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ENUNCIADO DAS ATIVIDADES PEDAGÓGICAS

Ação de Formação: Técnico(a) de Assistente Dentário

Módulo/UFCD: Viver em Português / 6653_Portugal e a sua história

Formador/a: Luciana Cristina Teixeira Pinto Data: 05 /07/2022

Atividade: Os Maias, de Eça de Queirós - a decadência de Portugal

Eça de Queirós, escritor universal

Através de "Os Maias", é possível retratar a "miséria portuguesa" dos finais do século XIX.

De facto, o subtítulo "Episódios da Vida Romântica" remete para uma crónica social que descreve os
ambientes da alta sociedade lisboeta, sob a forma de caricatura, focalizada pela visão de Carlos e
completada pela visão de Craft e Ega.

Assim, no "Episódio do Jantar no Hotel Central", desfilam as principais figuras e problemas da vida
política, social e cultural. Através de uma estratégia naturalista, critica-se Portugal, personagem coletiva,
representada pelas várias personagens que percorrem o romance. São ainda postos em confr onto o
ultrarromantismo e o naturalismo, representados por Alencar e Ega, respetivamente. Assim, pode -se
constatar ainda uma censura à crítica literária em Portugal, que é feita à base de ataques pessoais e de
agressões físicas.

No "Episódio da Corrida de Cavalos", desmascara-se a aparência e o verniz postiço de uma sociedade que
se pretende cosmopolita e civilizada. De facto, faz-se uma crítica ao provincianismo da capital que
pretende imitar o "chic" do "lá fora".

No "Episódio do Sarau no Teatro da Trindade", as críticas incidem sobre a superficialidade e a ignorância


da classe dirigente, a verborreia da oratória política e a poesia ultrarromântica, mascarada de
conotações sociais.

Além disso, denuncia-se ainda o jornalismo incompetente e venal (episódio do jornal "A Tarde"), a
política económico-financeira ruinosa, que arrastava Portugal para a bancarrota, e a educação
tradicional portuguesa, representada por Pedro da Maia e Eusebiozinho.

Em conclusão, podemos dizer que, aliada à história de uma família que percorre três gerações, surge-nos
a caracterização de uma sociedade decadente, que se irá refletir, forçosamente, no destino da família
Maia.

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O jantar no Hotel Central II

— Sole normande? — perguntou-lhe o criado, adiantando a travessa.


Ega ia fulminá-lo. Mas, vendo que o Cohen dava um sorriso enfastiado e superior a estas
controvérsias de literaturas, calou-se; ocupou-se só dele, quis saber que tal ele achava aquele St.
Emilion; e, quando o viu confortavelmente servido de sole normande, lançou com grande alarde de
interesse esta pergunta:
— Então, Cohen, diga-nos você, conte-nos cá… O empréstimo faz-se ou não se faz?
E acirrou a curiosidade, dizendo para os lados que aquela questão do empréstimo era grave. Uma
operação tremenda, um verdadeiro episódio histórico!…
O Cohen colocou uma pitada de sal à beira do prato, e respondeu, com autoridade, que o
empréstimo tinha de se realizar «absolutamente». Os empréstimos em Portugal constituíam hoje uma
das fontes de receita, tão regular, tão indispensável, tão sabida como o imposto. A única ocupação
mesmo dos ministérios era esta — «cobrar o imposto» e «fazer o empréstimo». E assim se havia de
continuar…
Carlos não entendia de finanças: mas parecia-lhe que, desse modo, o país ia alegremente e
lindamente para a bancarrota.
— Num galopezinho muito seguro e muito a direito — disse o Cohen, sorrindo.
— Ah, sobre isso, ninguém tem ilusões, meu caro senhor. Nem os próprios ministros da Fazenda!…
A bancarrota é inevitável: é como quem faz uma soma…
Ega mostrou-se impressionado. Olha que brincadeira, hem! E todos escutavam o Cohen. Ega,
depois de lhe encher o cálice de novo, fincara os cotovelos na mesa para lhe beber melhor as palavras.
— A bancarrota é tão certa, as coisas estão tão dispostas para ela — continuava o Cohen — que
seria mesmo fácil a qualquer, em dois ou três anos, fazer falir o País…

Ega gritou sofregamente pela «receita». Simplesmente isto: manter uma agitação revolucionária
constante; nas vésperas de se lançarem os empréstimos haver duzentos maganões decididos que
caíssem à pancada na municipal e quebrassem os candeeiros com vivas à República; telegrafar isto em
letras bem gordas para os jornais de Paris, de Londres e do Rio de Janeiro; assustar os mercados,
assustar o brasileiro, e a bancarrota estalava. Somente, como ele disse, isto não convinha a ninguém.

