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ASTER

All Hollow’s Eve


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This novel is entirely a work of fiction. The names, characters and incidents
portrayed in it are the work of the author’s imagination. Any resemblance to
actual persons, living or dead, events or localities is entirely coincidental.

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First edition

Narration by Adami
Narration by Alves
Narration by Dane
Narration by Julia
Narration by Luka
Narration by Menezes
Narration by Muffin
Narration by Nico
Narration by Rosa
Narration by Von
Editing by Adami

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Para Aster, que nos fez acreditar.
Contents

Prelúdio iii

I 10 DE OUTUBRO

1 Capítulo I – O Retorno 3
2 Capítulo II – A Ponte 6
3 Capítulo III – Caminhos da Madrugada 20
4 Capítulo IV – Companhia e Cannabis 28
5 Capítulo V – Memórias e Saudades 33
6 Capítulo VI – Respostas Ocultas 42
7 Capítulo VII – Sonos Interrompidos 45

II 11 DE OUTUBRO

8 Capítulo VIII – O Oculto e O Rei 51


9 Capítulo IX – Registros e Descobertas 57
10 Capítulo X – Café e Companhias 67
11 Capítulo XI – Futuro 71
12 Capítulo XII – Mantenha os Amigos Perto… 77
13 Capítulo XIII – O Limite da Paciência 83
14 Capítulo XIV – La Creatura 87

III 12 de Outubro

15 Capítulo XIV – Sonhos e Memórias 91


16 Capítulo XV – 92
17 Conclusion 93
Epilogue 94
Afterword 95
PISTAS 96
Prelúdio

8 de outubro de 2028
hssss… chk
“…E numa outra nota, as obras no parque iniciam ainda nessa semana,
e eu acho importante dar as boas vindas à Harris & Co., que está cuidando
da logística do festival mais uma vez, totalizando - caramba, onze anos!
Caramba. É claro que os nossos músicos são as estrelas do show, mas é
essa equipe de profissionais que faz a magia acontecer, não é mesmo?”
“Enfim, vamos aos pedidos dos ouvintes. E, falando da Noite dos Vazios,
o primeiro vem de ninguém mais, ninguém menos que Outis da Nemo’s
Vinis. E aí está mais um herói dos bastidores desse festival, então, nada
mais justo que honrar os desejos dela com Bad Moon Rising, do Credence
Clearwater Revival. O meu nome é Eileen e você está escutando a Rádio
da Universidade. Eu volto com vocês logo mais.”

iii
I

10 DE OUTUBRO

BEM-VINDOS À ALL HOLLOW’S EVE!


21 DIAS PARA O FESTIVAL
1

Capítulo I – O Retorno

Esse era o terceiro ano que eu vinha trabalhar n’A Noite dos Vazios. Era
trabalho como qualquer outro, pelo menos no início, mas… Ao longo dos
anos eu tinha criado uma afeição especial pela cidade, pelas pessoas, por todo
o espetáculo que era o festival. Além disso, mais do que nunca, eu precisava
de uma distração.
Encarar as paredes daquele estúdio minúsculo que eu alugava todo ano
tinha rapidamente se tornado algo opressivo. Era fútil, eu percebi mais uma
vez, tentar encontrar familiaridade depois de tudo que tinha acontecido nos
últimos meses. Mesmo assim, era a única coisa que me restava: tentar, tentar,
tentar.
Outis me recebeu em sua loja com uma boa xícara de café e um abraço
apertado. Ele sabia, mesmo sem eu precisar dizer, que as coisas não iam
muito bem. Sempre sabia. Mas eu não queria mais condolências, então, ao
invés disso, ela me ofereceu uma distração.
“Trinta anos de festival…” Eu comentei. “Você deve ter cada história.” Ela
sorriu.
“Trinta anos não parecem nada no grande esquema das coisas,” disse
simplesmente. “Mas sim. É uma pena…”
“Pena?” Perguntei.
Ele tomou um longo gole de café, soltou um suspiro profundo e finalmente
me respondeu:

3
ALL HOLLOW’S EVE

“Temo que este será o fim d’A Noite.” Admitidamente, fiquei um tanto
chocada com a resposta. Outis não elaborou, e eu não insisti.
“Parece que o meu mundo tem se acabado aos poucos,” comentei com a voz
fraca.
“Mais do que você imagina, Nora.”
Essas palavras se marcaram na minha cabeça como ferro em brasa. Mas no
fim, era Outis. Ele falava coisas desse tipo sem aviso, e muitas vezes elas não
significavam nada demais.

Mas eu sentia algo no ar. Como se observasse. Faminto.

Em três semanas, Nova Grenbury mais uma vez apresentará A Noite


dos Vazios. Como sempre, a movimentação começa cedo, a cidade se
transformando diante de seus olhos.
É o tipo de ocasião que faz a energia no ar se contrair e expandir de forma
quase que errática. Uma confluência tão grande de pessoas, trazendo todas
as suas bagagens para esse pequeno canto do mundo. Talvez você tenha
percebido a mudança de ritmo. Talvez não.
São pequenas coisas, processos por vezes ocultos para a maioria, que se
manifestam de maneiras inesperadas.
Um sonho, por exemplo.
Quaisquer sejam os seus sonhos habituais – quer você lembre deles ou
não, – essa noite eles o abandonam. Ao invés deles, sua mente é tomada
pela recriação onírica de uma ponte abandonada, vigas grossas de metal
carcomidas pelo tempo, a natureza retomando o asfalto quebrado.
A realização de que você é uma testemunha vem junto com a de que não
está sozinho neste papel. Sente a presença de outras pessoas ao seu redor, mas
não as reconhece. Juntos, formam um coro de Erínias, prestes a presenciar
uma tragédia se desenrolar, incapazes de impedir. Fadadas ao lamento.

