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Sinopse

Quando Mara é sequestrada e tirada do conforto de sua Matilha da


Pureza por um lobisomem misterioso, Alpha Kaden, ela se encontra no
meio de um confronto perigoso entre rivais mortais.
Mas quando Mara descobre os sinistros segredos da família Kaden, ela
pode ser a única capaz de quebrar uma terrível maldição, encontrando
aliados e amor onde ela menos esperava.
Classificação etária: 18+

E-book Produzido por: Galatea Livros e SBD


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Sumário dos Livros
Livro 1
Livro 2 – Ainda Não Lançado
Livro 3 – Ainda Não Lançado
Livro 4 – Ainda Não Lançado
Livro 1
Sumário
1. Hora de Rezar
2. Labirinto
3. Destino e Consequência
4. Um Acordo
5. Pedido da Matilha
6. Formosa Fera
7. Charadas
8. Fuga?
9. Esconde-esconde
10. De volta à masmorra
11. Na Estrada
12. Medo da Verdade
13. Escolhas impossíveis
14. Estrada para a Liberdade
15. Oculus Videns
16. Correndo selvagemente
17. Primeiro toque
18. O pecado vale a pena
19. Beijo contagiante
20. Linhas do Amor
21. Laços de família
22. Retorno à Vingança
23. Feridas de Amor
24. O X marca o lugar
25. Uma Conexão Obscura
26. Tramas e Pactos
27. Perseguição Febril
28. Visão Noturna
29. Trégua
30. Achando uma Brecha
31. Levantando Voo
32. Prestação de Contas
33. Bem-Vindas de Volta
Capítulo 1
HORA DE REZAR
MARA

Eu afasto lentamente a borda da cortina e espio a rua.


Está ficando escuro, a lua ilumina a calçada deserta.
Para qualquer outra pessoa, a cena pode parecer inofensiva e até
pacífica. Todas as casas com suas portas trancadas e cortinas fechadas..
Seus portões cerrados e seus filhos em segurança.
Porém, todos estão em alerta máximo, como acontece noite após
noite..
Suspiro profundamente, minha respiração embaça o vidro à minha
frente.
Esfrego-o com a manga para poder enxergar outra vez. Exceto que
não há nada para ver.
Nunca há, porque, diferente de outras matilhas, aqui não existe uma
alma viva nas ruas de noite.
Por quê? Porque minha matilha de lobisomens, a Matilha da Pureza,
tem medo da Matilha da Vingança.
Talvez não precisamente a Matilha da Vingança, mas seu líder, Alpha
Kaden.
Durante os últimos vinte anos ele tem destruído o equilíbrio que
tínhamos estabelecido entre a igualdade e a desordem dentro de nosso
grupo.
Ele roubou tudo. Especialmente a nossa liberdade.
Nossa matilha não é amada por outros lobisomens.
Ela está localizada no centro da Zona das Matilhas, no Quartel
General, no lado mais frio da linha do Equador.
Rodeados por uma espessa parede destinada a nos manter seguros,
estamos protegidos em nosso pequeno mundo de religiosidade e paz.
Kaden perturba este mundo quando ele invade nosso território.
Ele raptou muitas meninas inocentes de nossa matilha.
Ninguém sabe o que aconteceu com elas, mas muitos pensam que ele
as mata ou as vende aos membros de sua matilha, que ganharam a
mesma desonra aos olhos da Matilha da Pureza.
Talvez ele faça disso um negócio. Não sabemos ao certo. Ele também
mata os nossos criminosos.
Qualquer pessoa que infrinja a lei é assunto da Matilha da Disciplina.
Mas qualquer um que mata é assunto do Alpha Kaden. Ele deixou isso
claro.
— Mara, sai daí!
Minha mãe me puxa pelo ombro para longe da janela.
Eu tropeço para trás enquanto ela fecha a cortina com raiva
novamente.
Ela se vira para mim, com as mãos nos quadris.
Eu amo minha mãe, mas às vezes ela pode ser muito protetora.
Ela viveu a vida inteira acreditando em apenas uma coisa: a Lua é
nossa salvadora e sempre será.
Ela acredita que a Deusa controla tudo o que fazemos e decide nosso
futuro através de algum tipo de magia oculta.
Apesar de ter crescido nesta matilha, eu não acredito nisso. Mas
respeito..
Na escola, eles nos ensinaram uma cantiga para manter vivo em nós o
medo de Alpha Kaden: Travem suas portas, selem-nas bem.
Fechem as cortinas, antes de dizer amém.
Não olhe para fora, caso ele esteja lá.
Viva sempre com medo total.
Mesmo que signifique sacrificar seu companheiro,
Não deixe Alpha Kaden selar seu destino inteiro.
Até a minha mãe acata isso.
— Mãe, tudo bem, — eu lhe asseguro. — Ninguém me viu.
Ela suspira e passa a mão pelo rosto. O estresse está gravado em suas
rugas.
Ela não sabe como lidar comigo às vezes — especialmente quando eu
decido ir contra suas regras estritas.
Não faço de propósito, mas minha curiosidade incessante continua
me tentando.
— Nossos vizinhos podem ter visto você, — ela insiste. — Você sabe o
que eles dizem na igreja sobre você, Mara. Eles agem como se eu fosse
uma péssima mãe.
Eu reviro os olhos.
— E se Kaden te visse? — pergunta ela com firmeza.
— Bem, eu não saberia porque eu não sei como ele é, — eu retruco,
levantando a voz.
Minha mãe me encara com olhar de reprovação.
Ela odeia a ideia de eu saber alguma coisa sobre Kaden.
Sua aparência ainda é desconhecida para mim. Ele poderia passar ao
meu lado na rua e eu não saberia.
Minha mãe não me diz nada, mas eu sei de algumas coisas pelas
garotas na escola.
Em um dia bom, talvez eu descubra se ele matou alguém ou não.
Às vezes, quando apenas minha mãe e meu pai estão acordados, eu
desço bem devagar pra escutar as conversas. Foi assim que descobri que
meninas estavam desaparecendo na cidade.
— Mara, por favor. Não seja difícil, — implora minha mãe,
exasperada.
Eu cruzo os braços sobre meu peito.
Dizer que estou farta de estar entocada todas as noites é um
eufemismo.
Já até desisti de ver meus amigos nas sextas à noite.
Estou a um passo, bem pouco mesmo de me formar, mas isso não
significa que minha mãe vai afrouxar as regras.
Ela provavelmente só vai sossegar quando arranjar um companheiro
para mim.
É
É essencial dentro de nossa cultura, encontrar um companheiro
quando jovens.
A quantidade de machos jovens com quem apertei a mão no último
mês é ridícula.
— Está tudo bem aqui? — me viro ao ouvir a porta da frente abrindo e
meu pai entrando.
Está chovendo lá fora, mas não me lembro de ter notado isso
enquanto olhava pela janela.
Ele tira o casaco encharcado e coloca sobre a mesa da cozinha.
Nossa casa não é muito grande, o que torna ainda pior passar grande
parte do meu tempo nela.
Meus pais seguem a vida simples que a Deusa da Lua desejaria.
Não sou a favor de luxos materiais, mas às vezes sinto falta de
algumas coisas.
— Nada...
— Apanhei nossa filha espreitando pela janela novamente, — disse
minha mãe, me interrompendo.
Fico a encarando. Ela parece estar sempre querendo criar problemas
entre mim e meu pai.
Ele me olha de maneira severa.
— Kaden não vai estar lá fora, — eu protesto. — Você está exagerando
quando diz que ele pode estar.
Vejo o olhar do meu pai encontrar o da minha mãe.
Ele faz um sinal com a cabeça para que ela saia, afinal sabe que nós
duas discutimos facilmente.
Com a saída dela, ele me conduz até o sofá para que possamos sentar.
— Você conhece a filha do vizinho? Mandy, certo?
— Milly, — eu o corrijo.
Meu pai faz que sim com a cabeça.
— Kaden a levou na semana passada. Ele a raptou da cama e ela não
foi vista desde então.
Sinto meus olhos arregalando.
Milly? Ela é um ano mais velha do que eu e muito mais atraente.
O fato de ela ter sido selecionada para fazer parte de qualquer
negócio que Kaden esteja fazendo não me surpreende de forma alguma.
— Por que você está me dizendo isso? — pergunto.
Eu gosto de estar informada, mas não esperava que meu pai também.
— Estou preocupado que ele possa levá-la. Todas as manhãs tenho
medo de entrar em seu quarto e descobrir que ele raptou você durante a
noite.
Faço que não com a cabeça. A probabilidade de eu ser levada é
pequena.
Se ele levou uma garota do meu bairro, isso deve significar que ele
não voltará aqui por pelo menos um mês.
É o tipo de jogo que ele gosta de fazer com as pessoas.
Ele nos engana com uma falsa sensação de segurança, até que muda
seu padrão nos deixando totalmente confusos.
Meu pai segura minha mão e me olha nos olhos.
Ele vai me fazer rezar?
— Todos nós nos perguntamos por que ele faz isso, Mara. Prometo
que vamos descobrir e detê-lo o mais rápido possível.
Ele aperta a minha mão levemente.
Meu pai é responsável pela igreja local, o que me leva a acreditar que
sua capacidade de deter Kaden não é tão grande assim.
O homem de quem temos tanto medo é um Alpha de uma matilha
notória por sua falta de misericórdia.
Após a Grande Guerra que espalhou as matilhas pelo mundo, novas
formas de sociedade e códigos morais foram adotados.
Nomeados a partir de nossas crenças fundamentais, cada matilha
deveria manter a paz com seus vizinhos, assim o sistema provou ser bem-
sucedido por muitos séculos.
Entretanto, com todas as matilhas fundamentadas na justiça e na
igualdade, foi preciso apenas uma matilha para sair da linha e destruir a
tranquilidade de todos.
Essa foi a Matilha da Vingança.
— Tudo vai ficar bem, — eu lhe assegurei. — Alpha Rylan vai resolver
as coisas eventualmente.
Meu pai sorri. Rylan é nossa única esperança para acabar com este
sofrimento. Se ele não puder fazê-lo, não temos nenhuma chance.
Eu me retiro e decido ir direto para a cama.
Quando entro no quarto, sou atingida por um ar gelado. Não
costuma estar frio assim...
Eu acendo minha luz e olho para ver de onde vem o frio.
O espaço é pequeno com um simples armário, uma escrivaninha e
cama. Nada muito chamativo ou extravagante.
A origem do frio é bastante óbvia: minha janela está totalmente
aberta. Eu nunca a deixo assim. Nunca.
Minha mãe me mataria se visse que minha cortina não estava fechada
durante à noite.
Eu certamente ficaria de castigo se ela descobrisse.
Quando eu era mais nova, ela começou a me pegar na escola depois
que fiquei fora brincando com meus amigos até o anoitecer.
Com cuidado, vou até a janela.
Consigo ouvir a chuva forte na rua lá fora.
Uma tempestade se forma, acompanhada pelo distante estrondo dos
trovões. Quanto mais rápido eu fechar a janela, melhor.
Fecho a janela e me volto para meu quarto.
Uma súbita pancada de chuva atinge o vidro, fazendo-me pular de
susto. Sempre detestei trovões e relâmpagos.
Eu só preciso me acalmar e ir dormir, digo a mim mesma enquanto
fecho as cortinas. Estou deixando o caso da Milly me afetar.
Solto meu cabelo e entro no banheiro. Talvez um banho possa lavar
toda essa ansiedade.
Eu ligo a água muito quente e tiro toda minha roupa.
Debaixo do chuveiro, sou transportada para outro mundo — um
mundo onde não tenho que ouvir as regras de outras pessoas o tempo
todo.
Onde meus pais não ditam cada decisão que eu tomo.
Encosto minha cabeça nos azulejos.
— Talvez eu esteja destinada à Matilha da Liberdade, — murmuro
para mim mesma. — Uma matilha onde eu possa fazer o que eu quiser.
Estou pensando o quão estúpida eu pareço quando de repente uma
sombra surge do nada.
Surpresa, eu levanto minha cabeça depressa.
Espreito para fora do chuveiro e olho em volta com cautela.
Nada.
Estou me sentindo ainda mais ridícula agora.
Eu saio do chuveiro, desligando a água atrás de mim.
Enquanto enrolo a toalha ao redor do meu corpo, tento descartar
todos os pensamentos paranoicos. A sombra era provavelmente apenas
um fruto da minha imaginação. Eu sou conhecida por ter uma fértil.
Kaden não é alguém que normalmente influencia minha imaginação.
Estou plenamente consciente da ameaça que ele representa para mim
e para minha família, mas não posso temê-lo em circunstâncias normais.
Entretanto, o frio na espinha que senti esta noite me deixou confusa
sobre o que realmente acreditava.
Apenas de toalha em frente ao espelho, eu me observo.
Sou muito parecida com qualquer outro membro da Matilha da
Pureza.
Meu cabelo parece marrom quando está molhado, mas na verdade é
de um tom de loiro fechado.
Meus olhos azuis são talvez mais sem graça do que os da maioria das
pessoas.
Minha pele é mais pálida e minhas bochechas quase não têm cor
alguma.
Estas devem ser as razões pelas quais nenhum garoto nunca quis
namorar comigo. Há sempre opções melhores.
Mas eu ainda me amo. Não tenho outra escolha.
Um estrondo de trovão vindo de fora me faz gritar de susto.
Graças à Deusa da Lua que as cortinas bloquearam o brilho do
relâmpago por completo. Eu me seco e volto para o quarto, rapidamente
vestindo minhas roupas de dormir.
Então eu apago as luzes e vou direto para a cama com as cobertas
puxadas até o queixo.
Só quero que essa tempestade passe e que amanhã chegue logo sem
nenhum Kaden atormentando meus pensamentos.
Mas quanto mais eu tento ficar confortável na cama, mais difícil
parece expulsá-lo de minha mente.
Minha visão interior está bloqueada por sombras estranhas.
Estou a ponto de adormecer ao som da chuva que bate contra minha
janela quando sinto uma mão tapar minha boca.
Nunca me ensinaram autodefesa e não tenho a mínima ideia de como
agir.
Mexo os braços desnorteada, mas alguém me segura de maneira
firme.
Eu luto o máximo que posso enquanto o som do meu grito é abafado
pela mão estranha.
Chuto o ar enquanto sou arrancada da minha cama. Sinto alguém
pressionando meu pescoço e por um segundo penso que estou prestes a
morrer estrangulada.
Bem, eu não vou sem lutar!
Minhas pernas são as únicas armas que eu tenho.
Eu me debato tentando agarrar os tornozelos do meu capturador.
Mas cada vez que falho encontro apenas ar com meus pés descalços.
— Acalme-se. Tudo terminará em breve.
A voz suave e masculina é a última coisa que ouço antes de desmaiar
completamente.
Capítulo 2
LABIRINTO
MARA

Eu me sinto despertando e meus olhos começam a abrir.


No entanto, estou imersa em escuridão, o que me deixa
desequilibrada por um momento.
A dor acomete a parte de trás da minha cabeça, atravessando minha
visão em uma variedade de cores brilhantes.
— Onde estou?
Posso dizer que estou presa a algo e aquilo que me prende está
ferindo meus punhos. Respiro fundo, tentando manter a calma.
A dor é imensa, mas não vale a pena ficar pensando nela.
Fui sequestrada. Eu sei disso.
Por quem e por quê ainda não consigo entender bem.
Tenho uma ideia de quem possa ser, mas não quero pensar sobre isso.
Se eu fui capturada por... ele... é horrível demais para sequer imaginar.
Todos os meus maiores medos estão se tornando reais e parece que
não há nada que eu possa fazer a esse respeito.
Apesar do escuro, sei que estou sentada em uma cadeira numa sala
fria.
Tento me concentrar no que me rodeia, mas meu lobo interior está se
contorcendo.
Sinto que há alguém me observando.
Eu puxo um pouco mais as amarras, mas é inútil.
Estou completamente presa, até mesmo com meus pés amarrados às
pernas da cadeira. Não há como me libertar, portanto, devo esperar.
Talvez se eu permanecer calma, vou pensar em uma maneira de sair
daqui.
Então, detecto passos. Eu congelo, encolhida.
Há alguém nesta sala comigo. Agora mesmo. Os passos confirmam.
Eu não me mexo, apenas fico quieta.
Escuto atentamente os passos, tentando avaliar de onde vem o som e
onde esta pessoa está na sala.
Seja quem for, está perto de mim. Eu posso senti-lo e ouvi-lo.
Inspiro profundamente e fecho meus olhos.
Considero dizer algo, mas só dizer algo não me tirará daqui.
Quem me raptou tem uma razão... Eu só preciso descobrir qual é essa
razão.
Eu gosto de pensar que sou bastante inteligente.
Na matilha, sempre fui eu que considerei primeiro as coisas antes de
fazê-las.
Agora, porém, tudo o que posso fazer é me preocupar freneticamente
com o que vai me tirar das garras do meu sequestrador.
Um silêncio denso enche a sala.
Os passos cessaram e sinto o ritmo do meu coração acelerar
novamente.
Pensar que estão brincando assim com meus sentidos, me deixa mais
do que irritada.
Ter sido sequestrada da minha cama era aterrador, mas saber que
alguém está lá, me observando e eu não posso vê-los... Eu quero vomitar.
Eu me sinto terrivelmente isolada; o silêncio insuportável pesa sobre
meus ombros.
— Travem suas portas, — uma voz suave sussurra no meu ouvido
esquerdo.
Eu salto, virando minha cabeça para ver quem está atrás de mim, mas
só vejo escuridão..
A voz é chocantemente desconhecida.
— Selem-nas bem, — a voz sussurra novamente, desta vez no meu
ouvido direito.
É
A voz pertence a um homem. É suave e rouca, como nada que eu já
tenha escutado antes.
Quem quer que seja este sequestrador, eu não o conheço. Pelo menos,
não pessoalmente.
— Fechem suas cortinas, — retoma a voz, desta vez bem em frente ao
meu rosto. — Todas as noites.
Eu tento me desvencilhar das amarras, fechando bem meus olhos.
O medo explodiu e consumiu todo o meu corpo, afugentando toda a
razão anterior, até que fiquei sem nada além do desejo de escapar.
Um dedo desliza pela minha bochecha.
É uma sensação suave, mas há uma pressão por trás disso. É como o
toque de uma luva de couro escorregadia.
— Não olhe para fora, caso ele esteja lá, — a voz continua, soando
mais distante agora.
Eu quero gritar de terror. Eu quero me debater. Eu quero correr.
Mas eu estou paralisada. Não consigo me mover. Duvido que eu
pudesse, mesmo que estivesse de pé sem as amarras.
Os passos se aproximam até que param bem na minha frente.
Tive a sensação que meu coração ia sair pela boca. Este homem, seja ele
quem for, poderia me matar num piscar de olhos. Ele poderia me matar e eu
não poderia fazer nada para detê-lo.
— Viva sempre com medo total.
Fico ofegante enquanto sinto sua respiração contra meu rosto. Ele
está muito perto de mim.
De repente, através de todo o meu susto, percebo o que ele está
cantando.
Esta voz suave, aterradora e melódica está recitando o mesmo poema
que foi colocado em minha cabeça pelos meus pais e professores ao longo
dos anos.
— Mesmo que signifique sacrificar seu companheiro, — a voz
murmura, embora agora venha de trás de mim.
Eu posso sentir sua respiração no meu pescoço, cobrindo minha pele
arrepiada..
Então percebo que as amarras nos meus braços estão sendo cortadas.
Estou atordoada e não consigo pensar em como reagir.
— Não deixe Alpha Kaden selar seu destino inteiro...
Eu me inclino, meus dedos pegajosos lutando para desatar os nós
grosseiros ao redor de meus tornozelos.
Meu único desejo é sair daqui o mais rápido possível, de quem quer
que esteja nesta sala zoando comigo.
Sem dúvida ele gosta de me ver lutando para sobreviver, mas eu não
estou prestes a dar-lhe mais satisfação.
Uma vez desatados ambos os nós, eu levanto num salto e tento me
afastar com as mãos estendidas para o caso de eu bater numa parede.
Ainda não consigo ver nada, mas temo que, se eu não me mover
rápido o suficiente,, certamente terei um final infeliz.
Logo encontro um muro.
O papel de parede é aveludado sob a ponta dos meus dedos em
comparação com o concreto duro e frio debaixo dos meus pés.
Eu encosto minha testa contra a parede tentando me orientar.
— Não se pode escapar de algo que não se pode ver, — diz a voz do
homem, logo atrás de mim.
Desta vez, eu grito. Um grito alto e estridente ao estender as mãos.
Mas não há nada ali.
Estou ficando louca?
Eu tropeço para a direita, mantendo minha mão sobre a parede.
Preciso encontrar uma saída daqui. As risadas vindas do outro lado da
sala estão me dando dor de cabeça.
— Isto é um jogo? — eu berro.
Não tenho certeza se meu sequestrador pode me ver.
Ele deve ser capaz, pondero, se ele souber onde estou o tempo todo.
É claro que este é um jogo — um jogo doentio e perverso dirigido por
um homem igualmente doentio e perverso.
Eu continuo até sentir a superfície de uma janela de vidro debaixo da
minha mão.
Sou tomada por uma explosão de esperança, mas tenho que pensar.
Meu sequestrador nunca me deixaria sair tão facilmente.
Provavelmente há um senão.
Mas esse é um risco que devo correr. Não tenho outra escolha.
Eu bato minhas mãos contra o vidro, mas ele não quebra. Apenas
dobra e se curva diante dos meus repetidos golpes.
Eu caio de joelhos.
— Por que estou aqui? — eu pergunto para o ar.
Assim que as palavras saem da minha boca, uma luz brilha, me
cegando.
Eu cubro meus olhos até que eles possam se ajustar. Já estou há tanto
tempo no escuro.
Depois de piscar algumas vezes, começo a ver o que está ao meu
redor.
A sala em que estou é maior do que eu esperava. A cadeira da qual
acabei de fugir está bem no meio.
E nessa cadeira está sentado um homem.
Mal consigo vê-lo. Ele está vestindo uma espécie de capuz que lhe
cobre o rosto.
O resto de suas roupas são todas de couro preto, mas ainda posso ver
que ele é um homem grande, com um físico marcante.
Ver meu sequestrador pela primeira vez na minha frente assim é
angustiante. Tenho um medo horrível, mas também tenho a vontade de
correr em sua direção e atacá-lo.
Ele se acomoda confortavelmente, girando um pedaço de corda por
entre a luva que veste.
A mesma corda, eu presumo, que foi usada para me manter presa à
cadeira.
— Você quer saber por que eu só levo garotas da Matilha da Pureza?
— pergunta ele.
Sua voz é suave e branda, mas ouço cada palavra. Eu ignoro sua
pergunta e faço a minha própria.
— Você é Alpha Kaden?
— Minha reputação me precede, — ele ri. — Mas você é uma garota
inteligente. Responda minha pergunta. Por que eu tenho como alvo as
garotas da Matilha da Pureza??
Eu não tenho tempo para pensar em uma resposta inteligente, por
isso, eu digo a primeira coisa que me vem à mente.
— Porque você é um covarde.
Ele dá uma risada debochada, depois joga a corda casualmente sobre
seu ombro e fica de pé.
Nervosa, observo enquanto ele se aproxima, seu andar faz parecer que
ele flutua através do chão, seus passos são tão suaves. Eu me encosto o
mais longe possível na parede.
— Isto não tem nada a ver com ser um covarde. — E antes que você
pergunte, isto não é uma vingança contra seu Alpha. Ele é um homem
bastante agradável, — ele me diz.
Ele está em cima de mim agora, com a cabeça inclinada para baixo, na
minha direção. Mas eu ainda não consigo ver além da sombra que
mascara seu rosto.
Ele cruza as mãos pela frente do corpo.
— Eu odeio o agradável. — Ele se ajoelha na minha frente, ficando na
mesma altura e minha respiração trava na garganta.
Odeio que ele esteja muito perto de mim.
E odeio não ter coragem de atacá-lo e machucá-lo.
— Eu rapto meninas do Matilha da Pureza porque elas são fracas,
patéticas e acreditam na besteira que vive no céu, — ele me diz.
Aí está. De alguma forma, eu não esperava menos dele. Eu lhe dou
meu olhar mais duro, apesar do meu medo.
— Bem, eu acho fantástico, — responde ele, rindo.
Quero esbofeteá-lo por dizer tais coisas, mas nem tenho certeza se ele
tem um rosto. E isso é o que mais me assusta.
— Então, o que... Sou seu animal de estimação agora? Ou você vai me
vender para um de seus outros membros desesperados da matilha? — Eu
o questiono com raiva.
Eu nunca quis ferir alguém tanto quanto quero ferir este homem.
Como ele poderia fazer isso comigo? Ou a qualquer outra pessoa?
Ele roubou minha vida antes mesmo de eu ter tido a chance de vivê-
la.
— Você não vai compartilhar o mesmo destino que essas outras
meninas. Fique tranquila, você não irá nem mesmo conhecer minha
matilha, como elas. Não, eu tenho uma proposta diferente a fazer.
Ele diz isso lentamente, como se eu tivesse alguma escolha.
— Estou de olho em você já há algum tempo, — diz ele. — Eu sei que
você normalmente não tem medo de mim. — Ele junta as mãos. —
Embora talvez agora você esteja...
Decidi arriscar. Eu me lanço sobre ele, tentando machucá-lo de
alguma forma.
Mas ele apenas me agarra antes que eu possa fazer qualquer coisa.
Minha pele entra em contato com o couro de sua roupa por vários
longos segundos enquanto ele me segura pelos punhos, depois me joga
sem esforço algum como se eu fosse um pedaço de lixo.
Aterrisso com força no chão e me encolho de dor.
— Você é ousada, — ele comenta secamente. — Você tem certeza de
que é da Matilha Pureza?
Eu continuo encolhida no chão, cuidando dos meus ferimentos.
— O que você precisa entender, — ele me diz pacientemente, — é que
eu sou um Alpha e você é minha presa. Não o contrário.
Ele está estabelecendo regras básicas? Estou sendo avisada para não
tentar algo assim novamente?
Se eu não estivesse à sua completa e total misericórdia, eu tentaria
outro ataque contra ele agora mesmo para lhe mostrar o que penso sobre
isso.
Mas eu ainda tenho uma voz.
— Não serei sua escrava, — digo com raiva.
Ele ri.
Kaden ri... Estou na presença do Alpha mais mortal do mundo.
Ele não mostrou misericórdia com ninguém, então por que ele seria
misericordioso comigo?
— Seu destino será um pouco mais interessante do que o de uma
escrava, — murmura.
Ele volta para mim e estende sua mão.
Eu não quero aceitar, mas sei que se não aceitar, ele pode fazer algo
ruim comigo.
Deixei que ele me colocasse de pé.
Ele é mais alto do que eu, mas eu ainda não consigo ver debaixo de
seu capuz.
Tudo o que vejo é sombra, uma escuridão que já anseio por iluminar
com uma chama.
— Eu gostaria que você conhecesse alguém especial, — diz ele.
Ele bate palmas, eu me afasto e inúmeras portas se abrem do outro
lado da sala.
Se eu tivesse ido pelo outro caminho no escuro, poderia tê-las
encontrado e conseguido escapar. O que quer que esteja do outro lado,
só pode ser melhor do que isto.
Um homem de aparência mais jovem entra na sala cheio de estilo.
Ele tem dezenas de cicatrizes e arranhões em seus braços despidos e
alguns em seu rosto.
O padrão e o número de arranhões só poder ter vindo de outro
lobisomem, sem dúvida alguma.
Tudo nele indica que se trata de outro membro da Matilha da
Vingança.
Eu posso dizer pelo olhar maligno em seus olhos escuros que não
terei nenhuma ajuda ou simpatia ali.
Ele parece ter sido espancado ou caído de uma grande altura. Até
manca um pouco..
— Mara, eu gostaria que você conhecesse meu irmão. Kace.
Capítulo 3
DESTINO E CONSEQUÊNCIA MARA
Kace me olha em silêncio. Eu correspondo seu olhar.
Por que ele está aqui? Eu não me importo se ele é irmão de Kaden.
Sua existência só interessa se for para me ajudar a sair daqui. Encarei
furiosa os dois.
— É melhor você se acostumar com ele, — disse Kaden, em resposta
ao meu olhar.
Eu não sei por que Kaden está escondendo seu rosto de mim,
enquanto Kace não faz questão nenhuma de esconder o dele.
A curiosidade toma conta da minha mente, provocando uma vontade
de saber mais.
— Por que? — eu questiono.
— Porque você vai ser sua esposa.
Meu queixo cai. Um rompante de raiva me atravessa, mascarando o
choque.
Esposa?
É por isso que ele me roubou da minha família? Para me tornar a
esposa de algum estranho?
E não qualquer estranho. Este é o irmão do Alfa da Vingança!
Kace sorri maliciosamente. Ele planejou isso.
Ele queria um membro da Matilha da Pureza como esposa — para
abusar e humilhar. Agora eu consigo entender, está escrito em seu rosto
presunçoso e cheio de cicatrizes..
Eu olho para os dois. Eu quero bater neles, mas provavelmente
revidariam.
— Vá para o inferno, — eu respondo com raiva.
Kace dá um passo em minha direção, estendendo os braços como se
esperasse que eu andasse de boa vontade até eles.
Eu dou um passo para trás por instinto, querendo o máximo de
distância entre nós e Kaden agarra o ombro de seu irmão, contendo-o.
— Deixe sua futura esposa comigo. Você terá uma companheira
submissa pela tarde, — Kaden sussurra para Kace, como se pensasse que
eu não posso ouvi-lo.
Se ele acha que eu iria me submeter a ele, ele está louco. Eu prefiro
morrer. Kace me dá uma última olhada e sai da sala.
Eu fico olhando para o chão, recusando-me a encarar Kaden
enquanto ele anda ao meu redor. Sinto seu olhar vigilante, avaliando
cada centímetro de mim.
Nesse momento, meus pés parecem surpreendentemente mais
interessantes do que os dele.
— Eu não me casarei com ele, — digo a ele depois de alguns minutos
de silêncio.
Ele não responde. Em vez disso, ele continua me rodeando, me
avaliando como se eu fosse sua presa. É o que parece, de qualquer
maneira.
O silêncio corrói no fundo da minha mente. Ele está usando isso para
me manipular.
— E eu com certeza preferia morrer do que ficar aqui..., — acrescento
amargamente.
Eu sei que ele vai me matar se eu não fizer exatamente o que ele diz. É
assim que ele funciona.
Ele é um assassino psicopata. Eu finalmente vejo isso agora. Eu
gostaria de ter levado mais a sério as preocupações dos meus pais.
Ele para na minha frente e eu o encaro.
— Você não vai morrer. Bem, a menos que eu mude de ideia, — ele
responde suavemente.
Não sei dizer se ele está olhando para mim agora. Seu rosto
permanece completamente coberto.
Eu decido provocá-lo sobre isso.
— Por que você não me mostra seu rosto. Assustado?
Ele ri e se aproxima de mim. Eu não recuo, sabendo que ele vai pensar
que eu sou fraca se eu fizer isso.
Eu mantenho minha posição, tentando ver sob a sombra, mas é
impossível.
Ele estende a mão enluvada para tocar meu rosto. Eu permaneço
imóvel. Seu dedo desliza pela minha bochecha, então ele segura meu
queixo.
Talvez eu deva mordê-lo ou algo assim.
— Não tenho medo de ninguém, — ele murmura.
— Então me mostre.
— Eu não posso te mostrar. Você pode se sentir atraída por mim se eu
fizer isso, — diz ele despretensiosamente.
Há uma seriedade implícita em seu tom que desperta minha
curiosidade.
Agora eu quero arrancar seu capuz — para provar que não sou
influenciada por boa aparência alguma.
Se minhas suposições estiverem corretas, ele está se escondendo de
mim porque tem medo.
Eu movimento minha cabeça para ele, mas estou limitada enquanto
ele ainda segura meu queixo.
— Desculpe dizer, assassinos não são meu tipo.
Ele ri.
— Alguém já disse que você não é muito legal?
Ele solta meu queixo. Eu não posso deixar de me perguntar como
todas as outras eram — aquelas que ele sequestrou no passado.
Elas estão mortas? Ele realmente as matou?
Este homem é irritante — consigo deduzir isso simplesmente das
poucas frases que compartilhamos entre nós.
Me lembro de uma garota da minha escola que foi sequestrada.
Eu a conhecia. Eu gostava dela, até. Ela sempre me defendeu, até que
Kaden a pegou no meio da noite.
— De volta ao assunto de Kace..., — ele recomeça.
— Eu te disse, não vou casar com ele, — digo com firmeza.
De alguma forma, posso sentir seu sorriso mesmo sem vê-lo.
— Você não tem escolha, minha querida.
Por um momento, não nos falamos, apenas olhamos um para o outro.
Eventualmente, ele se afasta e aponta para o assento em que acordei.
— Você pode querer sentar-se para ouvir isso.
Sento instantaneamente. Eu acredito nele. Ele está prestes a me dizer
algo de que não vou gostar e não quero ser o tipo de pessoa que desmaia
no chão em desespero.
Dar a ele essa satisfação me machucaria mais do que ouvir suas
ordens.
— Você será pedida em casamento em frente ao meu bando amanhã à
noite. A notícia vai se espalhar rapidamente, — explica.
Eu discordo franzindo a testa, mas permaneço em silêncio.
— Depois que você disser sim, seu verdadeiro trabalho começará, —
ele me diz.
— E o que poderia ser isso? — eu pergunto.
Ele balança a cabeça de forma negativa para mim.
Eu não me preocupo em insistir mais, já que Kaden obviamente gosta
de fazer as coisas em seus próprios termos.
Ele só pensa que sou uma garota boba e ingênua da Matilha da
Pureza. Ele não vai me dar ouvidos.
— Você descobrirá o resto mais tarde. Por enquanto, você vai dormir,
— diz ele alegremente.
Eu bato meu pé quando ele se vira para ir embora. Ele para e olha
para mim.
— Essa conversa não me fez querer ficar de jeito nenhum.
Kaden grunhe.
— Você gostaria de tentar a sorte fugindo, Mara?
— Você não pode me manter aqui para sempre, — retruco.
O desafiarei até o fim. Se ele pensa que pode me manter aqui contra
minha vontade, ele está louco.
Não vou parar de tentar escapar e voltar para minha matilha de
verdade.
Vou tentar escalar cada parede e abrir cada fechadura para sair deste
lugar.
Eu não ficarei.
Ele anda atrás de mim, mas não me viro na cadeira, embora esteja
tremendo.
Não vou dizer que ele não me assusta, pois estaria mentindo. Ele
coloca as mãos nos meus ombros, me fazendo hesitar.
— Você não tem ideia de quanto controle eu tenho sobre você, — ele
murmura no meu ouvido.
Ele se abaixa, me fazendo sentir sua respiração quente contra meu
pescoço novamente.
Fico ainda mais intimidada. Eu odeio o efeito que ele tem sobre mim.
— Você é muito desafiadora, — ele observa. — Eu amo isso. Por quê?
Porque todos os outros do seu bando são patéticos. — Suas palavras me
fazem estremecer ainda mais. — Você, por outro lado, me intriga.
Intrigar ele? Isso deve ser uma coisa ruim.
— Mas ainda somos tão diferentes, — ele continua.
— Por que? — Minha voz está trêmula e sei que é estúpido da minha
parte esperar uma resposta.
Ele anda de volta para ficar bem na minha frente e se ajoelha
novamente, trazendo seu rosto encoberto para perto. Desta vez, quase
consigo ver o contorno de algumas de suas feições.
Estendo minha mão para tocar seu rosto, para descobrir se ele
realmente é tão atraente quanto aparenta ser.
Em vez disso, ele agarra meu punho antes mesmo de eu chegar perto.
Ele empurra com força no meu peito, me fazendo estremecer.
— Porque eu fiz mais coisas na minha vida do que você pode
imaginar, — ele sussurra asperamente.
O homem está louco. Por que eu ainda pensei em ousar tocá-lo?
— Já viajei para cada matilha do país, — ele continua.
Eu pressiono minha mandíbula.
Ele está torcendo meu braço de tal forma que a dor surge na parte de
trás da minha cabeça. Ele está tentando me humilhar.
— Eu aprendi mais do que você, — ele continua rispidamente.
Recuso-me a dar voz à minha dor. Eu não vou deixá-lo se divertir.
— Eu machuco por prazer!
Ele torce ainda mais meu braço e eu solto um gemido desesperado.
— E eu matei qualquer um que entrou no meu caminho!
Eu não duvido disso. Sinto as lágrimas se formando em meus olhos,
mas as contenho.
Eu não sou fraca. Ele solta meu punho e eu evito esfregá-lo, embora
queime muito.
— Eu sei que você ama sua família, então não duvide por um segundo
que eu não vou trazê-los aqui e matá-los bem na sua frente, — ele rosna.
Finalmente ele se afasta me dando algum espaço para respirar.
— E não antes de levá-la contra aquela parede primeiro.
— Você é doente! — esbravejo.
Ele ri.
— Mas vou deixar isso para o seu marido.
Ele joga meu cabelo para cima. Eu pego de volta e seguro sobre meu
ombro.
— Que tipo de irmão eu seria se te ensinasse quanto prazer você
poderia ter comigo em comparação com ele? — ele zomba.
Eu não digo nada. Estou com medo de que ele mate meus pais.
Eu seria uma filha horrível se fossem mortos por causa da minha
arrogância.
Eles não merecem nada disso. Eles são boas pessoas.
Kaden parece notar.
— Vejo que você entendeu meu ponto. Não gostaria que seus pais se
juntassem aos meus no Inferno.
— Meus pais são ótimas pessoas, — digo baixinho.
Não espero que ele responda, então é uma surpresa quando ele o faz.
— E você também era. Até que decidiu que queria fugir e se casar com
Kace, seu amante secreto, — diz Kaden.
Ele continua.
— Seus pais vão entender. Eu ouvi você falando com eles sobre mim
na noite passada. E eu poderia dizer que você não temia minha sentença.
Então, por que você ficaria?
De repente, percebo o porquê ele espera que eu concorde com tudo
isso. Isso faz meu coração parar.
— É por isso que você me escolheu? Porque você sabia que eu não
tinha medo de você?
Ele me dá um breve aceno de cabeça.
— Eu planejo para cada imprevisto.
Eu o odeio. Eu realmente, profundamente, desprezo este homem na
minha frente.
— Agora, é hora de você ir para a cama. Devo acompanhá-la ao seu
quarto? — pergunta ele, repentinamente educado.
Ele estende o braço para mim para que eu o envolva também.
Com o pensamento de meus pais ainda no fundo da minha mente, eu
obedeço e saímos da sala juntos.
Capítulo 4
UM ACORDO
MARA

Quase não dormi.


Eu não posso dizer quanto tempo passou. Não há janelas, então não
sei se o sol nasceu ou não.
Dois valentões me trouxeram para um quarto que aparentemente me
arrumaram e, desde então, me revirei na cama, tentando pensar em
como escapar.
É impossível manter minha mente quieta por mais de cinco minutos.
Como posso dormir quando minha família está lá fora,
provavelmente se perguntando onde estou?
Conhecendo-os, estarão presumindo o pior e, desta vez, estarão
certos.
Ou pior ainda, eles sabem que eu sumi?
Acho que consegui esquecer um pouco das coisas por pelo menos
uma hora, mas quando voltei a mim percebi instantaneamente onde
estava e meu coração afundou no peito mais uma vez.
Eu deslizo para fora da cama. Quando eles me trouxeram pela
primeira vez para este quarto, eu pude ver muito pouco em meu estado
de sonolência. Agora, porém, minha respiração fica presa na garganta
quando percebo onde estou.
Este é meu quarto!
Tudo que eu conheço e amo está aqui. Escolhi a paleta de cores,
pendurei as fotos e escolhi o jogo de cama. Está tudo aqui!
Corro para a porta, mas está trancada.
Eu me sinto desorientada. Foi tudo um pesadelo? Estou em casa?
Não, não pode ser... Lembro-me de ter sido sequestrada e de falar com
Kaden.
Mas isso poderia ser um sonho? Algo desencadeado pelos avisos dos
meus pais? Uma vibração de esperança enche meu peito.
Eu bato na porta.
— Mãe! Pai! Sou eu, me deixe sair!
Não há resposta às minhas chamadas. Eu volto para o meu quarto.
Está tudo igual. O tapete cinza, as paredes azuis...
Vou até as fotos e pego uma de minha mãe e de meu pai. Eles
parecem tão felizes. Uma lágrima cai dos meus olhos e atinge o vidro,
cobrindo o rosto de minha mãe.
O que eu estou fazendo? Este não pode ser o meu quarto!
Isso tudo é coisa da minha cabeça, e meus pais não estão aqui para me
salvar. Eu tenho que me virar sozinha.
Deitando de volta na minha cama, eu fecho meus olhos. Não consigo
dizer o que é real e o que é falso. Não posso dizer se estou em casa ou
ainda com a Matilha da Vingança. Eu sinto que estou flutuando entre
duas realidades.
Isso é sua culpa. Kaden. Este é mais um de seus jogos. Ele quer que eu
me sinta confusa porque assim fico vulnerável.
De repente, eu o odeio mais do que nunca.
Minha mãe me disse para nunca odiar, mas essa angústia no meu
peito não pode ser suprimida.
Eu me levanto, bloqueando as lembranças ao meu redor e tento abrir
a porta novamente. Desta vez, ela abre, mas na minha direção. Eu
tropeço para trás quando alguém entra.
Um jovem está parado na porta, olhando para dentro.
Ele parece um pouco diferente do que eu acho que a maioria dos
membros da Matilha da Vingança se parece.
Ele tem cabelos escuros, olhos escuros e sua pele é perfeita.
Ele é muito atraente, mas tem um mistério e uma escuridão sobre ele.
Basicamente, ele é o oposto de qualquer membro da Matilha da
Pureza. Não é enfadonho. Não é chato.
Instantaneamente me sinto nervosa e deslocada.
Estou vestida apenas com uma camisola fina e branca que me lembro
vagamente de ter colocado na noite anterior.
Era a única coisa no guarda-roupa que se parecia com roupa de
dormir.
Este homem, por outro lado, usa uma armadura de couro completa,
incluindo luvas, iguais às de Kaden.
Por que todos aqui usam luvas?
Ele levanta uma sobrancelha para mim enquanto eu me afasto
lentamente.
— Mara? — ele pergunta. Sua voz é profunda e tem um sotaque
exótico. Eu aceno com cautela.
O que ele quer comigo? Percebo como ele não adentra o quarto.
Respeitoso, pelo menos.
— Quem é você? — Eu exijo uma resposta, soando mais rude do que
eu pretendia.
Agora, entretanto, qualquer um da Matilha Vingança é meu inimigo e
eu preciso manter isso assim.
Quando eu escapar, vou deixar cada um deles para trás.
— Você pode me chamar de Coen, — ele diz gentilmente.
Ele estende a mão para mim e eu fico olhando para ela.
Está envolta em couro, a lateral de suas luvas decorada com pequenas
joias azuis. Curioso.
Eu engulo.
— Odeio couro.
Ele retrai a mão e olha para ela por um momento.
Ele é muito bonito, odeio admitir. E, até agora, a pessoa menos
intimidadora que conheci aqui.
— Justo, — ele comenta.
Ele tira as luvas e as enfia dentro do bolso da jaqueta.
Sua jaqueta é tão maravilhosa quanto as luvas, cravejada das mesmas
jóias. Ele oferece sua mão novamente.
Desta vez, eu pego.
Seus dedos quentes se fecham em torno dos meus, e então eu o deixo
me levar para fora da sala através de um corredor mal iluminado.
— Você vai tomar café da manhã com o seu... — ele para.
Kace e eu não somos companheiros. O casamento é para a realeza e
eu também não faço parte disso Ele parece desconfortável.
— Com Kace, — ele termina.
Meu estômago se contrai e começo a me sentir mal.
Estar na mesma sala com Kace já era ruim o suficiente, mas comer
com ele?
Talvez eles me deem uma faca, mas eu não saberia o que fazer com
uma, mesmo que me dessem. A violência é um pecado.
Decido tentar questionar meu acompanhante.
— O que você é para ele? Kaden, quero dizer.
Ele suspira.
— Um guarda pessoal.
Estranho. Guarda pessoal?
Quem diria que o alfa mais temido de todos eles tem um guarda
pessoal?
Não consigo pensar em ninguém que ousaria machucá-lo.
Eu mordo meu lábio.
— E onde está Kaden?
Eu realmente não me importo, mas ainda estou curiosa para saber.
Eu gostaria de ter a confiança de repreendê-lo pelo que ele fez no meu
quarto.
As decorações são propositais, ele está me provocando com o que
tirou de mim.
— Ele está lidando com negócios com outros grupos, — responde
Coen.
Claro, ocupado demais roubando mulheres para fazer qualquer coisa
com sua própria matilha.
Coen me pega revirando os olhos.
— Você tem todo o direito de desprezá-lo, mas tenha isso em mente
— ele gosta que suas mulheres sejam submissas.
Eu cerrei meus dentes em desgosto.
— Felizmente, eu não sou dele.
Quando chegamos à sala de jantar, encontramos Kace já sentado. Ele
está cutucando um pedaço de abacaxi em seu prato.
Ele está vestido casualmente, como se já fôssemos um casal que se
reúne para um café da manhã todos os dias há anos.
Espera-se que a gente divida um quarto depois da nossa união?
Ele olha para cima e encontra o meu olhar enquanto entramos. Eu
retribuo seu olhar de desdém com um olhar furioso.
Sinto que ele não quer ser meu par quase tanto quanto eu não quero
ser o dele.
Pelo menos temos algo em comum.
Eu me sento na ponta da mesa.
Não estou com fome, mas de qualquer maneira, Coen vai buscar um
prato de comida para mim. Então, fico sozinha com Kace.
— Posso presumir que você não quer me pedir em casamento esta
noite, — digo a ele.
Ele aperta a mandíbula e abaixa o olhar. Ele não quer admitir isso
para mim?
Ele parece ser bem esquentadinho, então não há razão para ele tentar
esconder qualquer coisa de mim.
Ele deixa cair o garfo.
— Você não sabe de nada.
— Eu sei que você pode me tirar daqui. Se eu sair, você pode ter quem
quiser.
Ele bate as mãos na mesa, fazendo os talheres saltarem e depois se
levanta. Eu olho nervosamente para ele. Estou andando no fio da
navalha.
— Você não entende? Você não pode escapar dele. Ele vai encontrar
você e vai trancá-la para que você nunca mais veja a luz do sol, — ele me
diz.
Meu coração quase para com suas palavras. Eu acredito nelas.
Kace se recosta novamente e passa a mão no rosto.
— De nada me importa. A garota que eu quero tentou me matar.
Eu olho para os cortes e hematomas em seu rosto e me pergunto se
essa garota de quem ele está falando fez isso com ele.
Como ele ainda poderia desejá-la depois do que ela fez?
Eu não saberia, é claro. Nunca experimentei o amor.
— E ela ama outro homem, — ele diz rispidamente, enfiando um
pedaço de abacaxi na boca.
Coen volta para a sala segurando um prato de frutas. Eu me pergunto
de onde a Matilha da Vingança obtém seus frutos. Ele coloca o prato na
minha frente e se afasta.
Ele é meu guarda agora?
— Você poderia ter coisa melhor, — digo a Kace. Ele me ignora e
continua comendo. Eu posso adivinhar o que ele está pensando: Qual é o
motivo? Qual é o sentido de esperar por alguém quando você está sendo
forçado a se casar com outra pessoa?
Começo a me perguntar como será minha vida amorosa em potencial
e balanço a cabeça com as conclusões a que chego.
Mas a Deusa da Lua evidentemente decidiu que esse é o meu destino,
então devo aceitar e lidar com isso com o melhor de minhas habilidades.
Se eu não tiver que ver Kaden, ficar aqui pode não ser tão ruim. Mas
ainda tentarei escapar — para ver minha família e a matilha novamente.
Mesmo que isso me mate.

