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Belo Horizonte
1º semestre de 2018
Lucas Emanuel Silva Araújo
Belo Horizonte
1º semestre de 2018
Agradecimentos
A Deus, a Oxalá e todas as energias espirituais, por terem me dado coragem e saúde
para seguir meus caminhos. A minha mãe Vera Lúcia da Silva, heroína que sempre me
deu apoio e carinho. Por estar por perto e por sonhar esse sonho comigo, com um
sorriso leve, presença intensa e mente criativa. Ao meu pai, Valmir Geraldo Araújo, por
me incentivar e se orgulhar do meu crescimento.
A minha irmã Luana, pelo ouvido atento e palavras sempre amigas. Aos meus irmãos,
Jefferson e Jackson, e suas famílias, pelo apoio nos momentos turbulentos.
Meus agradecimentos ao Grupo de Teatro Boca de Cena, Dez Pras Oito e Cia. Efêmera
de Teatro, companheiros dе trabalho que fazem parte da minha formação. Aos amigos
que fiz dentro e fora das cenas, eu agradeço. A Antônio Vinícius, por estar presente em
minha vida.
Ao Teatro Universitário, por tudo que vivi, pelas trocas sinceras com grandes mestres e
eternos amigos. A todos os professores da graduação em Teatro que fizeram parte da
minha formação e em especial a professora Marina Marcondes Machado, por todo
cuidado e estímulo. Por acolher esse jovem pesquisador, abrindo mapas possíveis de
serem por mim trilhados e redesenhados.
A todos que contribuíram para que eu chegasse nesse momento, meu muito obrigado.
Resumo
As Cartas..............................................................................................................16
III. Conclusão..................................................................................................................30
Referências Bibliográficas...............................................................................................36
I. Introdução: Quem sou e como surgiu o projeto desta monografia
Na manhã do dia 23 de março de 1995 eu nasci. Ariano com touro por ascendente, fogo
com terra. O filho caçula da união de Valmir e Vera, quarto filho da casa. Ainda na
maternidade, após ter passado por uma infecção generalizada e uma transfusão de
sangue, novos rumos foram traçados para a minha família. Principalmente para minha
mãe, que deixou a função de secretária para trabalhar em casa lavando roupas para
terceiros, e assim, ficar mais próxima do filho que até então necessitava atenção. O
empreendimento aos poucos se fortaleceu e, adequando-nos às necessidades da
Lavanderia Silva Araújo, frequentemente mudávamos de casa: para a minha felicidade
eram sempre casas com quintais espaçosos. Funcionários e clientes que iam e vinham
marcavam o cotidiano do espaço.
5
Nacional pelo atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e
declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO em 1985.
Não tão crescido adentrei no teatro da cidade dos profetas. Aos poucos ele adentrou em
mim. Lembro-me de sair sozinho aos 10 anos de idade, hábito que até então era
corriqueiro para crianças na cidade, para assistir as figuras bíblicas da Paixão de Cristo.
Subi as ladeiras chorando por estar atrasado e chorei em dobro, emocionado ao ver
aquelas longas túnicas e as estruturas dos palcos instalados no alto da ladeira, tendo
como fundo a igreja do Santuário. No ano seguinte, em 2006, comecei a participar dessa
encenação, o que marca minha aproximação com as produções escolares realizadas nas
instituições públicas onde estudei. No mesmo ano me tornei aluno do Projeto Arte na
Escola, iniciativa da Secretaria Municipal de Educação, que promove também nos dias
de hoje oficinas artísticas para alunos da rede municipal de ensino, em horário
complementar ao ensino básico.
Em 2008, com treze anos de idade, ingressei num curso de teatro na cidade vizinha,
Conselheiro Lafaiete, que propunha experimentar contribuições do trabalho do
vanguardista Jerzy Grotowski para o teatro contemporâneo. A priorização do trabalho
do ator sobre si mesmo, a canalização de impulsos e tensões corporais, a expressividade
para além do que é dito e a busca por um teatro não-naturalista, com registros vocais e
corporais extracotidianos, foram alguns dos aspectos vividos durante oito meses de
curso. Perspectivas que só foram incorporadas à minha prática como artista anos
depois, já na formação universitária, em disciplinas de interpretação e criações cênicas.
