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Os Maias- O Jantar no Hotel Central

Introdução:

O título «Os Maias» aponta, desde logo, para a história da família Maia, a qual percorre três gerações, representadas
por Afonso, Pedro e Carlos da Maia. Ao apresentar este vasto contexto familiar, o romance oferece também um
retrato de Portugal, desde as lutas liberais, passando pelo Romantismo, até à época da Regeneração.

Já o subtítulo, «Episódios da vida romântica», remete para a crítica de costumes feita à elite lisboeta do último
quartel do século XIX, conseguida através de um conjunto de episódios, maioritariamente relacionados com eventos
em que a alta sociedade se movimenta, exibindo o seu estilo de vida, colocando, uma vez mais, em evidência o
modo como se vivia em Portugal e quais os valores pelos quais se pautavam as classes que constituem a elite social
(aristocracia e alta burguesia).

Apresentada a intriga secundária, assistimos à intriga principal a par da crítica de costumes, sem que esta condicione
a primeira.

«Jantar no Hotel Central» é um dos episódios que se enquadram no âmbito da crítica de costumes.

Resumo do capítulo:

O episódio do Jantar no Hotel Central integra-se no capítulo VI. Insere-se na ação principal e é, então, um dos
episódios da crónica de costumes/episódios das cenas românticas.

Carlos e Craft encontram-se no peristilo do Hotel Central, antes do jantar, quando vêem chegar Maria Eduarda.
Subiram até um gabinete, onde Carlos foi apresentado a Dâmaso, este conhecia aquela mulher, pertencia à família
Castro Gomes. Dâmaso falava sobre a sua preferência por Paris, “aquilo é que é terra”, ele até lá tinha um tio, o tio
Guimarães, quando apareceu “o nosso poeta”, Tomás de Alencar. Por intermédio de Ega foi apresentado a Carlos.

Pouco tempo depois, a porta abriu-se e Cohen desculpando-se pelo atraso foi apresentado, por Ega, a Carlos.

O Jantar no Hotel Central foi preparado por Ega com um duplo propósito: homenagear o banqueiro Cohen e
apresentar Carlos da Maia à elite lisboeta. Entrelaça-se com a intriga principal, na medida em que foi no hotel que
Carlos viu, pela primeira vez, Maria Eduarda, nunca mais a esquecendo.

Deu-se início ao jantar, com ostras e vinho, falava-se do crime da Mouraria, que “parecia a Carlos merecer um
estudo, um romance”. Isto levou a que se falasse do Realismo. Alencar suplicou que se não discutisse “literatura
«latrinária»”, [...] que se não mencionasse o «excremento»”.

“Pobre Alencar!” Homem que tivera em tempos uma vida carregada de adultérios, tornava-se agora num defensor
da Moral, no entanto a sociedade não o ouvia, via-se apenas confrontado com ideias absurdas defendidas pelos
Naturalistas/Realistas.

Carlos posiciona-se na conversa contra o realismo. Ega reage às críticas e defende arduamente os princípios do
Realismo. Cohen mantinha-se superior a esta conversa, vendo isto, Ega muda de assunto. “Então, Cohen, diga-nos
você, conte-nos cá... O empréstimo faz-se ou não se faz?” ao que Cohen respondeu ser imprescindível, pois o
empréstimo constituía uma fonte de receita, aliás a “única ocupação mesmo dos ministérios era esta – «cobrar o
imposto» e «fazer o empréstimo».

Do ponto de vista de Carlos, assim o “país ia alegremente e lindamente para a bancarrota”. Cohen concordava, mas
isso era inevitável. Por oposição, Ega defende que o que convinha a Portugal era uma revolução, para eliminar “a
monarquia que lhe representa o «calote», e com ela o crasso pessoal do constitucionalismo.”

Ega imbatível, aposta numa invasão espanhola, deste modo recomeçava-se “uma história nova, um outro Portugal,
um Portugal sério e inteligente, forte e decente, estudado, pensado e fazendo civilizações como outrora...”. Os
restantes já planeavam a resistência, porém Alencar era um “patriota è antiga”, totalmente contra esta ideia.
Esquecida a bancarrota, a invasão e a pátria, o jantar estava prestes a terminar, quando Alencar e Ega entraram em
conflituo a propósito da poesia moderna de Simão Craveiro. Mas Cohen chama a atenção de Ega e ambos fazem as
pazes e brindam com um copo de champanhe, esquecendo o que aconteceu.

