjunto de atividades
científicas, literárias e artísticas.
Estes jovens opunham-se contra a ordem conservadora e retrógrada, pondo assim
em questão toda a cultura portuguesa.

A difusão do realismo em Portugal


A difusão do "pensamento moderno" foi facilitada pela ligação ferroviária entre
Coimbra e Paris assim como pela contestação dos jovens intelectuais ao poder instituído,
quer pela Universidade, quer pelos representantes das "literaturas oficiais" sediados em
Lisboa.

Pluralidade de ações:
-Ação principal→Amores de Carlos e Maria Eduarda (intriga principal)
-Ações secundárias→Amores de Pedro e Maria Monforte (intriga secundária); Romance de Ega e
Raquel Cohen; Romance de Carlos com a Gouvarinho.

Nivel (ou planos) da ação

Intriga > Os Maias (título) →Principal- Carlos e Maria Eduarda


→Secundária – Pedro e Maria Monforte

Ação trágica: incesto (intriga principal), destino, peripécia, presságios,


reconhecimento, catástrofe.

1. Título e subtítulo
“N’Os Maias”, a intriga trágica interliga-se com um excecional retrato da sociedade.
Eça de Queirós procura, com um sentido de compromisso crítico e fina ironia, construir
uma enorme tela que reproduza com autenticidade os costumes da época.

O título liga-se à história trágica que serve de pretexto para o desenvolvimento da


comédia de costumes que o subtítulo – “Episódios da vida romântica” – sugere.
2. Visão global da estrutura do romance
• Intriga secundária: surge como introdução a facultar a apresentação de Afonso da
Maia, como fator de unidade, e a situar no tempo e no espaço o início da ação. Além disso,
centra-se na personagem Pedro, dando conta do seu nascimento, formação, romance com
Maria Monforte e drama.
• Intriga principal: mantém a dimensão trágica e amplifica, provocando o
desenvolvimento dos acontecimentos, incidindo nas relações incestuosas de Carlos e Maria
Eduarda, culminando com a morte de Afonso da Maia. Com a desagregação da família, o
último capítulo constitui o epílogo, onde Carlos e Ega, regressados a Lisboa, admitem o
fracasso de uma vida e verificam o atrasamento do país.

Ação secundária (centrada em Pedro)


● Pedro da Maia vê Maria Monforte (pág.22)
● Pedro namora Maria Monforte (pág.26)
● Pedro casa com Maria Monforte contra a vontade do pai – rutura na relação
pai/filho (pág.30)
● Maria Monforte foge com o napolitano Tancredo, levando consigo a filha
(pág.44); Pedro suicida-se (pág.52)
Ação principal (centrada em Carlos)
● Carlos vê Maria Eduarda (pág.156)
● Carlos visita Rosa, filha de Maria Eduarda, a pedido de Dâmaso (pág.257)
● Carlos conhece Maria Eduarda, quando vai à R. de S. Francisco, como médico, para
tratar de miss Sara (pág.350)
● Declaração de Carlos a Maria Eduarda (pág.409)
● Consumação do incesto (pág.438)
● Encontro de Maria Eduarda com Guimarães (pág.537)
● Revelações de Guimarães a Ega (pág.615)
● Revelações de Ega a Vilaça/conversa Ega-Carlos (pág.640)
● Revelações de Carlos a Afonso (pág.645)
● Incesto consciente (pág.658)
● Morte de Afonso (pág.668)
● Revelações a Maria Eduarda (pág.683)
● Partida de Maria Eduarda para Paris (pág.687)
● Carlos viaja durante 10 anos pela Europa e quando regressa a Portugal defende a
teoria de existência – o fatalismo muçulmano

2.1. Ação trágica


• Tema da intriga: incesto.
• Protagonista: de condição superior (Carlos e Maria Eduarda).
• Fatum (destino): agente de destruição do protagonista.
• Peripécia: encontro de Guimarães com Ega.
• Reconhecimento: revelações de Guimarães a Ega sobre a identidade de Maria Eduarda;
revelações fatídicas contidas na carta de Maria Monforte.
• Catástrofe: morte de Afonso; Partida de Maria Eduarda vestida de negro para França;
Viagem de Carlos (abandona Lisboa) – separação definitiva dos irmãos.
• Mensageiro: Guimarães.
3. Educação
O tema da educação é frequentemente tratado por Eça de Queirós e surge “N’Os Maias”
como um dos principais fatores comportamentais e da mentalidade do Portugal romântico
por oposição ao Portugal novo, voltado para o futuro.
Assim, podemo-nos deparar com dois sistemas de ensino completamente opostos
– a educação tradicionalista e conservadora e a educação inglesa.
3.1. A educação tradicionalista e conservadora (representada por Pedro e
Eusebiozinho)
• Pedro da Maia:
➢ Educação segundo os conceitos da mãe, uma mulher emocionalmente frágil
(característica que transmitiu ao filho), que não gostava de viver em Inglaterra e, por isso,
mandou vir o padre Vasques para o educar. Afonso, como a amava, não a contrariava.
➢ Típica educação portuguesa oitocentista conservadora e católica;
➢ Apelo à memória;
➢ Primado da Cartilha;
➢ Aprendizagem de uma língua morta (latim);
➢ Educação doutrinária sem fins práticos (fuga ao contacto direto com a natureza e
às realidades práticas da vida).
–»
Fim trágico: o fim de Pedro deveu-se à sua educação, meio social e hereditariedade
(dado que saiu aos Runas, exceto nos olhos negros)

Complexidade do tempo
Tempo histórico
Entende-se por tempo histórico aquele que se desdobra em dias, meses e anos
vividos pelas personagens, refletindo até acontecimentos cronológicos históricos do país.
N' Os Maias, o tempo histórico é dominado pelo encadeamento de três gerações de
uma família, cujo último membro - Carlos, se destaca relativamente aos outros. A fronteira
cronológica situa-se entre 1820 e 1887, aproximadamente. Assim, o tempo concreto da
intriga compreende cerca de 70 anos.

Tempo psicológico
O tempo psicológico é o tempo que a personagem assume interiormente. É o tempo
filtrado pelas suas vivências subjetivas, muitas vezes carregado de densidade dramática. É
o tempo que se alarga ou se encurta conforme o estado de espírito em Complexidade do
tempo.
Este romance não apresenta um seguimento temporal linear, mas, pelo contrário,
uma estrutura complexa na qual se integram três tipos de tempo: tempo histórico, tempo do
discurso e tempo psicológico.

No romance, encontram-se algumas ações onde se destaca a existência de tempo


psicológico, como por exemplo, nas horas passadas no consultório, que Carlos considerava
monótonas e “estúpidas”, ou quando, no último capítulo, em que Carlos e Ega visitam e
completam o velho Ramalhete (1887) e refletem sobre o passado e o presente, e numa das
intervenções, Carlos, com emoção e nostalgia, recorda o tempo passado e comenta “É
curioso! Só vivi dois anos nesta casa, e é nela que me parece estar metida a minha vida
inteira!”.

