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Maria Pires 11ºE Nº17

Análise do Capítulo VI da obra Os Maias


O autor da obra nasce, a 15/11/1845, iniciando a sua atividade profissional através do jornalismo,
momento em que começa a sua carreira literária, auferindo um cariz realista.
No decorrer no século XIX, vivia-se a época da Regeneração, em que se sucedeu um grande
desenvolvimento das vias de comunicação, mas um mínimo progresso económico no país. A década
anterior à publicação de Os Maias, foi marcada pelo Positivismo, uma tese filosófica que afirma que,
apenas pode ser conhecido aquilo que a observação e a experiência podem explicar, no âmbito
literário, o Romantismo é atacado pelo Realismo, e a arte literária fica em serviço da mudança de
mentalidades da época.

A obra que analiso, foi publicada a 2 de julho de 1888, sendo marcada pelas teses naturalistas, que
Eça contradiz, considerando o destino o responsável pela tragedia final da família Maia. Este romance
é classificado como um romance de personagem, posto isto existe uma personagem principal, Carlos
da Maia, e toda a ação centra-se nas vivências dele e de sua família. Ao longo da narrativa,
apresentam-se diversas descrições, que dão ênfase ao espaço físico, como Lisboa, na maioria da obra,
a ruralidade de Santa Olávia e a beleza e naturalidade de Sintra. Mesmo assim também é identificado
como um romance de espaço, ou seja, representa a época em que decorre, caracterizando o ambiente
histórico e as diferenças sociais.

A obra tem uma estrutura tripartida, inicia com os antecedentes da ação, onde são apresentadas as
personagens, e os seus preâmbulos, a ação principal, em que decorrem amores incestuosos e o
desfecho trágico, e por fim o epílogo:

 Antecedentes da ação - Cap. I até Cap. IV


 Ação Principal - Cap. IV até Cap. XVII
 Epílogo - Cap. XVIII
Em relação ao tempo cronológico, conceito que caracteriza os dias, meses e anos sendo vivido pelas
personagens. Nesta obra, o autor dá-nos referências cronológicas concretas da história de três
gerações de uma família, embora não tendo todas o mesmo destaque. O capítulo que analiso, insere-se
na ação principal da obra, visto que proporciona o primeiro encontro entre Maria Eduarda e Carlos da
Maia, e caracteriza-se como um episódio de crónica de costumes. Relativamente ao tempo de
discurso, ou seja, a forma como o narrador relata os acontecimentos, são apresentadas analepses,
quando Carlos é atormentado pelos pensamentos sobre a morte de seu pai e quando as personagens
deste capítulo são caracterizadas por elementos do seu passado, elipses, em que é apresentado o
descontentamento com a sociedade lisboeta, e a isocronia, quando ocorre o diálogo entre as
personagens e a movimentação das mesmas. Em relação ao tempo psicológico, o tempo que a
personagem assume e é filtrado pelas suas vivências subjetivas, muitas vezes carregado de densidade
dramática, assim alarga ou encurta conforme o estado de espírito em que se encontra, como a visão
pessimista do que o rodeia.
O capítulo VI da obra inicia-se com a estadia de Ega na Vila Balzac, onde Carlos é bem recebido.
Intercorre a descrição do chalet, destacando-se a sua originalidade e a sua extravagância, sendo o
reflexo da personalidade do proprietário. Carlos fala sobre o seu súbdito desinteresse pela senhora,
mesmo que este tipo de mudança seja frequente em Carlos, à vista disso Ega afirma que o seu
companheiro era “um devasso, e hás de vir acabar (…) numa tragédia infernal” 1 (indicador de uma
tragédia final). Ambos saem para jantar e encontram-se com Craft no caminho, que combina de jantar
com Carlos no dia seguinte no Hotel Central. Neste jantar, Carlos é apresentado a Dâmaso, que
conhecia Maria Eduarda, a mulher que viu chegar antes de entrar. Enquanto Dâmaso falava sobre a
sua preferência por Paris em vez da sua Nação, Tomás de Alencar chega ao gabinete e mais tarde
Cohen, que é apresentado por Ega. No decorrer da refeição são debatidos diversos tópicos, como a
1
De Queiroz, Eça. Os Maias. Porto: Livros do Brasil, 2016, pp.143
Maria Pires 11ºE Nº17

