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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB

DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS X


COLEGIADO DE HISTÓRIA

ANDRÉA REJANE GOMES SOUZA

OS ORIXÁS E SUA CONEXÃO COM OS FILHOS-DE-SANTO NA


CIDADE DE TEIXEIRA DE FREITAS

Teixeira de Freitas
2010
ANDRÉA REJANE GOMES SOUZA

OS ORIXÁS E SUA CONEXÃO COM OS FILHOS-DE-SANTO NA


CIDADE DE TEIXEIRA DE FREITAS

Monografia apresentada ao Colegiado de


História do Departamento de
Educação/Campus X da Universidade do
Estado da Bahia – UNEB como requisito
parcial para obtenção de titulo de licenciado
(a) em História, com habilitação em Docência
e Gestão de Processos Educativos.

Orientador: Dr. Fernando Cesar Coelho Costa.

Teixeira de Freitas
2010
Monografia intitulada: Os orixás e sua conexão com os filhos-de-santo na cidade de
Teixeira de Freitas, de autoria de Andréa Rejane Gomes Souza, apresentada ao
Colegiado de História do Departamento de Educação/Campus X/UNEB como
requisito parcial para a obtenção do título de licenciado em História, aprovada pela
banca examinadora constituída pelos seguintes professores:

_______________________________________________
Prof. Dr. Fernando Cesar Coelho Costa
DEDC-X/UNEB – Orientador

__________________________________________
Profª. Sayonara Oliveira Andrade Elias

Prof. Especialista em História do Brasil- FIJ/RJ

DEDC-X/UNEB

___________________________________________
Profª. Especialista NarimanRomana Carvalho
DEDC-X/UNEB
Teixeira de Freitas-BA, 08 de março de 2010
Dedico esse trabalho ao meu pai João de Deus Souza, que foi
uma pessoa muito importante na minha vida e graças a ele sei
o significado de amar independente de laços de sangue.
AGRADECIMENTOS

A todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram com a produção deste


texto, mas, sobretudo:

A Deus por ter me fortalecido a cada momento que me senti fraca e incapaz de
realizar as atividades do dia-a-dia.

A meu marido Silvan que sempre me apoiou financeira e emocionalmente, sempre


dispondo do seu tempo para me acompanhar quando necessário e me incentivando
nos momentos mais difíceis.

Aos meus filhos Bianca, Kaila e Kauan colaboradores incondicionais que


mantiveram a paciência e entenderam quando não lhes pude dar atenção durante
este percurso.
Podereis encontrar uma cidade sem
muralhas, sem edifícios, sem ginásio, sem
leis, sem uso de moedas como dinheiro,
sem cultura das letras. Mas um povo sem
Deus, sem oração, sem juramento, sem
ritos religiosos, sem sacrifícios, tal nunca
se viu.

Plutarco
RESUMO
O presente trabalho consiste em um estudo sobre a inserção do candomblé na
cidade de Teixeira de Freitas e a relação entre os adeptos da religião afro-brasileira
neste município com os seus orixás, qual a representação desses orixás na
comunidade adepta do candomblé. Buscou-se por meio dessa, saber como os
candomblecistas entendem sua relação com a sociedade local. Realizado por meio
de levantamento teórico e entrevistas semi-estruturadas com sujeitos adeptos do
candomblé. Os resultados obtidos com essa pesquisa é que a religião afro-brasileira
tem em seu contexto uma relação de muita cumplicidade com suas entidades sendo
influenciados por eles em suas condutas sociais.

Palavras-chave: Religião, candomblé, orixá.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 8
1. O CANDOMBLÉ NO BRASIL ............................................................................... 11
1.1. ORIGEM DO CANDOMBLÉ .............................................................................. 11
1.2. CONCEITO DE NAÇÃO DENTRO DO CANDOMBLÉ ...................................... 13
1.3. DA PERSEGUIÇÃO A AUTO-AFIRMAÇÃO ..................................................... 15
2. A BAHIA DO CANDOMBLÉ ................................................................................. 19
2.1. OS RITOS DO CANDOMBLÉ BAIANO ............................................................. 19
2.2. OS ORIXÁS E SUAS REPRESENTAÇÕES ...................................................... 22
2.3. A PERSONALIDADE DO ORIXÁ DEFINE A CONDUTA DO FIEL................... 35
3. O CANDOMBLÉ EM TEIXEIRA DE FREITAS ..................................................... 40
3.1. A VISÃO QUE OS FILHOS DE SANTO TÊM DA SUA REGIÃO ...................... 40
3.2. A RELAÇÃO ORIXÁ E FILHO-DE-SANTO ....................................................... 42
3.3. O CONVÍVIO COM A SOCIEDADE LOCAL ...................................................... 46
CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 48
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 50
APÊNDICE ................................................................................................................ 52
ANEXO...................................................................................................................... 55
8

INTRODUÇÃO

A presente pesquisa surgiu de uma inquietação desde os tempos de criança,


quando uma das várias coisas que aprendíamos sobre religião era que o candomblé
faz parte de atos demoníacos e não era bem visto pela religião cristã, só em ouvir o
som dos tambores já nos amedrontávamos. Com a maturidade percebemos o que
tínhamos era medo do diferente e nada melhor do que conhecer o que nos
amedronta para a partir daí tirarmos conclusões por nossa própria experiência.

Como já tinha um interesse especial pela religião afro-brasileira, ao entrar no curso


de Historia senti a necessidade de referenciar qual o espaço que o Candomblé
ocupa na cidade de Teixeira de Freitas. Creio que esta é uma proposta nova para a
região, pois a cidade esta em desenvolvimento e vemos muito pouco a religião afro-
brasileira inserida no contexto local, haja vista que a mesma ainda sofre com
preconceitos que a relacionam com toda sorte de magias. Apesar de estarmos em
um mundo que se diz moderno, essa idéia ainda prevalece na mentalidade das
pessoas.

Toda relação humana é passível de estudo, e o candomblé é um fenômeno religioso


que deve ser pesquisado como qualquer outro grupo, para que se possa
compreender como se dá a ligação entre a cuminidade-de-santo e principalmente de
que forma os mesmos interagem com os Orixás, que para os leigos são vistos como
demoníacos, mas para os seus seguidores são os guias espirituais que estão
ligados aos seus antepassados.

Chegando a um ponto em comum sobre o que desenvolver nesse TCC, partimos


para delimitação do tema, pois o universo afro é muito amplo não só de significado,
mas sobretudo de religiões. A escolha do candomblé principalmente da nação Keto
se deu por ser o mesmo predominante na Bahia, pois este candomblé tem sua
mística e ritualística o culto predominante dos Orixás que são os interlocutores
essenciais entre o céu e a terra, entre as coisas sagradas e a influência direta sobre
os adeptos dessa religião.
9

Para desenvolver este estudo trabalhamos com pesquisas na área de sociologia e


da antropologia, que segundo Lima “hoje está envolvido com questões sociais, com
o desenvolvimento e superação dos preconceitos e mitos herdados do colonialismo”
(Lima, 2005, p.13). Utilizamos da pesquisa bibliográfica e de campo. Na pesquisa
bibliográfica, muitos autores serviram de fundamentação para o meu trabalho, dentre
os de mais visibilidade Prandi (1996), Bastide (2001) e Verge (1980), são autores
que estudaram a fundo o Candomblé e nos da uma visão geral sobre o universo
dentro do Candomblé. Outro autor que se faz presente é Bourdieu, que traz a noção
de campo onde se da às disputas pelos bens simbólicos dentro da religião. O
“campo é compreendido por Bourdieu como o espaço social das relações mais ou
menos desiguais”. Com Lépine entramos em um campo específico que seria a
relação direta entre os Orixás da nação Keto e os seus adeptos, revelando que essa
relação influência no cotidiano dos filhos e filhas-de-santo.

A metodologia utilizada a foi pesquisa de campo, fomos ao local a ser pesquisado e


tive o primeiro contato direto com o pai-de-santo responsável pela casa e após
algumas conversas com o mesmo, me foi indicado nome de algumas pessoas que
freqüentam o centro e já tem o saber necessário para ocupar cargos no local e por
tanto para se posicionar em relação a sua religião. Com as pessoas indicadas pelo
babalorixá utilizei o método de coletas de dados onde apliquei a entrevista semi-
estruturada, pois o contato direto com esses entrevistados era mais difícil por
questão do pouco tempo disponível que os mesmo tinham, são bastante atarefados.

Um dos sujeitos da minha pesquisa foi o babalorixá Jenilton fundador do centro de


candomblé Ilé Amnirá Axé Aláketò, que funciona aqui na cidade desde 1989. Ele
começou a freqüentar o candomblé desde os dois anos de idade, foi levado pela avó
para curar uma enfermidade e desde então não se desvinculou mais. O seu orixá é
Oxum que representa a deusa da fertilidade, da água e do amor.

Foi utilizado como critério na escolha das pessoas o fato que o babalorixá é o
membro que possui o poder legitimado pelos seus fiéis e por possuir um cargo que
lhe permite dirigir os bens sagrados de sua casa de culto e tem o conhecimento dos
fundamentos religioso que transmite a seus filhos e filhas-de-santo.
10

Pude contar também com a colaboração de mais quatro filhos e filhas-de-santo. Um


adolescente de 17 anos que é filho do orixá Ogum e desenvolve a função “axogun”
que é sacrificante dos bichos para o orixá que é dono da faca. Outra colaboradora
foi uma senhora de 55 anos que participa do candomblé há 25, o seu orixá é
Oxaguiã e sua função dentro da casa é a de “iyabassê”, responsável pela
preparação da comida dos orixás. A terceira pessoa foi uma senhora de 53 anos,
frequenta o centro há 20 anos e é do orixá Oxumaré atuando como “iyakekerê,
quem ajuda nas atividades da comunidade. E o qaurto entrevistado foi um jovem, de
25 anos que participa do grupo há oito anos e seu orixá Oxumaré, sua função é
“babakekerê” a segunda pessoa da casa. Ele veio a participar do candomblé por
causa de uma enfermidade. Devido os afazeres dos sacerdotes a pesquisa não foi
muito demorada, pois eles são pessoas muito atarefadas e muito bem organizadas
em relação a seus afazeres.

