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Título original: Gli amori


difficili

Tradução do apêndice: Nilson


Moulin
Capa: Hélio de
Almeida
ÍNDI
Ilustração de capa:
Laurabeatriz
CE
Preparação: Mareia Copola
Revisão: Marcos Luiz
Fernandes Eliana Antonioli
A aventura de um
Dados Internacionais de soldado, 9 A
Catalogação na Publicação aventura de um
(cip) (Câmara Brasileira do
Livro, SP, Brasil) bandido, 21 A
aventura de uma
banhista, 29 A
Calvino, Italo, aventura de um
1923-1985.
Os amores difíceis / Italo
empregado
Calvino ; tradução Raquel de escritório, 41 A
Ramalhete. — São Paulo :
aventura de um
Companhia das Letras,
1992. fotógrafo, 51 A
aventura de um
ISBN 85-7164-287-7 viajante, 65 A aventura
de um leitor, 81 A
1. Contos italianos i. Título.
aventura de um míope,
97 A aventura de uma
92-3070 CDD -853.91 esposa, 107 A
aventura de um esposo
índices para catálogo sistemático:
e uma esposa, 117 A
1. Contos : Século 20 :
aventura de um poeta,
Literatura italiana 853.91
2. Século 20 : Contos : 123 A aventura de um
Literatura italiana 853-91 esquiador, 131 A
aventura de um
automobilista, 139
2000
Segu
Todos os direitos desta nda
edição reservados à
part
EDITORA SCHWARCZ LTDA.

Rua Bandeira Paulista,


eA
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3846-0801 Fax:
(11)3846-0814
A formiga-argentina,
www.companhiadaslet 149 A nuvem de smog,
ras.com.br 189
Primeira parte Apêndice, 243
OS AMORES DIFÍCEIS

2
r

A AVENTURA DE UM ESPOSO E
UMA ESPOSA

O operário Arturo Massolari fazia o turno da noite, aquele que termina às seis. Para
voltar para casa percorria um longo trajeto, de bicicleta na estação boa, de bonde nos meses
chuvosos e frios. Chegava entre as seis e quarenta e cinco e as sete, ou seja, às vezes um
pouco antes, às vezes um pouco depois de tocar o despertador da mulher, Elide.
Frequentemente os dois ruídos, o toque do despertador e o passo dele entrando, se
superpunham na mente de Elide, alcançando-a no fundo do sono, o sono compacto da manhã-
zinha que ela ainda tentava espremer por alguns segundos com o rosto enfiado no travesseiro.
Depois pulava fora da cama de uma vez só e já ia metendo os braços às cegas no roupão, com
os cabelos por cima dos olhos. Aparecia assim para ele, na cozinha, onde Arturo tirava os
recipientes vazios da bolsa que levava consigo para o trabalho — a marmita, a garrafa térmica
— e os punha em cima da pia. Já havia acendido o fogão e posto o café no fogo. Mal ele a
olhava, Elide sentia vontade de passar a mão pelos cabelos, de arregalar à força os olhos,
como se a cada vez se envergonhasse um pouco dessa primeira imagem que o marido tinha
dela ao entrar em casa, sempre
■ OS AMORES DIFÍCEIS
deslocava todo para o lado de Elide, naquele nicho de tepidez
que ainda conservava a forma do corpo dela, e afundava o
assim desarrumada, com a cara meio adormecida. Quando
rosto em seu travesseiro, em seu perfume, e adormecia.
dois dormem juntos é outra coisa, encontram-se de manhã a
Quando Elide voltava, à noite, Arturo já havia um tempo
emergirem juntos do mesmo sono, estão em pé de igualdade.
rodava pela casa: tinha acendido a estufa, posto alguma coisa
) Já às vezes era ele que entrava no quarto para
para cozinhar. Certos trabalhos ele é que fazia, naquelas
despertá-la, com a xicarazinha de café, um minuto antes que
horas antes do jantar, como arrumar a cama, limpar um
tocasse o despertador; então tudo era mais natural, a careta
pouco a casa, até pôr de molho as roupas para lavar. Elide
para sair do sono ganhava uma espécie de suavidade
depois achava tudo malfeito, mas ele para dizer a verdade
preguiçosa, os braços que se erguiam para se estirar, nus,
não se empenhava muito: o que fazia era apenas uma
acabavam cingindo o pescoço dele. Abraçavam-se. Arturo
espécie de ritual para esperar por ela, quase um vir a seu
trazia no corpo a jaqueta impermeável; sentindo-o próximo,
encontro permanecendo entre as paredes da casa, enquanto
ela percebia o tempo que estava fazendo: se chovia ou havia
lá fora se acendiam as luzes e ela passava pelas vendas no
bruma ou neve, dependendo de como ele estava úmido e frio.
meio daquele movimento fora de hora dos bairros onde há
Mas assim mesmo dizia: "Que tempo está fazendo?", e ele
tantas mulheres que fazem compras à noite.
iniciava seu costumeiro resmungo meio irónico, passando em
revista os incómodos que tinha atravessado, começando pelo
fim: o percurso de bicicleta, o tempo que encontrara ao sair
da fábrica, diferente daquele de quando lá entrara na noite
anterior, e as encrencas no serviço, os boatos que corriam na
seção, e assim por diante.
Àquela hora, a casa estava sempre pouco aquecida, mas
Elide se despia toda, um pouco arrepiada, e se lavava, no
pequeno banheiro. Atrás vinha ele, com mais calma, também
se despia e se lavava, lentamente, tirava de cima a poeira e a
graxa da oficina. Assim, estando ambos em torno da mesma
pia, meio nus, um pouco enregelados, de vez em quando se
dando esbarrões, tirando um da mão do outro o sabonete, o
dentifrício, e continuando a dizer as coisas que tinham para
se dizer, era o momento da intimidade, e às vezes,
acontecendo de se ajudarem mutuamente a esfregar as
costas, insinuava-se uma carícia, e se encontravam
abraçados.
Mas de repente Elide: "Meu Deus! Que horas já são!", e
corria para meter as ligas, a saia, tudo com pressa, em pé,
escovava os cabelos para cima e para baixo, e debruçava o
rosto para o espelho da cómoda, com os grampos seguros
entre os lábios. Arturo vinha atrás dela, havia acendido um
cigarro, e olhava para ela em pé, fumando, e a cada vez
parecia um
A AVENTURA DE UM ESPOSO E UMA ESPOSA ■

