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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

Escola de Belas Artes

Departamento de Fotografia, Teatro e Cinema.

Lucas Emanuel Silva Araújo

UM TARÔ DRAMATÚRGICO PARA A PEDAGOGIA DO TEATRO

Belo Horizonte

1º semestre de 2018
Lucas Emanuel Silva Araújo

UM TARÔ DRAMATÚRGICO PARA A PEDAGOGIA DO TEATRO

Monografia apresentada ao Curso de Graduação


em Teatro da Escola de Belas Artes da
Universidade Federal de Minas Gerais como
requisito parcial para a obtenção do título de
Licenciado em Teatro

Orientadora: Profª. Dra. Marina Marcondes


Machado

Belo Horizonte

1º semestre de 2018
Agradecimentos

A Deus, a Oxalá e todas as energias espirituais, por terem me dado coragem e saúde
para seguir meus caminhos. A minha mãe Vera Lúcia da Silva, heroína que sempre me
deu apoio e carinho. Por estar por perto e por sonhar esse sonho comigo, com um
sorriso leve, presença intensa e mente criativa. Ao meu pai, Valmir Geraldo Araújo, por
me incentivar e se orgulhar do meu crescimento.

A minha irmã Luana, pelo ouvido atento e palavras sempre amigas. Aos meus irmãos,
Jefferson e Jackson, e suas famílias, pelo apoio nos momentos turbulentos.

Meus agradecimentos ao Grupo de Teatro Boca de Cena, Dez Pras Oito e Cia. Efêmera
de Teatro, companheiros dе trabalho que fazem parte da minha formação. Aos amigos
que fiz dentro e fora das cenas, eu agradeço. A Antônio Vinícius, por estar presente em
minha vida.

A Cabana de Caridade São Francisco de Assis, em nome de D. Ruth e Pai Jacó,


agradeço por toda orientação espiritual e por muitas de minhas transformações.

Ao Teatro Universitário, por tudo que vivi, pelas trocas sinceras com grandes mestres e
eternos amigos. A todos os professores da graduação em Teatro que fizeram parte da
minha formação e em especial a professora Marina Marcondes Machado, por todo
cuidado e estímulo. Por acolher esse jovem pesquisador, abrindo mapas possíveis de
serem por mim trilhados e redesenhados.

A todos que contribuíram para que eu chegasse nesse momento, meu muito obrigado.
Resumo

O autor propõe a experimentação da dramaturgia contemporânea na pedagogia teatral


com alunos dos anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio, por meio de
proposições cujo mote é o Tarô Dramatúrgico, cartas com imagens simbólicas, criadas
por ele em 2017. Para tal, apresenta vinte e duas cartas criadas e estabelece relações
com a obra Dicionário de Símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant (2016),
conectando à noção de dramaturgia contemporânea a partir da obra Léxico do Drama
Moderno e Contemporâneo, organizada por Jean-Pierre Sarrazac (2012), de modo a
apontar caminhos para uma dramaturgia da imagem.

Palavras-chave: Educação Básica; Ensino de teatro; Dramaturgia contemporânea;


Roteiros de improviso.
Resumen

El autor propone la experimentación de la dramaturgia contemporánea en la pedagogía


teatral con alumnos de los años finales de la Enseñanza Fundamental y Enseñanza
Media, por medio de proposiciones cuyo mote es el Tarot Dramatúrgico, cartas con
imágenes simbólicas, creadas por él en 2017. Para ello, presenta veinte y dos cartas
creadas y establece relaciones con la obra Diccionario de Símbolos de Jean Chevalier y
Alain Gheerbrant (2016), conectando a la noción de dramaturgia contemporánea a partir
de la obra Léxico del Drama Moderno y Contemporáneo, organizada por Jean-Pierre
Sarrazac (2012), de modo a apuntar caminos hacia una dramaturgia de la imagen.

Palabras-claves: Educación Básica; Enseñanza de teatro; Dramaturgia contemporánea;


Rutas de improvisación.
Sumário

I – Introdução: Quem sou e como surgiu a pesquisa.........................................................5

II. Simbologias do Tarô Dramatúrgico............................................................................14

As Cartas..............................................................................................................16

Sete roteiros de improviso no uso criativo do Tarô Dramatúrgico.....................28

III. Conclusão..................................................................................................................30

O Tarô Dramatúrgico na Educação Básica........................................................30

O ensino de teatro por meio da imagem..............................................................33

Para onde vou......................................................................................................34

Referências Bibliográficas...............................................................................................36
I. Introdução: Quem sou e como surgiu o projeto desta monografia

Na manhã do dia 23 de março de 1995 eu nasci. Ariano com touro por ascendente, fogo
com terra. O filho caçula da união de Valmir e Vera, quarto filho da casa. Ainda na
maternidade, após ter passado por uma infecção generalizada e uma transfusão de
sangue, novos rumos foram traçados para a minha família. Principalmente para minha
mãe, que deixou a função de secretária para trabalhar em casa lavando roupas para
terceiros, e assim, ficar mais próxima do filho que até então necessitava atenção. O
empreendimento aos poucos se fortaleceu e, adequando-nos às necessidades da
Lavanderia Silva Araújo, frequentemente mudávamos de casa: para a minha felicidade
eram sempre casas com quintais espaçosos. Funcionários e clientes que iam e vinham
marcavam o cotidiano do espaço.

Nesse cruzamento de casa-comércio eu brinquei, criei espaços ficcionais com materiais


da lavanderia, cuidei de galinhas e dei nome para as menores, tratei de passarinhos num
grande viveiro e quebrei seus ovinhos para fazer bolo, misturando com as folhas das
árvores que caiam no chão. Não subia em árvores, não brincava na rua. Enxergava um
mundo de possibilidades refletidas nas águas das bacias, que para minha mãe era
trabalho e sustento. Encontrava objetos abandonados nas ruas e pedia para levar pra
casa, com o intuito de montar habitações e esconderijos. Os livros de poesia e os
infanto-juvenis, desde então, já eram inseparáveis amigos. Criava todo um ritual aos
domingos, ao chamar a família para participar de uma missa que eu mesmo fazia.
Recrutava irmãos, primos e amigos para serem ajudantes do meu pseudo “espetáculo
circense” ou modelos de desfiles, com roupa de lençóis amarrados. Nos dias de pirraça
ameaçava: “Eu vou fugir com o Circo!”. Os Profetas bem sabiam onde isso ia dar, eles
espiam tudo...

Em Congonhas, a cidade onde eu nasci no interior do estado de Minas Gerais,


localizada a setenta quilômetros de Belo Horizonte, doze profetas de pedra despontam
nas colinas. As esculturas em pedra-sabão foram criadas entre 1794 e 1804, por Antônio
Francisco Lisboa, o Aleijadinho, importante escultor, entalhador e arquiteto do Brasil
colonial, com estilo afinado ao Barroco e ao Rococó. Suas obras, juntamente com a
igreja, o adro e seis capelas com variadas esculturas que representam os passos da
Paixão de Cristo, formam um conjunto arquitetônico conhecido como Santuário do
Bom Jesus de Matosinhos. O conjunto foi tombado em 1939 como Patrimônio Histórico

5
Nacional pelo atual Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e
declarado Patrimônio da Humanidade pela UNESCO em 1985.