A divisão do trabalho se deu da seguinte forma: no 1º capitulo, intitulado “O


Candomblé no Brasil” aborda a inserção do candomblé no Brasil, a perseguição
sofrida e o significado de nação para esses grupos étnicos. O capitulo 2, “A Bahia do
Candomblé” faz um passeio sobre os ritos dessa religião e as características dos
orixás e o que eles representam. Já no terceiro capitulo, nomeado como “Inserção
do Candomblé em Teixeira de Freitas”, é apresentada a pesquisa de campo, que
são as entrevistas que foram efetivadas com as pessoas escolhidas, sendo
acrescida também uma análise do que foi observado durante as conversas.
11

1 O CANDOMBLÉ NO BRASIL

1.1 ORIGEM DO CANDOMBLÉ

O candomblé surge no Brasil com a chegada dos negros escravizados que foram
trazidos da África para trabalhar nas lavouras no período colonial.

O termo candomblé, abonado nos modernos dicionários da língua e na


vasta literatura etnográfica, é de uso corrente na área lingüística da Bahia
para designar os grupos religiosos caracterizados por um sistema de
crenças em divindades chamadas de santos ou orixás e associadas ao
fenômeno da possessão ou transe místico. (LIMA, 2005, p. 66)

Essa instituição religiosa não foi organizada já no primeiro momento, ela foi sendo
gestada na medida em que os escravos sentiam necessidade de modelar a sua
cultura como forma de enfrentar o infortúnio da escravidão.

Não devemos esquecer que não havia no Brasil Colônia uma única cultura africana,
que eram várias etnias com modos de vida e culturas diferentes mesmo vindos do
mesmo continente. O que ligava esses grupos tão variados era um traço comum a
todas as religiões africanas a “herança cultural africana, largamente compartilhada
pelas pessoas importadas por uma nova colônia” (JUNIOR, 2006, p. 107). Ou seja,
múltiplas nacionalidades que viviam um presente comum e que estavam ligados por
uma herança cultural comum mesmo não tendo uma cultura homogênea.

O culto aos Orixás é a característica do Candomblé que é praticado no Brasil pelo


povo-de-santo1. Esses orixás têm basicamente as mesmas características que tem
em África, mas com adaptação a realidade brasileira. Em África, os Orixás eram
cultuados em separado, cada um é reverenciado em uma região, para cada
localidade há um ancestral divinizado ligados por laços de família, que são
enraizadas por um antepassado.

O orixá seria, em principio, um ancestral divinizado, que, em vida,


estabelecera vínculos que lhe garantiam um controle sobre certas forças da
natureza, como o trovão, o vento, as águas doces ou salgadas, ou, então,
assegurando-lhe a possibilidade de exercer certas atividades como a caça,
o trabalho com metais ou, ainda, adquirindo o conhecimento das

1
Termo utilizado no candomblé para identificar os grupos que participam da casa-de-santo.
12

propriedades das plantas e se sua utilização do poder, áse, do ancestral-


orixá teria, após s sua morte, a faculdade de encarnar-se
momentaneamente em um de seus descendentes durante um fenômeno de
possessão por ele provocada. (VERGER, 1980, p. 9)

É esse ancestral que o povo-de-santo procurou reproduzir aqui no Brasil, mantendo


assim a sua ligação com sua cultura de origem. Mas em terras brasileiras esses
Orixás foram reunidos formando um panteão de deuses que são adorados todos
numa mesma festa, em sua terra natal cada um pertence a uma cidade, porém aqui
fez-se necessária essa junção dos Orixás para que os negros pudessem unir suas
forças driblando a imposição dos seus senhores que os obrigava a se converterem
ao catolicismo.“Nos Candomblé do Brasil o culto aos Orixás é mais extenso, pois
louva-se, basicamente, todos os deuses africanos numa só noite de festa”
(BARCELLOS, 2005, p. 28)

Foi em busca de fortalecer os laços, de refugiar e proteger-se dos infortúnios da


escravidão que o candomblé tornou-se uma instituição que ajudava aos que
necessitavam dela. Muitos escravos que fugiam dos seus senhores buscavam
refúgio no meio do grupo religioso a que pertencia recebendo apoio e proteção. Os
primeiros encontros se davam nas casas e nos sítios, era o momento de convívio
social em que os negros faziam seus cultos e ajudavam os irmãos de cor.

O candomblé tem por base a alma da natureza. Os sacerdotes africanos que foram
trazidos da África como escravos trouxeram na sua bagagem cultural um vasto
conhecimento sobre os Orixás que foi se desenvolvendo aqui no Brasil. Organizado
hierarquicamente o candomblé tem um sacerdote que tem conhecimento dos bens
sagrados e um corpo de fiéis que buscam ocupar seu lugar dentro do grupo, assim
vai se formando um campo religioso onde as disputas acontecem pelas posições e
conhecimento dos bens sagrados.

O campo religioso se constitui pelas posições adquiridas entre o corpo de


especialistas e fiéis, em lutas anteriores para a própria consolidação do
campo. O campo religioso é por excelência um espaço que tem lugar uma
luta de concorrência pelo controle dos bens sagrados. (LIMA, 2005, p. 36)

Para compreender melhor as posições dentro das religiões afro-brasileiras podemos


partir da noção de campo formulada por Bourdieu, onde se dá as relações dentro de
um espaço social em que os que detêm o conhecimento prático do sistema religioso
13

têm sua posição bem demarcada na estrutura social. Nesse espaço se dá o jogo das
relações entre os que detêm o saber do conhecimento sagrado e os leigos, havendo
uma concorrência pelos bens simbólicos. Esse jogo está inserido “no individuo
biológico, permitindo a produção, reprodução e a difusão de uma infinidade de atos
de jogo que estão inscritos no jogo em estado de possibilidades e exigências
objetivas”. (BOURDIEU, 2004, p. 82)

Os pais e mães-de-santos são dentro do candomblé aqueles que detêm o monopólio


dos bens sagrados (o terreiro, o fio-de-contas, a comida, o jogo-de-búzios, os ritos,
entre outros) e são vistos por seus fiéis como seus protetores e orientadores dignos
de receber todo o respeito e honras. São eles que têm o conhecimento para
direcionar o culto para cada Orixá respeitando a especificidade de cada um para que
haja harmonia entre esses deuses e na vida de seus fiéis.

1.2 CONCEITO DE NAÇÃO NO CANDOMBLÉ

Os grupos de candomblé são denominados de “nação”, tivemos no Brasil várias


nações que eram chamadas assim pelos portugueses para diferenciar os diversos
grupos étnicos de escravos de acordo com a região que eram oriundos, mas os
negros se apropriaram do termo, que deixou de ser visto como laços de parentesco
ou de referência geográfica sendo agora designado como uma forma de
organização religiosa, ou seja, nação para o povo de candomblé passou a ser
definido como grupo de pessoas que professam a mesma fé, as mesmas tradições.
“O termo candomblé designava ritos com diferentes ênfases culturais, aos quais os
seguidores dão o nome de nação”. (LIMA, 1984, p. 06)
Todo terreiro de candomblé pertence a uma nação, dentre os grupos iorubas-nagôs,
a nação de Keto, passou a significar o rito de todos os nagôs, que era o iorubano ou
todo negro da costa dos escravos que falava ou entendia a língua ioruba2.

2
Os iorubanos habitavam o sudoeste da Nigéria e o sul de Benin. Os reinos iorubas floresceram ao sul do rio
Niger.
14

Na Bahia a maior influência vem dos candomblés Keto (iorubá) e angola (banto) que
é encontrado também em outras partes do país. VERGER, abordando a questão
dessa preeminência dos nagôs de Keto nos antigos candomblés da Bahia, escreve:

As razões desta predominância espiritual podem ser explicadas pelas


guerras entre Daomé e Yorubá, e o conseqüente enfraquecimento deste
último no principio do século XIX. A cidadela de Ketu, mais exposta a
incursão do Daomé, tocada e assolada por guerras seguidas, viu seus
habitantes vendidos aos negreiros da Costa. Numerosos sacerdotes dos
orixás foram assim, levados dessa região para a Bahia, ainda no fim da
época do tráfico de escravos. Elementos das diversas nações iorubanas e
daomeanas vizinhas de Ketu, representadas em minoria na Bahia,
juntaram-se aos recém-chegados que tinham conhecimentos mais
profundos do ritual de sua religião. É por isto que a palavra Ketu ganhou na
Bahia, entre os descendentes de africanos, o sentido de reunião, acordo,
grupo. (VERGER, 1957, p. 19 apud LIMA, 1984, p. 66)

Da nação Keto vieram às normas para a religião afro, predominando os seus ritos,
panteão e mitos. As divindades nagôs, que são os Orixás também foram inseridas
ao candomblé Angola que tem no início do século XX a formação da umbanda.

Ela foi formada no Brasil e resulta da fusão de tradições africanas, espíritas e


católicas. Surge como uma religião dirigida a todos, isto é, universal. A junção de
negros, índios e caboclos deu origem a umbanda, que usa do kardecismo a pratica
da caridade que não separa o mundo dos vivos do mundo dos mortos.

A presença da entidade no transe voltada para a cura, limpeza e


aconselhamento dos fiéis e clientes; mas afasta-se de outro ideal
kardecista: o de comunicação com os mortos com o fim de estender ao
mundo dos espíritos atrasados e sofredores a doutrinação evangélica
caridosa, e receber dos espíritos de luz orientação para o desenvolvimento
de virtudes na terra, curas do corpo e da alma, evolução espiritual dos vivos
e dos mortos. (Prandi, 95-96, p.69)

Do candomblé adotam os orixás, a forma de liderança que esta nas mãos do pai ou
mãe-de-santo e o segredo do recolhimento iniciático.

As religiões afro-brasileiras se identificam mesmo seguindo ritos diferentes, pois


estão ligados a uma ancestralidade, com suas teias de linhagem e origens, que
15

compartilham suas crenças e fazem parte de um grupo denominado como povo-de-


santo.

Uma nação de candomblé identifica-se por professar a mesma crença, pela forma
que faz seus cultos, pela prática dos rituais, pela língua, pelos mitos nos quais
baseia seus ritos, pelo toque dos tambores, as músicas, pelo vestuário dedicado aos
orixás, pelas folhas sagradas que usa em suas iniciações e magias, enfim, por toda
prática, símbolos e cultura material herdado dos antepassados, esses são laços
culturais que une uma nação de candomblé. Pela relação cultural que acontecia na
África, os vários grupos étnicos que viviam lá, já chegavam ao Brasil já mais ou
menos misturados, o que significa que não há uma religião afro com uma só cultura,
que elas foram se mesclando a medida que se encontram, mesmo antes de
chegarem aqui.

O candomblé que se autodenomina de “nação” Keto, é o candomblé descendente


dos cultos religiosos da região Sudanesas, de cultura yorubana. Neste culto, os
deuses são chamados de orixás e representam forças da natureza como o ar, o
vento, o fogo e outros. Toda a simbologia do candomblé Keto como ritmo, cores,
cantigas (rezas) músicas, comidas, rituais e, fundamentalmente, o rito de iniciação,
são marcados fortemente pelos valores culturais dos negros yorubanos.