Logo depois, eu me retiro e passo o resto do dia andando pelo meu


'quarto'.
Eu escovo meus cabelos e olho para a foto dos meus pais enfiada em
um canto do espelho. Eles sorriem alegremente.
Eu me pergunto o que eles estão fazendo agora. Aposto que não estão
tão felizes agora quanto na foto. Eles devem sentir minha falta, certo?
Abaixei minha escova, desejando que meu cabelo brilhasse tanto
quanto o das outras garotas. Um pouco de maquiagem também ajudaria.
Minha pele pálida não é nem um pouco atraente — especialmente
não esta manhã com minhas bochechas manchadas de chorar na noite
passada.
Disseram-me que o pedido será feito na próxima hora.
Sentar nesta sala, assim como a de casa, é estranhamente relaxante.
Está tendo exatamente o efeito oposto ao que Kaden, sem dúvida,
pretendia que tivesse.
Uma batida na minha porta me faz virar na cadeira.
Coen deveria estar de prontidão do lado de fora, garantindo que eu
não tentasse escapar e, ao mesmo tempo, me dando um pouco de
privacidade.
A única outra opção seria a janela, mas quando puxei a cortina,
encontrei uma parede de concreto olhando para mim.
A porta se abre e sou saudada por Kaden encapuzado. Imediatamente
fico irritada com sua presença, ao invés de assustada.
Estou tentada a agarrá-lo pelo pescoço e estrangulá-lo até a morte,
mas não consigo ver nada que possa agarrar...
Ele vestiu um terno, percebo, embora ainda esteja usando luvas de
couro.
Eu resisto mais uma vez ao desejo de levantar seu capuz para revelar o
rosto sob ele. Como ele conseguiu prender um capuz em seu terno está
além da minha compreensão.
— O que você quer? — eu pergunto friamente.
Ele não deveria estar do lado de fora, festejando junto com os outros
membros da matilha? O pensamento me dá ânsia.
Eles comemoram enquanto nem eu, nem Kace queremos continuar
com tudo isso.
Os membros da Matilha da Vingança não têm coração. Devo me
lembrar disso.
— Eu vim para garantir que você chegará na hora certa. Vejo que você
ganhou o vestido que fiz para você, — diz ele.
Como Coen, ele permanece do lado de fora da minha porta sem
cruzar a soleira, como se isso fosse matá-lo.
Eu olho para o vestido que fui instruída a usar.
O espesso material roxo escuro se agarra ao meu corpo. O corpete
está brilhando com joias que eu nunca poderia ter comprado.
É realmente muito bonito e se eu estivesse em qualquer outro lugar,
adoraria usá-lo.
Na Matilha da Pureza, não temos permissão para usar roupas escuras
e ricas como essa.
Significa a crença no Destino que nenhum de nós tem permissão para
desafiar.
— Você espera que eu fuja? — eu o desafio.
Ele fica em silêncio por um momento.
Eu me pergunto se, sob seu capuz, ele é como todos os outros nesta
matilha. Os mesmos traços? A mesma aparência exata, talvez?
— Sim, — ele responde.
Como se eu pudesse de fato fugir.
Como eu poderia escapar do alfa mais notório e sua matilha? Mas
ainda faço a pergunta.
— Por que?
— Porque você parece tola o suficiente para fazer isso.
Fico brava com ele.
— Você parece ainda não ter entendido que posso matá-la. E sua
família também, — ele continua.
Ele levanta a mão direita enluvada, limpando a poeira inexistente
com a outra mão.
— Mas você não precisa se preocupar. Eu não vou te matar.
Ele estende o braço para mim, desejando que eu o pegue.
Eu fico olhando para ele.
Qual é o sentido de se rebelar agora? Não há nenhum.
Então eu enlaço meu braço no dele e partimos.
Ele se inclina para o meu ouvido.
— Ainda.
Capítulo 5
PEDIDO DA MATILHA
MARA

Kaden separa nossos braços enquanto esperamos na lateral de um palco


erguido em um grande salão.
Mesmo que ele seja meu inimigo jurado, sua ausência me deixa
angustiada.
De repente, fico nervosa demais para me importar com quem está me
acompanhando, mesmo que seja a pessoa que menos gosto no mundo.
Ele se dirige para o centro do palco na frente de seu bando reunido.
Todos estão torcendo e gritando seu nome.
Depois de alguns momentos, ele consegue acalmá-los um pouco.
Aos meus olhos, eles não são nada mais do que bestas selvagens sob o
domínio de um homem igualmente selvagem.
— Boa noite a todos, — ele murmura.
Um microfone é desnecessário, pois sua mera presença no palco
chama a atenção de todos.
Kace está no lado oposto do palco, esperando sua deixa para me
encontrar no centro.
Ele nem se preocupa em olhar para mim.
Não consigo deixar de pensar, O que aconteceria se eu fugisse agora?
Eu não conseguiria sair do prédio antes que um dos membros do
bando de Kaden me encontrasse e me arrastasse de volta para ele.
Talvez eu nem mesmo voltasse viva.
— Tenho um anúncio muito especial a fazer, — afirma Kaden.
Todos respondem com gritos e uivos.
Muitos de seus membros são criminosos de outras matilhas. É isso
que ele faz. Ele os deixa viver aqui, em um lugar onde eles não podem
fazer mal a ninguém além de si mesmos.
Percebo que mesmo agora Kaden cobre seu rosto. Ele deve se mostrar
para sua matilha, certo?
Ninguém parece esperar que ele tire o capuz, então talvez eles
estejam acostumados.
— Uma convidada se juntará a nós no palco, — ele diz suavemente.
Ele se vira, gesticulando para que eu vá para o seu lado. Demoro um
segundo para tomar coragem de mover meus pés. Para me comprometer
de fato.
Nervosa, subo no palco para que todos possam me ver.
O silêncio que cai sobre a multidão é imediato. É óbvio que ninguém
esperava que um membro da Matilha da Pureza estivesse aqui hoje.
O espanto em alguns dos presentes é intrigante.
Fico ao lado de Kaden — não tão perto, no entanto.
— Esta é Ma...
A multidão se aproxima, interrompendo Kaden. Eles agarram a borda
do palco, todos se empurrando para ter uma visão melhor.
Eu não tinha ideia de que eles reagiriam dessa maneira. Se eu tivesse,
poderia ter considerado fugir como uma opção possível.
Kaden agarra meu braço e me puxa para trás.
Estou pressionada em suas costas, meu rosto encostado contra
músculos e ossos, posso sentir o calor vindo de sua camisa.
Este é o mais próximo que já estive de um homem que não seja meu
pai, embora a roupa ainda nos separe.
— Saiam de perto! Não a toquem! — ele grita para a multidão.
A voz de Kaden é tão alta e seu tom tão cruel que eles se acovardam.
Uma vez que todos estão a uma distância segura, Kaden me puxa para
seu lado.
Ansiosa, volto ao meu lugar olhando para o chão para que eu não
tenha que ver os olhares ferozes nos olhos sem alma dos membros do
bando.
Kaden, então, pede a Kace para subir ao palco.
Ele assume sua posição do outro lado. A expressão de indiferença em
seu rosto é assustadora.
Por que ele não pode simplesmente enfrentar seu irmão e parar tudo
isso?
— Estamos reunidos aqui para celebrar nosso domínio sobre a
Matilha da Pureza, — anuncia Kaden.
Meu coração despedaça. A multidão fica louca, respondendo às
palavras de Kaden com entusiasmo bestial.
A maneira como eles estão se comportando torna bastante óbvio
como eles se sentem em relação à minha matilha.
Eles nos odeiam.
— Assim, eu anuncio a união desta jovem da Matilha da Pureza com
meu irmão, Kace, — Kaden declara.
Sinto as lágrimas brotando em meus olhos, mas luto para evitar que
escorram pelo meu rosto.
Ele nem mesmo diz meu nome a eles. Isso demonstra o quão pouco
eu significo para eles.
Todo mundo aplaude. Eu observo o olhar de Kace. Ele parece bravo
ou ao menos perturbado. Talvez ele esteja pensando duas vezes antes de
realizar os desejos de Kaden.
Por favor.
Kaden se afasta e Kace caminha até mim com as mãos estendidas.
Sabendo que não tenho escolha, eu as seguro.
Posso senti-lo tremendo e fico surpresa ao descobrir que ele parece
ainda mais nervoso com tudo isso do que eu.
— Mara, da Matilha da Pureza, — ele murmura, — quer se unir a mim
e, no futuro, se tornar minha companheira?
O silêncio ao nosso redor é pesado. Eu quero dizer não e escapar de
tudo isso. Nada me deixaria mais feliz do que simplesmente ir embora.
Em vez disso, digo:
— Sim.
Kace cerra os dentes enquanto o público grita em aprovação, batendo
palmas ao mesmo tempo.
Eu me viro e olho por cima do ombro para ver Kaden assentindo.
Então Kace me conduz para descer do palco, sua mão descansando na
parte inferior das minhas costas para me guiar.
— Isso é tudo? — eu pergunto, uma vez que estamos seguros fora do
palco.
Kaden, que havia me seguido, balança a cabeça para mim.
— Não, vamos jantar no salão principal em alguns momentos.
Engulo a seco a resposta que estava na ponta da língua. Atacar parece
uma ótima ideia na teoria, mas na prática provavelmente serei morta
imediatamente.
Sou conduzida por um corredor até uma sala de jantar já cheia de
pessoas discutindo coisas em voz baixa. A conversa cessa quando
entramos na sala.
Todos se levantam, baixando a cabeça em sinal de respeito.
É exatamente o que aconteceria na minha matilha com Alfa Rylan.
Kace tem seu braço junto ao meu, então parece que estamos
realmente noivos e comprometidos. Isso me faz sentir mal...
Kaden se senta na ponta da mesa longe do resto do grupo, sem
parecer notar ninguém na sala. Enquanto isso, um por um, os outros se
aproximam de Kace e de mim.
— Parabéns, — diz um jovem, apertando a mão de Kace.
Ele nem mesmo olha para mim antes de voltar para seu assento. Os
outros fazem o mesmo.
Eles se aproximam, apertam a mão de Kace, o parabenizam, sorriem e
se retiram sem um único olhar em minha direção.
— Eles estão me ignorando, — eu sussurro no ouvido de Kace.
Ele sorri levemente e concorda comigo.
— É porque você é um membro da Matilha da Pureza.
Sou levada para sentar ao lado de Kace. Do meu outro lado, um
homem que não conheço toma seu lugar próximo a mim e olha
fixamente para frente.
Decido não me preocupar em iniciar uma conversa com ele ou
qualquer outra pessoa. Eu não quero estar aqui de jeito nenhum.
O jantar é servido logo e eu como devagar. Não estou com fome e
meu estômago está revirado. Eu gostaria de chorar, mas não quero.
Eu sei que não havia nada que eu pudesse fazer, mas pensar em como
eu disse sim para Kace me faz subir um gosto amargo na boca..
Estou comendo uma batata quando sinto algo roçar na minha coxa.
Eu sei instantaneamente que é a mão de Kace.
Ele a coloca firmemente na minha coxa, seus dedos pressionando em
minha pele. Eu olho para ele, mas ele nem mesmo olha para mim.
— Tire agora! — digo, tentando dar um tapa em sua mão.
Mas ele não se move. Quanto mais tento tirar seus dedos de mim,
mais o sinto resistir.
— Por que? — ele exige, finalmente se virando para olhar para mim.
— Você vai ser minha oficialmente muito em breve, Mara.
Tenho um desejo irresistível de dar um tapa na cara dele, mas me
contenho, sabendo que isso vai atrair a atenção.
Eu apenas adiciono isso às muitas razões que tenho para odiá-lo.
Assim que o jantar acaba, recebo ordens para ir ao meu quarto para
me preparar para dormir. Kaden anuncia que é seu dever me escoltar.
— Meu noivo não deveria estar fazendo isso? — eu questiono
enquanto caminhamos.
O capuz ressoa enquanto ele balança a cabeça.
— Você pode estar noiva, mas a relação sexual é proibida até que você
se case, — ele me informa.
Estou tão assustada que paro abruptamente. Ele para alguns passos à
minha frente e me olha. Pelo menos, acho que ele está olhando para
mim.
— Você certamente é muito sincero sobre a maneira como faz as
coisas, — observo friamente.
Ele concorda.
— Estou apenas sendo cauteloso.
Caminhamos então para o meu quarto em silêncio. Em vez de abrir a
porta, me viro para encará-lo.
— Eu sei que nunca vou sair daqui, — informo-o de forma
desafiadora, — mas quero que saiba que nunca vou querer estar aqui.
Sua cabeça se inclina para baixo e me pergunto se ele está olhando
para seus pés.
Ele está com vergonha? Ele sente remorso? Claro que não. Ele é um
monstro e sempre será.
— Não posso fazer você gostar daqui, Mara — diz ele. Sua voz está
estranhamente tensa, como se ele estivesse lutando para pronunciar as
palavras.
Ele faz menção de se afastar, mas eu agarro sua manga e ele congela.
— Por que você não me mostra seu rosto? — perguntou-lhe.
Ele suspira.
— Eu pensei ter te dito... você vai se sentir atraída por mim se olhar
nos meus olhos. Você não será capaz de resistir.
Ele diz isso tão seriamente que quase acredito nele por um segundo.
Mas então percebo que isso nunca poderia acontecer com alguém como
eu.
— Você está mentindo, — retruco.
Ele ri levemente.
— Você não tem que acreditar em mim. Mas você não verá meu rosto,
não importa o quanto isso a irrite.
Sua arrogância me enfurece — e ele sabe disso.
— Você deixa seu bando te ver? — Eu pergunto.
Um aceno de cabeça é sua única resposta. Ele abre minha porta e faz
um gesto para que eu entre, como se eu o estivesse irritando tanto
quanto ele está me irritando.
— Você deveria dormir, Mara, — diz ele.
Suspirando, entro no meu quarto, fechando a porta atrás de mim.
Menti quando disse que sabia que não poderia sair. Eu vou tentar. Vou
continuar tentando até o dia da minha morte.
Capítulo 6
FORMOSA FERA MARA
Sento-me na beira da cama por horas a fio, sem conseguir dormir. Eu
atribuo isso à combinação do calor no meu quarto e os nervos ainda
borbulhando à flor da pele.
Dizer sim para Kace será para sempre uma memória terrível gravada
em minha mente.
As fotos da minha família ao redor da sala estão começando a me
deixar maluca. Deve ser assim que Kaden se entretém, provocando
aqueles que ele sequestrou.
Eu me levanto e ando por algum tempo.
Tenho uma natureza curiosa e a necessidade de sair desta sala agora é
urgente — apenas para explorar, não necessariamente para tentar algum
tipo de fuga, porque sei que fracassarei nisso.
Porém, se uma oportunidade se apresentar...
Testando minha coragem, tento abrir a porta. Para minha surpresa,
ela se abre.
Estranho que ninguém se preocupou em trancá-la.
Eu olho para fora, checando o corredor. Espero ver Coen lá, mas o
lugar está deserto. Sinto um sorriso malicioso surgir em meus lábios.
Agora é minha vez de jogar.
Eu sigo pelo corredor, mantendo meus passos os mais silenciosos
possíveis. Seria uma verdadeira decepção ser descoberta antes de
desvendar qualquer coisa.
O que mais me surpreende, porém, é que o lugar é tão silencioso e
não apresenta nenhum sinal de vida.
Isso me deixa nervosa, como se estivesse caindo em algum tipo de
armadilha.
Desço algumas escadas, verificando a esquerda e a direita. O caminho
está livre e eu escolho ir para a direita.
Minha rota me leva para a escuridão, quanto mais longe vou, as luzes
vão ficando cada vez mais fracas. A sensação é estranha.
O fato de poder ser pega a qualquer momento me estimula a seguir
em frente.
Nunca saí da linha na minha vida e este é o primeiro risco que ouso
correr.
Desço mais dois lances de escada.
O primeiro foi polido recentemente e quase escorrego a cada passo.
O próximo lance de escadas tem uma luz direcionada aos degraus
feitos de pedra.
Sei que devo parar agora e refazer meus passos, voltar para o meu
quarto e dormir, mas a curiosidade me puxa como um cachorro na
coleira.
Quanto mais longe eu vou, mais quero continuar.
Eu faço uma pausa. Um som estranho vem de baixo, me fazendo
estremecer de medo.
O som só pode ser descrito como um barulho de batida forte, algo
como metal contra metal.
Isso causa arrepios na minha pele e faz meu sangue gelar.
Tenho que investigar, senão vou passar a noite inteira no meu quarto
me perguntando o que é.
Movendo-me mais devagar agora, desço os degraus com muito mais
cuidado em direção ao som.
Ele fica mais alto conforme eu continuo descendo. No momento em
que estou ao pé da escada, o som parece estourar meus tímpanos.
Aqui a temperatura está muito mais alta e posso sentir o suor na
testa.
Eu afasto meu cabelo do rosto e continuo caminhando.
Ainda não tenho ideia do que estou prestes a descobrir aqui.
Uma pessoa normal poderia retornar neste ponto, mas não tenho
nada a perder, então continuo.
Eu passo por várias portas, verificando cada cômodo e conforme
passo, percebo que o som está vindo do final do corredor.
Eu me encontro diante de uma porta parcialmente aberta e ouço
alguém se movendo lá dentro, batendo coisas ao redor.
Não sei o que posso encontrar e sei que posso estar arriscando minha
vida ao entrar.
Se for esse o caso, digo a mim mesma, então pelo menos estarei livre da
desgraça de ser mantida prisioneira aqui.
Mordendo meu lábio, chego mais perto, na ponta dos pés. Rezando
para não ser pega, espio pela fresta da porta e quase engasgo com o que
vejo.
Um homem. Nu. Bem, quase nu.
Meus olhos deslocam-se a partir de seus pés, em seguida movem-se
em direção a sua calça preta até suas costas nuas.
Linhas detalhadas de tinta adornam os músculos bronzeados,
banhados por uma leve camada de suor.
Meu olhar dança por seus braços musculosos empunhando uma
grande marreta de aço.
Eu até aprecio seus cabelos bagunçados, tão escuros quanto a noite.
O estranho bate com o martelo em algo de metal provocando um
estrondo que me faz pular.
Quero ver o que ele está fazendo e como ele está de costas para mim,
entro no quarto. Eu sei que é estúpido, mas não consigo me conter.
Agora vejo que as paredes estão cobertas de armas.
Existem espadas, adagas, vários tipos de lâminas, todas brilhantes e
mortais.
Eu definitivamente não deveria estar aqui. Este homem
provavelmente é um psicopata que vai me matar se me ver.
Por um segundo, fico tentada a pegar uma das armas para usar contra
ele, mas, de novo, sei que não tenho coragem de fazer isso. E é contra
minha religião.
Pego-me desejando que meus pais tivessem pelo menos me ensinado
algo sobre autodefesa.
Eu me viro para a porta, mas meu pé trava em alguma coisa — eu
caio.
Eu me levanto, mas sou muito lenta para conseguir escapar.
— Pare aí mesmo!, — o homem grita.
Eu pulo aterrorizada. Imediatamente, a voz soa familiar e gela meu
coração.
Eu paro; o caminho para minha fuga a apenas alguns centímetros de
distância.
Lentamente vou me virando e levanto minhas mãos como se ele
estivesse apontando uma arma para mim.
Meu olhar é atravessado por um par de olhos negros como obsidiana.
Eles são tão escuros que posso ver meu reflexo horrorizado dentro da
íris.
Ele me encara por baixo de uma espessa camada de cabelo.
O homem me olha através dos fios desgrenhados caídos sobre sua
testa, me avaliando.
Seu rosto é algo que não consigo descrever em palavras. Quero tocá-
lo, sentir cada contorno da pele macia, mas mantenho meus dedos
trêmulos ao meu lado.
Meus olhos rastreiam, absorvendo cada detalhe de seu abdômen
definido com admiração.
O que realmente chama minha atenção, entretanto, é a ponta da
espada que ele está segurando tão perto do meu rosto.
— Mara — ele sussurra, com uma voz rouca.
E eu tenho certeza... Eu mal posso respirar enquanto o choque me
consome. Eu sei exatamente quem é esse homem extremamente
atraente.
— Kaden.
Sua mandíbula se contrai — uma mandíbula bem delineada, não
posso deixar de notar — quando ele joga a espada na bancada fazendo-a
tinir.
Eu permaneço imóvel, incapaz de tirar meus olhos dele.
Dizer que sua aparência não é o que eu esperava é um eufemismo.
Achei que ele estava escondendo o rosto de mim de vergonha.
Eu esperava que ele fosse feio, talvez até desfigurado.
Eu não poderia estar mais longe da verdade.
— Você não deveria estar aqui, — ele murmura.
Eu luto para tirar meus olhos dos dele e finalmente consigo desviar
meu olhar para o chão. Estou consciente de que provavelmente pareço
ridícula para ele, andando pelo covil da Matilha da Vingança apenas com
uma camisola leve.
Ele suspira e pega um pano do banco para enxugar a testa.
Passo a língua nos meus lábios e olhando para cima, finalmente
encontro minha voz.
— O que você está fazendo aqui?
Seu olhar segue o meu até a parede de armas.
— É um hobby meu. Transformar algo tão horripilante quanto uma
arma em uma obra de arte, — ele me diz.
Seu tom é relutante, mas noto orgulho em sua voz também.
Isso é o que realmente importa para ele. Tento fazer o meu melhor
para não me render à minha vulnerabilidade absoluta.
— Arte mortal, — sussurro.
Kaden então pega suas luvas de couro e as desliza sobre as mãos, sem
tirar os olhos de mim nem uma vez.
Não aguento a pressão de olhar para ele. Eu viro meu olhar para as
paredes de armas.
Quantas foram colocadas em uso? Ele tem uma favorita?
O medo inunda meu corpo quando percebo que tentei escapar e
agora meu algoz está aqui com uma sala cheia de espadas ao alcance.
Ele tem todas as desculpas para testar cada uma em mim.
— Você não deveria estar aqui. Eu deveria mandar você se curvar ao
lado da minha cama agora por seu comportamento — ele rosna,
torcendo as mãos.
Meu coração quase para com suas palavras.
Então ele estende a mão para mim.
— Pena que é trabalho do meu irmão.
Ao mesmo tempo em que fico enojada com suas palavras, estou
aliviada por ele não estar ameaçando minha vida ou algo assim.
Já me expus o suficiente, arriscando minha vida bem na sua frente e
de todas aquelas armas.
Pego sua mão e espero que ele não perceba como estou tremendo.
A sensação do couro entre meus dedos é angustiante.
— Por que você nunca me toca? — eu deixo escapar enquanto saímos
da sala.
Me arrependo de ter feito a pergunta quase assim que a faço e mordo
o lábio.
Ele me lança um olhar velado.
— Nós estamos nos tocando, — diz ele, apertando minha mão.
Dotada de uma ousadia repentina, reviro os olhos.
— Eu quis dizer, o que há com as luvas? Por que você não toca na
minha pele?
Ele grunhe.
— Por que? Deseja meu toque?
Eu balanço minha cabeça e ele dá uma risada curta enquanto subimos
as escadas.
— Estou apenas curiosa, — digo a ele honestamente. E é verdade. De
repente, não me arrependo da minha curiosidade. Veja onde isso me
levou.
Isso me faz pensar por um segundo — Kaden alguma vez teria me
mostrado seu rosto se eu não tivesse bisbilhotado?
— A curiosidade traz punição — ele rosna tenebrosamente.
Eu sinto meus olhos arregalados.
— Punição? — Eu chio. Ele não pode estar pensando em me punir por
isso?
Então, novamente, eu me lembro, ele é o alfa da Matilha da Vingança...
Repito meu pedido para tocá-lo várias vezes, mas ele não me dá
ouvidos até que chegamos no último andar, perto do meu quarto.
Na verdade, ele parece completamente alheio a qualquer coisa que eu
digo até estarmos diante da porta do meu quarto.
— Mas, falando sério, por que você não pode me tocar? — eu
pergunto, exasperada.
Eu não entendo porque Coen livremente tirou as luvas e me tocou,
mas Kaden não.
— Acredite em mim, se eu tocar em você, você se sentirá atraída por
mim, — ele diz calmamente.
Ele está falando sério?
— Isso é o que você disse sobre o seu rosto, mas eu acabei de ver e não
senti nada, — digo a ele.
Não sei dizer se estou mentindo ou não. Eu sei que poderia ficar
olhando para ele por muito tempo e não ficar entediada.
De repente, ele salta para frente, agarra meu braço e me empurra
contra a parede, com a mão segurando meus punhos acima da minha
cabeça. A outra empurra meus quadris contra a parede, de modo que
nenhum centímetro de sua pele toca a minha.
— Não brinque comigo, Mara! Não quando estou considerando
seriamente entre cortar sua garganta ou rasgar suas roupas, — ele sibila.
Seus lábios estão tão perto dos meus que sinto sua respiração na
minha pele.
Não digo uma palavra, mas imagino que minha respiração ofegante
está dando a ele toda a resposta de que ele precisa.
Ele me solta e me empurra para o meu quarto. Eu tropeço para trás,
tentando recuperar o foco.
— A punição começa amanhã, — ele murmura antes de fechar a porta
na minha cara atordoada.
Capítulo 7
CHARADAS
MARA

— Nunca vou encontrar meu companheiro agora, — reclamo, tirando as


sementes de uma fatia de melancia.
Kace levanta os olhos do café da manhã com surpresa. É a primeira
vez que falo desde que entrei na sala de jantar.
Ele abaixa sua caneca de café e me encara.
— Companheiros não existem, — ele responde.
Eu suspiro. Continuamos nos olhando enquanto corto um pedaço de
melancia e coloco na boca.
Ele não diz uma palavra enquanto eu mastigo.
Os membros da Matilha da Vingança não acreditam na Deusa da Lua
como a Matilha da Pureza, o que significa que eles também não
acreditam em companheiros.
O companheiro prometido pelo destino é a única coisa em que
acredito.
Meus pais são companheiros e sabiam que deveriam ficar juntos
assim que se viram.
O relacionamento deles é o exemplo do que eu adoraria ter um dia.
— Sim, eles existem, — informo-o depois de engolir a fruta.
Ele tosse e se recosta na cadeira.
— Como você pode ter tanta certeza? — ele pergunta. Ele parece
curioso, o que me pega de surpresa.
Afasto meu prato.
— O verdadeiro amor existe...
— O verdadeiro amor é uma piada.
— Só porque o seu verdadeiro amor tentou te matar, não significa que
ele não existe, — eu retruco.
Ele recua, estreitando os olhos. Eu provavelmente não deveria ter dito
isso.
Às vezes, gostaria de ter sempre um rolo de fita adesiva presa no
cinto, para poder manter a boca fechada quando necessário.
Ele se levanta, seus músculos faciais estão tensos. Tento ao máximo
não parecer intimidada.
— Pelo menos eu não acredito em uma cadela que mora no céu! —
ele cospe.
De repente, não me arrependo de nada que já disse a ele.
— A Deusa da Lua deve ter ouvido isso, — respondo cruel.. — Ela vai
punir você.
Kace levanta as sobrancelhas.
— Oh, danadinha.
Eu empurro minha cadeira para trás e ficamos cara a cara, ostentando
minha melhor expressão brava. Tento encará-lo, conjurando o máximo
de ódio possível em meu olhar. Ele apenas sorri em resposta.
— Um dia, Kace, vou machucar você! — Juro.
Ele balança a cabeça perplexo.
Sinto uma mão em meu braço e giro até encontrar Coen olhando
para mim com olhos gentis, mas de advertência.
Ele é o único em quem sinto que posso confiar ou pelo menos espero
poder.
No pouco tempo que passamos juntos, sinto que nos entendemos. Se
eu não gosto de algo, ele não me pressiona muito.
Para alguém que vive na Matilha da Vingança, ele é tão... normal.
— Leve-a embora, — Kace ordena.
Contra minha vontade, Coen me leva para fora da sala. Eu odeio que
me digam o que fazer e o poder que todos parecem ter sobre mim aqui
me enoja.
Ele me solta assim que chegamos no corredor e me dá a chance de me
permitir recuperar o fôlego antes de dar um soco em alguém.
É
É assim que eu sei que estou brava, porque eu sei que nunca iria
realmente recorrer à violência.
— Kaden quer ver você, — diz ele depois de alguns minutos de
silêncio.
Eu reclamo. Kaden é a última pessoa que quero ver agora, mas depois
de ontem à noite, não tenho escolha a não ser obedecer a cada comando
que ele dá.
Eu sigo Coen através do labirinto que é o covil da Matilha da
Vingança, muito do qual permanece desconhecido para mim.
Este lugar será minha casa para o resto da minha vida, mas ainda não
sei os meandros disso.
Provavelmente é porque todos os corredores pelos quais caminho se
parecem uns aos outros.
Eu presumo que Kaden nunca vai deixar eu me acostumar de fato
com isso. Ele gosta de seus jogos mentais e qualquer chance que eu tenha
de escapar parece fadada a ser roubada por ele.
Sou conduzida a uma pequena sala com piso de concreto.
Coen fecha a porta atrás de mim em vez de entrar também.
Privada de sua companhia, de repente fico nervosa.
Há uma cadeira no meio da sala, me sento nela.
Leva doze minutos — eu conto os segundos na minha cabeça — antes
de Kaden casualmente entrar.
Ele está usando o capuz de novo, o que me faz suspeitar.
Não me diga que ele vai ignorar o fato de que eu vi seu rosto ontem à
noite! É algo que nunca vou esquecer, não importa os truques que ele tente
usar.
— Bom dia, Mara — diz ele baixinho, parando na minha frente.
— Você está parecendo bem hoje, — murmuro sarcasticamente.
Ele suspira antes de puxar o capuz para trás para que eu possa ver seu
rosto.
Por um segundo, estou distraída mais uma vez por sua beleza
atraente. Eu odeio isso. Tento me concentrar em seus olhos negros e
frios.
— Então, o que estou fazendo aqui?
Kaden me rodeia.
— Você fez algo muito ruim na noite passada. — Ele arrasta um dedo
enluvado pelo meu ombro, por cima da minha nuca e para o meu outro
ombro.
Eu tremo em resposta, mas fico quieta ao invés de testar minha sorte
com uma resposta sarcástica.
— Eu gosto de jogos, — ele começa.
— Estou ciente, — eu interrompo.
Como eu poderia não estar se ele está brincando comigo desde o dia
em que cheguei aqui?
Ele para na minha frente mais uma vez e olha para mim como se eu
fosse sua presa.
— Mas você quebrou as regras, Mara. Andar por aí sem permissão,
sem respeitar a autoridade. Não eram esses exatamente os mesmos
problemas que você tinha na Matilha da Pureza?
Meu batimento cardíaco acelera. Como ele soube disso?
Kaden continua.
— Você precisa ser punida.
— O que você vai fazer desta vez? — eu retruco, sem ao menos me
importar com o que vai acontecer. — Me marcar como um animal?
Chicotear-me até ficar em carne viva? Ou usar uma de suas facas
'especiais'? Vá em frente, faça o seu pior!
Kaden ri.
— Nada tão vulgar. Não, eu tenho uma charada para você.
Ótimo.
— Se você responder a charada corretamente, — ele continua, — eu a
dispensarei de mais punições. — O sorriso malicioso em seu rosto está
fazendo meu estômago embrulhar.
— E se eu errar?
Ele ri. É um som maldoso, quase maníaco, que me dá arrepios na
espinha.
— Que surpresa, — ele me informa.
Eu acho inquietante. Para começar, não gosto de surpresas. E gosto
ainda menos de charadas.
Em sala de aula, eu nunca gostei de responder a essas coisas. E eu não
estava sob o tipo de pressão que estou agora.
Kaden para ao meu lado e eu prendo a respiração.
Estou tentada a pedir para escolher outra coisa, mas não quero dar a
ele esse prazer.
— Isso vai ser fácil, — ele me diz.
Eu concordo com a cabeça lentamente.
— Se é informação que você busca, venha me ver, — ele começa. — Se
você precisa de pares de letras, tenho duas iguais alternadas, — ele
finaliza.
Eu inclino minha cabeça e expiro.
— Isso não faz sentido, — murmuro com minha mente já agitada.
Como isso se relaciona com alguma coisa?
Seus lábios se curvam. Ele acha que me pegou.
— Você tem dez segundos. Dez...
— Espera!
— Nove.
— Eu preciso de mais tempo!
— Oito.
Eu bato a mão contra minha testa. Ele não vai parar.
— Sete.
Letras iguais alternadas... O que isso poderia significar?
— Seis.
— Dê-me mais algum tempo! — Eu imploro.
Ele balança a cabeça. O olhar triunfante em seu rosto me dá náuseas..
— Cinco.
Eu cubro meus ouvidos para não ter que ouvir sua voz contar após
cinco.
A sensação de aperto no estômago é insuportável.
Pular de uma ponte agora parece melhor do que qualquer destino que
Kaden tenha reservado para mim.
— Um, — ele termina, quando tiro as mãos das orelhas.
Ficamos sentados em silêncio por alguns momentos enquanto eu me
preparo para o pior.
Kaden apenas me encara com seus olhos brilhantes.
— A resposta?
Eu balanço minha cabeça já sem esperança.
— Biblioteca, — ele me diz suavemente.
Claro.
Sentada, penso sobre o quão idiota eu sou quando Kaden vai até a
porta e a abre. Eu olho para cima quando alguém entra.
Milly. Parecendo desesperada e assustada — a última garota que
Kaden sequestrou antes de mim. Eu sei imediatamente que é ela por
causa do seu cabelo loiro platinado e corpo esguio.
Ela era a garota que todo garoto queria, apesar de sua crença em
companheiros.
Agora, porém, ela é uma imagem de terror adoecida. Ela parece
desnutrida e está vestida somente com trapos.
Ela deve estar aqui há semanas e sabe-se lá como Kaden a tratou...
Um guarda que não reconheço a empurra para o centro da sala com
as mãos amarradas nas costas.
Ela me encara enquanto vem cambaleando mais perto de onde estou
sentada.
Seus olhos parecem opacos e há olheiras sob eles. Ela está horrível.
Kaden olha para ela antes de voltar para mim, sorrindo com a
descrença em meus olhos.
— M-mara, — ela gagueja, — o que você está fazendo aqui? — Sua voz
está rouca, como se ela não a usasse há muito tempo.
Ela parece genuinamente triste pelo fato de eu estar aqui também,
embora eu tenha certeza de que pareço em muito melhor condição.
Em comparação, fui tratada como uma rainha. Eu não posso dizer a
ela que vou me casar com o irmão do alfa...
Eu vou falar, mas Kaden me interrompe.
— Ela teve a oportunidade de salvá-la, — diz ele a Milly.
Seus olhos se arregalaram, uma centelha de esperança brilhava neles..
Meu coração está despedaçado.
— Mas, infelizmente, ela falhou, — continua Kaden com sua voz
suave e sorriso que ficará gravado em minha mente para sempre.
Milly está confusa e olha para mim em busca de apoio.
Se eu tivesse a oportunidade de tirar uma de nós daqui, eu a
escolheria.
O guarda que a trouxe entra e fica atrás dela. Milly se vira e começa a
entrar em pânico.
— O que está acontecendo?
— Gostaria que você pensasse em Mara quando estiver em sua cela,
— diz Kaden.
Apesar dos meus protestos, o guarda agarra Milly e começa a arrastá-
la para fora da sala.
Eu pulo da minha cadeira e corro na frente com a esperança de
proteger sua inocência desses monstros.
Kaden agarra minha cintura e me puxa de volta. Eu o soco com raiva
e tento soltar seus dedos, mas não consigo segurar suas luvas de couro.
Como odeio essas coisas.
— Me larga! — eu grito, observando a porta fechar e Milly
desaparecer da minha vista.
Kaden me segura, não importa o quanto eu tente lutar contra.
— Mara, acalme-se.
— O que você vai fazer com ela? Ela é inocente — ao contrário de
você! — eu grito.
Quase não estou ouvindo os sons que saem da minha boca.
— Escute...
— Você me escuta! Você é uma pessoa nojenta! Você nem mesmo toca
em uma garota, mas permite que um animal como aquele faça o que
quiser com ela! — eu esbravejo Estou apenas deixando as lágrimas
escorrerem pelo meu rosto enquanto penso no que pode estar
acontecendo com Milly.
Isso me dá vontade de jogar meu café da manhã no chão.
— Você está brava. Que bom. — Kaden responde calmamente. —
Pegue essa raiva e transforme-a em vingança, — ele murmura em meu
ouvido.
Eu empurro seu peito e desta vez ele me solta.
Eu tropeço para trás, enxugando as lágrimas do meu rosto.
Ele quer que eu seja como ele! Eu não sou como ele! Eu nunca serei
como ele!
— É isso que você quer? Para eu ser como você? — eu questiono, com
minha voz tremendo. Ele suspira.
— Não, não como eu. Quero ajudá-la a pertencer a algo, só isso.
Eu caio de joelhos e soluço com as mãos no rosto. Não consigo
descrever meu ódio por Kaden. Ele é um monstro.
E ele quer me transformar em um também.
Bem, ele pode até querer que eu caia nessa, mas não farei isso. Pelo
bem de garotas como Milly, eu não posso desistir.
Capítulo 8
FUGA?
MARA

Depois da minha punição, Kaden deixou o bando por conta própria e não
apareceu mais.
Tenho ficado no meu quarto o tempo todo, lendo o livro estranho
que Coen me traz.
Isso me mantém entretida pela maior parte do dia antes que meus
olhos fiquem cansados e eu tenha que parar a leitura.
Eu encontro Kace três vezes ao dia para as refeições. Ele permanece
em silêncio apesar dos meus questionamentos.
Eu pergunto a ele o que ele faz o dia todo. Eu sou ignorada.
Eu pergunto a ele quando devemos nos casar. Ignorada novamente.
Eu pergunto a ele onde está Kaden. Ignorada.
Estes últimos dias têm sido tão chatos que acabei fazendo desenhos
com a unha no papel de parede azul suave, criando memórias de casa.
Às vezes eu rezo. Pela minha casa. Pela minha família. Pela liberdade.
Outras vezes, apenas choro. Por Milly. Por mim.
Estou distraída trançando meu cabelo quando Coen abre a porta e
entra.
Acabei de terminar uma trança francesa usando um elástico que
encontrei debaixo da minha cama.
Está magnífico como sempre, vestindo uma capa que chega até seus
pés. Ela assovia em torno de suas pernas quando ele anda.
Ele não tem sua espada embainhada hoje, o que me deixa um pouco
apreensiva. Nunca pensei que a falta de uma espada me preocuparia.
— Boa tarde, — ele me cumprimenta.
Eu sorrio de volta para ele, feliz por ter contato com outra pessoa.
— Entre.
Ele respira fundo e parece atormentado. Percebo que ele não deve
entrar no meu quarto.
Obviamente, algumas novas restrições foram colocadas em prática
sem eu saber.
Ele me surpreende, no entanto, parecendo ter tomado uma decisão e
entrando sem hesitar em vez de se sentar ao meu lado na cama, ele fica
sem jeito em pé no meio do quarto.
— Eu vim para lhe fazer companhia.
Mesmo que eu não seja uma mulher...
— Bem, obrigada, Coen, — eu digo honestamente.
Ele dá um leve sorriso. Noto que ele nunca sorri com os dentes.
— Venha e sente-se, — eu digo, apontando o local ao meu lado na
cama.
Ele me encara como se fosse um dragão prestes a cuspir fogo nele se
chegar muito perto.
Eu inclino minha cabeça confusa.
— Sentar na cama de uma noiva é imperdoável, — ele me diz.
Ele olha para os próprios pés, mas ainda consigo perceber o rubor que
atinge suas bochechas.
Claro, eu não deveria ter sido tão direta. Se Kace ou Kaden
descobrirem, ele pode perder o emprego ou pior ainda...
Decido sentar no chão com as pernas cruzadas.
Coen dá uma risadinha por causa do meu jeito e se senta na minha
frente.
— Você acredita em companheiros? — pergunto depois de alguns
momentos em silêncio.
Minhas palavras parecem ter um grande efeito sobre ele. É como se
um enorme fardo tivesse se acomodado, pesando em seus ombros.
Eu disse algo errado?
— Sim, — ele me diz.
Isso me deixa surpresa.
Pelo que Kace disse, os membros da Matilha da Vingança não estão
acostumados a acreditar em companheiros ou mesmo no amor
verdadeiro.
Eu decido continuar.
— Você tem alguém?
Ele balança a cabeça devagar, seus olhos exibem apatia. Durante um
tempo ele olha para o nada, aparentemente voltando às suas memórias.
Eu fico em silêncio, olhando para ele com curiosidade.
Sempre há algo específico nos olhos de alguém quando conheceu o
amor e o perdeu. No caso de Coen, está escrito em seu rosto.
— Tenho.
Ele parece tão triste que faz meu coração doer.
Companheiros devem trazer alegria e felicidade. Talvez Kaden o
proíba de estar com ela?
— Ela me rejeitou, — ele explica antes que eu possa perguntar.
Eu me envergonho por perguntar. Quão estúpida eu poderia ser em
trazer esse assunto à tona quando obviamente é algo sobre o qual ele não
quer falar?
Ser rejeitado por seu companheiro é uma experiência terrível pela
qual ninguém deveria passar. Eu sinto pena dele.
— Eu sinto muito...
— Não sinta. Ela encontrou outra pessoa e é isso, — diz ele, com uma
expressão de derrota nos olhos. Seu rosto fica pálido.
Eu balanço minha cabeça.
— Eu não entendo. Quem quer que seja, que estava apaixonada por
você, deveria ter perdido a capacidade de se interessar por qualquer
outro homem.
Isso é o que me ensinaram. Essas foram as palavras de Alpha Rylan.
Ele se mexe desconfortavelmente.
— Ela já estava apaixonada. Não havia nada que eu pudesse fazer.
— Posso saber o nome dela?
— Althea.
— Da Matilha do Poder?
— Sim.
Suas palavras me deixam triste. Este é um destino horrível.
— Sabe, isso significa apenas que a Deusa da Lua quer você com outra
pessoa, — digo a ele, tentando dar-lhe uma luz de esperança no escuro.
— Talvez alguém que perdeu seu companheiro como você.
Coen me encara e posso perceber que ele nunca considerou isso
antes.
Ele agarra minha mão e até ensaia um sorriso.
— Obrigado, Mara. Você é a única que entende, — diz ele
calorosamente.
Suas palavras me deprimem, entretanto, quando considero minha
própria situação.
Eu nunca vou encontrar um companheiro nesta sociedade sem amor
— não enquanto eu permanecer confinada neste bando por aquele
assassino Kaden.
Ficamos sentados em silêncio por um tempo.
— Você também encontrará alguém, — ele diz gentilmente.
Nossos olhos se encontram. Os dele são tão quentes em comparação
com os de Kaden.
Eu balanço minha cabeça.
— Talvez. Mas não alguém da Matilha da Vingança.
Ele aperta minha mão.
Sua tentativa de me confortar até ajuda, mas não está preenchendo o
buraco escuro que parece ter se formado em meu coração.
— Simplesmente não é justo. Você não merece estar aqui, — ele diz
suavemente.
Isso me faz suspirar. Ele tem razão. Eu não fiz nada para merecer esse
destino.
Eu o olho e quase posso ler a mente de Coen, como se ele estivesse
pensando em como me tirar dessa.
E ele de fato está.
— Eu poderia ajudá-la a escapar, — ele diz de repente.
Olho espantada.
Ele está falando sério?
Seus olhos estão repletos de animação. Ele pula de pé, sem soltar
minha mão, então sou forçada a ficar de pé com ele.
— A parede! — ele diz, dando um largo sorriso.
Eu inclino minha cabeça.
— Que parede?
— A parede que mantém a matilha dentro. Eu conheço uma saída.
Kaden a usa e acha que não sei a senha!
Meu coração dá um salto. Se isso for verdade, talvez eu tenha um
meio de voltar para minha família.
De repente, estou tão animada quanto ele, a luz da esperança brilha
no fim do túnel.
— Você tem certeza disso?
— Sim. Devemos ir agora, antes que Kaden volte. Devo levá-la para
jantar, — disse Coen apressadamente.
Eu concordo. Se Kaden me encontrar tentando escapar,
provavelmente estarei em apuros.
Mas se ele encontrar Coen me ajudando na minha fuga, ele pode
matá-lo.
Com meus dedos ainda entrelaçados com os de Coen, eu o deixo me
levar até a porta.
Ele não parece estar preocupado com a existência de outros guardas
por perto, como se soubesse que o caminho estaria limpo.
Isso me faz pensar se eles estão com Kaden — e onde possa estar.
— A Estrada fica do outro lado da parede, — explica Coen. — Você
deve ser capaz de contatar alguém para levá-la de volta ao seu bando.
A Estrada. É a única parte deste mundo pertencente a todas as
matilhas.
Ninguém pode reivindicá-la como sua; está aberta para todos usarem
quando quiserem.
Alguém certamente me levaria de volta a Matilha da Pureza.
Coen me leva por um labirinto de corredores que eu nunca vi antes.
Isso me desorienta, mas a ideia de voltar para casa me dá uma
sensação de determinação que nunca senti antes.
Logo vemos a luz do dia. Eu suspiro de alívio, sentindo o sol no meu
rosto. Eu não saio há muito tempo.
Até paro para notar como a área por onde passamos está bem
cuidada.
Kaden deve contratar alguém para jardinar para ele, já que não posso
imaginá-lo sujando as mãos dessa forma.
— Por aqui, — Coen indica, puxando minha mão. Ele está ansioso
para me tirar daqui.
A parede é enorme.
Eu nunca percebi isso antes porque em casa nós nunca falamos muito
sobre a Matilha da Vingança e sua zona. Parece interminável.
Coen me conduz pela grama, indo o mais rápido possível.
— Onde fica essa porta? — pergunto-lhe. Estou examinando a parede
à nossa frente, mas não consigo ver a maçaneta ou botão de qualquer
tipo.
Coen dá um risinho.
— Bem aqui, — diz ele.
Ele pressiona vários tijolos por vez.
Eu percebo que eles têm números rabiscados e que ele os pressiona
em uma determinada sequência. Observo com espanto quando o
primeiro tijolo cai para trás e desaparece na parede.
De repente, outros tijolos começam a desaparecer na parede.
Então eu percebo que eles não estão desaparecendo, mas sim sendo
retraídos por braços mecânicos que os puxam para trás para criar um
espaço pelo qual podemos passar.
E posso ver o mundo além da muralha.
Eu começo a avançar, mas Coen agarra meu braço.
— Espere.
— Você vai vir? — pergunto-lhe.
Ele balança a cabeça negativamente.
— Eu não posso. Devo ficar e servir Kaden. É meu trabalho. E de
qualquer maneira, eu não sobreviveria lá. Não sem uma matilha. Não
tenho boas memórias.
Ele solta minha mão e ela cai pesadamente ao meu lado.
Eu não posso acreditar no que ele está dizendo. Eu não posso deixá-lo
ficar aqui com aquele monstro do Kaden.
— E se Kaden descobrir que você me ajudou a escapar? — eu
pergunto.
A boca de Coen se contrai.
— Ele não vai — Ele me empurra em direção à saída. — Agora vá,
antes que seja tarde demais.
Eu me inclino para frente e envolvo meus braços em volta dos ombros
de Coen. Ele me abraça de volta, embora um pouco apreensivo.
— Obrigada, — eu sussurro.
Um sentimento de perda enche meu coração, mas tento afastá-lo.
Coen quer ficar aqui. Ele nasceu aqui e, como disse, deve servir Kaden
como prometeu. Agora sei que não tenho tempo para ficar e convencê-lo
do contrário.
— Vejo você por aí, Mara.
A grama roça minhas pernas enquanto eu passo pela muralha e
começo a correr em direção à rodovia.
Existem alguns carros na estrada — os automóveis aumentaram em
número desde que a Matilha da Sabedoria os colocou na moda.
Nunca imaginei que essas máquinas mortais pudessem um dia ser a
chave para salvar minha vida.
Quando chego ao lado da estrada, no entanto, ninguém para.
Eu aceno pra cima e pra baixo, esperando que alguém me veja e se
ofereça para me ajudar a chegar em casa.
Mas ninguém me ajuda.
Alguns motoristas olham para mim, é verdade, mas nenhum deles
para.
Eles não veem como estou desesperada para sair daqui?
De repente, um veículo preto parecido com um caminhão dá a seta
para a esquerda e encosta no acostamento.
Solto um suspiro profundo, extremamente grata que finalmente
alguém apareceu para me resgatar. Suspiro aliviada quando os alcanço.
A janela está abaixada e coloco minha cabeça para agradecer ao
motorista. Então meu coração salta da minha boca.
É Kaden.
Capítulo 9
ESCONDE-ESCONDE
MARA

— Bem, o que temos aqui?