O tempo psicológico introduz a subjetividade, o que põe em causa as leis do


naturalismo.
c
Tempo do discurso
Por tempo do discurso entende-se aquele que se deteta no próprio texto organizado
pelo narrador, ordenado ou alterado logicamente, alargado ou resumido.

Na obra, o discurso inicia-se no outono de 1875, data em que Carlos, concluída a


sua viagem de um ano pela Europa, após a formatura, veio com o avô instalar-se
definitivamente em Lisboa. Pelo processo de analepse, o narrador vai, até parte do capítulo
IV, referir-se aos antepassados do protagonista (juventude e exílio de Afonso da Maia,
educação, casamento e suicídio de Pedro da Maia, e à educação de Carlos da Maia e sua
formatura em Coimbra) para recuperar o presente da história que havia referido nas
primeiras linhas do livro.
Esta primeira parte pode considerar-se uma novela introdutória que dura quase 60
anos. Esta analepse ocupa apenas 90 páginas, apresentadas por meio de resumos e
elipses. Assim, o tempo histórico é muito mais longo do que o tempo do discurso. Do outono
de 1875 a janeiro de 1877 - data em que Carlos abandona o Ramalhete - existe uma
tentativa para que o tempo histórico (pouco mais de um ano da vida de Carlos) seja
idêntico ao tempo do discurso - cerca de 600 páginas - para tal Eça serve-se muitas vezes
da cena dialogada.
O último capítulo é uma elipse (salto no tempo) onde, passados 10 anos, Ega se
encontra com Carlos em Lisboa.

Complexidade do espaço
Na obra os Maias a Ação decorre em diferentes Espaços físicos, Sociais e
Psicológicos.

a) O Espaço Físico é o local onde se desenrola a narrativa (um país, uma cidade, uma
casa, etc).

Espaço geográfico:
-Coimbra: espaço de boémia estudantil, artística e literária; espaço de
formação de Carlos cuja existência surge ainda marcada pelo Romantismo que a
sua geração procura rejeitar. Ambiente propício ao diletantismo e ociosidade.
-Lisboa: é o espaço com maior importância na obra, isto é, é o local onde
ocorrem os principais acontecimentos. As ruas, as praças, os hotéis, os locais de
convívio, os teatros são caracterizados como personagens ao longo da obra. Lisboa
é o símbolo da sociedade portuguesa da Regeneração, incapaz de se modernizar
(obras da Avenida da Liberdade) e que agoniza na contemplação de um passado
glorioso.
-Sintra: A ida a Sintra de Carlos, Cruges e Alencar constitui um dos
momentos mais poéticos hilariantes da obra. Sintra é o paraíso romântico perdido, é
o refúgio campestre e purificador.
-Santa Olávia: É um local de extrema importância para as personagens,
sendo como refúgio aos problemas e um local calmo que proporciona um ambiente
agradável para pensamentos.

Espaços interiores:
-Ramalhete: a degradação do edifício acompanha o percurso da família e a
passagem de Carlos por Lisboa, sendo considerado um marco referencial
importante. Símbolo desse percurso é a descrição do jardim (aspecto simbólico
oposto ao racionalismo naturalista):
-1o momento: o jardim tem um aspecto de abandono e degradação;
corresponde ao desgosto de Afonso após a morte de Pedro;
- 2o momento: é o renascimento da esperança, renovação da casa
por Carlos;
-3a momento: «areado e limpo, mas sombrio e solitário», simboliza o
fim de um sonho e a morte de uma família.

-O consultório: A descrição do consultório revela-nos algumas facetas de Carlos:


diletantismo, entusiasmos passageiros, projectos inacabados.
-A casa de Dâmaso: a sua excentricidade faz um contraste com a personalidade
mesquinha e cobarde de Dâmaso e com a sua embaraçada aflição no episódio da carta.
-A Vila Balzac: A caracterização da casa remete para aprópria personalidade de
Ega. Os móveis escolhidos, nomeadamente a cama, acentuam a exuberância afectiva e
erótica de Ega o espelho à cabeceira insinua a extravagância, um temperamento
exibicionista e narcisista.
-O Hotel Central/ a casa da rua de S. Francisco/ a Toca: Carlos tenta descobrir
facetas da personalidade de Maria Eduarda através da observação dos objectos que a
rodeiam. A decoração da Toca simboliza a excentricidade, a anormalidade e a tragédia que
caracterizarão as relações de Carlos e Maria Eduarda. Foi à entrada desse Hotel que
Carlos e Maria Eduarda se terão avistado pela primeira vez.
b) O Espaço Psicológico está relacionado com as personagens pois traduz uma atmosfera
de ordem psicológica, que se projeta nos comportamentos destas. Vai privilegiar o que
ocorre dentro das personagens, sobretudo através do monólogo interior, manifestandose
em momentos de maior densidade dramática. É sobretudo Carlos que desvenda os
meandros da sua consciência, ocupando também Ega lugar de relevo. O narrador como
que desnuda as personagens perante o leitor, dando conta dos estados de alma, dos
personagens, dos pensamentos, da corrente da sua consciência. A representação do
espaço psicológico permite definir a composição destas personagens como personagens
modeladas. A presença do espaço psicológico implica, obviamente, a presença da
subjectividade, pondo em causa a estética naturalista.
O Espaço psicológico consegue-se através do(a) sonho, memória, imaginação e emoção.

c) O Espaço Social são os lugares e ambientes em que se proporciona a análise dos


comportamentos das personagens, pois aí elas denunciam os seus tiques e os seus vícios
(ex. jantar nos Gouvarinho, a corrida de cavalos, ...)

PERSONAGENS (Árvore Genealógica Slide 1)

Afonso da Maia
▪ Caracterização física:
Afonso era baixo, maciço, de ombros quadrados e fortes. A sua cara larga, o
nariz curvo e a pele corada. O cabelo era branco, muito curto e a barba branca e
comprida. Como dizia Carlos: "lembrava um varão esforçado das idas heróicas, um
D. Duarte Meneses ou um Afonso de Albuquerque".
▪ Caracterização psicológica:
Provavelmente a personagem mais simpática do romance e aquele que o
autor mais valorizou. Não se lhe conhecem defeitos. É um homem de carácter culto
e requintado nos gostos. Enquanto jovem adere aos ideais do Liberalismo e é
obrigado, pelo seu pai, a sair de casa; instala-se em Inglaterra mas, falecido o pai,
regressa a Lisboa para casar com Maria Eduarda Runa. Dedica a sua vida ao neto
Carlos. Já velho passa o tempo em conversas com os amigos, lendo com o seu gato
– Reverendo Bonifácio – aos pés, opinando sobre a necessidade de renovação do
país. É generoso para com os amigos e os necessitados. Ama a natureza e o que é
pobre e fraco. Tem altos e firmes princípios morais. Morre de desgosto, quando
descobre os amores incestuosos dos seus netos. É o símbolo do velho Portugal que
contrasta com o novo Portugal – o da Regeneração – cheio de defeitos. É os sonho
de um Portugal impossível por falta de homens capazes. É o ponto de equilíbrio da
família. É a ele que o filho entrega Carlos após a fuga de Maria Eduarda.