Não tão crescido adentrei no teatro da cidade dos profetas. Aos poucos ele adentrou em
mim. Lembro-me de sair sozinho aos 10 anos de idade, hábito que até então era
corriqueiro para crianças na cidade, para assistir as figuras bíblicas da Paixão de Cristo.
Subi as ladeiras chorando por estar atrasado e chorei em dobro, emocionado ao ver
aquelas longas túnicas e as estruturas dos palcos instalados no alto da ladeira, tendo
como fundo a igreja do Santuário. No ano seguinte, em 2006, comecei a participar dessa
encenação, o que marca minha aproximação com as produções escolares realizadas nas
instituições públicas onde estudei. No mesmo ano me tornei aluno do Projeto Arte na
Escola, iniciativa da Secretaria Municipal de Educação, que promove também nos dias
de hoje oficinas artísticas para alunos da rede municipal de ensino, em horário
complementar ao ensino básico.

Em 2008, com treze anos de idade, ingressei num curso de teatro na cidade vizinha,
Conselheiro Lafaiete, que propunha experimentar contribuições do trabalho do
vanguardista Jerzy Grotowski para o teatro contemporâneo. A priorização do trabalho
do ator sobre si mesmo, a canalização de impulsos e tensões corporais, a expressividade
para além do que é dito e a busca por um teatro não-naturalista, com registros vocais e
corporais extracotidianos, foram alguns dos aspectos vividos durante oito meses de
curso. Perspectivas que só foram incorporadas à minha prática como artista anos
depois, já na formação universitária, em disciplinas de interpretação e criações cênicas.
Realizava o trajeto até o curso sozinho, uma vez por semana, trazendo comigo ligações
de afeto e apoio de meus pais, que sempre incentivaram minha autonomia.

Os anos seguintes foram de aprendizado em grupo, com artistas do teatro congonhense


e a participação em festivais de teatro no interior do estado. Ressalto a relevância do
Grupo de Teatro Dez pras Oito e Grupo de Teatro Boca de Cena, coletivos com mais de
vinte anos de trabalho na formação de público e de artistas da cidade, sem desconsiderar
o trabalho de tantos outros agrupamentos locais. Nesse percurso, ter conhecido o
professor Wenceslau Coimbra, diretor do Grupo Boca de Cena, importante diretor
belorizontino na década de 80 e ex-professor do Teatro Universitário-UFMG, me fez
mirar o teatro como possibilidade de existência, estudo e profissão.

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Aos 16 anos fui convidado a trabalhar como instrutor de teatro para crianças no Projeto
Arte na Escola, no qual até então era aluno. As aulas de iniciação teatral eram realizadas
no período da tarde em variadas comunidades do município e fizeram parte da minha
rotina durante três anos de trabalho.

Aliado às vivências com os grupos citados, me arrisquei a reunir outros jovens para
experimentar o ofício de direção e dramaturgia. Com a Cia. Pés Descalços pude dirigir
três espetáculos, participar de festivais do interior e do FETO – Festival Estudantil de
Teatro, de Belo Horizonte, no ano de 2011. Inscrevi-nos no “Prêmio Microprojetos Rio
São Francisco”, edital lançado pela FUNARTE em 2012, para produções artístico-
culturais dos estados cortados pelo Rio São Francisco. A aprovação e o valor recebido
foram de grande incentivo para os caminhos que me levaram ao estudo
profissionalizante em Teatro.

No primeiro semestre de 2013, com dezessete anos, deixei a cidade natal rumo a Belo
Horizonte, para iniciar meus estudos na Universidade Federal de Minas Gerais –
UFMG. Fui o primeiro membro da família a ingressar numa universidade pública,
graças às políticas de democratização do acesso às universidades federais brasileiras.
Em março de 2013 iniciei meus estudos como aluno de dois cursos: a formação técnica
de ator pelo Teatro Universitário (TU), curso vinculado à Escola de Educação Básica e
Profissional da UFMG (EBAP-UFMG), na qual me formei em 2015, e a Graduação em
Teatro, oferecida pela Escola de Belas Artes (EBA-UFMG), escolhendo a habilitação
em Licenciatura, escolha que culmina na escrita desta monografia.

Do início do processo formativo até hoje, primeiro semestre de 2018, passaram-se quase
cinco anos, e, como não podia ser diferente, muitas experiências atravessaram minha
trajetória. Nesse caminho, participei do Serelepe, projeto de extensão coordenado pelo
prof. Eugênio Tadeu; do Portal Primeiro Sinal, projeto de documentação e pesquisa da
história do teatro belorizontino, com orientação da profª. Mariana Lima Muniz, uma
parceria entre a UFMG e o Galpão Cine Horto; fui orientado pelo prof. Tarcísio Ramos,
participando da pesquisa sobre o ensino e aprendizado da ELA – Escola Livre de Artes
Arena da Cultura, projeto promovido pela FUNDEP – Fundação de Desenvolvimento
da Pesquisa.

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Para além das vivências conectadas à universidade, pude experimentar o ensino de
teatro como monitor do Colégio Bernoulli, bem como professor na Associação Projeto
Providência, na comunidade Fazendinha, próximo ao aglomerado da Serra, instituições
com diferentes contextos sociais e realidades diversas. Desde 2017, trabalho como
instrutor de teatro na Escola SESI Alvimar Carneiro de Rezende, no bairro Cinco, na
cidade de Contagem, escola onde proponho desdobramentos das perspectivas e práticas
veiculadas nas disciplinas de ensino de teatro cursadas na universidade.

Com o passar dos anos, fui-me reconhecendo um moço-velho, moço que quer ser velho,
mas sem nem saber ser moço ainda, “me reli” e me interessei pelas coisas “entre o céu e
a terra que mal sonham nossas vãs filosofias”: o aprendizado espiritual, marcado pela
prática do Tarô, da Cabala e da Umbanda. Práticas ritualísticas que me fazem ver o rito
presente na cena contemporânea por outra perspectiva. O ritual é vivenciado no teatro
contemporâneo por meio do encontro e do convívio, que possibilitam a experiência dos
corpos e suas transformações, causando revisão de comportamento, memória, contexto
e posição social. A interação entre ritualidade e práticas artísticas me levou aos estudos
da performance, e “seu lugar de negociação, transição, margem e borda” (CARLSON,
2010, p. 30). Tenho grande interesse em pensar minha prática de professor de teatro
conectada à arte contemporânea.

Ao rever meu percurso como professor, dos meus dezesseis anos até hoje, na véspera da
conclusão do curso de Licenciatura em Teatro, percebo que muita coisa mudou. Procuro
valorizar em minhas aulas, atualmente, as teatralidades presentes no mundo,
aproximando-me da noção de teatralidade como “ruptura de limites entre obra e
processo, ficcional e real, espaço cênico e espaço público, ator e performer”
(FERNANDES, 2011, p. 2). Quero me aproximar da ruptura de divisas entre cena bem
acabada e experimento, cotidiano e extracotidiano, representação e presentificação.
Enquanto professor, revejo inúmeras teatralidades por mim negadas anteriormente, nos
instantes, por exemplo, em que alunos chamavam atenção para que as coisas do mundo
fossem vistas.

Aos dezesseis anos de idade era um professor de teatro “preenchido” pelas práticas de
um jovem ator, influenciado pelos cânones do teatro realista e em torno dos jogos
teatrais, até então para mim o único caminho possível para ensinar teatro. Editava a
noção de interpretação, os aquecimentos e comandos técnicos com o intuito de chegar

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aos alunos não atores, num processo de “transposição de aprendizados” obtidos nas
práticas de grupos e nos cursos para atores que vivenciava. Nesse período, já com o
interesse de proporcionar momentos de quebra com o ensino de teatro convencional,
propunha tímidas experimentações de artes visuais e dança, na busca de processos
criativos. Contudo, os esforços permaneciam centrados no produto: cenas e espetáculos
a serem apresentados em datas comemorativas, mostras finais e aulas abertas.

