Você está na página 1de 142

Copyright © 2023 Giovanna Oliveira

Amor Traçado (Família Collalto | Máfia Italiana | Livro 5)


1ª Edição

Os personagens e acontecimentos retratados neste livro são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, é
mera coincidência e não foi pretendida pelo autor.

Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou armazenada em um sistema de recuperação ou transmitida de qualquer forma
ou por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou outro, sem a permissão expressa por escrito do autor.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei n. 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Todos os direitos desta edição reservados pela autora:

Giovanna Oliveira
Edição Digital / Criado no Brasil

Capa: Giovanna Oliveira


Revisão: Regiane Bevitorio
Diagramação Digital: Giovanna Oliveira
Ilustração: @crislainy_arts
Leitura Beta: Denize Lopes.
SUMÁRIO
Sumário
Sinopse
Aviso
Playlist
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Epílogo
Capítulo Extra
Para Tomás
Agradecimentos
Redes sociais
Sobre a autora
SINOPSE
Carina Bassi acabou vendo uma cena que não deveria. Quando era apenas um bebê recém
nascido, foi abandonada na porta de um orfanato e nunca conheceu o amor de uma família. Para
sobreviver, ela trabalha como dançarina em uma boate. Só que tudo muda quando ela se vê de
frente para um mafioso tatuado, que lhe faz uma proposta e a deixa sem outra opção.
Tomás Collalto nunca imaginou que estaria passando por uma situação como esta. Como se não
bastasse os problemas que vem enfrentando com a doença da mãe, e todos ao seu redor
preocupados com seu comportamento, agora ele tem mais uma coisa com que lidar. Ele se vê
responsável por uma inocente, que acabou estando no lugar errado, na hora errada.
Ela precisa descobrir informações para ajudá-lo.
Ele é um mafioso que quer proteger aqueles que ama.
Eles vão descobrir que não é possível mandar nos próprios sentimentos.
Será que o destino deles já estava traçado?
AVISO
Oii, tudo bem?
Se você chegou aqui de paraquedas, sinta-se à vontade. Prepare-se para conhecer essa
grande família mafiosa e barulhenta. Mas se você já conhece os integrantes do clã Collalto,
prepare os surtos para conhecer novos personagens e revisitar alguns.
(Lembrando que cada livro da série Família Collalto pode ser lido separadamente. No
entanto, você pode receber spoilers dos casais anteriores.)
Antes de começarmos, queria falar sobre uma coisa chatinha, mas que influencia muito a
vida do autor independente: distribuição de PDF. Se você acha que esse assunto é ladainha, nem
perca seu tempo lendo esse livro. Muito tempo, dinheiro e saúde mental foram gastos para essa
história chegar até vocês. Por favor, ajudem a não compartilhar/espalhar arquivos por aí.
Dito isso… Finalmente chegou a vez de Tomás Collalto! Esse mafioso me deu um leve
trabalho, mas amei o resultado final.
Eu escrevi e reescrevi a história desses dois diversas vezes. Para vocês terem ideia, a
Carina seria uma garota virgem e seu passado seria menos caótico… Ainda bem que ela gritou
na minha cabeça que essa não era ela. Vocês vão entender o que quero dizer quando lerem o
livro.
A história pode conter gatilhos como, cenas de violência, morte, sangue, tortura,
sequestro, sexo descritivo, abuso parental, abuso sexual, palavras de baixo calão, consumo de
álcool e drogas ilícitas, e doenças degenerativas.
Caso você não se sinta bem lendo esse tipo de conteúdo, aconselho que não leia essa
história. Se esse não for o seu caso, desejo uma ótima leitura e que você surte bastante, se
emocione e se sinta dentro desse universo que criei.
Por favor, não esqueça de deixar sua avaliação ao concluir a leitura. Isso me ajuda muito!

Beijos e boa leitura!


PLAYLIST
Escute a playlist de
Amor Traçado
que inspirou a autora na escrita
pelo Spotify e tenha uma boa leitura!

Escaneie o QR Code ou
Clique aqui
PRÓLOGO
Sete anos atrás…

A minha vida nunca mais seria a mesma.