Seus olhos viajam para baixo.

São duas figuras. Então três. E então apenas uma.

4
CAPÍTULO I – O RETORNO

Eu não sei como você acorda pela manhã. Há um grito entalado em sua
garganta? Ou você não esboça reação?

Acho que não é da minha conta.


Mas não se engane. Eu sei o que acontece em seguida.
Você tenta seguir o seu dia normalmente. “Foi só um sonho”, você diz para
si mesmo. É claro, não funciona.
Humanos são criaturas fascinantes, não é mesmo? A curiosidade sempre
vence. Ela parece arranhar seus pensamentos como um cão arranha uma
porta, desesperado para ser livre…
Independente do que ele possa encontrar lá fora, espreitando.
E é por isso que quando chega o fim da tarde, você não consegue mais se
segurar. Esse impulso é muito mais forte do que você.
Rumo à ponte abandonada que outrora levou para fora da cidade, você não
pode evitar de se perguntar…

Bom, talvez não seja nada no fim. Foi só um sonho, não é mesmo?

5
2

Capítulo II – A Ponte

A Ponte Abandonada – 21:04


Essa ponte, que já foi uma das saídas da cidade, estaria quase esquecida, se
não fossem todos os jovens que a consideram um bom local para se encontrar
e se distrair. O tempo mostra suas cicatrizes nas vigas de metal enferrujadas,
marcadas pelas pixações daqueles que estiveram aqui a tanto tempo atrás, e o
mato crescido que a cerceia cria uma atmosfera tranquila, como uma ruína
moderna a muito abandonada.
Sozinha, a figura se escora em uma das vigas da ponte, um cigarro aceso
entre seus dedos. Como todas as suas buscas antes dessa, parece inútil ter
vindo até aqui. Mas também parece inútil voltar de uma vez. De qualquer
forma, Bela e Vicky precisavam de uma saída.
As duas correm em círculos uma atrás da outra, numa ignorância quase
abençoada quanto ao estado de espírito de sua dona. Nora, por sua vez…
Parece esperar por algo. Qualquer coisa que faça essa loucura ter valido a
pena.
Aos poucos, figuras vão chegando. Alfred. Jojo. Lauro. Oliver, que parece
se interessar pelos cachorros. Lilith. Jia e Andy, juntos, como sempre. Belle.
Anna-Lise. Nora os encara, sem esperar a presença de tantas pessoas. Ela
conhece essas pessoas. Levanta o cigarro em direção a eles. A confusão que

6
CAPÍTULO II – A PONTE

sente não transparece em seu rosto.


Jia, como sempre, se esconde atrás de Andy. Não por medo, porque ela não
teme nada; é mais porque a quantidade de pessoas aqui é maior do que está
acostumada.
Enquanto isso, ao contrário dela, Oliver toma alguns passos à frente,
interessado. Os olhos brancos só refletem a paisagem, e mais ninguém.
Lillith leva dois dedos à boca e assobia para Nora. Não esperava encontrar
tanta gente, não aqui, não a essa hora, mas aceita o destino como é.
“Cachorros. Cachorros grandes.” Lauro quase se esfarela, e daí se esconde
atrás de Lillith.
“Jojo, nossa…” Nora apaga o cigarro numa das vigas, levemente enver-
gonhada. Ela não costumava fumar antes. Depois olha para os outros.
Esse daqui se aproxima de Nora prontamente, franzindo a testa um
pouquinho.
“Quê? Nora…”
Ansiosa, Emma caminha rapidamente até a ponte. Microfone em mãos,
gravando seus passos. A respiração pesada. Algo naquele sonho não a deixava
pensar em outra coisa. O tempo até aquele momento escorrendo como
melaço, o dia parecendo não passar. Até chegar ali. E ver rostos familiares.
Alguns mais que outros. Estranho. Ela respira fundo, tentando esconder a
misto de sentimentos confusos, e apenas consegue dizer uma pequena frase:
“Se importam se eu gravar?”
“Não tem problema gravar.” Nora fala.
Jia se importa, sim, de gravarem-na, porque os direitos de imagem dela
não deveriam ser tomados tão facilmente assim. No entanto, ela prefere que
sequer notem a sua presença por ora.
“O que tá acontecendo?” São as primeiras palavras de Jojo diante disso tudo.
“Até os colegas de banda…”
“E… Nem ideia. Deixa eu adivinhar, vocês tiveram um sonho esquisito?”
Nora responde, com um tom sarcástico.
“Sim.” Jojo responde.
“Uhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhhh….. Sim…” Andy olha meio desconfiado
pra Nora. “Isso não é recrutamento pra algum tipo de culto, né?”