1.3 DA PERSEGUIÇÃO A AUTO-AFIRMAÇÃO

A história do negro no Brasil sempre foi marcada pelo sofrimento e desrespeito,


desde o momento em que eram capturados em África e durante toda a sua jornada
na nova terra para onde fora trazido, esse africano se viu violentado literalmente,
pois sua dignidade como ser humano foi totalmente desconsiderada.

Em se tratando de religião de matriz africana em território brasileiro as perseguições


e discriminação era constante durante o período colonial e que temos aí
historicamente uma extensa segregação que perdura até os dias atuais. Isso
acontecia porque ao chegar à colônia o negro já vinha despido de sua identidade,
aqui era submetido a um padrão europeu em que a religião atuante por direito era o
catolicismo.
16

Mas este homem subjugado a uma nova cultura não se satisfez só em obedecer ao
seu carrasco, ele buscou reconstruir sua identidade reformulando suas crenças e
práticas religiosas que foi possível pela mescla de várias nações africanas que aqui
se encontravam.

Durante os séculos XVII a XIX a história da religião afro-brasileira foi contada por
pessoas que não participavam da mesma, é a partir do preconceito que se tinha
sobre ela que começamos a ver registros policiais, pois são nesses registros que
encontramos ocorrências sobre invasões a determinado terreiro ou prisão de
pessoas que faziam adivinhações e curandeirismo. Segundo Verger (1981) os
primeiros registros sobre as religiões africanas no Brasil, datam de 1680, a partir de
anotações feitas pela Santa Inquisição.

Um artigo de jornal da Bahia, de 3 de maio de 1855, faz alusão a uma


reunião na casa Ilê Iyanassô: foram presos e colocados a disposição da
policia Cristovão Francisco Tavares, africano emancipado, Maria Salomé,
Joana Francisco, Leopoldina Maria da Conceição, Escolástica Maria da
Conceição, crioulos livres; os escravos Rodolfo Araujo Sá Barreto, mulato;
Melônio, crioulo, e as africanas Maria Tereza, Benedita, Silvana... Que
estavam no local chamado Engenho Velho, numa reunião que chamava
candomblé. (VERGER, 1981, p. 20)

A igreja católica foi ferrenha em sua perseguição contra a religião de matriz africana,
contando com o apoio do governo para que os atos violentos de repressão fossem
efetivados contra os adeptos do candomblé. As leis católicas conceituavam como
feitiçaria os ritos utilizados pelos negros em suas manifestações religiosas, como
salienta Soares:

Dessa forma, predizer o futuro por qualquer artifício, rezar para ídolos, fazer
beberagens eram atividades que presumiam a intercessão de satã, portanto
deveriam ser punidas severamente e extintas. (SOARES, 1992, p. 134)

Em 1824, no Brasil Império foi promulgada a primeira carta constituinte, na qual a


igreja católica foi revestida do aparato legal para controlar os outros âmbitos
religiosos, que se estendia aos protestantes estrangeiros residentes no Brasil. Isso
17

significa que em nenhum momento foi cogitado o direito de expressão religiosa de


matriz africana, ou seja, o direito religioso do negro africano.

Posto que o artigo 5 da Constituição Imperial de 25 de março de 1824, outorgada


por D. Pedro I, dizia “a religião católica apostólica romana continuará a ser a religião
do Império”. Os evangélicos estrangeiros conseguiram ser levados em consideração
pela pressão feita pela Inglaterra para implantação da liberdade ao culto para os
estrangeiros residentes na colônia. Já os negros africanos não tinham apoio de
dirigentes de outras nações ou de pessoas importantes da época, pois eram vistos
como objetos, não foram contemplados.

No século XIX o candomblé se reforçou por ter lideres que já tinham a sua liberdade
garantida desde que nascerá e que junto com os libertos estruturaram as religiões
afro-brasileiras. Novas leis foram estabelecidas pela República que foi implantada no
Brasil em 1889, mas ainda estava muito distante de contemplarem a questão do
negro e sua religiosidade ancestral.

Em 1936, foi editado um decreto-lei, no qual Getúlio Vargas retirava o candomblé da


clandestinidade, porém a repressão não foi cessada, pois para funcionar os terreiros
precisavam de um alvará e tinha que determinar o dia e hora em que se faria o culto,
e mesmo assim não estavam livres de serem pegos de surpresa por uma batida
policial.

A Constituição Cidadã de 1988 garantiu a liberdade de crença, o livre exercício do


culto religioso, bem como a proteção aos locais de culto e liturgias (art. 5º VI). O
reconhecimento oficial do candomblé como religião ocorreu em 1989 no artigo 275
da constituição do Estado da Bahia, esta determinada às atividades dos terreiros
nos seguintes termos: É dever do Estado preservar e garantir a integridade,
respeitabilidade e a permanência dos valores da religião afro-brasileira.

No contexto atual, com leis federais, estaduais e municipais o negro e a religião afro-
brasileira continuam sendo perseguidos e desrespeitados, não com as mesmas
técnicas do passado, mas com uma metodologia mais sutil que utiliza os meios de
comunicação e uma forte campanha de marketing para disseminar a idéia que a
religião afro-brasileira é demoníaca. Os principais opositores do momento são as
18

igrejas evangélicas que em busca de adeptos depreciam as varias culturas


religiosas existentes no nosso país, principalmente a cultura afro-brasileira.

A derrota das religiões afro-brasileiras é item explicito do planejamento


expansionista petencostal: há igrejas evangélicas em que o ataque às
religiões afro-brasileiras e a conquista de seus seguidores são praticas
exercidas com regularidade e justificadas teologicamente. (PRANDI, 2003,
p. 25)

Mesmo não usando de novas tecnologias o candomblé segue lutando contra o


preconceito que já lhe é habitual não abrindo mão dos seus valores nem de suas
raízes africanas.

Neste capitulo falamos sobre a origem do candomblé e de que forma se instalou no


Brasil, e que para sobreviver nessa terra, o negro teve que reformular seus
conceitos, inclusive adaptar a sua religião a nova realidade que lhe foi imposta,
servindo também para fortalecer a sua identidade.

A religião afro-brasileira que ainda é vítima de preconceito passou por ferrenhas


perseguições, mas nunca desistiram e nem rejeitaram sua raiz africana e conforme a
mentalidade da sociedade ia mudando, eles através de suas lutas e resistência
conseguiam assegurar para si e seu grupo direitos garantidos por lei que foi
legitimando o candomblé como religião e se auto- afirmando na sociedade.

Conheceremos agora de que forma o candomblé se multiplica, a importância dos


ritos na consagração dessa religião e como os orixás são representados e
reverenciados.
19

2 A BAHIA DO CANDOMBLÉ

2.1 OS RITOS DO CANDOMBLÉ BAIANO

Ao contrário do que pensam os leigos, o candomblé é uma religião que tem


preceitos e regras que norteiam a vida espiritual e pessoal dos seus fiéis, ela é
ritualística, ou seja, tem ritos próprios e utiliza-se de bens simbólicos para consagrá-
la.

A ênfase do candomblé está no rito de iniciação que é gradual e secreta. Não há


registros escritos, pois no candomblé o conhecimento é passado oralmente do pai
ou mãe-de-santo para o filho-de-santo: “O candomblé é uma religião em que o
conhecimento é passado de boca a ouvido”. (LIMA, 2001, p. 20). As pessoas que
não conhecem pensam que lá tudo é festa e feitiçaria ou macumba como dizem,
mas existem regras e determinações que direcionam a religião e que só é permitido
conhecer a quem é iniciado e mesmo a estes nem tudo pode ser revelado, pois o
conhecimento do sagrado demanda poder estabelecendo uma hierarquia dentro do
terreiro.

É por meio da iniciação que o candomblé se reproduz, pois após todo preparo e ritos
que a pessoa passa ela é elevada a um status religioso em que lhe é permitido abrir
o seu próprio terreiro. Prandi nos mostra que: “no sétimo aniversario, recebe o grau
de senioridade (ebômi que significa “meu irmão mais velho”) estando ritualmente
autorizado a abrir sua própria casa de culto”. (Prandi, 2003, p. 77)

De acordo com Prandi, o processo de preparação para se tornar um fiel iniciado


demanda um alto custo.

Para se iniciar como cavalo dos deuses, a abiã precisa juntar dinheiro
suficiente para cobrir os gastos com as oferendas (animais e ampla
variedade de alimentos e objetos), roupas cerimoniais, utensílios e adornos
rituais e demais despesas suas, da família-de-santo, e eventualmente de
sua própria família durante o período de reclusão iniciática em que não
estará, evidentemente, disponível para o trabalho no mundo profano.
(PRANDI, 2003, p.77)
20

Isso significa que o lado econômico influência na escolha da pessoa, pois é preciso
estar preparado financeiramente para arcar com os custos necessários para se
tornar um fiel consagrado pelo poder dos orixás, porque se faz necessário a
preparação iniciática várias oferendas durante os cultos.

Quando falamos em iniciado, pessoas chamadas pelos orixás para ser filhos ou
filhas-de-santo, que serão orientadas pelos pais ou mães-de-santo, e também
chamados de babalorixá ou ialorixá, pensamos que nesse momento eles
conhecerão toda a liturgia sagrada do candomblé, mas Verger vem nos revelar que
não é tão simples assim:

Os que são chamados a tornar-se filhos ou filhas-de-santo devem passar


por um período denominado impropriamente “iniciação”. Dizemos
impropriamente, pois não lhes são revelados segredos. Fazem-lhe
reencontrar um certo comportamento, aquele atribuído a seu deus. A
iniciação não se faz no plano do conhecimento intelectual, consciente e
aprendido, mas no nível mais escondido, que vem da hereditariedade
adormecida, do inconsciente, do informulado. (VERGER, 1980, p. 33)

Na primeira fase o iniciado tem que ter o contato com o seu orixá buscando a
personalidade escondida que lhe remete aos seus ancestrais divinizados buscando
a personalidade do mesmo, e segundo Verger “a identidade e o comportamento do
orixá podem se instalar livremente, sem obstáculos, e tornar-se-lhe familiar”.
(VERGER, 1980, P. 34)

A pessoa que frequenta o terreiro de candomblé e não foi iniciado é chamado de


abiã, mas quando recebe o chamado dos orixás tem que seguir várias etapas se
quiser ser iniciado. Antes de prosseguir é preciso conversar com o oráculo, que é o
jogo de búzios, para saber qual é o orixá dono da cabeça do abiã, após a
identificação da divindade, o iniciado recebe as contas sagradas que representa o
seu orixá, isso dá início aos ritos votivos.