Realizava o trajeto até o curso sozinho, uma vez por semana, trazendo comigo ligações
de afeto e apoio de meus pais, que sempre incentivaram minha autonomia.
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Aos 16 anos fui convidado a trabalhar como instrutor de teatro para crianças no Projeto
Arte na Escola, no qual até então era aluno. As aulas de iniciação teatral eram realizadas
no período da tarde em variadas comunidades do município e fizeram parte da minha
rotina durante três anos de trabalho.
Aliado às vivências com os grupos citados, me arrisquei a reunir outros jovens para
experimentar o ofício de direção e dramaturgia. Com a Cia. Pés Descalços pude dirigir
três espetáculos, participar de festivais do interior e do FETO – Festival Estudantil de
Teatro, de Belo Horizonte, no ano de 2011. Inscrevi-nos no “Prêmio Microprojetos Rio
São Francisco”, edital lançado pela FUNARTE em 2012, para produções artístico-
culturais dos estados cortados pelo Rio São Francisco. A aprovação e o valor recebido
foram de grande incentivo para os caminhos que me levaram ao estudo
profissionalizante em Teatro.
No primeiro semestre de 2013, com dezessete anos, deixei a cidade natal rumo a Belo
Horizonte, para iniciar meus estudos na Universidade Federal de Minas Gerais –
UFMG. Fui o primeiro membro da família a ingressar numa universidade pública,
graças às políticas de democratização do acesso às universidades federais brasileiras.
Em março de 2013 iniciei meus estudos como aluno de dois cursos: a formação técnica
de ator pelo Teatro Universitário (TU), curso vinculado à Escola de Educação Básica e
Profissional da UFMG (EBAP-UFMG), na qual me formei em 2015, e a Graduação em
Teatro, oferecida pela Escola de Belas Artes (EBA-UFMG), escolhendo a habilitação
em Licenciatura, escolha que culmina na escrita desta monografia.
Do início do processo formativo até hoje, primeiro semestre de 2018, passaram-se quase
cinco anos, e, como não podia ser diferente, muitas experiências atravessaram minha
trajetória. Nesse caminho, participei do Serelepe, projeto de extensão coordenado pelo
prof. Eugênio Tadeu; do Portal Primeiro Sinal, projeto de documentação e pesquisa da
história do teatro belorizontino, com orientação da profª. Mariana Lima Muniz, uma
parceria entre a UFMG e o Galpão Cine Horto; fui orientado pelo prof. Tarcísio Ramos,
participando da pesquisa sobre o ensino e aprendizado da ELA – Escola Livre de Artes
Arena da Cultura, projeto promovido pela FUNDEP – Fundação de Desenvolvimento
da Pesquisa.
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Para além das vivências conectadas à universidade, pude experimentar o ensino de
teatro como monitor do Colégio Bernoulli, bem como professor na Associação Projeto
Providência, na comunidade Fazendinha, próximo ao aglomerado da Serra, instituições
com diferentes contextos sociais e realidades diversas. Desde 2017, trabalho como
instrutor de teatro na Escola SESI Alvimar Carneiro de Rezende, no bairro Cinco, na
cidade de Contagem, escola onde proponho desdobramentos das perspectivas e práticas
veiculadas nas disciplinas de ensino de teatro cursadas na universidade.
Com o passar dos anos, fui-me reconhecendo um moço-velho, moço que quer ser velho,
mas sem nem saber ser moço ainda, “me reli” e me interessei pelas coisas “entre o céu e
a terra que mal sonham nossas vãs filosofias”: o aprendizado espiritual, marcado pela
prática do Tarô, da Cabala e da Umbanda. Práticas ritualísticas que me fazem ver o rito
presente na cena contemporânea por outra perspectiva. O ritual é vivenciado no teatro
contemporâneo por meio do encontro e do convívio, que possibilitam a experiência dos
corpos e suas transformações, causando revisão de comportamento, memória, contexto
e posição social. A interação entre ritualidade e práticas artísticas me levou aos estudos
da performance, e “seu lugar de negociação, transição, margem e borda” (CARLSON,
2010, p. 30). Tenho grande interesse em pensar minha prática de professor de teatro
conectada à arte contemporânea.