Pedro da Maia
▪ Caracterização física:
Era pequenino, face oval de "um trigueiro cálido", olhos belos –
"assemelhavam-no a um belo árabe". Valentia física.
▪ Caracterização psicológica:
Pedro da Maia apresentava um temperamento nervoso, fraco e de grande
instabilidade emocional. Tinha assiduamente crises de "melancolia negra que o
traziam dias e dias, murcho, amarelo, com as olheiras fundas e já velho". O autor dá
grande importância à ligação desta personagem ao ramo familiar dos Runa e à sua
semelhança psicológica com estes. Pedro é vítima do meio baixo lisboeta e de uma
educação retrograda. O seu único sentimento vivo e intenso foi a paixão que sentia
pela mãe. Apesar da robustez física é de uma enorme cobardia moral (como
demonstra a reação do suicídio face à fuga da mulher). Falha no casamento e falha
como homem.

Carlos da Maia
▪ Caracterização física:
Carlos era um belo e magnífico rapaz. Era alto, bem constituído, de ombros
largos, olhos negros, pele branca, cabelos negros e ondulados. Tinha barba fina,
castanha escura, pequena e aguçada no queixo. O bigode era curvado aos cantos
da boca. Com diz Eça, ele tinha uma fisionomia de "belo cavaleiro da Renascença".
▪ Caracterização psicológica:
Carlos era culto, bem educado, de gostos requintados. Ao contrário do seu
pai, é fruto de uma educação à Inglesa. É corajoso e frontal. Amigo do seu amigo e
generoso. Destaca-se na sua personalidade o cosmopolitismo, a sensualidade, o
gosto pelo luxo, e diletantismo (incapacidade de se fixar num projecto sério).
Todavia, apesar da educação, Carlos fracassou. Não foi devido a esta mas falhou,
em parte, por causa do meio onde se instalou – uma sociedade parasita, ociosa, fútil
e sem estímulos e também devido a aspetos hereditários – a fraqueza e a cobardia
do pai, o egoísmo, o futilidade e o espírito boémio da mãe.

Maria Monforte
▪ Caracterização física
É extremamente bela e sensual. Tinha os cabelos loiros, "a testa curta e
clássica".
▪ Caracterização psicológica
É vítima da literatura romântica e daqui deriva o seu carácter pobre,
excêntrico e excessivo. Costumavam chamar-lhe negreira porque o seu pai levara,
noutros tempos, cargas de negros para o Brasil, Havana e Nova Orleães.
Apaixonou-se por Pedro e casou com ele. Desse casamento nasceram dois filhos.
Mais tarde foge com o napolitano, Tancredo, levando consigo a filha, Maria Eduarda,
e abandonando o marido - Pedro da Maia - e o filho - Carlos Eduardo. Leviana e
imoral, é, em parte, a culpada de todas as desgraças da família Maia. Fê-lo por
amor, não por maldade. Após a morte de Tancredo, num duelo, leva uma vida
dissipada e morre quase na miséria. Deixa um cofre a um conhecido português - o
democrata Sr. Guimarães - com documentos que poderiam identificar a filha a quem
nunca revelou as origens.

Maria Eduarda
▪ Caracterização física
Maria Eduarda era uma bela mulher: alta, loira, bem feita, sensual mas
delicada, "com um passo soberano de deusa", é "flor de uma civilização superior, faz
relevo nesta multidão de mulheres miudinhas e morenas". Era bastante simples na
maneira de vestir, "divinamente bela, quase sempre de escuro, com um curto decote
onde resplandecia o incomparável esplendor do seu pescoço".
▪ Caracterização psicológica
Podemos verificar que, ao contrário das outras personagens femininas Maria
Eduarda nunca é criticada, Eça manteve sempre esta personagem à distância, a fim
de possibilitar o desenrolar de um desfecho dramático (esta personagem cumpre um
papel de vítima passiva). Maria Eduarda é então delineada em poucos traços, o seu
passado é quase desconhecido o que contribui para o aumento e encanto que a
envolve. A sua caracterização é feita através do contraste entre si e as outras
personagens femininas, mas e ao mesmo tempo, chega-nos através do ponto de
vista de Carlos da Maia, para quem tudo o que viesse de Maria Eduarda era perfeito,
"Maria Eduarda! Era a primeira vez que Carlos ouvia o nome dela; e pareceu-lhe
perfeito, condizendo bem com a sua beleza serena." Uma vez descoberta toda a
verdade da sua origem, curiosamente, o seu comportamento mantém-se afastado
da crítica de costumes (o seu papel na intriga amorosa está cumprido), e esta
personagem afasta-se discretamente de "cena".

Personagens tipo:
João da Ega
▪ Caracterização física
Ega usava "um vidro entalado no olho", tinha "nariz adunco, pescoço
esganiçado, punhos tísicos, pernas de cegonha". Era o autêntico retrato de Eça.
▪ Caracterização psicológica
João da Ega é a projeção literária de Eça de Queirós. É uma personagem
contraditória. Por um lado, romântico e sentimental, por outro, progressista e crítico,
sarcástico do Portugal Constitucional. Amigo íntimo de Carlos desde os tempos de
Coimbra, onde se formara em Direito (muito lentamente). A mãe era uma rica viúva
e beata que vivia ao pé de Celorico de Bastos, com a filha. Boémio, excêntrico,
exagerado, caricatural, anarquista sem Deus e sem moral. É leal com os amigos.
Concebe grandes projetos literários que nunca chega a executar. Terminado o
curso, vem viver para Lisboa e torna-se amigo inseparável de Carlos. Como Carlos,
também ele teve a sua grande paixão - Raquel Cohen. Ega, um falhado, corrompido
pela sociedade, encarna a figura defensora dos valores da escola realista por
oposição à romântica. Na prática, revela-se em eterno romântico. Nos últimos
capítulos ocupa um papel de grande relevo no desenrolar da intriga. É a ele que o
Sr. Guimarães entrega o cofre. É juntamente com ele, que Carlos revela a verdade a
Afonso. É ele que diz a verdade a Maria Eduarda e a acompanha quando esta parte
para Paris definitivamente.

