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MARTINICI
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.

DIMITRI
1ª EDIÇÃO

Capa: Lilly Desiggn


Diagramação: Lilly Desiggn
Revisão: Tan Wenjun
Leitura Beta: Isah Lacerda

Os personagens e acontecimentos retratados neste livro são fictícios.


Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, é mera
coincidência e não foi pretendida pelo autor.

Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou armazenada em


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sistema de recuperação ou transmitida de qualquer forma ou por
qualquer meio,
eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou outro, sem permissão
expressa do autor.
Sinopse
Playlist
Nota da Autora
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Epílogo
Bônus
Redes Sociais
Agradecimentos
Dimitri é o CEO da Markova Tech.
É um homem bem-sucedido, de uma família russa e claro, não muito
chegado a relacionamentos sérios.
Com a ajuda de seu irmão, ele está à frente da empresa da família e
adora sua vida de farra, festas e mulheres. No entanto, não costuma ter a
mesma mulher por mais de uma ou duas noites. E não pretende mudar isso
tão cedo.
Olívia é a secretária do irmão de Dimitri. Centrada, não gosta muito
de festas e prefere ficar em casa fazendo o seu tão amado nada. Mora junto
com sua irmã mais nova, que tem sérios problemas com organização,
deixando-a maluca.
Ela trabalha para os Markova e não gosta nem um pouco do CEO da
empresa. Ele nunca, se quer, decorou o nome dela.
Dimitri e Olívia nem imaginam que os seus destinos teriam que se
cruzar, de uma forma ou de outra.
Duas pessoas completamente diferentes em uma história que os
unirá para sempre.
Escaneie o QR CODE ou clique aqui para ouvir a playlist de DIMITRI
pelo Spotify e se apaixone mais ainda pelos personagens!
É com o imenso prazer que dou as boas-vindas a todos (as) vocês
que vão começar a ler este livro.
Antes de qualquer coisa, quero agradecer o interesse em ler esta
história. Ela foi escrita com muito amor e muito carinho. Não tinha muita
certeza se um dia chegaria no tão esperado FIM, mas cheguei e me senti
orgulhosa.
Como uma leitora ávida que sou, sempre me perguntei se um dia
conseguiria escrever meu próprio livro e aqui estou.
Torço para que gostem e sempre que quiserem relembrar dos
personagens, voltem e fiquem à vontade.
DIMITRI é um livro ADULT, que contém cenas indicadas para
maiores de 18 anos e temas sensíveis como: violência doméstica, palavras
de baixo calão e cenas de sexo explícito
Lembre-se:
Se em algum momento, se tornar sensível demais ou te causar
algum desconforto, PARE IMEDIATAMENTE. Seus limites e sua saúde
mental são o que verdadeiramente importam.
Fiquem à vontade para se apaixonarem por Dimitri e Olívia, que são
nossos mocinhos.
E se quiser se apaixonar por Nikolai também... estão autorizadas, o
livro dele sairá em breve.

Boa leitura e mil beijos.


G. MARTINICI
ELEVADOR
SUBSTANTIVO MASCULINO:
Máquina que se movimenta na vertical e serve para transporte de
passageiros, cargas e... sentimentos
Novamente estou trancado no armário com os gêmeos.
Nikolai está abraçado a Anya enquanto eu olho pelas frestas da
porta veneziana. Os coloquei bem no fundo do armário para que não
escutem muita coisa. No entanto, é impossível não ouvir o que acontece do
outro lado.
Escuto gritos e choros. Coisas caindo no chão. Vidro se quebrando.
Uma verdadeira bagunça, que amanhã será como se nada tivesse
acontecido.
A maioria das coisas na minha família é assim. Elas acontecem e em
um piscar de olhos, é como se desaparecessem. As pessoas evitam tocar no
assunto até que ele seja completamente esquecido. Mas eu não esqueço.
Não esqueço de nada.
Escuto minha mãe gritar. Mal consigo ver o que ela acaba de jogar
no homem que brada contra ela.
— Sua vagabunda! — a voz dele sai, com muita raiva. — Eu vou te
matar!
Vladmir começa a andar na direção dela e a pega pelo pescoço.
Ouço-a sufocar enquanto ele está apertando sua garganta com cada vez
mais força. Como fez da última vez, deixando seus dedos marcados em sua
pele.
— Me solta! — ela implora.
— Cadê aquelas crianças nojentas? — Começo a tremer. Ele quer
saber de nós.
— Fica longe dos meus filhos.
— Caso não saiba, sua puta, dois deles são meus filhos também.
Quer dizer, talvez nem sejam, não é? Já que a mãe deles é uma piranha que
fica se oferecendo para qualquer um.
Espero que Nikolai e Anya não tenham ouvido isso, ou se ouviram,
espero que não entendam a crueldade das palavras que o homem proferiu.
Temos cinco anos de diferença. Eles têm cinco e eu dez. São ótimas
crianças. Anya é quieta, graciosa, parece uma princesa e Nikolai é
superinteligente, atento a tudo, calado, mas observador. Eu, como o mais
velho, sou protetor – ou pelo menos, é o que eu tento ser. Muitas vezes, sou
a babá também. Sempre os protejo desse escroto que diz ser pai deles.
Peço todos os dias para que nenhum deles tenha a vida prejudicada
por conta de Vladmir. Esse boçal que tem um prazer doentio em nos fazer
sofrer.
— Cadê eles, Yvannia? Vai me fazer procurar na porra da casa
inteira?
Escuto minha mãe falar e pelo que parece, ele a soltou.
— Eles não estão aqui. Os mandei para o meu pai.
— Mentira! — Levanta a mão e, com o dorso dela, estapeia o rosto
de minha mãe. — Eu vi o Dimitri entrar aqui. Acha que sou imbecil, igual
ao pai dele?
Meu pai.
Ele não é idiota.
Ele é um verdadeiro pai.
Vem me ver todos os finais de semana e quando passo alguns com
ele, faço questão de levar os gêmeos comigo, apenas para não os deixar
sozinhos com ele.
— Por favor, Vlad. Deixe-os em paz. Não fizeram nada.
Ele volta em sua direção e a pega pelo braço. Pelo ângulo que estou,
consigo ver quando a puxa e a arrasta pelo quarto enorme. Minha mãe
tropeça nos próprios pés e cai.
Mas ele não faz esforço algum para ampará-la, simplesmente a
deixa cair no chão, batendo a cabeça com força no piso de madeira.
Enquanto minha mãe está no chão, chorando ainda mais com a mão na
cabeça, ele a olha e ri de seu estado.
Sem pena nenhuma, Vladmir a chuta na barriga.
Uma.
Duas.
Três.
Três vezes.
Ele a chuta três malditas vezes.
Que desgraçado!
Olho para trás e vejo Nikolai tampar os ouvidos de Anya para que
ela não consiga ouvir o choro de dor de nossa mãe. Meu irmão me olha,
tentando, sem sucesso, segurar as lágrimas nos olhos, mas elas não dão
trégua para a criança.
Me afasto da porta e os abraço com força. Querendo apenas que
tudo aquilo acabe o mais rápido possível para podermos sair de dentro do
armário e ir para a casa de dedushka[1].
Ele nos protege. Odeia Vlad com todas as forças.
Vovô é a única pessoa que ele não enfrenta, não diretamente pelo
menos. Dedushka sabe de tudo o que acontece aqui em casa, mas mamãe
não quer deixá-lo. Ou melhor, Vlad não aceita ser deixado.
Da última – e primeira – vez que ela saiu de casa com todos nós,
Vladmir foi até a residência de dedushka, e a fez voltar, prometendo que
tudo mudaria e nunca mais repetiria as coisas horríveis que fazia. Durou um
mês para que ele encostasse a mão nela novamente.
Quebrou seu braço e a deixou com o olho roxo por uma semana.
Precisei ficar inventando mentiras para dedushka, que queria vir até aqui
em casa, mas não podia para não ver a filha daquele jeito. Claro que ele
sabia o que tinha acontecido. Foi quando ele decidiu ‘lavar as mãos’ e
deixar mamãe cuidar das coisas por si só.
Ela não conseguiu.
Depois disso, várias outras coisas já aconteceram. Uma delas foi
quando Vladmir a empurrou da escada e ela, por pouco não quebrou o
pescoço. Corri ao seu socorro, logo depois que ele saiu.
Ele a espanca, sai de casa, volta bêbado feito um gambá, dorme e
acorda perguntando o que aconteceu.
Mudak.[2]
Ainda não entendo por que mamãe não o deixa de verdade. Ele
nunca vai ser bom com ela, ou conosco. Ela não merece viver assim. Nós
não merecemos viver assim.
Nesse momento, consegui ouvir um barulho oco bater no chão. E
logo depois, mais um grito de desespero de minha mãe.
Ele bateu a cabeça dela no chão?
— Não Vlad. Não, por favor! — ela torna a implorar aos prantos —
Você vai me matar.
— Você ainda não entendeu que é exatamente isso que eu quero, sua
vadia infeliz.
Volto a olhar pelas frestas e minha mãe está no chão e ele puxando
seu cabelo.
— Eu nunca te amei. Nunca nem quis os filhos que nasceram. Eu
disse que você tinha que se livrar deles. E você não me ouviu, agora veja
só. Eles estão em algum maldito canto da porra dessa casa, ouvindo você
gritar e implorar para que eu pare. Me diga logo onde eles estão.
— NÃO! — ela grita com todas as forças que tem.
Ele bate a cabeça dela mais uma vez no chão e percebo que, nesse
momento, mamãe para de se mexer, porque já não emite som algum.
Seguro a respiração por um minuto, escutando nada mais que o
silêncio que se faz do lado de fora. Percebo o corpo imóvel de minha mãe
no chão. Sinto um calafrio percorrer minha espinha, e logo depois, chegar
em meu peito.
Meu Deus, que ela esteja apenas desacordada. Que não tenha
morrido. Por favor. Por favor!
O armário está escuro. A luz está desligada para que ele não saiba
que estamos aqui. Por mais que seja um tanto óbvio. Acho que a fúria que o
consome, não o deixa pensar direito. Agradeço por isso.
Olho em volta e lembro-me de uma prateleira com algumas roupas
de cama. Levanto uma das mãos e tateio o espaço, encontrando uma caixa
pequena que parece de madeira. Ergo a outra mão para ter mais firmeza ao
pegá-la.
Quando puxo e a abro, meu queixo cai ao ver o que tem dentro.
Uma arma. Pequena e prateada.
Escuto apenas silêncio do lado de fora, mas dentro da minha cabeça
está uma verdadeira zona.
Olho atentamente para o objeto em minha mão e mesmo não
sabendo usá-la, a retiro de dentro da caixa.
Meus irmãos estão encolhidos no fundo do armário e só penso em
acabar com tudo isso. Essa poderia ser nossa saída. Tudo pode terminar,
aqui e agora. Eles nem sentiriam falta do pai. Ninguém sentiria falta desse
homem.
Volto a olhar pelas frestas e minha mãe continua jogada no chão.
Mas não vejo sinal dele por perto. Não sei se posso sair ou espero mais um
pouco. Mesmo tremendo, tento segurar a arma do jeito que vejo nos filmes
com dedushka.
Abro lentamente a porta e minha cabeça sai primeiro da escuridão
do armário. Escuto Nikolai falar alguma coisa, mas não tenho tempo para
processar o que foi dito, já que logo sinto uma mão puxar meus cabelos e
me arrastar.
— Você está aí, seu sukin syn[3].
Vladmir me joga no chão e a arma escorrega da minha mão, indo
para longe, mas toda a atenção do homem está em mim, e ele mal percebe
quando a deixo cair de minhas mãos.
Me chuta, assim como fez com minha mãe, e eu protejo minha
cabeça e rosto com os braços para que ele não me atinja nesses lugares. E,
mesmo com a dor dos seus golpes, me mantenho calado.
— Seu merdinha – rosna. — Você não sabe o prazer que eu tenho
em te ver sofrendo. Seu bastardo!
Seguro o choro o máximo que posso. Com os olhos fechados e com
os braços e mãos protegendo o rosto, apenas escuto todas as coisas ruins
que ele fala, pedindo a Deus que alguém chegue para o fazer parar.
Ele me chuta mais uma vez e a dor que toma conta de mim se alastra
mais ainda pelo meu corpo. Aperto mais os olhos e de repente, escuto um
tiro.
Será que ele achou a arma? Será que não foi parar tão longe como
eu tinha visto? Posso estar morto agora.
Escuto outro tiro e tremo.
Já não sinto mais nenhum chute vindo do homem que me agredia.
Já não sinto mais nada.
Abro os olhos e ele está caído ao meu lado. Em cima de uma poça
de sangue. Seu sangue.
Me apoio nos cotovelos e não consigo parar de olhar para a cena.
Sua blusa branca, agora é vermelha, e seu cabelo, sempre bem
arrumado, está bagunçado.
Tudo acabou? Será?
Sinto minha mãe me pegar no colo e tampar meus olhos.
Chorando copiosamente, ela me arrasta para o corredor e volta para
pegar meus irmãos no armário. Não sei direito o que aconteceu, mas sei
apenas de uma coisa.
Amanhã ninguém esquecerá disso.
Estou preso dentro desse escritório há horas e ainda não consegui
resolver absolutamente nada do que queria ou deveria. Que inferno! Odeio
ficar até mais tarde na empresa.
Gostaria de estar em alguma festinha, rodeado de mulheres lindas,
todas jogadas aos meus pés. No entanto, estou aqui, olhando para o meu
irmão e mais dois acionistas da Markova Tech., discutindo sobre algo que já
nem sei mais do que se trata.
Minha cabeça está prestes a explodir. Pego o copo de água que
tenho em cima da mesa ao meu lado e para a minha infelicidade, ele está
vazio. Enquanto meu irmão argumenta sobre a expansão da empresa para
mais alguns países — como se já não bastasse os cinco em que estamos
presentes —, pego o telefone e ligo para minha secretária.
— Felícia, pode, por favor, trazer mais um copo de água para mim?
Olho para os homens engravatados à minha frente e pergunto baixo,
em tom de sarcasmo.
— Alguém aceita também? Quem sabe um café ou um suco. —
Espero pela resposta que sei que não virá, porque os homens mal me
ouviram. — Não? Tudo bem, então.
Volto a falar com minha secretária – gostosa para caralho – e
informo que será apenas minha água e um comprimido para aliviar a dor
que estou sentindo.
Em menos de dois minutos, Felícia atravessa a porta usando um
vestido vermelho, bem colado ao corpo, deixando pouco para a imaginação
dos homens – ela é, sem dúvidas, o tipo de mulher de parar o trânsito.
Loira, com cabelos que vão até a cintura, com os peitos fartos e uma bunda
empinada de dar inveja a outras mulheres.
Quero deixar claro que, por mais que a ache linda, gostosa, um
verdadeiro tesão, sempre a respeitei e nunca a fiz se sentir abusada ou algo
do tipo. Sempre notei um possível interesse dela, mas nunca o nutri e nem
pretendo. Gosto do trabalho dela, não me arriscaria perder uma funcionária
por causa de uma foda.
Aqui dentro, ela é meu braço direito. Me conhece como ninguém e
sempre me ajuda. Na verdade, me conhece melhor do que eu mesmo. Sabe
exatamente do que gosto e do que não gosto. E sabe também o quanto odeio
estar aqui nesse momento.
Ela vem em minha direção e deposita o copo com água em cima da
mesa e estende uma cartela com comprimidos para mim. Eu a pego e
agradeço com o olhar. Reparo que um dos acionistas não consegue tirar os
olhos dela. Ele mal pisca.
Educadamente, ela sorri para ele e o pobre sorri de volta, achando
mesmo que conseguirá alguma coisa com a mulher. Assim como me
conhece bem, Felícia também conhece todos os acionistas e com certeza,
sabe muito bem, que ele é casado, tem três filhos e que pinta o cabelo
porque não quer assumir os fios brancos que estão começando a aparecer.
Meu irmão diz mais alguma coisa que eu não presto atenção e olha
para Felícia.
— Senhorita Prado, poderia me trazer uma xícara de café, por
favor? — Tá de sacanagem, não é? Ele quer café agora? Isso quer dizer o
quê? Vamos ficar mais quanto tempo aqui?
Puta que me pariu. Que saco! Hoje é sexta-feira, pelo amor de Deus.
Nikolai não tem vida social, isso eu já sei. Mas querer acabar com a
minha, aí já é um pouco demais.
Quero muito sair e achar alguém para foder gostoso a noite toda.
Minhas sextas são sagradas. É quando eu mais me divirto.
Ela volta seu olhar para mim, sabendo bem que estou puto da vida e
eu simplesmente mexo as mãos com um gesto de ‘pode ir’. Felícia se vira e
rebola até a saída. Ela sabe o poder que tem com os homens. Exceto com
Nikolai, que não olha sequer para o lado.
Acho que eu fiquei com toda a safadeza. Dentre os três, sou o pior.
Como sou o mais velho, acho bem justo. Ia odiar saber que minha
irmãzinha anda por aí fazendo besteiras com os homens. Na verdade, nem
gosto de pensar nisso. Anya sempre será minha pequena princesa. Por mais
que ela já tenha trinta anos, assim como Nikolai. Mas confesso que meu
irmão poderia aproveitar mais a vida que tem.
Ele é o CFO[4] da empresa e eu, novamente como o mais velho, o
grande CEO[5].
Antes de mim, veio dedushka, mas a idade chegou para ele e bem, o
cargo ficou comigo.
Fui completamente contra de início. Queria mesmo era sair, encher a
cara e pegar todas as mulheres que conseguisse, mas dedushka me obrigou
e antes de passar a cadeira para mim, me fez trabalhar na empresa, em todos
os setores possíveis para que eu aprendesse e dominasse o assunto.
Agora, depois de cinco anos no comando – junto ao meu irmão, que
decide as coisas tanto quanto eu –, me sinto bem. Ótimo, na verdade. Claro
que, reuniões como essa, que duram horas e não me levam a nada, estragam
minhas sextas-feiras e me deixam irritado.
Conheço nossa marca e confio no nosso trabalho. Afinal, não é à toa
que somos uma das maiores empresas de tecnologia do país, se não a maior.
Devemos muito disso ao dedushka, é claro, que comandou o negócio por
muitos anos. Dando trabalho a quem precisava e contribuindo sempre para
o bem de todos. E antes dele, seu pai.
A empresa é da minha família há não sei quanto tempo. Começou na
grande Rússia e com os anos, se espalhou para outros lugares. Como disse,
temos filiais em cinco países diferentes e queremos muito mais, por isso
estamos tentando entrar em mais um, porém de uma forma inexplicável,
alguns acionistas estão empatando esse processo. Entretanto, não quero
discutir sobre isso em uma sexta-feira à noite.
Pigarreio de leve e Nikolai me olha de soslaio.
Ele sabe. Todo mundo sabe, cacete!
Dou um gole na água e faço uma careta.
— Senhores — Nikolai diz —, acredito que já está tarde para
resolvermos isso. Tenho certeza de que querem logo chegar em casa e
começar a aproveitar o final de semana com suas famílias.
Ah, finalmente!
— Podemos continuar na segunda de manhã.
Sinto meu corpo escorregar pela cadeira. Segunda começa tudo de
novo. Nikolai olha para mim e com apenas um olhar, me repreende de uma
forma cruel.
Às vezes, acho que ele deveria ser o CEO, tem muito mais jeito
para isso. Vive para isso aqui. Não que eu não viva, mas não acho saudável
me afundar em trabalho 24 horas por dia, sete dias por semana, trinta dias
por mês e 365 dias por ano.
Ter um cargo alto assim tem suas responsabilidades, mas também
tem suas regalias e eu gosto de aproveitá-las.
Os homens se despedem, saindo da sala e ficamos apenas meu
irmão e eu.
— Como pode ser tão desinteressado?
— Não sou desinteressado. Estamos tratando disso há duas semanas
e nada se resolve. — Começo a arrumar a papelada em cima da mesa. — Já
explicamos diversas e diversas vezes o quanto isso será benéfico para todos
nós e parece que ninguém entende — digo ao meu irmão, que sei que tem
um discurso na ponta da língua. — Já estou ficando puto. Vou mandar todo
mundo ir à merda e bater o martelo dando um ponto-final nisso tudo. Se é
para termos outra filial na puta que pariu, então que tenhamos.
— As coisas não funcionam assim, Dimitri. Eles são acionistas,
também precisam participar.
— Não estou negando a participação de ninguém e, além do mais,
somos nós que detemos a maior parte das ações. A decisão final será nossa
de qualquer maneira.
Ele fecha a pasta com alguns documentos e então segue em direção
à porta. Mas antes de sair, se vira e fala.
— Gosto de ouvir o que outras pessoas têm a dizer. Acho importante
ter consideração. — Ele solta um suspiro cansado. — Às vezes, várias
cabeças pensam melhor do que uma e no seu caso, que tem duas, mas usa a
de baixo com mais frequência, acho sempre válido ouvir outras opiniões.
Ele sai e fecha a porta, me deixando sozinho na sala.
Não uso a de baixo com mais frequência, porra. Nem lembro
quando foi a última vez que transei.
Ah, claro. Semana passada. Lembrei. Mas isso não vem ao caso.
Quero logo sair daqui e ver se ainda consigo aproveitar a noite de
sexta na grande São Paulo. Já recebi alguns convites de amigos para irmos
para uma noitada em um lugar novo que abriu recentemente e estou
pensando em ir até lá e ver como as coisas se desenrolam.
Termino de arrumar minhas coisas e ligo para Felícia, dispensando-a
e desejando um ótimo final de semana.
Ando até minha sala, que fica ao lado da sala em que estava, e pego
meus pertences e o terno. Visto-o e finalmente me encaminho para os
elevadores. Aperto o botão e ele logo chega no meu andar, mas para minha
surpresa, quando as portas se abrem, uma moça, segurando o celular, sai de
dentro dele, concentrada no aparelho e tromba em mim.
Ela se assusta e levanta os olhos até encontrar os meus. A mulher é
linda, mas um tanto distraída.
Olha ao redor, se desculpando e então volta para dentro do
elevador. E eu a sigo.
As portas se fecham e percebo que ela havia apertado o botão do
térreo, mas o que aconteceu foi que o elevador subiu e ela não percebeu.
— Não achei que outras pessoas ficassem até mais tarde no prédio.
— Tento puxar assunto.
Ela me olha de cima a baixo e franze o cenho.
— Só fui liberada agora, senhor Dimitri.
— Quem é seu chefe? — pergunto e ela franze o cenho mais ainda,
chegando a fazer uma careta.
— Como assim?
— Minha pergunta não ficou clara? — uso um tom rude com ela.
Não sou conhecido como uma pessoa de muita paciência.
— Meu chefe é o senhor Nikolai. Sou a secretária dele. — Arregalo os
olhos e fito-a melhor. Agora sou eu quem olho de cima a baixo.
Quando volto a olhar para o seu rosto, pisco um par de vezes,
balançando a cabeça, processando a informação.
Secretária de Nikolai?
Não é possível. Lembro bem da secretária dele. É uma senhora de
quase cinquenta anos, que trabalhou para o meu avô desde seus tempos
áureos.
Franzo o cenho.
— Ele demitiu a senhora... — Tento me lembrar do nome dela, mas
não consigo.
— A senhora Dolores?
— Isso! Dolores. Estava tentando me lembrar do nome dela.
— Ela se aposentou há três anos, senhor.
Aposentou? E eu não fiquei sabendo? O que é que está
acontecendo?
— Tem certeza disso? — pergunto, juro que ainda estou incrédulo
com a informação.
— Absoluta. Caso ela não tivesse se aposentado, eu não estaria
trabalhando aqui nesse mesmo tempo.
— A gente já se viu alguma vez? — Não é possível, não tenho a
mente tão merda assim.
— Várias vezes. — A mulher parece não acreditar no que escuta.
— Semana passada fui até sua sala entregar a documentação que pediu que
o senhor Nikolai separasse, para verificar a viabilidade de viajar nos
próximos meses para a Rússia.
Semicerro os olhos, olhando fixamente para ela, tentando a todo
custo me lembrar de seu nome.
Não é possível, eu certamente me lembraria dela.
De repente, como em um lampejo, arregalo os olhos e aponto meu
dedo em riste em sua direção.
— Claro! Alicia. — Sorrio em vitória.
Sabia que a minha memória não estava ruim assim.
— Olívia, senhor.
As portas do elevador abrem no térreo e eu coloco o braço, fazendo
com que o sensor entenda que não é para elas fecharem.
— O que disse?
— Olívia.
— O que tem?
— Meu nome é Olívia, e não Alicia. — Ela cola os olhos castanhos
nos meus e eu os semicerro.
Tudo bem! Errei o nome da moça, mas e daí? Também não posso
gravar o nome de todo mundo com quem falo. Ainda mais,
esporadicamente.
— Ah, perdoe-me. Não sou bom com nomes — digo, tentando
disfarçar o erro.
— E nem com pessoas.
Ela sai do elevador sem dizer mais nada. Nem ao menos agradece
ou olha para trás. Olívia passa pelas portas giratórias e segue a rua, virando
à esquerda do prédio.
Mas que merda foi essa?
Ok, eu errei o nome, mas ela também não precisava ser estúpida
desse jeito. Credo! Segunda vou falar com Nikolai.
Muito abusadinha essa moça.
Permaneço no elevador e desço apenas na garagem.
Entro em meu Aston Martin DB9[6], que é meu verdadeiro amor, e
saio do prédio, já ansioso para a minha diversão começar.
Adoro as sextas-feiras por duas simples razões.
Uma, não preciso acordar cedo no dia seguinte e duas, sempre tem
uma mulher gostosa disposta a me dar muito prazer.
Sinceramente?
Do fundo do meu coração?
Não suporto esse homem.
Faço de tudo e mais um pouco para evitá-lo na empresa. Por mais
que ele seja dono e irmão do meu chefe – que é completamente diferente
dele, diga-se de passagem – odeio estar na presença dele. Dimitri tem um ar
de arrogância e prepotência.
Sempre escuto coisas a seu respeito: sobre o quanto é mulherengo; o
quanto gosta de uma diversão; o quanto sai nas capas de revistas de fofoca
com mulheres lindíssimas ao seu lado; sobre as farras nos finais de semana.
Ai, um monte de coisas. Entretanto, nada de muito interessante ou melhor,
nada que seja do meu interesse.
Dou graças a Deus por não ter sido escolhida para ser a secretária
dele e sim a de Nikolai, que é um verdadeiro homem.
Parece até que tenho um crush nele. Na realidade, quando o
conheci, eu até tive, mas percebi que não daria em nada. Meu foco é
trabalhar e não paquerar o chefe, como umas e outras do andar de cima
fazem. Por favor, não é?! Existem modos de subir na vida, sem precisar,
bem, subir no patrão.
Como por exemplo, eu, que acordo cedo todos os dias, preparo o
café, acordo minha irmã – que como sempre, briga para se levantar da
cama. Nem parece que já é uma adulta de vinte e quatro anos e que precisa
sair para o estágio e logo depois, ir para a faculdade, como uma
pessoa responsável –, me arrumo e saio. Basicamente, é o que faço de
segunda a sexta-feira, e espero, do fundo do meu coração, não precisar
vestir roupas apertadas para chamar atenção. Gosto de chegar antes de
Nikolai e deixar tudo preparado para o restante do dia. Gosto de ser
eficiente e isso, claro, é o meu jeito de subir na vida.
Já sabia que teria uma reunião atrás da outra, mas não imaginei que
a última seria para ferrar com a minha vida.
Fiquei até tarde por conta dessa reunião, sobre a expansão da firma,
e ainda sou obrigada a lidar com a figura de Dimitri Markova no elevador.
Nem tinha percebido quando o elevador subiu ao invés de descer.
Estava mesmo achando que ele tinha chegado muito rápido no térreo, tendo
em vista que trabalho no 19º andar.
Quando esbarrei em um peitoral enorme, que mais parecia um
armário, levei um tempo para assimilar que estava no lugar errado. Apenas
quando olhei ao redor e vi o andar cinza, que me dei conta de que estava no
lugar errado.
Voltei para dentro da lata de metal e desci com a presença do
intragável irmão do meu chefe.
Me refiro a ele assim. O irmão do meu chefe. Nada mais óbvio.
Claro que na frente dele, trato-o bem – pelo menos tento o meu máximo –,
mas por trás, ele é apenas o irmão de Nikolai. E muito me espanta o quanto
de diferença existe entre eles.
Já conheci Anya também, mas ela é bem reservada.
Ela é linda! Aquele tipo de mulher de tirar o fôlego. Mal consegui
piscar quando a vi pela primeira vez. Não queria perder nenhum movimento
que ela pudesse fazer.
Dimitri, por outro lado, se eu pudesse, nem dirigiria a palavra.
Estou parada no ponto de ônibus, esperando a condução chegar e
vejo um carro lindíssimo passar por mim. Daqueles que fazem a gente
babar. Não tenho muita certeza se sei qual é a marca do veículo, acho que o
vi uma única vez antes e foi em algum filme. Acredito que não seja muito
comum vê-lo por aí.
Ele passa com uma velocidade absurda. Achando que é o dono da
rua. Infelizmente, existem muitos babacas que acham mesmo que dirigir em
velocidade alta é sinônimo de poder ou qualquer outra coisa.
Me sento no banquinho do ponto, ainda esperando o ônibus e mando
uma mensagem para a minha irmã:
Eu: Oi, saí agora do escritório. Já tá em casa?

Espero que me responda e graças a Deus, ela o faz bem rápido.

Lavínia: Já sim. Há muito tempo. Meu chefe não me faz de escrava como o
seu.

Eu: Você é estagiária, eles não podem te manter por muito


tempo dentro da empresa, engraçadinha.

Levanto o olhar e vejo o ônibus chegando, dou sinal e subo, rolando


meus quadris pela roleta depois de pagar a passagem. O transporte está
vazio. O que é bem normal pelo horário, já que passa das 21:00. Me sento
em qualquer lugar e sinto o alívio por finamente estar indo para casa.
Meu telefone vibra e vejo outra mensagem de Lavínia.
Lavínia: Vai demorar muito? Uns amigos me convidaram para sair
hoje. Estou pensando em ir. Quer vir junto?
Mas é claro que não. Que pergunta idiota. Até parece que ela não
sabe a resposta. Reviro os olhos e apenas respondo um não e guardo o
celular na bolsa, mas antes pego os fones, conectando-os para começar a
escutar uma música qualquer.
Pelo horário, devo chegar em casa em quarenta minutos, então dá
tempo de colocar a minha playlist em dia até lá.
Encosto minha cabeça no apoio do banco e fecho os olhos, ouvindo
a melodia me embalar de leve.
Tenho um gosto peculiar para músicas. Gosto das mais antigas e das
mais românticas, por mais que eu não seja nem velha – trinta e três anos
não é ser velha, não é? – e nem romântica. Às vezes, escuto umas sofrências
por mais que não esteja, de fato, sofrendo. Escuto só porque gosto da voz
do artista.
Meu telefone vibra novamente dentro da bolsa e eu o pego. O visor
acende e pela barra de notificação, vejo a pessoa que me mandou
mensagem. Reviro os olhos e bufo seriamente.
Caio.
Abro a mensagem, mesmo sabendo que não vou responder, apenas
para deixá-lo ciente de que vi e que o ignorei com sucesso.

Caio: Olie, por favor, vamos conversar. Eu sei que fiz merda. Me dá
uma chance para me explicar. Não vivo sem você!!

Ah, pelo amor de Deus... Não vivo sem você? Meio exagerado, não?
Claro que vive. Tanto vive, que semana passada estava transando com a
colega de trabalho. Dentro do almoxarifado. Que palhaçada!
Bloqueio o aparelho de novo e já está tocando outra música. Volto a
fechar os olhos para esperar pelo meu ponto de descida.

Acordo no susto.
Droga! Passei do ponto?
Olho em volta e para a minha felicidade, ainda estou a um ponto do
meu. Começo a me arrumar para descer e quando vejo o ponto de
referência, dou sinal.
O edifício que moro não fica longe do ponto de ônibus, mas ando
por uns dez minutos até chegar na portaria.
Abro o primeiro portão e logo em seguida, o segundo.
Como está mais tarde do que o horário habitual que chego, o
porteiro já foi embora e quem chegar agora, precisa ter as chaves para
entrar.
Chego em casa e me jogo no sofá. Estou morta, só quero tirar essa
roupa social, que usei o dia inteiro, e esse sapato de salto, quando ouço
Lavínia vir até a sala. Minha irmã começa a falar um monte de coisas, que
eu confesso não prestar atenção... Só quero tomar um banho, comer alguma
coisa e dormir. Amanhã acordo cedo para fazer faxina no apartamento, que
está precisando urgentemente.
— Olie! Me empresta aquela sua blusa preta, que tem o decote em
V? — Eu tenho blusa com decote em V?
Não faço ideia de que peça é essa que ela está falando. Porém, como
não estou muito a fim de falar, apenas balanço a mão e ela entende que isso
foi um sim.
Tomo coragem, levanto-me do sofá e, literalmente, me arrasto até
meu quarto. Pego a roupa mais larga que tenho e me enfio dentro do
banheiro, ligando a água quente e enchendo a pequena banheira, que eu
agradeço e muito por vir com o banheiro. Não a uso sempre, demora um
pouco para encher e gasta muita água, mas, às vezes, me dou ao luxo de me
banhar e relaxar com classe.
Entro na banheira e afundo até o pescoço, encostando a cabeça no
apoio.
Que delícia da porra!
A água quentinha, uns sais de banho e o jato bem forte na direção da
minha lombar, me fazem gemer.
Obrigada, Deus. Obrigada por esse pequeno prazer.
Não sei por quanto tempo estou no banheiro, apenas percebo que
fiquei por muito tempo, quando escuto Lavínia gritar da porta que está indo.
Sendo que quando cheguei, ela ainda estava escolhendo a roupa. Acredito
que eu tenha cochilado aqui dentro, de novo. Estou exausta.
Começo a sentir que a água esfriou e me preparo para sair da
banheira. Me seco com a toalha e visto a roupa que peguei, aproveitando
para esvaziar a banheira e organizar o banheiro. Dou uma última olhada na
sala, e claro que todas as luzes estão acesas, já que Lavínia é incapaz de
apagá-las quando sai. As desligo e vou para o meu quarto para me enfiar
debaixo das cobertas e assistir – ou tentar – alguma coisa na televisão.
Passo pelos canais, mas não encontro nada de bom. Seleciono algum
aplicativo de streaming e por fim, escolho assistir meu filme/desenho
favorito, e claro que seria Anastásia. Sinto minhas pálpebras pesarem e não
percebo quando caio no sono.

Acordo quando já está claro e como esqueci de fechar a cortina, o


sol apareceu com tudo aqui dentro.
Olho para a TV, mas ela está desligada.
Levanto-me e vou até a cozinha preparar meu café de todos os dias.
Levo um susto quando vejo um homem enorme deitado no sofá. Ele está de
bruços e consigo ver apenas a tatuagem que ele tem nas costas. Fico
completamente sem ação, por isso volto para o quarto e no meio do
corredor, dou de cara com Lavínia.
— Não acredito que você trouxe um homem para casa e o fez
dormir no sofá — digo aos sussurros, mas puta da vida. — Espero que
você não tenha feito nada em cima dele.
— Oi, bom dia para você também. Desculpa, mas é que eu tava
meio mal e ele me trouxe, aí perguntei se ele queria subir e eu disse que
poderia dormir aqui, só isso. E não, não fizemos nada — ela fala, também
sussurrando, para não acordar o homem que, de repente, começa a se
mexer.
Corro para o meu quarto e fecho a porta.
Lavínia que o trouxe, ela que se vire para tirá-lo daqui.
O final de semana foi maravilhoso, consegui aproveitar tudo o que
eu queria. Na sexta, saí direto da empresa e fui encontrar alguns amigos,
que me aguardavam no bar, com algumas beldades, que nos fizeram
companhia até um determinado tempo. Quando elas foram embora,
continuamos conversando, bebendo e nos divertindo. Conhecemos mais
algumas mulheres, e a noite seguiu-se com mais bebidas e diversão.
Não preciso nem dizer que saí acompanhado por uma morena
estonteante. Fomos para a casa dela e, puta que pariu, que noite de sexo
maravilhosa.
No sábado, por um momento pensei em ficar em casa para
descansar, mas desisti quando recebi a ligação de uma mulher com quem
costumo sair. A busquei em sua casa e bem, fomos nos divertir da maneira
que mais gostamos: Fodendo a noite toda, quase sem parar, uma atrás da
outra. Exaustivo, mas gostoso demais. No final da noite, a deixei em casa e
voltei para a minha, já com o sol nascendo.
Adoro uma relação assim. Eu as encontro, fazemos o que queremos
e pronto. Tudo acaba, tão simples, sem nenhuma complicação. Não preciso
ficar me explicando e estou feliz desse jeito porque não me vejo preso em
um relacionamento tão cedo. Sou um solteiro convicto e não vejo problema
algum nisso. Gosto da minha liberdade. A última coisa que quero nessa
vida maravilhosa é ser dependente emocionalmente de alguém. Sei que não
vou conseguir retribuir o afeto delas, então prefiro não fazer com que elas
criem expectativas quanto a isso.
Sempre que conheço uma mulher, deixo claro desde o início que
comigo, elas apenas terão prazer vez ou outra, porque não costumo sair
muitas vezes seguidas com a mesma pessoa. Acho que isso cria um vínculo
entre nós, então se saio com alguém mais de uma vez, existe um espaço
enorme entre um encontro e o próximo, mesmo que, na maioria das vezes,
sejam elas que me procurem.
E para a minha sorte, todas com quem já sai até hoje, entendem isso
muito bem.
No domingo, não fiz nada. Acordei tarde e na hora do almoço, fui
para a casa de dedushka para ficar um pouco com ele.
Moramos todos perto uns dos outros.
Para ser mais específico, no mesmo condomínio. Minha casa fica na
rua detrás da de dedushka. A de Niko, fica a duas ruas da minha e a de
Anya, fica na rua de frente da de Niko, quase próxima a entrada, onde tem
seguranças e guarita 24 horas. As ruas dentro do condomínio são imensas, e
dá para ir andando até a casa de vovô? Dá sim, mas como o preguiçoso que
sou, gosto de ir dirigindo, por mais que precise apenas dar a volta no
quarteirão.
O almoço de domingo é uma tradição para nós quatro. Sempre
ficamos com dedushka e Vera nesse dia.
Engraçado que ele nos fez prometer que viéssemos todos os
domingos para contar como foi nossa semana, mas sempre que estamos
aqui, ele fica nos expulsando, pois diz que fazemos muita bagunça e
falamos muito alto.
— Não aguento mais vocês aqui, todo domingo é a mesma coisa.
Vera fica cansada de fazer tanta comida — ele diz, sentado em sua poltrona.
— Mas é o senhor que pede para virmos... — retruca Anya.
— Me arrependi amargamente disso.
— Tudo bem. — Me levanto do sofá — Vou embora, então.
Olho para minha irmã, que tenta segurar o riso.
— Não se atreva a sair por esta porta, mal’chik[7], caso o faça, nunca
mais pisará aqui.
— Mas o senhor acabou de dizer que... — Niko tenta falar, mas é
interrompido.
— Não interessa o que eu falei, Nikolai. Já estão aqui, então,
ficarão.
Caímos na risada assim que ele se levanta da poltrona e vai até o bar
pegar uma dose de sua bebida favorita. Claro que, como o bom russo que é,
não poderia ser outra, além de vodca.
Dedushka sempre diz que o segredo de sua vitalidade está na dose
diária que ele toma da bebida. Apenas uma antes do almoço, e ele é
religioso com isso. Entra na cozinha e logo sai de lá, nos chamando para
nos sentarmos à mesa. Depois do almoço, Niko, ele e eu fomos conversar
sobre a empresa e Anya, que não trabalha no nosso meio, se junta a Vera
para conversar e as duas estão rindo e cochichando sobre alguma coisa.
Voltei para casa de noite, mas meus irmãos saíram um pouco antes
de mim. Gosto de ficar mais tempo com dedushka, ele é uma figura paterna
muito ativa em minha vida. Por mais que meu pai ainda esteja vivo, não o
vejo com a frequência que gostaria, já que ele reside na Rússia. Já com o
grande senhor Bóris, meu avô, é diferente. Às vezes, anseio para o domingo
chegar logo só para vê-lo e o escutar falando sobre a sua juventude e de
como as coisas eram na Rússia antigamente.
Viajamos para lá algumas vezes, quando nos damos – ou quando
Nikolai decide que é adequado termos – férias. Principalmente, para
visitarmos nossa mãe, que mora lá há alguns anos.
Nas últimas vezes, não levamos dedushka porque ele dizia se sentir
cansado. Por pouco, não cancelei a minha ida e fiquei com ele.
Quando chego na minha humilde – que de humilde mesmo, não tem
nada – casa, vou direto para o meu quarto, me jogando na cama, maior que
uma king convencional. Deito minha cabeça no travesseiro e fecho os olhos,
mas logo os abro, ouvindo o vibrar do aparelho em cima do móvel de
cabeceira. Estico o braço, pegando o aparelho e quando vejo a mensagem
de Niko, faço uma careta.

Niko: Espero que tenha descansado bastante esse final de semana.


Amanhã temos mais uma reunião com os acionistas. Vou pedir para a
minha secretária organizar a sala de reunião do meu andar. Te espero lá,
depois do almoço.

Ele poderia ter ficado mais uns minutos sem lembrar dessa maldita
reunião, que poderia ser resolvida apenas com um simples e-mail.
Definitivamente, Niko deveria ter sido o CEO e não eu.

Desço no 19º andar, onde fica o andar do financeiro que meu irmão
administra, mas encontro a mesa da secretária vazia. Olho para o relógio e
acho estranho não ter ninguém ali naquele horário. Entro na sua sala sem
bater, e vejo-o sentado, atrás da grande mesa de vidro escurecida, olhando
atentamente para a tela do notebook – um dos, pois ele tem três em cima do
móvel.
— Não sabe mais bater? — Niko nem se dá ao trabalho de olhar
para mim enquanto pergunta.
— Você está sem secretária?
— Ela bateria por você?
— Ela ligaria e avisaria que estou aqui. — Não é óbvio?
— Não sei se você sabe, mas todo funcionário tem direito a hora do
almoço, querido brat[8]. Olívia sai todos os dias ao meio-dia e volta às treze,
sem nenhum minuto a mais ou a menos.
— Muito eficiente ela, não é?
— Sim, ela é. — Ele tira os olhos da tela do notebook e me fita.
Niko me olha com seus olhos de tons verdes, quase azuis, passando
os dedos pelo cabelo que é maior do que o meu e coça a barba, quase como
se estivesse sem paciência. Sua respiração e sua virada de olhos
demonstram que não ficou nenhum pouco feliz com meu comentário.
Sorrio em deboche e então, ele se encosta na cadeira, apoiando os
braços nas laterais e cruza os dedos, colocando suas mãos em seu abdômen.
— O que quer aqui? A reunião foi adiada para às quinze horas —
ele pergunta.
Puxo a cadeira na frente de sua mesa e digo enquanto me sento:
— Não posso vir visitar meu irmão na hora do almoço? — estendo o
braço e olho para o meu relógio de pulso.
— Dimitri...
— Eu!
— Desde quando você almoça a essa hora, ou melhor, desde quando
você sai de sua sala para almoçar?
— Só resolvi vir aqui dar uma voltinha. — Dou de ombros. — Acho
cansativo demais ter que descer vinte andares para chegar até o refeitório.
— Você já esteve no refeitório? — parece incrédulo ao perguntar.
— Claro que já. Uma ou duas vezes. — Balanço a cabeça,
lembrando do momento desagradável.
Eu não sou esnobe, juro que não, mas o refeitório estava horrível, as
mesas caindo aos pedaços e alguns lugares nem banco tinha para os
funcionários se sentarem. Sem contar que o lugar era sujo demais.
Reuni todo mundo e mandei fazerem uma obra de caráter
emergencial. Em duas semanas, os funcionários tinham um lugar adequado
para realizarem suas refeições. Desde então, não pisei mais no ambiente
com puro medo de encontrar um lugar nojento de novo.
— Depois dessas vezes...
— Não. Como disse, acho cansativo ter que descer tudo e depois
subir novamente. Além do mais...
— Além do mais, você é um esnobe do caralho.
— Não sou esnobe, porra nenhuma! Só não... Não sei como agir na
frente dos funcionários.
Niko se ajeita na cadeira e apoia os braços em cima da mesa,
inclinando-se um pouco em minha direção.
— Ainda com o pensamento de que não deveria ser o presidente? Já
faz cinco anos. Você conhece a empresa, tem feito muitas inovações,
sempre recebe elogios. Tem exercido muito bem o trabalho, Dimitri.
Por mais que seja a verdade o que ele acaba de dizer, confesso que
não me sinto bem com o título de presidente. Acho, de fato, que o cargo
deveria ser dele, pois Niko estudou para isso. É sem dúvidas, a pessoa mais
adequada da família. O mais estranho é que ele mesmo não quis o cargo
quando eu disse que iria recusar. Muito pelo contrário, ele disse que não via
pessoa melhor para isso.
— Enfim... Acho que precisava sair um pouco lá de cima. Estou me
preparando para mais cinquenta horas de uma reunião que acho
desnecessária.
— Eu sei que acha. Por isso, faço questão de tê-la.
— Você é desprezível, Nikolai.
Ele gargalha e nesse momento, a porta se abre.
— Senhor Nikolai, eu já… — Os olhos castanhos de sexta-feira me
fitam e, logo depois, se arregalam. — Desculpe-me. — Ela olha para meu
irmão — Não sabia que estava acompanhado do seu irmão. — Dá dois
passos para trás e começa a fechar a porta.
— Senhorita Olívia! — Niko a chama de volta e a porta começa a se
abrir novamente. — Não tem problema algum. Pode me fazer um favor?
Ela assente com a cabeça, sem tirar os olhos dele.
— Gostaria que mandasse um e-mail para os acionistas dizendo que
eu cancelei a reunião de hoje. Explique que tenho em mente todas as
observações deles e que Dimitri e eu, agiremos conforme o gosto de todos.
E se precisarmos, conversaremos por e-mail.
Sorrio feito criança. Por dentro, é claro.
Graças a Deus não vou precisar ficar por horas em uma reunião
inútil.
Alícia, quer dizer... Olívia acena com a cabeça, olhando para mim
de relance e sai da sala, fechando a porta.
— Ela é bonita — digo, sendo apenas sincero e sem notar que falei
em voz alta.
— Pozhaluysta[9], nem pense em dar em cima dela. Não estou em
condições de perder uma ótima secretária como a Olívia.
— Eu só falei que ela é bonita. — Dou de ombros. — Só isso. Não
tenho nenhuma intenção com ela. Sabe muito bem que sou contra
envolvimento no trabalho, pelo amor de Deus.
— Conheço esse seu discurso, Dimitri. — Niko me dispensa com a
mão, não levando a sério o que falo e volta para o seu computador, depois
que ele apita.
Levanto-me da cadeira e vou em direção a porta, abrindo-a. Dou de
cara com a moça, sentada na sua mesa, digitando o e-mail que meu irmão
pediu. Fecho a porta e ando na sua direção, ela se mantém focada na tarefa
e só percebe que estou perto quando paro bem em sua frente.
Apoio minhas mãos na mesa, debruçando-me de leve e a chamo.
— Senhorita... — Ela levanta a cabeça em um susto.
— Senhor.
— Desculpe-me — digo, olhando em seus olhos.
Cacete! Duas bolas de um tom de marrom lindo.
— Algo em específico?
— Por sexta-feira, no elevador. Prometo não esquecer mais o seu
nome. — Pisco um olho e saio em direção ao elevador, apertando o botão e
o esperando chegar no andar. Quando as portas se abrem, me viro antes de
entrar. — Me copie neste e-mail. Vou imprimi-lo e emoldurar para me
lembrar da primeira vez que Niko desistiu de discutir algo por reunião.
Entro na lata de metal e aperto o número do meu andar. Olívia ainda
está me olhando quando as portas se fecham.
Dentro do ambiente, sorrio de uma forma que me forço a parar.
Ela é bonita, isso não é mistério para ninguém, mas será que vale a
pena quebrar minha regra quanto ao envolvimento no trabalho?
Por dentro, confesso que estou muito feliz pelo cancelamento dessa
reunião, que conhecendo bem o meu chefe, duraria até altas horas,
igualzinha à de sexta-feira.
A diferença entre as duas? Bem, a de sexta, era porque era sexta e
no dia seguinte, eu não precisaria acordar cedo para vir trabalhar. A de hoje,
eu sairia tarde da noite e precisaria acordar cedo para estar aqui amanhã.
Logo, não seria nada bom para mim.
Fiquei surpresa ao encontrar o senhor Dimitri na sala do meu chefe.
Não que ele não pudesse ir até lá, claro que não. Afinal de contas, ele é o
dono da empresa e estava na sala do irmão. O que acontece é que ele não
costuma sair do Monte Olimpo com frequência. E quando o vi sentado,
levei um leve susto com sua imagem ao me fitar.
Por um momento, achei que ele pudesse estar falando sobre o que eu
disse a ele no elevador, mas seria bem infantil de sua parte. Se Dimitri
tivesse se sentido ofendido, teria simplesmente me demitido sem nem falar
com seu irmão, o que seria bobeira da parte dele.
Quando saiu e falou comigo, achei mais estranho ainda. Tanto que o
encarei até a porta do elevador se fechar.
Acho que nunca havia notado o verde-escuro de seus olhos. Quer
dizer, não tenho o hábito de olhar para ele com constância. Dimitri quase
não vem aqui e eu quase não vou lá, o que agradeço imensamente.
Quando me olhou bem nos olhos, eu gelei. Depois que pediu
desculpas, então, senti um arrepio me cortar inteira, indo da nuca até os
dedos do pé. Jamais imaginei que ele pudesse fazer algo do tipo. Se
desculpar? Ele não me parece do tipo que se desculpa. Por nada, e nem a
ninguém.
O restante do dia foi tranquilo, com alguns documentos para assinar,
relatórios que Nikolai me pediu para separar, e verificar datas e assinaturas.
Tudo dentro da normalidade. Quando deu dezoito horas, senhor Nikolai foi
embora e eu esperei por mais trinta minutos para sair. pre espero esse
tempo para sair.
Acho que dá tempo de ele ir até a garagem, entrar em seu carro, sair
e apenas por uma margem de erro, estar longe quando saio. E tem a questão
do seu irmão. Se o senhor Nikolai sai às dezoito em ponto, todos os dias,
acredito que seu irmão saia antes, já que, como ouvi de diversas pessoas, o
senhor Dimitri não gosta muito de ficar até tarde na empresa. Não que
dezoito horas seja tarde, mas ele é o chefe, então entendo que ele possa sair
a hora que bem entender.
Junto minhas coisas, deixando tudo organizado para o dia seguinte,
e verifico mais uma vez a caixa de e-mails e, graças a Deus, nenhum
chegou nos últimos minutos. Desligo o notebook, pego minha bolsa e vou
em direção ao elevador. Aperto o botão e espero que chegue ao penúltimo
andar, que é onde me encontro de segunda a sexta de oito às dezoito e trinta.
As portas se abrem e está vazio.
Adoro o elevador vazio. Adoro lugares vazios para ser mais
específica. Multidão não é comigo.
Entro e aperto o botão do térreo, torcendo mentalmente para ele não
subir e eu não ter nenhuma surpresa indesejada. Me concentro tanto, que as
portas fecham devagar. Olho para o LED, onde os números são indicados, e
aperto as mãos com o pensamento “desce, desce, desce”, entretanto, para a
minha total infelicidade, a seta que aparece no painel indica que vai subir.
Fecho os olhos em lamentação, mas pelo menos, o risco que corro é dar de
cara com a Felícia.
Respiro fundo e solto o ar para não parecer afetada quando as portas
se abrirem e eu der de cara com a loira de peitos de silicone e vestido
colado no corpo.
O elevador trava no andar e eu me preparo para, talvez, ouvir
alguma coisa gracinha dela. Mas quando as portas se abrem, meus olhos se
voltam ao homem enorme à minha frente.
Não acredito!
Ele está usando um terno preto e segura uma pasta com uma das
mãos e a outra, está enfiada no bolso da calça. Engulo em seco, sabendo
que Dimitri ainda não me viu, pois está olhando para os próprios pés.
Dou um passo para trás, me encostando no espelho ao fundo do
elevador e quando ele levanta o olhar e me vê, arqueia uma das
sobrancelhas e sorri de lado.
Ele entra no elevador e se põe ao meu lado. Ambos olhamos para as
portas que se fecham com a mesma velocidade de uma lesma.
— Parece que sempre nos encontramos no elevador, não é mesmo?
— diz ele.
— Não é muito surpresa, já que trabalhamos no mesmo prédio e eu
estou apenas a um andar do senhor — respondo, sem olhar para o lado e
tentando não ser tão grosseira quanto imaginei na minha cabeça.
Continuo olhando fixamente para a porta à minha frente e para o
painel de LED do elevador, que mostra o número quinze.
Esse elevador tem descido muito devagar ultimamente.
— Me pergunto se fala assim com Nikolai também.
— Ele é meu chefe.
— Teoricamente, eu também sou. Sou o chefe do seu chefe. — Gelo
ao ouvi-lo falar assim.
Ele tem um ponto. Não posso negar.
— Desculpe-me se fui grosseira.
— Tudo bem, era só uma curiosidade. Você me pareceu bem mais...
Como posso dizer, simpática com ele. — Ótimo, agora ele sabe que eu não
gosto dele.
Eu não gosto mesmo, mas ele também não precisava ficar sabendo.
Não mudaria nada.
— Desculpe-me novamente — é o mínimo que posso dizer.
— Já disse que está tudo bem. — Sinto seu olhar em cima de mim.
— Nikolai ainda está ou já saiu?
— Saiu faz uns trinta minutos.
— Ele te faz mesmo trabalhar até tarde.
— Dezoito e trinta não é tarde, é até um horário padrão de trabalho.
— Me atrevo a virar o rosto e olhar para ele, encontrando novamente o
verde – de uns tons mais escuros do que o do irmão – de seus olhos.
Nos encaramos por alguns instantes.
Sinto-me sem ar, mesmo com meu peito subindo e descendo com
minha respiração. Simplesmente, não consigo desviar os olhos dele.
Sempre o vi como um homem com uma personalidade horrível, mas
não posso negar que ele é lindo. Lindo de um jeito que parece até ser de
mentira. Ele tem alguns traços do irmão, o nariz afilado e o formato dos
olhos, porém o maxilar é mais marcado, mais quadrado que o do irmão. A
barba cerrada marca bem o seu rosto e o deixa com um ar de mais...
homem? Se isso for possível.
O apito do elevador toca, tirando-me da admiração que faço sobre o
homem e acabo dando um passo mais para o lado, me distanciando de
Dimitri. As portas se abrem e Carlos, o chefe de T.I. entra no elevador. Ele
sorri para mim e acena com a cabeça para Dimitri, ficando no meio de nós
dois, também olhando para as portas. Entretanto, ele não mantém o silêncio.
— Amanhã preciso te mostrar uma coisa que achei bem legal, Olie.
Vamos almoçar juntos, igual à hoje — fala, virando o rosto na minha
direção.
— Claro! Costumo almoçar sempre nesse horário, é muito difícil o
senhor Nikolai me prender lá em cima.
Dimitri se mantém em silêncio. Apenas olhando para as portas, nem
é possível ouvir a sua respiração.
As portas finalmente se abrem e chegamos ao térreo. Carlos se põe
de lado, segurando as portas e faz sinal para que eu saia primeiro.
Olho para Dimitri, acenando com a cabeça e saio, porém, ele não faz
nada e Carlos segue logo atrás de mim. Olho para trás, vendo as portas do
elevador se fecharem e os olhos de Dimitri me seguirem.
Carlos e eu passamos pelas portas giratórias e andamos em direção
ao mesmo ponto de ônibus. Ele fala sobre algo que eu não presto muita
atenção, ainda estou com a cabeça dentro daquele elevador. Solto alguns
risos, apenas para disfarçar minha distração e quando meu ônibus chega, me
despeço dele.
Chego em casa depois de quase uma hora sentada na condução, já
que o horário de dezoito até mais ou menos às vinte, é horrível. Todo
mundo está saindo do trabalho e tudo vira um caos, principalmente que
fiquei parada, pelo menos por trinta minutos, no mesmo lugar.
Nessas horas, gostaria de não ter vendido meu carro um ano atrás.
Ele podia ser velhinho, mas era muito bem cuidado e me levava para
qualquer lugar. O adorava, mas a vida nem sempre é como queremos.
Quando Lavínia veio morar comigo, precisei mudar um pouco
minha rotina. Tudo bem que ela já era adulta, mas eu ainda sou nove anos
mais velha que ela. E eu jamais a deixaria sozinha, não depois do que
passou nas mãos do seu pai, se é que posso chamar aquilo de pai. No
máximo, um reprodutor.
Como eu morava em um apartamento de apenas um quarto, precisei
me mudar para um maior, com dois. Ela precisa da privacidade dela e bem,
eu da minha. Ela é mais jovem e gosta de se divertir. Eu, por outro lado,
prefiro o sossego da minha casa.
Na época, visitamos alguns apartamentos antes de nos mudarmos de
vez. Não iria morar em qualquer lugar e muito menos levar minha irmã para
qualquer espelunca. Depois de muito procurar, encontramos esse em que
moramos hoje, o aluguel é puxado, mas o dividimos e não nos falta nada.
Ela trabalha de manhã e estuda à noite. Meu salário é maior que o dela, mas
ela ajuda tanto quanto e, assim, a vida segue.
Precisei vender o carro para pagar o depósito do apartamento, fiquei
chateada na época e Lavínia não queria que eu o fizesse, mas o lugar é
ótimo e seria alugado em um piscar de olhos se não fechássemos o contrato
logo.
Morar em um apartamento pequeno com uma pessoa que é
extremamente bagunceira não é muito legal, ou aconselhável.
Entro em casa e como sempre, todas as luzes estão ligadas.
— Meu Deus, qual a dificuldade de desligar as luzes dos cômodos
que não estão sendo usados? — grito, fechando a porta e Lavínia surge no
corredor de pijama e com os cabelos molhados.
— Desculpa. Eu entrei e esqueci de desligar.
— Como sempre. — Arqueio as sobrancelhas e crispo os lábios.
Ela sorri amarelo.
— Tô vendo um filme no seu quarto — ela me informa e eu peço
internamente para que não esteja uma zona lá dentro.
Já disse o quanto odeio bagunça? Pois bem, odeio. Me dá gastura
ver as coisas fora do lugar, talvez eu tenha um problema sério com isso.
Preciso procurar um profissional, ou não, talvez eu só seja muito
organizada, diferente de Lavínia. Vai saber.
— Qual?
— Adivinha... — Ela abre os olhos e morde o lábio inferior.
— Não me diga que é O Rei Leão.
— É o melhor filme da vida. E com a voz da Beyoncé como a Nala,
meu Deus!
— Você já assistiu isso quantas vezes, Lavínia? — Já sei as músicas
de cor de tanto que ela assiste esse filme.
— Quem tá contando?
— Eu.
— Vai tomar um banho e trocar de roupa. Eu vou fazer mais pipoca
e te encontro no seu quarto.
Sei que ela tem vinte e quatro anos, mas ainda é minha irmãzinha.
Ela sai aos finais de semana, se diverte com as amigas – e alguns homens –,
mas ainda é a menininha que me fazia brincar de boneca quando não tinha
ninguém e mais nada para fazer. Ela se escondia dentro do armário da
cozinha quando brincávamos de esconde-esconde e eu fingia que não sabia
onde ela estava, até ela abrir as portas e gritar “BOOO”, como se tivesse me
dando um baita susto.
Não tem como eu negar algo a ela. Talvez eu nem queira mesmo
fazê-lo. Lavínia passa por mim para chegar até a cozinha e eu entro no
banheiro. Tomo um banho, coloco minha roupa larga e me enfio debaixo do
edredom. Ela logo chega com uma tigela, que mais parece um balde, de
pipoca, também se enfiando debaixo do mesmo edredom e dá play no filme,
que já está, praticamente, no meio.

Quando os créditos começam a subir, eu bocejo e já sei que estou


prestes a cair no sono.
— Acho que vi seu chefe em uma revista hoje. — Nikolai? Em uma
revista?
— Qual?
— Ah, sei lá, uma que falava de negócios. Eu estava passando pelo
jornaleiro e vi a capa.
Revista de negócios. Com certeza era ele. O irmão mais velho só sai
nas de fofoca.
Por que diabos eu estou pensando nisso?
— Acho que ele participou de alguma coisa assim na semana
passada.
— Você acha? O homem é seu chefe. Você controla a agenda dele e
acha que ele participou de alguma coisa assim na semana passada? Que
tipo de secretária é você, Olívia? — ela pergunta trocando de canal, já que o
filme terminou.
— Eu não fico controlando a agenda dele o tempo todo. Tem coisas
que só ele sabe e apenas me avisa que não estará disponível em tal horário
ou algo assim. Graças a Deus, não fica atribuindo tudo para mim.
Nikolai é do tipo misterioso. Ele me passa apenas coisas de trabalho.
Se precisa ir ao médico, não me envolve. Se precisa ir ao mercado, também
não fico sabendo. Se vai a alguma festa, seja para negócios ou apenas
diversão – o que quase não acontece –, também não me informa. Coisas
como documentos, relatórios e reuniões, são o meu forte. Sei de tudo de
resto, não me preocupo e ele também não. Bem diferente de Dimitri, que
entrega sua vida na mão de Felícia, que é bem pouco discreta.
Por que eu estou pensando nele de novo?
Balanço a cabeça para espantar a figura do homem da minha mente
e volto a me concentrar na conversa com Lavínia.
— E o irmão?
— O que tem o irmão? — pergunto em um rompante, que a faz-me
olhar assustada.
— Você disse que o homem é intragável. Ainda continua?
Abro a boca para responder, mas me pego na dúvida.
Ainda continua?
Na sexta-feira, ele foi, mas hoje, já nem tanto. Até consegui trocar
mais de cinco palavras com ele, sem me sentir incomodada.
Dou de ombros e deixo a resposta no ar.
— Ele, eu nunca vi — Lavínia diz, despretensiosamente.
— Nunca viu? Ele estampa várias revistas de fofoca. Cada noite
com uma mulher diferente — digo, surpresa.
— Não costumo olhar para as revistas de fofoca e não achei que
você fosse do tipo que olha.
— Eu não olho, mas algumas moças da empresa olham e acabam
comentando na hora do almoço. — Hoje mesmo aconteceu, Carla se sentou
ao meu lado e não parou de falar, um minuto sequer, da noite de sexta do
senhor Dimitri, que estava em um bar com um de seus melhores amigos e
algumas mulheres em volta, esbanjando beleza e sensualidade. Não sei
como não tive uma indigestão ouvindo-a falar sem parar do homem.
— Dizem que ele é lindo de morrer.
Eu rio alto.
— De morrer é meio forte. — Não é não, é exatamente assim, lindo
de morrer.
Paro de rir com meu pensamento inconveniente e Lavínia estranha a
minha atitude.
— Enfim... — Pego o telefone em cima da cômoda ao lado da cama
e vejo as horas.
Cacete, onze horas. Não é à toa que estou bocejando, já poderia ter
tido uma hora de sono.
Bloqueio o telefone, mas ele logo brilha, mostrando o ícone de
chegada de um novo e-mail.
Um e-mail de trabalho.
Arregalo os olhos e Lavínia chega mais próximo para ver do que se
trata.
— O que é? — ela pergunta, olhando para a tela, sem entender.
— Um e-mail do trabalho.
— Essa hora?
Clico na tela e logo o e-mail se abre.

EM CARÁTER DE URGÊNCIA

Dimitri Markova <dimitrimarkova@markovatechcompany.com.br>


11/09/2022 — 23:10
Para: <oliviacastanheiras@markovatechcompany.com.br>

Senhorita Olívia,
Primeiramente, gostaria de me desculpar pelo horário. Sei que já é tarde, mas acabo de me lembrar
que amanhã precisarei de seus serviços.
Pedirei a minha secretária para entrar em contato com a senhorita no horário que precisar.
At.te.,

Dimitri Markova
CEO
Markova Tech Company

Nunca recebi um e-mail desse homem, e ele escolhe me mandar um


às onze da noite de uma segunda-feira qualquer e ainda pedindo meus
serviços? E no exato momento que minha irmã e eu estamos falando sobre
ele?
Será que ele ouviu?
Olho para Lavínia, que ainda não entendeu minha surpresa com o
assunto. Ela continua olhando do celular para mim e de mim para o celular.
— O que tem? Esse que é o lindo de morrer?
— Isso aí — falo, sem prestar atenção no que ela acabou de dizer.
— Então ele é mesmo lindo de morrer, não é?
A olho e pisco um par de vezes.
— Vamos, Lavínia... Preciso dormir — digo, expulsando-a da cama.
Do quarto. Da minha privacidade.
Ela sai rindo e eu fecho a porta na sua cara, escutando-a falar
alguma coisa que não identifico. Minha mente ainda está em looping com o
maldito e-mail.
O que ele quer comigo?

Meu telefone toca em cima da mesa.


— Financeiro. Olívia, boa tarde!
— Oi, fofinha...
Ai, não. Não! Não, por favor, não!
Felícia, não!
Me recomponho e respondo:
— Oi, Felícia.
— O senhor Dimitri pediu para você subir até aqui. Não sei do que
se trata, ele só pediu para eu te chamar, não demore. Ele odeia atrasos.
E desliga o telefone sem, ao menos, se despedir ou me dar a chance
de informar que estou saindo para o almoço. Apoio os cotovelos em cima
da mesa e com as mãos, seguro minha cabeça. Estou derrotada e nem sabia
que estava lutando, mas sinto que já perdi a batalha. Nesse momento,
Nikolai sai de sua sala e pergunta o que houve.
— Alguma coisa aconteceu, senhorita Olívia? — Levanto a cabeça,
com o susto.
— Não, senhor, não aconteceu nada. — Posso falar para ele que o
irmão me chamou, certo? Além do mais, não poderei demorar muito, já que
preciso estar de volta à minha mesa em uma hora, uma hora e meio no
máximo.
Será que se eu falar que o senhor Dimitri me chamou lá em cima,
ele vai me deixar ficar lá por um bom tempo? Quer saber? Melhor não falar
nada e voltar no horário de sempre. É mais seguro. Pelo menos, vou ter este
trunfo na mão.
Olho para sua mão e vejo que ele segura sua pasta.
— Vai sair? — pergunto.
— Vou sim, e não volto mais hoje. Pode ir embora quando terminar
tudo por aqui. — Puta que pariu! E agora? Melhor eu falar, não é? De
repente, ele intercede por mim e diz que não preciso ir.
Abro e fecho a boca para falar alguma coisa, qualquer coisa, mas
nada sai.
Ele se despede, indo embora. E meu telefone toca outra vez.
— Cadê você, fofinha? Estou te esperando para ir embora.
Ela já está indo embora? Em plena terça-feira, ao meio-dia?
Jesus, me ajuda!
Desligo a chamada e com toda a minha coragem, porque sei que a
tenho, levanto-me, pegando o que preciso e vou para o elevador. Em um
piscar de olhos, já estou entrando no 20º andar. Felícia está sentada em sua
mesa, passando um batom vermelho, feito tampinha de refrigerante, e me
olha de cima a baixo. Sei exatamente o que pensa.
Posso não usar vestidos decotados, ou colados ao corpo como ela,
mas meus terninhos são ótimos e muito confortáveis. Eles passam um ar de
seriedade e eu me sinto bem usando-os, junto aos sapatos de salto alto que,
às vezes, machucam meu pé, mas como passo metade do tempo sentada,
não reclamo muito.
Ela se levanta, pegando a bolsa e sorri para mim. Forçadamente,
claro.
— Os documentos estão em cima da mesa, e alguns arquivos ficam
nos armários. — Ela aponta para um armário cinza, exatamente da mesma
coloração que o ambiente. Acho que Felícia é a única cor do andar. — Lá
atrás, tem um banheiro e uma cozinha. Dimitri raramente sai da sala, só
quando precisa de algo urgente. Ele telefona eventualmente, às vezes para
pedir um copo de água ou uma xícara de café, aliás, cafeteira fica em cima
do balcão, no canto. — Viro meu rosto na direção que ela aponta e vejo a
cafeteira lindíssima, de cápsulas e com algumas xícaras de louça branca ao
lado.
— É só ligar e colo...
— Eu sei usar uma cafeteira, Felícia, obrigada.
No andar do financeiro, não temos tantas regalias assim. Nikolai é
mais ‘gente como a gente’. Nós temos dois banheiros, um feminino e um
masculino, mas não temos cozinha ou cafeteira de cápsulas. De vez em
quando, ele até desce com a gente para o refeitório.
Ela me dá dois tapinhas no ombro e simplesmente sai.
Me vejo sozinha no meio do andar, com a porta da sala fechada. Não
é muito diferente lá de baixo. Nikolai também passa a maior parte do tempo
com a porta fechada. Nada de novo.
Dou a volta e me sento na mesa. A cadeira dela é melhor que a
minha, primeira surpresa. Ela usa um computador e não um notebook como
eu, e a tela é enorme, segunda diferença.
Você vai pedir para o Nikolai? Então, por que está anotando
mentalmente as coisas que ela tem e você não?
Paro de fazer comparações e ligo a tela do computador, levando um
susto ao ver o papel de parede que ela usa. Uma foto dela, só de biquíni –
minúsculo, por sinal –, em alguma praia. A porta da sala se abre e eu olho
para o homem que sai dela. Não é Dimitri, mas sim um senhor, que aparenta
ter uns oitenta anos.
Ele sorri para mim e eu retribuo o sorriso. Parece ser sincero.
— Olá, devochka[10].
Não entendo do que ele me chamou, mas continuo a sorrir e
balançar a cabeça.
— Acho que Felícia acabou de se transformar em outra pessoa,
Dimitri. — O senhor olha para dentro da sala e então a outra voz se
aproxima da porta.
— Como assim? — Dimitri aparece, só de camisa social e gravata,
sem o terno. Olha para mim e sorri. — Ah, claro. Dedushka, essa é a Olívia,
ela é a secretária do Niko.
— E o que está fazendo aqui?
— Felícia precisou sair cedo hoje. E como Niko também sairia, pedi
para que ela viesse aqui para cima — ele explicação ao senhor.
Dimitri me olha e semicerra os olhos.
— Você não tem jeito, vnuk[11]. — Outra palavra incompreensível —
Tome cuidado com este homem, minha jovem — diz voltado para mim, e
me mantenho calada. — Ele tem essa carinha de santo, mas não vale nada.
Carinha de santo? Será que o senhor precisa de óculos? Dimitri
pode ter carinha de tudo, menos de santo.
Ele ri, levando o senhor até o elevador e eles se despedem. O
homem volta e para em frente à mesa que estou usando.
— Parece que seremos só você e eu até às dezoito horas, senhorita
Olívia. — Ele tem um sorriso nos lábios que me faz pensar em um milhão
de razões para sair correndo daqui agora. Porém, eu apenas me mantenho
sentada, com os dedos cruzados em cima da mesa, fitando-o. Olhando-o
fixamente, do mesmo jeito que ele faz comigo.
Ele me intimida? Sim, mas não precisa saber disso.
Nem sei como consegui fazê-la vir até aqui. Na verdade, até sei, mas
achei que ela fosse reclamar ou pedir por misericórdia a Niko.
Ontem, antes de enviar o e-mail, recebi uma mensagem de Felícia,
dizendo que hoje precisaria sair mais cedo para resolver assuntos pessoais.
Não me opus. Disse que estava tudo bem e pensei até em voltar para casa
antes do horário, já que ela não estaria lá.
Logo depois, no grupo que eu tenho com os meus irmãos, Niko
mandou uma mensagem dizendo que precisaria ir ao médico. Anya e eu
ficamos preocupados, mas ele logo esclareceu que estava indo fazer exames
de rotina e tinha agendado a consulta fazia um tempo. E com isso, eu teria
que ficar na empresa, já que preferimos que sempre tenha pelo menos um
de nós presente. Nossa ausência sempre dá margem para alguma merda
acontecer.
Como bom meio-russo que sou, aproveitei minha chance. Avisei a
Niko que pediria à Olívia para subir e ficar no lugar de Felícia e ele, de
início, odiou a ideia.

Niko: Nem pensar! Você não consegue ficar sozinho? Nem tem muita coisa
para fazer amanhã, Dimitri.
Eu: Não, não consigo. Além do mais, ela pode me ajudar a adiantar
algumas pendências.

Niko: Que pendências?


Eu: Pendências da empresa, Nikolai.

Niko: Chert voz’mi[12], se ela pedir demissão, eu mesmo subo até a sua sala
e quebro sua cara, tá me ouvindo?

Eu: Não entendo esse zelo todo com a moça. Até parece que você sente
algo por ela. Está apaixonadinho, irmão?

Niko: Não fala merda! Claro que não estou. Tenho zelo por ela, porque
gosto do trabalho dela, Dimitri. Olívia é eficiente, comprometida e sabe
trabalhar, diferente das que você contrata.

Eu: Tá bem, eu juro me comportar. Não vou tocar um dedinho se quer na


sua menina de ouro.

Ele não me respondeu mais depois do meu deboche. E eu logo


enviei a mensagem para ela pelo e-mail corporativo. Sabendo que Olívia
leria imediatamente, já que é tão eficiente.
Ela não respondeu e confesso que fiquei ansioso para saber se ela
subiria ou não. Quando dedushka abriu a porta e comentou sobre ela, não
pensei duas vezes em ver se era Olívia que estava sentada à mesa. E para a
minha surpresa, a própria estava ali, com seu terninho sóbrio e os cabelos
presos.
Depois que vovô foi embora, parei na frente de sua mesa e disse:
— Parece que seremos só você e eu até às dezoito, senhorita Olívia.
— Ela apenas me fitou, sem esboçar nenhuma reação.
Eu sorri e voltei para a sala, fechando a porta.
E agora me encontro aqui, entre essas quatro paredes, procurando
alguma razão para ir lá fora e falar com ela. Qualquer coisa que seja.
Pego o telefone e ligo para a sua mesa.
Poderia apenas levantar-me, abrir a porta e falar com Olívia, mas
não. Prefiro que ela venha até aqui.
— Senhorita Olívia...
— Sim, senhor. — Escuto sua voz tanto pelo telefone quanto através
da porta. Tento segurar o riso e continuo a falar.
— Poderia trazer um copo d'água e uma xícara de café para mim,
por favor? — peço a ela, imaginando a cara que ela faz.
— Claro, senhor. Algum sabor em específico? — Esperta. Felícia
deve ter falado sobre a cafeteira e ela, prevenida, foi dar uma olhada.
Me lembro de um sabor que acabou no estoque, mas é um dos meus
preferidos. Felícia já fez o pedido, porém ainda não chegou.
— O Ristretto, por favor. Puro.
— Claro, já levo.
— Obrigado!
Desligo o telefone e aguardo.
Um.
Dois.
Três minutos.
E então, ela bate na porta e gira a maçaneta.
— Senhor, trouxe sua água. O sabor de café, que o senhor pediu,
acabou. Olhei no armário e não encontrei.
— Ah, desculpe-me, senhorita Olívia, acabei de me lembrar que
acabou mesmo. Felícia fez o pedido na semana passada, mas ainda não
chegou. — A olho com a cara mais lavada possível e sinto que ela quer
pular em meu pescoço.
— Entendo.
Ela deixa o copo em cima da mesa, no porta-copos e sai da sala.
Estou sendo babaca, eu sei, mas não sei o que acontece comigo.
Depois do dia de ontem, senti uma vontade absurda de estar perto dela.
Uma loucura, mas fazer o quê?
Bebo a água de uma única vez e levanto-me, indo em direção à
porta.
Nunca agradeci tanto pela mesa de Felícia estar bem em frente à
minha porta. Assim que a abro, Olívia levanta o olhar que estava fixo em
alguma coisa em cima da mesa. Dou dois passos em sua direção e vejo seu
celular aceso, mas ela logo o cobre com o braço.
— Deseja mais alguma coisa, senhor?
— Está fazendo o quê? — Olho para o seu braço.
Ela empertiga o corpo e fica ereta na cadeira.
— Lendo. Não tem muito o que fazer aqui.
— Lendo o quê?
— Um livro.
— Sim, eu sei, mas é sobre o quê?
Ela desvia o olhar do meu.
— Romance.
Ela lê romances, claro que lê. Está escrito em sua testa. Eu que não
vi antes.
Me aproximo mais da sua mesa e ela mantém os olhos longe dos
meus.
— Qual a história? — Sua surpresa com a minha pergunta é tanta
que ela volta a olhar para mim, mas agora com os olhos arregalados. —
Vamos, me conte a história do livro que está lendo.
— Não acho que faça o seu estilo, senhor.
— Me chame de Dimitri. Sei que, às vezes, chama Niko pelo nome,
sem o senhor antes. Tudo bem, por mim também. Não sou um carrasco
como ele.
— Ele não é carrasco — o defende com pressa.
Ele pode não estar apaixonado, mas será que ela está por ele?
Um alerta acende em minha mente.
— Vai me dizer a história do seu livro ou não? — Apoio as mãos em
sua mesa.
— É apenas um romance, desses do tipo de banca. Nada demais. —
Por que ela está tão reticente em me dizer do que se trata a maldita história?
— Olívia, me diga a história do livro.
Ela bufa, revoltada, e então cede.
— É sobre uma secretária que se apaixona pelo CEO da empresa
onde ela trabalha e ele também se apaixona por ela, mas eles não assumem
a verdade.
Não estou surpreso, muito pelo contrário. Anya tem o costume de
ler uns livros desses também. Inclusive, já li um. Ótimo para a imaginação,
mas tenho certeza de que eu fodo muito melhor do que os homens que as
autoras inventam.
— Já chegou na parte do sexo?
Seus olhos se arregalam, e por um momento, acho que vão pular de
suas órbitas. Sua boca também se abre, o que evidencia a sua total surpresa
com a minha pergunta.
— Tudo bem, Olívia. Pode falar. Sexo é normal, todo mundo faz.
Quer dizer, nem todo mundo, mas uma hora, vai acabar fazendo.
Ela continua calada e eu, sinceramente, estou adorando essa
conversa.
— Você não faz? — Tudo bem, agora peguei um pouco pesado.
Poderia não ter falado isso.
— Claro que faço! — não imaginei que ela fosse responder com
tanta ênfase.
Tudo bem, continuando...
— É como no livro? — pergunto, já sabendo sua resposta.
Claro que não é. Nunca é.
— É melhor! — Sinto minha boca se repuxar em um pequeno
sorriso.
Olívia é ousada, sempre tem uma resposta na ponta da língua.
Gosto disso. Gosto muito disso.
Involuntariamente, passo a língua no lábio inferior e a vejo
pressionar as pernas de leve.
Ora, ora, senhorita Olívia, parece que alguém aqui tem imaginado
coisas, não é mesmo?
— Que bom que o seu namorado faz melhor que esse CEO do livro,
não é? Seria muito ruim a senhorita ler essas coisas e ficar apenas sentindo
vontade, não acha?
Ela não diz nada, apenas me olha com os olhos arregalados e os
lábios crispados. Parece estar em algum tipo de transe. Quero que me
responda, gosto de ouvir as suas respostas afiadas, mas ela não o faz.
Quando parece sair do transe, Olívia pisca um par de vezes e então
se levanta da cadeira.
— Acho meio inapropriado esse tipo de assunto. O senhor não
acha?
Acho, porém pouco me importo agora. Mesmo assim, me controlo e
me ponho ereto na sua frente.
— Tudo bem, desculpe-me. Pode continuar a ler seu livro. — Olho
para o relógio em meu pulso. — Ainda faltam algumas horas para irmos
embora. E como a senhorita mesmo disse, não tem muito o que fazer aqui.
Viro-me de costas, indo em direção à sala e então Olívia diz:
— Tem alguma coisa que o senhor queira?
Tem sim, senhorita Olívia, mas não posso fazer isso aqui ou com
você. Apesar de estar começando a querer demais isso.
— Não, está tudo bem.
Entro em minha sala e fecho a porta.