7
ALL HOLLOW’S EVE

“Caras. Era uma piada.” Nora se arrepende amargamente de ter apagado o


cigarro.
Oliver sorri, como se a pergunta não fosse terrivelmente assustadora, e
confessa, sorrindo: “Bom, eu tenho sonhos esquisitos o tempo todo.”
Anna se mantém um pouco distante, tanto por seu leve medo que os
cachorros pulem nela quanto por não entender o que estava acontecendo
ali. “Todas essas pessoas tinham tido o mesmo sonho que eu? O pessoal da banda?
Qual o motivo disso?”, ela pensava, olhando envolta e ouvindo atentamente o
que aquela mulher dizia, pois ela parecia ser a única que sabia o que estava
acontecendo.
Nora não fazia ideia do que estava acontecendo. Ela só calhava de ser a
pessoa mais velha daqui.
Alfred Farr tá com cara de quem dormiu muito mal. Quem tiver o hábito
do julgamento, diria que está de ressaca. Ele busca um cigarro no bolso e não
encontra. “Que merda.” Ele assente com a cabeça para Emma como quem diz
eeepa. para um conhecido na rua. “Nora…”
Lauro abre a boca pra começar a dizer algo nas linhas de isso é esquisito
e não confio em você, mas essa pessoa têm cães. E se Nora quiser soltar as
borapinhas pra cima dele, hipoteticamente?
…Pra cabeça dele faz sentido. Ele continua calado, então, tentando não se
agarrar às roupas da companheira de banda como se fosse uma criança.
“Uma piada… ou uma confissão?” Lillith sorri largamente. Se ela sonhou
ou não… ela não vai dizer por ora.
“Uma piada.” Nora diz resolutamente.
“Como palhaça ou como líder de culto, você está …” Jia fala
baixinho.
Alfred admira a franqueza de Jia e sorri. Andy se segura pra não rir. Ela o
belisca pra ele não rir. “Eu também não sou palhaça.”
“Aaiaiaiai!” Andy deixa escapar. “Doeu.”
“Caramba Zhang. Eu não sou nenhum dois dois.” Nora franze o cenho.
Sim, ela reconhece todos, e todos a reconhecem. Ela é, de fato, parte da
organização do festival. E a maioria deles faz parte do mesmo.
Não Jia. Ela não é artista. Só uma futura advogada. Mas sim, ela conhece a

8
CAPÍTULO II – A PONTE

Nora.
“Gente, calma.” Jojo ergue a própria mão e a fecha.
“Bom, eu tive um sonho mas eu tento não justificar todas as minhas escolhas
ruins dessa forma.” Nora continua, enquanto começa a mexer em seu colar.
“Mas se todos vocês… Bom isso é bizarro.”
“Bizarro é pouco, eu diria.” Emma diz, colocando o cabelo atrás da orelha.
“Não sei vocês, mas eu não consegui fazer nada hoje. Nada. Tudo que eu
tentava fazer, eu só lembrava do sonho.”
Ela encara Alfred. Seu colega de quarto. É estranho pensar que tantas
pessoas tenham sonhado com a mesma coisa. Mas… a pessoa que dorme ao
lado dela? E logo alguém que entende tanto sobre o oculto? Depois ela teria
que falar com ele sobre isso. Teorias?
Alfred retribui o olhar de Emma igualmente confuso. Nunca imaginou que
tanta gente pudesse ter sonhado a mesma coisa.
Oliver finalmente para na frente dos Borapinhas, que são os cachorrinhos da
Nora, e se ajoelha para fazer carinho. Ele não entende muito toda a comoção.
“Eu vim porque eu precisava ver essas coisinhas lindas,” ele continua sorrindo.
Completamente tranquilo. De boassa. “Quem são as coisinhas mais lindas do
mundo?”
Ele dá dois beijinhos estalados nas bochechas dos doguinhos. O cara está
apenas tendo um momento. E ele também fede a maconha. As duas coisas
podem estar interligadas!
“Bela e Vicky. Minhas meninas.” Nora também sorri. “Mas voltando ao
assunto.” Ela olha para os outros.
“Por qual motivo todo mundo veio pra cá? Esse clima tá estranho. Foi um
sonho… mesmo?” Jojo questiona. “É só responder. Não tem nenhum culto
aqui.”
“Não tem?” Lillith parece despontada.
“Não tem, Lilith.”
Anna olha para Jojo como se confirmasse que também está aqui por conta
do sonho, visão ou seja lá o que aquilo foi. Ela ainda aparenta estar confusa e
não sabe o que dizer.
…Ele assente para Anna. Mesmo que seja pelo sonho, ele quer reassegurar

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ALL HOLLOW’S EVE

ela de que está tudo bem.


