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GILBERTO VASCONCELLOS

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ródi Direitos adquiridos por 11111111111
de . EDIÇÕES DO GRAAL
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Rio de Janeiro - Brasil
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© copyright Edições do Graal


Copy-desk: Luzia Ferreira
Capa: desenho de Luiz Trimano
arte-final de Pedro Motta

Ilustrações: Cláudio Tozzi (págs. 14/15)


Carlos Clémem (págs. 35/73/83)
Luiz Trimano (págs. 97/4.a capa)

Estes ensaios estão cifrados numa linguagem oblí-


qua, que se tomou obrigatória hoje em dia na impren-
(Preparada pelo Centro de Catalogação-na-fonte do sa crítica: a linguagem da fresta, a única talvez que
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RI) consegue driblar a censura. Esses artigos mantêm afi-
nidade afetiva e eletiva com o seu objeto: a canção
Vasconcellos, Gilberto.
popular, a qual se viu obrigada a se valer (como toda
V45m Música popular: de olho na fresta Iporl Gilber-
to Vasconcellos; ilustrações de Cláudio Tozzi, Luiz produção cultural brasileira) da mesma linguagem.
Trimano e Carlos Clémem Iapresentação dei Silvia-
no Santiago. Rio de Janeiro, Edições do Graal, Tal ardil, é claro, tem um preço: elipses cOllstran-
1977. gidas, psius que passam despercebidos, forçados eufe-
p. ilust. mismos e uma manhosa sinonímia que às vezes deixa
o recado truncado; em suma, o risco da fresta não ser
1. Ensaios brasileiros 2. Música popular
Brasil - Análise, apreciação I. Título
descodificada pelo leitor. Mas à mudez, voluntária ou
involuntária, é preferível o verbo engasgado; à ceguei-
ra, a esperança (mínima que seja) de um favinho de
CDD - 780.420981 luz. De olho na fresta. Resolvi, assim, deixar intacta
869.94
a redação original. Um documento a mais da aborre-
CDU - 784.4(81)
869.0(81)-4 cida época em que estamos vivendo. O artigo sobre
o percurso artístico de Nara Leão foi escrito em par-
ceria com Matinas Suzuki Júnior, a quem dedico este
livro. Gabriel Cohn e Carlos Guilherme Mota deram
uma força na publicação. Ledusha segurou a barra.

Fazendo perguntas com o martelo 1


por Sil~ano Santiago

De olho na fresta 37
Da redenção do impasse: canção de protesto e tropicália 40
O canto desencantado 45
Cultura da depressão (1969-1974) 64

A musa popular brasileira (da bossa-nova à cantiga de roda) 85


O protesto pede passagem 86
A Gioconda dos subúrbios: entre a preguiça e o progresso 91
"Qualquer coisa é radicalmcnte con-
tra os manifestos e, paradoxalmente.
considera ridículo tal paradoxo. Ri-
diculamente não vê nenhum parado-
xo nisso."
Caetano, Manifesto do movi·
mento qualquer coisa