Kaden se senta presunçosamente em sua cadeira, olhando para mim
pela janela aberta.
Ele parece que acabou de ganhar o maior prêmio da loteria por
roubar o bilhete de outra pessoa.
Aproveito para avaliar a situação.
Eu poderia correr. Eu quero correr. Se eu sair pela estrada, não
andarei mais do que trinta metros antes que ele me alcance.
Se eu voltar pela grama, vou me deparar com a muralha da zona da
Matilha da Vingança, onde ele pode facilmente me encurralar.
Se eu entrar na caminhonete, vou morrer. Se eu correr para o outro
lado da estrada, posso chegar à floresta e ter uma chance de escapar.
Mas vou precisar ter certeza de que ele não espera por isso.
— O que você está fazendo aqui? — eu pergunto, tentando ganhar
mais tempo para pensar.
— Eu estava prestes a te perguntar a mesma coisa, — ele reflete.
Seus lábios se curvam em um sorriso que só pode ser descrito como
maligno.
Ele é mau. E sabe disso.
— Estou indo embora, — declaro em tom desafiador. Sua expressão
se transforma em choque, como se ele não pudesse acreditar que estou
de fato defendendo a mim mesma.
É isso que quero que ele pense — que estou realmente enfrentando-o,
em vez de tramar minha fuga.
Ele provavelmente estava esperando que eu fugisse imediatamente.
Então ele sorri.
— Entendo. Sem minha permissão?
Eu o encaro. Sua permissão?
— Seu marido sabe?
— Não somos casados ainda.
De repente, ele se inclina sobre o banco do passageiro e abre a porta.
É como um convite.
O ar frio do ar-condicionado sopra nas minhas pernas, me atraindo
como dedos gelados.
— Ainda, — diz ele, saboreando a palavra em sua língua.
Será que ele realmente acha que vou entrar no carro e sair sem destino por
aí?
Se for assim, ele está seriamente perdido, porque essa é a última coisa
que estou planejando fazer.
— Ótimo, — ele me diz. — Isso significa que você é minha por hoje.
Temos muito o que discutir...
— Discutir? Não estou interessada em outro de seus jogos, — rebato.
Ele suspira profundamente, olhando para frente.
Carros passam voando, nem percebendo o que está acontecendo no
acostamento.
— Jogos são divertidos, — é tudo o que ele diz.
— Curiosamente, eu não acho suas punições divertidas.
— Entre no carro e eu vou te mostrar o quanto meus castigos podem
ser divertidos, — diz ele com um sorriso diabolicamente bonito no rosto.
Eu cerro meus dentes em desgosto.
Eu vejo uma garrafa de água no suporte ao lado de Kaden. Então, uma
ideia surge na minha cabeça.
— Eu vou, mas com uma condição.
Ele estreita os olhos para mim. Eu posso dizer que ele está curioso.
Uma condição é algo que ele pode manipular; percebo o que ele está
pensando.
Mas isso é algo que ele nunca poderia manipular...
— Dê-me aquela garrafa.
Ele franze a testa. Ele não tem ideia do que está passando pela minha
mente agora.
— Você quer água?
— Sim, por favor.
Ele grunhe.
— Você está desperdiçando minha gasolina.
— E eu vou continuar até que você me dê o que eu quero.
— Eu poderia sair desta caminhonete e acabar com você na frente de
todos nesta estrada agora mesmo, — diz ele.
Um rosnado baixo de raiva surge na minha garganta.
— Mas já que estou gostando de suas travessuras, vou te dar o que
você quer. — Ele se inclina para o porta-copos, que contém uma garrafa
de água pela metade.
Ele joga para mim e eu consigo pegá-la.
Abro a tampa e tomo um gole. Ele está me observando com atenção,
então finjo que é tudo o que estou querendo esse tempo todo — apenas
um gole d'água.
Eu entro no carro, mas não fecho a porta atrás de mim. O couro dos
assentos gruda na minha pele quente quando me sento. Kaden me
observa com cautela.
Pegando-o de surpresa, jogo a água em seu rosto. Então, sem ficar
para ver sua reação, saio pela porta e corro pela estrada desviando do
tráfego e rezando para sair dessa com vida.
— Eu vou te matar! — eu o ouço gritar atrás de mim.
Ok, então eu posso não sair viva disso...
Minha garganta começa a queimar, assim como minhas coxas,
enquanto corro pela vegetação rasteira do outro lado da Estrada.
Não estou em forma, mas estou com muita adrenalina. Eu corro pela
grama, já consigo avistar a floresta. Se eu conseguir alcançá-la, posso
encontrar uma árvore para escalar e esperar até que Kaden desista.
Eu viro minha cabeça para ver se Kaden está vindo atrás de mim. Eu
não o vejo. Não estou surpresa — ele provavelmente não quer causar
uma cena em público.
Eu chego na floresta e sinto um certo grau de alívio.
Eu me desloco rapidamente por entre as árvores.
Felizmente para mim, é muito mais fresco sob as folhas e há muita
sombra. No entanto, meu coração ainda está batendo furiosamente no
meu peito.
Quando me viro novamente para olhar por cima do ombro, ainda não
vejo Kaden atrás de mim. Eu o despistei?
Eu me escondo atrás de uma árvore, pressiono minhas costas contra
ela e fecho os olhos. Tudo que posso ouvir é o som da minha respiração
ofegante enquanto tento recuperar minha compostura.
Se eu não me acalmar, ele vai me ouvir.
Prendo a respiração por um momento, escuto passos. Nada.
— Mara? — ouço a voz dele. Está vindo de algum lugar à minha
esquerda e parece uma boa distância, mas ainda perto demais para o meu
gosto.
Eu solto minha respiração lentamente. Preciso subir em uma dessas
árvores e me esconder.
— Você sabe como eu gosto de jogos? — eu o ouço chamando.
Tento bloquear sua voz.
Ele sabe que estou nesta floresta em algum lugar, mas espero que ele
não consiga descobrir onde exatamente.
Eu olho para cima, mas não consigo ver nenhum galho disponível
para me agarrar e me subir.
Eu digo algumas palavras que nenhum membro da Matilha da Pureza
deve pronunciar, mesmo em voz baixa.
— Esconde-esconde é o meu favorito, — Kaden diz. Ele parece mais
perto desta vez.
Eu caminho silenciosamente em direção à próxima árvore. Também
não tem galhos que eu possa alcançar. Eu me sinto amaldiçoada.
— Não vou apostar, mas acho que vou ganhar este jogo, — ouço-o me
provocando, parecendo muito mais perto agora. — Que significa...
Ele surge e, de repente, o mundo fica em silêncio. Cinco segundos,
dez segundos... É como se os pássaros parassem de cantar e eu posso
ouvir meu próprio batimento cardíaco.
— Você me deve.
Um par de mãos enluvadas me agarrou pela cintura e me prendeu
contra uma árvore, me fazendo gritar.
— Me larga! — Eu grito, lutando em seus braços. Posso sentir sua
respiração quente contra meu pescoço. Ele provavelmente está sorrindo
aquele sorriso doentio dele.
— Eu deixei você se divertir, — ele murmura no meu ouvido.
Ele me gira e me pressiona firmemente contra a árvore.
Sinto como se não pudesse respirar. Eu não consigo me mover.
Seu belo rosto está tão perto do meu, posso ver cada curva e linha
dele.
Sua pele parece tão macia, eu quero tocá-la, quero senti-la sob meus
dedos pela primeira vez.
Ver um monstro de perto torna impossível negar que é real.
Ele me pressiona com mais firmeza contra a árvore, mas não dói.
Estou distraída pela proximidade de Kaden e pela forma como me
olha.
Por um segundo, acho que vislumbro uma alma em seus olhos.
Ele se inclina e posso sentir a energia entre nós.
A tensão nos aproxima; seus lábios estão tentadoramente perto dos
meus agora.
Estou consciente de sua pelve pressionada contra a minha,
garantindo que não tenha chance de escapar.
E, estranhamente, só por um momento, não me importo.
Estou gostando.
Eu só teria que me mover um centímetro para beijar o assassino mais
famoso da história dos lobisomens.
Seus olhos estão em meus lábios e me pergunto se ele sente o calor
entre nós tanto quanto eu. Está aquecendo meu rosto, meu corpo
inteiro.
Acho que detectei uma contradição interna acontecendo em seus
olhos.
É como se eu pudesse ver dois demônios dançando em seus ombros,
discutindo com ele sobre o que é errado e o que é certo.
No entanto, pra mim não se trata de opção sendo uma garota da
Matilha da Pureza, o que me permite me recuperar antes que ele também
possa e assim afastá-lo com firmeza.
Ele tropeça para trás e aproveito a oportunidade para começar a
correr novamente. Exceto que minhas pernas estão fracas depois do que
aconteceu — algo que eu não entendo.
A atração entre nós era diferente de tudo que eu já experimentei.
Não precisamos nos tocar para que eu sinta o maior prazer que já tive.
Não leva mais do que alguns passos longos para Kaden me alcançar e
me puxar de volta.
— Ninguém escapa de mim uma segunda vez! — ele vocifera.
Apesar de eu lutar contra ele, mantém um forte controle sobre mim.
Eu não vou sair dessa de novo.
— Kaden, por favor...
— Sim, continue dizendo meu nome assim. Eu adoro quando vocês
resistem, — ele provoca.
Eu balanço minha cabeça furiosamente.
De repente, sinto seus dedos contra meu pescoço e percebo o que ele
está fazendo. Mas é tarde demais para eu fazer qualquer coisa antes de
desmaiar.
Capítulo 10
DE VOLTA À MASMORRA MARA
Uma onda repentina de medo me desperta. Meus olhos se abrem.
A posição em que estou é muito familiar. Estou em uma cadeira.
Amarrada.
Eu viro minha cabeça e ouço meu pescoço estalar em protesto. Por
quanto tempo estive desacordada?
Demoro um momento para me orientar, mas quando o faço, percebo
que alguém está sentado bem na minha frente.
Kaden.
Ele está em uma cadeira a apenas alguns centímetros de distância.
Suas mãos estão entrelaçadas e ele está olhando para mim.
Não consigo entender o que sua expressão significa.
É como se ele tivesse um interruptor e pudesse desligar suas emoções
ao seu bel prazer.
Seu cabelo ainda está molhado da água que joguei. Ele gruda em sua
testa, alguns fios caindo sobre os olhos.
Sua mandíbula está cerrada com força. Meu coração se angustia
quando percebo a posição em que estou.
— Você tem alguma ideia de como estou bravo com você agora?
Eu engulo. Ele terá algum tipo de punição em mente, disso tenho
certeza.
— Não sei o que você espera de mim, — murmuro.
Ele passa a mão pelo rosto.
Sua angústia é evidente e está profundamente gravada entre as linhas
fracas ao redor de seus olhos, na maneira como ele morde a ponta do
lábio.
— Eu preciso te dizer o verdadeiro motivo pelo qual você é necessária,
— ele confidencia.
Eu estremeço. Não pode haver muitas coisas piores do que ter que
casar com o irmão de Kaden e, se houver, não quero saber sobre elas.
— Eu não entendo...
— Você se casar com Kace é apenas um plano para enganar sua
família e impedi-los de descobrir o real motivo de você estar aqui.
Sua voz parece quase relutante, como se ele desejasse não ter que me
contar sobre seu plano.
— Eu quero que você faça algo por nós.
Eu não gosto da maneira como isso está acontecendo.
— O que?
— Alguém, não faz muito tempo, traiu meu irmão, — ele me diz
solenemente. Ele olha nos meus olhos, desafiando-me a questionar.
— E...?
— O nome dela é Althea. Eu quero que você dê um jeito nela.
Meu coração se despedaça. A companheira de Coen? Ele quer dizer
que quer que eu mate a companheira de Coen?
— Eu não posso machucá-la. Ela é a companheira de Coen, — eu
deixo escapar.
Os olhos de Kaden se estreitam e meu coração fica preso na garganta.
Eu não deveria ter dito isso.
Depois de alguns segundos tensos, Kaden relaxa e balança a cabeça.
— Não, você não vai machucá-la. Ela não vai morrer.
Isso já é alguma coisa, pelo menos. Mas não posso deixar de me
perguntar como essa garota Althea foi se meter num buraco tão grande.
Ela rejeitou Coen, mas ele parece que vai superar isso agora. Pelo
menos eu acho que ele vai. Mas se ela tentasse matar Kace ou algo
assim...
— O que você quer que eu faça então? — eu pergunto
apreensivamente.
Kaden esfrega as mãos. Ele parece pouco à vontade.
— Althea está tendo o filho do Alpha Landon da Matilha do Poder.
Eu hesito.
— E daí?
— Eu acho que você pode adivinhar... — Sua voz some.
Um nó se forma na minha garganta, tão grande que quase engasgo.
Ele não pode realmente dizer o que eu acho que ele quis dizer.
— Você quer que eu o mate? — meu coração está entorpecido.
A ideia de matar uma criança me dá vontade de chorar ou vomitar. Eu
não posso — eu não vou fazer isso.
Kaden franze os lábios.
— É o único...
— Isso é ideia de Kace, não é? — Eu digo levantando-me. — E você
não se importa porque é assim que os membros da Matilha da Vingança
são.
Kaden se levanta, evitando meus olhos.
— Isso precisa ser feito.
Eu fico olhando para ele em total descrença.
— A cura do câncer precisa ser feita, não isso!
— Esse bebê é um produto de mentiras e ódio.
— Você é um produto de mentiras e ódio! — eu respondo de volta,
cruzando os braços sobre o peito.
Kaden dá um passo à frente, mas eu correspondo indo para trás. Eu
não o quero perto de mim.
— Eu não acho que você entende o quão importante é esta missão, —
ele murmura.
Meus dentes estão cerrados com tanta força que minha mandíbula
começa a doer.
Como ele pode ficar ali e dizer essas coisas com aquele olhar
inabalável no rosto?
— Eu não acho que você está entendendo que eu não vou fazer isso.
Kaden respira fundo.
— Eu sabia que você diria isso.
Eu espero que ele continue.
— Não quero ter que continuar ameaçando sua família, Mara. Você
quer que eu mate Milly? Ela está detida em minha posse e não tenho
medo de fazer isso, se você não obedecer.
Estou com tanta raiva agora que mal consigo me conter para não
atacá-lo.
Suas mãos enluvadas chegam em minha direção e prendem meus
bíceps.
Em vez de me jogar fora como se eu fosse uma boneca patética como
da última vez, ele me segura firmemente em suas mãos.
— Ela será libertada, junto com você, se você fizer isso, — ele negocia.
Eu olho para ele, tentando ignorar o contato físico entre nós.
— Você vai me libertar? — pergunto em descrença. — E Milly?
Ele afirma que sim com a cabeça lentamente.
Sinto uma lágrima rolar pela minha bochecha.
— Diga-me o que eu tenho que fazer.

Naquela noite, me pergunto se cometi um grande erro fazendo Kaden


pensar que irei acatar seu plano.
Eu não vou fazer isso, é claro.
Ele pode pensar que eu concordei, mas ele é louco se pensa que eu
algum dia consideraria fazer algo tão desprezível.
Eu me sento e balanço minhas pernas para fora da cama. O ar está
muito mais fresco esta noite e acalma minhas pernas e braços despidos
enquanto me aventuro para fora do meu quarto.
Da última vez que fiz isso, resultou em punição. Mas não posso ficar
naquela caixa e pensar em como concordei em matar um bebê que ainda
nem nasceu. Então, uma será aventura.
E por aventura, quero dizer vagar pelo covil, evitando problemas, se
puder.
Eu sigo pelo corredor, meus dedos roçando na parede, indo em uma
direção diferente do que da última vez.
Os quartos pelos quais passo estão quase vazios e parece não haver
ninguém por perto.
Eu saio em um grande saguão e vejo um conjunto de escadas que leva
até o andar de cima.
Eles são cobertos com carpete marrom e dourado. Uma corda é presa
de cada lado do corrimão, uma maneira sutil de dizer — fique longe.
Eu considero isso por um momento. Ok, talvez evitar problemas
simplesmente não seja algo que eu faça.
Eu deslizo por baixo da corda e sinto uma onda de excitação percorrer
meu corpo. Eu subo as escadas, dois degraus de cada vez.
No topo, posso escolher entre três corredores. Eu escolho o do meio.
Enquanto o percorro, não posso deixar de me perguntar onde estão
os dormitórios de Kaden. O pensamento só vem à minha cabeça porque
essa área parece ter o mesmo cheiro suave que ele.
— Eu sei.
Uma voz vinda de uma sala em algum lugar à minha frente me faz
congelar. É familiar, mas não é de Kaden.
Eu coloco uma mão na parede para me apoiar. Meu coração está
batendo descontroladamente no meu peito.
— Você tem certeza? Isso é importante.
Eu reconheço a voz de Kaden. Eu reconheceria essa rouquidão em
qualquer lugar.
— Eu ainda não consigo entender porque tenho que fazer isso, — diz
a primeira voz.
Eu prossigo pelo corredor em direção às vozes. O som de mãos
batendo contra uma superfície dura faz meu coração parar por um
segundo, mas eu continuo andando.
— Porque eu ainda sou seu alfa, Kace! E você tem que me ouvir.
Então é Kace quem está com ele. Hmm. Do que eles estão falando?
— Você pode ser meu alfa, mas ela será minha esposa muito em breve.
Arregalo meus olhos. Estou quase na sala em que eles estão agora.
A porta que dá para a sala está parcialmente aberta e eu chego o mais
perto que posso. Isso vai me matar. Digo pra mim mesma, mas afasto o
pensamento.
— Você sabe o que ela é para mim? — ouço Kaden dizer.
Eu mordo meu lábio.
— Você sempre me disse que os negócios vem antes do amor, —
retruca Kace.
Tentando me esconder ao máximo, espreito cautelosamente pela
porta. Só consigo ver uma pequena parte da sala.
Eles estão em um escritório. Kaden está atrás de uma mesa. Não
consigo visualizar Kace.
Kaden parece glorioso, odeio admitir.
A camisa que ele está vestindo é uma camisa branca de botões, mas
está aberta mostrando seu tórax.
Tento não olhar muito para os músculos e tatuagens que estão
expostos.
Percebo que ele parece estressado e seu cabelo escuro está
despenteado por ele passar muito as mãos.
— Você sabe como é difícil? — ele pergunta. Sua voz está tensa.
Esta é a primeira vez que testemunhei emoções vindas dele que tenho
certeza que são reais.
Eu posso ver em seus olhos o quão desesperado ele está. Isso aquece
um pouco meu coração.
— Você matou minha verdadeira companheira! — Kace retruca.
Se eu pudesse ver seu rosto também — ele parece tão zangado, tão
magoado e dilacerado.
As palavras de Kace me fazem parar.
Kaden matou sua companheira? Eu pensei que eles não acreditassem
em companheiros...
— Você não saberia como é a sensação de dor, Kaden.
Capítulo 11
NA ESTRADA MARA
Sento-me em silêncio, olhando pela janela.
Coen se senta no banco do motorista dirigindo como se ele também
não tivesse pressa em chegar aonde estamos indo. Sou grata por isso.
Eu não posso acreditar que isso está acontecendo. Kaden ordenou
que eu fosse escoltada até a Matilha do Poder para que eu iniciasse
minha missão.
Se é que se pode chamar assim. As missões devem ser feitas por
espiões, profissionais.
— Quanto tempo mais? — eu pergunto, quebrando o silêncio que se
estabeleceu entre nós por tantas horas.
Somos vizinhos da Matilha do Poder, mas ainda temos um longo
caminho pela frente. Sinto minhas pernas começarem a doer por ficar
sentada na mesma posição por tanto tempo.
— Não muito, — ele murmura.
Não muito? O que isso significa?
Coen tem estado terrivelmente silencioso todo esse tempo. É
enervante... O motivo parece óbvio, mas decido investigar mais.
— O que você acha desta missão? — eu pergunto. A palavra missão
tem gosto azedo na minha boca.
Que tipo de missão envolve matar um bebê que nem nasceu ainda?
Talvez eu devesse perguntar a um membro da Matilha da Disciplina,
eles são conhecidos por sua justiça rápida e pena capital.
A expressão de Coen fica sombria e seus dedos apertam o volante.
O suspiro que sai de sua boca evoca extrema tristeza em vez de raiva.
Só posso imaginar como ele está se sentindo agora.
— Não importa o que eu penso, — ele murmura.
Acho que é tudo o que vou conseguir dele.
É
É como se ele estivesse se fechando. Nunca quis tanto olhar dentro da
mente de alguém antes. O olhar taciturno em seus olhos desperta minha
curiosidade.
Na chegada a zona da Matilha do Poder eu presumi que eles nos
fariam parar e verificar nossa identidade no mínimo.
Esta é suposta ser a matilha mais forte de todas e eles provavelmente
pretendem manter isso assim por muito tempo. Mas eles nos dão
permissão para entrar sem dizer uma palavra.
Eu olho para Coen sem entender.
— Eles sabem que esta é a caminhonete de Kaden.
Estou impressionada com a aparência do lugar.
A grande muralha que separa a matilha do mundo exterior faz um
bom trabalho em ocultar os tesouros escondidos lá dentro.
A estrada pela qual dirigimos é cercada por uma vegetação exótica.
Só acho as plantas estranhas porque não cresci aqui, eu sei, mas tudo
parece muito diferente de qualquer matilha que já vi antes.
Depois de ficar confinada na Matilha da Pureza por toda a minha
vida, posso dizer com segurança que esta é minha primeira aventura no
exterior, tirando meu sequestro.
Baixando a janela, noto que até o ar parece diferente de alguma
forma.
Também estou impressionada — não de um jeito bom — com o
número de seguranças que circulam por ali.
— Para onde exatamente estamos indo? — pergunto. Eu levanto
meus olhos por uma fração de segundo, antes de imediatamente desviar
o olhar quando percebo que um dos guardas está olhando
profundamente em minha direção.
A expressão fria nos olhos do homem me faz estremecer. É óbvio o
quão sério eles levam seus empregos.
— Para a propriedade de Alpha Landon — Coen me informa.
Meu coração dá um salto.
— Não é na beira de um penhasco? — eu pergunto, tentando me
lembrar das minhas aulas de geografia na escola.
Coen balança a cabeça lentamente.
— O mesmo penhasco que Althea atirou Kace.
Eu penso por um momento. Então, essa Althea é definitivamente a
mesma garota por quem Kace disse que estava apaixonado...
Eu olho para Coen, mas ele não parece nem um pouco perturbado
por estar me dizendo isso.
Como dois homens tão próximos um do outro podiam se apaixonar
pela mesma garota?
Coen sim, já que ela é sua companheira — mas Kace?
— Kace amava a sua companheira — eu comento, procurando uma
maneira de conseguir algo mais dele.
As sobrancelhas de Coen sobem e ele acelera um pouco, fazendo-me
agarrar ao assento.
Lembro-me da expressão nos olhos de Kace quando ele falou sobre
Althea.
Mesmo por trás de aparente frieza, eu ainda podia ver uma centelha
de calor quando ele estava falando sobre ela — mesmo que ela tivesse
partido seu coração.
— Você verá o porquê em breve, — diz Coen.
Adentrando o território da Matilha do Poder, passamos por uma série
de cidades.
Levamos cerca de uma hora para chegar à propriedade de Alpha
Landon.
Estranhamente, parece haver menos segurança quanto mais nos
aproximamos.
Eles presumem que ele pode cuidar de si mesmo? o pensamento me faz
estremecer.
Sem avisar, Coen desvia, quase me fazendo bater com a cabeça na
janela do carro. Ele para na beira da estrada e desliga o motor.
Pisco algumas vezes.
— Você deve caminhar a partir daqui — Coen me diz, — você sabe o
que tem a dizer?
Por um breve momento, quase posso ver um traço de Kaden em seus
olhos. Eu me pego concordando.
— Eu acho que estou perdida. Não me lembro quem sou, mas acho
que meu nome é Mara.
As palavras soam tão comuns saindo da minha boca. É exatamente o
que Kaden me mandou dizer.
Coen acena com aprovação. Então ele sai do carro e faz sinal para que
eu me junte a ele.
— Precisamos fazer com que pareça que você já passou por muita
coisa para chegar aqui, — ele murmura.
De repente, ele agarra a manga da minha camiseta e a rasga na
costura. Eu grito e o afasto.
— Você está brincando?
Coen sorri timidamente, então me arrasta para longe da estrada, onde
um buraco raso foi escavado.
Está cheio de água turva que olho sem entender.
Coen se ajoelha e enfia a mão na água para recolher um grande
punhado de lama e detritos.
Então ele se vira para mim.
— O que você está fazendo com isso? — eu pergunto nervosamente,
certificando-me de que meu olhar permaneça em sua mão para que ele
não tente nada.
— Eu preciso fazer com que pareça que você caminhou por milhas...
— Não ouse...
Antes que eu possa terminar, ele se lança em minha direção,
apontando a mão para o meu rosto.
Eu grito em protesto e tento me esquivar dele, mas sou muito lenta.
Posso sentir a sujeira escorrendo pelo meu rosto e pescoço.
Afastá-lo agora é fácil porque ele não se aguenta de tanto rir.
— Você é nojento! — eu grito com ele.
A sensação da lama grudada em meu rosto e pescoço me dá vontade
de vomitar.
— Eu sou nojento? — Coen engasga com a risada, — você deveria se
ver!
Só com grande esforço sufoco os palavrões que chegam aos meus
lábios.
Coen recupera o fôlego e pega um punhado de grama.
— Esfregue isso nas pernas ou algo assim, você não parece suja o
suficiente.
— Eu vou te mostrar o sujo, — eu resmungo.
Pego a grama e esfrego nas pernas até que fiquem cobertas de
manchas verdes.
Coen acena com a cabeça em aprovação, então se inclina para frente.
— Espere... — ele bagunça meu cabelo, ignorando o olhar que estou
lhe dando. — Feito.
— E agora? — pergunto.
Coen aponta para a longa estrada à nossa frente. Parece não ter fim,
sem um prédio à vista. Eu suspiro em resignação.
— Eu tenho que andar até lá?
Coen acena com a cabeça e dá um passo para trás em direção ao
carro. Aflita, eu o vejo entrar e ligar o motor. Ele abre a janela.
— Kaden vai te ver esta noite.
E com isso ele vai embora, deixando uma nuvem de poeira para trás
que atinge meu rosto.
Tossindo, eu balanço minhas mãos, tentando dispersá-la.
Tenho uma longa caminhada pela frente.

Quando a propriedade aparece, estou perto da exaustão. Eu só quero


entrar em algum lugar para poder tomar banho e limpar meu corpo.
Minha pele coça — espero poder tirar todas as manchas.
Surpreendentemente, os portões da propriedade de Alpha Landon
estão destrancados. Sem guardas, nem nada. Nervosa, eu caminho,
esperando alguém surgir do nada.
Um caminho estreito me leva até a porta da frente. O lugar todo é
mais extravagante do que eu esperava, mas acho que é a única opção para
um alfa.
Demoro alguns minutos para ganhar confiança suficiente para bater
na porta.
Quando ela se abre, fico surpresa com quem vejo na porta.
Eu esperava um guarda ou mesmo o próprio alfa. Em vez disso, me
deparo com uma garota de cabelos escuros não muito mais velha do que
eu.
Ela me encara com olhos escuros em um lindo rosto em formato de
coração.
Ela franze a testa enquanto me olha de cima a baixo confusa.
— Quem é você? — ela fala com um sotaque estranho da Matilha do
Poder.
Eu respiro fundo.
— Você é Althea, — ouço-me dizer.
Eu provavelmente não deveria ter dito o nome dela. Agora eu
estraguei meu disfarce com certeza.
Ela afirma que sim, balançando a cabeça lentamente.
— Você não respondeu à minha pergunta, — diz ela um pouco
irritada.
Eu olho para baixo. O fato de ela estar grávida é óbvio.
Isso faz meu coração quase parar de bater. Lá dentro está o bebê que
eu devo matar...
— O fato é: eu não sei quem eu sou.
— Eu preciso de ajuda, — eu imploro. — Você pode me salvar?
Eu vejo a expressão de Althea suavizar.
— Entre, venha sentar-se, — diz ela, guiando-me para dentro.
Eu cruzo a soleira da porta, mas assim que entro, sou puxada pelo
braço e empurrada contra a parede. O olhar de preocupação anterior de
Althea agora é de raiva.
Enquanto me segura no lugar, ela tira uma faca da parte de trás de seu
cinto e a pressiona contra minha garganta.
— Você é uma péssima mentirosa, — ela exclama. — Agora me diga a
verdade — Estou dizendo a verdade, — eu gaguejo. Althea zomba.
— Eu posso sentir o cheiro de Alpha Kaden em você, — ela fala. —
Você é da Matilha da Vingança. Então me diga a verdade ou cortarei seu
pescoço!
Capítulo 12
MEDO DA VERDADE
— Alpha Kaden, — zomba Althea. — Eu posso sentir o cheiro dele em você.
— Você cheira a seu fedor.
— Você pode estar interpretando o papel de uma garotinha pura, mas eu sei
quem você realmente é...
— Você é exatamente como ele.

MARA

Althea pressiona a lâmina da faca mais profundamente em meu pescoço


até que a pele começa a cortar.
— Então, me diga porquê você está realmente aqui, — diz Althea com
raiva. — Ou será seu último suspiro.
— Kaden... ele me enviou... para espionar você, — eu gaguejei. — Ele
disse que mataria minha família se eu não cooperasse.
Althea tira a faca com cautela e ergo minha mão até o pescoço,
agradecida por ainda estar intacta.
— Por que você? — ela questiona.
— Meu nome verdadeiro é Mara e eu na verdade sou da Matilha da
Pureza. Ele achou que eu poderia ganhar sua confiança.
Meus olhos se fixam na barriga de Althea. Ela mal está aparecendo —
provavelmente grávida de apenas alguns meses.
Eu prefiro deixar de fora a parte sobre como devo matar seu bebê. De
alguma forma, eu duvido que ela me deixe manter minha cabeça se eu
falar sobre isso.
— Você é uma das garotas que ele sequestrou? — ela pergunta,
examinando minha aparência.
— Sim e eu acho que ele tem outras. Por favor, você tem que me
ajudar. Se ele descobrir que você sabe de tudo isso, ele matará minha
família sem um pingo de hesitação. Ele é um monstro. Você não tem
ideia do que eu vi, — eu digo enquanto as lágrimas começam a inundar
meus olhos.
Sinceramente, não tenho certeza se são reais ou se estou apenas
tentando ganhar a simpatia dela.
Althea me avalia por um momento.
— Suponho que posso providenciar para que você seja levada de volta
a Matilha da Pureza...
— NÃO! — eu grito um pouco rápido demais. — Isso só vai piorar as
coisas. Ele vai apenas me encontrar e me levar de novo e matar todos que
amo.
— Preciso consultar meu marido sobre isso, mas por enquanto, você
pode ficar na casa de hóspedes, — diz ela, com algum apreço. — Mas você
precisa me contar tudo.
— Claro, — eu digo, aliviada. — Muito obrigada. Eu só quero que esse
pesadelo acabe.
Pelo menos eu consegui algum tempo para bolar um plano... mas o
relógio está em contagem regressiva.

Eu me admiro no espelho enquanto corro minhas mãos pelo vestido de


cetim liso que Althea me deu para usar.
Suas roupas são tão bonitas quanto ela. Ela certamente percorreu um
longo caminho desde a Matilha da Pureza.
Sinto que temos muito em comum e que em outra vida poderíamos
ter sido amigas, mas ela nem sonha com o real motivo da minha vinda.
Enfio a mão no bolso das vestes de pureza de Milly, pego o mapa que
Kaden me deu e coloco em meu vestido novo.
Já está escurecendo. Vou ter que fugir depois do jantar. Sinto como se
estivesse jogando em dois lados agora e não posso levantar suspeitas
sobre nenhum deles ou tudo irá por água abaixo.
Deixo a casa de hóspedes e atravesso o gramado perfeitamente
cuidado até a mansão de Alpha Landon.
Um criado me faz entrar e me leva até a sala de jantar onde um
verdadeiro banquete me espera.
Alpha Landon está sentado na ponta da mesa. Ele não é tão alto
quanto eu esperava que um alfa fosse, mas compensa em músculos.
O título de alpha da Matilha do Poder definitivamente combina com
ele.
Althea está sentada ao lado dele em um longo vestido de renda. Ela
me dá um sorriso caloroso.
— Venha se juntar a nós, querida, — diz ela, acenando para mim. —
Você deve estar morrendo de fome. Eles devem ter alimentado você
como um cachorro vira-lata na Matilha da Vingança.
Na verdade, eles me alimentam muito bem, considerando que estou noiva
do irmão do Alpha, mas ela não precisa saber disso.
— Sim, foi horrível, — eu digo, me acomodando em uma cadeira em
frente a ela.
— Esse Kaden é uma mancha no nome alpha, — Landon diz
bruscamente. — A Matilha da Vingança — são bárbaros — todos eles.
Nesse assunto, tenho que concordar.
— Como você chegou a se relacionar com qualquer um deles é
desconcertante para mim, — diz ele, fazendo uma careta para Althea.
— Eu era jovem. Esses dias estão no passado, — diz ela friamente.
Quase me esqueci de sua conexão com Coen e Kace.
Ela realmente os traiu? Ela realmente atacou Kace brutalmente e deu
a ele aquelas cicatrizes?
Ela parece tão agradável, mas também vi um lado diferente dela
quando me confrontou na casa de hóspedes. Ela pode ser mais perigosa
do que parece...
Landon acena para um servo que começa a encher meu cálice de
vinho.
— Oh, eu não deveria, — digo, surpresa.
Além de bebericar o ocasional vinho da comunhão da lua, eu nunca
tive realmente a chance de beber álcool.
— Eu insisto. É o melhor vinho da matilha, — diz Landon com
entusiasmo.
— Por favor, beba por mim, — diz Althea, acariciando sua barriga. —
Eu gostaria de poder me dar ao luxo, mas infelizmente...
Suponho que um copo não pode machucar...
Tomo um gole profundo do líquido vermelho e imediatamente sinto
um calor na boca do estômago. Ele gira na minha barriga, em seguida,
sobe para a minha garganta, me fazendo rir.
Eu me sinto tão solta e livre. É uma sensação estranha. O vinho da
igreja nunca me fez sentir assim...
Eu seguro a mesa e começo a me sentir tonta.
O que está acontecendo comigo?
— Como você está se sentindo, Mara? — Althea pergunta
calmamente.
— Estranha, — eu digo, rindo.
— Mara é seu nome verdadeiro? — Landon pergunta.
— Sim, — eu respondo automaticamente.
— Kaden mandou você aqui?
— Sim, — eu digo novamente.
Oh merda... eles devem ter me dado algum tipo de elixir da verdade.
Não consigo controlar nada do que estou dizendo. Sinto-me
absolutamente obrigada a dizer a verdade e apenas a verdade.
Se eles fizerem as perguntas certas tudo pode desmoronar...
— Ele sequestrou você da Matilha da Pureza e ameaçou a vida
daqueles que você ama? — Althea pergunta, inclinando-se mais perto de
mim.
— Sim.
— Você sente que sua própria vida está em perigo?
— Não, — eu digo, e me surpreendo.
Althea e Landon se olham, confusos.
— Alpha Kaden assusta você? — Althea pergunta.
Hesito enquanto penso sobre o medo nos olhos de Kaden quando ele
estava se transformando. Eu penso sobre a primeira vez que vi seu rosto
— seu lindo rosto.
Eu penso sobre como me sinto atraída por ele.
— Não, — eu digo novamente.
Eu paro por um momento e em seguida, olho Althea diretamente nos
olhos.
— Ele me apavora.
KADEN
Onde diabos ela está? Ela está atrasada.
Eu impacientemente bato meus dedos contra a árvore enquanto
meus olhos examinam o perímetro da cidade em busca de qualquer sinal
de Mara.
Eu também não posso cheirá-la.
E se Althea descobrisse o plano? Ela não é idiota. Na verdade, eu a
respeito, e é por isso que essa coisa toda é uma merda.
Mas se Althea ou Landon colocarem o dedo em Mara, eu vou...
Meu coração acelera e minha visão começa a ficar embaçada.
Eu raspo minhas garras na base da árvore, cravando-as em sua casca.
Mantenha tudo sob controle! Não deixe isso te controlar!
Eu inspiro e expiro fundo, começando a me sentir relaxado
novamente.
É mais fácil de controlar quando estou a centenas de quilômetros do
bando.
Quando estou a centenas de quilômetros de...
— KADEN! — Mara grita de repente.
Eu pulo quando a vejo se aproximando de mim, cambaleando para
frente e para trás. Será que ela está bêbada pra caralho?
— Cale a boca, — eu rosno. — Você vai chamar atenção de toda a
maldita matilha. Tem certeza que ninguém te seguiu?
— Não, eu usei seu mapa, — ela diz, com a fala arrastada.
Um odor pungente de repente toma conta dos meus sentidos.
— Que diabos é esse cheiro? Isso é você? — pergunto com nojo.
— Seu mapa me levou através dos esgotos para evitar os guardas, —
diz ela, inclinando-se contra mim para se equilibrar.
Claro, é por isso que eu não pude sentir o cheiro dela.
— Você é muito bonito, — ela diz, estendendo a mão para tocar meu
rosto.
Eu me afasto violentamente, não acreditando nas palavras que ouço
saindo de sua boca.
— O que diabos há de errado com você?
— Elixir da verdade, — ela afirma com naturalidade.
— Oh... OH, — digo, percebendo a gravidade da situação. — Você
disse a eles? Ela sabe que você está aqui para matar o bebê? — eu
pergunto, sacudindo-a.
— Não, ela não sabe — Mara responde, rindo.
Aliviado, eu a coloco encostada contra a árvore para que ela não caia.
— Por que você não me toca?
— Do que você está falando? — eu rosno.
— Com a sua pele... Você está sempre com essas luvas. Por que você
tem medo de me tocar?
— Eu... isso não é da sua conta, — digo rispidamente. Felizmente não
fui eu que tomei o elixir da verdade.
Ela não pode saber a verdade. Ela estaria ainda mais em perigo do que
já está.
Além disso, o jeito que ela me olha... como se eu fosse um monstro...
mal posso suportar.
Todas as coisas terríveis que fiz... Se eu pudesse contar a verdade a ela,
sei que entenderia.
Mas eu não consigo.
— Mara... você responderia uma pergunta?
— Sim, — diz ela, sonolenta.
— Você me odeia?
Seus olhos começam a se fechar enquanto ela cai no chão, mas ela
deixa escapar um sussurro suave.
— Não.
Ela disse não...
É improvável que ela se lembre de alguma coisa amanhã e é melhor
que seja assim.
Eu não posso simplesmente deixá-la aqui...
Se o esgoto mascarou o cheiro dela, talvez mascare o meu também.
Vale a pena arriscar.

Deitei Mara gentilmente na cama, seu verdadeiro cheiro ainda no ar me


guiando para a casa de hóspedes.
Ela parece tão bonita e tranquila quando está dormindo.
Meu estômago revira quando penso na dor que fui forçado a causar a
ela. A maneira como ela vai olhar para mim quando acordar.
Como se eu fosse um monstro.
Eu lentamente tiro minha luva, mesmo enquanto meu corpo luta
contra mim.
Eu encosto meu polegar em seus lábios rosados e suas bochechas
pálidas, fazendo com que faíscas emanem devido ao contatos de nossas
peles.
Uma sensação de calor percorre todo o meu corpo, como eletricidade.
Se eu pudesse dizer a ela...
Que ela é minha companheira.
Capítulo 13
ESCOLHAS IMPOSSÍVEIS
Minha cabeça está latejando.
Meus membros parecem pesar uma tonelada.
Minha garganta está tão seca que engolir parece a coisa mais difícil que já fiz.
Deve ser assim que eles chamam...
Uma ressaca.

MARA

— Urghhhh, que diabos, — eu gemo enquanto me esforço para sentar.


O que aconteceu ontem à noite? Eu nem me lembro de ter ido para a
cama.
Isso é tão constrangedor... Devo ter ficado bêbada no jantar.
Porra, é muito constrangedor... e se eu tiver dito algo que possa me
comprometer?
Em primeiro lugar, estaria viva pra sentir essa ressaca caso tivesse dito
algo?? Provavelmente não.
Eu olho para as minhas palmas e percebo que elas estão cobertas de
sujeira. Meus cotovelos também.
E... Deusa... Estou fedendo como um esgoto.
Sério, no que diabos eu entrei?
Eu me pergunto se encontrei com Kaden na noite passada...
Parece que sim, mas a noite toda está muito confusa para ter certeza.
Ele provavelmente ficará furioso comigo na próxima vez que nos
encontrarmos.
Preciso de um plano antes disso, mas agora não tenho nada.
Se Althea descobrir o real motivo pelo qual estou aqui, estou morta...
E se Kaden descobrir que ela sabe que sou um espiã, estarei morta de
novo...
Minha dor de cabeça piora e não sei se é por causa da ressaca ou da
ansiedade.
Meu estômago começa a revirar e, de repente, recupero minhas forças
novamente enquanto levanto e corro para a pia no canto do quarto.
Coloco minha cabeça para dentro da pia e vomito todo o conteúdo do
meu estômago.
Vou ficar longe do vinho pelo resto da minha vida.
Enquanto limpo o rosto com um pano úmido, ouço uma batida suave
na porta e Althea entra com uma bandeja cheia de comida.
Oh Deusa, que anjo que ela é.
— Achei que você pudesse estar se sentindo um pouco pior pelo
desgaste, — diz ela alegremente.
— Eu me sinto tão envergonhada, — eu digo, pegando a bandeja dela.
— Eu nunca fico bêbada.
— Não se preocupe, você foi uma convidada perfeita para o jantar.
Tivemos as conversas mais francas, — diz ela com um sorriso estranho.
— Você tem sido muito gentil. Eu não consigo agradecer o suficiente
por sua hospitalidade, — eu digo, mastigando um pouco de bacon.
— Qualquer coisa por uma colega membro da Matilha da Pureza, —
diz ela com sinceridade. — Agora, fique apresentável e vamos dar um
passeio na floresta. Temos muito o que discutir.

É calmante caminhar pela floresta com Althea enquanto a luz do sol


surge através da copa da folhagem acima de nós, mas também é estranho
passar pelo local onde me encontrei com Kaden durante à noite.
Eu definitivamente estava aqui ontem à noite.
Althea e eu conversamos sobre a natureza restritiva e limitadora da
Matilha da Pureza e suas visões conservadoras.
Falamos sobre os padrões irreais que eles pedem que suas mulheres
sigam.
Falamos sobre nossa resistência para ter fé na Deusa da Lua, embora
queiramos acreditar nela.
É tão revigorante falar com outro membro da Matilha da Pureza
como ela, mas há um assunto sobre o qual estou muito curiosa...
— Qual é a sua história com Alpha Kaden? — Eu pergunto hesitante.
— Se você não se importa que eu pergunte...
Fico surpresa quando Althea sorri como se estivesse se lembrando de
algo com carinho.
— Eu conhecia bem a família de Kaden, — diz ela. — Acredite ou não,
eu passei algum tempo com a Matilha da Vingança depois que fugi da
Matilha da Pureza pela primeira vez.
Então, é assim que ela está conectada a Kace e Coen...
— Eu sei que parece loucura, mas Kaden nem sempre foi um
monstro. Ele costumava ser um bom homem, um bom líder... mas nos
últimos anos, algo mudou, — diz ela com tristeza. — Seu coração
endureceu.
— O que aconteceu? O que causou essa mudança?, — pergunto.
— Acho que teve a ver com a morte dos pais dele. Ninguém sabe
exatamente como eles morreram, mas muitos assumem que Kaden os
matou e foi quando a escuridão o consumiu.
— E o que você acredita?
— Kaden nunca quis poder. Ele nunca quis ser o Alpha. Isso é o que
seu irmão queria. Qualquer que seja a vontade de Kaden agora, eu não sei
dizer. Eu só sei que suas ações são indefensáveis, — ela diz em um tom
sombrio.
Seu irmão? Ela quer dizer Kace?
— E quanto ao seu companheiro, Coen? O que aconteceu com ele? —
eu pergunto.
Althea para de repente e me lança um olhar severo, mas a tempestade
em seu rosto se transforma em calmaria depois de apenas um momento.
Ela agarra minha mão e continuamos caminhando.
— Então, você sabe, — ela diz, suspirando. — Prefiro não falar sobre
esse assunto. Tudo o que direi é que éramos adolescentes e nunca o amei
como ele me amou.
— Ou a maneira como Kace te amava? — eu digo.
— Oh, doce Kace. Ele era uma criança tão fofa... um cachorrinho, —
ela ri. — Ele estava certamente apaixonado. Eu me pergunto como ele
está...
Ele é meu noivo, mas não vou dar essa informação.
É a minha vez de parar de repente porque tudo que sei sobre Althea
não está batendo.
— Espere, então você não odeia Kace?
Ela se vira e olha para mim, confusa.
— Claro que não, por que você acha isso?
— As cicatrizes — ele está coberto por elas. Ele disse que eram por
causa de seu amor por você.
Althea parece que realmente não tem ideia do que estou falando.
— Mara, eu não vejo aquela família há anos, mas Kace não tinha
nenhuma cicatriz quando eu o conheci e certamente não sou responsável
por nenhuma delas.
À medida que continuamos caminhando, começo a questionar tudo.
Parece que a família de Kaden tem muitos segredos obscuros e eu sei
ainda menos do que pensava.

KADEN

Não posso acreditar como fui estúpido ontem à noite... me permitindo


tocar a pele de Mara.
E se ela tivesse acordado?
E arriscar ser pego entrando na cidade?
Estúpido pra caralho.
Já estou jogando um jogo perigoso, mas vou colocá-la em um risco
ainda maior se ela descobrir a verdade sobre ser minha companheira.
Quanto mais tempo passo com ela, mais me sinto atraído. Ela está se
tornando irresistível e não tenho certeza se posso confiar em mim
mesmo perto dela.
A coisa mais segura para Mara será se casar com Kace. Vou antecipar
o casamento quando voltarmos.
Ela pode acabar me odiando, mas pelo menos ela estará segura.
Mesmo que isso signifique ver minha companheira me desprezar todos
os dias, pelo menos eu posso cuidar dela.
Quanto mais cedo terminarmos esta missão, melhor.
Enquanto tiro um pequeno frasco de líquido roxo do bolso, vejo Mara
se aproximando.
— Vamos acabar com isso hoje à noite, — eu rosno.
— Por que a pressa? Você não quer esperar mais seis meses até a
criança nascer? — Mara pergunta em tom de desgosto.
Coloco o frasco em sua mão e olho seus lindos olhos. Se ela fizer
isso... vai mudá-la para sempre.
— Você usará este frasco — é veneno. Isso afetará apenas o bebê, não
Althea.
— Ah tá, porque matar seu filho que ainda nem nasceu não a afetará
em nada, — diz Mara com raiva.
— Tem que ser feito, — eu rosno em retaliação. — Não me teste,
Mara.
Minha cabeça começa a latejar e fica difícil pensar direito.
— Faça você mesmo, seu covarde. Você matou seus próprios pais,
então porque não uma criança também?
O que ela acabou de dizer? Meus pais...
A dor se torna insuportável.
Sinto um veneno subindo em minhas veias. Ele se infiltra em meu
corpo como uma doença.
Eu não consigo me controlar.
Eu sorrio para Mara ao sentir uma onda de ódio tomar conta de mim.
— Sim, eu os matei... mas não é com meus pais que você deve se
preocupar. Se você não fizer isso esta noite, eu vou cortar a garganta dos
seus pais e me banhar no sangue nojento deles. Você entende, garotinha?
Me diga se você entende.
Mara confirma em silêncio enquanto as lágrimas enchem seus olhos.