Ao rever o professor que habitava em mim e o que habita hoje, recorro às caixas de
Rubem Alves. O poeta e educador costumava descrever o ser humano carregando duas
caixas. Na mão direita a caixa das ferramentas, marcada pelo poder e pelas coisas úteis,
e na esquerda a caixa dos brinquedos, permeada pelo prazer, pela contemplação, e
consequentemente pelas coisas inúteis – mas nem por isso desnecessárias à vida.
Quanto mais eu procurava ensinar com ferramentas, menos prazer envolvia minhas
aulas de teatro. Assim como afirma o autor, a caixa dos brinquedos (e dentro dela estão
as artes) não nos leva a lugar algum, pois “quem está brincando já chegou” (ALVES,
2004).

Hoje, misturo as caixas de Rubem Alves em mim para criar encontros dentro da “caixa
dos brinquedos”, para ver o mundo com um olhar brincante. Em seguida, “rasgar as
caixas”, promovendo cruzamentos entre os pensamentos “encaixotados” e experimentar
o desconhecido. Assim, procuro unir o útil e o inútil, o objetivo e o subjetivo, o
conteúdo e a forma.

As minhas mudanças de perspectiva em relação ao ensino de teatro, muito tem haver


com a aproximação, nos últimos anos, com os dizeres de Marina Marcondes Machado,
presentes em seu site-blog Agachamento e em suas disciplinas. Marina nos convida,
como professores de teatro, a caminhar por uma via menos percorrida, contra o senso
comum, marcações cênicas com alunos e a representação de peças bem acabadas, como
nos teatros profissionais convencionais. Um convite para nos aproximarmos das
“antiestruturas”, assim como propostas pelo antropólogo Victor Turner (1974). As
antiestruturas acontecem distantes dos acontecimentos diários para se pensar os papéis
sociais, desafiam a ordem estabelecida, subvertendo-a, abrindo possibilidades para o
novo, para a criação e para a revolução. Esse conceito alternativo, distante do que é
conhecido e experimentado comumente por todos, permite repensar e renovar a própria
estrutura, por meio de práticas que promovem rupturas.

9
As antiestruturas na pedagogia teatral nos convidam a experimentar uma prática pouco
veiculada ou disseminada, na contramão das convenções, e nos aproxima das poéticas
híbridas.

As possibilidades de antiestruturas em aulas como professor de teatro são minha busca.


Convido-me a caminhar no desconhecido de minhas experiências teatrais, que, em sua
maioria, estão ligadas ao teatro convencional. Porém, é no teatro contemporâneo e na
dramaturgia contemporânea que procuro fundamentar meu trabalho como artista e
professor de teatro, bem como este Trabalho de Conclusão de Curso.

Minha busca por experimentar a escrita dramatúrgica já acontecia desde as primeiras


vivências com os grupos da cidade de Congonhas, de forma tateante e espontânea. As
dramaturgias contemporâneas, até então pouco veiculadas às minhas criações, foram
descobertas nos processos criativos enquanto ator em trabalhos afinados ao teatro
contemporâneo, como aluno da disciplina “Teorias do texto dramatúrgico e do texto
espetacular” com o prof. Marcos Alexandre, da Faculdade de Letras (FALE – UFMG) e
com a profª. Denise Pedron e suas disciplinas de “Literatura Dramática” no Teatro
Universitário (TU-UFMG). Foram momentos de descoberta de autores e obras, além da
abertura para poéticas híbridas e fronteiriças, com criações entrecruzadas pelas artes
visuais, mídias e ações performativas.

Meus estudos sobre a dramaturgia e o teatro contemporâneo também encontraram


desdobramentos nas disciplinas ofertadas na graduação em Teatro pela profª. Marina
Marcondes Machado: “Brincar, Criar, Teatralizar e Viver”, “Abordagem Espiral no
ensino de arte” e, principalmente, a disciplina “Práticas de Ensino C: Laboratório de
Práticas Teatrais Dramatúrgicas”1, na qual conversam as criações em dramaturgia
contemporânea com o ensino de teatro, marcando fortemente a presença da brincadeira
e do jogo no trabalho com a palavra, aquém e além da escrita. Nas disciplinas ofertadas
por Marina, a cena contemporânea dialoga com o ensino de teatro.

Os processos de ensino ligados à cena contemporânea são marcados pelo hibridismo,


extrapolando a fronteira das artes, misturando materialidades, procedimentos, formas e

1
Com essa disciplina a professora Marina Marcondes Machado ganhou o Prêmio Prof. Rubens Murillo
(2015), iniciativa da Fundação Carlos Chagas. Indico a leitura do texto premiado “Dramaturgias Múltiplas
e as Culturas da Infância e Juventude: criação nos modos de aprender e ensinar na Licenciatura em
Teatro da UFMG”, disponível em: <https://www.fcc.org.br/fcc/images/premio-rmm/publicacoes/2015/
Textos_Fcc_47_Marcondes.pdf>.

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conteúdos. Contrapondo ao termo linguagens artísticas, Marina propõe o uso da noção
de “artisticidade” (MACHADO, 2015, p. 3), que agrega a musicalidade, teatralidade,
corporalidade e espacialidade, chamados pela autora de âmbitos artístico-existenciais.
Dessa forma, todas as experiências cotidianas dos seres viventes, mesmo os não
escolarizados, são levadas em consideração. Nessa perspectiva, a arte é compreendida
como modo de existência no mundo.

Essa aproximação da arte com a vida possibilita, nas aulas de teatro, a criação de um
espaço relacional. Momentos de presença compartilhada entre alunos e professor,
relacionando suas corporalidades no aqui-agora, são denominados por Marina de “atos
performativos”. Os atos performativos podem ser “tanto momentos que o adulto
prepara, bem como os usos de tempos e espaços, materiais e relações, das crianças
viventes.” (MACHADO, 2015, p. 2). As aulas como atos performativos convidam o
professor a ocupar uma presença porosa, e, por meio da interação, instaurar uma escuta
e a abertura para o outro, para assim, descobrir, juntos, o que não se sabe.

A procura por processos formativos como dramaturgo permeou também meu caminho
para além da universidade, em oficinas, cursos e trabalhos com artistas parceiros.
Participei de cursos com importantes nomes da dramaturgia atual: Grace Passô, Márcio
Abreu, Vinícius Sousa e Assis Benevenuto. Artistas que, em sua maioria, partilham da
metodologia de “Ateliê de Dramaturgia” assim como proposta pela escola francesa de
escrita. Os ateliês de dramaturgia têm como principal referência o trabalho dos
pesquisadores e condutores de ateliês: Michel Vinaver, Jean-Pierre Sarrazac, Daniel
Lemahieu e Eric Durnez. Ao questionarem a soberania do texto dramatúrgico, os
autores compartilham diversos exercícios com o intuito de propiciar uma escrita criativa
para artistas, jovens dramaturgos e interessados no assunto. Suas propositivas abrem-se
para escritas heterogêneas, performativas e experimentais. Cada ateliê possui suas
especificidades em relação à duração e ao número de encontros.

