Você está na página 1de 10

Os Maias

De Eça de Queirós
Expressão Literária de Eça de
Queirós
A prosa de Eça reflecte a sua maneira de pensar e
torna-se um instrumento dúctil e subtil para exprimir o seu
modo pessoal de ver o mundo e a vida. Ele próprio considerava
a literatura como a arte de pintar a realidade, mas “levemente
esbatida na névoa dourada e trémula da fantasia, satisfazendo a
necessidade de idealismo que todos temos nativamente e ao
mesmo tempo a seca curiosidade do real, que nos deram as
nossas educações positivas...” (Eça de Queirós, Notas
Contemporâneas).
Eça não teve a frondosa riqueza vocabular de um
Camilo, mas soube explorar, a partir de um vocabulário simples,
a força evocativa das palavras por meio das mais variadas
relações combinatórias e sentidos conotativos. O estilo de Eça é
magistralmente estudado por Ernesto Guerra e Cal na sua
volumosa obra Linguagem e Estilo de Eça de Queirós. Foi aqui
que sobretudo nos baseámos para fundamentar o que estamos
dizendo sobre o estilo d’Os Maias. Vejamos alguns dos
processos pelos quais Eça conseguiu essa força evocativa, esse
verdadeiro magnetismo das palavras.
Ritmo da Narração
Há uma concentração temporal da intriga, dada em
ritmo lento de narração durante os anos de 1875-76, desde a
chegada de Carlos ao Ramalhete até à partida para Santa Olávia,
após a morte do avô.
O tempo anterior, necessário à explicação da situação
presente (influência da educação e da hereditariedade) é dado em
analepse (há outras, como as que vão desvendando a história de
Maria Monforte e a identidade de Maria Eduarda) e quase sempre
em forma de sumário, portanto em ritmo de narração rápida.
De igual modo o tempo posterior a 1876 (pp. 688-690-
inicio do ultimo capitulo) é apresentado em ritmo rápido, por
vezes mesmo elipticamente, mas a sequencia final (pp. 690—716)
do passeio por Lisboa e da visita ao Ramalhete retoma o ritmo
lento da narração.
Descrição
Nesta obra é dada uma grande importância à descrição, que é
minuciosa, visando a captação sensível da realidade (linhas, cores e
formas) de acordo com princípios da escolha realista, que estabelece a
sintonia entre o meio ambiente e aquele que nele vive. Ajuda também à
criação de atmosferas especiais de carácter indicial: muitas vezes a
natureza e as condições meteorológicas em que desenrolam os
acontecimentos fulcrais do ponto de vista da acção central não acentuam o
clima de tragédia, como são pré-avisos da tragédia a acontecer (a
tempestade, na noite da morte de Pedro; a atmosfera pesada de trovoada
iminente várias vezes preside ao desenrolar das relações entre Carlos e
Maria Eduarda etc).
De salientar ainda que a descrição, em Eça, não é idealizada,
como nos românticos. Apresenta, pelo contrário, traços de realismo
impressionista (novidade em Eça).
Alguns exemplos:
• Os retratos de Ega e Alencar
• a opulência do Ramalhete, na fase inicial do romance, depois
de restaurado, em contraste com o seu abandono e frieza do final.;
• a paisagem vista do Ramalhete;
• a descrição de Sintra; etc.
Diálogo
O diálogo é abundante, “rápido e incisivo, em
linguagem natural e familiar (…), quase sempre de
características irónicas com comentários de crítica: social,
política, económica, jornalística, literária”:
«…— Olha, João da Ega, deixa-mo dizer-te uma coisa, meu
rapaz. Todos esses epigramas, esses dichotes lorpas do raquítico
e dos que o admiram, passam-me pelos pés como um enxurro
de cloaca. O que faço é arregaçar as calças! Arregaço as calças.
Mais nada, meu Ega. Arregaço as calças!
E arregaçou-as realmente, mostrando a ceroula, num
gesto brusco e de delírio.
— Pois quando encontrares enxurros desses — gritou-lhe o Ega
— agacha-te e bebe-os. Dão-te sangue e força ao lirismo!
Mas Alencar, sem o ouvir, borrava para os outros, esmurrando o
ar:
— Eu, se esse Craveirote não fosse um raquítico, talvez me
entretivesse a rolá-lo aos pontapés par esse Chiado abaixo, a ele
e versalhada, a essa lambisgonhice exerementícia com que
seringou Satanás! E depois de o besuntar bem de lama,