MARA
Enquanto Althea carrega uma bandeja de chocolate quente para o
terraço nos fundos da mansão, eu apareço de repente.
— Althea, por favor, deixe-me ajudar, — eu digo, sorrindo. — Você
está grávida. Você não deveria estar carregando isso.
— Oh, não se preocupe comigo. Eu ainda consigo me equilibrar, —
ela ri.
— Independentemente disso, eu sinto que preciso fazer algo. Você já
fez muito por mim, — eu digo. — Tudo bem, leve isso para fora e eu pego
alguns biscoitos. Confie em mim, eu faço os melhores biscoitos.
— Eu mal posso esperar para prová-los.
Enquanto Althea desaparece na cozinha, eu saio e coloco a bandeja
sobre a mesa.
Três canecas de chocolate quente — uma para mim, uma para
Landon e uma para Althea.
Eu nervosamente coloco o dedo no frasco de veneno em meu bolso.
Eu realmente vou fazer isso?
O sorriso maligno de Kaden pisca diante dos meus olhos.
A melhor pergunta é: eu realmente tenho escolha?
Depois disso não tem volta atrás... Como teria?
Mas nunca vou me perdoar se algo acontecer com meus pais.
Eu tenho que fazer uma escolha.
Eu abro a tampa do frasco roxo e despejo todo o conteúdo em uma
das canecas.
Althea sai para o terraço com uma bandeja de biscoitos.
— Acabaram de sair do forno, — diz ela, sentando-se à mesa. —
Landon vai se juntar a nós logo.
Ela vai pegar uma caneca mas me antecipo e dou uma a ela,
observando enquanto ela toma um gole profundo.
— Delicioso, — diz ela, lambendo os lábios e tomando mais um gole.
Pego minha própria caneca e vejo um círculo roxo claro girando na
superfície do chocolate quente.
Eu olho para Althea intensamente e ela parece alarmada.
— Althea... preciso de sua ajuda.
Capítulo 14
ESTRADA PARA A LIBERDADE
Ir para casa não é uma opção.
E nem correr Ele vai apenas me pegar.
Então eu preciso me esconder.
Eu preciso ir a algum lugar que ele nunca vai me encontrar.
Em algum lugar onde eu possa simplesmente desaparecer.
Eu preciso ir para a Matilha da Liberdade.

MARA

O sol ainda nem nasceu enquanto Alpha Landon empacota alguns


suprimentos para mim no porta-malas de seu carro.
— Graças à Deusa que todos os alfas têm carros, — digo enquanto
Althea me abraça.
— Não o alpha da Matilha da Liberdade, — diz Althea com um toque
de desgosto.
— Como é a Matilha da Liberdade? — eu pergunto. — Eu só ouvi
rumores.
Althea suspira e pega minha mão.
— Talvez não seja a utopia libertadora que você foi levada a acreditar,
minha querida.
— O que você quer dizer? É seguro?
— Não há dúvida de que a Matilha da Liberdade é o melhor lugar para
você ir se quiser desaparecer, — ela responde. — Mas isso não significa
que seja seguro. O Alpha, Grayson... dizem que ele está um pouco...
estranho.
— Estranho como?
— Como em insano, fora de sua mente, uma coisa meio louca, — diz
ela rispidamente. — Provavelmente seria do seu interesse ficar o mais
longe possível de Alpha Grayson.
— Ótimo, outro Alpha de merda para me preocupar. — eu digo com
desdém.
— Contanto que você fique quieta, você deve ficar bem. A Matilha da
Liberdade nem passa pela cabeça de Kaden. É o último lugar para onde
um membro da Matilha da Pureza iria, — Althea reflete.
— Espere, por que isso? — eu pergunto nervosamente.
— Vamos apenas dizer que eles são muito mais ousados lá... mais
expostos.
Não sei do que ela está falando, mas tenho a sensação de que vou
descobrir em breve.
Ela me dá um último e longo abraço e coloca a mão no meu rosto.
— Desejo o melhor a você, Mara. Espero que nossos caminhos se
cruzem novamente em circunstâncias menos terríveis.
— Sim, eu também espero — digo, sorrindo.
Eu subo no banco de trás do carro de Landon e me deito para que
ninguém me veja quando ele sai da garagem.
O ronco suave do motor me embala para dormir enquanto sonho
com minha nova vida na Matilha da Liberdade.

Uma pancada seca me acorda. Em seguida, outra me faz cair da cadeira.


Estamos tendo um maldito terremoto?
Eu coloco minha cabeça sobre o assento e olho para a estrada sem fim
atrás de nós, se é que se pode chamar isso de estrada.
Parece mais um enorme mar de buracos e cascalho.
Limpo o suor do rosto enquanto observo a paisagem árida ao meu
redor. Está quente pra caralho aqui. Acho que estamos em um deserto.
Enquanto Landon para o carro perto de uma parede em ruínas, ele
vira para trás e olha para mim. Ele tem olheiras.
A julgar pelo sol poente, devo ter dormido o dia todo.
— Chegamos, — diz ele, apontando para a parede decrépita.
— Mesmo? — eu pergunto com reserva.
— Receio que sim, — diz ele, suspirando. — Escute, sua melhor opção
é encontrar algum abrigo. Aqui é um inferno de quente durante o dia,
mas as noites são frias. Isso é o mais longe que posso levá-la.
Eu aceno com a cabeça, pegando minha mochila e saindo do carro. Eu
me inclino para a janela do passageiro e dou a Landon um meio sorriso.
— Obrigada por fazer isso. Você e Althea têm sido incríveis. Tenho
certeza que seu bebê vai trazer muita alegria para vocês dois.
— Sabe, você me lembra Althea quando ela tinha a sua idade. —
Landon sorri. — E se você for como ela, você vai ficar bem.
Enquanto Landon dirige pela estrada esburacada, dou outra olhada
na Matilha da Liberdade.
A entrada está coberta de grama alta e o cheiro é uma mistura de odor
corporal e enxofre.
Não era isso que eu esperava.
Eu adentro na grama que chega acima da minha cabeça e a afasto
para frente, sem conseguir ver nada.
O matagal se torna tão denso que preciso começar a engatinhar.
Quando finalmente atravesso a folhagem, grito ao ser abordada por
algo completamente inesperado.
Um pênis.
Bem na minha cara.
Cubro minha boca, horrorizada, mas o homem nu não se incomoda.
Ele continua seu caminho.
Uma mulher nua areja suas partes íntimas sob uma tenda malfeita
próxima.
De repente, entendo o que Althea quis dizer quando disse que a
Matilha da Liberdade é mais exposta.
Ninguém usa roupas aqui.
Se eu não quiser me destacar, estou usando a roupa errada e, com
isso, quero dizer qualquer roupa.
Algumas crianças desnutridas passam por mim e desaparecem em
uma cabana.
Este lugar é sombrio, mas me lembro do conselho de Landon.
Encontre um abrigo.
Eu me movo mais para dentro da matilha, tentando o meu melhor
para não demonstrar minha roupa com todas as pessoas nuas circulando.
Passo por um círculo de pessoas fumando algo em um cachimbo. Eles
parecem mais relaxados do que qualquer pessoa que eu já vi.
Eu provavelmente poderia usar um pouco disso para acalmar meus
nervos.
Eu encontro uma árvore grande o suficiente para fornecer alguma
sombra em um local remoto, jogo minha mochila no chão e aproveito
para me recostar.
Vai levar algum tempo até me acostumar...
— Pensei ter sentido o cheiro de alguém novo por aqui, — diz uma
voz com um sotaque desconhecido, logo acima de mim.
Eu olho para cima e me deparo com outro pênis balançando no meu
rosto e este é significativamente maior do que o anterior.
Eu engulo em seco enquanto me levanto e observo o homem diante
de mim, evitando olhar para sua parte inferior novamente.
Ele é robusto e bonito, com a pele bronzeada pelo sol e cabelos
escuros desgrenhados.
— Você cheira muito doce para ser da Matilha da Liberdade... Matilha
da Pureza, talvez?
Acho extremamente difícil desviar os olhos da coisa balançando entre
suas pernas enquanto ele fala comigo.
— Você realmente deveria colocar algumas roupas, — eu digo, soando
puritana.
— Sim, definitivamente da Matilha da Pureza, — ele ri. — Você sabe
que é realmente desrespeitoso aos meus costumes você usar roupas. Você
simplesmente entra em uma nova matilha e insulta seu Alpha?
Ai merda, este é Alpha Grayson.
— Você é Grayson... — eu digo lentamente.
— Ah, então você já ouviu falar de mim? Minha reputação me
precede. E o que exatamente você ouviu?
— Que você é... hã... excêntrico, — eu digo, lutando para encontrar as
palavras certas.
— Bem, isso é verdade, — diz ele, parecendo se divertir.
De repente, percebo que estamos sozinhos. Juro que havia outras
pessoas há poucos momentos, mas agora não há ninguém à vista.
Grayson olha para mim com um sorriso libertino.
— Mas você também ouviu que eu sou louco?
KADEN

Ela está atrasada pra caralho... de novo.


Eu disse a ela antes do pôr do sol e o sol está se pondo.
Eu me pergunto se ela fez o que eu mandei... se ela completou sua
tarefa?
Para o bem dela e para o meu... realmente espero que sim. Haverá
consequências se ela não o fizer, consequências sobre as quais não tenho
controle.
Andar em círculos não está me fazendo bem.
Se ela não vier até mim, irei até ela.
Jogo o capuz sobre o rosto. Se eu entrei na cidade sem ser detectado
uma vez, posso fazer de novo.
Eu me esgueiro para o lado da parede e entro na água que sai do
grande cano que se projeta de sua base.
Eu me agacho e me movo rapidamente pelo túnel escuro, passando
por vários corredores até chegar a uma escada.
Se bem me lembro, este caminho deve sair perto da propriedade de
Landon..
Eu subo a escada até que minha cabeça atinge a superfície e assim
posso sentir o cheiro de ar fresco novamente.
Esses esgotos realmente fedem...
Estou em um beco, em frente à propriedade. Eu posso ver a casa de
hóspedes. Tem uma luz acesa.
Mara ainda não deve ter saído...
Quando a barra está livre, eu entro e saio das sombras enquanto faço
meu caminho para a cabana.
Eu rapidamente abro a porta e fecho atrás de mim, aliviado por não
ter sido visto.
— Mara, o que diabos você está pensando, me fazendo vir até aqui
para...
Quando olho ao redor da sala, percebo que Mara não está lá. E
nenhuma de suas coisas também.
— PORRA! — eu rosno, batendo minhas garras na parede.
Pra onde diabos ela foi? Ela poderia estar em qualquer lugar.
Isto é ruim. Muito ruim.
Ela não tem ideia do tipo de perigo que está correndo.

MARA

Eu me afasto de Grayson quando seus olhos começam a se contorcer.


— Você está... você está bem?
O sol se pôs e a lua agora nos banha com uma luz pálida.
Grayson se agita para frente em um espasmo involuntário, seu corpo
inteiro em convulsão.
Suas costas começam a se alongar e os músculos de seu corpo
começam a se inchar.
— Grayson? O que está acontecendo? Responda-me! — eu grito.
Enquanto ele se agacha de quatro, suas garras começam a se estender
de seus dedos e suas presas de sua boca.
De repente, o som de dezenas de ossos estalando perfura o ar e eu
tremo de terror.
Já vi esse tipo de mudança antes.
Eu vi isso acontecer com Kaden.
Grayson estica o pescoço torto em minha direção e vejo o mesmo
medo em seus olhos.
— Vá... vá, — ele gagueja.
Meus olhos se arregalam enquanto suas mandíbulas se abrem.
— VÁ ANTES QUE EU MATE VOCÊ!
Capítulo 15
OCULUS VIDENS
Passei minha vida inteira desejando liberdade.
Ansiosa por descobrir o que está além da muralha.
Para explorar o que o mundo tem a me oferecer.
E agora que eu realizei meu desejo...
Eu gostaria de poder voltar atrás.

MARA

Estou sem fôlego enquanto caminho pelo matagal o mais rápido que
posso.
Eu não consigo parar.
Nem por um momento.
Se aquela coisa for parecida com a fera em que Kaden se
transformou... ele nunca vai parar de caçar até que pegue sua presa.
Um uivo agudo ecoa pelo céu noturno quente e úmido.
Minhas roupas suadas grudam na minha pele como se estivessem
fundidas ao meu corpo.
Eu caio de joelhos e começo a espalhar lama em meus braços, peito e
pernas.
Talvez se eu pudesse pelo menos mascarar meu cheiro...
Deusa, por favor, me dê força.
Por que sempre recorro à Deusa da Lua em momentos como este? É
como um reflexo...
Ninguém vai te salvar, Mara. Então, salve-se a si mesma, porra.
Eu fico de pé e começo a atravessar o matagal denso novamente,
movendo com força as grossas folhas de mato para fora do meu caminho.
À
À medida que ganho um pouco de fôlego, começo a correr, mas meu
pé afunda em uma poça de lama que me suga como um vácuo.
Eu grito ao sentir meu tornozelo torcer.
Eu luto para tirar meu pé, mas ele não se move.
De repente, o matagal ao longe começa a se abrir e balançar como
força.
Merda, ele está vindo.
Eu arranco meu pé para fora da bota, deixando-a para trás e me
livrando da outra no caminho.
Vou ter que correr descalça... mas para onde diabos estou correndo?
Eu ouço o barulho de patas pisando na lama atrás de mim.
Quando viro a cabeça, vejo um dorso peludo curvado mergulhando
acima e abaixo do matagal como uma serpente marinha.
Porra, eu não consigo continuar correndo direito. Ele vai me alcançar em
segundos.
Eu faço uma curva fechada e caio pra fora da grama direto na terra.
Meus pés descalços sangram quando passo por cima de pedras
pontiagudas, porém à frente vejo algumas ruínas.
Não tenho outras opções... Manco em direção à estrutura, rezando
para encontrar um lugar para me esconder.
Rastejando nas ruínas, eu me espremo por baixo de uma parede caída.
O luar brilha através de cada fenda no teto, criando um conjunto
estranhamente belo de luzes fluindo.
Um barulho forte no telhado faz com que detritos caiam na minha
cabeça.
Está no telhado... procurando uma maneira de entrar.
Em pânico, tento encontrar um pedaço de algo resistente para me
esconder, mas todo este lugar parece que está à beira de desmoronar.
TUM.
TUM.
TUM.
Ele está tentando entrar.
Eu não tenho muito tempo.
Eu rastejo sob uma estátua quebrada da Deusa da Lua, segurando
meus joelhos e fechando meus olhos.
CRASH!
O teto desaba quando Grayson cai e pousa no centro das ruínas.
Do meu esconderijo, posso ver suas patas com garras enormes,
tilintando na superfície do chão.
A fera fareja o ar e se volta para a estátua.
Ele sabe que estou aqui.
A fera se agacha o mais baixo possível no chão, e eu me pego olhando
diretamente em seus olhos escuros e frios.
Ele rosna com sede de sangue e eu não tenho para onde correr.
AAAAA-UUUUU!
O uivo de outro lobisomem tira a atenção da fera de mim.
O lobisomem corre para a sala, colidindo com a fera e cravando os
dentes em sua lateral.
Eu me atiro para fora do meu esconderijo, disparando pela sala
enquanto os dois lobisomens se jogam no ar.
Um lobisomem cor de areia menor está lutando contra a fera,
jogando-a contra as ruínas, tentando derrotá-la.
Todo esse lugar vai desabar.
Eu subo uma rampa de pedra, me levantando até uma janela, assim
que o lobo cor de areia passa por mim ele afunda suas garras nas costas
da fera.
Enquanto eu caio em um terreno aberto, os dois lobisomens se
chocam contra a parede, lutando do lado de fora.
Eu manco até a árvore mais próxima e me encosto contra ela
enquanto observo as duas silhuetas sombrias de lobo lutando e se
golpeando sob o luar.
Depois de um momento, ambas as sombras diminuem voltando para
a forma humana...
Mas apenas um surge.
À
À medida que a figura caminha em minha direção, um homem nu
com cabelo louro-claro se torna visível.
— Não tenha medo, — ele diz em um tom calmo. — Ele não pode
machucar você agora.
— Ele está morto? — eu pergunto, olhando para o corpo
aparentemente sem vida de Grayson.
— Não, ele está apenas inconsciente. Ele ficará assim até amanhã, e
então voltará ao que era.
— Isso já aconteceu antes? — pergunto em estado de choque.
— Sim, Grayson tem uma condição... bem, na verdade uma maldição.
Ele não consegue controlar quando se transforma e então se torna algo
mais do que um lobisomem... Ele se torna...
— Um monstro. Já vi isso antes, — digo. — Obrigada por intervir. Eu
estaria morta se não fosse por você.
— Eu só queria ter chegado a ele mais cedo. É meu dever protegê-lo,
— diz ele em tom solene.
— Você é o Beta dele?
— Seu irmão, — ele responde, estendendo a mão. — Meu nome é
Evan. E você é?
— Mara, — eu respondo, retribuindo o aperto de mão. — Eu sou nova
aqui.
Evan me lança um olhar simpático.
— Fugindo de alguma coisa?
— De alguém, — eu o corrijo.
— Bem, você pode ficar comigo e com minha esposa, se quiser. É o
mínimo que posso oferecer depois que meu irmão atacou você — Evan
diz, carinhosamente.
Grayson está esparramado no chão, espancado e machucado e Evan
não parece muito melhor.
Isso deve ser um fardo... para os dois.
Evan pega Grayson e o coloca sobre o ombro.
— Vá na frente, — eu digo, aceitando sua oferta.
É preciso caminhar um pouco, mas fico surpresa ao descobrir que a
Matilha da Liberdade tem uma cidade real... ou algo parecido com uma,
de qualquer maneira.
Não é muito, mas existem casas de verdade e não apenas cabanas ou
tendas.
Eu até noto várias pessoas usando roupas.
Uma pequena fonte sem graça no centro da rua esguicha um jato
fraco de água no ar.
Eu mergulho minhas mãos e jogo um pouco de água no meu rosto,
olhando para o meu reflexo.
Estou imprestável, coberta de lama seca e arranhões ensanguentados.
Meus pés estão em estado ainda pior, cobertos de cortes.
Coloco ambos na fonte, sentindo um alívio imediato assim que a água
penetra em minhas feridas.
Evan sai de uma casa próxima e acena para mim.
— Ok, Grayson está seguro. Você pode entrar.
Eu o sigo até a aconchegante sala de estar, onde o fogo está
crepitando na lareira.
Uma mulher baixa com um rosto suave e olhos amáveis entra
correndo na sala com uma energia curativa.
— Oh, minha Deusa, o que você deve ter passado! Sente-se aqui,
querida, — diz ela, ajudando-me a sentar em uma cadeira perto do fogo.
— Deixe-me trazer um pouco do chá que eu fiz.
— Essa é minha companheira, Leia, — diz Evan, rindo. — Ela não vai
deixar você descansar até ter certeza de que você está bem cuidada. Eu
nunca poderia lidar com Grayson sem a ajuda dela.
— Ela parece adorável. — eu sorrio, mas meu sorriso desaparece
quando penso na condição de Grayson. — Existe uma maneira de ajudá-
lo? Uma cura?
— Não há cura... não no sentido médico de qualquer maneira, —
afirma Evan com tristeza.
— O que você quer dizer? — pergunto.
— Como eu disse antes, a condição dele... é realmente uma maldição.
E a única pessoa que pode quebrar uma maldição como essa é uma
companheira.
— Bem, onde está a companheira de Grayson? Certamente ele tem
uma, certo? — Não sei porque me sinto tão empenhada nisso, mas meu
coração dói por essas pessoas.
Talvez seja porque eu veja algo semelhante em Kaden... tantos
demônios... mas não há como se libertar.
— Eu gostaria de saber mas ela desapareceu há muito tempo. Pode
nem estar mais viva — Evan diz, com a voz embargada.
— Se você me der licença, eu preciso ir ver como ele está.
Enquanto Evan sobe as escadas, Leia entra com o chá e se senta à
minha frente.
— Aqui está, querida, bebida especial, — diz ela, entregando-me uma
xícara.
Tomo um gole do líquido quente que imediatamente aquece meu
corpo de dentro para fora.
Leia me olha com curiosidade, como se estivesse tentando me ler.
Ela cora quando me vê notar.
— Oh, sinto muito, querida, não é minha intenção ficar olhando. É só
que... você tem uma aura muito interessante, — diz ela, continuando a
beber. — Eu sou uma Oculus Videns, então tenho uma tendência a ficar
olhando um pouco demais. Se isso te deixar desconfortável, é só me
avisar.
— O que é uma Oculus Videns? — eu pergunto, intrigada.
— Eu sou abençoada pela Deusa da Lua. Posso ver o futuro pelos
olhos dos outros, — diz ela.
Agora eu me lembro de ouvir sobre os Oculus Videns. Minha mãe
costumava dizer que eles eram fraudes — fingindo que a Deusa da Lua
lhes deu habilidades especiais a fim de enganar as pessoas com seu
dinheiro.
Mas Leia não parecia uma vigarista...
— O que você vê quando olha nos meus olhos? — eu pergunto.
Leia pega minha xícara de chá vazia e a vira em um pires. As folhas de
chá formam uma imagem, talvez um animal, mas é muito difícil dizer.
— Interessante... — ela diz para si mesma.
Leia agarra minha cabeça e me encara profundamente. Suas íris
lilases são hipnotizantes.
— Fascinante... eu vejo algo... algo nebuloso, — ela diz em uma voz
distante.
Talvez isso seja mesmo besteira...
De repente, seus olhos ficam nublados e seu controle sobre meu rosto
se intensifica.
— Você está fugindo... você está fugindo do Alpha, — ela diz em um
tom assustador.
Que porra... Eu não estou gostando disso.
— Mas ele não vai parar de procurar por você... Ele nunca vai parar de
procurar por você.
— Leia, estou desconfortável. Você disse que pararia se eu estivesse
desconfortável, — eu peço.
Ela fixa no meu olhar e eu não consigo nem piscar.
— Você pertence a ele, Mara.
Capítulo 16
CORRENDO SELVAGEMENTE
Estou presa em um quarto escuro sem saída — apenas uma cadeira vazia.
Minha veste da pureza esvoaçante atrás de mim enquanto eu corro
freneticamente ao redor da sala, procurando por uma porta.
— Por que você corre, Mara?
A voz de Kaden ecoa por todo o quarto.
Isso é real? Já estive aqui antes.
Foi para cá que Kaden me trouxe depois que ele me sequestrou.
Eu tropeço em um corpo e caio no chão.
Eu me viro esperando encontrar Kace, mas em vez disso, vejo Milly...
Seu corpo está gravemente mutilado e a expressão congelada em seu rosto é
de angústia.
A boca de seu cadáver de repente começa a se mover.
— Por que você não me salvou, Mara?
Gritando, eu recuo.
Eu sinto a luva de couro de Kaden envolver meu pescoço por trás.
Ele aperta com força, sem soltar
— Você pertence a mim, Mara.

MARA

Acordo suando frio, pulo da cama e abro as cortinas para ter certeza de
que não estou em um quarto falso... e que não fui sequestrada
novamente.
Estou aliviada ao ver a degradada praça da Matilha da Liberdade do
lado de fora.
Não importa o quão longe eu corra de Kaden, nunca vou escapar dele
em meus pesadelos.
Mas o que mais me assombra é Milly...
E a expressão em seus olhos quando ela descobriu que eu tinha a
chance de salvá-la.
Sinto como se a tivesse abandonado, desaparecendo assim do nada.
Mas se eu nem consigo me defender, como posso defender os outros?
Ou estou apenas dizendo isso a mim mesma para justificar minha
decisão egoísta de me esconder? Tenho medo de Kaden e do que ele fará
com meus amigos e família se eu não voltar para ele — e que novo
castigo doentio ele vai propor para mim.
Mas tenho mais medo de outra coisa...
Tenho medo de continuar fugindo disso, a culpa vai me corroer.

Leia me leva a um mercado à tarde e começo a ver um lado diferente da


Matilha da Liberdade.
É cheio de pessoas alegres e aglomerados de barracas coloridas com
gente fazendo negócio com qualquer coisa que você possa imaginar.
Isso me lembra que a Matilha da Liberdade se baseia na diversidade e
na franqueza.
Todo mundo aqui vem de outras matilhas originalmente.
Descontentes com suas antigas vidas, eles vêm até aqui para começar
uma nova.
— O que você acha? — Leia pergunta, percebendo a maneira como eu
observo o mercado com admiração.
Leia não se lembra do que me disse quando leu meu futuro e não
tenho intenção de lembrá-la.
Ainda não consigo acreditar que ela disse que eu pertenço a Kaden.
Acho que essa será minha primeira e última leitura com um Oculus
Videns.
Evan e Leia sabem que estou fugindo de alguém, mas não têm ideia
de que é o Alpha mais assustador de toda a existência.
Estou colocando-os em perigo por estar aqui e se eles descobrirem...
— É maravilhoso, — eu digo, tirando Kaden para fora da minha
mente. — Acho que poderia passar o dia todo aqui. Há muito para ver.
— Vou montar minha tenda de leitura no lado sul do mercado, se
você quiser se juntar a mim, — ela diz alegremente. — Eu posso te dar
outra leitura!
Oh Deusa, inferno, não.
— Acho que vou ficar vagando por aí um pouco, mas encontro você
mais tarde, — digo, sorrindo educadamente.
Enquanto Leia sai correndo, acenando, tento decidir onde quero
começar a explorar.
Vou até uma barraca de roupas coloridas, pensando na ironia do
vendedor estar totalmente nu.
Felizmente, há muitas outras pessoas na cidade que usam roupas
semelhantes à minha, então não pareço muito deslocada.
Enquanto corro meus dedos por um manto de seda roxa
deslumbrante, ouço o som inconfundível de couro raspando e congelo.
Olhando no espelho pendurado na cabine, vejo um homem vestido
da cabeça aos pés em couro escuro com uma espada ao lado, observando
o mercado.
Não há dúvida sobre isso... ele é da Matilha da Vingança.
Kaden deve estar enviando seus homens a todos os lugares para
procurar por mim, mesmo em lugares remotos como este.
Lugar nenhum é seguro.
Eu discretamente roubo um lenço, quando o vendedor não está
olhando e imediatamente o coloco sobre na minha cabeça.
Evitando contato visual e mantendo minha cabeça baixa, eu
prontamente passo pelo guarda e me enfio em uma barraca próxima.
Talvez se eu apenas ficar escondida por tempo suficiente ele vá
embora e informe a Kaden que ninguém que corresponda à minha
descrição está na Matilha da Liberdade.
De repente uma mão envolve minha boca, abafando meu grito.
Dou uma cotovelada nas costelas do meu agressor, libertando-me de
suas mãos.
Quando eu me viro, fico surpresa ao ver Grayson vestido com uma
túnica e calças largas, me dando um sorriso pesaroso.
— Ai, porra, você sabe que acabei de acordar de um dia inteiro
inconsciente, — diz ele, esfregando as costelas.
— Você não pode simplesmente se aproximar das pessoas assim, — eu
digo em tom de censura.
— Você estava esperando outra pessoa... um guarda da Matilha da
Vingança, talvez? — ele questiona.
— Merda, você viu, né? Grayson, posso explicar...
— Não há necessidade de explicar, — diz ele, levantando a mão. — Eu
sei tudo sobre Kaden, confie em mim. Se você estiver fugindo dele, farei
tudo o que puder para garantir que ele não a encontre.
Uma onda de alívio me atinge, mas nenhum favor é gratuito, mesmo
na Matilha da Liberdade.
— Por que você faria isso por mim? Você nem me conhece! — eu
pergunto.
— Esta Matilha foi fundada para servir como um porto seguro para
aqueles que procuram um, — ele responde. — E, além disso, estou
totalmente em dívida com você depois que tentei te matar.
— Evan me contou sobre a maldição. Eu sei que não foi intencional,
— eu digo, tranquilizando-o.
— Sim, você escolheu o pior momento possível para chegar, — ele ri.
— A festa de boas-vindas do inferno.
Eu gosto dessa versão de Grayson — ele é caloroso, engraçado e bem-
apessoado. Nem um pouco o que eu esperava.
— Com que frequência isso acontece? — eu pergunto.
— Só nas noites de lua cheia, como na noite passada. Normalmente,
Evan já teria me acorrentado, mas quando eu senti o seu cheiro atraente,
eu tive que ver você por mim mesmo, — ele diz com um sorriso sedutor
que me faz corar.
Ele está muito perto de mim... um pouco perto demais.
— Devemos verificar se o guarda ainda está lá, — eu digo, nervosa.
Grayson afasta os panos e espia para fora da tenda. Quando ele coloca
a cabeça para dentro, ele sorri.
— Tudo limpo por enquanto, mas provavelmente seria melhor se
você ficasse longe dos mercados hoje. Ou em qualquer lugar da cidade.
— Onde devo me esconder?
— Eu tenho uma ideia. — ele sorri maliciosamente. — Venha comigo.

Grayson me leva a um campo aberto a uma boa distância da cidade.


Eu olho ao redor, tentando descobrir porque de todos os lugares ele
me trouxe justamente aqui, mas não consigo pensar em nada.
— Por favor, não acredito que você vai me dizer que este é o melhor
lugar para se esconder, — eu digo sarcasticamente.
— Dê-me um pouco de crédito, — diz Grayson enquanto começa a
tirar suas roupas.
— Hã, o que diabos você está fazendo? — eu digo, desviando o olhar,
envergonhada.
— Eu odeio aquilo que você viu antes... aquele monstro. Aquele não
sou eu — Grayson diz em um tom sério.
Ele toca meu ombro e eu me viro para encará-lo.
— Deixe-me mostrar que sou alguém em quem você pode confiar.
Venha correr comigo.
— Uma corrida? Você quer dizer como lobos? — eu pergunto
hesitante.
Não consigo nem me lembrar da última vez que me transformei
totalmente. Faz muito tempo.
É considerado deplorável que as garotas da Matilha da Pureza se
transformem, mas, novamente, tudo que é divertido é considerado
deplorável naquela matilha.
— Quero mostrar a você que não há nada a temer quando me
transformo normalmente, — diz ele. — Então, você vai se juntar a mim
em uma corrida?
Sem medo das consequências e cheia de energia, começo a tirar
minha blusa.
— Quer saber, foda-se — eu digo, sorrindo. — Vamos lá.

KADEN

Meus homens estão vasculhando cada matilha por essas áreas, mas até
agora não houve nem sinal de Mara.
Mesmo estando furioso com a fuga dela, temo por sua segurança.
Pelo menos quando ela está aqui na Matilha da Vingança, posso ficar
de olho nela o tempo todo e garantir que nenhum dano aconteça a ela.
Lá fora, não posso garantir sua segurança... ou a segurança de sua
família.
As coisas só vão piorar se eu não a encontrar e se eu for forçado a
machucar sua família... ela nunca vai me perdoar.
Eu também não me perdoaria.
Mara é inteligente e desbocada. Eu sei que ela pode cuidar de si
mesma, mas eu preciso encontrá-la logo.
Perdi o controle da minha matilha.
Perdi o controle da minha companheira.
E perdi o controle de mim mesmo.
Meu mundo inteiro é um pesadelo, mas Mara é o único feixe de luz
em toda a escuridão.
Eu irei até os confins da terra para encontrá-la se for preciso.
Eu agarro os cantos da minha mesa quando sou repentinamente
tomado por um cheiro poderoso. Sinto-me tonto, intoxicado pelo aroma
floral e frutado.
Mara... ela se transformou, liberando seu perfume para seu
companheiro.
Mesmo de longe, sinto o cheiro dela como se ela estivesse bem aqui.
— Eu sei exatamente onde você está.
Capítulo 17
PRIMEIRO TOQUE
Minhas garras se abrem enquanto eu agacho com as quatro patas.
Meu cabelo cor de mel surge por todo meu corpo como pelo.
Tudo tem um cheiro mais intenso.
Tudo parece mais estimulante.
Acabei de me transformar pela primeira vez em anos.
E eu me sinto completamente livre.

MARA

Minhas patas batem contra a terra com determinação enquanto alcanço


Grayson e tento ultrapassá-lo.
Ele mostra suas presas de brincadeira e desvia para a floresta, pulando
sobre uma árvore caída.
Seu lobo — seu lobo normal, não a fera amaldiçoada em que ele se
transforma uma vez por mês — é cinza-escuro com uma pequena
mancha branca sobre o olho.
Ele parece saudável e feliz e estou grata por ele ter decidido me
mostrar esse seu lado.
Eu preciso tirar Kaden de minha mente, e uma corrida é a distração
perfeita.
Eu passo por Grayson e pulo através de um riacho, desafiando-o a me
seguir.
Corremos lado a lado, mantendo o ritmo até que uma ravina aparece
na nossa frente.
O comprimento da fissura é de quase quatro metros, talvez mais.
Meu lobo sorri para Grayson e ele sorri de volta.
É
É isso mesmo?
Não há tempo para voltar atrás agora.
Eu corro a toda velocidade em direção à borda do penhasco e pulo
sobre ele, voando para o outro lado com espaço de sobra.
AAAAA-UUUUU-UUU!
Eu uivo em vitória pelo meu feito, mas quando vejo Grayson
derrapando até parar ofegante na borda tenho que uivar de tanto rir.
Ele rosna, irritado, mas volta e começa a correr antes de pular para o
outro lado ao meu lado.
Sua pata traseira atinge a borda do penhasco, deixando rolar algumas
pedras para o fundo da ravina.
Cortando um pouco perto disso, Grayson.
Enquanto continuamos correndo pela floresta, eu olho para Grayson
e sinto um laço entre nós... não de acasalamento, mas de amizade.
Sinto que finalmente conheci alguém em quem posso confiar para me
dar apoio. Vou precisar de um amigo como ele se algum dia enfrentar
Kaden.
O pensamento de Kaden me paralisa, e eu paro para dar uma olhada
ao meu redor.
Estou em uma clareira tranquila com um enorme lago cercado por
montanhas e pinheiros. A vista é absolutamente deslumbrante.
É um contraste gritante com as ruínas degradadas da primeira
impressão que tive da Matilha da Liberdade, mas esse lugar é melhor do
que eu imaginava.
Grayson acena para que eu o siga, e ele me leva a um tronco de árvore
próximo ao lago.
As iniciais — G + L — estão gravadas na madeira com um coração por
baixo.
Grayson volta a ser humano e me olha com expectativa.
— Bem, você vai se transformar ou só ficar aí olhando?
Eu realmente não estou com vontade de andar por aí com Grayson
completamente nua, mas preciso superar minhas inibições.
Esta não é a Matilha da Pureza.
Eu lentamente me transformo de volta para a forma humana, mas
não me sinto exposta como esperava.
Sinto-me surpreendentemente desinibida e livre.
Grayson me olha exatamente como faz quando estou vestindo
roupas. Para ele, isso é natural.
— Este lugar é lindo, — eu digo, olhando ao meu redor novamente. —
Você vem aqui frequentemente?
— Eu costumava, — diz ele com uma pitada de tristeza.
Eu me pergunto quem é o — L — esculpido no toco. Poderia ser a
companheira desaparecida que Evan mencionou?
Estou morrendo de vontade de perguntar, mas agora pode não ser o
momento certo. Ele vai me revelar isso quando estiver pronto.
— Talvez eu deva apenas construir uma cabana e morar aqui na
floresta, — digo, realmente considerando isso. — Kaden nunca me
encontraria.
— Você não pode fugir dele para sempre, Mara — Grayson diz em
tom sombrio. — O passado sempre vai pegar você.
— Eu sei, mas não tenho certeza de como serei capaz de enfrentá-lo.
Há algo sobre Kaden que me apavora profundamente.
— Bem, sim, ele é um psicopata, — Grayson afirma.
— Honestamente, não é isso... embora devesse ser. É outra coisa — eu
digo, perdida em pensamentos. — Mas eu ainda não descobri.
— Bem, eu conheço uma maneira de superar o medo, — diz Grayson
com um sorriso malicioso. — Espere um segundo.
Ele desaparece atrás de alguns arbustos e começa a cavar na terra.
— Que diabos está fazendo? — eu rio. — Cavando para mim uma
cova?
Grayson retorna com algo embrulhado em um pano sujo e o coloca
em minhas mãos.
— Um presente para você.
Eu desembrulho o pano para encontrar uma adaga de prata curva
com um cabo incrustado de joias.
— Pertenceu aos meus pais e agora estou passando pra você, — diz
Grayson.
— Mas isso parece uma preciosa herança de família. Por que me dar
algo assim? — eu pergunto, espantada.
— Porque... eu vou te ensinar a se defender.

KADEN

A Matilha da Liberdade. Muito inteligente, Mara.


O último lugar que eu esperaria que um membro da Matilha da
Pureza fosse é neste buraco sujo.
Mas Mara não é como as outras garotas da Matilha da Pureza. Ela não
tem os mesmos constrangimentos e timidez profunda.
Este lugar é provavelmente um respiro de ar fresco para ela.
Enquanto torço meu nariz com o cheiro de odor corporal flutuando
do lado de fora da entrada, não consigo imaginar que este lugar já tenha
cheirado fresco para alguém.
Espero que o fedor disfarce meu cheiro enquanto puxo minha capa
firmemente contra meu corpo e caminho pelo matagal.
Normalmente eu não teria ideia de para onde estou indo, mas a
energia de Mara permeia o ar e me atrai para ela.
Quanto mais longe eu vou, mais forte o cheiro dela fica...
Mais anseio por seu toque...
E mais forte é o desejo de estar com minha companheira.
Mas isso é impossível. Não importa o quanto eu queira. Eu não posso
ceder a esses impulsos.
Já sequestrei Mara no meio da noite uma vez. Posso fazer de novo...
embora em circunstâncias diferentes desta vez.
Encontro-me no meio de uma praça da cidade que está vazia, exceto
por uma fonte patética.
Meu olhar é atraído para uma casa próxima com uma luz solitária na
janela do andar de cima.
Mara está naquela sala. Eu posso sentir isso.
Sinto-me compelido a caminhar em direção à casa, mesmo sabendo
que não deveria.
Controle-se, Kaden. Você vai estragar tudo.
Quando vejo a luz se apagar, subo por uma treliça coberta de hera até
a janela do segundo andar que está entreaberta.
E se ele descobrir sobre isso?
Ele vai me obrigar a fazer algo terrível...
Foda-se, vou correr o risco. Ela é minha companheira... eu preciso
sentir seu toque.
Eu abro a janela e entro na sala escura.

MARA

Eu visto uma camiseta larga enquanto me preparo para dormir,


provavelmente uma camiseta velha de Grayson. O calor aqui nunca
diminui, então abro a janela, esperando pelo menos uma brisa.
Eu deslizo a adaga de Grayson sob meu travesseiro por segurança.
Ele é um excelente professor e já me sinto mais forte, não tanto meu
estado físico, mas meu estado de espírito.
É bom apenas estar fazendo algo e não simplesmente esperar que o
destino siga seu curso.
Eu apago minha luz e vou para a cama, deitando sobre as cobertas e
me abanando.
Estou exausta por causa da minha corrida com Grayson hoje e assim
que minha cabeça bate no travesseiro sinto meus olhos ficando pesados.
Pisco quando a fresta de luz da minha janela é repentinamente
coberta por uma sombra.
Há alguém no quarto comigo.
Eu rapidamente deslizo minha mão sob meu travesseiro, agarrando a
adaga.
— Quem está aí? — eu grito.
A figura sombria não responde, mas também não se move.
Eu deveria estar pirando, mas algo sobre sua presença está acalmando
meus nervos como se eu estivesse sendo massageada de dentro para fora.
Meu corpo inteiro está formigando.
A figura sombria de repente se lança sobre mim, mas antes que eu
possa gritar, sua mão cobre minha boca e a sensação mais extraordinária
que já experimentei percorre meu corpo.
Faíscas se iluminam quando sua mão desliza afetuosamente pela
minha bochecha.
Ele passa o dedo pelos meus lábios e eu os abro um pouco, querendo
mais.
Minha cabeça está girando, meu corpo cambaleando, mas uma
palavra quebra toda a euforia e ecoa em minha cabeça...
— Companheiro, — eu digo pausadamente.
Eu beijo seus lábios e ele retribui com paixão.
Eu nem sei quem é esse homem, mas agora, eu não me importo.
Só sei que o quero mais do que qualquer coisa na minha vida.
Estamos conectados...
Somos um só...
Perfeitamente sincronizados.
Seus beijos começam a se arrastar pelo meu corpo e eu agarro seus
cabelos empurrando sua cabeça para baixo.
Eu quero senti-lo dentro de mim tanto quanto desejo seu toque na
minha pele.
Eu me rendo completamente quando ele abre minhas pernas e sua
língua me dá prazer de uma maneira que eu nunca pensei ser possível.
Eu aperto meus seios e jogo minha cabeça para trás, gemendo de
êxtase.
Eu odeio o quanto amo isso.
Ele explora sem pudor o resto do meu corpo com a língua enquanto
eu cravo minhas garras em suas costas.
Eu quero mais. Eu preciso de mais.
Enquanto eu envolvo minhas pernas em volta de seu corpo, monto
nele, quando de repente ele me empurra abruptamente.
Sua respiração se intensifica como se ele estivesse com medo e sem
aviso prévio ele se levanta, afastando-se da cama.
— Espere, — eu grito enquanto ele rapidamente sobe pela janela
aberta e desaparece.
— Quem é você?
Capítulo 18
O PECADO VALE A PENA A Deusa da Lua realmente observa
cada movimento nosso?
Eu tenho minhas dúvidas...
Parece que ela deve ter coisas melhores para fazer, mas de vez em quando, é
agradável imaginar que uma deusa onisciente e luminescente está cuidando
de mim.
Minha fé sempre foi um pouco instável, mas sempre me dá conforto quando
mais preciso.
Então, sim, se a Deusa existir, eu realmente espero que ela sorria para mim de
vez em quando e me envie uma ou duas bênçãos.
Mas não ontem à noite...
Eu rezo para tudo que é de mais sagrado que ela estava olhando qualquer
outra coisa que não seja o que estava acontecendo na minha cama na noite
passada.

MARA

Ainda me sinto entorpecida depois do que aconteceu.


Eu tenho um companheiro, caralho.
E um que aparentemente é um covarde, já que fugiu no momento em
que as coisas estavam esquentando.
Não me arrependo da noite passada. Não me importo se sou uma
loba não marcada. Parece tão certo.
Meu único arrependimento é não ter descoberto quem diabos é meu
companheiro.
O punho de Grayson passa zunindo pelo meu rosto e eu caio no chão,
assustada.
— O que diabos você está sonhando acordada? concentre-se, Mara, —
ele grita comigo.
Estamos treinando perto do lago de novo, mas focar em qualquer
outra coisa, exceto em meu companheiro misterioso, parece impossível
agora.
— Desculpe, não dormi muito, — digo, pegando sua mão e
levantando.
— Assuma a posição, — ele late.
Grayson dá uma série de socos, que bloqueio com sucesso até o
último me acertar, me derrubando novamente.
— Droga, — eu grito, frustrada. — Você não está me dando tempo
suficiente.
— Isto não é uma creche, Mara. Eu não estou aqui para cuidar de
você. Estou aqui para ajudá-la a atingir o seu potencial máximo, —
Grayson me repreende. — Mas você precisa me dar tudo de si. O que está
acontecendo com você esta manhã?
Não estou disposta a contar para Grayson sobre minhas escapadas
sexuais com um companheiro misterioso da meia-noite, então decido
mentir.
— Estou apenas preocupada com Kaden vindo atrás de mim...
Espere, por que não estou mais preocupada com isso?
— Esse é o objetivo deste treinamento, — diz Grayson, suspirando. —
Então você estará pronta quando ele o fizer. Agora levante-se.
No momento, estou cheia de frustração sexual reprimida, então
posso muito bem direcioná-la para algum lugar.
Eu puxo minhas garras e golpeio Grayson, lembrando do trabalho de
pés que ele me ensinou para manter meu oponente na defensiva.
Eu me abaixo quando ele dá um soco e acerto a boca de seu estômago,
derrubando-o.
Ele olha para mim, rindo de surpresa.
— Ei, eu não te ensinei isso... que porra é essa?
— Foi improvisação, — eu dou de ombros, sorrindo.
Desta vez, ajudo Grayson a se levantar.
Eu noto o tronco de árvore com o entalhe — G + L — novamente.
— Grayson... o que aconteceu com sua companheira? Evan disse que
ela desapareceu há muito tempo, — eu digo com cautela.
Ele corre os dedos pelos contornos irregulares do coração cravado no
tronco e parece que está pensando em tempos mais agradáveis.
— O nome dela era Lexia, — diz ele. — Ela foi levada... pela Matilha
da Vingança. Ela era ainda mais jovem do que você quando aconteceu.
— Foi o Kaden? — Eu pergunto, engolindo em seco.
— Por membros de seu bando. Ele não tinha controle sobre eles nessa
época — Grayson diz em tom grave. — Eu não tive notícias ou senti o
cheiro dela após o seu desaparecimento.
— Mas você deve ter procurado por ela, certo? — eu pergunto,
horrorizada.
— Fui amaldiçoado naquela mesma noite, Mara. Tentei lutar contra
eles, mas a brigada da Vingança tinha um feiticeiro com eles. Ele me
rogou uma maldição e sumiu com a única pessoa que poderia quebrá-la.
— Mas ela é sua companheira. Por que você não está procurando por
ela dia e noite? — eu digo indignada.
— Eu nunca a marquei... nós éramos muito jovens. Uma vez que
ambos os parceiros percebam sua conexão, se eles não forem marcados,
com o tempo a conexão desaparece. Eu não saberia onde encontrá-la...
isso se ainda estiver viva.
As palavras de Grayson ecoaram na minha cabeça.
Uma vez que ambos os parceiros percebam sua conexão, se eles não forem
marcados, com o tempo a conexão desaparecerá.
Quem é meu companheiro? Nossa conexão também desaparecerá?
Deve ser a sensação mais triste do mundo, saber que sua alma gêmea
está por aí em algum lugar, mas não saber como encontrá-la.
— Sinto muito, — eu digo, pegando sua mão. — Ninguém deveria ter
que viver com isso.
— Você aprende a conviver com suas maldições, Mara. Se não o fizer,
elas o engolirão inteiro. — Eu quero confortá-lo, dizer a ele que ainda há
esperança...
Ela pode ainda estar por aí, apenas esperando que ele a encontre, mas
o meu lado que teria acreditado nisso não existe mais.
Grayson está certo. Temos que aprender a conviver com nossas
maldições.
— Já treinamos bastante por hoje. Vamos voltar, — ele diz, sentindo
minha inquietação.
Enquanto caminhamos silenciosamente de volta para a cidade,
através do mar de abetos, noto marcas de garras cravadas em uma árvore
bem à frente.
Também há marcas de garras na próxima...
E na próxima.
Cada árvore no caminho está coberta de cortes profundos.
Uma sensação de pavor toma conta do meu corpo quando vejo uma
mensagem gravada na árvore mais alta com as mesmas marcas de garras.
— Valeu a pena o pecado? — Grayson lê em voz alta.
Ele me lança um olhar sem entender.
— Kaden, — eu digo, minha voz travando na minha garganta. — Ele
está aqui.
E ele sabe quem é meu companheiro...