Olho para o relógio e vejo o horário, já são cinco e quarenta e cinco.


Começo lentamente a desligar os notebooks e arrumar alguns papéis
em cima da mesa. Também ajeito minha camisa e minha calça, fazendo
tudo com a maior calma.
Tudo isso, porque pedi para Olívia descer e fechar o setor financeiro
– que é onde ela trabalha de fato –, mas pedi para que fechasse aqui
também. Consegui sentir sua raiva em cima de mim, mas segurei o riso na
sua frente, e assim que virei as costas e entrei na sala, gargalhei baixinho.
Eu sei que estou sendo um grande filho da puta, mas não consigo
me controlar. Ela tem alguma coisa que libera o babaca em mim.
Acabei de escutar o som do elevador, indicando que alguém chegou
ao andar e sei que é ela, pois todos que precisam vir até aqui, ou ao andar de
baixo, são anunciados pela recepção no térreo. Sei também que é a Olívia,
porque escutei a cadeira movimentar no chão e o som das teclas do
computador serem pressionadas.
Levanto-me da cadeira e a empurro para debaixo da mesa. Em
seguida, ajeito o meu terno e abro a porta, me deparando com a mesa da
secretária vazia.
Arregalo os olhos e rapidamente, começo a olhar para os lados,
procurando por Olívia.
Ela já foi embora? Como não percebi?
Então, olho em direção ao elevador, vendo Olívia em pé, esperando-
o. Logo, recomponho-me e ando em sua direção, parando atrás da mulher e
percebo o quão baixa ela é. Sua cabeça bate em meu peito. Isso porque, ela
está de salto, tudo bem que não é um salto enorme, mas mesmo assim. Ela
ganhou alguns centímetros que não fizeram tanta diferença assim.
— Você é pequena, não é? — Olívia deu um pulo, não esperando
que eu fosse estar aqui.
— Que susto! — Coloca a mão no peito.
Ponho-me ao lado dela, sem dizer mais nada. Apenas olhando-a, de
cima até as portas do elevador se abrirem.
Entramos e a mulher vai para o canto e eu fico no meio.
— Como foi o dia hoje para a senhorita?
Ela vira o rosto e me olha e, de propósito, solta um sorriso
debochado.
— Monótono. O Sr. Nikolai geralmente me enche de serviço e isso
faz com que o dia passe mais rápido, por isso não gostei muito de ficar aqui
em cima. — Dá de ombros e volta a olhar para o visor de LED.
18º andar.
— É uma pena, pois Felícia vai entrar de férias e vou pedir para
Nikolai os seus serviços durante esse tempo. — Mentira, as férias de Felícia
ainda estão longe, mas talvez eu possa adiantar.
Existem algumas vantagens de ser o dono de tudo. Difícil mesmo,
será Niko concordar com isso.
Olívia me olha e arregala os olhos. Provavelmente, ela não gostou
nada da ideia, mas eu não ligo.
— O Sr. Nikolai não vai…
Chego mais perto dela, interrompendo sua fala.
— Deixe que com o Nikolai, eu me entendo, kroshka[13]. — Ela
mexe a boca em uma tentativa de repetir a palavra, mas não emite som
algum.
15º andar.
Dou mais um passo e ela, involuntariamente, se vira na minha
direção.
Estamos agora, frente a frente.
13º andar.
Meus olhos não desgrudam dela nem por um instante sequer.
Seu peito sobe e desce. Olívia respira pesado demais.
Mais um passo.
Consigo sentir o calor de sua respiração sair pelo nariz. Tenho
certeza de que ela também consegue sentir o meu.
12º andar.
Meus dedos coçam tanto para tocar no rosto dela, que não me
aguento e levo minha mão até a sua bochecha. Meu polegar toca a sua pele
e eu sinto meu sangue ferver dentro das veias.
Que merda está acontecendo?
Olívia inclina o rosto para cima e eu, para baixo.
Meus olhos passeiam por seu rosto e pousam em sua boca, que tem
um contorno lindo. e é de um tom de rosa clarinho. Os lábios têm um
tamanho proporcional, não são grandes, nem pequenos. São perfeitos.
Sinto minha boca secar.
Engulo em seco e tenho a constatação desse fato.
9º andar.
Lentamente, Olívia fecha os olhos.
Ela espera que eu a beije? Eu quero beijá-la?
Imagino minha boca colada na dela e tenho a certeza de que sim, eu
quero muito beijá-la.
7º andar.
Encosto meu nariz no dela e agora consigo sentir o cheiro de menta
que sai de sua boca. Levo a minha outra mão até a sua cintura, com o
intuito de nos aproximar mais.
5º andar.
Olívia apoia sua mão em meu ombro e eu sinto a pressão do leve
aperto que ela dá.
4º andar.
Se vou mesmo beijá-la, preciso ser rápido. Estamos chegando no
térreo.
Porém, eu não quero que seja rápido, quero sentir cada nuance de
seu sabor. E ainda nem entendo o porquê.
Ela inclina mais um pouco a cabeça para chegar mais perto da
minha boca.
O que diabos eu estou fazendo?
2º andar.
O elevador apita, indicando o andar que estamos e informando que
as portas vão se abrir.
Olívia leva um susto, me empurrando para longe e com isso, se
afasta.
Antes das portas se abrirem totalmente, já estou de volta no meu
lugar e Olívia permanece no canto onde estava.
Uma senhora entra no elevador e seguimos calados até o térreo.
Quando as portas se abrem novamente, a senhora sai, mas Olívia
permanece parada no elevador, segurando o apoio de ferro. De repente,
como se acordasse de um transe, ela dispara para fora da caixa de metal, me
deixando sozinho.
E finalmente, eu solto o ar que nem sabia que estava prendendo.
Não acredito no que aconteceu.
Não acredito que não a beijei!
— Senhor Nikolai, posso dar uma palavrinha com o senhor? —
pergunto, batendo na porta e colocando minha cabeça para dentro da sala do
meu chefe.
Ele levanta o olhar e solta um meio-sorriso.
— Claro, entre!
Entro e me sento na cadeira à sua frente.
— Queria conversar com o senhor sobre…
— Por favor, não me diga que tem alguma reclamação do Dimitri,
Olívia.
Dimitri? Como?
Até poderia dizer o que aconteceu há três dias, mas bem, eu gostei.
Não vou ser hipócrita de dizer que não senti meu coração quase pular para
fora do peito, dentro daquele elevador, quando ele quase me beijou.
Também não posso mentir que não achei hilária a conversa sobre a cena de
sexo do livro que eu estava lendo. Obviamente, menti quando disse que o
sexo que eu fazia era muito melhor.
Porra nenhuma. O Caio nunca, nem sequer, chegou perto dos
personagens que eu leio nas histórias.
O que me surpreendeu mesmo, foi ele saber sobre as cenas quentes
que acontecem nos livros. Será que ele já leu algum livro do gênero?
— Não. Não, senhor! — respondo-o.
Ele respira aliviado.
— Ótimo! Fiquei com medo que ele tivesse... Bem, todo mundo
conhece o Dimitri. Ele é meu irmão, eu o amo, mas sei que não é flor que se
cheire. Por mais que eu saiba que ele é uma das melhores pessoas que eu
conheça no mundo.
Acho que nunca o ouvi falar assim do irmão. Nikolai sempre é tão
sério, quase não sorri e só fala o essencial.
— Quero falar a respeito das minhas férias. Sei que eu já tirei esse
ano, mas é que surgiu um imprevisto e eu precisava ficar uma semana fora.
— É grave?
— É… Família.
— Então é grave. — Ele olha para alguns papéis em cima da mesa e
então volta seu olhar para mim. — Me diga quando precisa ir. Se não se
importar, tentarei adiantar algumas coisas enquanto não for.
— Claro, vou verificar uma data e informarei ao senhor — digo, me
levantando e indo em direção à porta.
— Olívia! — ele me chama e eu viro o corpo inteiro. — Dimitri não
tem vindo aqui. Sabe o motivo?
Por que eu saberia? Ele quase nunca vem aqui. Sua ausência para
mim é bem normal, ainda mais depois do que aconteceu.
Não me entenda mal. Eu gostei? Gostei sim. Entretanto, não vou dar
margem para que algo de fato aconteça entre nós dois.
O evitei durante os três dias que seguiram, e graças ao bom Deus,
ele não apareceu aqui no meu andar nenhum dia sequer.
Balanço a cabeça em negativa e me viro para sair, mas, de repente,
me lembro do que Dimitri me chamou no elevador.
— Posso fazer uma pergunta?
— Pode falar — Nikolai me responde.
— O que significa... — Coloco a mão no queixo, tentando lembrar
da palavra para pronunciá-la do jeito certo. — Corochica? — digo em tom
de pergunta.
Nikolai me olha e franze o cenho, entendendo menos ainda o que eu
tentei falar.
— Isso seria uma palavra em português?
— Não. Acho que é… — Mexo o indicador no ar. — a língua que
vocês conversam de vez em quando.
— Russo?
— Sim…
— Por causa da sua péssima pronúncia, ficou bem difícil de
identificar, mas eu acho que sei o que quer dizer. É algo bom. Acho que
vocês, mulheres, podem considerar como algo carinhoso. Um apelido
carinhoso — ele explica.
Um apelido carinhoso? Seguro um sorriso que quase escapa de
meus lábios.
— Onde ouviu?
— Na TV, acho que em um filme, ou algo assim. — Não vou dizer
que foi o irmão dele que me falou isso. Nikolai vai começar a pensar um
monte de coisas e é melhor evitar qualquer falatório.
Fecho a porta e volto para a minha mesa, ainda pensando na sua
explicação.
Apelido carinhoso.

Sexta-feira.
Gosto das sextas-feiras. Exceto essa, já que amanhã estarei com a
minha mãe e com o pai de Lavínia. Tenho evitado esse encontro desde que
saí da cidadezinha, onde nasci e cresci, para vir morar em São Paulo.
Na primeira oportunidade, saí de casa e nem olhei para trás.
Nada contra a cidade em si ou aos seus pouquíssimos habitantes. O
ponto principal foi, ou ainda é, exatamente a minha mãe e o seu gosto
duvidoso por homens.
Já faz um tempo que ela entrou em contato, pedindo para que
fôssemos visitá-la. Eu tentei adiar o máximo que consegui, mas Lavínia é
mais apegada a ela do que eu, e quando mamãe ligou pedindo – quase
implorando –, minha irmã confirmou a visita na hora.
Não tive nem, ao menos, chance de dizer não. O máximo que
consegui, foi mentir para Lavínia, dizendo que dependia da liberação do
trabalho.
Quando informei a data que precisaria viajar e a quantidade de
tempo que precisaria ficar fora, Nikolai, de bom grado, aceitou. Claro que
trabalhei o dobro durante essa semana para adiantar tudo que pude, porque
não gostava de deixar meu chefe na mão.
Mas tudo bem, não estou reclamando. Na verdade, nem tenho do
que reclamar, somente o fato de ter que arrumar minha mala para ir à
rodoviária pegar o ônibus e passar a noite toda viajando.
— Você já terminou de arrumar as suas coisas? — Lavínia grita de
seu quarto.
Que saco!
— Você não pode ir sozinha?
— Claro que não! Você também é filha dela, Olívia. Mamãe quer
nós duas lá.
Acabo de fechar o zíper da mala e vou até o seu quarto.
— Você tem noção do ódio que eu tô sentindo de ter que ficar uma
semana com eles?
Ela está dobrando uma camisola.
— Eu sei, Olie. Eu estou indo pela mamãe.
— E de bônus, veremos o Ivan, já que são casados — digo com as
mãos na cintura.
— Ela me prometeu que ele não ficaria em casa todos os dias.
— Ah, Lavínia… Pelo amor de Deus, só você acredita nisso. —
Saio do quarto, voltando ao meu para checar as horas no meu celular.
Quando o pego, a tela brilha.
E-mail corporativo de novo?
Clico em cima da notificação e ele se abre, mas não leio o corpo da
mensagem, indo direto ver a assinatura.
Dimitri.
Leio a mensagem e confesso sentir um certo desânimo quando
percebo que, na verdade, é apenas um e-mail para eu ter ciência de algum
assunto referente a expansão da empresa.
Nessas horas que ele poderia pedir meus serviços, ele não pede. Isso
iria me livrar de uma e ele nem teria ideia.
— Eu já estou pronta! — Lavínia diz, me tirando do pensamento. —
Se quiser chamar o Uber, fica à vontade.
Tento meu último olhar de misericórdia, mas ela caga para mim.
Mesmo desanimada, puxo a mala para fora do quarto e deixo-a na sala, com
a de Lavínia e vou verificar se está tudo certo no apartamento, já que
ficaremos uma semana fora.
O gás, ok; as janelas, ok; e nada de comida que possa estragar, ok.
— Você tem sérios problemas, Olie.
— Eu tenho responsabilidade, Lalá.
— Odeio esse apelido. — Me lança um olhar mortal e eu sorrio em
deboche para ela.
O carro do aplicativo chega. Apago as luzes da casa e fecho a porta
atrás de nós.
Vamos lá! Não tenho muita saída. É enfrentar ou enfrentar.

Elevador.
Acho que nunca gostei tanto dele na vida como agora. Ele me
remete à Olívia.
Preferi não aparecer depois do que – quase – aconteceu.
Um envolvimento com ela está fora de cogitação, mas a ideia de
encontrá-la no elevador, como tem acontecido, é tentadora. E confesso que
sempre espero vê-la adentrando o pequeno ambiente.
As portas se abrem e eu entro.
Ele para no andar debaixo e as portas começam a se abrir. Aprumo
meu corpo, ajeitando o terno e quando dou de cara com meu irmão, reviro
os olhos.
— O que foi? Estava esperando outra pessoa? — ele pergunta.
— Claro que não, estava apenas ajeitando minha roupa.
Descemos juntos, mas sem muitas palavras. Quando o elevador se
abre na garagem, cada um segue até seu carro.
Nikolai segue para a sua casa e eu, para qualquer lugar que possa
me proporcionar divertimento, como sempre faço as sextas-feiras.
Encontro Bernardo em um restaurante.
Havíamos marcado esse jantar faz algum tempo. Sempre saímos
juntos e ele é um ótimo amigo. Nós nos conhecemos quando voltei para
Rússia para terminar os estudos. Imagina a minha surpresa quando descobri
um brasileiro no mesmo colégio que eu.
Tínhamos treze anos e desde então, nunca mais nos desgrudamos.
Sempre fomos muito unidos e sempre gostamos das mesmas coisas. Exceto
uma, sexo casual. Ele é do tipo romântico, que se apega, que gosta demais,
que ama demais. Às vezes, em raras ocasiões, ele gosta de uma farra, mas
se for para escolher, certeza que Bernardo escolheria ficar de conchinha em
uma noite de sexta, assistindo a algum filme.
Adentro o restaurante e logo vejo meu amigo sentado na mesa.
Quando me vê, se levanta para me cumprimentar.
— E aí, cara! — Apertamos as mãos e nos sentamos.
— Fala, Dimitri. Como vão as coisas? — ele pergunta, pegando a
carta de vinhos.
— Nada de novo, tudo continua o mesmo de sempre. Viu que
saímos na capa de mais uma revista? — pergunto rindo, já sabendo da sua
reação.
— Porra, cara, nem fala nisso! Odeio quando esse tipo de coisa
acontece. Meu pai me ligou não sei quantas vezes para falar dessa merda,
disse que a minha mãe torrou com a paciência dele por conta disso.
— Eles ainda querem um casamento de peso, com alguém que tenha
o nome tão poderoso quanto o seu? — Sei o quanto a família de Bernardo é
exigente com esse assunto.
Assim como eu, ele também nasceu em berço de ouro, mas a nossa
diferença é que a família dele quer que ele mantenha o status. Querem o
casamento perfeito para o filho perfeito. A irmã mais nova dele já está
vivendo a vida que os pais idealizaram para ela – mesmo sem vontade
nenhuma. Bernardo, por sua vez, se nega, a todo custo, a esse tipo de
relacionamento. Ele quer casar, mas acho que está esperando encontrar um
grande amor, ou coisa assim.
— É, ainda.
— Eu não entendo. Você aí, disponível e querendo alguma coisa
séria com alguém, mas não consegue ninguém.
— Também não é assim, porra. Não consegue ninguém. Não precisa
ser babaca desse jeito.
Rio alto.
— É modo de falar, Bezinho.
— Ah, vai se foder. — Ele ri. Odeia quando o chamo assim. — Eu
quero me casar, só não quero que seja com qualquer uma, e… é
complicado, cara. — Ele me olha e desvia o olhar. — É complicado —
repete.
— Não entendo esse conceito de vocês de ‘é complicado’. A gente
sai, você conhece alguém que tenha interesse e pronto. Nenhuma
complicação.
— Você fala isso, porque é um filho da puta desapegado. — Não
sou um filho da puta desapegado. Eu evito me apegar e, graças ao destino,
sempre consigo. — E além do mais… tem uma pessoa, mas eu não quero
falar disso com você agora, pelo menos.
— Não sei para que tanto mistério.
Bernardo dá de ombro enquanto levanta a mão para chamar o
garçom que não está tão longe de nós. Ele faz o pedido da sua bebida e pede
uma entrada. Faço o mesmo e o rapaz segue em direção ao interior do
restaurante.
Continuamos conversando sobre algumas amenidades, como
trabalho, futebol e carros. Uma das paixões que dividimos são os nossos
queridos automóveis. Bebemos um pouco e quando notamos, o restaurante
já está vazio, por isso resolvemos ir embora.
Bernardo dirige seu tão amado Porsche de cor preta, e eu, como de
costume, dirijo meu Aston Martin.
Sigo para a minha casa e por todo o caminho, me pego pensando em
um par de olhos castanhos que me olharam profundamente alguns dias
atrás.
Olívia. A secretária do meu irmão.
Entro no condomínio, cumprimentando os guardas e abro a minha
garagem, estacionando meu carro para enfim, estar na quietude da minha
casa.
Adoro a minha casa. Ela tem meu toque pessoal, com o cinza em
todos os lugares, que contrasta com o preto e o branco. Mas o que me
incomoda, não é a casa em si e sim, sua quietude, sua solidão.
Não gosto de silêncio por um motivo. Sempre penso demais e meus
pensamentos não são lá os melhores, por isso tento ao máximo evitá-los.
Sentir a dor que eles me causam é o que menos quero em qualquer
momento da minha vida.
— Cadê ela? — Entro na sala do meu irmão sem nem bater na porta,
quase derrubando-a, para ser mais exato. — Cadê ela, Niko?
— Cadê quem?
— Você sabe quem, a Olívia.
Ele solta a caneta e se encosta na cadeira, na posição que eu mais
odeio. Cruza os dedos na frente do abdômen, apoiando os cotovelos nos
braços da cadeira e começa a girar, de um lado para o outro.
— Por quê? O que quer com ela?
— Quero saber onde ela está, caralho!
Niko eleva as sobrancelhas e sorri de canto de boca. O que só me
deixa ainda mais puto.
— Blyad’[14], Niko! Você demitiu a mulher? — pergunto, já puto por
conta de seu silêncio. — Não acredito! Puta que pariu. — Levo as mãos ao
meu cabelo em desespero. — Liga para ela agora e a mande voltar. Se
desculpe! Mande flores. Mande uma caixa de bombons, não sei o que você
vai fazer, MAS LIGA PARA ELA E A MANDE VOLTAR! — grito
enquanto ele se mantém calado.
Nikolai não diz nada, apenas me olha, ainda com o maldito sorriso
no rosto.
— Poydem[15], está esperando o quê? — continuo a gesticular com
pressa, cada vez mais irritado com ele. — Não, deixa! Eu mesmo faço isso.
Que palhaçada! Você é um babaca! — digo, apontando o dedo em riste para
ele, saindo da sua sala.
Volto ao meu andar e passo por Felícia, batendo o pé feito uma
criança mimada que não conseguiu o doce que queria. Assim que entro em
minha sala, percebo que não tenho o telefone de Olívia para falar com ela,
apenas o e-mail corporativo. Mas se ela foi demitida, com certeza não tem
mais acesso a ele.
Que merda!
Dou um soco na mesa.
— Mas que droga! — falo alto, mais alto do que imaginei, já que
segundos depois, Felícia abre a porta da sala e diz:
— Está tudo bem?
— Como eu consigo o telefone de um ex-funcionário?
— No Recursos Humanos — ela diz em um tom de ‘não é óbvio?’
Me viro para ela com um sorriso no rosto.
— Você é um gênio, Felícia.
Sento-me na minha mesa depois que Felícia saiu da sala e disco o
número do ramal do RH. O telefone chama três vezes e uma voz de mulher
atende o telefone.
— RH MarkovaTech, boa tarde!
— Boa tarde! Gostaria de falar com o responsável pelo setor. —
Não sei o nome do chefe da área. Não sei o nome de ninguém, aliás. Só o
de Felícia porque ela trabalha comigo o dia inteiro. E bem, agora o de
Olívia.
— Quem deseja? — a voz me pergunta.
— Dimitri.
— Dimitri… — fala em um tom de dúvida.
Tudo bem, ela não tem obrigação de saber como é a minha voz, já
que eu não sei seu nome e muito menos seu rosto, então…
— Dimitri Markova, senhorita. Diga que é urgente!
Ela solta um gritinho de surpresa e sinto sua voz tremer quando
finalmente responde.
— Cla-claro, claro, só um instante. — Começo a escutar uma
musiquinha. Provavelmente, ela me colocou na espera para chamar seu
superior.
Que musiquinha horrível. Devia ligar mais para os outros setores
para ver se é tudo desse jeito. É irritante. Quem teve essa ideia?
Finalmente, uma voz de homem se pronuncia no aparelho.
— Pois não, senhor Dimitri?
— Olá, com quem falo? — Preciso conhecer meus funcionários,
mesmo que seja um pouco tarde para isso.
— Jorge, senhor.
— Olá, Jorge, preciso de uma ajuda. Poderia me fornecer o telefone
de um funcionário? — Será que preciso explicar que a pessoa em questão
não trabalha mais conosco?
— Claro. Qual o nome? — Ótimo. Sem muita informação.
— Olívia Castanheira. Ela era do setor financeiro, secretária do meu
irmão. — Se ele sabe quem sou, sabe também quem Nikolai é.
— Só um instante.
Consigo ouvir os barulhos das teclas enquanto ele digita a
informação.
— O senhor pode anotar?
— Claro. — Pego uma caneta e papel. — Diga!
Jorge me informa não só o número dela, mas também, um que ela
deixou para emergência. Agradeço e termino a ligação.
Pego meu telefone e digito o número que me foi informado. Ele
chama, mas cai na caixa postal. Desligo e tento de novo. Novamente,
chama e cai na caixa postal.
Que inferno! Onde essa mulher está?
Tento mais uma vez e dessa vez, chama quatro vezes e alguém
atende, mas nada é dito.
— Alô! Olívia? — digo, apenas escutando chiados.
— Oi? — É ela, tenho certeza. Conheço a voz.
— Olívia, onde você está? — Sinto minha voz subir algumas notas.
— Desculpe, não estou te ouvindo. A ligação está falhando. —
Levanto-me da cadeira e começo a andar pela sala, procurando um lugar
que pegue melhor sinal, sem me dar conta de que estou no centro de uma
das maiores metrópoles do Brasil. Com certeza o problema deve ser o lugar
onde ela está.
— Vai para um lugar melhor! — grito.
— Não estou ouvindo! — Só pode ser sacanagem.
— Vai para um lugar que tenha área! — falo, cada vez mais puto.
Ela fica calada por um tempo e chego a pensar que desligou na
minha cara.
— Oi, oi! Quem fala? — agora consigo escutar perfeitamente.
— Como assim, quem fala? Sou eu!
— Senhor… Dimitri? — Ela parece não acreditar.
Na verdade, nem eu acredito que estou fazendo isso.
— Claro, quem mais poderia ser?
— O senhor deseja alguma coisa? Eu… — Não a deixo terminar.
— Onde você está? — pergunto sem muitos rodeios.
— Como… O que… Onde… desculpe, senhor, não estou entendendo
o que quer.
— Quero saber onde você está? É difícil entender isso? — Minha
paciência é pouca e ela está gastando mais do que deveria.
— Desculpe, mas o que interessa ao senhor isso? — Que mulher
insuportável. Começo a ponderar se vale a pena mesmo trazê-la de volta.
Seria uma dor de cabeça a menos para mim. Talvez, até mesmo, menos uma
tentação.
— Olhe, estou ligando para a senhorita, com toda a minha boa
vontade, para pedir que volte para a empresa…
— Mas eu estou na casa da minha mãe, não posso voltar… — ela
me interrompe e novamente, eu não a deixo terminar a frase porque, com
certeza, vai inventar desculpas.
— Onde é? Eu vou até aí buscá-la.
— Mas, senhor…
— Me diga logo. Onde fica?
Ela me informa o lugar muito a contragosto e eu desligo o telefone
sem, ao menos, me despedir. Depois a peço desculpas, agora não tenho
tempo para isso. Pego meu terno, minha pasta e deixo as coisas em cima da
mesa como estão. Saio da sala e informo à Felícia que sairei e não
retornarei mais hoje.
Chego no estacionamento, entrando no meu carro e coloco o
endereço que Olívia me passou no GPS.
O aparelho me mostra que o tempo de viagem será de mais ou
menos três horas e meio. Olho para o relógio do painel automático e vejo
que, se tiver sorte, consigo fazer em menos. Não quero perder tempo.
Quanto antes chegar, volto mais cedo para casa com menos um problema na
conta. E mais uma tentação para evitar.

A cidadezinha é no diminutivo mesmo.


Santo Antônio do Pinhal, eu nunca nem… enfim.
Não está escuro, mas já está quase. E ainda tem algumas crianças
brincando na rua e algumas senhoras sentadas nos bancos. Uma coisa
completamente diferente do que se vê na capital.
Jesus!
Por onde passo, as pessoas viram o rosto para olhar. Com certeza,
não é muito comum ver um carro como o meu por aqui.
O lugar é lindo, não posso negar. Aconchegante. Com casinhas do
tipo colonial. E muitos, muitos jardins. Alterno o olhar entre o aparelho de
celular na minha frente e os nomes das ruas. Dirijo bem devagar para
conseguir ver o que está escrito nas placas. Percebo que estou me afastando
do centro quando a distância, de uma casa para a outra, começa a aumentar.
Olho para o telefone e o GPS me indica que estou no caminho certo.
Paro o carro quando a voz do aplicativo diz que cheguei ao meu
destino. Olho para o lado e vejo uma casa simples, mas muito bonita. Ela
tem uma grade verde em volta, uma rede pendurada na varanda e uma
árvore – provavelmente frutífera – no quintal. As luzes estão apagadas,
exceto a da varanda. Olho para o número desenhado na parede e percebo
que estou no lugar certo.
E agora?
Saio?
Tem campainha?
Eu poderia ligar para ela, não? Pego o telefone e vejo que os pinos
da área de serviço estão zerados. Agora entendi por que a ligação estava
uma porcaria.
E se eu buzinar? Ela não deve estar esperando mais ninguém. E a
rua está vazia. Posso buzinar uma única vez, bem rápido, nem vão perceber.
Olho para a porta da casa e buzino rápido, como planejei. Mas
ninguém sai. Conto mentalmente até dez, mas nada acontece.
Vou tentar de novo, penso.
Olho novamente para a porta e buzino, agora um pouco mais
demorado.
Um, dois, três, quatro…
A porta se abre.
Vejo uma moça muito parecida com Olívia, mas ao mesmo tempo,
também parecida com... Anya?
O formato dos olhos e do rosto são muito semelhantes ao da minha
irmã. Os fios dos cabelos são mais curtos a moça é um pouco mais magra,
quase nada. Claramente, bem mais jovem também.
Ela veste uma calça de moletom cinza e uma blusa mais larga. Olha
para fora vendo meu carro parado. Dá um passo para trás, voltando para
dentro da casa e vejo que chama alguém. Logo em seguida, Olívia sai.
Uma Olívia completamente diferente do que costumo ver na
empresa.
Ela está com os cabelos soltos, uma blusa mais colada ao corpo e
porra, uma saia jeans mostrando as pernas. E que pernas!
Ela vem em direção a grade e abre o portão. Saio do carro e ando
em sua direção. Olívia parece não acreditar no que está vendo.
— Mas… o quê? — Franze o cenho enquanto fala baixo.
— Eu vim te buscar.
— Me buscar? — ela diz confusa.
— É, sei que o Niko te demitiu…
Escuto a voz da outra moça na porta da frente.
— Você foi demitida?
Ela vira com pressa e grita:
— Não!
— Não? — Se volta para mim.
— Não. Quem foi que falou isso?
— Você não aparece na empresa há uma semana. Confrontei o Niko
e ele agiu como se você tivesse ido embora — explico para ela.
— Claro que não. Eu pedi essa semana de folga a ele para resolver...
— Olha para trás, fitando a moça ainda parada na porta. — Problemas
pessoais.
— Então, já que não foi demitida, vai voltar?
— Claro, senhor Dimitri. Volto hoje mesmo para São Paulo e
segunda já estarei na empresa no horário de sempre. — Ela me fita com
aqueles olhos castanhos, que tem aparecido em minha mente sem, nem ao
menos, me pedir permissão.
Claro que já admirei sua beleza, mas não desse jeito. Ela sempre
está tão sóbria na empresa, com um terninho preto ou com saias que passam
dos joelhos. Sempre tão comportada. Sempre tão invisível.
— Ótimo — digo, tentando não parecer um palhaço. — Então, já
que estou aqui, posso te levar.
Ela arregala os olhos. Olha para os lados, meio sem graça e então
diz:
— Não sei se seria uma…
— Pelo amor de Deus, Olívia, já estou aqui — a interrompo. — Eu
levei quase quatro horas para chegar, com certeza, você vai levar o dobro
indo de ônibus. Vamos logo, pegue as suas coisas e vamos — digo,
voltando para o lado do motorista enquanto ela permanece parada me
seguindo com os olhos.
— Eu prefiro ir de ônibus, se não se importa.
Respiro, já impaciente.
— Senhorita Olívia, por favor, já está escurecendo. Não quero
chegar tarde em casa.
— Então, pode ir. — Ela estende o braço, me mostrando o caminho
por onde vim. — Eu vou de ônibus.
Que mulher teimosa do inferno!
Ela volta para dentro do quintal, fechando o portão.
— Até segunda, senhor Dimitri.
E, simples assim, me deixa parado feito um imbecil na frente da sua
casa.
Respiro fundo, muito puto. Entro no carro, batendo a porta e volto
pelo caminho que fiz.
Chego em casa já bem tarde.
Entro e vou direto para o banheiro, tomo um banho relaxante e me
jogo na cama, pensando no transtorno que foi fazer essa viagem.
Quero matar o Niko por não ter me explicado o que aconteceu.
Aquele filho da… Não posso nem ofender a nossa mãe, ela não tem culpa
de ter tido um filho arrombado desse.
Que raiva!
Dirigi um total de quase sete horas para porra nenhuma. Estou
morto! Em plena sexta-feira, ficarei em casa.
Fecho os olhos, tentando dormir, mas tudo o que consigo pensar é
naquela mulher teimosa com as pernas gostosas de fora.
Puta que pariu, Olívia! Puta que pariu!
Chego bem cedo na empresa, bem antes de Nikolai, mas isso já é
costume meu. Arrumo sua mesa, separo os documentos mais importantes e
deixo-os organizados por ordem de urgência. Termino tudo e então volto à
minha mesa e começo a me preocupar com os e-mails – que são muitos, já
que fiquei uma semana fora. Também os separo por ordem de importância.
Nikolai gosta de resolver os piores problemas antes. Às vezes, ele costuma
dizer que, se não tem importância, pode esperar.
O dia passa como esperado. Saio para almoçar no meu horário de
sempre, converso com as pessoas de sempre. Volto no mesmo horário em
ponto e espero trinta minutos para ir embora. A única coisa que mudou foi a
minha vontade de ver Dimitri. Quando as portas do elevador se abrem e
vejo que ele não está ali, por um lado, me sinto aliviada, mas por outro,
decepcionada. Acho que esperava encontrá-lo de alguma forma.
Chego no térreo, aceno para as recepcionistas e passo pelas portas
giratórias, como geralmente faço, mas dessa vez, sou surpreendida por uma
visita – desagradável, para se dizer o mínimo.
— Olívia, por que você simplesmente não atende minhas ligações
ou responde minhas mensagens? — Caio está aqui, bem na minha frente
com a cara mais lavada de todas. Porcaria!
— Acho que ficou claro que não temos mais nada para conversar,
Caio. Vai embora, por favor. — Não sei mais o que posso falar para que ele
simplesmente entenda que o que tivemos, acabou.
— Me dê apenas uma chance para me explicar — diz enquanto
passo por ele, seguindo meu caminho. — Eu ainda... ainda amo você, Olie.
— Você nunca me amou, Caio. Não se engane. — Paro e me volto,
olhando para ele. — Estávamos apenas confortáveis um com o outro.
Confortável até demais, já que, claramente, você foi procurar outra.
— Não foi bem assim...
— Ah, não? Ela por acaso te drogou? Te obrigou a alguma coisa?
Colocou uma arma na sua cabeça e fez com que você a comesse? — Paro
com as mãos na cintura, esperando por sua resposta.
— Você falando desse jeito até parece que...
— Que o quê, Caio?
— Que eu sou um cuzão.
— Mas você é. É exatamente o que você é.
Ele dá um passo em minha direção, com uma feição não muito
agradável.
— Quem você pensa que é para falar isso para mim? — O único
passo que ele deu, o aproximou demais de mim. — Você é uma mulher
extremamente chata, Olívia. Sempre vê problema em tudo e faz com que
todo mundo ande em ovos com você. Se estamos sendo sinceros aqui,
então, gostaria que soubesse que foi um inferno namorar com você.
— Então, finalmente, a máscara caiu, não é? — Talvez não seja uma
boa ideia provocá-lo assim.
— Você é uma mulher que nunca, nunca vai encontrar alguém.
Acho que nenhum homem vai te aguentar. — Caio, já bem mais próximo,
agarra meu braço com força.
— Me solta! — digo, entredentes, querendo não fazer um escândalo
em frente ao prédio onde trabalho.
— Eu estava fazendo um favor a você quando a pedi em namoro...
— Tire suas mãos de cima de mim. — Tento puxar meu braço, mas
seu aperto se torna mais forte. — Você está me machucando!
— Foda-se! Eu não tô nem aí. — Ele aponta o dedo em riste para
mim. — Você vai ouvir tudo...
Sem entender o que houve, simplesmente vi o braço de Caio ser
puxado para trás com uma força sem igual, fazendo seu corpo inteiro se
virar. Ele solta meu braço e eu me afasto, tendo a visão de um homem de
terno preto segurando sua blusa pela gola.
Ele bufa pelas narinas, parecendo um touro.
— Que merda você acha que está fazendo com ela? — Dimitri o
olha com ódio. Seus olhos estão em um tom de verde mais escuro. Ele fita
Caio, como se fosse o matar.
— Me solta! Quem é você?
— Eu te fiz uma pergunta, seu merda!
Ainda segurando meu braço, que estava sendo apertado por Caio
segundos atrás, assisto toda aquela cena, parada. Sem reação.
— Eu sou o namorado dela...
— Ex! Ex–namorado! — respondo imediatamente.
Nunca mais na minha vida quero ser ligada de alguma forma a ele.
— Tira as suas mãos de mim, seu babaca. Quem você pensa que é?
O dono da rua?
— Sou o dono desse prédio. — Dimitri solta a blusa de Caio, que
com o movimento, cambaleia para trás, quase caindo de costas no chão.
Caio se ajeita e troca olhares entre Dimitri e eu.
Com puro olhar de escárnio, ele balança a cabeça, fechando os olhos
e joga a cabeça para trás, dando uma risada de pura ironia.
— Tá fodendo com o seu chefe, Olívia? — ele ri mais alto, com
mais deboche. — A tão correta Olívia está trepando com o chefe. Tá me
traindo há quanto tempo? Você é uma hipócrita mesmo. Uma filha da puta
hipócrita.
Dimitri avança novamente para cima dele, mas dessa vez, só vejo o
rosto de Caio virar de forma brusca para esquerda após um soco, bem
certeiro em seu nariz, que chega a fazer barulho. Eu dou um grito pelo susto
e coloco as mãos na boca. Completamente surpresa pela ação do homem.
— Seu desgraçado, você quebrou o meu nariz! — Caio está com as
mãos no rosto e consigo ver um pouco de sangue escorrer entre elas.
— Vou terminar de quebrar a sua cara, se continuar a falar assim
dela. Quero você longe daqui. — Dimitri tem o dedo apontado em riste para
a cara de Caio. — Se eu souber que você passou aqui em frente de novo, eu
vou fazer bem mais que quebrar a porra do seu nariz. Está me ouvindo, seu
filho da puta babaca? Quero você longe da Olívia!
Dimitri não dá nem tempo de Caio revidar, vindo em minha direção
e pega delicadamente no meu braço, me puxando para dentro do prédio.
Claro que, a essa altura, já viramos espetáculo para todos.
Ele me arrasta até o elevador e quando adentramos o ambiente, o
homem aperta o botão para a garagem e quando as portas se fecham, ele se
vira para mim.
— Ele te machucou? — Olha para o meu braço, um pouco
avermelhado, com alguns dedos marcados.
— Não foi nada.
— Ele já tinha feito isso antes?
— Como?
— Ele já tinha tocada em você antes, Olívia? — Ele parece puto
comigo.
— Não. Acho que ele só...
— Não!
As portas se abrem e ele me puxa para fora.
— Não justifique o que ele fez — diz enquanto anda em direção ao
seu carro.
— Não estou justificando. Eu só... inda não assimilei o que
aconteceu. — Balanço a cabeça, sendo puxada por ele. — O que está
fazendo?
— Te levando para casa. — Ele para perto da porta do carona. —
Esse louco pode ir atrás de você. — Abre a porta e me espera. — Entra.
O fito, séria. Troco o olhar entre ele e o banco preto de couro.
— Olívia, por favor, entra no carro.
Sem dizer nada, me sento e ele fecha a porta, dando a volta e entra
no lado do motorista. Dá partida e sai do prédio. Olho de relance para o
lugar onde eu estava até pouco tempo atrás e não vejo mais Caio.
Tomara que tenha ido embora e que não volte nunca mais.
Babaca. Escroto.
Eu reclamo da minha mãe, mas tenho o dedo tão podre quanto ela.
Nem sei onde estava com a cabeça para aceitar namorá-lo. E ainda teve a
audácia de falar que estava me fazendo um favor. Eu fui uma imbecil
mesmo.
Passo a mão no braço, sentindo-o dolorido e respiro fundo, fechando
os olhos. Forçando-me a apagar o que acabou de acontecer. Balanço a
cabeça, tentando me livrar da sensação estranha de ter tido meu braço
apertado por alguém que eu achei mesmo que seria especial na minha vida.
— Você está bem, Olívia? — escuto a voz de Dimitri, me tirando
dos meus pensamentos.
— Estou.
— Tem certeza?
— Tenho, senhor Dimitri, obrigada. — Por alguma razão, ainda não
consigo olhar para ele, por isso mantenho meus olhos nos carros à minha
frente. — O senhor sabe onde eu moro?
— Estou esperando que você me diga. — Demoro um pouco para
falar meu endereço, porque ainda acho muito estranho tudo o que ele está
fazendo. — Não sou adivinha, Olívia, vai me dizer ou não?
— Santo Amaro.
Ele tira o telefone do bolso e o passa para mim.
— Coloca o endereço no GPS.
Faço o que pede e então, ele segue as instruções da voz feminina
que sai do celular.
A viagem é feita em completo silêncio. Eu apenas olho pela janela,
ainda sem coragem de olhar para o homem ao meu lado, que por mais que
eu evite, estou agradecida pelo que fez.
Me lembro de sexta, quando Dimitri dirigiu até Santo Antônio do
Pinhal para me buscar, pensando que eu havia sido demitida. Fiquei sem
acreditar até vê-lo na minha frente, em carne e osso. Quando me ligou,
achei que era algum tipo de pegadinha, mas não. Ele foi lá mesmo. Me
recusei a vir com ele, não apenas por orgulho, mas porque as coisas ainda
estavam estranhas em casa e não queria deixar minha mãe – por mais que a
nossa relação também esteja estranha, ela ainda é a mulher que me deu à luz
– sozinha com Ivan.
É até meio irônico dizer que não queria deixá-la sozinha com ele, já
que moram juntos, ela está sempre sozinha com ele. Tanto que não voltei na
sexta, como havia dito, voltei apenas no sábado à noite com Lavínia. E
acabei tirando o domingo para descansar, mas já pensando no trabalho no
dia seguinte.
Passei aquela noite inteira me perguntando o porquê de ele ter ido
até lá. Poderia, sei lá, ter esperado eu voltar ou algo assim. Ou até mesmo,
se achava que eu tinha sido demitida, nem deveria ligar para esse fato.
Não me considero alguém com muita relevância para ele precisar
dirigir por quase quatro horas e ‘dar de cara na porta’, já que me recusei a
voltar quando ele pediu.
Pediu não, mandou. O que foi outro motivo para eu não voltar com
ele.
O jeito como ele manda, achando que é o dono do mundo, me irrita!
É sexy, não nego, mas ele não manda em mim.
Me assusto quando sinto meu telefone vibrar e logo o pego, vendo
na tela que é uma ligação de Lavínia.
Atendo de pronto.
— Oi, Lalá...
— Olie, cadê você? — ela pergunta.
Olho de relance para Dimitri que parece fingir não prestar atenção
na conversa.
— Estou indo para casa.
— O Caio está na portaria. O porteiro acabou de me ligar dizendo
que o rapaz não parece muito feliz. — Coloco a minha mão na cabeça,
querendo não acreditar no que ouvi.
Ele devia estar de moto para conseguir chegar tão rápido lá em casa.
Dimitri sente minha tensão e me olha, como se quisesse, só agora,
saber do que se trata. Encontro seu olhar e ele tem a constatação de que
algo está acontecendo.
— Ele apareceu na porta da empresa. Tivemos um… — Como
posso explicar para ela? — Pequeno problema — digo, sem entrar em
detalhes.
— O que você quer dizer com pequeno problema? A gente mora no
terceiro andar e eu acabei de ouvir ele gritar seu nome, Olívia. — Ele não
seria capaz de dar esse show. Ou seria?
— Ele está gritando? — pergunto apenas para confirmar se ouvi
direito o que minha irmã disse.
Lavínia fica em silêncio, mas diz logo em seguida:
— Sim, inclusive, acabei de ouvir outro grito. Se continuar, vou
chamar a polícia.
— Ótimo! Faz isso mesmo, chama a polícia. Acho que só assim, ele
vai embora.
Escuto Dimitri me perguntar o que está acontecendo. Sua atenção se
divide entre a minha ligação com Lavínia e a rua à sua frente.
— Acho melhor você demorar mais um pouco pra chegar aqui. Ele
não parece que vai cansar tão cedo, Olie. Mesmo que eu chame a polícia, é
bem capaz de você chegar antes.
— Eu já estou no caminho. No meio do caminho, Lavínia. Não tem
como eu... — Não termino a minha frase, cansada de pensar no que fazer.
— Tudo bem. Vai me mantendo informada, por favor. Assim que ele for
embora, me avise — Olho pela janela, tentando localizar onde estou. —
Acho que estou perto da casa da Liz, qualquer coisa vou para lá. Obrigada,
Lalá.
Desligo a ligação e Dimitri logo pergunta:
— O quê? O que aconteceu?
Não quero envolvê-lo nisso, ele não tem nada a ver com a minha
vida. Sei que me defendeu antes, mesmo não tendo nenhuma obrigação em
fazê-lo, mas não é certo arrastá-lo para o meio dessa confusão, que poderia
ter sido facilmente resolvida se Caio não fosse a porra de um babaca.
— Lavínia disse que ele está na porta de casa.
— Quem é Lavínia? — Sério? Ele quer mesmo saber quem é a
Lavínia?
Bufo, fechando os olhos.
— Lavínia é a minha irmã. Ela acabou de ligar, dizendo que Caio
está na minha portaria, gritando por mim.
Dimitri nada fala, simplesmente entra no primeiro retorno e dirige,
voltando na direção de onde estávamos.
— O quê...?
— Você vai para a minha casa.
Arregalo os olhos assim que ele anuncia para onde está me levando.
Para a casa dele? O quê? O que ele está fazendo?
Dezoito horas.
Espero passar os trinta minutos, me lembrando do que Olívia disse.
Ela espera mais trinta minutos para sair depois que Nikolai sai. Como
estamos a apenas um andar de diferença, é fácil sair e encontrá-la no
caminho.
Dezoito e vinte seis.
Levanto-me da cadeira, pegando o meu terno e quando o estou
vestindo, Felícia adentra minha sala.
— Senhor, desculpe-me pela hora. — Ela tem um bolo de papel em
suas mãos. — Deixaram só agora comigo. Precisam da sua assinatura.
Jogo minha cabeça para trás, já começando a ficar puto. Olho para o
relógio e faltam dois minutos para os malditos trinta minutos. Será que eu
consigo assinar tudo a tempo? Peço para ela se aproximar da mesa e pego
os documentos.
Sem nem ler, apenas assino, um atrás do outro. Quase desesperado.
São quinze malditas páginas. Olho para o relógio e já se passaram cinco
minutos. Devolvo a documentação para Felícia e saio em disparada.
Chamo o elevador e quando ele chega, falto afundar o botão do
térreo para que as portas se fechem logo. Quando ele apita e a seta de
descer é sinalizada no LED, torço – mentalmente – para que ele pare no
andar seguinte. E para a minha surpresa – e derrota –, ele passa direto do
19º e segue em direção ao térreo.
Respiro fundo e me controlo para não gritar ali mesmo.
Me encosto no espelho e o elevador desce mais alguns andares até
abrir a porta em algum andar que não presto atenção. Alguém, que não faço
ideia de quem seja, entra e voltamos a descer. A porta se abre no térreo e a
pessoa sai. Quando olho para fora, em direção à entrada de vidro, vejo uma
moça sendo agarrada pelos braços por um cara que tem o dedo apontado
para o seu rosto. Semicerro os olhos e quando vejo, nitidamente, quem é a
moça, não acredito.
Meu sangue ferve vendo aquela cena.
O que esse filho da puta está fazendo com Olívia? Quem ele pensa
que é?
Saio de dentro do elevador feito uma bala, sem ver quem está ao
meu redor. Passo pelas portas giratórias e quando dou por mim, já estou em
cima do homem, segurando sua blusa pela gola enquanto ele tenta se
desvencilhar. Ele está assustado e é exatamente o que quero ver.
— Que merda você acha que está fazendo com ela?
— Me solte! Quem é você?
— Eu te fiz uma pergunta, seu merda! — Seguro mais forte em sua
gola.
— Eu sou o namorado dela... — Namorado? Impossível. Ela não
namoraria alguém assim.
— Ex! Ex-namorado! — Olívia logo rebate, como se lesse meu
pensamento.
— Tira as suas mãos de mim, seu babaca. Quem pensa que é? O
dono da rua?
— Sou o dono desse prédio — profiro, soltando a gola de sua blusa,
quase o empurrando, fazendo com que ele quase perca o equilíbrio.
Por alguma razão desconhecida, ele começa a rir e balançar a
cabeça, olhando de mim para Olívia.
— Tá fodendo com o seu chefe, Olívia? — pergunta com deboche
— A tão correta Olívia está trepando com o chefe. Tá me traindo há quanto
tempo? Você é uma hipócrita mesmo. Uma filha da puta hipócrita. — Ele
acabou de xingá-la?
Não me aguento.
Avanço para cima dele com o punho fechado, indo de encontro a sua
cara de cu. Acerto seu nariz, fazendo seu rosto virar com muita força.
Escuto Olívia soltar um grito pela minha atitude, acho que ela também não
estava esperando por isso.
O rapaz não acredita no que fiz e fica mais puto ainda. Com a mão
no local que acertei, ele me fita com ódio no olhar. Porém, não mais do que
o meu para ele. Quero que ele saia da minha frente o mais rápido possível,
porque se continuar aqui, darei outro soco nessa cara, fazendo um estrago
ainda maior.
O ameaço, querendo que ele nunca mais volte a colocar os pés nessa
calçada.
Sem esperar que ele fale alguma coisa, puxo Olívia pelo braço para
dentro do prédio. Chegamos no elevador e descemos até a garagem. Ela
ainda está assustada pelo que acabou de acontecer e sinceramente, estou
preocupado. Teria a mesma reação se fosse com qualquer outra mulher. Não
admito nada parecido com isso. Minha vontade é de voltar lá e esfregar a
cara dele no chão de concreto.
Pergunto se ele a machucou, mas ela nega.
Ele disse que era o namorado dela, será que já tinha feito isso antes?
Ele batia nela quando estavam juntos? Caralho, se ele fazia isso, eu vou
atrás dele no inferno!
Olívia me disse que ele nunca havia feito isso antes e de alguma
forma, tenta justificar o que aconteceu, o que só me deixa mais puto.
Chegamos na garagem e a puxo em direção ao meu carro. Não vou deixá-la
ir sozinha para casa. Esse filho da puta pode ir atrás dela e fazer alguma
coisa bem pior do que deixar seus dedos marcados em seu braço.
Abro a porta do carro e peço para que entre, e mais uma vez, Olívia
parece indecisa se entra ou não. Peço novamente, tentando ser o mais gentil
possível, o que não é muito meu forte. Então, finalmente ela entra e logo
estou dando partida e saindo do prédio.
Olívia se mantém calada, olhando para fora. E eu, quero apenas
saber se ela está bem, mas não sou a melhor pessoa para isso. Ter muito tato
não é uma das minhas qualidades. Mas ela está tão calada, que chega a me
deixar ainda mais nervoso, então sem pensar muito, pergunto:
— Você está bem, Olívia?
— Estou. — Curta e grossa.
— Tem certeza? — tento mais uma vez.
— Tenho, senhor Dimitri, obrigada — ela me agradece, mesmo sem
nem olhar para mim — O senhor sabe onde eu moro? — pelo me silêncio,
ela sabe que preciso dessa informação para seguir o caminho.
Espero que ela me diga e então começo a seguir na direção de sua
casa.
Durante todo o percurso, ela se mantém quieta, ainda olhando para
fora e pensando em alguma coisa que eu daria tudo para saber o que é. Tem
alguma coisa em Olívia que, não sei, me chama muita atenção. E olha que
não faz nem um mês que descobri da sua existência dentro da empresa. Vez
ou outra, ela fecha os olhos e respira fundo, e isso apenas faz com que eu
fique ainda mais curioso para saber sobre o que ela está pensando.
Ela toma um susto com alguma coisa e quando percebo que está
mexendo na bolsa, vejo que foi o seu celular que começou a vibrar. Ela o
atende e logo sinto que alguma coisa não está bem. Olívia leva a mão até a
cabeça, preocupada com o que possa estar acontecendo. Ela conversa com
alguém que não sei quem é, e apenas com as partes que escuto, entendo que
o babaca está em frente ao seu prédio ou algo assim.
Sabia!
Homens nunca aceitam bem as coisas quando elas partem de uma
decisão feita pela mulher.
Chego no meu condomínio e passo pela guarita, cumprimentando os
seguranças, como faço toda noite, e logo já estou na minha garagem.
Estaciono o carro e desço, esperando que Olívia faça o mesmo, mas
ela se mantém sentada, mesmo depois do carro estar desligado.
— Vai dormir aí? — pergunto, colocando a cabeça na janela.
Ela vira a cabeça para me fitar e então volta a olhar para frente.
— Não acho isso muito prudente, senhor Dimitri. — Por que ela
continua a me chamar de senhor?
— Não estamos no escritório, Olívia. Não precisa me chamar de
senhor o tempo todo, vamos deixar as formalidades para outra hora. Se
você não percebeu, eu dei um soco no seu ex-namorado.
Vejo seu peito subir com a sua respiração e ela tenta segurar o
sorriso que quer surgir em seus lábios.
Solta o cinto e então abre a porta, saindo do carro e olhando em
volta, vendo todos os outros carros que tenho na garagem.
— Costuma usar todos eles? — ela pergunta.
— Na verdade, não. Gosto mais desse. — Indico o veículo que ela
acabou de sair. — E o jipe. — Aponto para o veículo 4x4, da cor branca,
que uso quando quero sair da cidade e pegar uma estrada mais pesada.
Ela observa todos com muita atenção e quando vê a Lamborghini,
seus olhos brilham. Ela abre levemente a boca e vai até o carro.
— É uma Lamborghini Countach LPI 800-4? — Agora eu que estou
com a boca aberta. Como ela sabe? — É a primeira vez que vejo uma
pessoalmente. Achei que ela nem tivesse vindo para o Brasil.
Ela me olha e solta um sorriso contido.
— Eu pedi que viesse da Itália.
— Nunca a usou também, né? Parece intocada.
— É, nunca sai com ela. É uma edição limitada, gosto apenas de
olhar para ela.
Ela dá de ombros e se vira na minha direção.
— Eu já vi esse que você dirige em algum lugar, mas não me lembro
onde. Em um filme, talvez?
— Sim... Na verdade, é na minha franquia favorita.
— Qual?
— 007.
Ela abre a boca e balança a cabeça, parecendo se lembrar de onde
conhecia o veículo.
— Como conhecia a Lamborghini? — pergunto, curioso.
— Gosto de carros. Era uma coisa minha com o meu pai antes de
ele... falecer. Às vezes, íamos juntos em algumas feiras automobilísticas.
Não sou a maior entendedora, mas conheço uma coisa ou outra.
Nós dois estamos parados no meio da garagem, conversando sobre
carros, uma coisa que eu jamais imaginaria que ela saberia a respeito. Quer
dizer, ela lê romances contemporâneos, as histórias mais clichês possíveis e
tem um jeitinho todo, como posso dizer, contido. Nunca me pareceu com
alguém que tem conhecimento sobre carros. De fato, nunca julgue um livro
pela capa.
Sinto meu estômago roncar e saio dos meus pensamentos.
— Vamos entrar. Estou com fome, você não?
— Na verdade, estou sim.
Vou em direção à porta e ela me segue.
Entramos pela cozinha, que é a porta dos fundos e a que mais uso, já
que são raras as vezes que saio sem carro.
Ligo a luz e vejo quando ela passa por mim, com a boca aberta.
— Puta que... — Coloca a mão na boca, não terminando o
xingamento. — Desculpe!
Eu dou uma gargalhada que a faz rir também.
— Tudo bem. Bem, essa é a cozinha. Se quiser beber algo é só abrir
a geladeira, e também vai encontrar alguns mantimentos armário e na
despensa. Pode ficar à vontade. — Aponto para todos os lugares enquanto
falo.
Ela olha para tudo com muita atenção e cada vez que conhece mais
um cômodo, abre mais a boca, em choque. Mostro todos os cômodos do
primeiro andar, como a sala de jantar, a sala de estar, os banheiros e explico
que os quartos ficam no segundo, e que tem outros banheiros lá em cima
também. Ela apenas balança a cabeça a cada coisa que digo.
Subimos as escadas e mostro o quarto de hóspedes, ao lado dele tem
um banheiro e a informo que pode tomar banho.
— Tem produtos de higiene nas gavetas e toalhas limpas no armário
debaixo da pia. Vou pegar uma blusa minha para você usar.
— Não precisa senhor... — ela para — Desculpe, Dimitri.
— Por acaso, vai dormir de terninho?
— Vou dormir aqui? — Ela está surpresa com a constatação.
— Vai, achou que ficaria onde?
— Achei que tinha me trazido apenas para passar o tempo até o...
você sabe, ir embora — Olívia fala e eu me dou conta de que essa opção
não passou pela minha cabeça em momento algum. A trouxe para passar a
noite mesmo.
— Não — digo, sendo sincero.
— Mas eu... — Volta a olhar ao redor — Preciso falar com a minha
irmã, então.
— Fica à vontade.
Dou as costas e vou até o meu quarto. Abro o armário e pego uma
blusa de algodão. Com certeza, qualquer peça que eu pegue, virará um
vestido nela, mas de qualquer modo, também pego uma cueca samba-
canção nova e separo para ela. Quando volto ao quarto de hóspedes, ela já
está dentro do banheiro, mas ainda não começou a tomar banho. Bato na
porta e Olívia a abre.
— Trouxe uma blusa e uma cueca. Ela é nova, eu nunca a usei —
informo.
Ela balança a cabeça e sorri timidamente.
— Enquanto você toma banho, vou pedir comida para a gente.
— Tudo bem.
Saio e escuto a porta bater.
Vamos lá, Dimitri. Se concentra. Foco! Olívia está além do seu
limite, não o ultrapasse!
A comida chega e quase ao mesmo tempo, Olívia aparece na
cozinha, usando minhas roupas.
Quando a vejo, é involuntário, sinto uma fisgada no meu pau, e
começo a pensar na merda que me meti trazendo-a aqui. A blusa é branca e,
juro que foi sem intenção nenhuma, mas consigo ver os bicos do peito dela
através do tecido.
Volto minha atenção para a comida que estou arrumando em cima
da mesa, tentando ao máximo não ficar olhando para os seus seios ou para
as suas pernas, que me parecem muito mais gostosas que da primeira vez.
Cacete, Dimitri, ca-ce-te!
Organizo tudo em cima da mesa. Já peguei os pratos, copos e
talheres. Ela chega mais perto e eu peço que se sente, me virando de costas
para ela, que parece completamente alheia a tudo.
Olívia se senta e começa a se servir. Eu me sento à sua frente, mas
focando somente na comida. Eventualmente, olhando-a, contudo, eu tento
não manter muito meus olhos em cima dela.
— Está uma delícia.
— Delícia mesmo. — Ela levanta o olhar e me vê a fitando. — A
comida. Deliciosa.
Comemos em silêncio, apenas ouvindo o talher bater na louça.
Quando ela termina, se levanta e leva seu prato até a pia, ligando a torneira
e começando a lavá-lo.
— O que está fazendo? — pergunto.
— Lavando o meu prato.
— Não precisa! Deixe aí. Amanhã a Margarida arruma tudo.
— Margarida?
— Sim, a faxineira. Ela vem amanhã aqui em casa. Quinta vai na de
Niko e sexta na de Anya. — Dei muita informação desnecessária apenas
para me manter concentrado e não passar meus olhos por mais nenhuma
parte do seu corpo.
Olívia parece ignorar a informação e continua lavando o prato.
— Termine o seu e me traga aqui, que eu lavo também. — Não vou
discutir com ela sobre isso.
Termino minha refeição e levo o meu prato até onde está. Quando
pega a louça da minha mão, seus dedos tocam os meus levemente e sinto
um arrepio correr por todo o meu corpo, como se tivesse levado um choque.
Me afasto e então digo:
— Vou tomar um banho e dormir. Lembra onde fica o quarto, não é?
— Sim. Ao lado do banheiro.
— Exato. — Nos fitamos por alguns segundos e o silêncio se faz
presente. Desvio rápido meu olhar do dela, sentindo-me, mais uma vez,
excitado. — Boa noite, Olívia. Durma bem.
— Boa noite para você também, e… — Olívia faz uma breve pausa.
— Obrigada, mais uma vez. — Assinto com a cabeça sem dizer mais nada e
me retiro da cozinha.
Vou em direção ao meu quarto, tentando não ter pensamentos
libidinosos com ela e essa roupa que está vestindo. E ainda fui eu que dei
essa merda para ela.
Onde que eu estava com a cabeça?
A cama do quarto é muito confortável, bem mais confortável que a
minha. O edredom é branco como a neve, sem nenhuma mancha ou
amassado. Acredito que Dimitri não receba muitas visitas, ou se recebe,
mantém o quarto sempre impecável. Aliás, o quarto é magnífico. A parede
em frente a cama é cinza escuro e tem uma TV enorme colada. Já a parede
atrás da cama e a da porta são brancas. A outra é apenas um janelão que vai
do teto até o chão com uma cortina que deve custar muito mais que as
roupas que eu uso.
Incrível como ele tem bom gosto.
Debaixo da TV, tem uma prateleira suspensa da cor preta, tudo
muito sóbrio. E do lado da porta, um aparador, da mesma cor que a
prateleira, provavelmente feitos sob medida.
Estou deitada na cama, olhando para todos os lados, apenas
memorizando cada canto desse quarto. Não acredito que eu vá voltar tão
cedo, ou quem sabe, nem voltarei mais. Pareço uma criança no meio da
cama. Acho que cabe mais umas cinco de mim aqui e nem ficaríamos
apertadas.
O que ele tem de bom gosto, tem de exagero porquê de alguma
forma, tudo é muito grande. Ele é um homem muito grande. Mesmo sempre
usando terno, fica claro que tem quase o tamanho de uma geladeira inox de
duas portas.
O que eu tô fazendo? Pensando no tamanho do meu chefe? Quer
dizer, do chefe do meu chefe, como ele mesmo disse. Que loucura, Olívia!
Que loucura...
Olho para o teto que tem um lustre tão lindo quanto o quarto. Tento
fechar os olhos, mas infelizmente Morfeu não me quer agora.
Viro-me para um lado e tento me concentrar em ter um sono leve e
duradouro.
Nada.
Viro-me para o outro e a mesma coisa.
Volto a fitar o teto, tendo a absoluta certeza de que amanhã
trabalharei com olheiras.
Que droga! Nem tenho maquiagem aqui para amanhã. Preciso
dormir, sério. Preciso mesmo dormir.
Fecho de novo os olhos, na esperança de conseguir, mas falho
miseravelmente.
Sento-me, encostada na cabeceira e pondero me levantar e ir até a
cozinha pegar um copo de água. Se eu for, terá que ser bem devagar para
não acordar Dimitri que dorme no fim do corredor. E eu também vou
precisar passar no banheiro antes de voltar para o quarto porque é certo eu
sentir vontade de fazer xixi depois de um ou mais copos de água.
Empurro o edredom para o lado e me levanto da cama. Abro a porta
e olho para o corredor escuro. Tudo está muito calmo. Se eu for na ponta
dos pés, ele não me escutará.
Saio do quarto, dando passos pequenos e bem calmos. Na ponta dos
pés, desço as escadas e quando chego no primeiro andar, solto o ar que
estava segurando com medo de respirar muito alto. Ando até a cozinha,
acendo a luz do balcão da pia e pego um dos copos que lavei mais cedo.
Abro a geladeira e pego a garrafa de água bem gelada, derramando o
líquido dentro do copo e dou alguns goles até terminar. Repito o movimento
e encho o copo novamente. Guardo a garrafa e me viro, levando um susto.
Dimitri está parado a alguns passos longe de mim.
— Meu Deus! — Levo a mão ao peito e respiro forte. — Que susto!
— Desculpe! Não quis te assustar. Acho que esqueci que você
estava aqui. Pensamos na mesma coisa. — Aponta para o copo na minha
mão.
— Tudo bem... — digo, voltando a respirar normalmente. — Não
consegui dormir, acabei sentindo sede e desci.
Agora que o susto passou, percebo que ele está sem camisa, usando
apenas uma calça de pijama xadrez. Se eu tinha alguma dúvida de que ele
era grande, ela foi embora nesse exato momento.
Dimitri tem um peitoral liso. Uma barriga trincada, ombros largos e
bíceps fortes. Tem um V marcado que fica bem alinhado com o cós da calça
do pijama.
Acho que estou babando nesse exato momento.
Ele dá um passo na minha direção e então para bem na minha frente.
— Também senti sede. — Eu não consigo me mover nenhum
centímetro se quer.
Ele abre a geladeira e o vento frio que sai dela, me faz arrepiar.
Dimitri nota o movimento tímido que faço e então passa a mão no
meu braço, sentindo as bolinhas se formarem na minha pele. Ele não desvia
o olhar do meu em momento algum, nem mesmo quando pega a garrafa e
bebe a água direto dela. Depois de um longo gole, ele devolve o objeto para
dentro da geladeira, fechando-a, mas continua parado. Olhando para mim.
— Gosta do que vê, Srta. Olívia?
— Se está se referindo ao senhor, beber água direto da garrafa, não é
agradável. — Não sei como consigo formular uma resposta assim, já que
sinto meu cérebro derreter pela proximidade dele.
Ele ri alto, fazendo com que sua barriga se movimente e meus olhos
acabam indo em direção a ela.
— Me refiro ao que está olhando agora.
Sinto meu rosto arder. Devo estar vermelha, igual a um pimentão.
Dou um gole, terminando a água que ainda tinha no copo, tentando
hidratar minha garganta, que parece seca como o deserto, e o coloco em
cima da bancada. Faço um movimento para sair de perto, mas Dimitri pega
em minha cintura, me fazendo ficar imóvel ao olhar novamente para os seus
olhos verdes. Sua outra mão, que está livre, vai até meu rosto e sinto os
dedos ainda gelados nas minhas bochechas.
Passo a língua em meu lábio inferior e de repente, sem ao menos
esperar, Dimitri cola sua boca na minha. Ele segura minha nuca com
firmeza e me beija de um jeito como se dependesse disso para viver. Sua
língua invade a minha boca e encontra com a minha no meio do caminho.
Elas se abraçam e o beijo se torna mais necessitado. Tanto da parte dele,
quanto da minha.
Espalmo minhas mãos em seu peito e subo devagar até seu pescoço.
Sua pele é quente, assim como o beijo. Dimitri coloca a mão que estava na
minha nuca, em minha cintura e me tira do chão, me fazendo sentar no
balcão atrás de mim. Abro minhas pernas e ele se encaixa entre elas,
fazendo com que nossos corpos se juntem ainda mais. Ele se pressiona
contra mim.
Agarro sua nuca com as duas mãos e a aperto. Tentando o trazer
ainda mais para mim, como se quisesse que nossos corpos se fundissem.
Sinto suas mãos subirem de minha cintura até meus seios, que já tem os
bicos rígidos e sensíveis, querendo atenção. Sinto-os ficarem pesados.
Ele segura um dos meus seios sobre a blusa e aperta o bico entre o
dedo indicador e do meio. Eu gemo em sua boca e aperto mais ainda sua
nuca. Sua outra mão vai para a minha lombar e ele me puxa ainda mais para
ele, fazendo sua excitação encostar no meu sexo. Sinto seu tamanho e sua
dureza.
Definitivamente, ele é todo grande.
O tecido das roupas que usamos não é grosso e agradeço
mentalmente por isso. Enlaço minhas pernas em sua cintura e faço um
movimento com meu quadril, fazendo-o apertar ainda mais meu bico do
peito.
Ele desgruda nossas bocas e vai próximo ao meu ouvido.
— Se você não disser para eu parar, eu vou te levar lá para cima e te
foder a noite toda, Olívia. — Me arrepio com a sua voz grossa, e inclino
minha cabeça para trás, tentando voltar ao meu normal, mas não consigo.
Não enquanto ele beija meu pescoço e roça seu pau em minha boceta.
Ele é meu chefe. O chefe do meu chefe. Pode dar muitos problemas.
Trabalhamos juntos, nos vemos praticamente todos os dias. Iriam
fazer fofoca pela empresa e isso acabaria comigo, e apenas comigo, porque
ele é o dono.
Com esse pensamento em mente, eu o afasto, colocando minhas
mãos em seu peito.
— Acho melhor pararmos. — Minha respiração está mais pesada do
que nunca. — Isso não é... não é certo.
Dimitri se afasta lentamente, tirando suas mãos do meu corpo. Ele
respira tão forte quanto eu. Seu olhar é de surpresa. Talvez ele achasse que
eu deixaria as coisas acontecerem.
Ele não é o tipo de homem que recebe muitos nãos.
Sinto o olhar de Dimitri em cima de mim enquanto desço da
bancada e me recomponho. Saio de perto dele devagar e ando em direção às
escadas, mas antes de sumir pelo corredor, me viro para olhá-lo
— Isso não é uma boa ideia. — Ele nada diz, apenas dá um leve
aceno com a cabeça, concordando com o que eu disse.
Subo as escadas correndo e chego no quarto, trancando a porta para
não correr riscos, mesmo sabendo que ele não seria capaz de forçar coisa
alguma. Talvez o problema esteja em mim porque eu, com certeza, cederia
fácil se isso acontecesse novamente.
Passo as mãos no rosto, levando o cabelo todo para trás e digo para
mim mesma:
— Que porcaria!
Foi uma loucura, eu sei! Mas porra, que loucura gostosa do caralho.
Olívia é doce. O beijo foi uma coisa indescritível.
No dia seguinte, quando acordei e desci para tomar café, ela já
estava pronta, sentada em uma das cadeiras da mesa. Quando me viu, se
levantou, e apenas disse ‘Bom dia’, depois se sentou de novo e voltou a
mexer em seu celular.
Quando terminamos de tomar o café, fomos direto para a garagem e
entramos no carro, em total e completo silêncio. Se um alfinete caísse,
poderíamos ouvir seu barulho. Chegamos na empresa e antes mesmo de eu
desligar o carro, Olívia saiu correndo de dentro dele, indo em direção ao
elevador e sumindo lá dentro.
Não me arrependo de absolutamente nada.
Se pudesse, teria a levado para o meu quarto e teríamos tido uma
noite de muito sexo, porque ficou claro como a água, que ela também sente
muito desejo por mim. E sinceramente, não sou do tipo que gosta de
reprimir esse tipo de desejo.
Subi até o meu andar e me acomodei em minha sala, que é onde
estou nesse momento. Felícia abre a porta e me entrega mais papéis para
assinar, meus dedos estão ficando dormente de tanto fazer isso. Ela me
explica do que se trata e eu dou uma lida por cima, apenas para não sair
assinando tudo, já que sei que toda a papelada passa antes pelo meu setor
jurídico, que fica atento a tudo. Quando termino, devolvo todos os papéis e
ela sai da sala.
Me encosto nas costas da cadeira, meus pensamentos, a todo
instante do dia, estão voltando para ontem à noite com Olívia. Não paro de
pensar nisso. Ela me deixou tão excitado que eu conseguia sentir minha
calça molhada de pré-gozo.
Puta que pariu.
Quando ela envolveu minha cintura com as pernas e começou a
rebolar, roçando no meu pau, eu achei que não fosse aguentar.
Minha pergunta para ela foi proposital. Precisava saber se ela queria
ou não. Se ela deixaria acontecer ou não.
Por um momento, achei que ela deixaria se levar, subiríamos e
transaríamos a noite toda, mas quando ela disse não, confesso que as
minhas esperanças foram pelo ralo.
Me afastei e respeitei o seu desejo. Ela deve ter ponderado todas as
piores possibilidades. E de um modo ou de outro, não está errada, mesmo
que eu não deixasse que nada de ruim acontecesse a ela aqui dentro.
Nikolai entra na minha sala sem bater e me tira dos meus devaneios.
— Não bate não? — pergunto a ele, me ajeitando na cadeira.
— É bom, não é? Quando as pessoas invadem a sua privacidade. —
Caralho, que irmão é esse que eu tenho?
— O que foi? Qual é a reunião da vez?
— A reunião vai ser entre você e eu hoje, maninho. — Ele puxa a
cadeira e se senta. Eu franzo o cenho e cruzo os dedos em cima da mesa.
— Tem toda a minha atenção.
— Ouvi sobre o que aconteceu ontem...
— Olha, Niko, ela é adulta e solteira... — ele me interrompe.
— Espero mesmo que ela seja solteira, porque se voltasse para o
cara que recebeu um soco seu, eu a repreenderia.
— Como? — Ele está falando do quê?
— Você ontem deu um soco na cara do namorado dela. — Puta que
pariu, esqueci disso.
Balanço a cabeça em concordância, esperançoso de que ele não
tenha prestado atenção no que eu disse antes.
— Claro, claro! É ex–namorado, aliás. Já era ex antes de eu socar a
cara dele. Ela não me explicou muita coisa, mas não ia deixar que ele
fizesse algo com ela — explico, tentando me manter confortável com o
assunto.
— Fez certo! Apesar de essa ser a fofoca que anda pelos andares.
Ela me parecia abatida hoje, perguntei se estava bem e fez questão de dizer
que sim, mas eu sabia que não estava, então a dispensei mais cedo.
— Ela já foi embora? — Queria encontrá-la no elevador para, pelo
menos, sei lá, me desculpar, ou só sentir sua presença.
— Foi sim.
— Ótimo. Precisa mesmo de um descanso depois de ontem. Eu
disse àquele babaca que não queria o ver mais aqui, então acho que ele não
volta.
— Eu disse a ela que poderia ter nossa ajuda se ele voltasse a
procurá-la.
— Acho que seria prudente enviar alguns seguranças até o
apartamento dela? — De onde tirei isso?
— Como? — Franze o cenho. — Acho um pouco de exagero, não?
Quer dizer, a segurança dela é mais importante do que qualquer coisa, claro,
mas enviar seguranças seria um pouco demais. Além do mais, eu pedi para
que ela fosse até uma delegacia e pedisse uma medida protetiva contra ele.
Olívia é esperta, ela não vai deixar que ele chegue perto dela de novo.
— Se ele chegar, eu o mato.
— Dimitri, entendo o que sente. Eu sinto o mesmo, mas Olívia sabe
se cuidar, ela não é...
Não o deixo terminar a sua frase.
— Eu sei que não, mas mesmo assim.
Ele se levanta e coloca a cadeira no mesmo lugar que estava.
— Bem, eu vim apenas para falar isso com você. Caso você espere
encontrá-la no elevador de novo, não acontecerá hoje.
— O que você... — Franzo o cenho. Como ele fica sabendo das
coisas?
— Eu observo demais, Dimitri, só você que não percebe. — Niko
sai da sala, fechando a porta, me deixando de boca aberta pelo que falou.
Ele sempre foi assim.
Prefere observar tudo e a todos do que se meter em alguma coisa.
Sempre quieto e concentrado. Apenas olhando todas as situações de fora.
Esse é o Nikolai.