Minha mente ainda tentava processar as informações que estavam sendo despejadas em
meu colo nos últimos dias. Tudo isso parecia um maldito pesadelo, mas era a vida real. Pelo
menos, a minha nova realidade.
Meu pai estava morto.
Ele havia sido assassinado em uma emboscada e agora nós estávamos em um galpão
escuro, com as roupas sujas de sangue de alguns dos culpados pela sua partida antecipada.
Lucca, meu irmão mais velho, dá ordens para os soldados e eu fico parado olhando para os três
corpos sem vidas amarrados pelos pulsos.
Eu não me arrependia do que havia feito, mas também não me sentia satisfeito. Acho que
uma parte minha morreu junto com meu pai, porque não me sinto completo. É como se algo
estivesse faltando, tivesse sido arrancado de mim.
Observo a forma como meu irmão comanda os soldados e suas feições não são as
mesmas de um mês atrás. Ele definitivamente não era o mesmo. Afinal, agora meu irmão era o
Capo di tutti Capi[1] da máfia italiana.
Lucca era o irmão que brincava com todos, sempre sorria. Agora ele estava sério, sem
aquele brilho no olhar. E não era para ser diferente, já que a sua vida virou de cabeça para baixo
do dia para a noite.
Na verdade, a de todos nós.
Eu, com meus 17 anos de idade e sem ter completado o meu treinamento, estava
assumindo o posto de Underboss[2] da máfia. Meu irmão precisava de pessoas de confiança ao
seu lado no comando da organização, e eu fui escolhido para assumir o cargo, mesmo sendo
novo e sem experiência.
— Tomás. — Ele me chama e encaro seus olhos azuis.
— Do que precisa? — Pergunto direto, no automático.
Lucca solta um suspiro e coloca a mão no meu ombro.
— Está tarde, Tomás. — Ele parece cansado. — Vamos para casa.
Não discuto, apenas aceito a sua ordem implícita.
Mamma[3] deve estar nos esperando acordada até agora. Dona Giovanna não consegue
dormir sabendo que estamos fora de casa, ainda mais depois que recebeu a trágica notícia da
morte do marido. Não posso culpá-la, mas sei que cedo ou tarde ela terá que aceitar que chegou a
hora dos filhos comandarem os negócios da família.
Andamos em silêncio em direção ao carro e Lucca vai para o banco do motorista. Eu mal
afivelo o cinto, e ele já arranca com a BMW preta. Meu irmão mais velho dirige sem expressar
nenhuma emoção, seu rosto está completamente neutro. Nem parece que acabamos de matar três
pessoas.
Sei que elas mereceram morrer, disso não tenho dúvidas. Mas ainda não consigo deixar
de lado a náusea que sinto ao lembrar de todo aquele sangue. Detesto saber que agora a minha
vida será assim, afinal, sou um Collalto. Desde pequeno eu sabia qual seria o meu destino dentro
da máfia.
— Será que ela ainda vai estar acordada? — Questiono ao meu irmão mais velho, que
não tira os olhos do asfalto.
Não preciso dizer sobre quem estou falando, ele sabe.
— Vamos falar com mamma primeiro, depois vamos no quarto dela. — Lucca responde.
Ele acelera pelas ruas de Palermo e o silêncio volta a imperar dentro do carro. Olho para
as ruas praticamente desertas, já que ainda nem amanheceu. O vento frio do final do inverno
deixa o vidro coberto por insulfilm embaçado.
Entramos na rua que leva até os imensos portões de ferro, que está protegido com uma
quantidade maior de guardas depois dos últimos acontecimentos. Eles reconhecem o carro, meu
irmão faz o sinal com os faróis, e logo nos deixam passar.
Meu irmão não desvia o olhar do caminho, até estar com o carro desligado dentro da
garagem da mansão. Saímos do automóvel e andamos em silêncio até a porta que leva a área de
serviço da casa.
O silêncio é tanto, que consigo escutar o barulho das solas dos nossos sapatos contra o
chão conforme andamos. A parte interna da casa está toda escura, mas já decoramos o caminho