A pesquisadora Adélia Nicolete (2010) define a produção dos ateliês em três blocos:
proposição, escrita e análise. Na fase de proposição há o sorteio de personagens,
objetos, espaços e tempos verbais. Releituras de escritos, delimitações em relação ao
tamanho do texto e duração da escrita também fazem parte desta fase. Em seguida, a
segunda fase é a de realização dos textos breves, em escrita individual ou coletiva. No
terceiro bloco a análise se dá por meio da apreciação dos textos lidos por quem os

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escreveu ou por seus colegas de ateliê. Nicolete ressalta que esses procedimentos
predispõem os autores a trabalhar juntos da cena e não mais em seus gabinetes, além de
criarem suas próprias ferramentas para trabalhar futuramente, após a participação nos
ateliês.

Durante os processos de ateliês e cursos de dramaturgia, fui aos poucos me


reconhecendo como um dramaturgo em formação. Influenciado pelo convite à
observação, contemplação, construção de ficções e registros do mundo, processo
ocorrido na maioria dos cursos de dramaturgia experimentados, aquietei-me para ouvir
o outro e o mundo - atitude necessária para uma boa relação eu-outro, professor-aluno,
em uma troca de saberes.

Assim surgiram novas faíscas sobre a dramaturgia para além do texto escrito, afinado
com o que Marina Marcondes Machado situa como “dramaturgia antropológica”
(MACHADO, 2015, p. 3), dramaturgia que propõe caminhos a serem criados pelos
participantes, que assumem papel de atores e autores, com a mistura de procedimentos
artísticos e a hibridação das artes. Na terceira unidade da disciplina “Práticas de Ensino
C: Laboratório de Práticas Teatrais Dramatúrgicas”, na qual fui aluno no segundo
semestre de 2017, Marina nos propôs a criação de “roteiros de improviso”2. Com isso,
criamos dramaturgias abertas: ambientações, situações, narrativas, imagens, traços e
símbolos.

Minhas proposições, enquanto professor-dramaturgo, demarcam as circunstâncias


iniciais de um jogo, brincadeira ou performance, que será experimentada pelos
jogadores. Uma indução, não uma direção. Sendo assim, o dramaturgo não seria um
demiurgo, divindade suprema, deus que ordena e dá forma ao universo, e sim um
impulsionador, criador de uma dramaturgia híbrida vivenciada pelos participantes ao se
relacionarem durante os atos performativos.

Com os roteiros de improviso disponibilizo estímulos poéticos, por meio de narrativas,


materialidades ou ações. Os remetimentos e reações dos participantes darão
desdobramentos e caminhos ao longo do encontro.

2
“Neles, buscava por esboços de cenas e cenários, contextos e situações, rabiscos e garatujas, rubricas e
didascálias, que não apontassem, de nenhuma maneira, a forma final ou a solução cênica para o ator ou
o encenador. Agir assim, como escritora do texto teatral (às vezes sem texto estrito senso), é convidar o
ator e o leitor a percorrerem uma via longa e imaginativa” (MACHADO, 2014, p. 6).

12
Trabalhar a partir de roteiros de improviso foi um contraponto às visões trabalhadas nas
duas primeiras unidades da disciplina proposta por Marina, a primeira com foco na
dramaturgia de texto e os diálogos e a segunda com foco na dramaturgia narrativa,
comentários e distanciamentos. Na terceira unidade, experimentamos, por exemplo, a
criação e compartilhamento de dramaturgias do espaço: a espacialidade como
impulsionadora do roteiro de improviso; dramaturgias da luz: ambientações que
utilizam como artifício a iluminação, suas sombras, cores e atmosferas; dramaturgias do
corpo: criação de roteiros de improviso que estimulam a corporalidade, entre dança e
teatro; e dramaturgias sem personagem: textos e situações não representacionais como
mote para improvisação (MACHADO, 2015).

Como trabalho final da unidade e último trabalho da disciplina, somos convidados a


propor uma dramaturgia que dialoga com a cena contemporânea e os princípios
trabalhados naquela unidade. Instigado fortemente por um curso no qual eu estudava o
Tarô de Marselha - um conjunto de cartas com representações simbólicas, arquétipos da
sociedade da Idade Média, com o intuito de “predizer o futuro e conhecer o que, no
passado ou no presente, se encontra velado” (BANZHAF, 1997, p. 178) - criei um
conjunto de cartas com imagens e símbolos sugestivos para a criação artística, que
chamei de Tarô Dramatúrgico. O baralho criado contém vinte e duas cartas, assim como
os arcanos maiores do Tarô de Marselha3. Vindo do latim, Arcanus significa misterioso,
enigmático; um segredo. As cartas trazem imagens simbólicas, baseadas em conceitos e
características presentes na dramaturgia contemporânea, registradas anteriormente por
teóricos do tema, e vivências artísticas por mim realizadas até então.

O Tarô Dramatúrgico surgiu a partir de pesquisas teórica e prática, tendo como principal
referência a obra Léxico do Drama Moderno e Contemporâneo, organizado por Jean-
Pierre Sarrazac4 (2012). Minha leitura do livro aconteceu no início de 2017, em um

3
O Tarô de Marselha é um baralho clássico, formado por 78 cartas, sendo divididas em arcanos maiores
(22 cartas) e arcanos menores (56 cartas). Os arcanos maiores representam figuras da mitologia e de
outras tradições, enquanto os arcanos menores são divididos em quatro séries: Paus, Espada, Copas e
Ouros. Cada série possui 04 cartas reais (Rei, Rainha, Cavalheiro e Valete) e 10 cartas numeradas (do 1 =
Ás ao 10). Sua procedência é incerta, sendo normalmente associada aos Ciganos (teoria da origem
hindu) e aos Cruzados (teoria da origem egípcia). A estrutura do Tarô de Marselha serve de inspiração
para muitos outros baralhos de tarô (BANZHAF, 1997).

4
Na defesa deste TCC, por meio do pesquisador Vinícius Souza, soube que também Sarrazac propõe o
uso de “tarôs dramatúrgicos” como recurso metodológico. As cartas sorteadas apresentam reflexões
das dramaturgias, frases do autor e de demais escritores. Seus procedimentos são descritos no artigo A

13
processo criativo como um dos dramaturgos e diretor do espetáculo de estreia da Cia.
Efêmera de Teatro, na cidade de Belo Horizonte. Minha vivência do processo criativo,
que tinha como intuito experimentar a dramaturgia e a cena contemporânea, foi
fundamental para a criação das cartas do baralho.

Ainda durante a disciplina de dramaturgia, já tendo exposto meu interesse em ter a


orientação da professora Marina para meu Trabalho de Conclusão de Curso, fui
convidado a pensar desdobramentos do Tarô Dramatúrgico em uma sequência de aulas
de teatro: dispor da teatralidade que emana das cartas e induzir processos criativos nas
aulas de teatro. Assim surgiu meu projeto de Trabalho de Conclusão de Curso na
Licenciatura em teatro; apresento, a seguir, as vinte e duas cartas do Tarô Dramatúrgico,
com o intuito de apresentar alguns dos símbolos imbuídos em cada carta do baralho,
com a proposição de sete roteiros de improviso, contemplando a experimentação da
dramaturgia contemporânea por jovens não atores, possíveis alunos dos anos finais do
Ensino Fundamental, Ensino Médio, bem como de Oficinas Livres.