Conde de Gouvarinho
▪ Caracterização física
Era ministro e par do Reino. Tinha um bigode encerado e uma pêra curta.
▪ Caracterização psicológica
Tinha uma mentalidade retrógrada. Tem lapsos de memória e revela uma
enorme falta de cultura. Não compreende a ironia sarcástica de Ega. Representa a
incompetência do poder político (principalmente dos altos cargos). Fala de um modo
depreciativo das mulheres. Revelar-se-á, mais tarde, um bruto com a sua mulher.

Condessa de Gouvarinho
▪ Caracterização física
Cabelos crespos e ruivos, nariz petulante, olhos escuros e brilhantes, bem
feita, pele clara, fina e doce; e casada com o conde de Gouvarinho e é filha de um
comerciante inglês do Porto.
▪ Caracterização psicológica
É imoral e sem escrúpulos. Traí o marido, com Carlos, sem qualquer tipo de
remorsos. Questões de dinheiro e a mediocridade do conde fazem com que o casal
se desentenda. Envolve-se com Carlos e revela-se apaixonada e impetuosa. Carlos
deixa-a, quando percebe que ela é uma mulher sem qualquer interesse, demasiado
fútil.

Dâmaso Salcede
▪ Caracterização física
Era baixo, gordo, "frisado como um noivo de província". Era sobrinho de
Guimarães. A ele e ao tio se devem,
respectivamente, o início e o fim dos amores de Carlos com Maria Eduarda.
▪ Caracterização psicológica
Dâmaso é uma símbolo de defeitos. Filho de um penhorista, é presumido,
cobarde e sem dignidade. É dele a carta anónima enviada a Castro Gomes, que
revela o envolvimento de Maria Eduarda com Carlos. É dele também, a notícia
contra Carlos n' A Corneta do Diabo. Mesquinho e convencido, provinciano e
tacanho, tem uma única preocupação na vida o "chic a valer". Representa o novo
riquismo e os vícios da Lisboa da segunda metade do séc. XIX. O seu carácter é tão
baixo, que se retracta, a si próprio, como um bêbado, só para evitar bater-se em
duelo com Carlos.

Sr. Guimarães
▪ Caracterização física
Usava largas barbas e um grande chapéu de abas à moda de 1830.
▪ Caracterização psicológica
Conheceu a mãe de Maria Eduarda, que lhe confiou um cofre contendo
documentos que identificavam a filha. Guimarães é, portanto, o mensageiro da
trágica verdade que destruirá a felicidade de Carlos e de Maria Eduarda.

Alencar
▪ Caracterização física
Tomás de Alencar era "muito alto, com uma face encaveirada, olhos
encovados, e sob o nariz aquilino, longos, espessos, românticos bigodes grisalhos".
▪ Caracterização psicológica
Era calvo, em toda a sua pessoa "havia alguma coisa de antiquado, de
artificial e de lúgubre". Simboliza o romantismo piegas. O paladino da moral. Era
também o companheiro e amigo de Pedro da Maia. Eça serve-se desta personagem
para construir discussões de escola, entre naturalistas e românticos, numa versão
caricatural da Questão Coimbrã. Não tem defeitos e possui um coração grande e
generoso. É o poeta doultrarromantismo.

Cruges
▪ Caracterização física
"De grenha crespa que lhe ondulava até à gola do jaquetão", "olhinhos
piscos" e nariz espetado.
▪ Caracterização psicológica
Maestro e pianista patético, era amigo de Carlos e íntimo do Ramalhete. Era
demasiado chegado à sua velha mãe. Segundo Eça, "um diabo adoidado, maestro, pianista
com uma pontinha de génio". É desmotivado devido ao meio lisboeta - "Se eu fizesse uma
boa ópera, quem é que ma representava".

Craft
É uma personagem com pouca importância para o desenrolar da ação, mas que representa
a formação britânica, o protótipo do que deve ser um homem. Defende a arte pela arte, a
arte como idealização do que há de melhor na natureza. É culto e forte, de hábitos rígidos,
"sentindo finamente, pensando com retidão". Inglês rico e boémio, observador dos
costumes lisboetas.

Eusebiozinho
Eusebiozinho representa a educação retrógrada portuguesa. Também conhecido por
Silveirinha, era o primogénito de uma das Silveiras - senhoras ricas e beatas. Amigo de
infância de Carlos com quem brincava em Santa Olávia, levando pancada continuamente, e
com quem contrastava na educação. Cresceu tísico, molengão, tristonho e corrupto. Casou-
se, mas enviuvou cedo. Procurava, para se distrair, bordéis ou aventureiras de ocasião
pagas à hora.

A representação de espaços sociais e a crítica de costumes:


Ao subtítulo de “Os Mais”, Episódios da Vida Romântica, corresponde a crónica de
costumes. Estes episódios, descritos ao longo da obra, têm como objectivo fazer o relato da
sociedade portuguesa na segunda metade do século XIX. Eça utiliza um desfile de
personagens (personagens tipo) que representam grupos, classes sociais ou mentalidades
por forma a mostrar aos leitores o estado de corrupção, providencialismo e parasitismo da
sociedade portuguesa, bem como, seus costumes e vícios. Ao retratar os espaços sociais
da alta burguesia, através da estética naturalista, a obra apresenta personagens como
produto de fatores “naturais”- o meio, a hereditariedade ou a educação.
A educação em Os Maias é abordada de forma a evidenciar duas mentalidades
diferentes. Uma é a portuguesa, ligada a uma visão católica, decadente e tradicionalista,
recusa de inovações e “modernice”. A outra, a britânica, defendia uma educação moderna,
aberta ao futuro, apologista da cultura física, da defesa da ética e do respeito pelos outros e
pela diferença. Pedro da Maia e Eusebiozinho são símbolos da educação portuguesa,
enquanto Carlos tipifica o modelo britânico.
De crianças nervosas e frágeis a adultos fracos, abúlicos e fracassados, assim será
o percurso de Pedro (obcecado pela paixão pela mãe e depois por Maria Monforte, optaria
pelo suicídio «face a uma situação de carência afetiva) e de Eusebiozinho (protagonistas de
aventuras com espanholas de porte duvidoso mas submisso à violência da mulher). Já
Carlos, formou-se em medicina, ainda inicia uma carreira de médico que logo abandona,
contaminado pelo meio lisboeta e, mais tarde, pela vivência da sua paixão por Maria
Eduarda. Com efeito, embora Carlos não realize nenhum dos seus projetos iniciais,
consegue sobreviver de uma forma digna à descoberta do seu parentesco com Maria
Eduarda e à morte do avô.