Durante o período de 21 dias o iniciado ficará isolado em um quarto próprio para


esse rito chamado roncó, onde entrará em contato com o seu orixá. Outro momento
21

importante é o ritual do bori, que é o rito para o fortalecimento espiritual do ori, que é
a cabeça que deve ser preparada para receber o orixá.

O candomblé ensina, sobre tudo, que antes de se louvar os deuses, é


imperativo louvar a própria cabeça: ninguém terá um deus forte se não
estiver bem consigo mesmo, como ensina o dito tantas vezes repetido nos
candomblés: “ori buruku kossi orixa”, ou “cabeça ruim não tem orixá”. Para
os que se convertem, isso faz uma grande diferença em termos de auto-
estima. (PRANDI, 2003, P. 82)

O momento crucial da iniciação é o oro, que é a cerimônia de assentamento do


orixá, quando o iniciado tem que raspar a cabeça e são sacrificados os animais
correspondentes ao orixá que está sendo assentado, isso cria um laço sagrado entre
o iaô, como é chamado o iniciado, e o seu orixá. A aparição pública é chamada de
saída de iaô, que termina com festa acompanhada pelo som dos tambores e comida
feita com a carne dos animais sacrificados.

No candomblé sempre estão presentes o ritmo dos tambores, os cantos, a


dança e a comida. Uma festa de louvor aos orixás (toque) sempre se
encerra com um grande banquete comunitário (ajeum, que significa “vamos
comer”), preparado com a carne dos animais sacrificados. O novo filho ou
filha-de-santo deverá oferecer sacrifícios e cerimônias festivas ao final do
primeiro, terceiro e sétimo ano de sua iniciação. (PRANDI, 2003, p. 77)

O status religioso do iaô muda na obrigação de sete anos, chamado decá, é quando
ele se torna um ebomi, ou seja, um pai ou mãe-de-santo legitimado para abrir sua
própria casa de culto e apto para iniciar novos adeptos. Para consagrar sua
autoridade como babalorixá ele recebe das mãos do seu pai ou mãe-de-santo
alguns símbolos sagrados dento do candomblé que são a peneira ou balaio de axé
contendo, entre outras coisas o jogo de búzios e a navalha que lhe conferem a
legitimidade como pai ou mãe-de-santo.

O processo de iniciação aqui no Brasil segue alguns preceitos semelhantes com o


que acontece na África, mas devido à junção dos orixás em um panteão, que foi feito
aqui na nova terra para adaptar a matriz africana com a realidade local, pode-se
observar algumas diferenças nesse processo como nos mostra Verger:

A diferença entre as cerimônias para os orixás na África e no Novo Mundo


decorre, sobretudo, de que, na primeira, invocasse um só orixá durante uma
festa celebrada em um templo reservado para ele, enquanto no Novo
Mundo vários orixás são chamados em um mesmo terreiro durante uma
22

mesma festa. E ainda na África tal cerimônia é celebrada geralmente pela


coletividade familiar e um só elégùn é normalmente possuído. No Novo
Mundo, não existindo essa coletividade familiar, o orixá tornou-se um
caráter indivindual e acontece que, durante uma mesma festa, vários “iaôs”
são possuídos pelo mesmo orixá, par satisfação própria e de todos aqueles
que cultuam esse orixá. (VERGER, 1980, p. 39)

Esses ritos de iniciação são secretos, por isso as pessoas que não são iniciadas não
enxergam o lado sagrado do candomblé e o vêem como festa de tradições
folclóricas não conseguindo distinguir as várias religiões afro-brasileiras uma da
outra.

Todo o processo de preparação para ocupar uma posição de destaque dentro do


candomblé demanda tempo e dinheiro, pois para adquirir o conhecimento sagrado é
preciso seguir todos os preceitos determinado pelos orixás através do babalorixá, o
que não acontece de um dia para o outro e o iniciado deve arcar com os gastos que
terá com os aparatos e sacrifícios que são feitos durante o período de formação.

2.2 OS ORIXÁS E SUAS REPRESENTAÇÕES

Os povos africanos cultuavam em sua terra natal centenas de divindades, sendo que
em cada região tinha o seu orixá especifico como já foi citado no capitulo anterior.
Aqui na Nova Terra esses deuses foram reduzidos e passaram a ser cultuado em
um único local, os terreiros de candomblé. No panteão de deuses os que mais se
destacam são os orixás, que na definição de Prandi são:

Espíritos da natureza que passaram a ser cultuados como divindades,


detentoras do poder de governar aspectos do mundo natural, como o
trovão, o raio e a fertilidade da terra, enquanto outros foram cultuados como
guardiões de montanhas, cursos d’agua, árvores e florestas. (PRANDI,
2005, p. 102)

Podemos completar essa definição com a idéia de Verger que

O orixá seria em principio, um ancestral divinizado, que em vida,


estabelecerá vínculos que lhe garantiam um controle sobre certas forças da
natureza, como o trovão, o vento, as águas, doces ou salgadas, ou, então,
assegurando-lhe a possibilidade de exercer certas atividades como a caça,
23

o trabalho com os metais ou, ainda, adquirindo o conhecimento das


propriedades das plantas e de sua utilização o poder, àse, do ancestral-
orixá teria, após a sua morte, a faculdade de encarnar-se
momentaneamente em um de seus descendentes durante um fenômeno de
possessão por ele provocada. (VERGER, 1980, p. 10)

O conhecimento dos orixás é passado pela tradição oral, de geração a geração, e


são através dos mitos que se mantêm viva os acontecimentos do passado, onde
contam atos heróicos e grandes feitos dos seus ancestrais. Através do mito pode-se
encontrar com suas origens ajudando assim na formação de sua identidade, pois se
busca no passado a explicação para a vida no presente.

O tempo do mito e o tempo da memória descrevem um mesmo movimento


de reposição: sai do presente, vai para o passado e volta ao presente – não
há futuro. A religião é a ritualização dessa memória, desse tempo cíclico, ou
seja, a representação no presente, através de símbolos e encenações
ritualizadas, desse passado que garante a identidade do grupo – quem
somos, de onde viemos? É o tempo da tradição da não-mudança, tempo da
religião, religião como fonte de identidade que reitera no cotidiano a
memória ancestral. (PRANDI, 2005, p. 32-33)

Sendo as religiões afro-brasileiras oriundas das tradições africanas elas mantêm a


mesma concepção de tempo que é diferente do tempo ocidental. Para eles o tempo
está associado à vida e a morte, e tem visões diferentes em relação ao nosso tempo
e o outro. Eles vêem o tempo de forma circular, onde os acontecimentos podem se
repetir e são passados para seus descendentes através dos mitos que servem como
modelo e outorga a identidade do grupo étnico.

As noções de tempo, saber, aprendizagem e autoridade, que são as bases


do poder sacerdotal no candomblé, de caráter iniciático, podem ser lidas em
uma mesma chave, capaz de dar conta das contradições em que uma
religião que é parte constitutiva de uma cultura mítica, isto é a-histórica, se
envolve ao se reconstituir como religião numa sociedade de cultura
predominantemente ocidental, na América, onde tempo e saber têm outros
significados. (PRANDI, 2001, p. 2)

Nesses mitos são contados as peripécias heróicas e os grandes feitos dos


ancestrais, os quais são chamados pelos seus seguidores de orixás.

Os orixás são entidades diferentes, alguns podem apresentar algumas


semelhanças, mas devem ser tratados respeitando suas especificidades, caso
24

contrário o seu devoto poderá encontrar alguns percalços e para que não haja
nenhum mal entendido entre o orixá e o seus filhos-de-santo é necessário
conhecer todos os atributos do mesmo.

O que distingue um orixá do outro são as suas características que parecem como
expressões da sua personalidade. Para cada orixá há ritos, ornamentos, alimentos,
cores, cânticos específicos. Mesmo com tantas especificidades podemos encontrar
também algumas semelhanças entre alguns deles possibilitando assim a
classificação em grupos.

Os orixás têm uma ligação com família, cidade ou região, essa idéia vem desde o
tempo que os cultos eram feitos em África. Aqui no Brasil houve um reagrupamento
dessas divindades em um só lugar, o terreiro de candomblé. Mas esses não
perderam a sua característica de ligação com o seu familiar por meio da
incorporação. O iniciado que se encontra com o seu familiar por meio da
incorporação passa a tê-lo como referência para a sua conduta social. Para isso se
faz necessário que ele conheça tosos os gostos e o perfil do seu orixá, para que
através das oferendas possa mantê-lo satisfeito e em retribuição receberá
orientação e proteção no seu dia-a-dia.

É a partir do temperamento do orixá que se determina de que forma será feito o


culto e as obrigações para eles, pois “através dos sacrifícios, o antepassado
participa da vida dos viventes, compartilhando com eles o fruto do sucesso das
colheitas, caçadas, da guerra e assim por diante”. (PRANDI, 2005, p. 020)

Com base em Prandi e Silva, veremos algumas características dos chamados


“orixás gerais”.

EXU

Mensageiro entre os homens e os orixás e destes entre si. Está associado ao poder
de fertilização e à força transformadora das coisas. Guardião das encruzilhadas e da
entrada das casas. Espírito justo, porém vingativo. Entretanto, Exu possui um lado
25

bom e, se ele é tratado com considerações, mostra-se prestativo e cordial, sendo


também um orixá brincalhão. Por isso antes de cultuar os outros orixás é preciso
fazer oferendas antes a Exu, para evitar qualquer mal-entendido que ele venha a
causar entre os deuses e os homens.
Mito - Dois amigos esqueceram-se de fazer as oferendas devidas a Exu, este
colocou então na cabeça um chapéu pintado de um lado de vermelho e de outro de
branco. Ao passar entre os dois amigos, cumprimentou-os e prosseguiu. Os amigos
intrigados se questionaram: “quem seria o andarilho com aquele chapéu vermelho?”.
O outro retrucou: “não, o chapéu era branco”. Discutindo a respeito da cor do
chapéu, os amigos começaram a brigar até se matar.

Símbo Cores Dia da Animais Comi- Elemen- Associação Local


lo sema- sacrificados da to mítico de
na culto

Ogó: Verme- Segun- Bode e galos Farofa Terra Diabo Encruz


bastão lho e da-feira pretos com i-lhada
com preto dendê e
format cemité-
o rio
fálico

OGUM

Orixá da guerra e do fogo. Conhecido também como ferreiro é uma espécie de herói
civilizador africano à medida que conhece os segredos da forja necessários para a
fabricação de instrumentos agrícolas e de guerra.
Mito – Ogum teria sido o filho do rei Odudua, fundador da cidade de Ifé (o principal
centro divulgador da cultura iorubana) e conquistador de vários reinos.