Até mesmo durante uma leitura superficial do


Manifesto Dada, de 1918, não seria difici! constatar
uma série de contradições na concatenação lógica dos
seus sucessivos enunciados afirmativos. Contradições
estas que, para serem descobertas, não requerem a tão
elogiada perspicácia do leitor critico (semelhante à do
professor que, lendo trabalho de aluno, descobre que
tal parágrafo contradiz tal outro parágrafo anterior).
Contradições que são percebidas até num jogo mínimo
de colagem de frases afirmativas. O Manifesto Dada
começa por declarar: "Para lançar um manifesto é pre-
ciso querer ... ", logo depois acrescenta: "Eu redijo um
manifesto e não quero nada ... ", e mais adiante afir-
ma: ". .. eu sou por princípio contra os manifestos,
como sou também contra os princípios". E arremata
em seguida, resumindo e avivando as articulações: "Eu
redijo este nwnifesto para mostrar que se pode fazer
simultaneamente as ações opostas, numa única fresca
respiração; contra a ação; pela contínua contradição.
pela afirmação também ... " Curiosamente o Manifesto cação de uma linha que circunscreveria todo o passado
Dada se ergue e mantém a sua tensão por uma série cultural do Ocidente, e desta linha (portanto compro-
de afirmações contraditórias, por afirmações que suces- metida com o dentro e comprometendo-se com o fora)
sivamente vão anulando o seu próprio valor categórico. traça o artista seus arabescos sobre os objetos, as teo-
Caso o leitor comece a questionar a validade de qual- rias, os valores, que se encontram dentro do círculo
quer afirmação, a memória-do-texto já terá pronta e (e que lhe dão significado), desvelando-os sob uma
à sua disposição uma afirmativa que diria exatamente atitude de galhofa, de escárnio, de não-seriedade, num
o oposto, afirmativa que carregaria inclusive a mesma gesto iconoclasta enfim. E se existe construção, está
empáfia e a mesma segurança do seu contrário. ela apenas comprometida com o riso, com, o questiona-
Seria correto dizer que o texto contraditoriamente mento do objeto já-existente, do valor já-consagrado,
construido entra dentro do pensamento ocidental com da teoria já-estabelecida pelo pensamento ocidental.
o Manifesto Dada? E frisamos o termo contradição, Isto é: o objeto inaugura uma nova maneira de ler o
porque não se trata de arremedo bastardo da razão que já está dentro do circulo. Mas esta nova leitura
dialética, de jogo entre tese e antítese com vistas a abre uma margem na circunferência que é de onde se
uma sua recuperação em uma sintese superior. Nem passa a ver o dentro.
mesmo se trata de uma atitude dupla e conseguinte de Nesse sentido é que é exemplar o quadro (?) "de"
destruição/ construção (destrói-se alguma coisa velha Mareei Duchamp em que se reproduz em miniatura
para substitui-ia por uma outra julgada nova segundo a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci, acrescentando-lhe
os principios do Manifesto) encontrada nas sucessivas bigodes e cavanhaque. Não se trata de pôr fogo na
proclamações futuristas. No caso de Marinetti e de Mona Lisa, ou no Louvre, trata-se antes de vê-Ia de
seus seguidores, prega-se o incêndio de museus, de bi- maneira diferente. Daquela linha imaginária (compro-
bliotecas etc., mas também se.propõe - e este é o fim metida com o dentro e se esquivando para o fora -
do Manifesto Técnico de 1912 - Ulna maneira futu- repitamos) o artista traça o bigode iconoclasta e con-
rista de se escrever modernamente. Se existe uma be- templa a dessacralização do objeto julgado artistico.
leza antiga que deve ser desprezada (a Vitória de Sa- Ou então, atitude inversa de Duchamp: toma-se
motracia), existe uma nova beleza que se impõe como um objeto qualquer que se encontra fora do círculo e