Terminou assim, com bom senso, o episódio do Jantar no Hotel Central!

Caracterização dos personagens:

Carlos da Maia

Apresenta-se pela primeira vez à sociedade, no entanto, distancia-se da conversa, apenas comentando alguns
aspectos. Afirma-se também como defensor das ideias românticas, criticando que “o mais intolerável no realismo
eram os seus grandes ares científicos”, e talvez, também um pouco patriota quando defende que “ninguém há-de
fugir, e há-de-se morrer bem”.

Craft

Eça identifica nesta personagem o “homem ideal”. Neste episódio pouco se sabe sobre ele, apenas que é inglês, e
como tal, pressupõe-se que recebera uma educação à inglesa. Não tem muita importância na acção, quase não
participa nas conversas, reage de forma “impassível”, contudo é a favor da resistência aos espanhóis, quando
concorda em organizar uma guerrilha com Ega.

Dâmaso Salcede

Interveniente que representa os defeitos da sociedade. “Um rapaz baixote, gordo, frisado como um noivo da
província, de camélia ao peito e gravata azul-celeste”.

Procura aparentar um “ar de bom senso e de finura”, é considerado provinciano, tacanho e apenas com uma
preocupação, que seja “chique a valer”. Dá asas à sua vaidade e futilidade falando dos pormenores das suas viagens
e exibindo uma predilecção pelo estrangeiro, “...é direitinho para Paris! Aquilo é que é terra! Isto aqui é um
chiqueiro...”. Acompanha todos os movimentos de Carlos dando-lhe grande importância, de modo a que possa
imita-lo e assim assumir perante a sociedade um estatuto social digno e respeitável.

Jacob Cohen

Representante das Finanças, “respeitado director do Banco Nacional, marido da divina Raquel”, homem de estatura
baixa, “apurado, de olhos bonitos, suíças tão pretas e luzidias” e com “bonitos dentes”. Neste jantar conheceu Carlos
e destacou a posição superior que toma perante a sociedade.

João da Ega

Personagem que mais intervêm no episódio do Hotel Central, acérrimo defensor das ideias Naturalistas /Realistas,
provocava o seu opositor, Alencar. Exagerado nos argumentos que fundamentam as suas opiniões e na defesa das
suas ideias revolucionárias. Advoga que “ à bancarrota seguia-se uma revolução” e que desta forma, Portugal seria
um grande beneficiário.

As posições tomadas por Ega, face aos temas discutidos, espelham e assimilam-se à Geração Revolucionária de
Coimbra. Pois, tais atitudes traduzem uma vontade insaciável de modificar Portugal e torná-lo num país melhor,
próprias desta geração.

Tomás de Alencar

Um “indivíduo muito alto, todo abotoado numa sobrecasaca preta, com uma face escaveirada, olhos encovados”,
nariz curvado, bigodes compridos, “calvo na frente”, “dentes estragados” e “testa lívida”.

“Camarada”, “inseparável” e “íntimo” de Pedro da Maia, apresentado no jantar do Hotel Central, a Carlos da Maia, o
poeta possuía um ar “antiquado”, “artificial” e “lúgubre”. Considerado um “gentleman”, “ generoso” e um “patriota
à antiga”.
Alencar tivera antes de seguir o caminho da literatura uma vida “de adultérios, lubricidades e orgias”.

Personagem que representa o típico poeta português, autor de “Vozes de Aurora”, “Elvira”, “Segredo do
Comendador” e outros.

Símbolo do Ultra-Romantismo. Contudo vê-se confrontado com os princípios Naturalistas/Realistas defendidos por
Ega.

Críticas deste capítulo:

Episódio que aborda a crítica literária e a literatura, a situação financeira do país e a mentalidade limitada e
retrógrada dos portugueses.

Aí se retrata a polémica que marcou a Questão Coimbrã, na discussão de Ega e Alencar defensores, respetivamente,
do Realismo/Naturalismo e da moral do Ultrarromantismo.

O episódio abre com o tema da literatura. Polémica relativamente a diferentes movimentos literários:

- Romantismo e Ultrarromantismo

- Realismo e Naturalismo.