literatura da época, destacando a contenda literária entre Ega e Alencar, em que Ega, defende o
naturalismo considerando-o como uma ciência, “A forma pura da arte naturalista devia ser a
monografia, o estudo seco de um tipo, (…), tal qual como se se tratasse de um caso patológico (…) 2”
- Cap. VI, assim envolve-se numa disputa verbal e física com Alencar, isto é uma característica do
protótipo de poeta ultrarromântico.
Alencar cujo especto físico era o de um romântico, “muito alto, (…), com uma face escaveirada,
olhos encuvados, e sob o nariz aquilino, longos, espeços, românticos bigodes grisalhos (…) e em toda
a sua pessoa havia alguma coisa de antiquado, de artificial e de lúgubre.” 3, refuta os argumentos de
Ega, dirigindo o seu ódio contra o craveiro, que defendia a nova estética literária e que se satirizara
Alencar. Em seguida, iniciam-se ataques pessoais, “desse craveirote da ideia nova, esse caloteiro,
que se não lembra que a porca da irmã e uma meretriz (...)” 4, esta discussão representa uma das
críticas sociais que o narrador faz, sendo a pouca credibilidade e seriedade da critica literária em
Portugal. Também são debatidos a história e a situação política e económica, como o eterno
endividamento do país e a necessidade de reformas extremas e radicais, em que Ega defende
convictamente, “Portugal não necessita reformas, Cohen, Portugal o que precisa é a invasão
espanhola (…). Sem monarquia, sem essa caterva de políticos, sem esse toturio da inscrição, porque
tudo desaparecia, estávamos novos em folha, (…). E recomeçava-se uma história nova, um outro
Portugal, um Portugal sério e inteligente, forte e decente, (…) Oh! Deus de Ourique, manda-nos o
castelhano!”5. Do ponto de vista de Carlos, assim o “país ia alegremente e lindamente para a
bancarrota”6. Cohen concordava, mas isso era inevitável.
Ao contrário de seu companheiro, Carlos é contra o Realismo, Ega reage às críticas e defende
arduamente os princípios do Realismo, mas decide mudar de assunto. “Então, Cohen, diga-nos você,
conte-nos cá... O empréstimo faz-se ou não se faz?” 7 ao que Cohen respondeu ser profícuo, porquanto
o empréstimo constituía uma fonte de receita, sendo assim, “única ocupação mesmo dos ministérios
era “cobrar o imposto (…) e fazer o empréstimo”8.
No fim da refeição, Alencar acompanha Carlos, lastimando-se o poeta da vida, do sentimento de
abandono que sentia por parte dos colegas, destacando os seus pais. Carlos relembra os ditos que
conhecia dos seus próprios pais: que sua mãe fugira com um estrangeiro levando a sua irmã mais
nova, que mais tarde morreria, e com estas tragédias, o seu pai se suicidaria. Já no seu quarto, Carlos
sonha com um uma mulher angelical, Maria Eduarda, com quem se tinha cruzado no peristilo do
Hotel Central.
No final do capítulo, Carlos é convidado a participar de um jantar na casa da Condessa de Gouvarinho
na semana seguinte, o que o deixa animado e ansioso pelo que está por vir.
No decorrer deste capítulo são apresentadas diversas personagens, tais como:
- Caetano, pai de Afonso da Maia, que representa o absolutismo e valores retrógrados
- Afonso, pai de Pedro da Maia, que é uma figura do liberalismo romântico
- Pedro, pai de Carlos da Maia, que é um representante político da Regeneração e do
Ultrarromantismo

2
De Queiroz, Eça. Os Maias. Porto: Livros do Brasil, 2016, pp.132
3
De Queiroz, Eça. Os Maias. Porto: Livros do Brasil, 2016, pp.151

4
De Queiroz, Eça. Os Maias. Porto: Livros do Brasil, 2016, pp.143
5
De Queiroz, Eça. Os Maias. Porto: Livros do Brasil, 2016, pp.141

6
De Queiroz, Eça. Os Maias. Porto: Livros do Brasil, 2016, pp.148

7
De Queiroz, Eça. Os Maias. Porto: Livros do Brasil, 2016, pp.143
8
De Queiroz, Eça. Os Maias. Porto: Livros do Brasil, 2016, pp.137
Maria Pires 11ºE Nº17