Hoje já é quinta–feira. Quinta–feira e não vi Olívia um dia sequer


nessa merda. Estou dentro do elevador, no 11º andar, com a maior cara de
cu do mundo. Nem eu entendo o porquê estou assim. Se quisesse vê-la, só
precisaria ir até o setor financeiro no meio do expediente que a encontraria,
mas não, sempre prefiro o modo mais difícil. Pelo menos, na questão
Olívia, o mais difícil é mais gostoso. E acho que é isso que mais me instiga.
A dificuldade que ela é.
As portas do elevador se abrem no 9º andar e duas moças entram.
Elas parecem não me reconhecer e de um modo confortável, gosto
desse fato.
— Não sei direito o que houve, mas andam dizendo por aí que a
secretária do senhor Nikolai está tendo um caso com senhor Dimitri — uma
delas diz e um alerta em minha mente desperta.
— A Olívia? Impossível! Ela não me parece ser desse tipo. —
Alguém me parece sensata na conversa.
— Ah, Márcia, acha mesmo que ela não aceitaria uma investida
daquele homem?
— Você já o viu alguma vez? — a mais sensata pergunta.
— Não, mas dizem que ele é um espetáculo de homem. Mais bonito
ainda que o irmão, mas não gosta de se misturar. — Verdade, me considero
um espetáculo. Mais verdade ainda, sou mesmo mais bonito do que Niko –
que ele não me escute falando isso. Meia-mentira, não é que não goste de
me misturar, apenas não levo jeito com pessoas.
— De qualquer modo, Débora. Não acho que seja legal ficar falando
uma coisa que não se sabe ao certo. Olívia sempre almoça junto comigo e
desde o acontecimento de segunda, ela anda meio abatida. Tem chegado
bem mais cedo e sempre pede para o senhor Nikolai a dispensar assim que
termina os afazeres. Ela me contou ontem que tem dado a volta no
quarteirão para ir para o outro ponto de ônibus. Essas coisas mexem com o
psicológico da gente.
Gosto de Márcia. Gosto mesmo. Sabe o que diz. Tem empatia.
As portas se abrem no térreo e ambas as mulheres saem. Desço até a
garagem pensando no que ouvi.
Ela tem chegado cedo, tudo bem, faz bem o feitio dela. Tem saído
assim que termina as coisas importantes, não tão comum, mas entendo o
seu lado. Tem dado a volta no quarteirão para ir para outro ponto de ônibus?
Isso me é estranho.
Andar de ônibus já não é uma coisa assim tão agradável, sei que
algumas conduções são bem precárias e tudo mais, mas andar a pé, uma
distância maior do que o normal, para enfrentar uma condução que já não é
boa, piora tudo.
Jesus! Preciso ir atrás dessa mulher.
Preciso saber se ela está bem mesmo.
Entro em meu carro e procuro no GPS os últimos destinos
pesquisados. Encontro o endereço dela e sem nem ao menos ponderar se é
certo ou não, sigo o caminho indicado.
Dirijo por mais ou menos uns quarenta minutos e chego em frente
ao prédio que Olívia mora. É pequeno. Do lado de fora, conto seis andares.
Tem uma grade branca e uma portaria espelhada. Não é feio. É bem
arrumado. É um bairro consideravelmente bom.
Aperto o botão da portaria no interfone e logo escuto a voz de um
senhor.
— Pois não.
— Olá, estou procurando por Olívia — informo.
— Sabe o andar senhor?
— Não, mas o nome completo dela é Olívia Castanheira. Ela é
morena, tem os cabelos um pouco abaixo dos ombros e sempre...
— Ah sim, a irmã da senhorita Lavínia. — Ele me interrompe.
— Isso mesmo. Lavínia é a irmã dela.
— Qual o nome do senhor?
— Dimitri. Dimitri Markova. Sou o chefe dela.
— Claro, só um momento. Vou verificar se ela está em casa.
O senhor desliga o interfone e espero até que ele me retorne, ou abra
o portão.
Olho mais uma vez para o alto, vendo as pequenas varandas dos
apartamentos, me perguntando qual será o de Olívia.
O senhor volta a falar comigo.
— Senhor Markova... Apenas a senhorita Lavínia está em casa. Ela
informou que a senhorita Olívia saiu e ainda não retornou.
Que merda!
Não adianta eu subir, não sei nem que horas ela pode voltar. E sem
contar que não conheço a irmã dela, seria desconfortável a minha presença
lá para ambas as partes.
— Tudo bem. Eu falo com ela amanhã. Obrigado de qualquer modo.
Volto para o meu carro e dirijo em direção à minha casa.
Mais um dia sem vê-la.
Mas amanhã, nem que eu fique plantado no setor de Niko, vou vê-
la.
Não sei bem por que menti ontem à noite quando Severino me ligou
dizendo que Dimitri estava no portão, me procurando. Não, quer dizer, até
sei. É meio óbvio. Estou fugindo dele. Durante esses dias tenho saído cedo
de propósito. Não quero vê-lo, não depois do que aconteceu em sua
cozinha. Aquilo foi um erro. Um erro gostoso? Sim, mas mesmo assim, um
grande erro. Sem chances de me envolver com alguém como ele. Não por
ele em si, mas por quem ele é. Chefe, dono, CEO... enfim...
Hoje será mais um dia em que vou evitá-lo. Por isso, estou uma hora
adiantada.
Como nos outros dias, adianto tudo que preciso e quando já não
tenho mais nada para fazer, peço ao Senhor Nikolai para ir embora. Ele
sempre deixa, mas está crente de que seja pelo fato de eu ainda estar
abalada pelo que aconteceu na segunda-feira. Sei que é errado, mas eu uso
disso para não ver Dimitri.
O setor ainda está vazio e isso é ótimo porque consigo fazer tudo na
mais plena calma.
Acendo as luzes da sala de espera, colocando minha bolsa na
cadeira e entro na sala do senhor Nikolai. Quando acendo a luz, dou um
grito de susto ao ver Dimitri sentado na cadeira do meu chefe.
— Finalmente consegui encontrá-la, Srta. Olívia.
— O que... O que está fazendo aqui essa hora? — pergunto, ainda
sem acreditar que ele está na minha frente.
— Estou tentando conversar com você há três dias, Olívia. Três.
Dias. Sabe como isso é frustrante para mim?
Ele me fita, ainda sentado confortavelmente na cadeira, se movendo
de um lado para o outro.
— Estive ocupada esses dias, desculpe-me — tento respirar
normalmente enquanto falo. — Seria algo sobre trabalho?
— Não. — Ele para de se mexer na cadeira. — Não é sobre trabalho
e você sabe muito bem disso. Se fosse, te mandaria a porra de um e-mail.
— O senhor parece irritado.
— Porque eu estou! — Ele se levanta da cadeira, apoiando as mãos
na mesa.
— Senhor Dimitri, se for para conversar sobre o que aconteceu... —
Ele vem em minha direção e calo-me, esperando o seu próximo movimento.
Ele empurra a porta, fechando-a e se põe em minha frente, me
deixando entre ele e a parede.
— Vamos conversar sim sobre o que aconteceu, mas será depois que
eu te beijar de novo.
Arregalo os olhos e então, Dimitri abaixa a cabeça e cola os nossos
lábios como da primeira vez. Fico tão surpresa com o ato, que mantenho
meus braços parados ao lado do meu corpo, sem tocá-lo.
O beijo quente que ele tem me consome e toda a preocupação e as
razões de evitá-lo, já não existem mais. Existe apenas ele e eu, com as
bocas coladas e as línguas dançando.
Ele segura a minha nuca e, carinhosamente, puxa meu cabelo, me
fazendo sentir uma dor gostosa no couro cabeludo. Dimitri aprofunda o
beijo e desce para a pele do meu pescoço. Eu arfo com o que ele faz. Sinto
sua barba cerrada roçar no meu pescoço e isso me faz arrepiar.
— Eu sei que é errado. Sei que, talvez, você não queira, mas não
pode mentir para si mesma e dizer que não gosta disso, Olívia.
Solto um gemido, ouvindo a voz dele em meu ouvido. Estou
começando a ficar excitada, sinto minha calcinha ficar molhada e pressiono
minhas pernas de leve, tentando fazer com que ele não perceba, mas não dá
certo. Dimitri olha bem no instante que faço o movimento.
Ele sorri de um jeito muito safado, o que me faz corar de imediato.
— Gostaria de fazer isso em um lugar mais confortável, mas se você
quiser fazer aqui mesmo eu topo. Vou adorar batizar a sala de Niko — ele
diz, com um fogo no olhar que me queima.
— Não! Claro que não. A gente não devia nem...
Dimitri ataca a minha boca de novo, me impedindo de continuar a
falar. Sua testa encosta na minha, a respiração quente tocando a minha pele
enquanto ambos lutamos para respirar.
— Nada vai acontecer com você. Eu prometo.
— Claro que vai. Todo mundo já está falando – engulo em seco,
murmurando de volta.
— Então vamos dar razão para que eles falem.
— Senhor Dimitri... — Não consigo fazer com que ele pare de me
beijar, assim como eu, não consigo parar de beijá-lo.
— Lutar contra isso só será pior, Srta. Olívia. Aliás — Para de me
beijar e me fita. —, eu fico cada vez mais excitado quando você me chama
de 'Senhor Dimitri'.
Ele me empurra mais contra a parede e sinto minhas costas
encostarem totalmente nela.
Estou sem saída.
Na verdade, não sei nem se quero mais sair.
Consigo sentir as mãos de Dimitri em minha cintura e fico cada vez
mais tentada a ceder a tudo o que ele quer. Posso estar cometendo o maior
erro da minha vida, mas esse homem é demais.
O cheiro, o toque, a boca, a respiração, a presença. É tudo demais.
E eu não vou resistir.
Não quero resistir.
Levo minha mão ao seu pescoço, meus dedos correm até sua nuca e
depois se enfiam em seu cabelo. Retribuo o beijo na mesma intensidade em
que sou beijada. Nossos corpos se colam e as mãos de Dimitri, que estavam
na minha cintura, descem até a minha bunda e ele a aperta, me deixando
ainda mais excitada.
Levanto minha perna de leve e ele a segura. Minha calça social é de
um tecido fino e consigo sentir perfeitamente sua ereção crescer. Junto
ainda mais nossos corpos para sentir absolutamente tudo.
Separo nossas bocas apenas para respirar, mas não me distancio
tanto. Percorro meu olhar por todo o seu rosto e memorizo todos os traços
do homem arrogante e metido que está à minha frente. Passo minha mão
por seu rosto carinhosamente e o puxo de volta.
Vou deixar para pensar nas consequências outra hora.
Cacete!
Que ideia brilhante que eu tive quando resolvi vir para a empresa
mais cedo. Pensei nisso durante a noite inteira, já que não consegui pregar o
olho, pensando nessa mulher.
Como eu sabia que ela estava chegando mais cedo, resolvi chegar
mais cedo ainda. Tive receio de chegar e ela já estar aqui, mas para a minha
sorte, tudo estava apagado. Claro que mantive do mesmo jeito. Ela levaria
um susto se chegasse aqui com tudo aceso e meu plano poderia ir por água
abaixo. Entrei na sala de Niko e me sentei em sua cadeira, apenas esperando
que ela chegasse.
Quando ouvi o som do elevador, sabia que seria ela.
Ajeitei-me na cadeira e apenas esperei. E quando ela abriu a porta,
levando um susto, senti vontade de rir, mas me contive.
Ela não vai mais fugir de mim. Eu sei o que quero. E sempre vou
atrás das coisas que eu quero.
Não quero forçá-la a nada, mas sei que ela quer tanto quanto eu.
Acredito que seja só questão de insistência – ou paciência, no caso da
minha parte.
E eu não poderia estar mais certo.
Olívia, de início, teve uma certa resistência no beijo. Mas agora, ela
já não se importa mais. E eu, muito menos.
Aperto sua bunda, querendo deixar meus dedos marcados nela. Sei
que quando ela tirar essa calça, vai ver a marca vermelha, e essa ideia me
deixa ainda mais excitado porque desse jeito, ela vai saber que não quero e
nem pretendo parar de fazer o que estou fazendo. Desgrudar minha boca da
dela, então, é completamente fora de cogitação.
Olívia é viciante.
Estou duro feito pedra. Só consigo imaginar o quanto ela deve estar
molhada e o quanto eu quero arrancar as roupas dela e meter muito em sua
boceta. Não tenho pensado em outra coisa depois do episódio na cozinha. E
depois de hoje, acho que vai ser impossível deixar de pensar.
— Olívia — digo, afastando um pouco nossas bocas — Tem certeza
de que não quer fazer nada agora? Porque, sinceramente, não sei se aguento
mais.
— Não pode querer que eu quebre duas regras no mesmo dia, Sr.
Dimitri.
— Ah, mulher! — Adoro quando ela me chama assim. Parece mais
proibido do que realmente é.
Ela solta um riso com a boca colada na minha novamente.
— A gente pode ir para a minha sala. Ninguém vai saber. Eu peço
para a Felícia ir dar uma voltinha.
— Eu... eu não posso concordar com isso. — Afasta seu rosto do
meu e respira fundo. — Não é que eu não queira, Dimitri. Na verdade, acho
que agora, o que eu quero é irrelevante diante do que já aconteceu. Mas eu
só...
— Tudo bem, eu entendo. — Escuto o som do elevador.
Niko.
Afasto-me de Olívia e ajeito o terno, ela passa as mãos na calça,
alisando-a, para ajeitar a roupa também.
— Me espera hoje. Vamos lá para casa.
Ponho a mão na maçaneta da porta e a abro, fingindo que nada
aconteceu.
— Então, senhorita Olívia, gostaria que me mandasse esses
documentos digitalizados. Acho que estamos tendo muito gasto de papel e...
Niko! Bom dia.
Ele para no meio do caminho e me olha com o cenho franzido.
Meu irmão pode não dizer o que pensa, mas eu sei. Está
extremamente surpreso em me ver aqui e a esse horário.
— Chegou cedo, irmão?
— Tive uma insônia e resolvi vir mais cedo. Cheguei e comecei a
trabalhar. Estava aqui conversando sobre documentos e assinaturas digitais
com a Srta. Olívia. Acho mais proveitoso e, claro, não afeta tanto o meio
ambiente. O que acha de começarmos a aderir isso?
Ele leva seu olhar para atrás de mim e já sei que Olívia está saindo
da sala. A olha de cima a baixo e isso me gera um certo desconforto.
Será que não notei antes e ele pode ter algum interesse nela?
Sempre muito afetuoso. Muito atencioso. Sempre se preocupando
com ela. Sem contar nas inúmeras vezes que ele mostrou completo
desagrado ao me ver junto dela.
— Bom dia, senhor Nikolai.
— Bom dia, Olívia. — Olívia? Desde quando ele a chama pelo
nome?
— O Sr. Dimitri deu uma ótima ideia, de fato. Hoje em dia é bem
comum.
— Eu sei como as coisas são hoje em dia. — Seu tom de voz não
parece muito amigável, mas o problema não é com ela, e sim comigo. —
Por que não foi direto no jurídico? Eles que cuidam disso. Aliás, acho que
já tem até assinaturas digitais prontas.
— Não fui porque queria falar primeiro com você, não é óbvio?
Ele continua com o olhar repreensivo, trocando de Olívia para mim.
— Srta. Olívia, poderia ir para a sua mesa? Gostaria que me
entregasse o relatório que te pedi ontem, quero dar uma revisada antes do
almoço.
— Claro.
Olívia sai do meu lado e vai direto para a sua mesa, sem olhar para
ninguém.
— Você, Dimitri. Vem aqui na minha sala.
Ótimo, vou levar sermão do meu irmão mais novo. Nenhuma
novidade quanto a isso. Pelo menos, ele preferiu fazer isso longe dos olhos
de Olívia.
Ele passa por mim sem falar absolutamente nada.
Entro na sala e Niko fica parado na porta. A fecha e então, sem
cerimônia nenhuma, joga a pasta em cima da mesa com uma força
desnecessária.
— Que merda acha que está fazendo? Não me diga que você está
transando com ela. Blya, Dimitri, kakogo khrena![16]
— Ei, não! Claro que não. — Ainda não. — Você já deixou muito
claro que não aprova essa ideia.
— Mas é óbvio que eu não aprovo essa ideia. Tá maluco? Isso pode
ser considerado como assédio. Quer levar um processo nas costas?
Niko está bem na minha frente. Ele tem a mesma altura que eu,
senão, poucos centímetros menor, mas não faz diferença nenhuma.
Ele está visivelmente puto e começo a acreditar piamente no que
pensei antes.
— Eu sei o que estou fazendo, Niko.
— Não, você não sabe! Você só pensa com a porra da cabeça do seu
pau. É incapaz de manter ele dentro das calças quando se trata de uma
mulher bonita.
Ele a acha bonita? Nunca vi Niko elogiar alguém assim tão
abertamente.
— Você está interessado nela? — Se estou curioso para saber, nada
melhor do que perguntar, não é mesmo?
— O quê? É claro que não, que absurdo é esse. Ela é a minha
secretária. Não fala merda.
— Então por que isso tudo? Ela é a sua secretária aqui dentro, lá
fora é outro assunto.
— É ótimo saber que você não se importa nem um pouco em
misturar o profissional com o pessoal.
— Eu sei dividir as coisas.
— E quanto a ela? Já parou para pensar que talvez ela não saiba
separar? Além do mais, tem outras questões envolvidas...
Ele passa por mim para sentar-se em sua cadeira.
— Que questões?
— Não é nada, deixa para lá.
— Você começou, você termina.
— Já falei que não é nada. Agora vai embora. Vou falar com o
jurídico para resolverem as questões das assinaturas digitais.
Ele liga o notebook e sua atenção agora é total e completa do
aparelho.
Saio da sala e passo por Olívia, que mantém a cabeça abaixada.
Chego perto dela e digo:
— Me espera. Vamos conversar.
Pisco um olho e vou embora.
Vou embora pensando em duas coisas. Olívia comigo esta noite e no
que Niko disse.
Que malditas questões são essas?
Desço para a garagem faltando alguns minutos para às dezoito
horas. Preferi esperar Olívia lá embaixo. Acho que se a encontrasse no
elevador, poderia começar o que tenho em mente, ali mesmo. Não seria uma
boa coisa, já que o que ela mais preza é a discrição.
Entro no meu carro e mando uma mensagem para ela.
Eu: Já estou na garagem. Me encontra no meu carro.

Olívia/Alicia (secretária do Niko): Tudo bem. Já estou descendo!

Espero pacientemente até ela aparecer.


Passei o dia inteiro com o comentário de Niko na minha cabeça.
Odeio quando recebo informações pela metade. Nesse caso, pareceu que ele
não queria dizer nada, apenas soltou e depois viu que tinha falado o que não
devia. O que só me faz pensar ainda mais no assunto.
O que ele quis dizer com 'outras questões envolvidas'? Sei que ele
odeia envolvimentos dentro da empresa. Não que ele odeie qualquer
envolvimento. Acho que ele odeia os meus. Mesmo esse sendo o primeiro –
e último –, já que o caso de Olívia é uma exceção. Uma exceção que eu
abro com todo o prazer.
Tentei pensar em absolutamente tudo, puxar da memória algo que
ele possa ter me dito antes e eu não prestei atenção. Pensei até em perguntar
para Olívia se ela sabia de alguma coisa, mas, sendo racional, ela pode estar
envolvida, já que o assunto surgiu através da conversa sobre ela. E talvez,
esse fato seja o pior.
Batuco meus dedos no volante e volto a pensar nas palavras de
Niko.
Mas que droga! Logo hoje?
Assusto-me quando ouço dedinhos batucarem no vidro do carro.
Olívia está parada ao lado da minha porta, olhando para os lados.
Como se estivesse fazendo uma coisa errada. Errada, errada, não é, mas eu
entendo o lado dela.
Faço sinal para que vá para a porta do carona e a vejo dar a volta.
Está tensa, só de olhar já consigo perceber. Olívia entra bem rápido e fecha
a porta. Contudo, ela não olha para mim, se mantém com o olhar para
frente.
— Acho que isso pode ser um erro, senhor Dimitri.
— Primeiro — digo, olhando para o relógio em meu pulso. — O
expediente já terminou, então, nada de 'senhor', Olívia. Por mais que eu
goste quando você me chama assim. Segundo a gente vai conversar sobre
esse erro. — Faço as aspas quando digo a palavra.
— A gente ia conversar hoje de manhã, e bem... As coisas ficaram
um pouco quentes — ela diz, mas não vira o rosto para me olhar em
momento algum.
— Talvez essa seja a minha estratégia.
Dou partida e saio do prédio em direção à minha casa.

Entro em minha casa e peço para Olívia ficar à vontade.


Por mais que ela tenha ficado tensa o caminho todo, tento ao
máximo não tornar isso um bicho de sete cabeças.
Ela adentra a sala e se senta no canto do sofá preto, um tanto quanto
acuada, mas, na verdade, acho que é mais a sua timidez do que qualquer
coisa. Retiro meu terno e o coloco nas costas do mesmo sofá e me sento na
sua frente, em cima da mesinha de centro de mármore escuro. Apoio meus
cotovelos nos joelhos e enlaço meus dedos, fitando-a até que ela olhe
diretamente para mim, uma coisa que ela não fez em nenhum momento
desde que saímos da empresa.
Olívia respira fundo, mordendo o lábio superior e por fim, não
aguenta e põe o olhar no meu. Dou um leve sorriso de vitória.
Ela carrega uma preocupação no olhar que me incomoda demais.
Como já falei, eu entendo o que possa se passar na cabeça dela,
mas eu já garanti que nada, absolutamente nada, vai acontecer. Não vai ser
algo que vamos expor para que os outros possam fofocar a respeito. Tudo
bem que sempre tem um ou outro que começa a ter ideias e cogitar coisas,
mas acho que conseguimos viver com isso.
— O senh... — Ela pressiona os lábios, como se estivesse se
recriminando. — Você. Você disse que quer conversar.
— Sim, quero. Estava só esperando você olhar pra mim, para... Você
sabe, eu não falar sozinho.
— Desculpe, Dimitri. – Tenho vontade de sorrir quando ela diz meu
nome. — Eu só... eu não...
— Olívia, o que aconteceu na outra noite, na minha cozinha. Você
quis? Ou eu fui muito...
— Não! — ela se apressa a dizer. — Eu achei meio... estranho no
início, mas depois eu também quis, foi como se meu corpo...
— Pedisse por aquilo — concluo.
Ela assente com a cabeça.
— E hoje? Como se sentiu? — Estou me sentindo um psicólogo.
— Do mesmo jeito que da última vez.
Meu sorriso se alarga e eu me inclino mais em sua direção.
Ela tem um cheiro gostoso. Lavanda, talvez. Respiro, tentando
memorizá-lo. Olívia permanece estática, não mexendo um músculo sequer.
Apenas respira muito fundo e sei disso porque consigo ver seu peito subir e
descer.
— Quer repetir? — Poderia simplesmente beijá-la? Sim. Sei que ela
não negaria, mas eu prefiro ter certeza de que isso é recíproco.
Ela não responde. Vem em minha direção e dessa vez, é ela quem
me beija, colocando as mãos em meu pescoço e, como de manhã, leva meu
rosto para si. Colo minhas mãos em sua cintura e em um único movimento,
puxo-a para o meu colo. Sei que a mesinha de centro aguenta nós dois, mas
também se quebrar, eu estou pouco me fodendo para isso.
Olívia não se senta de imediato em meu colo. Permanece com os
joelhos apoiados na mesa, um de cada lado do meu quadril, beijando minha
boca com paixão. Nossas línguas dançam numa sincronicidade que nunca vi
antes. O gosto de Olívia é surreal. Já é a terceira vez que nos beijamos e
parece que a cada vez, ela tem um sabor diferente.
Levo minhas mãos até a sua bunda e aperto-a com gosto, Olívia
geme e separa nossas bocas para respirar e retirar o seu terninho preto, e eu
a ajudo com isso.
A olho atentamente e começo a reparar em cada traço de seu rosto.
Ela tem sobrancelhas tão escuras quanto o seu cabelo e são grossas. Os
cílios são grandes e fazem seu olhar ficar ainda mais bonito. Pego-me
fazendo notas mentais para não esquecer de nada.
Ela se senta em meu colo, colando nossos sexos e começa a fazer
pequenos movimentos de vai e vem. Meu pau, que já estava ansioso, agora
baba sem parar por conta dessa mulher.
— Você é uma safada, Srta. Olívia. — Dou um sorriso safado.
— Cala a boca, senão eu vou embora e mudo de ideia.
— Adoro ameaças. — Tomo a sua boca novamente e me levanto da
mesa.
Olívia enrosca suas pernas em minha cintura e escuto o barulho de
seus sapatos caírem no chão.
Subo as escadas, carregando-a até o quarto que ela dormiu na outra
noite e quando chego lá, caímos na cama, comigo por cima dela. Sem
desgrudar nossos lábios, um único minuto sequer.
Sinto as mãos de Olívia puxar minha blusa de dentro da calça e
desabotoá-la. Passando as mãos por dentro, ela retira a peça de roupa,
jogando-a no chão. Ela fecha mais as pernas em torno da minha cintura e
faz com que meu quadril se cole mais ao dela. Meu pau já está duro feito
pedra e ela consegue sentir toda a minha excitação. Estou cada vez mais
louco para entrar nela. Nem sei como é a sensação, mas tenho certeza de
que vai ser bom para um caralho.
Afasto-me um pouco e Olívia solta um som de reclamação pelo
feito.
Coloco minhas mãos no cós da sua calça e vou direto ao botão,
desabotoando-a. Abro o zíper e desço a peça, vendo sua calcinha preta. É
uma calcinha simples, mas é pequena e marca muito bem a forma de sua
boceta.
Minha boca enche de água.
Passo a língua no lábio inferior e sorrio feito um pervertido. Olho
para a Olívia, ela está com o rosto corado e sua respiração é rápida e
ofegante.
Debruço-me novamente e dou beijinhos em seu rosto para tentar
aliviar a tensão que ela possa estar sentindo. Chego perto do seu ouvido e
digo:
— Você não tem noção do quanto eu queria te ver assim, Olívia.
Desde a noite na cozinha, isso é a coisa que mais quero. — Desço até a pele
de seu pescoço e ela se arrepia.
Coloco-me de joelhos e começo a abrir sua blusa, botão por botão.
De cima para baixo. Quando termino, tenho uma visão magnífica do seu
sutiã preto que combina com a calcinha.
Puta merda! Que delícia! Como ela é linda.
Meu pau dói dentro das minhas calças. Preciso liberá-lo.
Olívia se inclina para frente e se coloca sobre os seus cotovelos, me
olhando na mesma intensidade que eu a olho. Uma guerra silenciosa. Uma
guerra de prazer e desejo.
Ela pega impulso e se põe sentada na minha frente. Sem vergonha
alguma, desafivela meu cinto, abre o botão e desce o zíper. Abaixa minha
calça e lambe o lábio inferior quando vê meu tamanho na cueca. Levanto-
me apenas para deixar que a peça caia até os meus pés e eu a jogo com o
restante das roupas que já estão no chão.
Aponto para Olívia e ela entende que é para tirar a blusa dela
também, já que ainda permanecia presa em seus ombros apesar de aberta.
Ela logo o faz, jogando-a com as demais peças.
— Agora está mais justo. Ambos só de roupa íntima. — Dou um
sorriso e volto para cima da mulher em minha cama.
Continuamos a nos beijar, mas sinto toda vez que Olívia sobe
levemente o quadril em direção ao meu, sentindo minha extensão. Ela está
tão sedenta quanto eu.
Beijo seu pescoço e desço uma das alças do seu sutiã, o bastante
para deixar um mamilo exposto. Sem demora, abocanho-o, dando
mordidinhas e lambidinhas. Ele tem uma tonalidade rosa, que se torna
vermelha com as minhas carícias. Olívia geme e inclina a cabeça para trás,
me dando chance de descer a outra alça e dar atenção ao outro seio.
Acho que nunca mamei em peitos tão gostosos como os dela.
Ela se desvencilha das alças que estavam na metade dos seus braços
e passa as mãos em minhas costas, arranhando-as de leve com as suas
unhas. Aperto seus seios e os mamo com mais intensidade, fazendo com
que ela gema mais. Desço uma de minhas mãos pelo seu corpo, passando
por sua cintura, sua barriga e chegando até a sua virilha, tocando sua
calcinha. Enfio meus dedos por dentro do tecido e já consigo sentir o calor
de sua excitação.
Olívia está encharcada.
Meu dedo desliza por seus grandes lábios, pressionando seu ponto
mais sensível que já está duro e ouço seu gemido aumentar. Ela dá uma
reboladinha gostosa em meu dedo.
Escorrego meu dedo, um pouco mais, chegando até seus pequenos
lábios, que estão escorregadios e então, paro bem em sua entrada. Enfio o
dedo dentro dela e faço um movimento de vai e vem deixando-a mais louca.
Seu gemido sobe uma oitava e me deixa cada vez mais ansioso para fodê-la.
— Dimitri... — Olívia geme meu nome e eu desço meus beijos por
seu pescoço. Passo por seus seios e sua barriga, chegando perto de sua
virilha, sentindo-a tremer.
Paro de fazer carinho em seu clitóris e paro entre suas pernas,
colocando-me de joelhos entre elas. Seguro as laterais de sua calcinha e
desço-a de uma só vez. Inclino-me e dou beijos no interior de suas coxas,
seguidos de algumas lambidas até próximo à sua virilha e já consigo sentir
o cheiro de sua excitação.
— Ah, Olívia, quero muito meter meu pau nessa boceta, mas antes
eu preciso sentir o seu sabor, kroshka.
Ela abre as pernas, me dando total acesso. E esse é o sim que eu
precisava.
Separo seus grandes lábios e chego a ter vontade de chorar quando a
vejo por dentro.
Gospodi[17], que boceta gostosa!
Estou com a boca aguando por ela.
Sem demora, passo minha língua pela sua fenda e ela arqueia o
corpo, sentindo o calor da minha língua.
Sua excitação escorre por seus lábios. Tem um sabor doce, mais
doce do que seu beijo. Dou outra uma pincelada com a língua e me farto de
sua boceta.
Passo a língua pelos lábios, tanto os grandes quanto os pequenos.
Subo até seu clitóris e brinco com ele também enquanto escuto suas
súplicas em forma de gemidos. Insiro novamente um dedo dentro dela e
tenho certeza de que ela acaba de ir ao céu e voltar. Insiro mais um e meus
movimentos aceleram. O barulho molhado que sai dela é muito gostoso.
Lambuzo-me todo.
Respiro seu cheiro para memorizá-lo e volto a chupá-la.
Olívia começa a se mexer, como se quisesse se livrar da minha boca
por todas as sensações serem demais e eu a seguro pela cintura, impedindo-
a de se afastar. Aumento a frequência das lambidas e a escuto murmurar
alguma coisa que não entendo, mas que me parece uma súplica.
— Dimitri, eu vou... — Arqueia mais o corpo e as pinceladas, que já
estavam rápidas, triplicam de velocidade. Ela geme mais alto e começa a
tremer. Eu não paro com as investidas da minha língua e dos meus dedos, e
ela solta um choramingo de puro prazer.
Seu líquido quente atinge minha língua e eu bebo dela, como se
estivesse bebendo uma taça do melhor vinho já produzido na França.
Não desperdiço nada.
Subo meu corpo para poder beijar sua boca e fazê-la sentir seu
próprio gosto. Ela me devora ao tocarmos nossos lábios.
Ela queima por dentro. Jamais imaginaria isso.
A julguei pela capa, mas agora que abri o livro e vi o quanto ele é
maravilhoso, não quero e não vou parar de lê-lo.
Sua respiração está ofegante, mas ela não para de me beijar e de
esfregar seu quadril no meu.
— Preciso de você dentro de mim, Dimitri. Agora.
Seu pedido é uma ordem, knyaginya[18].
Me separo dela e vou até ao aparador na parede, abrindo uma das
gavetas e pegando uma camisinha. Volto afoito ao seu encontro, já tirando a
minha cueca. Pareço a porra de um adolescente fodendo pela primeira vez.
Olívia tem os olhos atentos em mim.
Vejo que ela engole em seco quando fita meu pau.
O envolvo em minha mão antes de colocar a camisinha e massageio-
o com movimentos de vai e vem. Estou quase explodindo, mas quero a
deixar com muita água na boca.
Não desvio o olhar do rosto de Olívia em momento algum. A feição
dela de desejo é sem igual. Ela passa a língua no lábio inferior, abre mais a
perna e faz disso, um convite para que eu me aproxime mais.
Encapo meu pau e me deito em cima dela, posicionando-o bem na
sua entrada.
Ela me dá um beijo delicado e eu entro de uma vez só. Olívia solta
um som gostoso e agarra meus braços, quase cravando suas unhas em
minha pele. Fico um tempo parado, para que ela se acostume com o meu
tamanho. Continuo a beijá-la e então, os movimentos continuam.
Lentamente, começo a sair e entrar dela algumas vezes.
Separo-me do beijo e vejo Olívia fechar os olhos e sorrir de prazer.
Começo a aumentar a intensidade das investidas e ela começa a gemer mais
alto. Continuo a fitá-la, apenas assistindo a cena maravilhosa que é essa
mulher inclinar a cabeça para atrás, abrir a boca e arfar deliciosamente
enquanto eu afundo meu pau inteiro dentro dela.
— Que boceta gostosa, Olívia — digo entre os dentes, me
segurando para não gozar rápido.
Inclino-me, chegando perto de seu ouvido.
— Se eu soubesse que você era tão deliciosa assim, teria te notado
antes.
Invisto mais uma vez com força e ela arfa novamente.
Continuo com o movimento voraz e ela diz:
— Eu vou gozar de novo. Não para!
— Vamos juntos então. — Aumento mais ainda as investidas.
Estou suando feito não sei o que, parece que eu acabei de sair do
chuveiro.
Sinto as paredes de Olívia me pressionarem e ela começa a ter
espasmos. Sei que gozou, pois teve a mesma reação de quando a chupava.
Invisto mais um pouco e não demoro para me liberar dentro do
látex.
Urro de prazer quando o faço e sinto meus músculos falharem. Caio
na cama ao seu lado e ambos permanecemos deitados, em silêncio, olhando
para o teto, buscando ar para nossos pulmões.
Escuto a respiração de Olívia se estabilizar e me viro para ela. Está
com os olhos fechados e me pergunto se dormiu ou se apenas está naquele
momento relaxante depois do prazer.
Passo o dedo em seu braço e ela se assusta, virando o rosto em
minha direção. Arregala os olhos e como se estivesse surpresa, se levanta
rápido e acabo fazendo o mesmo, me assustando.
Olívia vai em direção às roupas jogadas no chão e começa a catar as
peças que lhe pertencem.
— O que está fazendo?
— Indo embora. — Me olha como se estivesse dizendo o óbvio.
— Por quê?
— Porque... — Me olha confusa e franze o cenho. — Bem, não é
segredo que o senh... que você não costuma passar a noite com quem transa.
— Quem foi que falou uma merda dessa para você? — Tudo bem
que não quero nada sério com ninguém e também não costumo passar a
noite com as mulheres com quem saio, mas também não sou esse cafajeste
que todo mundo pensa. — Para de palhaçada e volta para a cama, Olívia.
Amanhã eu te levo em casa, depois do almoço, de preferência. — Bato no
colchão, no lado que ela estava deitada e volto a me deitar.
— Mas...
— Mas nada, Olívia. Vem, você precisa descansar. Muita coisa
ainda vai acontecer essa noite. — Esboço um sorriso safado, sentindo meu
pau ganhar vida novamente.
Olívia continua parada com as roupas nas mãos, ponderando se fica
ou se vai embora.
Acabamos de fazer um sexo maravilhoso e o pensamento dela ainda
não mudou em nada.
É uma merda mesmo quando as primeiras impressões são as que
ficam.
Ela olha de novo para as roupas que segura e então as joga no chão,
voltando a se deitar no mesmo lugar de antes.
Quero aproveitar cada pedaço de Olívia.
Ela ir embora agora, não é nem de longe, uma opção para mim.
Ando pelo corredor do segundo andar da casa de Dimitri e desço as
escadas, sentindo um cheirinho gostoso de comida.
Acordei cheia de fome e quando olhei para o relógio em cima do
aparador, levei um susto ao constatar que era quase uma da tarde. Não foi à
toa que o ronco do meu estômago me acordou.
Chego na cozinha e vejo a mesa posta com pratos, copos e talheres.
Dimitri está sentado na cadeira próxima ao balcão, que dá vista para a sala
de estar, com o jornal aberto diante de si.
Acho engraçado o modo como está sentado.
De pernas cruzadas, segurando o papel bem à sua frente – jornal em
papel, há quanto tempo não vejo isso. Ele está usando uma calça de pijama,
mas não é a mesma da última vez que estive aqui. Essa é toda preta e parece
ser um moletom.
Dimitri não percebe a minha presença, pigarreio e ele abaixa o
jornal com rapidez. Me olha de cima a baixo e levanta uma sobrancelha.
Deve estar se perguntando por que estou usando sua camisa social.
Bem, eu até podia usar a minha, mas aí, achei que faria mais sentido
– e seria mais rápido –, do que vestir toda a minha própria roupa de novo.
Então, assim que levantei, peguei a sua blusa que estava no chão – com as
outras roupas – e minha calcinha, e vestindo-as.
Ela ficou como um vestido em mim, tapando o que tem que tapar.
— Essa blusa fica ótima em você. — Ele fecha o jornal e o dobra ao
meio, colocando-o em cima da mesa. Me aproximo e olho para o papel, não
entendendo nada do que está escrito.
— Não é do Brasil. É da Rússia. Gosto de me manter informado
sobre as coisas que acontecem por lá.
Assinto com a cabeça e olho, novamente, para a mesa arrumada.
Dimitri se levanta, passando por mim e indo em direção à sala. O
sigo, olhando atentamente cada detalhe que não vi na primeira vez em que
vim aqui.
Sento-me em uma poltrona terrivelmente macia.
Passo a mão em seu estofado e sinto vontade de me esfregar inteira
nela de tão gostosa que é. Mas me controlo para não parecer uma louca.
Mantenho-me em silêncio, olhando para cada canto da sala. Vendo a
mobília perfeitamente posicionada.
Não é possível que esse homem tenha decorado tudo! Não faz muito
o estilo dele decorar.
Como se lesse meus pensamentos, ele diz:
— Quem arrumou tudo foi a minha irmã. Ela tem uma empresa de
decoração e, sei lá, design de interiores, eu acho. Ela arrumou aqui e a casa
de Niko. Só a do dedushka, que não. — Ele me olha sem saber que acabou
de responder a minha pergunta mental.
— O que significa isso?
— O quê?
— Essa última palavra que você falou.
Ele me olha e ri.
— Dedushka? — Balanço a cabeça em um sim. — Significa avô.
— É aquele senhor que estava no seu escritório, no dia que fiquei no
lugar de Felícia? — Ele faz uma cara de dúvida, como se não se lembrasse,
mas logo abre a boca em um 'ah' e confirma.
— Ele mesmo.
— É uma casa muito bonita. Você tem muito bom gosto — me
corrijo — Sua irmã tem muito bom gosto.
— Ela decorou, mas quem escolheu a casa, fui eu. E escolhi as cores
também. Quebrei aquela parede ali. — Aponta para onde tem o balcão que
quase parece uma cozinha americana. — Queria mais luz na cozinha.
Pensei em quebrar a outra, mas o arquiteto disse que era uma coluna e a
casa poderia cair, preferi não morrer. — Dou uma risada com sua fala.
— Você tem bom gosto de fato. E jamais imaginei você com uma
marreta na mão, quebrando uma parede, sem blusa e todo suado. — De
repente, sinto um calor no meio das pernas ao criar a imagem em minha
mente. Pressiono um pouco as pernas, tentando ser o mais discreta possível
e vejo um meio-sorriso no rosto de Dimitri e já sei que ele percebeu o que
acabou de acontecer, mas não diz nada.
Desvio o olhar e volto a observar o restante da sala, que é enorme.
Acho que o meu apartamento inteiro cabe aqui dentro e olha que onde moro
hoje é o maior lugar em que já morei. De fato, não reparei em muita coisa
na última vez que vim. Acho que a luz do dia deu um up em tudo, que já era
deslumbrante.
Dimitri se encosta no sofá e ergue as mãos, colocando-as atrás da
cabeça. Levanta as pernas e coloca os pés em cima da mesa de mármore
que fica no centro. Não consigo controlar meus olhos e passo-os por todo o
seu abdômen perfeitamente esculpido. Seu peitoral, os bíceps, as veias nos
braços.
Puta merda!
Claro que é meio ridículo, já que não é a primeira vez que o vejo
sem blusa, mas é como se fosse sempre uma surpresa vê-lo assim. Ele é
lindo. Não tem nem como fingir que não. Com certeza passa horas e horas
dentro da academia. Tem que passar, isso explicaria muito a desenvoltura
dele ontem na cama. Acordei quebrada. Não que isso seja uma reclamação,
bem longe disso, mas ele acabou comigo.
Durante a noite, acordamos e transamos de novo e parecia que
estava sendo a primeira vez, porque a fome que ele teve foi surreal. Gozei
pelo menos umas três vezes e isso foi surpreendente.
Acho que transei com caras ruins a vida toda. Nenhum deles sabia o
que estava fazendo. E agora, com certeza, eu terei muitos problemas, já que
o meu padrão subiu depois de Dimitri. Definitivamente, será um problema,
porque ele não costuma manter relacionamentos, e de alguma forma, isso
me incomoda um pouco.
Eu sei bem a fama que ele tem e bem, aceitei transar com ele, mas
acho que isso é um problema para o futuro. Não quero pensar nisso agora.
Quando acabar, acabou e pronto. Não tenho problema em ter sexo casual. É
tão normal e muita gente vive assim. Além do mais, não espero mesmo que
ele vá cair de amores por mim, assim como eu também não vou cair por ele.
— Quais são os seus planos para hoje? — Dimitri diz e me tira dos
meus pensamentos.
— Como? — Meus planos? Como assim?
— Vai fazer alguma coisa hoje? — Eu acredito que ele pensa que eu
sou algum tipo de débil mental.
Toda vez que precisa repetir alguma pergunta, ele usa um tom de
voz que eu detesto. Do tipo "Qual a dificuldade em entender uma simples
pergunta?"
— Acho que só ir para casa — respondo-o. — Depois,
provavelmente irei dormir e só.
— Pode dormir aqui. Se quiser, é claro. Se bem que dormir, seria
uma coisa que quase não faríamos.
Não é possível. Ele não cansa?
Tudo bem que fiquei excitada segundos atrás com imagem dele
usando um capacete de obra e uma marreta na mão, mas ele acabou de me
oferecer mais uma noite de sexo igual ao de ontem, não foi?
— Acho melhor eu voltar para casa. — Acho mesmo?
Levanto-me da poltrona e ando em direção ao corredor.
— Olívia! — Dimitri me chama e eu me viro para olhá-lo.
A luz que entra pelas janelas faz a imagem dele parecer uma pintura.
Ele está levemente inclinado para a frente, com os cotovelos apoiados nos
joelhos e com os dedos entrelaçados bem à sua frente, me fitando.
É tão lindo!
— Obrigado pelo elogio. — Jesus! Eu disse isso em voz alta?
Cacete!
Comprimo os lábios e fecho os olhos, tentando fingir que não
cometi essa gafe. Tudo o que eu não preciso agora é de ele pensar que eu
estou, sei lá, me apaixonando, porque isso é categoricamente proibido.
Me viro para continuar o caminho que ia fazer e então ele diz:
— A gente pode almoçar. — Ele aponta para a direção do fogão e só
agora eu percebo que está ligado. — E hoje é sábado. Você tem alguma
coisa de importante para fazer em casa?
— Eu gosto de ficar em casa sem fazer nada.
— Pode fazer nada aqui.
Ele fala com tanta naturalidade que no fundo, me sinto assustada.
Não imaginei que ele fosse assim. De tudo que já ouvi, ele ser atencioso
desse jeito, era a última coisa que pensaria. Para mim, era simplesmente
transar e ir embora.
— Para de pensar em tudo que já ouviu sobre mim. Não sou o que
pintam. Se eu gosto de transar? Com certeza. Mas trato bem as mulheres
com quem me envolvo. Não que o envolvimento dure muito, mas trato-as
bem, acho que é o mínimo. Não vai ser diferente com você. Além do mais,
estou com preguiça de te levar em casa.
— Eu posso ir de ônibus, não tem problema. — Por que estou
tentando fugir dele? Nem tudo o que dizem é verdade e de uma forma ou de
outra, ele está provando isso com as suas atitudes. Ou as tentativas.
— O ponto mais próximo fica longe. Você teria que andar pelo
condomínio até chegar na guarita e corre o risco de dar de cara com Niko
enquanto ele está com Yelena e Natasha.
Quem? Yelena e Natasha?
Franzo o cenho e Dimitri solta uma gargalhada, notando que não
faço ideia do que ele diz.
— Yelena e Natasha? — Sei que ele sabe que eu não sei quem são,
mas pergunto mesmo assim.
— As filhas dele.
— FILHAS?? — O senhor Nikolai tem filhas e eu nunca soube?
Durante esses três anos?
Outra gargalhada sai alto de sua boca e noto que ele falou isso de
pura sacanagem.
— As cachorras dele. São duas cachorras da raça Pastor-do-
Cáucaso. Elas são enormes. Lindas demais.
Levo a mão ao peito, aliviando o susto e ele continua rindo da
minha reação.
— Não teve graça nenhuma. Podia ter falado logo que eram os pets
dele. E na realidade, eu nem sabia que ele tinha cachorros. Nunca falou
nada a respeito — confesso. — E outra, isso não é nem nome de cachorro.
Claro que eu ia pensar que eram pessoas.
— Olívia, somos russos. Dá um desconto, né?! Sem contar que ele
gosta da Marvel e as duas heroínas que carregam esses nomes, são russas.
Então faz um certo sentido — ele explica.
— Isso, eu sei. A coisa mais estranha que ele já me pediu, foi
comprar os ingressos do último filme da franquia na pré-estreia e eu quase
não consegui.
Me lembro de quase não conseguir os ingressos. Foi uma loucura. O
site ficou congestionado durante horas e eu comecei a entrar em pânico
quando vi que não conseguiria comprá-los. Tive que pedir a ajuda de
Lavínia, que conseguiu em dois tempos com um amigo dela. Ele pagou o
dobro pela entrada, e nunca soube disso, mas pelo menos, estava na
primeira sessão do pré-lançamento.
— Vai ficar ou prefere vê-lo e responder as milhões de perguntas
que ele fará a você?
Qual a minha melhor opção?
Ficar aqui e ter um dia completamente atípico com o meu chefe, que
parece não fazer nem ideia de que é meu chefe, ou dar de cara com o meu
outro chefe, que fará cara feia se sonhar que estive aqui, ainda mais que
estive aqui em uma noite quente, regada a sexo com o outro chefe, que é
seu irmão? Meio confuso, não é? Muitos chefes envolvidos nisso tudo.
Dou de ombros e volto devagar para a poltrona em que estava
sentada. Dimitri sorri e volta a ficar confortável no sofá.
— Bem, não sou um chef de cozinha, mas sei me virar. Espero que
goste de macarrão à bolonhesa. — Arregalo os olhos. — O quê? Também
nunca me imaginou de avental?
Balanço a cabeça em negativa e mais uma vez, minha mente cria
uma imagem dele apenas de avental, segurando um rolo de macarrão.
Talvez fosse melhor enfrentar Nikolai e as suas perguntas do que a
minha imaginação.
Terminamos de comer já faz uns minutos e agora estou lavando a
louça, como disse que faria.
Olívia adorou o macarrão. Não sou, de fato, tão bom assim na
cozinha, mas aprendi alguns truques com Vera e dedushka, que nos ensinou
a como nos virarmos em qualquer situação, mesmo tendo pessoas para fazer
as coisas para a gente, quase que o tempo todo.
Ele sempre dizia que aquilo poderia acabar um dia e então teríamos
que nos virar sozinhos. Então, aprendemos as coisas. Simples assim.
Olívia mexe no celular, sentada na mesa.
Ela disse que iria avisar à irmã que iria para casa apenas no
domingo. Confesso que sorri por dentro quando ela aceitou ficar aqui.
Gosto da sua companhia.
Eu posso ter mentido um pouco quando falei que não sou
exatamente o que pintam de mim.
Não é que eu trate mal as mulheres com quem saio, muito pelo
contrário, mas ela é a primeira que eu peço para ficar mais tempo. E a
primeira para quem cozinho. Então, acho que não posso considerar isso
uma mentira.
Termino de lavar tudo e deixo em cima da pia. Volto a me sentar
junto a ela, que agora fala ao telefone, provavelmente com a sua irmã.
— Está tudo bem sim. Amanhã. Sério? — Franze o cenho e quase
junta as sobrancelhas no meio da testa. — O que ela disse? — Coloca o
dedo mindinho na boca enquanto escuta a resposta para a pergunta que fez.
— Depois eu ligo para ela, talvez, na segunda ou na próxima semana, quem
sabe na próxima encarnação. — Ela ri como se tivesse feito a pior piada do
mundo. — Depois a gente se fala, Lalá. Beijos. Não bagunça muito a casa e
hoje é o seu dia de lavar o banheiro. Te amo!
Ela gosta de limpeza. Já entendi.
Desliga a ligação e me encara. Não desvio o olhar do dela. E por
fim, ela pergunta:
— O que foi?
— Nada. Não posso te olhar?
— Tem feito muito isso ultimamente.
— Você sabe que é uma mulher muito bonita, Olívia, e eu não sou
cego. Nem me farei. E ontem eu estava te chupando enquanto você gemia
alto, não devia se importar com o meu olhar.
Ela cora quando falo e se levanta da cadeira.
— Acho que vou tomar um banho.
Assinto com a cabeça e seguro um riso. Ela fica linda quando está
com vergonha.
— Já sabe onde tem toalha, não é? A roupa que usou da última vez,
pedi para Margarida lavar e colocar no móvel do quarto.
Ela segue em direção às escadas e consigo escutar seus passos
subindo os degraus correndo. Parecendo uma criança.
Volto para o sofá e me jogo nele, tentando não pensar em muita
coisa. Na verdade, tentando não pensar em nada. Sempre que começo, não
paro mais e isso só gera mais tortura para mim. Odeio ficar em silêncio por
muito tempo. Torço mentalmente para que Olívia volte logo e comece a
conversar sobre qualquer coisa.
Se fosse um sábado típico, eu teria saído de casa para encontrar
Bernardo e teríamos almoçado fora, beberíamos, encontraríamos algumas
mulheres – eu, na verdade, não ele. Voltaríamos para casa tarde da noite e o
dia teria acabado. É o que geralmente acontece. E eu já estou até bem
acostumado com isso, para ser bem sincero. A vida tem seguido assim, e
tudo bem.
Pego meu celular e assim que o levanto, a tela brilha, mostrando
dezenas de mensagens.
Olho cada uma com atenção para ver se é algo importante ou se
posso simplesmente ignorar todas elas.
Algumas de Niko, que com certeza ignorarei. Amanhã estarei com
ele como em todos os domingos, se for importante mesmo, ele vai fazer
questão de reclamar amanhã que não o respondi.
Duas de Anya, perguntando se posso ficar com o gato dela na
semana que vem porque ela vai viajar à trabalho. A respondo, dizendo que
tudo bem. Adoro aquele bichano. É fácil de cuidar dele e ele já se
acostumou comigo. Bem diferente de Yelena e Natasha, que eu também
amo, mas elas fazem mais bagunça do que o pequeno Yan.
Sinceramente, não sei qual é a questão com os nomes de pets dessa
família. Ninguém nunca escolhe um nome que seja realmente de pet. Às
vezes, isso causa uma certa confusão com as pessoas no meio das
conversas.
Rio ao lembrar da reação de Olívia quando falei sobre as cachorras
de Niko. É exatamente essa reação que as pessoas têm quando dizemos os
nomes dos bichinhos, sem especificar que são de fato animais de estimação.
Vejo as mensagens de Bernardo e respondo o meu amigo.

B. A.: Vai fazer o quê hoje? Tenho um churrasco para ir na casa de um


amigo. Topa ir junto?

Eu: Vou ficar em casa. Tenho visita.

Ele não demora a responder.

B. A.: Dimitri Markova vai ficar em casa em pleno sábado? Deduzo que
essa visita seja uma mulher bem gostosa que deve estar no banheiro agora,
já que está respondendo uma mensagem que mandei ainda no início da
tarde.

Que filho da puta!

Me conhece melhor do que eu mesmo. Não é à toa que é o meu


melhor amigo.

Eu: Acertou! É uma mulher e ela está no banheiro. Vai ficar aqui até
amanhã.

Ele lê a mensagem e em menos de um segundo, meu telefone toca e


vejo seu nome na tela.
— Ela vai ficar aí até amanhã? Desde quando você passa mais de
uma noite com a mesma mulher? O que aconteceu? É alguém da sua
família?
Não aguento e solto uma gargalhada. Ele parece, de fato, surpreso
com a informação. É hilário.
— Não, porra! Não transaria com alguém da minha família. — Nem
tenho muitas mulheres na minha família e a mais próxima é a minha irmã,
pelo amor de Deus. — Não é nada demais, cara. É só uma mulher bonita na
minha cama por mais de uma noite.
— É tudo demais, Dimitri. A gente está falando de você. Não de
mim. — Adoro Bernardo, porque além de ele me conhecer, ele também se
conhece muito bem.
Escuto os passos de Olívia na escada e trato logo de me despedir do
meu amigo. Antes de desligar, consigo ouvir o barulho alto de sua risada do
outro lado da linha. Ele vai me infernizar para saber a respeito de Olívia
quando nos encontrarmos de novo.
Olívia para na soleira, vestindo uma blusa social minha — agora sua
— e a cueca, que usou da primeira vez que passou a noite. De fato, ela fica
muito mais bonita nas minhas roupas do que eu. Seu cabelo está molhado e
todo penteado para trás.
Ela vem em minha direção e se senta ao meu lado. Dobra as pernas,
colocando os pés em cima do sofá e os joelhos ficam na altura de seu peito.
Estendo meu braço sobre as costas do móvel e, involuntariamente, passo a
mão em seu ombro, fazendo um carinho.
Ela não diz nada e apenas me olha. Eu também não quebro o
silêncio, que pela primeira vez, não é angustiante. É calmo e tranquilo.
As janelas estão abertas e sinto um vento passar, trazendo o cheiro
de algum shampoo que estava no banheiro, até as minhas narinas. Não sei
qual é, mas acho que vou tirá-lo do banheiro das visitas e só o devolver na
próxima vez que ela estiver aqui.
Próxima vez que ela estiver aqui?, minha mente questiona. Vai ter
uma próxima vez?
Acho que se ela quiser, não tem problema. Tem?
— Tudo bem? — ela pergunta, me fazendo despertar do
pensamento.
— Tudo. — Esboço um sorriso. — Tudo bem.
— Sua família não tem o costume de vir aqui, não é? Seria meio
embaraçoso eles entrarem e me encontrarem aqui. — Ela cutuca o canto da
unha.
— Do que você tem medo, Olívia?
— Não é medo. É... — Nem ela sabe o que é, pois não sabe nem o
que dizer.
Me aproximo mais dela, deixando nossos corpos mais próximos e
nossos rostos a menos de um palmo de distância.
— O Niko não tem nada a ver com isso. E pode deixar que com ele,
eu me resolvo. Mas, respondendo à sua pergunta. Não. Eles não têm o
costume de vir aqui e quando vêm, sempre avisam antes, porque podem
correr o risco de dar com a cara na porta. Quase não fico em casa. Quase
não fico em casa dia nenhum, na verdade. Costumo dizer que venho aqui só
para dormir, tomar banho e trocar de roupa e olhe lá.
Noto que Olívia olha para a minha boca assim que termino de falar e
em um único impulso, beijo seus lábios de uma forma casta. Apenas um
selinho. Um simples toque que mexe comigo de uma maneira que me
surpreende.
Sua boca se repuxa em um sorriso tímido e eu levo minha mão até
uma mecha de cabelo, que se solta do resto, e a levo para atrás da orelha,
passando meu dedo pela pele de seu rosto e descendo até o pescoço.
— Tudo bem.
— Temos algumas opções de nada para se fazer hoje. Podemos ficar
sentados aqui, apenas olhando um para o outro, sem fazer nada. Podemos ir
para a sala de TV lá em cima e assistir a um filme ou o que você quiser, ou
podemos voltar para o quarto e transar mais. Nas duas últimas opções
estaríamos fazendo alguma coisa, então, não sei se conta como nada.
— Acho que podemos assistir alguma coisa na TV.
Queria que ela tivesse escolhido transar, mas tudo bem. Na maioria
das vezes, assistir filmes sempre é um caminho para um bom sexo.
Levanto-me e estendo minha mão a ela, que a pega de imediato.
Vamos até o segundo andar e apresento a minha sala de TV, que é
praticamente intocada até por mim.
Se vim aqui três vezes, foi muito. Sempre a mantenho fechada, sem
razão nenhuma. Apenas por costume, eu acho, e mesmo permanecendo
fechada, está sempre limpa.
Na parede principal, tem uma tela de projeção elétrica do tamanho
da parede. As caixas de som do home theater estão presas na parede. Tenho
um móvel no canto com uma pipoqueira elétrica, alguns chocolates e balas,
um frigobar e uma mini-adega climatizada. Um sofá de quatro lugares que
vira uma cama, bem no meio da sala — agradeço mentalmente a Anya por
ter escolhido para mim —, o teto tem uma iluminação indireta que pode ser
ajustada tanto por um controle quanto pelo interruptor de touch na parede. E
claro, o projetor no meio do teto, que já é conectado na tela.
Basicamente, a sala foi montada para momentos como esse. De
forma estratégica para noites em potencial, mas nunca a usei para isso.
Nunca nem trouxe ninguém aqui. Olívia é a primeira.
Ela está sendo a primeira em muitas coisas.
Olívia olha tudo ao redor de boca aberta. Passa a mão no estofado
do sofá com muito cuidado, parece que tem medo de estragar alguma coisa.
É muito cuidadosa.
— Se eu tivesse uma sala assim em casa, acho que ninguém mais
me veria — ela diz ainda olhando para tudo.
— Eu venho pouco aqui. Só vim mesmo para assistir...
— 007. — Ela me olha e abre um sorriso. — Você disse que é a sua
franquia favorita da outra vez. Eu lembro.
Eu não lembrava.
— É, isso mesmo. Estava com o meu pai.
— Seu pai?
— Sim, meu pai — confirmo, sem entender bem por que ela ficou
tão surpresa.
— Eu achei que ele tivesse... — Comprime os lábios em uma linha
reta e abaixa o olhar. — Bem, o senhor Nikolai disse que ele havia falecido
— diz com uma voz quase inaudível.
Ah, sim, claro.
— O pai dele não é o mesmo que o meu. — Graças a Deus, uma
vitória na minha vida. — Vai escolher qual filme para assistirmos? — Mudo
de assunto tão rápido que ela nem percebe que o meu humor mudou só de
lembrar do pai dos meus irmãos.
— Pode ser qualquer um? Se eu escolher um desenho, você não vai
ligar?
— Contanto que não seja Anastasia, por mim... — Ela abre a boca e
faz uma cara de decepção. — Não me diga que você pensou nesse filme,
pelo amor de Deus. — Passo as mãos no cabelo, fechando os olhos e
lembrando da minha mãe e da minha irmã assistindo ao filme em loop. Era
um inferno. Na época, eu havia decorado até as músicas.
— Eu pensei nele, mas eu escolho outro, não tem problema.
Anastasia é meu filme/desenho favorito. Meu filme favorito é Moulin
Rouge. — Procuro na minha mente, mas não faço ideia de que filme seja
esse.
— Suponho que seja algum romance, certo?
— Não é só algum romance, é o MELHOR romance!
Faço menção para que Olívia se sente no sofá, que já está no modo
cama. Pergunto se ela quer alguma coisa e ela olha para a pipoqueira. Ligo
o aparelho enquanto procuro pelo filme que Olívia escolheu entre os tantos
streamings que tenho. Por sorte, ele está no catálogo de um deles. Com a
pipoca pronta, a luz baixa e nós dois ‘deitados’, nosso nada se inicia.
E eu, silenciosamente, torço para que esse nada, se torne tudo no
final das contas.
"A coisa mais importante que se pode aprender é amar e em troca,
amado ser."
E então as cortinas se fecham.
Já perdi as contas de quantas vezes assisti a esse filme. Sei todas as
músicas de cor, até as falas.
Como é lindo.
Como sempre, eu choro. Me desfaço em lágrimas na cena em que
Satine morre. Sei que meus olhos estão brilhando, tenho certeza. Consigo
sentir.
Olho para o lado e vejo Dimitri, parado, olhando para a tela com a
mão erguida no ar, segurando a pipoca e a boca aberta.
Coloco a mão em seu ombro e ele me olha.
— Que porra de filme triste! Caralho, Olívia! A mulher morreu! —
Arregalo os olhos com a sua reação. — Puta que pariu! O cara foi para
Paris, procurar o amor. Achou em uma prostituta que tinha o sonho de ser
atriz. Quando ele conseguiu o amor dela, e ela conseguiu realizar o sonho
que tinha, morreu... Cacete! Não!
Ele pega o controle e aumenta a luminosidade da sala. Olha para
mim e pergunta:
— Me diz! Por que vocês, mulheres, tem prazer em assistir a esse
tipo de coisa? Não tem um final feliz. O casal não fica junto. ELA
MORREU!
Não me aguento e explodo em uma gargalhada, me jogando para
trás. Não consigo conter o riso. A cara de Dimitri é impagável. Ele continua
a olhar para a tela enquanto os créditos sobem e a música toca.
Ele, de fato, ficou meio transtornado com o filme. Ainda parece não
ter aceitado o final trágico da personagem principal.
Tento controlar o riso e volto a me sentar de frente para ele.
— Não é que a gente goste da tragédia em si... — Solto outra risada
e seco uma lágrima que escorre no canto do meu olho. — A gente gosta do
romance que foi montado na história. Por exemplo... — Ele se ajeita para
me ouvir falar. — A confusão que ela teve no início, quando confundiu o
Duque com o Escritor. Ela não se apaixonou pelo Duque em si, se
apaixonou pela atitude linda do Escritor quando ele recitou a poesia.
— Que, na verdade, é uma música do Elton John, sim, isso eu
entendi.
— E depois, quando ela descobriu que ele, de fato, era um Escritor,
aceitou ter um caso com ele do mesmo jeito, porque já estava apaixonada
de qualquer forma.
— E também porque já tinha conseguido o patrocínio do verdadeiro
Duque — ele rebate.
— Você não está vendo a magia, Dimitri — digo, rindo da cara que
ele faz.
— Que magia, Srta. Olívia?
— O amor! Não prestou atenção no final? Quando ela mentiu para
salvá-lo. O Duque ia matá-lo e ela escolheu se sacrificar, ficando com o
Duque para que ele vivesse...
— Só que nem ele entendeu isso e foi atrás dela de novo. Muito
triste, Olívia, muito triste! Acho que preferia ter assistido Anastasia. —
Balança a cabeça e eu volto a rir dele. — É sério. Sabia que o meu nome foi
por causa do namoradinho dela?
Arregalo os olhos e levo a mão à boca.
— Tá falando sério?
— Seríssimo. Por que acha que eu odeio esse filme? Minha irmã o
assistia diversas vezes na mesma semana, às vezes, no mesmo dia.
— Mas, espera aí! Como o seu nome foi inspirado no desenho, se no
ano de lançamento, você já era nascido? — As minhas contas não batem.
— A primeira história de Anastasia foi em 1956, e na verdade, era
um filme que foi premiadíssimo, depois disso que virou um desenho de
contos de fadas. Além de que, Dimitri é um nome bem comum na Rússia,
onde se inicia o filme, só depois que eles viajam para Paris e o restante,
você já sabe — ele me explica e eu fico meio surpresa com a informação.
Nunca imaginei que ele soubesse de uma coisa assim.
Na verdade, nunca imaginei Dimitri sendo esse Dimitri que está na
minha frente. Estou muito surpresa. Ele parece ser outra pessoa longe da
empresa, longe da figura de CEO. A imagem de intocável dele caiu
completamente por terra dentro dessa sala. E eu gosto. Gosto de vê-lo desse
jeito.
É estranho querer que isso não acabe? Ou que, pelo menos, dure
mais do que vai durar?
Não sei quanto tempo vai durar, de fato, mas amanhã eu vou embora
e bem, acredito que na empresa será como se nada tivesse acontecido. Ele
vai continuar na torre dele e eu, no meu andar, fazendo o meu trabalho.
Nossa, acabei de me sentir como uma das personagens dos meus
livros. Daqueles que as moças se apaixo...
Não, Olívia, não vai por esse caminho... Nada disso vai acontecer!
Lembra que é só sexo casual.
Volto a me sentar encostada nas costas do sofá e olho para a tela,
que já não passa mais nenhum filme.
— Que horas são? — Ele pega o telefone e mostra a tela para que eu
veja o horário. — Dá para a gente assistir outro, você pode escolher dessa
vez.
É uma boa ideia. Ele não vai escolher nenhum romance que me faça
ficar pensando em viver um com ele. Com certeza vai escolher de novo
algum do 007, já que é o seu preferido.
Pega o controle e começa a mexer, passando de filme em filme. Não
parece muito a fim de assistir as opções que tem ali e muda de streaming,
fazendo a mesma coisa com o outro.
Dimitri troca três vezes de plataforma até voltar para a mesma e
escolher um filme que eu já imaginava que ele fosse escolher.
Ele abaixa novamente as luzes e dá play. Eu me ajeito novamente,
me deitando um pouco e faço um comentário inocente.
— Esse ator é lindo demais.
— Tudo bem. Vamos ver outra coisa... — Ele se senta mais uma vez
e aumenta a luminosidade.
— Não! Por quê?
— Porque não quero te ver babando em cima da porra do cara,
Olívia.
Rio alto novamente e me aproximo dele.
— Se serve de consolo, você também é lindo, Sr. Dimitri — digo,
tentando manter um tom de brincadeira, mas no fundo, sei o quanto isso é
verdade.
— Entre nós dois. Quem você escolheria? — Ousadia dele
perguntar isso.
— Aí, você já está brincando com a sorte — respondo entre risadas.
— Então você o escolheria...
— O cara é o Super-Homem! Como não escolher o Super-Homem?
— Que decepção, Srta. Olívia. Que decepção... — Ele revira os
olhos, soltando um risinho e eu entendo que não fala sério.
Dimitri se ajeita de novo, diminuindo as luzes e dá play no filme.
Dou uma última olhada nele antes de começar a prestar atenção na
tela à minha frente.
O Super-Homem até pode ser lindo, mas eu escolheria Dimitri, sem
dúvida nenhuma.
Acordo de repente, sem saber ao certo onde estou. Esfrego os olhos
e olho ao redor. Tudo está escuro. Estou coberta com um edredom fofo, que
não me lembro de ter pegado em momento algum. Tateio a superfície onde
estou deitada e é macia. Toco mais um pouco para a minha direita e sinto
mais do tecido macio, até tocar em uma superfície que sobe, começando a
ficar um pouco mais dura. Apalpo em cima da minha cabeça e sinto um
acolchoado fofinho.
Tudo bem…
Respiro fundo e me dou conta de que estou no sofá-cama da sala de
cinema de Dimitri. Não me mexo muito, mas começo a mexer minha mão
esquerda, para ver se ele está do meu lado. Faço pequenos movimentos com
os meus dedos, com medo de o tocar e acordá-lo. Continuo até chegar no
outro braço do sofá e noto que ele não está ali.
Levanto-me e com todo o cuidado, vou em direção à parede,
torcendo para não esbarrar em nada. Por mais que a sala seja enorme, tenho
medo de bater no móvel, derrubar e, ou quebrar alguma coisa. Acho o
interruptor digital, que não sei como mexer, mas de algum jeito, as luzes se
acendem e me vejo completamente sozinha na sala.
Meu celular está em cima do móvel, perto da pipoqueira. Eu o pego
e a tela se acende, revelando o horário. Ainda é de madrugada. E cadê
Dimitri?
Abro a porta da sala e o corredor está com todas as luzes apagadas.
Chega a me dar um calafrio vê-lo assim, tão na penumbra. Só não está mais
escuro, porque tem uma luz bem fraca, vindo do andar debaixo e é nessa
direção que sigo. Chego na escada e a desço, sem fazer barulho, segurando
no corrimão. A casa inteira está em silêncio. A única coisa que consigo
escutar são os meus passos e o vento do lado de fora, que parece estar bem
forte, do tipo quando vai chover e ele emite um barulho que parece que
conversa com a gente. É meio assustador.
Chego no primeiro piso e tudo ainda está calmo, feito o anteceder de
um furacão. A luz é parca e me dou conta de que ela vem de um abajur
quase perto da porta principal. Dou uma boa olhada na sala e nada. Me viro
e olho para a cozinha, igualmente vazia. Meu coração começa a disparar
dentro do peito.
Me vem uma vontade de chorar irracional.
Dou passos largos até chegar na porta dos fundos e viro a maçaneta.
A porta está trancada. Sinto as lágrimas rolarem pelo meu rosto, sem razão
nenhuma.
Sei onde estou. Estou na casa de Dimitri, mas só não sei onde ele
está. E isso me causa desespero.
Continuo parada de frente para a porta e coloco as mãos no rosto,
tampando-o. Tentando controlar o choro, tentando me controlar, mas é
involuntário e começo a soluçar. Começo a me lembrar de coisas que não
quero me lembrar. Da noite escura quando eu…
Se eu não tivesse acordado naquela noite, não teria visto o que me
marcou para o resto da vida. Não teria nem escutado o choro que vinha do
lado de fora…
Não, Olívia, não pensa nisso. Esse cenário é completamente
diferente.
De repente, sinto uma mão em meu ombro e me viro depressa.
Dimitri!
Ele me olha com os olhos arregalados e eu o abraço pela cintura. O
abraço forte e ele retribui. Choro copiosamente enquanto ele faz carinho nas
minhas costas e me aperta contra o seu peitoral.
— Calma! Calma! O que foi? O que aconteceu?
— Nã... não faz mais isso comigo...
— O quê? Olívia, o quê?
— Não me deixe mais sozinha, assim, de repente — digo entre as
minhas lágrimas, sem soltá-lo.
— Eu só fui ao banheiro, foram poucos segundos. Quando voltei,
você não estava mais lá. Eu estou aqui, fica calma!
Começo a chorar mais ainda, me agarrando mais a ele, sem medo de
machucá-lo e ele me aperta mais forte.
— Calma, kroshka, eu tô aqui... Shh! Eu tô aqui. Não vou te deixar
nunca mais. Eu prometo.
Tiro o meu rosto de seu peitoral e o olho.
Ele passa as mãos em minhas bochechas e limpa as minhas lágrimas
que começam a parar de cair. Abaixa o rosto e me beija delicadamente.
Seus lábios estão quentes e são macios. Me beija mais uma vez, mas dessa
vez, é na bochecha, em cima da pele molhada pelas lágrimas.
— Tudo bem... Está tudo bem. — Ele se move sem me soltar.
Vamos abraçados em direção às escadas e subimos do mesmo jeito.
Eu ainda soluço um pouco, mas bem menos do que antes. Dimitri não me
solta, nem no momento que entramos novamente na sala e ele fecha a porta.
Pega o controle e me senta no sofá-cama. Vejo que ele pegou os
travesseiros e o edredom do quarto e os trouxe para cá. Ele se deita e
estende o braço para que eu coloque minha cabeça em cima dele, quando o
faço, ele volta a me abraçar e começa a fazer carinho na minha cabeça.
Passo meu braço por sua cintura e ele diminui a luz da sala, até ela se tornar
imperceptível. Não sei se desligou tudo ou se eu que não consigo enxergar
bem, depois de ter chorado tanto. A única coisa que sei, é que me sinto
confortável onde estou. Começo a sentir a calmaria me atingir. Sinto uma
paz que não sinto já faz um bom tempo.
Seguro sua cintura com mais firmeza e o sinto reagir ao meu aperto,
me apertando na mesma intensidade.
— Eu fiquei com medo — digo tão baixo que não sei nem se ele
escutou.
— Do quê? — Sinto uma lágrima escorrer pelo canto do olho.
— Não sei... — minto. Sei sim, mas não vou conversar sobre isso
com ele. — Só não me deixe mais sozinha, por favor...
— Não vou, kroshka, não vou. Eu te prometo.
Dimitri deposita um beijo na minha cabeça e eu começo a sentir a
angústia ir embora enquanto ele continua a me acarinhar.
Fecho os olhos e deixo o sono vir novamente, sentindo o calor de
Dimitri e a sua respiração pesada.
Está tudo bem. Vai ficar tudo bem. Nada pode te atingir aqui,
Olívia. Você está segura aqui e ele não vai te deixar sozinha.
Ele não vai me deixar.
São meio-dia e eu estou descendo até o refeitório.
Eu. Estou. Indo. Até. O. Refeitório.
Nem eu acredito no que estou fazendo. Tudo isso porque, depois de
ontem à tarde, quando deixei Olívia em casa, ela não respondeu mais
nenhuma das minhas mensagens.
Quando ela acordou, tomamos café e trocamos algumas palavras,
mas nada referente ao que aconteceu. Não sou o tipo de pessoa que se mete
na vida das outras, mas aquilo me apavorou. Olívia tremia de medo.
Soluçava sem parar.
Até agora não entendi o que aconteceu. Eu só havia levantado para
ir ao banheiro. Foram alguns segundos. Quando voltei para a sala e não a vi,
pensei que tivesse descido para beber água, mesmo tento um frigobar ao
lado do sofá-cama, ou até mesmo, ter ido ao banheiro.
Nem sei por que resolvi descer, sei que algo simplesmente me fez ir
até à cozinha e quando cheguei lá, me deparei com o estado de Olívia e
quase entrei em pânico. Quando me abraçou, sua tristeza era palpável. Só
tive a reação de abraçá-la mais forte e tentar aliviar a sua dor, seja ela qual
fosse. De repente, ela não gosta de ficar sozinha. Pode ser um trauma de
infância ou algo do tipo.
Quem sou eu para julgá-la? Tenho os meus fantasmas também,
apenas consigo controlá-los com mais rigidez.
As portas do elevador se abrem e eu saio, olhando para os lados e
vejo vários funcionários parados, conversando. Quando me notam,
arregalam os olhos e abrem as bocas, chocados. Alguns me cumprimentam
com a cabeça e outros ficam completamente sem reação.
É horrível sentir a sensação que estou sentido agora.
Não sou intocável, bem diferente do que a grande maioria pensa,
apenas não tenho jeito para lidar com pessoas. É só isso!
Passo pelas portas duplas de madeira e entro no ambiente colorido
que o arquiteto criou há alguns anos. Não mudou muita coisa, apenas
colocamos mais algumas mesas e cadeiras. Lembro que Niko sugeriu que
colocassem uma TV para os funcionários. Fizemos do jeito que podíamos e
ficou bom.
Essa é a terceira vez que venho aqui.
A primeira, foi quando constatei as condições do lugar, que me
deixou abismado. E a segunda, foi na inauguração.
O lugar está cheio. Tento passar o olhar por todo o perímetro, mas
vejo que vou precisar entrar mais um pouco. Dou alguns passos sentindo
todos os olhos em cima de mim e começo a ficar incomodado. Mas mesmo
assim, continuo. Preciso falar com ela. Preciso saber se ela está bem.
Em uma mesa, um pouco mais afastada, vejo-a sentada, com mais
duas moças à sua frente. As duas mulheres estão rindo, mas Olívia apenas
esboça sorrisinhos que saem sem vontade nenhuma. De repente, noto uma
mão em seu braço, que chama minha atenção.
Um homem está sentado ao seu lado, mostrando a ela algo em seu
celular. Ele ri e ela esboça, de novo, o mesmo sorriso sem graça. Observo
de longe a interação entre os dois e noto quando ele a olha e leva alguns
fios de seu cabelo para atrás de sua orelha.
Me sinto incomodado vendo isso.
Em um movimento quase imperceptível, Olívia se esquiva do toque
do homem e volta a prestar atenção na conversa das mulheres, que
continuam rindo.
Dou passos pesados até onde estão sentados e paro ao lado da mesa,
observando bem a todos que estão ali.
Lembro-me vagamente do rosto das duas mulheres. Eram as que
entraram no elevador junto comigo, no outro dia. As que, sem querer, me
deram a informação de que Olívia estava indo para outro ponto de ônibus.
O homem, eu me lembro bem. Ele é da área de T.I.
Por incrível que pareça, ele esteve na minha sala semana passada,
verificando alguns computadores que estavam tendo problemas.
— Boa tarde, senhoritas. — Olho para o homem e aceno com a
cabeça — Senhor...
— Senhor Dimitri, boa tarde! — o homem responde ao meu
cumprimento enquanto as duas mulheres me olham de boca aberta e olhos
arregalados.
— Srta. Olívia, sei que está em seu horário de almoço, mas posso
dar-lhe uma palavrinha? — Ela me olha e nada diz. — Não vou tomar
muito do seu tempo.
Aceno com a cabeça para os demais e me retiro, voltando pelo
mesmo caminho que fiz.
Passo pelas portas duplas e quando olho para o corredor, já não tem
mais ninguém no lugar. Fico parado, apenas esperando por Olívia, que vem
logo atrás de mim. Quando ela passa pelas portas, puxo-a pelo braço e a
encosto na parede.
— Não podia ter respondido a, pelo menos, uma mensagem minha?
— Desculpe-me, cheguei em casa e dormi — ela diz, olhando em
meus olhos.
— Cacete, Olívia. Eu fiquei me corroendo de preocupação. O que
aconteceu naquela noite? — A morena desvia os olhos, fixando-os em
algum ponto sem importância alguma. — Não quero ser invasivo nem nada,
mas você me assustou demais. Eu...
— Não foi nada. — Me olha novamente, mas a sua feição é de
quem não quer falar no assunto. — Eu devo ter tido um pesadelo ou algo
assim. Acordei sem saber direito onde estava e acho que foi isso. Não foi
nada demais.
— Se acha que te ver chorar, tremer e soluçar, não é nada demais,
tudo bem, então. Quem sou eu para falar alguma coisa, mas eu quero que
você saiba que eu me preocupei de verdade com você. A gente estava bem e
depois...
— Obrigada, Sr. Dimitri. — Ela se desencosta da parede e sai em
direção ao elevador.
— Olívia… — a chamo e ela para de andar, mas não se vira, apenas
move a cabeça e me olha sobre o ombro. — O que aconteceu entre nós, no
final de semana...
— Não vai mais acontecer.
— O quê?
Agora se vira totalmente para mim.
— Sr. Dimitri, está tudo bem. — Me olha bem nos olhos e respira
fundo. — Não é porque passamos o final de semana inteiro transando que
eu vou me apaixonar pelo senhor. Tenho certeza de que foi bom para ambos
os lados, mas está tudo bem se não acontecer de novo. — Dá de ombros e
volta a seguir na direção do elevador.
Dou passos largos para alcançá-la e quando o faço, o elevador já
está com as portas abertas no andar.
Coloco a mão em sua lombar e a empurro rápido para dentro,
virando-a para mim, encosto suas costas no espelho e aperto o botão para
que as portas se fechem. Aperto o botão do vigésimo andar e sei que vai
levar, pelo menos, três minutos para chegar até lá, isso se não parar em
nenhum outro andar.
Olívia segura na barra de aço, me olhando nos olhos.
— Que merda foi essa que você falou? — Ela não quer mais ou
acha que eu, não quero?
— Só estou sendo prática. Todo mundo sabe que o senhor...
— Não existe mesmo a possibilidade de você me dar um crédito,
não é? Vai preferir mesmo ficar ouvindo o restante do mundo, sem nem ao
menos me dar uma chance de mostrar o contrário? — Me afasto um pouco,
mas não muito para não dar espaço para que ela fuja.
Se bem que estamos no elevador. Não tem muito para onde ela
correr.
Olívia continua me fitando sem acreditar no que digo.
Eu sei que pode parecer difícil de acreditar e, acredite, nem eu estou
me reconhecendo nesse momento, mas será mesmo que ela não pode,
simplesmente, me ouvir? Não sou o que dizem por aí.
Será que sempre vou ter a imagem do canalha, cafajeste que come a
mulher e depois vai embora, fingindo que nada aconteceu?
Se eu já fiz isso? Já, claro que já. Todo homem já fez, mas não quero
fazer com ela.
— Ou você prefere sair com aquele cara que estava na sua mesa? —
Solto sem pensar.
— O Carlos? — Ergue as sobrancelhas, quase fazendo com que elas
se juntem ao cabelo. — Ele é casado, tem dois filhos — ela fala e eu
estreito os olhos.
Casado? Não me pareceu se importar com o casamento quando
estava tocando no braço dela ou quando tocou em seu cabelo. Conheço esse
tipo de gesto. Já usei antes. Ele pode até ser casado, mas isso não impede
nada. Deveria, mas não impede.
Mantenho a minha pose e me afasto mais um pouco, me encostando
no espelho e me virando de frente para as portas. Olho para o pequeno
painel de LED em cima dos botões e vejo os números passarem. O elevador
apita, indicando que vai parar em outro andar antes do meu. Ficamos em
total silêncio até as portas se abrirem e um grupo, que conheço bem,
aparecer.
— Boa tarde, Dimitri. Que coincidência.
O homem alto, que é praticamente da minha altura, veste um terno
preto, perfeitamente cortado. Sua camisa social também é preta e a sua
gravata é de um tom dourado, se destacando.
Ele para no meio das portas e olha para a Olívia, que permanece
parada no canto. A olha de cima a baixo e sorri com o canto da boca. Sei
muito bem o que esse sorriso significa.
O incômodo de antes, volta ainda mais forte.
Mesmo a comendo com os olhos, ele não direciona uma palavra
sequer a ela.
— Estava indo para a sua sala. — Ele entra, sendo seguido pelos
dois homens que o acompanham. Os dois se vestem praticamente igual a
ele, a não ser pelas gravatas, que são ambas da cor preta. Mas esses não
falam muita coisa. Apenas acenam com a cabeça e se mantém em silêncio.
Otávio Ribeiro é um dos maiores acionistas da empresa, depois de
nós, é claro.
Seu pai foi um grande amigo de dedushka e sempre trabalharam
juntos.
No ano que o seu pai faleceu, Otávio passou a tomar conta das ações
dele e começou a fazer parte da diretoria. Ele é mais velho do que eu e
nunca escondeu a insatisfação em me ter como CEO da empresa.
Acha que é um grande nepotismo – suas próprias palavras –, meu
avô ter saído e me ‘colocado’ no lugar.
Ele acredita mesmo que eu não passei por cada canto dessa empresa
para entender o nosso trabalho. Prefiro nem me alongar com ele quanto a
isso. Otávio é do tipo de pessoa que não aceita bem a derrota ou não aceita
um não. Na sua frente, ele é só sorrisos e elogios, mas por trás, tem uma
faca, uma bazuca e uma bomba para jogar contra você.
É perigoso. Muito perigoso...
Ele se coloca no mesmo canto em que Olívia está e eu apenas
observo sua aproximação da moça.
— Não me lembro de nenhuma reunião. — Não me lembro mesmo.
Felícia não costuma esquecer de me avisar dos meus compromissos.
— Não é uma reunião, meu caro. Apenas uma conversa entre nós.
— Dá um sorriso que me faz sentir náuseas.
O elevador apita novamente, mostrando que chegamos no andar do
financeiro.
Olívia se desencosta do espelho e passa pelo homem em silêncio,
nem olha para os lados. Ele não se mexe, e ela precisa se espremer para
passar entre ele e os outros homens.
Tenho vontade de descer com ela, mas não posso. Então, apenas
continuo a observá-lo. Reparo que, sem pudor algum, ele olha para a bunda
de Olívia e morde o lábio inferior, e a minha vontade é de avançar em seu
pescoço.
Respiro fundo e penso mentalmente: Se controle.
Ela se vai e as portas se fecham.
— Como é gostosa — ele diz, sem vergonha alguma. — Niko deve
se fartar com ela. Ele, todo certinho, com uma secretária dessa. — Fecho
minha mão em punho e trinco o maxilar. Que babaca! — Acho que vou
pedir para ela ir até o nosso andar para uma visitinha. — Ri e os dois outros
homens o acompanham.
Juro que se Otávio encostar em um único fio de cabelo de Olívia, eu
acabo com a vida dele.
As portas se abrem e eu passo pelos homens feito um touro,
esbarrando em todos.
Piso fundo até a minha sala e eles seguem atrás de mim. Sem
convite nenhum, ele puxa a cadeira e se senta. Os outros permanecem em
pé.
Ainda não entendo o porquê de ele andar com dois seguranças pela
empresa. Como se alguém aqui dentro fosse tentar matá-lo.
Ligo para Felícia e peço para que ela traga água e café para as
minhas visitas. Ela logo aparece com uma bandeja e deixa tudo
perfeitamente em cima da mesa. Noto que Otávio não dá uma olhada sequer
para ela. O que acho estranho, já que minutos atrás, estava comendo a
minha Olívia, digo, só Olívia, com os olhos.
— E então, sobre o que quer conversar? — Não tenho um pingo de
paciência.
— Estamos chegando perto das eleições do conselho — ele diz,
calmamente, enquanto pega a xícara de café. — Sentei-me com alguns dos
outros acionistas e conversamos sobre uma possível mudança de ares.
— O que quer dizer com mudança de ares? — Por que eu sinto que
isso vai causar um estrago no meu dia?
— Decidimos que esse ano, vamos abrir votos para a sua vaga.
— COMO É? — Engasgo com o gole de água que eu acabei de
tomar.
Levanto-me da cadeira em um rompante, fazendo com que ela bata
na estante atrás de mim.
— Com permissão de quem, vocês resolveram abrir a minha vaga?
Por algum acaso, eu não estou aqui, em plena saúde, exercendo o meu
trabalho? Que palhaçada é essa, Otávio?
— Muitos acionistas não estão felizes...
— Eu quero que eles se fodam! Não ligo nem um pouco para a
felicidade deles. Ligo para o avanço da minha empresa. Caso você não
saiba, é a porra do meu nome que está na fachada lá fora! — Aponto para a
janela, cheio de fúria. — Se eles não estão felizes com a fortuna que
recebem todo mês, que saiam, dando lugar para quem quer, de fato,
trabalhar ao invés de só ficar recebendo os dividendos.
Era só o que me faltava mesmo.
— Essa empresa é da minha família há anos e os acionistas que não
estão felizes, estão aqui por um mero capricho do meu avô, porque são seus
amigos. E também não é segredo para ninguém que, se dependesse de mim
e do meu irmão, esse conselho já teria mudado a muito tempo. Eu não
admito que você venha até aqui, na minha sala, NA PORRA DO MEU
ANDAR, dizer que quer o meu lugar.
Ele se mantém sentado, apenas observando a minha atitude – que
não foi das melhores, confesso – enquanto segura a xícara de café,
calmamente.
Repousa a xícara no pires e o coloca em cima da mesa.
— Não disse que quero o seu lugar. Disse apenas que vamos abrir a
vaga.
— Vão é o caralho! Quem decide isso não são vocês! Quem decide
isso é quem detém o maior número de ações e olha que engraçado — Bato
as mãos na minha frente, entrelaçando meus dedos —, os donos somos nós,
meu irmão, minha irmã, meu avô e eu. A porra da minha família.
Otávio se levanta, ajeitando o seu terno e a nossa altura se iguala.
— Acho que você deveria começar a limpar esta sala, querido
Dimitri. — Ele respira fundo e sorri em deboche. — Tenho uma ideia de
como ela ficará, depois que eu vier para cá.
— Isso porque você disse que não quer o meu lugar, não é mesmo?!
— Nós nos falamos depois. — Olha para mim com um olhar de
superioridade, sem esboçar nenhum tipo de sentimento, além de soberba. O
que só me deixa com mais raiva ainda.
Ele coloca a cadeira em seu lugar e sai, sendo seguido pelos homens
de preto.
Pego meu copo e o jogo na parede. O líquido se espalha e escorre
pela parede. Felícia abre a porta e me olha com os olhos arregalados.
— Liga agora para o Nikolai e o diga para vir aqui. Não me importa
o que ele esteja fazendo. Quero ele aqui em cinco minutos! — Ela assente e
fecha a porta novamente.
Começo a repensar o meu comentário sobre os seguranças.
Agora acho mesmo necessário Otávio ter esses armários atrás dele,
porque eu estou a ponto de matar esse desgraçado, filho de uma puta.
— Eu estou ocupado agora, Felícia, o que ele quer? Como? Avisa
para o seu chefe que eu não tenho a vida dele. — Entrego mais um
documento para que o Sr. Nikolai assine enquanto ele fala ao telefone com
a secretária do andar de cima. — O quê? — Ele para de prestar atenção nas
assinaturas. — Como assim o Otávio estava aí com ele? Fazendo o quê?
— Escuta atentamente ao que é dito do outro lado da linha e coloca a mão
na cabeça. — Eu estou indo aí agora!
Desliga a ligação e se levanta.
— Quando eu voltar, termino isso, Srta. Olívia.
Passa por mim e some em direção ao elevador.
Já sei que não vem coisa boa por aí. Tudo que envolve o Sr. Ribeiro
nunca é bom. Recolho todos os papéis e os organizo para quando ele
voltar.
O que talvez demore, já que saiu daqui com um ar de problema.
Volto para a minha mesa para finalizar algumas coisas que ainda
estão pendentes e que são urgentes. Reviso alguns documentos que o
jurídico me mandou, imprimo outros e digitalizo alguns que precisam ser
enviados para as outras áreas dentro da empresa.
A tela do meu telefone acende e eu vejo uma mensagem de
Lavínia.
Lavínia: Me liga! AGORA! É URGENTE!