KADEN

— Valeu a pena? — Eu grito comigo mesmo enquanto ando de um lado


para o outro. — Valeu a pena arriscar a segurança de Mara?
Eu não posso acreditar o quão impulsivo eu fui. Agora Mara sabe.
Ela sabe que tem um companheiro.
Meu único consolo é que ela não sabe que sou eu.
Eu nunca tive a intenção de tocá-la... prová-la...
Ainda posso sentir sua doçura em meus lábios e quero mais.
— PUTA QUE PARIU. — eu rosno furiosamente, pegando a cadeira
mais próxima e a jogando contra a parede.
Deixei meu desejo por Mara me dominar, mas não vou deixar isso
acontecer de novo.
Se ele descobrir que Mara é minha companheira...
Um arrepio percorre minha espinha. Eu vi um monte de coisas
horríveis na Matilha da Vingança, mas nada me assusta como ele.
As pessoas pensam que sou um monstro... sou apenas um monstro
por causa dele.
Se ele perceber que estou agindo contra sua vontade eu estou ferrado.
Mas tenho outros problemas agora, aquele tal Alpha da Matilha da
Liberdade.
Eu olho ao redor da — humilde — casa de Grayson, cheia de móveis e
ornamentos feitos à mão.
Eu rosno ao pensar naquele hippie de merda sozinho na floresta com
Mara. Se tocar nela vou cortar sua garganta.
Mara está em perigo aqui. Grayson é amaldiçoado — a maldição foi
conjurada por minha própria família.
Eu deveria saber o perigo que ele representa para Mara melhor do que
ninguém.
Eu também tenho essa mesma maldição de merda. É justamente por
isso que ele representa uma ameaça para mim também. Ele não vai
simplesmente desistir de Mara e não é como se ela fosse vir comigo de
boa vontade.
Então eu vou ter que dar um jeito nele.
Arrasto uma cadeira de madeira pelo chão e a coloco no meio da
entrada da casa de Grayson.
Agora só tenho que esperar aquele desgraçado voltar para casa. Ele vai
se arrepender de ter chegado perto da minha companheira.
A maçaneta começa a abrir, sento-me e meus lábios se curvam em um
sorriso.
Quando Grayson me vê sentado casualmente em seu corredor, ele me
lança um olhar de puro desdém.
— Sempre aparecendo onde você não é bem-vindo, mas também
onde que você é bem-vindo hoje em dia, não é mesmo? — ele diz
sarcasticamente.
— Você tem algo meu e eu quero de volta, — eu rosno, brandindo
minhas garras.
— Ela não é sua propriedade, seu psicopata, — Grayson rosna de
volta.
— Eu nunca disse que ela era minha propriedade, — eu digo,
estreitando meus olhos.
Grayson de repente parece entender tudo e ele tem que se apoiar
contra a parede.
— O que ela é para você? — Grayson exige uma resposta.
— Eu te disse. Ela é minha — eu rosno possessivamente. — E se você
colocar um único de seus dedos imundos sobre ela...
— Você é... você é o companheiro dela, não é? — ele diz, chocado.
Eu imediatamente fico de pé e mostro minhas presas.
— Nunca repita isso ou vou rasgar a porra da sua garganta, — eu
rosno.
Os olhos prateados de Grayson de repente ficam em um tom
profundo de vermelho.
— Eu nunca vou deixar você levá-la! — eu rosno.
— Não me lembro de ter perguntado — exclamo, me lançando contra
ele.
Nós quebramos as paredes da casa frágil como se ela fosse feita de
papel, destruindo tudo em nossa fúria.
Grayson consegue dar um soco de sorte e me joga contra a parede da
sala para a cozinha.
As costuras da minha roupa rasgam quando eu começo a me
transformar.
Dói tanto como se fosse um veneno fluindo pelo meu corpo, mas
Grayson não é fraco como eu me lembrava.
— Não sei qual é o seu jogo desta vez, Kaden, mas sendo sua
companheira ou não, Mara não vai voltar para a Matilha da Vingança —
Grayson grita, de pé sobre mim.
Estou tentando protegê-la, seu idiota de merda.
Eu dou uma rasteira e pulo sobre ele, cavando minhas garras enormes
de cada lado do chão.
Minha visão fica escura enquanto o ódio nubla minha mente e minha
mandíbula se abre enquanto a baba escorre no rosto horrorizado de
Grayson.
Minha voz ressoa por toda a sala.
— VOCÊ ESQUECE QUE EU NÃO PRECISO DE UMA LUA CHEIA
PARA ME TORNAR UM MONSTRO! POSSO DESENCADEAR A FERA
SEMPRE QUE QUISER!
Forçando o controle sobre mim mesmo, volto ao normal, ofegante e
respirando pesadamente.
Grayson está sem palavras.
Eu me levanto e tiro a poeira, tentando recuperar minha compostura.
— Não vou forçar Mara a ir comigo, — digo, passando por um buraco
na parede e entrando novamente no corredor. — Ela vai cair em si.
Tenho certeza que você cuidará disso.
— Por que diabos eu iria convencê-la a ir a qualquer lugar com você?
— ele cospe, ficando de pé.
Eu me viro e sorrio ao sair.
— Porque eu sei onde Lexia está... e ela é a única que pode quebrar
sua maldição.
Capítulo 19
BEIJO CONTAGIANTE
Depois de ver aquelas árvores mutiladas, eu sabia que nenhum lugar era
seguro.
Onde quer que eu fosse, ele me encontraria.
Eu não viveria minha vida fugindo.
Eu estava farta de correr.
Era hora de lutar.

MARA

Giro a colher na mesa, vendo meu cereal ficar empapado.


Leia, Evan e Grayson listam todas as razões pelas quais eu não deveria
me entregar a Kaden, mas o que eles não entendem é que eu não sou
uma cadela submissa da Matilha da Pureza.
Eu me recuso a bancar a vítima enquanto meus amigos e familiares
ainda estão em perigo.
— Não quero arrastar vocês três para isso comigo — digo. — Eu
trouxe Kaden para o seu bando e eu sei o estrago que ele pode causar.
— Já estamos envolvidos — Grayson responde, — A matilha de Kaden
sequestrou minha companheira, lembra? Ontem à noite ele estava aqui e
tentou usá-la como pretexto para me fazer entregá-la. Nada do que ele
diz pode ser confiável.
— Se você for até ele, você vai desaparecer, assim como o resto das
garotas que ele pegou, — acrescenta Evan, andando na minha frente. —
Pelo menos agora você tem uma chance. Podemos esconder você.
— Chega, — eu digo, batendo a colher contra a mesa. — Eu já me
decidi, e nenhum de vocês pode mudar isso, — eu rosno. — Eu preciso
enfrentá-lo. — Um olhar de preocupação varre seus rostos quando
percebem que não há como me convencer do contrário.
Não sei se é uma boa ideia ou não, mas é melhor do que ser covarde.

Respire.
A cada passo que dou fico mais nervosa. Estou começando a ter
dúvidas sobre ser tão teimosa, mas não posso voltar atrás agora.
Eu preciso encontrar Kaden.
O que pretendo fazer é contra tudo o que a Matilha da Pureza me fez
acreditar, mas há uma razão pela qual nunca me encaixo nisso.
As folhas rangem sob meus pés enquanto eu caminho mais fundo na
floresta.
O cabo da adaga pressiona contra minha mão. Estou mais pronta do
que nunca para finalmente enfrentar esse monstro. Pela última vez...
Meu plano é simples: vou atrair Kaden para a floresta e enquanto ele
está fixado em mim, Grayson e Evan vão prendê-lo.
O que não compartilho com os outros é meu plano de fazer Kaden
sangrar. Para fazê-lo implorar por sua vida e implorar por misericórdia.
A única incerteza é minha determinação.
Eu sei que uma coisa é desejar mal a outra pessoa, mas outra é fazê-la.
Devo acreditar que irei conseguir quando chegar a hora.
Independente disso, preciso do elemento surpresa se quiser ter
sucesso. Só espero que ele não me surpreenda primeiro.
Pela primeira vez, eu quero ser aquela que está um passo à frente
neste jogo.
Eu paro em uma clareira. Aqui, pelo menos terei a chance de vê-lo se
aproximar.
— Kaden! — eu grito.
Minha voz ecoa nos troncos das árvores e irradia pela floresta como
uma sirene.
Pareço desesperada e precisando de ajuda. Talvez Kaden chegue aqui
mais rápido se pensar que estou vulnerável.
— Você venceu, ok! Eu me rendo.., — acho que isso é suficiente para
chamar a atenção dele onde quer que esteja.
Nada. Por cinco minutos espero que ele escute meus chamados, mas
nada acontece.
Apoiada na base de uma árvore, oro à Deusa da Lua para que meu
plano funcione.
Vale a pena arriscar.
Quando minha esperança começa a se esvair, uma mão me agarra por
trás e me puxa ao redor da árvore.
Ofegante, estou pressionada entre o tronco e um corpo firme e
quente. Quando eu olho para cima, encontro os olhos escuros cruéis de
Alpha Kaden.
Ele está sorrindo, é claro.
— Você me chamou?
Meu plano era apunhalá-lo bem no coração e fugir. Mas no momento
em que sinto seu corpo pressionado contra o meu, fico sem fôlego e
minha mente trava.
— Sim... sim, — eu gaguejo incoerentemente.
Espere o quê? Por que diabos estou enrolando a língua?
Kaden prende um dos meus pulsos contra a árvore enquanto o outro
está preso nas minhas costas. Ele não tem ideia de que estou segurando a
adaga naquela mão.
— Senti sua falta, Mara — murmura ele.
Por um momento quase acredito que ele está falando sério. Mas o
brilho em seus olhos me faz pensar que sim.
Ele não suspeita que estou prestes a estragar seu jogo.
Meus dedos apertam o cabo da adaga.
— O sentimento não é mútuo — eu retruco.
Ele ri profundamente.
— Sempre com uma resposta na ponta da língua. Grayson não te
ensinou nada sobre os perigos de responder a mim?
Sua menção a Grayson fortalece minha determinação. Eu penso em
sua companheira, mantida refém pela Matilha da Vingança.
Não vou me deixar ser vítima do mesmo destino.
— Então, diga-me, Mara, por que você me chamou quando se
esforçou tanto para escapar das minhas garras?
Este é o momento que estou esperando.
Só é preciso um golpe. Um golpe tão poderoso que afunde a lâmina
profundamente em seu peito. Eu quero que ele sinta uma dor horrível.
Ele está muito perto de mim, no entanto. Eu preciso de um pouco
mais de espaço.
Enquanto sua mão enluvada acaricia meu braço não consigo não
relaxar. Eu preciso focar.
— Eu quero que você libere a companheira de Grayson, — digo com
confiança.
Eu realmente quero que ele a solte, mas esse não é o motivo pelo qual
eu toco no assunto.
Kaden levanta uma sobrancelha desconfiado.
— Por que você se preocupa com a liberdade de Lexia? — Eu engulo e
desejo não ser uma mentirosa tão ruim.
— Por que eu não deveria? É um crime preocupar-se com os outros?
— Bem, você não está realmente em posição de negociar algo assim,
— diz ele, me apertando ainda mais.
Ele tem razão. Estou imprensada entre uma árvore e um Alpha que
pode me matar a qualquer momento. Mas eu me recuso a deixá-lo me
intimidar.
— Por favor..., — eu imploro, tentando soar convincente.
Eu preciso enrolar mais para que eu possa liberar meu braço de trás
das minhas costas.
Ele sorri perversamente.
— Você só precisa... me convencer, — ele murmura em meu ouvido.
Minha mandíbula aperta enquanto me forço a olhar em seus olhos.
Quero ver a surpresa em seu rosto quando o aço perfurar sua pele.
— Como? — Eu pergunto em um sussurro ofegante.
Ele sorri e, de repente, percebo o quão perto seu rosto está do meu.
Ele está tão perto que sua respiração está se misturando à minha. Eu
sinto o gosto do ar quando sai de sua boca e bate no meu rosto.
Sua mão livre aperta minha cintura com força.
— Implore, — ele sussurra em meu ouvido.
Eu me contorço em suas mãos.
— Você é patético.
— Você parece pensar que tem alguma escolha, — Kaden comenta
arrogantemente.
Não tenho certeza do que ele está insinuando. Eu nem quero pensar
sobre isso.
— Apenas me deixe ir, — eu murmuro, tentando ignorar o fato de
que sua mão está vagarosamente deslizando para baixo da minha cintura.
A diversão em seus olhos é evidente.
— Por que?
Eu cerro meus dentes assim que seus dedos enluvados tocam minha
coxa.
— Eu não estou aqui para você me tocar assim, — eu grito.
— Por que você está aqui então?
Estou prestes a responder de maneira sarcástica quando os dedos de
Kaden alcançam a parte do meu corpo reservada exclusivamente para o
meu companheiro.
Eu suspiro de indignação e tento me esquivar, mas a pressão de seus
dedos só aumenta. E pela expressão em seu rosto, ele não vai parar.
— Você testou meus limites, Mara. Agora sou eu quem vai testar o
seu.
Suas palavras me fazem estremecer e sei que ele percebe.
— O que você quer de mim? — pergunto rispidamente.
— Diga meu nome. Diga-me que eu ganhei e darei a você a liberdade
que você tanto quer.
— Nunca, — eu rosno.
Fechando os olhos tento me concentrar em algo que não sejam as
pontas de seus dedos fazendo círculos certeiros na minha pele delicada.
Eu quero sentir nojo do seu toque, mas ele tem algum domínio sobre
meu corpo que não posso explicar. Quanto mais eu luto, mais poderoso
ele se torna.
Ele ri baixinho no meu ouvido. É óbvio que ele está gostando disso.
Como ele não gostaria?
Minha mão aperta a adaga com força. Se eu conseguir me concentrar
poderia colocar um fim nisso.
Em vez disso, minhas pernas involuntariamente apertam em torno da
mão de Kaden enquanto seus dedos enluvados me massageiam através
das minhas roupas.
A maneira como ele está controlando meu corpo me dá vontade de
gritar.
Um gemido ameaça escapar dos meus lábios, mas cerro os dentes e o
prendo dentro. Eu me recuso a dar a Kaden o prazer de ouvir isso.
— Renda-se a mim, — ele insiste.
É essa palavra que quebra seu feitiço sobre mim.
Renda-se.
Nunca! Eu nunca vou me render a esse monstro.
Em um movimento súbito, eu levanto a adaga por trás das minhas
costas e enterro-a profundamente no peito de Kaden.
Ele tropeça surpreso e me solta.
Suas mãos agarram a faca cravada em seu peito. Ele a puxa para fora e
o que vejo me dá vontade de gritar.
Um espectro horrível sai de dentro da ferida e sobrevoa nossas
cabeças em movimentos espirais. Ele abre sua boca e emite um guincho
de gelar o sangue antes de desaparecer no ar.
Aterrorizada, eu olho para Kaden e a adaga está revestida de uma
mistura espessa de fluído vermelho e preto que goteja da lâmina.
Demoro um momento para perceber o que fiz.
Eu não apenas esfaqueei o Alpha. Eu o envenenei.
O olhar nos olhos de Kaden, o que eu pensei que iria me satisfazer, na
verdade me perturba profundamente. Ele cai de joelhos na minha frente,
largando a adaga na grama.
— Não... não, não! — Eu gaguejo. Uma compaixão repentina e
inexplicável aperta meu coração ao ver o sofrimento de Kaden.
Eu caio na frente dele, agarrando seus ombros. Qualquer que seja o
veneno que Grayson usou nesta adaga, está funcionando rápido.
— Eu juro que não tive a intenção de fazer isso! — Eu imploro.
Eu queria feri-lo, enfraquecê-lo, não matá-lo com veneno.
Ele dá um leve sorriso antes de cair no chão. Eu o viro para que ele
fique deitado de costas. Ele me encara, a traição girando no fundo de
seus olhos de obsidiana.
— O que eu faço? — Eu exijo freneticamente.
Eu pressiono minhas mãos contra a ferida que jorra, mas o fluxo
quente de sangue envenenado escorre pelos meus dedos.
— Diga que você me ama, — ele engasga.
Eu paro e olho para o rosto de Kaden. Está pálido como um cadáver e
sinto o veneno dominando-o.
Ele está morrendo.
Nós dois sabemos disso.
— O que você quer dizer? — Eu pergunto, não sei como isso pode
ajudar.
Ficando mais fraco a cada segundo, ele luta para tirar uma de suas
luvas. Eu assisto em confusão e então encontro seus olhos suplicantes.
— Eu não posso morrer até que você saiba, — ele murmura, sua voz
tensa e sem fôlego.
Ele estende a palma da mão para mim.
Ele quer que eu o toque.
Eu não hesito.
Eu não penso.
Eu boto sua mão junto à minha, envolvendo meus dedos em torno de
seus dedos moribundos, eu me surpreendo com o que sinto.
Faíscas se formam no ar.
Capítulo 20
LINHAS DO AMOR
Como eu poderia voltar para minha matilha agora?
Eu era quase culpada do maior pecado de todos.
Além do mais, como eu poderia enfrentá-los depois do que senti na floresta?
Como meu coração poderia me trair assim, depois de toda desgraça que esse
monstro infligiu ao meu povo?

MARA

Eu olho para o corpo de Kaden.


Minha respiração continua embaçando a janela da porta do hospital.
Ele está deitado na cama, o lençol branco esterilizado cobrindo sua
metade inferior.
Seus olhos estão fechados e seus lábios estão parcialmente abertos.
Ele parece quase em paz.
Grayson se aproxima e eu mudo meus olhos em direção a ele antes de
voltar meu olhar para Kaden.
— Por que você não me contou? — Eu questiono, minha voz áspera e
instável.
Quase não falei nos últimos quatro dias. Passei a maior parte do meu
tempo ao lado de Kaden, tentando entender tudo que aconteceu.
Uma hora estou rezando para que ele acorde. Na próxima, estou
pensando em sufocá-lo com um travesseiro.
— Eu pensei que você queria que ele sofresse, — Grayson responde
alegremente.
Eu olho para ele.
Quase não dormi e estou prestes a desmaiar. Eu descanso minha testa
contra o vidro.
Eu sinto a mão de Grayson descansar no meu ombro. Eu me viro e
vejo o olhar simpático em seu rosto.
— Se eu o quisesse morto, não o teria trazido aqui, — diz ele. — Ele
ainda mantém minha companheira como refém. Eu o quero vivo tanto
quanto você. Para ser honesto, não achei que você daria um golpe tão
certeiro. O veneno foi uma precaução.
Ele está certo, mas suas palavras me oferecem pouco consolo.
Tudo o que sinto é culpa.
Não tenho certeza se é por causa do jeito que fui criada na Matilha da
Pureza ou se o sentimento é remorso genuíno.
Eu quero que Kaden acorde para que eu possa implorar por seu
perdão e, em seguida, quebrar sua cara por toda a merda horrível que ele
me fez passar.
Por que alguém faria isso com sua companheira? O homem me
sequestrou e torturou. Ele abusou de mim física e mentalmente. O fato
de eu querer o perdão dele é uma loucura.
É por isso que preciso de respostas.
— Eu estou entrando, — eu digo.
Eu empurro a porta e entro no quarto sem cor. Kaden permanece
inconsciente e sem resposta.
Sento-me ao seu lado, me inclino contra a grade da cama e vejo seu
peito subir e descer em um movimento estável e curto.
Me agarro na pouca fé que me resta na Deusa da Lua e oro para que
ele acorde, pelo menos para que eu possa obter as respostas que vão
tranquilizar meu coração e minha mente.
Cuidadosamente, eu corro meus dedos em sua pele macia e perfeita.
As faíscas me lembram que esse idiota sádico é meu companheiro.
— Ele te ama, — ouço Grayson dizer atrás de mim.
O Alpha da Matilha da Liberdade parece ferido, quebrado. Por que
Grayson está mostrando compaixão por Kaden? Ou ele está apenas
tentando me fazer sentir melhor?
— Não vai parecer real até que eu o ouça falar pessoalmente, —
respondo baixinho. — Por que ele não acorda?
Grayson suspira profundamente.
— Eu usei um veneno forte para...
Eu pulo quando Kaden estremece sob meus dedos.
Eu olho atentamente para ele, mas seu rosto permanece impassível.
Eu olho para os tubos saindo de seus braços e inspeciono a bolsa de
sangue envenenado que está lentamente sendo drenado de seu corpo.
Eu puxo minha cadeira para trás e toco no ombro de Kaden
suavemente. Ele não responde.
Eu fecho meus olhos. Talvez eu estivesse alucinando e ele realmente
não se mexeu.
Talvez ele realmente partiu...
— Ei, tudo vai ficar bem, — Grayson me tranquiliza.
Ele me vira e me puxa para um abraço. Sinto as lágrimas começarem a
brotar em meus olhos enquanto encosto meu rosto na camisa de
Grayson.
Por que estou chorando por esse monstro?
— Grayson, tire suas mãos da minha companheira...
Eu me viro para ver Kaden olhando diretamente para mim. De
repente, as lágrimas secam.
Eu caminho até sua cama e dou um soco em seu ferimento. Seu
gemido de dor coloca um sorriso no meu rosto.
— Desculpe, — murmuro, aliviada.
Um sorriso vagaroso se espalha por suas feições e sinto meu coração
disparado começar a se acalmar.
— Bom dia, linda, — diz Kaden, sua voz áspera e quase inaudível. — É
bom ver que estamos retomando de onde paramos.
— Na verdade, já é de tarde, — eu o corrijo, colocando sua mão entre
as minhas. Meu corpo todo fica arrepiado. Ele olha para mim, sentindo a
mesma coisa.
Parte de mim ainda quer esmurrar sua cara, mas um desejo instintivo
queima dentro de mim, me dizendo para colocar meus lábios nos dele e
deixar suas mãos correrem por todo o meu corpo.
— Você tá acabada, — ele murmura, provavelmente percebendo as
olheiras sob meus olhos.
— Não posso dizer que você parece melhor eu, — retruco, apertando
seus dedos.
Ele ri. Só que desta vez não é a risada sinistra que assombra meus
sonhos. É mais caloroso, quase em tom amoroso.
— De quem é a culpa? — ele diz.
Eu olho para os meus pés, incapaz de encontrar seus olhos.
— Mara... está tudo bem, — ele murmura.
— Você é um idiota por não me dizer nada, — digo a ele.
Percebo que Grayson não está mais na sala. Kaden ri novamente.
Sem aviso, ele me puxa em sua direção, envolvendo os braços em
volta das minhas costas. Eu me apoio ao lado da cama, com medo de
esmagá-lo.
— Podemos apenas nos beijar agora e conversar depois? — ele
pergunta.
Tento me desvencilhar, mas ele me envolve com seus olhos.
Quanto mais eu encaro seus olhos escuros, menos reconheço esse
Alpha que me tem presa em seus braços.
Qualquer vestígio do assassino de coração frio que teve tanto prazer
em meu tormento se foi.
Seu jeito é o mesmo, mas é como se um novo alpha estivesse olhando
para mim.
A transfusão deu a ele uma nova alma também?
Eu corro meus dedos por seu cabelo preto macio, observando-o cair
em torno dos meus dedos.
O que estou fazendo? Isso é loucura. Eu preciso sair daqui.
— Vou chamar o médico, — digo, levantando-me.
Ele agarra minha mão, não querendo que eu vá. Seu olhar me derrete,
mas eu não quero ceder.
Na esperança de aliviar um pouco a tensão, eu me inclino sobre ele e
beijo sua testa. Quando me afasto, ele coloca as mãos em cada lado do
meu rosto e de repente sinto uma doce pressão contra meus lábios.
Nosso primeiro beijo de verdade.

Eu acordo me sentindo péssima.


Estou no quarto ao lado do de Kaden, onde a equipe fez uma cama
para mim.
Na época, eu queria estar perto dele, mas agora tudo que quero é
estar em algum lugar longe, onde possa me recuperar até que a dor em
meu coração vá embora.
A cama range e eu tiro o travesseiro do rosto. Kaden está sentado ao
pé da cama, sorrindo.
— O que você está fazendo aqui?
— Está frio.
A maneira como ele me olha sugere que ele está farto de ficar sozinho
em uma cama de hospital.
— Você dormiu treze horas seguidas, — diz ele, colocando a mão na
minha perna. — Achei melhor vir e checar como você está.
Um silêncio se instala sobre nós enquanto nos olhamos. Seus olhos
ainda são familiares e calorosos. Então, não foi uma ilusão.
Por alguma razão, eu esperava que eles fossem mais uma vez frios e
cruéis. Ele pega minha mão e se aproxima.
— Quero que saiba que não te odeio por me esfaquear. Eu mereci, —
ele diz suavemente.
— Você mereceu mesmo. Especialmente por manter o fato de que
somos companheiros em segredo, — eu digo, não tenho certeza porque
essa é a primeira coisa que eu menciono, considerando a longa lista de
coisas horríveis que ele fez comigo.
Ainda assim, preciso saber há quanto tempo ele sabe e porque
esperou tanto para me dizer.
Ele suspira profundamente como se lesse meus pensamentos.
— Eu provavelmente deveria começar do começo.
Kaden está ao meu lado em cima dos lençóis. Eu me viro de lado para
que possamos nos encarar.
— Na noite em que vim buscar você... — Ele faz uma pausa, incapaz
de encontrar meu olhar. — Na noite em que nos conhecemos, eu...
quando te toquei, senti as faíscas e imediatamente soube que você era
minha companheira.
— Então por que você...
— Apenas escute, — ele diz, me interrompendo.
Ele respira fundo, tentando se recompor.
— Eu entrei em pânico. Eu não sabia o que fazer. Eu sabia que não
poderia deixar ninguém mais ter você e nunca mais quis deixá-la longe
de mim.
— Mas por que você me aterrorizou? — Eu pergunto com firmeza. —
Por que você não me deixou tocar em você? Por que você me tratou tão
cruelmente?
Posso dizer que ele está escondendo algum segredo, um motivo mais
sombrio do que ele gostaria de compartilhar.
Estou a segundos de pressioná-lo ainda mais quando ele pega sua
mão e coloca uma mecha de cabelo atrás da minha orelha. Sua mão é tão
quente e macia.
Sem pensar, eu o trago para perto de mim.
Nós dois sabemos o que queremos. Nossos corpos se unem e nos
beijamos apaixonadamente.
Seus lábios estão ainda mais suaves do que eu me lembro. Eles já
exploraram cada centímetro do meu corpo, mas agora que conheço seu
dono, eles se tornaram ainda mais inebriantes.
Seu beijo se torna mais violento. Eu respondo na mesma moeda,
esperando que este momento nunca acabe.
Kaden se inclina sobre mim. Sinto-me indefesa sob sua paixão
impiedosa.
Minhas mãos agarram suas costas, sentindo cada contorno de seu
corpo musculoso. Nunca quis tirar a roupa de um homem tanto quanto
agora.
Kaden tira seus lábios dos meus, mal conseguindo recuperar o fôlego.
Seus olhos estão acesos com um fogo ardente que queima direto em
mim.
Ele observa meu corpo ofegante.
— Você sabe como foi difícil evitar que minhas mãos tocassem cada
centímetro de você?
Antes que eu possa responder, ele se inclina novamente, seus lábios
quentes cobrindo meu pescoço com beijos calorosos.
Meus dedos flutuam em seu cabelo, entrelaçando-se nos fios escuros
e macios.
Ele planta beijos leves no meu pescoço, sua respiração como óleo
quente no fogo.
Kaden rasga minha camisa e a deixa cair ao lado da cama. Um suspiro
escapa dos meus lábios enquanto seus dedos correm pelo meu corpo nu.
Kaden lambe meu ombro enquanto sua mão desliza nas minhas
costas para desfazer o fecho do meu sutiã.
Então a porta se abre e ouço a voz de Grayson.
— Vejo que vocês dois estão se acostumando bem com a Matilha da
Liberdade.
Eu me cubro com os lençóis enquanto Kaden se recompõe.
— O que você quer? — Kaden pergunta, enlouquecido com a
interrupção.
— Os médicos querem ver você de volta lá embaixo, — diz ele
rispidamente. — Vou dizer a eles que você precisa de um minuto. — Ele
sai, fechando a porta.
Kaden suspira e desliza o dedo ao longo da minha bochecha.
— Eu prefiro ficar com você.
Eu olho para sua ferida. Ainda está inchada e estranha.
— Não vem querer me enganar. Você ainda não respondeu às minhas
perguntas, — eu digo.
Ele estreita os olhos para mim.
— Eu gostaria que fosse fácil assim, Mara.
Eu fico olhando para ele, confusa. Ele é o Alpha da Matilha Vingança.
O que poderia torná-lo tão cauteloso?
Colocamos a roupa e descemos para ver os médicos.
Seus jalecos brancos engomados e seus tablets de última geração
parecem deslocados na alternativa Matilha da Liberdade.
— A ferida não está cicatrizando tão bem quanto pensávamos, —
conclui um deles solenemente.
— Eu sou um alpha, — protesta Kaden. — Vou me curar sozinho sem
o seu remédio.
O outro médico ajeita os óculos de aro grosso no nariz. Ele parece
nervoso com Kaden.
Eu não o culpo. Kaden é meu companheiro e ele ainda me deixa
nervosa.
— Temo que essa declaração seja prematura, — ele responde. —
Temos considerado uma possível razão pela qual você não está se
curando tão rapidamente.
Kaden e eu trocamos olhares apreensivos.
— Acreditamos que pode ser porque este ferimento foi infligido por
sua companheira, — continua o primeiro médico.
— Talvez, Alpha Kaden, você deva considerar marcá-la, — acrescenta
o segundo médico. — Completar o vínculo pode lhe dar a força para
sobrepujar o efeito do veneno.
Para minha surpresa, Kaden fica pálido e uma expressão de pânico se
espalha por seu rosto.
— O que há de errado? — Eu pergunto, pegando sua mão.
Ele procura meu rosto como se procurasse refúgio em meus olhos,
mas sua mandíbula se contrai quando ele não consegue encontrar.
— E-eu não posso te marcar, — ele gagueja.
Agora eu sinto como se tivesse sido apunhalada no coração. O que ele
quis dizer com não poder me marcar?
— Por que não? — Eu me ouço perguntando. — Você é meu
companheiro.
Eu vejo a dúvida inundar os olhos de Kaden.
— Ele quer me machucar, Mara. Ele vai me machucar ao machucar
você.
Não consigo entender o que ele quer dizer. De quem ele poderia ter
medo?
Eu não aguento mais o mistério. Eu preciso de respostas.
— Kaden, de quem você está falando? Quem vai me machucar?
Ele olha por cima do meu ombro como se estivesse com medo de que
a pessoa em questão possa aparecer a qualquer segundo.
— Diga-me! — Eu grito, agarrando-o pelos braços.
— Meu irmão.
Eu levanto uma sobrancelha.
— Kace?
Ele engole profundamente antes de suspirar e balançar a cabeça.
— Não... Coen.
Capítulo 21
LAÇOS DE FAMÍLIA Nada disso faz sentido.
Coen é o único vislumbre de bondade que vi na Matilha da Vingança.
Ele me ajudou a escapar.
Não tem como Kaden estar dizendo a verdade.
Este deve ser mais um dos jogos distorcidos do Alpha, certo?

MARA

Após a confissão de Kaden, Grayson apressa os médicos para fora da sala.


Agora somos apenas nós três.
— Explique o que está acontecendo, — eu digo.
Kaden olha para Grayson.
— Não olhe para ele. Sou eu que estou falando.
Kaden se senta na mesa de exame, tensionando seus músculos.
— Coen é meu irmão gêmeo.
— Vocês não se parecem em nada, — eu retruco.
— Somos gêmeos bivitelinos, — ele responde rispidamente. — Ele
nasceu logo depois de mim e é por isso que herdei o título de Alpha. Ele
era um irmão ciumento. Estávamos sempre competindo.
— E quanto a Kace? Ele sequer é seu irmão? — Eu pergunto, não
tenho mais certeza do que é real.
— Sim, ele é nosso irmão mais novo.
— Se tudo isso é verdade, então porque Coen se apresentou como seu
guarda-costas? — eu pergunto, cruzando meus braços. — Por que ele me
ajudou a escapar?
— Se você me deixar terminar, — Kaden diz, aborrecido.
— Tudo bem, — eu digo. — Continue.
— Quando tínhamos doze anos, Coen estava farto de ser o segundo
na linha e fugiu. Nossos pais vasculharam todas as matilhas atrás dele,
mas ele não foi encontrado. Todos nós presumimos que ele estava morto
ou nunca mais voltaria.
Então, anos depois, ele reapareceu com um único objetivo: vingança.
Ele havia aprendido a conjurar magia negra, que usou para matar nossos
pais e me forçar a cumprir suas ordens.
— É por isso que você começou a sequestrar todas aquelas garotas? —
Grayson pergunta.
A menção dos sequestros traz dor ao rosto de Kaden.
— Sim, eu me tornei o Alpha infame sobre o qual você canta. A
maldição de Coen trouxe à tona um lado vil de mim que eu não
conseguia repelir.
Minha boca abre em descrença.
— É por isso que você me mandou matar o bebê de Althea?
— Essa foi uma ordem de Coen também. E não sei o porquê ele
ajudou você a escapar. Talvez ele planejasse capturar você para ele
mesmo, talvez ele quisesse ver se eu iria atrás de você.
— Você disse que ele te forçou a fazer tudo isso, — diz Grayson. —
Como? Você é muito maior do que ele.
Kaden sorri.
— Você, de todas as pessoas, deveria saber.
Grayson aperta os olhos em consternação.
— Ele me forçava a me transformar em uma fera incontrolável, uma
tão selvagem que tudo que eu ansiava era sangue e destruição.
— Você quer dizer, — diz Grayson, juntando as peças em sua cabeça,
— Coen é responsável pela minha mudança?
— Exatamente, — responde Kaden. — Ele me forçou a pegar Lexia e
aprisioná-la nos guetos da Matilha da Vingança.
— E quanto a Milly e o resto das garotas? — Eu deixo escapar.
O rosto de Kaden se fecha.
— Coen as mantém em cativeiro para sua diversão. E quando ele se
cansa delas...
Ele não precisa terminar. Eu posso juntar as peças sozinha.
— Como sabemos que esse lado maligno não vai voltar? — Grayson
pergunta.
— Eu estava com medo disso até que os médicos mencionaram Mara.
— Eu? — pergunto.
— Sim, — diz Kaden, levantando-se e pegando minhas mãos. —
Quando você me apunhalou, quebrou a maldição. Estou certo disso.
— Era aquela coisa que saiu de você e desapareceu no ar? — Eu
pergunto.
— Sim, — responde Kaden. — Apenas sua mão poderia expulsar o
demônio que Coen selou dentro de mim.
— Se essa é a chave, então você pode me ajudar a libertar Lexia, —
exclama Grayson, socando uma mão contra a outra.
Kaden balança a cabeça.
— Eu não sei onde ela está. Não sei onde nenhuma das garotas está.
Coen as esconde de mim e eu nunca mais as vejo. Se ele descobrir que
Mara é minha companheira e que a maldição foi quebrada, ele matará
todas elas e virá atrás de nós.
Minha cabeça está girando, tentando assimilar tudo isso.
Tudo parece fazer sentido, exceto meu noivado com Kace. Eu não
conseguia ver como isso se encaixava no enredo de Coen.
— Por que envolver Kace nisso?
Kaden esfrega minhas mãos, enviando faíscas pelos meus braços e no
meu peito.
— Foi a única maneira de salvá-la do mesmo destino das outras.
De repente, pensar em todas aquelas garotas indefesas transforma as
faíscas em um inferno de raiva.
Penso no rosto cadavérico de Milly, a expressão sem vida em seus
olhos. O fato de ter confiado em Coen me dá vontade de vomitar.
— Vamos acabar com seu reinado de terror. Eu não me importo o que
vai custar.
Kaden e Grayson olham para mim com surpresa. Eles não esperavam
que eu tivesse tanta determinação dentro de mim?
Eu olho para os dois.
— Você vai me levar de volta à Matilha Vingança como sua prisioneira
e vamos encontrar a localização dessas meninas e da companheira de
Grayson.
Kaden abre a boca, mas desiste.
Em vez de discutir, ele balança a cabeça. Ele sabe que não há como eu
mudar de ideia.
— Grayson, você pode providenciar transporte para nós?
— Sim, vou começar imediatamente, — ele responde. — Podemos
conversar mais pela manhã. Vocês dois podem ficar na minha
propriedade esta noite.
— Obrigada, — eu digo antes de me virar para Kaden. — Aproveite
enquanto pode. Amanhã vou ter que te odiar novamente.
Um sorriso apareceu em seus lábios. Eu posso dizer que vai ser uma
longa noite.

— Me responda uma coisa, — murmura uma voz suave.


Minhas mãos se apertam no parapeito da janela.
— Se eu fosse te tomar para mim agora, quanto tempo você acha que
levaria até que todo este lugar ouvisse você gritar meu nome?
Um arrepio percorre meu corpo. Lentamente, eu me viro e encontro
os olhos de Kaden. A luz da lua cai assustadoramente em seu rosto.
Nossas mãos se juntam. Quando meus olhos encontram os dele, eu
noto um olhar provocador que ele não se incomoda em suprimir.
Ele me leva em direção à cama.
Um momento depois, ele envolve seus braços em volta de mim e eu
inalo seu cheiro inebriante. Ele fuça no meu pescoço, seus lábios perto
do meu ouvido.
— Diga-me, Mara... o que você quer que eu faça com você?
Eu paraliso.
Ele sabe muito bem o que eu quero que ele faça.
Ele me leva para a cama. A maneira como ele está sobre mim é tão
intimidante que não posso deixar de estremecer.
Eu me deito nos lençóis e vejo meu companheiro tirar sua camisa,
revelando o torso tatuado e musculoso por baixo. Só a visão me dá
vontade de passar a mão entre as coxas.
Estendo meu braço, chamando-o para mim. Tudo que eu quero agora
é cravar minhas garras em suas costas e gritar seu nome com todo meu
fôlego.
Kaden se inclina sobre mim, seus braços fortes apoiando seu peso.
Seus lábios descem em direção aos meus até que o suave sussurro de um
beijo me surpreende.
— O que você está esperando? — Eu pergunto provocativamente. Eu
o sinto sorrindo.
— Você vai manter sua pureza esta noite, meu amor, — ele sussurra
de volta.
Uma pontada de decepção aperta meu peito. Eu quero que ele tome
tudo de mim.
Empurrando Kaden de costas, jogo minhas pernas sobre seus quadris,
montando nele.
Sua sobrancelha levantada me diz que ele está intrigado.
Eu tiro minha camisa e jogo em seu rosto. Ele ri, levando-a ao nariz e
sentindo meu cheiro.
— Sonho em ter você desde o momento em que nos tocamos.
— Shhh, — eu digo, colocando meu dedo em seus lábios.
Eu tiro meu sutiã, deixando as alças deslizarem pelos meus ombros.
Kaden lambe os lábios e a intensidade do seu olhar sobre meus seios
aquece meu rosto. Eu posso sentir ele ficando duro embaixo de mim.
Pego as mãos de Kaden e coloco-as firmemente em meus seios.
Instantaneamente, ele começa a massagear, brincando com meus
mamilos. A sensação é como nenhuma outra que já experimentei.
Meu corpo inteiro balança enquanto ofego de desejo.
Minhas mãos agarram seus punhos, minhas unhas cravando em sua
pele.
Eu sinto seus quadris me levantarem enquanto seu membro rígido
implora para sair. Eu puxo suas mãos de mim, para seu desgosto, em
seguida, deslizo para baixo entre suas pernas.
Eu olho para cima para ver Kaden me dando um olhar cauteloso. Ele
está prestes a dizer algo, mas eu o silencio novamente.
— Não fale, — eu digo lentamente desabotoando suas calças. Abro o
zíper e coloco minha mão sobre seu volume pulsante.
Coloco as pontas dos meus dedos na protuberância latejante. Ele me
aperta mais forte e seus olhos se fecham. Estou me divertindo torturando
ele.
— Eu me pergunto o que aconteceria se eu...
Arrastando-me, enganchei meus dedos na faixa de sua cueca e a puxei
para baixo, expondo seu membro rígido.
Lambendo a palma da minha mão, eu a deslizo lentamente ao longo
de sua masculinidade.
Finalmente é demais para ele aguentar. Ele me puxa em sua direção e
me vira de costas. Eu relaxo enquanto Kaden tira minhas calças.
Ele desce pelo meu corpo, deixando um rastro de beijos no caminho.
Meus olhos se fecham quando sinto os dedos de Kaden puxar a minha
calcinha. Um momento depois, sinto seus lábios quentes em mim.
Abro os olhos e vejo a boca de Kaden pairando entre minhas pernas
abertas.
Eu me sinto tão vulnerável que minhas pernas começam a se fechar,
mas Kaden intervém. Suas mãos fortes alcançam minhas coxas e as
mantêm abertas enquanto ele se aninha entre elas.
A antecipação do que ele está prestes a fazer quase me leva ao
orgasmo.
Kaden olha para mim. Seus olhos carregam uma mensagem de amor,
luxúria e sede.
Tenho certeza de que minhas expressões traem as minhas emoções.
Ele sorri, em seguida, seus lábios me sentem molhada.
Minhas mãos agarram os lençóis e deixo escapar um gemido. Isso é
melhor do que da última vez.
Hoje à noite, ele é meu por completo.
Meus calcanhares cavam em suas costas e minhas mãos se movem
para seus ombros, agarrando-os com tanta força que minhas mãos
chegam a formigar.
Cada movimento de sua língua me faz soltar um grito selvagem de
prazer.
Uma pressão formigante começa a se formar entre minhas pernas.
Kaden percebe isso e intensifica seus esforços.
Eu tensiono meu corpo, tentando me segurar.
Kaden traz seus lábios junto ao meu clitóris e eu perco a cabeça.
Eu salto para frente enquanto ondas de prazer percorrem meu corpo.
É algo que nunca experimentei antes...
A doce liberação de um orgasmo.
Enquanto meu corpo vibra, Kaden se recusa a remover sua boca,
certificando-se de que não estou privada de qualquer prazer.
Eu caio para trás. Meu corpo está exausto.
Eu pisco para Kaden com os olhos turvos e empurro sua cabeça para
longe.
— Eu me rendo.
Ele ergue os olhos e sorri.
— Mas estou apenas me aquecendo.
Não consigo imaginar passar por aquele prazer inexplicável de novo,
mas minha ansiedade se dissolve no momento em que sinto seu dedo
indicador acariciando suavemente minhas dobras. Lentamente, ele se
move pelo meu corpo até que nossos rostos se encontram. Ele mantém a
mão abaixo da minha cintura, brincando comigo.
— Implore, — ele sussurra, beijando os cantos da minha boca.
Não tenho certeza do que estou implorando, mas não me importo.
— Por favor, por favor.
Em um movimento suave, seus dedos deslizam profundamente
dentro de mim e fico sem ar.
Sinto uma nova onda de prazer me consumir.
— Diga-me o quanto você ama isso, — Kaden sussurra em meu
ouvido, acelerando o ritmo.
— Kaden, não pare! — é tudo que consigo falar.
Ele segue minhas instruções e muito em breve estou beirando o
prazer novamente e implorando a Kaden por mais.
Com mais alguns toques de seus dedos, ele atende meu pedido.
Eu desfaleço embaixo dele, meu corpo está suado e fraco.
Enquanto recupero o fôlego, Kaden remove os dedos e se joga ao meu
lado. Eu viro minha cabeça em direção a ele. Ele estende a mão e tira uma
mecha de cabelo da minha bochecha.
— Amo você, Mara, — ele diz.
Meu coração se enche de emoção.
— Eu também te amo, Kaden.
Capítulo 22
RETORNO À VINGANÇA — Se na noite passada estava
pecando, por favor, Deusa da Lua, deixe-me pecar novamente.
Murmuro a oração com lábios cansados.
Tenho medo de acordar porque pode significar que a noite passada foi
um sonho.
Mas o cheiro dele no meu travesseiro me garante que o amor que
compartilhamos era real.

MARA

Acordo com uma deliciosa sensação entre minhas pernas que me lembra
nossa travessura noturna.
Eu me alongo nos lençóis, esticando meus músculos doloridos.
— Vamos, levante-se, — diz Kaden, entrando com um prato de bacon
e croissants. — Temos que estar na estrada em uma hora.
Quase pergunto para onde estamos indo, mas então me lembro.
O pensamento em Coen acaba com meu bom humor.
— Você já conversou com Grayson?
Kaden coloca a comida na minha frente, beijando minha testa.
— Sim, vou lhe contar o que discutimos no carro. Primeiro, você
precisa comer. Você tem um longo dia pela frente.