cânone (o automóvel). Se se deve evitar a sintaxe tra- o coloca dentro do círculo para ver o que acontece.
dicional, de tipo latino, na composição do poema, exis- O objeto qualquer (um urinol, por exemplo), colocado
te, para compensar, um programa de regras a serem dentro do Museu, passa a ter a categoria de objeto ar-
obedecidas com o único fim de se chegar a tão decan- tístico (?), levando-nos no entanto menos a pensá-lo do
tada "parole in libertà". Já o Manifesto Dada é um que a repensar o que seja um Museu e o que tem, sido
antimanifesto para uma antiarte, na medida em que a categoria artístico aplicada a certos objetos. Reparem,
não se tem Uln programa construtivo definido a priori, que, de novo, não é pela proposição de Uln estilo novo,
programa este que proporia a destruição para que se diferente, original (como se deu no começo do Impres-
lhe seguisse a construção. Sugere ele antes a demar- ~ionismo, ao se criar o Salão dos Independentes para
abrigar os jovens), que o objeto Dada se impõe; mas esbarra /10 projeto de Oswald de Andrade, se meta-
antes por um gesto de ambigüidade do artista que acre- morfoseia numa tomada de posição original, vigorosa,
dita que se questionam primeiro os valores institucio- corajosa, frente ao que seriam os problemas que en-
nalizados para poder agir de maneira iconoclástica com contrava pela frente no desejo de afirmar, na década
relação à confecção do novo objeto artístico dentro da dos 20, uma arte brasileira. Acresce o fato de que os
sociedade atual. projetos mais elaborados dos anos anteriores (o de Má-
Adiantemos um pouco mais a comparação com os rio de Andrade e o de Graça Aranha) eram construti-
futuristas. Estes pregavam o incêndio dos museus e das vos, programáticos como no caso do "Prefácio Interes-
bibliotecas, certo - mas continuavam a fazer objetos santíssimo", e beirando o pouco caso pelo passado cul-
de arte. Ora, onde acabariam colocando esses objetos? tural brasileiro como nas conferências do Espírito Mo-
É claro que num novo Museu, que seria aliás especial- derno. Para Oswald, o problema era de início o mesmo
mente criado para eles. E portanto se voltava à estaca colocado por Dada, mas em termos: tratava-se de ques-
mente criado para eles. E portanto se voltava a estaca tionar também a cultura ocidental, mas numa de suas
zero. Mudou a arte, seu estilo (em lugar de uma re- facetas que era impossível para um europeu compre-
presentação fauve, busca-se uma visão simultaneísta, ender suficientemente: questionar a cultura ocidental
em que a categoria de velocidade é elemento estrutu- naquilo que ela significou como imposição e destruição
rador), mas não mudaram basicamente a instituição e de valores nativos no processo de "colonização" do
suas regras sociais. Existirá sempre um Museu para os Novo Mundo. Desde a data do Manifesto Antropofá-
pintores futuristas (como existirá sempre uma bibliote- gico (Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha), já
ca para os nossos tecno-iconoclastas da poesia vanguar- se diz como uma cultura - a brasileira - fora er-
dista dos anos 50 e 60). O artista Dada já conta com gúida num gesto de gula com relação às premissas ques-
o Museu a priori e procura antes transformá-lo. Ques-
tionáveis do europeocentrismo.
tioná-lo. O objeto Dada compromete o Museu e nos
leva a defini-lo de maneira diferente. Em lugar de só Assim sendo, Oswald de Andrade - num abra-
destruir a beleza antiga, propondo uma nova, ele ques- ço, à primeira vista, pleno de generosidade intelectual
tiona a beleza e sobretudo o seu lugar social. O Dada -< - açambarca tudo, não opta por nada. Mas açambar-

