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LITERATURA BRASILEIRA MODERNA: ROMANTISMO

CAPÍTULO V A POESIA

INTRODUÇÃO

De 1836, quando Magalhães publicou os Suspiros Poéticos e Saudades, até 1870,


quando se editaram as Espumas Flutuantes, de Castro Alves, podemos dizer que evoluiu,
nas suas linhas mais significativas, a nossa poesia romântica. E, na sua maioria, os
historiadores que procuraram interpretar essa evolução, viram-na, antes de mais nada, como
o resultado da sucessão de três gerações de poetas: a geração de Magalhães, de finida na
década de 1830, sobretudo pelo propósito de iniciar, no País, o processo de modernização
romântica, e de nacionalização, não apenas de sua poesia, mas também, na medida do
possível, de toda a sua literatura (o teatro, a ficção, a crítica e a história); a geração de
Gonçalves Dias, Alvares de Azevedo e Casimiro de Abreu, que atuou nos decénios de
1840 e 1850, e que veio a ser, por motivos e num sentido que não cabe agora analisar, a nossa
primeira geração de grandes poetas românticos; finalmente, na década de 1860, quando nosso
Romantismo chegava a seu fim, a geração de Varela e Castro Alves, que abriu, à nossa
poesia romântica, suas últimas perspectivas, levando-a para um sentimento da natureza e da
vida menos inti-mista, o que significa, mais universal, e ainda para um "compromisso" com a
revolução política e social que começava a fermentar no País, e o levaria, em alguns anos, a
promover a abolição da escravatura, a derrubar a monarquia e a fazer a república.
Se bem reconheça que este modo de ver a evolução de nossa poesia romântica é um
pouco simplificador, e lhe falte o apoio em um estudo mais profundo de nossas gerações
literárias, não posso deixar de concordar em que corresponde, até certo ponto, a uma
verdade histórica, e que é útil a quem deseja uma primeira tomada de contacto com essa
verdade histórica, naturalmente mais complexa do que se apresenta nesta esquematização.
Mas o estudo de nossa poesia romântica não implica apenas na compreensão de sua
evolução em termos da sucessão de três principais gerações literárias. Implica também em
saber que significação têm os limites dessa evolução, quais são os mais expressivos caracteres
da poesia que realizamos dentro desses limites, e quais os seus mais significativos valores.
No que respeita à primeira questão, creio não ser difícil compreender que a geração de
Magalhães, se se empenhou decididamente na definição de nosso Romantismo, em termos de
uma ruptura com o Classicismo e da procura de uma temática nacional, no fundo não logrou,
essa geração, apesar de suas intenções, libertar-se da poesia anterior senão naquilo que nessa
poesia era flagrantemente obsoleto — o mitologismo e o bucolismo; o mais não
conseguiu, pelo menos relevantemente, superar. E, assim, o nosso Magalhães dos
Suspiros Poéticos e Saudades, em matéria de linguagem e do que entendia por Poesia,
não se afastou muito dos poetas anteriores, como, por exemplo, Filinto Elísio, por quem
teve sempre uma incondicional admiração. E o que se diz de Magalhães, pode-se dizer de
Porto Alegre; e daí termos de convir em que esta geração quando muito definiu, entre a
Renovação Clássica, vinda do século XVIII (e em que ela se formou), e a revolução ro-
mântica que pretenderam realizar, uma faixa de claro e escuro, ou, mais simplesmente, de
transição. Mas a impossibilidade que tinha esta geração para definir completamente nosso
Romantismo, não decorria apenas do fato de se ter educado dentro dos padrões da poesia
clássica, mas também do fato de haver ela adquirido uma educação romântica na Europa, o
que significa, e desde logo significou para ela, uma alienação da realidade brasileira, de que
estava quase ausente em espírito, e sobre a qual procurara intervir. Resultado: se de um
lado esta geração não conseguiu superar uma situação de transição, de outro não conseguiu
