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Aspetos a considerar na sua análise

A obra tem como título Os Maias, apontando para um


primeiro nível de ação, que é a história de uma família, para o
caso, a dos Maias, antiga família da aristocracia rural, de que
se percorrem fundamentalmente três gerações: a de Afonso
da Maia, ex-exilado político em Inglaterra, aquando das
lutas liberais, no início do século; a de seu filho Pedro da
Maia, contemporâneo dos românticos dos anos 30/40; e a de
Carlos da Maia, o protagonista , contemporâneo do período
da Regeneração; tem também, como subtítulo, Episódios da
vida romântica, apontando assim para um segundo nível de
ação, a de romance ou crítica de costumes , no caso, e,
sobretudo, de costumes da alta burguesia lisboeta no último
quartel do século XIX.
Amélia Pinto Pais, História da Literatura em Portugal- Uma Perspetiva Didática, vol. 2, Porto, Areal Editores
Aparentemente, (Eça) quis contar a história de uma família,
os Maias, através de várias gerações; o subtítulo indica uma
segunda intenção, descrever certo estilo de vida – o
romântico – através de episódios (…) que pertencem à
história dos Maias ou que decorrem marginalmente, numa
sociedade em que a família Maia se insere, logo num
background, num pano de fundo. (…)
O que domina como objeto de reflexão é Portugal,
personagem oculta por detrás das personagens visíveis. Um
país aparentemente sem remédio, um país que as elites não
são capazes de salvar.
Jacinto do Prado Coelho, “Para a compreensão d’ Os Maias como um todo orgânico”, in Ao Contrário de
Penélope, Venda Nova, Bertrand Editora, 1976
A obra apresenta duas intrigas: a principal ou
central protagonizada por Carlos e Maria Eduarda,
uma história de um amor incestuoso e trágico (ação
fechada, visto terminar com a separação dos
amantes).
A ação secundária condiciona a central e
corresponde à história trágica dos amores
românticos de Pedro da Maia e Maria Monforte.
A intriga principal desenrola-se de forma autónoma
e em paralelo com a crítica de costumes, sem que
esta condicione necessariamente as ocorrências
daquela. Ao longo da obra, a intriga principal
amplifica-se e, à medida que ganha projeção, vão
sendo reduzidos os episódios da crítica de
costumes.
A preparação da ação principal, em analepse,
decorre num ritmo rápido, pois 55 anos da história
da família Maia são contados em três capítulos. A
ação principal decorre em cerca de dois anos e é
narrada num ritmo lento, devido também ao relato
de episódios da crítica de costumes. Após a elipse
do início do último capítulo, a narrativa retoma um
ritmo lento, pela descrição pormenorizada do
regresso do protagonista a Lisboa.
A educação de Carlos é narrada de acordo com a
perspetiva de Vilaça e contrasta com a de Pedro (cf.
capítulo I). Recordemos que a caracterização de
Pedro é feita de acordo com a estética naturalista –
devido à educação, ao temperamento nervoso e
instável (herdados da mãe) e ao meio em que viveu
(marcado pelo romantismo e pela boémia), Pedro
fracassou. Consequentemente, o seu comportamento
baseia-se no determinismo da hereditariedade e do
meio.
De facto, o tema da educação num romance que
ainda é tributário da estética naturalista, faz todo o
sentido, sobretudo no recorte das personagens.
Ao longo da obra este tema vai sendo aflorado, o
que contribui para retratar e revelar a mentalidade
da alta sociedade lisboeta (exemplo, a posição do
conde de Gouvarinho que se insurge contra a
ginástica nos colégios (no final do capt. IX).
Se Pedro adulto, vítima da educação tradicional
portuguesa, revela os efeitos de tais normas
educativas, elas encontram-se presentes numa figura
que, sobretudo por pertencer à geração de Carlos
com ele contrasta – é o Eusebiozinho.
Verifica-se um tremendo contraste entre as duas
crianças, desde logo a nível físico: Carlos evidencia
uma saúde indubitável, enquanto que de
Eusebiozinho se revela “nada mais melancólico
que a sua facezinha trombuda, a que o excesso de
lombrigas dava uma moleza e uma amarelidão de
manteiga”. Após a leitura dos “versinhos”, revela-se
através de Eusebiozinho os defeitos fundamentais
desta educação: a deformação da vontade própria,
através do suborno, a imersão na atmosfera doentia
do Romantismo decadente (o poema que declama é
“Lua de Londres”, de João de Lemos, uma soturna
composição do Ultra-romantismo português), e
ainda o recurso à memorização, atributo que implica
a desvalorização da criatividade e do juízo crítico.
Carlos, por sua vez, é submetido a uma educação à
inglesa, privilegiando o exercícios físico, a vida ao ar
livre, o contacto com a natureza, a aprendizagem de
línguas vivas, desprezando a cartilha e todo o
conhecimento exclusivamente teórico.
Em função de tudo isto, não será estranho que Carlos
e Eusebiozinho continuem contrastivos na idade
adulta: Eusebiozinho mergulha numa vida de
corrupção e decadência física, enquanto Carlos vem
a disfrutar de um estatuto de privilégio e destaque
no espaço social em que se movimenta.
De acordo com o excerto em análise, é possível
estabelecer a seguinte comparação (cf. exercício 3,
da página 225):
Carlos Eusebiozinho