Aí, cacete!
Pego o aparelho e disco o número da minha irmã.
O que foi agora?
Ela atende depois do terceiro toque.
— Oi!
— Olie, aconteceu uma coisa!
— O quê? Você está bem? — pergunto, já aflita.
— Não foi nada comigo. — Sinto sua voz trêmula, parecendo que
quer chorar. — Mamãe me ligou...
Fecho os olhos, sabendo que não vem coisa boa.
— Ela entrou em um ônibus faz alguns minutos e está vindo para
cá! O Ivan... — Ela não consegue terminar a frase.
— O que tem o Ivan, Lavínia?
Escuto um soluço bem baixo, mas sei que tem um choro vindo por
aí.
— Ele... — O barulho se torna mais alto, fazendo a voz ficar ainda
mais trêmula.
— Onde você está?
— Estou no banheiro do trabalho — tenta falar calmamente. —
Olie, ela pediu para que a gente a buscasse na rodoviária.
— Tudo bem, ela deve demorar para chegar. Vou para casa quando
sair daqui e a gente se encontra e vai junto, pode ser?
— Pode!
— Ok.
— Olie!
— Oi! — Ela soluça mais uma vez.
— Ela não parece bem... Acho que ele...
— Tudo bem, Lalá, tudo bem... Quando ela chegar, a gente
conversa.
Desligo a ligação e rezo, pedindo para que ele não a tenha
machucado muito.

Aperto o botão do térreo e espero as portas se fecharem, mas em


vez de descer, ele sobe.
Ele. Sobe.
Tomara que seja Felícia, por mais que eu saiba que não, porque
esse horário, ela já saiu faz tempo. Não estou com cabeça para dar de cara
com Dimitri e ser questionada outra vez sobre o que aconteceu na
madrugada de sábado para domingo.
Eu me senti péssima pelo que aconteceu. Fazia um bom tempo que
não pensava sobre aquilo ou me sentia daquele jeito. Nem entendo o
porquê de ter tido aquela reação naquele momento. Queria poder explicar
o que aconteceu, mas não consigo. Não posso. Me dói muito.
As portas se abrem e não tem ninguém. Respiro aliviada e aperto o
botão para que elas se fechem novamente. Quando estão quase
completamente fechadas, uma pasta preta se põe entre elas, abrindo-as.
Dimitri está com uma cara péssima. O cabelo bagunçado. A
gravata frouxa, com os primeiros botões da camisa abertos.
Abaixo a cabeça e olho para os meus pés enquanto ele entra,
virando-se de costas para mim e se põe distante.
Não sei explicar, mas depois de ver esse homem em seu íntimo,
comecei a olhá-lo de uma forma completamente diferente.
Ele é engraçado. É sarcástico, claro. Tem um deboche e uma ironia
quase naturais, mas é carinhoso, atencioso, tem um bom gosto para filmes
e sem contar que é um cozinheiro de mão cheia.
As portas de fecham e ele não vira em minha direção em momento
algum. Se mantém parado, olhando para frente, não vendo nada além do
seu reflexo borrado no metal. Sei que pode estar puto por eu não ter
conversado direito com ele na hora do almoço, quando o vi pela primeira
vez no refeitório. Mas é uma questão minha, não vejo motivo algum para
sair falando com ele sobre esse assunto. Não vai mudar em nada. O que
aconteceu, aconteceu.
E além disso, tenho certeza de que a visita do Sr. Ribeiro também
deve ter contribuído bastante para esse mau humor. O Sr. Nikolai também
não voltou com cara de muitos amigos da sala do irmão. Preferi não
perguntar nada. Também não é da minha conta.
Seguimos olhando o painel que mostra os números em silêncio. Ele
não fala nada e nem se vira para trás e eu também não. Pode ser orgulho?
Pode sim, mas eu não ligo. Também não sinto como se devesse saber de
tudo sobre ele a todo instante.
Engraçado como a gente sempre se encontra dentro do elevador,
não é?!
Na primeira vez foi um tanto quanto estranho, já que ele fez
questão de se mostrar um babaca. Na segunda, as coisas ficaram um pouco
mais.... Tensas, digamos assim. E desde então, é como se fosse o nosso
lugar.
O elevador. Que doideira.
A voz da caixa de mental anuncia o andar e as portas se abrem.
Carlos está parado, segurando a alça da mochila enquanto mexe no
telefone. Ele cumprimenta Dimitri e sorri quando me vê. Ele é sempre
muito simpático comigo. Sempre conversamos sobre a sua esposa, que está
grávida do terceiro filho, e de como ele está eufórico.
— Oi, Olie!
— Oi, Carlos. — Me lembro da fala de Dimitri, achando que ele
estava dando em cima de mim. — E aí... Beatriz já voltou do médico? Já
descobriram o sexo do bebê? — Olho discretamente para Dimitri para ver
se consigo perceber alguma coisa. Qualquer coisa. E, tcharam. Lá está. Ele
virou o rosto, pouco, muito pouco, muito pouco mesmo, mas eu vi.
Sua atenção, agora, está na minha conversa com Carlos.
— O médico disse apenas para a irmã dela, que quer organizar um
chá revelação. Vê se pode. Depois de dois filhos, elas estão agindo como
se fosse o primeiro. — Ele ri e eu o acompanho.
— Deixa elas... Um filho é sempre uma bênção. Não sei se quero
ter filhos e nem sei se faria chá revelação, mas é sempre uma grande
alegria.
— Você tem razão, Olie. Mas eu estou mesmo preocupado com o
meu sono. Estou aproveitando o máximo que posso para dormir agora.
Acho que já esqueci de como é acordar várias vezes durante a noite para
dar de mamar e trocar as fraldas.
As portas do elevador se abrem e eu vejo que ainda não chegamos
no térreo e acho estranho, porque Carlos se despede e sai. Voltamos a ficar
apenas Dimitri e eu dentro da caixa. Ele ainda em seu canto e eu, no meu.
Meu telefone vibra e vejo uma mensagem de Lavínia, me
informando que já chegou em casa e está apenas me esperando. Digito
outra mensagem, respondendo-a e guardo o telefone de volta na bolsa.
Quando levanto o olhar, o homem está parado bem na minha frente e sem
dizer uma única palavra, me agarra pela cintura e me beija.
Eu retribuo seu beijo na mesma intensidade. Mas logo me apavoro,
me lembrando que estamos na empresa, dentro do elevador, com câmeras.
O empurro e ele fica sem entender nada.
— Está ficando doido, Sr. Dimitri? — Ele ajeita o terno e franze o
cenho. Eu não me mexo, apenas olho em direção à pequena cúpula de
vidro, em cima da porta e ele logo entende.
— Não se preocupe. Amanhã peço para um dos seguranças apagar
esses poucos segundos.
— Isso não pode acontecer aqui dentro. É... íntimo demais. — Me
volto para frente, ainda com a respiração ofegante e ele se põe ao meu
lado. Virado para mim.
— Eu precisava fazer isso, Olívia. Se pudesse, faria até mais.
Viro meu rosto para olhá-lo, mas rapidamente desvio o olhar. Não
posso me deixar levar por isso. O que acontece lá fora, depois do horário
de trabalho, é uma coisa, mas deixar que aconteça aqui dentro, debaixo do
nariz de todos, não! Sem condições. E além do mais, hoje não é um bom
dia. Precisamos nos controlar.
Ele, precisa de controlar.
Graças a Deus, chegamos ao térreo e assim que as portas se abrem,
eu saio feito bala lá de dentro, sem nem ao menos me despedir dele. Pego
o telefone da bolsa antes de passar pelas portas giratórias e chamo um
carro de aplicativo.
Estou com pressa. Pressa de chegar em casa e mais ainda, pressa de
sair de perto dele.
O carro logo chega e sigo em direção à minha casa. Minha cabeça
está borbulhando. Não consigo pensar em absolutamente mais nada, além
da ideia de ver minha mãe muito pior do que a deixei quando voltamos de
Santo Antônio do Pinhal. Eu tinha que tê-la arrastado para vir com a gente.
Sabia que, no fim das contas, tudo iria se repetir. E me odeio por estar
certa.
Olho no relógio do celular e tento fazer as contas mentalmente de
que horas, mais ou menos, minha mãe chegará na rodoviária. Ainda tenho
tempo, mas me sinto mais agoniada por conta de Lavínia. Sei o quanto ela
é apegada à nossa mãe. Não que eu não seja, mas temos nossas diferenças
e eu, sinceramente, nunca entendi por que ela se prestou a tanto sofrimento
por todos esses anos. Por que ela nunca deu um basta em tudo? Teria nos
poupado de muitas coisas.
Indiretamente, eu a culpo. Mas sei que não estou em sua pele e não
sei seus motivos. Nunca tive coragem de perguntar, por puro medo de
ouvir as respostas.
Não demora muito e o carro para em frente ao meu prédio.
Agradeço ao motorista e saio. Tento não demonstrar meu nervosismo,
porque sei que alguém precisará ser forte e essa pessoa, serei eu. Lavínia já
está nervosa desde agora, imagina quando ver nossa mãe...
Abro a porta e para a minha surpresa, as luzes estão apagadas. Olho
para todos os lados e nem um sinal de Lavínia. A cozinha está vazia e a
área de serviço também. Vou em direção ao quarto da minha irmã e de
longe, vejo, pela fresta de sua porta, uma luz acessa. Bato de leve e logo
ela aparece na minha frente.
— Finalmente! — ela diz.
— Vim o mais rápido que pude. Já está pronta? — Ela confirma. —
Vou só trocar de roupa e saímos, tudo bem? — afirma novamente e fecha a
porta.
Entro em meu quarto, jogando a minha bolsa na cama e troco o
meu terninho preto, típico de todos os dias, por uma calça jeans, uma blusa
branca básica e coloco um tênis. Jogo uma água no rosto e prendo o
cabelo. Em menos de trinta minutos, já estou pronta e me apresso a chamar
novamente outro carro. Bato na porta de Lavínia e ela sai, apagando tudo.
Saímos de casa e quando chegamos na portaria, o carro já está à
nossa espera. O motorista confirma o destino e seguimos, ambas em
silêncio.
Pegamos um pequeno engarrafamento chegando perto da
rodoviária, mas nada que a gente já não soubesse. Essa área sempre é
assim por conta dos ônibus de viagens que vem e vão. O motorista nos
deixa no embarque e então, segue viagem. Lavínia se certifica do horário
que o ônibus, que vem da nossa cidade, chegará e não nos resta muito a
não ser esperar.
Me sento em um banco, próximo à plataforma que ela indicou e
começo a mexer no telefone, tentando não pensar na minha tensão. Entro
na minha rede social, vendo algumas fotos de cachorros e uma foto da
família de Carlos aparece em meu feed. Deixo um coração e logo recebo
uma mensagem dele.

@menezes.carlos: Minha esposa resolveu não fazer mais o chá


revelação... Vamos ter uma menininha :)

@oliecastanheira: Que felicidadeee, Carlos... Parabéns a vocês


dois!
Troco mais algumas mensagens com ele e então, sinto Lavínia me
cutucar, já levantando-se do banco. Ela segue em direção às pessoas que
estão em pé, esperando que os viajantes desçam do ônibus, para ver se
consegue avistar nossa mãe. Eu me levanto, mas apenas para não a perder
de vista. Vejo um ônibus enorme estacionar e bem no para-brisa tem
escrito de onde ele vem e para onde ela vai, além do horário do início da
viagem.
Lavínia se aproxima um pouco mais e eu a sigo, apenas olhando
para ver se vejo o rosto tão familiar de minha mãe.
Quando Lavínia a avista, levanta o braço, acenando para que ela
venha até o seu encontro. Elas se abraçam e vejo minha mãe chorar um
pouco encostada no ombro da minha irmã. Ela usa um grande óculos
escuros. O que já me diz que é um mau sinal. Lavínia a traz até onde estou
e também nos abraçamos. Mas meu abraço é breve.
— Minhas filhas, que saudades de vocês! — Lavínia a abraça
novamente e beija a sua bochecha, mas nossa mãe faz uma careta de dor
por causa do contato.
— Vamos? — pergunto. — Amanhã preciso acordar cedo para
trabalhar.
Lavínia me recrimina apenas com o olhar, porém eu não me
importo com isso. Me viro e sigo na direção da saída, já chamando outro
carro para nos levar de volta para casa.
Posso parecer fria quanto à situação da minha mãe e na verdade,
sou. Tenho meus fantasmas e nem sempre, eles se mantêm quietos. É uma
pena dizer o que estou prestes a dizer, mas a maioria deles, é culpa
exclusivamente dela.
Que merda de semana de bosta!
Simplesmente odeio quando tudo dá errado.
Primeiro, que na segunda tive o incidente com a Olívia e logo
depois, a bomba com o Otávio, aquele bosta, que desde esse dia, não deu
mais as caras – nem na minha sala e nem na empresa. Contei ao Niko o que
tinha acontecido e como previ, ele saiu bufando de ódio da minha sala.
No dia seguinte, mais dor de cabeça.
Recebi uma ligação de dedushka, dizendo que mamãe queria que
fôssemos todos visitá-la. Que precisava ter uma conversa séria com a gente
e caso nós não aparecêssemos lá nos próximos dias, ela viria até nós. Como
se fosse mesmo muito fácil largar tudo aqui no Brasil e voar até a Rússia.
Na quarta, Niko quase derrubou minha porta com a informação de
que a maioria dos acionistas – os mais antigos, para ser exato – estão de
acordo com a ideia de Otávio para a abertura da vaga de CEO.
Fiquei com mais ódio ainda e acabei quebrando metade das coisas
que tinha na sala, incluindo a cadeira onde me sento. Felícia ficou tão
assustada, que não sabia se chamava o segurança ou pegava o kit de
primeiros socorros, já que cortei a minha mão quando consegui quebrar um
jogo de copos de whisky com ela.
Na quinta, não vim para a empresa e me tranquei em casa. Gritando
sozinho e amaldiçoando tudo e a todos. Quando me acalmei, peguei o
telefone e quase mandei mensagem para a Olívia – que não vi em nenhum
dia após a segunda-feira –, mas me controlei. Me peguei pensando nela e
em como o tempo ao seu lado foi bom e foi inevitável não sentir vontade de
pedir para que ela fosse até a minha casa e me fizesse companhia.
Que ridículo da minha parte, não é?! Torná-la o meu escape. Olívia
merece muito mais do que isso.
Sinceramente, não sei que merda está acontecendo. Na segunda, ela
disse que nada mais aconteceria. Mais tarde, naquele mesmo dia, quando a
encontrei no elevador – de novo, na porra do elevador –, eu a beijei e de
início, ela correspondeu, mas logo me afastou com medo das câmeras. Ou,
ao menos, usou essa desculpa para me afastar.
Eu penso nela até quando não quero, e é involuntário. Às vezes, do
nada, ela aparece em minha mente e permanece lá, por horas.
Agora, estou terminando de arrumar as poucas coisas que sobraram
da destruição – que eu causei – na minha sala, para encontrar com Bernardo
em algum lugar aleatório, preciso queimar e enterrar as lembranças dessa
semana de merda que eu tive. Estou indo também na intenção de fazer com
que Olívia saia de dentro da minha cabeça.
Felícia já foi embora. Gosto de liberá-la mais cedo nas sextas, já que
sei que gosta de uma curtição tanto quanto eu. Niko me mandou mensagem
dizendo que também iria cedo para casa, porque Yelena passou mal e ele a
levaria ao veterinário.
Será que se eu tivesse um bichinho de estimação, ficaria melhor?
Quer dizer, eu teria companhia aos finais de semana e poderia
passear com ele pelo condomínio, como meu irmão faz. Conversaria com
ele, mesmo sabendo que o bichinho não entenderia absolutamente nada e o
melhor, também não responderia. Acho que é uma boa ideia. Posso, quem
sabe, ponderá-la. Um cachorro ou um gato. Talvez até um pássaro. Mas
acho que Margarida iria surtar. Ela já cuida um pouco dos pets dos meus
irmãos. Vou conversar com ela a respeito disso.
Meu telefone vibra em cima da mesa e eu logo atendo, vendo o
nome de Bernardo brilhar na tela.
— Oi!
— Já saiu? Vou me atrasar um pouco, pois fiquei preso aqui no
escritório. Uma cliente precisou de mim de última hora.
— Cliente, é? — debocho.
— É, cacete, tô falando sério. Te encontro onde? — Sei o quanto
Bernardo é profissional. Ele nunca se envolve com as suas clientes. É um
advogado sério, mesmo que receba várias investidas das mulheres que o
contratam.
— Não sei. Estava pensando em ir naquele bar novo que abriu. Tem
uma área com um lounge e tal. Ouvi Felícia dizer que é muito bom, com
muita gente bonita. Fiquei curioso.
— Ótimo. Me manda o endereço e te encontro lá em uma hora.
Tchau! — Desliga a ligação sem falar mais nada.
Termino de arrumar as minhas coisas e saio. Sigo em direção ao
elevador e por alguns instantes, pondero em esperar mais um pouco para
encontrar Olívia. Bernardo já avisou que vai se atrasar mesmo, então não
preciso me preocupar em chegar no horário.
Quem sabe a gente não consegue conversar melhor dessa vez. E
talvez, quem sabe também, eu desmarque com o meu amigo e planeje
outras coisas.
Não... Não, Dimitri. Não!
Aperto o botão do elevador e ele logo chega no meu andar. Entro e
pressiono o botão da garagem. Metade de mim torce para que pare no
próximo andar e a outra metade, pede para que passe direto. A metade que
quer que ele pare, se decepciona quando ele passa direto, mas não lamento
muito, já que a parte que quer sair logo daqui, comemora euforicamente.
Entro no meu carro e dou partida, saindo do prédio bem depressa.
Vejo na internet o endereço exato do lugar onde marquei de me encontrar
com o Bernardo e sigo pelo caminho que é informado.
Chego no ambiente em pouco tempo e posso ver que Felícia não
estava errada quando falou que o lugar é muito legal e com muita gente
bonita. Só de olhar a fachada, já me animei.
Logo na entrada, vejo que a hostess é simplesmente linda. Uma loira
alta, com olhos azuis e peitos enormes – confesso que tenho preferência por
essas partes do corpo. Não que eu não olhe o todo, mas são os que mais me
chamam atenção. Por exemplo, os de Olívia...
Você está aqui para não pensar nela.
Volto minha atenção para a mulher, que usa um vestido preto todo
colado ao corpo, marcando os lugares exatos, não deixando muito para a
minha imaginação. Ela sorri para mim e eu retribuo o gesto.
— Boa noite, seja bem-vindo ao Júlio’s[19]. Nome na lista? — Ela
tem um tom de voz bem sedutor e me pergunto se ela fala assim com todos
ou só com alguns em específico.
— Não, senhorita. Estou esperando um amigo e gostaria de ficar
sentado no bar enquanto ele não chega.
— Claro. — Ela sai de trás da pequena mesa e pede para que eu a
siga.
De forma descarada, ela rebola enquanto anda e sabe muito bem que
eu assisto ao seu caminhar. Logo me recrimino mentalmente, me chamando
de hipócrita, porque achei ridículo quando Otávio olhou para a bunda de
Olívia.
Ah, porra! Pensei nela de novo.
Agora nem o rebolar da mulher loira à minha frente me interessa
mais.
O que será que ela está fazendo? Deve estar assistindo Anastasia
pela milésima vez, ou aquele filme triste que assistimos lá em casa. Ela
sabia cada fala e cada música. Chorava e levava as mãos ao coração a cada
frase romântica e a cada declaração de amor que os personagens principais
faziam. Seu sorriso era lindo demais. Seus olhos brilhavam e quando ela
tentou me convencer sobre a magia da história, consegui ver a paixão em
suas palavras.
Olívia é encantadora...
O que está acontecendo? Não consigo tirá-la da minha mente.
Chego no bar e a loira, que ainda sorri para mim, aponta para o
banco alto, e logo chama o barman que me entrega o cardápio dos drinks.
Ela encosta a mão em meu ombro e se despede com o mesmo sorriso de
antes. Viro o meu rosto para vê-la saindo, mas dessa vez, não parece muita
coisa.
Peço uma dose de whisky para o garçom e ele logo traz o meu
pedido. Dou algumas olhadas ao redor e vejo muitas pessoas bonitas
conversando e rindo. Alguns grupos de mulheres, outros de homens e mais
alguns, onde todos se misturam. As mesas da parte do lounge estão todas
ocupadas e o bar, onde estou sentado, está quase chegando à lotação
máxima, acredito eu. Já quase não vejo bancos desocupados e tem algumas
pessoas sentadas do meu lado, segurando um pager de espera que,
provavelmente, vibrará quando tiver alguma mesa disponível. Acredito que
Bernardo e eu ficaremos apenas no bar mesmo, então não vou me preocupar
em ver qual o tamanho da fila para conseguir uma mesa.
O tempo vai passando e eu já estou no meu terceiro copo de whisky.
Bernardo já me mandou mensagem dizendo que saiu do escritório e que
logo chegará. Não estou com pressa. Hoje é sexta-feira, o dia em que as
minhas preocupações são afogadas pelo álcool. No final da noite, sei que
terei que ir embora com um carro de aplicativo e depois pedir para que
alguém venha buscar o meu.
Um corpo pequeno se coloca ao meu lado, apoiando-se no bar e
logo viro meu rosto, pronto para dispensar a cantada e me surpreendo
quando vejo quem é.
— Oi, sumido! — Ela me abraça e eu retribuo o afeto.
— Anya? — Minha irmã ri e se senta ao meu lado. — O que está
fazendo aqui? — Ela olha para trás e aponta para uma mesa cheia de outras
moças.
— Estou aqui com as meninas da empresa. Uma delas vai se casar
amanhã e então resolvemos trazê-la, para comemorar seu último dia de
solteira. — Ela ri e dá um gole no meu whisky. — E você? Não achei que
esse tipo de lugar fosse a sua praia.
— Tem bebida e muita mulher bonita. Como não seria a minha
praia? — Ela ri. — Estou esperando Bernardo, ele já está vindo.
O corpo da minha irmã se empertiga e ela logo fica séria.
— Bernardo está vindo para cá?
— Sim — afirmo e dou um gole na minha bebida.
Sinto o desconforto da minha irmã com a minha afirmativa.
— Qual o problema de vocês dois? — Nunca entendi esse jogo de
gato e rato que os dois têm.
Quando adolescente, Anya teve uma paixão forte por Bernardo, mas
ele sempre pareceu indiferente a ela. Não sei se porque, de fato, era
indiferente ou se era por conta da nossa amizade. Sei que, de uma hora para
outra, eles pararam de se falar e até mesmo de se olhar, não conseguem
ficar cinco minutos dentro do mesmo ambiente. Às vezes, chega a ser
constrangedor como o clima fica pesado quando estão juntos.
— Não tenho problema nenhum com ele. Ele que parece se
incomodar com a minha presença.
Ajeito-me no banco que gira, sentando-me de frente para ela e de
repente, por cima do seu ombro, vejo um cabelo que me é muito familiar.
Castanho e um pouco abaixo dos ombros. A mulher está de costas para mim
e ainda assim, perco completamente o foco da conversa com a minha irmã e
me inclino para o lado, atento aos movimentos da mulher. Mesmo eu não
sabendo se estou vendo quem acho que estou, não desvio meu olhar em
nenhum momento. A mulher puxa o cabelo para o lado e coça um pouco a
nuca, mas não vira o rosto.
Quando Anya percebe que não estou mais dando atenção para o que
fala, olha para trás na mesma direção que eu.
— O que é? — diz, virando-se para ver o que pode ser. — O que
tem de tão importante além da sua irmãzinha? — Mas logo volta a sua
atenção para mim quando não entende do que se trata.
— Nada… — A mulher fica de perfil e consigo ver que não é
Olívia. — Eu só achei que tinha visto uma pessoa...
Sinto uma mão em meu ombro e logo me viro, vendo Bernardo falar
comigo.
— E aí, irmão... — Ele me olha, mas assim que levanta o olhar e vê
a minha irmã, sua feição muda, mas tenta disfarçar a todo custo.
Eles quase travam uma batalha apenas pelo olhar e então, Anya se
levanta sem se despedir, retornando para o seu grupo de amigas e não volta
mais a nos dar atenção.
— Qual é a de vocês dois? Sempre isso, porra — pergunto ao meu
amigo que agora se senta no banco ao meu lado.
— Não tem nada, ela que parece não gostar muito de mim.
— Engraçado. Ela falou a mesma coisa. Achei que já agiam como
dois adultos.
Bernardo ri alto e desconversa, chamando o garçom que logo vem
até ele. Meu amigo pede uma dose de whisky, assim como eu, e começamos
a conversar, deixando claro que não quer tocar no assunto de antes, o que
não me incomoda em nada.
Olho mais uma vez para a mulher dos cabelos parecidos com os de
Olívia e agora ela está aos beijos com o cara que eu nem tinha reparado
estar perto dela antes. No mesmo instante, o desejo me atinge e eu, mais
uma vez, penso na mulher que tem ocupado meus pensamentos nas últimas
semanas, e me pergunto o que ela pode estar fazendo.
Será que se eu ligar e pedir que ela venha até aqui, ela virá? Acho
que não. Esse não faz o tipo de diversão que ela gosta. Como Olívia mesma
disse, ela gosta de ficar em casa sem fazer nada. Acho que talvez eu
também goste… se ela estivesse comigo.
Ai, caralho! Para com essa porra, Dimitri. Mas que merda! Sabe do
que você precisa? Daquela loira lá da entrada. É disso que você precisa.
Olho para a entrada e por um grande acaso do destino, a mulher está
me fitando. Sorrio e levanto o copo de whisky em sua direção, como se
fosse um cumprimento e mais uma vez, ela retribui o sorriso.
Linda! Impossível resistir...
Ela volta a dar atenção a outro cliente, e o traz em minha direção.
O homem, mesmo acompanhado, tem a mesma atitude que a minha
e olha o seu rebolado, mas de uma forma discreta para que a mulher ao seu
lado não perceba.
Somos uns escrotos mesmo! Pelo menos, eu sou solteiro.
Quando ela volta, passa por mim e Bernardo e de uma forma bem
discreta, deixa um guardanapo com algo escrito ao lado do meu copo.
Bernardo, que tem a atenção em outra coisa, não dá a mínima para a ação
da loira.
Pego o papel e vejo que ela anotou o seu nome e número. Bianca.
Guardo no bolso e continuo minha noite com meu amigo. Conversamos
sobre coisas sem muita importância. Ele me fala sobre a moça que a sua
mãe o apresentou na esperança de que eles ficassem juntos, porque ela é de
uma família tão rica quanto a dele e, mais uma vez, ele não fez questão
alguma de não mostrar sua aversão a essa ideia de casamento por
conveniência.
Quem em pleno século XXI aceitaria isso?
Pelo amor de Deus. Acho que nem na minha família, que tem um
péssimo histórico de casamentos, isso foi cogitado alguma vez.
Conhecendo Bernardo como começo, é bem capaz dele ficar solteiro
se não encontrar a mulher certa.
A noite correu muito bem.
Depois de mais alguns copos de whisky e de muita conversa,
resolvemos ir embora e claro, Bernardo pede um carro de aplicativo para
ele. Quando puxo o meu telefone do bolso para chamar um carro para mim
também, o papel com o número da loira vem junto a ele e pondero se espero
o ambiente fechar para ver o que isso pode dar.
Não demoro muito para resolver a minha vida e aviso ao meu
amigo, que ficarei mais um pouco. Ele ri, sabendo exatamente o que isso
significa e não me questiona. Nos despedimos e o vejo ir embora.
Olho ao redor, procurando pela minha irmã, mas também não a
encontro. Com certeza, já foi embora faz um tempo. Deve ter vindo com as
amigas, apenas para dizer que veio e fazer uma salinha para elas. Conheço
bem aquela ali.
Aguardo até o lugar ficar minimamente vazio e o barman me avisar
que eles já vão fechar. Concordo com a cabeça e olho mais uma vez para a
loira, que ri, se despedindo de algum cliente. Espero que ele vá embora para
me levantar do banco alto e vou até ela. Paro ao seu lado e a olho, não
precisa de muito para ela entender o que quero.
— Saio em cinco minutos — me informa depois de olhar para o
relógio.
— Vou chamar um táxi.
Saio de dentro do estabelecimento e fico um pouco na calçada,
observando o movimento que ainda existe, quando vejo, novamente, a
mulher com os cabelos castanhos. Dessa vez, ela sorri para alguém e de
alguma forma muito louca, eu vejo o rosto de Olívia. Nítido. Bem ali na
minha frente. Sorrindo para mim.
Meu corpo se arrepia e por alguns minutos, penso em ir embora
sozinho e terminar a noite dentro do meu quarto, me revirando na cama,
tentando tirá-la da minha cabeça.
Cacete! Eu devo estar ficando maluco mesmo, não é possível!
Se já não bastasse a minha semana ter sido horrível, meu final de
semana também está sendo.
Na segunda, depois de buscar nossa mãe na rodoviária, viemos para
casa e mamãe nos encheu de informação sobre como estava o seu
relacionamento – de merda – com Ivan. Disse que ele havia prometido que
não tocaria mais nela, mas claro que isso durou menos de duas semanas.
Contou que um dia, ele chegou em casa e sem motivo algum, a empurrou e
bateu com a sua cabeça na parede. No outro dia, ele deu um soco em seu
olho, só pelo fato de ela ter passado na sua frente enquanto ele assistia
televisão.
Não tive estômago para continuar a ouvir tudo o que ela tinha para
falar. Entrei no meu quarto e me tranquei lá. Saí mais cedo de casa todos os
dias, apenas para não ter que trocar muitas palavras com ela e voltei mais
tarde alguns dias, com a desculpa de que fiquei presa em algumas reuniões,
chegava em casa, comia qualquer coisa e me trancava de novo no quarto.
Na sexta-feira, recebi um convite da Liz para sair com ela e com
algumas amigas. Pensei em ir, mas quando chegou a hora, dei para trás.
Patético da minha parte, eu sei, porém perdi toda a vontade de fazer
qualquer coisa.
Porque toda vez que dou de cara com minha mãe no sofá da sala, me
sinto mal.
Me sinto mal por ela ser quem é, por aceitar o que aceita, me sinto
mal por não poder fazer nada. Me sinto a pior pessoa do mundo por ver
como ela está e não poder ajudá-la em nada. Mas aí, começo a pensar que a
minha mãe é quem fez isso consigo mesma. Quer dizer, ela também tem
culpa, não? Não tem razão alguma para ela continuar com aquele homem.
Quando ela e meu pai se separaram, eu ainda era pequena, tinha
quatro ou cinco anos, nem entendia bem o que era “se separar”, apenas
aceitei que não o veria todos os dias, como antigamente. Que meu pai não
estaria em casa quando eu chegasse do colégio, lavando seu amado carro na
garagem. Pelo menos, ainda o via aos finais de semana, quando me pegava
e passeávamos de carro pelas ruas de Santo Antônio do Pinhal, vendo toda
a beleza da cidade. Nada era novidade – já que a cidade é pequena e todo
mundo conhece todo mundo –, mas todo final de semana era mágico. Com
chuva ou sol, ele estava lá.
Mamãe conheceu Ivan quando eu tinha uns oito anos e as coisas
eram boas no início. Ele era um homem legal. Sempre trazia coisas novas
para mim. Viajava muito. Às vezes, passava duas, três semanas fora. E
quando voltava, era só festa. Presentes para mim e minha mãe.
Quando eles já estavam juntos a pouco mais de um ano, minha mãe
engravidou. Eu tinha nove anos. Ivan recebeu a notícia com felicidade.
Minha mãe estava no céu. Meu pai ainda costumava frequentar a nossa casa
– sempre que Ivan não estava, já que com o tempo, o meu padrasto
começou a se incomodar com a presença do meu pai e comentava isso com
a minha mãe, que acabou fazendo comentários para papai. Mesmo que Ivan
e meu pai nunca tenham se conhecido, sempre foi quase palpável a
implicância dele com o meu pai –, mas com o nascimento de Lavínia, e
alguns comentários indelicados de Ivan – que nunca nem o tinha visto –, ele
preferiu não se tornar muito presente. Na época, ele já trabalhava na capital
como motorista e resolveu se mudar de vez, mantendo residência fixa em
São Paulo e então, eu comecei a vê-lo menos do que gostaria.
Passei a minha adolescência dividida entre Santo Antônio do Pinhal
e alguns finais de semana em São Paulo. Poucos, mas na minha opinião, os
melhores.
Estou deitada em minha cama, olhando para a minha estante e vejo a
única foto que tenho do meu pai.
Foi no dia que fomos à feira automobilística. Passamos o dia inteiro
entre os carros mais caros do mundo. Desejando ter apenas um deles.
Naquele dia, meu pai disse que pagaria a autoescola para mim e eu achei o
máximo. Eu tinha dezoito anos quando ele faleceu. Ia começar a autoescola.
Seria o meu presente de aniversário.
Paro de olhar para o retrato do meu pai e volto minha atenção para a
TV em cima da cômoda. De repente, paro em um canal e um filme antigo
do 007 está passando. Sorrio ao lembrar de Dimitri e de todos esses dias
que se seguiram.
Ri ao lembrar do comentário dele sobre Carlos. Não quis assumir de
imediato, mas gostei de vê-lo com ciúmes.
Depois lembrei do beijo no elevador, que me deixou preocupada por
conta das câmeras. Lembrei também do seu zelo quando eu chorei naquela
noite que estava sendo maravilhosa.
Mesmo que a gente mal tenha se falado durante a semana, as coisas
se tornaram especiais – pelo menos para mim. Sei que tentei me manter
dura quando disse que estava tudo bem se não acontece mais nada, mas no
fundo, eu queria que Dimitri tivesse dito que queria continuar ou algo
assim, mas ele só mostrou o quanto ficou incomodado com a presença de
Carlos. Se bem que pode ter sido o jeito dele de falar alguma coisa, não?
Odeio ficar desse jeito. Pensativa sobre coisas que não foram ditas.
Tenho uma parcela de culpa também, não posso mentir. Meu jogo de
desencontro não o agradou e logo em uma semana que não foi boa para ele.
As coisas no Monte Olimpo não estavam boas e as fofocas eram péssimas.
Cheguei até a ouvir que ele sairia do cargo para que Otávio ocupasse o seu
lugar. Quis rir do comentário, mas confesso que senti medo.
Otávio é do tipo de homem que causa medo nas pessoas. Ele usa
disso para vantagem própria.
Não conheço Dimitri tão bem assim, mas sei que ele jamais deixaria
um homem, como Otávio, nesse cargo.
Acho que a única pessoa que poderia ficar no lugar dele seria
Nikolai. E olhe lá.
Paro um pouco de pensar em Dimitri, e me concentro em assistir ao
filme – como parar de pensar no homem se estou assistindo o seu filme
favorito?
Eu estou me tornando patética.
Assisto o primeiro e assim que ele termina, já começa o anúncio
dizendo que outro irá começar, quando me dou conta, estou fazendo uma
maratona da franquia. E pasmem, existem mais de quinze filmes do agente
secreto. Mais de quinze filmes!
Jesus!
Quando vejo o meu telefone, percebo que já é tarde, e me dou conta
de que, pelo horário, eu já deveria estar caindo de sono, mas não. Não sinto
sono algum. Resolvo então ir até à cozinha e fazer algo para comer.
Abro devagar a porta do quarto, para ver se tem alguém no corredor
ou na sala e por sorte, tudo está apagado. Escuto alguns risos vindo do
quarto de Lavínia e sei que mamãe e ela estão lá dentro.
Passo rápido pela porta da minha irmã e quando chego à cozinha,
fecho a porta para que elas não me escutem.
Pego a panela, a manteiga e o milho de pipoca.
O que melhor do que pipoca para maratonar uma franquia que eu
nem gosto?
Quando já estou terminando tudo, Lavínia abre a porta e me assusto.
— Jesus!
— Não, Lavínia...
— Engraçadinha. — Faço uma careta.
— Sério que você vai ficar a evitando sempre? — Ela fecha a porta
atrás de si. — Se ela resolver morar...
— Quê?
— Olie, sério que você vai virar as costas para a sua mãe?
— Eu não vou virar as costas para ninguém, mas morar aqui é
demais. Você não acha? — Eu entendo que Lavínia tenha uma ligação bem
maior do que eu, e sinceramente, nem sei como, já que eu sou a mais velha
e logo, pela lógica das coisas, eu tenho mais tempo com ela do que minha
irmã. Mas tê-la, todos os dias aqui, para sempre?
— Não, não acho demais. Ela é a nossa mãe, Olie. Precisa da gente!
— Eu sei. Não estou negando ajuda ou coisa assim. Eu só acho que
ela morar aqui é muito... — Respiro fundo e coço minha cabeça. — Acho
muito radical. Se ela resolver ficar, a gente pode procurar um lugar próximo
para ela morar...
— Não acho que seja muito legal ela morar sozinha.
— E acha legal ela vir morar aqui, com a gente? — Novamente,
entendo que ela é minha mãe e jamais negaria qualquer ajuda a ela, mas,
sinceramente, não sei se estou disposta a dividir o mesmo teto que ela de
novo.
— Mas e se acontecer alguma coisa? E se o Ivan...
— Você sabe quantas vezes a gente tentou ajudá-la? — digo, já sem
paciência. — Lembra de que, semanas atrás, nós fomos para lá, tentar,
tentar, convencê-la a vir com a gente e deixar aquele traste? E o que ela
fez? — Não escondo a minha irritação. — Ela deu para trás, Lavínia, como
todas as vezes. Bastou ele estalar os dedos e ela foi correndo para ele. Eu tô
cansada disso! Tô cansada de tentar ajudar e ela negar a nossa ajuda.
— Mas agora é...
— Agora é diferente. Sabe quantas vezes eu ouvi isso? Desde
criança, quando nem entendia bem o que acontecia entre os dois. Diversas
vezes. Sabe quantas vezes eu precisei mentir para você para irmos para a
casa da Betina, só para não termos que ouvir o choro dela quando ele a
estava espancando? Perdi as contas. Eu não vou passar por isso de novo. Se
você quiser ir morar com ela, tudo bem! Mas eu não vou fazer isso comigo
de novo. Não vou criar expectativas, achando que ela vai denunciá-lo e vai
se afastar, sabe por quê? Porque ela não vai fazer.
— Ela vai fazer se a gente ficar do lado dela.
— E quando a gente não ficou? — eu grito, sem nem perceber que
estou gritando.
— Você? No caso, agora! — ela diz mais alto. — Você acha que é a
única que carrega esses traumas? Esse filho da puta é meu pai! Quer trauma
maior que esse?
Passo as mãos no rosto, no meu cabelo e pedindo paciência a Deus.
Odeio brigar com a minha irmã. Sei o quanto ela é apegada à nossa mãe,
mas não concordo com mais da metade da sua forma de pensar. Sei que o
que ela passou também não foi fácil, mas de alguma forma, Lavínia é muito
mais forte do que eu. Sei também que carregar na veia, o sangue de alguém
tão desprezível quanto Ivan, é duro e cruel para ela. Mas não consigo
conceber a ideia de que algo vai mudar.
Por inúmeras vezes, tentamos convencer nossa mãe de sair de casa e
largá-lo. Pedimos, diversas vezes, que apenas saíssemos de casa com a
roupa do corpo e que não voltássemos mais. Imploramos para que não
caísse mais nas falsas promessas que ele fazia — e ainda faz —, mas nada
adiantou. Vimos vizinhos indo ao seu socorro. Indo ao nosso socorro.
Sempre éramos notícia no maldito bairro.
Quando ficamos mais velhas e saímos de casa, continuamos
tentando fazê-la entender que ele não era uma boa pessoa.
Onde que uma filha vai dizer que o seu próprio pai é um crápula,
mentiroso, violento e que não vale nada?
Sempre garantimos que nada faltaria para ela. Nunca ganhamos
milhões em nossos trabalhos, mas o que temos, dava para viver bem.
Chegou um dia que, de tanto insistir, eu desisti.
Vi em minha mãe, uma dependência que não entendia e que não fiz
mais questão de tentar entender. Era como se ele tivesse se alojado dentro
dela. Se fundido em seu interior. Se misturado em suas entranhas e eu não
podia fazer nada sozinha. Lavínia ainda tentou mais algumas vezes, mas
sempre recebia a mesma resposta.
Ele vai mudar, minha filha! Ele vai mudar.
Claro que ele não ia mudar.
— Não quero conversar sobre isso agora, Lavínia. Eu vou para o
meu quarto, comer a minha pipoca, terminar de assistir qualquer merda que
esteja passando na TV, apenas para não pensar nisso. Tudo bem? — Pego o
meu balde de pipoca e passo por ela, já abrindo a porta da cozinha. Antes de
sair, viro o meu rosto e olho por cima do meu ombro. — Não vamos chegar
a nenhuma solução se agirmos dessa maneira.
Saio da cozinha e já perto do meu quarto, no meio do corredor,
minha mãe está parada na soleira da porta do quarto de Lavínia. Paro e a
olho, pensando se ela ouviu tudo o que foi dito.
Seu olho ainda está roxo, mas não tanto quanto no início da semana.
No lábio superior, ainda tem um corte, mas compramos algumas pomadas
para tentar fazer com que sare logo e em volta do seu pescoço, ainda
consigo ver as marcas dos dedos do maldito homem que fez isso com ela.
— Não quero que briguem por minha causa, Olívia. Sei o quanto
causei mal a vocês... — eu a interrompo.
— Sabe o quanto fez mal a você mesma? — Deixei de ter "não me
toques" com ela há muito tempo.
Ela abaixa o olhar e eu tenho a minha resposta.
No momento, a única ajuda que poderia dar para ela seria o
conselho para que ela procurasse ajuda de um especialista, para fazê-la
entender que, durante toda a vida, fez mal não só a mim e a minha irmã,
mas fez pior com ela. Talvez, se ela não tivesse negligenciado a sua própria
vida, nós não teríamos passado pelo que passamos. Talvez, hoje em dia,
fôssemos pessoas mais fortes. Eu, pelo menos, seria.
Entro no meu quarto e bato a porta.
Me dói fazer isso. Juro, me dói muito. Mas eu estou indo por um
caminho diferente do dela. Pode parecer egoísmo, mas para a minha
sanidade mental é necessário. Sei que ela está sofrendo. Mas e antes?
Quando quem sofria era Lavínia e eu? Ela não fez nada. Apenas acordava
no dia seguinte e fingia que tudo tinha sido apenas um pesadelo. E nós,
crianças, apenas aceitávamos, porque não tínhamos nada o que fazer, já que
o controle estava apenas nas mãos dela.
Tento esquecer tudo o que aconteceu — anos atrás e há segundos,
também —, apago a luz e me deito na cama, me cobrindo quase por inteira.
Com o balde de pipoca do meu lado, volto a prestar atenção no filme que já
está quase no final, que pelo tempo que passei na cozinha, avançou muito.
Sinto o meu corpo relaxar conforme o tempo vai passando e entre
um piscar e outro, já não sei se estou acordada ou dormindo. Me deixo levar
e sem muita luta, não vejo ou escuto nada.
Meu sábado termina assim. Com uma discussão com a minha irmã,
um balde de pipoca e uma maratona dos filmes do agente mais gato que já
se ouviu falar. Bond, James Bond.
Não vejo Olívia faz quase duas semanas.
Se eu for parar para pensar – o que fiz muito, diga-se de passagem
–, a última vez que tive algum contato com ela foi na segunda, que foi um
dia de merda por conta da visita, indesejada, de Otávio. Durante os outros
dias, não a vi, e no sábado, achei por um momento que estivesse tendo
algum problema de visão, porque pensei – eu juro que pensei – ter a visto
naquele bar.
Depois de sair acompanhado do Julio's, com a loira gostosa, chamei
um táxi, já que não tinha condição alguma para dirigir, então, deixei o carro
no estacionamento do bar/restaurante.
Me senti estranho por ter achado que vi Olívia e comecei a pensar
nela. Lembrei do final de semana e tudo começou a parecer errado.
A loira – que é claro, não consigo me lembrar o nome – e eu, era
como se não encaixasse. Me senti péssimo, mas mesmo assim, não
dispensei a moça. Fomos para o apartamento dela e agradeci por ela ter tido
a ideia porque estava prestes a informar o endereço de um hotel que já usei
muito.
Fui embora antes mesmo de amanhecer.
A transa foi boa e tudo mais, mas eu continuava a me sentir
estranho. Bianca ainda dormia quando saí. Deixei um bilhetinho para ela,
no mesmo papel onde ela anotou o seu número para mim. Acredito que ela
tenha entendido que foi sexo de uma noite apenas. O mais normal para
mim. Ou pelo menos, o que era normal.
No sábado, recebi a visita da minha irmã que, de uma hora para
outra, resolveu ser a pessoa mais atenciosa comigo. Não que ela não seja
amável, mas como uma Markova, ela tem algumas dificuldades para
expressar o que sente por alguém. Anya trouxe até Yan – seu gato – para
ficar junto conosco. Quis cozinhar e então, eu deixei. Apesar de querer a
companhia de outra pessoa.
Espantei o pensamento diversas vezes durante o dia. E toda as vezes
em que uma certa mulher ameaçava voltar à minha mente, puxava algum
assunto aleatório com a minha irmã.
No fim, tínhamos conversado sobre inúmeras coisas que nem me
lembro mais.
O domingo, foi o de sempre. Nós três, dedushka e Vera. Nossa
pequena tradição.
— Ouvi dizer que o filho do Ribeiro teve a audácia de ir até à sua
sala para te ameaçar — dedushka disse quando ficamos apenas ele e eu no
final da tarde.
— Ouviu? De quem?
— Pouco importa. Quero saber se é verdade, mal'chik. — Sempre
muito direto.
— Não diria que foi uma ameaça. Acho que ele foi até lá com a
intenção de me avisar que iria tomar o meu lugar.
— Nunca gostei daquele menino, nem quando era criança. Se
Ribeiro ainda estivesse vivo, sentiria vergonha de sua prole. Todos eles são
pessoas que jogam baixo.
— Sempre achei Eduardo uma boa pessoa. Nos encontramos, um
dia desses, em um bar e conversamos sobre alguma coisa que não me vem a
memória agora. — Eduardo Ribeiro, irmão mais novo de Otávio. O terceiro
de três homens. O segundo é o Sérgio, mas nunca tive muito contato com
esse, então não sei bem o que achar.
— O mais novo, não é? — ele perguntou apenas para se certificar.
— Talvez ele ainda tenha uma salvação. Quem sabe, se ele não se misturar
com os irmãos. Fiquei sabendo também, que ele e a sua irmã tem se
encontrado.
Anya e Eduardo? Quando?
— Não sabia? Eduardo não te falou ou o assunto não era tão
importante para ele??
— Dedushka, por favor! Não vou ficar me metendo na vida de
Anya. Ela é adulta e sabe muito bem com quem se envolve. E além do
mais, quem sou eu para falar alguma coisa?
— Você é o mais velho, Dimitri. Precisa cuidar dos seus. Não foi
isso que ensinei a vocês?
Podem brigar entre si, mas nunca deixem de defender um ao outro.
Esse era o nosso lema. Podíamos ficar dias ou até semanas, sem nos
falar, mas nunca deixamos que outra pessoa viesse e causasse mal a algum
de nós sem sair em defesa. Mas nesse caso em específico, acho que se me
metesse, Anya acabaria com a minha vida bem rápido. Ela sempre foi muito
discreta, acho que muito mais do que eu e Niko juntos.
— Nesse quesito, eu cuidarei dela se ela me pedir. Sempre dei total
liberdade para Anya vir até mim e conversar sobre o que quisesse —
expliquei a ele.
— Pelo menos ela é bem diferente do gêmeo. Nikolai ainda
continua enfurnado dentro daquela casa enorme com aquelas cadelas. Não
me entenda mal, vnuk. Eu amo aquelas criaturas, mas não é saudável para
ele viver desse jeito. Esse foi o motivo principal pelo qual não dei a
presidência a ele e sim a você. — Meu avô se levantou da poltrona,
apoiando-se na bengala e foi até à janela que dá de frente para o seu enorme
quintal. — Sei o quanto você não queria o cargo e o quanto seria ideal para
Nikolai, mas de alguma forma, consegui matar dois coelhos com uma só
cajadada. Ele, que se esqueceria do mundo e você, que se tornaria o homem
que se tornou.
Às vezes, me esqueço completamente do que aconteceu com Niko
que o deixou tão sério e fechado desse jeito. Não costumamos conversar
sobre o assunto. É pessoal demais, até mesmo para a família. E todo mundo
sabe que não devemos abordar o assunto, mas dedushka, como o homem
sábio que é, nunca esqueceu e acho que sempre fará de tudo para, pelo
menos, tornar a vida do meu irmão mais 'leve'. Quanto a mim, não tenho
tanta certeza se virei o homem que ele acha que me tornei. Não me sinto
nada preparado para carregar a imagem do sucessor que ele quer que eu
seja.
Voltei para a minha casa já de noite. Cansado, confesso. Querendo
apenas deitar e dormir com a ansiedade de chegar logo à empresa no dia
seguinte e ver Olívia. Ainda me sinto preocupado com ela depois do choro
do final de semana. Outra coisa que está na minha cabeça desde o ocorrido.
Na segunda, cheguei na empresa estressado.
Felícia me mandou mensagem dizendo que alguns dos diretores
haviam pedido uma reunião comigo e Nikolai. Não tive escolha se não
aceitar, sabia do que se tratava e já esperava a posição de alguns deles.
Otávio deve ter feito a cabeça de muita gente. Por isso, entrei na primeira
reunião do dia, já pensando no tanto que iria ouvir e ainda precisaria refutar
mais da metade.
Nikolai e eu já cogitamos, por diversas vezes, mudar o conselho de
acionistas, mas as coisas não são tão fáceis assim. Existem muitas questões
envolvidas que pode prejudicar a todos nós.
Na terça, mais reuniões, mas dessa vez, com alguns acionistas mais
jovens. Alguns que foram contratados durante a minha presidência. Um ou
outro ainda era da antiga, mas que sempre esteve do meu lado, se assim
posso disser.
Na quarta, na hora do almoço, desci com o meu irmão, combinamos
de almoçar em algum lugar e quando voltamos, encontrei Olívia no
elevador. Ela, as duas outras moças da última vez e o amigo do T.I – sempre
juntos. Foi mais uma coisa que me incomodou de uma forma que não soube
explicar.
Ela estava usando um vestido de cor clara, quase um marfim – a
peça chegava até os joelhos e tinha uma fenda discreta na coxa direita, que
marcava os lugares certos –, com o seu salto alto preto.
Precisei me concentrar muito para não ficar a olhando, porque Niko
perceberia e depois viria com a porra de um sermão para cima de mim. Eles
nos cumprimentaram e cada um desceu em seu andar, deixando por fim,
apenas nós três dentro do elevador. Niko, que estava na minha frente, não
percebeu quando Olívia e eu ficamos lado a lado, e eu, como um
adolescente fazendo algo escondido dos pais, toquei em seu dedo mindinho
com o meu. Senti o choque que percorreu pelo meu braço chegar até o meu
peito com prazer, mas ela logo se afastou de mim e quando chegou no seu
andar, saiu com Nikolai.
Fiquei mais puto da vida ainda com aquilo.
Na quinta, cheguei tarde no escritório, porque disse a mim mesmo
que não a procuraria e a deixaria vir até mim. No caminho para a empresa,
ri do meu pensamento imbecil. Claro que ela não vai vir atrás. Por diversas
vezes, Olívia já demonstrou dar ouvidos as coisas que os outros dizem
sobre mim. E daí que rolaram dois beijos – quentes –, um final de semana
de sexo – mais quente ainda – e uma intimidade assustadora, pelo menos,
para mim. Ela não tem muitas razões para me procurar, principalmente,
devido a minha 'fama'.
No mesmo dia, quando decidi descer até o 19º andar, fui
praticamente impedido por Felícia, que empurrou centenas de documentos,
vindos do jurídico, para eu olhar e assinar. Passei mais de uma hora lendo
os papéis e assinando tudo que precisava. Quando me dei conta, já tinha
passado da hora de encontrar Olívia no elevador – tenho gostado dos nossos
encontros dentro do elevador, às vezes, penso em tentar sincronizar nossas
saídas, só para tê-la comigo dentro do pequeno lugar. Saí da empresa
bufando de raiva, com a certeza de que no dia seguinte, iria atrás dela.

Chego um pouco mais cedo do que costumo.


Subo até o meu andar e vejo que Felícia ainda não chegou. Deixo a
minha pasta em minha sala e desço até o 19º. Sei que Niko também não
chegou, pois, ontem à noite, me avisou que não chegaria cedo por conta de
um outro compromisso que teria. Pensei que pudesse ser um sinal, não que
eu acredite muito nessas coisas, mas, no desespero, a gente se apega a
qualquer coisa.
As portas do elevador se abrem e eu dou o primeiro passo para fora
dele, vendo que talvez ainda não tenha ninguém aqui. A mesa de Olívia está
vazia.
Não, espera aí...
Vejo de longe a sua bolsa sobre a cadeira. Dou mais um passo e olho
para o lado dos janelões e a encontro parada, com os braços em volta do
corpo, olhando, feito uma estátua, para a rua abaixo de nós. Tão
concentrada que nem notou a minha presença.
Vou até lá ou não?
Claro que vou. Já estou aqui!
Ando devagar, com medo de que ela perceba a minha presença.
A abraço pelas costas e sinto o leve tremer que ela dá,
provavelmente pelo susto. Fico com receio de que ela tente escapar do
abraço, mas para a minha surpresa, sinto seu toque ao segurar meus braços
e repousar sua cabeça em meu ombro, me dando espaço para colar meus
lábios em seu pescoço.
Ah, esse cheiro. Adoro o cheiro dela.
Deposito beijos pela pele de seu pescoço e a escuto soltar um leve
gemido, que ativa meu pau no mesmo instante. Subo em busca de sua boca
e quando a encontro, a beijo com um desespero que eu nem sabia que
sentia. Viro-a de frente para mim e colo seu corpo ao meu novamente. Sinto
que esse beijo é diferente dos outros dois. Me lembro dos beijos que demos
dentro do elevador. Era parecido com esse. Tinha mais... afeto, não era
apenas desejo ou tesão. Era de algum tipo de acalento.
Quando que ela tinha conseguido me deixar maluco desse jeito?
Suas mãos estão entrelaçadas em meus cabelos e minhas mãos estão
em sua cintura, descendo para a sua bunda. Hoje ela está usando uma calça
social preta e uma camisa de seda escura, de um tom de grafite ou algo
assim. E os cabelos estão em um rabo de cavalo.
Linda. Como sempre.
— Senti sua falta, Srta. Olívia.
Distribuo beijos por toda sua face e a vejo esboçar um leve sorriso.
— Me diga que vai lá para casa hoje de novo, por favor — pergunto,
não entendendo o meu tom quase implorativo. — Eu só te devolvo na
segunda-feira. — Segunda? Mas e o domingo com minha a família?, eu
penso.
— Não posso. — Ela sai do abraço e se afasta um pouco, indo em
direção à sua mesa
— Por quê? — Não pode ou não quer? Existe uma diferença entre
eles.
Vou atrás e seguro seu antebraço para fazer com que ela se vire para
mim.
— Não posso, Dimitri. Tenho algumas questões para resolver e...
— Resolve depois...
— Não posso resolver depois. — Ela olha em meus olhos hoje pela
primeira vez e eu vejo que estão vermelhos.
Ela estava chorando?
Caralho, Dimitri, você é um imbecil mesmo.
— O que foi? — Passo a mão em seu rosto, na tentativa de fazer um
carinho, mas ela logo se afasta de novo.
— Nada que possa ser resolvido depois.
Mesmo sabendo que ela vai se afastar, a abraço. Ela reluta um
pouco, mas como na noite que me assustou, depois de alguns segundos, me
abraça pela cintura e sinto seu corpo mexer. Afundo o seu rosto em meu
peito e eu apenas afago sua dor, seja ela qual for.
Olívia chora baixo e eu faço carinho em seu cabelo. Vê-la desse
jeito, de novo, me causa arrepios. Como eu gostaria de saber o que a
assombra. Talvez eu possa ajudar, não sei. Talvez seja mais fácil se ela
simplesmente se abrir comigo.
Olha só quem fala, o hipócrita que finge não ter trauma algum. Que
não se abre com ninguém e se acha incapaz de tantas coisas por conta do
que já aconteceu. Se ela não quer falar, não insiste. Não é isso que eu peço
para os outros fazerem comigo?
Levanto o seu rosto e beijo seus lábios de novo. Um beijo que mexe
ainda mais comigo do que o primeiro. Definitivamente, não é apenas tesão.
Olívia é diferente das outras mulheres com quem já saí. Ela é
sensível e delicada, mas ao mesmo tempo, tenho a sensação de que se
transformaria em uma verdadeira tempestade. Daquelas que devastam os
lugares. É prazeroso estar com ela, mesmo em silêncio, é tranquilo e
gostoso.
Continuamos a nos beijar e, ao escutar um pigarrear, nos afastamos.
Niko.
— O que está acontecendo aqui? — Ele reveza o olhar entre Olívia
e eu.
Meu irmão leva as mãos até suas têmporas. Com certeza, achando
que toda essa situação vai lhe causar uma grande dor de cabeça.
— Nada — digo.
Olívia me olha e vai em direção à sua mesa de cabeça baixa. Até
parece que vivemos em uma ditadura dentro dessa empresa.
— Um beijo não é nada, Dimitri.
— Sr. Nikolai...
— Olívia — Ele se vira para ela e levanta a mão —, por favor.
Dimitri, na minha sala. — Já falei que, às vezes, ele parece ser o mais
velho? Pois bem... Às vezes, é bem assim que parece.
Meu irmão segue até sua sala e me espera na porta. Me sinto indo
para um abatedouro e nem sei o porquê de tudo isso. Ele já sabe, só finge
que não. Eu também poderia apenas dizer que estamos saindo e pronto.
Nada vai interferir no trabalho, como também poderia não dizer merda
nenhuma e continuar a fazer o que faço, e ponto-final. A porra da vida não é
minha e dela? Não somos adultos para entender todos os riscos? Então, é
isso aí.
Nikolai nunca foi de se importar com isso. Não tô entendendo toda
essa preocupação. Ainda acho que ele pode ter amolecido o coração e estar
apaixonado por ela.
Não seria surpresa, Olívia é linda, inteligente, uma mulher
interessantíssima, ótima de cama e qualquer homem se interessaria por ela.
Por que estou tão incomodado pensando em outros homens
interessados nela? Por que a ideia do meu irmão também estar – também? –
interessado nela, me causa incômodo?
Entro e ele bate à porta com força.
— Yebena mat’[20] Dimitri! — ele grita na nossa língua. — Não
acredito que você está dormindo com ela. O que eu disse a você? Você não
tem jeito mesmo, não é?! Acha que tudo é uma grande brincadeira! A
takzhe! [21]
— Primeiro, no fundo, você já sabia. E segundo, qual é a merda do
problema nisso? Não somos adultos? A gente sabe o que está fazendo...
— NÃO! NÃO SABEM! — ele grita mais do que da última vez.
— Como não? Se você está preocupado com assédio ou coisa do
tipo... — tento explicar, mas ele me corta.
— A porra do problema... — Ele olha para a porta e tenta se
acalmar. Percebe que estamos ficando exaltados e que talvez, apenas talvez,
Olívia tenha escutado essa discussão.
Niko passa as mãos no cabelo e parece estar reticente em me dizer o
que está acontecendo. Porque eu sei que tem alguma coisa acontecendo e
ele não quer me falar o que é.
— O que é que está acontecendo? Já é a segunda vez que você faz
isso...
— Isso o quê? — Ele é péssimo em disfarçar.
— Não se faça de idiota, porque eu sei bem que você não é! É a
segunda vez que você diz que tem problema se tiver algum possível
envolvimento entre nós dois.
— Possível? O beijo que eu vi ali, já me diz que não é mais só
possível. Já está acontecendo!
— Nikolai!
— Caralho, Dimitri... — Ele me olha e vejo em seus olhos que o
que ele está prestes a me falar, vai me foder de alguma forma.
— Nikolai...
— O padrasto dela é o Vladmir! — Coloca as mãos na mesa e deixa
a cabeça cair em pura derrota.
Eu continuo parado, tentando organizar as palavras dele na minha
cabeça. Tentando digerir o que ele acabou de falar.
— Eu descobri isso algumas semanas atrás. Comecei a receber uns
e-mails com endereços estranhos e então pedi para que um dos rapazes do
7º andar verificassem e eles viram que os e-mails vinham de um lugar longe
daqui, no interior.
— Santo Antônio do Pinhal. — Ele concorda com a cabeça.
— Quando ela me pediu para tirar uma semana de folga, e disse que
estava indo para lá, algo na minha mente acendeu e eu sem pensar muito,
pedi para um amigo investigar um pouco a cidade. Entreguei a ele uma foto
de Vlad. A cidade é pequena. Todo mundo conhece todo mundo. Não seria
difícil descobrir se tivesse alguém novo por lá. Imagina a minha surpresa,
quando no terceiro dia, ele me ligou dizendo que me custaria bem menos se
eu apenas pedisse para a moça que trabalha comigo me apresentar ao pai
dela.
Me sento na cadeira, ainda não acreditando em nada do que meu
irmão me diz.
— De início, não acreditei, mas aí, esse meu amigo me mandou
algumas fotos e as minhas dúvidas foram embora. Eu achava mesmo que
ele poderia ser pai dela. Claro que era óbvio que ele tinha duas vidas, duas
famílias, já que passava muito tempo viajando. Seria razoável. Quando
Olívia voltou, como quem não quer nada, perguntei sobre como estava a
família e ela me disse que estava bem, o maior problema era o padrasto, que
não era uma boa pessoa e acho que...
— O quê? Ele já a agrediu? — Nem sento quando me levanto da
cadeira e me debruço sobre a mesa. — Me diz, caralho!
— Não! Mas acho que agride a mãe e já fez com a irmã. — Ele faz
uma pausa. — Que é filha dele.
Arregalo os olhos com a informação.
Imediatamente, a imagem da moça, que abriu a porta e apareceu na
soleira, vem à minha mente. Fiquei curioso com a semelhança que vi entre
ela e minha irmã. Não foi por menos.
Me sento de novo. Tentando, mais uma vez, organizar tudo na
minha mente.
— Isso quer dizer que...
— Anya e eu temos uma irmã. E ela é irmã da Olívia.
Não quero escutar mais nada.
Saio da sala feito uma bala. Passo direto pela mesa de Olívia, que
está de pé, mas não trocamos nenhuma palavra. Apenas um olhar, que não
sei dizer se é de ódio, pena ou lamentação.
Ódio daquele homem que estragou a minha infância.
Pena de mim, por ter que saber que ele ainda está vivo
E lamentação, por mim e Olívia, que fomos 'agraciados' com a
presença dele em nossas vidas. E ainda mais por nossos irmãos serem filhos
dele.
Chego no meu andar e me tranco em minha sala.
O dia, que começou muito bem, vai terminar da pior forma possível.
Me senti péssima durante o dia inteiro.
Não imaginei que Nikolai fosse ficar tão nervoso como ficou, claro
que eu tinha receios sobre esse envolvimento, mas constatar, de fato, que
ele é contra, me deixou surpresa.
Eu sabia que isso não daria certo. Sabia que quando ele descobrisse
o que está acontecendo entre Dimitri e eu - seja lá o que for isso - não
ficaria satisfeito.
Quando eles começaram a gritar na sala, tive vontade de entrar lá e
tentar resolver da melhor forma possível. Tentar argumentar com o Sr.
Nikolai que nenhum de nós teve culpa e que tudo aconteceu tão de repente
que nem nós mesmos estamos entendendo o que está acontecendo.
Na realidade, não está acontecendo nada de tão importante, não é?
Foram alguns beijos e um final de semana. Nada que vá mudar as coisas.
Pelo menos, para Dimitri, que acho que já deve estar acostumado.
Mas será sem importância para mim, já que sou eu que não sou
acostumada a ter relacionamentos casuais nessa história toda?
Relacionamentos? Dimitri e eu não temos um relacionamento,
minha mente me alerta.
Quando Dimitri saiu da sala, depois de gritar a plenos pulmões com
o irmão, passou por mim sem dizer, ao menos, uma palavra. Mas afinal de
contas, o que eu estava esperando? Como a minha mente costuma me
lembrar sempre, não temos nada. É uma coisa passageira. Não vou achar
estranho se amanhã ou depois, Dimitri nem mesmo olhar na minha cara.
Ou vou?
Que droga! Detesto quando não consigo controlar bem as coisas.
Ainda mais quando se trata de sentimentos.
Olívia, você não pode ter sentimentos por ele. Não se complica
mais.
O dia passou e eu falei pouquíssimo com o Sr. Nikolai – que não
parecia nem um pouco satisfeito. Evitei o máximo que pude. Entrei em sua
sala, apenas para o necessário e quando ele saiu – antes do horário habitual
–, tomei coragem e tentei conversar com ele.
— Sr. Nikolai, eu...
— Olívia, por favor, não estou com cabeça para conversar agora. Sei
que você não tem culpa alguma. Conheço o meu irmão e sei o quanto ele
pode ser persuasivo quando quer. — Mas não foi apenas ele, quis dizer,
contudo ele não me deixou. — Sei também o quanto ele é inconsequente
quando se trata de mulheres. Então, por favor, se puder deixar essa conversa
para outra hora, eu agradeço.
Ele saiu e eu me sentei na cadeira novamente, senti uma vontade
absurda de chorar e já que estava sozinha no setor, me dei ao luxo de deixar
as lágrimas rolarem. Acho que o meu choro se misturou com algum outro
tipo de coisa, que desconheço, porque comecei a me sentir pior do que já
estava.
Lembrei-me de Lavínia querendo ajudar a nossa mãe e eu, bem ou
mal, negando a ajuda. Lembrei de minha mãe com o olho roxo e o lábio
machucado, tentando tapar as evidências de uma agressão com a merda de
uma maquiagem vagabunda, que não serviu em nada.
Durante a semana, mamãe recebeu várias ligações de Ivan, o que só
piorou o seu estado, pois ela tremia de medo a cada toque de telefone.
Pedimos que ela jogasse aquele aparelho fora e mudasse de número. Ela
disse que o fez, mas quando eu fui arrumar suas coisas, no armário de
Lavínia, encontrei o aparelho escondido entre algumas roupas. Fiquei mais
puta do que deveria e acabei explodindo com ela mais uma vez.
Mostrei a Lavínia, e vi muita decepção no olhar da minha irmã, o
que só me feriu mais. Ela, sinceramente, não entende a dependência que
nossa mãe tem daquele homem.
Me lembrei da quarta-feira, onde encontrei Dimitri no elevador e
senti meu corpo inteiro se arrepiar. Me torturei silenciosamente, porque não
estávamos sozinhos e quando ele encostou em meu dedo, senti vontade de
chorar por não poder retribuir o toque singelo. Percebi naquele momento, o
quanto senti sua falta – e eu ainda tenho a capacidade de pensar que será
passageiro para mim… Hipocrisia da minha parte.
Chorei também por lembrar de hoje, mais cedo, quando ele chegou.
Sabia que era ele. Ouvi o barulho do elevador e o seu cheiro chegou até
mim antes mesmo que ele chegasse. Deixei que me abraçasse, porque
precisava daquilo. Precisava senti-lo. Precisava dele. Precisava ter sua pele
junto à minha. Por mais que me negasse esse simples prazer.
Quando me beijou, esqueci momentaneamente de todos os meus
problemas. Só queria seu beijo, seu sabor, seus lábios. Ponderei em aceitar
seu convite para passar o final de semana de novo com ele. Mas a minha
realidade não me deixou. Não posso simplesmente fugir de algo que vai me
perseguir a vida inteira. Preciso resolver o que tem me tirado a paz há
alguns anos. Depois pensarei em todo o resto. Depois pensarei apenas em
mim.
Mas será que vale a pena? Sempre me deixar para depois? Quer
dizer, eu tenho carregado o que me aconteceu nas costas há tanto tempo.
Será que eu não posso simplesmente esquecer um pouco e curtir o que
quero? Ou quem sabe me abrir com que possa me ajudar de fato?
Olho para o relógio e vejo o horário. Vou ao banheiro, limpo o meu
rosto e respiro fundo. Mesmo sem coragem, me encaminho até o elevador e
subo até o 20º andar. Não sei se ele estará lá. Pode ter ido embora antes
mesmo do irmão, mas eu vou tentar mesmo assim.
As portas se abrem e o andar está vazio.
Droga! Ele já foi.
Felícia não estar em sua mesa, não é um bom sinal.
Saio do elevador e ando em direção à mesa da secretária, olhando
bem para ver se não tem mesmo nenhum pertence da mulher ali. Como
imaginei, nada.
O computador está desligado. E a porta da sala de Dimitri está
fechada.
Respiro fundo, fechando os olhos e pensando no que posso fazer
para ir atrás de Dimitri. Penso em tudo o que consigo, mas minha mente
não consegue pensar em muitas coisas no momento. Posso ligar para ele ou
ir até sua casa – por mais que não saiba bem chegar lá, mas para tudo se dá
um jeito e tudo o que eu mais quero é resolver isso.
Chuto o pé da mesa, vendo que não tenho nenhuma solução, mas
acabo sentindo uma dor insuportável nos dedos do pé. Que ideia brilhante,
Olívia!
— Que merda! — falo alto. Com raiva, pela dor e por ele não estar
mais aqui.
— Mas o que... — Me viro rápido e meu coração acelera.
Dimitri está parado na porta, olhando para mim, com uma expressão
de surpresa. Acho que, talvez, eu seja a última pessoa que ele queira ver.
Vamos, Olívia! Coragem!
— Eu... — Respiro fundo. — Eu queria saber como...
— Como eu estou?
Afirmo com a cabeça.
Ele abre espaço e pede para que eu entre em sua sala. Lentamente,
ando até sua sala, passando por ele bem devagar. Escuto a porta se fechar
atrás de mim, mas Dimitri não se move. Apenas se mantém parado, de
costas para a porta.
Viro-me e o olho.
Seus olhos gritam tristeza. Uma tristeza quase palpável. E mais uma
vez, eu me culpo internamente pelo que aconteceu.
— Dimitri, eu... — começo a falar. — Me desculpe. Não queria que
você brigasse com o seu irmão, eu... — Sou uma covarde, não consigo nem
formar uma simples frase.
— Tudo bem. A culpa não é sua, Olívia. — Ele passa por mim, indo
em direção ao janelão igual ao que tem na minha recepção, mas no andar
dele, a sala é disposta diferente. — Ninguém tem culpa, Olívia. Isso é...
complicado. — Para em frente aos vidros escuros, colocando as mãos no
bolso da calça.
Ando até ele, mas paro faltando alguns poucos passos. Levanto
minha mão na intenção de tocar em seu ombro, mas paro com ela no ar,
repensando meu ato. Talvez, ele não me queira por perto agora. Talvez, ele
não me queira por perto mais.
Assim como eu estava mais cedo, ele continua parado, olhando para
nenhum ponto em específico. Escuto apenas o seu respirar. Vejo seus
ombros subirem e descerem em uma respiração pesada.
— Me diz por que chorou naquela noite, Olívia. — Me mantenho
calada, processando seu pedido.
Por que isso agora?
— Eu gostaria de deixar isso...
— Por quê, Olívia? Me diga o que aconteceu — diz mais uma vez,
mas seu tom de voz foi diferente. Exigente. Autoritário.
— Isso foi há muito tempo, Dimitri... — reluto mais um pouco. —
Eu era criança e...
— Vai me dizer ou não? — Se vira para mim. Sério. Muito mais do
que eu imaginaria que ele estivesse.
Não, penso em dizer, secamente, para ele.
Ele não tem nada a ver com o que aconteceu no meu passado. Não
tem por que contar para ele o horror que vivi quando era criança. Dimitri
não vai me ajudar em nada.
Ele mantém o olhar em mim, esperando que eu diga alguma coisa.
Exigindo que eu lhe diga o que aconteceu. Mas não quero. Ele não
entenderia.
— Vamos, Olívia, estou esperando…
— Não quero falar sobre isso… por favor. — Minha voz está
embargada. Sinto que o choro pode me atingir a qualquer momento.
Dimitri se vira novamente para a direção dos janelões e vira o rosto
de leve, olhando por cima dos ombros.
— Quando sair, feche a porta. — Volta a olhar para a rua à sua
frente e eu senti como se tivesse levado um soco na boca do estômago.
Senti uma lágrima escorrer pela minha bochecha e soluço, sem querer. Levo
minha mão à boca, tentando abafar o som do choro que eu não conseguia
mais segurar. Dimitri se vira novamente para mim e vem em minha direção.
— Olívia, por favor. Me diga o que aconteceu com você.
Levanto meu olhar até encontrar o dele. Respiro fundo e tomo
coragem para encarar isso de frente.
— Eu tinha dez para onze anos. Acordei no meio da noite, porque
senti sede — começo a falar e a lembrar da noite que me marcou para a
vida inteira. — A casa estava escura, mas assim que cheguei no corredor
que dava para a cozinha, vi pela fresta da porta, que a luz da área estava
ligada. Eu fui me aproximando aos poucos e bem longe, ouvia um choro.
Tentei ignorar, porque era fino, quase imperceptível, parecia tipo um choro
de gato e era muito normal ter alguns animais perto de casa. Fui para a
cozinha e o choro começou a ficar mais alto. — Dimitri arregala os olhos e
sua respiração se torna mais forte. — Até que eu ouvi a voz de um homem.
Ele falava 'Para de chorar, para de chorar, porra!', e eu conhecia aquela
voz. Era o marido da minha mãe. O Ivan. Eu não conseguia me mexer
ouvindo tudo aquilo. A voz dele, o choro de tristeza que vinha da outra
pessoa. Meu corpo paralisou. Eu não sabia se voltava ou se continuava ali
parada.
“Quando terminou, ouvi a porta de trás abrir e fechar. Sem pensar
duas vezes, abri a porta da área e quando olhei para o lado, vi uma menina.
— Minha voz começa a ficar embargada pela memória que carrego. —
Uma menina, um pouco mais velha do que eu. Devia ter uns doze ou treze
anos. Ela estava no chão, entre o tanque e a máquina de lavar. Usava uma
roupa que estava rasgada. Que só depois, eu entendi que alguém tinha
rasgado. E ela tinha sangue entre as pernas. — Os olhos de Dimitri
arregalam a cada palavra dita. — Achei que ela estivesse desacordada, pois
não se movia, apenas tinha alguns espasmos e tremia. Eu não conseguia sair
de onde estava. Fiquei petrificada vendo aquela cena.
— Ele...
Crispo os lábios e fecho os olhos, deixando as lágrimas caírem.
Afirmo com a cabeça para a pergunta não feita de Dimitri, mas que entendi
muito bem.
— Eu não consegui ajudar a menina e eu a conhecia de vista. Era
quase minha vizinha. — Eu choro sem parar, lembrando daquela noite
horrível. — Eu não consegui ajudá-la, Dimitri. — Coloco as mãos no rosto,
tentando escondê-lo. Tentando esconder a minha vergonha.
Sinto o abraço forte de Dimitri. Os braços me envolvem e eu apoio
o meu rosto em seu peitoral. Consigo ouvir seu coração bater acelerado. Ele
beija minha cabeça e diz:
— Não se culpe, kroshka, não foi sua culpa. Não chore. — Me dá
outro beijo e me faz um afago. — Esse homem que é um monstro.
— Me desculpe! — repito, me sentindo cada vez pior por ter
lembrado. — Eu não consegui. Não consegui fazer nada. Eu só tinha dez
anos... — Ele me faz mais carinho, pedindo para que eu pare de chorar.
— O que... o que aconteceu depois, Olívia? — Me afasto de seu
peito e levanto o olhar até encontrar os olhos de Dimitri.
— Como não consegui fazer nada, simplesmente voltei ao meu
quarto e me tranquei lá. Não consegui dormir mais naquela noite e comecei
a ficar com muito medo de Ivan. — Seu maxilar trava quando digo o nome
do homem. — De manhã, fiquei com mais medo de minha mãe dar de cara
com a menina, deitada no chão gelado da área e me levantei antes dela.
Quando cheguei ao lugar, não tinha mais ninguém, mas ainda tinha sangue
no chão. Eu limpei tudo e fingi que nada tinha acontecido. — Apoio meu
rosto em seu peito de novo, chorando mais do que antes. — Eu fui uma
covarde!
— Shh! Não, kroshka, não foi não. Você mesmo falou, só tinha dez
anos... Era uma menina. — Seu abraço se torna mais forte e mais carinhoso.
— Vem, vamos embora, Olívia. Não me importo se você tem coisas para
fazer. Hoje você vai ficar comigo. Ligue para quem você quiser e avise que
você não irá para casa.
Ele desliga tudo, pega seu terno e descemos até o 19º andar. Me
espera enquanto arrumo minha mesa e pego as minhas coisas. Quando
entramos no elevador, ele me encosta no espelho, coloca o dedo em meu
queixo, erguendo a minha cabeça até que nossos olhos se encontrem. Me
olha, bem no fundo dos olhos, como se estivesse vendo a minha alma, e me
beija. Um beijo casto, de uma forma terna, com afeto.
— YA pozabochus' o tebe, kroshka.[22]