Episódios representativos:

Episódios da vida romântica


● A crítica, em Os Maias, exerce-se a partir dos estratos dominantes da
sociedade da Regeneração.
● Lisboa polariza a vida política e a vida económica do país, a literatura, a diplomacia
e o jornalismo.
● Nesse sentido, o cenário liga-se directamente a personagens e a situações, por
meio de uma relação de ironia dotada de intuitos críticos ou satíricos.
● Os Maias, integrando tópicos do roman-fleuve (romance-fresco), através das
aventuras de Carlos da Maia, aspira a captar um momento histórico numa
sociedade.
● Deseja também, como romance histórico, representar a cor exata de uma época e
de um meio.
● Assumem especial destaque as personagens, sobretudoi aquelas que são dotadas
de “tiques”, trejeitos e pormenores físicos sistematicamente repetidos quando
ocorre a sua intervenção na ação

O jantar no Hotel central (VI)


Neste jantar, Ega pretende homenagear Cohen, o marido de Raquel, a quem Ega estava
apaixonado e com a qual mantinha uma relação. Em roda da mesa surgiram assuntos do
foro literário e político que permitem ter uma noção da situação de Portugal. É uma reunião
da “elite portuguesa”.

Literário: Alencar defende o Ultra-Romantismo enquanto que Ega o Realismo/Naturalismo


(mostra uma sociedade dominada por valores tradicionais, que se opõe a uma nova
geração, a geração de 70 representada por Ega). Este defende exageradamente a inserção
da ciência na literatura.

Político: Ega crítica a decadência do país e afirma desejar a bancarrota e a invasão


espanhola. A maneira de
ser português revelada, através das visões de Carlos (começa por pensar, a propósito da
mouraria, que "esse mundo de fadistas, de faias" merecia um estudo, um romance) e de
Craft, que fica impassível perante a feroz discussão entre Alencar e Ega (a propósito de um
verso "o homem da ideia nova", o paladino do Realismo), discussão que quase termina em
agressão física, reconhecendo que "a torpeza do Alencar sobre a irmã do outro fazia parte
dos costumes de crítica em Portugal", até porque sabia que "a reconciliação não tardaria,
ardente e com abraços". Provocando Sousa Neto (representante da administração pública),
Ega percebe que este nada sabe do socialismo e não é capaz de um diálogo consequente.

Carlos da Maia vai a este encontro e vê Ma Eduarda pela primeira vez.

1.1. Realismo vs Romantismo


Alencar e Ega personificam esse antagonismo, ambos pecando por excesso.
Romantismo – Alencar Realismo - Ega
O exagero; A distorção das teses naturalistas,
O moralismo exacerbado; O apelo ao exagero científico enquanto programa literário
A fuga ao real;
Manifestação de dois vícios da crítica literária:
a mera preocupação com questões de
natureza formal; a recusa da dimensão
temática e poética da literatura;
A obsessão com o plágio.

Ambos caem no erro de resumir a análise literária ao ataque pessoal, arredando-se


das questões em discussão, acabando por se envolver numa cena de pancada.

1.2 -Intencionalidade
● O narrador revela-nos que a oposição entre o Romantismo e o Realismo
assenta fundamentalmente entre uma vigorosa análise social de grande
receptividade junto do público e uma escola poética formal, solene e
pomposa.
● Este episódio representa o esforço frustrado de uma camada social para
assumir um comportamento digno e requintado. Só que a realidade vem
rapidamente ao de cima: as limitações culturais e morais não se ocultam com
ementas afrancesadas e ambientes sofisticados, com divãs e camélias.
● Denuncia-se o cinismo e calculismo na discussão financeira do país, a miopia
histórica de Alencar, a denúncia do adormecimento do país.

A corrida de cavalos (X)


● Neste episódio, voltamos a encontrar muitas das personagens, em especial Dâmaso
Salcede, o obcecado com o “chique a valer”.
● As corridas representam mais um esforço desesperado de cosmopolitismo,
mas imitando o estrangeiro, o que é, sintomaticamente, reprovado por Afonso da
Maia;
● Mais um momento em que se lança uma visão panorâmica da sociedade
lisboeta, incluindo o próprio rei.
● O ponto de vista é mais uma vez o de Carlos e o de Craft.
● O cenário, em lugar de evidenciar a exuberância e o colorido normais nestes
acontecimentos mundanos, denota um provincianismo inegável, agudizado pela
falta de motivação e de vitalidade do público e pelo desinteresse geral.
● Também neste episódio volta a haver uma desordem, mesmo junto da tribuna real,
devido a um resultado duvidoso.

É uma sátira ao desejo de imitar o que se faz no estrangeiro, por um esforço de


cosmopolitismo, e ao provincianismo do acontecimento. As corridas de cavalos permitem
apreciar de forma irónica e caricatural uma sociedade que vive de aparências.

O comportamento da assistência feminina é naturalmente caricaturado. A conformidade do


vestuário à ocasião parece não ser a melhor e acaba por traduzir a falta de gosto e,
sobretudo, o ridículo de uma situação que se pretende requintada sem o ser.
As corridas servem, para Eça, criticar a mentalidade e o comportamento da alta burguesia: →O
aborrecimento, motivado pelo facto das pessoas não revelarem qualquer interesse pelo evento.
→A desordem que existia no espaço que por sua vez, era desadequado ao conceito.
→Falta de desportivismo entre os participantes da corrida.

Objetivos:
• Novo contacto de Carlos com a alta sociedade lisboeta, incluindo o próprio rei;
• Visão panorâmica dessa sociedade (masculina e feminina) sob o olhar crítico de Carlos;
• Tentativa frustrada de igualar Lisboa às capitais europeias, sobretudo Paris;
• Cosmopolitismo (fingido) da sociedade;
• Possibilidade de Carlos encontrar aquela figura feminina que vira à entrada do Hotel
Central.

Existem 4 corridas.

Visão caricatural:
• O hipódromo parecia um palanque de arraial;
• As pessoas não sabiam ocupar os seus lugares;
• As senhoras traziam "vestidos sérios de missa";
• O bufete tinha um aspecto nojento;
• A 1ª corrida terminou numa cena de pancadaria;
• As 3ª e 4ª corridas terminaram grotescamente.

Conclusões a retirar:
• Fracasso total dos objectivos das corridas;
• Radiografia perfeita do atraso da sociedade lisboeta;
• O verniz da civilização estalou completamente;
• A sorte de Carlos, ganhando todas as apostas, é indício de futura desgraça (Sorte no
jogo…).

Carlos vai às corridas com o objetivo de ver Maria Eduarda, o que não se realiza.