Andy se espreguiça. “Bom, eu tive um sonho bizarro sobre essa ponte. A
Jia também.” Ele acena com a cabeça pra maluquinha atrás dele. “Não sei por
que caralhos isso aconteceu, mas aconteceu.”
“Deve ter uma explicação psicológica, todo mundo já viu essa ponte antes,
talvez tenha dado curiosidade” Alfred não acredita em nada do que está
dizendo, ele só gostaria que os outros fossem embora. “—Pera aí um minuto.
Emma, tu tá gravando ainda?”
“….talvez.” Emma fala baixinho.
“Quer que eu cante O come, All Ye Faithful?” Ele responde.
“Já devo ter umas 30 gravações dessas. Mas, sério. Se alguém não quiser
que eu grave, só falar. Eu não me ofendo, sério.”
Deixando as cachorrinhas de lado por um segundo, ele diz: “Às vezes,
sonhos são proféticos. Vemos o que já sabemos que vai acontecer há algum
tempo. Outras vezes, são vozes do outro lado se comunicando com a gente,
usando a sua própria língua,” carinho nos cachorrinhos. Carinho. “…Seja o
que for, é legal que compartilhamos todos a mesma coisa. É como se houvesse
uma linha nos ligando. Não vejo como algo a ser temido.”
Jia acha que ele é maluco. Acha não, tem certeza.
Lillith anda devagar para mais perto da ponte, sem se importar com o
Lauro pendurado na camiseta dela. Seu olhar curioso é atraído pela borda.
“Eu acho que sonhos… são mensagens codificadas d’Aquele que se move nas
sombras… Cabe a nós decifrá-las.”
“Eita.” Nora a encara, de olhos arregalados.. “Caramba… Isso é algo.”
“Você acha que Ele perderia tempo com gente como a gente,” a (futura)
advogada murmura, baixo como sempre. “Você é idiota?”
“Eu acho que ele não abandona aqueles que acolhe.” Ela sorri para Jia como
se ela fosse inocente demais.
“Sempre pode ser outro bicho.” O diabo é um bicho, aparentemente. “De
qualquer forma é meio perigoso.” Ele diz isso com o maior sorriso do mundo,
mostrando os dentes.
“Eu não acho que satanás está envolvido.” Jojo Byrd… sente medo cristão!
“Mas é alguma coisa. Cara, eu sei lá. O que… a gente faz agora? A gente já tá

10
CAPÍTULO II – A PONTE

aqui. Então…”
“Bom…” Nora se escora nas vigas. “Acho que parte de mim queria que o
sonho só… Acontecesse de novo.” Ela fala isso mais diretamente para Jojo.
Óbvio. “Ou sei lá também. Que porra, isso é esquisito demais. Eu só queria
sair de casa. Acho que todo mundo aqui tá entediado demais, vocês são
universitários caramba.”
“O que vocês lembram do sonho?” Os olhos de Lillith voltam a se esgueirar
para a borda da ponte.
“Muito pouco.” Responde Emma. “Eu lembro mais de… sensações. Tipo
quando você sabe que tem alguém atrás de você sem precisar olhar. Um
pressentimento.”
Anna completa Emma “Sim. Comigo foi exatamente assim também. Mas
eu não conseguia ver realmente quem eram as pessoas”
Alfred está tomando notas mentais. Ele sabe que vai pesquisar algo assim
que sair daqui. Sabe até em quais textos. Mas ele não acredita mesmo em
sonhos proféticos, acredita? Não de verdade… “Figuras, meio borradas.” Ele
responde Lillith.
Oliver já está abraçando as cachorras como se fossem dela. “Lembro de
pessoas. E de pensar que queria segurar a mão delas, mesmo sendo frias.”
“…E um pressentimento ruim. Muito, muito ruim. De dar frio na barriga.”
“…Deve vir daí o frio,” Oliver concluiu.
“Duas, então três, e por final uma.” Andy lembra.
“E por final uma.” Jojo ecoou.”Eu sonhei o mesmo.”
Nora apenas assente silenciosa.
“… É que nem o enigma da esfinge, olha aí. A resposta é “Homem.”” Alfred
está olhando para a água.
“Eu lembro de estar aqui, com vultos. O que é meio… coincidente. E aí, lá
embaixo…” Lillith olha para fora da ponte, mas não vê nada. Apenas sente um
arrepio em suas costas. Um calafrio. A sensação de que algo terrível chegou.
As cachorras, que até agora brincavam alegremente, param de súbito.
Formando uma barreira na frente de Nora - e, consequentemente, na frente
de todos -, elas se viram paralelamente à estrada, olhos fixos no fim da ponte.
Bela toma uma posição de ataque, rosnando de leve, e Vicky apenas se

11
ALL HOLLOW’S EVE

mantém alerta, orelhas em riste como se fossem antenas.