- Carlos da Maia, defensor do espírito da Geração 70 (ordem que se rebelou contra a geração da
época e pensamentos retrógrados); é considerado um símbolo da evolução da sociedade
portuguesa apos a Regeneração, tem uma caracterização disseminada de forma indireta,
contrariando os cânones naturalistas.
- Joao da Ega, companheiro e fiel a Carlos, é um símbolo de pura irreverência, do sarcasmo, da
ironia, a sua contradição nos seus argumentos.
- Craft, caracteriza-se pelo seu temperamento byroniano, viaja e coleciona obras de arte, é
considerado um gentleman devido á sua cultura britânica e pensamento cítico.
- Castro Gomes, é um elemento catalisador da tragédia final, pois vai desvendar o passado de
Maria Eduarda, com quem se tinha envolvido primeiramente.
- Maria Eduarda, mulher requintada, misteriosa, com um grande poder de sedução, é
considerada uma heroína romântica, consequentemente perseguida pelo destino.
Em relação aos espaços em que decorrem os acontecimentos da narrativa, existe o espaço físico, em
que existe uma grande diversidade, inicia-se no Ramalhete, a residência da família Maia, em Lisboa
na Cascata que simboliza a purificação e regeneração, através da água, o consultório de Carlos, o
espaço de Maria Eduarda, a Vila Balzac, que era o retiro amoroso de Ega, a Toca, Santa Olávia e por
fim, Sintra. Por sua vez o espaço social, assume a forma de crítica e sátira social, revelando os
defeitos da sociedade lisboeta da época, sendo o progresso e a renovação das mentalidades impedida.
Estes espaços originam pelas experiências vividas pelas personagens. São apresentados como espelho
dos elementos estruturadores da ação portuguesa e da forma de compreender e de estar no mundo
daqueles que integram o país e que, afinal, se traduzem em falta de vista histórica e cultural, em
ausência de espírito crítico, em apatia e desídia ou em importação de modas estrangeiras que não se
adequam ao perfil Nacional, sem contar o oportunismo decadente que caracteriza os atos dos homens.
No que toca á simbologia, o livro está repleto deles, as obras feitas por Carlos no Ramalhete inseriram
o luxo simbolizando uma nova oportunidade, para uma nova época, isto é o reflexo do ideal
reformista da geração de Carlos, visto que o próprio é um símbolo da Geração de 70, tal como Ega.
No último capítulo, a o Ramalhete foi deixado abandonado com recordações de um passado de
tragédia, isto está relacionado com o modo como Eça via o país, em plena crise. O quintal do
Ramalhete também se altera, o fio de água da cascata, é símbolo da eterna melancolia. A estátua de
Vénus que, escurece com a fuga de Maria Monforte, é um indício da tragédia, marcando o início e o
fim da ação principal. Os aposentos de Maria Eduarda, simbolizam o carácter trágico, através
profanação das leis humanas e cristãs. A própria estátua de Camões é símbolo da nostalgia. Quando a
morte se instala nesta família, a mesma se instala na Nação, pois esta família representa todo Portugal.
A chave com a qual, Carlos abre a porta da Toca, quando se vai encontrar com Maria Eduarda,
simboliza a entrega e aceitação. Os aposentos de Maria Eduarda simbolizam o carácter trágico, a
profanação das leis humanas e cristãs.
Também existem símbolos cromáticos: a cor vermelha desperta a sensibilidade à sua volta, mas por
sua vez, simboliza o sangue derramado espalhando a morte, portanto, é o símbolo da paixão excessiva
e destruidora, o dourado indica a paixão e a proximidade da morte, mas a morte prefigurada pela cor
negra, símbolo de uma paixão destruidora. No que concerne á linguagem e estilo, o registo literário é
versátil, com uma construção frásica elegante e um léxico erudito, as frases das personagens são
correntes e têm um registo familiar e calão, visto que é uma linguagem do português do fim do século
XIX. É predominante o uso da repetição de adjetivos, que desencadeiam um efeito humorístico, “uma
esplendida mulher, com uma esplendida cadelinha griffon, e servida por um esplendido preto! 9”,
empréstimos estilísticos e empréstimos de expressões de língua estrangeira, como os anglicismos
(vocábulos da língua inglesa, e galicismos (vocábulos da língua francesa), que evidenciam o jogo de
aparências da alta sociedade de Lisboa, e a submissão acrítica ao modelo cultural francês, “quando o

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De Queiroz, Eça. Os Maias. Porto: Livros do Brasil, 2016, pp.143
Maria Pires 11ºE Nº17

viu confortavelmente servido de sole normande, (…) 10”, formas verbais com determinadas ideologias,
como a caracterização de personagens, através da expressão das emoções, “Ega trovejou“11, o uso do
discurso indireto, com a utilização de deíticos, “Ali todos eram homens de asseio, de sala, hein?
Então, que se não mencionasse o ‘excremento’!”12. Associada á crítica, permitindo evidencias
contradições e incongruências, a ironia destaca-se, a comparação e a metáfora, são aliadas á ironia,
permitindo descrições do estado de alma e insultuosas.

10
De Queiroz, Eça. Os Maias. Porto: Livros do Brasil, 2016, pp.143
11
De Queiroz, Eça. Os Maias. Porto: Livros do Brasil, 2016, pp.143
12
De Queiroz, Eça. Os Maias. Porto: Livros do Brasil, 2016, pp.145

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