É uma sátira ao desejo de imitar o que se faz no estrangeiro, por um esforço de


cosmopolitismo, e ao provincianismo do acontecimento. As corridas de cavalos permitem
apreciar de forma irónica e caricatural uma sociedade que vive de aparências. O
comportamento da assistência feminina é naturalmente caricaturado. A conformidade do
vestuário à ocasião parece não ser a melhor e acaba por traduzir a falta de gosto e,
sobretudo, o ridículo de uma situação que se pretende requintada sem o ser. As corridas
servem, para Eça, criticar a mentalidade e o comportamento da alta burguesia: - O
aborrecimento, motivado pelo facto das pessoas não revelarem qualquer interesse pelo
evento. - A desordem, originada pelo jóquei que montava o cavalo "Júpiter" e que insultava
Mendonça, o juiz das corridas, pois considerava ter perdido injustamente em detrimento do
Pinheiro, que montara o Escocês e que obtivera a vitória por ser íntimo de Mendonça.
Tomava-se partido, havia insultos, até que Vargas resolveu com um encontrão para os
lados desafiar o jóquei – foi, então, que se ouviu uma série de expressões como "Morra" e
"Ordem", se viram chapéus pelo ar, se ouviam baques surdos de murros.

Jantar oferecido a Carlos pelo Conde.


O espaço social permite através das falas, observar a gradação dos valores sociais, o
atraso intelectual do país, a mediocridade mental de algumas figuras da alta burguesia e da
aristocracia.

Desfilam perante Carlos as principais figuras e problemas da vida política, social e cultural
da alta sociedade lisboeta: a crítica literária, a literatura, a história de Portugal, as finanças
nacionais, etc. Todos estes problemas denunciam uma fragilidade moral dessa sociedade
que pretendia apresentar-se como civilizada.

No jantar podemos apreciar duas concepções opostas sobre a educação das mulheres:
salienta-se o facto de ser conveniente que "uma senhora seja prendada, ainda que as suas
capacidades não devam permitir que ela saiba discutir, com um homem, assuntos de
carácter intelectual" (Ega, provocador, defende que "a mulher devia ter duas prendas:
cozinhar bem e amar bem").

Sublinha-se neste episódio os seguintes aspetos:


- a “estreiteza” de pontos de vista do conde de Gouvarinho.
-a ignorância e falta de inteligência de Sousa Neto.
-a incompetência dos políticos: O conde já tinha passado por vários ministérios e Sousa
Neto era oficial superior da Instituição Pública, mas nunca tinha ouvido falar de figuras
notáveis da literatura e da filosofia da época.

Objetivos:
• Reunir a alta burguesia e aristocracia;
• Reunir a camada dirigente do País;
• Radiografar a ignorância das classes dirigentes.

Os alvos visados neste jantar são:


• Conde de Gouvarinho
➢ voltado para o passado;
➢ tem lapsos de memória;
➢ comenta muito desfavoravelmente as mulheres;
➢ revela uma visível falta de cultura;
➢ não acaba nenhum assunto;
➢ não compreende a ironia sarcástica do Ega;
➢ vai ser ministro.
• Sousa Neto
➢ acompanha as conversas sem intervir;
➢ desconhece o sociólogo Proudhon;
➢ defende a imitação do estrangeiro;
➢ não entra nas discussões;
➢ acata todas as opiniões alheias, mesmo absurdas;
➢ defende a literatura de folhetins, de cordel;
➢ é deputado.

Nota-se assim a superficialidade dos juízos dos mais destacados funcionários do Estado;
incapacidade de diálogo por manifesta falta de cultura.
Os Jornais, “A Corneta do Diabo” e “A Tarde”(XV)
Critica-se, neste episódio, a decadência do jornalismo português, pois os jornalistas
deixavam-se corromper, motivados por interesse económicos (é o caso de Palma Cavalão,
do Jornal A Corneta do Diabo) ou evidenciam uma parcialidade comprometedora, originada
por motivos políticos (é o caso de Neves, director do Jornal A Tarde).

A Corneta do Diabo: Carlos dirige-se, com Ega, a este jornal, que publicara uma carta,
escrita por Dâmaso Salcede, insultando e expondo, em termos degradantes, a sua relação
amorosa com Maria Eduarda. Palma Cavalão revela o nome do autor da carta e mostra aos
dois amigos o original, escrito pela letra de Dâmaso Salcede, a troco de "cem mil réis".
➢ o director é o Palma "Cavalão", um imoral;
➢ a Redacção é um antro de porcaria;
➢ publica um artigo contra Carlos mediante dinheiro;
➢ vende a tiragem do número do jornal onde saíra o artigo;
➢ publica folhetins reles, de baixo nível.

A Tarde: Neves, o director do jornal, acede a publicar a carta em que Dâmaso Salcede se
confessa embriagado ao redigir a carta insultuosa, mencionando a relação de Carlos e de
Maria Eduarda, por concluir que, afinal, não se tratava do seu amigo político Dâmaso
Guedes, o que o teria levado a rejeitar a publicação.
➢ o director é o deputado Neves;
➢ recusa publicar a carta de retractação de Dâmaso porque o confunde com um seu
correligionário político;
➢ desfeito o engano, serve-se da mesma carta como meio de vingança contra o inimigo
político;
➢ só publica artigos ou textos dos seus correligionários políticos.
Aspectos a notar: o baixo nível; a intriga suja; o compadrio político; assim como os jornais,
está o País.

O sarau do Teatro da Trindade(XVI)


Evidencia-se o gosto dos portugueses, dominados por valores caducos, enraizados num
sentimentalismo educacional e social ultrapassados. Total ausência de espírito crítico e
analítico da alta burguesia e da aristocracia nacionais e a sua falta de cultura.

Rufino, o orador “sublime”, que pregava a “caridade” e o “progresso”, representa a


orientação mental daqueles que o ouviam: a sua retórica vazia e impregnada de
artificialismos barrocos e ultra-românticos traduz a sensibilidade literária da época, o seu
enaltecimento á nação e à família.Cruges, que tocou Beethoven, representa aqueles que,
em Portugal, se distinguiam pelo verdadeiro amor à arte e que, tocando a Sonata patética,
surgiu como alvo de risos mal disfarçados, depois de a marquesa dizer que se tratava da
Sonata Pateta, o que o tornaria o fiasco da noite.

Alencar declamou “A Democracia”, depois de “um maganão gordo” lamentar que nós
Portugueses, não aproveitássemos “herança dos nossos avós”, revelando um patriotismo
convincente. O poeta aliava, agora, poesia, e política, numa encenação exuberante, que
traduzia a sua emoção pelo facto de ter ouvido “uma voz saída do fundo dos séculos” e que
o levava a querer a República, essa ”aurora” (e os aplausos foram
numerosos) que viria com Deus.
Carlos vai apenas para cumprir uma obrigação social (o sarau destinava-se a ajudar as
vitimas das cheias do Ribatejo). É neste cenário que o Sr. Guimarães entrega a Ega o cofre
que contém as revelações sobre o parentesco entre Carlos e Maria Eduarda.