“Ei, vocês duas,” Nora chama, se posicionando atrás delas. “O que houve?”
Seus olhos se estreitam, tentando enxergar o que quer que as tenha deixado
tão nervosas.
Tem… Alguém no fim da estrada. Um vulto envolto por neblina.
É dolorosamente familiar. Um vulto conhecido. Mas não dá pra saber de
quem.
Jojo apenas não reage.
Nora se posiciona na frente de Jojo quase que instintivamente.
A cabeça de Oliver tomba para o seu ombro, a mesma curiosidade inocente
pairando ali. Bem, ela vê espíritos e vultos o tempo todo. Tudo que ela faz,
então, é acenar de leve, chamando-o para perto, caso ele queira conversar.
Alfred caminha um pouco pra frente, tentando ver melhor.
“Ei, você aí!” Grita Lauro.
“Vai ficar olhando ou vai chegar mais perto?!” Andy faz coro.
Emma gela, lentamente andando para trás do grupo. Sem saber o que fazer.
Mas observando, atentamente.
Enquanto isso, a. A Jia. Jia Zhang, ela.
Ela acha irado. Puta que pariu! Ela sai de trás de Andy, para ver um pouco
melhor.
“Tem alguém? O que que ta acontecendo?” Lillith olha em volta, confusa,
sem ver nada.
“Nora.” Alfred chama, com a voz baixa. “Tem um cigarro?”.
“Cara. Agora não.” Os olhos dela estão fixos como um animal na frente
de um par de faróis. Puta merda, deve ser um maluco com uma faca. Puta
merda.
“Tomara que seja um maluco com uma faca.” Porra, se fosse um maluco com
uma faca, Jia ia ter uma puta história pra falar pros colegas dela.
Anna fica estática, sentindo um calafrio tomar conta de seu corpo. Mas,
ela ainda assim tem curiosidade suficiente para dar um passo à frente, já que
estava antes um pouco mais atrás do resto do grupo.
Alfred fica incomodado com a resposta. Ele vira pra frente e grita “EI!
QUER ALGUMA COISA, AMIGO?” ele não soa como um amigo.

12
CAPÍTULO II – A PONTE

A figura parece tremular na névoa. A familiaridade traz um arrepio na nuca


se você pensar demais sobre o assunto. Mas o vulto não se mexe. Não reage.
Apenas… Observa.
“Gente, eu não sei se é uma boa… Será que não é melhor só deixar elu ir
embora?” Emma gagueja.
“Ele não parece querer ir embora.” Andy fala, ainda o encarando.
“Eu não sei se elu quer ir embora.” Jojo, também assustado, fala. “Caralho.
Inferno. Só porque Lilith o mencionou…”
“ELES TÃO FALANDO COM VOCÊ!!!” Lillith grita muito alto, com a
experiência de uma vocalista.
“Ai, foda-se, deve ser um maluco qualquer. Venha simbora, boy! Coisa torta
ficar aí!” Lauro atiça.
…Oliver dá um passo para trás, e só encara de volta. Sabe que cães são
muito mais sensíveis que pessoas normais, e tão sensíveis quanto ele. Ele
pisca uma, duas vezes; e tenta formar uma figura do que vê. Nada. É só um
vulto.
Emma sente cada vez mais medo. Mas faz o que aprendeu depois de ver
tantos documentários. Lentamente tira seu canivete da bolsa, tentando não
tremer muito, o escondendo atrás dos outros. Ela não sabe usar a faca, mas
tinha feito uma ou duas aulas de teatro na vida. Podia pelo menos fingir.
“Será que é um maluco com uma faca?” Andy flerta.
“ .” Jia sussurra.
“Somos …” Alfred tenta contar o grupo, mas tá muito cansado”Pelo Menos
quatro. Se quiser confusão acho que a gente tá bem”.
“Se for, estamos muito bem.” Andy responde.
“Bela,” Nora tenta afagar a cachorra, que simplesmente não para de latir.
“Caramba, eu espero que seja um maluco com uma faca.”
Lillith começa a andar em frente. Pode ser um maluco com uma faca mas
ela tá com uma plataforma que tem pelo menos 2 kg.
Alfred vai junto. Nunca se foge de uma briga.
“Andy.” Jia fala, sorrindo. “A gente finalmente vai matar alguém.”
“Não fala que eu choro.” Ele responde.
“Eu sei. Eu sei. Depois de anos…”

13
ALL HOLLOW’S EVE

Alfred escuta isso e fica sinceramente preocupado.


Laurence não vai dar um passo a mais porque se ele fizer isso, vai estar um
passo a mais perto das cachorras. Ele vai observar isso acontecer.
“Eles vão lutar contra o Diabo!” Jojo pondera, aterrorizado.
No momento em que alguns começam a se aproximar, Bela se desvencilha
do meio abraço de Nora e dispara na direção do vulto.
“Merda.” Nora corre atrás, mas…
“Cacete!” Alfred tenta pegar o dog, mas pula errado.
Lillith se desequilibra e quase cai quando Bela passa por suas pernas.
“Porra, o cachorro não caralho!” Andy tenta também pegar ela, mas não
consegue.
“PORRA!” Ao ver a cachorra correndo, Emma corre em direção a ela. Foda-
se o medo. Com bichinho não se mexe.
“Minha filha”” Oliver conheceu as cachorras dez minutos atrás. Ele corre
atrás também.
Anna novamente dá a afastada de antes quando vê Bela solta. Ela temia que
exatamente isso acontecesse.
Bela desaparece na névoa por alguns instantes, e, quase ao mesmo tempo,
o vulto desaparece. Não é como se sumisse, mais como… Se desviasse num
borrão.
Ela volta da névoa como se nada tivesse acontecido. Ela está perfeitamente
bem. Mas qualquer indício do vulto se foi.
Nora se ajoelha na frente dela, afagando atrás das suas orelhas. Vicky está
logo atrás. “Que porra?”
Jia queria que fosse um maluco com uma faca.
Alfred não diz nada, mas está aliviado que está tudo bem com o dog.
“Foi-se embora.” Lauro percebe.
Alfred escuta isso com menos preocupação agora. O sujeito estranho
olhando de longe o assustou bastante. Por dentro.
Enquanto isso, Oliver só para de correr. “Não estava a fim de conversar.
Isso acontece. Acho que assustamos ele.”
Lillith para, olha para trás e para frente. Não sabe se investiga ou não. Não
parece natural algo só ter sumido.

