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Significados
E já por razões políticas, pode dizer-se, que a família de Garrett se desloca para a
Terceira, em 1809, fugindo à segunda invasão francesa. O jovem Garrett instala-se,
pois, nos Açores, de onde partirá mais tarde para Coimbra; antes disso, no entanto,
essa experiência açoriana é também um tempo de formação cultural disciplinada pela
figura austera do tio bispo, D. Frei Alexandre da Sagrada Família. [...]
Isso não impede, contudo, que do Garrett político tenha ficado a imagem
constituída do legislador e do parlamentar, cujo brilho oratório ajudou a granjear a
notoriedade que o escritor teve em vida. Uma notoriedade que, ainda no plano
político, fica a dever-se também a distinções e cargos de destaque, já no tempo da
Regeneração. o título de visconde, a condição de par do reino e o lugar de ministro
dos Negócios Estrangeiros (em 1852) coroaram uma vida pública a pouco e pouco
complacente 1 com a degenerescência 2 dos ideais liberais.
O autor: Almeida Garrett
Mas a notoriedade de Garrett não se deve apenas à sua atividade literária e à sua
intervenção na vida política do Liberalismo. Tal como acontece com outros
escritores da nossa Literatura (Camões e Bocage, por exemplo), Garrett constitui
uma personalidade já de si com uma dimensão verdadeiramente literária, no
sentido em que é dotado de uma contextura 3 psicológica peculiar. E isto é tanto
mais importante quanto é certo que o tempo cultural de Garrett convida a uma
espécie de fusão entre a representação literária de temas e atitudes românticas e a
vivência, no quotidiano desses temas e atitudes — ainda que eventualmente seja
difícil distinguir o que nela existe de autêntico do que é encenado.
O autor: Almeida Garrett
Seja como for: o culto de um egocentrismo dominante, a emulação com o modelo
camoniano do poeta genial e perseguido [...], a tendência para os gestos teatrais
que eram também os do orador inflamado [...], o dandismo 4 conjugado com uma
intensa vida mundana, são certamente os aspetos mais salientes de uma
personalidade complexa e multímoda 5, de um cultor de mitos em que se projetava
e comprazidamente revia [...]. Aspetos a que, naturalmente, há que juntar uma
vitalidade sentimental notável, decorrente de um perene donjuanismo 6, tudo bem
representado na publicação, em 1853, um ano antes de morrer, de umas Folhas
Caídas em mundanidade e sentimento amoroso se articulam de forma hábil [...].
Carlos Reis e Maria da Natividade Pires, História Crítica da Literatura Portuguesa - «O Romantismo»,
vol. V, 2. a edição, Lisboa, Editorial Verbo, 1999. pp. 69-71.