formular, para seus patrícios, um programa de reforma literária, realista e exequível. E
aqui está a explicação, no fim de contas muito simples, por que os Suspiros Poéticos e
Saudades e a tragédia O Judeu (para falar apenas das duas obras mais significativas desta
geração), apesar dos aplausos que de pronto receberam, a rigor não tiveram um efe tivo papel
na formação do nosso Romantismo, ficando, portanto, apenas como marcos iniciais de um
amplo processo histórico que resultou nessa formação.
Se passarmos agora para a última geração romântica, não é também difícil observar
que, tanto quanto a geração de Magalhães, a geração de Varela e Castro Alves resultou em
ser uma geração de transição, e, no caso, de transição do Roman tismo para o Realismo.
Varela compreendeu muito bem (e o disse no prefácio de Cantos e Fantasias) que sua
poesia já não era a poesia do "desalento de Alvares de Azevedo e Casi miro de Abreu",
nem dos "tacapes e borés" de Gonçalves Dias; e Castro Alves, no mesmo ano de 1865, no
poema "Adeus, Meu Canto", fez sua profissão de fé numa poesia "compromissada" com as
mais novas ideias revolucionárias do século, ideias que vieram a definir a geração realista, e
que ambos os poetas não puderam acompanhar, porque prematuramente falecidos (Castro
Alves em 1870 e Varela em 1874). No fim de nosso Romantismo, portanto, tanto quanto no
seu início, uma faixa de claro e escuro ou de transição; e tanto quanto o limite de 1836, o
de 1870, ano da publicação das Espumas Flutuantes, resulta em ser um impreciso e apenas
convencionado marco histórico.
Outra questão em que implica o estudo geral de nossa poesia romântica é a da
definição de seus caracteres mais expressivos. E aqui concordemos, logo de início, em que
não é fácil dizer, sem riscos de arbítrios pessoais e de erros, quais os mati zes significativos
de determinada época literária. Reduzo tais riscos, estabelecendo um critério impessoal de
apreciação, e considerando apenas aqueles aspectos que foram significativos para os próprios
românticos, e que, ao mesmo tempo, resultaram em ser significativos para a evolução geral
da literatura brasileira. E nesse sentido creio que posso sublinhar cinco aspectos: 1.° — a
poesia saudosista, que Magalhães iniciou, em 1836, com modestas possibilidades líricas (que
o digam poemas como "Adeus à Europa"), e que veio a ser, a partir de 1846, quando se
publicou a "Canção do Exílio", de Gonçalves Dias (nos PrimeirosContos) o tema que
popularizaria o mesmo Gonçalves Dias, e ainda Casimiro de Abreu (Canções do Exílio,
livro primeiro das Primaveras), e Varela (]uvenília, livro primeiro de Cantos e
Fantasias, 1865). Uma poesia saudosista que se filia va sabidamente numa moda
romântica europeia, sobretudo francesa e portuguesa, mas nem por isso deixou de encontrar,
no teor de sentimentalidade e nos motivos, a sua originalidade brasileira, e ao mesmo tempo sua
profunda ressonância em nossa psicologia afetiva. 2° — a poesia indianista, que também
resultou de sugestões da literatura europeia (lembremo-nos sobretudo das obras de
Chateaubriand, Atala e Os Natchz, e da apologia do americanismo, de Ferdinand Denis e
outros), mas por outro lado não resultou menos do movimento geral de simpatia, que desde
os anos de 1830 se levantou no Brasil em favor dos índios, e no sentido de valorizar sua
contribuição em nossa etnia e chamá-los a integrar, efetivamente, a nacionalidade. E tanto
como no caso da poesia da saudade, se é a Magalhães e à sua geração que temos de
reconhecer o mérito da prioridade em nossa poesia indianista romântica, no que respeita a
méritos literários, foi sem dúvida a Gonçalves Dias que ficamos a dever (desde os Primeiros
Cantos, de 1846, aos Timbiras, de 1857), o melhor dessa poesia, e também aquela poesia
indianista que o público brasileiro da época sentiu e aplaudiu. 3.° — tendo sido o