Símbolo Cores Dia da Animais Comi - Elemen Associação Local


sema- sacrificados da - to de
na mítico culto
26

Espada, Azul Terça- Cabrito e Feijoa - Terra Santo Estra-


enxada e escuro feira frango da e Antonio e da
pá verde inhame são Jorge
e assado
branco

OXÓSSI

Orixá da mata, caçador que retira desta seu sustento e o de sua tribo. Na África, era
cultuado pelas famílias reais da cidade de Kêto, da qual fora rei.

Mito – Oxóssi e Ogum aparecem como, irmãos, lembrando que também era função
dos caçadores combaterem os inimigos e, ainda, a importância dos instrumentos de
ferro forjado para a caça.

Símbolo Cores Dia da Animais Comi Elemen- Associação Local


sema- sacrificados da to mítico de
na culto

Ofá: Azul Quinta- Caça e porco Milho Terra São Jorge e Mata
arco-e- feira cozido São
flecha com Sebastião
de fatias
metal; de
eru: coco;
espanta frutas
mosca
de rabo
de
cavalo

OBALUAIÊ OU OMULU

Orixá das doenças, das epidemias, das varíolas e demais enfermidades contagiosas
e da pele.

Mito – Obaluaiê era muito mulherengo e não obedecia a nenhum mandamento que
fosse. Orunmilá advertiu-o que se abstivesse de sexo, o que ele não cumpriu. Na
manhã seguinte despertou com o corpo coberto de chagas e morreu em seguida.
27

Oxum daria a Olodumaré todo o mel que quisesse desde que ressuscitasse
Obaluaiê. Olodumare aceitou a condição de Oxum, e Obaluaiê saiu da terra vivo e
são.

Símbolo Cores Dia da Animais Comi- Elemen- Associação Local


sema- sacrificados da to mítico de
na culto

Zazará: Verme- Segun- Porco Pipoca Terra São Roque e Cemi-


cetro lho, da - com São Lazaro tério
feito de branco feira fatias
fibras e preto de coco
das
folhas do
dendezei
ro com
búzios

OXUMARÊ

Associado ao arco-íris veste-se com colares de búzios, que representam a riqueza


da qual é provedor.
Mito – Nasceu do ventre de sua mãe, Nanã, como menina, chamada Bessem, se
transformou em cobra. Por isso, em muitos terreiros de candomblé, pode ser
masculino e feminino, alternadamente.

Símbolo Cores Dia da Animais Comi - Elemen- Associação Local


sema- sacrificados da to mítico de
na culto

Espada Amare- Sába- Cabrito e Batata Água e São Poço


e cobra lo, do cabra cozido Bartolomeu
ar
de verde e e amas-
metal preto sada

OSSAIM
28

Divindade das folhas, ervas e medicamento feitos a partir delas. Seu domínio é o
mesmo de Oxóssi, a mata.

Mito – Conhecia todas as folhas, sabendo empregá-las na cura de doenças e outros


males. Um dia Ossaim resolveu partir pelo mundo. Por onde andava era aclamado
como o grande curandeiro.

Símbolo Cores Dia da Animais Comi - Elemen- Associação Local


sema- sacrificados da to mítico de
na culto

Lança e Verde Quinta- Caprinos e Milho Terra Santo Onofre Mata


três e feira aves machos cozido
cabe- branco e fêmeas tempe-
ças rado
conten- com
do as fumo;
folhas frutas
sagra-
das

XANGÔ

Rei de Oyó, uma das principais de língua ioruba, é o orixá do trovão. Xangô é
viril,violento e justiceiro. Castiga os mentirosos e os malfeitores.
Mito – Aparece como senhor dos raios e do trovão, aquele que solta fogo pela boca.
Uma casa atingida pelo raio é uma casa marcada pela cólera de Xangô. No seu
aspecto divino, permanece filho de Oranian, divinizado, porem, tendo Yamase como
mãe e três divindades como esposa: Oiá, Oxum e Oba.

Símbolo Cores Dia da- Animais Comi - Elemen- Associação Loca


sema- sacrificados da to mítico l de
na culto

Oxé: Verme- Quarta- Carneiro e Amalá: Fogo São Jerônimo Pe-


macha- lho, feira cágado quiabo e São Pedro drei-
do mar- com ra
duplo; rom e fatias
Xere: branco cozido
29

choca- no
lho de dendê
metal com
cama-
rão
seco

OXUM

Divindade da água doce dos lagos, fontes e cachoeiras e dos metais preciosos. Na
África esta relacionada com a fertilidade das mulheres e com a riqueza dela
decorrente, já que é pela procriação que se garante a continuidade das famílias e a
subsistência das comunidades.

Mito – Oxum era filha de Orunmilá. Um dia casou-se com Xangô, indo viver em seu
palácio. A rainha vivia preocupada com suas jóias e caprichos, aborrecido, Xangô
mandou prendê-la numa torre. Exu, que se transforma no que quer, chegou ao alto
da torre e soprou o pó sobre Oxum que, no mesmo instante, transformou-se num
lindo pombo chamado Adabá, ganhando a liberdade e voltando à casa paterna.

Símbo- Cores Dia da Animais Comida Elemen Associação Local


lo sema- sacrifica- -to de culto
na dos mítico

Abebê: Amare- Saba- Cabra e Omolucum: Água Nossa Rios,


leque lo ou do galinha purê de Senhora lagos e
doce
de doura- feijão fradi- das cacho-
metal do com nho enfeita- Candeias, eiras
amare- um do com
lo e pouco cinco ovos Nossa
espada de azul cozidos Senhora da
Conceição,

Nossa
Senhora
Aparecida

LOGUNEDÉ
30

Orixá da caça, filho de Oxóssi com Oxum. E cultuado como “meji” ou “meta-metá”,
pois seis meses vive no domínio de sua mãe, as águas e seis meses vive no reino
do seu pai, as matas.
Mito – Logunedé era filho de Oxum e Oxossi. Foi criado por Oiá na beira do rio.
Logun, afeiçoado pela mãe, vez por outra ia ao palácio onde Oxum vivia. Logun
vestia-se de mulher, pois Xangô era ciumento e não permitia a entrada de homens
em sua morada.

Símbo- Cores Dia da Animais Comida Elemen- Local


lo sema- sacrifica- to mítico Associação
na dos de
culto

Ofá: Dourado Quinta- Casal de Milho Água e São Rios e


arco e e azul feira cabritos e cozido Miguel flores-
terra
flecha turque- aves Arcanjo tas
de sa
metal;

Abebê:
leque
de
metal
amare-
lo

IANSÃ OU OYÁ

Deusa dos ventos, raios e tempestades, domínio que divide com seu marido Xangô.
Dona dos espíritos dos mortos.
Mito – Preparou roupas especiais para vestir os mortos (chamados egungum), que
assim poderiam voltar a Terra e falar com os seus descendentes.

Símbo Cores Dia da Animais Comi- Elemen- Associação Local


-lo sema- sacrificados da to mítico de
na culto
31

Eru: Marrom, Quarta Cabra e Acarajé Ar, água Santa Cemi-


espan vermelho - feira galinha Barbara tério
e fogo
- ta escuro
mosca ou
e branco
espa-
da

OBÁ

Orixá dos rios e guerreira foi à terceira mulher de Xangô.


Mito – Obá e Oxum são rivais na disputa pela atenção do marido comum (Xangô).
Oxum como exímia cozinheira, finge preparar um prato feito com a própria orelha
para ofertar a Xangô. Obá, instruída por Oxum e acreditando que o marido apreciava
aquele manjar, corta a própria orelha para lhe servir. Descoberta a mentira, Obá
investe contra a rival. Xangô, enfurecido com o episódio, atira-se sobre as duas,
que, ao fugir, se transformam em rios.

Símbo Cores Dia da Animais Comi- Elemen- Associação Local


-lo sema- sacrificados da to mítico de culto
na

Espa- Verme- Quarta- Cabra e Omele- Água Santa Joana Cacho-


da e lho e feira galinha te com D’arc eira
escu- dourado quiabo
do
circu-
lar

NANÂ

Orixá da lama do fundo das águas. É considerada divindade anciã. Seu domínio é o
barro, ou a terra umedecida pela água.
Mito – Umedeceu a água que serviu de matéria-prima com a qual Oxalá criou os
homens.
32

Símbolo Cores Dia da Animais Comida Elemen- Associa- Local


semana sacrifica- to mítico ção de culto
dos

Ibiri: Púrpura, Segun- Cabra e Mingau Água Santa Lama


cetro em azul e da-feira capivara de Ana
forma de branco farinha
arco, de de
folhas de mandio-
fibras do ca
dende-
zeiro
com
búzios

IEMANJÁ

Divindade das águas, tida como a mãe de todos os outros orixás, com a exceção de
Oxalá, Exu e Nanã, pois eles vieram primeiro.
Mito – ela é filha de Olokum, uma divindade que reina no mar. Ela casou com
Orunmilá e depois com Olofin, esses dois são divindades ligadas a uma espécie de
mundo divino anterior ao habitado pelos homens. Ela teve dez filhos, entre ele
Oxumarê e Xangô.

Símbo- Cores Dia da Animais Comida Elemen- Associação Local


lo semana sacrificado to mítico de culto
s

Abano Azul Sábado Pata, Arroz Água Nossa Mar e


de claro, cabra, coberto Senhora da praia
metal branco ovelha e com Conceição
branco e verde peixe clara
e claro batida,
espada canjica e
peixe
assado

OXAGUIÃ (OXALÁ JOVEM)


33

Orixá da criação, criação da cultura material.

Mito – Oxalá foi designado por Olodumare (O Ser Supremo) para criar todo o
mundo, tendo para isso recebido o “saco da criação” e o poder de realização (axé).
Esqueceu-se de fazer as oferendas a Exu, que resolveu se vingar provocando-lhe
uma enorme sede. Desesperado ele se embriaga com o vinho de palmeira e
adormece. Olodumare, ao saber do ocorrido, envia o segundo deus criado depois de
Oxalá, para substituir o orixá embriagado. Ododua espalha, então, a substância do
saco sobre a superfície da água ate formar um monte onde coloca uma galinha, que
ciscando vai espalhando continuamente a terra até cobrir a superfície das águas.
Neste momento surgiu a cidade de Ifé, centro da religião ioruba. Como consolo,
coube a Oxalá modelar com o barro o corpo dos homens sobre o qual Olodumaré
soprou para dar-lhes a vida.

