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Episódios da vida romântica

 A crítica, em Os Maias, exerce-se a partir dos estratos dominantes da sociedade da


Regeneração.
 Lisboa polariza a vida política e a vida económica do país, a literatura, a diplomacia e o
jornalismo.
 Nesse sentido, o cenário liga-se directamente a personagens e a situações, por meio
de uma relação de ironia dotada de intuitos críticos ou satíricos.
 Os Maias, integrando tópicos do roman-fleuve (romance-fresco), através das
aventuras de Carlos da Maia, aspira a captar um momento histórico numa sociedade.
 Deseja também, como romance histórico, representar a cor exata de uma época e de
um meio.
 Assumem especial destaque as personagens, sobretudoi aquelas que são dotadas de
“tiques”, trejeitos e pormenores físicos sistematicamente repetidos quando ocorre a
sua intervenção na ação

1. Jantar no Hotel Central


 Trata-se de um acontecimento mundano, cuja intenção fundamental é
homenagear o banqueiro Cohen, de cuja mulher Ega é amante. Serve
fundamentalmente para propiciar um primeiro contacto de Carlos com a elite
social lisboeta.
 Neste episódio, estão representados os temas mais proemeinentes da vida
político-cultural lisboeta: a literatura e a crítica literária

1.1. Realismo vs Romantismo


Alencar e Ega personificam esse antagonismo, ambos pecando por excesso.

Romantismo – Alencar Realismo - Ega


O exagero; A distorção das teses naturalistas,
O moralismo exacerbado; O apelo ao exagero científico enquanto
A fuga ao real; programa literário,
Manifestação de dois vícios da crítica
literária: a mera preocupação com
questões de natureza formal; a recusa
da dimensão temática e poética da
literatura;
A obsessão com o plágio.

Ambos caem no erro de resumir a análise literária ao ataque pessoal, arredando-


se das questões em discussão, acabando por se envolver numa cena de pancada.

1.2. Personagens
 Tomás de Alencar: totalmente identificado com o valor do romantismo,
hipersensível e soturno. Tudo nele é caricato e exagerado – “langoroso”,
“plangente”, “turvo”, “fatal” – denuncia a feição sentimental e pessimista do
Romantismo, bem como a sua atitude poética declamatória e teatral. Alencar
vale mais como representante de uma mentalidade de certo modo
generalizada do que como personagem individualizada e isolada.
 Conde Gouvarinho: também nele se contradiz o ser e o parecer.
Representante da alta política e do poder instituído e responsável pelos
destinos de um povo progressivamente decadente. Sintetiza as limitações
fundamentais dos políticos do constitucionalismo: a retórica oca, as
referências culturais de terceira categoria, a falta de visão histórica, a vaidade.
 Craft: representa o temperamento e e a formação vital britânica. Manifesta
um certo distanciamento e superioridade relativamente ao meio social em que
se insere. Reage sempre fleumaticamente aos exageros das reacções das
outras personagens.

1.3. Intencionalidade
 O narrador revela-nos que a oposição entre o Romantismo e o Realismo
assenta fundamentalmente entre uma vigorosa análise social de grande
receptividade junto do público e uma escola poética formal, solene e
pomposa.
 Este episódio representa o esforço frustrado de uma camada social para
assumir um comportamento digno e requintado. Só que a realidade vem
rapidamente ao de cima: as limitações culturais e morais não se ocultam com
ementas afrancesadas e ambientes sofisticados, com divãs e camélias.
 Denuncia-se o cinismo e calculismo na discussão financeira do país, a miopia
histórica de Alencar, a denúncia do adormecimento do país.

2. As corridas de Cavalos
 Neste episódio, voltamos a encontrar muitas das personagens, em especial
Dâmaso Salcede, o obcecado com o “chique a valer”.
 As corridas representam mais um esforço desesperado de cosmopolitismo,
mas imitando o estrangeiro, o que é, sintomaticamente, reprovado por Afonso
da Maia;
 Mais um momento em que se lança uma visão panorâmica da sociedade
lisboeta, incluindo o próprio rei.
 O ponto de vista é mais uma vez o de Carlos e o de Craft.
 O cenário, em lugar de evidenciar a exuberância e o colorido normais nestes
acontecimentos mundanos, denota um provincianismo inegável, agudizado
pela falta de motivação e de vitalidade do público e pelo desinteresse geral.
 Também neste episódio volta a haver uma desordem, mesmo junto da tribuna
real, devido a um resultado duvidoso.