Estes episódio aponta para aspetos caricatos da sociedade portuguesa:


▪ O apreço e a admiração pelo palavreado oco e inqualificável de Rufino;
▪ A ausência da família real num espetáculo de beneficência;
▪ A total ausência de sensibilidade estética para apreciar talento, incarnado por Cruges;
▪ A lágrima fácil, exagerada, pelos versos de Alencar

• Objectivos:
➢ ajudar as vítimas das inundações do Ribatejo;
➢ apresentar um tema querido da sociedade lisboeta: a oratória;
➢ reunir novamente as várias camadas das classes mais destacadas, incluindo a família real;
➢ criticar o ultra-romantismo que encharcava o público;
➢ contrastar a festa com a tragédia.

Neste sarau, destacam-se dois personagens:


• Rufino:
➢ bacharel transmontano;
➢ o tema do Anjo da Esmola;
➢ o desfasamento entre a realidade e o discurso;
➢ a falta de originalidade;
➢ o recurso a lugares-comuns;
➢ a retórica é oca e balofa;
➢ a aclamação por parte do público tocado no seu sentimentalismo.
• Alencar:
➢ o poeta ultrarromântico;
➢ o tema da Democracia Romântica;
➢ o desfasamento entre a realidade e o discurso;
➢ o excessivo lirismo carregado de conotações sociais;
➢ a exploração do público seduzido por excessos estéticos estereotipados;
➢ a aclamação do público.

N.B.: As classes dirigentes estão alheadas da realidade (nota-se isso pela indignação do
Gouvarinho). Caracteriza-se a sociedade como sendo deformada pelos excessos líricos do
ultra- romantismo.

Passeio final de Carlos e Ega (XVIII)


Após 10 anos de ausência do país por parte de Carlos, este episódio permite constatar:
● A sensação de total imobilismo de Lisboa (está tudo igual).
● O provincianismo da sociedade lisboeta face ao elegantismo de Carlos da Maia.
● A aceitação do fracasso e desencanto por parte dos dois amigos.
● A falta de fôlego nacional para acabar os grandes empreendimentos, como a
Avenida.
● A imitação acrítica do estrangeiro.
● A decadência dos valores genuínos.
● O aspeto simbólico dos espaços físicos:
✓ A estátua de Camões, cuja tristeza espalha a grandeza perdida;
✓ A Avenida, cujas obras de renovação se processão devagar, revelando esforço
inglório de progresso;
✓ Os bairros antigos, cujo abandono oferece a imagem de decadência atual;
✓ O ramalhete, solitário e amortalhado, reiterando o fim e a ruína dos Maias.

*O estudo do espaço social não se esgota nestes episódios, visto que os serões no
Ramalhete, o chá dos Gouvarinho e as conversas ocasionais contribuem também para a
visão crítica da sociedade portuguesa do final do século XIX.

Os espaços e o seu valor simbólico e emotivo:

a) O Ramalhete
Na opinião de Vilaça, as paredes do Ramalhete sempre foram fatais aos Maias. Está ligado
à decadência nacional. Aliás, o ramo de girassóis aponta para uma atitude contemplativa de
submissão, associada à incapacidade de ultrapassar esse estado rebaixado. Isto reflete não
só a presença avassaladora da paixão na família Maia, mas também o estado do próprio
país. O jardim do Ramalhete também é rico em simbolismo.
Sobressaem três símbolos: o cipreste, o cedro e a Vénus Citereia. O cipreste e o
cedro, unidos de forma incorruptível pelas suas raízes que a tudo resistem, simbolizam o
amor absoluto. A estátua da Vénus Citereia liga-se à sedução e à luxuria da deusa do amor.

Passa por três fases:


1. na altura da morte de Pedro, escurecia a um canto;
2. após a remodelação do Ramalhete, reapareceu em todo o seu esplendor, como
símbolo de vida feliz, não deixando, no entanto, de estar ligada à desgraça futura,
enquanto símbolo feminino desestabilizador,
3. aparece coberta de ferrugem verde e umidade, assumindo uma simbologia negativa
de destruição.
4.
Importa referir também a cascata: a água é símbolo de regeneração e purificação, e o seu
fluir representa a passagem inexorável do tempo, associada à ideia de Destino.
O ramalhete é revelador do bom gosto e requinte de Carlos.

O Ramalhete – 10 anos depois: Passados dez anos, a casa é um espaço frio, decadente,
“amortalhado” sob lençóis, uma vez que Carlos levou para Paris parte do recheio do
Ramalhete. No jardim, a Vénus enferrujada e a cascata sem água sublinham a
decadência.O Ramalhete acompanha e simboliza a glória e a decadência dos Maias.

b) A Toca (casa de Maria Eduarda nos Olivais)


Uma toca é um covil de um animal, é onde este se esconde das ameaças exteriores. Assim,
o nome da casa aponta para uma amor marginal, que se torna animalesco por ser
incestuoso, desafiando as leis humanas, primeiro de forma inconsciente, depois
consumado. Na Toca multiplicam-se os elementos trágicos, sobretudo no quarto de Maria
Eduarda: a tapeçaria com os amores de Vénus e Marte; a pintura da cabeça degolada; a
coruja empalhada.
c) Santa Olávia (local de infância de Carlos)
Simboliza a vida e a regeneração dos dois varões da família. É um espaço natural,
conotado positivamente. Opõe-se ao espaço citadino degradado – Lisboa – local da
degeneração da família. Local de refúgio de Afonso, após o suicídio de Pedro, é lá onde
Carlos cresce. Após a instalação da família Maias em Lisboa, Santa Olávia é um local de
férias.

É um local idílico e representa a beleza paradisíaca. Cenário onde Carlos, Alencar e Cruges
vão passear no capítulo VIII. O seu aspeto paradiso romântico, será, no entanto, corrompido
pela intrusão dos vícios decadentes, representados pelas figuras de Eusebiozinho e Palma
Cavalão, acompanhados de prostitutas espanholas. Também Dâmaso Salcede transporta o
seu “chique a valer” para Sintra, tornando esta sensação paradisíaca natural uma
continuação do espaço lisboeta.

d) Lisboa
Lisboa é o espaço privilegiado ao longo de toda a obra. Todas as ruas, as praças, os teatros
assumem quase o estatuto de personagens ao longo do romance. Representa Portugal
inteiro: “O país está todo entre a Arcada e S. Bento!” (cap. VI). Símbolo da decadência
nacional, Lisboa é caracterizada pela degradação moral e pela ociosidade crónica. No
último capítulo da obra, destaca-se a estátua de Camões, que assiste impotente à
decadência do país. O país, estagnado e politicamente amorfo, é incapaz de se regenerar,
rendendo-se à mediocridade intelectual e à adoção de modas estrangeiras, renunciando a
qualquer sentido de identidade própria.

e) Coimbra
Espaço da formação académica de Carlos, Coimbra é símbolo da boémia estudantil,
artística e literária. Eça terá escolhido Coimbra pelo facto de esta cidade ter sido o palco da
Questão Coimbrã. Além disso, foi onde o próprio Eça estudou.

f) O consultório
É revelador de certas facetas de Carlos: o seu diletantismo (alguém que muda de ideias
constantemente), os seus entusiasmos passageiros, os projetos inacabados, c que levaram
ao tédio e ao ódio.