14
CAPÍTULO II – A PONTE

“Não sei que tipo de pegadinha de merda foi essa, é melhor que esse cara se
cuide.” Andy bufa, irritado.
Jojo se ajoelha junto com Nora, e afaga a cachorrinha tremendo um pouco.
Ele costuma dizer que é ateu porque, honestamente, perdeu a fé em Deus faz
anos e anos. Mas, sabe… nunca deve se duvidar.
…Jonathan Byrd realmente acreditava que estava, err, lidando com o Diabo.
“Puta merda.”: “Boa garota!”
“A gente vai matar ele, Andy.” Jia afirma. Ela ainda está encucada com isso.
Andy dá tapinhas nas costas da Jia e acena com a cabeça.
“Devem ter sido só umas crianças. É quase halloween, sei lá.” Nora mente.
Falta bastante pro halloween ainda. Ela busca algum conforto nos olhos de
Jojo.
Lillith volta a andar em frente. Se realmente não é natural… pode ser uma
pista.
Alfred também procura alguma coisa na direção da aparição.
Ela apressa o passo.
Anna está aliviada por Bela estar de volta e bem, mas ela olha envolta nas
outras direções para ver se outra dessas sombras irá aparecer de novo. Ela
está alerta.
Ao ver Bela voltar, Emma apenas congela. Olha para o nevoeiro. Lem-
brando de alguma frase. Mas qual? Estava na ponta da sua língua.
“Não é quase Halloween. Sua percepção de tempo foi embora com o seu
cabelo.”
“Garota, pelo amor de deus.” Nora só a encara.
“Culpa sua ser careca.” Jia apenas sorri.
“Careca é foda” Andy pensa.
Ao redor deles, só se escutam os sons da noite. Se antes a ponte os lembrava
do sonho deles, agora ela é apenas… mundana. O que aconteceu, aconteceu,
e a natureza segue seu curso por enquanto.
Lillith para, finalmente. Sentindo que a eletricidade correndo pela sua
espinha a deixou. Não tem nada aqui. Nada além do que os olhos veem.
Andy percebe sua colega de quarto. “Tudo certo aí Aninha?” Ela parece
estar toda errada da cabeça.

15
ALL HOLLOW’S EVE

Anna ouve a voz de Andy, o que a traz de volta para a realidade. “Ah,
sim, sim. Agora tudo parece tão… normal” Ela parece estar só pensando
alto. Realmente, após a aparição sumir, era como se nada demais tivesse
acontecido.
“Pois é, meio normal, meio fodido, como sempre é.” Ele dá de ombros.
“Qualquer coisa grita.”
Jia aproveita para olhar para o seu colega de quarto também. Continua
sendo consumido pelo medo cristão. Tudo certo, nada errado. Típico Jojo.
Lilly dá meia volta e retorna com uma expressão de derrota. Foda que
quando você tem a visão ruim você caminha muito.
Ela começa a bolar unzinho.
Emma fecha seus olhos e lembra.
“Fair is foul and foul is fair.” A garota cita. “Hover through the fog and filthy
air.”
Oliver pensa que essa é uma baita frase.
“Macbeth…” Nora nunca leu a peça. Charlie costumava citar o tempo todo,
e algo se prende em sua garganta. Mas ninguém se importa com isso além
dela, então é um sentimento que guarda para si.
“By the pricking of my thumbs, something wicked this way comes.” Alfred
leu a peça um dia, mas na verdade só gosta dessa frase e sabe que é das bruxas.
Não sabe que é de outra cena, e acha que está continuando a frase de sua
roomie.
Emma pensa em corrigir o colega de quarto, mas para. Ele não estava
errado, tecnicamente. A névoa era sinal de augúrio, na peça pelo menos.
Talvez na vida também. “Something wicked this way comes…”, ela repete em
sua cabeça.
As palavras também parecem apropriadas para Alfred. Pessimismo é foda.
“A gente já entendeu, vocês leram Shakespeare…” Jia não está falando com
ninguém em particular. Só murmurando baixinho.
“Isso é Shakespeare?” Lauro fala… fofo.
“Macbeth. É a que tem as bruxas, lá. O cara mata o rei e fica chateado. Não
termina bem”
Lauro não liga pra teatro. Muito menos anglofono. “Ah, tá…. Beleza.”