Ao rever meu percurso como professor, dos meus dezesseis anos até hoje, na véspera da
conclusão do curso de Licenciatura em Teatro, percebo que muita coisa mudou. Procuro
valorizar em minhas aulas, atualmente, as teatralidades presentes no mundo,
aproximando-me da noção de teatralidade como “ruptura de limites entre obra e
processo, ficcional e real, espaço cênico e espaço público, ator e performer”
(FERNANDES, 2011, p. 2). Quero me aproximar da ruptura de divisas entre cena bem
acabada e experimento, cotidiano e extracotidiano, representação e presentificação.
Enquanto professor, revejo inúmeras teatralidades por mim negadas anteriormente, nos
instantes, por exemplo, em que alunos chamavam atenção para que as coisas do mundo
fossem vistas.
Aos dezesseis anos de idade era um professor de teatro “preenchido” pelas práticas de
um jovem ator, influenciado pelos cânones do teatro realista e em torno dos jogos
teatrais, até então para mim o único caminho possível para ensinar teatro. Editava a
noção de interpretação, os aquecimentos e comandos técnicos com o intuito de chegar
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aos alunos não atores, num processo de “transposição de aprendizados” obtidos nas
práticas de grupos e nos cursos para atores que vivenciava. Nesse período, já com o
interesse de proporcionar momentos de quebra com o ensino de teatro convencional,
propunha tímidas experimentações de artes visuais e dança, na busca de processos
criativos. Contudo, os esforços permaneciam centrados no produto: cenas e espetáculos
a serem apresentados em datas comemorativas, mostras finais e aulas abertas.
Ao rever o professor que habitava em mim e o que habita hoje, recorro às caixas de
Rubem Alves. O poeta e educador costumava descrever o ser humano carregando duas
caixas. Na mão direita a caixa das ferramentas, marcada pelo poder e pelas coisas úteis,
e na esquerda a caixa dos brinquedos, permeada pelo prazer, pela contemplação, e
consequentemente pelas coisas inúteis – mas nem por isso desnecessárias à vida.
Quanto mais eu procurava ensinar com ferramentas, menos prazer envolvia minhas
aulas de teatro. Assim como afirma o autor, a caixa dos brinquedos (e dentro dela estão
as artes) não nos leva a lugar algum, pois “quem está brincando já chegou” (ALVES,
2004).
Hoje, misturo as caixas de Rubem Alves em mim para criar encontros dentro da “caixa
dos brinquedos”, para ver o mundo com um olhar brincante. Em seguida, “rasgar as
caixas”, promovendo cruzamentos entre os pensamentos “encaixotados” e experimentar
o desconhecido. Assim, procuro unir o útil e o inútil, o objetivo e o subjetivo, o
conteúdo e a forma.
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As antiestruturas na pedagogia teatral nos convidam a experimentar uma prática pouco
veiculada ou disseminada, na contramão das convenções, e nos aproxima das poéticas
híbridas.
1
Com essa disciplina a professora Marina Marcondes Machado ganhou o Prêmio Prof. Rubens Murillo
(2015), iniciativa da Fundação Carlos Chagas. Indico a leitura do texto premiado “Dramaturgias Múltiplas
e as Culturas da Infância e Juventude: criação nos modos de aprender e ensinar na Licenciatura em
Teatro da UFMG”, disponível em: <https://www.fcc.org.br/fcc/images/premio-rmm/publicacoes/2015/
Textos_Fcc_47_Marcondes.pdf>.
