Você está na página 1de 6

Introdução

O romance realista apresenta características temáticas influenciadas pelo cientificismo da


época, nomeadamente a crítica social que espelha determinados defeitos humanos que
até então não eram revelados, como o materialismo, a traição, a corrupção, para além de
defeitos de carácter e de personalidade, objecto de explicação e de análise determinista.
O subtítulo do romance – Episódios da vida romântica – aponta para a pintura detalhada
de uma sociedade, com os seus vícios e aspectos menos edificantes, pintura que se
integra perfeitamente no ideário do romance naturalista, concretizado através da
abordagem de certos episódios da vida social e educação.
Relativamente aos episódios da vida social temos os exemplos de: o serão em Santa
Olávia, o episódio das corridas, o jantar do Conde Gouvarinho, a redacção (episódio
acerca da situação escandalosa do jorna A Tarde e A corneta do diabo, o passeio final, e o
jantar no Hotel Central, sendo sobre este último que iremos dar ênfase.
Temos por objectivos abordoar os seguintes aspectos: integração do episódio na estrutura
da obra; resumo do episódio; apresentação e caracterização dos intervenientes do
episodio (Carlos da Maia, Craft, Dâmaso Salcede, Jacob Cohen, João da Ega e Tomas de
Alencar); exposição dos principais temas tratados no jantar e identificação/esclarecimento
dos aspectos que criticam e retratam a sociedade lisboeta (portuguesa) da segunda
metade do séc.XIV.

O Jantar no Hotel Central


Durante o jantar, as conversas vão focar diversos aspectos da sociedade portuguesa:
atávico estado deplorável das finanças públicas, o eterno endividamento do país e a
consequente necessidade de reformas extremas e radicais, de que Ega é o defensor mais
convicto: “- Portugal não necessita reformas, Cohen, Portugal o que precisa é a invasão
espanhola (…) Sovados, humilhados, arrasados, escalavrados, tínhamos de fazer um
esforço desesperado para viver. (…) Sem monarquia, sem essa caterva de políticos, sem
esse toturio da inscrição, porque tudo desaparecia, estávamos novos em folha, limpos,
escarulados, como se nunca tivéssemos servido. E recomeçava-se uma história nova, um
outro Portugal, um Portugal sério e inteligente, forte e decente, estudando, pensando,
fazendo civilização, como outrora… Meninos, nada regenera uma nação como uma
medonha tareia… Oh! Deus de Ourique, manda-nos o Castelhano!” – Cap. VI.
O jantar é dominado pela contenda literário entre Ega e Alencar. Ega, defensor acérrimo
do naturalismo que o considerava como uma ciência (“A forma pura da arte naturalista
devia ser a monografia, o estudo seco de um tipo, de um vicio, de uma paixão, tal qual
como se se tratasse de um caso patológico sem pitoresco e sem estilo…”- Cap. VI)
Envolve-se em disputa verbal e física com Alencar, o protótipo de poeta ultra romântico.
Alencar cuja aspecto físico era o de um romântico (“…muito alto, todo abotoado numa
sobrecasaca preta, com uma face escaveirada, olhos encuvados, e sob o nariz aquilino,
longos, espeços, românticos bigodes grisalhos: já todo calvo na frente, os anéis fofos de
uma granja muito seca caiam-lhe inspiradamente sobre a gola: e em toda a sua pessoa
havia alguma coisa de antiquado, de artificial e de lugrube.”-Cap.VI) ataca ferozmente a
ideia nova, dirigindo o seu ódio contara o craveiro, o defensor da nova estética literária e
que se satirizara Alencar num já conhecido epigrama. A discussão literária rapidamente cai
nos ataques pessoais (“…desse craveirote da ideia nova, esse caloteiro, que se não
lembra que a porca da irmã e uma meretriz de doze vinténs em Marco de Canaveses!”-
Cap.VI), sublinhando-se, assim, a pouca credibilidade e seriedade da critica literária em
Portugal.
Integração do episódio na estrutura da
obra
O episódio do Jantar no Hotel Central integra-se no capítulo VI. Insere-se na acção
principal e é um dos episódios da crónica de costumes/episódios das cenas românticas.
É uma espécie de festa de homenagem de Ega ao banqueiro Cohen (símbolo da alta
finança), marido da divina Raquel, amante de Ega. O episódio acaba também por
proporcionar o primeiro encontro de Maria Eduarda com Carlos (“Craft e Carlos afastaram-
se, ela passou diante deles, com um passo soberante de Deusa, maravilhosamente bem
feita, deixando atrás de si como uma claridade, um reflexo de cabelos de oiro, e um aroma
no ar.” Cap. VI) e é também a primeira reunião social da “elite” lisboeta em que Carlos
participa.