Não sinto direito quando chego à casa de Dimitri. Sinto apenas


quando sou erguida e colocada em uma cama fofinha. Meu corpo ainda está
adormecido por conta de todas as lembranças e por conta de tudo o que
disse a ele.
Todas as lembranças que me sufocavam.
Sinto o edredom macio tocar minha pele e logo depois, sinto os
braços fortes de Dimitri me envolverem. Sua respiração está na minha nuca
e me arrepio cada vez que ele respira fundo. Seguro sua mão como se
minha vida dependesse disso. Não quero nunca mais sair daqui. Não quero
sair desse abraço.
Ainda tenho algumas lágrimas escorrendo pela minha bochecha,
mas elas já não pesam toneladas dentro de mim. De alguma forma, me sinto
leve. Aliviada.
Viro-me para Dimitri e ficamos frente a frente. Olho para o seu rosto
e seus olhos verdes, que fazem meu coração palpitar.
Sua beleza sempre foi visível. É inegável o quanto ele é um homem
atraente. Mas agora, olhando-o assim, percebo que ele é muito mais do que
a beleza que carrega.
Dimitri tem alguma coisa, que não permite que outros vejam. Ele
tem uma casca que exibe por aí e um interior que não mostra a quase
ninguém. Agora entendo por que Nikolai tem tanta confiança no irmão, por
mais que saiba do seu histórico com o sexo oposto.
Ele faz um carinho gostoso em meu rosto e eu fecho o olho,
sentindo-o em cada toque. Esboço um leve sorriso. Gosto disso. Gosto
desse contato.
— Está melhor? — ele pergunta baixo.
Afirmo com a cabeça, ainda de olhos fechados, sentindo o seu
toque.
— Definitivamente, eu odeio quando você chora, Srta. Olívia. —
Sorrio com o seu comentário. — Me dói vê-la desse jeito. Me senti horrível,
como da última vez. Acho que até pior.
— Me desculpe! Eu não queria... — Não queria que ele soubesse do
que aconteceu no meu passado. A gente pode até estar se 'relacionando'
intimamente, mas mesmo assim, ele ainda é o meu chefe. Ainda é o grande
Dimitri Markova.
— Tudo bem, kroshka, tudo bem! — Beija minha testa e eu chego
mais perto dele. Jogo o meu braço em cima de sua cintura e coloco uma das
minhas pernas entre as dele.
— Já estou bem para ir embora. Não quero atrapalhar o seu final de
semana, Dimitri.
— Você não ouviu o que eu falei? — Se afasta um pouco e volta a
me olhar. — Você vai ficar aqui. Vai passar o final de semana comigo,
como da última vez. E se você quiser, a gente pode até assistir aquele filme
horrível que você tanto gosta. — Beija minha boca e eu sorrio.
— Anastasia?
— Esse mesmo. — Agora, ele quem ri.
— Semana passada, eu vi todos, ou pelo menos, tentei ver, os filmes
do 007. — Beija meu nariz.
— E o que achou?
— O último ator é muito, muito bonito. Apesar de não ter muita
expressão facial. Parece que ele tem a mesma cara para todas as sensações.
Dimitri solta uma gargalhada.
— Eu perguntei o que achou da franquia e não do ator, kroshka.
O olho e pergunto:
— O que significa isso?
— Isso o quê?
— Essa palavra — digo.
— Kroshka?
— É...
— É só uma forma carinhosa para se referir a uma mulher pequena.
Não tem uma tradução literal. Quer dizer, até tem, mas não faria muito
sentido para você.
Começo a sentir sono, mas ao mesmo tempo, não quero parar de
conversar com ele sobre coisas triviais, como essa.
— Qual o sentido literal?
— Quer mesmo saber?
— Sim...
— Migalha de pão. — Dou uma risada, já com os olhos fechados.
Quase caindo no sono.
— Gosto de pão. — Ele ri um pouco mais alto.
— Gosta, é? — Afirmo com a cabeça.
— Também gosto de você. Muito.
Não escuto mais nada depois disso. Apenas sinto o meu corpo
relaxar e dormir confortavelmente. Sei que estou abraçada a Dimitri, porque
também consigo sentir o seu calor e a sua respiração.
O calor que eu tanto preciso.
Acho que estou tendo um déjà-vu.
Não um dos bons, mas, um daquela noite em que acordei sozinha no
sofá-cama na sala de cinema. Mas dessa vez, eu não reconheci o quarto,
mesmo tendo um abajur aceso ao lado da cama e uma luz bem parca vindo
das cortinas escuras. O edredom é preto e a cama é quase o dobro do
tamanho da que dormi no outro quarto. As paredes são todas brancas, mas é
um branco que chega a doer os olhos de tão claro que é. Bem a minha
frente, tem um aparador preto imenso – parecido com o do outro quarto –,
que vai de uma ponta a outra ponta na parede. Em cima dele, estão
dispostos alguns livros, alguns retratos e mais algumas coisas que não
fazem muito sentido para mim, como por exemplo... Cerro bem os olhos
para tentar decifrar o que é aquilo e chego à conclusão de que pode ser uma
bola de beisebol. Já vi essa costura vermelha nos filmes, assim fica fácil de
identificar. Acho graça quando vejo algumas réplicas de carros, com certeza
coisa de colecionador.
Na parede ao meu lado, duas estantes que vão do chão ao teto, mas
estão praticamente vazias. Apenas algumas prateleiras estão ocupadas, com
mais livros e mais alguns retratos. Identifico Nikolai em um deles e nossa,
nunca o vi sorrir daquele jeito.
Retiro o edredom – maravilhoso, por sinal – de cima de mim e
reparo que, além da roupa de cama ser inteiramente preta, a cama fica no
centro do quarto. Olho em volta e fico ainda mais abismada com o tamanho
do cômodo. Olho para cima, me lembrando do lustre e vejo outro idêntico
ao do quarto de hóspedes. Ele gosta de um certo padrão.
Na parede atrás da cama, tem duas portas escuras de vidro. Uma de
cada lado. Fico tentada a abri-las, mas repenso bem antes de fazer isso. Elas
são iguais, não tenho como saber se pode ser um banheiro ou alguma coisa
mais pessoal. Reparo que não tem armários no quarto. Será que uma das
portas pode ser um closet? Bem possível. Sendo Dimitri, acredito que ele
tenha um armário apenas para ternos e outro para os demais tipos de roupas.
Por falar em roupas...
Olho para mim mesma, me dando conta de que estou usando a
mesma roupa da noite passada. Minha blusa de seda está toda amarrotada,
assim como minha calça, que está toda torta em mim. Começo a sentir um
desconforto no meu ombro e quando passo a mão, noto que é a alça do
sutiã.
Odeio dormir de sutiã. Fico toda marcada.
Sem muita demora, enfio a mão por dentro da blusa e solto os
ganchinhos da peça de roupa que tanto detesto. Puxo-a pelos meus braços,
sentindo um alívio imenso. Chego até a respirar mais leve. Jogo o sutiã em
cima da cama e ando até a porta do quarto. Pego na maçaneta e assim que a
giro, sinto que alguém do outro lado faz a mesma coisa. A solto e me
afasto, esperando encontrar Dimitri do outro lado, mas para a minha
surpresa, quem vejo não é o homem lindo de quase dois metros de altura.
— Oi! Bom dia! — É ela, Anya. A irmã maravilhosa do meu chefe
maravilhoso.
Jesus! Que mulher estonteante. E olha que ela nem está arrumada.
— Sou a Anya. — Solta a maçaneta e estende a mão para mim. —
Dimitri pediu para que eu viesse aqui. Ele saiu. — Saiu? Para onde? —
Você dorme demais. Já vim aqui duas vezes e você parecia desmaiada.
Cheguei a ficar preocupada.
Pisco um par de vezes enquanto ela me joga toda a informação.
— Muita coisa para assimilar, não é?! — Parece que leu minha
mente. — Bem, vou tentar resumir. Dimitri me ligou hoje bem cedo,
pedindo para que eu viesse aqui ficar com você enquanto ele estivesse na
rua. Não me explicou muito bem o porquê, mas eu também não o
questionei. Espero que não se importe, porém precisei trazer meu filho. —
Filho? Ela tem um filho? — Yan está lá embaixo, mas ele não costuma
subir, é super calmo, acho que você nem vai notá-lo aqui.
Yan? Onde eu ouvi isso antes?
Ah, claro! O gato dela. Yan.
— Você está falando do seu gato, não é? — pergunto, apenas para
ter certeza.
— Sim. — Ela ri. — Vejo que Dimitri já te falou sobre ele.
— Uma vez só.
— Quer descer? — Ela se afasta um pouco da porta.
Afirmo com a cabeça e a sigo pelo corredor, como se fosse a
primeira vez que estivesse aqui.
Descemos as escadas e logo consigo escutar um miado bem fino ao
longe. Anya corre até uma caixa grande, que consigo ver que é um
transporte e abre a portinha. O gato lindo sai lá de dentro, quase desfilando.
Seu pelo é branco, enorme e brilhoso, já o seu olho, é azul feito o
céu. Ele olha para mim e sinto o desdém vindo dele. Acho que eu, se fosse
ele, também me olharia desse jeito. Ele se espreguiça e desfila até o sofá.
Dá um pulo e se ajeita perto de uma das almofadas, e simples assim, nós,
humanos, já não somos mais importantes.
— Sabe me dizer para onde Dimitri foi? — pergunto à Anya, que já
está na cozinha, mexendo em alguma coisa que não sei o que é.
— Não sei. — Ela vira apenas a cabeça e me olha sobre o ombro. —
Mas disse que não demoraria. Ele saiu já faz um tempo. Está com fome?
— Na verdade, estou sim. Mas nem sei que horas são.
— Acho que deve ser quase uma da tarde. — Arregalo os olhos.
Nem me lembro quando foi a última vez que dormi até esse horário.
— Uma da tarde? Puta merda.
Anya ri da minha expressão e acho que entendeu o quanto fiquei
surpresa por ouvir o horário.
— Vou fazer um stroganov, para nós. Você gosta?
— Estrogonofe...
— Stroganov... Não foi o que eu falei? — Solto uma risada do jeito
engraçado que ela fala. Não tem sotaque, mas fica perceptível que não é
brasileira quando fala algumas palavras em específico.
— É que você falou engraçado. — Dou um passo em sua direção.
— Não me entenda mal. É que aqui, a gente pronuncia es-tro-go-no-fe —
digo, separando as sílabas. Anya ri de mim e me chama com a mão para
chegar mais perto.
— Vou te ensinar a receita original do es-tro-go-no-fe. — Pisca o
olho e sorri.
Ela vai me mostrando onde pegar cada coisa e quando todos os
ingredientes já estão em cima da bancada, me pede para cortar a cebola em
rodelas e os cogumelos em fatias finas – já sei logo que isso não vai dar
certo. Fatias finas? Sou uma negação. – Enquanto ela corta o pedaço de
carne que pegou na geladeira.
Conforme ela vai fazendo as coisas, vai me falando o porquê de
cada passo. Nunca me imaginei cozinhando um prato tão elaborado quanto
esse. Ainda mais em uma cozinha linda como essa, na casa de Dimitri, com
a irmã dele, parecendo que somos melhores amigas de infância.
Anya é um doce de pessoa. Tem a voz calma e é atenciosa. É
educada e além de tudo, tem uma beleza que foi herdada de família. Ela me
lembra um pouco de Lavínia. Tem o rosto delicado e os olhos são de um
tamanho proporcional para o rosto. Até o formato da boca é parecido. Só a
cor dos olhos que é diferente. Já que os de Lavínia são castanhos, iguais aos
meus e os de Anya, são verdes, iguais aos de Nikolai.
— Esse prato é o favorito de Dimitri — ela diz, e eu saio dos meus
pensamentos.
— Como?
— Stroganov... É o prato favorito de Dimitri. Talvez seja legal você
aprender. Pode cozinhar para ele, se quiser, claro.
— Mas ele cozinha muito bem. Outro dia fez massa... — Mas logo
entendo o que ela quis dizer. — Nós não... — Pigarreio. — Não temos
nada... — paro de fazer o que estou fazendo e a vejo rir do meu nervosismo.
— Não estou dizendo que tem alguma coisa. Mas posso dizer, com
propriedade, que você é a primeira que, além de vir aqui, é a primeira que
dorme em seu quarto. Acho até que é a primeira que conheço. Posso
considerar isso como um bom sinal.
— Sinal de quê?
— Olívia... — Ela me olha e eu sei bem o que quer dizer. — Ele não
costuma fazer isso com outras mulheres. Acredito que você saiba disso, já
que trabalha com ele.
— Na verdade, trabalho com o Nikolai. — Ela solta uma gargalhada
alta.
— Isso é muito melhor do que eu esperava. Nikolai deve estar se
mordendo de raiva.
Franzo o cenho sem entender o que quis dizer com isso.
— Nikolai é meio avesso a relacionamentos. Tem um histórico meio
ruim. — Olha para mim de supetão. — Mas você não soube disso por mim.
Ele me mata, se sonhar que eu toquei nesse assunto. — Volta sua atenção à
panela com a carne que está dourando. — Entretanto, ele é uma ótima
pessoa, só não teve uma experiência boa. E com isso, ele tem certos
problemas para aceitar algumas coisas e com certeza, o fato de você ser a
secretária dele, vai trazer uma baita dor de cabeça.
Arregalo os olhos, já imaginando que na segunda-feira, estarei no
olho da rua.
Anya diminui o fogo e coloca o restante dos ingredientes dentro da
panela, mexendo um pouco e então a tampa, deixando que o molho ferva
um pouco. Depois de uns cinco minutos, já consigo sentir o cheiro gostoso
da comida, ela desliga o fogo e salpica um pouco de sal, páprica e alguma
coisa verde, que não sei o que é. Tem cara de cheiro verde, mas não cheira a
isso. Ela sorri para mim, satisfeita com a comida e então me pede para
colocar a mesa. Me indica novamente onde encontro as coisas e então, em
pouco tempo, já estamos nos deliciando com a refeição que ela preparou.
Um pouco depois do almoço, Anya me perguntou se eu gostaria de
tomar um banho e falou que tinha trazido algumas coisas para mim.
Agradeci e subi para o banheiro. Quando terminei, fiquei com esperanças
de descer e encontrar Dimitri, mas ele ainda não havia voltado.
Já começa a anoitecer e nada de Dimitri chegar.
Anya e eu já conversamos sobre tudo o que podíamos e não
podíamos. Ela me falou sobre a sua vida e sua empresa e como foi difícil
convencer aos irmãos e ao avô de que não seguiria os caminhos dentro da
empresa da família. Me disse também que modelou durante um tempo, mas
que não se via fazendo isso a vida inteira.
Eu falei um pouco sobre mim. Sobre a minha vida, de onde vim e o
que estudei. Ela se espantou quando disse que tinha feito faculdade de
comércio exterior e me perguntou por que eu trabalhava como secretária se
tinha essa formação. Expliquei a ela que procurei empregos na minha área
durante um tempo, mas não encontrava nada e então, quando surgiu a
chance de trabalhar dentro da empresa, eu aceitei com o intuito de crescer lá
dentro. Ela disse que achou meu pensamento muito inteligente e que, com
certeza, Nikolai devia estar me avaliando. Segundo ela, ele não dá ponto
sem nó. Perguntou sobre a minha vida pessoal e não tive muito o que falar.
Fui sucinta e quando revidei a pergunta, ela falou pouco e mudou de
assunto. Não perguntei mais. Achei justo. Se eu não falei, ela também não
precisava falar sobre o assunto.
Yan vem se esfregar nas minhas pernas e eu levo um susto quando
sinto seus pelos roçarem na batata da minha perna. Dou um gritinho e rio
com Anya.
Quando olho em direção à porta dos fundos – que dá acesso à
cozinha –, vejo Dimitri entrando.
Ele está usando uma blusa de algodão branca e calças jeans. Calças
jeans. Nunca o vi usando isso antes e posso dizer, com total certeza, que ele
fica um gostoso quando se veste casualmente. Minha vontade é de correr
até ele e me prender em seu pescoço, mas não posso.
Respiro fundo e me controlo ao máximo. Anya se levanta e vai em
sua direção, o abraçando e beijando sua bochecha. Ele ri para ela e então
me olha.
— Cuidei muito bem da sua garota, brat... — ela diz, dando um
sorrisinho para mim.
— Olívia não é minha garota, Anya... — ele a responde, mas ela não
se vira para ele e consigo ver quando revira os olhos.
— Homens... — Larga o irmão e vem em minha direção. — Acho
que posso ir embora, já que você voltou, não é? Estou louca para entrar na
minha banheira e tomar meu chá para relaxar. — Ela pega Yan no colo e o
coloca novamente no transporte. — Olívia... — Me olha. — Foi um prazer
passar a tarde com você. Espero que possamos nos ver mais. — Olha para o
irmão e pisca.
Me abraça e diz baixinho, perto do meu ouvido.
— Ele é maravilhoso. E você é perfeita para ele.
Anya vai até o irmão, deixando outro beijo em sua bochecha e sai
pela porta que Dimitri entrou minutos antes.
E assim, novamente, Dimitri e eu estamos a sós.
Ele me olha e sinto que quer falar alguma coisa, mas não diz, apenas
respira fundo e se mantém sério.
— Acredito que já tenham almoçado, não é?! — Ele olha para o
relógio no pulso e percebe que a resposta é meio óbvia.
— Tem estrog... — me detenho e digo o nome do prato em russo. —
stroganov? — digo com um tom mais de pergunta do que de certeza.
Dimitri solta uma risada e eu sorrio por vê-lo desse jeito. Ele não mudou
muita coisa, mas o sinto mais descontraído. Com menos pose de chefe.
— Anya adora cozinhar. Acho que esse é o prato que ela mais gosta
de fazer. É simples e quase todo mundo gosta.
— Ela disse que é o seu favorito. Deixamos para você, caso
estivesse com fome quando chegasse. — Ando em direção à cozinha,
passando por ele. — Se quiser, eu posso preparar um prato para você...
— Não, Olívia, tudo bem... — Paro no meio do caminho e me viro
para ele.
Sinto seus olhos passarem por meu corpo, de cima a baixo. Tenho a
sensação de que fios de choque percorrem pelo meu corpo e sinto minha
pele arrepiar. Cada pequeno nervo do meu corpo responde ao olhar de
Dimitri. Sinto meu ventre se pressionar e minha respiração se torna pesada.
— Você ficou bem com as roupas da Anya. — Aponta para mim.
Olho para o meu corpo, não vendo nada demais. É apenas um short
jeans e uma blusa regata, que eu achei que ficou marcada demais no meu
busto.
— Ela foi muito simpática me trazendo algumas roupas dela. — Sei
que foi Dimitri quem pediu. Ou pelo menos, acho que foi, até porque, como
ela adivinharia que precisaria trazer roupas para cá?
— Anya só é um pouco mais alta... — Um pouco? A mulher
modelava.
— Um pouco é eufemismo. Nem sei como eu consegui entrar nesse
short. — Passo as mãos pelo jeans, que também ficou justo nas minhas
coxas.
Dimitri olha para as minhas pernas e, sem notar, passa a língua no
lábio inferior, em seguida dá uma leve mordida. Me sinto corar com a ação
do homem à minha frente. Não sou do tipo que provoca, mas alguma coisa
dentro de mim não está resistindo a ele e é como se meu corpo o chamasse.
Implorasse por seu toque.
Quando ele chegou, senti vontade de beijá-lo. Agarrar seu pescoço e
não soltar mais. Mas me controlei, pois Anya estava aqui e não sei até que
ponto, Dimitri conversou com ela sobre nós – nós, é meio exagerado. Não
existe, um nós. Não de forma literal, pelo menos – e ele poderia se sentir
desconfortável com o ato e me afastar.
— Prefiro usar sua blusa e sua cueca — digo em tom de brincadeira.
— Prefiro que não use nada, Olívia. — Sinto o desejo escorrer pela
sua fala. E eu acabo fazendo o mesmo.
— Então vem tirar essa roupa de mim. — Com dois passos largos,
Dimitri já está agarrando a minha cintura, beijando meus lábios e me
erguendo em seus braços. Agarro em seu pescoço e envolvo sua cintura
com as minhas pernas. Consigo sentir sua excitação crescer, fazendo com
que a minha aumente cada vez mais.
Dimitri é irresistível. Não tenho nem como negar que não é.
Ele beija a pele do meu pescoço e eu fecho os olhos, sentindo a
sensação de arrepio que vai da minha nuca até a minha lombar. As mãos de
Dimitri estão em minha bunda e o sinto apertá-las. Tento fechar mais as
minhas pernas em sua cintura, como se quisesse me fundir a ele.
Quero que ele me faça sua, como da última vez.
— Dimitri... — Minha pele está pegando fogo.
Nossas bocas voltam a se encontrar e o beijo é avassalador. Nossas
línguas dançam juntas, na mesma sincronia. Rebolo um pouco em seu colo
e, mesmo tendo o tecido de nossas roupas entre nós, consigo o sentir por
completo. Minha calcinha, com certeza, já deve estar destruída.
Ele começa a andar, mas não vai em direção as escadas. Desce o
degrau que tem entre a sala e a cozinha e vai em direção ao sofá. Ele se
senta e eu permaneço em seu colo. Nosso beijo não cessa e se torna cada
vez mais quente e necessitado. Dimitri enfia as mãos dentro da minha blusa
e a puxa para cima, arrancando-a completamente de mim.
Me afasto um pouco, para que ele veja que estou sem sutiã e quando
o faço, percebo seu olhar brilhar enquanto ele admira os meus seios.
— Ah, Olívia... — Ele não termina a frase e já abocanha um deles.
Dando mordidinhas e lambidas em meu bico intumescido. Dimitri não
dispensa atenção ao outro, já que sua mão o aperta, me deixando cada vez
mais excitada.
Começo a rebolar de novo em seu colo e o escuto gemer com o bico
do meu seio em sua boca. Eu preciso dele. Preciso dele, agora!
— Dimitri...
Seus dedos correm até o cós do short e ao encontrar o botão, logo o
abre. Levanto um pouco meu quadril para que a peça passe por minhas
pernas e quando ela já está completamente fora de mim, me sento de novo,
ainda mais em cima do seu pau.
Levo minhas mãos até o botão da sua calça e a abro, do mesmo jeito
que ele fez comigo. Ele escorrega um pouco no sofá e eu consigo puxar a
calça para baixo, sem ao menos sair de cima dele.
Agora, apenas de cueca, consigo enxergar a protuberância que ele
tem entre as pernas. Enorme.
Já tinha até me esquecido do quanto ele é bem-dotado. Passo a mão
por cima do tecido e ele fecha os olhos e me dá um sorriso torto, daqueles
que faz a gente pulsar por dentro.
Acaricio o seu pau mais um pouco sobre a cueca e então, sem nem
avisar, a desço, fazendo com que ele salte para fora.
Passo a língua pelo lábio inferior e engulo em seco.
Sim! Eu o quero na minha boca.
Saio do colo de Dimitri e me ajoelho entre as pernas dele e sem
dizer muita coisa, ele sabe o que eu estou prestes a fazer.
Beijo delicadamente a cabeça rosada e já molhada com sua
excitação. Passo a língua em sua abertura, sentindo o gosto do líquido que
sai dele. Dimitri solta o ar que segurava e joga a cabeça nas costas do sofá,
levando as mãos ao rosto. Urra quando eu passo a língua por toda sua
extensão, desde o saco até encontrar a cabeça novamente. Quando chego no
topo, abocanho seu pau quase de uma vez só.
Ele é grande, claro que não consigo engolir tudo, mas o que consigo,
o faz gemer de puro tesão.
Jesus!
Como ele é gostoso...
Dimitri segura meu cabelo, que cai sobre o meu rosto, impedindo-o
de ver a cena linda que sou eu engolindo o seu pau. Nem sei de onde estou
tirando esses pensamentos, mas sendo Dimitri, certeza que ele está
pensando exatamente isso. Acelero meus movimentos e o sinto travar os
pés no chão. Ele segura minha cabeça e seu quadril faz movimentos de
entra e sai e sinto-o tocar minha garganta. Estou cada vez mais excitada e
desejando um sexo duro com ele. Sigo seus movimentos e o escuto gritar.
— Eu vou gozar, Olívia... Acho melhor... — Continuo. Cada vez
mais sedenta por ele.
Sinto o líquido quente invadir minha boca, correr por minha língua.
O pau de Dimitri pulsa, quente e duro dentro da minha boca.
Em um único movimento, ele me puxa para cima e me joga no sofá.
Abro minhas pernas e ele se encaixa entre elas. Não me dá chance de fazer
mais nada. Mas se mantém parado. Parece esperar algo, como uma
confirmação minha para continuar.
— Quero que você diga, Olívia. Quero que você peça.
Olho para ele, com a minha respiração pesada e o rosto avermelhado
– porque sim, sei que estou vermelha igual a um tomate, mas não estou nem
aí, porque é exatamente isso o que eu quero.
— Me fode, Dimitri. Me fode gostoso! — Não preciso dizer muito
mais, Dimitri entra em mim de uma única vez e eu sinto que estou no céu.
Sem demora, ele começa as investidas e eu apenas gemo. Gemo de
prazer. Gemo de tesão. Gemo de alegria por tê-lo dentro de mim. É o que eu
mais quero. Eu ansiava por isso, sem nem, ao menos, saber que era
exatamente isso o que eu queria.
Sei que não posso nutrir nenhum tipo de sentimento por ele, por
inúmeros motivos, mas no momento, não consigo pensar em nenhum e me
deixo ir. Me deixo senti-lo. Quero muito mais disso. Quero mais disso,
todos os dias.
Ele continua com os movimentos e eu vou à loucura com cada
investida.
Cruzo minhas pernas em sua cintura e os movimentos se tornam
mais fortes e mais curtos. Ele urra de prazer, nem parece que acabou de
gozar na minha boca. Se abaixa e beija minha boca com desejo. Com força.
E eu retribuo. Seu sabor é o meu favorito. E é só o que eu quero sentir, o
sabor de Dimitri.
Estou perto de gozar, muito perto e vejo que ele também.
— Não para, por favor! — imploro.
Ele estoca mais algumas vezes e sinto meu ventre se contorcer,
parece que vou me partir ao meio. Seguro firme em seu ombro e me sinto
explodir. Solto um gemido e então, chega a hora de Dimitri, que urra ao se
derramar. Dessa vez, dentro do meu interior. Quente. Delicioso. Tão
Dimitri. Tão nós.
Ele desaba em cima de mim, me abraçando e deita sua cabeça em
meu peito. Ofegante.
Eu o abraço e permanecemos deitados no sofá, que já está
escorregadio. Continuamos encaixados um no outro. Acho que ambos
estamos sem forças para nos mexermos.
De repente, como se uma lâmpada acendesse em minha cabeça. Eu
abro os olhos e olho para o teto. Começando a sentir um desespero.
Camisinha. Não usamos camisinha.
Não consigo falar absolutamente nada. Mal consigo respirar, quanto
mais dizer alguma coisa.
A quem eu quero enganar?
Transar com Olívia no sofá não estava em meus planos. Pelo menos,
não agora. Ou não hoje. Já nem sei mais o que estou fazendo. Acabamos de
transar sem camisinha e eu gozei dentro dela. Isso é um risco muito grande,
eu sei, mas ao mesmo tempo, é como se a minha mente não tivesse se
importado nem um pouco.
Quando cheguei e a vi conversando com Anya, achei que ficaria
reticente, por tê-las juntas, mas, ao contrário do que pensei, achei a cena
agradável. Olívia tinha acabado de tomar um susto com o gato da minha
irmã, que havia passado por suas pernas e ambas riram da sua reação.
Esqueci-me completamente da manhã ruim que tive.
Depois de ouvir tudo o que Olívia me contou sobre o seu padrasto –
que por pura infelicidade, também foi o meu – não me aguentei de ódio.
Mal dormi a noite, pensando no que havia acontecido com ela quando
criança. Sei que Vladmir sempre foi asqueroso e um grande de um
ublyudok[23], entretanto, fazer o que ele fez com uma criança, me deixou
completamente transtornado. Mal consigo imaginar o que Olívia sentiu
naquela noite. Sei que o que passei com ele, não foi fácil, mas ela... Ela
presenciou o que nenhuma criança deveria presenciar.
Depois de ouvir tudo aquilo, me senti horrível por não ter atirado
nele naquela noite. Eu tive tantas chances de ter evitado tanta coisa. Se eu
não tivesse deixado a arma cair naquela noite, Olívia não teria passado pelo
que passou e nem a menina que ele, provavelmente, destruiu por dentro. Ela
não teria sido mais uma vítima dele.
Comecei a ter ódio de mim mesmo. Me culpando cada vez mais.
Por conta da insônia, me levantei e fui para a sala, tentar respirar e
pensar em outra coisa. Claro que não adiantou de absolutamente porra
nenhuma. Parece que quanto mais sozinho eu estou ou quanto mais
silencioso o ambiente for, mas eu pensava em tudo o que eu não consegui
fazer.
Que inferno!
Mal amanheceu e eu liguei para Niko.
Fui até sua casa para conversarmos e fui claro o bastante para ele
entender que precisávamos conversar e que, independentemente do que
achasse, eu não manteria distância de Olívia. Se antes a queria por desejo,
agora a quero para, pelo menos, diminuir o estrago que fiz, indiretamente,
em sua vida.
— A culpa é minha, Niko.
— Claro que não é! Como poderíamos imaginar que ele fosse capaz
de fazer uma atrocidade dessa? — ele retrucou.
— Niko, é óbvio que sabíamos que Vladmir poderia ser capaz de
fazer uma coisa dessa. Esse homem é um monstro!
— Dimitri, éramos crianças. A gente viu muita coisa, passou por
muita coisa, mas não sabíamos o que se passava fora de casa — tentou
argumentar de novo. — Me lembro de que ele viajava muitas vezes, mas
depois daquela noite, é como se tudo tivesse se apagado, porque ele sumiu
das nossas vidas. Sei que com você foi pior, mas não vá por esse caminho.
Você não tem culpa.
Niko se levantou do sofá e veio em minha direção.
Eu andava de um lado para o outro enquanto o escutava falar. Ou
apenas via sua boca se mexer. Dentro da minha cabeça havia tanta coisa,
que era difícil me concentrar em apenas uma.
Ele parou na minha frente e segurou meus braços.
— Além do mais, se alguém precisa se culpar, essa pessoa sou eu.
Eu que demorei para te avisar que ele estava bem atrás de você — Niko
nunca disse isso em voz alta e sei o quanto pode ser doloroso para ele.
— Pelo amor de Deus, Nikolai. Você tinha cinco anos. Além de se
proteger, estava protegendo Anya também. Com cinco anos, uma criança
não tem que se proteger, tem que ser protegida.
— E você fez isso por nós. Nos protegeu naquela noite. — Niko me
abraça forte.
Meu irmão me puxou para perto do sofá e pediu para que eu me
sentasse.
Me explicou, com mais detalhes, como ele chegou a Vladmir – que
agora, era conhecido como Ivan – pedi para que me incluísse na
investigação que estava fazendo. Ele me confessou que desde o início, a
intenção era me contar tudo quando tivesse mais provas e tivesse certeza de
que Vladmir e Ivan eram a mesma pessoa, mas depois que me viu em sua
sala, com Olívia, sabia que algo estava acontecendo entre nós e que não
poderia mais esperar para abrir o jogo comigo.
Me explicou que não é contra um relacionamento – seja ele como
for – entre nós dois, mas que seria difícil explicar que o homem não só
estragou a nossa vida, como a dela também, além do detalhe de Lavínia ser
meia-irmã dele e de Anya.
— Você já a viu?
— Quem?
— A Lavínia — disse, me dando conta de que, talvez, ele não
soubesse o nome da moça. — É o nome dela. Da sua outra irmã.
Meu irmão abaixou a cabeça e negou, olhando para os próprios pés.
— Ela lembra muito a Anya. É uma mistura das duas. Deve ter
uns...
— Ela tem 24 anos, Dimitri. Seis anos mais nova. Eu nunca a vi
pessoalmente, só por uma foto que o investigador me mandou. — Ele olhou
para seus pés e continuou. — Você tem noção de que, antes daquela maldita
noite, onde tudo aconteceu, ele já estava com a mãe dela? Durante um bom
tempo ele traiu nossa mãe. E depois que tudo aconteceu, quando ele
finalmente saiu das nossas vidas, começou a infernizar outra família. —
Niko levantou os olhos e os fixou em mim.
— Ele teve duas famílias e não foi homem o suficiente em nenhuma
delas.
Ficamos em silêncio, assimilando tudo, tentando digerir as
informações.
— Dedushka já sabe? — perguntei.
— Contei a ele essa semana, mas não me pareceu surpreso. Acho
que ele já fazia ideia, ou já sabia de tudo, desde o início. Apenas estava nos
poupando de mais merdas. — Concordei com a cabeça.
Com certeza essa seria uma atitude do nosso avô.
Conversamos mais um pouco sobre como poderíamos, por fim,
acabar com esse homem e não chegamos à conclusão alguma. Ainda
precisaríamos de muitas outras informações.
Vladmir, por mais filho da puta que seja, é um homem esperto, que
não deixa evidências por onde passa.
Me pergunto se ele está fazendo a mesma coisa com outra família.
Sendo outra pessoa. E a troco de quê?
Quando vi, o dia já estava terminando e então, resolvi ir embora.
Pensei em como Olívia poderia estar se sentindo com a companhia da
Anya.
— Pedi para Anya ir lá para casa...
— Ela está com Olívia? — Niko pareceu não acreditar no que
escutava. — Então é sério o que está rolando entre vocês...
— Não tem nada rolando entre nós. Eu só não sabia quanto tempo
iria demorar aqui. Não queria que ela ficasse sozinha.
— Sei...
Revirei os olhos para o meu irmão e saí.
Segui o caminho para casa, ansioso para ver Olívia. Pensando no
que estava rolando entre nós. Por mais que eu dissesse para mim mesmo,
que nada estava acontecendo, algo me dizia que, sim, poderia não estar
acontecendo no momento, mas que iria. De uma forma ou de outra.
Levanto minha cabeça - saindo dos meus pensamentos - que estava
sobre o peito de Olívia e a vejo fitar o teto, com uma concentração que me é
estranha.
— Tudo bem? — Não é o tipo de coisa que se pergunta depois de
uma transa, mas sua feição não era das melhores.
— Não usamos camisinha, Dimitri.
— Eu sei. — Levanto-me de cima dela, sentando-me no sofá — Me
desculpe, eu não consegui...
— Tudo bem... Eu também não estava aguentando ficar longe de
você.
— Eu tenho todos os meus exames em dia e não costumo ou
costumava transar sem camisinha com outras mulheres. Se quiser, posso te
mostrar os resultados mais recentes. — Olho em volta, tentando encontrar o
meu celular para mostrar os arquivos que guardo no aparelho a ela. Olívia
também se senta, ficando de frente para mim. Passa a mão no meu rosto
com carinho e diz:
— Confio em você! Eu não tomo remédio, então é bom ligar para
uma farmácia e pedir a pílula do dia seguinte. Quanto mais rápido, melhor.
Não digo nada. Apenas concordo com a cabeça, mas dentro de mim,
um sentimento que me é completamente desconhecido, diz outra coisa.
Pego seu rosto com as duas mãos e beijo seus lábios. Um tipo de
beijo que eu nunca dei em ninguém.
Ela se levanta do sofá e começa a pegar as nossas roupas que estão
jogadas pelo chão. Veste a blusa e o short que usava e vai em direção às
escadas. Visto minha cueca e minha calça, ficando sem blusa.
Olívia volta, segurando seu telefone e com os olhos arregalados.
— Esqueci de avisar para Lavínia de que não iria para casa. —
Quando ela fala sobre a irmã, sinto-me arrepiar.
O que ela sentirá quando souber de toda verdade? Quando descobrir
que a irmã dela é meia-irmã dos meus irmãos?
— Me mandou um milhão de mensagens e ligou quase o dobro de
vezes. Até parece que ela é a mais velha. — A escuto rir e,
espontaneamente, eu sorrio também, pensando que tenho quase o mesmo
pensamento em relação a Niko.
Acho que deve estar no sangue de ambos, já que são parentes, não
é?
— Se incomoda de eu ligar para ela?
— Claro que não!
Olívia se senta ao meu lado no sofá e antes de ligar para a irmã,
consigo ver a foto da tela do seu celular. São as duas, abraçadas e parecendo
muito felizes.
— Oi!... Eu sei, desculpa... Onde eu estou? — Me olha e logo
desvia o olhar, direcionando-o para o chão. — Estou com a Liz. Ela me
chamou para sair ontem e... — Fica calada e eu escuto alguns gritos, que
não consigo identificar, do outro lado da linha. — Deixa eu terminar, Lalá...
— Dá uma risada e volta a conversar normalmente. — Não sei. Acho que
amanhã. Por quê? — Apenas escuta o que a Lavínia diz do outro. — Claro,
tudo bem. Só avisa que eu estou bem. Ela não precisa se preocupar. — Ela?
Existe outra pessoa? — Beijo, Lalá. Te amo! Qualquer coisa me liga.
Prometo atender dessa vez.
Desliga a chamada, mas continua a mexer no aparelho.
— Vou pesquisar algum número de farmácia... — Seguro a mão de
Olívia, fazendo com que ela pare de mexer no aparelho— Amanhã é
domingo e eu costumo ir almoçar com o meu dedushka e meus irmãos. —
Olívia mantém seu olhar atento em mim.
— Então, eu acho que já vou embora. Posso ligar para a farmácia de
casa, tem uma perto de onde... — Ela ameaça se levantar do sofá, mas eu
seguro seu braço, impedindo-a.
— Quero que venha comigo. — Ela tem o olhar surpreso. — Ligue
para Lavínia e peça para ela vir também.
Nem penso no que estou fazendo. Apenas quero que Olívia fique
mais tempo comigo e ao mesmo tempo, quero que meus irmãos conheçam a
irmã que não faziam ideia que existia até um mês atrás. Claro que Anya
ainda não faz ideia, mas Niko sabe e sei o quanto ele está curioso para
conhecê-la.
— Dimitri, não acho que seja...
— Por favor, Olívia.
— Mas... — Por fim, ela se levanta do sofá e se afasta. — O Sr.
Nikolai... — Me impressiona a lealdade que ela tem pelo meu irmão.
Me levanto, indo ao seu encontro. Seguro seu rosto novamente,
fazendo um carinho com meus polegares em sua bochecha.
— Nikolai, Olívia. Ou Niko, se preferir.
— Não posso chamá-la.
— Por quê?
— Porque vou precisar chamar a minha mãe também.
Solto seu rosto, sem um motivo plausível para isso. Não sabia que a
mãe dela morava aqui. Pensei que aquela casa, naquela cidadezinha, fosse
onde ela morava. Não imaginei que estaria aqui. Começo a pensar que
talvez, a mãe dela possa ser uma grande aliada para mim e Niko. Afinal de
contas, ela ainda é casada com aquele crápula e pelo que me lembro bem,
ele também a maltrata.
Sei que vou fazer uma merda das grandes, mas como sempre, quero
terminar logo com isso tudo. Quero exterminar Vladmir da vida de todos
nós.
— A traz também. A casa é grande. — Os olhos de Olívia parecem
que vão saltar das suas órbitas. Ela abre a boca e efusivamente, nega com a
cabeça.
— Não! Nem pensar. Eu posso ir embora daqui a pouco. Não se
preocupe em nos convidar para...
— Olívia. — A seguro pelos braços quando tenta se afastar —
Chame-as. É só um almoço. Nenhuma de vocês vai sair sem um pedaço.
Por favor, ela tem que aceitar. Além de fazer nossos irmãos – que
também são irmãos – se conhecerem, poderemos ter mais ou menos, uma
ideia de como conseguiremos acabar com o sofrimento de ambas as partes.
Claro que teremos que explicar à mãe de Olívia quem somos e qual a nossa
ligação com aquele verme, mas, pelo menos, teremos uma pessoa que sabe
algo sobre Vladmir nesses últimos anos.
— Eu ainda...
— Nada. Liga de novo para ela e diga para virem para cá amanhã.
Melhor, diz que vou pedir para o motorista buscá-las.
— Motorista?
— Sim, meu avô tem um motorista. Ele vai até lá. Diga para
estarem prontas ao meio-dia. — Me afasto dela, indo em direção à mesa
redonda no canto da cozinha e pego meu telefone que deixei ali quando
cheguei. — Vou ligar para Vera e dizer que teremos visitas amanhã. —
Meia-mentira, ou melhor, meia omissão. Ligarei primeiro para Niko. Quero
evitar que ele surte quando vê-la chegar e só depois, ligarei para Vera,
informando sobre as visitas.
Olho para Olívia para ver se está fazendo o que pedi e a vejo ao
telefone, balançando a cabeça e me olhando de canto de olho, sem ainda
entender minha atitude.
Me preparo para enfrentar Niko, mas sinto que tudo dará certo.
Tem que dar.
Olívia e eu chegamos, antes de todos, na casa de dedushka.
Somos recebidos por Vera, que abre a porta para nós e cumprimenta
Olívia com um sorriso imenso no rosto, mas quando seu olhar para no meu,
vejo que tem algo de errado.
Vovô, por outro lado, não esboça nada. Cumprimenta a mulher ao
meu lado e tenta ser o mais gentil que consegue. Nós já estamos
acostumados com seu jeito mais sério e carrancudo, mas talvez para ela e a
família, seja bem estranho ter que lidar com um senhor como ele.
Eles nos dão espaço para passar e lentamente, cruzamos o hall de
entrada. Sinto Vera ao meu lado, ela quer falar alguma coisa comigo, mas
parece reticente. Diminuo meus passos, deixando Olívia um pouco mais a
frente e então, a mulher diz com uma voz baixa.
— Tentei te ligar ontem à noite, meu bem, mas você não atendeu. —
Coço a nuca, sabendo bem o que estava fazendo. — Não se assuste quando
chegar na sala, por favor.
Começo a ficar aflito com aquilo. O que pode ser?
Olho para a frente e vejo Olívia parada na entrada da sala. Ela vira o
rosto para mim e aquele mesmo olhar de surpresa do dia anterior, está
presente novamente.
Ando rápido em sua direção e paro ao seu lado, olhando para dentro
da sala de estar. Quando meus olhos caem em cima das duas pessoas que
estão sentadas no sofá, não acredito no que vejo.
— Aparentemente, teremos mais um casal hoje no nosso almoço —
dedushka diz. direto como sempre.
— Mãe? Pai? — Mais um casal?
Meu avô me observa e depois leva o seu olhar para Olívia.
— O que…
— Poskol’ku moi deti ne prikhodyat ko mne, ya prikhozhu svoim
detyam [24], não é óbvio, meu amor.
Meu pai se levanta e vem em minha direção. Abre os braços e me
abraça forte enquanto diz no meu ouvido:
— Eu pedi para que ela avisasse antes de virmos. Sabia que você
teria essa reação.
Devolvo o abraço de meu pai no automático. Mas ainda me sinto
surpreso por vê-los aqui. E ainda mais juntos.
— Acredite em mim, meu neto. Estou tão confuso quanto você. —
Dedushka se senta em sua poltrona e apenas com o olhar, pede à Vera, um
gole de sua bebida.
Meu pai volta a se sentar ao lado da minha mãe, que permanece na
mesma posição em que estava olhando de mim para Olívia.
— Então, você é a moça que conseguiu fisgar o coração do meu
Dimitri?
Olívia fica em silêncio, apenas a olhando. Imagino que não estava
esperando isso tanto quanto eu.
— Ora, Yvannia, por favor, deixe a moça em paz. Por algum acaso,
Dimi não pode trazer amigas até aqui agora? — Vera retruca, vindo em
nossa direção, segurando uma bandeja com algumas bebidas.
Minha mãe ri do que Vera disse e a reponde:
— Verinha, eu esperei por isso durante muito tempo. Dimi não
costuma trazer amigas para casa, então, imagino que ela seja mais do que
isso, estou certa?
Todos me olham nesse momento e tudo o que quero é pegar na mão
de Olívia e sair correndo. Péssimo momento para trazê-la aqui. Ela e a
família dela. Puta merda!
Por sorte, a campainha toca e sei que são os meus irmãos.
O foco vai deixar de estar em mim, pelo menos por agora.
— Chegamos, família! — Ouço a voz da minha irmã vinda do hall.
— Como vão... — Ela estaca no meio do caminho, vendo Olívia parada ao
meu lado. — Olívia? — A abraça e então olha para dentro da sala, tendo
mais uma surpresa.
— Mat’ [25]? — quem diz é Niko, passando por mim, não dando a
mínima para Olívia. Ele já estava ciente de que ela estaria aqui. — Chto ty
zdes' delayesh'?[26] — Ele a olha, sem entender o que está acontecendo.
— Achei que minha visita seria mais receptiva. Me sinto
decepcionada com os filhos que tenho — Minha mãe diz com um tom bem
dramático.
Anya anda em sua direção e a abraça, do mesmo jeito que faz com o
meu pai. Niko e eu trocamos alguns olhares, mas meu irmão segue na
mesma direção que minha irmã e faz o mesmo que ela. Só então, quando
volta para junto de mim, ele olha para Olívia e sorri de leve para ela.
Ficamos todos em silêncio, apenas nos olhando e sinto um
desconforto horrível. Até parece que estou no meio de estranhos. Nesse
momento, Vera entra na sala e nos informa que as outras convidadas
acabaram de chegar. Anya nos olha com uma grande interrogação.
— Mais pessoas? Esse final de semana está sendo bem diferente...
O olhar de Olívia para mim é de terror. Não entendo por que ela fica
assim. Antes de sair de casa, ela perguntou mil vezes se eu tinha certeza do
que estava fazendo. Parece que tem medo, ou melhor, pavor do que pode
acontecer, sendo que ela nem sabe metade da história. Falei que tinha plena
certeza e quase deixei escapar a verdade quando disse que era para ela se
acostumar. Olívia ficou curiosa e eu, no desespero, disse que, como
estávamos ‘juntos’ – sim, fiz sinal de aspas –, o mais normal seria eu
conviver com a sua família também. Ela arregalou os olhos e eu não dei
chances para que ela pudesse falar mais. A puxei para fora, dizendo que já
estávamos atrasados, sendo que ainda não eram nem onze horas.
Enfim, o desespero de um homem. Um homem com um segredo, o
que é pior ainda.
Dedushka se levanta da sua poltrona com o auxílio de sua bengala e
espera que as duas mulheres adentrem a sala.
A irmã de Olívia vem na frente e assim que Niko coloca os olhos
nela. Seu queixo quase cai no chão.
É a primeira vez que ele tem algum contato com ela – na verdade,
contato mesmo, é a primeira vez de todos nós, mas mesmo assim, ainda é
estranho saber que ela é tão parente dele, quanto de Olívia – e acredito que
ele não achou que a semelhança com Anya fosse tão grande.
Olho minha irmã ao lado de Olívia e ela também está tão surpresa
quanto Nikolai. Anya não sabe de nada, mas ela é esperta. Na primeira
oportunidade de pescar alguma coisa, ela vai descobrir toda a verdade, sem
nem ao menos nos perguntar.
Logo atrás de Lavínia, vejo uma mulher muito bonita. Cabelos
compridos, parecido com os de Olívia, mas mais claros. Tem a pele branca
e os olhos escuros. É uma cópia mais velha da secretária do meu irmão. Ela
olha para todos nós, até colocar os olhos em Nikolai. Imediatamente, a
mulher leva a mão à boca e se torna mais branca do que já é. Seus olhos
arregalados em cima do meu irmão acendem um alerta na minha cabeça.
Ela sabe quem ele é. Sabe que ele é filho do homem que diz ser seu
marido.
A semelhança entre os dois é a coisa que mais o atormenta. Por
diversas vezes, ele já disse que deixar a barba crescer é o que diferencia os
dois.
Olívia anda até a mãe e coloca a mão em seu ombro, trazendo-a de
volta para a realidade. A mulher olha para a filha e vejo Olívia olhar bem
para o rosto da mãe. Lavínia se junta a elas e fala alguma coisa, bem baixo,
apenas para que Olívia escute. Elas balançam a cabeça. Todas concordam
com algo que fica jogado no ar.
Dou um passo à frente e me apresento.
— Olá, sou Dimitri. O che... — não termino a frase.
Não sou chefe hoje e muito menos aqui.
— Sou Dimitri. Esse é o meu avô, Bóris Markova. — Aponto para
dedushka, que mantém a posse de russo inabalável. — Vera, que é como a
nossa avó e minha irmã, Anya... — Minha irmã, por mais que esteja
surpresa, anda até as mulheres e estende a mão para um cumprimento.
— É um prazer conhecê-las. — Sorri com educação.
— E esse é...
— Nikolai — a mãe de Olívia diz e eu me espanto de imediato.
Se tinha alguma dúvida de que ela sabe quem ele é, agora não tenho
mais.
Olívia olha para a mãe e fica tão surpresa quanto eu ao constatar que
ela, de alguma forma, sabe quem meu irmão é.
Niko estende a mão e cumprimenta, educadamente, as mulheres.
Sinto a presença do meu pai ao meu lado.
— Esse aqui é o meu pai, Mikhail. E aquela... — Olho para a minha
mãe que tem os olhos fixos na mãe de Olívia. Ela está séria e troca olhares
com a mulher, que acabou de falar com o meu pai, e Lavínia.
Olho para Niko e de alguma forma, sei que pensamos a mesma
coisa. Talvez elas também já se conheçam.
Minha mãe vem em direção à mulher e para na sua frente.
— Yvannia Markova. — Sua voz sai um pouco mais ríspida do que
achei que fosse sair. Tem algo nela que me incomoda.
— Márcia. É um prazer conhecê-la.
Elas ficam incontáveis segundos se encarando e então, dedushka,
que sei que também sentiu alguma coisa, diz:
— Estamos esperando mais alguém? Estou ficando com fome e
agora que todos já se apresentaram, acho que podemos nos sentar para
comer, não é? — Ele se levanta com o auxílio de Vera e segue até a sala
para o almoço.
— Espero que ninguém espante a namorada de Dimitri — meu pai
diz enquanto segue o meu avô.
— Namorada? — Anya diz. — Ontem você me disse que ela não
era a sua garota e hoje já é sua namorada? O que eu perdi? — fecha os
olhos e continua: — Não! Esquece! Não quero saber disso. — Balança a
cabeça e faz uma cara de nojo.
— Não sou a garota dele e nem a namorada. Na verdade... Acho até
bom irmos embora. — Segura a mão da irmã e dá um passo em direção à
entrada da sala.
Anya é um pouco mais rápida do que ela e segura seu braço.
— Não, por favor... Vocês vão gostar. Eu prometo. — Arrasta Olívia
e Lavínia para o mesmo caminho que meu pai, dedushka e Vera seguiram.
Ficamos apenas Niko, a mãe de Olívia, mamãe e eu na sala. Um
quarteto sem muito o que dizer. Minha mãe continua a encarar a mulher que
parece acuada, e milhões de perguntas borbulham na minha cabeça.
Pelo jeito que elas se olham, existe alguma coisa entre elas que está
implícito. O que me preocupa é se essa coisa é boa ou ruim.
Como se lesse minha mente, Nikolai pergunta:
— Vocês já se conhecem?
Mamãe o olha e sorri.
— Como não vou conhecer a segunda esposa do seu pai?
Puta que pariu! Por essa, nem eu esperava.
— E a mim? A senhora me conhece?
— Eu descobri sobre você há muitos anos. — Ela se vira para o meu
irmão. — Encontrei uma foto sua na carteira de Ivan e, inocentemente,
perguntei quem era. Ele me disse que era o filho dele, mas que havia
morrido. — Arregalo os olhos com o que ela diz.
Quais as chances de isso tudo acontecer?
Qual era a chance de Olívia trabalhar na empresa e nos
envolvermos? Qual a chance de ela ser enteada de Vladmir? Qual a chance
de ela ser irmã da irmã dos meus irmãos? Qual a chance da mãe dela
conhecer Nikolai e minha mãe conhecer a mãe de Olívia? E pior ainda, qual
a chance de todo mundo descobrir sobre essas merdas hoje? A porra de um
domingo que tinha que ser como todos os outros.
Isso tudo era para ser apenas um almoço.
— E como vocês duas se conhecem? — Niko não perde tempo e
pergunta.
— O pai de Olívia foi motorista da família de vocês durante alguns
anos. Quando vocês ainda moravam aqui no Brasil. Um ou dois anos antes
de Lavínia nascer.
— Impossível! — agora sou eu quem diz. — O único motorista que
tivemos foi o Augusto.
— Sim...
— Desculpe-me, mas como disse que se chama mesmo? — Niko
faz outra pergunta.
— Márcia. Márcia Castanheira.
— Puta que pariu. Não posso acreditar nisso. — Passo minhas mãos
no cabelo, puxando-os para trás. Começo a andar de um lado para o outro.
Não posso acreditar mesmo. — Augusto Castanheira. Eu sabia que o
sobrenome de Olívia me era familiar, mas nunca...
— Ninguém pensaria nisso, Dimitri — minha mãe diz — Eu a vi
uma vez. Ela estava sentada dentro do carro dele.
Olho para minha mãe, sem entender o que ela diz. Viu Olívia
quando criança? Como assim?
— Era um dia de folga dele e nós estávamos prestes a voltar para a
Rússia. Olívia estava sentada no banco do carona, mas estava de lado.
Augusto veio se despedir de nós — ela explica sem olhar para mim. —
Conversamos um pouco, eu tentei convencê-lo a ir conosco para a Rússia,
mas ele me disse que não poderia deixar o bem mais precioso dele. —
Agora me olha e sorri. — Cheguei a oferecer que ele a levasse junto, mas
ele declinou de todas as formas. No final, ele deixou escapar que o atual
marido da mãe dela não era uma boa pessoa. Eu fiquei curiosa, porque algo
se acendeu na minha cabeça.
Minha mãe se afasta, indo em direção ao sofá e se senta.
— Fiquei com aquilo na cabeça durante dias e então pedi para um
amigo do seu avô investigar a vida da ex-esposa dele. — Coisas similares
entre Niko e nossa mãe. Os dois gostam de investigações. — Quando
descobri tudo, fiquei aterrorizada. Queria ajudá-lo, mas precisei pensar em
vocês.
— Por isso que adiantou a viagem? — Ela confirma com a cabeça.
— Depois do que aconteceu. Do que Augusto fez por nós. Sabia que
Vladmir queria vingança. E sabia que esse seria o jeito de se vingar do
homem que deu três tiros nele.
Fico olhando para a minha mãe enquanto junto as informações.
Nikolai se mantém parado, fazendo o mesmo que eu.
— Está me dizendo que sempre soube que ele tinha outra família e
que poderia estar fazendo mal a ela? — Não consigo conceber a ideia de
que ela sabia de tudo e ficou calada durante anos.
— O que queria que eu fizesse? Eu tinha que proteger vocês.
Olho para Niko, que parece tão incrédulo quanto eu com essa
situação, que saiu completamente do nosso controle.
Isso tudo é muito esquisito.
Primeiro que não entendi nada quando Dimitri quase implorou para
eu trazer Lavínia e minha mãe para esse almoço com a sua família. Depois,
me perguntei o que ele tinha falado sobre mim para o seu avô, que logo de
cara, já foi me chamando de namorada do Dimitri. E logo depois, mamãe
pareceu conhecer Nikolai e isso também me deixou confusa.
Quando chegamos e dei de cara com a mãe e o pai de Dimitri, que
estavam sentados no sofá da sala, senti que aquilo tudo estava sendo um
grande erro.
Agora, estamos todos aqui sentados na mesa, ouvindo apenas os
talheres batendo na louça dos pratos brancos, lindamente postos à mesa, em
um silêncio ensurdecedor.
Levanto o olhar e encontro Dimitri olhando em minha direção. Ele
parece tão mais incomodado do que eu. Minha mãe e a Sra. Markova
parecem dizer muita coisa uma para a outra, apenas com os olhares.
Lavínia está alheia a tudo, conversando baixo com Anya, que parece
estar muito entretida com minha irmã. Nikolai, como sempre, apenas
observa tudo e a todos e o casal de senhores, bem, eles conversam entre si,
e às vezes, com o pai de Dimitri, que parece tão alheio quanto Lavínia.
Consigo ver de onde Dimitri puxou a beleza. Tanto sua mãe quanto
seu pai são absurdamente bonitos. Ele tem os olhos e o corpo do pai. Mas a
personalidade, com certeza, é da sua mãe.
— A comida está muito boa, Sra. Vera — Lavínia diz, quebrando o
silêncio.
— É verdade! — a Sra. Markova confirma. — Vera sempre
cozinhou maravilhosamente bem, não é, Verinha?
A senhora sorri para a mãe de Dimitri e agradece à minha irmã,
apenas com um sorriso.
Quando todos terminam de comer, ela se levanta e segue até a
cozinha.
Duas outras mulheres vêm até a mesa e levam nossos pratos, em
seguida, as mesmas mulheres retornam com pratos de sobremesa. A Sra.
Vera surge logo em seguida, segurando um bolo lindo com uma cobertura
de ganache – pelo menos, é o que parece – com um desenho bem delicado
por ele inteiro.
— Eu não acredito! — Me espanto ao ouvir Nikolai, que estava
calado até então. — Ptich'ye Moloko?[27] Há quanto tempo eu não como
isso...
Dimitri ri e sem pensar duas vezes, assim que o bolo é colocado na
mesa, ele corta o primeiro pedaço.
— Aí, Dimitri, que chato que você é!
— O quê? — Ele olha para a irmã e não entende o motivo da fala
dela.
— Você sempre faz isso...
— Eu sou o mais velho, bebê.
— Isso não quer dizer nada — Sra. Markova é quem o responde.
Anya dá língua para ele, mas depois sorri.
De alguma forma, inexplicável, o doce conseguiu deixar o ar mais
leve e todos começaram a sorrir e conversar.
Eu comi dois pedaços do bolo, que estava divino. Lavínia disse,
baixinho para mim, que não gostou muito, porque achou enjoativo e muito
doce. Eu ri do seu comentário e ela pediu para eu não comentar com
ninguém. Afirmei que não falaria nenhuma palavra.
Depois do doce, ficamos mais um pouco na mesa e algumas pessoas
beberam café, eu era uma delas.
Anya me introduziu na conversa que ela estava tendo com Lavínia e
não percebi quando Dimitri saiu da mesa com Nikolai, sua mãe e pior
ainda, minha mãe.
De frente para a mesa onde almoçamos, duas portas francesas
abertas me deixam ver a Sra. Vera e o Sr. Markova sentados na varanda,
olhando o jardim. A mulher apontava para uma direção e eu pude ver o
homem rindo. Foi a primeira vez, desde o início desse dia, que o vi sorrir.
— O que acha, Olívia? — Anya me pergunta.
— O quê? — Ela ri, vendo que não ouvi o que falou.
— Viajar. Estamos combinando de viajar, Lavínia e eu. Você pode
vir com a gente.
— Viajar?
— Sim... Imagina, Olie. Nós três na Itália ou em Londres. Quem
sabe até Nova Iorque.
— Não temos nem passaporte, Lalá. Como vamos viajar para esses
lugares?
— Ué... A gente tira o passaporte. Não é um bicho de sete cabeças.
— É, ela tem razão. Talvez eu esteja tão incomodada com o quarteto que
sumiu, que esteja sendo uma estraga-prazer.
— Claro, a gente pode tirar sim, Lalá... — digo, sorrindo e Anya
volta a conversar com ela.
Peço licença e saio de perto das duas, com a intenção de ir atrás de
Dimitri. Mas no meio do caminho, sua mãe aparece.
— Não tivemos tempo para conversar, não é mesmo?
Fico tensa apenas de olhar para ela. É tão bonita quanto a filha, o
cabelo é de um castanho-claro e os olhos são iguais aos de Nikolai.
— Pois é, Sra. Markova.
— Yvannia. Me chame de Yvannia. Sra. Markova era minha mãe. E
agora, bem, é a Vera, por mais que ela deteste ser chamada desse jeito.
Sorrio e assinto com a cabeça.
— Nunca imaginei que Dimitri namoraria um dia.
— Nós não... — interrompo-me no meio da frase, pensando no que
dizer. Afinal, não temos nada. É apenas casual. É apenas sexo. Por mais que
talvez, para mim, não seja mais somente isso.
Começamos a andar em direção à entrada principal, passando pela
sala e saímos pela porta da frente.
Bem na minha frente, vejo uma grama verdinha e um caminho com
arbustos bem podados. Olho para os lados e vejo dois sofás de madeira,
com almofadas brancas sobre eles.
Ela se senta e eu a acompanho.
— Talvez ainda não, mas conheço o meu filho, Olívia. Sei quando
ele se interessa verdadeiramente por alguém. Conheço todos os meus filhos
e Dimitri foi o último a demonstrar algum interesse amoroso. — Aponta
para mim. — Anya foi a primeira. E acredite se quiser, mesmo com todo
esse ar sério e misterioso, Nikolai já amou muito e sofreu. — É a segunda
vez que escuto isso.
Ela respirou fundo e olhou para nenhum ponto em específico.
— Por fim, restou o meu primogênito, Dimitri. Muitas já caíram aos
seus pés, mas ele não tinha caído aos pés de nenhuma, até hoje, pelo menos.
— Yvannia, seu filho e eu... isso é apenas sexo. Acho que a essa
altura, a senhora já sabe que eu sou a secretária de Nikolai. Eles são os
meus chefes e sinceramente, acho isso péssimo, porque a última coisa que
quero, é de que achem que subi na empresa porque estava transando com
um dos donos. — Acho que fui direta demais. Mas, pelo menos, não menti.
— Não quero ser grosseira...
— Não está sendo. Está sendo sincera. E isso é uma qualidade que
admiro muito nas pessoas, Olívia.
Sorri para mim de forma sincera e continua a falar:
— Tanto, que também estou sendo sincera com você quando digo
que o meu filho, o meu Dimitri, está interessado de verdade em você.
Levanto-me do sofá, sem entender bem a minha reação. Quer dizer,
até entendo. Estou tentando ao máximo não nutrir sentimento por ele, e
sabendo dessa – possível – informação, talvez seja mais difícil me manter
longe desse homem.
— Já estive no seu lugar, Olívia. Com o pai dele, inclusive. Mikhail
foi o grande amor da minha vida, mas éramos novos demais para entender o
que era aquilo. — Ela bate no lugar onde eu estava e novamente, me sento.
— Quando engravidei de Dimitri, ainda era muito jovem e ficamos
apavorados. Eu achava que ele iria surtar e me deixar sozinha, então decidi
tomar todas as piores decisões. No final, Mikhail se mostrou a melhor
pessoa e eu me arrependi amargamente de não ter vivido o nosso amor.
Bem — ela ri —, pelo menos, acho que agora teremos essa chance.
Escuto o que a mulher diz e sinto meu coração apertar. Espero do
fundo do meu coração, que não seja uma confissão, porque acho que eu não
seja a melhor pessoa para isso. Ela acabou de me conhecer, além disso,
deveria falar isso para o filho dela, não? Mas ao mesmo tempo, entendi o
que quis dizer.
Durante o almoço, podia ver a troca de olhares entre os dois.
Provavelmente, ela deve ter vindo até o Brasil para conversar com Dimitri
sobre isso, mas chegou num dia um tanto quanto caótico.
— Mat’ — Dimitri chega, nos dando um susto com a sua voz grave.
Ele se aproxima e coloca a mão em meus ombros e apenas com esse
toque, eu me sinto acender.
Mas que merda! Não nutrir sentimentos, Olívia, não nutrir
sentimentos. Qual a dificuldade nisso? É só sexo. Isso deve ser tesão.
— Dedushka está procurando a senhora.
— Já vou até ele, mas antes preciso conversar com você, meu
filho...
Tento me levantar, mas sinto uma pressão vinda de Dimitri. Ele
continua com a mão em meu ombro e não me deixa ir.
— Não pode esperar? Queria ficar um pouco a sós com...
— Dimitri... Você tem o resto da sua vida para ficar a sós com
Olívia. O que tenho para falar é importante. Gostaria que fosse o primeiro a
saber, já que, bem, envolve você também. — Ela se levanta e quase chega
na altura de Dimitri. — Eu estou tentando conversar com você há dias e
não consigo. — Respira fundo e então diz: — Seu pai e eu vamos nos casar.
— Casar? — Olho para Dimitri, que tem uma feição de dúvida em
seu rosto.
— Sim, Dimitri. Casar.
— Tá de sacanagem? — Ele solta em um rompante e com a sua fala,
agradeço por ter soltado meu ombro. — Depois de todos esses anos?
Sobre os ombros de Yvannia, vejo o pai de Dimitri se aproximar e
segurar na cintura da mulher. De fato, eles são um casal e tanto. Parecem
com aqueles casais que estampam capas de revistas.
Eu me levanto devagar, tentando não chamar muita atenção na mini-
reunião de família que acontece na minha frente e tento sair de perto dos
três, que começaram a falar na língua natal e eu não entendo absolutamente
nada.
Sem ter muito sucesso, Dimitri percebe que me afastei e vem em
direção, segurando em minha mão e me puxa para dentro de casa.
Vamos na direção da cozinha por onde entramos e sem dizer nada,
nem ao menos tchau para os outros, Dimitri me coloca dentro do carro.
— E minha irmã e minha mãe? — pergunto.
— Anya está com Lavínia e Niko está com sua mãe. Vou pedir que
o motorista as leve em casa quando quiserem.
Ele dá partida e saímos da garagem do seu avô.
Chegamos na sua garagem, Dimitri para o carro, mas não sai de
dentro dele. Eu, sem saber o que falar, apenas me viro para ele e o observo
processar tudo o que acabou de ouvir da sua mãe. Ele não olha para mim
em momento algum. Batuca o volante com alguns dedos e então, ri.
Ele ri.
— Eu só queria ter um almoço de domingo normal, Olívia. Só isso.
— Eu sinto muito. — Sinto mesmo.
— Fica mais essa noite?
Eu quero, mas não sei se devo. Pode não ser uma boa ideia. Todo
mundo da família dele já pensa que estamos juntos, quando, na verdade,
não estamos e se continuarmos nesse ritmo, as coisas podem, seriamente,
degringolar[28].
— Por favor, Olívia. — Ele se inclina em minha direção e me beija.
— Fica, por favor.
Em questão de segundos, segundos não, milésimos, já não tenho
mais capacidade de pensar em dizer não.
— Fico.

Dimitri me ensaboa delicadamente.