Então Ega protestou com veemência. Como não convinha a ninguém? Ora essa! Era justamente o
que convinha a todos! À bancarrota seguia-se uma revolução, evidentemente. […]

Ega, porém, incorrigível nesse dia, soltou outra enormidade:

— Portugal não necessita reformas, Cohen, Portugal o que precisa é a invasão espanhola.

Alencar, patriota à antiga, indignou-se. O Cohen, com aquele sorriso indulgente de homem superior
que lhe mostrava os bonitos dentes, viu ali apenas «um dos paradoxos do nosso Ega». Mas o Ega
falava com seriedade, cheio de razões. Evidentemente, dizia ele, invasão não significa perda absoluta
de independência. Um receio tão estúpido é digno só de uma sociedade tão estúpida como a do
Primeiro de Dezembro. Não havia exemplo de seis milhões de habitantes serem engolidos, de um só
trago, por um país que tem apenas quinze milhões de homens. Depois ninguém consentiria em deixar
cair nas mãos de Espanha, nação militar e marítima, esta bela linha de costa de Portugal. Sem contar as
alianças que teríamos a troco das colónias — das colónias que só nos servem, como a prata de família
aos morgados arruinados, para ir empenhando em casos de crise… Não havia perigo; o que nos
aconteceria, dada uma invasão, num momento de guerra europeia, seria levarmos uma sova tremenda,

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pagarmos uma grossa indemnização, perdermos uma ou duas províncias, ver talvez a Galiza estendida
até ao Douro…

— Poulet aux champignons — murmurou o criado, apresentando-lhe a travessa.

E enquanto ele se servia, perguntavam-lhe dos lados onde via ele a salvação do país nessa catástrofe
que tornaria povoação espanhola Celorico de Basto, a nobre Celorico, berço de heróis, berço dos
Egas…

— Nisto: no ressuscitar do espírito público e do génio português! Sovados, humilhados, arrasados,


escalavrados, tínhamos de fazer um esforço desesperado para viver. E em que bela situação nos
achávamos! Sem monarquia, sem essa caterva de políticos, sem esse tortulho da «inscrição», porque
tudo desaparecia, estávamos novos em folha, limpos, escarolados, como se nunca tivéssemos servido.
E recomeçava-se uma história nova, um outro Portugal, um Portugal sério e inteligente, forte e
decente, estudando, pensando, fazendo civilização como outrora… Meninos, nada regenera uma nação
como uma medonha tareia… Oh! Deus de Ourique, manda-nos o castelhano! E você, Cohen, passe-me
o St. Emilion.

Agora, num rumor animado, discutia-se a invasão. Ah, podia-se fazer uma bela resistência! Cohen
afiançava o dinheiro. Armas, artilharia, iam comprar-se à América — e Craft ofereceu logo a sua
coleção de espadas do século XVI.

In: “Os Maias” de Eça de Queirós, Capítulo VI

1. Identifique as questões tratadas nesta parte da conversa mantida durante o


jantar.
2. Caracterize a situação económica de Portugal, segundo Cohen.
2.1 Explicite a razão por que, segundo Carlos, o País não está a ser bem
gerido economicamente.
2.2 Caracterize a atitude de Cohen e de Ega face à situação económica
grave do País e transcreva expressões que o comprovem.
2.3 Explique por que motivo podemos considerar a atitude de Cohen
preocupante, tendo em conta que se trata de um banqueiro e um homem
influente no País.
3. A conversa evolui da economia portuguesa para a situação política do reino.
3.1 Interprete a solução que Ega propõe para o País face à situação
calamitosa que atravessa.
4. Comente as opiniões dos convivas sobre os assuntos sérios do reino, ainda
que o tom da conversa seja humorístico.
4.1 Explique o que revelam essas opiniões sobre estas personagens.
4.2 Identifique o recurso estilístico presente na frase «Carlos não entendia
de finanças: mas parecia-lhe que, desse modo, o país ia alegremente e
lindamente para a bancarrota.» e comente a sua expressividade.

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