pouco embaraçado, de ter que ficar ali sem poder fazer nada.
Elide estava pronta, enfiava o casaco no corredor, davam-se
um beijo, abria a porta e já se ouviam seus passos que
desciam a escada correndo.
Arturo ficava sozinho. Acompanhava o ruído dos saltos de
Elide degraus abaixo, e quando não a ouvia mais continuava a
acompanhá-la em pensamento, aquele passo miúdo, rápido
pelo pátio, o portão, a calçada, até o ponto do bonde. Já o
bonde se ouvia bem: guinchar, parar, e o bater do estribo a
cada pessoa que subia. "Pronto, tomou", pensava, e via a
mulher se segurando no meio da multidão de operários e
operárias no "Onze" que a levava para a fábrica como todos
os dias. Apagava o cigarro, fechava os postigos das janelas,
ficava escuro,
metia-se na cama.
A cama estava como Elide a deixara ao se levantar, mas
do lado dele, Arturo, estava quase intacta, como se tivesse
sido arrumada naquele momento. Ele se deitava de seu
próprio lado, como devia, mas depois esticava uma perna
para lá, onde havia ficado o calor da mulher, em seguida
esticava também a outra perna, e assim pouco a pouco se

4
A AVENTURA DE UM ESPOSO E UMA ESPOSA ■
■ OS AMORES
DIFÍCEIS
Afinal para o
ouvia o intervalo
passo pela da uma da
escada, madrugad
bem a, o lanche
diferente que ela
daquele devia levar
da manhã, para a fá-
agora brica no
mais dia
pesado, seguinte,
pois Elide e o que
subia era para
cansada deixar
do dia de pronto
trabalho e para quan-
carregada do ele
de acordasse
compras. no dia
Arturo saía seguinte.
no Ela
patamar, um pouco
tirava da se
mão dela atarefava,
a sacola, um pouco
entravam se sentava
conversan na cadei-
do. Ela se rinha de
jogava palha e
numa dizia a ele
cadeira na o que
cozinha, tinha de
sem tirar o fazer. Já
casaco, ele, era a
enquanto hora em
ele ia que estava
tirando as descansad
coisas da o,
sacola. agitava-se,
Depois: aliás,
"Coragem, queria
um pouco fazer tudo,
de mas
ordem", sempre
ela dizia, e um pouco
se erguia, distraído,
tirava o com a
casaco, cabeça já
punha em outra
uma roupa coisa.
de casa. Naqueles
Começava momentos
m a ali,
preparar a chegavam
comida: por vezes
jantar a ponto de
para os se
dois, magoarem
depois a , de se
marmita dizerem
que ele palavras
levava pesadas,
para a porque ela
fábrica queria que

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5
e a não havia
l m consolasse acabado
e a mais. de passar
i Enquanto e já ele
e s ele, estava
s , passado o atrás da
t o primeiro bicicleta
i u entusiasm vendo se
v o da volta estava
e e dela, já tudo em
s n estava ordem.
s t com a Abraçava
e ã cabeça fo- m-se.
o ra de Arturo
m casa, parecia
a q fixado no que só
i u pensamen então
s e to de fazer reparava
tudo com como era
a f pressa macia e
t o porque tépida sua
e s tinha que esposa.
n s ir. Mas punha
t e Arrum no ombro
o ada a o quadro
m mesa, da
a a postas bicicleta e
o i todas as descia
s coisas atento as
q prontas ao escadas.
u l alcance da Elide
e i mão para lavava os
g não
pratos,
e a precisare
examinava
s d m mais se
a casa de
t o levantar,
cima a
a então era
baixo, as
v a o
coisas que
a momento
o marido
e da
tinha feito,
f l angústia
sacuuuido
a a que
a cabeça.
z , tomava
Agora ele
e f conta dos
estava
n i dois por
correndo
d terem tão
c pelas ruas
o pouco
a escuras,
, tempo
s entre os
q para
u s estarem raros
e e juntos, e faróis, tal-
quase não vez já
s m conseguia estivesse
e a m levar a depois do
i colher à gasómetro
e s boca, da . Elide ia
m vontade para a
p p que cama,
e e sentiam apagava a
n r de ficar ali luz. De seu
h t segurando próprio
a o a mão um lado,
s , do outro. deitava,
s q Mas o espichava
e u café ainda um pé em
e

121
6
d v uro despertav
i e também a nela
r z havia uma
e dormido grande
ç r ali, e isso ternura.
ã e
o p
a
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l a
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