Assim que chegarmos à fortaleza da Matilha da Vingança, tudo acontece


em questão de segundos.
Sou arrastada do carro algemada e encapuzada. A mão de Kaden no
meu ombro é a única coisa que me mantém calma enquanto tropeço
para frente.
O medo invade meu peito.
Eu conseguiria mentir bem o suficiente para enganar Coen?
Kaden me apressa pelos corredores. Paramos abruptamente e me
sinto empurrada para uma cadeira de metal.
Seus dedos pressionam com força contra meu pescoço. Eu ouço o
tilintar de correntes e sinto meus braços puxados com força contra a
estrutura da cadeira.
Meu capuz é arrancado e meus olhos se estreitam sob a luz intensa da
sala.
O local parece familiar.
Eu logo percebo que é o mesmo quarto que Kaden me levou na noite
em que me sequestrou.
É estranho estar de volta ali, na mesma posição, mesmo que as
circunstâncias tenham mudado um pouco.
Parece que tudo o que aconteceu desde então foi um sonho do qual
estou apenas acordando.
Kaden se inclina contra a parede do outro lado da sala. Um sorriso
malicioso de diversão dança em seu rosto enquanto ele me contempla.
Estou prestes a dizer algo a ele quando vejo Coen na porta.
Sua presença me lembra que devo odiar Kaden.
— Parece que nosso jogo chegou ao fim, — diz Kaden, se
aproximando.
Sua voz é impiedosa e implacável, e me lembro do medo que uma vez
tive dele.
Este é Alpha Kaden, não meu companheiro. E eu não sou sua
companheira. Eu sou sua prisioneira.
— É uma pena, — continua. — Como eu gostei de perseguir você.
Ele me lança um olhar longo e lascivo que desce lentamente pelo meu
corpo.
Eu me sinto exposta e vulnerável, como se minhas pernas nuas
estivessem abertas para ele.
— Deixe-me ir, — eu digo com voz rouca.
Dou uma rápida olhada em Coen para ver se ele acredita na minha
atuação. Ele olha fixamente para nós dois.
Kaden está muito perto agora e se ajoelha na minha frente. O canto
de sua boca se curva em um sorriso, desafiando-me a dizer algo.
Eu olho para as mãos de Kaden e vejo que elas estão mais uma vez
cobertas por aquelas luvas miseráveis.
Ele passa a ponta do dedo sob meu queixo, olhando com prazer
absoluto enquanto eu estremeço.
— Oh, Mara... você pensou que poderia escapar de mim.
Eu puxo minha cabeça o desafiando.
— Eu deixei você me pegar, — eu retruco. — Você não fez merda
nenhuma.
Ele agarra meu queixo, quase dolorosamente.
— Vou sentir falta de brincar com você, Mara. Embora eu duvide que
seu futuro marido se oponha aos meus tormentos ocasionais.
Kaden corre o polegar sobre meu lábio inferior, e em seguida, se vira
para seu irmão.
— Coen, leve essa vadia de volta para o quarto dela. E certifique-se de
que ela não escape novamente.
— O prazer é meu, — Coen responde.
Agora que sei a verdade, seu sorriso parece tão sinistro e doentio. Não
sei como não vi isso antes.
Kaden sai da sala e agora eu realmente sinto medo.
Somos apenas Coen e eu e estremeço só de pensar no que devo fazer
se quisermos encontrar as outras garotas.
Coen destranca a porta do meu quarto e me conduz para dentro, mas
em vez de sair, ele permanece.
— Eu senti falta de ter você aqui, — ele diz, me olhando.
Cada pedaço de mim quer pegar o objeto mais próximo e acertá-lo na
cabeça, mas prossigo com o plano.
Caminhando para a cama, sento-me, apoiando em meus braços para
que meu peito fique em evidência.
— Sentiu mesmo? — Eu digo, sorrindo.
Eu tento o meu melhor para evitar que isso se transforme em um
constrangimento.
Ele dá um passo à frente, fechando a porta com força.
Meu coração dispara. Certamente ele me vê tremendo. Ele sabe,
tenho certeza disso.
— Quero conversar, — diz ele, sentando-se ao meu lado na cama.
A cama afunda sob seu peso e tento o meu melhor para não cair em
seu colo.
— É difícil não ter um companheiro, — ele começa ameaçador, — e
não deve ser fácil para você aqui, eu sei... — Ele lambe os lábios e olha
seriamente para mim. — Quero que saiba que estou sempre aqui.
Eu pulo quando ele coloca a palma da mão na minha coxa. Eu fico
olhando para ele por um momento, resistindo à vontade de dar um tapa
nele.
— Isto é, — ele continua, — se você precisar... dar uma relaxada.
É uma luta manter meu sorriso enquanto olho em seus olhos. Acho
que vejo um lampejo de dor.
Percebo o quão solitário Coen é. A perda de sua companheira o
transformou em uma pessoa amarga e destrutiva.
Ainda assim, não consigo sentir simpatia por ele. Ele amaldiçoou
Kaden e Grayson e torturou dezenas de meninas inocentes. Ele é uma
aberração sádica. Não admira que Althea tenha partido.
Eu me ajeito na cama para que nossas pernas não se toquem mais.
— Sempre vi você como a única pessoa em quem posso confiar aqui,
— confesso a ele.
Ele sorri, deslocando a mão mais para cima na minha coxa.
— Como eu disse, você pode vir até mim para qualquer coisa.
Eu quero perguntar a ele onde ele está mantendo as meninas. Eu
gostaria de ter a adaga de Grayson para que eu pudesse segurá-la em sua
garganta e forçá-lo a me dizer.
De repente, Coen se inclina e me beija, enfiando a língua em minha
boca.
No começo, eu congelo, sem saber o que fazer. Então fico enojada,
com náuseas pela sensação de seus lábios viscosos nos meus.
Ele é rude e desajeitado com seus beijos. Eu quase engasgo, mas me
contenho, mesmo quando sua mão se move até o meu rosto.
Eu aperto meus olhos e tento suportar a experiência terrível.
Sem aviso, ele me empurra para trás na cama e sobe em cima de mim.
Medo cresce em meu peito enquanto ele passa a ponta dos dedos pela
minha cintura. Isso está indo longe demais.
Onde está Kaden? Eu silenciosamente imploro para ele entrar, mas a
porta permanece fechada.
Os lábios de Coen se movem da minha boca para o meu queixo.
Eu respiro fundo e coloco minhas mãos contra seus ombros para
impedi-lo de ficar mais perto do que já está.
— Eu não acho que deveríamos estar fazendo isso! — Eu protesto.
Ele me ignora, quase machucando meu pescoço.
— Coen! — Eu insisto. — E se Kaden ouvir?
Ele rosna baixo em sua garganta, determinado a ignorar meus apelos.
Dizer isso foi estúpido da minha parte. Por que Kaden se preocuparia
com Coen e eu juntos? Ele não sabe que somos companheiros.
Além disso, Coen ainda acha que pode controlá-lo.
No momento em que suas mãos frias deslizam sob minha camisa, eu
começo a surtar. Eu empurro seu ombro, desta vez com muito mais
força.
Eu levanto meu punho para acertá-lo, mas ele me pega pelo braço e
me prende na cama.
Tento me libertar, mas ele é grande demais. Há uma expressão
doentia em seus olhos. Eu sei do que ele é capaz e não tenho dúvidas
sobre o quão longe ele está disposto a ir.
Eu respiro fundo, prestes a gritar, mas Coen tampa minha boca antes
que qualquer som escape dos meus lábios.
De repente, a porta se abre e um cheiro familiar invade o quarto.
Meu corpo suspira de alívio quando Kaden puxa Coen de cima de
mim e o joga no chão.
Eu vejo meu companheiro pegar seu irmão e levantá-lo até que seus
rostos estejam no mesmo nível. Apesar do olhar temeroso de Kaden,
Coen está sorrindo.
Meu coração para por um momento. Kaden pode tê-lo pendurado a
centímetros do chão, mas Coen sabe que ainda tem controle sobre seu
irmão Alpha.
Kaden sabe que também tem que fazer sua parte. Em vez de arrancar
a cabeça de Coen, ele o empurra em direção à porta. Coen tropeça para
trás contra a parede. Kaden me lança um último olhar e sai furioso.
O olhar em seus olhos me mata. Está cheio de arrependimento, raiva,
dor.
Coen, por outro lado, endireita a camisa, um sorriso triunfante
espalhado em seu rosto. Ele não parece mais interessado em mim e sai
sem dizer uma palavra.
Eu tomo banho e escovo meus dentes com força. Então eu os escovo
novamente, incapaz de tirar o gosto de Coen da minha boca.
Enfio meu rosto no travesseiro e grito.
Eu olho ao redor do quarto, tentando descobrir o que farei se Coen
retornar para terminar o que começou.
A noite se transforma em madrugada, mas não consigo dormir.
Tenho muito medo do que vai acontecer se baixar a guarda. Chaves
tilintam na fechadura.
Meu coração para.
Eu arranco a perna estilhaçada da mesa de cabeceira e a seguro como
um porrete.
A porta se abre e das sombras, uma figura entra.
Quase choro de felicidade quando meu companheiro vem para a luz.
Mas então eu vejo seu rosto.
Suas bochechas estão manchadas de lágrimas enquanto ele me
encara. Rapidamente, envolvo meus braços em torno dele, implorando
por uma explicação sobre sua tristeza.
Mas ele não precisa dizer uma palavra.
Eu o sinto estremecer ao meu toque e tiro minhas mãos. Elas ficam
cobertas de sangue.
— Vire-se, — eu sussurro.
Ele obedece e vejo que a parte de trás de sua camisa está rasgada em
pedaços. Dezenas de lacerações escorrem sangue por suas costas,
manchando sua camisa de vermelho e colando tiras de tecido em sua
pele.
Tudo o que posso fazer é segurar o choro.
— Ele chicoteou você, — eu digo, olhando nos olhos indefesos de
Kaden.
Levando-o para a cama, ajudo a tirar sua camisa ensanguentada,
puxando-a cuidadosamente sobre sua cabeça.
Kaden desliza para fora da cama, caindo sobre as mãos e joelhos.
As feridas estão abertas e vermelhas, escorrendo pus. Não consigo
imaginar a dor que ele está sentindo.
Enquanto seguro Kaden em meus braços, fica claro para mim o quão
sádico Coen realmente é.
Eu preciso encontrar Milly. Eu preciso encontrar todas as garotas.
E eu tenho que fazer isso logo... por todos nós.
Capítulo 23
FERIDAS DE AMOR
Estar finalmente livre de sua maldição foi uma bênção que eu nunca pensei
que experimentaria.
Mas agora eu tinha que fingir que ainda era seu prisioneiro.
Foi necessária toda a minha força para não torcer seu pescoço, mas eu sabia
que um monstro doentio como Coen abraçava a dor.
A tortura não revelaria a localização das garotas tal como matá-lo.

KADEN

Meus joelhos estão dormentes. Estou nesta posição há mais de quinze


minutos, minha cabeça baixa enquanto me ajoelho na frente do meu
irmão.
Eu poderia derrubá-lo com um golpe. Mas eu fico parado, imóvel.
Coen caminha casualmente pela sala, um longo chicote de couro
enrolado em sua mão. Agachado na minha frente, ele levanta meu queixo
com o cabo de seu chicote.
O sorriso presunçoso em seu rosto fica marcado em minha mente.
— Mamãe sempre gostou mais de você, — diz ele, examinando meu
rosto.
Eu fico olhando em seus olhos frios, jurando-o de morte em silêncio.
— Não sei porquê, — diz ele. Ele agarra meu rosto, seus dedos
cravando fortemente em minha mandíbula. — Sempre achei que você
tinha uma aparência rude e pouco evoluída.
Eu olho de volta para ele, expressando meu ódio absoluto. Ele o
ignora, continuando seu monólogo.
— E, no entanto, as garotas sempre quiseram você, — ele murmura.
Ele solta meu queixo, batendo suavemente na minha bochecha.
— Bem, olhe onde isso te levou. — Ele se levanta e continua andando
em volta de mim em um círculo. — Agora eu que estou me divertindo.
Meu estômago se revira sabendo como fui cúmplice de seus delírios.
Já perdi a conta do número de garotas que ele me forçou a sequestrar.
— A noiva de Kace é linda, — ele provoca.
Minhas mãos se fecham em punhos.
— É uma pena que você nos interrompeu, — ele continua. — Talvez
todos nós possamos compartilhá-la.
O fato de ele achar que Mara está interessada nele faz meu sangue
ferver.
— Tenho certeza de que ela teria gostado do que eu planejei, — ele
continua.
Eu começo a me levantar, mas Coen estala o chicote perto da minha
cabeça, e eu sinto a onda de choque bater no meu rosto, quase
estourando meu tímpano.
— Querido irmão. Receio que você ultrapassou seus limites
novamente. Você sabe que não posso deixar você ficar impune. Que tipo
de exemplo eu daria?
Meu olhar se fixa na ponta do chicote, que está no chão alguns
metros à minha direita.
As cicatrizes nas minhas costas são a prova de que esta não é a
primeira vez que suportei seus castigos doentios. Mas este é o primeiro
que eu os encaro como homem livre.
Estou fazendo isso por minha companheira, por Mara, por todas as
garotas que sequestrei. Esta é minha penitência.
— Que tal uma chicotada para cada metida que eu estava planejando
dar naquela vadia, hein?
Eu cerro meus dentes. Na minha cabeça, estou enrolando o chicote
em seu pescoço e observando seu rosto ficar roxo enquanto a vida é
drenada de seu corpo.
Mas, na realidade, mordo minha camisa e me preparo para o castigo
que estou prestes a receber.
O dia em que encontrarmos essas garotas é o dia em que meu irmão
morre. Isso eu prometo.

MARA

Eu corro meu polegar suavemente pelo rosto de Kaden.


Eu cuidei de suas feridas da melhor maneira que pude, dados os
curativos limitados que Kace me trouxe.
A Matilha da Pureza pode não ter me preparado para mentiras e
violência, mas me ensinou como cuidar dos outros.
Isso vai mudar quando Kaden e eu retomarmos o controle deste
território.
Enquanto eu estava cuidando dele, Kaden revelou nosso plano para
Kace. Meu ex-noivo agora estava sentado na ponta da cama, perdido em
pensamentos.
— Eu entendo se você quiser ficar fora disso, — diz Kaden, dolorido
enquanto tenta se virar e enfrentar seu irmão mais novo. — Eu não vou
usar isso contra você.
— Não, — responde Kace. — Eu quero vingança tanto quanto você.
— Fico feliz em ter você do nosso lado, — diz Kaden, sorrindo pela
primeira vez desde que entrou na sala. — Estou convencido de que as
garotas não estão aqui na fortaleza. Já examinei cada centímetro deste
lugar e não encontrei nenhum vestígio delas. O que significa que há
apenas um outro lugar onde ele poderia escondê-las.
— A Cidade da Vingança, — afirma Kace.
— Exatamente, — responde Kaden. — Eu não posso ir lá sozinho.
Coen iria suspeitar. Mas você, por outro lado... ele nem cogitaria.
Kace acena com a cabeça.
— Você tem algum plano em vista?
— Há um homem chamado X que dirige os guetos da zona leste. Ele
opera na velha usina e pode ter informações pelo preço certo.
Kace se levanta.
— Vou sair amanhã depois do café da manhã. No momento, acho que
já esperamos muito.
— Eu concordo, — diz Kaden, ofegando de dor enquanto tenta se
levantar.
— Espere um segundo, — eu interrompo. — O que diabos eu devo
fazer durante tudo isso?
— Fique aqui, onde posso ficar de olho em você, — responde Kaden.
Eu o empurro de volta na cama para que ele caia de costas.
Ele cerra os dentes, sufocando um uivo.
— Não vou esperar que seu irmão tente me estuprar novamente. Você
deixou que ele te punisse uma vez. Não espero que você consiga se
segurar da próxima vez.
Kaden faz uma cara feia. Ele sabe que estou certa.
— Você tem um plano B em mente?
— Sim, — eu digo, suavizando meu tom. — Deixe-me ir com Kace.
Os dois homens se olham para ver o que o outro está pensando. Eles
balançam a cabeça quase no mesmo momento.
— Absolutamente não, — responde Kaden. — A cidade da Vingança é
uma fossa cheia de gangues e bandidos de todos os tipos. Não é seguro.
Mesmo eu tenho cuidado quando vou lá.
— Além disso, — acrescenta Kace, — uma mulher como você vai
atrair muita atenção.
Eu não posso acreditar no que estou ouvindo.
Kaden esqueceu como eu o esfaqueei no peito? Porra, acho que posso
cuidar de mim quando estiver devidamente armada.
Então me dei conta. Eu sabia como os convencer.
— Eu sou a única que pode identificar as garotas, — eu digo.
— Não é difícil identificar uma garota da Matilha da Pureza, — Kace
responde. — Por que você acha que eu disse que você se destacaria?
— Eu não fui torturada e abusada por meses a fio, — eu respondo de
volta. — Eu vi o que apenas algumas semanas sendo uma marionete de
Coen fez com Milly. Além disso, posso usar minha suposta ingenuidade
da Matilha da Pureza como uma desculpa para ver a cidade.
Eu os vejo considerando minha proposta. É engraçado ver a expressão
no rosto dos homens quando percebem que uma mulher tem razão.
— Tudo bem, — Kaden diz calorosamente. — Mas, ao primeiro sinal
de problema, quero que vocês dois saiam.
— Vou garantir que nada aconteça com ela, — diz Kace.
— Com licença, eu irei garantir que nada aconteça comigo, — eu
respondo.
Kace olha para mim, não convencido.
— Claro, Mara.
Ele caminha até a porta e a abre, verificando o corredor antes de sair.
— Vejo você no café da manhã, — diz ele antes de fechá-la.

Na manhã seguinte, sou chamada por uma batida na porta. Com base no
padrão, já sei quem é.
Meu estômago revira.
A trava levanta e Coen entra dançando como se nada de ruim tivesse
acontecido entre nós.
— Bom dia, linda, — ele me cumprimenta, com um sorriso sinistro
estampado no rosto.
Eu cerro meu punho.
— Está aqui para me acompanhar no café da manhã? — Eu pergunto,
tentando manter a atmosfera leve e amigável.
— Como você adivinhou?
Pego seu braço estendido e Coen me leva pelo labirinto de corredores
até a sala de jantar.
A cada passo, estremeço ao pensar no que acontecerá se ele decidir vir
pra cima de mim novamente.
Não há ninguém por perto. A fortaleza está assustadoramente
silenciosa.
Quando reconheço a porta da sala de jantar, suspiro aliviada.
Pelo menos eu sei que Kace está a apenas alguns metros de distância
agora. Dois contra um são chances muito melhores.
No café da manhã, sento-me de frente para Kace. Ele não encontra
meu olhar. Eu tenho que dar o braço a torcer, ele é um bom ator.
Cutucando minha quiche, decido que agora é a hora de colocar nosso
plano em curso.
— Eu preciso de um favor, — eu digo incisivamente.
Coen levanta a cabeça quando me ouve falar. Kace apenas olha para o
leite girando em torno de sua colher.
— Que tipo de favor? — ele pergunta.
— Eu quero visitar a Cidade da Vingança.
Kace olha para cima, seus olhos escuros encontrando os meus
finalmente. Eles refletem algum tipo de emoção — medo, talvez?
— Acho que não, — diz ele.
Ele pega o jornal na frente dele, como se estivesse cortando a
conversa ali mesmo. Isso faz parte do ato ou ele mudou de ideia? Eu não
sei dizer.
Eu abaixo o jornal das mãos dele.
— Por que não?
Ele suspira.
— Lá não é seguro. Você se lembra de como eles agiram em nossa
cerimônia de noivado. É uma fossa, — diz ele, enfatizando a última
palavra.
Relaxo. Kace está me deixando saber que ele está apenas
desempenhando seu papel. Eu olho para Coen, que está ouvindo, mas
não particularmente interessado em nossa conversa.
— É por isso que estou pedindo que você me leve, — eu insisto. —
Como meu noivo, você deve demonstrar ao bando que estou sob sua
proteção e ninguém deve ousar colocar um dedo em mim.
Kace estreita os olhos para mim.
— Tudo bem. Vou levá-la para a cidade, então, — ele responde, sem
rodeios. — Tenho certeza de que Coen adoraria uma pausa nas tarefas de
babá.
As palavras de Kace me deixam apreensiva. Ele deveria ter
mencionado Coen diretamente?
— Esse é um pensamento gentil, mas eu realmente não me importo,
— ele responde, arrancando a casca de uma laranja.
— Eu, no entanto, acho bom expor sua delicada noiva à realidade da
vida fora desse lugar. Talvez isso torne a perspectiva de fuga menos
agradável.
Ele pega uma uva e a rola pela mesa, depois a esmaga com a mão. Ele
ri, me dando uma piscadela que faz minha pele arrepiar.
Eu olho para a faca na minha frente.
Eu me imagino afundando a faca em seu pescoço e vendo o sorriso de
satisfação desaparecer de seu rosto.
Desculpe, Deusa da Lua, algumas regras merecem ser quebradas.
Capítulo 24
O X MARCA O LUGAR
Traga-me seus miseráveis, seus vagabundos, seus cidadãos errantes.
Sedentos para roubar livremente.
Aqueles que se recusam a mudar.
Envie estes, os assassinos, gananciosos, moralmente perdidos para mim.
Aqui, todos esses demônios têm sua vez.
Este é o credo da Cidade da Vingança.

MARA

Eu cruzo meus braços sobre o peito e olho incisivamente para Kace


enquanto ele nos leva para a Cidade da Vingança.
O corpete de couro rígido aperta desconfortavelmente contra minha
cintura, e minhas pernas parecem estranguladas pelas calças de couro
apertadas que as protegem.
Achei que tinha idade suficiente para me vestir sozinha, mas,
aparentemente, estava errada.
— Eu não precisava ter me trocado, — eu comento secamente,
mexendo com o capuz que esconde meus cachos loiros.
— Você não entende como é o lugar para onde estamos indo, — Kace
repete pela centésima vez.
— Parece que saí de um caixão, — respondo.
Ele suspira e pisa no acelerador.
Depois de vinte minutos, o horizonte aparece. Depois de mais trinta,
estamos dirigindo entre os arranha-céus.
Não temos nada assim na Matilha da Pureza, mas posso dizer pela
arquitetura que os edifícios foram construídos há muito tempo, antes da
Grande Guerra.
Multidões de pessoas se empurram nas ruas. Não parece tão ruim
quanto Kaden e Kace fizeram parecer.
Logo passamos para um bairro residencial mais tranquilo. Tudo
parece chique e recém-construído. Estou confusa.
— Apenas espere, — diz Kace, vendo a expressão em meu rosto.
À medida que continuamos descendo a rodovia, a riqueza se esvai. As
belas e modernas casas desaparecem e, em seu lugar, surgem os guetos.
Eles emergem da terra como úlceras sujas, expelindo um cheiro
pungente, resíduos e uma terrível sensação de ilegalidade.
Os prédios pelos quais passamos estão degradados e abandonados. De
repente, estou muito feliz por estar dentro de nosso carro.
Não há outros veículos na estrada ou pedestres nas ruas.
Eu juro que posso ver vislumbres de movimento nos escombros, mas
podem ser apenas meus olhos pregando peças em mim.
— Você acha que encontraremos Lexia aqui? — Eu pergunto a Kace.
— Quem? — ele responde, sem tirar os olhos da estrada.
— Companheira de Grayson. Aquele que Kad... Coen aprisionou.
— Meu palpite é que ela está com o restante das garotas, — ele
responde. — Para ser honesto, ficarei feliz se conseguirmos sair daqui
inteiros.
Eu imagino uma pobre Lexia indefesa sendo arrastada de sua matilha
e trazida para este lugar de pesadelo.
Pensar nela e em Milly, sozinhas entre essas sombras só reforça minha
decisão de trazê-las para casa.
— Aguente firme. Eu vou te encontrar, — eu sussurro sob minha
respiração.
Kace para o carro em um beco próximo a um cortiço destruído. Ele
paira sobre nós como uma torre assustadora. Tenho certeza de que isso
vai desabar sobre nós a qualquer momento.
Kace desliga o motor.
— Estamos saindo do carro? — Eu engulo em seco.
As fechaduras da porta se abrem em resposta.
— Você queria vir junto.
Ele tem razão. Eu pedi por isso. Agora eu preciso ter coragem.
Eu deslizo meu dedo na parte interna da minha bota, certificando-me
de que a faca que escondi ainda esteja ao meu alcance. Rezo para não
precisar usá-la.
Saímos do carro e sou atingida por uma brisa sufocante que tem
gosto de produtos químicos e cinzas.
O céu é uma manta inconstante de fumaça cinza e preta. Não existem
pássaros. Mesmo o sol não consegue perfurar as nuvens sufocantes, seu
brilho é quase imperceptível.
Eu puxo a capa de Kace para mais perto do meu corpo e de repente
estou feliz que ele me fez vesti-la.
— Me ajude com isso, — diz Kace, puxando uma lona esfarrapada do
porta-malas. — Se alguém encontrar o carro antes de voltarmos, iremos
para casa a pé.
Nós escondemos o carro e então saímos pelas ruas. Kace dá passos
largos, tornando difícil acompanhá-lo.
— Você não acha que poderíamos ter estacionado mais perto?
— Você vê mais alguém dirigindo? — Kace responde secamente. —
Ou ser sequestrado pela segunda vez faz parte do seu plano infalível?
Ele tem razão. Eu olho por cima do meu ombro. A rua está vazia, mas
não consigo afastar a sensação de que tudo o que fazemos está sendo
vigiado.
— Para onde vamos?
— Aquelas chaminés, — responde Kace, apontando para três tubos
grossos à distância. — Essa é a velha estação de energia.
Andamos pelas ruas laterais e passamos por terrenos cheios de
entulho até finalmente chegarmos aos arredores da estação.
Espremendo por um buraco na cerca de arame, nos aproximamos do
prédio principal com cautela. Uma grande porta de aço está
ameaçadoramente entreaberta.
A tinta verde descascada e a ferrugem se espalha em suas bordas. Eu
espio pela fenda na escuridão que é o interior.
— Bem, não podemos voltar agora, — digo, deslizando meu corpo
pela abertura.
Kace segue. À medida que nossos olhos se ajustam, vejo um longo
corredor com fios e canos pendurados no teto.
— E agora? — Eu sussurro. — Como encontramos X?
— Seu palpite é tão bom quanto o meu.
Dou um passo à frente e o silêncio é quebrado pelo barulho de vidro
sob minha bota. Tanto cuidado pra nada.
O rangido de uma dobradiça enferrujada ecoa pelo corredor.
Está na nossa frente ou atrás? Eu não sei dizer.
Prossigo, quase sem ver, tropeçando nos destroços que estão
espalhados pelo chão.
Meu pé pega em um balde de metal e ele faz barulho. Eu me culpo
por não ter pensado em trazer uma lanterna.
— Kace, você pode ver alguma coisa?
Eu não ouço uma resposta. Eu faço uma pausa. O único som que
escuto é minha própria respiração.
— Kace? — Repito, meu coração disparando.
— KaaAAaace, — diz uma voz desconhecida, zombando de mim.
Eu me viro, tentando saber de onde vem. Nem vestígio de Kace.
Quatro feixes de luz vermelha atingem meu corpo.
Uma das tochas se ergue para o céu, iluminando um homem
mascarado.
— KaaAAaace, — ele zomba novamente. — Seu amigo está bem,
querida. Ele está aqui conosco. — Ele aponta sua lanterna para Kace, que
está amordaçado com fita adesiva.
Quatro outras figuras mascaradas emergem das sombras, segurando
lâminas toscamente feitas.
Eu não titubeio.
— Estamos aqui para ver X.
— É assim mesmo? — o líder diz. — Você tem um compromisso? —
ele pergunta sarcasticamente.
— Estamos aqui em nome de Alpha Kaden, — eu respondo.
Não tenho certeza se é uma boa ideia mencionar o nome do meu
companheiro, mas espero que isso os deixe curiosos o suficiente para não
nos machucar.
— Do caridoso Alpha Kaden, hein? Essa é nova.
A lanterna do líder se apaga e ouço sussurros, em seguida, os passos
seguem em direção às sombras.
— Seu pedido está sendo processado, — responde o homem com
fingida formalidade.
Logo, uma figura se aproxima. Os homens se afastam e uma mulher
adentra no feixe de luz vermelha.
Ela está vestida como uma assassina, com calças de couro preto e uma
capa pesada.
Eu vejo o brilho de uma lâmina curva amarrada em seu cinto e um
lenço cobre a parte inferior de seu rosto.
Seu cabelo escuro e crespo está preso em uma trança, mas alguns fios
rebeldes caem em seu rosto, emoldurando seus olhos verdes eletrizantes,
que me avaliam com uma mistura de curiosidade e desprezo.
— O que você quer com o X?
Eu faço uma pausa. Eu sei que devo escolher minhas próximas
palavras com cuidado.
— Fale, garota ou eu vou acabar com você.
Sua ameaça me faz dizer a primeira coisa que vem à mente.
— Eu quero a ajuda dele para encontrar as garotas da Matilha da
Pureza sequestradas. Achamos que elas estão presas aqui.
Os bandidos ao meu redor riem e a mulher puxa o lenço para baixo,
com um sorriso nos lábios.
— Todos aqui são prisioneiros, garota.
Ela se aproxima, me inspecionando.
— E, por favor, me ajude a entender como o Alpha conseguiu colocar
seus brinquedinhos no lugar errado e por que eu deveria me importar.
Eu engulo em seco.
Se não acreditasse na inocência de Kaden, convencer esses criminosos
do mesmo será difícil. Não sei por onde começar. O que quer que eu diga
vai parecer estúpido.
É agora ou nunca.
— Kaden as sequestrou, mas foi forçado a fazê-lo por seu irmão
malvado, Coen. Foi ele que pegou as garotas e as prendeu aqui. Alpha
Kaden irá recompensá-lo por sua ajuda.
A expressão da mulher muda com a menção do nome de Coen.
— Por que eu deveria acreditar em uma vagabunda da Matilha da
Vingança como você?
Pego o capuz da minha capa e olho para Kace.
Seus olhos se arregalam. Ele sabe o que estou pensando e balança a
cabeça, implorando para que eu não o faça.
Desculpe, Kace.
Eu jogo para trás o capuz da minha capa e solto meu cabelo, deixando
as mechas loiras em cascata pelos meus ombros.
— Eu sou da Matilha da Pureza e essas meninas são minhas irmãs.

Um dos capangas mascarados abre uma escotilha no chão e seguimos a


mulher por um lance de escada de metal.
Kace está livre novamente e a tensão hostil do corredor se dissipou
em uma casualidade inquieta.
— X está aqui embaixo? — Eu pergunto.
— Sim, você o encontrará em breve, — responde a assassina.
O espaço que entramos a seguir é bem iluminado e cavernoso.
Passarelas elevadas envolvem as laterais para vários andares, e de cada
corrimão caem cortinas coloridas e aparecem suaves luzes brancas.
Parece um oásis ofuscante neste deserto sombrio.
Finalmente, vejo pessoas de todas as idades, centenas delas.
Algumas riem, algumas gritam. Outras se amontoam contra as
paredes, tentando dormir ou olhando fixamente para lugar nenhum.
— O que é este lugar? — Kace pergunta, esfregando as mãos.
— Isso tudo pertence ao X, — responde a mulher, sem se virar. — Ele
é dono de tudo nesta parte da cidade.
A gente cruza a multidão até chegarmos a uma seção do corredor
isolada por grandes telas de sucata de metal.
As garotas ficam do lado de fora em sofás. Eu examino seus rostos.
Nenhum delas é da minha matilha.
Um homem desalinhado se aproxima e conversa com uma das
garotas. Ela sorri e pega a mão dele, levando-o além das telas.
Quando meus ouvidos se concentram, ouço vozes de mulheres e
gemidos guturais de homens que emanam de trás da barreira.
A compreensão do que está acontecendo rapidamente se instala.
— Isto é um... um purgatório? — Eu pergunto.
— Você realmente é da Matilha da Pureza, — responde a mulher. —
Sim, é um bordel. Mas ninguém está aqui forçado. Minhas damas são
livres para entrar e sair quando quiserem.
— Suas damas? — Eu digo. — Você quer dizer...
Ela sorri, sem dúvida apreciando a expressão de pura confusão no
meu rosto.
— Isso mesmo. Eu sou X.
— Então, por que Kaden pensou... — Kace diz, sem se preocupar em
terminar seu pensamento.
— Vivemos em um mundo de homens, — X responde. — A
arrogância de seu gênero não tem limites.
X volta sua atenção para mim.
— Você é bem-vinda para examinar minhas garotas e qualquer outra
pessoa aqui, mas se eu tivesse uma garota da Matilha da Pureza sob meu
teto, eu saberia disso.
— Não estamos apenas procurando garotas da Matilha, — eu
respondo.
— Não? — X diz, levantando uma sobrancelha.
— Há uma da Matilha da Liberdade. Ela foi tirada de seu
companheiro e aprisionada aqui. O nome dela é Lexia.
X fica pálida. Seus olhos se intercalam entre mim e Kace.
Eu posso dizer que ela está em choque total.
Então, sem aviso, ela me agarra, empurrando a lâmina de sua adaga
em minha garganta.
— Diga-me como você sabe meu nome verdadeiro!
Capítulo 25
UMA CONEXÃO OBSCURA A adaga gira entre seus
dedos.
A lâmina reflete a luz em meus olhos.
Ninguém fala.
Eu, por medo.
Ela, por frieza.

MARA

Lexia se senta na nossa frente, recostando-se em sua cadeira. Seus olhos


verdes me encaram friamente.
Estamos em uma grande sala com botões e interruptores em todas as
paredes. Deve ter sido a sala de controle da usina.
Agora são os aposentos de Lexia.
Ela nos convidou para vir aqui depois que eu insisti que não era
necessário cortar minha garganta.
Sinto que Kace e eu estamos sendo julgados.
Talvez seja o fato de que o resto dos guardas de Lexia estavam em pé
atrás dela, também olhando para nós com hostilidade.
— Então, meu companheiro disse a você meu nome, — diz ela, com as
sobrancelhas erguidas em incredulidade.
Concluí que ela não gosta do conceito de ter um companheiro.
— E como ele sabe que é meu companheiro? — ela pergunta.
Sua pergunta me confunde. Como ela não se lembra de Grayson?
— Suas iniciais estão gravadas em uma árvore na Matilha da
Liberdade, — protesto. — Eu vi com meus próprios olhos.
Lexia joga a cabeça para trás e ri.
— Ah, aquele noivado gravado em casca de árvore? Sim, eu lembro. A
garota que fez essa marca morreu há muito tempo.
Eu não posso acreditar no que estou ouvindo. Como ela pode
repudiar seu companheiro?
— Mas Alpha Grayson...
— Eu não preciso de um companheiro, muito menos de um Alpha! —
Lexia afirma.
Eu mordo minha língua. A boca de Lexia se contorce em um sorriso
quando ela registra meu medo.
Ela se inclina para frente em sua cadeira.
— Você sabe o que aprendi enquanto morava aqui?
Eu balancei minha cabeça negativamente.
— Nunca confie em ninguém, nunca — especialmente em um Alpha.
Eu vejo seu rosto ficar amargo e feroz.
Então, por razões desconhecidas para mim, a severidade desaparece
do rosto de Lexia e uma risada louca emana de sua garganta.
Ela se dobra, quase caindo da cadeira.
Seus olhos brilham loucamente e me dou conta de como todos na
Cidade da Vingança são malucos.
Provavelmente estaria, também, se passasse tempo suficiente aqui.
— Amigo? Ninguém aqui quer um companheiro de merda! E um
Alpha? Você deve estar brincando comigo... sério, me diga que você está
brincando.
Eu fico olhando para ela sem expressão. Ela realmente está fora de si.
— Temos novidades, — ela ri, percebendo minha expressão, — Eu
não conheço uma única alma aqui que não mataria um alfa se tivesse a
chance.
Sua indiferença é desconcertante. Talvez eu não tenha explicado a
situação bem o suficiente.
— Todas as noites seu companheiro é forçado a se transformar em
uma fera furiosa. Eu vi em primeira mão. Ele quase me matou.
— Certo, — Lexia diz. — Coen o amaldiçoou também. É isso mesmo,
certo?
— Sim, e você é a única que pode quebrar a maldição. Se você voltar
com a gente, você pode libertar Alpha Grayson e...
— Escute, vadia, passei os últimos seis anos lutando para chegar ao
topo. Esta parte da cidade funciona como um negócio. Se você não está
no topo, você não vale nada, — ela diz cruelmente.
Ela faz uma pausa antes de continuar.
— É comer ou ser comido neste lugar. Você tem ideia do que é preciso
para ganhar respeito nesta cidade?
Estou em silêncio. Claro que não.
— Você acha por um segundo que eu vou embora porque alguma
princesa da Matilha da Pureza vem aqui me culpando por causa de um
companheiro que eu não quero?
Encolhendo-me, eu abaixo meu olhar.
— Não, eu...
— O que? Fale, princesa. Talvez se você sair dessa sua bolhinha
privilegiada para que eu possa ouvi-la direito.
Eu engulo, apesar da minha garganta seca. Ela me deixou sem fôlego e
não tenho certeza de como responder.
Na verdade, estou começando a ficar irritada com o quão pouco ela se
preocupa com a situação de Grayson.
Sem mencionar que ela continua me chamando de — princesa.
Kace coloca a mão no meu braço, sentindo minha irritação.
— Se você não voltar com a gente, vai pelo menos nos ajudar a
encontrar as garotas sequestradas? — ele pergunta.
Lexia joga os pés em cima da mesa e tira sujeira das unhas com a
adaga.
Kace e eu ficamos em silêncio esperando seu veredicto. Minha mente
se desloca para a faca na minha bota. Ainda não está claro para mim se
vamos conseguir sair deste lugar ou não.
Ela continua sentada em sua cadeira, seu humor mudando
novamente e bate a lâmina contra sua mão.
— Eu não sei onde as garotas estão. Mas eu gosto de vocês dois. Seus
corações são bons.
— Isso significa que você não tem nenhuma informação para nós? —
Eu pergunto.
— Olha, eu vou te dizer o que eu sei, mas eu não quero nem sentir o
cheiro de vocês no meu território novamente.
Ela continua.
— Eu não preciso de estranhos metendo o nariz no meu negócio,
principalmente Alpha Kaden e o resto de seu clã consanguíneo. — Tenho
medo de pensar no que ela faria se soubesse que estava falando com a
companheira e o irmão mais novo de Kaden.
— Kaden foi inteligente ao enviar embaixadores. Se ele tivesse vindo
pessoalmente, eu teria cortado sua garganta, — ela acrescenta,
admirando sua adaga.
— Nós prometemos que você nunca mais nos verá novamente por
aqui, — Kace concorda. — Não vamos contar a ninguém sobre este lugar.
Lexia parece satisfeita com sua resposta.
— E você? — ela pergunta, olhando para mim.
— Se as pistas me apontarem de volta para cá, você me verá
novamente.
Ela sorri.
— Se você se cansar de trabalhar para o Alpha, eu poderia usar
alguém com sua coragem.
— A informação? — Kace pressiona.
— Alguém está ansioso, — brinca Lexia. — Sua companheira está
entre elas ou algo assim? Ou você gosta de bancar o herói mesmo?
— Por favor, — eu pergunto. — Não podemos ficar aqui muito mais
tempo.
— Quer dizer que não vai jantar conosco? — Lexia pergunta
seriamente. — Estamos assando os corpos agora.
Kace e eu trocamos olhares preocupados. O que ela quer dizer com
corpos? Antes que eu possa resmungar uma desculpa do por que não
podemos comparecer, Lexia cai na gargalhada de novo.
— Vocês caem muito fácil, — diz ela. — Você realmente acha que
comemos nossa própria espécie?
Lexia se levanta e enfia a adaga de volta em seu cinto.
— Tudo bem, vou parar de brincar com você. Aqui está o que eu sei.
Há alguns meses, esses homens estranhos chegaram aos guetos do norte.
Ela continua.
— Não muito depois, as pessoas começaram a desaparecer. Logo,
todos fugiram para o sul, e agora ninguém passa dos trilhos.
— Estranho como? — Kace pergunta.
— Todos eles usam sobretudos e raspam a cabeça. E cada um deles
tem uma marca escura no rosto.
— Como uma tatuagem? — Eu pergunto.
— Não, elas não são desenhos. Como marcas de nascença ou uma
mancha. Todos eles compartilham essa mesma forma. Eles meio que se
parecem com ampulhetas, — ela responde. — Aqui, vou desenhar para
você.
Lexia pega sua adaga e grava um — X — na mesa, então conecta as
pontas de forma que forme dois triângulos com suas pontas se tocando.
— Pronto, parece algo assim.
Eu traço o contorno com meu dedo. A forma parece inocente, mas
quanto mais eu olho para ela, mais sinistra ela fica.

Felizmente, o carro está onde o deixamos e voltamos à civilização sem


problemas.
Assim que puxamos o portão da fortaleza, eu pulo para fora do carro e
corro para os aposentos de Kaden.
A viagem não foi tão frutífera quanto eu esperava que fosse, mas pelo
menos resolvemos o mistério do que aconteceu com a companheira de
Grayson. Ainda não sei como vou dar a notícia a ele. É claro que não há
como salvar Lexia.
— Indo para algum lugar?
Eu me viro para ver Coen parado atrás de mim. Seus olhos se
arrastam pelo meu corpo e não posso evitar o arrepio de nojo que desce
pela minha espinha.
Tenho um desejo poderoso de socá-lo bem no rosto.
— Espero que você não esteja tentando se esgueirar para os aposentos
de Alpha Kaden, — ele brinca, como se soubesse mais do que aparentava.
Eu respiro fundo.
— Eu estava só de passagem.
— Você se importaria de se juntar a mim, então? — ele responde, sua
voz suave como brisa.
Lembro a mim mesma que ainda não temos informações suficientes
sobre as garotas.
Tudo que eu preciso é de alguma pista de onde ele as está mantendo.
Naquele momento, vejo Kaden nos observando do topo da escada.
Ele parece diabolicamente bonito, mas seus lábios estão definidos em
uma linha sombria.
Ele disfarçadamente bate algumas vezes em seu relógio, em seguida,
faz um gesto por cima do ombro.
Ele quer que eu o encontre em seu quarto quando eu terminar.
E eu quero.
— Então, — murmuro, voltando minha atenção para Coen, — por
que você e eu não conversamos sobre isso no seu quarto?
A ideia parece agradá-lo e ele me leva escada acima.
Quando chegamos ao quarto de Coen, ele se joga na cama. Ele
claramente espera que eu me junte a ele.
Em vez disso, vagueio pelo quarto, tentando fazer parecer que estou
inocentemente fascinada com o que me rodeia.
Na verdade, estou vasculhando o local em busca de qualquer
informação útil que possa encontrar.
— Eu já te disse que você é linda? — Coen pergunta preguiçosamente.
Eu franzo o rosto, feliz por ele não poder ver, pois estou de costas.
Os papéis em sua mesa contêm pouco mais do que rabiscos mal-
feitos de um psicopata entediado.
— Talvez, — eu respondo, continuando minha busca velada.
O quarto é surpreendentemente vazio para um sequestrador
assassino, embora me ocorra que os ornamentos simplórios não são
diferentes do meu próprio quarto.
— Bem, você é linda, — ele insiste.
Antes que eu possa dar mais um passo, eu o sinto atrás de mim.
Seus braços envolvem minha cintura e eu recuo quando seu peito
pressiona contra minhas costas e seus lábios acariciam minha nuca.
— Como você está nervosa! — Ele provoca, rindo no meu ouvido.
Soltei uma risada ofegante, tentando soar descontraída.
— Estou um pouco nervosa, Alpha Kaden pode entrar novamente, —
eu respondo, minhas mãos apoiadas contra a mesa.
Ele me empurra para frente, esfregando sua pelve contra minhas
costas.
— Ele não vai, — Coen me assegura, tentando mordiscar minha
orelha. — Eu me certifiquei que ele entendesse quem manda.
Coen ainda não tem ideia de que seu domínio sobre Kaden foi
quebrado.
Eu me pergunto como vai ficar sua cara quando ele descobrir.
Coen parece mudar de ideia sobre me levar para a mesa e me empurra
para a cama.
Sento-me nervosamente na beirada enquanto ele se deita nos lençóis,
me olhando com interesse.
Enquanto ele tira os sapatos e as meias, eu vasculho minha mente,
tentando pensar no que fazer a seguir.
Então, algo em seu tornozelo chama minha atenção. É um par de
manchas escuras, cada uma não maior que uma moeda.
Eles parecem aleatórios, mas de alguma forma familiares.
Eu inclino minha cabeça e imediatamente reconheço a forma.
É uma ampulheta.
Eu congelo, paralisada. Tento esconder meu medo, mas é tarde
demais.
— Oh, você notou minha marca, — diz ele, enrolando a perna da
calça. — Você gosta disso?
— O que é? — Eu pergunto, fingindo curiosidade.
Coen esfrega o polegar contra a marca, em seguida, olha para mim e
sorri.
— É minha maldição.
— Como você conseguiu isso? — Eu pergunto, esperando por outro
bocado de informação.
Ele balança a cabeça e sorri.
— É um segredo. Mas chega de falar sobre mim, — diz ele,
acariciando meu cabelo. — Vamos falar sobre você.
Eu olho em seus olhos e sei que preciso agir rapidamente.
Eu me levanto sem dizer uma palavra.
Eu preciso sair daqui. Eu preciso encontrar Kaden.
A tatuagem de ampulheta é apenas uma pequena pista, mas é um
começo.
— Onde você está indo? — Coen pergunta.
Eu lanço para ele um sorriso doce.
— Ao banheiro feminino. Tenho andado com a Matilha da Liberdade
nos últimos dias. Eu preciso me recompor.
Estou prestes a abrir a porta, mas pulo para trás assustada quando
Coen se lança para fora da cama.
Ele gira em torno de mim, bloqueando minha fuga. Ele bate à porta.
— Oh sério? — ele diz. — Mas estamos apenas começando a nos
conhecer...
Eu engulo em seco.
Eu preciso passar essa informação para Kaden.. mas eu sei que Coen
não vai me deixar.
Como vou sair daqui?
Capítulo 26
TRAMAS E PACTOS
Temos um rastro, uma pista.
Agora eu preciso sair daqui.
Mas aquele olhar em seus olhos...
Que preço estou disposta a pagar para resgatar Milly?

MARA

Coen se inclina para perto.


Tento suprimir meu medo. Posso dizer pelo olhar em seus olhos o
que ele quer fazer.
Minha mente luta por uma desculpa para sair. Acho que apelar para o
ego dele pode ser a melhor maneira.
Eu cerro os dentes e me preparo para contar a maior mentira do
mundo.
— Sabe, Coen, acho que você seria um Alpha e líder melhor do que
Kaden. Ele é um covarde... enquanto você é forte e... tão bonito.
Coen sorri e eu relaxo por um momento. Isso pode funcionar. Mas
então ele me pega de surpresa.
— Você não quer ficar comigo? Se fôssemos companheiros,
poderíamos levar este bando à grandeza.
— Eu quero ser sua, — eu digo. — Mas eu quero que nossa primeira
vez seja especial, não é?
Urgh.
Meu estômago se revira quando as palavras deixam minha boca.
Eu aproveito e emendo outra mentira:
— Sem falar que estou no meu período menstrual.
Coen franze o rosto em desgosto.
Bom. Agora é minha chance.
— Vamos esperar então, — ele diz. — Eu não gosto de bagunça.
Eu evito Coen e abro a porta, lutando contra a vontade de correr
enquanto eu lentamente me afasto.
No momento em que estou fora do seu alcance, fujo para o único
lugar da fortaleza onde me sinto segura.
Batendo suavemente na porta do quarto de Kaden, ouço o barulho de
pés do outro lado.
— Espere um segundo, — diz Kaden através da porta. Tento a
maçaneta, apenas para descobrir que está trancada. Eu olho por cima do
ombro, esperando que Coen apareça a qualquer segundo.
— Eu preciso entrar! — Eu insisto em uma voz tão alta quanto ouso.
Eu ouço a fechadura abrir e não espero por Kaden. Empurrando a
porta, fecho-a rapidamente atrás de mim e a tranco.
— Por que demorou tanto? — Eu exijo.
— Desculpe, eu estava tentando me vestir. Está tudo bem? — Kaden
pergunta, seu torso sem camisa à mostra.
— Oh, você sabe, seu irmão gêmeo malvado acabou de tentar me
foder novamente. As coisas de sempre.
— É isso, vou tirar você daqui, — ele responde. — Eu não posso
suportar a ideia de ele tocar em você.
— Você não precisará fazer isso por muito mais tempo, — eu digo.
Os olhos de Kaden se iluminam.
— Você encontrou algo?
— Bem, primeiro eu preciso explicar o que aconteceu na Cidade da
Vingança.
— Kace já me contou tudo, — diz Kaden, me interrompendo. —
Lamento ouvir sobre Lexia, mas ela poderia ter sofrido um destino muito
pior.
— Kace disse a você o que ela nos contou? Sobre os homens com as
marcas?
— Sim, ele disse, — responde Kaden.
— Bem, seu irmão tem a mesma marca no tornozelo. Eu vi quando
estávamos em seu quarto. Ele me disse que é sua maldição, mas eu sei
que tem que ter alguma conexão com seus poderes.
Eu observo o rosto de Kaden enquanto ele processa as informações.
Ele está pensando em algo, mas não sei o quê.
— Você tem um plano? — Eu pergunto.
— Isso é o que estou tentando descobrir.
Ele olha para mim e seu rosto brilha. Minha mente não consegue
evitar pensar em sexo.
Anos de dogmas da Matilha da Pureza deveriam me proteger contra
tentações como essas, mas meu corpo excitado é a prova do dogma
delirante de meu bando.
— Seu zíper está abaixado, — eu digo, caminhando até ele com um
olhar sedutor.
Ajoelho-me para ajudá-lo, mas em vez de fechar sua braguilha, abro o
botão de sua calça.
Eu olho para cima para ver sua reação.
Ele lentamente coloca sua mão sob meu queixo, sua palma quente
contra minha pele.
— Suba aqui, — ele diz afetuosamente.
— Eu gosto da vista aqui embaixo, — eu digo, olhando para a
protuberância crescente em sua cueca.
Em um flash, Kaden me puxa e silencia meus protestos com um beijo
ardente.
Eu envolvo meus braços em volta do seu pescoço e saboreio os beijos
que ele marca na minha pele. Estou morrendo de vontade de ficar entre
os lençóis e deixá-lo me tomar por inteira.
Eu sinto suas mãos vagando pelo meu corpo e indo para a parte de
trás das minhas coxas.
Entendendo suas intenções, eu pulo, envolvendo minhas pernas em
volta de sua cintura.
Ele me leva até sua cama de dossel e me deita.
Eu deslizo minhas mãos sobre os lençóis de seda. Parece que estou
flutuando na água.
Kaden paira sobre mim, seus olhos brilhando com a mesma paixão
intensa que eu sinto queimando dentro de mim.
Ele retoma o ataque de beijos e lambidas que faz tão bem. Ele me livra
da camisa e do sutiã e pressiona sua pele nua contra a minha.
Suas mãos acariciam minha cintura e seios, me estimulando de
maneiras que nunca conheci.
Minhas próprias mãos exploram os sulcos de suas costas largas,
tomando cuidado com suas cicatrizes recentes.
O toque de sua boca contra meu peito me faz pular e gemer de prazer.
Eu corro minhas mãos pelo cabelo de Kaden enquanto ele levanta
meus quadris alto o suficiente para deslizar minha calça e calcinha.
Pego seu rosto com as duas mãos e o forço a olhar para mim.
— Seja gentil, — eu digo, tremendo de antecipação.
— Eu vou te reverenciar, — ele responde, beijando minha mão.
— Você sabe que eu te amo, certo? — Eu digo, quase engasgando com
a sinceridade em minhas palavras.
Seu olhar se suaviza e ele balança a cabeça lentamente.
Não tenho certeza do que aconteceu comigo, que doença do desejo e
da necessidade assumiu minha mente, mas Kaden me consome
completamente. Tudo o que desejo é estar perto dele.
— Eu não sei se serei capaz de me segurar... — Ele para, suas pontas
dos dedos passando pelo meu pescoço onde sua marca iria.
Eu pego sua mão e aperto.
— Vamos, — eu imploro, levantando meus quadris para que
pressionem contra os dele.
A doença da luxúria se espalhou por todo o meu corpo e agora está
além do meu controle.
Kaden exala e posso ver as últimas restrições de sua compostura se
esvaindo como água.
— Prometa-me que você se tornará um membro da Matilha
Vingança, — ele insiste, seus lábios roçando os meus.
Eu me sinto balançando a cabeça. Não há nada que eu não faria por
ele.
— Perfeito, — ele ronrona. — Eu não vou me segurar.
Ele tira o resto de sua roupa e me monta.
Seus olhos se embriagam ao me ver. Agora eu quero vê-lo.
Eu fico olhando para baixo entre suas pernas. O que vejo me deixa
boquiaberta.
Eu vi pênis na Matilha da Vingança, mas nenhum como o dele.
— Eles são tão grandes assim? — eu grito, alarmada com a ideia dele
cabendo dentro de mim.
Ele sorri e beija minha testa.
— Eu sou um Alpha, lembra?
Eu suspiro nervosamente. Estou totalmente indefesa sob ele, com
meus braços ao lado do corpo e minhas pernas abertas.
Ele beija meu pescoço suavemente.
— Você está pronta?
Isso está realmente acontecendo. Não há como voltar agora.
Eu aperto minha mandíbula e aceno com a cabeça.
— Sim, eu confio em você, Kaden.
E eu confio.
Ele desliza para dentro de mim e minhas unhas cravam em seus
braços musculosos.
A dor que sinto não é nada que já experimentei antes. Isso me faz
chorar de surpresa.
Kaden olha para mim, seus olhos preocupados quando ele faz uma
pausa.
— Eu posso parar se você quiser.
Eu vejo a maneira como ele fica olhando para o meu pescoço e sinto a
forma como seus músculos se tensionam.
Ele está se segurando. Contendo-se do desejo selvagem e primitivo
que eu sei que ele anseia ceder.
Eu balancei minha cabeça. Eu quero isso. Eu quero meu
companheiro, agora e para sempre.
Eu envolvo minhas pernas em volta de sua cintura, puxando-o para
perto.
Eu sinto a plenitude dele dentro de mim. Ele rola seus quadris
deliciosamente contra os meus, e a dor começa a diminuir.
Seu corpo pulsa contra o meu; o poder de cada impulso me faz gemer
incontrolavelmente.
Eu não me importo com quem ouve. Tudo que desejo é o prazer que
Kaden me dá.
Sua velocidade aumenta, para minha excitação.
Seus lábios roçam meu pescoço e posso dizer que ele está resistindo à
vontade de me marcar.
Eu capturo seus lábios com os meus, distraindo-o enquanto fazemos
amor ao luar que flui através de sua janela.
E quando de repente eu perco o controle do meu corpo, minha mente
consumida pelos pensamentos do meu companheiro, eu cravo minhas
unhas em suas costas e grito impotente.
Kaden segue logo atrás, mergulhando profundamente dentro de mim
e gemendo enquanto expele sua liberação quente.
Exausto, sinto Kaden sair de mim.
Ele rola, tentando recuperar o fôlego.
Eu viro minha cabeça e sorrio para ele, ignorando a dor persistente
entre minhas pernas.
Eu o amo.