Sinto a água quente correr pelas minhas costas e suas mãos grandes
passeiam por meu corpo. Fecho os olhos e sinto todas as sensações que ele
me proporciona.
Ele me puxa mais para si e sinto seu peitoral encostar nas minhas
costas. Beija meu ombro enquanto ensaboa minha barriga e desce
lentamente até encontrar meu sexo. Sei que já estou molhada, só não
consigo identificar se é da minha excitação ou da água que corre pelo meu
corpo.
Apoio minha cabeça no ombro de Dimitri enquanto ele massageia
meu clitóris. Sinto o prazer se espalhar por meu corpo inteiro, me
relaxando. Me delicio da sensação de prazer que esse homem me dá. Sim,
porque ele me dá mais prazer do que qualquer outro já me deu – não que eu
tenha tido tantos outros e tenho certeza de que, depois dele, será muito
difícil não fazer qualquer tipo de comparação.
— Olívia, você é perfeita — ele sussurra em meu ouvido e sorrio ao
ouvir o que ele diz. Volta a beijar meu pescoço e desce até meu ombro, me
dando leves mordidas. Refaz o caminho até chegar no lóbulo da minha
orelha. — Eu quero te comer aqui, Olívia. Vamos esquecer do mundo lá
fora e ser apenas você e eu. Aqui. Apenas você e eu.
Concordo com a cabeça e me viro para ele, jogando meus braços ao
redor de seu pescoço e encosto meus lábios nos seus, sentindo o gosto que
eu tanto adoro. Que eu aprendi a gostar e a desejar cada dia mais. Sabor de
Dimitri.
Ele me agarra pela cintura e me impulsiona para cima, fazendo com
que minhas pernas entrelacem sua cintura. Me encosta na parede e
posiciona seu pau na minha entrada. Respiro fundo, pronta para senti-lo por
completo e quando o momento chega, eu arfo de prazer.
Nossos olhos não se desgrudam em momento algum enquanto
Dimitri investe contra mim. Ele segura minha bunda e a aperta apoiando
minhas costas na parede de azulejo. Eu gemo e toda vez que tento fechar os
olhos, Dimitri pede para que eu os abra.
— Quero que goze olhando para mim, Olívia. Abra os olhos...
Eu os abro, encosto nossas testas e os mantenho fixos no rosto de
Dimitri, que me penetra com cada vez mais força. Até no beijo, não
fechamos os olhos. Sinto o gozo vir e meu corpo estremecer com sua
presença. Dimitri sabe que já estou a ponto de explodir e com mais algumas
investidas, eu grito e ele sai de mim, gozando em minha barriga.
Ele deposita beijos pelo meu rosto, indo bem devagar em direção a
minha orelha. Morde meu lóbulo, me fazendo arrepiar. Escuto sua risada
rouca e sinto que ele tem algo para me falar, mas não o faz. Apenas
continua a me ensaboar, limpando a bagunça que fez em minha barriga.
Nos lavamos e então, ele pega uma toalha e me seca.
Nunca me senti desse jeito. Dimitri me invadiu de uma forma que
nunca aconteceu antes. Quando estou com ele, é como se estivesse
completa, como se nada mais me faltasse.
Saímos do banheiro e em cima da sua cama – escura, devido ao jogo
de cama completamente preto – vejo a blusa branca e a cueca que já usei
por duas vezes.
Ele vem atrás de mim e enlaça minha cintura, respirando fundo o
cheiro que exala do meu cabelo. De novo, beija o meu ombro e vai em
direção a minha orelha, mordendo de leve o lóbulo.
— Eu também gosto de você, Olívia. Muito.
E desse jeito, como um flash, lembro-me da noite de sexta-feira,
quando chegamos e ele me deitou na cama, e me explicou o que significava
a palavra que ele sempre dizia a mim. Depois, eu disse que gostava dele.
Que gostava muito dele.
Sem nem saber ou lembrar, eu me dou conta de que assinei o meu
atestado de paixão.
Definitivamente, sem mentira alguma, eu estou completamente e
irrevogavelmente apaixonada por Dimitri Markova.
O meu domingo está sendo um desastre, só não é um completo
desastre, por conta das coisas que Niko e eu ficamos sabendo sobre a mãe
de Olívia.
Depois que almoçamos e eu me fartei com aquele bolo maravilhoso,
que é a especialidade de Vera, as pessoas começaram a se dispersar pela
casa e, como se fosse um plano, Niko, minha mãe, a mãe de Olívia e eu
fomos conversar.
— Você pode não se lembrar muito, Dimi, mas Augusto...
— Eu me lembro, mãe. O Augusto levava a gente para passear de
carro, depois da escola. Ele parava no parque e nos jogávamos bola
enquanto Anya ficava com a babá, perto das árvores maiores, na sombra.
Eu lembro de muita coisa da minha infância, tanto das boas quanto
das ruins. Às vezes, me lembro mais das coisas ruins do que das boas, mas
eu tento ao máximo expulsá-las.
— Você se lembra do que aconteceu naquela noite? Quando você
saiu do armário? — minha mãe pergunta e eu assinto com a cabeça, mas
não digo nada.
Ela se levanta de onde está sentada e se senta ao lado de Márcia, no
sofá maior da sala.
— O pai de Olívia, o Guto, como ele gostava de ser chamado, foi
ele que salvou meus filhos e a mim. — Ela pega a mão da mulher e a
segura. — Ele entrou no quarto, porque provavelmente escutou os meus
gritos e nos salvou do homem que você conhece como Ivan.
Márcia tem os olhos arregalados. Ela parece tão surpresa quanto
qualquer um de nós. Niko e eu sabíamos que havia sido Augusto quem
atirou em Vladmir naquela noite.
— Se ele não chegasse naquele momento, Dimitri poderia não estar
mais aqui. Ou até mesmo eu. Eu ainda insisti um pouco para que ele fosse
conosco. Pensei em vocês durante anos. Devia ter insistido mais. Poderia
ter levado vocês três para a Rússia e poupado muita coisa.
— Eu achei que Vladmir tinha morrido, aquela noite — escuto Niko
dizer.
— Depois dos tiros, apenas tive força para carregar vocês para fora
do quarto e ir para a casa de papai. Acho que Guto, talvez tenha chamado
ajuda. Não acredito que, por mais que Vladmir fosse um homem
desprezível, Guto o deixaria morrer.
Evito pensar naquela noite.
Durante dias, fiquei com dores na área da barriga e abdômen, sem
emitir um som sequer. Consigo lembrar das marcas roxas em meu corpo e
no corpo da minha mãe. Seu olho roxo, suas bochechas vermelhas, com a
marca dos dedos daquele desgraçado.
Meu sangue ferve só de lembrar disso.
Niko, que já era uma criança fechada, ficou ainda pior e graças a
Deus, Anya nunca demonstrou nenhum trauma, mas nunca mais perguntou
sobre o seu pai. Acho que ela começou a olhar para dedushka como se fosse
um, já que ele, de fato, foi a nossa figura paterna e também teve muito da
presença do meu pai em sua vida.
— Quando ele chegou em casa, acidentado, você não percebeu
nada? — imagino que ele tenha inventado alguma mentira para a esposa
número dois.
— Ivan disse que foi uma tentativa de assalto a qual reagiu. O
bandido atirou e por pouco, não acertou em nenhum lugar fatal. — Por
pouco mesmo. — Não tive cabeça para perguntar muita coisa. Era a
primeira vez que ele ficava tanto tempo em casa. Acho que não fez
nenhuma viagem por, pelo menos, um ano. Foi nesse tempo que engravidei
de Lavínia e que o pai de Olívia resolveu morar fixamente aqui na capital e
foi quando ele começou a virar o homem que é hoje.
— Ele sempre foi assim — Niko é quem diz, em tom de
recriminação para a mulher. Chego perto dele e jogo meu braço por seus
ombros.
— Me desculpem! O Vladmir ou Ivan, seja lá como preferem se
referir a ele... — Márcia diz, dando um sorriso sem vida. — Ele sempre
mentiu para todos nós. Estava casado com você, mas mesmo assim, se
casou comigo. Fez seus filhos sofrerem, do mesmo jeito que fez com as
minhas meninas. Lavínia é mais, digamos assim, flexível, já Olívia... ela
ainda carrega...
— Você sabe o que ele fez? — pergunto, me lembrando de tudo o
que Olívia me contou na sexta, antes de irmos para casa.
A mulher me olha e com apenas o seu olhar, sei que ela sabe de tudo
e que talvez, não tenha dado ouvidos a filha que tinha dez ou onze anos
quando tudo aconteceu.
— Sabe que Olívia carrega isso com ela até hoje? — Agora sou eu
quem uso um tom ríspido com Márcia. — Sabe disso?
A mulher fecha os olhos e deixa as lágrimas, que segurava, caírem.
Minha mãe não entende o que está acontecendo e em solidariedade, passa
as mãos nas costas de Márcia, tentando amenizar a dor que ela deve estar
sentindo.
— Do que vocês estão falando? O que aconteceu?
Olho para Márcia como quem diz ‘Eu falo ou você fala?’. Ela
enxuga as lágrimas e se volta para a minha mãe para responder sua
pergunta.
— Quando Olívia tinha por volta de dez anos, ela presenciou... —
Volta a chorar, mas agora, coloca a mão na boca, para não escutarmos o seu
soluço. — Ela presenciou Ivan abusar de uma menina que morava no nosso
bairro.
Minha mãe leva a mão à boca e fica em choque. Niko, que estava
com os braços cruzados, os solta e segura as costas da poltrona com toda
sua força, como se fosse parti-la ao meio. Ambos apenas escutam o que a
mulher diz.
— Ela se levantou no meio da noite e ouviu tudo. Depois viu a
menina sangrando na nossa área. Ela era apenas uma menininha, não tinha
como ajudar. Depois desse dia, comecei a notar que ela começou a ter medo
de Ivan. Ele chegava perto dela e ela tremia. Fazia de tudo para se esquivar
de seus toques. Quando perguntei o que estava acontecendo, ela mentiu.
Disse que não era nada e que apenas sentia muita saudade de seu pai.
Resolvi pedir para que Augusto a buscasse, para que ela passasse um tempo
com ele. Lavínia ainda era um bebê, então resolvi, apenas juntar o útil ao
agradável. Ela ficou feliz demais e achei que estava fazendo o certo. —
Sinto muita sinceridade em sua fala. — Na semana que seu pai a levou de
volta, Ivan havia me batido pela primeira vez, porque moradores haviam
comentado na cidade que ele, por ser de ‘fora’ da cidade, podia estar
envolvido no estupro de uma menor. O confrontei, esperando que se
defendesse, mas Ivan me bateu, dizendo que eu estava acreditando no
“povinho” imundo daquela cidadezinha, ao invés de acreditar nele, que era
o meu marido.
Minha mãe a abraça e eu tenho vontade de fazer o mesmo, mas
apenas me mantenho parado, em pé, ao lado do meu irmão que parece ter
relaxado, mas ainda consigo ver muito ódio em seu olhar.
— Augusto disse que queria conversar comigo e então, Olívia
entrou e foi ficar com a irmã. Quando ele me contou o que Olívia havia
contado a ele, fiquei horrorizada. Confesso que não sabia se acreditava ou
não e acabei... — Ela volta a chorar. — Acabei negligenciando a minha
própria filha. Os anos foram se passando e eu não tocava no assunto, muito
menos ela. Mas sentia que tudo o que ela queria era sair de perto daquele
homem. Com o tempo, a violência foi aumentando e algumas vezes, elas as
presenciavam. Me pediam para que eu saísse de casa, Olívia disse que
falaria com seu pai e que ele poderia nos ajudar, mas eu sabia que Ivan iria
atrás de nós, onde quer que fôssemos. Quando Olívia passou para a
faculdade, fiz de tudo para que ela viesse para cá. E logo em seguida,
Lavínia, mas, infelizmente, não consegui poupar a mais nova das agressões
do pai.
— Ele tocou em Olívia alguma vez? — Sei que Niko já tinha dito
que não, mas eu preciso ouvir da boca da mulher que conviveu com ela
durante anos.
— Não. Ele nunca tocou em um fio de cabelo de Olívia, a tratava
muito bem. Muito melhor do que a própria filha, o que sempre foi estranho
para mim.
— Ele é um doente! — Niko dá um soco na poltrona. — Um doente
asqueroso. Filho da puta. Desgraçado.
— No aniversário de 18 anos de Olívia, Augusto foi até a nossa casa
e a pegou para passear. Como sempre, ele também pegou Lavínia e foram
os três comemorar a maioridade de Olívia. Eles vieram até aqui, na capital,
e tiveram um dia de pai e filhas.
“Os três se divertiram como nunca. Quando voltou para deixar as
meninas, ele viu Ivan apenas por um relance, acho que um reflexo ou coisa
parecida, mas o terror que sentiu, eu conseguia senti-lo também. Me puxou
para conversar e falava coisas sem nexo algum. Falava sobre tiro, sobre a
família de vocês – que na época, eu não fazia ideia de quem eram – e ainda
o conhecia como Vladmir. Achei que o homem estava ficando maluco.
Tentei desconversar e pedi para que voltasse para casa e que tivesse
cuidado. Naquela madrugada, acordei com o telefone tocando e com a
notícia de que Augusto tinha sofrido um acidente e que havia morrido no
local.
E mais essa agora.
Escutar tudo isso só me faz odiar ainda mais esse homem. Então,
além de estragar a nossa família, a família de Olívia, ele também tinha
matado o pai dela?
Márcia não falou claramente que foi ele, mas porra, é muita
coincidência isso ter acontecido logo quando o pai de Olívia descobriu que
Vladmir e Ivan eram a mesma pessoa.
— Ninguém sabe o que aconteceu. Os policiais disseram que
encontraram algumas garrafas de bebidas no carro, mas eu achei estranho,
porque Augusto não bebia quando sabia que iria dirigir, sempre foi muito
prudente e cuidadoso. Era um homem maravilhoso.
— Nenhuma anormalidade no carro? — minha mãe é quem
pergunta.
— Segundo a polícia, não.
Escutei tudo com muita atenção, só conseguia sentir mais e mais
nojo daquele homem. Como ele conseguiu estragar as duas famílias em que
entrou?
Qual a motivação do homem para isso tudo?
Começo a pensar em Olívia e no que ela deve ter passado quando
descobriu que o pai havia morrido.
Tomara que esteja com Anya e a irmã conversando sobre alguma
coisa sem importância nenhuma.
Por falar em Anya...
Puxo Niko para o lado enquanto mamãe e Márcia conversam.
— Precisamos dizer para Anya que Lavínia é irmã dela — ele
concorda. — Vamos precisar explicar algumas coisas, mas ela vai entender
mesmo se não dermos muitos detalhes.
— Ela é esperta. Já deve ter sacado alguma coisa. Não é à toa que
está com ela desde que chegou, Dimitri.
Ele tem razão. Anya é inteligente, mesmo antes de saber de toda a
verdade, já se juntou a irmã e teve um sucesso de 100% com a moça.
Olho em volta e vejo Márcia sentada sozinha no sofá. Minha mãe
não está mais ali com ela. Observo em volta e Niko entende que preciso ir
atrás de Olívia, me dando um tapinha no braço e eu saio a procura dela.
Olho na sala de jantar, onde encontro Anya e Lavínia aos risos.
Aceno para as duas e pergunto se viram Olívia. Lavínia diz que ela saiu faz
apenas alguns minutos e sigo na direção que ela me indicou. Vejo dedushka
e Vera, ambos olhando para o jardim e comentando sobre algo.
Sigo minha procura por Olívia.
Não é possível que tenha ido embora. E também não faz sentido ter
sumido dentro dessa casa. Tudo bem que é grande, mas não chega a tanto.
Depois de olhar em mais alguns cômodos, escuto vozes vindo da
entrada principal e identifico sendo de minha mãe.
Chego próximo à porta e escuto parcialmente a conversa.
Ela está contando sobre quando engravidou de mim e isso é uma
história que eu já conheço bem. Fala do meu pai e...
— ... pelo menos, acho que agora teremos essa chance. — O que ela
quer dizer com isso? Já foi surpresa demais vê-los juntos hoje quando
cheguei.
Apareço para as duas e sinto-as se assustarem com a minha presença
repentina.
Em segundos, minha mãe joga, não sei quantas, informações para
cima de mim.
Ela e meu pai vão se casar? Eu nem fazia ideia de que eles estavam
juntos. Que doideira!
Não posso mentir dizendo que não me alegro com isso. De uma
forma estranha, meu coração se sente bem com a notícia, mas de qualquer
forma, ainda é tudo muito maluco. Ainda mais para eles dois.
Meus pais começam a conversar em russo, tentando explicar como a
história se desenrolou entre eles e apenas presto atenção. Quando dou por
mim, Olívia se levantou do sofá e já está quase sumindo dentro de casa.
Vou até ela e seguro sua mão, puxando-a em direção à garagem e a
coloco dentro do carro. Ela me pergunta sobre sua mãe e Lavínia e eu
explico rapidamente que elas não estão sozinhas e assim que quiserem ir
para casa, o motorista estará disponível.
Dou a volta no quarteirão e entro na minha garagem. Tudo isso em
menos de dez minutos.
Permaneço um tempo no carro, pensando se, de fato, foi uma boa
notícia saber que minha mãe e meu pai estão juntos depois de mais de trinta
anos. Nunca os vi juntos, como um casal, e também não é como se me
fizesse falta, porque meu pai sempre foi presente e a relação de ambos
sempre foi boa, mas por minha causa do que por qualquer outra coisa. Pelo
menos, era o que eu achava.
Acabo rindo da situação que aconteceu há alguns minutos. Olho
para Olívia, e ela está confusa, não entendendo minha risada. Peço a ela que
fique de novo essa noite, mas ela parece não achar uma boa ideia,
entretanto, logo muda de ideia e melhora o meu domingo em 100%.

Ter dito para Olívia que gosto dela, depois de transarmos dentro do
chuveiro, não estava em meus planos. Mas para ser sincero, tudo o que
aconteceu hoje, também não estava, então, que se foda.
Descobri muitas coisas que nunca, nem em um milhão de anos,
pensaria em descobrir. Muitas informações ao mesmo tempo e mesmo
recebendo a enxurrada que recebi, a única coisa em que pensava, era em
como eu quero me manter perto da mulher que agora dorme em cima do
meu peito.
Faço um carinho em seu cabelo e me mantenho olhando para o teto,
pensando em como a vida é uma coisinha inexplicável.
Olívia e eu, de um modo péssimo, sempre tivemos uma ligação. E
acho que, de uma forma ou de outra, no final de tudo, acabaríamos nos
encontrando. Porque, o fato de Lavínia ser irmã dos meus irmãos não
passaria em branco e se Niko soubesse disso antes ou mais para frente, ele
iria atrás dela de qualquer maneira. Pelo menos, acho que as circunstâncias
ajudaram um pouco.
Já faz três anos que Olívia trabalha com ele e é como se a vida
estivesse preparando a todos para essa grande revelação.
Bem, Olívia e Lavínia ainda não sabem de nada e, com certeza, será
meio complicado explicar tudo. Mas elas têm o direito de saber de todos os
por menores dessa ligação louca.
Niko, com certeza, está tentando arrumar um jeito de tirar Vlad de
cena logo. Pelo pouco que conseguimos conversar, precisamos de mais
provas para levar tudo às autoridades e, finalmente, tirar esse homem de
nossas vidas. É complicado demais pensar em tudo o que já aconteceu.
Além de complicado, é doloroso. Para ambas as partes.
Olho novamente para Olívia e porra, como é linda. Penso em como
ela vai sofrer quando souber a verdade sobre a morte do seu pai.
Ai, meu Deus, outra coisa que teremos que provar. E isso já faz o
quê? Quinze anos... Puta merda. Revirar esse baú vai ser difícil demais para
ela. Meu único desejo é que ela não sofra tanto. Quero estar ao seu lado.
Quer dizer, espero que ela me queira ao seu lado.
Acho que sou capaz de qualquer coisa por ela.
Tenho a sensação de estar esquecendo de alguma coisa. Não sei o
que, mas desde de manhã, eu sinto isso. Algo me passou despercebido.
Fecho os olhos e tento pensar em tudo o que aconteceu no dia de
hoje. Acordamos, tomamos café, pedi para Olívia confirmar com a sua mãe
e irmã se viriam, recebi mensagem de Niko dizendo que isso era loucura.
Minha mãe me ligou e eu ignorei a ligação, tomamos banho e nos
arrumamos. Chegamos na casa de dedushka e tudo aconteceu.
Não, não tem nada! Será que não foi hoje?
Sábado...
Não dormi, fui até à casa de Niko, conversei com ele sobre tudo o
que sabia enquanto Anya estava aqui com Olívia. Voltei quase a noite e
Anya foi embora em seguida. Olívia e eu transamos no...
Puta que pariu!
Transamos no sofá, mas não usamos camisinha, eu gozei dentro dela
e quando ela foi ligar para a farmácia, eu a impedi, pedindo que entrasse em
contato com a sua família para vir almoçar conosco.
Foi isso!
O remédio!
Tento com todo o cuidado, tirar a cabeça de Olívia de cima do meu
peito e pego meu telefone que está em uma das prateleiras da estante. Abro
o google e pesquiso sobre a pílula do dia seguinte.
Como funciona:
As pílulas do dia seguinte usam a progestina para impedir que os ovários liberem um óvulo. A
eficácia delas é maior quando ingeridas dentro de 72 horas (três dias) após o ato sexual sem proteção,
mas continua por até cinco dias para ajudar a evitar a gravidez. A eficácia diminui com o tempo, por
isso, é melhor tomá-la o mais cedo possível.
· Eficácia: 85 a 90% dentro de 72 horas.
· Disponibilidade: Em farmácias e lojas de conveniência.
· Esforço: Tomar uma pílula de dose única.
· Infecções sexualmente transmissíveis: Não oferece proteção.
· Hormônios: Contém progestina.

Ok.
Transamos no sábado, então só completa três dias amanhã. Ou a
gente não conta com sábado e o terceiro dia é terça?
Cacete, como essas coisas são difíceis. Mas aqui diz que ainda faz
efeito por cinco dias.
Viro-me para a cama e já estou prestes a procurar o número da
farmácia, quando olho para Olívia, ela dorme tão serena, tão calma. É como
se nada pudesse abalar esse momento.
Olho seu rosto e, imediatamente, vem em minha mente a imagem de
criancinhas correndo por essa casa. Uma menina igual à Olívia e um
menino parecido comigo. Pisco, tentando espantar a imagem que se formou
em minha mente e volto a olhar para o aparelho em minha mão.
A tela está acesa, com o número de diversas farmácias nela.
Olho para o telefone e depois para Olívia. E de novo, de Olívia para
o telefone.
Mas que merda! Que porra você quer fazer, Dimitri? Isso é dar
sorte ao azar, cara.
Azar?
Azar seria não ter Olívia.
Desligo o telefone e o coloco de volta no lugar onde estava.
Deito-me novamente na cama e me aconchego a ela. Fecho os olhos
e sonho com o que imaginei.
Vou deixar a vida me surpreender.
Já faz duas semanas que Dimitri e eu estamos juntos. Bem, acho que
o termo juntos, não é o ideal. Estamos nos relacionando. Acredito que, no
caso, só entre a gente mesmo. Bem, eu posso dizer, por mim, que não estou
saindo com mais ninguém e nesses últimos dias, Dimitri tem praticamente,
chegado e saído junto comigo.
Nikolai, por outro lado, anda estranho. Sempre perguntando sobre
minha mãe e, o que mais me deixa curiosa, perguntando por minha irmã.
Sempre pergunta sobre como ela vai na faculdade ou como estão as coisas
no estágio. Ontem perguntou se precisávamos de alguma coisa e chegou até
a oferecer um aumento de salário, que me fez abrir a boca em choque. Eu
disse que não precisava e que tudo estava sob controle.
Expliquei que ela tem uma bolsa integral no curso e que o estágio
iria efetivá-la futuramente. Meu chefe chegou a perguntar sobre os
namorados dela, mas preferi não entrar nesse assunto com ele. Quando
contei para Dimitri, ele pareceu tão interessado quanto o irmão.
— Oras, acho que você tem que se preocupar sim. Ela é jovem e
uma moça muito bonita, assim como você. — Me deu um beijo na
bochecha e sorriu torto, aquele sorriso que faz minhas pernas tremerem. —
Todo cuidado é pouco, Olívia.
O olhei incrédula, sem acreditar no que estava ouvindo.
Tenho ido todos os finais de semana para sua casa.
Na quarta-feira passada, ele cismou de me levar em casa e dormiu lá
comigo. O que me espantou, não foi ele ter dormido comigo, o que me
espantou, foi a intimidade que ele teve com a minha mãe. Conversaram
sobre tudo que possa existir. Minha mãe perguntou como a mãe dele estava
e se ele estava bem com a notícia de seus pais estarem se preparando para
casar.
Perguntou se ele já tinha ido encontrar com eles e Dimitri disse que
na segunda, todos almoçaram juntos. Seus pais estão no apartamento que
sua mãe tem, próximo ao condomínio onde ele, os irmãos e o avô moram.
Minha mãe disse que até ligaria para Yvannia para elas conversarem.
Conversarem.
Elas se viram uma única vez e já são melhores amigas? Onde isso,
gente, em que mundo?
Quando fomos para o quarto, questionei Dimitri sobre essa
intimidade e ele, todo sonso, apenas me respondeu que nossas mães têm
algumas coisas em comum. Novamente, preferi deixar para lá todas essas
informações. Tivemos mais uma noite de muito sexo e em uma das vezes,
não usamos camisinha – de novo. Comentei novamente com ele que
precisaríamos ter cuidado com isso e ele concordou, mas antes de esquecer
sobre o assunto, perguntou:
— E se acontecer de você engravidar? — O olhei com os olhos
arregalados. — Quero dizer, você quer ter filhos?
— Isso é sério? A gente tá falando sobre filhos mesmo?
— Qual o problema? — seu tom de voz é tão relaxado que chega a
me preocupar.
— Nenhum, mas… — penso bem em minhas palavras. — Você quer
filhos?
— Claro. Por que não? Imagina, vários outros Dimitris no mundo.
— E se você tiver uma filha? — pergunto, rindo do que ele disse.
— É, aí talvez possa ser uma coisa complicada para mim. — Ele
deu de ombros e trocou de assunto tão rápido que, em segundos, o assunto
filhos, já tinha saído de pauta.
Hoje é mais uma sexta-feira, e estou me preparando para ficar até
mais tarde, já que Dimitri e Nikolai tem uma reunião com alguns acionistas.
Toda aquela história de votação e de uma possível troca da presidência, tem
tirado o sono dos dois.
Dimitri, sem paciência, resolveu, de uma hora para outra, reunir
todos, sim, eu disse todos os acionistas de uma vez só e segundo ele,
mandar quem quer que seja para o inferno e se não gostarem mais dele, que
saiam. Chegou até a dizer que existem muitas pessoas qualificadas apenas
esperando por uma oportunidade. Errado, ele não está.
Estou terminando de arrumar os relatórios dos últimos meses para
entregar a Nikolai – que exigiu que eu o chamasse apenas de Nikolai, sem o
senhor na frente – para ele revisar e mostrar na reunião que, dessa vez, será
nesse andar e não no Monte Olimpo.
— Olívia, separou os relatórios de compra e venda para mim? —
Nikolai abre a porta e me pergunta.
— Sim, senhor. Daqui a pouco levo tudo para você.
— Ok, obrigado! — Fecha novamente a porta.
Consigo sentir a tensão daqui.
Termino tudo, bato em sua porta e a abro lentamente, colocando
minha cabeça para dentro primeiro.
— Está tudo aqui. Os relatórios de compra e venda, de instalações,
alguns contratos, todas as informações que o jurídico forneceu e o resto que
o senhor...
— Você...
— Como?
— Você, Olívia. Lembra? Nada mais de ‘o senhor’, somos família.
Franzo o cenho e ele percebe o que acabou de falar.
— Quer dizer, você e o Dimitri estão… Você sabe. Enfim, não
precisa de formalidades.
Deixo os papéis em cima da sua mesa e saio, fechando a porta.
Nesse momento, as portas do elevador se abrem e a última pessoa que eu
gostaria de ver hoje, sai de dentro dele.
Otávio Ribeiro. Para mim, Sr. Ribeiro.
Ele anda escoltado por dois homens que mais parecem dois
armários, todos imponentes, achando que mandam no lugar inteiro. Nunca
gostei de Otávio Ribeiro. Ele me causa calafrios. Conheço um homem ruim
quando o vejo.
Ele vem em minha direção, fazendo sinal para que os seguranças
atrás dele, parem a uma distância considerável. Tento voltar rápido para a
minha mesa, mas sinto sua mão segurar meu braço, me impedindo de me
sentar. Ele me olha de cima a baixo e sorri.
Nojento!
— Fico imaginando como deve ser poder olhar para a senhorita
todos os dias. Abrir a porta e dar de cara com uma coisinha assim, como
você, deve ser muito agradável. — Ele solta uma risada rouca, do tipo que
fumantes tem. Aliás, tenho quase certeza que começo a sentir um cheiro de
cigarro vindo dele.
Me causa náuseas.
Ele leva um dos seus dedos até meu rosto, passando em minha
bochecha e, bruscamente, vira meu rosto para olhá-lo.
— Poderia me fazer uma visita qualquer dia desses, mocinha. Meus
homens e eu adoraríamos ter sua presença no décimo andar.
Ele olha para os dois atrás dele e ri. Ambos o seguem na risada. Em
seguida, se volta para mim e diz:
— Posso te proporcionar coisas muito boas aqui dentro…
— Não acho que ela precise de você, Otávio. — Olho por cima do
ombro do homem e vejo Dimitri parado, olhando para a cena ridícula que
acontece.
Nikolai por sua vez, abre a porta da sua sala e dá de cara com a
mesma cena.
— O que pensa que está fazendo, Otávio? Tire as mãos dela. Você
está no meu andar, na minha empresa. Exijo respeito com a minha
funcionária.
O homem dá um passo para trás e ri, com deboche.
— Estou aqui por conta da reunião. Estou apenas passando o tempo
enquanto converso com a senhorita… — Nem o meu nome, ele sabe.
— Você não precisa saber o nome dela. — Sem nem perceber,
Dimitri já está do meu lado, segurando minha cintura. — Não terá contato
nenhum com ela para isso. — Ele me olha e sorri com o canto da boca.
— Ora, vejam só… Então é verdade o que dizem pelos corredores, o
grande Dimitri Markova finalmente foi enlaçado e por uma secretariazinha.
— Dá uma gargalhada sombria. — Algumas mulheres são mesmo muito
ambiciosas.
— Como disse? — Seguro Dimitri pelo braço, o que não é fácil, já
que ele tem praticamente o dobro do meu tamanho.
Otávio o encara e parece não ter preocupação alguma com a atitude
de Dimitri, na verdade, acho até que é o que ele quer. Que ele se
descontrole e avance para cima dele. Nikolai segura o irmão e o puxa para
dentro de sua sala. Meu chefe volta rápido e manda Otávio e seus homens o
esperar na sala de reunião que já está preparada. Nikolai indica o caminho
para os homens e eles o seguem.
Sinto meu estômago se revirar só de pensar nesse homem me
tocando de novo. Ele me lembra Ivan, ambos têm a mesma aura ruim. São
sombrios.
Sento-me em minha cadeira e logo Dimitri sai da sala.
— Você está bem, kroshka? — O olho e de repente, e é como se eu
tivesse sido atropelada por um trem da felicidade. Ele passa a mão em meu
rosto e eu pressiono meu rosto nela.
— Sim, está tudo bem... Sei bem lidar com homens do tipo dele.
Ele sorri e se abaixa para me beijar de novo e então diz:
— Estou contando as horas para essa reunião terminar e poder te
levar para casa, te jogar na cama e fazer aquele sexo gostoso que só a gente
faz. — Solto uma risada do seu comentário.
— Só se controla lá dentro. Acho que ele tem te provocado de
propósito.
— Eu sei, o pior é que eu sei.
Nikolai passa pelo irmão e o puxa pelo terno sem dizer muita coisa.
— Quando os outros forem chegando, por favor, indique a sala a
eles, Olívia — Nikolai pede.
— Tudo bem.
Depois de alguns minutos, mais cinco acionistas chegam e eu
informo o local e eles se encaminham até a sala. Logo depois, mais dois e
então a reunião se torna completa. Entro apenas uma vez para levar uma
jarra de água e copos para que se sirvam.
Volto para o meu lugar e tudo o que me resta, é aguardar pelo fim da
reunião.

Já faz mais de duas horas que eles estão dentro daquela sala. E nesse
tempo, já ouvi Dimitri xingar umas cinco vezes e imagino que esteja
brigando com Otávio, que deve rir do seu jeito explosivo. O que só o faz
ficar ainda mais puto.
Tento me distrair olhando as redes sociais. Depois, passo para
alguma plataforma de streaming e resolvo atualizar minha série, assisto dois
capítulos e nada. Olho para o relógio e me dou conta de que já são quase
dez da noite e os homens continuam em uma discussão acalorada dentro
daquela sala.
Abaixo meu rosto, deitando-o em cima dos braços e fecho os olhos
por alguns segundos. De repente, escuto a porta abrir e bater com muita
força. Levo um susto que chego a pular da cadeira.
Dimitri passa direto para a sala do irmão, que o segue. Os outros
acionistas saem, comentando sobre algo. Escuto alguns recriminarem a
atitude de Dimitri, mas, ao mesmo tempo, outros apoiam suas ideias. E
graças a Deus, esses são a maioria. Desejo boa noite a todos e os vejo, um a
um, entrar no elevador e sumir.
O único que não vi foi Otávio, o que me faz pensar que ele continua
dentro da sala. Respiro fundo e me sento novamente. Vou esperar que o
homem passe por mim e torço para que ele não venha com gracinhas.
Espero por dez minutos e nada. Começo a pensar se, de repente, ele
possa ter passado e eu não o ter visto.
Não. Eu teria visto, pelo menos, seus seguranças.
Olho para o corredor e a porta da sala continua aberta.
A porta de Nikolai se abre e vejo Dimitri, agora mais calmo, mas
ainda assim, com uma feição de poucos amigos. Nikolai o segue.
— Vou lá em cima pegar as minhas coisas. Arrume tudo por aqui
que eu já volto. — Assinto.
— Eu já vou, Olívia. Nós vemos no domingo? — Nikolai pergunta e
eu assinto novamente.
É, acho que não vi mesmo os homens saindo.
Será que nos poucos segundos que fechei os olhos, eu dormi e não
senti?
Levanto-me, vou até a sala de Nikolai para ver se está tudo em
ordem.
Pego o copo que ele sempre deixa em cima da mesa e ajeito a
cadeira. Saio e fecho a porta. Minha mesa já está toda arrumada, até meu
notebook já está desligado.
Levo o copo até à pequena pia e o deixo lá. Desligo a cafeteira – que
Dimitri pediu para colocar aqui – e confiro se nenhuma cápsula ficou ali
dentro. Me viro para entrar na sala e quando dou o primeiro passo para
dentro do ambiente, uma mão enorme me puxa e me joga contra a parede
com força.
— Então quer dizer que a secretariazinha não quer me fazer uma
visita porque está trepando com o chefão, não é? — Ele não saiu. Ficou
aqui esse tempo todo.
Otávio segura em meu pescoço com uma das mãos e com a outra,
segura a barra do meu vestido.
— Quero saber de você, Olívia — pronuncia meu nome de uma
forma que me faz ter desejo de trocá-lo —, se quando eu for o chefão, você
vai dar para mim também, já que gosta de um todo poderoso, não é?
Ele chega mais perto do meu rosto e lambe minha bochecha.
— Me solta ou vou gritar — digo com dificuldade, já que ele tem
meu pescoço em sua mão.
— Vai, é?! — Aperta mais um pouco e eu, no desespero, levo
minhas mãos, que seguravam a barra do vestido para não ser levantado, até
a mão do homem que aperta meu pescoço.
Começo a sentir o choro vindo e lembro da noite que me
traumatizou.
As lágrimas escorrem por minha bochecha e o homem ri do meu
desespero. Ele cola seu corpo ao meu e me imprensa mais contra a parede.
Tento virar meu rosto para os lados, porque sei que ele está tentando me
beijar. Começo a bater em seu peito, mas me sinto fraca e com falta de ar,
porque o aperto fica cada vez mais forte.
Meu Deus, vai acontecer comigo. Vai acontecer comigo a mesma
coisa que aconteceu com aquela menina.
Fecho os olhos e espero pelo pior. Não tenho forças contra esse
homem. Que ele não me mate, por favor. Que ele não me mate!
Sinto o último fiapo de ar ir embora quando, de repente, uma força
ainda maior o puxa, fazendo com que ele solte meu pescoço bruscamente.
Caio no chão, mas me mantenho encostada na parede.
— FICA. LONGE. DELA. SEU. FILHO. DE. UMA. PUTA. —
Cada palavra é um soco que Dimitri dá em Otávio. — ELA É MINHA! EU
VOU ACABAR COM VOCÊ, SEU MERDA! — Mais socos são
desferidos no rosto do homem.
Dois homens passam pela porta, vindos não sei de onde e afastam
Dimitri de cima do Otávio. O homem, que está com a cara ensanguentada,
apenas ri e cospe no chão.
— É maravilhoso ver esse Dimitri. Se eu soubesse que você ficaria
assim, teria dado em cima dela antes.
Dimitri solta fogo pelas ventas e tenta a todo custo se soltar dos
homens que o seguram. Com um único sinal, os homens soltam Dimitri
com tanta força, que ele quase cai. Otávio me olha de cima e ri, saindo da
sala, seguido dos outros homens.
Eu me encolho onde estou e sinto os braços de Dimitri me
envolverem com cuidado, me erguendo do chão.
— Moya lyubov’[29], você está bem? Olívia, você está bem? Fala
comigo.
Não consigo falar nada, apenas agarro em sua cintura e o abraço
forte. E ele retribui, me agarrando a si com ainda mais força.
Choro copiosamente em seu peito, sentindo duas dores, a física, que
está em meu pescoço e a sentimental, que está em minha cabeça, que
lembrou de tudo o que eu mais quero esquecer.
— Me desculpe, eu achei que ele tinha ido embora com os outros.
Esse filho da puta de merda! Me desculpe, kroshka. — Sinto uma grande
lamentação em sua voz. — Eu vou acabar com ele. YA ub’yu etogo
ublyudka![30]
Me abraça mais forte.
— Eu... — falo com certa dificuldade. — Eu… achei… que ele
fosse... — Mais choro. — Achei que ia acontecer comigo o que aconteceu
com ela.
— Não! Não! Shh... — Dimitri passa as mãos em minhas costas,
fazendo um carinho delicado. — Vamos, vamos embora.
Saímos da sala e ele bate à porta com muita força, ainda puto pelo
que aconteceu. Desliga as luzes e seguimos em direção à garagem.
Choro mais um pouco dentro do elevador e ele se mantém abraçado
a mim. Saímos da garagem e ele me coloca dentro do carro. No caminho, o
escuto conversar com Nikolai, porém eles conversam em russo, o que por si
só, já aparenta que estão muito nervosos e irritados.
Chegamos à casa de Dimitri e Nikolai nos espera em sua sala.
Ele me olha e vem até mim.
Pela primeira vez em três anos, Nikolai me dá um abraço apertado.
Choro de novo e ele faz um carinho parecido com o que o irmão fez antes,
mas faz em meu cabelo.
— Eu sinto muito, Olívia. Vou acionar imediatamente o conselho e
exigir que expulsem Otávio. Nem que eu tenha que comprar as ações dele,
ele não vai mais pisar na empresa. Confia em mim.
Sei que está falando sério. Tanto Nikolai quanto Dimitri sempre
prezaram pelo bem-estar dos funcionários e assédio, ainda mais vindo de
um dos acionistas, não é bem-vindo.
Nikolai se afasta, voltando para o sofá e Dimitri beija minha cabeça.
— Consegue ir sozinha lá para cima? Eu preciso estar presente para
denunciá-lo e ainda vão me questionar por que bati nele. — Entendo a parte
dele.
Confirmo com a cabeça e Dimitri beija os meus lábios.
— Eu não vou demorar. Prometo, moya lyubov’.
Não entendo o que ele fala e no momento, não tenho tempo para
perguntar. Aceno para Nikolai que está sentado, com os cotovelos apoiados
nos joelhos, olhando a cena.
Sigo em direção às escadas e subo, ainda sentindo o torpor em meu
corpo. Chego no quarto e tiro minha roupa, sem nem ao menos perceber
que estou tirando. Entro no banheiro e ligo a ducha no máximo. Me sento
no chão, abraçando as pernas e começo a chorar novamente, fazendo com
que as minhas lágrimas se misturem com a água quente que corre pelo meu
rosto.
— Caralho, Nikolai! Eu quero matar esse homem! — Estou
transtornado. Meu sangue ainda ferve só de pensar no que acabou de
acontecer com Olívia. — Eu quero ele fora, FORA da empresa. Se tiver que
comprar as ações, a gente compra. A gente tem dinheiro para isso.
— Não funciona assim, Dimitri.
— E como vai ser? Ele vai ficar perambulando por aí? Rindo da
nossa cara? Assediando mais quantas mulheres? — Se ele fez com Olívia,
deve ter feito com outras. Que grandíssimo filho de uma puta, esse homem
é.
— A gente precisa de uma certa quantidade de pessoas contra ele
também...
— CARALHO! MAS QUE PORRA! A EMPRESA É NOSSA E A
GENTE NEM NISSO PODE MANDAR? ELE ESTAVA ASSEDIANDO A
OLÍVIA... — grito, completamente sem controle.
— Eu sei! Mas os outros vão ficar do nosso lado. Não vai ser difícil.
Ele não vai ter saída, vai ter que sair!
Sento-me na poltrona, passando as mãos na cabeça, pensando em
tudo o que posso fazer para destruir a vida desse homem. Não gosto de ser
do tipo vingativo, mas porra... O que ele estava fazendo com Olívia, eu não
vou admitir. Quem ele pensa que é para fazer isso com ela? Com a minha
Olívia ou com qualquer outra mulher.
Já é a segunda vez que me refiro a ela como minha e sinto um pouco
de possessividade nessa palavra, mas é assim que me sinto. Ela é minha. Eu
vou protegê-la, nem que seja a última coisa que eu faça na porra da minha
vida.
— Você a chamou de meu amor... — Saio dos meus pensamentos
quando ouço Niko.
— Quê?
— Você a chamou de ‘meu amor’.
Ele está sério, olhando para mim.
— É, a chamei sim.
— Então é sério mesmo. Não é só mais uma maratona de sex...
— Nunca foi só sexo, Niko. Acho que desde a primeira vez. —
Começo a me dar conta de que eu apenas me enganei quando pensei que
sexo casual seria o que bastaria com Olívia. — Não sei em que momento
virou mais, mas sei que virou.
— Ela é uma boa moça. Sempre gostei muito dela. E talvez, agora
eu goste mais ainda, já que ela conseguiu colocar juízo nessa sua cabeça e
te tirou da vida de farra.
Rio do comentário do meu irmão e tenho vontade de perguntar
como estão as coisas em sua vida pessoal, se tem conversado com alguém
ou sei lá, quem sabe se interessado, mas sei que ele não responderá e fingirá
que nunca perguntei sobre o assunto. Acho que ele já se acostumou com sua
vida solitária. Afinal de contas, já faz cinco anos desde que Emília saiu de
sua vida, levando seu coração junto.
Niko acha que enganar a todos nós, mas ele muito se engana.
Sabemos bem o quanto ainda sofre com isso.
— Acho que a quero para sempre na minha vida.
— Você acha? — ironiza. — Você acabou de chamá-la de meu
amor, Dimitri. Quem foi a última pessoa que você chamou de meu amor?
— Anya? — Ele gargalha da minha resposta e se levanta do sofá.
— Eu vou embora e deixar os pombinhos a sós. — Passa pela minha
poltrona e bate em meus ombros. — A gente conversa com dedushka no
domingo. Ele vai saber o que fazer. Enquanto isso, cuida do tvoya
lyubov’[31]
Solto uma risada do seu comentário, mas é exatamente o que mais
quero.
Cuidar do meu amor.
Me despeço do meu irmão e vou em direção ao meu quarto, que é
onde Olívia já está durante um tempo.
Tudo está quieto e escuro aqui. Abro a porta do quarto com todo o
cuidado e vejo apenas a luz parca do abajur acesa, exatamente como a
deixei semanas atrás, depois de descobrir o que tinha acontecido com ela.
Olho rápido na direção da cama e vejo o edredom desarrumado, com uma
leve elevação. O ar do quarto está frio, imagino que Olívia esteja coberta
até a cabeça devido a temperatura do quarto.
Vou até o banheiro e o cheiro do shampoo que Olívia usou invade
minhas narinas. Tiro a roupa e tomo uma chuveirada rápida. Só penso em
me deitar junto à Olívia e sentir seu cheirinho gostoso.
Eu tô muito apaixonado por essa mulher, não consigo nem mais
negar. Acho que já está estampado na minha testa.
Me seco e visto uma calça de pijama qualquer. Vou até a cama e
puxo o edredom bem devagar e me deito. Movo a mão procurando por
Olívia e para o meu espanto, ela não está aqui. Pulo da cama, já acendendo
a luz do quarto e vejo a cama vazia.
Mas, o quê?
Entro de novo no banheiro, apenas para constatar que estou bem em
minhas faculdades mentais, já que acabei de sair do lugar e não tinha
ninguém ali. Saio do banheiro, entrando na porta ao lado, onde fica meu
closet e nada também.
Onde essa mulher se meteu?
Não está lá embaixo, disso tenho certeza.
No quarto de hóspedes, talvez?
Saio do meu quarto e vou em direção ao outro cômodo. Abro a porta
e dou de cara, mais uma vez, com o nada. Apenas outro quarto vazio. Passo
pelo banheiro social e, adivinha, nada, de novo.
Olívia tem essa mania de sumir dentro da casa dos outros, não é?
Semana passada, durante o almoço de domingo, ela fez a mesma
coisa e quando fui ver, ela estava no jardim, sentada no gramado, olhando
para os lírios de Vera.
Sei que não faz de propósito, mas é que tenho a sensação de que
estou em um filme de terror e que a qualquer momento, vou encontrar o
corpo dela em algum lugar, já em decomposição.
Filme!
A sala de cinema…
Corro em direção ao lugar e para o meu total alívio, escuto um som
saindo de lá. Abro a porta e ela está encolhida, olhando para a tela, toda
concentrada. Enrolada no edredom e abraçando um travesseiro.
— Ei! — digo, entrando na sala. — Te encontrei.
Olívia olha para mim e mesmo com a luz baixa, consigo ver a
vermelhidão em seu pescoço.
— Desculpe! Não consegui dormir.
Ando até ela e me sento ao seu lado. A abraço e olho para a tela.
Não sei que filme é esse.
— Está vendo o quê?
Ela dá de ombros.
— Não sei, só não queria ficar no silêncio.
— Demorei muito? Me desculpe! — Precisei fazer algumas ligações
e consequentemente, respondi e-mails de acionistas e mais outros querendo
entender direito o que houve de fato.
— Não… Eu que não queria ficar sozinha mesmo. Precisava de
alguma coisa para distrair minha cabeça.
— Eu exigi que ele saísse, Olívia. Não vou tolerar isso, nem com
você e nem com ninguém. — Seus olhos estão vermelhos e é nítido que ela
chorou muito mais do que quer transparecer.
Balança a cabeça em positivo e volta a olhar para a tela.
— Olívia… — Eu quero contar para ela sobre o nosso padrasto.
Quero que ela saiba que Niko e eu estamos tentando resolver tudo e sumir
com esse maldito de nossas vidas. Mas Niko pediu mais um tempo até
conseguir informações mais concretas sobre ele e suas possíveis outras
identidades.
Ela me olha e permanece séria, esperando que eu fale algo.
Estou prestes a assumir que estou apaixonado por ela e que quero
que ela se mantenha na minha vida. Será que ela sente o mesmo? Ou será
que ainda tem a mesma opinião sobre mim como a um tempo atrás?
Acho estranho sentir o que sinto por ela. Não imaginei que iríamos
chegar ao ponto que chegamos. Eu tinha o intuito de tornar isso apenas
casual, mas, como disse ao Niko, em algum momento, que não sei qual, a
chave virou e eu comecei a não me enxergar mais sem Olívia. Conto os dias
para chegar sexta para que ela venha comigo para casa. Semana passada, eu
senti tanto a falta dela, que arrumei uma desculpa, muito ruim, para levá-la
em casa e ficar por lá mesmo. Nem eu me reconheci nesse momento.
— Eu… — não consigo falar. Simplesmente não consigo. E é uma
coisa tão simples… — Está com fome? Nós chegamos e você não comeu
nada.
Ela nega com a cabeça e eu me sinto um idiota por não conseguir
dizer o que, de fato, quero.
Olívia volta sua atenção para tela e eu não consigo tirar os olhos
dela. Por mais que eu consiga ver a tristeza em seu rosto, ele ainda é a coisa
mais linda que meus olhos já viram. De repente, ela sorri por alguma coisa
que apareceu no filme que eu não estou prestando atenção. Olho para a tela
para tentar entender o que pode ser, mas acho que o timing não foi bom. Já
não vejo nada de mais.
— Eu acho que não te agradeci pelo que você fez. — Escuto sua
voz, mesmo que ainda baixa. — Muito obrigada! Não gosto de pensar no
que poderia ter acontecido se você não chegasse a tempo.
— Não quero que pense nisso, nunca mais, está me ouvindo? Nunca
mais pense nisso. Nada vai acontecer com você. Eu não vou deixar.
Me aproximo e beijo seus lábios quentes.
— Eu vou sempre te proteger, kroshka!
Seus olhos se enchem de lágrimas, mas em vez de tristeza, consigo
ver uma fagulha de felicidade. Algo que se acende dentro de Olívia.
— Eu amo você, Dimitri. — Arregalo os olhos. — Sei que pode não
sentir o mesmo e eu falar isso, não impõe que você também diga, mas eu
amo você. — Passa a mão em meu rosto e sorri em meio a algumas
lágrimas que escorrem por sua bochecha. — Não queria, mas amo. A gente
não controla isso, não é?
Me mantenho em silêncio enquanto olho para ela. Sem reação.
Não consegui dizer que estou apaixonado por ela e ela diz que me
ama.
Olívia se levanta, vai até a parede e acende a luz completamente.
— Acho melhor eu ir dormir. — Pega a maçaneta e abre a porta. —
Vou dormir no quarto de hóspedes. Talvez você precise de…
— Quê? Não! Claro que não. — Levanto-me, indo em sua direção.
— Você vai dormir comigo, como tem feito esses últimos dias. Não preciso
de nada, Olívia, só de você. Só preciso de você comigo. Eu não quero ficar
sem você. — Vamos, Dimitri, é agora ou nunca, não seja um bundão. — Eu
estou apaixonado por você, Olívia. Completamente apaixonado. Odeio
quando você não está por perto, seja aqui ou na empresa. Já briguei duas
vezes com Nikolai quando disse que queria você lá no 20º andar comigo.
Eu conto os dias até a sexta-feira, só para poder acordar no sábado e ver que
você está ao meu lado. Talvez, não seja apenas paixão. Talvez, eu também
te ame, mas isso é tudo muito novo para mim e eu gostaria muito que a
gente descobrisse isso, juntos, de preferência.
Olívia repete minha reação de antes, está com os olhos arregalados e
não emite som algum, acho que está tentando processar tudo o que eu disse.
Acho que nem eu consegui processar tudo ainda.
— Seria bom se você falasse alguma coisa, sabe… Só para eu saber
que não fiz papel de idiota, falando tudo isso.
Olívia ri e se joga no meu pescoço. Ela chora, mas, ao mesmo
tempo, ri. O que me deixa confuso. Está feliz ou está triste?
Ela se afasta um pouco e me beija, o que me tranquiliza. Se
estivesse triste, não faria isso, ou faria? Nossa, eu sofro de ansiedade, não é
possível.
— Achei lindo o que você falou. No fundo, eu esperava que você
retribuísse o sentimento, mas tentei ao máximo deixar meus pés no chão e
você me pegou de surpresa se abrindo desse jeito. — Me abraça pela
cintura e repousa a cabeça em meu peito, e eu acarinho sua cabeça. — Eu
adoraria descobrir isso, e tantas outras coisas junto a você, Dimitri.
Abro um sorriso enorme e sinto meu peito esquentar. Abraço Olivia
mais forte e beijo o topo de sua cabeça.
Desligo a tela e as luzes da sala e saio em direção ao meu quarto
com Olívia ainda abraçada a mim.
Não tenho vontade alguma de soltá-la. Chegamos no quarto e não
precisamos de muito. A deito na cama e só penso no quanto me sinto feliz
por tê-la aqui comigo e por ter sido sincero com ela – e comigo – sobre os
meus sentimentos.
Pela primeira vez, eu me sinto inteiro e pronto para estar com
alguém. E esse alguém, não podia ser outra pessoa, além de Olívia. Minha
Olívia.
Ouvir Dimitri admitir que também tem sentimentos por mim, foi a
coisa mais linda que já me aconteceu. Eu nem acreditei quando ele falou.
Achei que estivesse delirando e apenas ouvindo o que eu queria, mas depois
que me dei conta de que, realmente, ele sente o mesmo, me permiti flutuar.
Fomos para o quarto e fizemos amor. Amor.
Deus sabe o quanto eu não quis me ligar a ele, mas foi inevitável. O
que ele fez com Otávio, o modo como me protegeu, não só ele, mas
também Nikolai, me fez sentir especial e incluída em sua vida. Não consigo
imaginar o quanto pode ter sido difícil para ele se abrir. Dizer abertamente
que está apaixonado deve ter sido difícil. Senti que antes havia sido
reticente sobre algo e acabou dizendo outra coisa no lugar, que não tinha
nada a ver com nada. Mas diferente dele, eu já não conseguia mais segurar.
E sabia que corria o risco de ele fugir assim que ouvisse, mas, graças a
Deus, o pior não aconteceu.
No sábado, passamos o dia no quarto. Dimitri até sugeriu que
fôssemos assistir alguma coisa, mas eu só queria ficar na cama com ele.
Claro que ele não reclamou. Transamos o dia inteiro praticamente, o que me
deixou exausta, me fazendo dormir mais cedo do que o normal.
De madrugada, acordei sentindo um mal-estar estranho e fui até o
banheiro. Senti um enjoo incomum, mas como tinha passado por um
momento de trauma, acho que foi o jeito do meu corpo responder. Bebi uma
água e voltei para cama. Dormi até o dia clarear e se Dimitri deixasse, acho
que estaria lá até agora.
— Então, quer dizer que vocês já estão assumidos? — Escuto o Sr.
Bóris perguntar da ponta da mesa. — Ou ainda estão nesse lenga-lenga de
‘não somos namorados’? — O senhor revira os olhos e dá mais uma garfada
na sobremesa deliciosa que Vera preparou.
— Sr. Bóris, não ouvi nenhum pedido do seu neto. — Seguro o riso,
olhando para Dimitri que me encara com as sobrancelhas erguidas. —
Logo, não posso afirmar nada.
O senhor solta uma gargalhada alta e muito autêntica, apontando o
garfo para Dimitri e então diz:
— Gostei dela… gostei dela de verdade. Ela vai te dar trabalho,
vnuk.
Dimitri responde ao avô em sua língua natal e os três riem do
comentário. Fico perdida, querendo saber o que falou, mas ele não diz e eu
acabo deixando o assunto morrer.
Conversamos mais um pouco sobre coisas triviais e pergunto pela
Anya, pois ela não veio almoçar conosco. Senti sua falta. Ela se mostrou
uma pessoa maravilhosa e sempre está junto comigo, conversando
principalmente sobre decoração – já que elogiei muito a casa de Dimitri e a
casa de seu avô – e outras coisas mais. Nikolai me informou que ela
precisou viajar, porque foi convidada para um desfile e mesmo não fazendo
mais parte desse mundo fashion, ela ainda conhece muitas pessoas e sempre
é convidada para tais eventos. Depois, Dimitri me contou que a irmã até já
foi convidada para participar das criações de algumas peças, mas como ela
não conhecia nada sobre corte e costura, rejeitou.
— Anya é outra que precisa encontrar alguém… Ela já está na idade
de ter filhos. — Como?
Olho para o Sr. Bóris e franzo o cenho, não entendendo o seu
comentário.
Idade para ter filhos?
— Dedushka, as coisas não são assim hoje em dia — Dimitri não
demora a falar. — Ela está feliz com a vida que tem. E com certeza, se
Anya ouvir o senhor falar isso, vai levar um belo de um sermão.
— Ah, era só o que me faltava. Troquei as fraldas daquela menina.
Troquei as fraldas de todos vocês, aliás. — Se levanta da sua cadeira com o
auxílio da sua bengala e de Vera.
— Gostaria de trocar as fraldas dos nossos filhos também? —
Nikolai diz, rindo.
— Gostaria de conhecer pelo menos um, não é? Com a idade que
tenho, não se espantem quando chegarem aqui e me verem estatelado no
chão.
Os dois irmãos o olham e batem na madeira três vezes, como se
quisessem espantar o que o avô disse.
— Bóris, acho que você está exagerando. E não adianta apressar as
crianças, as coisas acontecem quando tem que acontecer.
— Crianças… São sim, criancinhas que já fazem outras
criancinhas… — Não consegui ver a feição que o senhor fez, mas já o
imagino revirando os olhos, apenas pelo tom sarcástico em sua voz.

Estou sentada no sofá da sala de cinema, esperando Dimitri chegar


com a pipoca de manteiga, que ele insistiu em fazer da forma tradicional,
depois que eu disse que estava com vontade de comer. Eu falei que não
precisa fazer dessa forma, já que tem uma pipoqueira elétrica aqui. Mas,
teimoso como ele é, simplesmente não me deu ouvidos. Ele pediu para que
eu escolhesse um filme ou qualquer porcaria – palavras dele – para
assistirmos enquanto ele preparava a pipoca. Na mesma hora, o olhei e ele
riu.
— Qualquer um, menos Anastasia. — Saiu, mas logo voltou. — E
nem aquele que a mulher morre no final.
Eu ri e concordei com ele.
Ainda estou aqui, procurando o que assistir. Já mudei umas três
vezes de plataforma e ainda não me interessei por nada. Por fim, desisto e
desligo a tela. Permaneço apenas sentada. Olho para a aba do ar-
condicionado e vejo o número indicando a temperatura, sinto que está
quente aqui dentro. Pego o controle do ar e diminuo um grau. Deito a
cabeça nas costas do sofá e fecho os olhos, não pensando em nada muito
específico, apenas no dia de hoje e em como foi o mais agradável até o
momento. Não que os outros não tenham sido, mas acho que o fato de saber
que Dimitri também me ama, o mudou completamente. Me senti em
família, mesmo sentindo a falta de Anya, e pela primeira vez, vi uma
família.
O cheiro da pipoca chega antes de Dimitri na sala. Quando ele entra,
para ao ver a tela desligada.
— Ué… desistiu? — Ele traz consigo uma tigela enorme – enorme
mesmo – de pipoca, que cheira a paraíso. — Acabei de fazer a pipoca, Olie.
— Sorrio ao ouvi-lo usar o apelido que minha irmã me chama. Estico as
mãos, pedindo para que ele me dê a tigela com o petisco.
— Não tinha nada de bom para assistir… — Dou de ombros.
— Isso não é possível. Os catálogos são enormes, o que não falta é
opção. — Me levanto, indo até ele e pego a tigela de sua mão, já que ele
não me deu quando pedi. E volto a me sentar no sofá.
Bato no espaço ao meu lado, pedindo para que ele se sente e Dimitri
o faz. Dobro as pernas e apoio a tigela em cima delas.
— Aquilo que o seu avô falou…
— Qual parte? Ele fala tantas coisas.
— Para um russo, ele fala muito, não? Sempre achei que ele seria
mais sério e calado…
— Ele já está aqui no Brasil há muitos anos, acho que se perguntar a
ele, nem se considera mais um russo. — Pega a pipoca e começa a comer.
— Mas o que você queria saber em específico?
Ele me olha enquanto mastiga, esperando que eu diga sobre o que
quero saber. Pega mais pipoca e continua a mastigar.
— Sobre a Anya…
— Dela precisar encontrar alguém?
— Também… — podemos começar por esse assunto, mas quero
mesmo falar sobre ‘a hora de ter filhos’. Achei bem estranho isso.
— Bem, eu não sou do tipo de irmão que se mete na vida da irmã
mais nova. — Faz uma careta. — Mas ela nunca apareceu com ninguém e a
única vez que ficamos sabendo de alguma coisa com alguém, foi uns beijos
que ela trocou com Bernardo. E vovô disse que ouviu, recentemente, uns
comentários sobre ela e um outro rapaz.
— O Dr. Bernardo de Alcântara? — pergunto, arregalando os olhos
e pensando o quanto ele e Anya formariam um lindo casal.
Ela é linda. Ele é lindo – não tanto quanto Dimitri, mas mesmo
assim, não é o tipo de beleza que se encontre em qualquer lugar.
— Sim. O conhece?
— O vi apenas uma vez. Ele foi fazer uma visita ao Nikolai.
Dimitri franze o cenho.
— Visitar o Nikolai? — Parece confuso e estranha o que eu acabei
de falar
— Sim… tudo bem que não foi uma visita muito amistosa. Mas
Nikolai o recebeu e ficaram um tempo conversando — explico, achando
que estou falando a coisa mais normal do mundo.
— Olívia, o que estou prestes a te falar é segredo. A gente nunca
toca nesse assunto, ok? — Se aproxima de mim. — Então você precisa me
prometer que vai manter segredo. — Me beija e sorri.
— Prometo…

— Fofinha, poderia vir aqui em cima, por favor? — a voz de Felícia


ecoa em meu ouvido e reviro os olhos.
Odeio quando ela me chama de ‘fofinha’.
— Ele pediu para não demorar.
Dimitri. Claro…
Ele, às vezes, faz isso.
Do nada, pede para eu ir até a sua sala. Quando chego lá, ele
simplesmente me segura pela cintura, me encosta na parede e me beija,
dizendo que estava com saudades. Saudades!
Teve um dia que ele me chamou duas vezes lá para cima e em uma
delas, tenho certeza de que Felícia ouviu alguma coisa, pois quando saí da
sala, ela me olhou com olhos arregalados de total surpresa. E agora, sempre
quando liga, apenas diz ‘Ele pediu para não demorar’.
Claro que ela sabe. E isso, me preocupa muito.
Tudo bem que todo mundo já fala, mas é diferente quando você
sabe que a pessoa sabe de fato sobre o assunto.
Olho o meu telefone para ver se não tem nenhuma mensagem, já
que, às vezes, ele costuma mandar mensagens e constato que não tem nada.
Vou até à sala de Nikolai e o informo que fui chamada até o 20º andar. Ele
apenas levanta o olhar e revira os olhos.
— Se o senhor disser que não posso ir, não irei. — Ele ri.
— Olívia, se você não for, ele vem até aqui. E não quero um show
no meu andar.
Eu tento segurar o riso e ele faz sinal para que eu vá logo.
Entro no elevador e sigo até o Monte Olimpo.
Esse apelido foi dado por algumas moças da recepção, e quando
cheguei aqui, não entendia o porquê, achava que era por ser os últimos dois
andares, mas uma delas me explicou que era por conta dos irmãos, ambos
pareciam dois deuses. Um mais safado e outro mais mal-humorado. De
início, elas se referiam dessa forma ao 19º e ao 20º andar, mas como vim
trabalhar no 19º, comecei a usar essa expressão apenas para o último andar.
Ando até Felícia e ela me olha séria, quase como se fosse avançar
no meu pescoço e morder a minha jugular.
— Ele não está feliz. Não pense que vai entrar aí e ser atacada com
beijos no pescoço e mãos na bunda. — Coro ao ouvi-la falar isso.
Bato na porta e viro a maçaneta.
Lentamente, coloco minha cabeça para dentro – do mesmo jeito que
faço quando entro na sala do seu irmão – e digo:
— Oi, está tudo bem?
Ele levanta o olhar, sua feição está séria e volta a olhar os papéis que
têm em mãos.
— Sente-se. — Alerta.
— Felícia disse que você…
— Otávio está fora — ele me interrompe. Mas não me olha,
continua apenas olhando para os papéis, fazendo algumas anotações.
— Isso é bom, não é?! Quer dizer… pelo menos, nenhuma outra
moça vai correr o risco de ser assediada por ele aqui dentro.
— Sim. Você tem toda a razão, Srta. Olívia. — Senhorita?
Dimitri parou de me chamar de senhorita quando não estamos na
presença de outras pessoas.
Levanto-me da cadeira e sinto um pouco de tonteira, mas tento não
expressar.
Coloco a cadeira no lugar e permaneço em pé, de frente para ele,
respirando lentamente, esperando que a tontura passe.
— Algo mais, Sr. Dimitri? — Seja lá o que ele tem, não estou muito
bem para poder ajudá-lo. Não agora, pelo menos. — Posso voltar para o
meu andar?
Ele levanta a cabeça e me olha nos olhos. Vejo seu maxilar travar e
seu pomo de adão subir e descer.
— Pode.
Abro a porta e não me despeço de Felícia. Chamo o elevador e
quando ele chega, apenas espero que as portas se fechem. Respiro fundo
duas vezes, fechando os olhos e batuco com os dedos em minha coxa. Sinto
meu estômago revirar. Me encosto no espelho e passo a mão na testa,
sentindo-a suor.
Não é possível que isso seja calor.
As portas se abrem e eu saio de dentro dele, voltando a me sentar
em minha mesa.
Olho para a tela do notebook, ainda tentando controlar a respiração.
Jogo a cabeça para trás, na tentativa de pegar mais ar e respiro mais fundo.
De alguma forma, sinto minha roupa apertar meu corpo.
Será que é uma crise de pânico? Não! Fica calma. Respira mais um
pouco.
Inspiro e expiro.
Isso, Olívia! Tá dando certo, viu?!
Quando coloco os olhos de novo na tela do computador, algo acende
em minha mente.
Abro o calendário e olho as datas. Sinto meu corpo relaxar um
pouco. Ainda faltam alguns dias para a minha menstruação vir, então todo
esse mal-estar deve ser por causa disso.
Que saco, odeio esse período do mês…
Que dia de merda! E para fechar com chave de ouro, tratei Olívia do
pior jeito possível.
Por que eu não esperei me acalmar para falar com ela? Sou um
imbecil!
Daqueles de marca maior.
Pego o telefone e ligo para Niko, peço para que ele venha até aqui
em cima. Não tenho boas notícias e espero que ele esteja preparado para
elas. Em poucos minutos, escuto meu irmão bater na porta e entrar na
minha sala. Estou sentado, ainda olhando para o papel em minhas mãos,
ainda tentando entender o que aconteceu.
— É urgente? Estou meio ocupado lá embaixo.
— Sente-se…
— Ah, porra, Dimitri! — Ele respira fundo e se senta. — Não me
diga que me chamou aqui para chorar as dores de cotovelo. Olívia estava
com uma cara horrível. O que houve?
Jogo os papéis que Sérgio – o advogado especialista em direito
societário – me trouxe hoje de manhã. Niko pega os documentos e os
analisa. Quando entende do que se trata, me olha com os olhos arregalados
e a boca levemente aberta.
— Não acredito nisso… — Solta os papéis em cima da mesa
novamente e joga a cabeça para trás. — Como ele conseguiu fazer isso?
Quer dizer, não tinha que passar por nós antes? Alguma aprovação nossa ou
algo do tipo?
— Sérgio me explicou que no Estatuto Social não tinha nenhuma
regra clara sobre isso — começo a explicar. — Otávio provavelmente
ofereceu as ações para outros acionistas, mas eles devem ter negado a
compra e com isso, ele procurou alguém disposto a pagar o valor. —
Aponto para os papéis em cima da mesa e Niko o pega de novo.
— Isso é surreal, Dimitri. Foi pago à vista. Cinco milhões. Pagos à
vista! — Meu irmão balança a cabeça em negação, sem acreditar no valor
que vê.
Eu também não acreditei quando vi.
— A gente, pelo menos, sabe quem é essa pessoa?
— Um espanhol.
— Um espanhol? Isso é meio vago, você não acha? Uma pessoa que
compra ações por cinco milhões à vista, não pode ser apenas um espanhol.
— Concordo com o meu irmão. Fiz a mesma indagação ao Sérgio quando
ele veio me dar a notícia. — Otávio devia ao menos ter nos consultado
antes de fazer isso.
— Como? Depois do que aconteceu com Olívia, ele nem pisou mais
na empresa, quanto mais chegar até a gente e conversar sobre a venda das
ações dele. Eu soquei a cara do homem, por Deus, Nikolai.
— Já olharam o Livro de Transferência de Ações Nominativas[32]?
— Balanço a cabeça em positivo e meu irmão fica ainda mais frustrado. —
Puta que pariu, que merda!
Ficamos em silêncio durante um tempo. Ambos tentando digerir a
notícia que desce seca por nossas gargantas.
Tudo estava indo bem. Os acionistas, que estavam a favor de Otávio
na troca da presidência, assim que souberam da sua conduta com uma das
colaboradoras, repudiaram sua atitude imediatamente e de cara, foram
contra tudo o que ele estava propondo. Agradeci imensamente, não só por
mim, por causa do meu lugar na empresa, mas sim, por Olívia e qualquer
outra mulher que trabalha aqui.
De certo, esperávamos que ele fosse capaz de alguma atitude mais
brusca, mas vender as ações que um dia foram do seu pai e ainda mais por
um valor exorbitante, ultrapassou todas as nossas expectativas.
— Então é isso?! Não há nada que possamos fazer?
— Aparentemente, não. — Me sinto cansado, mentalmente falando.
Não tenho nem forças para esbravejar.
— A Olívia… Você a chamou aqui para dar a notí…
— A chamei aqui para dizer que Otávio estava fora e que ela não
precisaria mais se preocupar, mas ainda estava muito puto com a notícia da
venda e não me controlei — digo rapidamente.
— Entendi!
— Como ela está?
— Quem?
— Olívia, Nikolai… — bufo. Afinal, não é dela que estamos
falando?
— Ah, sim. Quando subi, ela estava olhando alguma coisa no
computador, não prestou atenção em mim. — Dá de ombros. —
Provavelmente deve ter ficado chateada com algo que você falou.
Parabéns, Dimitri! Seu cavalo.
Passo a mão no cabelo, respirando fundo e solto o ar com força.
Tentando ao máximo organizar meus pensamentos, mas dentro da minha
cabeça está uma verdadeira bagunça. Não consigo pensar. Não consigo
decidir o que pensar primeiro, se em Otávio e no novo acionista misterioso
ou se em Olívia e no quanto fui imbecil – sem motivo algum – com ela.
De verdade, não queria ser grosseiro. Achei mesmo que a presença
dela fosse me acalmar, como é de costume, mas não me controlei. Ela não
tem nada a ver com essa situação e acabei fodendo com as coisas.
Nikolai sai, me deixando sozinho na sala.
Me levanto e vou até ao janelão e fico parado, com as mãos no
bolso, apenas olhando para fora, vendo a Paulista movimentada, como
sempre. Pessoas indo e vindo.
Fico me perguntando o que elas fazem, pelo que passam na vida. Se
é tão complicada quanto a minha. Com certeza, sim. Não acredito que a
vida seja fácil para ninguém. Me lembro do dia em que estava aqui, neste
mesmo lugar e Olívia me contou sobre sua infância junto ao Vladmir, sendo
conhecido por ela como Ivan. Pai dos meus irmãos e da sua irmã. Ainda
tem isso. Acho que seria justo Lavínia saber a verdade, tanto Niko quanto
Anya gostaram dela. Gostaria de vê-los tendo um relacionamento legal.
Afinal de contas, são irmãos, não é?
Me perco em meus pensamentos e na visão da rua. Só consigo voltar
a mim quando o telefone toca e eu atendo.
— Oi, Felícia.
— Dimitri, Olívia está aqui.
Olívia?
— Peça para entrar. — Antes de desligar, digo. — Felícia?
— Sim…
— Pode ir, acho que por hoje não tem mais trabalho. — Ela dá um
risinho e desliga o telefone.
Paro perto da minha mesa e me vejo completamente sem reação,
não sabendo como agir assim que ela passar por aquela porta. Arrumo a
blusa. Dobro as mangas mais um pouco e tento afrouxar a gravata.
Escuto as batidas, mas como de costume, ela não coloca a cabeça
para dentro, então, bate de novo.
— Entra. — A porta se abre um pouco e então, ela passa pela
pequena abertura e fica parada, ainda com a porta aberta.
— Eu disse que não precisava falar com o senhor, poderia ter
deixado os documentos com Felícia. — Ela estende a mão que segura os
documentos. — O Nikolai pediu para que o senhor dê uma olhada. Ele disse
que você já sabe do que se trata.
Olívia me olha com um olhar de indiferença. Consigo sentir sua
vontade de sair o mais rápido possível dessa sala.
Dou um passo em sua direção e pego os documentos, colocando-os
em cima da mesa e dou mais um passo em sua direção. Ela, como se fosse
um reflexo, dá um passo para trás.
— Sei que ainda é quinta-feira, mas será que poderia ir comigo para
casa? — pergunto, com medo dela negar.
— Não me sinto muito bem hoje. — Merda! Agora ela deve me
odiar…
— Me desculpe por mais cedo. — Ela faz uma careta, mas balança a
cabeça, dizendo sim. — Eu… Eu fui grosseiro. Não era a intenção.
— Tudo bem. — Ela pega na maçaneta da porta. — Já vou, então.
Não dou tempo a ela de sair pela porta. Com mais duas passadas,
chego perto dela e a seguro pela cintura, fechando a porta por completo.
Encosto-a na parede e aproximo meu rosto do seu. Nossos narizes se
tocam e vejo Olívia arfar.
— Não me afasta, por favor!
— Não estou… — Beijo sua bochecha e escuto-a gemer.
— Sabia que eu sempre tive vontade de te comer aqui, nessa sala. —
Desço o carinho para a pele do seu pescoço. — Semana passada eu me
segurei muito para não levantar seu vestido e te colocar sentada nessa mesa.
— Dimitri, eu… — Respira fundo e sinto suas mãos em meu peito.
Olívia me olha com seus olhos marrons que me hipnotizam toda vez
que estão colados aos meus.
— Acho que precisamos conversar, não?
— Podemos conversar em casa... — Podemos fazer o que ela quiser,
só a quero comigo.
— Mas...
— Vamos, Olívia. A gente faz o que você quiser!
Mais do que depressa, ataco sua boca e não a deixo falar mais nada.
Ela envolve meu pescoço com os braços e me puxa mais para si, colando
ainda mais nossos corpos. Aperto sua cintura e a puxo para se encostar na
beirada da mesa. Nossas bocas não se desgrudam em momento algum.
Como eu estava sentindo falta dela.
Puxo sua blusa de dentro da calça e logo começo a desabotoar sua
calça. Olívia repete minha ação, atacando meu cinto. Enfio minhas mãos
nas laterais da sua calça, já desabotoadas, e as desço, vendo a peça
escorregar por suas pernas. Viro Olívia, colocando-a com as mãos apoiadas
na mesa. Coloco minha mão sobre sua calcinha, fazendo carinho em sua
boceta por cima do tecido e já consigo senti-lo molhado.
Chego perto da sua orelha e mordo o lóbulo, logo em seguida, digo:
— Se você não for lá para casa, eu vou para a sua. Pouco me
interessa como vamos fazer ou o que vamos conversar, o que me interessa é
que quero estar com você.
— Tá bem…
Coloco minha mão dentro da calcinha de Olívia e a escuto gemer
mais alto. Consigo sentir sua boceta quente e úmida. Meu sangue borbulha
em minhas veias e meu pau, que já está duro, não vê a hora de sair de
dentro da cueca e mal tenho tempo para deixar Olívia se ajeitar. Empurro
seu corpo um pouco para frente e levanto uma de suas pernas, apoiando o
joelho na mesa de vidro. Esfrego meu membro em seu sexo, sentindo todo o
calor e o posiciono em sua entrada, de uma vez só, estoco tudo dentro dela.
Ela geme alto e isso soa como música para os meus ouvidos.
Começo os movimentos e cada vez que entro mais, Olívia geme mais alto.
Agradeço mentalmente por ter dispensado Felícia mais cedo. Seria
constrangedor caso ela ouvisse o que acontece aqui dentro.
Seguro mais forte em sua cintura para ganhar mais firmeza nas
minhas investidas. Ela está com as mãos apoiadas na mesa para não cair de
frente. Seu cabelo, que estava em um coque frouxo, já se encontra solto e
todo bagunçado.
Pego em seu cabelo e enrolo minha mão nele, puxando-o de leve, e
isso faz com que o corpo dela suba e se encoste em meu peitoral. Beijo seu
pescoço e sinto gotas de suor em meus lábios. Olívia é maravilhosa demais,
não só no sexo, mas em tudo. Tudo que diz respeito a ela é bom demais e eu
não quero, de jeito nenhum, deixar de fazer parte da vida dela.
Quanto mais ela geme, mais eu invisto e já consigo sentir minha
explosão chegar. Ela segura em alguns papéis, fechando as mãos e sei que
já está quase lá também. Dou mordidinhas em seu lóbulo e sinto sua
respiração pesada. Dou uma olhada em seu rosto, que já está com as
bochechas vermelhas e ela dá um sorrisinho, que parece ser o sinal para que
eu liberte meu gozo. Não aguento por muito tempo, nem ela. Urro de prazer
quando me libero em seu interior. Seguro em sua barriga para não a deixar
cair e ela segura em minha mão. Delicadamente, vira o rosto em minha
direção e me beija. Não consigo mais negar e nem quero, essa mulher é o
amor da minha vida e eu não quero passar mais nenhum momento sem tê-la
ao meu lado.