Símbo- Cores Dia da Animais Comida Elemen- Associa- Local


lo semana sacrifica- to mítico ção de
dos culto

Mão de Branco Sexta-feira Caracol Inhame Ar Jesus Todos


pilão com um pilado e menino os
prata mínimo canjica luga-
ou de azul res
branca real
e
espada

OXALUFÃ (OXALÁ VELHO)

Orixá da criação, criação da humanidade.


Mito – O velho Oxalá resolveu visitar seu amigo Xangô, rei de Oyó. Após longa
jornada, ao entrar na cidade, encontrou perdido o cavalo de Xangô. Tentando
amansá-lo, foi visto pelos soldados do rei, que logo o tomaram por ladrão. Oxalá foi
atirado na prisão e lá ficou por sete anos. Durante esse período grandes catástrofes
acometeram o reino de Oyó: seca, epidemias, e esterilidade das mulheres. Xangô
consultou o adivinho e ficou sabendo da prisão injusta de seu amigo Oxalá. Como
34

forma de desculpar-se ordenou que todos de seu reino vestissem roupas brancas e
buscassem água três vezes seguida para banhar Oxalá.

Símbolo Cores Dia da Animais Comida Elemen Associa- Local


semana sacrifica- - to ção de culto
dos mítico

Opaxorô: Bran- Sexta- Caracol Canjica, Ar Jesus Todos


cajado co feira arroz com (crucifica- os luga-
prateado mel, do ou res
com inhame redentor)
pingentes pilado
represen-
tando a
criação do
mundo

EUÁ

Orixá das fontes.

Mito – Euá, filha de Obatalá e Nanã, vivia em seu castelo como se estivesse numa
clausura. O amor de Obatalá por ela era muito estranho. A fama da beleza e da
castidade da princesa chegou a todas as partes, inclusive ao reino de Xangô.
Mulherengo como era Xangô planejou como iria seduzir Euá. Empregou-se como
jardineiro no palácio de Obatalá. Um dia Euá apareceu na janela e admirou-se de
Xangô. Nunca havia visto um homem como aquele. Não se tem notícia de como Euá
se entregou a Xangô, no entanto, arrependida de seu ato, pediu ao pai que lhe
enviasse a um lugar onde nenhum homem lhe enxergasse. Obatalá deu-lhe o reino
dos mortos. Desde então é Euá quem, no cemitério, entrega a Oiá os cadáveres que
Obaluaiê conduz para que Orixá-Okô os coma.

Símbo- Cores Dia da Animais Comida Elemen- Associa- Local


lo sema- sacrificados to mitico ção de culto
na
35

Espada Verme - Sábado Cabra e Feijão Água Santa Cemité-


e lho galinha com Lúcia rio
choca- ovos
lho de cozidos
matéria
vegetal

2.3 A PERSONALIDADE DO ORIXÁ DEFINE O COMPORTAMENTO DO FIEL

O fiel iniciado que recebe o orixá adquiri a personalidade dele, seu comportamento e
atitudes são relacionados com as da sua divindade, servindo como padrão de
conduta pra o seu dia-a-dia. Por isso faz-se necessário as oferenda e obrigações
que colocam o adepto sempre em contato com o seu orixá que o orientará e
protegerá.

Em um estudo sobre “O Estereótipo da Personalidade no Candomblé Nagô”, Lépine


mostra como a personalidade do orixá serve de parâmetro para julgar o
comportamento dos filhos-de-santo já que os seus devotos os reproduzem na vida
religiosa e social. Com base em Lépine, descreveremos alguns atributos que o
iniciado tem em comum com sua divindade.

Seus filhos são de constituição frágil, sendo marcadas por algum


defeito de nascença. Delicado, friorento, com saúde delicada, vida
Oxalá
sexual moderada, tranqüilo, odeia confusão. É generoso, tolerante,
paternal e hospitaleiro.

A mulher do tipo dessa divindade costuma ser alta e robusta, grande, seios e
ancas fartas. É calma, sincera, digna, vaidosa e sensual; mãe esmerosa, mas
Iemanjá
é muito ciumenta e possessiva.
36

As suas filhas são delicadas, graciosas, bonitas. Por ser meiga usa da sedução
para par atrair os homens. São emotivas, instáveis, alguma são ingênuas,
Oxum
outras preguiçosa chegando às vezes ser indecisas e mais dependentes.

É casta, devota, tímida, tem medo dos homens. Sem graciosidade, tem
dificuldades na sexualidade e no amor por falta de habilidade social e por ser
Euá
agressiva.

Nanã Mulher sem idade definida, desprovida de beleza e vaidade, mas com grande
resistência física. É praticamente assexuada, muito eficiente no trabalho. São
zeladoras dos bons costumes, mas são intolerantes e ranzinzas e reclamam de
tudo e de todos.

Seus filhos são belos, nervosos, originais. O tipo Oxumarée dinâmico,


inteligente, irônico e maledicente. É um sujeito esperto e que sabe ser
Oxumaré
generoso, e aprecia a arte. Acredita-se que alguns de seus filhos
possivelmente são homossexuais, o que não é verdade, porque Oxumaré é
uma divindade bissexual.
37

Esse tipo é baixo e gordo, leva marcas de alguma doença, é rústico e


desajeitado. Não tem postura diante a sociedade, e frustrado e reprimido que o
Omolu
torna amargo e vingativo. Luta com obstinação e não aceita as mudanças com
ou
facilidade. Seu relacionamento social é difícil, é agressivo chegando a ser
Obaluaiê
cruel.

Representa um tipo de mulher invejosa, dominadora, tagarela, ninfomaníaca e


hipócrita.
Odudua

Tem tendência para a obesidade, é sensual, conquistador, um marido infiel,


muito ciumento e vingativo. Tem qualidades de liderança, dizem que teme a
Xangô
morte por amar demais a vida. Uns são militares, outros intelectuais e filósofos.

São mulheres cheias de energia, dinâmicas. Tem intensa vida sexual, gosta de
cores vibrantes, são ciumentas e não perdoam uma traição. Orgulhosas e
Iansã
quando apaixonadas se dedicam totalmente ao seu homem.

Robusto e cheio de contradições. Gosta dos prazeres da vida, é animado e


inteligente. Quando está embriagado é desagradável e sujo e gosta de fiscalizar
Exu
a vida alheia. É prestativo e ótimo amigo, mulherengo e amante fervoroso.
38

Oxóssi É atraente e amoroso, muito observador. Seu temperamento é introvertido e


discreto. Fascina tanto as mulheres, quanto alguns homens, e alguns Oxóssi
são afeminados.

Pode ser masculino ou feminino, é bonito e orgulhoso de sua beleza e de seu


corpo. Bem humorado, tem um bom relacionamento social, sendo muito
Logunedé
educado

Tem saúde frágil, e com a idade pode torna-se deficiente. É propenso a


homossexualidade, é sonhador. Ligado aos estudos, são geralmente cientistas,
Ossâim
pesquisadores, médicos. São generosos, gostam de preservar a sua liberdade,
desprendidos dos bens materiais.

Os filhos de Ogum são sujeitos vigorosos, cheio de saúde e corpo esbelto.


Gostam de boa comida e de beber, extrovertidos, emotivos e impacientes. São
impulsivos, se irritam facilmente sendo considerados desagradáveis e
Ogum antipáticos. O tipo Ogum é ativo, trabalhador eficiente, empreendedor.
Essencialmente viril, mas não tem um conceito muito alto por parte das
mulheres, sendo um marido bruto e insensível. Dedicam-se a ofícios
mecânicos.
39

Neste capitulo podemos conhecer um pouco os ritos do candomblé na Bahia. Esse


grupo que não é bem visto pela sociedade, tem vários preceitos que regem a sua
religião e primam pela organização para que tudo corra em consonância entre eles e
os seres ao qual estão ligados.

Para ser feito no santo o iniciado passa por vários ritos aonde vão adquirindo
conhecimento e experiência até estar pronto para desempenhar seu papel de filho-
de-santo. À medida que vai se preparando espiritualmente o iniciado precisa dispor
de recursos financeiros para arcar com os custos necessários que os rituais exigem.

Os orixás se mostram de várias formas para seus filhos e estão ligados a natureza
trazendo para o seu adepto a configuração de sua imagem que deve ser bem
identificada por eles, pois é através da representação dos mesmos que o fiel irá se
relacionar prestando suas oferendas e sendo do influenciados pelos seu orixás.

No próximo capítulo veremos como o candomblé esta inserido no contexto local e de


que forma os meus colaboradores se relacionam com suas entidades, o que
representa esse contato na vida dessas pessoas que entrevistei e como se dá a
conexão entre eles e a comunidade local.
40

3 O CANDOMBLÉ EM TEIXEIRA DE FREITAS

3.1 QUAL A VISÃO QUE OS FILHOS DE SANTO TEM DA SUA REGIÃO

A cidade de Teixeira de Freitas, situada no extremo sul da Bahia, tem um


desenvolvimento político recente, pois foi emancipada em 1985. Apesar do pouco
tempo de sua formação, com certeza já existe nela uma memória local constituída
mesmo antes desta emancipação.

Sendo esta cidade formada basicamente por pessoas oriundas de outras regiões e
por sua proximidade com a BR 101, que facilita o fluxo migratório de pessoas que
chegam e que saem, que se estabelecem aqui ou não, ela é considerada por
algumas pessoas como uma cidades sem identidade. Mas onde há ser humano há
História e memória. E é em busca desta memória que nos propomos a conhecer
como a religião afro, em especial o candomblé, está inserida neste contexto local.

O centro de candomblé Ilé Amonirá Axé Aláketò, cujo significado é “Casa da


liberdade de uma força de aláketò”, situada na Rua Samuel Mosar, 64, no bairro
Santa Rita, atua na cidade há 21 anos. Ela foi aberta em 1989 pelo babalorixá
Jenilton, que o comanda até os dias atuais.

Para manter viva a memória do barracão ele cataloga todas as fotografias dos
eventos que acontece no local, já que segundo ele “no candomblé não é permitido
divulgação dos seus conhecimentos através de filmagens”. Essas fotos são só das
festas, pois os fundamentos da religião são passados em particular e com todo sigilo
para o iniciado.