16
CAPÍTULO II – A PONTE

Se essa situação for premeditada por Shakespeare, de todas as pessoas, Jia


vai se matar na frente dessa galera e mudar a trajetória da vida deles pra
sempre. Ela vai pra perto de Jojo e puxa a manga de sua blusa levemente,
buscando chamar a sua atenção. “Não era nada. Vamos voltar.”
Lillith finalmente se reencontra com o grupo. Ela oferece o baseado a Lauro.
“Eu não sei nada de Shakespeare.” Ela dá uma risadinha.
“Ele era um puta Macbeth.” Ela sacode a cabeça. “Foco, Nora, pelo amor de
deus.”
“É. Não tem nada aqui e tá tarde.” Ela também olha pra Jojo. “Vamos lá,
carinha, eu te dou uma carona. E… pros teus amigos também. Sei lá, quem
couber no carro.” Ela dá dois tapinhas em sua coxa, e as cachorras param de
prontidão ao seu lado.
Lillith aponta pra van. “Quem vai comigo? Eu juro que eu dirijo ok
chapada.”
“Eu vou no banco de carona. Tenho privilégios de companheiro de banda.”
Lauro fala, com muita confiança e tranquilidade pra quem vai estar numa
van com motorista chapada.
“Ei eu quero uma carona também!” Andy exclama.
Lauro aceita o beck e dá um trago. Porque não tem mais nada pra fazer.
“Eu vooou…”
“Bah adolescente chapado é foda. Nora, eles não são adolescentes, você não é tão
velha assim.”
“Eu vou ficar por aqui. Quero olhar mais um pouco.” Afirma Oliver. As
mulheres da família dele são médiuns, afinal. Isso é um trabalho que ele sabe
menos que elas, mas ainda sabe alguma coisa. “Tomem cuidado. Tenham
sonhos felizes… e tal. Hehe…”
Andy para e lentamente vira o rosto pra Lilith, sorrindo. “Eu vou com
você.”
Anna se aproxima de Nora e Jojo. “Eu aceito carona também”. Só depois de
dizer isso, percebeu que provavelmente algum dos cachorros poderia acabar
subindo em cima dela no carro. Tudo bem, agora já foi.
Jojo se levanta e se apoia em Nora. “Puta merda.” repete. “É. Podemos levar
Anna e… Jia, Andy. E quem mais quiser.”

17
ALL HOLLOW’S EVE

Nora dá uns tapinhas nas costas do amigo, em silêncio.


“Capaz Jojo, eu vou com a chapada.” Andy afirma.
“Ele não gosta de ficar mais perto de mim”, Jia afirma.
Andy está de fato ultrajado pelo comentário de Jia. “Tá então se tu não quer
ir no carro mais divertido o problema é teu.” Ele bota a língua pra fora como
sinal de revolta.
Jia não vai chamar ele de slur porque tem muita gente em volta.
Andy tá desafiando Jia a chamar ele de slur com os olhos.
“Para de olhar pra mim. .”
Lillith faz um sinal do rock para Andy e sobe no banco do motorista, ligando
os faróis. A van vermelha tem um aspecto meio baleado e fede levemente
a carniça. Tem seis lugares. Oito se apertar. A traseira tem vários adesivos,
entre eles o icônico “Foi satanás que me deu.” e a bandeira trans.
“Também vou ficar por aqui. Pelo menos um pouco. Preciso dar uma
respirada. Mas brigada pelo convite.” Emma acena, caminhando para a beira
da ponte, para encarar a água.
“Não precisa, gosto de caminhar.” Alfred olha pra Nora. “…cigarrinho?”
Ela revira os olhos. “Cara, você é insuportável.” Ela fala de um jeito quase
amigável enquanto estende um cigarro pra ele.
“Valeu”, ele abre um sorriso exagerado.
Nora começa a andar até o carro dela, com as cachorras logo atrás.
“Você não devia dirigir, Lilith.” Jojo fala, preocupado. “E tenham cuidado
ao ficar aqui. Sei lá. Que sinistro.”
“Byrd. Pelo Amor de… Byleth. Eu tenho experiência.” Lillith fala, com
confiança.
“Tá na mão do Senhor das Trevas, Jojo.” Andy ri. “Vai ficar tudo bem.”
“Só esses vem?” Ela liga o motor.
Andy manda um beijinho pra Jia. “Te cuida.”
Ela usa Jojo de barreira pra não continuar sendo vista por ele.
Jojo é usado de barreira.
Andy arregala os olhos pra Jojo e faz uma cara genuinamente assustadora.
Jojo se sente pequeno.
Ele não tem fé naquela carona de Lilith e companhia. Ele não se acha uma

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CAPÍTULO II – A PONTE

pessoa careta, ele também fuma. Mas é diferente. Na estrada é diferente!

Depois de um tempo, todos saem. Voltam para seus quartos. Suas


casas. Abandonam aquele lugar. Mas aquele sentimento, de que algo
estava acontecendo não iria passar, não importa o quanto eles
tentassem o ignorar. Não tão cedo. Dois, então três, então um. Era
apenas o começo.

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3

Capítulo III – Caminhos da Madrugada

Van Fudida da Lillith – 22:26


Lillith fecha a porta e liga o rádio. Começa a tocar Twice muito alto da playlist
dela.
Lauro põe os pés pra cima. Pelo menos ele tá de cinto de segurança. “Que
negocinho errado… esquisito… foi aquele…”
Andy bota o cinto. “Pois é né……e ele nem tinha uma faca…..”
“Tinha?” Lauro responde, implicando.
Lillith puxa o ar do baseado e a brasa brilha no escuro da noite. “Eu não
saberia dizer. Não enxergo bem normalmente, imagina com aquela neblina.
Vocês vão todos pro dormitório?”
“Aham! A não ser……que vocês tem outros planos….” Andy tá mexendo os
dedos como um vilão maligno do mal.
“Eu também não enxergo muito melhor, viu.” Lauro comenta. “Eu já tô
com larica… tô pensando em comer algo fora ao invés de ir pra casa…”
“A gente pode fazer uma parada na pizzaria. Do vizinho…” Lillith tá
dirigindo numa velocidade tão normal.
“Pizzaaaaa…!” Fala Andy. “Tá meio devagar o carro né..” Ele é maluco.
Lauro começa a matutar. “Olha, escutem. Peguem minha visão: pizza
salgada… e em cima uma pizza doce. Como um sanduíche.”