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conteúdos. Contrapondo ao termo linguagens artísticas, Marina propõe o uso da noção
de “artisticidade” (MACHADO, 2015, p. 3), que agrega a musicalidade, teatralidade,
corporalidade e espacialidade, chamados pela autora de âmbitos artístico-existenciais.
Dessa forma, todas as experiências cotidianas dos seres viventes, mesmo os não
escolarizados, são levadas em consideração. Nessa perspectiva, a arte é compreendida
como modo de existência no mundo.
Essa aproximação da arte com a vida possibilita, nas aulas de teatro, a criação de um
espaço relacional. Momentos de presença compartilhada entre alunos e professor,
relacionando suas corporalidades no aqui-agora, são denominados por Marina de “atos
performativos”. Os atos performativos podem ser “tanto momentos que o adulto
prepara, bem como os usos de tempos e espaços, materiais e relações, das crianças
viventes.” (MACHADO, 2015, p. 2). As aulas como atos performativos convidam o
professor a ocupar uma presença porosa, e, por meio da interação, instaurar uma escuta
e a abertura para o outro, para assim, descobrir, juntos, o que não se sabe.
A procura por processos formativos como dramaturgo permeou também meu caminho
para além da universidade, em oficinas, cursos e trabalhos com artistas parceiros.
Participei de cursos com importantes nomes da dramaturgia atual: Grace Passô, Márcio
Abreu, Vinícius Sousa e Assis Benevenuto. Artistas que, em sua maioria, partilham da
metodologia de “Ateliê de Dramaturgia” assim como proposta pela escola francesa de
escrita. Os ateliês de dramaturgia têm como principal referência o trabalho dos
pesquisadores e condutores de ateliês: Michel Vinaver, Jean-Pierre Sarrazac, Daniel
Lemahieu e Eric Durnez. Ao questionarem a soberania do texto dramatúrgico, os
autores compartilham diversos exercícios com o intuito de propiciar uma escrita criativa
para artistas, jovens dramaturgos e interessados no assunto. Suas propositivas abrem-se
para escritas heterogêneas, performativas e experimentais. Cada ateliê possui suas
especificidades em relação à duração e ao número de encontros.
A pesquisadora Adélia Nicolete (2010) define a produção dos ateliês em três blocos:
proposição, escrita e análise. Na fase de proposição há o sorteio de personagens,
objetos, espaços e tempos verbais. Releituras de escritos, delimitações em relação ao
tamanho do texto e duração da escrita também fazem parte desta fase. Em seguida, a
segunda fase é a de realização dos textos breves, em escrita individual ou coletiva. No
terceiro bloco a análise se dá por meio da apreciação dos textos lidos por quem os
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escreveu ou por seus colegas de ateliê. Nicolete ressalta que esses procedimentos
predispõem os autores a trabalhar juntos da cena e não mais em seus gabinetes, além de
criarem suas próprias ferramentas para trabalhar futuramente, após a participação nos
ateliês.
Assim surgiram novas faíscas sobre a dramaturgia para além do texto escrito, afinado
com o que Marina Marcondes Machado situa como “dramaturgia antropológica”
(MACHADO, 2015, p. 3), dramaturgia que propõe caminhos a serem criados pelos
participantes, que assumem papel de atores e autores, com a mistura de procedimentos
artísticos e a hibridação das artes. Na terceira unidade da disciplina “Práticas de Ensino
C: Laboratório de Práticas Teatrais Dramatúrgicas”, na qual fui aluno no segundo
semestre de 2017, Marina nos propôs a criação de “roteiros de improviso”2. Com isso,
criamos dramaturgias abertas: ambientações, situações, narrativas, imagens, traços e
símbolos.
2
“Neles, buscava por esboços de cenas e cenários, contextos e situações, rabiscos e garatujas, rubricas e
didascálias, que não apontassem, de nenhuma maneira, a forma final ou a solução cênica para o ator ou
o encenador. Agir assim, como escritora do texto teatral (às vezes sem texto estrito senso), é convidar o
ator e o leitor a percorrerem uma via longa e imaginativa” (MACHADO, 2014, p. 6).