é aquele que acredita que não adianta fazer tábula rasa cando tudo, desde a Carta de Caminha, começa por
artificial para poder erguer o objeto novo. O objeto marcar (a pintar bigodinhos à Ia Duchamp) as coisas
novo se inaugura numa marca de violência, de trans- de maneira diferente, dentro de "uma nova perspectiva,
gressão ao objeto antigo e institucionalizado. uma nova escala", como diz o Manifesto Pau-Brasil.
Uma tela futurista é facilmente recuperável pelo Vejamos alguns exemplos: "O Carnaval do Rio é o
Museu, mas já um objeto Dada tornà um Museu irre- acontecimento religioso da raça", "Nunca fomos cate-
cuperável. quizados. Fizemos foi Carnaval", "Wagner submerge
Este jogo puramente teórico, especulativo, abstra- ante os cordões do Botafogo". E quando a marca não
to, jogo válido para dentro da imensidão da arte oci- é uma óbvia transgressão a valor cultural já-estabeleci-
dental (vista de uma perspectiva européia), quando do e julgado não-questionável pela elite bem-pensante
pátria, ela se insinua l1um jogo conjuntivo, em que a "As meninas da gare
relação entre elementos considerados diferentes e dís- Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis
pares, nos obriga a repensar, primeiro, cada um dos Com cabelos mui pretos pelas espáduas
element?s em separado, e depois a sua relação, ou seja, E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas
a sua dIferença. Que de nós as muito bem olharmos
É mais do que curioso notar que não existe a Não tínhamos nenhuma vergonha"
conjunção ou no Manifesto Pau-Brasil; encontra-se ela
esmaga da pela conjunção e. O problema para Oswald Em outra parte do livro, o clássico do Romantis-
é o de manter relações críticas entre todos os elemen- mo brasileiro, "Minha terra tem palmeiras", é ligeira-
tos, relações estas que acabam por exprimir a contra- mente alterado para "Minha terra tem palmares". O
dição inevitável entre os diversos componentes desse efeito de paródia é óbvio no segundo caso e tem sido
insustentável todo. O elemento já não se exprime em salientado pelos diversos críticos que, inclusive, insistem
sua pureza (por exemplo: quando se o julga em sepa- na postura contra"ideológica inaugurada pelo deslize
rado), mas pelo que nele se deixou contaminar pelo de palmeiras para palmares. Já o primeiro caso é mais
seu oposto e pelo que nele contamina o seu oposto. complexo, porque não só se questiona o problema da
autoria, da propriedade do texto, como também arre-
"Temos a base dupla e presente - a floresta fece o calor marioandradino de definir gênero e, ainda,
e a escola. A raça crédula e dualista e a geo- de definir o que seja gênero poético. Por outro lado,
metria, a álgebra e a química logo depois da o texto bicéfalo começa a nos dizer que a sua leitura
mamadeira e do chá de erva-doce. Um misto só pode ser feita em diferença, isto é, por uma justa
de (dorme nenê que o bicho vem pegá' e de avaliação do espaço de transgressão que o título abre
equações. ( ... ) A saudade dos pajés e os dentro da Carta, de Caminha, como no texto citado.
campos de aviação militar." Aquela bola de neve que veio rolando lá da ge-
lada Suíça, quando bateu nos trópicos deu o primeiro
A essa atitude teórica (tomando os Manifestos pique diante de Oswald de Andrade. Miramar remata
co.mo uma poética) corresponde uma prática do texto, no peito a bola de neve e, como um Leônidas com o
leltura duchampiana dos autores básicos da cultura pé na bola inglesa do soccer, a conduz pela área ad-
brasileira, da nossa historicidade. Haja vista a primei- versária num gingado moreno. Gilberto Vasconcellos
ra parte de Pau-Brasil, onde os textos dos "europeus" (no livro cuja leitura estou infelizmente adiando) tenta
que nos visitaram são marcados, são contaminados apreender o segundo pique da bola na incandescente
(sob a forma de títulos que são acrescentados às apro- segunda metade dos anos 60, quando tivemos uma das
priações) de maneira eficiente, risonha, brincalhona mais fecundas combustões artísticas desde a década de
iconoclasta, por Oswald de Andrade. Uma descriçã; 20. fecunda não tanto porque deu origem a obras du-
das índias feita por Caminha recebe o revelador título ráveis, a obras clássicas, mas porque tematizou de ma-
de neira inigualável toda a contradição que os jovens ex-
perimentavam e porque conseguiu reunir por detrás de do seu livro: soube distinguir com rara felicidade os
um projeto revisionista as diversas linguagens pelas
"malandros" dos "picaretas" da MPB. E os distingue
quais se podiam manifestar os artistas. Tanto um José de maneira sutil: não os citando. Parco na nomeação
