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Joana: No hotel Central, tem lugar um daqueles encontros sociais da

Lisboa da segunda metade do século XIX, em que figuras supostamente


importantes conversam e ostentam uma cultura e uma educação que, de
facto, não têm.
A crítica de costumes ocupa-se em grande parte dessa contradição entre a
aparência e a realidade pobre que ela esconde.
Nas conversas a que o jantar dá lugar, há dois temas que se salientam, a
literatura e a decadência nacional.
A literatura é chamada à conversa pela presença e pela intervenção de
Tomás de Alencar (pois para este poeta romântico, o naturalismo é uma
ameaça e uma ofensa à moralidade).
A exclamação do narrador com que se inicia o texto (linha 5, pág.256),
“Pobre Alencar!”, traduz uma espécie de irónica solidariedade para com
uma personagem e para com uma literatura (neste caso, a do
romantismo) desatualizada e sem autoridade moral para atacar o
naturalismo.
Carolina: Para Alencar, o naturalismo era assim, imoral, mas ele próprio,
nas suas obras, “fizera a propaganda do amor ilegítimo” e descrevera as
suas aventuras amorosas como “uma existência medonhas de
adultérios...”
A crítica à mentalidade e às contradições de Alencar não significa que n’Os
Maias se faça a defesa do naturalismo. João da Ega adota essa posição,
mas Craft e Carlos criticam o naturalismo (às vezes identificado no texto
com o realismo). Contra “a realidade feia das coisas e da sociedade
estatelada nua num livro” e contra as preocupações científicas do
naturalismo argumenta-se : a arte deve mostrar “ os tipos superiores de
uma humanidade aperfeiçoada, as formas mais belas de viver e do sentir”;
e as personagens, diz Carlos, “só se podem manifestar pela ação” e não
ser objeto de estudo científico.
O que fica deste debate é o sentido de uma certa desilusão, em relação ao
romantismo artificial e retórico de Alencar e também aos excessos do
naturalismo defendido por Ega. O debate não apresenta uma escolha
clara, mas sim uma recusa de ambas as posições. A ideia que fica, diz
Craft, é a posição de uma personagem, mas não necessariamente aquela
que o romance quer impor.
Joana: Logo depois, a conversa desvia-se para outro tema, a decadência
nacional e a ameaça da bancarrota, tal como explica Cohen, o banqueiro
de cuja mulher de João da ega é amante. Nesta discussão, Ega não só
defende a necessidade da bancarrota, como acha que “Portugal o que
precisa é a invasão espanhola”, provocando a indignação de Tomás de
Alencar, “patriota à antiga”.
João da Ega explica então como a invasão espanhola levaria à salvação de
Portugal (“…E recomeçava-se uma história nova, um outro Portugal, um
Portugal sério e inteligente, forte e decente, estudando, pensando,
fazendo civilização como outrora… Meninos, nada regenera uma nação
como uma medonha tareia…”). Neste sentido, a invasão espanhola é o
pretexto para a eliminação da monarquia e de fatores de decadência
como os políticos e a inscrição (que era um título de dívida pública
comprado ao Estado); aquele esforço de Portugal novo implica
inteligência, estudo e responsabilidade coletiva; reafirma-se a importância
do sentido da regeneração, mesmo que à custa de “uma medonha tareia”.
Carolina: Apesar dos exageros próprios de João da Ega, há nas suas
palavras avisos importantes. Alguns anos depois do jantar do hotel Central
e pouco depois da publicação d’Os Maias, Portugal sofreu o Ultimato
inglês (que trouxe consigo a ameaça de uma invasão) e aconteceu a
tentativa de derrube da monarquia.
Por outro lado, a Revista de Portugal, fundada por Eça em 1889, quis dar o
seu contributo ao estudo e à reflexão inteligente de que Ega fala.
O que quer dizer que o romance e o seu autor estavam atentos ao
contexto político e social do seu tempo

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