Resumo do episódio
Carlos e Craft encontram-se no peristilo do Hotel Central, antes do jantar, quando vêem
chegar Maria Eduarda. Subiram até um gabinete, onde Carlos foi apresentado a Dâmaso,
este conhecia aquela mulher, pertencia à família Castro Gomes. Dâmaso falava sobre a
sua preferência por Paris, “aquilo é que é terra”, ele até lá tinha um tio, o tio Guimarães,
quando apareceu “o nosso poeta”, Tomás de Alencar. Por intermédio de Ega foi
apresentado a Carlos.
Pouco tempo depois, a porta abriu-se e Cohen desculpando-se pelo atraso foi
apresentado, por Ega, a Carlos.
Deu-se início ao jantar, com ostras e vinho, falava-se do crime da Mouraria, que “parecia a
Carlos merecer um estudo, um romance”. Isto levou a que se falasse do Realismo. Alencar
suplicou que se não discutisse “literatura «latrinária»”, [...] que se não mencionasse o
«excremento»”.
“Pobre Alencar!” Homem que tivera em tempos uma vida carregada de adultérios, tornava-
se agora num defensor da Moral, no entanto a sociedade não o ouvia, via-se apenas
confrontado com ideias absurdas defendidas pelos Naturalistas/Realistas.
Carlos posiciona-se na conversa contra o realismo. Ega reage às críticas e defende
arduamente os princípios do Realismo. Cohen mantinha-se superior a esta conversa,
vendo isto, Ega muda de assunto. “Então, Cohen, diga-nos você, conte-nos cá... O
empréstimo faz-se ou não se faz?” ao que Cohen respondeu ser imprescindível, pois o
empréstimo constituía uma fonte de receita, aliás a “única ocupação mesmo dos
ministérios era esta – «cobrar o imposto» e «fazer o empréstimo».
Do ponto de vista de Carlos, assim o “país ia alegremente e lindamente para a
bancarrota”. Cohen concordava, mas isso era inevitável. Por oposição, Ega defende que o
que convinha a Portugal era uma revolução, para eliminar “a monarquia que lhe representa
o «calote», e com ela o crasso pessoal do constitucionalismo.”
Ega imbatível, aposta numa invasão espanhola, deste modo recomeçava-se “uma história
nova, um outro Portugal, um Portugal sério e inteligente, forte e decente, estudado,
pensado e fazendo civilizações como outrora...”. Os restantes já planeavam a resistência,
porém Alencar era um “patriota è antiga”, totalmente contra esta ideia.
Esquecida a bancarrota, a invasão e a pátria, o jantar estava prestes a terminar, quando
Alencar e Ega entraram em conflituo a propósito da poesia moderna de Simão Craveiro.
Mas Cohen chama a atenção de Ega e ambos fazem as pazes e brindam com um copo de
champanhe, esquecendo o que aconteceu.
Terminou assim, com bom censo, o episódio do Jantar no Hotel Central!
Caracterização das personagens
Carlos da Maia
Apresenta-se pela primeira vez à sociedade, no entanto, distancia-se da conversa, apenas
comentando alguns aspectos. Afirma-se também como defensor das ideias românticas,
criticando que “o mais intolerável no realismo eram os seus grandes ares científicos”, e
talvez, também um pouco patriota quando defende que “ninguém há-de fugir, e há-de-se
morrer bem”.

Craft
Eça identifica nesta personagem o “homem ideal”. Neste episódio pouco se sabe sobre
ele, apenas que é inglês, e como tal, pressupõe-se que recebera uma educação à inglesa.
Não tem muita importância na acção, quase não participa nas conversas, reage de forma
“impassível”, contudo é a favor da resistência aos espanhóis, quando concorda em
organizar uma guerrilha com Ega.