Pertencer a “nação” Keto é motivo de orgulho para ele, pois o coloca em ligação
com a sua matriz africana alaketó que deriva de uma cidade em África chamada
Keto. Percebe-se na conversa com o pai-de-santo Jenilton o orgulho em fazer parte
dessa cultura religiosa que é considerada por ele como a mais tradicional, a mais
pura. Ou seja, aquela que busca manter a maior fidelidade possível com os ritos
praticados em África. Em uma das suas falas ele coloca que “esta é a única casa de
41

candomblé tradicional da cidade, as outras são de umbanda ou espiritismo, não tem


raiz em África”.

Esse depoimento vem a casar com o que diz Silva “candomblé é considerado pelos
seus participantes como mais puro ou superior aos demais porque nele teria sido
preservada a amor fidelidade às origens africanas”. (BARCELLOS, 2005, p. 30-31)

Se pensarmos nas adaptações e mudanças que esses cultos sofreram ao longo dos
tempos por necessidade de manter as suas raízes vivas é difícil compreender que
elas sejam tão puras assim como os seus fiéis acreditam, pois como foi ressaltado
no primeiro capitulo, ela recebeu influência de vários grupos étnicos tanto em África
quanto aqui no Brasil e não só da nação Keto.

Mesmo que se utilize de algumas práticas semelhantes as que são aplicadas em


África, vimos que para adaptar-se ao Brasil foi necessário mudar a forma de culto ao
orixá, que em nossa terra se resumiu ao terreiro ou barracão como eles chamam,
reunindo as divindades em um panteão de deuses e que muitos que existiam em
África não sobreviveram à nova terra, a prova disso é que o numero de divindades
aqui no Brasil é bem inferior ao que havia no continente africano.

Os entrevistados já são iniciados, participam a um bom tempo do candomblé e


exerce funções imprescindíveis para manter o culto nesse local. Eles conhecem os
fundamentos da religião e buscam efetivar suas funções com a maior
responsabilidade e dedicação porque isso faz parte da vida deles e é fundamental
para que tenha uma boa relação com o seu orixá e é a através da dimensão
espiritual que eles obtêm paz e tranqüilidade na vida.

Três dos entrevistados foram para o candomblé por vontade própria, entre estes há
um jovem de dezessete anos que disse que já nasceu dentro do candomblé e nunca
pensou em sair porque viu o quanto o candomblé era importante na vida das
pessoas. O jovem de 25 anos disse que foi levado ao candomblé por problemas
espirituais, por isso ele fez o santo.

Eles não podem fazer referência de quando foram iniciados, só nos informa qual é o
seu orixá. O segredo iniciático deve ser bem guardado, para conhecer é preciso
42

fazer o santo como eles dizem, ou seja, passar pelos ritos que levam ao
conhecimento sagrado.

Outro fato identificado e que me deixou surpresa foi que todos se dizem católicos
mesmo participando há vários anos do candomblé, ou seja, eles não a identificam
como religião. Prandi atribui essa atitude a perseguição que a religião afro-brasileira
vem sofrendo desde o início de sua formação aqui no Brasil. Ele coloca que:

Até recentemente essas religiões eram proibidas e por isso duramente


perseguida por órgãos oficiais. Continuam a sofrer agressões, hoje menos
da policia e mais de seus rivais pentecostais e seguem sob forte
preconceito, o mesmo preconceito que se volta contra os negros
independentemente de religião. Por tudo isso, é muito comum, mesmo
atualmente, quando a liberdade de escolha religiosa já faz parte da vida
brasileira, muitos seguidores das religiões afro-brasilleiras ainda se
declarem católicos, embora sempre haja uma boa parte que declara seguir
a religião afro-brasileira que de fato professa. (PRANDI, 2003, p. 16)

Ele acrescenta também que essa atitude de auto denominar-se católico esta
relacionada à região, é uma característica local. A meu ver Teixeira de Freitas não é
uma região que as pessoas estejam abertas a compreender e aceitar o candomblé,
é uma questão cultural da nossa sociedade.

Vivemos em uma comunidade onde ainda permeia as velhas idéias e os conceitos


cristãos ainda dominam, aprova disso é a predominância da religião católica e a
expansão de igrejas evangélicas, que no momento é uma das pregadoras mais
atuantes contra o candomblé.

Em suma, os meus colaboradores buscam manter acessa a chama da matriz


africana mesmo que não conheçam a fundo suas raízes, pois para eles o encontro
com as suas divindades os proporciona paz, alegria e tranqüilidade.

3.2 A RELAÇÃO ORIXÁ FILHO-DE-SANTO

No segundo capítulo, vimos como os orixás se relacionam com seus filhos aqui na
terra a partir de conhecimentos teóricos. Pudemos entender toda relação familiar
43

que os envolve e como a divindade está ligada a personalidade da pessoa que o


recebe e determina ou induz o seu comportamento.
As pessoas que entrevistei têm uma relação íntima com a sua entidade, elas fazem
os sacrifícios e oferendas para mantê-los satisfeitos e garantir a proteção que
necessitam. Elas relataram que para entrar em sintonia com seus orixás é preciso
todos os dias seguir um ritual: “levanta em jeju, bate a cabeça no chão para ter
contato com a terra, tudo vem do chão. Conversa com o orixá como se fosse uma
pessoa, pois ele já mora na nossa vida. É preciso respeitar as regras que ele exige
ter atitudes de acordo com o orixá. Tem um dia da semana que é especial. Para
manter a energia tem que tomar banho com as folhas dele e passar o dia em casa
se guardando para o orixá”.

Em relação a essa intimidade Lépine afirma que “o adepto estabelece uma relação
íntima com o seu orixá pessoal, que corresponde a um dos tipos culturalmente
definidos da personalidade, com o qual ele passa a identificar-se”. (Lépine, 2000, p.
60)

As pessoas entrevistadas reconhecem a influência que recebem de suas divindades


e afirmam que eles não interferem na sua vida, mas percebe-se que eles as
direcionam, identifica-se isso quando analisamos a fala deles “já mora na nossa
vida”. Elas demonstram um enorme prazer e alegria ao falar do candomblé e
principalmente da entidade ao qual está ligado e isso faz com que quem esta
ouvindo sinta a vibração e a energia que esse devoto recebe do seu orixá.

Todos os dias quem é feito no santo entra em contato com sua entidade, mas há
determinados momentos que comunicação com o orixá se dá através dos búzios,
para qualquer ato, decisão ou orientação é feita a consulta ao santo que é mediada
pelo pai-de-santo, e a partir das respostas é que serão tomadas as providências
orientadas pelos orixás, que também pode prever acontecimentos desagradáveis no
futuro da pessoa.

O orixá orienta e ajuda seu filho a alcançar seus objetivos, definidos de


acordo com os ideais da classe a qual pertence. Nada se faz sem consultar
o santo: negócios, viagens, mudanças, visitas, casamentos, etc. (Lépine,
2000, p. 160)
44

Para freqüentar o centro não é necessário fazer o santo, é possível participar, fazer
o jogo de búzios para identificar seu orixá, ser devoto e cumprir as obrigações com o
santo sem ser iniciado. O processo de iniciação se estende a quem deseja fazer
parte do corpo de sacerdotes do candomblé. Perguntei ao pai-de-santo Jenilton qual
é o numero de adeptos que freqüentam o centro, mas ele disse que não sabe
exatamente porque são muitos, mas nos dias de cultos ou festas não é possível o
encontro de todos, pois existem pessoas em várias localidades e até no exterior.
Eles vão aparecendo de acordo à ocasião da festa e conforme a necessidade de
orientação. Em relação às festas, seguem um calendário litúrgico que determina o
mês e data das festas.

A função do babalorixá segundo o Sr. Jenilton é a de zelar pelos orixás, zelar pelos
fiéis e orienta-los. Consultar através dos búzios para saber se o problema a ser
resolvido é com o orixá, se estiver tudo bem entre a pessoa e o orixá o mesmo
indicará a quem procurar para resolver o problema. Ex: se problema não for de
ordem espiritual, ele indicará que procure um médico ou outro especialista que
possa resolver.

Ele se coloca como orientador dos que o procuram, pois segundo ele “a sua função
não é separar os casais ou fazer mal as pessoas e sim ajudá-las”, e acrescenta, “o
orixá não aceita quem faz mal, busca é prosperar a vida da pessoa”.

Ao contrário do que o senso comum pensa a casa de candomblé é completamente


organizada e tem uma forte hierarquia, pois para que tudo funcione bem é preciso
que cada um desempenhe bem a função que lhe foi designada. O pai-de-santo é
quem comandada e decide tudo, mas ele conta com colaboradores de confiança que
é escolhido pelo orixá reinante da casa. As pessoas que tive a oportunidade de
entrevistar tem cargos de confiança dentro do centro pesquisado e isso lhe atribui
respeito perante a sociedade religiosa a qual participa. As funções dos meus
colaboradores estão relacionadas abaixo:

São os segundos na hierarquia da casa-de-santo, os que substituem o pai


ou a mãe-de-santo. Assim como o babalorixá eles têm a função de
Babakekerê
orientar, mostrar o melhor caminho para o filho de santo. Só podem
45

Ou Yakekerê assumir essa função quem é feito no santo há no mínimo sete anos.

Cargo essencialmente masculino, ele deve cuidar dos animais a serem


sacrificados e ele mesmo deve matá-los e separar os miúdos (axé) e o
Axogum
couro que também é utilizado nos sacrifícios. Para se tornar um axogum é
preciso receber “mão-de-faca”

É um cargo particularmente feminino, ela cuida do preparo da comida do


santo, é a cozinheira do axé. O requisito para o cargo é que seja feita no
Yabessê
santo e receba a autorização do zelador.

Existem várias funções dentro do terreiro e cada uma tem sua importância, pois é
imprescindível que todos desempenhem sua tarefa para o bom andamento da casa.
Aqueles que já tenham feito o santo, mas encontra dificuldades em realizar sua
tarefa será acompanhado por alguém mais velho até estar totalmente preparado
para assumir suas funções com segurança. Podemos perceber também que há
cargos definidos para o sexo masculino e para o feminino, mas também existem
cargos que podem ser realizados por qualquer um dos sexos.

Para quem não conhece e acreditava que era algo de badernas e desordem, pude
comprovar que existe um aparato bem montado e definido que coloca o candomblé
em ponto de igualdade em relação às outras religiões nas questões da fé,
organização e hierarquia.
46

3.3 O CONVÍVIO COM A SOCIEDADE LOCAL

De acordo com o babalorixá Jenilton a relação com a vizinhança é tranqüila, pois ele
não a incomoda e nem é incomodado por ela. O que se percebe na fala dele é que
não esta nem um pouco preocupado em ser aceito pelos outros, ele tem convicção
de sua religião e não vai fazer diferença o que o outro pensa.