Deitamos juntos e trocamos beijos suaves por horas.


É perigoso — estarmos aqui juntos — mas não nos importamos.
Esta não deveria ser a — nossa — história. Apaixonar-se não era o
plano.
Mas nunca senti emoções tão poderosas antes e nunca me senti tão
bem.
Somos puxados para fora do nosso mundo com o som de alguém
passando no corredor do lado de fora.
— Precisamos nos separar, caso Coen nos veja, — Kaden diz, saindo
da cama. — Eu deveria ir investigar os homens com a marca negra.
Eu tropeço para fora da cama atrás dele e imediatamente sinto o calor
inundar meu corpo. Eu balanço e Kaden me pega.
— Você está bem? — ele diz.
Eu aceno e gaguejo uma resposta:
— Sim, apenas me sentindo um pouco quente.
Nós nos vestimos, então Kaden sai enquanto eu desço para o corredor
principal para tomar café da manhã.
Kace já está sentado à mesa de jantar.
Quando me sento, sinto uma sensação de queimação percorrer meu
corpo.
Kace franze a testa para mim do outro lado da mesa.
— O que? — Eu pergunto, largando meus talheres.
— Você é companheira de Kaden, — ele responde, brincando com a
comida em seu prato, — mas ele não marcou você.
Eu franzo meus lábios.
— Não podemos permitir que Coen saiba sobre nós.
— É um jogo perigoso.
Ele parece genuinamente preocupado com o fato de que Kaden e eu
não estamos oficialmente acasalados, mas não entendo por quê.
— O que você quer dizer?
— Você vai sentir a Febre em breve, — ele diz sem rodeios.
— Febre? O que é isso?
— O que eles te ensinam na Matilha da Pureza? — ele diz, incrédulo.
— Lobisomens que não marcam um ao outro logo depois de perceber
que são companheiros ficam um pouco... loucos.
— É claro que a Matilha não sabe disso, — Kace diz para si mesmo. —
Vocês estão todos acasalados e casados, assim que fazem dezoito anos. —
Eu tento me lembrar da escola e se já ouvimos falar de algo assim. Então
eu me lembro... da Febre Escarlate.
Eles até nos ensinaram uma pequena rima:
Quando você encontrar seu companheiro, Melhor ser marcado por
inteiro,
Pois se tudo que você faz é fornicar, Você será a presa Escarlate,
E uma febre em você vai borbulhar,
Sim, você terá a Febre Escarlate,
Não há mais nada que você possa fazer, Até que cada homem te encha de
prazer.
Kace continua:
— Tudo começa com o primeiro toque. Ele aumenta lentamente
conforme eles se aproximam cada vez mais, antes de finalmente estourar.
— Mas como pode ser tão forte? — Eu pergunto. — Nós só fizemos
sexo pela primeira vez na noite passada.
Kace balança a cabeça.
— Não é sexo; é baseado no toque.
Tento me lembrar. Quando Kaden me tocou pela primeira vez?
Ele está usando luvas de couro o tempo todo... mas não as estava
usando quando me arrancou da cama.
Isso foi há quatro semanas. Foi um mês inteiro da Febre aumentando.
— Por que Kaden não me contou? — Eu pergunto.
Kace dá de ombros.
— Ele provavelmente nem sabe. Antes de você, ele era apenas um
buscador de prazer e não se importava com as mulheres com quem
estava.
— O que vai acontecer comigo? — Eu sussurro.
Kace explica:
— Primeiro você terá febre... Então todos os outros lobos não
acasalados tentarão reivindicá-la.
Me reivindicar?!
— Existem centenas de lobos não acasalados que vivem na Cidade da
Vingança, — murmura Kace. — E todos eles estarão atrás de você.
Kace prolonga sua explicação, como se gostasse de me ver em pânico.
Ele continua.
— Eles vão te caçar, e você não será capaz de detê-los, porque você só
vai ser uma cadela no cio.
Kace sorri com sua piada grosseira, em seguida, pega seu prato e sai.
Uma horda de lobos com tesão vindo atrás de mim. Excelente.
Eu estou perdida.
Kaden poderia me marcar e eu não iria ter a Febre.
Mas se fizermos isso, Coen saberá que estamos juntos.
O que vou fazer?
Capítulo 27
PERSEGUIÇÃO FEBRIL
Ainda não consigo acreditar que a noite passada aconteceu.
Mara, nua, na minha cama.
Eu faria qualquer coisa para estar com ela agora.
Mas minha matilha guarda segredos obscuros.
Eu preciso saber quais são.

KADEN

Foi imprudente da minha parte fazer amor com Mara quando Coen
ainda é uma ameaça, mas nossas paixões nos fazem de tolos.
Eu quero ficar com ela, ficar perto de seu corpo quente, mas tenho
que ir embora.
Sua menção à marca de Coen não passou despercebida por mim.
Sei que ele está deixando a fortaleza por alguns dias a negócios que se
recusa a revelar. Não faz diferença.
O importante é que agora tenho liberdade para fazer algumas
investigações por conta própria.
Todo mundo pensa que eu negligenciei os podres da Cidade da
Vingança, mas isso faz parte do meu plano.
O governante dos guetos sabe de tudo e de todos que vão e vêm na
minha matilha e quero ver o que dizem quando os consultar com essas
novas informações.
Só espero que o líder me deixe entrar. Não temos nos falado desde
que a roubei de sua matilha.
O fedor da cidade entra nas minhas narinas como leite estragado.
Eu furtivamente faço meu caminho através dos montes de lixo fétido
até a usina de energia, onde ela estará.
Só espero que ela não atire em mim imediatamente.
Assim que chego à porta da frente, uma flecha é disparada no chão a
apenas alguns centímetros do meu pé.
Eu olho para cima e vejo as silhuetas dos guardas, cada um apontando
uma besta para mim.
Estou cercado por todos os lados, não tenho como escapar.
— Eu só quero conversar, — eu grito, minha voz ecoando ao redor da
praça.
Uma mulher negra emerge das sombras, seu cabelo encaracolado
ondulando atrás dela.
Ela é flanqueada por seis soldados mascarados brandindo uma
variedade de porretes e machados mal construídos.
— Alpha Kaden. Tive a sensação de que você nos faria uma visita.
Alguns dias atrás, eu não reconheceria a mulher na minha frente, mas
depois das descrições de Kace e Mara, não tenho dúvidas sobre sua
identidade.
— Meu Deus, Lexia, como você cresceu, — eu respondo.
Eu deixei minha mão cair de volta para o meu lado, e Lexia fez um
gesto para que seus homens abaixem as armas.
— Fale logo, — ela diz. — Por que você está aqui?
— Estou aqui apenas para descobrir como Coen se conecta aos
homens marcados.
Lexia ri.
— Você é realmente tão cego, Kaden? Enquanto você relaxa em sua
torre de marfim, não consegue ver as formigas ocupadas erodindo suas
fundações.
— O que você está falando? — Eu pergunto, tentando o meu melhor
para permanecer diplomático.
— Uma insurreição está sendo planejada. Seu irmão e seus homens
estão apenas esperando o momento certo para desencadear o caos.
— Ele já tem o controle do bando, — eu falo de volta. — Pelo menos
ele pensa que sim. Que razão ele tem para esperar?
— Ele não está apenas atrás do seu bando de merda, — Lexia sibila,
seus olhos ganhando vida. — Ele quer controlar todas as matilhas.
Esse plano é ambicioso, mas percebo que não está fora do reino das
possibilidades.
Coen tem o poder de nos amaldiçoar. Grayson ainda está sob seu
feitiço.
Por que ele não tentaria colocar os outros alfas sob seu controle?
— Por que você está me contando isso? — Eu pergunto.
Lexia se aproxima, seus olhos esmeralda pulsando na escuridão.
— Eu nunca vou ser escrava de ninguém novamente, Kaden. Nenhum
de nós pode parar Coen por conta própria. O que você acha, Alpha? Você
está disposto a fazer um acordo?
Lexia lambe os lábios e mostra suas presas brancas ofuscantes.
Eu olho para seus homens e considero minhas opções. Se eu recusar,
há poucas chances de eu sair daqui vivo.
Eu penso em Mara. Ela não tem ideia de que estou aqui.
O pensamento de vê-la novamente é tudo o que importa.
— Tudo bem, Lexia, vamos conversar.

Eu me pressiono contra as pedras irregulares que dão para a velha


estação de trem, tentando não me mover.
Lexia arrumou um jeito para eu entrar nos guetos do norte para que
eu possa ver melhor esses homens marcados.
Eles emergem de um túnel escuro cavado no solo, transportando
caixas e equipamentos para um vagão abandonado.
Suas cabeças raspadas e respiradores dão uma aparência quase
estranha.
Para onde leva o túnel? O que tem aí?
Quando terminam de transferir a carga, eles se dispersam de volta
para os guetos, longe do túnel.
Eu me arrasto para frente, certificando-me de que a barra está limpa,
antes de correr silenciosamente para a entrada.
Eu olho para o vazio, mas não vejo nada. Com os ouvidos atentos
ouço ecos de máquinas e estrondos de metal vindos do outro lado do
túnel.
Meu instinto diz para não ir até lá, mas essa pode ser a peça que
faltava no quebra-cabeça.
Dou um passo e sou imediatamente engolido pela escuridão.

MARA

Enquanto espero por Kaden, o calor dentro de mim começa a piorar.


Nervosamente ando pelo corredor, tentando dissipar a chama que
está percorrendo meu corpo.
Eu pulo quando ouço rodas no cascalho perto do portão da frente.
Eu corro para a porta e vejo dois carros pretos passando pela entrada.
Um é definitivamente o carro de Kaden, então quem está no outro?
Os carros param e Kaden sai, seguido por Grayson e Evan.
Eu corro para Kaden e o abraço. O calor dentro de mim se dissipa
imediatamente.
— Eu fui para a Cidade da Vingança esta manhã, — Kaden diz
enquanto acaricia meu cabelo.
— Eu fui até onde os homens marcados estão e descobri que estão
operando no subsolo. Eles têm toda uma rede de túneis, que vão da
Cidade da Vingança até o Labirinto de Knossian.
— O labirinto o quê? — Eu pergunto.
— Você se lembra do labirinto onde você acordou quando eu te
trouxe aqui?
Eu estremeço com a memória. Parece que foi há muito tempo, mas
ainda me lembro do horror que senti com uma clareza chocante.
— Sim, eu me lembro.
— Eu só desci um túnel, mas havia muitos mais, — responde Kaden.
— Tenho certeza de que as garotas estão lá em algum lugar.
— Então o que estamos esperando? — Eu grito. — Vamos reunir seus
homens e invadir os túneis!
— Não é tão simples, — responde Kaden. — Eu também falei com
Lexia. Ela me disse que Coen está planejando uma insurreição para
assumir o controle de todos os bandos.
Kaden gesticula para Grayson e Evan atrás dele antes de continuar.
— Eu preciso reunir os outros Alfas antes de atacarmos. A Matilha da
Liberdade já prometeu apoio, mas preciso de mais. Isso levará alguns
dias.
— Minhas irmãs estão sofrendo lá embaixo, — grito. — Não temos
tempo para você falar com os outros Alfas. Precisamos fazer algo, agora!
— Coen é o vilão, assim que o pegarmos, podemos salvá-las, — diz
Kaden. — Mas não podemos entrar com pressa, Mara.
Sinto uma explosão de fogo percorrer meu corpo.
— Eu preciso que você fique comigo! — Eu respondo.
— Por que? Algo está errado? — Kaden pergunta, seu rosto cheio de
preocupação.
— Estou queimando quando não estou com você, — eu digo. — Kace
me contou sobre a Febre. Se você for, todos os lobos não acasalados na
cidade da Vingança vão tentar me possuir!
Kaden fica branco.
— Ah não! Não pensei que isso fosse acontecer tão cedo!
— Está aumentando desde que nos tocamos pela primeira vez, — eu
digo. — Eu preciso que você me marque!
— Eu não posso marcar você, — diz Kaden. — Se eu fizer isso, Coen
saberá que algo está errado e ele vai matar as garotas.
— O que vamos fazer então? — Eu pergunto.
— Eu organizei um encontro com os outros Alfas para esta noite, —
Kaden responde. — Assim que eu voltar marcarei você, mas agora não é o
momento. Eu tenho que ir.
Lágrimas começam a rolar pelo meu rosto. Ele está indo embora, bem
quando eu mais preciso dele.
— Ligue se acontecer alguma coisa, — diz ele.
Ele fica em silêncio por alguns segundos antes de me agarrar pela
cintura e me beijar. Ele deixa seus lábios demorarem nos meus.
Meu coração dói e minha pele esfria quando ele se vira e volta para o
carro com Grayson e Evan.
Eu fico e vejo seu carro se afastar na noite.
Mal posso esperar por ele voltar para salvar minhas irmãs.
Uma hora pode ser a diferença de uma outra garota viver ou morrer.
Eu não vou mexer um dedo enquanto Kaden estiver brincando de
diplomata.
Não tenho ilusões sobre o que acarreta a inexplicável — viagem de
negócios — de Coen.
Acho que terei que resgatá-las sozinha.
Eu corro de volta para dentro e pego Kace saindo de seu quarto. Eu
chamo por ele.
— Mara? — ele diz, virando-se. — Fique longe de mim. Não quero seu
odor hormonal aquecido perto de mim!
Eu me encolho com suas palavras, mas vou direto ao assunto.
— Kace, me dê suas chaves. Kaden me disse que as garotas estão no
labirinto. Eu vou salvá-las.

Kace insiste em vir comigo para salvar as garotas.


Ele sabe que não há maneira de me parar e que Kaden vai arrancar
cada membro de seu corpo se descobrir que me deixou ir sozinha.
A lua cheia lança uma luz esbranquiçada no labirinto.
É estranho estar de volta, olhando para as paredes das quais tentei
sair quando corri para salvar minha vida.
Tudo parece tão pitoresco da minha vista na colina, seu formato
assustador quase agradável.
Não demorou muito para localizarmos o brilho vermelho de uma
lanterna serpenteando pelo labirinto.
— Veja! Simplesmente desapareceu, — eu digo, apontando para o
local onde a luz se apagou. — Aposto que é onde fica o túnel.
Eu rastejo para frente de bruços. Quando tenho certeza de que Kace e
eu estamos sozinhos, me levanto e vou para a abertura.
Eu olho para a entrada do túnel, mas está escuro como breu. Mesmo a
lua acima de nós não consegue penetrar na escuridão.
O cheiro de solo úmido emana de dentro.
Pego uma lanterna no bolso, mas Kace faz sinal para que eu a guarde.
— Nós seremos vistos se você usar isso. Nossos olhos vão se ajustar,
— diz ele. — Até então, vamos ficar perto das paredes. Eu irei primeiro.
Estendendo as mãos, Kace caminha para o vazio.
Ouço o som de um cabo e o ranger de uma dobradiça. Ouve-se um
ruído sibilante seguido de um baque abafado.
Kace emite um grito gorgolejante e seu corpo fica mole, mas de
alguma forma ele permanece de pé. Eu coloco minhas mãos em volta
dele e descubro o motivo.
Um par de estacas de madeira projetam-se de seu peito. Foi uma
armadilha.
Nunca vi tanto sangue em minha vida.
Os olhos de Kace estão revirados. Seu corpo sem vida está suspenso
no ar como uma espécie de manequim macabro.
Eu luto para segurar o grito que está preso na minha garganta. Não
tenho dúvidas de que o grito de Kace já os alertou de nossa presença.
Eu me afasto do corpo de Kace e me viro para correr, mas alguns
metros à frente, meu caminho está bloqueado por três homens grandes
em sobretudos.
Estou presa.
Agora vou me juntar a Milly como prisioneira do labirinto.
Capítulo 28
VISÃO NOTURNA Não consigo tirar da minha cabeça a
aparência de Mara quando saí.
Foi inteligente deixá-la? Estou fazendo a melhor escolha?
Apenas três dos nove Alfas restantes vêm me encontrar Será que os outros
acham que sou somente um lobo uivando para a lua?
Eles que morram então quando a guerra chegar

KADEN

Tenho pouco tempo.


Quero voltar para Mara, cuidar dela e fazer amor incessantemente.
Mas também tenho que combater a ameaça de Coen, e essa é a única
maneira de fazer isso.
Estou na Matilha do Amor. É o único lugar que todos os Alfas
concordam em se encontrar.
O lugar me enoja. Garotas e garotos com olhos grandes e inocentes
andam seminus, agarrando-se uns aos outros.
Uma atmosfera descarada de flerte casual e feliz ingenuidade permeia
o ar.
Alpha Rylan da Matilha da Pureza e Alpha Landon da Matilha do
Poder estão sentados do outro lado da mesa. Grayson se senta ao meu
lado.
— Alguém viu Alpha Malik? — Eu pergunto. — Eu quero começar.
— Talvez ele esteja tentando matar o bebê de alguém, — Landon
comenta, lançando um olhar frio em minha direção.
É óbvio que ele ainda está chateado com Althea, apesar da minha
explicação.
A porta da sala do conselho se abre e eu encontro um par de olhos
azuis vítreos em um rosto familiar.
Alpha Malik da Matilha do Amor.
Para um Alpha, ele parece não muito arrumado. Anos de boemia
suavizaram seu corpo e avermelharam suas bochechas.
Percebo que os botões de sua camisa estão todos desabotoados e seu
cabelo está desgrenhado.
— Eu estou atrasado? — ele diz, sentando na cadeira em frente a
mim.
Ele exibe um meio-sorriso arrogante, deixando claro que sua
pergunta é mais sarcástica do que sincera.
— Ora, ora. Kaden, — ele murmura.
Suas palavras se misturam no estranho sotaque cantado com o qual
essas aberrações da Matilha do Amor sempre falam.
Com o canto do olho, vejo uma jovem enfiando a cabeça pela porta.
Ela não parece ter mais de quinze anos.
Ela olha para dentro e pisca para Malik antes de se retirar. É bastante
óbvio o que os dois estavam planejando.
— Seu bando sabe que você fode garotas assim por diversão?
O sorriso de Malik não vacila. Em vez disso, seus olhos azuis
intensificam o brilho.
— Oh, Kaden. Você é sempre tão duro com tudo. Eu faço amor com
minhas parceiras, — diz ele, esticando os braços em direção ao teto.
Ele continua.
— Embora eu não espere que você entenda a diferença. Se não me
engano, é você que tem o hábito de sequestrar garotas antes de fazer sexo
com elas.
Suas palavras doem.
— É por isso que estou aqui, — respondo.
— Aparentemente, Kaden estava sob alguma maldição, — diz
Landon.
— Ele está dizendo a verdade, — Grayson rosna. — Eu vi a maldição
se desfazer com meus próprios olhos. Coen amaldiçoou Kaden como ele
me amaldiçoou.
— Se você sabe como quebrar a maldição, então por que ainda está
aflito? — Landon pergunta.
— Porque só pode ser quebrado por um companheiro, — Grayson
responde, sua frustração fica evidente.
Eu vejo o desespero em seus olhos.
Já sou responsável por tanto sofrimento que não tenho certeza se
posso suportar a culpa de esconder de Grayson o que sei sobre Lexia.
— Isso tudo é fascinante, senhores, de verdade, mas podemos voltar
ao real motivo de vocês nos chamarem aqui? — entoa Rylan em seu jeito
de falar da Matilha da Pureza, sempre querendo ser o senhor da razão.
Ele e eu nunca ficamos cara a cara por motivos óbvios.
Ele cheira a uma aura hipócrita que faz com que todos se dobrem de
joelhos. Todos menos eu, é claro.
— Eu preciso de sua ajuda, — eu admito, forçando as palavras a
saírem por entre meus dentes cerrados.
Não é fácil para um Alpha solicitar a ajuda de outro. Especialmente de
Landon e Rylan, que têm todos os motivos para me desprezar.
Malik sorri. Ele está amando isso.
— E como podemos ajudá-lo? — Rylan pergunta.
— Meu irmão, Coen, está planejando uma revolta para assumir o
controle de todos os bandos.
Os outros Alfas se olham e sorriem.
— Não é uma piada, — eu rosno. — Ele criou uma legião de
seguidores e eles estão operando no subsolo dos guetos da Cidade da
Vingança.
— Parece que você tem um problema, — Landon responde. — Por
que devemos ajudar a controlar seu irmão?
— Você não entende o quão forte são seus poderes, — eu digo,
fechando minha mão em um punho. — Se ele pode assumir o controle de
Alfas como Grayson e eu, imagine o que ele pode ter sobre os plebeus.
— Esse seu irmão parece que não teve amor suficiente quando
criança. Convide-o para nos visitar eu posso remediar isso, — reflete
Malik.
Os outros riem.
— Você vai nos perdoar por não nos unirmos ao seu lado, — diz
Rylan, — mas não vou arrastar minha matilha para alguma briga familiar.
— Então você está satisfeito com o desaparecimento de mais garotas?
Isso o cala.
— E, Landon, o filho de Althea nunca estará seguro enquanto Coen
estiver por aí.
Malik se inclina para trás em sua cadeira e coça o estômago.
— Digamos que continuemos com essa história que você expôs
diante de nós. Que motivo Coen tem para iniciar uma revolta?
A pergunta de Malik é boa e não tenho certeza se tenho a resposta.
Se Coen quer assumir o poder, por que não o fez antes?
— Suas motivações não importam, — grita Grayson. — Coen deve ser
interrompido!
É claro que Grayson é meu único aliado na sala.
— Se você não está mais amaldiçoado, — Rylan começa, — por que
você não o matou?
— Por causa das garotas da sua matilha, — eu respondo. — Ele as
aprisionou no subsolo em algum lugar, e se eu o matar, elas morrerão.
— Estou enganado, ou o temido Alpha Kaden sente empatia? —
Malik zomba. — O que aconteceu com você, Kaden? Você parece um
novo Alpha.
— Isso é o que estou dizendo, — Grayson se intromete. — Os poderes
de Coen são reais. Eles transformaram Kaden e ele fará o mesmo com
você.
Há algo no ar enquanto os outros três Alfas trocam olhares
preocupados.
— Você nos dá licença um minuto? — Landon pergunta.
— Claro, — eu respondo, caminhando para a porta.
— Você também, Grayson, — Landon acrescenta. — Nós já sabemos
de que lado você está.
Grayson balança a cabeça e se junta a mim enquanto saímos da sala e
esperamos no corredor.
Eu ouço uma risadinha e vejo a jovem de antes. Ela acena para nós
por trás de uma coluna.
Eu aceno de volta e ela faz uma reverência, em seguida, sai correndo
rindo. Essas pessoas da Matilha do Amor são tão peculiares.
— Esses três são tão teimosos que chega a ser irritante, — diz
Grayson, encostado na parede.
— Eles têm razão para ser, — eu respondo. — O que eu fiz para Rylan
e Landon é imperdoável.
— Não foi você, — Grayson responde. — E pelo que eu sei, eu te
perdoo por levar Lexia.
Ele faz uma pausa antes de continuar.
— Apenas me prometa que você não vai matar Coen até que ele nos
diga onde ela está. Eu sei que ela ainda está viva. Eu posso sentir isso.
Sua bondade me mata. Não posso mais esconder isso dele.
— Grayson, — digo, olhando para os meus pés, — Eu sei onde Lexia
está.

MARA

Estou presa no labirinto.


Três dos homens de Coen estavam na minha frente.
Suas cabeças raspadas e casacos longos e protuberantes os fazem
parecer monstros saídos direto de um pesadelo.
Cada um tem a bochecha marcada com a marca escura.
Eu alcanço a adaga de dentro da minha bota. Não vou cair sem lutar.
Eles riem, revelando seus dentes podres.
Sob seus casacos, eles tiram espadas horríveis que parecem poder
partir um homem em dois.
Enquanto o pânico preenche minha mente, três objetos passam
rentes acima da minha cabeça e eu vejo os homens marcados caírem no
chão, com flechas enterradas em seus peitos.
— Você tem um talento especial para se meter em problemas, —
Lexia grita ao alto. — Suba aqui antes que cheguem mais.
— Não podemos deixar Kace, — eu digo.
Eu volto para onde o deixei e me assusto.
Seu corpo sumiu.
Como isso é possível?
— Mara, venha aqui AGORA ou vou deixá-la aqui — Lexia rosna.
De repente, ouço madeira estalando e a entrada do túnel desaba,
envolvendo-me em uma nuvem de poeira.
Começo a tossir incontrolavelmente e tento tatear até a parede.
Sinto um par de mãos ásperas me puxando para fora. Eles me
arrastam até a metade da cidade antes de pararmos.
Eu sou colocada em uma cadeira e uma caneca é colocada em minhas
mãos.
— Beba, — Lexia ordena.
A água em meu copo é turva e suja. Não tenho certeza se regaria
plantas com ele.
Mas minha garganta ainda está coberta de poeira e a única alternativa
é essa água escura que cheira a gasolina.
Eu fecho meus olhos e engulo a água.
Meu rosto se contorce com o gosto.
— Desculpe, estamos sem água limpa, — Lexia brinca, gostando do
meu desconforto. — Então, quer me dizer o que você estava fazendo lá
embaixo?
— Eu e Kace...
Kace!
— Lexia, precisamos voltar para o labirinto. O corpo de Kace está...
— Não é problema meu, — Lexia interrompe. — Você e eu vamos
ficar sentadas até que Kaden volte com os outros Alfas.
Um acesso de raiva cresce dentro de mim. Por que todos estão tão
contentes em não fazer nada?
— Isto é seu problema se Kaden descobrir que você não fez nada para
resgatar o corpo de seu irmão.
— Isso foi tudo culpa sua, — Lexia sibila. — E você deveria ser mais
grata. Se não tivéssemos te encontrado durante nosso patrulhamento,
você também estaria morta.
É óbvio que Lexia não pode ser intimidada. Inferno, a última vez que
a vi, ela jurou cortar a garganta de um Alpha se tivesse a chance.
Se vou fazer progressos, preciso mudar de plano.
— Esqueça Kaden e os outros Alfas, — eu digo. — Faça isso pelas
garotas.
— Elas foram burras o suficiente para se deixarem sequestrar. Isso é
por conta delas, — Lexia responde, puxando sua adaga.
Eu sinto seu humor mudar. Ela começa a mexer na mesa com a ponta
da faca.
— Você quer dizer burras como você e eu? — Eu respondo.
Ela finca a faca na mesa com ainda mais força. Tenho que tentar fazer
com que ela concorde comigo.
— Nós tivemos sorte, Lexia, — eu digo. — O que elas tiveram que
passar...
— Você não tem ideia do inferno que eu passei, — Lexia grunhe.
Eu não a pressiono.
Eu sinto outra onda de calor passar por mim. Tomo um gole da
bebida que Lexia me deu, esperando que isso pudesse me refrescar, mas
sem sucesso.
Eu puxo minhas roupas e me abano, mas de alguma forma estou
ficando mais quente a cada segundo.
— É a Febre, né? — Lexia diz.
— Você sabe sobre isso? — Eu pergunto.
Ela acena com a cabeça.
— Eu passei por isso, — Lexia diz friamente. — No primeiro mês que
estava na Cidade da Vingança eu tive a Febre... Como eu disse, você não
tem ideia do que eu tive que passar.
— O problema é que Kaden agora foi encontrar os alfas, então ele não
pode me marcar e pará-la.
Lexia ri.
— Há outra maneira de parar a Febre.
— Como? — Eu pergunto. Eu faria qualquer coisa para me livrar da
dor correndo pelo meu corpo.
— Fazer sexo agora mesmo, — diz Lexia. — Loiras não são muito o
meu tipo, mas eu não diria não. Ou eu poderia perguntar aos meus
guardas se eles estão dispostos a ajudar você.
Urgh. Não!
— Eu vou sobreviver, — eu digo trêmula.
Ficamos em silêncio novamente. Começo a formular um plano em
minha cabeça.
Coen deve ter encontrado o corpo de Kace agora e se ele voltar para
descobrir que Kaden e eu fomos embora, ele saberá que algo está errado.
— Eu preciso voltar para a fortaleza, — murmuro.
— Por que? Para se entregar a Coen em uma bandeja? Você quer
morrer? Ele sentirá sua Febre também. Ele não tem companheira; ele vai
tentar marcar você.
— Ele não vai suspeitar de mim, — eu respondo. — Eu sou apenas
outra garota da Matilha da Pureza para ele brincar. Ele só me quer
porque sabe que Kaden me ama.
— Você sabe onde encontrar outra entrada? — Lexia pergunta. Eu me
mexo na cadeira antes de responder.
— Não. O túnel em que estávamos provavelmente está bloqueado.
Seus homens estarão em alerta máximo. Preciso de outra maneira de
chegar até lá.
Lexia para de brincar com a adaga e me encara. Eu sinto seus olhos
esmeralda atravessarem minha alma e tudo que posso fazer é olhar de
volta, paralisada por sua intensidade.
— O que você daria para salvar essas garotas? — ela pergunta.
Sua pergunta me deixa surpresa.
O que eu daria?
Eu penso em tudo que é precioso para mim: meu companheiro,
minha família, meus amigos.
A imagem de Milly me vem à mente. Sua aparência cadavérica e seu
corpo machucado me aterrorizam.
Penso nos rostos das outras garotas cujas fotos estão espalhadas por
toda a cidade na Matilha da Pureza, seus sorrisos congelados em uma
época melhor.
Eu me pergunto se eles voltarão a sorrir e, se o fizerem, será que tudo
voltará a ser como antes?
Quanto vale minha vida em comparação com a delas?
Quanto valia a vida de Kace?
— E aí? — Lexia me pressiona.
Não hesito em responder.
— Eu daria tudo.
Lexia se recosta na cadeira e cruza os braços.
— Se é assim que você realmente se sente, então posso saber uma
maneira de levá-la de volta aos túneis.
— Mostre-me! — Eu digo.
— Você vai ter que se mover rapidamente, — Lexia responde. — Uma
vez que sua Febre tenha passado, seu cheiro ficará muito forte. Cada lobo
macho estará correndo em sua direção.
Ela coloca uma mão no meu ombro.
— Você não conseguirá escapar se eles chegarem até você, — finaliza
Lexia.
— Eu tenho que tentar, — eu respondo.
Eu preciso. Eu tenho que fazer isso pelas garotas...
Capítulo 29
TRÉGUA
O fogo, a Febre implacável...
Nada vai amenizá-lo.
Isso me consome, me queima viva.
Se Kaden estivesse aqui, ele poderia cessar isso.

MARA

A água fria jorra do chuveiro, batendo contra minha pele nua. Isto não é
suficiente para aplacar o calor enlouquecedor.
Eu olho para o meu braço, meio que esperando ver a água evaporando
com o contato. Cada centímetro de mim parece que está sendo
queimado pelo sol.
Se eu não soubesse porque estava queimando, teria pensado que a
Deusa da Lua estava liberando sua fúria sobre mim por todos os meus
pecados.
Eu imagino que ela seja uma vadia malvada.
Lexia me disse para tomar banho imediatamente para tentar me
refrescar e lavar meu cheiro, mas o fogo dentro de mim é muito forte.
A única outra maneira de pará-lo é sentir o toque de outro lobo sem
companheiro.
Eu só tenho sentimentos por Kaden. Eu preciso dele aqui para apagar essa
chama interna.
Mas e se eu mesmo tentar? Nunca cheguei ao orgasmo sozinha,
nunca consegui terminar. Talvez funcione.
Eu trago meus dedos até o meio das minhas coxas e lentamente
começo a brincar.
Eu movo meus dedos em pequenos círculos ao redor do meu clitóris,
mas o fogo continua ardendo.
Eu me solto, primeiro com um dedo, depois outro, e começo a movê-
los para frente e para trás.
Uma sensação que eu já conheço, mas não está adiantando.
Eu continuo e acelero meu ritmo. Todo o meu corpo se contrai
enquanto a euforia passa por mim.
Acabei de chegar ao orgasmo pela primeira vez, mas ainda estou
fervendo de calor.
Droga!
Eu desisto e saio do chuveiro.
Enquanto eu me seco com a toalha, as fibras parecem queimar como
centenas de minúsculas cabeças de fósforo.
Tento me vestir, mas as roupas só pioram a sensação.
Tudo é como uma lixa na minha pele. Até minha blusa de caxemira
me faz contorcer.
Finalmente decidi por um vestido sem mangas, mas a minha vontade
é de arrancá-lo.
Meu coração parece uma fornalha, mas eu não posso me deixar levar
pelo desconforto.
Lexia disse que a parte febril logo acabaria. Assim que isso
acontecesse, os lobos seriam capazes de sentir meu cheiro.
Preciso ir logo antes que isso aconteça... e Coen volte.
Saindo furtivamente do meu quarto, sigo as instruções de Lexia e
desço para os níveis inferiores da fortaleza.
Está escuro e úmido. Não há janelas. A única luz vem de lâmpadas
antigas penduradas na parede.
Apenas um punhado ainda funciona, e aqueles que sobraram emitem
apenas um brilho fraco.
Eu corro meus dedos ao longo das pedras maciças das antigas
fundações. Elas são geladas e escorregadias.
Eu pressiono meu corpo contra elas, mas isso pouco adianta para me
esfriar.
Concentre-se, Mara.
Chego à sala que Lexia descreveu. Está vazia, exceto por um altar de
pedra ao fundo no qual está uma estátua antiga da Deusa da Lua.
Uma espada enferrujada repousa sobre suas mãos estendidas.
Então a Matilha da Vingança costumava acreditar nela também?
Lexia disse que a entrada do túnel ficava aqui, mas tudo é feito de
pedra — as paredes, o chão, o teto. Cada superfície é rocha sólida.
Eu me agacho ao lado do altar e inspeciono sua base. Talvez haja um
alçapão e a estátua seja o gatilho?
Enquanto passo minha mão ao longo da estátua, ouço o barulho de
pedras raspando e imediatamente me escondo atrás do altar.
A raspagem para e eu espio por trás da estátua.
Para meu choque total, um buraco se abre na parede e da escuridão
sai Coen.
Ele está sozinho e vestido com seu traje habitual. Suas luvas
adornadas com joias brilham, mesmo com pouca luz.
Alcançando a mão para cima, ele pressiona uma pedra na parede e a
abertura começa a se fechar.
Eu tomo nota de qual pedra é para que eu possa abrir a porta quando
ele se for.
Está insuportavelmente quieto na sala agora, tão quieto que posso
ouvir a respiração de Coen.
Ele cheira profundamente o ar. Prendo minha respiração, desejando
que meu coração pare de bater.
O calor inunda minhas veias, tornando-se insuportável dentro de
mim.
Só espero que ele ainda não possa me cheirar.
Eu ouço seus pés se arrastarem para fora da sala e pelo corredor.
Eu luto contra o calor que assola meu corpo até ter certeza de que ele
não consegue me ouvir, então deixo escapar um suspiro abafado.
Lutando para ficar de pé, me aproximo da parede e tateio em busca
do trinco.
Sinto uma pedra ceder e a parede se abre diante de mim.
— Estou indo, Milly.
Eu luto contra o calor que assola meu corpo até ter certeza de que ele
não consegue me ouvir, então deixo escapar um suspiro abafado.
Lutando para ficar de pé, me aproximo da parede e tateio em busca
do trinco.
Sinto uma pedra ceder e a parede se abre diante de mim.
— Estou indo, Milly.

KADEN

Mara, me dê força.
Uma bagunça está se desenrolando na minha frente.
Cada Alpha tem suas próprias demandas. Eu só quero voltar para casa
com minha companheira.
Eles têm discutido por tanto tempo que eu nem percebo.
Só consigo pensar na maneira como Mara me olhou quando saí.
Eu quero senti-la em meus braços novamente, cheirá-la, tocá-la.
Para fazer amor com ela, fazê-la gritar meu nome e finalmente marcá-
la.
Uma pancada me tira do meu torpor. Landon dá um soco na mesa
antes de falar.
— Sejamos honestos uns com os outros, — diz Landon. — A Matilha
do Poder fará a maior parte da luta. Portanto, o resto de vocês deve me
compensar por meu sacrifício.
— Isso é absurdo, — rebate Rylan. — Os membros da Matilha da
Pureza são tão capazes quanto os seus.
— Seus membros são todos pacifistas! — Landon rebate. — Eles não
servem nem para afastar as moscas. Em vez de lutadores, por que você
não contribui com alguns dos recursos que tem acumulado?
— Minha matilha tem todo o direito às nossas reservas de recursos.
Não devemos ser punidos por nosso estilo de vida. Nós vimos o que
acontece com aqueles que levam uma existência gananciosa, — Rylan
diz, apontando para Malik.
— Julgue-me o quanto quiser, — responde Malik. — Vocês dois
subestimam o poder reformador do amor.
Ele levanta a mão como se estivesse incrustada de joias e continua o
monólogo.
— Eu mudei mais vidas com estes dedos do que a espada de qualquer
soldado ou o tesouro do imperador. Se tivéssemos mais amor neste
mundo, não haveria necessidade de conflito.
Rylan responde com uma risada debochada.
— O que você está dizendo, Malik? Você pretende amar Coen e seus
homens até a morte?
— Você zomba, mas não consigo pensar em nenhuma maneira
melhor de entrar no reino da lua, — responde Malik, com um largo
sorriso no rosto. — Uma metida, estou neste reino, e na próxima, estou
no nirvana.
— Urgh, isso é nojento, — Rylan responde, franzindo o rosto.
Malik balança a cabeça e sorri.
— Venha para minha cama, Alpha Rylan e eu o ajudarei a abraçar o
que você claramente reprime.
— Como eu disse, — Landon interrompe, — enquanto seus dois
bandos se apaixonam, Kaden e eu estaremos lutando.
— Minha matilha também pode lutar, — rebate Grayson. Agora
Landon está totalmente divertido.
— Você não tem matilha, Grayson. — Ele diz. — Você cuida de um
bando de hippies rebeldes.
— Só porque eu não os faço curvar-se a mim não significa que não
vão se unir à nossa causa, — retruca Grayson. — Um povo livre sempre
lutará mais duramente do que aqueles que são pressionados a servir um
tirano.
A cadeira de Landon voa pela sala enquanto ele pula de pé e Grayson
responde da mesma forma. Antes que Rylan e eu possamos intervir, os
dois Alfas se lançam um contra o outro em meio a socos e palavrões.
Malik foge da briga e balança a cabeça.
— Irmãos, irmãos, onde está o amor?
— Você vai me ajudar a acabar com isso? — Eu pergunto a Rylan.
Ele assume um ar desinteressado e estala os dedos.
— Com prazer, se você estiver disposto a se desfazer de uma parte do
suprimento de gasolina de sua matilha.
Essa é a gota d'água.
Pela primeira vez desde que Mara me libertou, sinto a escuridão
começando a invadir meu corpo. Isso incha meus músculos e deixa
minhas unhas saltadas.
Coen inventou um feitiço para controlar minha ira, mas a escuridão
sempre esteve dentro de mim, um lobo puro-sangue da Vingança.
Agarrando Grayson pelo tornozelo, eu puxo meu braço para trás e o
mando deslizando pelo chão.
Seu corpo bate na parede, fazendo com que uma das estátuas de
querubim caia de sua coluna e se espatife pelo chão.
Malik emite um grito enquanto corre para o cupido caído e ergue seu
falo cortado.
— Eros, o que eles fizeram com você?
— Chega! — Eu grito, silenciando a sala.
Eu fecho meus olhos e respiro fundo, deixando a escuridão diminuir.
Tenho que ter cuidado para não me deixar dominar completamente.
Quando meus olhos se abrem, vejo os outros Alfas se afastando.
Bom. Estou feliz por ter sua atenção.
— Não podemos parar Coen se estivermos lutando um contra o
outro, — eu rosno.
Eu continuo.
— Na verdade, provavelmente era isso que ele pretendia desde o
início. Prometa-me sua ajuda ou condene suas matilhas a um destino de
escravidão e desgraça.
Eu olho para cada um deles, me perguntando quem terá a coragem de
falar primeiro.
Grayson dá um passo à frente.
— Você sabe que estou com você, Kaden.
Eu aceno em apreciação.
Depois que contei a Grayson sobre Lexia, ele quase socou a parede.
Eu sei que ele está faminto por vingança.
— A Matilha do Poder ficará com você, — declara Landon. — Vou
fazer seu irmão beber seu próprio veneno.
Eu olho para Rylan, que torce o nariz como se estivesse considerando
se algum de nós vale seu tempo.
— Visto que é contra os ensinamentos da Deusa fazer mal, não posso
levantar as armas contra o seu irmão. Mas, como protetor de minha
matilha, é igualmente pecaminoso ficar parado enquanto o mal se
aproxima.
— Abandone o duplo discurso divino e tome uma decisão, —
respondo.
Rylan faz uma cara pensativa e esfrega o pingente da Deusa da Lua
que está pendurado em seu pescoço.
Ele começa a balançar e fazer barulhos baixos, o que deixa todos,
exceto Malik, desconfortáveis.
— A Deusa vai me conceder clemência por meu envolvimento, —
proclama Rylan.
Eu rolo meus olhos.
— Envie à Deusa meus cumprimentos.
— Kaden, você sabe que eu sou um apreciador do amor, não um
lutador, — diz Malik, passando o braço por cima do meu ombro. — Estou
convencido de que existe uma solução pacífica.
— Você não conhece Coen, — eu respondo. — Ele está além da
salvação.
— Hmm, — responde Malik, esfregando minhas costas. — Parece que
você precisa de um pouco de atenção também.
— O que você quer dizer? — Eu respondo de volta.
— Você não marcou a sua companheira ainda, não é? — Malik
responde. — Eu posso sentir a tensão em sua aura.
— Não é sobre isso que vim falar. — eu digo. — Eu posso lidar com
isso sozinho.
— Sim, mas a Febre virá em breve.
— Eu disse que posso lidar com isso, — eu retruco.
Malik levanta uma sobrancelha.
— Ah sim, mas você confia em seu irmão para não marcá-la?
— Kace nunca faria isso, — eu digo.
Malik ri sombriamente.
— E o seu outro irmão? A razão de estarmos todos aqui? Você pode
confiar nele perto dela? — ele responde.
Eu sinto como se tivesse sido atingido por um raio.
Coen!
Ele vai cheirá-la imediatamente.
Eu não posso esperar.
Preciso chegar até Mara antes que meu pior pesadelo se torne
realidade.
Capítulo 30
ACHANDO UMA BRECHA O ponteiro passa para o
vermelho.
O motor grita em protesto.
Eu desligo e tento fazer o mesmo com Mara.
Estou falhando com ela.
Olhos na estrada.
Mente na estrada.
Meu carro não consegue se mover rápido o suficiente.
Não consigo chegar em casa rápido o suficiente.

KADEN

— Você vai explodir o motor, — diz Grayson do banco do passageiro.


Eu finjo não ouvi-lo.
Enquanto os outros Alfas partem para organizar suas matilhas,
Grayson insiste em vir comigo depois de enviar Evan para cuidar dos
preparativos da Matilha da Liberdade.
Ele precisa ver Lexia tanto quanto eu preciso ver Mara.
Eu olho para o medidor de combustível. Não tenho certeza se temos o
suficiente para voltar, mas tenho que arriscar. Eu não posso parar agora.
Pensar nas mãos de Coen no corpo de Mara faz pisar mais fundo.
O acelerador se torna a cabeça de Coen e forço todos os músculos da
minha perna para esmagá-la.
— Kaden! — Grayson grita, me socando no braço. — Se você explodir
o motor, demorará ainda mais para chegarmos até Mara.
Eu soltei o pedal e o motor suspirou de alívio.
— Tenho fé em Kace, — diz Grayson, tentando me acalmar.
Suas palavras têm o efeito oposto.
— Eu corri o risco de deixá-la lá. Eu nunca teria feito isso se soubesse
que ela estava exaltada. Assim que Coen voltar para a fortaleza, ele vai
pegá-la, e ninguém será capaz de detê-lo.
— Mara é forte, — responde Grayson. — Ela não vai deixar chegar a
esse ponto.
Espero que Grayson esteja certo, mas eu não tenho tanta esperança.
Eu só acredito no que posso ver.
E quando você viu o que eu vi, você sabe que a dor é a única coisa real
e a esperança é uma ilusão patética.