12
Trabalhar a partir de roteiros de improviso foi um contraponto às visões trabalhadas nas
duas primeiras unidades da disciplina proposta por Marina, a primeira com foco na
dramaturgia de texto e os diálogos e a segunda com foco na dramaturgia narrativa,
comentários e distanciamentos. Na terceira unidade, experimentamos, por exemplo, a
criação e compartilhamento de dramaturgias do espaço: a espacialidade como
impulsionadora do roteiro de improviso; dramaturgias da luz: ambientações que
utilizam como artifício a iluminação, suas sombras, cores e atmosferas; dramaturgias do
corpo: criação de roteiros de improviso que estimulam a corporalidade, entre dança e
teatro; e dramaturgias sem personagem: textos e situações não representacionais como
mote para improvisação (MACHADO, 2015).
O Tarô Dramatúrgico surgiu a partir de pesquisas teórica e prática, tendo como principal
referência a obra Léxico do Drama Moderno e Contemporâneo, organizado por Jean-
Pierre Sarrazac4 (2012). Minha leitura do livro aconteceu no início de 2017, em um
3
O Tarô de Marselha é um baralho clássico, formado por 78 cartas, sendo divididas em arcanos maiores
(22 cartas) e arcanos menores (56 cartas). Os arcanos maiores representam figuras da mitologia e de
outras tradições, enquanto os arcanos menores são divididos em quatro séries: Paus, Espada, Copas e
Ouros. Cada série possui 04 cartas reais (Rei, Rainha, Cavalheiro e Valete) e 10 cartas numeradas (do 1 =
Ás ao 10). Sua procedência é incerta, sendo normalmente associada aos Ciganos (teoria da origem
hindu) e aos Cruzados (teoria da origem egípcia). A estrutura do Tarô de Marselha serve de inspiração
para muitos outros baralhos de tarô (BANZHAF, 1997).
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Na defesa deste TCC, por meio do pesquisador Vinícius Souza, soube que também Sarrazac propõe o
uso de “tarôs dramatúrgicos” como recurso metodológico. As cartas sorteadas apresentam reflexões
das dramaturgias, frases do autor e de demais escritores. Seus procedimentos são descritos no artigo A
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processo criativo como um dos dramaturgos e diretor do espetáculo de estreia da Cia.
Efêmera de Teatro, na cidade de Belo Horizonte. Minha vivência do processo criativo,
que tinha como intuito experimentar a dramaturgia e a cena contemporânea, foi
fundamental para a criação das cartas do baralho.
Os autores veem o símbolo como o que dá forma aos nossos impulsos, o que provoca
nosso crescimento, transformando nossos comportamentos e marcando ganhos e perdas.
Acreditando que as palavras não são capazes de descrever toda a potência presente em
cada símbolo, ressaltam nos verbetes registrados na obra mais estímulos do que
conhecimentos científicos. Com a proposição do Tarô Dramatúrgico quero exercitar
Oficina de Escrita Dramática, traduzido por Carolina dos Santos Rocha, publicado pela Revista Educação
& Realidade, Porto Alegre, v. 30, n. 2, 2005.
14
mais estímulos sobre a dramaturgia contemporânea do que definir uma prática, levando
as cartas a serem povoadas por segredos.
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As faces estão também presentes nas cartas do Tarô Dramatúrgico, quando proponho,
numa mesma carta, aspectos positivos ou negativos de suas simbologias, bons ou maus
agouros. O poder múltiplo das cartas de um tarô e sua potência para atravessar diversas
culturas, e em cada uma delas estabelecer suas próprias relações, também estão
presentes no Tarô Dramatúrgico, misturando teatro contemporâneo com aspectos do
teatro convencional e aproximando à noção de drama moderno e contemporâneo do
pesquisador Jean-Pierre Sarrazac.