Celso quanto um Glauber, tanto um Caetano quanto dos personagens, seu filme dos anos 60 apenas lança
um Hélio Oiticica, tanto um Gil quanto um Torquato mão do c1ose-up para quem merece. Quem ficou de
Neto, tanto um Joaquim Pedro quanto um Rogério
fora é porque tinha de ficar mesmo, já que malandro
Duprat, foram - em suas respectivas linguagens - que é malandro não pega em "picareta".
tropicalistas à sua própria, e à sua comum maneira.
Isto é: produziram textos (no sentido amplo) contra- Gilberto Vasconcellos não tenta abrir caminhos
ditórios. E foram, ainda, tropicalistas porque soube- novos, mas segue de perto a trilha de leitura determina-
ram aproveitar a lição de Dada e a lição de Oswald d? pelos primeiros críticos do tropicalismo (em espe-
. que, esquematicamente, tentamos configurar acima. clal a de Roberto Schwarz) para não só endossar e
reativar os acertos, como também para discutir os
Gilberto Vasconcellos consegue, de maneira feliz,
desacertos.
reagenciar os elementos de sua própria formação inte-
lectual, percorrendo com passo de malandro - "pe- Vejamos primeiro como Gilberto determina sua
rambulando", como diz ele - os meandros de um tática de trabalho. Dando realce ao elemento textual,
discurso que se quis afirmar jovem, forte e decidido, como ele próprio diz nas primeiras páginas, procura
depois de ter sofrido um golpe mortal nos seus alicerces no entanto vincular a produção musical brasileira ao
ideológicos. E o único caminho que o discurso artístico seu '''papel 110 quadro político dos anos 60". Assim
conseguiu para se afirmar foi o de conciliar os elemen- sendo, o que nós estamos chamando de o texto-da-di-
tos opostos à sua frente para tentar sugerir relações ~erença vai se manifestar tematicamente em forma de
críticas, plataformas de onde se pudesse vislumbrar o Justaposição de situações contraditórias: é o jogo entre
todo com certa lucidez e certa zombaria. A conjunção os elementos que classifica como "tropical" e como
"urbano-industrial". É por esta fresta sociologizante
de elementos díspares e não a sua exclusão, como lhes
ensinava Oswald. Glauber Rocha traduziu a experiên- que fala o discurso da Tropicália quando Gilberto o
cia em provérbio lapidar: "Entre uma usina hidrelétri- deixa falar. De dedo em riste, aponta primeiro a "ca-
ca e o luar do sertão, não há dúvida possível - fica-se rência de sintetização" (brilhante intuição de Mário em
com os dois". E Gil, comentado por Gilberto Vascon- 1925, referindo-se a Pau-Brasil) como elemento essen-
cial na compreensão do processo, conduzindo o leitor
cellos, repete em estribilho: "É bumba-iê-iê-iê-boi", en-
a oscilar criticamente entre um pólo e o outro, sem que
quanto Caetano bisa Vicente Celestino com roupa de
se apegue a nenhum isoladamente, detendo-se apenas
plástico.
na sua verdade diferencial.
E com seu próprio passo de malandro (veja-se o
. Mas Gilberto não se satisfaz com uma mera des-
último ensaio do livro), cujo gingado substitui com pro-
crição do objeto de seu estudo; pretende ainda agarrar
priedade os passos trôpegos do "boêmio" Oswald de
o percorrer da canção brasileira desde o início da dé-
Andrade, Gilberto Vasconcellos marca o primeiro tento
cada dos 60, vendo como, em fases sucessivas, "a so-
ciedádé se objetiva na estrutura da canção" e "como - aclara o próprio autor). Ousemos tomar também a
a matéria política se incorpora na MPB". Para isso, palavra.
no segundo e mais encorpado dos artigos, levanta uma Cremos que não foi inútil toda a nossa meditação
primeira tipologia da MPB, onde três fases distintas inicial a respeito do Manifesto Dada, no que toca seu
'Se sucedem. Destaca um primeiro período que iria de questionamento do pensamento ocidental, e menos inú.,
60 a 68, dominado pela canção de protesto ("escan- til terá sido a apropriação tropical feita por Oswald
carada e esquemática"), um segundo que iria de 68 a de Andrade, onde à desconstrução do Ocidente se une
72 ("dimensão polivalente, fixando-se ora na paródia, uma visão problemática da cultura brasileira, de raí-
ora na alegoria") e um terceiro que viria de 72 até zes imersas tanto aqui quanto lá, mas reivindicando pa-
nossos dias e em que "a matéria política se encontra ra o aqui um processo de transformação que autono-
suspensa ou recalcada". mize a condição do pensar brasileiro. Assim como,
Se esses dados iniciais fornecem uma visão geral no caso de Dada e de Oswald, se salientou um desen-
do trabalho de sistematização empreendido por Gil- contra entre uma razão dialética que tem reinado pelos