II. Simbologias do Tarô Dramatúrgico

Durante os primeiros encontros para realização do meu Trabalho de Conclusão de


Curso, fui orientado a conhecer o livro Dicionário de Símbolos de Jean Chevalier e
Alain Gheerbrant (2016). Os autores estudam o símbolo em diferentes culturas, por
meio de diversos autores. Na introdução do livro, os autores apresentam algumas
características presentes nos símbolos, compartilham mais de mil e duzentos verbetes,
sem, com isso, fechar suas significações. Minha aproximação com a obra suscita
grandes transformações em meu trabalho, ao perceber cada carta do tarô dramatúrgico
como um conjunto simbólico, composto pelas imagens e o nome de cada arcano.

Os autores veem o símbolo como o que dá forma aos nossos impulsos, o que provoca
nosso crescimento, transformando nossos comportamentos e marcando ganhos e perdas.
Acreditando que as palavras não são capazes de descrever toda a potência presente em
cada símbolo, ressaltam nos verbetes registrados na obra mais estímulos do que
conhecimentos científicos. Com a proposição do Tarô Dramatúrgico quero exercitar

Oficina de Escrita Dramática, traduzido por Carolina dos Santos Rocha, publicado pela Revista Educação
& Realidade, Porto Alegre, v. 30, n. 2, 2005.

14
mais estímulos sobre a dramaturgia contemporânea do que definir uma prática, levando
as cartas a serem povoadas por segredos.

O símbolo sintetiza “numa expressão sensível, todas as influências do inconsciente e da


consciência, bem como as forças instintivas e espirituais, em conflito ou em vias de se
harmonizar no interior de cada homem” (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2016, p.
14). Essa união é possível, segundo os autores, pois a imagem simbólica agrega o
significante e o significado, o que a diferencia do signo, criando, para além de um
sentido artificial, ressonâncias e movimentos de transformação. Faz-se necessária a
interpretação de quem vê o símbolo, e sua predisposição para reconhecer as sensações
provocadas. Sendo assim, os símbolos do Tarô Dramatúrgico podem proporcionar
novas reverberações a cada visualização, pois na imagem simbólica sempre há mais
significações do que se vê ou se sabe. Sempre há algo oculto.

Como um “objeto dividido em dois” (CHEVALIER & GHEERBRANT, 2016, p. 21), o


símbolo agrega a separação e a união de suas partes. Historicamente, todo objeto pode
ganhar uma camada simbólica, seja ele natural ou abstrato, tais como: animais, vegetais,
planetas, elementos da natureza, números, cores, sons. Porém, para o símbolo estar
vivo, sua definição não será reconhecida por completa, ainda que pressentida. É nessa
incompletude que mora a vitalidade de um símbolo. Vitalidade que pressupõe “um
envolvimento no mistério invisível do símbolo, transformando o espectador em ator”
(CHEVALIER & GHEERBRANT, 2016, p. 30).

Na experimentação do Tarô Dramatúrgico, se os participantes reconhecerem toda a


simbologia de uma carta, o símbolo estará morto. É necessário que a incerteza habite as
cartas, assim como o mistério de seus presságios, remetimentos e reverberações nos
participantes. Sendo assim, a cada nova jogada, um novo campo simbólico será aberto
com os arcanos do baralho.

Embora o símbolo rompa com qualquer sistematização, os autores do Dicionário de


Símbolos apresentam algumas de suas marcas, tais como a simultaneidade de suas
significações e a bipolaridade marcada por uma face diurna e uma face noturna. Os
autores utilizam-se da figura de um monstro, apresentando seu aspecto noturno ao
engolir e devorar, e o aspecto diurno, ao transformar e expelir um novo ser. Portanto,
cada símbolo une “a um só tempo obstáculo e coragem, trevas e luz, noturno e diurno”
(CHEVALIER & GHEERBRANT, 2016, p. 34).

15
As faces estão também presentes nas cartas do Tarô Dramatúrgico, quando proponho,
numa mesma carta, aspectos positivos ou negativos de suas simbologias, bons ou maus
agouros. O poder múltiplo das cartas de um tarô e sua potência para atravessar diversas
culturas, e em cada uma delas estabelecer suas próprias relações, também estão
presentes no Tarô Dramatúrgico, misturando teatro contemporâneo com aspectos do
teatro convencional e aproximando à noção de drama moderno e contemporâneo do
pesquisador Jean-Pierre Sarrazac.

Os autores do Dicionário de Símbolos concluem que a racionalização, ou seja, a análise


exagerada, é o principal “inimigo” do símbolo, sem com isso tirar a relevância de seu
estudo. A racionalização induz o sentido múltiplo ao sentido uno, mas o símbolo seria a
expressão do sentido múltiplo no uno:

Analisar intelectualmente um símbolo é o mesmo que descascar uma


cebola para encontrar esta cebola. O símbolo nunca poderá ser
apreendido por uma redução progressiva a alguma coisa que não seja
ele próprio; logo, deve sua existência ao impalpável que o
fundamenta. O conhecimento simbólico é uno, indivisível, e não pode
existir senão por meio da instituição desse outro termo, que ele
expressa e esconde, a um só tempo (EMMANUEL, PIERRE, 1979
apud CHEVALIER; GHEERBRANT, 2016, p. 38).

Como leitor do Dicionário de Símbolos, proponho caminhar, assim como desejado


pelos autores, rumo ao reconhecimento de alguns símbolos, no caso, os presentes em
cada carta do tarô dramatúrgico criado por mim.

A seguir apresento as cartas uma a uma - essa revisão, tendo como referência o
Dicionário de Símbolos, pretende abrir leituras para alguns dos estímulos presentes em
cada carta. Em seguida há sete roteiros de improviso como meu Trabalho de Conclusão
de Curso, contribuição curricular para o ensino de dramaturgia contemporânea com não
atores. Incluo, em cada carta, algumas perguntas criadas como possíveis aquecimentos
para os sete roteiros de improviso.

As Cartas5

Compus 22 arcanos do tarô dramatúrgico pelas seguintes cartas: A Ação, O Tempo, O


Espaço, A Presença, A Ruptura, A Multiplicidade, O Convívio, O Tensionamento, As

5
As imagens das cartas foram retiradas de diversos sites da internet, em seguida foram
tratadas na cor sépia. Uma única carta não possui imagem. As fontes estão nas
referências deste trabalho.
16
Conexões, A Descoberta, A Memória, A Queda, O Poder, O Ponto de Vista, O Caos, A
Rebelião, O Universo, A Encruzilhada, A Fertilidade, O Nada, A Contemplação e O
Ruído.

Nesta carta uno proposições que produzem


acontecimentos e energias que, ao
circularem em um tempo e espaço, criam
ondas de vitalidade e de morte.

Quanto tempo é possível ficar sem agir?

Como identificar uma ação?

Ao não agir, já estaria fabricando uma


ação?

O Tempo é normalmente representado por


círculos com movimento giratórios, o que
cria a sensação de retorno cíclico. Proponho
puir as marcas do tempo, a roda da vida, que
separa o finito do infinito, trazendo o
desregramento, a fragmentação e a bizarria.

Como marcar o tempo corporalmente?

Eu consigo romper o tempo?

Ao quebrar a noção temporal estou negando


sua ordem ou a estimulando?

17
Esta carta apresenta o lugar da
possibilidade. A espacialidade, infinita,
simboliza um “meio – exterior ou interior –
no qual todo ser se move individual ou
coletivamente” (CHEVALIER &
GHEERBRANT, 2016, p. 391).

Quantos espaços eu habito ao mesmo


tempo?

Onde ocupo um não lugar?

Eu ocupo o espaço ou ele me ocupa?