 Características da educação à  Caracterização da educação à


inglesa: método/rigor /ordem (cf. portuguesa (tradicional/conservadora):
superproteção; valorização da
horários rigidamente impostos e memorização; chantagem afetiva.
cumpridos); aprendizagem do Inglês
(uma língua viva).

 Perfil psicológico e comportamental:


 Perfil psicológico e comportamental:
 Apatia/passividade, tristeza, moleza,
 Vitalidade /dinamismo, alegria/ fragilidade, ausência de vontade
entusiasmo, criatividade/imaginação, própria.
capacidade de argumentação.
O narrador, neste excerto, procede à ridicularização da educação à
portuguesa e aprovação da educação à inglesa, como se pode verificar pelo
uso do discurso valorativo, depreciativo em relação a Eusebiozinho e às
Silveiras e apreciativo em relação a Carlos.
Observação da expressividade da linguagem (questão 3.2):
a. Adjetivo anteposto (“grossas”) e posposto (“trémula”, “moles”) e
diminutivo com valor depreciativo (“perninhas”), que realçam a fragilidade
de Eusebiozinho e a superproteção de que é alvo por parte da mãe.
b. Advérbio (“melancolicamente”), que realça o estado de espírito do
delegado.
c. Advérbio com valor irónico (“preciosamente”), que
ridiculariza a fragilidade de Eusebiozinho; diminutivos
(“Eusebiozinho”, “titi”), que acentuam a fragilidade de
Eusebiozinho e o sentimentalismo doentio existente entre
ele e a sua família.
d. Adjetivo (“feroz”) que realça o dinamismo e a
personalidade forte de Carlos (em contraste com a
passividade e fragilidade de Eusebiozinho. (Nota: neste
caso, o adjetivo “feroz” resulta em hipálage)
a. medicina/anatomia. h. Memórias de um Átomo.
b. Ega. i. O Lodaçal.
c. Hermengarda. j. Raquel Cohen.
d. Encarnación. k. Sequeira.
e. Europa. l. Marquês de Souselas.
f. consultório. m. Steinbroken.
g. laboratório. n. Taveira.
o. Cruges.
Este episódio é representativo da crónica de costumes.
Um dos aspetos destacados, prende-se com a questão
literária. De facto, o autor parece pretender evidenciar a
inadequação social da estética ultrarromântica e a pouca
credibilidade da crítica literária em Portugal.
O aspeto da personagem José de Alencar (cf. excerto das
páginas 227-229) remete para essa visão da estética
(ultra)romântica: “face escaveirada, olhos encovados, e sob o
nariz aquilino, longos, espessos, românticos bigodes
grisalhos” (ll. 46-47); “em toda a sua pessoa havia alguma
coisa de antiquado, de artificial e de lúgubre” (ll. 48-49).
Alencar é a personagem que representa o Romantismo,
simbolizando que o tempo passou, mas que o Romantismo
ficou (cf. subtítulo do romance – Episódios da Vida
Romântica). O conflito/antagonismo radical entre esta
estética e o Realismo/Naturalismo é representada no
episódio pela posição antagónica assumida entre Alencar e
Ega (este considera que “A forma pura da arte naturalista
devia ser a monografia” enquanto que Alencar utiliza uma
expressiva metáfora para se referir ao
Realismo/Naturalismo – “excremento”).
No entanto, o episódio em referência não se esgota na
questão literária.
Com efeito, o autor tece uma crítica a diversos setores:
 a situação deplorável das finanças portuguesas;
 o endividamento português;
 a questão da identidade portuguesa;
 a insensibilidade perante a decadência do país;
 a incapacidade de alguns membros da elite lisboeta se
comportarem com civismo e dignidade.
a. Discurso indireto livre - Através da sobreposição do
discurso do narrador e do discurso da personagem Alencar,
imprime-se mais vivacidade ao diálogo, destacando-se o
universo interior da personagem.
b. Citação
c. Discurso direto - O discurso direto confere vivacidade ao
diálogo, contribuindo para a caracterização indireta de
Dâmaso – ridicularização devido às ideias que defende e ao
registo de língua que utiliza.
1.2. Exemplo:
O pobre Alencar desabafou:
– O naturalismo… Esses livros poderosos e vivazes, tirados a
milhares de edições!… Essas rudes análises, apoderando-se
da Igreja!…
1.3. Exemplo:
Dâmaso confessou que, se as coisas chegassem àquele
ponto e se se pusessem feias, ele, à cautela, ia-se raspando
para Paris.
2.
a. Discurso relatado introduzido pelo verbo “murmurar”, que
descreve foneticamente o ato de fala, sugerindo a discrição de Craft e
da formação e mentalidade britânicas por ele representadas.
b. Discurso relatado introduzido pelo verbo “acudir”, que sugere a
subserviência de Dâmaso relativamente a Carlos.
c. Discurso relatado introduzido por “continuava […] a berrar”, que
realça a tendência de Ega para o exagero e para o espalhafato.
d. Discurso relatado introduzido pelo verbo metafórico “rosnar”, em
articulação com a expressão “sombrio e torcendo os bigodes”,
remetendo quer para a teatralidade quer para a emotividade que
caracteriza a personalidade romântica de Alencar – destacando-se,
neste caso, a sua indignação.
O episódio das corridas (a que Carlos assiste com o único objetivo
de rever Maria Eduarda, o que não acontece) constitui mais uma
visão caricatural da sociedade lisboeta que, num desesperado
esforço de cosmopolitização, resolve promover um espetáculo que
nada tem a ver com a tradição cultural do país, como Afonso
sublinha: “O verdadeiro patriotismo do seu “sport” próprio, e o nosso
é toiro: o toiro com muito sol, ar de dia santo, água fresca e foguetes
(…)” (Cap.X)