esborrachava-lhe o crânio!»
(“Os Maias”, cap.VI, pp. 173— 175)
Monólogo Interior
O monólogo interior (normalmente expresso em
discurso indirecto livre), é a forma privilegiada para dar a
conhecer o interior da personagem.É o caso de João da Ega,
especialmente após a recepção da caixa com documentos que
lhe é entregue pelo Sr. Guimarães e que desencadeiam todo
um processo mental de incredulidade, insegurança,
inquietação e mesmo desespero, cujo desenvolvimento
podemos observar entre as páginas 614 e 688 do romance.
Em relação a Carlos da Maia, são mais abundantes os
exemplos de monólogo interior, alguns dos quais já foram
referidos: o sonho com Maria Eduarda (pp. 184-185-fim do
capítulo VI), o devaneio sobre Maria Eduarda, depois da
frustração de a não ter encontrado em Sintra (pp. 245— 246—
Cap. VIII); as meditações sobre o seu encontro com Maria
Eduarda para lhe revelar os laços de parentesco que os uniam:
«Por isso ia — e ao longo do Aterro, retardando os passos, esse
plano, ensaiando mesmo consigo, baixo, palavras que lhe diria.
Entraria na sala, com um grande ar de pressa e contava-lhe que
um negócio uma complicação de feitores, o obrigava a partir
para Santa Olávia daí a dias. E imediatamente saía, com o
pretexto de correr a casa do procurador. Podia mesmo ajuntar —
«é um momento, não tardo, até já». Uma coisa o inquietava. Se
ela lhe desse um beijo?... Decidia então exagerar a sua pressa, o
charuto na boca, sem mesmo pousar o chapéu. E saia. Não
voltava. Pobre dela, coitada, que ia esperar até tarde, escutando
cada rumor de carruagem na rua!... Na noite seguinte abalava
para Santa Olávia com o Ega, deixando-lhe a ela uma carta a
anunciar que, infelizmente, por causa dum telegrama, se vira
forçado a partir nesse comboio. Podia mesmo ajuntar — «volto
daqui a dois ou três dias...» E aí estava longe dela para sempre. »
(“Os Maias”, cap. XVII, pp. 653— 654)
Comentário
O comentário, veículo importante de expressão
ideológica, seja directamente através do narrador, seja através das
personagens, é utilizado sobretudo em duas situações e, pelo
menos aparentemente, com dois objectivos:
1. Para completar a caracterização psicológica das personagens,
sobre elas exprimindo um juízo de valor:
«A voz de D. Ana interrompeu, muito severa:
— Está bom, está bom, basta de tolices! Já cavalaram
bastante. Senta-te ai ao pé da senhora viscondessa, Teresa... Olha
essa travessa do cabelo... Que despropósito!
Sempre detestara ver a sobrinha, uma menina delicada de
dez anos, a brincar assim com o Carlinhos. Aquele belo e impetuoso
rapaz, sem doutrina e sem propósito, aterrava-a; e pela sua
imaginação de solteirona passavam sem cessar ideias, suspeitas de
ultrajes, que ele poderia fazer à menina. Em casa, ao agasalhá-la
antes de vir para Santa Olávia, recomendava-lhe com força que no
fosse com o Carlos para os recantos escuros, que o não deixasse
mexer-lhe nos vestidos!...»
(“Os Maias”, p. 72)
2-Para concretizar os seus objectivos de crítica social,
política, literária, normalmente através das
personagens:
«Ega, horrorizado, apertava as mãos na cabeça
— quando do outro lado Carlos declarou que o mais
intolerável no realismo eram os seus grandes ares
científicos, a sua pretensiosa estética deduzida de uma
filosofia alheia, e a invocação de Claude Bernard, do
experimentalismo, do positivismo, de Stuart Mill e de
Darwin, a propósito de uma lavadeira que dorme com
um carpinteiro!
Assim atacado, entre dois fogos, Ega trovejou:
justamente o fraco do realismo estava em ser ainda
pouco científico, inventar enredos, criar dramas,
abandonar-se à fantasia literária! A forma pura da arte
naturalista devia ser a monografia, o estudo seco de um
tipo, de um vício, de uma paixão, tal qual como se se
tratasse de um caso patológico, sem pitoresco e sem
estilo...»
(“Os Maias”, p. 164)
Bibliografia
O Jacinto, C.; Lança, G., Colecção Estudar Português Os Maias
de Eça de Queirós, Porto, Porto Editora;

O O Realismo de Eça de Queirós e Os Maias, Edições Sebenta;

Você também pode gostar