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Crónica de Costumes- Episódio “Jantar no Hotel Central”

Relação com a intriga central:

O subtítulo “Episódios da vida romântica” remete para uma crónica social que descreve e
critica os ambientes da alta sociedade lisboeta, focalizada pela visão de Carlos e completada
pela de Craft e de Ega. Este episódio dá logo início à intriga principal, uma vez que acontece o
primeiro encontro entre Carlos e Maria Eduarda. O jantar do Hotel Central foi organizado por
Ega em homenagem ao banqueiro Cohen, marido de Raquel Cohen, com quem Ega mantém
uma relação.

Caracterização do ambiente:

A ação decorre numa tarde de inverno suave, luminosa, tranquila e seca. Dentro do hotel,
predomina um ambiente luxuoso: sala de teto baixo e divãs em marroquino (“a mesa surgiu da
penumbra com um brilho de cristais e louças, um luxo de camélias em ramos”). Após o jantar,
este mesmo cenário encontrava-se sujo e abafado, remetendo-nos para um ambiente de
taberna, com aroma a cigarro e álcool. Esta desorganização simboliza a mentalidade
tradicional portuguesa que, mesmo na elite, apresenta comportamentos pouco
recomendáveis.

Personagens tipo e sua representatividade social:

Os membros integrantes deste episódio são Ega e Carlos (personagens principais); Alencar,
Dâmaso, Cohen e Craft (personagens tipo). Estas personagens têm um papel imprescindível na
caracterização da sociedade portuguesa: Ega simboliza o naturalismo e a geração de 70,
enquanto Alencar defende o ultrarromantismo, mostrando uma sociedade dominada por
valores tradicionais. Dâmaso, o parvenu, representa a podridão da sociedade e destaca-se pela
sua falta de personalidade (idolatra Carlos e imita-o em tudo). Costuma ser considerado o
representante do novo-riquismo e súmula dos vícios e futilidades da Lisboa dos fins do século
XIX. Cohen, banqueiro judeu, representa a alta finança e o poder económico. Por fim, Craft, um
honrado inglês, é reflexo da sociedade inglesa e da boa educação britânica.

Aspetos sociais criticados:

Os temas-chave da tertúlia incidem essencialmente na Literatura, Finanças e Política. Através


do debate destes temas é possível evidenciar diversas críticas direcionadas a cada uma destas
áreas.

 Relativamente à economia, é criticada a dependência financeira de Portugal face ao


estrangeiro («a única ocupação mesmo dos ministérios era esta- “cobrar o imposto” e
“fazer o empréstimo”») e a indiferença em relação aos problemas financeiros
portugueses por parte das instituições responsáveis (“disse o Cohen, sorrindo (…) a
bancarrota é inevitável: é como quem faz uma soma”).

 No âmbito da política, é realçada a corrupção e a divergência de opiniões face a uma


reforma. Por um lado, Ega defende a instalação da república e o afastamento violento
da monarquia bem como a invasão espanhola, afirmando que a raça portuguesa é a
mais covarde e miserável da Europa (“Lisboa é Portugal! Fora de Lisboa não há nada”).
Após estas palavras de Ega, é possível notar uma grande disparidade e
desconhecimento entre a grande metrópole centralizadora e o resto do país. Por outro
lado, Alencar teme a invasão do vizinho ibérico, alegando ser um perigo para a
independência nacional. Defende o romantismo político, ou seja, uma república
governada por génios e a fraternização dos povos. Dâmaso, temendo na mesma
medida a invasão espanhola, afirma que perante esta situação ele fugiria para Paris,
(“Se as coisas chegassem a esse ponto, se se pusessem assim feias, eu cá, à cautela ia-
me raspando para Paris”), o que leva o Ega a ironizar, dizendo que o povo português
fugiria como uma lebre (“Eis ali, no lábio sintético de Dâmaso, o grito espontâneo e
genuíno do brio português! (...) Era assim que de alto a baixo pensava a sociedade de
Lisboa, a malta constitucional”), demonstrando a falta de patriotismo e a covardia
portuguesa.

 O clímax do jantar deveu-se ao debate aceso acerca da Literatura que resultou numa
grande disparidade de opiniões. O exagero de Ega face ao Naturalismo é ferozmente
confrontado com o Ultrarromantismo de Alencar, o que salienta a falta de rigor e de
seriedade do povo português e da crítica literária, visto que ambos se envolveram
numa disputa física e verbal contendo ataques pessoais. No final da noite a disputa
literária acaba com ambos a desculparem-se e a seguirem pacificamente,
demonstrando mais uma vez a falta de convicção nas suas próprias ideias, o que leva o
britânico Craft a afirmar “São extraordinários (...) Desorganizam-me, preciso ar!...”

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