20
CAPÍTULO III – CAMINHOS DA MADRUGADA

Lillith concorda. Talvez seja a maconha falando.


“CARALHOOOO!!” Andy grita, animado. “Deve ser uma merda, mas muito
bom. Tá mas…..” Ele coça o queixo. “Tu realmente acha que era o diabo Lilly?”
Eles passam por um quebra-molas. Uepa!
“Talvez. Poucas coisas não são, eu acho.” Ela responde.
“E se fosse…. Deus!!” Andy fala, rindo. “Deus com uma faca.”
“Ou um profeta.” Lauro divaga. “Ah, sei lá. Mas tá muito estranho pra ser
alguém pregando uma peça. Isso que me deixa encucado.”
“Nada bom vem desses.” Lillith fala.
“Pelo bem dele, espero que seja uma pegadinha.” Andy fala, se inclinando
para trás. “E é bem possível que a gente seja os profetas.” Ele tá torcendo pra
isso, seria muito bala.
Lilly observa a estrada se movendo. Rápido demais. As luzes da cidade se
esgueirando, mudando a paisagem da estrada. “Vocês acham que o Alfred
acertou? aquilo da esfinge.” Ela ainda tenta interpretar os sinais.
“Três pessoas e um frio na minha barriga que parece que vou ir de arrasta
pra cima, com isso eu lembro mais é das Moiras.” Lauro comenta.
Andy Donovan — Ontem às 23:26
“Acho que não Lilly. Eu pensava que a gente ia encontrar uns corpos
embaixo da ponte ou algo assim.” Infelizmente não foi, para Andy pelo
menos era infelizmente. “É como se o sonho fosse nós presenciando algo que
aconteceu….ou vai acontecer!”
“Eu também. Achei muito que era isso, mas eu não consegui ver nada.” A
motorista fala. “Eu realmente espero que não seja literal.” Um. Depois três.
Depois dois.
“Existe feitiço pra fazer as pessoas que você quer terem o mesmo sonho?”
Lauro pergunta, sem saber exatamente o que está dizendo.
Ela pensa de verdade. “Não duvido. Mas de qualquer jeito a minha área é
menos nos feitiços e mais na… comunicação.” Lillith está acostumada com a
confusão entre as duas áreas. “Eu não acho que os… dos feitiços… Estavam
menos confusos que a gente…” Ela passa o beck para Lauro. “Mesmo que
exista… acho que a ideia de se comunicar com os outros por sonho é algo
interessante. Acho que não dá pra ignorar mesmo nesse caso. Ainda mais

21
ALL HOLLOW’S EVE

nesse caso.”
“Tô ligado… e a gente chegou tudo junto, né? Praticamente na mesma hora.
Parece até destino. Que coisa.” Lauro lembra de novo que tá tocando Twice.
“Eu gosto dessa.” Deve ser TT porque é impossível desgostar de TT.
Andy tá olhando pro beck que nem aquele emoji do gato se aproximando
da tela.
“Yep.” Ela tá focada na rua.
O Laurence não tá focado na rua, então vez ou outra ele olha pra Andy pelo
espelho do meio. “Você parece o meu gato quando eu comia patê de atum,” e
o sorriso preguiçoso dele vai se alargando devagar. Ele só queria fazer uma
inofensiva provocação antes de socializar o beck logo depois, passando-o de
mão.
Andy com certeza vai seguir com a provocação. “Eu sou bem gatinho
mesmo.” Ele pega o beck e dá uma piscadela.
Lillie dá uma sorridinha para Lauro de canto.
Lauro troca de assunto: “Okay, então, enquanto a gente ainda não chega
na pizzaria, vamos pôr os pingos nos is. Abacaxi na pizza: moral, amoral ou
imoral?”
“Eu acho ok, na verdade.” A garota dá de ombros.
“Moral pra caralho. Não tem nada de imoral em duas coisas boas
misturadas.” Lembra do comentário da pizza doce em cima da salgada? Andy
lembra.
“Éééé…” Lauro começa, lento e preguiçoso, então tem um pico de energia:
“Éééé! Você entende! Tem outra coisa sobre mim e pizzas pra cês saberem.”
Andy se inclina pra frente com extremo interesse, botando uma mão no
queixo.
Laurence Fernando coloca uma mão no peito. “Eu sou brasileiro,” começa,
e é sempre um ótimo jeito de começar uma frase, “então eu como pizza de
garfo e faca, foda-se. Não vou ficar com a mão fedendo a pizza.” Ele já tá
fedendo a maconha e numa van que fede a carniça, mas tá. Cada um cada
qual.
“Mas às vezes sujar a mão é a melhor paaaarte.” Andy se espalha pelo banco
traseiro que nem um gato.

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