Chegamos no prédio de Olívia e eu só pensava em jogá-la na cama e


transar de novo com ela, mas sabia que ela tinha um certo receio quanto a
mãe e a irmã. Para ser bem sincero, eu a entendo. Lavínia é bem mais
jovem e além de tudo, é irmã dos meus irmãos. O que, na verdade, já é
muito estranho.
Tento sempre lembrar que preciso me policiar quanto a isso. Já
conversei com Niko sobre contar tudo, mas ele quer esperar mais um
pouco. Até pelo menos conseguirmos localizar Vladmir e tirá-lo
definitivamente das nossas vidas. Entendo o seu ponto, já que o nosso medo
é que ele a use, de alguma forma, para fazer algum mal a nós, ou seja lá, o
que se passa na cabeça doentia daquele homem.
Lavínia estava na sala, sentada no sofá, tocando a tela do celular
freneticamente e quando entramos, ela nos olha assustada. Largou o
telefone em cima do sofá e veio em direção à Olívia.
— Ainda bem que você chegou.
— O que houve? — Senti preocupação na voz de Olívia.
— Cheguei em casa e mamãe não estava. Quando fui para o quarto,
achei um bilhete dela. Ela voltou para Santo Antônio do Pinhal, Olie.
Olívia não me pareceu surpresa. Ela apenas respirou fundo e
segurou a irmã pelos braços, levando-a até o sofá.
Lavínia parecia desolada e preocupada com a mãe, já Olívia, estava
indiferente.
— Era por isso que eu não queria que ela ficasse aqui. Agora você
entende? — Estranhei a resposta de Olívia. — Não é a primeira vez que ela
faz isso. Eu sabia que, uma hora ou outra, ela voltaria para ele. — Arregalei
os olhos quando ouvi o que ela disse.
A mãe dela tinha voltado para o Vladmir? Meu Deus, não é
possível...
Cheguei perto das duas e pedi licença, me dirigindo até quarto de
Olívia. Entrei no cômodo e imediatamente liguei para Nikolai.
— Oi!
— A mãe da Olívia voltou para a cidadezinha dela.
— E daí?
— Como assim “e daí”? Ela voltou para o Vladmir, Nikolai. —
Tentei ao máximo não gritar com ele.
— Cacete! Vou pedir para alguém ir atrás dela. Será que Márcia foi
mesmo atrás dele? Acha que, desse jeito, a gente consegue pegá-lo?
— Não sei, Niko, mas ela não pode ficar com ele e a gente precisa
tentar, mesmo sem nenhuma prova concreta de tudo o que ele já fez. Ele é
um homem muito perigoso. Não o quero de jeito nenhum perto da Olívia.
— Claro! Também não quero nem pensar em Lavínia convivendo
com esse monstro.
— Não acha que já está na hora de contar a verdade a elas? Desse
jeito, você e Anya poderão conviver mais com ela e a conhecer melhor, ao
invés de apenas ficar fazendo perguntas aleatórias para Olívia. Semana
passada, ela questionou o motivo das suas perguntas sobre Lavínia — digo
a ele, tentando terminar com toda essa história. De uma forma ou de outra,
ela ficará sabendo. E além disso, ter Nikolai e Anya como irmãos é
maravilhoso.
— Não acho que é o momento certo ainda.
— Nikolai, isso é perda de tempo. Lavínia é irmã de vocês, não tem
por que ficar escondendo isso...
Nesse momento, percebo a presença de Olívia atrás de mim e me
viro rápido. Ela está parada na soleira da porta, segurando o telefone perto
do ouvido e olhando para mim.
— Depois ligo para você. — Desligo a chamada sem dar tempo para
o meu irmão responder.
Fico parado, esperando por alguma reação de Olívia, mas ela parece
ainda estar processando a informação que ouviu. Porque sim, ela ouviu.
Alto e claro.
Ela olha em direção à sala e parece tentar se controlar. Entra no
quarto e fecha a porta atrás de si, jogando o telefone em cima da cama.
Parece calma demais, o que só me deixa mais apreensivo.
— Pode repetir o que você falou? — ela diz baixo.
— Olívia... — Fodeu. — Olha, me escuta...
— Só repete o que você falou, Dimitri. — Aumenta um pouco a
voz.
— A Lavínia é irmã do Nikolai e da Anya. — Foda-se, ela já ouviu
mesmo. Menos um segredo.
— Como? Não faz sentido algum. Vocês... — tenta argumentar algo
que, provavelmente, em sua mente é o racional.
— Os três têm o mesmo pai.
— Ivan? — diz, sem acreditar. — Dimitri, Ivan é um caminhoneiro,
sem eira nem beira. Não existe a possibilidade de ele já ter se envolvido
com a sua mãe. Por favor...
Isso vai ser mais difícil do que eu imaginei. De fato, Nikolai estava
certo. Talvez não fosse a hora para tantas revelações.
Ainda estou sem entender o que está acontecendo.
Depois de ouvir Dimitri ao telefone com Nikolai, tentei processar
tudo o que ouvi e claro, pedi uma explicação a ele. O que ele não conseguiu
me dar. Apenas, pegou minha mão e pediu para que eu o acompanhasse até
sua casa. Pediu para que levasse Lavínia também. Relutei, mas fiz o que
pediu. Quando chegamos, ele ligou para Nikolai e para Anya e chamou
ambos para vir até sua casa.
Estou sentada no sofá da sala, tentando ligar para a minha mãe – que
não atende as minhas ligações – enquanto os espero chegar.
Lavínia troca olhares entre mim, Dimitri e a sala enorme dele.
Quase do mesmo jeito que eu fiz quando vim aqui pela primeira vez.
Nikolai passa pela porta da cozinha seguido de Anya, que está com
uma expressão assustada no rosto. Quando nos vê sentadas no sofá, sua
expressão piora.
— O que... — Se dirige a Dimitri, que logo levanta indo em direção
ao irmão.
Anya, como sempre, uma verdadeira lady, vem até Lavínia e eu e
nos abraça. Sorri para a minha irmã, que retribui o gesto. Segura em sua
mão e se senta no sofá ao lado dela.
— Agora, vocês podem me explicar o que está acontecendo? —
peço, já quase perdendo a paciência.
Dimitri e Nikolai se olham e ambos vêm em nossa direção, se
sentando cada um em uma poltrona à minha frente.
— Olívia, em primeiro lugar, quero que saiba que eu — Nikolai
olha para Dimitri. —, não tinha a intenção de contar nada agora. Estava
apenas esperando que tudo se ajeitasse e que pudesse contar isso com
calma. — Ele faz uma pausa e olha para Lavínia, que está tão perdida
quanto eu nessa história toda.
— O negócio é que... — Dimitri pigarreia e volta a falar. — Já faz
um tempo que Nikolai descobriu que Lavínia é filha do mesmo homem que
é pai dele e de Anya.
— Já disse que isso é impossível! — Levanto-me do sofá. — Não
tem sentido uma coisa dessas. Somos de uma cidade pequena. O que Ivan
estaria fazendo naquela cidade se é mesmo quem vocês dizem que ele é?
— Porque ele não é quem disse ser durante todos esses anos para
vocês — Dimitri disse em um tom um pouco mais alto do que o meu. — O
nome dele nem é Ivan, Olívia. Ele se chama Vladmir. Foi casado com a
nossa mãe por anos e foram os piores de nossas vidas. — Ele se levanta e
começa a andar pela sala.
Olho para Anya, que tem uma dor no olhar que eu nunca tinha visto
antes. Nikolai está com a cabeça abaixada e seus cotovelos estão apoiados
em seus joelhos.
— Em uma noite, quando éramos crianças, Vladmir e nossa mãe
brigaram. Não que fosse novidade, porque acontecia quase sempre, mas
naquela noite, as coisas saíram do controle. — escuto Nikolai falar e me
sento, prestando atenção no que ele diz. — Ele agrediu a nossa mãe até ela
ficar inconsciente. Nós três — Fez sinal entre os irmãos. —, estávamos
dentro do armário e Dimitri encontrou uma arma em uma das prateleiras.
Imediatamente, olho para Dimitri que está parado no canto da sala,
com as mãos dentro dos bolsos da calça, olhando para o chão, apenas
escutando o irmão contar.
Parece sentir dor ao ouvir o que é dito.
Volto meu olhar para Nikolai, que agora está olhando para o irmão.
Nikolai sabe o que isso vai causar ao irmão.
— Ele tinha as melhores intenções. Sempre nos protegeu... nós
erámos apenas crianças, Anya e eu tínhamos cinco anos e Dimitri tinha dez
— Dimitri sai do canto, indo em direção às escadas. Não diz nada, apenas
sai da sala, nos deixando lá. — Quando ele achou que Vladmir já não
estava mais no quarto, tentou sair do armário, mas não o viu vindo por trás.
Eu tentei gritar, porém já era tarde. O homem o pegou pelo cabelo e o jogou
no chão.
— A arma que estava na mão de Dimitri, caiu no chão — Anya diz
ao lado de Lavínia, que está com os olhos arregalados. — Éramos apenas
crianças, sim, mas existem coisas que ficam gravadas para sempre em nossa
mente. E essa é uma dessas coisas, meninas — fala, virada para nós duas.
— O que... — tento perguntar, mas ainda estou em choque e tenho a
sensação de que ainda não é o fim da história.
— Ele bateu em Dimitri naquele dia. Chutava sua barriga, suas
costelas. O xingava. Vladmir estava claramente bêbado ou pior — Nikolai
continuou. — Ele só parou, porque o nosso motorista chegou a tempo,
encontrou a arma e atirou nele.
Que loucura é essa?
Não consigo assimilar uma única palavra que está sendo dita. Fecho
os olhos, tentando lembrar de alguma coisa daquela época. Faço as contas
mentalmente. Se Dimitri tinha dez anos, eu tinha oito. Isso foi um ano antes
do nascimento de Lavínia. Sento-me no mesmo lugar de antes e olho para
Nikolai, com o olhar arregalado e digo:
— Me lembro vagamente que, antes do nascimento de Lavínia, um
ano ou um pouco mais, ele chegou em casa com ferimentos. Nossa mãe
ficou apavorada, mas como eu era só uma menina, não entrou em detalhes
comigo. E pela primeira vez, ele não fez mais viagens por um bom tempo.
Nikolai assente com a cabeça e entendo o que de fato aconteceu.
— Nós já morávamos aqui no Brasil nessa época, Olívia. Tínhamos
um motorista e foi ele quem nos ajudou naquela noite.
Vejo Anya expressar um sorriso que parece ser de uma boa
lembrança.
— O Guto. — Viro o rosto tão rápido em sua direção, que ela não
entende o motivo da minha reação e continua a falar. — Guto era o nosso
motorista. — Balanço a cabeça, entendendo o que ela diz, só não consigo
acreditar no que a minha mente quer me dizer.
Olho para Nikolai em busca de respostas e, como se lesse meus
pensamentos, ele diz:
— O seu pai.
Levanto-me novamente, sentindo o lugar ficar pequeno.
Preciso de ar! Preciso respirar ar puro!
A tontura volta a me atormentar e sinto minha bile subir. O gosto
azedo chega à minha boca e ao invés de ir até a porta da casa, sou obrigada
a correr até o banheiro mais próximo.
Vomito tudo o que comi durante o dia. Sinto os meus olhos arderem
e minha cabeça parece que vai explodir. Me apoio na privada e sem
controle, sinto lágrimas escorrerem pelo meu rosto.
Busco forças para me levantar, dando descarga e vou até a pia, onde
me apoio mais uma vez. Sem coragem de olhar para o espelho, ligo a
torneira e lavo o rosto, tentando, inutilmente, lavar minhas lágrimas. Jogo
um pouco de água na boca, mas não consigo sair daqui. Permaneço ali,
apoiada no mármore do banheiro, sem acreditar em tudo o que ouvi.
Respiro fundo algumas vezes e então, sinto uma mão em meu ombro. O
cheiro de Dimitri invade o cômodo e me sinto segura com ele ali. Ele me
abraça por trás, encaixando o seu rosto entre meu pescoço e meu ombro.
— Me desculpe.
Escuto-o dizer aquilo e, mais uma vez, não consigo segurar as
lágrimas. Choro copiosamente, fazendo com que meu corpo balance. Ele
me abraça com mais força e por mais que ame seu abraço, preciso sair dali.
Me sinto presa. Sinto minhas roupas apertarem meu corpo, do mesmo jeito
que senti mais cedo.
Tento sair do seu abraço, mas Dimitri me aperta com uma força, que
não me permite sair dele. Tento mais uma vez me desvencilhar, mas não
consigo. Ele me vira para si, voltando a me abraçar e dessa vez, eu deixo.
Choro em seu ombro enquanto ele acarinha minha cabeça, me pedindo
desculpas.
Depois que consegue me acalmar um pouco, ele me leva de volta
para a sala e encontro minha irmã, sentada no meio de Nikolai e Anya. Eles
conversam entre si e parece que as coisas estão bem. Anya ainda segura a
mão da minha irmã e sorri alegremente para ela. Quando me vê, Lavínia
vem em minha direção e me abraça.
— Isso é uma verdadeira loucura, não é? — ela diz. — Eu acabei de
ganhar dois irmãos. — Olha para ambos. — Irmãos gêmeos ainda. — Pela
primeira vez, rio do que ela fala.
Não sei o que dizer para Lavínia nesse momento, mas consigo ver o
quanto ela está bem com a notícia. Tenho certeza de que deve estar muito
feliz por ter mais dois irmãos mais velhos que ela, ainda por cima.
Lavínia sempre gostou de ser a caçula.
Meu telefone toca em cima do sofá e eu corro para atendê-lo. É um
número que não conheço.
— Alô?
— Olívia... — Escuto a voz da minha mãe. — Filha, filha, está me
ouvindo? — Ela soluça. — Não posso deixar que ele faça mal a vocês.
— Mãe, onde a senhora está? — A ligação está muito ruim. —
Mãe? Está me escutando?
Percebo a aproximação de Dimitri e Nikolai.
Ambos param do meu lado e Anya vai em direção à Lavínia.
— Mãe! — A ligação cai.
Tiro o telefone do ouvido, tentando retornar a chamada, mas assim
que ele dá o primeiro toque, vai para a caixa postal. Tento mais uma vez e
dessa vez, chama duas vezes e alguém atende.
— Mãe! Mãe!
— Não, querida. — Sinto o meu corpo gelar ao ouvir aquela voz.
— Não é a sua mãezinha. Já estava com saudades de você, pequena
Olívia.
Meu coração dispara e por um momento, acho que vou morrer.
Sinto o meu corpo tensionar. Meu sangue gela e minha respiração
acelera. Sinto minha mão tremer enquanto seguro o aparelho perto do
ouvido, me dando conta de que estou escutando a voz do pior homem que
conheço na vida. De uma hora para outra, não vejo mais nada. Tudo vira
um grande borrão.

Acordo no susto e Dimitri está do meu lado. Sento-me na cama e ele


se acomoda ao meu lado, segurando os meus braços.
— Oi! Oi! Está tudo bem... Você desmaiou. — Olho para ele sem
entender muito bem o que diz. — Te trouxemos para o quarto, mas Anya já
chamou um médico.
Balanço a cabeça, tentando colocar as palavras dele em ordem.
Desmaio, quarto, médico. Me lembro do telefone tocando, minha mãe e
depois... Olho para Dimitri e meus olhos se enchem como se fossem uma
represa.
— Ele está com ela. Eu preciso trazê-la de volta, Dimitri.
— Fica calma. Nikolai pegou o número que te ligou e já está
tentando descobrir de onde é — ele diz baixo, tentando me acalmar. —
Lavínia foi para a casa de Anya. Ela ficou muito nervosa e quando você
desmaiou, acho que ela ficou ainda mais nervosa. Estava aqui até pouco
tempo atrás. O médico já deve estar chegando.
Olho para os lados, tentando me acalmar como Dimitri pede.
Respiro algumas vezes, mas ainda me sinto muito mal. Tenho novamente a
sensação de sufocamento.
— Acho que preciso de água.
Ele pega uma jarra cheia e um copo, que estão em cima do móvel ao
lado da cama. Enche o copo e me estende a bebida, bebo o líquido em um
único gole e começo a me sentir melhor, mas ainda não estou cem por
cento. Me deito de novo, fechando os olhos e tento não chorar, pensando
em uma solução para toda aquela loucura.
O que estava acontecendo? Em que ponto da minha vida, eu tinha
errado para chegar aonde cheguei? Para as coisas acontecerem desse jeito?
Me apaixonei por Dimitri. Descobri que Ivan não é Ivan. Minha
irmã é irmã mais nova do meu chefe. Minha mãe estava novamente com o
homem que destruiu a infância de cinco crianças.
Sem sucesso, não consigo segurar as lágrimas enquanto penso em
tudo. É muita informação, muita coisa para assimilar. Não sei se aguento
mais algo. Preciso ajudar a minha mãe, trazê-la de volta para cá, colocar
Ivan, ou seja lá como ele se chama de verdade, para fora das nossas vidas
de uma vez por todas. Mas como?
Escutamos a campainha tocar.
Dimitri sai do quarto e minutos depois, retorna acompanhado a um
senhor, que está vestindo uma calça social preta e uma camisa social azul-
claro. Tem uma maleta na mão e conversa baixo com Dimitri.
Ele se aproxima e se apresenta.
— Boa noite, Srta. Olívia. Sou Humberto, o médico da família
Markova. — O homem estende a mão e eu o cumprimento. — Posso ver
como a senhorita está?
Sento-me na cama e ele faz o mesmo. Coloca a bolsa ao meu lado e
a abre. Tira um estetoscópio, colocando-o em volta do pescoço. Volta a mão
para dentro da bolsa e tira uma caneta de lá, ao menos parece ser uma, até
que ele a aperta e uma luz se acende. Pede para que eu olhe em sua direção
e então aponta a luz para os meus olhos.
— Siga a luz, por favor. — Faço o que ele pede e então, ele a
desliga. — Agora, siga o meu dedo. — Balança o indicador de um lado
para o outro. — Seus sinais estão normais.
O homem guarda a lanterna e tira um aparelho da bolsa, que
imagino que seja para medir a pressão. Pede para que eu estenda meu braço,
então o faço. Ele bombeia e eu sinto o tecido me apertar, o médico olha para
o aparelho e balança a cabeça. Guarda de volta na bolsa e coloca o
estetoscópio nos ouvidos.
— Vou precisar que respire fundo para mim, Srta. Olívia. —
Aproxima o instrumento do meu peito e novamente, faço o que ele pede. —
Mais uma vez, por favor. — Repito o movimento.
— Está tudo bem, doutor? — Dimitri pergunta.
O homem guarda tudo e olha para mim, logo em seguida, para
Dimitri.
— Tirando a pressão, que está um pouco baixa, tudo está bem. A
respiração está ótima e os sinais também. — Vira-se para mim e pergunta:
— Posso fazer algumas perguntas?
— Sim, claro.
— Toma algum remédio?
— Não — respondo.
O telefone de Dimitri toca e ele sai do quarto.
— Anticoncepcional? — Balanço a cabeça em negativo. — Tem se
sentido bem? Alguma indisposição, enjoo, tontura?
— Tive um enjoo incomum uns dias atrás e hoje também. Também
senti uma tontura e uma sensação estranha.
— Srta. Olívia, não posso falar com toda a certeza, por isso, indico
que faça um exame de sangue. Posso estar enganado, mas talvez a senhorita
esteja grávida.
Grávida?
— Se quiser, posso falar com o Dimitri para que peça alguém para
vir aqui amanhã pela manhã...
— Não! — Engulo em seco e solto o ar que nem sabia que estava
segurando. — Eu vou amanhã ao laboratório. — Olho para o senhor à
minha frente e ele assente, entendendo que não quero que Dimitri saiba.
Caso seja verdade, claro que contarei, mas agora não é o momento.
Me despeço do senhor e ele sai do quarto. Fico alguns minutos
sozinha, olhando para o teto, assimilando mais essa informação. Passo a
mão na barriga. Grávida. Grávida de Dimitri. Um filho.
Não sei o que sentir. Fico feliz? Aflita? Desesperada? Vou embora?
Não falo nada? Conto tudo agora?
Se for verdade, como Dimitri vai ficar? Ele vai aceitar? Vai ficar
feliz?
Por mais que tenhamos conversado rapidamente sobre o assunto e
ele tenha se mostrado interessado. Não sei se agora seria o momento ideal
para uma gravidez.
Quantas perguntas sem respostas. Que inferno!
Coloco as mãos no rosto, tampando-o e dou um grito que sai
abafado.
— Tudo bem? — Tiro as mãos do rosto, levando um susto e encaro
Dimitri, que está parado na porta.
— Tudo.
— O que o médico disse?
— Ele não falou com você? — pergunto.
— Não. Deveria?
— Ele não disse nada de mais, só acha que pode ser estresse mesmo.
— Não sei se menti ou omiti. — Pediu que eu fizesse um exame de sangue.
Vou amanhã, antes de ir para a empresa.
— Não vamos para a empresa amanhã. — Arregalo os olhos. —
Vou com você fazer o exame e depois voltamos para cá.
— Mas...
— Mas nada.
— Dimitri, tem a Lavínia, ela tem estágio e faculdade amanhã...
Não é assim que as coisas funcionam — digo, me levantando da cama.
— Ela está bem. Acabei de falar com Anya. Ela já ligou para a
empresa onde trabalha e ela disse que amanhã não tem aula. Está tudo bem,
Olívia. — Ele anda até mim. — Além do mais, Niko está tentando localizar
o telefonema. Vai ficar tudo bem, a gente vai conseguir achar a sua mãe.
Tudo vai se resolver.
Ele me abraça e a resposta de uma pergunta que eu me fiz mais
cedo, vem a minha mente. Dimitri seria um ótimo pai.
— Olívia Castanheira — escuto a enfermeira me chamar.
Levanto-me e vou em sua direção. Ela sorri educadamente e dá uma
olhada para Dimitri, que permanece sentado. Passo por ela e entro na
pequena cabine. A enfermeira pede que eu me sente e assim que o faço,
desce uma espécie de banqueta, que está unida à cadeira acolchoada.
Estendo meu braço e ela amarra um elástico azul em volta. Com calma, toca
em meu braço, procurando pela veia mais acessível e quando a acha, parece
feliz. Prepara a agulha e quando chega perto, eu viro o rosto.
A moça não diz muita coisa antes de terminar. Apenas pede que eu
pressione o algodão e logo depois, coloca um band-Aid pequeno.
— Evite pegar peso. O resultado fica disponível em algumas horas
pela internet. Quando sair, é só pegar o seu código de acesso.
Agradeço, saindo da sala e Dimitri me acompanha até o
atendimento. A outra moça me explica como fazer e então, saímos da
clínica.
Faço a viagem toda em silêncio, com mil coisas dentro da minha
cabeça. Gravidez. Dimitri. Minha mãe. Minha irmã. Minha vida. Olho o
papel de acesso ao exame e ele informa que, dentro de duas horas, o
resultado já estará disponível. Respiro fundo e sigo em silêncio.
Vejo um carro parado próximo à garagem de Dimitri e acho
estranho, nunca o vi aqui, mas antes de me preocupar, ele diz:
— Anya está aqui. — Se Anya está aqui, Lavínia também está.
Quero tentar conversar com a minha irmã para ver como ela está se
sentindo.
Entramos na garagem e saio assim que o carro para. Entramos pela
porta da cozinha – como de costume – e assim que coloco o primeiro pé
dentro de casa, sinto Lavínia me abraçar. De início, penso que alguma coisa
muito ruim aconteceu e começo a me desesperar por dentro. Mas assim que
ela se afasta, consigo ver um sorriso em seu rosto.
— Oi, Olie. Senti sua falta essa noite. Mas Anya é uma ótima irmã,
assim como você, é claro — ela ri quando termina de falar. — O Nikolai
mandou mensagem hoje bem cedo, dizendo que queria almoçar comigo.
Às vezes, Lavínia parece uma criança de cinco anos quando fica
empolgada. Desata a falar tudo de uma única vez.
Vejo Dimitri ao telefone, ele entra e não diz mais nada. Anya vem
até mim e me abraça.
— Como está se sentindo?
— Bem. O exame foi rápido e o resultado sai daqui a pouco. É só
esperar — digo, tentando parecer normal.
Sinto o olhar de Lavínia sobre mim e de alguma maneira, é o
mesmo olhar que sinto vir de Anya. Bem, elas são irmãs. Acho que a partir
de agora, isso será o mais natural possível.
Foco na direção em que Dimitri seguiu e não o vejo por perto.
Mesmo sabendo que não tem ninguém aqui, puxo as duas pelos braços,
indo em direção ao sofá.
— Preciso falar uma coisa para vocês, mas é segredo — sussurro a
última parte.
— Ai, meu Deus — Lavínia diz.
— Você está grávida... — Anya fala com a maior naturalidade do
mundo. Lavínia e eu a olhamos e eu arregalo os olhos. — Acertei? —
Entendi que ela apenas tinha chutado, sem intenção nenhuma.
Quando percebe que é isso, leva a mão à boca e se senta.
— Ai, meu Deus! Eu acertei mesmo... Cacete! Já contou para ele?
— Não... Eu nem sei se é isso mesmo. — Me sento ao seu lado para
não precisar falar muito alto. — O médico disse que pode ser que sim. Por
isso, pediu para que eu fizesse o exame. Não vou falar nada até ter total
certeza. — Olho mais uma vez para o corredor. — Além do mais, nem sei
se ele quer ou se vai...
— É óbvio que ele vai, Olívia — Anya me interrompe. — Acho que
só você não percebe o quanto ele está envolvido. Nunca vi o meu irmão
assim. Ele é outra pessoa quando está com você.
— Anya, olha o que está acontecendo. Quer dizer... Tem esse louco
do pai de vocês solto por aí com a minha mãe e a gente nem sabe o que
fazer. Não é hora para isso.
— A gente sabe que é muita coisa, Olie, mas olha, se for verdade, a
gente vai ficar do seu lado. — Lavínia segura a mão de Anya e eu vejo o
quanto já se gostam, e criaram um laço entre elas, mesmo descobrindo do
parentesco somente ontem.
— A Lavínia tem razão. Sem contar que eu vou mimar muito o meu
sobrinho.
— Mimar quem?
Dou um pulo no sofá e olho para trás, vendo Nikolai parado entre a
cozinha e a sala.
Ele ouviu? Será que ouviu? Meu Deus!
Viro-me para Anya e Lavínia e ambas me olham de volta, sem saber
o que fazer.
— Sobrinho? Foi isso o que eu ouvi? — ele questiona.
— Pode ser que sim, pode ser que não.
— Lavínia!
Nikolai anda em minha direção com os olhos arregalados.
— Ele já sabe? — Como eles conseguem ser tão parecidos? Até
mesmo nas perguntas. Jesus!
— Ainda não... — Anya fala.
— Ela quer ter certeza para contar — Lavínia completa.
Os três parecem que se conhecem desde sempre. Que coisa
insuportável!
— Dá para a gente parar de falar sobre isso e focar em tentar achar a
minha mãe? — digo, saindo de perto deles.
Quando me viro, vejo os três parados, enfileirados. Um do lado do
outro e aquilo me assusta. Como nunca percebi a similaridade entre Nikolai
e Lavínia? Ou entre Lavínia e Anya? Chega a ser surpreendente.
Dimitri aparece na sala de repente, me dando mais um susto.
— Ah, que ótimo. Todo mundo aqui. — Ele levanta as mãos no ar,
balançando-as. — Reunião de família.
— Recebeu a mensagem que eu te mandei? — Niko sai do lado de
Lavínia e vem em direção ao seu irmão, parando próximo a nós. —
Consegui rastrear de onde veio a ligação. É o telefone de um motel de beira
de estrada. Liguei para o estabelecimento, mas a pessoa não soube me
informar nada. Disse que talvez a pessoa que ficou à noite saiba.
— Será que ele a sequestrou? — Lavínia questiona.
— Acho que Ivan a ameaçou. — Cruzo os braços no peito. — Ela
disse que não poderia deixar que ele fizesse mal a gente.
— Isso é bem a cara desse desgraçado — Dimitri diz, vindo em
minha direção. Para ao meu lado e coloca a mão em minha lombar. Levanto
o meu olhar até encontrar o dele. — Vamos encontrá-lo e aí, isso tudo vai
acabar e assim poderemos viver nossas vidas em paz.
Desvio meu olhar rapidamente e consigo ver Lavínia e Anya
sorrindo de lado. Olho para Nikolai e ele tem o mesmo sorriso, só que
muito mais disfarçado. Volto a olhar para Dimitri e meu coração perde
algumas batidas. Começo a pensar que sim, daríamos certo como uma
família e seríamos muito felizes.
Quando Olívia desmaiou, eu fiquei apavorado, não sabia o que
fazer. Niko me ajudou a socorrê-la e Anya, mais que depressa, chamou um
médico. Lavínia parecia que ia entrar em uma crise de pânico, então assim
que a minha irmã ligou para o médico, a pedi para que levasse sua irmã
mais nova para a sua casa e deixasse Olívia descansar um pouco. Lavínia
foi relutante, mas logo compreendeu que a irmã precisava de um tempo
para descansar.
O médico não demorou muito, nem para chegar aqui em casa e nem
na consulta de emergência. Fui interrompido por um telefonema de Sérgio,
pedi licença e me retirei do quarto quando o médico ia começar a fazer
perguntas para Olívia.
— Dimitri, boa noite, desculpe ligar a essa hora — ele disse.
— Sem problema. Alguma notícia?
— Sim, mas não acredito que possa ser algo proveitoso. — Respirei
fundo e esperei pelas informações — Consegui contato com um dos
representantes do comprador espanhol. Ele disse que entraria em contato
na segunda, marcando uma reunião com o Conselho, para apresentar o
chefe e tudo mais.
— Ele disse o nome do homem?
— Juan Pablo González
— O espanhol.
— Ao que tudo indica, sim. Procurei pelo nome e sobrenome, e
bem... Ele é filho do Primeiro-Ministro da Espanha, Dimitri.
— Como é? Primeiro-Ministro? — Nem consegui acreditar no que
ele falou.
Fiquei um tempo em silêncio, mas logo falei para Sérgio.
— Não vou à empresa amanhã, Sérgio. Por favor, se conseguir
qualquer outra informação, não hesite em me ligar. Eu estarei disponível a
qualquer hora.
Desliguei a chamada e quando estava voltando para o quarto, o
médico estava saindo do cômodo.
O acompanhei até a porta, mas ele não me disse uma única palavra,
apenas pediu que ela se mantivesse em repouso e evita-se se estressar.
Como se fosse realmente possível, depois das últimas notícias.
Olívia dormiu e logo cedo saímos para fazer os exames que foram
solicitados. Ela se manteve em silêncio, tanto na ida quanto na volta.
Apenas quando chegamos em casa, ela esboçou certa alegria por ver a irmã
mais nova. Assim que cheguei em casa, recebi outra ligação de Sérgio, que
me disse que continuava a juntar informações sobre o homem que comprou
as ações da nossa empresa. Mas achava melhor esperarmos até segunda,
para conversar com o representante dele.
Desliguei o telefone e vi uma mensagem de Niko, mas ao mesmo
tempo, ouvi a voz dele vindo da minha sala. Quando cheguei no cômodo,
todos estavam lá conversando. Niko aproveitou para informar o que havia
conseguido sobre o número de telefone – o que também não estávamos
tendo muito sucesso, mas pelo menos, já tínhamos alguma coisa.
Estou parado ao lado dela e começo a notar uma certa tensão vinda
de Olívia. Não só dela, mas de todos os outros também. Prefiro ficar na
minha e não fazer muitas perguntas. Se ela se sentir à vontade, virá falar
comigo por conta própria. É o que eu espero, pelo menos.
Já almoçamos e consigo ver Niko em um canto da sala com o
telefone no ouvido e Anya e Lavínia – que viraram amigas inseparáveis ­–
lançando olhares e sorrisinhos em nossa direção.
Ontem, antes de tudo acontecer, tinha em mente, pedir para que
Olívia viesse morar aqui comigo. E de um certo modo, ainda quero que isso
aconteça. A quero perto de mim, ainda mais agora, sabendo que Vladmir
pode vir atrás dela quando bem entender. Achei mesmo que esse pesadelo
tinha acabado há vinte e cinco anos.
— Está tudo bem? — pergunto como quem não quer nada.
— Sim, está sim. — Não me olha e eu começo a sentir que não, não
está nada bem.
— Olívia, eu estava pensando...
Ela pega o celular e olha as horas.
— Vou ao banheiro rapidinho. — Me dá um sorriso sem graça e sai
correndo.
Que merda que está acontecendo? Não sei lidar com esse tipo de
coisa. Era tudo muito mais fácil quando era só sexo.
Anya se aproxima e se senta ao meu lado.
— Não fica preocupado. Ela tá bem... Só precisa de um tempo.
— Tempo?
— É, Dimi, as mulheres precisam de um tempo em certos
momentos. Vai ficar tudo bem. Confia em mim. — Ela se levanta e volta a
fazer companhia para a irmã recém-descoberta. Desisto de tentar entender o
que se passa na cabeça de Olívia, pelo menos, por enquanto.
Preciso descobrir quem é o comprador das ações e onde está a mãe
dela e o Vladmir. E depois que descobrir onde esse filho da puta está, vou
mandá-lo direto para o inferno, que é de onde ele nunca deveria ter saído.
Olívia está demorando muito no banheiro. Já faz, pelo menos, uns
quinze minutos que saiu daqui. Será que ela está bem?
Levanto-me para ir em direção ao banheiro, mas assim que o faço,
ela aparece no corredor, vindo em direção à sala novamente. Seu olhar está
meio perdido. Não sei decifrar se está feliz ou se está triste. Talvez
desapontada. Mas com o quê?
Anya passa por mim, indo em direção à Olívia, seguida de Lavínia,
e eu me pergunto mais uma vez o que está acontecendo. Minha irmã não me
dá a oportunidade de chegar perto de Olívia, pois volta com ela em direção
às escadas e as três seguem até o segundo andar.
Continuo perdido.
Eu só quero saber se está tudo bem.
Sinto a mão de Nikolai em meu ombro e me viro para ele. Ainda
com o telefone no ouvido, ele me puxa para perto de uma das janelas e logo
se despede de quem quer que seja e então, desliga a ligação.
— Um dos seguranças, que pedi para ir atrás de mais informações,
acabou de me ligar — ele diz. — Acho tudo isso muito estranho, Dimitri.
Ele me informou que os dois estão na casa em Santo Antônio do Pinhal e
que, aparentemente, está tudo bem.
Semicerro os olhos, quase juntando as sobrancelhas, sem entender o
que o meu irmão está dizendo.
— A mãe de Olívia saiu e voltou minutos depois, com sacolas de
mercado ou algo parecido. Não parecia ameaçada ou receosa com nada, era
como se estivesse vivendo normalmente.
— Eu não consigo encaixar esse quebra-cabeça, Niko — confesso a
ele. — Quer dizer, não faz sentido algum. Claramente, ela não foi
sequestrada e se estivesse sendo ameaçada, reagiria desse jeito? E por que,
diabos, ele voltaria para o lugar mais óbvio?
— Também estou tentando entender isso.
— Será que ela voltou porque quis? Olívia já tinha comentado que
Márcia vivia nesse relacionamento tóxico há anos, que a mãe tem essa
dependência.
— Então, por que ela ligaria, dizendo que não poderia deixar que ele
fizesse mal às filhas?
Saio de perto do meu irmão, tentando encaixar essas peças, mas
estou mais perdido que cego em tiroteio. Nada faz sentido. Se ela tivesse
sido sequestrada, com certeza, ele já teria entrado em contato, pedindo
alguma coisa em troca. Se estivesse sendo ameaçada, não agiria tão
naturalmente como o segurança informou. Minha cabeça está uma
confusão. E ainda tem o fato de que ele voltou para o primeiro lugar que
seria procurado.
— E se formos até à polícia e explicarmos o que está acontecendo?
— questiono Nikolai, ainda parado perto da janela.
— Não vai adiantar nada. — Escuto a voz de Lavínia atrás de mim.
Automaticamente, Nikolai ativa o modo irmão mais velho e se põe
na sua frente.
— Por que não? Seria o mais aconselhável a se fazer.
Ela respira fundo e passa pelo irmão, pegando em seu braço.
— Não acredito que vou falar isso, mas vamos lá. — Ficou próximo
de mim e começou a falar: — Sempre achei que a birra de Olívia com ela,
não fizesse sentido, mas agora, que estou mais velha, eu até entendo. Não é
a primeira vez que isso acontece. Minha mãe tem essa dependência dele, é
normal para ela. Se formos até à polícia, é bem capaz deles chegarem lá e
ela agir da forma mais natural possível, e ainda se passar pela esposa com o
casamento feliz. — Ela parece triste em constatar tais fatos. — Amo a
minha mãe, mas ao mesmo tempo, ela não quer ser ajudada. O que só piora
a sua situação.
— Mas, Lavínia, ela ligou chorando. Deixou o bilhete para vocês,
avisando que tinha voltado para casa. — Niko pegou sua mão. — Se ela
não tiver ajuda, não vai deixar esse círculo vicioso nunca e as pessoas mais
machucadas nessa história toda, serão você e Olívia e, como seu irmão, não
posso deixar que isso aconteça com você.
Ela sorri para ele e vejo sinceridade em seu gesto. Lavínia gosta de
ter um irmão mais velho. Por mais que tenha Olívia, agora, ela tem mais
três pessoas para cuidar dela. Sei que não sou irmão de sangue dela, mas de
algum jeito, sou o cunhado? Não oficialmente, pelo menos, mas mesmo
assim, sou. Me considero, na verdade.
— Eu sei, Niko, mas acho que seria legal esperá-la entrar em
contato de novo. E Olívia, bem... — Ela olha para Niko e os dois parecem
conversar apenas pelo olhar.
— Está estressada. — Meu irmão é quem conclui.
— Isso.
Troco meu olhar entre eles, com a impressão de que tem alguma
coisa nessa história toda que não estão me falando. Um sorri para o outro e
então, Niko se levanta.
— Vou embora, ainda quero ir à empresa hoje, dar uma passada bem
rápida. Preciso pegar uns documentos que ficaram lá. — Concordo com a
cabeça e vejo os dois se despedirem com um abraço.
Lavínia se levanta e vai em direção às escadas, imagino que vá falar
com as irmãs.
Fico sozinho na sala, pensando em Márcia, mãe de Olívia. Em
Vladmir, que está com ela e sabe-se lá Deus, o que está fazendo com a
mulher. E penso também no comportamento estranho de Olívia, Lavínia e
meus irmãos.
Ando de um lado para o outro, pensando em tudo isso e tentando
achar uma solução para o que está acontecendo, mas não consigo nem ao
menos me concentrar em uma coisa apenas.
Isso está me deixando louco.
Paro de frente para a janela onde Niko estava e olho para fora,
vendo um dia azul e um sol brilhante do lado de fora. Minha grama verde e
bem aparada. Minha varanda grande, com sofás do estilo veraneio que
quase nunca são usados. Encosto minha cabeça no vidro e fecho os olhos,
me dando conta de apenas uma coisa. Olívia passando mal.
Passando. Mal.
Ontem, antes de irmos para sua a casa, ela também havia dito que
não estava bem. Esquecemos logo do assunto quando começamos a nos
beijar na minha sala e logo depois, fomos para a casa dela e em seguida,
viemos para cá. Se eu for parar para pensar, não a vi comer quase nada.
Hoje mesmo no almoço, comeu menos que um passarinho. Entendo que ela
deva estar passando por um momento bem estressante, mas ela não pode se
negligenciar a esse ponto. Talvez eu deva ficar de olho nisso também. Tento
puxar da memória mais algumas coisas que podem estar acontecendo com
Olívia. Uma virose, talvez. Se bem que o Dr. Humberto teria falado alguma
coisa, não é? Ele disse que ela estava bem, ou ao menos, foi o que ela me
disse.
Desencosto minha cabeça do vidro, olhando mais uma vez para
minha varanda enorme e vazia. Por um momento, me sinto solitário
novamente e não gosto nem um pouco dessa sensação. Me pego
imaginando como seria se essa casa fosse mais cheia.
Cheia de crianças.
Crianças!
E como se fosse uma lâmpada, algo se acende em minha cabeça.
Tento não enlouquecer nesses segundos e manter a calma.
Quantas vezes nós fizemos sexo sem camisinha?
Tento lembrar e enumerar na minha cabeça. Foram algumas vezes
consideráveis. A primeira vez no sofá algumas semanas atrás, depois em
alguns banhos, algumas vezes durante as madrugadas e ontem, em cima da
mesa da minha sala, mas... Não, não daria tempo de uma possível gravidez.
Ou daria?
Meu coração começa a bater mais rápido e me viro em direção ao
corredor que leva às escadas. Ando até o primeiro degrau, mas escuto a voz
da minha irmã conversando com Lavínia. Elas falam tão baixo, que penso
nem ser uma conversa. Subo alguns degraus e elas me encontram no meio
do caminho.
— Ela dormiu — Anya me informa.
— Está tudo bem?
— Tudo ótimo. Ela só precisa descansar um pouco. Acho que ainda
está meio abalada com tudo o que está acontecendo.
— E o que está acontecendo, Anya? — Ela me olha e logo em
seguida, troca um olhar com Lavínia.
— Toda essa história da mãe dela com o Vladmir, ou Ivan. E nossa
ligação com a Lavínia — fala enquanto desce a escada, sendo seguida por
Lavínia.
Sigo as duas até à sala.
— Trouxe o celular dela para cá, apenas para evitar que ela receba
mais ligações e fique mais preocupada.
Ela deixa o aparelho em cima do móvel de vidro, ao lado do sofá.
Anya vem em minha direção e segura em meus braços.
— Não precisa se preocupar. Tudo vai ficar bem. Eu estou indo e,
claro, Lavínia irá comigo. Qualquer coisa, me liga. — Me dá um beijo na
bochecha e segue em direção à porta da cozinha. Lavínia me abraça e eu
retribuo. Ela tem um sorriso em seu rosto, que só me faz pensar ainda mais
no que elas podem – ou não – estar escondendo.
Vejo as duas saírem da minha casa e me vejo sozinho na sala,
olhando para o nada e pensando em tudo. E pior ainda, sem ter certeza de
um monte de coisas e sem solução para mais da metade delas.
Estou sentado à mesa da cozinha já faz um bom tempo.
Vi o dia escurecer.
Liguei as luzes da varanda e as luzes do balcão da cozinha. Me
sentei aqui, sem razão alguma, apenas estava exausto de ficar na sala,
olhando para o nada.
Pego meu telefone e vejo que a minha agenda foi atualizada por
Felícia, que colocou a reunião com o representante do comprador das ações
para o meio do dia. Outra coisa que tem tirado a minha paz. Quem é esse
bendito? Com que intenção ele comprou tantas ações? O cara pagou um
valor absurdo e nem se deu ao trabalho de entrar em contato para saber
sobre o negócio ou coisa parecida. Isso é loucura.
Desligo o telefone e apoio a cabeça nas mãos, agora pensando em
uma suposta gravidez de Olívia. Digo suposta, porque não sei se é verdade,
é apenas uma suposição, pois na primeira vez que transamos sem
camisinha, ela quis ligar para a farmácia, mas eu a distraí, falando sobre o
almoço e pedindo que chamasse a sua família para participar. E, no mesmo
dia, durante a noite, lembrei do remédio, mas tive pensamentos que me
aqueceram de uma forma que nem sei como explicar. Mas, e Olívia? Será
que isso está nos seus planos? Será que ela quer ter filhos?
Na primeira e única vez que conversamos sobre o assunto, ela me
pareceu indiferente enquanto eu tentei mostrar que eu não teria problema
algum ser pai, mesmo nunca me imaginando sendo um antes. Mas e se ela
estiver grávida e não quiser, isso será ruim a ponto de nos afastar? Eu não
deixei de usar camisinha de propósito, sei como mulheres engravidam. Sei
que, em algum momento, isso poderia acontecer.
Escuto alguma coisa vibrar e logo pego o meu telefone, mas vejo
que não é o meu. Olho ao redor e estranho estar ouvindo o barulho. Logo
ele para, mas volta a vibrar em algum lugar. Me levanto e procuro pelo som.
Lembro do celular de Olívia em cima da mesa de vidro, viro o aparelho e
vejo ‘desconhecido’ na descrição da chamada. Penso duas vezes antes de
atender, mas e se for a mãe dela? Posso conversar com a mulher e tentar
ajudá-la.
Por fim, decido atender.
— Alô?
Ninguém fala do outro lado, mas consigo escutar uma respiração e
por um momento, me sinto na porra de um filme de terror.
— Alô! — repito, já com raiva.
— Nunca achei que ouviria a sua voz de novo, parshivets[33].
Caralho!
Meu sangue para de correr pelas minhas veias. Sinto um frio passar
por minha coluna. Minhas mãos começam a suar. Escutar aquela voz só faz
todas as lembranças, que quero esquecer, vir à tona.
— Então, o que eu suspeitava, é verdade. A pequena Olívia com o
russo que queria me matar. Isso é melhor do que eu esperava. — A voz de
Vladmir ecoa no meu cérebro e eu fico completamente sem reação ao
escutá-la.
Sua risada continua a mesma, é daquelas que causa calafrios. E faz a
gente paralisar no lugar.
Desligo de imediato e sinto o meu coração acelerar.
Tento me acalmar antes de ir para o quarto ficar com Olívia, mas
não consigo. Parece que o meu cérebro despertou e eu fico mais pilhado.
Ouvir aquela voz me deixou louco de ódio.
Ódio pelo que ele fez à minha mãe, à mãe de Olívia e à Olívia.
Agora, mais do que nunca, quero mandá-lo direto para o quinto dos
infernos.
Foi uma surpresa ler o resultado do exame.
Me sentei no vaso e fiquei olhando para a tela do celular por alguns
bons minutos, tentando organizar os pensamentos.
Agora era certo. O positivo estava bem ali na minha frente. Eu
estava grávida. Tenho que contar para o Dimitri.
Saí do banheiro um pouco atordoada, segurando o telefone e antes
de chegar totalmente à sala, Anya veio até mim. Ela falou alguma coisa que
não prestei atenção e me levou para o quarto, e Lavínia nos acompanhou.
Acho que ela estava mais ansiosa do que eu. Mostrei a tela do telefone e ela
leu o exame atentamente, antes de terminar, já estava sorrindo. Bateu
palmas e me abraçou, mas ao mesmo tempo, notou que eu não estava tão
bem quanto achou que eu ficaria.
— Olívia, você está bem?
Continuei calada, olhando para ela. Não queria falar sobre o
telefonema, ou sobre Ivan ou sobre qualquer coisa ligada a ele. Queria
muito sentir a felicidade de saber que estou grávida.
— Você sabe que vamos ficar do seu lado, não é? Nada vai faltar
para você e para essa criança. Dimitri vai surtar quando souber... — Olhei
para ela com os olhos arregalados e Anya logo tratou de concluir o
pensamento. — No bom sentido, claro. Ele será um paizão, eu tenho
certeza, conheço o meu irmão. Você precisa contar para ele, Dimitri vai
gostar muito da notícia. Ele gosta muito de você, Olívia, não duvide disso.
Balancei a cabeça em positivo, mas não falei nada.
— Anya, vamos deixá-la descansar um pouco. Acho que Olívia teve
muitas emoções nesses dois dias.
Anya concordou com Lavínia e as duas saíram do quarto, depois de
me abraçarem e me acalmarem mais um pouco.
Deitei-me na cama e antes de perceber, caí no sono.
Acordo em um total breu, mas sei onde estou, pois já me acostumei
a estar aqui no quarto de Dimitri. Corro minha mão pela cama, para ver se
ele está deitado ao meu lado, mas estou sozinha. Tiro o edredom de cima de
mim, me levanto da cama e saio do quarto. Ainda estou usando a roupa que
fui à clínica hoje mais cedo – ou foi ontem? Já deve ser madrugada.
Desço as escadas e vejo Dimitri dormindo sentado no sofá. Penso
em ir até ele e o chamar para o quarto, mas algo me trava. Sei que preciso
conversar com ele, mas agora seria o melhor momento? Sei o quanto ele
sofreu quando era mais novo e não quero que ele se preocupe ainda mais
agora.
Ele está completamente torto, sentado no sofá, com a cabeça
encostada nas costas do móvel. Dimitri está com as mãos apoiadas em cada
lado do corpo e vejo um celular ao seu lado.
Me aproximo mais um pouco e vejo que é o meu. Lembro-me que
antes de sair do quarto, Anya pegou meu telefone, dizendo que o traria aqui
para baixo para que eu não fosse interrompida durante o meu descanso.
Pego o aparelho e assim que o faço, ele vibra em minha mão.
No susto, atendo a chamada para que não acorde Dimitri.
— Alô! — digo em um sussurro.
— Pequena Olívia. — Meu corpo congela no mesmo momento. —
Como é bom ouvir sua voz de novo. Estava com saudades. — Sinto meu
cérebro derreter. Permaneço em silêncio, pensando se desligo ou não. —
Consigo ouvir sua respiração, menina. De qualquer jeito, não vou demorar,
estou no seu apartamentozinho. Quero você aqui, não sei o que vai fazer ou
como vai fazer. E se não vier, eu acabo com a sua mãezinha.
Ivan não me deu tempo de dizer mais nada, apenas desligou e eu
fiquei ainda mais aflita.
Agora, mais do que nunca, eu preciso, não apenas me proteger, mas
também proteger o meu filho. Entretanto, eu preciso ir até a minha mãe.
Preciso tirá-la de perto desse homem. Preciso que tudo isso acabe o mais
rápido possível. Tenho que tirar Ivan das nossas vidas de uma vez por todas.
Mas como? Eu, sozinha, não sou capaz de muitas coisas e agora então,
preciso ter cuidado redobrado.
Pondero o que pode ser feito e tento ser o mais racional possível,
mas minha mente parece não entender que encontrar Ivan é perigoso
demais. É arriscado demais. Porém, é meu coração quem manda. Ela é a
minha mãe e mesmo tendo uma relação complicada, jamais a deixaria
sofrer.
Corro até o quarto onde estava, pego as minhas coisas e com o
maior cuidado, deixo a casa de Dimitri.
Ando pelas ruas do condomínio até chegar próximo à guarita e antes
de sair, peço um carro de aplicativo. Ele chega e eu sigo em direção ao meu
prédio.
Dentro do carro, peço desculpas, mentalmente, para Dimitri por
estar fazendo essa burrice – porque sim, eu sei que é burrice –, mas não
posso deixar minha mãe nas mãos daquele homem.
Quando o carro estaciona, eu olho para o lado e vejo que já estou na
frente do prédio onde moro. Saio do carro já com a chave na mão e abro o
portão principal. Logo depois, passo pelas portas espelhadas, vendo que não
tem ninguém na portaria.
Como ele entrou aqui? Ivan provavelmente pegou as chaves da
minha mãe. Ou quem sabe, ela pode estar aqui com ele. Tomara que esteja.
Subo as escadas rapidamente, mas quando chego no meu andar,
começo a caminhar mais devagar, sentindo medo. Meu corpo treme e o meu
coração acelera.
O que estou fazendo? Por que estou fazendo isso?
Pego na maçaneta e insiro a chave na fechadura. Lentamente, abro a
porta e assim que a abro por completo, vejo o homem sentado na poltrona,
de frente para a entrada. Ele está segurando um pano branco em uma mão e
um revólver na outra.
Ivan se levanta e vem em minha direção. Dou um passo para trás,
mas não consigo me afastar completamente do homem, que me segura com
toda a sua força. Tento me desvencilhar da sua mão, mas ele é rápido
demais. Imploro para que ele pare, mas ele não para. Quando dou por mim,
Ivan coloca o pano branco em meu rosto e eu já não vejo mais nada.

Sinto uma dor de cabeça absurda.


Meus olhos estão pesados demais, mas mesmo assim, forço-os a se
abrirem.
Olho para o teto e o reconheço de imediato. É o meu quarto, onde
dormi por anos da minha vida. Lavínia e eu.
Viro o meu rosto e na cama do lado, vejo minha mãe dormindo.
Mesmo me sentindo muito tonta, levanto da cama e cambaleio até a
outra.
— Mãe! Mãe, acorda!
Ela se mexe e quando abre os olhos, os arregala.
— Olívia? O que faz aqui? Ele...
— Mãe, fica calma. A gente precisa sair daqui...
— Como... Como você...
Escuto a porta do quarto se abrir e nós duas olhamos nessa direção.
Ivan aparece com um sorriso presunçoso no rosto e ele está com um
chaveiro em sua mão e o balança para que possamos ver.
— Ninguém entra e o melhor, ninguém sai.
Meu coração dispara e sinto meus olhos se encherem de lágrimas.
A luz do dia invade a sala e eu acordo, me dando conta de que
dormi todo torto no sofá.
Tento me lembrar do que aconteceu na noite passada e a lembrança
vem clara como água em minha mente. Vladmir ligou e eu surtei. Não tive
coragem de subir para ficar com Olívia, porque tive medo de não conseguir
me acalmar e fazer alguma coisa que me arrependesse depois.
Olho em volta e a casa está silenciosa. É sábado de manhã e já são
quase nove da manhã. Vou em direção à cozinha e abro a geladeira.
Pego a garrafa de água e como de costume, bebo no gargalo. Sinto
meu pescoço doer por causa da posição que dormi. Logo de manhã e já
estou arrependido de ter ficado aqui embaixo.
Vou em direção ao quarto e quando abro a porta, não encontro
Olívia.
Puta que pariu! De novo não!
Tento me manter calmo, porque sei que não é a primeira vez que
isso acontece, ela costuma sumir pela casa. Só basta eu procurar e vou
encontrá-la.
Olho no banheiro e no closet, mas nada de Olívia. Tento continuar
calmo e lembro que da última vez que isso aconteceu, ela estava na sala de
cinema. Vou em direção ao cômodo e constato que também está vazio,
desço correndo as escadas, agora um pouco mais aflito. Mal chego no
primeiro andar e sinto que alguma coisa ruim está acontecendo.
Nikolai passa pela minha porta e eu vou até ele, abraçando-o e ele
estranha.
— Ela sumiu.
— Quem sumiu?
Niko não entende o que falo.
— Olívia!
— Como... Como assim ela sumiu?
— Eu não sei! Eu dormi aqui na sala e quando acordei, subi para o
quarto e ela não estava. Olhei em todos os outros cômodos e nada. Está
tudo vazio. — Tento me manter calmo, mas sinto o desespero me tomar.
— Fica calmo, vou ligar para Anya. De repente, Olívia falou alguma
coisa com Lavínia. Minha irmã deve saber para onde ela foi.
Ele pega o telefone e logo está falando com Anya, mas eu não
presto atenção. Estou tão nervoso que não consigo escutar uma palavra
sequer que meu irmão diz. Só consigo pensar em possíveis lugares onde ela
possa estar.
Não consigo entender o motivo do meu desespero. De repente, ela
só saiu. Mesmo não sabendo andar pelo condomínio, não é uma coisa
impossível de acontecer. Já fomos algumas vezes até a casa de dedushka, é
fácil decorar o caminho. Aqui perto tem uma espécie de parquinho, onde
algumas crianças costumam brincar. Não é difícil andar por aqui.
Ela deve estar bem. Ela tem que estar bem.
— Dimitri — escuto Niko me chamar, mas não respondo. —
Dimitri! — Ele toca em meu ombro e eu o olho. — Elas não sabem de
nada, Olívia não entrou em contato com nenhuma delas.
Continuo olhando para o meu irmão, entendendo o que ele diz, mas
não conseguindo dizer uma palavra.
— Anya e Lavínia estão indo até o apartamento delas, talvez ela
possa estar lá.
— Eu vou junto. — É a única coisa em que penso.
Saio disparado pela porta, mas sinto Niko bem atrás de mim.
— Não acho que seja...
Entro no meu carro e dou partida, não escutando o que Nikolai diz.
Procuro o trajeto que já está salvo no aplicativo e sigo em direção ao
prédio de Olívia, torcendo para que ela esteja lá.
Agradeço por ser sábado de manhã e a rua estar quase livre. Olho
pelo retrovisor e vejo o carro do meu irmão bem atrás de mim. Sei que
Nikolai também está preocupado, mas no momento, só me preocupo com
Olívia e onde ela possa estar. Se tudo der certo, isso será apenas o pior mal-
entendido da minha vida.
Meu telefone toca e vejo o nome do meu irmão brilhar na tela.
Como o aparelho está conectado ao bluetooth do carro, atendo a ligação
pelo painel de controle.
— Dimitri, meu filho!
— Pai? — Como?
— Estamos no carro bem atrás de você. Sua mãe e eu estávamos
chegando até à casa de Niko quando ele estava saindo. Ele nos contou o
que aconteceu. — Ele fica em silêncio, mas logo diz: — Meu filho, fica
calmo... Está tudo bem com ela. Ficar nervoso agora, não vai ajudar em
nada.
Não respondo a nada do que ele diz, apenas continuo dirigindo.
Quando chego na frente do prédio, vejo o carro da minha irmã e mal
estaciono o meu e já desço. Escuto o meu irmão e o meu pai me chamarem,
mas assim que o porteiro me reconhece, me deixa passar.
Subo as escadas de dois em dois degraus e quando chego no terceiro
andar, a porta do apartamento delas está aberta. Entro com tudo e vejo
Lavínia sentada no sofá, com as mãos no rosto e Anya na varanda com o
telefone na mão. O interfone toca e Lavínia vai na direção da cozinha para
atendê-lo. Não sei se ela me viu, mas Anya se vira e reconheço o olhar
triste. Ela vem em minha direção e me abraça.
— Chegamos aqui e o apartamento estava vazio. Lavínia acha que...
— O quê? — Seguro minha irmã pelos braços.
Ela olha sobre os meus ombros e eu viro meu rosto, vendo meu
irmão e meu pai adentrarem o ambiente.
— Diz, Anya... O que ela acha?
— Que Olívia está em Santo Antônio do Pinhal — Lavínia responde
da porta da cozinha. — Quando chegamos aqui, minha irmã não estava,
mas tinha alguma coisa estranha. A poltrona estava no lugar errado e a luz
estava ligada. Olívia nunca deixaria as coisas desse jeito.
Para mim, não faz sentido algum o que ela diz. Uma poltrona no
lugar errado ou a luz acesa não querem dizer nada.
— O celular dela estava no chão. Eu o peguei e... Acho melhor você
escutar.
Ela estende o aparelho com o aplicativo de gravação de voz aberto.
Aperto o play e então, a voz que me atormentou por anos, ressoa
pelo ambiente.
“Cala a boca, Olívia. Você não quer a sua mãe? Então, vai se
juntar a ela.
Por favor! Nos deixe em paz!
Garota estúpida, isso nunca vai acontecer. Você vai pagar caro pelo
que seu paizinho fez comigo. E agora que está com aquele russo... Ah, isso
vai ser melhor do que eu pensei.”
Escuto aquilo tendo os piores pensamentos. Ele a levou. Ele a
sequestrou. Esse filho da puta, covarde de merda. Esteve todos esses anos
rondando a vida de Olívia por causa de uma vingança. Não posso deixar
que ele faça mal a ela. Não vou deixar! Eu preciso proteger a minha
kroshka. Preciso fazer o que não consegui fazer anos atrás.
Não vejo mais nada à minha frente.
Saio do apartamento feito um bicho. Entro no carro e dirijo feito um
louco em direção à cidade onde sei que Olívia está. A única coisa que
importa agora, é chegar logo em Santo Antônio do Pinhal, encontrar Olívia
e acabar logo com esse pesadelo, que já dura mais tempo do que deveria.
Nem parece que o dia está péssimo.
O céu está azul e o sol brilha mais do que tudo acima de nós. Um
verdadeiro céu de brigadeiro.
Chego na cidadezinha de Olívia e tudo está calmo. Um típico
sábado ensolarado em uma cidade do interior.
Enquanto passo de carro pelas ruas, vejo alguns turistas passeando.
Mal sabem que em algum lugar, minha Olívia está nas mãos de um
desgraçado, filho da puta que só está nas nossas vidas para infernizá-la.
Não posso dirigir tão rápido quanto quero por razões óbvias. A
primeira, a maioria das ruas daqui é de paralelepípedo e todas são estreitas;
a segunda, tem muitas crianças andando por aqui.
Escuto o telefone tocar mais uma vez, mas dessa vez, não é o meu
irmão ou o meu pai. Atendo, pensando que pode ser o Vladmir. De repente,
ele quer tripudiar ou simplesmente me provocar mais.
— Oi!
— Dimitri... — Não reconheço a voz. — Sou o delegado Antunes,
conversei com seu pai e seu irmão. Quero que esteja ciente de que, no
caminho vindo para cá, você avançou inúmeros sinais, sem contar na
velocidade acima do permitido.
— Com todo respeito, delegado. Eu tô pouco me fodendo para essas
coisas agora.
Escuto o homem rir do outro lado da linha.
— Além disso, estou ligando para informar que estamos atrás do Sr.
Stanislav já faz alguns anos. Seu pai me ligou assim que começou a segui-
lo, me contando o que aconteceu e...
— Pera aí... De quem você está falando? — cortei sua fala no meio,
tentando entender a quem ele se referia.
— Estou falando de Rurik Stanislav. Mas acredito que você o
conheça como Vladmir Popova.
Começo a diminuir um pouco a velocidade.
Não estou acreditando nisso.
— Quem esse homem é? Quantos outros nomes ele tem? — digo,
cada vez mais transtornado com toda essa situação.
— Rurik Stanislav é o verdadeiro nome dele. Ele é procurado pela
Interpol por diversos atos, mas acredito que não tenho tempo hábil para
explicar isso agora. Vamos pegá-lo primeiro e depois explicarei tudo com
mais calma.
Continuo seguindo até a casa de Olívia e quando chego, paro um
pouco distante para não chamar muita atenção. Desço do carro e escuto
outros carros pararem. Meu irmão e meu pai saem de um e o delegado,
seguido de três policiais, saem do outro.
Antes que eu possa chegar perto da grade da casa, meu pai me
segura.
— Espera! — Tento me desvencilhar dele, mas não consigo. Sei
bem de quem puxei o porte físico. Ele é tão forte e tão grande quanto eu. —
Se ele te ver aqui, pode colocar tudo a perder.
Meu pai me olha nos olhos.
— Sei como está se sentindo. Sei o quanto essa moça é importante
para você, mas pense bem, com calma. Isso pode ser uma armadilha.
Penso no que ele diz e sei que tem razão. Vladmir, ou seja lá qual
for o nome verdadeiro desse homem, não dá ponto sem nó.
Depois que atendi o telefone, ele sabia que eu viria atrás dela. A
mãe seria a forma dele chegar até ela, e por sua vez, ela seria a forma de eu
vir até seu encontro, mas eu não posso arriscar.
— Se ele fizer alguma coisa com ela, eu mesmo mato esse
desgraçado, com as minhas próprias mãos.
Sinto uma mão em meu ombro e olho para o homem de cabelos
brancos, mas que de velho, não tem nada.
Ele me olha, mas de alguma forma, continua atento a tudo que
acontece ao seu redor. Eu olho para o seu pescoço e vejo um cordão e um
distintivo pendurado.
— Dimitri... — Estende a mão e eu a pego em um aperto forte.
Percebo a aproximação de um homem junto a Nikolai. Ele fala e
gesticula alguma coisa que eu não entendo, então me afasto do meu pai e do
delegado Antunes e vou em direção ao meu irmão, para saber do que se
trata.
Assim que me vê, o homem para de falar, mas Niko pede que ele
continue.
— Ela chegou bem cedo em um carro que a deixou junto com um
homem. Desde então, eles não saíram mais da casa. Me mantive escondido
e fui tentar saber alguma coisa com os vizinhos, mas poucos sabiam que ele
estava pelas redondezas.
— Mas a mãe dela já estava aqui...
— Sim. Pelo que entendi, a mulher disse que havia se separado e
que o marido tinha ido embora da cidade — ele responde a Niko.
— Vladmir deve ter feito Márcia falar isso para as pessoas — digo
em seguida. — Para não levantar suspeitas. Ele não deve ser bem-vindo por
aqui.
Escuto o barulho de outro carro entrar na rua e viro o rosto, vendo
que é outro carro de polícia. Alguns homens franzinos saem de dentro dele
e, claramente, não sabem o que fazer. O delegado Antunes se dirige a eles e
começa a falar, deduzo que esteja explicando a situação.
Os homens que vieram de São Paulo com o delegado, são bem
diferentes dos que são da cidade. Eles estão com coletes a prova de bala e
armados, já os da cidade, estão com um uniforme padrão. Não parecem
estar armados, mas acredito que se estivessem, não sairiam mostrando para
todo mundo.
Volto a me aproximar do delegado, que já terminou de conversar
com os outros homens e agora conversa com os seus.
— Então, vamos ficar parados enquanto Vladmir está lá dentro com
Olívia e sua mãe? Qual é o plano? — Já estou impaciente. Quero uma
solução o mais rápido possível.
Quero Olívia, aqui, do meu lado.
Ninguém me responde e eu fico olhando atentamente para o
delegado, que conversa com seus homens. Dois policiais se dispersam e o
outro vai até o carro, entra e fala em uma espécie de rádio.
O delegado parece não ter ouvido o que eu disse, pois vai em
direção ao segurança que estava ao lado de Niko, e conversa com ele,
ouvindo bem o que é dito.
Quero saber o que fazer, quando fazer. Quero sair logo daqui, levar
minha Olívia embora e nunca mais voltar. Esse pesadelo não parece
terminar nunca. Estou quase invadindo essa casa e mandando todo mundo
se foder.
Chego perto de Niko e digo a ele:
— O delegado me disse que o nome verdadeiro de Vladmir, é Rurik
Stanislav. — Meu irmão me olha e tem a mesma surpresa que eu.
— Como é?
— Ele é procurado pela Interpol, Niko.
— O que esse homem fez? O que ele tem feito? — escuto meu pai
perguntar e me viro para ele, dando de ombros, tendo as mesmas dúvidas
que ele.
Vejo o delegado se aproximar de nós e todos damos atenção a ele.
— Não sabemos se ele está armado ou se tem mais alguém o
ajudando. Instruí meus homens a ficarem escondidos e a polícia da cidade
também. Pedi para eles chamarem mais reforço e também, uma ambulância
com socorristas. Espero, do fundo do coração, que as moças estejam bem,
mas caso alguma coisa aconteça, teremos ajuda de imediato. A princípio,
vou anunciar minha presença aqui e fazer com que ele saia de dentro da
casa. Vou tentar uma troca ou algo assim. Não sei se vai funcionar, mas a
minha principal preocupação é a vida da Sra. Castanheira e a sua filha.
— E Vladmir?
— O que será feito com ele, não depende de mim, Dimitri. As
autoridades gostariam que ele fosse capturado vivo para pagar por seus
crimes, mas nunca se sabe.
— Delegado — Nikolai o chama. —, o senhor pode ter um cuidado
a mais com a Srta. Olívia? — Ele me olha e eu estranho seu pedido.
— Farei o possível. Como disse, a vida das vítimas é a minha
principal preocupação.
O delegado se vai e começa a se preparar para anunciar que a casa
está cercada.
Nikolai se afasta um pouco e eu vou atrás dele, querendo saber o
motivo do seu pedido ao delegado. Escuto o homem falar no megafone,
mas não presto atenção em suas palavras.
— Por que pediu aquilo?
— Não a quer em segurança? — Ele sabe o quanto odeio quando
quero uma resposta, mas recebo outra pergunta.
— Óbvio que quero, mas a mãe dela também é importante.
— Não quis dizer que Márcia não era, Dimitri, é que... — ele para
de falar. Está escondendo alguma coisa de mim, tenho certeza.
— O quê? Me fala logo, porra.
— Não sou eu que tenho que falar isso para você.
— Nikolai, você é meu irmão... — Seguro seus braços. — Me diga
o que está acontecendo. O que você sabe e eu não?
— Dimitri, vamos esperar tudo isso acabar. Se você souber, vai ficar
pior do que já está e vai querer entrar lá de qualquer jeito. Vamos deixar a
polícia cuidar disso primeiro e depois...
— Me diz agora! — Minha raiva sai mais alta do que eu pretendia e
carregada de impaciência. — Chega de mistério nessa merda! O que é?
— Ela está grávida. — Solto o braço do meu irmão. — Olívia
descobriu ontem.
Grávida?
Pensei nessa possibilidade, mas imaginei que fosse apenas coisa da
minha cabeça e hoje, quando soube que ela estava aqui, correndo perigo,
não pensei em mais nada. Agora, mais do que antes, sei que ela não viria
por vontade própria. Agora, mais do que nunca, eu preciso entrar e tirá-la
de lá. Preciso tirar Olívia e o nosso filho de perto daquele homem.

Quando o vi na porta do quarto, segurando a chave, sabia que seria o


fim para minha mãe e eu. Esperei que Ivan já fosse fazer o pior, mas ele
simplesmente riu e fechou a porta, nos deixando lá, sem nenhuma
explicação.
Um tempo depois, ele voltou e se sentou na cadeira da escrivaninha
de Lavínia e apenas nos fitou. Após alguns minutos, Ivan se levantou e com
um único puxão, me tirou do canto do quarto pelo braço e me puxou até a
sala. Deixando minha mãe sozinha no quarto. Assim que saímos do
cômodo, ele tranca a porta e eu consigo ouvir seus gritos e batidas na porta
com toda a força que tem.
Estou tentando me controlar para não chorar.
Ele me joga no sofá e então, se senta à minha frente, na pequena
mesa de centro.
— Sabe o quanto senti sua falta? — ele disse e eu tive vontade de
vomitar. — Minha pequena Olívia, que agora, é uma mulher linda!
Ivan levantou a mão e passou os dedos pelo meu rosto. Desviei, mas
não fui tão rápida. Ele sentiu que eu não queria o seu toque e apertou o meu
rosto com força, colocando sua mão em meu queixo, seu polegar em uma
bochecha e os outros dedos na outra.
— Sei que você escutou tudo o que aconteceu naquela noite. Eu
sabia que você tinha levantado. Escutei seus passos. — Senti uma lágrima
rolar pelo canto do meu rosto. — Sei também, que você falou para o seu pai
que viu alguma coisa e ele veio falar com a sua mãezinha. Mas ela é tão
patética, que nem te deu ouvidos. — Ri com escárnio e eu tremo mais
ainda.
Fecho os olhos e começo a pedir a Deus que me mande alguma
ajuda, qualquer ajuda que fosse.
Penso no meu filho, ainda do tamanho de um feijão, dentro da
minha barriga. Penso em Dimitri, que ainda não sabe que será pai. Meu
desespero só aumenta e eu não consigo mais controlá-lo.
— Pare de chorar. Nem toquei em você, ainda...
Ele se levanta e anda pela sala.
— Sabia que fui eu que causei a morte do seu pai?
Levanto meu olhar para ele e imediatamente, o choro cessa, dando
lugar ao ódio.
O quê?
Ele ri novamente, de um jeito que parece estar se divertindo com
toda a situação.
— É, Olívia. Fui eu... — ele diz, como se matar alguém não fosse
nada. — Seu papaizinho babaca atirou em mim três vezes, para salvar
aquele moleque insuportável e a mãe vadia dele.
Não consigo falar absolutamente nada. Apenas o olho, tentando
entender como existe tanto mal dentro de um único ser humano.
— Claro que quando conheci sua mãe, ele ainda estava vivo, mas
sabia quem ele era. Achava inclusive que Yvannia, sua sogrinha — disse a
palavra com deboche —, estava tendo um caso com ele. Por isso, me
aproximei da sua mãe. Ela já estava separada do seu pai, mas confesso que
fiquei surpreso quando soube que você existia. Um anjinho. Quase uma
Branca de Neve. — Ele se senta de novo, de frente para mim e apoia os
cotovelos no joelho – do mesmo jeito que Nikolai costuma fazer. — Depois
que tudo aconteceu, que ele tentou me matar, eu só queria me vingar. Não
tinha a intenção de matá-lo, talvez um susto ou algo assim, nada muito
grave. Mas então, ele me viu e me reconheceu e bem, não podia deixar de
resolver esse problema. Meio que não tive escolha. — Fez um beicinho de
remorso fingido.
Avanço nele de surpresa, dando tapas na sua cara e grito com ele,
chamando-o de tudo que existe de ruim. Ele segura meus braços e com
força, me joga para o lado. Bato minha costela na quina da mesinha de
centro e grito de dor.
Começo a chorar de novo. Minha dor se mistura com o medo que
sinto.
Ele pega o meu cabelo e me puxa novamente, para que eu me sente
no sofá.
Sinto uma dor na costela e um medo absurdo de o pior acontecer
com o meu filho.
Ivan sai pela porta dos fundos, provavelmente deve ter ido até a
garagem ou coisa parecida. Não acredito que vá muito longe. Ele não me
amarrou ou me trancou de novo no quarto, por mais que eu saiba que a casa
em si está toda trancada, acredito que ele não sairia e me deixaria do jeito
que estou.
Me sinto sem forças.
Minha mãe ainda grita no quarto. Chama pelo meu nome, mas já
não é tão alto quanto antes, apesar de ainda conseguir ouvir o seu choro.
Fecho os olhos e deixo as últimas lágrimas rolarem. Abaixo a cabeça e a
apoio nas mãos. Novamente penso em Dimitri, penso em nosso filho, em
Lavínia e em todo mundo que comecei a amar. Na família Markova que, de
uma forma ou de outra, virou a minha família também.
Minhas lágrimas ameaçam voltar e eu, mesmo cansada, deixo que
elas venham. Sinto meu choro molhar minhas mãos. Quero desistir, quero
muito que tudo isso apenas acabe. Toda essa luta, esse sofrimento, mas não
quero que o pior aconteça comigo ou com minha mãe e agora, com meu
filho. Levanto a cabeça e limpo o meu rosto, nesse momento, percebo uma
movimentação estranha em volta da casa. Levanto-me rápido do sofá e vou
até a janela e espio pela cortina grossa que está fechada.
Vejo um homem, vestido de preto com um megafone na mão e
muitos policiais em volta da casa. Um homem, que não parece ser policial,
mas está atento a tudo e... O pai de Dimitri?
Mikhail? Sim, é ele.
Olho ao redor do espaço e consigo ver Nikolai conversando com
Dimitri, mas ele me parece estranho. Confuso, na verdade. Sério.
Meu coração começa a ter esperanças de que tudo vai se ajeitar e
que esse pesadelo vai acabar.
Sinto Ivan atrás de mim e meu sangue para de passar pelas minhas
veias.
— É claro que ele viria. Mas ver o pai dele aqui, é uma coisa que
me surpreende. — Ele sabia que Dimitri viria. Começo a pensar que tudo
isso foi uma grande armadilha para atraí-lo até aqui. — Vai ser um lindo
show e no final, eu terei a vingança que tanto quero em cima dessa família
podre que são os Markova.
Ele caminha até o quarto e volta com a minha mãe.
Está segurando-a pelo cabelo com uma mão e com a outra, tem o
revólver apontado para sua cabeça.
Meu coração acelera e ele olha para mim com uma felicidade nos
olhos, que é simplesmente inexplicável.
Consigo ouvir a voz do homem no megafone, misturado ao choro da
minha mãe.
Ivan arrasta minha mãe para perto da porta enquanto o homem diz
que a casa está cercada e não tem como ele escapar. Mas ele não se importa
nem um pouco com isso. Ivan não tem nada a perder, bem diferente de
mim.
Dou um passo, tentando chegar mais perto dele e da minha mãe,
mas ele recua com ela.
— Não se atreva! Se tentar qualquer gracinha, eu estouro os miolos
dela, tá me ouvindo? Eu mato sua mãezinha! — Olha pela janela e dá um
sorriso de canto de boca. Ele está adorando isso. Está adorando ver o
desespero de todos à sua volta. — Sabe, eu nem sempre fui assim. Eu tinha
uma família. Uma mãe, um pai e irmãos. Mas infelizmente, a vida foi dura
e cobrou caro, e eu precisei pagar de alguma forma.
Não faço ideia do que ele está falando. Mas, de algum jeito, preciso
ganhar tempo, não posso deixar que ele saia com minha mãe rendida do
jeito que está. Preciso pensar em dar tempo para o pessoal lá fora, que eu
sei que devem ter algum plano para acabar com tudo isso.
— Do que você está falando? — me arrisco em perguntar.
Ele pode nem ligar para mim, mas se me der atenção, pode tardar
qualquer ação que tenha em mente.
— Estou falando da minha família, sua imbecil! Da minha família
que se destruiu por conta dessa família nojenta do seu namoradinho ou você
acha mesmo que eles construíram um império sem passar por cima de
ninguém?
Ele grita e sinto seu ódio chegar até mim. Seus olhos vermelhos
indicam que Ivan está prestes a explodir de raiva.
— A minha família trabalhou a vida inteira para os Markova. A
porra da vida inteira. Vivíamos bem na Rússia e quando aquele velho
caquético do Bóris colocou na cabeça do meu pai que deveriam expandir a
empresa para outros países, a minha família o seguiu sem titubear. Sempre
ao lado do grande Bóris Markova. — Quanto mais ele fala, mais ódio
consigo sentir. — Grande, uma ova. Um grandíssimo filho da puta, isso
sim que ele é. Mal chegamos aqui no Brasil e depois de uma semana, meu
pai pegou minha mãe na cama dele. Minha mãe era a empregada principal
da mansão e ainda era amante do patrão. Imagina a decepção do meu pai ao
ver que a mãe dos seus filhos, o amor da sua vida, estava traindo-o, bem
debaixo do seu nariz.
Não posso acreditar no que estou ouvindo. Conheço o Sr. Bóris há
pouco tempo, mas ele não parece ser o tipo de homem que tenha feito algo
assim. Além do mais, sei que foi casado durante anos com a avó de Dimitri
e que eles se amavam, e quando ela faleceu, foi muito difícil para ele. Ele
está mentindo. Tem que estar.
— Meu pai a largou e fomos embora da mansão. Ela nem se
importou com os quatro filhos. Achou mesmo que o patrão ricaço iria
assumi-la e teria sua vida plena e feliz, usufruindo de todo o dinheiro que
eles ganhavam. Burra! Ele a chutou sem nem pensar duas vezes. A
empregadinha já não o satisfazia mais. Ela tentou voltar para nós, mas meu
pai já não era mais o mesmo. Ele bebia e voltava embriagado todas as
noites. Algumas noites, batia em todos nós até tirar sangue. Claro que
minha querida mãe não aguentou muito. Um dia, foi embora sem nem olhar
para trás e desde então, nunca mais a vimos. Meu pai começou a beber mais
e mais e uma noite qualquer, chegou em casa e meteu uma bala na cabeça,
bem na minha frente. Simplesmente, puxou o gatilho e pronto, toda sua dor
tinha chegado ao fim.
Levo minhas mãos à boca. Meus olhos transbordam com as lágrimas
que eu seguro. Sei que não posso, mas eu sinto pena dele. Sinto pena por
sua família ter sido destruída desse jeito.
— Minha irmã mais nova era deficiente. Não preciso nem dizer que
comemos o pão que o diabo amassou, não é? Eu era apenas um adolescente,
cuidando de mais dois adolescentes e uma criança doente. Fomos
despejados, porque não tínhamos dinheiro para pagar o aluguel do lugar
nojento onde fomos morar. Ficamos na rua, pedindo esmola. Éramos
invisíveis para o resto do mundo. Minha irmã mais nova morreu de fome
um mês depois.
As lágrimas começam a escorrer e eu já não consigo mais controlá-
las.
— Meu último ato misericordioso foi procurar ajuda para os meus
irmãos. Procurei pelas ruas, alguém que pudesse me ajudar e encontrei uma
mulher que levou meus irmãos para o conselho tutelar. Eu tinha quinze
anos. Minha outra irmã tinha onze e meu irmão, nove. Por mais que
soubesse que eu talvez tivesse uma chance, sabia que não seria tão fácil. Já
eles, teriam uma chance bem melhor do que eu de viverem bem. Os deixei
lá e nunca mais os vi. Desde então, a única coisa que quero é acabar com
tudo que é mais amado pelos Markova, assim como acabaram com o que eu
mais amava. A minha família.
Sinto minha bile chegar até a garganta quando ele termina de falar.
Não imaginei que ouviria tudo isso quando entrei por aquela porta
mais cedo. Tanta dor. Tanto ódio. Tanta raiva. Tanto desejo de vingança.
Tantas vidas perdidas. Uma família completamente destruída.
Meu peito arde e eu choro, choro sem parar, pensando em tudo que
ele falou. Sem perceber, coloco uma mão na boca e a outra na barriga. Sinto
minha tontura vir e dou um passo para trás, procurando o sofá para me
apoiar e não cair dura no chão.
Ivan ri alto e parece muito satisfeito.
— Eu não posso acreditar nisso. É bom demais para ser verdade. —
Joga minha mãe com força, fazendo com que ela caia no chão e bata a
cabeça, deixando-a desacordada e vem em minha direção. — Então será
uma família, por outra família, Olívia?
Puxa meu cabelo com muita força, me fazendo tirar a mão da boca e
gritar. Minha cabeça vai para trás e ele chega bem perto da minha orelha e
diz:
— Vai ser um grande prazer acabar com você agora. Vai doer bem
mais em Dimitri do que você imagina. — Coloca a arma em minha barriga
e eu me desespero.
— Não! Por favor, não — digo entre lágrimas. — Não faz isso! Ele
não tem culpa de nada.
— Claro que ele tem. Ele é um Markova, sempre vai ter culpa.
Todos eles têm culpa.