3. Jantar em casa dos Gouvarinhos


 Novamente, na presença da alta burguesia, da aristocracia e da camada
dirigente do país, voltam a ser abordados temas prementes da sociedade,
evidenciando, mais uma vez, a mediocridade mental dessas figuras, evidente
nos comentários sobre a educação, sobre Proudhon, na curiosidade de Sousa
Neto sobre o estrangeiro.
 O que mais se denuncia neste episódio é a superficialidade dos juízos
pronunciados por estas personagens.
 Personagens
a. Sousa Neto: representa a a Administração pública e burocrata. Serve para
definir mediocridade intelectual de um funcionário do Ministério da
Instrução Pública. Com ele, o narrador demisitifca a fachada de verborreia
solene e das frases grandiosas, mas ocas.

4. A imprensa
 É sintomático o facto de à degradação ética de jornais como A corneta do
diabo e A tarde corresponder um “cubículo, com uma janela gradeada por
onde resvalava uma luz suja de saguão” (p. 540) e uma entrada mal cheirosa:
“dentro do pátio desse jornal elegante fedia” (p. 571)
 Aqui se patenteiam os vícios mais degradantes do jornalismo nacional: é a
parcialidade que leva o diretor (deputado e político) a recusar a carta de
Dâmaso, porque o confunde com um correlegionário, para depois a aceitar
como meio de vingança política; o esforço de um redator medíocre para
escrever um artigo sobre o Craveiro, por este ser um rapaz do partido; a
dependência política da imprensa

4.1. Personagens

a. Palma Cavalão: figura ligada ao meio jornalístico lisboeta e aos seus processos
de trabalho. Surge a acompanhar Eusebiozinho, em Sintra, gabando-se do seu
talento especial para lidar com espanholas. Aceita ser pago para apimentar o
artigo difamatório sobre Carlos, mas aceita igualmente ser pago para
suspender a sua publicação e para revelar quem lho encomendou. Em resumo,
a sua ação pauta-se pelas conveniências do momento.

5. Sarau no Teatro da Trindade


 Vários dos elementos socioculturais que integram este cenário foram já direta ou
indiretamente referidos a propósito de episódios anteriores: a superficialidade das
conversas, o alheamento perante a música tocada por Cruges, as atitudes
empoladas do conde de Gouvarinho, a tibieza de Eusébiozinho.
 Um novo aspecto do panorama mental português é aqui razoavelmente
desenvolvido: a oratória, corporizada em Rufino. Para além da bajulação e das
banalidades que o orador solta (e que, de um modo geral, revelam uma orientação
marcadamente idealista e clerical), o que aqui está em causa também são dois
vícios fundamentais deste tipo de oratória: o recurso a imagens de originalidade
duvidosa e o modo como o auditório se deixa inflamar por tiradas ocas que, à
custa de lugares-comuns de retórica fácil, apelavam à sensibilização de um público
deformado pelos excessos líricos do Ultrarromantismo.
 O mesmo sucede com a intervenção de Alencar, inevitavelmente caracterizado
pelas poses artificiais do ultrarromantismo, que não deixam de minar, sob uma
capa de emoção fácil, a ingénua e utópica proposta social.

5.1. Personagens

a. Cruges: amigo de Carlos, revela “uma pontinha de génio”, o que não podia ser
mais contrário ao ambiente de Lisboa. Assim, para além do seu temperamento
tímido e desinteressado dos hábitos mundanos, Cruges surge marcado pelos
condicionalismos do meio lisboeta: a música nunca composta, por não haver
quem a escute, o desinteresse do público neste episódio.

6. Passeio final
 O passeio de Carlos e Ega representado nas últimas páginas do romance tem lugar
depois de dez anos de ausência, isto é, depois de um lapso de tempo suficiente
para acentuar a decadência anteriormente observada.
 De novo confrontado com o espaço da capital – espaço físico e social – Carlos
começa por se aperceber da atmosfera de estagnação que parece envolver a
estátua de Camões, que representa um Portugal passado, um tempo histórico de
florescimento e epopeia. Os vadios, os políticos ociosos representam o Portugal do
presente, a época do liberalismo frustrado e da crise de identidade nacional.
 Carlos verifica que, se houve evolução, foi no sentido negativo (Dâmaso está ainda
pior; Eusébiozinho está mais fúnebre)
 Simbolismo do monumento dos Restauradores. Esse, pretendendo simbolizar um
esforço de renovação nacional, acaba por ser mais uma tentativa frustrada,
porque o cenário envolvente desmente esse fôlego.
 Importação cultural estrangeira, mas sem sentido crítico.
 Esvaziamento da identidade nacional, em grande parte provocado pela errónea
interpretação de modelos e esquemas culturais alheios
 Vestígios inegáveis do sentimento de pessimismo que tomam Carlos e Ega.

Adaptado de Introdução à leitura d’ Os MaiasI, de Carlos Reis

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