A seguir apresento as cartas uma a uma - essa revisão, tendo como referência o
Dicionário de Símbolos, pretende abrir leituras para alguns dos estímulos presentes em
cada carta. Em seguida há sete roteiros de improviso como meu Trabalho de Conclusão
de Curso, contribuição curricular para o ensino de dramaturgia contemporânea com não
atores. Incluo, em cada carta, algumas perguntas criadas como possíveis aquecimentos
para os sete roteiros de improviso.
As Cartas5
5
As imagens das cartas foram retiradas de diversos sites da internet, em seguida foram
tratadas na cor sépia. Uma única carta não possui imagem. As fontes estão nas
referências deste trabalho.
16
Conexões, A Descoberta, A Memória, A Queda, O Poder, O Ponto de Vista, O Caos, A
Rebelião, O Universo, A Encruzilhada, A Fertilidade, O Nada, A Contemplação e O
Ruído.
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Esta carta apresenta o lugar da
possibilidade. A espacialidade, infinita,
simboliza um “meio – exterior ou interior –
no qual todo ser se move individual ou
coletivamente” (CHEVALIER &
GHEERBRANT, 2016, p. 391).
18
Nesta carta está presente a dualidade da
“integração e desintegração, marcando a
condição de um renascimento e renovação”
(CHEVALIER & GHEERBRANT, 2016, p.
14).
19
Quero nesta carta propor o encontro, com
interação e aproveitamento de estímulos,
possível graças à junção de presenças.
(Dubatti, 2014).
O que me prende?
20
Esta carta remete à mistura de
procedimentos, linguagens e mídias.
21
Visito nesta carta o território de incertezas e
experiências: engajamento físico para
encontrar a ancestralidade, individual e
coletiva.
22
Aqui proponho misturar a posse e a falência.
23
O Caos, presente em muitas tradições como
principio anterior à criação do mundo, reúne
a delícia e o risco das possibilidades.
24
A carta O Universo mostra junção do
infinito e o finito, o conhecido e o
desconhecido.
25
Esta carta remete à restauração, abundância
e prosperidade. Uma energia sinuosa e
vertiginosa, que leva a uma abertura para o
que pode vir a existir.
Como é se esvaziar?
26
A carta A Contemplação abre
possibilidades para o encantamento,
receptividade para que o exterior conviva
com o interior.
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Sete roteiros de improviso no uso criativo do Tarô Dramatúrgico
Na proposição a seguir, não defino quais cartas serão trabalhas em cada encontro. As
cartas serão deitadas em um leque, com as imagens viradas para baixo, e retiradas por
meio do jogo de tiragem de cartas, de acordo com a proposição de cada dia. Ressalto a
abertura dos enunciados para que a significação do jogo seja dos participantes, suas
proposições e ressonâncias.
Como estimular encontros sem dirigi-los? O desafio está entre a minha criação e as
significações e criações do “outro”. A abertura é essencial para a interação, contanto, ao
propor encontros em sintonia com a perspectiva de teatro contemporâneo, quero
conhecer os interesses do jovem não-ator, aluno do ensino fundamental ou médio. É
mais fácil criar significações para minha poética do que estabelecer estímulos para o
desdobramento dela na educação básica. Sou um jovem pesquisador enamorado por sua
pesquisa. Enamorado também pela pedagogia do teatro, propondo diálogos entre essas
paixões. Os roteiros de improviso, concretizados por meio de atos performativos
futuros, na interação professor-aluno, mostram fragilidade e instabilidade, algo próprio
da arte contemporânea e seu ensino.
Primeiro encontro
Preparo o encontro ao fazer uma diagonal com fita crepe, cortando a sala ao meio.
Quando os participantes estiverem reunidos na sala, proponho uma conversa inicial
sobre a criação do tarô dramatúrgico e mostro as cartas, sem com isso descrevê-las. Em
seguida vou propor que as lâminas do baralho sejam embaralhadas por um dos
participantes e deitadas no chão, com as imagens viradas para baixo.
Roteiro de improviso 1: “Retire uma carta e atravesse a diagonal com o corpo da carta”.