que deve ser feito e não precisamos acender as luzes.
Entramos na sala principal e não me surpreendo ao escutar sua voz.
— Uma mensagem não arranca o dedo de vocês, sabia? — Mamma questiona e acende a
luz do abajur, que fica ao lado da poltrona em que está sentada.
Lucca suspira.
— Não somos mais crianças, mamma. Sabe que agora as coisas serão diferentes.
Dona Giovanna está de braços cruzados e estreita os olhos verdes para meu irmão,
enquanto eu engulo em seco.
— Ainda sou a mais velha aqui, bambino[4]. — Ela alerta em tom autoritário. — Você
pode ser o Capo di tutti Capi agora, mas continua sendo il mio figlio[5].
Percebo que meu irmão fecha as mãos em punho perto do corpo, mas não retruca a nossa
mãe. Ele sabe que ela está certa, por isso não irá dizer nada e ficará em silêncio até chegar no seu
quarto e trancar a porta.
A verdade é que Lucca tem guardado muita coisa dentro de si desde que recebeu a notícia
da morte do nosso pai. Ele se sente culpado e acha que poderia ter feito algo para evitar o pior,
mas todo mundo sabe que isso não seria possível.
Não posso culpá-lo por estar nutrindo tal pensamento, porque eu fiz o mesmo. No
entanto, diferente do meu irmão cabeça-dura, eu aceitei que não teria como mudar os fatos.
Mamma se levanta da poltrona e ajusta o cordão do roupão vinho na cintura.
— Sophia ainda está acordada. — Ela avisa e nos encara. — Durmam bem, bambini.
— Buona notte[6], mamma. — Respondemos juntos.
Ela passa por nós, mas antes não deixa de fazer o sinal da cruz em nossas testas, e
desaparece pelos degraus da escada.
Lucca suspira novamente ao meu lado e passa a mão na testa.
— Andiamo[7], Tomás!
Como sempre, eu obedeço.
Subimos as escadas e seguimos pelo corredor, até estarmos de frente para a porta de
madeira que dá no quarto da nossa irmã. Pela fresta da porta, conseguimos ver que a luz ainda
está acesa.
Lucca gira a maçaneta e, quando entramos no quarto, duas bolas verdes estão vidradas na
nossa direção.
— Vocês voltaram! — Consigo perceber o alívio na sua voz e seu corpo dá uma leve
relaxada.
Sophia está sentada na cama, de pernas cruzadas, com o computador ao seu lado,
passando alguma das suas séries preferidas. Seus cabelos loiros estão presos em uma trança
lateral e ela está vestindo um pijama de ursinho, todo branco e rosa.
— É claro que voltamos, Soph! — Lucca responde com calma, parando de pé ao lado da
cama de casal da nossa irmã. — A gente prometeu que voltaria.
— Eu sei. — Ela responde, com um sorriso triste nos lábios.
— Então, por qual motivo ainda está acordada? — Nosso irmão questiona e eu continuo
parado perto da porta. — Sabe que tem aula amanhã. Daqui a poucas horas, para ser mais exato.
— Fiquei preocupada.
Ela morde os lábios e desvia o olhar para as mãos, que brincam com o tecido do lençol
branco.
Não consigo ficar bravo com ela. Sophia tem só 13 anos e já compreende melhor o que
está acontecendo, quais são as nossas responsabilidades agora que nosso pai se foi. Nossos
outros irmãos ainda são muito pequenos para entender a dimensão das coisas.
— Não precisa se preocupar, Soph. — Falo, atraindo a atenção de ambos. — A gente
sempre vai voltar para casa.
— Mas e se…
— Você não vai se livrar da gente tão cedo, sorellina[8]. — Corto o seu pensamento,
mesmo que um bolo se forme na minha garganta com a simples ideia de um dia não voltar. —
Essa é uma promessa!
— Tomás está certo, Soph. — Lucca pega na mão da nossa irmã, que o encara com os
olhos esverdeados. — Estaremos sempre aqui para proteger você e os nossos irmãos.
E eu sei que nós faríamos o que fosse necessário para nunca descumprirmos essa
promessa.
CAPÍTULO 1
Presente…