Dâmaso Salcede
Interveniente que representa os defeitos da sociedade. “Um rapaz baixote, gordo, frisado
como um noivo da província, de camélia ao peito e gravata azul-celeste”.
Procura aparentar um “ar de bom senso e de finura”, é considerado provinciano, tacanho e
apenas com uma preocupação, que seja “chique a valer”. Dá asas à sua vaidade e
futilidade falando dos pormenores das suas viagens e exibindo uma predilecção pelo
estrangeiro, “...é direitinho para Paris! Aquilo é que é terra! Isto aqui é um chiqueiro...”.
Acompanha todos os movimentos de Carlos dando-lhe grande importância, de modo a que
possa imita-lo e assim assumir perante a sociedade um estatuto social digno e respeitável.

Jacob Cohen
Representante das Finanças, “respeitado director do Banco Nacional, marido da divina
Raquel”, homem de estatura baixa, “apurado, de olhos bonitos, suíças tão pretas e
luzidias” e com “bonitos dentes”. Neste jantar conheceu Carlos e destacou a posição
superior que toma perante a sociedade.

João da Ega
Personagem que mais intervêm no episódio do Hotel Central, acérrimo defensor das ideias
Naturalistas /Realistas, provocava o seu opositor, Alencar. Exagerado nos argumentos que
fundamentam as suas opiniões e na defesa das suas ideias revolucionárias. Advoga que “
à bancarrota seguia-se uma revolução” e que desta forma, Portugal seria um grande
beneficiário.
As posições tomadas por Ega, face aos temas discutidos, espelham e assimilam-se à
Geração Revolucionária de Coimbra. Pois, tais atitudes traduzem uma vontade insaciável
de modificar Portugal e torná-lo num país melhor, próprias desta geração.

Tomás de Alencar
Um “indivíduo muito alto, todo abotoado numa sobrecasaca preta, com uma face
escaveirada, olhos encovados”, nariz curvado, bigodes compridos, “calvo na frente”,
“dentes estragados” e “testa lívida”.
“Camarada”, “inseparável” e “íntimo” de Pedro da Maia, apresentado no jantar do Hotel
Central, a Carlos da Maia, o poeta possuía um ar “antiquado”, “artificial” e “lúgubre”.
Considerado um “gentleman”, “ generoso” e um “patriota à antiga”.
Alencar tivera antes de seguir o caminho da literatura uma vida “de adultérios, lubricidades
e orgias” .
Personagem que representa o típico poeta português, autor de “Vozes de Aurora”, “Elvira”,
“Segredo do Comendador” e outros.
Símbolo do Ultra-Romantismo. Contudo vê-se confrontado com os princípios
Naturalistas/Realistas defendidos por Ega.

Temas tratados
A literatura e a crítica literária
Quanto à Literatura e à crítica literária, houve uma grande discussão entre João da Ega,
que defendia o Naturalismo/Realismo e Tomás de Alencar que defendia o Ultra-
Romantismo.
Estes dois movimentos literários divergem frequentemente ao longo do jantar.

Finanças
A bancarrota é um dos assuntos polémicos, que critica de forma irónica o país.
Identificámos como principais intervenientes e que geram uma maior desordem (neste
assunto), João da Ega e Cohen.

História política
A Bancarrota é outro tema tratado neste jantar que também gerou alguma polémica, tendo
sido apresentada como solução a Invasão Espanhola. Ora esta invasão Espanhola iria ter
consequências em Portugal, entre as quais: a renovação de Portugal a vários níveis,
afastamento da Monarquia e a Implantação Da Republica.
Segundo Ega, uma invasão seria a solução para a bancarrota e deste modo Portugal sairia
revolucionado.

