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Para Isabel
Uma mandala
Tradução
Federico Carotti
Questo libro è stato tradotto grazie a un contributo del Ministero degli Affari Esteri
e della Cooperazione Internazionale Italiano.
Obra traduzida com a contribuição do Ministério das Relações Exteriores e da Coope‑
ração Internacional da Itália.
T118p
Tabucchi, Antonio, 1943-2012
Para Isabel : uma mandala / Antonio Tabucchi ; tradução Federico Carotti. - 1. ed. -
São Paulo : Estação Liberdade, 2024.
144 p. ; 21 cm.
Tradução de: Per Isabel : un mandala
ISBN 978-65-86068-82-5
CDD: 853
23-87077 CDU: 82-31(450)
Primeiro círculo.
Mónica. Lisboa. Evocação 15
Segundo círculo.
Bi. Lisboa. Orientação 37
Terceiro círculo.
Tecs. Lisboa. Absorção 47
Quarto círculo.
Tio Tom. Reboleira. Reintegração 59
Quinto círculo.
Tiago. Lisboa. Imagem 71
Sexto círculo.
Magda. Padre. Macau. Comunicação 83
Sétimo círculo.
Fantasma que Anda. Macau. Temporalidade 103
Oitavo círculo.
Lise. Alpes suíços. Dilatação 113
Nono círculo.
Isabel. Estação da Riviera. Realização. Retorno 129
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que queria ser e que talvez não fosse, quem sabe. Em todo
caso, na universidade ouvi dizerem que teve complicações,
parece. Digo parece porque não sei com certeza, foi o que
me cochichou certa vez uma estudante que não a conhecia
muito bem, era uma comunista que Isabel frequentava prova‑
velmente para não se sentir lepidóptera, uma pequena fanática
além do mais moralista como eram os comunistas daquela
época, e me disse: Isabel está grávida, parece, só que não se
sabe se do espanhol ou do polonês. E depois me deu a enten‑
der que Isabel tinha aderido ao Partido Comunista, por isso
não aparecia mais, levava uma vida semiclandestina porque
escrevia no Avante com um pseudônimo, Magda, me parece,
ou algo do gênero. Mas o que Isabel há de escrever no jornal
do Partido Comunista?, perguntei eu, o que há de escrever
com a infância que teve, com suas origens, com a vida que
sempre teve? Escreve apelos para a juventude democrática,
respondeu-me aquela tonta, tornou-se a maior ideóloga de
nosso jornal, seus artigos são fustigadas, convocações, comí‑
cios, é uma grande figura, essa sua amiga, só que agora está
em apuros. Mas eu tinha perdido Isabel de vista.
Quem me trazia notícias de vez em quando sobre ela era
aquela comunista que depois foi para Angola combater ao
lado dos movimentos de libertação e nunca mais foi vista,
sorte dela, não lembro mais nem mesmo como se chamava,
se chamava Fátima, acho, e me disse: sabe, Isabel decidiu
abortar, todos a abandonaram, menos a babá e nós compa‑
nheiros, mas a babá não sabe nada dessa história horrível.
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e quem são esses amigos dela? Não sei, disse ele, realmente
não sei. Mas o senhor conhecia Isabel?, perguntei. Claro que
conhecia, respondeu, conheci quando criança, e depois, nos
últimos tempos, ela veio se confessar. E o que disse?, pergun‑
tei eu. Isso não posso lhe dizer, minha filha, respondeu-me,
é segredo de confissão. E o senhor sabe como ela morreu ou
onde está seu corpo?, perguntei-lhe. Ele tirou a estola e
me olhou com ar desolado. Não sei, respondeu ele, não sei
de nada, me disseram que morreu e acreditei que assim fosse,
me telefonaram alguns companheiros seus da universidade
e me depositaram um óbolo para a missa de sétimo dia, po‑
rém não vi Isabel morta e não sei onde está enterrada, não sei
por que você me pergunta, visto que os amigos dela sabem,
você não é amiga dela? Sou, respondi, mas ultimamente ela
estava em contato com amigos que levam uma vida pouco
clara, padre, o senhor sabe como são as coisas neste país, não
consegui saber nada.
Saí para a baía de Cascais. Passava do meio-dia e o mês
de abril rebrilhava. Parei num restaurante e pedi um peixe
grelhado. O garçom me trouxe o peixe e perguntou se eu
queria fazer um passeio turístico até a Boca do Inferno. Res‑
pondi que não gostava de passeios turísticos. De Isabel não
soube mais nada. Correram rumores de que tinha se suici‑
dado, mas não eram rumores confiáveis, vinham de pessoas
da universidade que sabiam tanto quanto eu. O carequinha
desapareceu, e a comunista, como lhe disse, tinha ido para
Angola. A única pessoa que talvez possa dizer alguma coisa
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