De facto, Alencar, representante do Ultrarromantismo, considera a nova literatura repugnante e imunda, imprópria
até de ser referida no meio de homens educados, como os que se encontravam no jantar. Para ele, o que deveria
permanecer era a sua «catedral romântica», que ele tanto idolatrava.

Ega defende o Realismo/ Naturalismo de forma exagerada, inclusivamente o cientificismo na literatura.

É o próprio narrador quem, mostrando ironicamente alguma comiseração pelas convicções do Alencar, nos diz que o
Naturalismo tinha conquistado os leitores, na medida em que foram impressas e reimpressas várias obras criadas de
acordo com essa nova estética. Na verdade, esses livros atacariam os vários domínios da sociedade, expondo-os de
tal forma que nada ficaria por dizer, criticar ou conhecer.

Craft e Carlos, porém, adotam uma posição crítica em relação ao Naturalismo e ao Realismo, respetivamente, não
aprovando, na criação literária, nem o recurso a uma descrição tão crua da realidade, nem a aplicação de princípios
científicos a situações banais do quotidiano.

Este jantar põe, ainda, em evidência quer a má situação financeira do país, quer a constatação de que tal não causa
desassossego nem preocupação à elite portuguesa.

Efetivamente, Cohen, banqueiro e pertencente à alta burguesia capitalista que governava o Portugal de então,
salienta o eterno endividamento do país, que apenas sobrevive graças à cobrança do imposto e ao empréstimo
estrangeiro. Di-lo sem inquietação e sem demonstrar intenção de mobilização, o que prova a mentalidade
retrógrada e o conformismo das classes dirigentes, pouco ou nada empenhadas em reformas sociais, políticas ou
económicas.

Este tipo de mentalidade pode, igualmente, ser observado através das palavras de Ega e de Dâmaso: o primeiro,
provocador, demonstra o seu extremismo e despropósito, ao passo que o segundo não esconde a sua cobardia.

Intemporalidade do capítulo
Ler "Os Maias", atualmente, é como se estivéssemos a ler o nosso presente, ou até mesmo o dia de amanhã. Na
verdade, Eça de Queiroz era um grande visionário pois adivinhava o futuro, visto o seu romance ser transponível.
Isto acontece porque esta obra é um romance que todos nós lemos, mas não notamos a diferença de séculos por
consistir numa história muito verídica que pode ocorrer na nossa vida também.
Por último, esta grande obra dá-nos a conhecer que, naquela época, já existia o debate de vários temas, como o
adultério, o incesto, a bancarrota, a educação, a influência da educação na vida adulta, a diferença entre ricos e
pobres e o novo riquíssimo, entre outros problemas no nosso dia-a-dia.
Conclusão:

O Hotel Central é o cenário fulcral para o enredo desta obra.

Este local, reveste-se de especial interesse por ser onde Carlos vê Maria Eduarda pela primeira vez e por ser aí que se
realiza o Jantar, preparado por Ega, em honra de Cohen, marido da amante de Ega. O ambiente do jantar torna-se
pesado devido às críticas feitas à situação política e financeira da altura e pela disputa entre Ega e Alencar, o
primeiro defende os princípios doutrinais literários do Naturalismo e o segundo do Romantismo.

Com este episódio da crónica de costumes, “O Jantar no Hotel Central”, o autor demonstra a incoerência cultural do
povo português e a decadência do país, recorrendo, pela voz de João da Ega (seu alter ego), à bancarrota e à invasão
espanhola como determinantes da agitação revolucionária pois só assim haveria um reconhecimento da situação em
que se encontrava a nação e se faria algo para deter o clima decadente que se vivia em Portugal, que na opinião de
Ega correspondia ao afastamento total da Monarquia e à instalação da República.

A falta de personalidade também é bastante retratada neste episódio:

Alencar muda de opinião quando Cohen o pretende;

Ega muda de opinião quando Cohen quer;

Dâmaso, cuja divida é «Sou forte», aponta o caminho fácil da fuga.

A incoerência: Alencar e Ega chegam a vias de facto e, momentos depois, abraçam-se como se nada tivesse
acontecido;

De tudo: a falta de cultura e de civismo domina as classes mais destacadas, salvo Carlos e Craft

Em última análise, o que todo este episódio do jantar do Hotel Central representa é o esforço frustrado de uma certa
camada social (por ironia amais destacada) para assumir um comportamento digno e requintado.

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