— Hoje é seu dia de folga, Cá.


Termino de pentear o meu cabelo de frente para o espelho pregado na parede do meu
quarto, enquanto Thiago resmunga sentado na minha cama.
Meu melhor amigo, e pessoa com quem divido apartamento, não está nem um pouco
feliz com o que estou prestes a fazer. Uma voz no fundo da minha mente também não, mas agora
não tem como voltar atrás.
— Precisamos dessa grana para pagar o aluguel atrasado, gattino[9]. — Suspiro,
colocando a escova em cima da antiga cômoda de madeira, e me virando para encará-lo. — Sabe
que se a gente não pagar até sexta…
— Vão nos colocar para fora. — Meu melhor amigo me encara triste. — É, eu sei.
— Então…
— Mas isso não quer dizer que você precisa vender seu corpo para o diabo, amiga. —
Ele me repreende.
Sabia que havia tomado uma decisão estúpida, em um momento de completo
desespero. Tinha recebido uma mensagem alertando sobre o aluguel atrasado, justamente quando
pisei dentro da boate ontem.
Eu trabalhava quase todas as noites como dançarina na ATOS, uma das boates mais
badaladas de Palermo. No entanto, diferente da grande parte das garotas que trabalhavam ali, eu
apenas dançava. Nunca aceitei ir para a cama com um dos clientes. Bom, eu não tinha aceitado…
Era de conhecimento geral que o amigo do meu chefe sempre me quis. Com apenas um
olhar, ele me deixava totalmente constrangida. O homem tinha uma fama e diziam que ele estava
envolvido com organizações criminosas.
Quando ele fez uma nova proposta para passar uma noite em sua companhia, em um ato
de desespero, eu aceitei.
— Não acho que você deveria fazer isso, Cá.
— Qual opção temos, Thiago? — Questiono e ele solta um suspiro. — Só com
trabalho na boate não estamos conseguindo pagar as despesas como gostaríamos. Não temos
outra opção no momento. Precisamos dessa grana urgentemente!
Assim como eu, ele trabalha na ATOS como barman. Nos últimos meses ele acabou
tendo que ajudar a família, com gastos inesperados em relação à saúde da mãe. Isso acabou
complicando o nosso orçamento.
Ao contrário dele, eu não tenho com quem gastar o pouco do que ganho. Porém,
precisei comprar um celular novo mês passado, o que acabou com as minhas economias.
Não tenho família, cresci em um orfanato em um vilarejo perto da cidade durante toda a
minha vida. Aos dezoito tive que sair e, por um milagre, consegui esse emprego como dançarina
na boate, depois de me candidatar em várias vagas de garçonete e vendedora.
Eu sabia dançar o básico, mas acho que foi o meu rostinho inocente e a imagem que
passo de virgem santa, que conquistaram o dono. Mas isso era só uma idealização mesmo, já que
eu havia perdido a minha virgindade aos 16 anos com um carinha idiota do colégio.
Conheci Thiago no trabalho e logo nos tornamos amigos. Quando ele terminou o
relacionamento de anos com o namorado, me perguntou se eu queria dividir o apartamento com
ele. Sendo assim, aqui estou.
— A culpa é minha. — Ele se joga de costas no colchão velho da minha cama e olha para
o teto. — Sou eu quem deveria dar um jeito nisso!
— Ei, gattino. — Chamo a sua atenção. — Estamos juntos nessa. Ninguém aqui é
culpado, ok? Essa é a nossa oportunidade de conseguir dinheiro rápido. Ponto final.
Ele fica em silêncio e decido terminar de me arrumar.
Aliso o tecido do meu vestido florido e respiro fundo, encarando meu reflexo no espelho.
Indo contra tudo aquilo que visto quando trabalho na boate, optei pela imagem de inocente que
acaba atiçando a curiosidade desses homens mais velhos e obcecados. Porém, por baixo da peça
delicada que cobria meu corpo, há uma cinta liga e um sutiã de renda preto.
Coloquei um tênis, já que optei pelo conforto, fiz uma maquiagem leve e acabei deixando
meu cabelo solto. Peguei um batom rosa na caixinha de maquiagem e passei em meus lábios.
Estava pronta!