Como mudar o espaço onde se está?

A carta A Presença reúne o vazio de


caráter, a perda de características sociais,
psicológicas e referenciais: “a presença de
um ausente” ou “a ausência tornada
presente” (SARRAZAC, 2012, p. 137).

Quando eu coloco todas as minhas


máscaras na parede, o que sobra?

Se alguém usasse a máscara com meu


rosto, como agiria?

Qual máscara eu mais vejo? Quais são


ocultas?

18
Nesta carta está presente a dualidade da
“integração e desintegração, marcando a
condição de um renascimento e renovação”
(CHEVALIER & GHEERBRANT, 2016, p.
14).

Quantas vezes eu consigo romper uma


mesma estrutura?

Qual a força necessária para se quebrar um


objeto?

Como quebrar a voz e o corpo?

Nesta carta proponho possibilidades de


leituras de mundo e suas associações.
Remeto à inconclusão, à ligeireza e à
heterogeneidade de uma poética. Criei esta
carta fortemente influenciado por Ítalo
Calvino nas Seis propostas para o próximo
milênio (1990).

E se eu criar associações que abrem novas


significações e não parar nunca?

Como é mudar de assunto a cada dez


segundos?

Como guardar tudo que existe no mundo em


uma forma geométrica?

19
Quero nesta carta propor o encontro, com
interação e aproveitamento de estímulos,
possível graças à junção de presenças.
(Dubatti, 2014).

Como é ficar muito perto dos outros?

Quem já esteve com muitas pessoas, mas se


sentiu sozinho?

Como caminhar com muitas pessoas sem


enxergar o trajeto?

Como conviver com o outro em comunhão?

Nesta carta há o jogo de nervos,


contradições e oposições, que criam zonas
de interesse. Remeto ao tensionamento entre
a ficção e a realidade, tempo e o espaço, arte
e vida.

Como distensionar um elástico esticado?

O que me prende?

Como caminhar com o corpo tensionado?

20
Esta carta remete à mistura de
procedimentos, linguagens e mídias.

No que sou conectado?

Quantos fios são necessários para um


curto-circuito das artes?

Como conectar seu corpo a luz do espaço?

Aqui uni o momento de fragilidade e força


para alcançar uma revelação. O desconhecer
gera transformação.

Como descobrir a origem?

A descoberta seria o mote para toda trilha?

O que eu faço ao descobrir o que me era


desconhecido?

Como seria caminhar pela primeira vez?

21
Visito nesta carta o território de incertezas e
experiências: engajamento físico para
encontrar a ancestralidade, individual e
coletiva.

Como não se esquecer de lembrar das


coisas?

Quantas memórias estão vivas no corpo?

Quando eu relembro uma memória ela


deixa de ser memória?

Como se lembrar de muitas coisas ao


mesmo tempo?

Nesta carta provoco um movimento de


interrupção, mudança de perspectiva,
retomada de raízes.

Quais as possibilidades para se cair?

A queda só existe por que tem alguém de


pé?

Se a gravidade me chama para o chão, por


que não fico por lá?

22
Aqui proponho misturar a posse e a falência.

Quem tem poder sobre mim?

Tenho posse do quê?

O que pode a realidade?

Quem pode mais?

Esta carta questiona as certezas, propondo


inúmeras perspectivas existentes no mundo.
Não há mais a descoberta de sentidos, mas
a procura por um sentido oculto
(SARRAZAC, 2012).

O que eu procuro ver?

Como ver um acontecimento sem certezas?

Como mudar a ordem de uma paisagem?

Como ver uma imagem dez vezes, e a cada


vez ver uma nova imagem?

Como ver as coisas de cabeça para baixo?

23
O Caos, presente em muitas tradições como
principio anterior à criação do mundo, reúne
a delícia e o risco das possibilidades.

Como possibilitar o caos?

O que fica de um desmoronamento?

Há vida em uma paisagem caótica?

Como desmoronar as estruturas do espaço?

Esta carta confronta as forças dominantes,


expressando morte e renascimento.

Rebelar-se é sempre a procura do novo?

Onde há a vida existia a morte?

O que se aprende no grito?

Quanto fogo é necessário para destruir


convenções?

Como é ser o fogo?

24
A carta O Universo mostra junção do
infinito e o finito, o conhecido e o
desconhecido.

Onde cabe tudo?

Qual a velocidade do universo?

Como pausar o universo?

Como correr no universo?

Esta carta simboliza o encontro de


caminhos diversos, tal como um centro do
mundo, produzindo a passagem da vida
para a morte. Lugar mágico, povoado pela
dúvida.

Por onde seguir se não há mapas?

Quantas dúvidas há numa criação?

Quantos caminhos são possíveis trilhar


numa encruzilhada?

25
Esta carta remete à restauração, abundância
e prosperidade. Uma energia sinuosa e
vertiginosa, que leva a uma abertura para o
que pode vir a existir.

Estou grávido de quê?

Para parir uma ideia, quantos meses duram


a gestação?

Como gerar uma “estranha besta, metade


gato, metade cordeiro?” (SARRAZAC, 2012,
p. 42).

Como é carregar outro corpo consigo?

O Nada, povoado pelo branco e sua procura


do silêncio, convida a experimentar a sede
do absoluto, num movimento de “fuga do
turbilhão de imagens, desejos e emoções”
(CHEVALIER & GHEERBRANT, 2016, p.
932).

Do que é feito o nada?

Como é se esvaziar?

Como anular uma presença?

26
A carta A Contemplação abre
possibilidades para o encantamento,
receptividade para que o exterior conviva
com o interior.

O que eu vejo me atravessa?

Quantas composições cabem em uma


paisagem?

O que os meus olhos contemplam?

Qual visão passa despercebida aos meus


olhos?

Quantos jeitos são possíveis para abrir


uma janela?

Esta carta traz a dificuldade de se entender


um som ou informação. Um esvaziamento
do que é dito e a fuga do sentido.

Quais os privilégios de um som ruidoso?

O que o ruído em excesso provoca?

Quais as informações do ruído?

Existe comunicação sem ruído?

Como quebrar um som?

27
Sete roteiros de improviso no uso criativo do Tarô Dramatúrgico

Se o excesso de racionalização, assim como afirmam os autores do Dicionário de


Símbolos, pode reduzir as reverberações dos símbolos na imaginação, quero propor a
experimentação do Tarô Dramatúrgico por meio de sete roteiros de improviso, sem fixar
as simbologias das cartas. Assim, cada participante lerá o Tarô de sua maneira, criando
ecos a partir de suas leituras de mundo. Criei uma sequência didática, com sete
encontros (ou mais), que utilizarão como mote o Tarô Dramatúrgico. Ressalto que, por
mais que estejam numerados, os roteiros poderão acontecer sem a ordem proposta na
escrita.

Na proposição a seguir, não defino quais cartas serão trabalhas em cada encontro. As
cartas serão deitadas em um leque, com as imagens viradas para baixo, e retiradas por
meio do jogo de tiragem de cartas, de acordo com a proposição de cada dia. Ressalto a
abertura dos enunciados para que a significação do jogo seja dos participantes, suas
proposições e ressonâncias.