Romantismo, a par de uma ideologia, de complexo conteúdo artístico, social e político, uma
época que propiciou o aparecimento de naturezas humanas caracterizadas pelo egocentrismo,
pela hipersensibilidade, pela melancolia, pelo pessimismo, pela angústia, pela desesperação, ou,
em uma expressão, pelo que na época se denominou "o mal do século", isto é, a crise
moral típica do homem da primeira metade do século XIX, não era de esperar ficasse nossa
mocidade romântica preservada dessa psicose; e ela teve, entre nós, sobretudo nas décadas
de 1840 e 1850, agudas manifestações, em poetas como Alvares de Azevedo, Junqueira Freire,
Laurindo Rebelo, Casimiro de Abreu, e de tais manifestações é sabido que resultou uma
significativa poesia lírica, que também contou com a audiência do grande público. 4.° —
caracterizou ainda nossa poesia romântica o que se pode definir como a descoberta dos
valores líricos da natureza brasileira: de um lado, assim sentiram poetas como Magalhães,
Porto Alegre, Gonçalves Dias, Castro Alves, essa natureza se singularizava, em face da
natureza de outros países, por um conjunto insuperável de belezas, desde o grandioso ao
mais delicado (a baía de Guanabara, a serra dos Órgãos, o Pão de Açúcar, o Amazonas, as
florestas virgens, um céu de anil, as aves canoras, as borboletas, etc., etc.); doutro lado,
essa natureza, tão pródiga de cenários majestosos e até sublimes, e de mimos, sem par,
inspirava, como fizeram sentir Magalhães e sobretudo Varela, uma religiosidade profunda,
pelo que expressava do poder criador de Deus; doutro lado, finalmente, a natureza
brasileira não se singularizava menos, como tão impressivamente fez sentir Varela, pelo
encanto de seus aspectos mais rústicos (as flores silvestres, o perfumado bafo do sertão, a
humilde e tranquila choça do roceiro, a melancólica cruz de estrada, o recolhimento das matas
sombrias, etc., etc.). 5.° — finalmente, caracterizou a nossa poesia romântica, na altura de
1860 a 1870 (e aqui temos de pensar, obviamente em Castro Alves), uma empenhada partici-
pação nos movimentos de ideias revolucionárias, iniciadas nessa altura, em favor da abolição
da escravatura e da reforma mental, social e política do Brasil.
Naturalmente, essa visualização dos aspectos mais significativos da poesia romântica
brasileira não compreende tudo que foi, essa poesia, em matéria de temas e mesmo em
matéria de matizes dos temas considerados. Os estudos que seguem, dedicados aos principais
poetas desta época, completarão essa visualização.
E agora, para concluir, um balanço dos valores dessa poesia. Na ordem do relativo,
Magalhães, Gonçalves Dias, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu, Fagundes Varela e
Castro Alves foram, sem dúvida, os nossos mais significativos poetas românticos; mas na
ordem dos valores absolutos, pouco a pouco chegou a crítica à convicção de que foi
Gonçalves Dias a mais completa organização poética de nosso Romantismo, e foi, ainda,
aquele a quem ficamos a dever a primeira definição de uma grande poesia brasileira. Mas é
evidente que o reconhecimento da particular significação de Gonçalves Dias, em nossa literatura,
e mesmo na área da literatura de língua portuguesa, não invalida a convicção da crítica e de
muitos leitores de que, enquanto poeta de poderosa inspiração, de eloqúentíssima expressão
poética e invulgar influência sobre o público, Castro Alves é também um poeta
particularmente significativo, não só no Brasil, mas também no âmbito de nossa língua. E
é, n a t u r a l m e n t e , e m face desta escala de valores, que só os poetas citados neste parágrafo
merecerão, a seguir, particular tratamento histórico e crítico.

AMORA, Antônio Soares. O Romantismo. Col. A literatura Brasileira. Vol. II. Cultrix: São
Paulo, 1978.

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