A descrição do hipódromo, feita de acordo com a perspetiva de


Carlos, enfatiza o provincianismo da população portuguesa.
Efetivamente, o público da corrida, constituído por homens e mulheres da
alta sociedade portuguesa do século XIX, é fundamentalmente formadopor
pessoas que que trajam desadequadamente, envergando roupas muito
escuras ou demasiado formais. É um público que não sabe como agir no
evento (mantendo-se em silêncio, parado ou deslocando-se
vagarosamente).

Este público vai, ainda, manifestar-se como uma massa única (“um magote
apertado de gente”). Quando ocorre uma briga, o público mais uma vez
acorrerá como “uma massa tumultuosa de chapéus altos, de fatos claros,
empurrando-se contra escada da tribuna real”.
Em conclusão, através deste quadro, em que são destacados o
provincianismo, o desejo de imitação do estrangeiro, a falta de civismo e o
falso cosmopolitismo do público que assiste às corridas, Eça compõe um
pouco mais do panorama que pretende revelar e que corresponde aos
“Episódios da Vida Romântica” correspondentes ao ambiente dominante do
Portugal da regeneração, representado metonimicamente pela sociedade
lisboeta.
3. Este jantar é mais um dos Episódios da Vida Romântica (subtítulo do romance); é mais
um quadro da crítica de costumes (um momento da vida social de Carlos, que participa
com Ega num jantar em casa dos condes de Gouvarinho).