Como estimular encontros sem dirigi-los? O desafio está entre a minha criação e as
significações e criações do “outro”. A abertura é essencial para a interação, contanto, ao
propor encontros em sintonia com a perspectiva de teatro contemporâneo, quero
conhecer os interesses do jovem não-ator, aluno do ensino fundamental ou médio. É
mais fácil criar significações para minha poética do que estabelecer estímulos para o
desdobramento dela na educação básica. Sou um jovem pesquisador enamorado por sua
pesquisa. Enamorado também pela pedagogia do teatro, propondo diálogos entre essas
paixões. Os roteiros de improviso, concretizados por meio de atos performativos
futuros, na interação professor-aluno, mostram fragilidade e instabilidade, algo próprio
da arte contemporânea e seu ensino.

Primeiro encontro

Preparo o encontro ao fazer uma diagonal com fita crepe, cortando a sala ao meio.
Quando os participantes estiverem reunidos na sala, proponho uma conversa inicial
sobre a criação do tarô dramatúrgico e mostro as cartas, sem com isso descrevê-las. Em
seguida vou propor que as lâminas do baralho sejam embaralhadas por um dos
participantes e deitadas no chão, com as imagens viradas para baixo.

Roteiro de improviso 1: “Retire uma carta e atravesse a diagonal com o corpo da carta”.
28
Segundo encontro

As cartas serão embaralhadas por um participante e deitadas no chão com suas imagens
viradas para baixo. Cada participante retira uma carta, sem que os demais participantes
vejam qual carta foi retirada.

Roteiro de improviso 2: “Faça mistério com sua carta. Junte, ao mistério, um corpo”.

Terceiro encontro

Posicionarei as cartas no chão com as imagens viradas para cima, em um grande círculo.
Cada participante ficará em frente a uma carta escolhida.

Roteiro de Improviso: “Criem sonoridades a partir da carta escolhida. Quando eu bater


palma, finalizem sua música e mudem de carta, girando no sentindo horário”.

Quarto encontro

Disponibilizarei retângulos de papel, cortadas nas medidas das cartas do Tarô


Dramatúrgico. Lápis, giz de cera, canetinhas, recortes de jornal, tesoura e cola também
serão disponibilizados. Cada participante criará sua carta de tarô, formando,
coletivamente, um novo baralho.

Roteiro de improviso 4: “Crie a imagem e o nome do seu próprio mistério”.

Quinto encontro

Vamos embaralhar o tarô criado coletivamente e abrir as cartas no chão, com as


imagens viradas para baixo. Cada aluno retira uma carta. Experimentaremos as cartas
utilizando a própria luz da sala, ao acendê-la ou apagá-la.

Roteiro de improviso 5: “Durante a luz acesa, as cartas são diurnas e cheias de virtude;
durante a luz apagada, as cartas são noturnas e possuem maus presságios. Transforme-
se”.

Sexto encontro

Vou demarcar sete círculos com fita crepe no chão da sala. As cartas do tarô criado pela
turma estarão espalhadas dentro dos círculos.

29
Roteiro de improviso 6: “More no centro do mundo. Como seu corpo vive nesse
lugar?”.

Sétimo encontro

Utilizaremos os dois tarôs, o criado por mim e o dos participantes, para compor
paisagens no espaço da sala, utilizando as cartas como materialidade da
experimentação.

Roteiro de improviso 7: “Use as cartas para construir paisagens no espaço”.

III. Conclusão

O Tarô Dramatúrgico na Educação Básica

A criação dos roteiros de improviso a partir do tarô dramatúrgico, quando pensados para
a educação básica, aproxima a dramaturgia contemporânea da escola formal. Para tanto,
pensei como público-alvo para participação desses encontros, alunos dos anos finais do
Ensino Fundamental (6º ao 9º ano) e Ensino Médio. Ao propor uma contribuição
curricular do ensino de dramaturgia contemporânea para a educação básica, por trilhar
essa escrita como aluno da Licenciatura em Teatro e por trabalhar como professor de
teatro desde os meus 16 anos de idade, será importante estabelecer conexões com os
documentos curriculares do ensino formal.

No documento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), encontro apontamentos


que se aproximam dos encontros propostos aqui. O documento norteará os currículos e
propostas pedagógicas de todas as escolas públicas e privadas de Educação Infantil,
Ensino Fundamental e Médio de todo o Brasil. Estabelece competências, habilidades e
conhecimentos que todos os estudantes desenvolverão ao longo da educação básica,
chamadas de “aprendizagens essenciais”.

A BNCC é uma política de estado, prevista desde a Constituição de 1988, na Lei de


Diretrizes e Bases, nas Diretrizes Curriculares Nacionais e no Plano Nacional de
Educação. Segundo o documento, a BNCC foi construída de forma colaborativa e
democrática, contando com a participação da sociedade civil, de professores e gestores,
sendo sua elaboração guiada pelo MEC, o Ministério da Educação, e demais conselhos

30
educacionais. A versão final foi homologada em dezembro de 2017 e passa por processo
de implementação desde o início de 2018.

O ensino de Arte está presente tanto no Ensino Fundamental quanto no Médio, como
componente curricular. No Ensino Fundamental o ensino de Arte engloba as Artes
Visuais, Música, Dança e Teatro. Já no Ensino Médio, o ensino de artes está
contemplado em um dos “campos de atuação social”, chamado de “campo artístico”
(BNCC, 2017, p. 56).

O ensino de Arte para os anos finais do Ensino Fundamental tem como premissa inicial
fortalecer a autonomia dos alunos adolescentes e aproximá-los das experiências
artísticas. Para isso, o documento articula seis “dimensões de conhecimento”: Criação –
a produção do fazer artístico; Crítica - as impressões que promovem repensar seu tempo
e espaço; Estesia - a capacidade de experenciar, conhecer a si mesmo com o outro no
mundo; Expressão - aproximação de materialidades e vocabulários de cada linguagem
que leva a maior capacidade de exteriorizar as subjetividades; Fruição - marcada pela
abertura a eventos e acontecimentos artísticos; Reflexão – momentos de pensar e
analisar obras e criações, seja como criador ou como leitor.

Já o Campo Artístico presente no Ensino Médio (na área do conhecimento “Linguagens


e suas tecnologias”) propõe disponibilizar espaço para manifestações artísticas, com o
intuito de “reconhecer, valorizar, fruir e produzir tais manifestações, com base em
critérios estéticos e no exercício da sensibilidade” (BNCC, 2017, p. 56).

No ensino de Teatro para os anos finais do Ensino Fundamental, o documento destaca o


estudo dramatúrgico em diálogo com o teatro contemporâneo, por meio da seguinte
habilidade: “(EF69AR27) Pesquisar e criar formas de dramaturgias e espaços cênicos
para o acontecimento teatral, em diálogo com o teatro contemporâneo.” (2017, p. 207).
As experimentações das capacidades corporais, vocais e imaginativas são propostas
para os anos finais do Ensino Fundamental na seguinte habilidade: “(EF69AR29)
Experimentar a gestualidade e as construções corporais e vocais de maneira imaginativa
na improvisação teatral e no jogo cênico.” (2017, idem). Ressalto que as duas
habilidades se aproximam da experimentação propostas nos roteiros de improviso. A
dramaturgia contemporânea se faz presente nas cartas do Tarô e a corporalidade nas
experimentações sensoriais de cada encontro. Nessa perspectiva, o jogo se dá pelo

31
envolvimento imaginativo e expressivo dos corpos dos participantes, em um jogo
performativo.

Tanto nos anos finais do Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio, a BNCC
comenta a noção de hibridismo nas artes, marcado pela relação fronteiriça entre o teatro,
música, dança e artes visuais. Também os processos criativos são definidos pelo
documento como geradores de transformação e reelaboração de poéticas individuais e
coletivas.