Olívia está grávida e está lá dentro, sendo feita de refém por um


maluco que, desde sempre, tenta destruir minha família. Ainda estou
tentando processar essa informação que Niko me deu, mas por dentro, estou
surtando mais do que antes.
Ando até o delegado, que não para de falar no megafone, e abaixo a
sua mão que segura o objeto.
— Eu preciso entrar lá! — Meu desespero começa a falar mais alto.
— Você está louco se acha que vou deixar você entrar lá...
— Eu preciso! Ela está grávida. Meu filho corre risco. Meu filho e
minha mulher. — Não estranho nem um pouco o termo minha mulher,
afinal de contas, vai ser o que Olívia será quando isso tudo acabar.
— Dimitri, se você não se controlar... — o homem para de falar
quando um som sai do rádio preso em sua cintura.
‘A porta está abrindo, delegado.’
Olhamos em direção à entrada da casa e então, lentamente, a porta
se abre e vejo Vladmir segurar o cabelo de Olívia com força com uma mão
e com a outra, aponta uma arma para a sua barriga. Quando vejo a cena, não
me contenho e vou em direção à grade, querendo passar por ela e arrebentá-
lo na porrada.
Niko e meu pai me param no meio do caminho, mas eu estou em um
completo estado de fúria, que me bato tanto, tentando ao máximo me
desvencilhar das mãos deles, e acabo conseguindo, chegando até à grade.
— Seu filho da puta! Eu vou acabar com você. SOLTA A OLÍVIA
AGORA! — brado com todo o meu ódio. — Seu desgraçado. Solta a minha
mulher!
Olívia chora muito, está com o rosto todo vermelho. Sei o quanto
deve estar doendo nela, porque também está doendo em mim. Minha Olívia
não merece isso.
Sinto as mãos do meu pai e do meu irmão me puxando para longe
da grade, mas eu não a solto com facilidade. Quero atravessá-la e acabar
com ele o mais rápido possível.
— SOLTA ELA! EU VOU MATAR VOCÊ! EU VOU ATÉ O
INFERNO ATRÁS DE VOCÊ, SE FIZER QUALQUER COISA COM
ELA. — Tento me desvencilhar mais uma vez, mas, por mais que eu seja
forte, meu pai e Nikolai conseguem me afastar da grade.
Vladmir ri de deboche.
— Como é bom revê-lo, Dimitri. — Olha acima do meu ombro e
seus olhos brilham mais um pouco. — E veja só, se não é o meu querido
syn[34], Nikolai. Que saudades de vocês, família.
Como sempre, irônico e debochado. Não mudou nada, pelo que eu
vejo, ainda é o homem desprezível de sempre. Uma barata.
Nikolai me puxa para longe, por mais que eu tente me manter onde
estou. Ele tem força e consegue me afastar um pouco. Eu reluto, mas vou
com ele.
— Vem, fica calmo. Ele pode machucar ainda mais a Olívia se você
se descontrolar. Pensa nela.
Meu irmão tem razão. Ela está na mira de uma arma e a última coisa
que eu quero, é fazer com que ela se machuque. Só quero protegê-la.
Preciso protegê-la a todo custo. E se for preciso ficar longe agora, eu
ficarei.
— Rurik, deixe as moças saírem — o delegado começa a se
aproximar da grade enquanto fala. — Elas não têm nada com isso. Podemos
fazer algum tipo de acordo. Vamos conversar!
Ele está com as mãos levantadas enquanto anda mostrando que não
está armado e que não é perigoso.
— Eu só quero conversar. Não faça nada que possa piorar a sua
situação. Podemos dar um jeito nisso.
— Vai ser do meu jeito ou não será de jeito nenhum. Demorei muito
para chegar até esse momento e vou aproveitá-lo ao máximo. — Olha para
mim e Niko. — Eu vou acabar com tudo que vocês mais amam, do mesmo
jeito que fizeram comigo. — Puxa o cabelo de Olívia com mais força,
fazendo com que sua cabeça vá mais para trás. — Você vai sofrer, Dimitri.
Vai sofrer tanto quando eu atirar nela. Quando eu matar o seu filhinho.
Tento voltar para mais perto, mas meu irmão e meu pai me seguram
novamente.
— Seu desgraçado! EU TE MATO! EU TE MATO! — Mais uma
vez, estou me debatendo para chegar até Olívia e tirá-la de lá.
Consigo ouvir o seu choro, mas ela não está em posição de fazer
nada. Apenas se mantém calada, deixando as lágrimas rolarem.
— Por que não sai e vem até aqui? Já disse que quero conversar.
Vamos resolver isso da melhor maneira possível, Rurik. Sua situação não é
das melhores. Pense bem.
O homem começa a andar em direção à grade e a cada passada, meu
coração parece que vai sair pela boca. Ele puxa o cabelo de Olívia cada vez
mais e então, quando chega bem perto, olha para mim, abaixa seu rosto e
lambe o pescoço de Olívia. Chega próximo ao seu ouvido e diz alguma
coisa que a faz chorar mais ainda, fazendo com que seu corpo trema. E
então, consigo escutá-la dizendo:
— Não! Por favor, não! Eu te imploro... — Ele puxa mais uma vez o
seu cabelo com força e eu quero acabar com a vida dele em cada
movimento que ele faz.
Com a mão que segura a arma, ele abre o portão com a maior
destreza e automaticamente, todos que estão mais perto – Nikolai, meu pai,
o delegado, o segurança que estava de vigia e eu – dão um passo para trás.
Estamos todos apreensivos. A vida de Olívia – e do meu filho – está em
risco. Se fizermos qualquer movimento mais brusco, ele pode atirar e tirar a
vida da mulher que eu amo.
Já do lado de fora da varanda, ele olha atentamente ao redor e algo
me diz que está prestes a fazer alguma coisa, só está esperando o momento
perfeito.
— Rurik, olhe para mim — o delegado tenta chamar sua atenção. —
Deixe a moça ir. Onde está a mãe dela?
Ele faz sinal para dentro da casa e Antunes entende.
— Tudo bem. Ela ainda está viva?
Vladmir sorri em direção ao homem e confirma com a cabeça, mas
fica claro o quanto ele não está nem aí para a mulher que teve uma filha
sua.
Começo a pensar em Lavínia e no quanto ela sofre por saber que o
seu pai é um monstro. E o pior, é saber que os meus irmãos carregam a
mesma dor. Não sei como Nikolai se mantém forte diante do que está
acontecendo. Ele é controlado, diferente de mim, que tenho uma vontade,
cada vez maior, de avançar em Vladmir e arrebentá-lo todo.
— Posso pedir para alguém entrar e pegá-la? Acredito que ela não
signifique nada para você, estou certo?
— Certíssimo. Meu negócio é com a minha pequena Olívia. Ela que
será a minha vingança.
Ameaço ir para cima e ele, em um átimo, aponta a arma em minha
direção.
Olívia chora mais alto e levanta as mãos, fazendo sinal para que eu
não me aproxime.
— Seu erro, Dimitri, foi não ter atirado em mim. Você foi tão fraco,
um frangote! Não conseguiu proteger os seus irmãos. Sabia que foi por sua
causa que eu matei o pai de Olívia?
Ele ri com escárnio.
— Isso mesmo! Se você tivesse atirado, não teria dado chance para
aquele motoristazinho de merda pegar a arma e fazer o que você não
conseguiu fazer. — Eu paro onde estou e levanto as mãos.
Meu peito arde ao ouvir suas palavras.
Guto nos salvou naquela noite e eu sou eternamente grato a ele, mas
Vladmir tem razão. Se eu não tivesse deixado a arma cair, Guto não teria
atirado nele e assim, ele não teria motivos para se vingar do homem que nos
ajudou. Mesmo levando todo esse tempo.
Se eu tivesse atirado, nada disso estaria acontecendo.
Eu não conheceria Olívia. Ela não estaria grávida de mim, sob a
mira de uma arma, ameaçando a vida inocente de alguém que ainda nem
nasceu. Ela estaria bem. Estaria vivendo sua vida. Ainda teria o seu pai.
Meus olhos ardem. Passo minha mão em minha bochecha e sinto-a
molhada.
Niko ainda está com a mão em meu ombro. Me mexo e ele me solta.
— Tudo bem! — Dou um passo bem lento. Olívia balança a mão,
pedindo que eu pare. — Seu problema é comigo. Então, solta a Olívia —
tento parecer calmo enquanto falo. — A solta, por favor. Ela não tem nada a
ver com isso. Se você quer matar alguém, eu estou aqui para isso.
Olívia começa a chorar mais ainda enquanto fala entre as lágrimas:
— Não, Dimitri! Não, por favor, não. — Soluça e balança as mãos,
cada vez mais em desespero. — Eu preciso de você. Nosso filho precisa de
você — é a primeira vez que a escuto falar sobre o nosso filho. Meu
coração se aperta e eu me vejo entre a cruz e a espada.
Não posso deixar que ele faça mal a ela, mas se eu me ‘entregar’,
Olívia sofrerá, porque talvez eu não saia vivo e não tenha chances de viver
minha vida ao lado dela e do nosso filho.
Dou mais um passo lento e ele dá outro para trás.
— Eu amo você, Olívia. Acho que nunca disse isso antes, mas eu
amo. — Ela sorri, mas ainda derrama lágrimas. — Não posso deixar que
nada de mal aconteça com vocês dois. Eu jamais me perdoaria. Você está aí
por minha causa, e acredite, já vai ser difícil me perdoar por isso.
Ela nega com a cabeça, mesmo estando com seu cabelo preso na
mão de Vladmir.
— Eu também amo você, mas não faz isso, por favor, não faz...
— Solta a Olívia, Vladmir. Solta ela. Eu fico no lugar dela...
— Não! — Olívia grita em meio a mais choro.
O desgraçado ri.
Ele olha para mim e ri. Vladmir tem o pior sorriso que já vi na vida.
Consigo ver o prazer que ele sente ao nos ver nesse desespero. Não tem
piedade nenhuma em seu olhar.
Ele aponta a arma para mim mais uma vez e dessa vez, a mantém
apontada.
— Seria tão mais fácil, não é? — ajeita Olívia, fazendo-a levantar a
cabeça e olhar diretamente para mim. — Olhe para ele! Talvez eu atire nele
enquanto você assiste. Seu filho ficaria sem pai. Assim como eu fiquei sem
o meu, mas pensando bem, não é o suficiente. — Volta a olhar em minha
direção de uma maneira doentia. — A morte seria pouco para você. Para
todos vocês.
Ele aponta a arma novamente para a barriga de Olívia e eu temo que
ele atire a qualquer minuto.
Lanço um olhar para Antunes e ele olha para cima, discretamente.
Vladmir o olha no mesmo instante e então, olha na mesma direção do
homem. Sem pensar muito, eu avanço nele que, por um segundo, se assusta
e fraqueja a mão que segura Olívia. Seguro a mão que ele carrega a arma e
afasto Olívia, empurrando-a para o lado.
Escuto um barulho alto e sinto uma dor lancinante pelo meu corpo,
porém já não vejo mais nada.
Tudo é apenas escuridão.
Caio no chão e não tenho tempo para assimilar tudo o que acontece.
— Dimitri! — Tento virar meu rosto, mas Nikolai me impede,
levando-me para longe.
Nós continuamos andando e nos abaixamos atrás de um carro.
Um som baixo chega até os meus ouvidos, mas Nikolai continua me
impedindo de virar o rosto para ver o que está acontecendo.
Vejo policiais correndo em direção à casa e como em um passe de
mágica, meus olhos fecham e eu me sinto ir.

Abro os olhos, mas a claridade é tanta, que eles ardem.


Escuto um som irritante e sinto dor por todo meu corpo. Minhas
pernas, meus braços, minha cabeça. Tudo dói. Mexo a cabeça, tentando
despertar, mas me sinto cansada. Exausta. Será que posso voltar a dormir?
Só mais um pouco.
Escuto uma porta se fechar e então, uma mão acaricia minha testa.
Reclamo um pouco antes de abrir os olhos. Eu queria dormir mais.
Tive um sonho horrível.
— Olie... — Lavínia? É a voz da Lavínia? — Olie, está me
ouvindo?
Resmungo alguma coisa incompreensível e a escuto soltar um riso
fraco.
— Niko, ela acordou!
— Olívia? Oi, oi...
Abro os olhos e vejo o verde-claro dos olhos de Nikolai. Olho para
o outro lado e o castanho-escuro dos olhos de Lavínia me fitam com
preocupação.
— O quê...? — Balanço a cabeça, confusa.
O que Nikolai está fazendo aqui em casa? Que dia é hoje e de onde
vem essa maldita luz?
Alguém pode fechar a cortina?
Levanto a mão até a altura dos olhos, tentando amenizar um pouco a
claridade e consigo abrir mais os olhos.
Nikolai está sorrindo para mim, de um jeito carinhoso. Com afeto.
Ele olha para Lavínia e vejo o mesmo sorriso direcionado a ela. Minha irmã
volta a me olhar e eu ainda não consigo entender o que está acontecendo.
Devagar, eu levo minha mão até a minha testa e fecho os olhos,
tentando me lembrar do que aconteceu.
Esfrego os olhos e lembro de estar em Santo Antônio do Pinhal. Em
meu quarto com a minha mãe e depois...
Ivan!
Ivan com a chave da porta. Ivan com uma arma apontada para
minha mãe. Ivan com uma arma apontada para mim, para minha barriga.
Levo as mãos à barriga e abro bem os olhos, já sentindo um
desespero.
Finalmente, olho ao redor e percebo que não estou em casa. Estou
em um quarto de hospital.
Lembro-me de Ivan apontando a arma para Dimitri e o barulho alto
de tiro invade minha mente.
Começo a me mexer na cama sem nem mesmo perceber que estou
me mexendo.
Lavínia tenta me manter deitada, mas eu me debato cada vez mais.
— Dimitri! Cadê Dimitri? E o meu filho?
— Calma, Olívia, calma — escuto Niko falar e então, começo a
escutar um barulhinho chato. Levanto a cabeça e o vejo apertar um botão
vermelho que tem na parede atrás de mim.
Logo em seguida, uma senhora vem até mim e segura meu braço.
Não sei o que ela vai fazer, mas, instantaneamente, sinto meu corpo relaxar.
Meus olhos pesam e finalmente, eu volto a dormir.

Agora está escuro.


A luz já não me incomoda mais, consigo abrir os olhos sem muita
dificuldade. Olho para o lado e vejo Anya segurando um livro, ela não nota
que já estou acordada e continua concentrada no que está lendo. Não quero
atrapalhar. Involuntariamente, me mexo e ela me olha. Quando me vê, sorri
e vem para perto da cama.
— Oi, Bela Adormecida...
Sorrio com o apelido.
— Anya... — tento falar, mas a minha voz sai baixa. Sinto sede.
Olho para o copo e graças a Deus, ela entende.
Anya traz a bebida com um canudo e eu me inclino um pouco e dou
alguns pequenos goles.
— Devagar... — ela diz.
Afasto meu rosto e ela devolve o copo para o mesmo lugar de antes.
— Anya... O quê... — minha voz ainda sai baixa. — Dimitri...
— Calma, Olívia, calma...
Coloco a mão na barriga e a olho, e sem precisar falar, ela entende a
pergunta silenciosa. — Está tudo bem com vocês dois... Você precisa de
repouso. — Respiro aliviada e sinto uma vontade enorme de chorar, mas
não é de tristeza.
Meu filho está bem.
Olho novamente para a mulher linda ao meu lado e mais uma vez,
sem nem ao menos perguntar, ela já sabe o que responder.
— Ele também está bem. Levou um tiro, mas está se recuperando. A
gente precisa que você fique calma, para o seu bem e para o bem do bebê.
Dorme mais um pouco. Amanhã a gente te explica tudo o que aconteceu.
Ela se inclina e beija minha testa.
Ainda sinto sono, por mais que esteja lutando contra ele, mas ele
parece mais forte e me deixo ir.

Não tem luz. Não tem escuridão.


Escuto barulho de água, mas é longe. Quer dizer, eu acho que é de
longe e acho que pode ser água ou pode ser só coisa da minha cabeça
mesmo.
Abro os olhos lentamente e a claridade vem na medida certa.
Olho em volta e finalmente não me sinto mais tão cansada. Viro o
rosto e vejo a grande janela com uma cortina fina, que tenta impedir a luz
de entrar no quarto. Elas também são relativamente pequenas para o
tamanho da janela, pois há brechas em ambos os cantos.
Ajeito-me na cama, tentando me sentar.
Olho para os meus braços e vejo um acesso nele. Sigo a borracha e
ela me leva a um saco transparente, provavelmente é soro. Mal tenho tempo
de olhar tudo ao redor, porque minha mãe adentra o quarto.
— Olívia, minha filha! — Ela vem até mim e eu abro os braços para
recebê-la.
— A senhora está bem?
— Ah, meu amor. Me perdoa! — Ela chora em meu ombro e eu
faço um carinho em sua cabeça. — Acabou, finalmente, acabou!
Abraço-a mais forte e a sinto se afastar. Ela limpa o rosto e sorri.
Há quanto tempo não via esse sorriso em seu rosto? Um sorriso de
alívio. Seguro seu rosto e limpo uma lágrima que escorre por sua bochecha.
Sei o quanto ela sofreu e consequentemente, nos fez sofrer também, mas ela
não tinha culpa. Me sinto mal por pensar que, por todos esses anos, eu
apenas a julguei – e muitas vezes, me recusei a ajudá-la. Acho que nunca
parei, de verdade, para entender o seu lado. Nunca parei para escutar o que
tinha a me dizer. Sempre tirei conclusões precipitadas e acreditei piamente
em todas elas.
Retribuo o sorriso e beijo sua testa.
— Sim, mamãe, finalmente acabou...
Lavínia entra no quarto sem fazer barulho, pois deve achar que eu
ainda estou dormindo, mas ao me ver acordada com nossa mãe, ela dá um
sorriso e se junta ao nosso abraço. Rimos juntas e pela primeira vez, depois
de um longo tempo, consigo ver o alívio nos olhos de minha mãe, como se
o medo que ela carregou por anos, tivesse ido embora.

A enfermeira acabou de sair.


Terminei de almoçar faz alguns minutos. Estou sentada na cama,
esperando que alguém entre no quarto, mais especificamente, esperando por
Nikolai, para que ele possa explicar exatamente tudo o que aconteceu.
Eu dormi por dois dias – dormi, não porque quis, mas porque, toda
vez que eu acordava, me debatia e gritava. Então, segundo minha mãe e
Lavínia, o médico achou melhor me deixar sedada e esperou que eu
acordasse mais calma. Eu estava preocupada com Dimitri.
A única coisa que sei sobre ele, foi o que Anya havia me falado, que
ele tinha passado por uma cirurgia, mas que estava bem. Mas se Dimitri
estava bem, por que ninguém veio me dar mais notícias dele?
Levanto-me da cama e dou alguns passos pelo quarto, tentando
controlar o meu nervosismo e minha ansiedade. Paro em frente à janela e
vejo o carro de Nikolai estacionar.
Finalmente!
Não me dou ao trabalho de voltar para a cama, sei que ele vai
reclamar e dizer mais uma vez que preciso descansar, mas já estou
descansada o suficiente e quero que ele me dê notícias sobre Dimitri o mais
rápido possível.
Em poucos minutos, Niko passa pela porta e leva um susto ao me
encontrar parada, olhando atentamente para ele.
— Você não deveria estar deitada na cama, descansando?
— E você não deveria me dar notícias do seu irmão? — Ele levanta
as sobrancelhas e vejo um sorrisinho escapar dos seus lábios. — Vamos,
Nikolai, me diga. Onde ele está? Como ele está? Eu quero vê-lo.
Ando na direção da porta, com o intuito de passar por ele, mas sou
impedida.
— Antes de qualquer coisa, mocinha, você precisa ficar aqui e não
pode ter nenhum tipo de estresse, são ordens médicas. — Sem esperar pela
minha resposta, ele me leva de volta para a cama. — Agora, se acalme que
eu vim aqui exatamente para isso, para falar a respeito de Dimitri.
Sento-me novamente na cama e ele se senta ao meu lado. Nikolai
segura minha mão e respira fundo.
— Vou te falar as coisas mais importantes, Olívia. Acho que muitos
detalhes agora podem te deixar meio confusa e não quero isso. — Ele se
ajeita na cadeira e se vira para mim. — O que aconteceu foi que, na hora
que Dimitri avançou para cima de Vladmir, meu irmão levou um tiro bem
abaixo do coração.
Arregalo os olhos e por dentro, começo a entrar em desespero.
— Ele não deveria ter ido para cima dele. Foi muito imprudente, já
que, se os policiais atirassem, ele também poderia ser atingido. Porém, se
tratando de quem é, claro que esperávamos, pelo menos, eu esperava, que
Dimitri fosse fazer qualquer coisa para tirá-la de perto de Vladmir.
De repente, me dou conta de que Ivan ou Vladmir, é pai de Nikolai.
E o jeito como fala do homem, com tanta calma e seriedade, me surpreende.
Sempre soube da distância absurda que tinha entre os dois – e não
apenas entre eles, Anya também não tinha contato. Não me recordo de uma
única vez em que ela tenha falado do homem, mas, parando para pensar, o
pai do Nikolai atirou no irmão dele. E além disso, queria destruir a família
dos filhos a todo custo.
— Quando Dimitri te empurrou, ele não foi rápido o bastante para
afastar a mão que segurava o revólver. Na adrenalina, Vladmir atirou e
quase ao mesmo tempo, um policial, que estava escondido, atirou em
direção a ele. — Nikolai olha para baixo. — O tiro que ele levou, não foi
fatal. A polícia não queria matá-lo.
Ele não está morto? Então como tudo está acabado? Sinto mais um
momento de desespero se aproximando.
— Onde ele está? — Me arrisco a perguntar.
— Foi levado pela polícia desacordado. O delegado, que estava
conosco, garantiu que ele não sairia nunca mais da prisão. Com a
quantidade de coisas que ele fez, nenhum juiz o deixaria sem uma
condenação apropriada.
— E Dimitri, Nikolai?
— Ele passou por uma cirurgia, mas ainda não acordou. O médico
disse que é normal. Deve acordar a qualquer momento, porém sentirá dor.
Levanto-me da cama e ando até a porta. Nikolai me segue e me
segura pelo braço.
— Onde pensa que vai?
— Ver o Dimitri. Você não pode me negar isso, preciso saber como
ele está. Por favor, Niko. — Estou prestes a usar minha cartada final, por
mais que não queira, mas preciso. — Não pode negar isso a uma mulher
grávida.
— Jogo baixo, Olívia. Não pode usar o meu sobrinho nesse
momento.
— Claro que posso. Então, vamos ou não?
Ele para ao meu lado e quase vejo fumaça sair de sua cabeça, de
tanto pensar se é uma boa ideia ou não. Ele solta o meu braço e abre a porta,
saímos juntos pelo corredor. Ainda estou usando a camisola feia do
hospital, mas não ligo. A única coisa que quero agora, é estar perto de
Dimitri.
Passamos pela ilha de enfermeiras e algumas olham com reprovação
para Nikolai, mas logo mudam a feição quando ele sorri para elas. Meu
chefe é um homem lindo, chama atenção fácil e sempre arranca suspiros por
onde passa, e aqui, não seria diferente.
Entramos no elevador e ele aperta o botão do andar acima do que
estamos.
— Preciso falar com o médico antes, Olívia. Ele não está de acordo
com sua visita agora, mas acredito que com uma conversa, ele entenda.
— Diga a ele que se não me deixar ver Dimitri, eu vou mesmo sem
permissão. Aproveite e pergunte quando terei alta. — O olho e ele está
rindo. — Estou falando sério!
— Sei que está.
Saímos do elevador e seguimos em direção ao quarto onde Dimitri
está. Para a minha surpresa, vejo Yvannia, Mikhail e Bóris sentados no sofá
que tem no corredor. Quando me vê, Yvannia se levanta e vem em minha
direção com os braços abertos.
— Meu Deus, Olívia. — Me abraça e eu faço o mesmo. — Slava
Bogu , você está bem, minha querida! — Ela se afasta, sorri e então,
[35]

coloca as mãos em minha barriga.


Sinto um amor transbordar dela. Sorrio de volta e olho por cima dos
seus ombros, vendo o pai de Dimitri se aproximar.
— Estou muito feliz em te ver bem, Olívia. Acho que agora, Dimitri
terá motivos para acordar. — Os dois riem e se olham apaixonadamente.
Sorrio para eles e dessa vez, é o homem quem me puxa para um
abraço.
— Ora, Mikhail, deixe a moça — escuto Bóris dizer ao fundo. —
Não monopolize a mãe do meu primeiro bisneto.
— Ele é nosso neto, papai. Podemos monopolizá-la mais que o
senhor.
Escuto Bóris bufar e balançar a cabeça em negação.
Vou até ele e o abraço.
O Sr. Markova parece surpreso pela minha atitude, e mesmo sem
jeito, retribui meu gesto. Quando se afasta, segura em meus braços e me
fita.
— Sei que aquele homem pode ter falado coisas demais a você, mas
gostaria de poder te explicar um dia, o meu lado da história, se me permitir,
é claro.
Balanço a cabeça em afirmativo e ele sorri.
Desde a primeira palavra que saiu da boca de Ivan – ou Vladmir –,
eu sabia que não podia acreditar em quase nada – ou nada – do que ele
disse. Nunca foi um homem bom e só tinha mágoa e rancor dentro de si.
Uma pessoa naquele estado, não é nada confiável.
E no fundo, eu gostaria de ouvir da boca do próprio Bóris, o que
aconteceu de verdade.
Anya sai do quarto e sorri assim que me vê, vindo em minha direção
para mais um abraço.
— Como você está? E o meu sobrinho?
— Por que todos acham que é um menino?
Ela dá de ombro e ri.
— Há muito mais homens na família do que mulheres, apesar de eu
torcer para ser uma menininha e ver Dimitri surtar quando ela crescer e se
tornar um mulherão, acho que pode vir mais um Markova garanhão por aí.
Gargalho e olho para os outros, que também riem do comentário de
Anya.
A porta atrás dela está fechada e ela percebe que enquanto fala, eu
olho constantemente sobre o seu ombro.
Olho para Nikolai, como se fosse um pedido de permissão. Ele olha
ao redor e consenti. Mais do que depressa, eu passo por Anya e entro no
quarto.
Dimitri parece apenas dormir tranquilamente, se não fosse pelos fios
conectados às máquinas que apitam, indicando seus batimentos, podia
mesmo acreditar que bastaria eu encostar nele, que ele acordaria.
Chego mais perto e com muito cuidado, arrasto uma cadeira que
está próxima à cama e me sento.
Seguro sua mão e então, a beijo.
— Oi... — digo. — Oi, meu amor. Está me ouvindo?
Uma vez, li em algum lugar que quando se conversa com pessoas
em estado vegetativo, eles têm uma chance bem maior de se recuperar. Por
mais que eu saiba que esse não é o caso de Dimitri, não custa tentar. Talvez,
seja mais fácil ainda, já que ele apenas ‘dorme’.
— Eu estou bem. E quero te agradecer pelo que fez. Quero que
saiba, quer dizer, não sei se está me ouvindo, mas caso esteja, quero que
saiba que eu te amo muito e estou com muito medo de te perder. Mesmo
todo mundo falando que você está fora de perigo, o fato de ainda não estar
acordado, me preocupa. Então, acorde logo, por favor. — Aperto sua mão.
— Ouviu? Acorde! Nosso filho, ou filha, também está bem e não pode ficar
sem o pai. Sua família acha que é um menino, mas eu acho que vai ser uma
menininha que vai te dar muito trabalho. — Sorrio com o meu próprio
comentário. — E eu já tenho o nome perfeito para ela.
Deito minha cabeça na cama e continuo a fazer carinho em sua mão.
Fecho os olhos e faço uma pequena oração, pedindo a Deus que o faça
acordar e que tudo fique bem logo. Que possamos ter a nossa família e que
todo esse mal vá embora.
Mesmo de olhos fechados, sinto-os se encherem de água, e por mais
que eu esteja confiante de que Dimitri acordará a qualquer momento, ainda
sinto uma tristeza por ele estar deitado nessa cama.
Continuo de olhos fechados e mentalizo pensamentos bons e felizes.
Tento imaginar o nascimento do nosso bebê e depois, imagino-o em meus
braços, desejando que possa crescer feliz. Imagino-o brincando no quintal
de Bóris em meio a todas as flores que ele e Vera plantam. Imagino Niko,
Anya e Lavínia felizes. Minha mãe, Yvannia e Mikhail sentados,
conversando sobre qualquer assunto aleatório em um domingo qualquer em
família.
Sorrio com esse pensamento e a lágrima, que desce por minha
bochecha, agora é de felicidade.
— Qualquer nome, menos Anastasia...
Levanto a cabeça rapidamente, achando que alguém entrou no
quarto, mas quando vejo, Dimitri me olha com um sorriso fraco nos lábios.
Sinto uma dor me incomodar muito, não é daquelas que é
insuportável, mas é incômoda demais e aumenta quando tento respirar
fundo. Tento abrir os olhos e ver de onde vem essa dor, porém não consigo.
Parece que colaram os meus olhos e eles não abrem por nada.
Escuto a voz do meu irmão, mas não sei ao certo se é a voz dele.
Talvez seja só um sonho. Será que estou sonhando? Bem, se eu estiver, sei
que a qualquer momento, vou acordar.
Já não sinto mais a dor e respiro com mais facilidade. Meu corpo
está bem. Eu estou bem. Meus olhos continuam fechados, mas eu não tento
mais abri-los.

Meu coração está acelerado.


Ainda estou sonhando?
Escuto um choro.
É a minha mãe. Estou sonhando com a minha mãe chorando?
Algumas vozes se fazem presente, mas eu não identifico, na verdade, nem
tento. Se for um sonho, eu vou acordar. Vou acordar e então, verei que tudo
não passou de uma noite mal dormida.
Parece tão real, que consigo sentir até o toque em minha mão, mas
continuo imóvel. Meus músculos não respondem, acho que eles estão
dormindo, assim como eu.

Mas que droga de barulho chato é esse? Alguém pode, por favor,
desligá-lo?
Já escuto isso faz um tempo, mas não sei de onde vem e nem o que
é. Até em sonho, eu sou uma pessoa irritada. Que porra!
— ... quando doutor?
— A qualquer momento. Ele está com todos os sinais ótimos.
Quem é? Quem tá falando?
— Mas o tempo é dele. A cirurgia foi ótima e ele está fora de
perigo.
Cirurgia? O que aconteceu? Eu não estou apenas dormindo? A dor
voltou. Não é tão forte, mas está aqui, a sinto em meu corpo e me incomoda
novamente. Mas não consigo fazer nada quanto a isso e meus olhos
continuam sem me obedecer, o que só me deixa mais irritado.

— Oi... — Olívia? Minha Olívia? — Oi, meu amor. Está me


ouvindo? — Estou! Estou te ouvindo, só não consigo te responder, amor.
Finalmente, ela está aqui – seja lá aonde for aqui.
— Eu estou bem. E quero te agradecer pelo que fez. — Por que eu
não consigo me lembrar do que aconteceu? — Quero que saiba, quer dizer,
não sei se está me ouvindo — Estou, claro que estou, sempre vou te escutar,
não importa onde eu esteja. —, mas caso esteja, quero que saiba que eu te
amo muito e estou com muito medo de te perder. — Eu também te amo,
meu amor. Demais! — Mesmo todo mundo falando que você está fora de
perigo, o fato de não acordar, ainda me preocupa. Então, acorde logo, por
favor. — Estou tentando, o que mais quero agora, é acordar e poder olhar
novamente para você, kroshka. — Ouviu? Acorde! Nosso filho ou filha
também está bem e não pode ficar sem o pai. — Filho? Ela está mesmo
grávida, claro que está! — Sua família acha que é um menino, mas eu acho
que vai ser uma menininha, que vai te dar muito trabalho. E eu já tenho o
nome perfeito para ela.
Eu vou ser pai e não consigo acordar!
Preciso abrir a droga dos olhos. Eu tenho que acordar e olhar para o
rosto da mulher que eu amo e que está esperando um filho meu. Meu filho.
Nosso filho.
Vamos corpo, me ajude! Responda! Olívia está bem aqui, junto com
a gente. Somos dela. Ela é a nossa força!
A sinto segurar minha mão, mas não ouço sua voz mais. Será que
ela foi embora e por desejar tanto, estou imaginando o seu toque?
Sinto mais um aperto de leve. Ela ainda está aqui, eu sei que está.
Sua presença ainda é forte. O cheiro da sua pele é o melhor, é o meu cheiro
favorito.
Aos poucos, vou sentindo uma luz fraca.
Ela queima um pouco os meus olhos, mas isso é um bom sinal, não
é? Quer dizer que estou conseguindo acordar. A luz fica mais forte
conforme vou abrindo os olhos.
Vejo um teto branco. Olho um pouco para o lado e vejo cortinas
beges, quase completamente fechadas. Meus olhos rolam para cima e vejo
máquinas, agora sei de onde o barulho chato vinha. Olho para baixo e
encontro Olívia. De repente, é como se mais nada importasse. Ela está aqui.
Está chorando, mas está sorrindo. Está triste, mas está feliz. É isso?
Olho para o seu rosto e começo a imaginar uma menininha igual a
ela. Tenho certeza de que vai me dar muito trabalho, mas eu vou ser o pai
mais feliz da vida, chutando a bunda de todos os meninos que tentarem
alguma coisa com ela.
— Qualquer nome, menos Anastasia... — Minha voz sai rouca e um
tanto quanto baixa, mas sei que ela escutou.
Olívia levanta a cabeça depressa e antes de olhar para mim, olha
para a porta assustada.
Quando seus olhos se voltam para mim e se fixam nos meus, ela
leva a mão livre ao rosto e tampa os olhos. Seu choro aumenta um pouco,
mas seu sorriso se alarga e quando volta a me olhar, vejo felicidade em seus
olhos, por mais que estejam repletos de lágrimas.
— Meu amor... — Ela se levanta da cadeira e se inclina sobre o meu
peito. Me abraça e pela primeira vez, eu consigo mover meu braço,
abraçando-a de volta.
Sem perceber, solto um som de incômodo e ela logo se levanta.
— Desculpa! Te machuquei? — pergunta, aflita.
Balanço a cabeça em negação, só quero que ela volte a colar seu
corpo no meu, mas ela sai, indo até a porta e em seguida, meu pai, minha
mãe, meu avô e meus irmãos aparecem na porta.
Eles começam a falar todos juntos e eu fico confuso, não consigo
entender nada do que é falado.
Procuro por Olívia e ela entende que a quero perto de mim. Minha
mulher se senta na cama e se ajeita para deitar ao meu lado. Eu ainda não
consigo me mexer muito, mas só de ter a presença dela aqui comigo, me
basta. Ela beija minha bochecha e sorri.
— Eu te amo!
— Eu também te amo — respondo.
Três meses depois...
— Niko, como estão as coisas por aí? — Estou ao telefone com meu
irmão.
— Dimitri, já é a segunda vez que você liga e é a segunda vez que
vou dizer que está tudo bem.
— Como foi a reunião? — continuo a conversa, sem ligar para o
que ele falou.
— Acabou agora e adivinha? Não tem nada de mais. O
representante explicou como a compra foi feita e o motivo do chefe resolver
comprar. Não deu muitos detalhes, mas deixou claro que ele não irá se
intrometer em nenhuma decisão dos acionistas majoritários.
— E Otávio? O acharam?
— Não. Mas, sinceramente? Não estou ligando nenhum pouco para
ele, Dimitri. Aqui Otávio não pisa mais e tenho certeza de que, com a nossa
influência, seja difícil ele conseguir entrar em qualquer outra empresa de
alto porte. Todos já sabem do caráter dele e das coisas que ele é capaz de
fazer.
Depois do que Otávio fez com Olívia, claro que não demoraria
muito para ficarmos sabendo das coisas que ele já tinha feito antes.
Niko descobriu que ele abusou de, pelo menos, cinco funcionárias.
Fomos atrás delas e elas se prontificaram a contar tudo. Eu não estava indo
à empresa por recomendações médicas e ordens de Olívia, mas Nikolai me
deixava a par de tudo. Demos todo o suporte às moças e garantimos que
aquilo nunca mais aconteceria na nossa empresa e se acontecesse, elas
teriam toda a liberdade para conversar diretamente conosco ou com quem
quer que fosse, pois não iremos tolerar qualquer tipo de atitude como
aquela, dentro da empresa.
Com a ajuda do delegado Antunes, conseguimos expedir um
mandado de busca para Otávio. Infelizmente, até o atual momento, não
temos uma notícia sequer do homem. Dedushka ficou chateado demais pela
memória de Osvaldo, pai de Otávio, já que eram grandes amigos, mas sabia
que o filho dele não era flor que se cheire.
Também com a ajuda de Antunes e sua equipe, descobrimos todos
os podres de Vladmir. O delegado nos disse que foi difícil, já que o homem
se negava a falar qualquer coisa, mas que conseguiram seguir algumas
pistas que vinham coletando conforme os anos foram passando. Ele era
bom em não deixar pistas, mas a polícia era muito melhor em achar uma
agulha no palheiro.
Descobriram que o desgraçado não estava sozinho. Ele teve a ajuda
de um grupo – que também era procurado – de falsificadores. Vladmir
tinha, pelo menos, mais duas identidades falsas. Tinha muito dinheiro
guardado de forma ilegal e em uma das suas identidades, era dono de uma
empresa fantasma, que vazia lavagem de dinheiro. Claro que qualquer juiz,
em sã consciência, não o deixaria escapar. Ele foi sentenciado e voltou para
a Rússia, onde cumprirá sua pena.
— Ele também disse que se quisermos recomprar uma parte das
ações, por ele, tudo bem. Sabe do lucro da empresa e não está preocupado
com isso. O cara é mais rico que nós. O pai dele praticamente manda na
Espanha inteira, Dimitri — Niko fala e eu começo a ponderar a ideia.
Posso comprar essa parte e deixar para Olívia e nosso filho ou filha.
E também tem a Lavínia.
Acredito que Niko gostaria de tê-la como acionista. Ela já é uma
mulher adulta e tenho certeza de que, se tiver um por cento da
personalidade de Niko, vai se sair muito bem como uma futura CEO ou
algo assim.
Escuto a porta abrir e viro a cadeira em direção à entrada, vendo
Olívia adentrar meu escritório.
— Será que o senhor poderia largar a droga desse telefone? —
Olívia tem uma bandeja na mão e um sorriso no rosto. — O Niko sabe o
que faz.
— Obrigada, Olívia! — escuto-o dizer do outro lado da linha.
— Ligo depois — aviso, desligando na cara do meu irmão.
— Não vai ligar, não. Seu repouso ainda não terminou. — Ela deixa
a bandeja em cima da mesa e dá a volta, se sentando no meu colo.
A seguro firme e coloco minha mão em sua barriga, que já mostra
uma protuberância.
Quando saí do hospital, Olívia tinha recebido alta duas semanas
antes e já tinha sido consultada por uma ginecologista e obstetra que, por
coincidência, é a esposa do Dr. Humberto, o médico da família.
Olívia estava com um pouco mais de um mês de gravidez, mas
devido a todo o estresse que passou, a doutora recomendou que ela também
ficasse de repouso. Pedi para que Margarida viesse mais vezes na semana,
para que Olívia conseguisse passar a maior parte do tempo descansando.
Ela odiou a ideia, disse que ficaria de saco cheio de fazer nada. Logo ela,
que adora fazer um nada.
Éramos nós dois em casa, o dia inteiro. Eu, claro, só pensava em
estar com ela – e dentro dela –, mas sabia que, no momento, eu não podia
fazer esforço e o que eu mais queria fazer, exigia muito esforço.
Passei um mês e meio me segurando ao máximo.
Depois desse tempo, comecei a me concentrar em outras coisas. O
Dr. Humberto sugeriu que eu voltasse a fazer exercícios, o que me ajudou
muito, já que gastava minha energia na academia, que foi improvisada na
minha garagem.
Na semana passada, quando recebi a visita do médico, ele disse que
eu já estava quase cem por cento e que eu poderia voltar – aos poucos – a
vida normal. Não liguei muito para ‘aos poucos’, preferi focar no ‘voltar’.
Olívia não teve nenhuma contraindicação quanto a isso, mas a médica ainda
achava melhor que ela completasse o primeiro trimestre para voltar ao
normal.
O que, para a minha felicidade, aconteceu ontem.
— Trouxe o seu almoço.
— Eu vou ficar mal-acostumado com você fazendo essas coisas
para mim. — Ela ri e me dá um beijo.
— Tenho muito tempo livre. Estou ficando entediada.
Beijo-a com vontade e ela entende o que eu quero.
— Sabe que dia é hoje? — ela pergunta.
— Quinta-feira.
— Três meses e um dia... — Eu sei, contei os dias, só não queria
falar.
Sem dizer mais nada, Olívia se levanta e eu imagino que ela vá me
puxar para subirmos para o quarto, mas na verdade, ela volta e se senta,
com uma perna de cada lado do meu quadril. Meu pau, que já está dando
sinal de vida, se anima mais ainda. Agradeço por ela estar usando um
vestido bem soltinho.
Coloco minhas mãos por dentro da saia do vestido e vou até sua
bunda, me surpreendendo quando percebo que ela não está usando calcinha.
Safada! Ela já tinha tudo em mente.
Gemo ao constatar a falta da peça e ela sorri enquanto me beija.
Sinto suas mãos descerem até o cós da minha bermuda de moletom e
desfazer o laço, afrouxando-a. Seguro-a com um pouco mais de força e me
impulsiono para cima, rapidamente, ela enrosca as pernas na minha cintura
e assim deixa minhas mãos livres para que eu possa descer a bermuda.
Desço tudo de uma única vez, a bermuda e a cueca, sento-me novamente na
cadeira, já sentindo o calor da excitação de Olívia, que geme quando sente
meu pau encostar em sua boceta.
Continuamos a nos beijar com ainda mais vontade e ela se ajeita,
segurando meu pau e posicionando-o bem em sua entrada.
— Tem certeza? — pergunto.
Eu quero muito transar com ela, mas não sei como Olívia se sente
estando grávida.
— Cala a boca e me come logo. Esses hormônios estão acabando
comigo.
Porra! Que mulher do caralho!
Ela se levanta mais uma vez, apenas para se sentar com vontade no
meu pau. Gememos juntos dessa vez. Parece um sonho, que saudade que eu
estava disso. Olívia é maravilhosa demais.
Ela sobe e desce sem parar, me deixando maluco. De vez em
quando, dá uma rebolada, o que só piora a minha situação. Estou com medo
de não aguentar muito e gozar rápido, mas tento me concentrar ao máximo,
mesmo ela não ajudando muito, porque começa a acelerar as descidas e a
gemer mais alto. Minha mulher desce as alças finas do vestido, deixando os
seios, que estão levemente maiores, à mostra e eu vou à loucura em
segundos. Abocanho um deles e mamo sem piedade. Não dispenso atenção
ao outro e massageio o bico com meus dedos.
Quanto mais ela quica em meu pau, mais alto geme e eu mamo
ainda mais em seus peitos.
— Gostosa! Que boceta deliciosa, eu estava com tanta saudade.
Seguro sua cintura com força e a faço parar. Dou uma leve
escorregada na cadeira e começo a estocar de baixo para cima. Ela joga a
cabeça para trás e se deleita com a nossa transa.
— Isso... Assim... Eu vou gozar, amor, não para!
Intensifico as investidas e ela grita de prazer. Quando aperta meus
ombros, sei que está prestes a explodir e então, com um único movimento,
me levanto e a coloco deitada na mesa. Abro suas pernas mais um pouco,
sem nem ao menos sair de dentro dela. Enquanto estoco fundo, faço um
carinho em seu clitóris, que está inchado e querendo a minha atenção.
Olívia segura na beirada da mesa e arqueia o quadril.
É agora!
Invisto mais três vezes e então explodimos juntos.
Que maravilha!
Eu não preciso pedir mais nada.
Me sinto completo.
Estou morta.
Me sinto cansada e minhas pernas estão me matando.
Hoje foi o meu último dia na empresa e mesmo não sendo mais
secretária de Niko – porque ele me deu a chance de seguir na minha área
dentro da empresa –, o meu trabalho triplicou.
Tudo bem que tenho a minha própria assistente agora e uma sala só
minha, mas as responsabilidades ainda são muitas. Não estou reclamando,
mas estar perto de dar à luz, complica um pouco as coisas. E eu fiz questão
de trabalhar até o último dia, mesmo a minha médica tendo dito que não
seria aconselhável. Claro que ponderei bem a ideia, mas depois dos três
primeiros meses, a gestação foi tranquila e sem complicações. E assim, eu
pude ficar mais aliviada quanto a qualquer problema que pudesse surgir.
Dimitri me encheu o saco, dizendo que não era necessário que eu
fizesse tudo aquilo, porém eu queria. Mesmo não precisando, queria estar
na empresa, fazendo o que eu gosto de fazer.
Saio da banheira e tenho quase certeza de que dei uma cochilada –
de novo –, porque a água já está mais gelada do que quando entrei. Pedi
para que Lavínia terminasse de arrumar a bolsa que levarei para a
maternidade. Ela fez isso mais cedo e quando cheguei em casa, já estava
tudo prontinho.
Minha irmã viajou para Santo Antônio do Pinhal para ajudar André
– seu amigo de infância – a fazer a mudança dele, aqui para a capital. Eles
sempre tiveram um clima de romance pairando no ar, mas nunca assumiram
a paixão que sentiam um pelo outro. Eles se reencontram quando minha
mãe foi até a cidadezinha, para arrumar a nossa casa e vendê-la.
Depois de tudo o que aconteceu, ela não queria mais pisar naquele
lugar. Era a nossa cidade natal, mas as lembranças eram muitas e decidimos
que não valeria a pena. Iríamos criar novas lembranças em outro lugar.
Enquanto minha mãe fazia os trâmites de compra e venda, André e
Lavínia se aproximaram e em menos de um mês, começaram a namorar. O
que, para Niko, foi um absurdo. Ele disse que conversaria primeiro com
André e se fosse o caso, não permitiria o namoro. Eu, claro, dei risada na
cara dele, que me chamou de irresponsável.
— Niko, ela é maior de idade. Se soubesse o que ela já fez, você não
estaria tão preocupado assim. Confia em mim, Lavínia sabe o que faz. E
outra, acho pouco provável que ele a peça em casamento, se essa for a sua
preocupação. Ele é responsável, sabe o que quer e é um rapaz muito sério.
— Acalmei meu cunhado.
Lavínia tinha virado a bebezinha dele e de Anya, que por sua vez, a
enchia de roupas, sapatos e bolsas.
Elas viajaram para a Itália dois meses atrás e minha irmã chorou
quando pisou em solo europeu. Eu não fui, porque Dimitri ficou com medo
de alguma coisa acontecer e ele não estar presente.
Entendi o seu lado. Se eu fosse um homem, prestes a tornar pai pela
primeira, também ficaria atento a tudo.
Enrolo-me na toalha – que, claro, já não cobre quase nenhuma parte
do meu corpo – e saio do banheiro. Procuro a roupa mais larga que tenho,
que consiste em uma blusa velha de Dimitri e uma das últimas peças que
tenho em casa, já que ele deu o ultimato para que eu me mudasse para a sua
casa o mais rápido possível.
Minha mãe, que havia se mudado para a capital de vez, ficaria no
apartamento com Lavínia, e minha irmã adorou, claro.
Olho o relógio e me sento na cama, esticando as pernas um pouco.
Tento esticar as costas também, mas sinto Ana chutar.
— Filha! — coloco a mão na barriga e reclamo um pouco.
Dimitri ficou louco quando a Dr. Fátima disse que seria uma
menina. Niko, que estava junto com a gente – já que Dimitri e eu o
escolhemos para ser padrinho dela –, riu da cara do irmão quando ouviu a
palavra menina.
Dimitri arregalou os olhos e começou a xingar em russo, o que fez
com que a doutora e eu caíssemos na risada. Quando chegamos em casa, ele
e Niko começaram a falar que precisavam se preparar para bater nos
meninos que iriam ficar atrás dela.
A menina nem nasceu ainda e eles já estão pensando em namorados
para ela, como pode?
Levantei-me da cama e fui até à cozinha para beber um pouco de
água. Ana chutou de novo e eu precisei parar e me encostar na parede.
Respiro fundo, do jeito que foi ensinado no curso, e tento me acalmar.
Desespero nessa hora não é bom, nem para a mãe e nem para o bebê.
Continuo o caminho, passando pela sala e chego na cozinha. Abro a
geladeira e pego a garrafa de água, pego o copo no armário e bebo o líquido
sedenta.
Sinto outro chute, mas esse é muito mais forte do que o anterior.
Deixo o copo cair no chão e me curvo um pouco. Sinto outro, ainda mais
forte.
Isso não pode ser um chute! Não é possível.
Volto para a sala, andando devagar, sentindo dor e ainda curvada.
Vou até minha bolsa e pego meu telefone, enquanto ligo para
Dimitri, sinto um líquido escorrer pelas minhas pernas, quando olho para
baixo, o chão está todo molhado.
A bolsa estourou!
Coloco na discagem rápida e no segundo toque, ele atende.
— Amor! — Parece que ele já sabe o que vai acontecer.
— A bolsa estourou... — falo rápido.
— Caralho, Olívia, tô indo para aí. Chego em dez, não, em cinco
minutos! — Desliga o telefone e eu não faço mais nada, além de ficar
agachada perto do sofá, respirando fundo e pedindo para a minha filha ter
paciência – e não ser como o pai – e esperar chegar até o hospital.
Dimitri passa pela porta acompanhado de Niko e Bernardo.
Eles me ajudam a levantar e mais do que depressa, Bernardo vai
buscar a bolsa e Niko já está ligando para a médica, informando que a
sobrinha irá nascer. Depois liga para Anya, seu avô, sua mãe e seu padrasto.
Pedi para que ligasse para a minha mãe e Lavínia, que estavam juntas.
Entro no carro, ainda pedindo para que Ana espere mais um pouco,
mas ao mesmo tempo, estou preocupada que falte alguma coisa.
— Pegou tudo? — pergunto a Bernardo.
— Tudo, Olívia... Não se preocupe. Quando minha sobrinha nasceu,
também foi de repente. Ajudei Emília em tudo. — Percebo a respiração de
Niko mudar quando Bernardo fala da irmã e me lembro do que Dimitri me
falou na noite em que nos declaramos.
Sinto outra contração e grito de leve, desesperando ainda mais
Dimitri, mas mudando completamente o foco da conversa.
Niko estaciona na porta do hospital e já tem um enfermeiro com
uma cadeira de rodas me esperando. Me sento na cadeira e ele me leva para
a sala de parto, onde a doutora irá me encontrar. Eles pedem para que
Dimitri fique na recepção para dar entrada e explicam que assim que ele
terminar, pode ir até o quarto ficar comigo. Mal chego no quarto e já estou
aos prantos, sentindo uma dor horripilante. Parece que meu corpo vai se
rasgar ao meio e, ao mesmo tempo, tenho vontade de ir ao banheiro, mas
tenho muito medo de fazer qualquer força e minha filha cair dentro da
privada.
A Dra. Fátima entra no quarto vestindo um pijama cirúrgico, com
uma toca de ursinho e sorri para mim.
— Pronta, mamãe?
— Não. Nenhum pouco... — digo em um tom de grosseria, ela ri e
as enfermeiras a acompanham.
— Ninguém está, mas como eu sempre digo, ela entrou aí, agora
tem que sair.
Sinto mais dor e grito um pouco mais alto do que das outras vezes.
Duas enfermeiras, uma de cada lado, me ajudam a andar e me levam para a
cama. Elas me deitam e colocam minhas pernas em dois apoios.
— Cadê o Dimitri? — pergunto.
— Ele já está vindo. Estava meio ansioso no corredor, acho que
precisou de um tempo — diz em tom de brincadeira. — É muito normal,
Olívia. Não parece, mas os homens são muito mais sensíveis do que nós
quando se trata de parto.
Sinto-a me dar um toque e a ouço falar alguma coisa com a
enfermeira.
Ela concorda e vai até à porta. Faz um sinal e logo vejo Dimitri
passar por ela. Ele arregala os olhos e parece que vai desmaiar, mas se apoia
na parede, respira fundo e vem ao meu encontro.
Pego sua mão e a aperto, ele faz uma careta de dor, contudo eu não
consigo soltar a mão dele agora.
— Vamos, Olívia, força. Você já está bem dilatada. Isso é ótimo!
Faço a maior força do mundo. Respiro e volto a forçar mais um
pouco.
— Ela está coroando, Olívia...
Aperto mais a mão de Dimitri, porém dessa vez, ele não faz
nenhuma careta, apenas chega mais perto e beija minha cabeça.
Estou suando, quase desmaiando de tanto fazer força.
— Vamos, amor. Ela já está vindo. — Olho para o homem lindo ao
meu lado.
Meu amor.
Ele tem lágrimas nos olhos e mesmo assim, consigo enxergar a
felicidade e o amor que ele carrega por nós.
Forço mais uma vez e de repente, sinto um alívio imediato. Solto a
mão de Dimitri e me deixo cair para trás. Escuto um choro e fico em alerta.
A enfermeira sorri e me entrega a minha filha.
— Ela é linda, mamãe. Uma princesinha!
Ana ainda está sujinha, mas eu não me importo. Pego minha filha,
que cessa o choro no momento em que vem para os meus braços.
Ela é linda! Cabeluda como eu e tem o nariz de Dimitri. Sei que
ainda é cedo e ela pode mudar um pouco, mas eu quero muito que Ana
tenha os traços do pai.
— Oi, meu amor. Bem-vinda. — Dimitri passa a mão em sua
bochechinha. — Ela vai ser linda, igual a mãe. — Me olha e sorri
carinhosamente, me beija e voltamos a olhar para a nossa filha.

— Ela está cada vez mais linda. Parece Olívia quando era bebê.
— Ela é a cara de Dimitri, Márcia. Tem o nariz dele, olha, Mikhail!
— Os avôs babões conversam animadamente.
Dimitri não saiu do nosso lado desde que viemos para casa.
Ele, muito exigente, reformou um dos quartos para Ana, mas fez
questão de comprar um berço móvel. Assim ele pode levá-la para todos os
cantos da casa.
Estamos na sala com todo mundo. A única que ainda não chegou, é
Anya, que estava presa no aeroporto, voltando de mais uma viagem.
— Ainda bem que ela não tem mais aquela carinha de joelho, não é?
— Lavínia! — minha mãe a repreende e eu rio. pois pensei a mesma
coisa nos primeiros dois dias.
— Até com a ‘cara de joelho’, ela é linda. Você está com inveja,
cunhadinha, não será mais o bebezinho da família.
Lavínia revira os olhos e todos riem.
André dá um abraço forte nela e Niko entorta o nariz vendo a cena.
Olho para a minha filha, que já tem dois meses de vida.
Agora, bem mais do que antes, consigo ver alguns traços de Dimitri
nela. A boca, os olhos verdes e o nariz, como mostrou Yvannia para
Mikhail.
Todo dia me encanto mais e mais por ela.
Algumas noites, ela não nos deixa dormir, mas na maioria, Ana
dorme feito pedra e só acorda bem cedinho para mamar.
Em algumas noites, Dimitri a leva para o nosso quarto no berço
móvel e a deixa do seu lado da cama, olhando para ela enquanto adormece.
E isso sempre derrete o meu coração. São os melhores momentos da minha
vida. Tento gravar todos em minha mente e todas as noites, antes de fechar
os olhos, agradeço por tudo. Pelas coisas boas e as ruins, que de uma forma
ou de outra, me trouxeram até aqui.
Me trouxeram até esse momento.
Anya passa pela porta e estanca no lugar quando vê Bernardo que,
de sua maneira, fica tenso quando a vê.
Já parei de tentar entender as pessoas dessa família.
Bóris toca em meu ombro e eu olho para trás, vendo-o rir para a
primeira bisneta.
Depois que Ana nasceu, ele começou a infernizar Nikolai e Anya
por querer mais bisnetos e, é claro que os dois fogem do avô como o diabo
foge da cruz.
— Obrigado! — Bóris sussurra em meu ouvido e eu sorrio para ele,
vendo-o se afastar de mim e se juntar a Vera, que conversa com Yvannia e
mamãe.
Olho mais uma vez ao redor e me pego sorrindo sozinha.
Lavínia está sentada no sofá junto a André, que faz um carinho em
suas costas. Niko está logo atrás, fingindo prestar atenção em uma conversa
com Bernardo, mas está bem atento a qualquer gesto mais ousado dele e
Bernardo, por sua vez, finge manter a conversa, mas olha atentamente para
Anya, que está abraçada a Mikhail, contando sobre a sua viagem.
Eventualmente, ela o chama de pai e eu acho muito bonita a relação
que os dois tem.
Em outro canto, minha mãe, Yvannia, Vera e Bóris bebem alguma
coisa e riem de algo que foi dito.
— O que foi? — Dimitri me tira dos meus pensamentos.
— Nada — digo a ele, sorrindo. Me sentindo feliz e completa.
Ele pega Ana no colo e começa embalá-la.
— Eu amo vocês.
— E nós amamos você, Sr. Dimitri.
Ele ri e me beija carinhosamente.
Eu não podia estar mais feliz por minha família, finalmente, estar
completa.
Nem consigo mensurar como me sinto agora.
Acho que posso considerar esse, o momento mais feliz da minha
vida – ou, quem sabe, o segundo – e acho que preciso de uma bebida. Forte,
de preferência.
Ajeito a minha gravata e me olho mais uma vez no espelho. Nem sei
o motivo disso tudo. Eu estou bem. Eu estou bem!
— Não, você não está bem... — Bernardo diz, sentado na poltrona
perto da porta. — Já é a terceira vez que você diz isso olhando para o
espelho.
— Porra, Bernardo. Eu vou me casar, caralho! É claro que estou
bem... — Ele gargalha e eu o olho com vontade de apertar seu pescoço.
Antes do nascimento de Ana – apelido carinhoso que eu dei a ela, já
que Olívia me obrigou a aceitar Anastasia –, eu já pensava em tornar Olívia,
definitivamente, uma Markova, mas houve alguns percalços e acabei
adiando o inevitável.
Nós já éramos casados de uma forma ou de outra. Olívia morava
comigo, dividíamos a cama, o quarto, a sala, a cozinha, o banheiro, até
mesmo as roupas, já que ela, durante a gravidez, criou a mania de usar as
minhas blusas com a desculpa de que suas roupas estavam pequenas –
também, a mulher ficou com um barrigão que me fez pensar, por diversas
vezes, que teríamos gêmeos.
Ela, por sua vez, não esboçava muita vontade no matrimônio. Uma
vez, perguntei se ela gostaria de se casar de verdade, trocar sobrenomes e
tudo mais. Ela deu de ombro e confesso que fiquei meio confuso. Por que
ela não podia dizer sim ou não? Mexer os ombros é muito vago para mim.
Depois que Ana nasceu, eu simplesmente não conseguia mais
ignorar o fato de que Olívia não era minha mulher no papel. Ela era minha
mulher na cama e na vida, mas mesmo assim, era estranho demais, por
exemplo, olhar para a sua mão direita e não encontrar nenhuma aliança ali.
Eu sei que parece a coisa mais ridícula do mundo – e deve ser –, mas eu
queria oficializar. Queria assinar o papel e colocar o meu nome nela.
Conversei com Niko e Bernardo e eles apoiaram a minha decisão. E
mesmo que não tivesse apoiado, eu faria de qualquer forma. É nítido que
Olívia é a mulher da minha vida. Isso é indiscutível.
Logo, tive a brilhante ideia de pedi-la em casamento na festa de um
ano da nossa filha. A festa foi intimista, só para os mais próximos e família.
Claro que Anya ficou chateada, ela queria um festão com decoração de
revista. Niko, como sempre, apoiou o que os pais queriam, sempre muito
categórico. Dedushka teve apenas um pedido, que a festa fosse em seu
jardim. Olívia e eu rimos, já que pediríamos exatamente isso a ele.
Em um dado momento da festa, deixei nossa filha aos cuidados dos
tios e puxei Olívia para dentro do escritório de dedushka – que, claro,
estava todo arrumadinho – e fiz o pedido de casamento. Ela demorou para
dizer sim e eu comecei a surtar, achando que ela não aceitaria, mas quando,
finalmente, disse sim, eu chorei.
Eu chorei e ela riu de mim. Riu, porque eu estava chorando – essa é
a minha mulher.
Antes de sairmos do escritório, quase – eu disse quase – transamos
por lá mesmo, mas achamos que não seria uma boa ideia, já que estávamos
na casa do meu avô e na festa de um ano da nossa filha.
Olívia disse que não queria festa, queria apenas ir até o cartório,
assinar os papéis e pronto, já estaria feliz. Eu, como o bom marido, acatei
sua vontade. Para ser sincero, também não tenho muita paciência para esse
tipo de evento.
Chamei Bernardo para ser a minha testemunha e Olívia chamou Liz,
sua amiga.
— Dimitri, a gente só vai no cartório. Você vai assinar o papel e
pronto. Felizes para sempre.
— Vai ser o papel para o resto da minha vida, Bernardo...
— Tá arrependido? — Se ele continuar me provocando, eu juro que
acabo com ele.
— É claro que não! Tá maluco? Eu amo aquela mulher. Quero
passar o resto da minha vida com ela — digo, ajeitando a gravata pela
milésima vez.
— Então, qual é a do nervosismo?
— E se ela não quiser mais casar comigo?
— Ah, Dimitri, pelo amor de Deus! — Ele se levanta e vem em
minha direção. — Vai ter uma crise nessa altura do campeonato? Faça-me o
favor, não? — Bernardo pega minha gravata e a ajusta. — E para de mexer
nessa merda, vai acabar se enforcando sozinho.
Respiro fundo e dou uma última olhada no espelho.
— Vambora, gostosão. Tu tá lindo! Se ela não quiser casar contigo,
eu me caso.
Ele me puxa enquanto eu rio do seu comentário.
— Teu pai te mata...
Por algum motivo desconhecido, Olívia não quis me encontrar antes
do casamento, disse que me encontraria no cartório, junto a Liz. Eu aceitei,
pois não tive muita escolha.
Bernardo dá partida no carro e saímos da minha garagem. Ele segue
calmo e eu, mais nervoso do que achei que ficaria. Sei o que estou fazendo,
é exatamente o que quero fazer. Jamais voltaria atrás da minha decisão. Me
casar seria o bônus da minha felicidade.
Chegamos no cartório e já de cara, avisto alguns casais esperando
sua vez. Como resolvemos casar e não apenas ter uma união estável,
precisamos marcar dia e horário.
Me sento em um dos bancos e apenas espero.
Casal por casal entra na sala, passam alguns minutos e logo saem.
Vejo isso acontecer umas cinco vezes.
Sempre olho em direção à porta quando ela se abre para ver se é
Olívia. Confesso que já estou ficando agoniado. Olho para o relógio e já
está quase na hora que marcamos.
Outro casal entra e eu torço para que demorem mais do que os
outros, só para dar tempo de Olívia chegar, mas graças a Deus, mal começo
a torcer e minha mulher passa pela porta. Linda, como sempre.
Ela está usando um vestido claro, cor de marfim, preso até a cintura
e solto na parte da saia, que vai um pouco acima dos joelhos e um sapato
fechado, com um salto baixo. Ela me olha e sorri. Seus cabelos estão soltos
e tem algumas ondas nas pontas e ela está com pouca maquiagem, mas está
estupenda.
Levanto-me e vou em sua direção, pegando em sua cintura e a puxo
para mim. Beijo seus lábios ternamente e roço meu nariz no dela. De
repente, escuto nossos nomes serem chamados e olho em direção à mulher
baixa que usa um conjunto de cor duvidosa. Ela nos chama e então, seguro
a mão de Olívia, puxando-a enquanto andamos. Bernardo e Liz nos seguem
e logo estamos de frente a um Juiz de Paz.
Seguro as duas mãos de Olívia e a todo momento, não desvio meus
olhos dos seus. Sinto uma felicidade transbordar de mim, nunca achei que
fosse amar tanto uma mulher, como amo Olívia. Ela me completa. Ela é
exatamente tudo o que eu preciso. Uma vida inteira ao seu lado é tudo o que
eu quero.

Olho para as duas fotos em cima da minha mesa e sorrio ao vê-las.


Uma, sou eu e minha esposa quando saímos do cartório, Liz e
Bernardo que capturaram a imagem e a outra, somos nós três, na primeira
vez que levamos Ana no mesmo parque que eu ia quando era um moleque.
Quis levar Olívia lá, para explicar o quanto o seu pai tinha sido
importante nas nossas vidas. Ela se emocionou e quis tirar uma foto ao pé
da árvore, onde sempre ficávamos na hora de descansar.
Fiz duas cópias. Uma coloquei aqui e a outra, no quarto da Ana,
junto a todas as outras fotos da família.
Vejo que está quase próximo das dezoito horas e começo a arrumar
minhas coisas. Felícia já foi embora e eu, como sempre, precisei assinar
alguns documentos, mas fui rápido. Ultimamente, quero chegar o mais
rápido possível em casa para aproveitar minhas meninas.
Hoje é sexta-feira e continua sendo o meu dia favorito da semana,
mas agora tem um significado diferente. Significa que amanhã eu vou
acordar e ver, não só uma mulher linda ao meu lado, mas também uma
menininha com os olhos verdes e os cabelos castanhos. Minha Ana. Minha
Ana e minha Olívia. Minhas meninas.
Pego minha pasta e vou em direção ao elevador. Aperto o botão e
espero que ele chegue no meu andar, quando o faz, entro e aperto o botão da
garagem. Pego o meu telefone para mandar mensagem para Olívia enquanto
desço, mas o elevador para e eu olho para o painel, que está indicando o
décimo quinto andar.
Olho para as portas e quando elas se abrem, a vejo.
Maravilhosa.
Ela está vestindo uma calça social preta e uma blusa cinza de cetim,
os cabelos estão soltos e tem uma bolsa pendurada no ombro. Olívia sorri e
eu retribuo.
— Boa noite, Sr. Dimitri. — Sua voz é baixa, mas me arrepia.
— Boa noite, Sra. Olívia — ela sorri ao me ouvir dizer as palavras.
Minha mulher entra, ficando ao meu lado e as portas do elevador se
fecham. Descemos dois andares, mas eu não me aguento, aperto o botão de
emergência, fazendo o elevador parar e encosto Olívia no espelho, atacando
sua boca com fome. Ela joga seus braços ao redor do meu pescoço e me
beija com a mesma intensidade. Seguro sua cintura e a impulsiono para
cima, fazendo com que ela enlace minha cintura com suas pernas.
Já sinto o quanto estou duro e ela, para me atormentar mais um
pouco, rebola, encostando-se mais em minha ereção. Olívia dá um
sorrisinho enquanto estamos com as bocas coladas e quando as desgruda,
ela diz:
— Você vai precisar passar na sala dos seguranças na segunda-feira.
— Com todo o prazer...
Começo a beijá-la novamente e então, ali, naquele elevador, onde
tudo começou, nos amamos mais uma vez.
— Niko, preciso que você vá buscar Ana na escolinha, tem como?
Fiquei presa em uma reunião — Olívia diz do outro lado da linha. — Ela
está perto de sair e na semana passada, fez um certo escândalo porque eu
demorei cinco minutos para chegar.
Rio da minha cunhada dizendo que a filha dela, de cinco anos, já faz
escândalos na escola.
— Tudo bem. Eu passo lá, mas vou levá-la para a minha casa.
Yelena e Natasha estão com saudades dela.
— Tudo bem, sem problemas. — Olívia ri. — Dimitri e eu
precisamos mesmo de um tempinho a sós, se é que me entende.
— Me poupe dos detalhes, Olívia... — Ela ri de novo e então fala:
— Obrigada, Niko! Te amamos. Beijos!
Olívia desliga o telefone e eu me preparo para sair da empresa e ir
buscar minha sobrinha na escola.
Chego no carro e já arrumo o lugar onde Ana gosta de se sentar. Ela
geralmente fica no meio, presa no cinto. Segundo ela, fica enjoada se ficar
olhando para a janela e prefere ver a rua na sua frente. Que tipo de criança
diz uma coisa dessas?
Em pouco tempo, estou na frente da porta da escolinha.
Não saio do carro de imediato. Observo os maiores saírem e logo
depois, quando vejo sua professora, é que saio do veículo.
Atravesso a rua, mas ela não me vê. Olha para os lados,
provavelmente procurando o pai ou a mãe. Quando chego mais perto e ela
coloca os olhos em mim, abre o sorriso mais lindo do mundo.
— Tio Niko! — Solta a mão da moça que a acompanha e corre em
minha direção. Eu abro os braços e a pego quando se joga no ar para me
abraçar.
— Oi, minha printsessa[36]! — Abraço-a com força e escuto sua
risada, quando a aperto mais um pouco.
— A gente pode tomar sorvete? Tá muito quente. — Abana as
mãozinhas contra si.
— Claro que pode! — Com o tio Niko, ela pode tudo.
— A Evinha pode ir com a gente? — coloco-a no chão enquanto
minha sobrinha fala.
— Quem é Evinha?
— Minha amiga. Hoje foi o primeiro dia dela e já somos melhores
amigas. — Ana olha para trás e eu vejo uma menina loirinha de olhos azuis,
com uma ‘maria-chiquinha’, segurando a mão de uma mulher toda vestida
de branco, ao que tudo indica, é a sua babá.
— Já são melhores amigas? — confirmo com ela.
— Sim! Ela fala engraçado, mas é minha amiga — diz baixinho,
apenas para que eu escute.
Dou uma risada baixa e confirmo com a cabeça que a menina pode
vir conosco.
Ana vai em direção à amiga e segura sua mão. Elas logo andam em
minha direção e a babá segue logo atrás. Já é uma senhora, deve estar na
casa dos cinquenta anos, ou quase lá.
Quando elas chegam mais perto, a menina sorri para mim e por
alguns minutos, sinto o meu coração parar de bater.
Ela me lembra muito uma pessoa.
Eu retribuo o sorriso, meio bobo e olho para a senhora. Estendo a
mão e ela a segura.
— Sou Nikolai, o tio de Ana.
— Olá, senhor. — A mulher tem um sotaque muito forte. Acho que
é espanhol.
— Evinha, este é o meu titio Niko. Ele é o melhor tio do mundo. —
A menina ri e me olha.
— Então ele é igual ao meu titio. — Ela olha para a babá, que ri do
comentário.
— Sí, mi amor. Como tu tío — a babá responde em sua língua natal,
provavelmente.
— Viu, eu disse que elas falam engraçado.
Os dois adultos da conversa – a babá e eu – rimos.
— Vamos então? — pergunto.
As duas balançam a cabeça e seguimos para o meu carro.
A babá me informa que vai avisar ao motorista que elas irão a outro
lugar antes e eu assinto. Sigo o caminho que a mulher faz e a vejo parar em
frente a uma Land Rover preta, enorme. Um senhor abre a janela e sorri
para ela. Ela diz o que precisa e ele concorda com a cabeça, logo a senhora
volta e seguimos caminho até à sorveteria.
As duas conversam animadamente no banco de trás e Ana tenta
imitar algumas coisas que a amiga diz, mas logo cansa e solta umas
palavras em russo – que provavelmente foram ensinadas pelo seu pai. A
amiga arregala os olhos, mas começa a rir, dizendo que não entendeu nada
do que foi dito.
Na sorveteria, elas se sentam juntas e parece que a conversa não
acaba nunca. Compro sorvetes para todos e elas se lambuzam com o doce.
A babá, Selma – perguntei o seu nome um tempo depois que estávamos no
carro – me contou que se mudaram fazia pouco tempo da Espanha. A mãe
de Eva tinha ficado viúva e decidiu voltar para o Brasil, que é a sua terra
natal, para não ficar longe da família. Preferi não entrar em mais detalhes,
já que senti que estava sendo curioso demais quanto ao assunto.
Terminamos o sorvete e voltamos em direção à escola, que era onde
o motorista estava esperando pela Selma e Eva. Ana se despede da amiga
com um abraço forte e diz:
— Você precisa conhecer a Yelena e a Natasha. Elas são do tio
Niko. — Se vira para mim. — A Eva pode ir para a sua casa no final de
semana, titio?
— Ela precisa ver com a mamãe dela antes. Se ela deixar, tudo
bem...
Ana sorri abertamente e então, pede para que ela fale com a mãe
para deixar. Eva concorda e segue seu caminho com a babá.
Já sentada no seu lugar habitual, Ana vira e fala:
— A mãe da Eva é muito bonita, tio. Combina com o senhor.
Engasgo ao ouvir aquilo e começo a rir de nervoso.
— Como é? Combina comigo?
— Sim... Ela é bonita, o senhor é bonito. Igual mamãe e papai. E se
vocês ficassem juntos, Eva seria a minha prima. — Bate palmas de alegria.
— Eu ia ser tão feliz.
Rio mais uma vez do comentário da minha sobrinha.
— Mas você já é feliz.
— Eu ia ser muito mais feliz.
Olho pelo retrovisor, vendo o sorriso da minha sobrinha e começo a
pensar que talvez, esteja mesmo na hora de virar a página e começar a
seguir em frente com a minha vida.
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por dentro dos próximos lançamentos!

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Primeiramente a Deus!
Quero agradecer a você que chegou ao final do livro. Obrigada
mesmo por me prestigiar desse jeito. Espero ter levado uma ótima
experiência a você com essa leitura.
Quero agradecer a algumas pessoas, então vamos lá.
Mary Ancillotti: Por me fazer a voltar a ler compulsivamente, me
fazendo desejar cada vez mais ter minha própria experiência de autora. E
por ter me cedido um notebook, também. Muito obrigada amiga, por tudo.
Filipe Galvão: Por me emprestar seu notebook enquanto eu não
tinha o meu (hahaha), obrigada também por me dar dicas de vez enquanto,
mesmo você dizendo que não sabe muito bem sobre certos assuntos e muito
obrigada por corrigir meu português, mesmo dizendo que é semianalfabeto
(isso é só uma piada interna, ok). Quero que saiba que eu te considero uma
das pessoas mais inteligentes com quem já convivi. Te amo!
A TODAS as meninas do trabalho que, ou não me deixaram parar
ou sempre comentavam como eu escrevia rápido demais e depois tinha que
mudar tudo porque algumas coisas não faziam muito sentido, ou ficavam
rindo quando eu falava sozinha, me fazendo perguntas e me respondendo ao
mesmo tempo. Muito obrigada mesmo. Vocês foram primordiais para mim.
Devo minha evolução a vocês...
A minha família, que com certeza ficará espantada por eu ter
terminado este livro, já que muitas vezes, deixei de terminar várias outras
coisas por puro desanimo e, ou preguiça. Acho que finalmente encontrei
algo em que sou boa e que tenho total prazer.
Tan, Lilly e Isah, muito obrigada por participarem dessa experiência
comigo. Me sinto muito orgulhosa por ter mulheres como vocês, andando
de mãos dadas junto a mim e realizando o sonho de tantas outras mulheres
maravilhosas.
E por fim e nem menos importante, a mim, acho importante me dar
esse crédito, já que quando comecei, não sabia nem se conseguiria terminar.
Dormi noites e noites pensando em como fazer uma reviravolta e sempre
que conseguia uma, tinha que mudar alguma coisa que já estava escrita. No
final, deu tudo certo. Mesmo eu tendo que mudar alguns capítulos e alguns
nomes durante o caminho. O que importa mesmo, é que foi a melhor
experiência da minha vida escrever este livro – e tantos outros que já tenho
em mente.
Muito obrigada mesmo a todos(as)!
Espero continuar proporcionando ótimas experiências e entregando
ótimas leituras!

[1]
Avô/Vovô
[2]
Babaca.
[3]
Filho da puta.
[4]
Chief Financial Officer – Diretor Financeiro
[5]
Chief Executive Officer – Diretor Executivo
[6]
Carro mais conhecido por ser o veículo do Agente James Bond nas franquias 007
[7]
Menino/Garoto
[8]
Irmão.
[9]
Por favor.
[10]
Menina/Moça.
[11]
Neto.
[12]
Puta que pariu/Caralho/Inferno.
[13]
No literal, significa ‘Migalha de Pão’. É uma forma carinhosa de se referir a uma
mulher baixa.
[14]
Caralho.
[15]
Vamos logo!
[16]
Caralho, Dimitri, que merda!
[17]
Deus.
[18]
Princesa
[19]
Bar que aparece no livro No Lugar e Na Hora Certa, da autora Mary Ancillotti.
[20]
Puta que pariu!
[21]
Porra!
[22]
Eu vou cuidar de você, pequena.
[23]
Filho da puta/Desgraçado
[24]
Já que meus filhos não vão até mim, eu venho até meus filhos.
[25]
Mãe?
[26]
O que você está fazendo aqui?
[27]
Ptichye Moloko, que se traduz em “Leite de Pássaro”, é uma sobremesa russa da era soviética
com camadas de pão de ló, recheio de creme de leite tipo mousse (ou suflê) e ganache de chocolate.

[28]
Arruinar-se ou permanecer em situação de ruína, de decadência; desandar, decair
[29]
Meu amor
[30]
Eu vou matar esse filho da puta!
[31]
Seu amor.
[32]
o Livro de Registro de Transferência de Ações Nominativas tem como objetivo
registrar todas as transferências de ações realizadas, seja por compra e venda, por doação, ou outra
forma de cessão, de forma a mapear o histórico societário da companhia. Dessa forma, vale dizer,
que toda e qualquer transferência de titularidade de ações deve ser registrada neste livro e tal
transferência deverá sempre ser assinada pelo cedente e pelo cessionário da operação, ou seus
legítimos representantes.
[33]
Pirralho.
[34]
Filho
[35]
Graças a Deus
[36]
Princesa

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