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Segundo encontro
As cartas serão embaralhadas por um participante e deitadas no chão com suas imagens
viradas para baixo. Cada participante retira uma carta, sem que os demais participantes
vejam qual carta foi retirada.
Roteiro de improviso 2: “Faça mistério com sua carta. Junte, ao mistério, um corpo”.
Terceiro encontro
Posicionarei as cartas no chão com as imagens viradas para cima, em um grande círculo.
Cada participante ficará em frente a uma carta escolhida.
Quarto encontro
Quinto encontro
Roteiro de improviso 5: “Durante a luz acesa, as cartas são diurnas e cheias de virtude;
durante a luz apagada, as cartas são noturnas e possuem maus presságios. Transforme-
se”.
Sexto encontro
Vou demarcar sete círculos com fita crepe no chão da sala. As cartas do tarô criado pela
turma estarão espalhadas dentro dos círculos.
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Roteiro de improviso 6: “More no centro do mundo. Como seu corpo vive nesse
lugar?”.
Sétimo encontro
Utilizaremos os dois tarôs, o criado por mim e o dos participantes, para compor
paisagens no espaço da sala, utilizando as cartas como materialidade da
experimentação.
III. Conclusão
A criação dos roteiros de improviso a partir do tarô dramatúrgico, quando pensados para
a educação básica, aproxima a dramaturgia contemporânea da escola formal. Para tanto,
pensei como público-alvo para participação desses encontros, alunos dos anos finais do
Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e Ensino Médio. Ao propor uma contribuição
curricular do ensino de dramaturgia contemporânea para a educação básica, por trilhar
essa escrita como aluno da Licenciatura em Teatro e por trabalhar como professor de
teatro desde os meus 16 anos de idade, será importante estabelecer conexões com os
documentos curriculares do ensino formal.
30
educacionais. A versão final foi homologada em dezembro de 2017 e passa por processo
de implementação desde o início de 2018.
O ensino de Arte está presente tanto no Ensino Fundamental quanto no Médio, como
componente curricular. No Ensino Fundamental o ensino de Arte engloba as Artes
Visuais, Música, Dança e Teatro. Já no Ensino Médio, o ensino de artes está
contemplado em um dos “campos de atuação social”, chamado de “campo artístico”
(BNCC, 2017, p. 56).
O ensino de Arte para os anos finais do Ensino Fundamental tem como premissa inicial
fortalecer a autonomia dos alunos adolescentes e aproximá-los das experiências
artísticas. Para isso, o documento articula seis “dimensões de conhecimento”: Criação –
a produção do fazer artístico; Crítica - as impressões que promovem repensar seu tempo
e espaço; Estesia - a capacidade de experenciar, conhecer a si mesmo com o outro no
mundo; Expressão - aproximação de materialidades e vocabulários de cada linguagem
que leva a maior capacidade de exteriorizar as subjetividades; Fruição - marcada pela
abertura a eventos e acontecimentos artísticos; Reflexão – momentos de pensar e
analisar obras e criações, seja como criador ou como leitor.
31
envolvimento imaginativo e expressivo dos corpos dos participantes, em um jogo
performativo.
Tanto nos anos finais do Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio, a BNCC
comenta a noção de hibridismo nas artes, marcado pela relação fronteiriça entre o teatro,
música, dança e artes visuais. Também os processos criativos são definidos pelo
documento como geradores de transformação e reelaboração de poéticas individuais e
coletivas.
Quando os participantes puderem criar suas próprias cartas, uma nova poética surgirá
coletivamente. O coletivo estará criando dramaturgia. A composição imagética e a
escolha dos nomes das cartas criam novos arcanos, cartas que podem ser consideradas
uma “dramaturgia de imagens”, imagens corporificadas e presentificadas pelos
participantes durante os encontros de experimentação.