Aspectos criticados
Naturalismo/Realismo
Tomás de Alencar fora o principal e mais contínuo crítico deste tema. Vejamos algumas
dessas críticas:

 designa o realismo/naturalismo por: “literatura «latrinária»”; “excremento”; “pústula,


pus”;
 culpabiliza o naturalismo de publicar “rudes análises” que se apoderam “da Igreja,
da Burocracia, da Finança, de todas as coisas santas dissecando-as brutalmente e
mostrando-lhes a lesão”, e deste modo destrói a velhice de românticos com ele;
 acusa o naturalismo de ser uma ameaça ao pudor social ;
 crítica os verso de Craveiro e acusa-o de plágio, pois “numa simples estrofe dois
erros de gramática, um verso errado, e uma imagem roubada de Baudelaire!”.
Carlos da Maia considera que “o mais intolerável no realismo era os seus grandes ares
científicos” e Ega apesar de defender o realismo concordava com esta crítica;
Craft desaprova o realismo, pelo facto de estatelar a realidade feia das coisas num livro.

Finanças
Este assunto espelha a crise financeira que o país passava nesta época (séc.XII). Eça
descreve-o de forma irónica através de Cohen, o representante das Finanças ao afirmar
que os “empréstimos em Portugal constituíam uma das fontes de receita, tão regular, tão
indispensável, tão sábida como o imposto”, aliás era «cobrar o imposto» e «fazer o
empréstimo» a única ocupação dos ministérios.
Desta forma concordavam que assim o país iria “alegremente e lindamente para a
bancarrota”. No entanto, Ega não aceitara baixar os braços e logo dera a solução
revolucionária para o problema de finanças que o país atravessava – a invasão
espanhola!.

História Política
Dada a sugestão perfeita para a bancarrota, Ega delira com a ideia e pretende “varrer a
monarquia” e o “crasso pessoal do constitucionalismo”.
A invasão espanhola leva Ega a criticar a raça portuguesa, afirma que esta é a mais
cobarde e miserável da Europa, “Lisboa é Portugal! Fora de Lisboa não há nada.” Todos
iriam fugir quando se encontrassem perante um soldado espanhol. A sociedade tinha
receio de perder a independência, mas só uma sociedade tão estúpida como a do Primeiro
de Dezembro pensaria que a invasão traria esta consequência.
Ega é a principal personagem que satiriza a história política, e isso pode ser confirmado ao
longo das conversas em que Ega discute este tema .

Conclusão
O Hotel Central é o cenário fulcral para o enredo desta obra.
Este local, reveste-se de especial interesse por ser onde Carlos vê Maria Eduarda pela
primeira vez e por ser aí que se realiza o Jantar, preparado por Ega, em honra de Cohen,
marido da amante de Ega. O ambiente do jantar torna-se pesado devido às críticas feitas à
situação política e financeira da altura e pela disputa entre Ega e Alencar, o primeiro
defende os princípios doutrinais literários do Naturalismo e o segundo do Romantismo.
Com este episódio da crónica de costumes, “O Jantar no Hotel Central”, o autor demonstra
a incoerência cultural do povo português e a decadência do país, recorrendo, pela voz de
João da Ega (seu alter ego), à bancarrota e à invasão espanhola como determinantes da
agitação revolucionária pois só assim haveria um reconhecimento da situação em que se
encontrava a nação e se faria algo para deter o clima decadente que se vivia em Portugal,
que na opinião de Ega correspondia ao afastamento total da Monarquia e à instalação da
República.
A crítica feita por Carlos à população, reforça a incoerência desta como o principal factor
condicionante do estado da nação. O comentário:“Esse mundo de fadistas, de faias,
parecia a Carlos merecer um estudo, um romance...” é reforçado com o de Dâmaso,
relativo à invasão espanhola, “Se as coisas chegassem a esse ponto, se se pusessem
assim feias, eu cá, à cautela, ia-me raspando para Paris...”. O antedito denota a cobardia,
a falta de cultura e a falta de civismo que dominava a sociedade.
A falta de personalidade também é bastante retratada neste episódio:
 Alencar muda de opinião quando Cohen o pretende;
 Ega muda de opinião quando Cohen quer;
 Dâmaso, cuja divida é «Sou forte», aponta o caminho fácil da fuga.

A incoerência: Alencar e Ega chegam a vias de facto e, momentos depois, abraçam-se


como se nada tivesse acontecido;
De tudo: a falta de cultura e de civismo domina as classes mais destacadas, salvo Carlos e
Craft
Em última análise, o que todo este episódio do jantar do Hotel Central representa é o
esforço frustrado de uma certa camada social (por ironia amais destacada) para assumir
um comportamento digno e requintado

Você também pode gostar