4. O Espaço físico interior é romântico e antiquado: “Na sala de jantar, um pouco sombria,
forrada de papel cor de vinho, escurecida ainda por dois antigos painéis de paisagem
tristonha, a mesa oval, cercada de cadeiras de carvalho lavrado, ressaltava alva e fresca,
com um esplêndido cesto de rosas entre duas serpentinas douradas.” (ll. 20-23). Há,
contudo, um contraste curiosos entre o ambiente geral da sala de jantar (sombrio e
antiquado) e a mesa de jantar, o local que serve de epicentro ao episódio.

5. O Ambiente é o da alta sociedade lisboeta – decorre um diálogo pretensamente


intelectual, em que se abordam temas como a dicotomia Porto/Lisboa, o país, a perspetiva
de estrangeiros sobre Portugal, as colónias, a escravatura, o progresso.
6. Dicotomia Porto/Lisboa: o conde Gouvarinho louva o progresso do Porto, realçando,
contudo, diferenças face a Lisboa, a metrópole.
Perspetiva do estrangeiro sobre Portugal/colonialismo: o conde de Gouvarinho sente-se
ultrajado pela desvalorização da história e cultura portuguesas por um autor inglês,
reforçando os feitos patrióticos portugueses (na perspetiva do conde, tudo se devia a
inveja pelas colónias detidas por Portugal); Carlos, apesar de espicaçado pelo conde a
participar na conversa, mostra-se ausente, sem opinião formada; Ega pronuncia-se contra
o colonialismo e as explorações em África e a favor da existência de selvagens.
Escravatura: Ega manifesta-se a favor da escravatura e incrédulo no progresso, deixando
Sousa Neto confuso e perplexo.

7. O jantar em casa do conde de Gouvarinho evidencia a mediocridade mental da


aristocracia e da classe dirigente do país.

8. Tópicos a destacar neste capítulo: Declaração de amor de Carlos a Maria Eduarda;


incesto inconsciente.
 Conforme o que é referido por Lúcia Vaz Pedro e Carlos Reis, o tema do incesto é um
tema trágico (abordado, por exemplo, na tragédia grega Rei Édipo).
 Tal como os heróis da tragédia clássica, Carlos e Maria Eduarda destacam-se dos
que os rodeiam pelo seu caráter excecional e superior, tanto no que diz respeito à
educação como à beleza.
• A intriga tem uma feição trágica se tivermos em conta a aproximação dos
protagonistas, uma vez que há uma aproximação predestinada de Carlos e Maria
Eduarda. Daí Ega afirmar que estão ambos "irresistivelmente, fatalmente, marchando
um para o outro". Esta tragicidade é, aliás, corroborada pela descrição da Toca - é de
notar aspetos que vão desde o valor simbólico do nome, aos vários elementos que,
na sua caracterização, funcionam como presságios do desfecho trágico da ação:
• a oposição entre o sagrado (local dedicado ao culto) e o profano (sensualidade
pecaminosa) apontando para o desrespeito pelas relações fraternas / preparação do incesto;
 A decoração do quarto, marcada pelo “luxo estridente e sensual” (l. 32) – cf. simbolismo do
vermelho (paixão, sangue) e do amarelo e dourado (luxo desmedido): “colcha de cetim amarelo”
(l. 41), “flores de ouro” (l. 41), “cortinas também amarelas” (ll. 41-42);
• analogia com paixões trágicas – amores de Vénus e Marte; amores de Romeu e Julieta; vida de
Lucrécia Bórgia; referência a São João Baptista;
• referência à coruja embalsamada (ave agoirenta).

• A intriga principal na obra assume a partir de determinado momento um desenrolar


característico da ação trágica, sendo possível reconhecer três partes essenciais:
• Peripécia – as casuais revelações de Guimarães a Ega, preparadas pelo encontro anterior com
Maria Eduarda – é no centro daquele pedido inócuo para que Ega entregue um cofre de papéis
“ao Carlos da Maia ou à irmã” que está concentrada a força de um destino que insiste em impôr
os seus desígnios às personagens.
• Reconhecimento – revelações de Guimarães a Ega e deste a Carlos que as estende ao avô.
• Catástrofe – ocorre de forma violenta, atendendo a tensão que marca o último encontro entre
Carlos e o avô e sobretudo a morte deste e a irreversível separação dos dois amantes,
definitivamente consumada com a partida de Maria Eduarda.

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