Nos dias de festa fazem sua batucada, mas como essas festas não acontecem
todos os dias, só em ocasiões especiais, nunca recebeu reclamação em relação ao
barulho. Ao ser perguntado se já participou de festas junto com a igreja católica, ele
respondeu que não, pois na cidade as pessoas não estão preparadas para isso e
quanto ao preconceito, ele diz: “As pessoas é que se incomodam, que tem a
preocupação com eles, enquanto isso nos não discriminamos ninguém, qualquer um
que chegar a nossa porta é bem recebido independente de religião, conduta ou
posição social”.

Essa fala do Sr. Jenilton me remete a Prandi, que diz:

O candomblé não distingue entre o bem e o mal do modo como


aprendemos com o cristianismo, ele tende a atrair também toda sorte de
indivíduos que tem sido socialmente marcados e marginalizados por outras
instituições religiosas ou não-religiosas. (1996, p. 182)

Nas festas chamadas de sincréticas que costumamos ver acontecer na cidade de


Salvador e isso acontece hoje porque já houve muita resistência e luta por parte do
candomblecistas e dos afro-descendentes contra a perseguição a que vinham
sofrendo desde os tempos da colônia. Em salvador houve o fato de alguns
estudiosos darem o ponta-pé no estudo da religião afro o que contribuiu para
disseminar o conhecimento sobre tal religião a partir do século XIX.

Em Teixeira de Freitas o estudo sobre o candomblé esta engatinhando. Espera-se


que as pessoas possam conhecer e respeitar essa religião que faz parte da nossa
sociedade há tanto tempo e ainda vive marginalizada.
47

Quanto à relação dos outros entrevistados com a sociedade fora do candomblé é


tranqüila segundo eles, que foram bem sucintos na resposta. Convivem muito bem
com os não-adeptos do candomblé, até porque procuram se relacionar com pessoas
que tem bastante afinidade. Vale lembrar que meus colaboradores não exercem
nenhuma atividade fora do centro de candomblé, são pessoas que não tem um
emprego no meio social, extra religioso.

Falar com essas pessoas sobre a relação deles como candomblecistas e a


sociedade local, foi complicado porque eles não se abriram muito sobre isso. A
análise que faço sobre esta questão é que eles fazem a política de boa vizinhança
para que não perturbem e principalmente não sejam perturbados. Diante do silêncio
deles sobre isso dá para sentir que a discriminação é muito forte e latente por parte
da sociedade local.
48

CONSIDERAÇOES FINAIS

Conhecer as religiões afro-brasileiras é buscar compreender um universo bastante


complexo e surpreendente aos nossos olhos, principalmente porque o que
achávamos que sabíamos sobre esse tema até o momento era errôneo e
supersticioso. É difícil falar em conclusão de um trabalho quando se sabe que ele da
margem a novas pesquisas e há inúmeras possibilidades dentro desse mundo da
religião afro-brasileira.

Vivendo em uma sociedade em que o preconceito é latente, desenvolver um


trabalho como este é um desafio, as pessoas se dizem mais modernas, mas dentro
de si guardam resquícios das imposições e conveniências de outrora.

Para desenvolver essa pesquisa foi preciso superar algumas barreiras que estavam
dentro de mim. O trabalho do pesquisador histórico é diferenciado, pois quando
escolhe um objeto ele se despe de qualquer preconceito e com isso consegue
analisar o foco da sua pesquisa sem fazer juízo de valor, Bloch afirma “que é
fundamental criar uma distinção entre o historiador e o juiz, porque não é função da
pesquisa histórica julgar o passado, mas sim compreendê-lo”. Foi com esse olhar
que consegui efetivar nossa pesquisa em um local que entra em choque com os
nossos conceitos, mas que nos faz perceber que é preciso conhecer e analisar o
que nos é diferente para que possamos respeitar mesmo quando não
compreendemos.

O contato que tive com os meus colaboradores me fez compreender melhor como
se da o relacionamento dos mesmos com suas entidades, o que os teóricos
escreveram pude comprovar na fala de quem é feito no santo e sabe muito bem o
significado disso na sua vida. No imaginário popular acredita-se que o orixá desce
de qualquer forma em qualquer lugar e em qualquer pessoa, mas está longe da
verdade, pois quando a entidade vem a terra ele sabe que há alguém a sua espera e
que tem relações bem estreitas com ele.

O estudo sobre a religião afro-brasileira já vem sendo feito desde o século XIX, mas
é preciso que seja mais divulgado nas regiões do interior, tal como Teixeira de
Freitas para que se possa conhecer melhor e diminuir a descriminação em relação à
49

mesma e a seus adeptos. Pois, enquanto religião, ela tem os mesmos preceitos que
as dominantes, que são a fé, organização e hierarquia.

Este estudo é de grande relevância para a sociedade local e para os fiéis do


candomblé, pois abre um espaço para que a sociedade passe a conhecer melhor
essa religião diminuindo assim o preconceito em relação à mesma. Nesse sentido
faz-se necessário que o conhecimento produzido com essa pesquisa possa ficar
acessível às pessoas das comunidades acadêmica e local. Que a partir dela, sujam
oportunidades de desenvolver projetos sobre o tema nas escolas onde é um espaço
próprio para as discussões em relação a mudanças de atitudes e pensamentos.
50

REFERÊNCIAS

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http://www.ba.gov.br/arquivos/constituição. Acesso em 13/09/2009.

Barcellos, Mário César. Os orixás e o segredo da vida: lógica, mitologia e


ecologia / Mário César Barcellos. 4 ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2005.

Bloch, Marc Leopold Benjamin. 1886-1944. Apologia da história, ou, oficio do


historiador / Marc Bloch; prefácio, Jacques Le Goff; apresentação a edição
brasileira, Lilia Moritz Schwarcz; tradução. André Talles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2001.

Bourdieu, Pierre. 1930-2002. A economia das trocas simbólicas / Pierre Bourdieu:


introdução, organização e seleção Sérgio Miceli. 5 ed. – São Paulo: Perspectiva,
2004. – (coleção estudos; 20/ dirigida por J. Guinsburg).

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil: promulgada em 05 de


outubro de 1988. Obra da autoria de editora Atlas com a colaboração de Alexandre
de Moraes. 29 ed. Atual e ampliada. São Paulo. Atlas 2008.

BRASIL. Decreto Presidencial 6.040/2007. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm. Acesso
em 20/07/2009.

Lépine. Claude. Os estereótipos das personalidades no candomblé Nagô. In:


Moura, Carlos Eugenio Marcondes de (org). Candomblé: religião do corpo e da
alma: tipos psicológicos nas religiões afro-brasileiras/ organização de Carlos
Eugenio Marcondes de Moura. Rio de Janeiro. Pallas, 2000.

Lima, Fábio Batista. Os candomblés da Bahia: tradições e novas tradições.


Salvador: Universidade do Estado da Bahia, 2005.

Lima, Vivaldo da Costa. O conceito de “Nação” nos candomblés da Bahia.


Departamento de Antropologia F.F.C.H. Universidade Federal da Bahia. In: Afroásia,
nº 12, p. 65.

Prado Junior, Caio. 1907-1990. A formação do Brasil contemporâneo: colônia/


Caio Prado Junior. São Paulo: Brasiliense, 2004.

Prandi, Reginaldo. As religiões afro-brasileiras e seus seguidores. In: Civitas –


Revista de Ciências Sociais, v. 3, nº 01, junho de 2003.
51

_____________Segredos Guardados: orixás na alma brasileira. Ed. Companhia


das Letras, 2005.

_____________Deuses africanos no Brasil contemporâneo. In: Reginaldo Prandi.


Segredos guardados: Orixás na Alma Brasileira. Companhia das Letras, 2005.

_____________O Candomblé e o Tempo: concepção de tempo, saber e


autoridade da África para as religiões afro-brasileiras. In: Revista Brasileira de
Ciências Sociais - RBCS, nº 47, outubro de 2001.

Silva, Vagner Gonçalves. Terreiros de candomblé. In: Revista História Viva


Grandes Religiões – Cultos Afros a Segregação do Sincretismo. Ed 6. Duetto.

Soares, Cecília Moura. Resistência negra e religião: a repressão ao candomblé


de Paramerim, 1853. In: Estudos Afro-Asiáticos (23): 133-142; dezembro de 1992.

Verger, Pierre Fatumbi. Orixás. Salvador: Corrupio, 1981.


52

APÊNDICE – Questionário de pesquisa de campo

1. Data de preenchimento do questionário ___/___/___

2. Município____________________

3. Estado ______________________

4. Nome:_____________________________________________________

5. Gênero: ( ) Masculino ( ) Feminino

6. Qual a sua idade?_______

7. Qual a sua Religião?_________________________

8. A dimensão espiritual é importante na sua vida?______ Por


quê?__________________________________________________________
______________________________________________________________
_____

9. Considera-se pertencente a essa religião: Porque foi batizado/a( ) Por opção


própria( ) Por outro motivo( )

Qual?_________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
_______

10. Qual o nome do grupo que você


freqüenta?_____________________________________________________
53

11. Há quanto tempo está freqüentando este


grupo?________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________

12. Quando foi iniciado e qual o seu


orixá?_________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________

13. Que tipo de atividade você participa neste


grupo?________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________

14. A que “Nação” de candomblé você faz parte? O que isso significa na sua
vida?__________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________

15. O que os Orixás representam para


você?_________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
54

16. De que forma você se relaciona com os


Orixás?________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________

17. Os Orixás interferem na sua vida? ( )Sim ( )Não. Se a resposta for sim,
Como?________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________

18. O que significa o candomblé para


você?_________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________

19. Ser do candomblé interfere na sua relação com pessoas que não são dessa
religião?_______________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________
______________________________________________________________

MUITO OBRIGADA PELA SUA COLABORAÇÃO!!!!


55

ANEXO – fotos de festas no centro Ilé Amnirá Alaketó

Fotos cedidas pelo babalorixá Jenilton

FIGURA 1. Iniciação do babalorixá Jenilton (1979)


56

FIGURA 2. Babalorixá Jenilton com seu orixá Oxum e acompanhado do seu pai-de-santo Rômulo
57

FIGURA 3. Orixá Yemanjá - obrigação de sete anos


58

FIGURA 4. Orixá Euá - serpente fêmea


59

FIGURA 5. Ialorixá com rum de Oxalufan


60

FIGURA 6. Festa de Imbeji - caruru de Cosme e Damião

FIGURA 7. Yalorixá fazendo jogo de búzios


61

FIGURA 8. Rum de Yemanjá

FIGURA 9. Filhas-de-santo e o babalorixá Jenilton


62

FIGURA 10. Formatura de obrigação de sete anos.

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