Em relação a experimentação do campo artístico no Ensino Médio, ressalto uma das


habilidades presentes no documento: “(EM13LGG603) Expressar-se e atuar em
processos criativos que integrem diferentes linguagens artísticas e referências estéticas e
culturais, recorrendo a conhecimentos de naturezas diversas (artísticos, históricos,
sociais e políticos) e experiências individuais e coletivas.” (2017, p. 488).

Constatei que o ensino de teatro presente no documento, que influenciará diretamente as


escolas brasileiras, está centrado na noção convencional com características da cena
dramática. No ensino de Arte, encontro poucas práticas na contramão do que se espera
do ensino de arte, rupturas marcadas por novas criações e conjunturas. O hibridismo nas
artes aparece timidamente se comparado com o número de propositivas próximas da
arte tradicional. Sendo assim, o jogo performativo, a teatralidade e a dramaturgia
experimental provavelmente só serão experimentadas quando os professores de teatro se
interessarem por tais proposições.

Mesmo assim, procuro aproximar as proposições dos roteiros de improviso, a partir do


Tarô Dramatúrgico, de algumas das aprendizagens essenciais da Base Nacional
Curricular Comum. O Tarô Dramatúrgico na educação básica pode propor o estudo
teórico-prático do teatro contemporâneo e de algumas de suas características. Os
roteiros de improviso possibilitam espaço e abertura para que os jovens participantes
criem, façam crítica, experimentem, expressem, fruam e reflitam sobre e com arte.

Quando os participantes puderem criar suas próprias cartas, uma nova poética surgirá
coletivamente. O coletivo estará criando dramaturgia. A composição imagética e a
escolha dos nomes das cartas criam novos arcanos, cartas que podem ser consideradas
uma “dramaturgia de imagens”, imagens corporificadas e presentificadas pelos
participantes durante os encontros de experimentação.

32
O ensino de teatro por meio da imagem

Hoje vejo o Tarô Dramatúrgico como um jogo de imagens simbólicas que impulsionam
o aprendizado, tanto de si, quanto das dramaturgias contemporâneas. Esse pensamento
se aproxima do que propõe a pesquisadora Ana Carneiro (2012) ao pensar as
possibilidades da imagem no processo pedagógico teatral. As imagens são vistas pela
autora como “um material mobilizador e provocador do imaginário e, como tal podem
ser utilizadas como recurso metodológico deflagrador de processos transformadores
relacionados à apreensão de noções conceituais do ensino do teatro” (CARNEIRO,
2012, p.24).

Minha contribuição curricular para o ensino de teatro se faz presente por meio da
experimentação de imagens com o intuito de possibilitar a apreensão de conhecimentos
da dramaturgia contemporânea. Para isso, o imaginário dos participantes é evocado pela
leitura das simbologias das cartas e, em seguida, esses remetimentos são corporificados
na experimentação dos roteiros de improviso. As imagens são, em sintonia com Ana
Carneiro, determinadas como “objeto material” que provocam a imaginação. As
ressonâncias criadas nos participantes ao lerem e assimilarem as imagens evocam a
imaginação. Para Carneiro, “a imaginação é a própria mente em atividade, em luta
gerada pelas provocações que lhe foram enviadas” (CARNEIRO, 2012, p. 29). Em meu
Trabalho de Conclusão de Curso, o foco de interesse é o trabalho com a imagem na
apreensão de conceitos da dramaturgia por meio da imaginação e da experimentação
corporal.

Na obra Artes Cênicas – teoria e prática no Ensino Fundamental e Médio, as autoras


Taís Ferreira e Mariana Oliveira (2016) promovem a elaboração de materiais didáticos,
para pensar processos de ensino da história do teatro na educação básica, também tendo
como ênfase o uso de imagens. A pesquisa em relação à imagem no ensino de arte,
presente no trabalho das autoras, me leva a desdobramentos da minha pesquisa, no
estudo das imagens como metodologia de experimentação e ensino de dramaturgia, seja
ela convencional, contemporânea ou performativa.

33
Para onde vou...

Criei sete roteiros de improviso, a partir do Tarô Dramatúrgico, propondo a abertura


para o outro, por meio da experimentação dos participantes. Mesmo com a fragilidade
de algo planejado e não realizado, revejo e repenso o ensino do Teatro ao propor
diálogos entre meus papéis sociais, entre aluno-pesquisador de poéticas da cena e
professor propositor de poéticas na educação básica. Ao criar as cartas, havia passado
pelo processo de criação de uma dramaturgia contemporânea; com a elaboração dos
roteiros de improviso, passei pelo processo de construção e planejamento de algo que
mostra o que pesquiso e acredito.

Nesse ler e reler as cartas para pensar proposições pedagógicas me aproximei do estudo
simbólico e do ensino por meio do compartilhamento de imagens. Tais perspectivas,
desconhecidas até o início de escrita desse trabalho, me levam a buscar uma prática
menos centralizada na palavra e no professor, aproximando-me de uma prática artística
e pedagógica de maior autonomia do aluno.

Muitas vezes me questionei: “De qual dramaturgia eu estou falando mesmo?”. Pergunta
que também diz da minha vivência artística que une práticas de teatro convencionais e o
desejo de criar poéticas contemporâneas. Ainda que essa incerteza paire sobre mim,
passei por um processo de autoconstatação: mesmo que eu esteja falando de uma
dramaturgia contemporânea, por vezes a estrutura dramática não é rompida, o que não
nega meu interesse pelos desvios e antiestruturas.

Essa “estrutura em crise” está também presente no teatro contemporâneo, assim como
discutido por Jean-Pierre Sarrazac (2012) na obra Léxico do Drama Moderno e
Contemporâneo, ao pensar a dramaturgia sem negar suas características dramáticas e
convencionais, mas sim revisar tais procedimentos, alargando conceitos e definições. O
autor ressalta algumas antigas certezas sobre dramaturgia que foram sendo ruídas pelo
tempo e que ganham novas significações, sem, contudo, negar o gênero dramático. A
partir desses estudos fico interessado em desvendar, ainda que parcialmente, os
mistérios da criação teatral da atualidade para propor novos mistérios na educação
teatral de jovens e crianças.

Como o TCC tem duração de 15 semanas, optei pelo viés curricular, portanto o
processo pedagógico aqui proposto será colocado em ação futuramente. Esse é o meu

34
primeiro projeto de futuro: experimentar os sete roteiros de improviso criados a partir
do Tarô Dramatúrgico na escola onde trabalho como instrutor de teatro. Além disso,
pretendo criar um material pedagógico, contendo o Tarô Dramatúrgico e um guia de
interpretação das cartas, para outros professores de teatro e interessados no assunto, uma
sugestão que recebi da professora Denise Pedron, na banca de defesa deste TCC.

Desejo continuar os estudos da imagem simbólica e de dramaturgia em uma pós-


graduação. Pesquisar a performance e as práticas rituais, por meio de um grupo de
estudos. Outra linha de interesse é o estudo na área da Psicologia. Por fim, quero
alinhar, cada vez mais, minhas práticas como jovem pesquisador de dramaturgia e
professor de teatro, criar dramaturgias para e com jovens da educação básica.

Revejo minha caminhada de um jovem-velho. O velho que mora em mim tem como
plano de futuro se estabilizar financeiramente por meio da arte e da educação, enquanto
o jovem, ainda menino, tem como projeto de futuro fugir com o circo. Possível
conclusão: fazer teatro.

35
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36
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