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O ensino de teatro por meio da imagem
Hoje vejo o Tarô Dramatúrgico como um jogo de imagens simbólicas que impulsionam
o aprendizado, tanto de si, quanto das dramaturgias contemporâneas. Esse pensamento
se aproxima do que propõe a pesquisadora Ana Carneiro (2012) ao pensar as
possibilidades da imagem no processo pedagógico teatral. As imagens são vistas pela
autora como “um material mobilizador e provocador do imaginário e, como tal podem
ser utilizadas como recurso metodológico deflagrador de processos transformadores
relacionados à apreensão de noções conceituais do ensino do teatro” (CARNEIRO,
2012, p.24).
Minha contribuição curricular para o ensino de teatro se faz presente por meio da
experimentação de imagens com o intuito de possibilitar a apreensão de conhecimentos
da dramaturgia contemporânea. Para isso, o imaginário dos participantes é evocado pela
leitura das simbologias das cartas e, em seguida, esses remetimentos são corporificados
na experimentação dos roteiros de improviso. As imagens são, em sintonia com Ana
Carneiro, determinadas como “objeto material” que provocam a imaginação. As
ressonâncias criadas nos participantes ao lerem e assimilarem as imagens evocam a
imaginação. Para Carneiro, “a imaginação é a própria mente em atividade, em luta
gerada pelas provocações que lhe foram enviadas” (CARNEIRO, 2012, p. 29). Em meu
Trabalho de Conclusão de Curso, o foco de interesse é o trabalho com a imagem na
apreensão de conceitos da dramaturgia por meio da imaginação e da experimentação
corporal.
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Para onde vou...
Nesse ler e reler as cartas para pensar proposições pedagógicas me aproximei do estudo
simbólico e do ensino por meio do compartilhamento de imagens. Tais perspectivas,
desconhecidas até o início de escrita desse trabalho, me levam a buscar uma prática
menos centralizada na palavra e no professor, aproximando-me de uma prática artística
e pedagógica de maior autonomia do aluno.
Muitas vezes me questionei: “De qual dramaturgia eu estou falando mesmo?”. Pergunta
que também diz da minha vivência artística que une práticas de teatro convencionais e o
desejo de criar poéticas contemporâneas. Ainda que essa incerteza paire sobre mim,
passei por um processo de autoconstatação: mesmo que eu esteja falando de uma
dramaturgia contemporânea, por vezes a estrutura dramática não é rompida, o que não
nega meu interesse pelos desvios e antiestruturas.
Essa “estrutura em crise” está também presente no teatro contemporâneo, assim como
discutido por Jean-Pierre Sarrazac (2012) na obra Léxico do Drama Moderno e
Contemporâneo, ao pensar a dramaturgia sem negar suas características dramáticas e
convencionais, mas sim revisar tais procedimentos, alargando conceitos e definições. O
autor ressalta algumas antigas certezas sobre dramaturgia que foram sendo ruídas pelo
tempo e que ganham novas significações, sem, contudo, negar o gênero dramático. A
partir desses estudos fico interessado em desvendar, ainda que parcialmente, os
mistérios da criação teatral da atualidade para propor novos mistérios na educação
teatral de jovens e crianças.
Como o TCC tem duração de 15 semanas, optei pelo viés curricular, portanto o
processo pedagógico aqui proposto será colocado em ação futuramente. Esse é o meu
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primeiro projeto de futuro: experimentar os sete roteiros de improviso criados a partir
do Tarô Dramatúrgico na escola onde trabalho como instrutor de teatro. Além disso,
pretendo criar um material pedagógico, contendo o Tarô Dramatúrgico e um guia de
interpretação das cartas, para outros professores de teatro e interessados no assunto, uma
sugestão que recebi da professora Denise Pedron, na banca de defesa deste TCC.
Revejo minha caminhada de um jovem-velho. O velho que mora em mim tem como
plano de futuro se estabilizar financeiramente por meio da arte e da educação, enquanto
o jovem, ainda menino, tem como projeto de futuro fugir com o circo. Possível
conclusão: fazer teatro.
35
Referências Bibliográficas:
ALVES, Rubem. Rubem Alves: A caixa de brinquedos. Folha de São Paulo, São Paulo,
27 de julho de 2004. Consultado no endereço eletrônico: https://www1.folha.uol.com.br
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