Características trágicas das personagens:


A intriga central apresenta aspetos, para além da presença do destino, que a aproximam da
tragédia clássica:
-a superioridade física e intelectual das personagens- Afonso, Carlos e Maria
Eduarda destacam-se no meio pequeno e medíocre em que vivem pelas suas qualidades
físicas, morais e intelectuais;
-o papel do destino, da fatalidade, como força motriz- a destruição consuma-se por
meio de um agente dissimulado, o destino, frequentemente referido ao longo do romance:
▪ a inevitabilidade do destino;
▪ a concordância dos nomes e do destino;
▪ o destino “irreparável”.
-Os indícios/ presságios- sinais, afloramentos disfarçados da força do destino, que
se revestem de aparências diversas, dificultando o seu reconhecimento por parte das
personagens. (ex: semelhanças fisiológicas de Carlos com a mãe, reconhecida por Ma
Eduarda; semelhança temperamental de Ma Eduarda e de Afonso da Maia, reconhecida por
Carlos).

Descrição do real e o papel das sensações


Nesta obra, Eça de Queiroz faz a descrição do real recorrendo ao impressionismo literário.
O impressionismo é um movimento artístico que procura expressar o real através
das impressões recebidas pelos sentidos. Neste estilo é valorizada a cor, a luminosidade,
os contornos esfumados e os efeitos provocados pela realidade observada. O
impressionismo literário foi criado mais tarde, e tornou-se uma característica própria de Eça,
sendo este um dos principais introdutores deste estilo na literatura.

Nos Maias o impressionismo literário é utilizado para:


▪ retratar a linguagem quotidiana, sendo usada uma linguagem bastante exata,
baseada em pensamentos científicos.
▪ voltada para o estado de espírito das personagens, buscava configurar a alma
destas e da mesma forma o ambiente subtil do local.
▪ novo tipo de linguagem em que o autor busca mostrar a realidade com uma
linguagem imperfeita, com metáforas e ritmos evocativos.

Eça dava muita importância a que o leitor consegui-se sentir as sensações que pretendia
transmitir e para isso utilizava de forma recorrente recursos expressivos para o conseguir,
como por exemplo a sinestesia.
Eça começa logo nas primeiras páginas da sua obra a demonstrar este seu estilo
característico com a descrição do Ramalhete. Mais tarde com recurso a recursos
expressivos, como a sinestesia, a hipálage, a personificação, entre outras.

RESUMO

“Os Maias” passa-se em Lisboa, na segunda metade do século XIX. Em Outono de 1875,
Afonso da Maia, um homem nobre e rico proprietário que se instala no Ramalhete. Afonso
da Maia é casado com Maria Eduarda Runa com quem tem um filho, Pedro da Maia. Pedro
da Maia tem uma romântica e religiosa educação extremamente protecionista. Muito
apegado a mãe, ele se ver inconsolável após a sua morte, até que conhece Maria Monforte,
a filha de um negreiro (traficantes de escravos).

Afonso da Maia não aceita o romance do filho com Maria Monforte, mas eles casam-se
mesmo assim. O casamento resulta no nascimento de dois filhos, uma menina e um
menino. Um tempo depois, Maria Monforte apaixona-se por Tancredo, um principal
napolitano acolhido por Pedro da Maia, após feri-lo acidentalmente. Maria Monforte foge
para Itália com o príncipe, levando consigo a menina e abandonando o menino e o marido.
Após descobrir a fuga da amada, Pedro da Maia não suporta o abandono e se suicida. O
filho, Carlos, é entregue aos cuidados do avô. Carlos da Maia é criado pelo avô que o
manda para Coimbra cursar medicina. Após se formar, Carlos retorna ao Ramalhete como
médico e abre um consultório.

No seu regresso a Lisboa, Carlos se rodeia por amigos intelectuais e da burguesia como
João da Ega, Alencar, Damaso Salcede, Palma de Cavalão, Euzébinho, o maestro Cruges,
entre outros. Em meios aos hábitos da burguesia e dos amigos intelectuais, Carlos se
envolve com a Condessa de Gouvarinho, mas depois a abandona. Um dia, Carlos conhece
e se encanta pela madame Castro Gomes, que julgava ser mulher de Castro Gomes.
Mesmo assim Carlos tenta se aproximar dela sem êxito. Até que recebe o chamado da
madame para atender a sua governanta que estava doente. E desde então, Carlos passa a
visitar frequentemente a casa, e se envolver com ela.

Amantes, Carlos e a madame passam a se encontrar em uma casa (na quinta dos Olivais)
que ele comprou para os encontros. E assim, ele passa seu tempo entre Ramalhete e o
consultório e na Quinta do Olivais com ela. Castro Gomes, o brasileiro com quem julgava
que a madame era casada, descobre o caso dela com Carlos e resolve procurá-lo e lhe
conta que ela não é sua esposa, e sim sua amante. Assim, não tinha problema em eles
continuarem se encontrando. Até que um dia aparece um viajante com documentos
direcionados para Maria Eduarda, o verdadeiro nome da madame Carlos Gomes. Senhor
Guimarães traz consigo um cofre alegando que pertencia a Maria Eduarda. O cofre se
tratava da herança que a mãe tinha deixado para ela. Além de documentos que
comprovavam a riqueza e a garantia do parentesco entre Maria Eduarda e sua suposta
mãe.

Carlos descobre que a mãe de Maria Eduarda era Maria Monforte, a sua mãe que tinha
fugido com o príncipe napolitano e abandonando ele e seu pai. Ou seja, ele e Maria
Eduarda eram irmãos. Contudo, ele não aceita a informação e continua com a relação –
incestuosa – com Maria Eduarda que não sabia do parentesco. Seu avô, Afonso da Maia
descobre a prática do incesto pelo neto e morre de desgosto. E quando Maria Eduarda
descobre, agora rica, vai embora para Paris e lá se casa. Para esquecer o ocorrido, Carlos
resolve rodar pelo mundo. Após dez anos, ele retorna a Portugal e se reencontra com os
amigos. “Os Maias” termina com o reencontro de Carlos com seu amigo João da Ega, e
Carlos dizendo ao amigo: “falhamos a vida, menino!“.

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