berto diante de material tão múltiplo, deixam no en- tempos e uma racionalização da contradição que tenta
tanto escapar um dos pontos altos do livro que é o respirar, assim também pode ser colocado o conflito
seu diálogo com Roberto Schwarz, onde questiona a entre as atitudes dos criadores e dos críticos da Tropi-
postura dogmática e pessimista de Roberto. Num dos cália, gerando a série de desentendimentos que todos
seus artigos mais lidos e comentados, Schwarz tece vá- nós conhecemos.
rias objeções de ordem ideológica à Tropicália, consi- A própria palavra de ordem usada pelos críticos,
derando-a um instrumento a mais que serviu para "pe- o absurdo, já trai uma dificuldade que experimentam
trificar o absurdo como um mal eterno do Brasil". em compreender a postura da Tropicália, pois esta não
Em lugar de simplesmente endossar as palavras é a de perpetuar nada e muito menos o absurdo -,
de Gilberto, seria oportuno elogiá-Ias pela disposição como tentamos mostrar anteriormente com palavras que
que seu autor mantém ao não querer acatar uma pos- ainda seriam válidas para a década dos 60. Absurdo
tura inteligente como imutável e por trazer uma bafo- tem sido a categoria que o pensamento ocidental tra-
rada de ar fresco no difícil diálogo entre criadores e dicional (se quiserem, centrado em H egel) tem utiliza-
teóricos que ocupam uma posição avançada dentro do do para abranger tudo o que não chega a pensar, tudo
pensar a realidade brasileira. E mais oportuno ainda o que está impedindo de pensar por suas premissas ló-
seria levar as suas palavras adiante e começar a ques- gicas. Por exemplo: a contradição em si. Apegar-se,
tionar a razão por que este segundo segmento atuante pois, a uma razão dialética que explicaria todos os fa-
da inteligência brasileira (os teóricos) não pôde e ainda tos e inclusive neutralizaria (em seu favor, é,claro) o.
não quis aceitar a Tropicália. Uma primeira hipótese potencial de ação de uma nova manifestação é querer
é levantada pelo próprio Gilberto e verteria por uma também - de uma maneira toda especial, compreen.
corrente que implica crítica radical do projeto populis- dam-me - isolar-se num obscurantismo teórico de
ta como existiu antes de 64 (mas que existiria até hoje cunho internacionalizante, ortodoxo, cuja mirada únic~
serià sempre a de um -devir histórico.já programado se- o artista, ao elaborar seu texto (seja ele canção, filme,
gundo o modelo. Claro está que estaríamos diante de poema, mise-en-scene etc.) não deve se deixar circuns-
uma racionalização muito mais européia do que pro- 'crever pelo temor de desagradar a nossa inteligência
priamente brasileira (ou do Novo Mundo). É claro ain,. mais participante. Ainda que seja ela aquela que lhe
da' que seria ridículo acreditar que estamos querendo toca mais de perto.
cair numa atitude xenófobd, pois o próprio Oswald, Despeço-me aqui do leitor de Gilberto. Mas antes
em que se apoiou a Tropicália, já nos tinha alertado extraio de Perambulando uma epígrafe que é nossa: "O
para a "macumba pra turistf:l". humor, ou a ironia, talvez seja um componente im-
O essencial é perceber que às vezes certas postu- prescindível ao conhecimento deste mundo malvado".
ras radicais carregam em si tal dose de europeocentris-
mo que ao se rebaterem contra o objeto "brasileiroY
revolucionário; simplesmente porque não segue de per-
to o modelo, minimiza-o, a ponto mesmo de aniquilar
o seu potencial guerreiro.
Antes portanto de a diferença ser apenas a des-
crição de uma "crise dtemporal", ausência de manifes-
tação do "horizonte do futuro", a crise de que a dife'-
rença fala é a própria crise do pensamento revolueió-
nário hoje, incapaz de pensar qualquer caminho em
que se revele um signo de alteridade, qualquer caminho
em que se esboce o riso como possível manejo da reali-
dade histórica, qualquer revisão que fale do "colapso
do populismo". A "categoria superior" de que fala a
dialética e que plana sobre as contradições é uma pos-
tura difícil de ser aceita pelo artista, .pelo criador,' na
medida em que a çbra de arte - caso não se filie a
um partido - nos conduz a uma meditação cerceada
pela própria forma que o artista elegeu, que é a forma
do texto. E este, pela violenta imposição do material
em que é elaborado - a linguagem - repousa na
pdlissemia.
O leitor crítico) é claro, não deve contentar-se
em apenas repetir a ambigüidade do texto (ou a sua
polissemia); deve antes imprimir-lhe o discernimento
da sua leitura, marca de sua posse do texto. Tampouco
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