MARA

O feixe da minha lanterna é brilhante o suficiente para me mostrar onde


estou pisando. Uso a saia do meu vestido para disfarçar um pouco a luz,
mantendo-a esticada contra a luz.
Estou caminhando há tanto tempo que minhas pernas estão
dormentes e a constante descarga de adrenalina começa a me cansar.
Sinto algo diferente sob meus pés e olho para baixo.
Concreto.
Tudo até este ponto era terra ou tábuas.
Eu levanto minha lanterna e vejo o contorno de uma porta.
Parte de mim quer voltar. Quase fui pega uma vez hoje e não quero
abusar da sorte.
Eu sei que Coen deve estar se perguntando onde Kace e eu estamos, e
isso é exatamente o que Kaden queria evitar.
Porra. O que eu faço?
Estou tão perto de encontrar as garotas. Eu consigo sentir isso....
Se a porta estiver trancada eu volto, mas se estiver aberta...
Aproximando-me, vejo que a porta é feita de ferro com grandes
pontas metálicas projetando-se na superfície.
Uma barra de metal grossa se estende através da porta e desaparece
em um buraco no batente.
Por que a fechadura está deste lado?
Então eu percebo.
Esta porta não foi feita para manter as pessoas do lado de fora. Está
aqui para manter as pessoas lá dentro.
Excitação e terror se misturam em meu peito enquanto agarro a alça
que se projeta para fora da barra de metal e lentamente a deslizo para
trás.
É mais pesada do que eu esperava e, depois de abrir alguns
centímetros, recusa-se a se mover.
Trazendo meus ombros perpendiculares à porta, eu me inclino para a
maçaneta com todo o meu peso, e a barra desliza para trás fazendo um
barulho muito alto.
Merda, alguém deve ter ouvido isso.
Não tenho tempo a perder agora. Apesar de parecer travada, a porta
se abre facilmente e eu entro em um corredor mal iluminado.
Sou imediatamente atingida por um déjà vu.
Sob meus pés está o chão de concreto inconfundível do labirinto em
que fui presa.
Kaden disse que o túnel leva ao labirinto. Os homens de Coen devem
ter levado muitos meses para cavar seu caminho até aqui.
Eu continuo. Meus sentidos vibram a cada passo. Eu devo estar perto.
Eu imediatamente sinto o calor evaporar dentro de mim.
Estou instantaneamente com frio. Meu vestido leve não faz nada para
me proteger da temperatura severa.
Oh não, a Febre se foi!
Os lobos estarão a caminho!
Eu tenho que encontrar as garotas agora e sair o quanto antes!
Eu começo a aumentar meu ritmo enquanto tento ficar o mais quieta
possível.
Chego à primeira porta do corredor e vejo que também está trancada
por fora.
Elas podem estar aqui. É isso.
Reunindo minha coragem, abro a fechadura e faço uma pausa. Não há
som.
Eu empurro a porta e pulo para trás, caso alguém esteja esperando
para me emboscar do outro lado.
Não há ninguém. Apenas uma caixa de concreto vazia, sem janelas ou
portas.
No meio da sala está uma cadeira.
Este é o quarto em que acordei.
Eu me afasto e tranco a porta, deixando as memórias ruins para trás.
Lá fora estava o corredor que corri antes de tropeçar no labirinto.
Percebo o quão perto cheguei de me juntar a Milly e as outras. Elas
podem estar a poucos metros de distância.
Se não fosse por Kaden, eu poderia nunca mais ter visto a luz do sol
novamente.
Pensar nisso fortalece minha determinação, pois agora tenho certeza
de que as garotas estão em uma dessas salas.
Sem me preocupar, eu corro pelo corredor até chegar à próxima
porta.
Eu puxo a fechadura e a abro.
Vazio.
Eu corro para a próxima e faço o mesmo.
Nada.
Tento mais quatro portas com o mesmo resultado. Coen mudou as
garotas depois que encontrou Kace?
Claro. Por que ele não iria?
Mas ainda não estou pronta para desistir. Não sabendo o quão longe
eu cheguei.
Viro em um novo corredor com ainda mais portas que o anterior.
Tem que ser uma dessas. Eu sei isso.
Vamos, Deusa da Lua, sua vadia rancorosa, me ajude.
Eu marcho até a primeira porta e respiro fundo. Eu abro a fechadura e
empurro a porta.
Trevas.
Silêncio.
Meus ombros caem de decepção. Começo a fechar a porta quando, de
repente, ouço um barulho que faz meu coração pular.
Eu me viro, pressionando minhas costas contra a parede externa.
Pego minha adaga, pronta para enfiá-la em quem quer que seja.
Meu coração está batendo fora do meu peito e minha respiração
acelera. Fico agachada em antecipação, pronta para a batalha, mas
ninguém aparece.
Era tudo minha imaginação?
Aproximo-me mais da porta para tentar ouvir melhor.
Eu ouço de novo, um gemido fraco em algum lugar na escuridão.
Ligando minha lanterna, eu olho ao redor da porta e ilumino o quarto
com seu feixe de luz.
Ele pousa em uma jovem encolhida em um canto. Seu cabelo está
desgrenhado e sujo, escondendo seu rosto.
Posso ver que seus joelhos estão machucados e um vestido sujo cobre
seu corpo magro.
Ela se encolhe na luz, protegendo os olhos enquanto tenta recuar
mais para o canto.
— Está tudo bem, eu não vou te machucar.
Ela parece se acalmar com o som da minha voz.
— Qual é o seu nome, hein?
Afastando o cabelo do rosto, ela aperta os olhos para mim, ainda sem
saber o que fazer.
— Desculpe, — eu digo, tirando a luz de seu rosto e apontando em
direção ao teto. — Eu sou da Matilha da Pureza. Estou aqui para libertar
você e as outras garotas. Você pode me levar até elas?
Os olhos escuros da garota procuram os meus, sem dúvida decidindo
se deve ou não confiar em mim.
Eu a reconheço de uma das fotos postadas na parede de garotas
perdidas.
Vendo seu olhar fixo em minha mão esquerda, percebo que ainda
estou segurando minha adaga.
— Desculpe, pensei que alguém ruim poderia estar aqui.
— Não, — ela responde em uma voz meio sufocada. — Ele saiu há
pouco tempo.
— Quem saiu? — Eu pergunto.
Ela faz uma pausa e vejo seu rosto estremecer como se estivesse
lutando contra uma memória ruim. — O homem com as luvas com joias
azuis. — Eu conheço essas luvas. O pensamento de que elas haviam me
tocado também fez meu estômago revirar.
Então é aqui que Coen estava antes de eu vê-lo sair do túnel.
— Você pode me levar até as outras garotas?
Ela acena com a cabeça.
— Qual o seu nome? — Eu pergunto, ajudando a menina a se
levantar.
— Cyntoia, — ela responde.
— É um nome lindo, — eu digo. — O meu é Mara.
Ela sorri.
— Eu gosto do seu também.
Quero parar e confortá-la, mas sei que já estou aqui há muito tempo.
— Ok, Cyntoia, para onde vamos?
Ela pega minha mão e me leva para fora da porta. Não posso deixar de
notar os hematomas e cortes em seus tornozelos e punhos.
— Eles cobrem nossas cabeças quando nos levam para sair, mas eu
memorizei os passos, — ela disse antes de fechar os olhos e começar a
andar pelo corredor.
Enquanto ela caminha à minha frente, continuo procurando por
qualquer vestígio de Coen ou de seus homens.
Chegamos a uma intersecção no corredor e Cyntoia para.
— Chegamos? — Eu pergunto.
Ela balança a cabeça negativamente.
— Não, é por ali, mas há um guarda.
Eu me abaixo até o chão e rastejo em direção ao canto.
Espiando pelo corredor, vejo um homem grande de sobretudo
sentado em um banquinho. Ao lado dele está um machado do tamanho
de um arbusto.
Ele está muito longe para eu tentar alguma coisa.
Eu vejo sua cabeça se virar em nossa direção e eu recuo.
A Febre. Ele provavelmente pode sentir o meu cheiro.
Eu olho para Cyntoia, que está atrás de mim, com as pernas
tremendo.
— Você confia em mim? — Eu pergunto.
— Sim, — ela responde.
Conto a ela meu plano e, segundos depois, ela dá a volta na esquina e
fica à vista do guarda.
— Ei! — ele rosna. — Como você saiu da cela? Não se atreva a se
mover, ou corto suas pernas fora.
Eu o ouço se levantar e irromper pelo corredor. Seguro minha adaga
desembainhada, pronta para emboscá-lo lateralmente.
Cyntoia começa a recuar e então consigo vê-lo.
Eu pulo para frente, mas não sou rápida o suficiente.
Ele vê a faca chegando e bate a mão no meu punho, fazendo minha
faca voar.
Eu lanço um soco que acerta em seu rosto, mas ele permanece imóvel
enquanto minha mão lateja de dor.
Ele agarra minha garganta e me pressiona contra a parede.
— Bem, o que temos aqui?
Ele me cheira e vejo seus olhos escurecerem.
— Um rosto tão bonito, sem parceiro e com a Febre! Vou me divertir
com você!
Ele aperta meu pescoço ainda mais e minha visão fica turva.
Com toda a energia que me resta, coloco meus polegares em seus
olhos e sinto a carne ceder enquanto meus dedos afundam em suas
órbitas.
Ele grita, me jogando no chão. Eu olho para cima para vê-lo com as
mãos nos olhos, sangue escorrendo pelo rosto.
— Sua vadia! Eu vou te matar!
Ele tropeça para trás, uma expressão de dor e pânico em seu rosto.
Cyntoia se aproxima dele por trás, minha adaga na mão. Ela levanta a
lâmina e corta a parte de trás do joelho dele.
Ele grita de novo, caindo no chão, mas antes que ele possa fazer outro
som, ela enfia a adaga em seu crânio.
Ele faz um barulho agudo que me dá um arrepio na espinha.
Cyntoia está atrás dele, uma expressão de prazer em seu rosto. É claro
que ela queria fazer isso há muito tempo.
Apoiando o pé na cabeça do homem, ela puxa minha adaga e a limpa.
— Toma, — diz ela, devolvendo-me a adaga.
Juntas, nos aproximamos da porta.
— Tem certeza de que não há mais ninguém lá dentro? — Eu
pergunto.
Ela balança a cabeça enquanto abre a tranca. O que vejo do outro lado
parte meu coração.
Amontoadas em colchões rançosos, estão duas dúzias de garotas que
passaram pelo mesmo inferno que Cyntoia.
— Mara?
Eu me viro para ver Milly, seus olhos ainda mais fundos do que antes.
Eu corro e a abraço. Ela parece tão leve em meus braços.
Lágrimas escorrem pelos nossos rostos.
— Eu pensei que nunca mais veria você, — eu digo, chorando.
— Eu orei para a Deusa da Lua, — Milly responde. — Eu orei e ela
respondeu.
— Há mais garotas? — Eu pergunto, enxugando minhas lágrimas.
— Estão todas aqui, — diz Milly. — Depois que ele fica entediado, ele
nos vende para outros bandos, para outros Alfas.
— Outros Alfas?
— Sim, eles fazem questão que você saiba quem eles são. Eles querem
que você esteja ciente que está sendo fodida por alguém importante.
Eu olho em volta e percebo que nem todas as garotas estão vestindo
roupas da Matilha da Pureza.
— Eu pensei que ele apenas sequestrava garotas da Matilha da
Pureza...
Milly balança a cabeça.
— Nós somos as mais caras, mas ele gosta de variedade.
— Todos aqui podem andar? — Eu pergunto, com um senso de
urgência.
— Sim, — Milly responde. — São só vocês? Como...
— Eu posso responder tudo isso mais tarde. Agora precisamos sair
daqui antes que outra pessoa apareça. Você deixa as meninas prontas
para fugir e eu vou garantir que a barra esteja limpa.
Milly acena com a cabeça e eu corro de volta para o corredor para
esconder o corpo do guarda.
Uma grande poça de sangue se formou ao redor de sua cabeça. Isso
será impossível de limpar, mas deixar o cadáver dele será uma pista
muito clara de nossa fuga.
Eu me abaixo e tento envolver meus braços em volta de suas pernas.
Ele é mais pesado do que eu esperava e não consigo tirá-lo do lugar.
— Precisa de uma mãozinha?
Minha cabeça vira e meu corpo fica dormente.
É Coen.
E seus olhos estão cheios de uma volúpia que eu nunca vi antes.
Capítulo 31
LEVANTANDO VOO
Eu não quero acreditar
Ele não pode ser real.
Mas a fome insaciável em seus olhos diz o contrário.
— Estou esperando há muito tempo por isso, Mara.
Eu já vi Coen me olhar com desejo antes, mas isso é algo diferente.
Ele está louco, ele está possuído.
Ele está atrás de apenas uma coisa.
Eu.

MARA

As narinas de Coen dilatam quando ele sente meu cheiro.


Seu corpo estremece como se ele tivesse acabado de inalar uma droga
e seus olhos estão dilatados, ele nem pisca.
Oh não, ele vai se transformar a qualquer momento agora!
Eu tento me mover, mas tropeço para trás e caio de bunda. Enquanto
tento me levantar, Coen continua avançando em minha direção.
Vejo suas mãos tremendo e ele tenta conter sua empolgação por
quaisquer jogos doentios que pretenda jogar comigo.
Minha pele se arrepia enquanto eu olho para ele.
— Mara... — ele murmura baixinho.
Eu imediatamente fico paralisada, possuída, e meus braços caem para
os lados.
O que diabos está acontecendo? Por que não consigo me mover?
Ainda consigo controlar minha mente, mas ele tem meu corpo preso
com seu olhar psicótico.
— Você vai ter que me matar primeiro, — eu grito, o desafiando.
— É isso, Mara, deixe sair — ele responde calmamente.
Ele dá um passo à frente, a loucura pulsando em seus olhos. Eu
assisto com horror crescente enquanto ele tira sua jaqueta, revelando um
torso de músculos e robustez.
Tento me mover, mas o poder de Coen é muito forte.
Ele se ajoelha ao meu lado e alcança meu rosto.
Quando seus dedos fazem contato com minha pele, estremeço.
Apesar de ser seu irmão gêmeo, Coen não se parece em nada com
Kaden.
O toque de Kaden é suave, mas caloso, gentil, mas firme. O de Coen é
úmido e controlador, áspero e desajeitado.
Kaden é atencioso e amoroso, enquanto Coen é um monstro
completo.
Ele amaldiçoou seu irmão, roubou garotas de outras matilhas e
tentou me virar contra meu companheiro.
Tento me libertar de suas amarras, mas não consigo mover um único
músculo.
— Você vai gostar, Mara. Eu sou muito maior e melhor do que Kaden,
— diz ele, lambendo os lábios. — Eu sei que você vai ter um gosto divino.
Agora há uma distância em seu olhar, um apavorante distanciamento
da realidade.
É claro que ele não me vê mais como uma pessoa. Não sou nada mais
do que um objeto que atende às suas necessidades.
— Deixe-me mostrar como é estar com um verdadeiro Alpha, — ele
sussurra em meu ouvido.
Meus olhos se arregalam de medo e ele emite uma risada ofegante.
— Você realmente achou que eu não iria descobrir? — ele diz, tirando
o cabelo do meu pescoço. — Kaden foi um tolo por não te marcar
quando teve a chance.
Mais uma vez, tento me afastar, mas Coen apenas balança o punho e
meus quadris sobem como se eu fosse uma marionete pendurada em
uma corda.
Como ele está fazendo isso? Que tipo de magia das trevas ele domina?
— Você é patético, — eu esbravejo.
Ele arrasta a mão ao longo da parte interna da minha coxa, me
fazendo ofegar de terror.
Eu fecho meus olhos, me contorcendo quando sua mão está prestes a
alcançar aquela parte de mim que apenas Kaden tocou.
Você tem que impedi-lo, Mara. Lute de volta.
Tento afastar sua mão, mas meu braço não obedece. Não vai adiantar.
Ele vai vencer.
Ele finalmente terá o que queria o tempo todo.
Eu aperto meus olhos com mais força e tento fingir que é um sonho
horrível, que nada disso é real.
PLAFT!
O corpo de Coen desaba em cima de mim, tirando o ar dos meus
pulmões. Ele não está se movendo.
Abro os olhos para encontrá-lo deitado sobre meu corpo como uma
boneca de pano, com a cabeça sangrando no meu ombro.
— Agora é a segunda vez que eu salvei tua pele.
Eu olho para cima para ver Lexia parada acima de mim como um anjo
da morte vestido de couro.
Ela tira o corpo mole de Coen de cima de mim com um chute forte e
cutuca a cabeça dele com seu bastão manchado de sangue.
— Acho que dá até pra ver o cérebro dele, — ela reflete.
— Como... — eu murmuro, ainda em choque.
— Um simples obrigada está bom, — ela responde, ajudando-me a
ficar de pé. — Eu conseguia sentir seu cheiro da superfície. Eu tive que vir
aqui sozinha, caso contrário, eu teria que nocautear o meu subalterno
também.
Tento achar as palavras certas, mas minha mente ainda está
processando o que acabou de acontecer. Não sei como responder. —
Você... você veio. Como você...
— Depois que você saiu, eu reavaliei algumas coisas. Não podia deixar
você vir até aqui sozinha e desarmada.
O rosto de Lexia fica estático como se ela estivesse revivendo alguma
memória desagradável em sua cabeça.
— Você não é a única que perdeu irmãs para ele.
Antes que eu possa responder, Milly e as outras garotas vêm correndo
pelo corredor.
— Mara, — ela começa, — o novo guarda estará aqui em breve.
Precisamos nos apressar.
Eu pego Milly olhando para o corpo de Coen.
— Ele está morto? — ela pergunta.
— Sim, — eu respondo.
— Eu esperava matá-lo eu mesma, — diz ela, olhando para Coen.
— Você não era a única, — eu respondo.
Enquanto o resto das garotas se reúnem ao redor, eu observo seus
rostos fixos em seu ex-agressor. Algumas xingam, outras cospem nele,
mas a maioria fica em silêncio.
Eu não consigo entender o que está acontecendo em suas cabeças.
Eu só tinha provado uma pequena amostra da tortura que elas
suportaram e meu ódio por Coen era implacável.
— Vamos, — Lexia rosna. — Qual o caminho para a fortaleza? Não
podemos voltar por onde eu vim.
— Por que não? — Eu pergunto, esperando que ela assuma o controle
a partir daqui.
— Eu deixei alguns corpos para trás que tenho certeza que os homens
de Coen já descobriram.
Eu me viro para as garotas.
— Alguma de vocês sabe como sair?
Todas elas balançam a cabeça negativamente.
— Cyntoia, você pode me levar de volta para onde eu te encontrei? —
Eu pergunto.
Caminhando até a frente do grupo, ela pega minha mão. Eu sinto a
força em seu aperto enquanto ela me puxa para frente.
Andamos pelo corredor com Cyntoia e eu na frente e Lexia na
retaguarda.
Assim que chegamos ao quarto onde encontrei Cyntoia, tento me
lembrar do percurso que me trouxe até lá.
Na minha pressa para encontrar as garotas, não me preocupei em
marcar meu caminho de volta.
Culpo-me por trancar todas as portas atrás de mim, mas, na hora, não
queria deixar nenhuma pista se alguém aparecesse atrás de mim.
— Não me diga que você está perdida, — Lexia diz. — Como você
esperava sair daqui?
— Eu não estava pensando, ok! — Eu retruco. As veias da minha
cabeça começam a latejar conforme o estresse da situação começa a
surgir em mim. — Achei que você conhecesse esses túneis como a palma
da sua mão.
— O que fez você pensar isso? — Lexia responde.
— Você sabia sobre o túnel que leva à fortaleza.
— Alguém está vindo! — Milly grita.
Realmente, o eco sinistro de passos viajava pelo corredor, ficando
mais alto a cada segundo.
— Todo mundo fique atrás de mim, — Lexia dá a ordem, deixando
cair sua capa no chão e revelando um arsenal afiado amarrado a seu
corpo.
Uma pequena besta está pendurada em suas costas, que ela
habilmente carrega e puxa para o ombro.
Em questão de segundos, um grupo de homens marcados vêm pra
cima de nós, com as espadas desembainhadas e a boca aberta de raiva e
excitação.
Eles podem sentir o cheiro causado pela minha Febre. Vieram para
pegar seu prêmio.
Lexia solta a flecha e ela assobia no ar, atingindo o primeiro homem e
o derrubando.
Os outros não se intimidam e continuam sua investida contra nós.
Ela tira duas facas debaixo dos braços e arremessa pelo corredor uma
atrás da outra.
Uma atinge o alvo bem na garganta, mas a outra bate contra o chão
de concreto.
Restam cinco homens.
Lexia puxa uma machadinha de seu cinto e desembainha sua adaga
curva. Ela está em desvantagem, mas ela não se intimida.
— Eu vou contê-los, — ela grita. — Tire elas daqui, vá!
Os homens marcados avançam sobre Lexia, que se esquiva ao redor
deles, desferindo golpes com seus instrumentos mortais.
Eu me viro para correr, mas as garotas permanecem imóveis em seus
lugares.
— Milly, vamos lá, — eu insisto. — O que há de errado com vocês?
— A gente cansou de fugir desses monstros marcados, — ela
responde.
Tirando o vestido, Milly solta um uivo arrepiante e começa a se
transformar. As outras garotas seguem o exemplo, e logo estou cercada
por uma matilha de lobas vorazes.
Elas saltam pelo corredor e se lançam na briga, pegando os soldados
restantes de surpresa e rasgando sua carne.
O ar está cheio de gritos horrorizados de homens sendo comidos
vivos, mas seus gritos logo são silenciados.
Após a carnificina, as garotas voltam com sangue escorrendo de suas
bocas.
Nenhuma delas diz uma palavra enquanto colocam os vestidos
novamente e limpam as evidências de sua agressão.
— Alguém está ferida? — Lexia pergunta, examinando as garotas. Elas
balançam a cabeça. Satisfeita, Lexia volta sua atenção para mim.
— Mara, você não tem tempo para pensar. Apenas confie em seus
instintos e vá. Nós vamos te seguir.
Respiro fundo e tento esquecer que a vida de todas agora está em
minhas mãos. Se eu conseguir chegar à porta de ferro, é só um passo até
a fortaleza.
— Milly, você pode pedir orientação à Deusa da Lua, — digo com uma
piscadela. — Eu mesmo perguntaria a ela, mas não estamos realmente
nos falando.
— Claro, — ela responde, sorrindo.
Tentando pensar, saio pelo corredor.
Tento me lembrar de quantas voltas dei e, depois de alguns minutos
vagando pelos corredores mal iluminados, estou convencida de que
caminhamos em círculos.
Pronta para desistir, viro em outro corredor e meu corpo se anima
com a visão da porta de metal pesada.
— Aqui embaixo, — eu grito, correndo para a porta.
Lembro que a porta trava do outro lado e espero que minha sorte não
acabe.
Eu puxo a tranca para baixo e empurro. A porta se abre e eu conduzo
as garotas para dentro.
Nunca pensei que o cheiro de terra úmida me faria tão feliz.
Minha lanterna acesa à frente, nós praticamente galopamos pelo
túnel.
O que parecia uma eternidade agora leva apenas alguns minutos.
Posso sentir a tensão no ar enquanto corremos em direção à
liberdade.
Todas nós podemos sentir o gosto da liberdade, mas só vamos
acreditar quando estivermos fora deste túnel.
A abertura na parede ainda está lá quando chegamos. Coen deve ter
tido pressa em me encontrar.
— Milly, está todo mundo aqui? — Eu pergunto. Ela conta as garotas
rapidamente.
— Sim, mas onde estamos?
— Na fortaleza da Matilha Vingança, — eu respondo.
As garotas suspiram horrorizadas.
— Por que você nos trouxe aqui? — Milly questiona, seu rosto cheio
de terror e confusão.
Eu esqueci que elas não sabem sobre a maldição de Kaden.
— Eu posso explicar isso mais tarde, mas você está segura agora. Eu
prometo.
Enquanto Milly abre a boca para protestar, um uivo de gelar o sangue
reverbera do túnel.
Todas nós nos viramos e olhamos para a escuridão.
— Mara, você trancou aquela porta de ferro? — Lexia pergunta.
Meu rosto empalidece. Com toda a emoção, até esqueci de fechá-la.
Corro para a parede e aperto a pedra que serve como alavanca de
abertura.
O buraco começa a fechar, mas já ouço o bater de patas e o rosnado
grave de um lobo enfurecido.
— Corram! — Eu grito.
Assim que as palavras saem da minha boca, um lobo gigante irrompe
pela parede emitindo um rosnado feroz.
O ferimento em sua cabeça não deixa dúvidas em minha mente.
É Coen, e ele está aqui para matar todas nós.
Capítulo 32
PRESTAÇÃO DE CONTAS
Eu cheiro o ar novamente.
Ela está aqui em algum lugar
Mas o que traria Mara a esta parte da fortaleza?
E onde está Kace?
Ela está correndo? Se escondendo?
Ou ela foi trazida aqui contra sua vontade?

KADEN

Meu ritmo acelera conforme os feromônios de Mara ficam mais fortes.


Grayson está apenas alguns passos atrás de mim. Ele também os cheira.
Eu continuo olhando por cima do ombro para ter certeza de que ele
não ficará descontrolado.
Essa é a última coisa com a qual preciso lidar agora.
Chegamos a um longo corredor forrado com lâmpadas meio apagadas
quando um uivo feroz chega aos nossos ouvidos.
Eu sei bem isso.
É o Coen.
Eu começo a correr a toda velocidade.
O cheiro de Mara fica mais forte a cada passo e temo o pior.
Ouço Mara gritar e o som de pedras caindo. Arrancando minhas
roupas, eu me transformo enquanto corro, deixando Grayson para trás.
Eu vejo a porta à frente, luzes piscando.
Eu me jogo além da soleira.
O sangue corre para meus músculos.
Minha mente se aguça.
Estou pronto para a batalha.
Gritos enchem o espaço enquanto o grupo de garotas recua de medo.
Elas estão presas entre mim e Coen.
Procuro por Mara em seus rostos.
Ela e Lexia se colocam entre as garotas e Coen. Seu pelo é de um
marrom avermelhado sem alma com manchas de prata no focinho e no
peito. Seu pelo é brilhante, traindo o coração pútrido por dentro.
— Legal da sua parte se juntar a nós, irmão, — Coen sibila. — É uma
pena que você perdeu o evento principal. Eu teria adorado uma plateia
quando botei Mara de costas.
Suas palavras fazem meu cabelo arrepiar, e eu solto um rosnado cruel,
mostrando minhas presas para Coen.
Ver ele falando como lobo me perturba. Não é natural. Mas nada
sobre Coen é natural.
— Kaden, — grita Mara. — Ele não fez isso. Ele tentou, mas Lexia o
impediu.
— Você ouviu isso, Kaden? Sua companheira tem vergonha de dizer a
verdade. Envergonhada demais para admitir o quanto ela gostava de mim
dentro dela. Você deveria ter visto como ela gritou meu nome quando
gozou.
— Kaden, não é verdade! — Mara implora.
— Não dê ouvidos a ele, Kaden, — Lexia acrescenta.
— O que você vai fazer sobre isso, Kaden? — Coen provoca. — Ou
você quer mais cicatrizes nas suas costas?
Os lados da minha boca recuam enquanto eu mostro meus dentes.
— Você terá sorte de sair com cicatrizes apenas, Coen. Mara quebrou
seu domínio sobre mim. Eu não vou mais fazer o seu jogo.
Coen abaixa o rabo e murcha as orelhas. Ele sabe que não estou
blefando.
— Tire as garotas daqui, — eu digo.
O grupo se dirige para a porta, ainda sem saber se Coen e eu vamos
atacá-las.
Assim que as primeiras garotas escapam, Grayson invade a sala. Os
olhos de Coen se iluminam e sua confiança retoma.
— Alpha Grayson, você é exatamente a pessoa que eu queria ver.
— Bom, porque tenho algumas coisas que quero perguntar a você
depois de te esfolar, — responde Grayson.
Não gosto de quão confiante Coen está. Os lados de sua boca se
contraem em um sorriso nauseante.
— Você parece tão deslocado na forma humana, — comenta Coen. —
Por que você não convida seu lobo para se juntar a nós. Aqui, deixe-me
ajudá-lo.
Os olhos de Grayson se arregalam e seu rosto se contorce.
— Não, seu filho da — ahhh...
Seu corpo cai no chão e ele se contorce de dor, com espasmos
incontroláveis.
— Faça sua escolha, irmão, — sussurra Coen. — Enfrente-me ou salve
as garotas de Grayson.
— Eu vou te poupar da decisão, — Lexia chora, jogando suas armas
no chão. As costuras de suas roupas se rasgam quando ela também
começa a se transformar.
Eu não espero por mais nada.
Lançando-me em direção a ele, abro minha mandíbula na esperança
de fechá-la em torno da garganta de Coen. Ele me encontra no ar e nós
colidimos em uma fúria de dentes e pelos rasgados.
Atrás de mim, o lobo furioso de Grayson ruge em uma agressão
desenfreada. Ouço Lexia rosnar de volta e as garotas gritarem, mas não
há nada que eu possa fazer.
Coen e eu rolamos no chão, rasgando e arranhando um ao outro. Eu
o empurro com minhas patas traseiras e ele bate contra a parede.
Suas costelas se quebram com o impacto.
Eu fico de pé e vou para matar.
Coen recua bem a tempo e meus dentes se fecham no ar.
Nós nos rodeamos, nossas caudas estendidas atrás de nós.
Nossos olhos se fixam em um olhar mortal. Ambos sabemos que
apenas um de nós sairá vivo desta sala.
Tento não prestar atenção à luta selvagem entre Grayson e Lexia, mas
o uivo agudo de um lobo ferido tira minha atenção para longe de Coen.
Eu me viro por apenas um momento, mas é tudo que Coen precisa.
Uma dor lancinante irrompe em meu ombro enquanto os dentes de
Coen afundam em meu músculo.
Eu tropeço para trás, tentando ficar de pé, mas Coen me joga de
costas.
Estou preso em um canto com minha barriga e pescoço expostos.
Eu não me importo com o que acontecerá comigo agora.
Preciso ganhar o máximo de tempo possível para Mara e as garotas.

MARA

Depois de apressar as garotas para fora da porta, eu corro de volta para


ver a loba de Lexia em pé sobre a forma humana de Grayson. O sangue
escorre de sua boca enquanto ela inspeciona seu corpo trêmulo.
Onde está Kaden?
Meus olhos se viram para o rosnado no canto da sala e eu vejo as
costas do lobo de Coen investindo contra meu companheiro, prendendo-
o no chão enquanto ele tenta se defender.
Não, não pode acontecer desse jeito.
Não vou deixar Coen vencer.
Ele terá que matar nós dois se quiser aquelas garotas de volta.
Eu olho para minha adaga. Eu preciso de algo maior.
Meus olhos pousam na estátua da Deusa da Lua e na espada
enferrujada.
Eu a pego com as duas mãos, envolvendo meus dedos em torno do
cabo corroído.
Gritando, eu corro em direção a Coen e enfio a lâmina nele com todas
as minhas forças.
Seu corpo se contorce, arrancando a espada de minhas mãos.
Ele uiva e grita, girando em círculos, pintando a sala com seu sangue.
Eu me viro para Kaden, cujo corpo humano está mutilado no canto.
Suas pálpebras caem e sua respiração é difícil.
— Kaden, espere. Fique comigo, — eu imploro, caindo de joelhos. —
Não estou pronta para deixar você ir, — digo, acariciando seu cabelo
encharcado de sangue. — Nem pense em desistir.
Kaden esfrega o polegar no meu braço. Seu toque é leve, mas carrega
a ternura de mil beijos.
Eu o puxo para mais perto para que ele possa ouvir as batidas do meu
coração.
— Ele só bate por você, Kaden.
Eu ouço um rosnado e olho através da sala para ver a loba de Lexia
olhando para Coen.
Ele está arrastando as coxas pelo chão e estalando a mandíbula,
avisando-a para ficar longe. Uma trilha espessa de sangue o segue.
Seus ossos começam a rachar e suas feições de lobo se esvaem. Ele
está muito fraco para ficar na forma de lobo.
Logo ele está deitado nu no chão, a espada ainda enterrada em suas
costas.
— Você gosta do que vê? — Coen engasga, me encarando.
Eu caminho até ele. Ele parece tão patético e fraco agora.
Eu agarro a espada e a giro. Ele grita de dor.
— Ah, sim, de novo, Mara. Faça isso novamente! Eu vivo para isso. —
Seu sorriso doentio é ainda mais assustador do que antes.
Não vou alimentar seus desejos masoquistas. Eu largo a espada.
— Aonde você vai, Mara? — Pergunta Coen. — Não seja estraga
prazer.
Eu ouço o barulho de pés atrás de mim e na porta estão as garotas.
— Oh, aí estão vocês, — grita Coen, cuspindo sangue. — Já estão com
saudades de mim? Não se preocupem, estarei bem o suficiente para
brincar com cada uma de vocês novamente em breve.
Elas olham para ele com desgosto silencioso. Cada garota com suas
próprias memórias, seus próprios votos de vingança.
Lexia muda de volta para a forma humana e caminha até onde ela
deixou sua machadinha.
— Agora sim, — diz Coen. — Lexia, quanto tempo faz desde que eu
tive você? Desde que deixei todos aqueles outros Alfas experimentarem
você?
Ignorando-o, Lexia se vira para o resto de nós como se pedisse
permissão.
Milly e o resto das meninas acenam com a cabeça.
— Oh, o que você vai fazer com isso? — Coen tosse. — Seja o que for,
espero que doa.
Lexia levanta a machadinha e a desce entre as pernas de Coen. Um
grito estridente enche a sala quando ela desfere outro golpe.
Alcançando entre suas coxas, ela segura um órgão flácido coberto de
sangue.
Coen olha para sua virilidade pendendo em sua mão.
— Oh, vadia, você...
Lexia enfia o membro, empurrando-o profundamente em sua
garganta com o punho. Seu rosto fica roxo e suas mãos agarram sua boca.
Lexia remove as mãos dele com chutes. O resto de nós olha enquanto
Coen sufoca até a morte.
Ele finalmente para de se mover e eu sinto um peso ser tirado da
minhas costas.
— Não vou arriscar desta vez, — Lexia diz, ajoelhando-se ao lado dele.
Ela desce a machadinha no pescoço dele.
Slash!
Slash!
Slash!
Ela golpeia seu pescoço cada vez mais rápido, acertando os golpes
como uma louca. Ela continua muito depois de a cabeça de Coen ter
rolado para longe do resto de seu corpo.
Pela primeira vez desde que a conheci, vejo o rosto de Lexia suavizar.
Isso dura apenas um momento. Ela logo está de pé, caminhando em
direção a Grayson, um olhar assombrado em seus olhos.
— Não! — Eu grito, me jogando na frente dele. — Não o machuque.
Ele é seu companheiro!
— Eu te disse antes. Eu não quero um companheiro, Mara.
Principalmente aquele que tenta me matar. Agora fique de lado.
Eu mantenho minha posição.
— Você não entende...
— Lexia? — Grayson murmura atrás de mim.
Eu me viro para ver o Alpha ferido lutando para se apoiar. Seus olhos
ganham vida com a visão dela.
— Você é... você é linda.
— Aproveite a vista enquanto pode, — ela responde. — É a última
coisa que você verá.
— Lexia, pare! — Eu berro, empurrando-a para trás com minhas
mãos.
— Deixe-a fazer isso, — diz Grayson com uma voz pesada. — Eu
prefiro morrer do que estar vivo sabendo que minha companheira me
abandonou.
— Como você sabe que sou sua companheira? — Lexia exige.
— A maldição de Coen... você a quebrou, — ele responde.
Sua voz é tão fraca que mal passa de um sussurro. Lexia olha seu
corpo nu. Eu vejo algo mudar em seus olhos. Ela estende a mão, mas
rapidamente a puxa de volta.
— Pronto, acabou tudo, — ela diz. — Kaden, você ainda está vivo aí?
— Sim, — ele grita de volta. — Você não pode assumir o controle do
meu bando ainda.
Um sorriso irônico surge no rosto de Lexia.
— Tudo bem. Sou uma mulher paciente.
Enquanto ajudo Kaden a se levantar, não posso deixar de me
perguntar se ela está brincando ou não.
Capítulo 33
BEM-V INDAS DE VOLTA Eu coloco minhas mãos contra a
parede do chuveiro...
Rezando para sair viva.
Este calor é implacável...
Consumindo todo o meu corpo...
Sem me oferecer trégua... sem refúgio.

MARA

Já faz um dia e ainda não consigo domar o calor.


Pelo menos eu sei o que é agora, mas Kaden tem que ficar bom logo.
Eu tenho que esperar ele me libertar.
Eu fecho meus olhos, tentando me concentrar na água fria
derramando sobre meu corpo.
Sinto um par de braços envolver minha cintura e duas mãos grandes
agarrar minha barriga nua.
Sou inundada instantaneamente por uma espécie de alívio que faz
meus joelhos enfraquecerem.
Eu não preciso questionar quem é.
— Quem o deixou sair da cama? — Eu digo, inclinando-me para trás,
sentindo seu peito pressionar contra minhas costas.
Se ele está incomodado com a água gelada, ele não demonstra. Em
vez disso, ele acaricia suavemente minhas curvas molhadas com os
dedos.
— Eu mesmo me deixei sair, — ele responde, roçando os lábios na
minha orelha. — Eu sou o Alpha, afinal.
Eu inclino minha cabeça para trás em seu ombro.
Eu posso sentir seu sorriso. Sua urgência é óbvia enquanto ele passa
as mãos suavemente sobre meus seios.
Seu toque não deixa apenas faíscas, mas um desejo avassalador. Vou
ficar realizada finalmente.
— Você não tem ideia de quanto tempo estou esperando por isso, —
ele murmura em meu ouvido, enviando arrepios dançando na minha
espinha.
Eu me viro lentamente. Ele está tão nu quanto eu, e posso sentir que
ele me quer tanto quanto eu o quero.
Eu acaricio seu rosto suavemente, as cicatrizes recentes ainda estão se
curando. Há uma mistura inebriante de paixão e luxúria em seus olhos.
Ele me beija suavemente, mas eu não esperei aqui em agonia o dia
todo para ser beijada assim.
Tomando a rédeas, agarro seu cabelo encharcado entre meus dedos e
o forço a se aproximar.
Ele começa a sair do chuveiro, levando-me com ele.
Atordoada, eu desligo a água enquanto Kaden me levanta pelas
minhas coxas. Eu não me canso dele.
Eu não me importo se chegarmos à cama. Eu preciso liberar essa
paixão dentro de mim.
Nós batemos contra a parede, sua boca quente envolvendo meus
mamilos frios. Eu não consigo manter minhas mãos paradas. Elas
agarram e apertam cada parte dele que está ao alcance.
— O que você está esperando? — eu digo, esfregando meus quadris
contra ele.
Eu sinto seu corpo estremecer enquanto arrasto minha língua em sua
bochecha.
Me afastando da parede, ele me traz para a cama e me empurra contra
os lençóis.
Eu não poderia me importar menos que nós dois estejamos
encharcados. Kaden é tudo em que posso pensar e tudo que quero
pensar.
Ele paira sobre a cama como se estivesse esperando um convite. Eu
não perco tempo dando a ele um. Mordendo meus lábios, eu abro
minhas pernas e passo minhas mãos ao longo da parte interna das
minhas coxas.
— Você vem?
A visão de seu corpo nu, brilhante e molhado me dá vontade de
brincar comigo mesma enquanto ele assiste.
— Talvez, — ele responde, me provocando.
Ele se abaixa, acomodando-se entre minhas pernas.
Ele me beija novamente, e qualquer traço de umidade evapora da
minha pele.
Eu sinto seu membro roçar contra a parte interna da minha perna,
avançando mais perto de seu destino final.
Kaden se abaixa e assume o controle, esfregando a cabeça de sua
ereção contra meus lábios.
Me deixa louca. Eu não aguento mais.
— Eu quero você dentro de mim, — eu gemo.
Ele sorri. Eu sei que ele gosta de me ver implorar.
Kaden começa a esfregar sua pelve contra meus quadris. Cada vez que
seu membro desliza contra mim, eu prendo minha respiração, esperando
que entre em meu vazio sedento.
Estou molhada, estou pronta.
Quando eu olho em seus olhos, eu o sinto mergulhar em mim.
O ar se esvai de meus pulmões enquanto eu aperto meu corpo.
Ele fica enterrado dentro de mim enquanto planta uma trilha de
beijos ao longo do meu pescoço. Sei que é minha primeira vez, mas não
quero que ele seja gentil comigo.
— Kaden, — eu gemo, com foco no prazer de sentir meu
companheiro dentro de mim.
O som de seu nome em meus lábios parece inspirá-lo.
Suas estocadas me fazem arquear as costas e gritar de prazer. Ele
aumenta o ritmo até que o som de nossos corpos batendo um contra o
outro preenche a sala.
A sensação é indescritível e não quero que nunca acabe.
Descansando sua testa contra a minha, Kaden olha profundamente
em meus olhos enquanto continua a apagar meu calor.
Minhas unhas cravam em suas costas quando o sinto começar a
perder o controle. Seu ritmo é implacável. Eu sinto que vou me dividir
em duas.
— Implore, — Kaden ordena em meu ouvido.
Estou chegando ao limite, mas ele diminui o ritmo de suas estocadas.
Estou desesperada para que ele me leve ao total prazer.
Minhas unhas cravam com mais força em suas costas. Eu não dou a
mínima para as cicatrizes recentes. Vou presenteá-lo com novas.
Ele sorri e continua com suas investidas preguiçosas.
— Kaden! — Eu rosno, empurrando meus quadris para ele.
Em vez de atender ao meu apelo silencioso por mais, ele empurra
meus quadris para baixo e continua seu ritmo lânguido.
— Implore, — ele murmura, movendo a mão do meu quadril para o
feixe de nervos sensíveis entre as minhas pernas.
Eu quase entro em combustão quando seus dedos esfregam pequenos
círculos contra meu clitóris. A sensação está além da imaginação.
— Você gosta disso? — Ele pergunta, sua respiração quente contra o
meu pescoço.
Eu me encontro balançando a cabeça e correndo minhas mãos até seu
cabelo.
O prazer em seus olhos é evidente enquanto ele continua a brincar
com meu sino e empurrando lentamente dentro de mim.
— Não pare, — eu choramingo, meus quadris respondendo ao
movimento dele. Mas ele para.
Ele puxa sua mão e sai de mim, seu rosto cheio de graça.
— Você acha isso engraçado? — Eu digo, sem fôlego. — Isso é uma
tortura...
Ele inclina a cabeça e acaricia minha coxa com a ponta dos dedos. Eu
quero dar um tapa nele, mas sei que isso apenas o encorajará mais.
— Oh, Mara, eu poderia mantê-la aqui assim por horas, — ele suspira.
Eu cerro meus dentes.
Isso é ótimo para você, querido, mas estou queimando e preciso do seu
pau para apagar o fogo.
Minha paciência acabou. Eu prendo minhas pernas em suas costas e o
forço contra mim.
— Foda-me com força, Kaden, ou não me foda de jeito nenhum, —
ordeno, jogando fora o que resta da minha pureza pela janela.
Kaden me encara com surpresa, como se ele não pudesse acreditar no
que eu acabei de dizer. Mas quando eu sinto ele me apertar mais forte e
seu rosto se iluminar com luxúria, eu sei que ele gosta.
— Eu posso fazer melhor, — diz ele, sua voz áspera e profunda.
Ele abaixa a cabeça, pressionando os lábios no meu pescoço. Eu sei
sua intenção, e isso faz minha pele formigar.
Em um segundo, tudo muda. Eu vou de não acasalada para acasalada
enquanto Kaden afunda seus dentes no meu pescoço e mergulha seu
membro duro profundamente dentro de mim.
Eu grito com o prazer de sua entrada e a dor de seus dentes
perfurando minha pele.
Olho em seus olhos e, pela primeira vez, sei, sem hesitação, que
pertencemos um ao outro.
Ele levanta minha perna direita e deixa suas estocadas ainda mais
profundas.
Seu ritmo acelera e eu tenho que morder meu lábio para não chorar
de prazer.
— Deixe sair, — ele ronrona em meu ouvido. — Não se segure.
Eu não preciso que ele me diga duas vezes.
Gemidos e uivos de prazer desenfreado saem de meus lábios. Eu sinto
que Kaden fica mais duro dentro de mim e ver seu abdômen inchar de
fadiga.
Ele pega meu corpo e o possui totalmente, reivindicando-me da
maneira mais requintada e entorpecente.
Eu sou dele em todos os sentidos inimagináveis.
Eu me sinto perdendo o controle e sei pelos gemidos de Kaden que
não haverá nenhuma provocação desta vez.
— Kaden, eu quero sentir você gozar dentro de mim, — eu grito,
deslizando minha mão entre minhas pernas e massageando meu clitóris.
Eu o deixei maluco e sinto a tensão crescendo em nós dois. Eu olho
para ele e ele olha para mim.
Juntos, experimentamos uma explosão de sensações. Meus músculos
se contraem em torno de seu membro enquanto ele despeja cada grama
que tem dentro de mim.
Caímos nos braços um do outro, inúteis, exaustos.
O calor finalmente se foi, e tudo neste momento parece
perfeitamente no lugar.
Eu viro minha cabeça e vejo Kaden olhando amorosamente de volta
para mim.
— Nunca pensei que me sentiria tão perto de outra pessoa, — diz ele,
entrelaçando os dedos nos meus.
— Somos dois, — eu respondo antes de pressionar meus lábios nos
dele.

Eu me olho no espelho.
Daqui a algumas horas estarei viajando com Milly e o resto das
garotas de volta a Matilha da Pureza para nos reunir com nossas famílias.
Espero que meus pais não tenham um ataque cardíaco quando
descobrirem que estou agora acasalada com Alpha Kaden.
Estou ansiosa para a volta ao lar, mas sei que não vou ficar. Meu lugar
é aqui, como Luna da Matilha da Vingança.
Kaden cedeu toda a Cidade da Vingança para Lexia em troca de sua
ajuda para derrotar Coen.
Ela conseguiu seu reino exatamente como queria. Quanto a Grayson,
bem, ela o deixou viver, o que é mais do que eu esperava.
Eu vejo Milly entrar no reflexo do espelho.
Seu cabelo está lavado e escovado e a sujeira foi removida de sua pele.
Um vestido floral envolve seu corpo. Mas o mais importante, há uma
faísca em seus olhos. Uma ânsia de vida que foi extinguida durante seu
tempo nos túneis.
— Você parece tão feliz, — eu digo.
Ela sorri e balança a saia do vestido.
— Você pode imaginá-los nos deixando usar algo tão colorido em
casa?
— Não, — eu digo, rindo. — Irmã Lumina teria um ataque.
Milly ri também. Seu sorriso irradia esperança e um novo começo.
Nós nos abraçamos com força, sem dizer uma palavra.
Nós não precisamos.
Somos irmãs.

KADEN

Envio uma página com as instruções finais para o serviço fúnebre de


Kace.
Lexia vasculhou os túneis com seus homens e eles nunca
encontraram seu corpo ou os dos homens marcados que mataram.
Cada vestígio dos homens e de sua organização secreta desapareceu
durante a noite.
Não consigo me livrar da culpa que aperta meu coração. Eu nunca
deveria ter deixado ele e Mara sozinhos.
Eu ouço uma batida e Grayson entra na sala.
— Eu pensei que você estaria lá embaixo com sua companheira, — ele
diz, fechando a porta e mancando até mim.
Eu posso ver a dor em seus olhos quando ele diz essas últimas
palavras. Ele ainda está tentando lidar com a rejeição de Lexia.
— Eu queria dar a ela um tempo com as garotas antes de entrar. Ela
está perguntando por mim?
— Na verdade, — Grayson responde, — quero falar com você em
particular por um momento.
— Claro, — eu digo, puxando uma cadeira para ele.
Ele prefere ficar em pé.
— Não, está tudo bem. Vou me encostar na mesa. — Um sorriso surge
em seu rosto. — Quando você se tornou tão atencioso?
— Eu culpo minha companheira, — eu digo. — Então, o que você
quer discutir?
O rosto de Grayson fica solene.
— É sobre os outros Alfas, aqueles que compraram garotas de Coen.
Precisamos ir atrás deles. Precisamos fazer com que eles paguem.
As palavras de Grayson trazem o assunto de volta à minha mente.
As garotas nos deram uma lista de nomes e todos os Alfas ausentes do
meu conselho estavam nela. Mesmo aqueles que apareceram ainda
estavam sob escrutínio... incluindo Grayson.
Mantenha seus amigos perto...
Sei que devolver as garotas não as manterá fora de perigo. Elas não
estarão seguras até que eu venha a público com o que sei. Mas até eu
devo ter cuidado agora.
Coen pode estar morto, mas uma série de novos inimigos surgiram
para substituí-lo.
Não tenho certeza se Mara e eu algum dia teremos paz. Talvez esse
seja o fardo dos justos.
Eu volto minha atenção para Grayson, que está esperando pela minha
resposta.
Colocando minhas mãos em seus ombros, eu olho em seus olhos.
Procurando.
Considerando.
— Paciência, amigo. Eu vingarei todas elas.

KACE

Eu ouço o barulho de metal e minhas pálpebras se abrem. Tento me


mover, mas meus pulsos e tornozelos estão presos.
A caverna ao meu redor é banhada por luz fluorescente e, à distância,
serras e furadeiras soltam seu gemido mecânico enquanto moem e
cortam.
Sinto uma pulsação no peito e olho para baixo para ver manchas
grosseiras cobrindo duas grandes feridas em meu torso.
— Ele está se movendo, — uma voz chama por trás.
Merda.
Eu luto contra minhas algemas, mas nada cede.
— Economize suas forças, menino bonito, — diz a voz.
Dois homens se inclinam sobre minha cabeça. Estampada em cada
uma de suas bochechas está a marca escura.
Um tem olhos azuis e cabelos ruivos desgrenhados. O outro tem uma
cicatriz onde costumava estar seu olho direito e a cabeça raspada.
Nenhum dos dois parece particularmente amigável.
— Onde estou? — Eu exijo. — Onde está meu irmão? Onde está
Coen?
— Coen? — diz o homem de olhos azuis.
— Sim, — eu atiro de volta. — Coen, seu líder.
Os dois homens riem enquanto trocam um olhar.
— Veja, você está enganado aí, amigo, — diz o homem de olhos azuis.
— Coen não é nosso líder.
Continua no Livro 2…
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