Apesar do nervosismo, acho que consigo aguentar algumas horas na companhia do amigo
do meu chefe. Mio Dio[10]! Eu vou me entregar a ele e nem sei o seu nome ao certo, todos o
chamam de Baccari.
Meu celular toca e corro para pegar em cima da cama, antes que Thiago o faça. Sob olhar
atento do meu melhor amigo, desligo o alarme que anuncia que chegou a hora do “show”.
— O que aconteceria se eu te trancasse aqui dentro e só te liberasse quando eu voltasse
de madrugada? — Ele pondera, enquanto eu pego a minha bolsa preta em cima da cômoda.
— Me deseje sorte, gattino.
— Que ele morra antes do ato final! — Thiago brinca e eu lhe repreendo com um olhar
severo, antes de sair pela porta do meu quarto.
Saio do apartamento e peço um carro de aplicativo, colocando o endereço que o meu
cliente enviou mais cedo.
Minhas mãos estão suando, mas tento controlar o nervosismo. Afinal, é só sexo, certo?
Vai dar tudo certo! Vou chegar lá, transar com o cara e conseguir a minha grana para pagar o
aluguel.
Um plano simples.
Meus dedos estão tremendo quando ameaço bater na porta da imensa casa em que
Baccari mora. O carro que me trouxe partiu assim que paguei e estou completamente sozinha em
uma rua deserta, com uma iluminação fraca.
Confesso que estranhei quando liberaram minha passagem na guarita do condomínio,
mas acho que os guardas devem ter sido avisados sobre a minha presença esta noite. Falei meu
nome, mostrei a minha identidade, pegaram o número da placa do carro e nos deixaram passar.
Agora que estou aqui, sinto meu corpo gelar. Achei que ficaria mais tranquila com essa
situação, mas parece que estava tentando enganar o meu cérebro. Respirando fundo, eu tomo
coragem para anunciar a minha chegada.
Basta minha mão tocar na madeira, para a porta abrir lentamente. Sinto os pelos da minha
nuca se arrepiarem, mas decido ignorar e seguir em frente. Respiro fundo novamente e dou
passos cautelosos para dentro da casa.
O silêncio é ensurdecedor e existe um clima pesado no ar, como se algo estivesse errado.
Seguro filme a minha bolsa contra o corpo e continuo andando em direção ao sofá branco ao
centro do cômodo, que está iluminado pela luz da lua que entra pela imensa janela de vidro.
O silêncio é quebrado quando escuto um gemido alto e dou um passo para trás, recuando.
Não era um gemido de prazer, mas sim de dor. O som repete e percebo que vem da direção das
portas duplas de madeira, que ficam no canto esquerdo da sala.
Como a curiosidade fala mais alto, eu decido verificar o que está acontecendo. Caminho
perigoso, deveria ter dado meia volta e fingido que não estive aqui. Quando esse pensamento
surge na minha mente, já é tarde demais para voltar atrás.
— Você está traindo a Famiglia[11]? — Escuto a voz grave saindo pela fresta da porta e
me aproximo para escutar melhor.
— Os Collalto não sabem o que está por vir. — Reconheço a voz que responde.
É Baccari.
Escuto um barulho de soco, seguidos por mais gemidos de dor.
Não consigo me mover. O medo começa a percorrer todo o meu corpo.
A porta se abre um pouco mais e consigo ver o amigo do meu chefe amarrado pelos
pulsos em uma cadeira. Seu rosto está banhado por sangue e a camisa social aberta e suja de
vermelho. Dois homens estão de pé ao seu lado, vestindo roupas pretas. Meus olhos ficam
arregalados ao perceber que ambos estão armados.
Merda!
— Sabe que o dinheiro que está nos devendo é o menor dos seus problemas agora, certo?
— O homem com a voz grave, que ainda não reconheço, volta a questionar.
Baccari cospe sangue no carpete do seu escritório e dá um sorriso debochado.
— Lucca Collalto vai perder o seu posto. Cedo ou tarde, isso vai acontecer.
Basta as palavras saírem dos seus lábios, para o homem que estava quieto, observando
tudo em silêncio, sacar a arma do cós da calça, destravar e acertar duas balas na sua cabeça.
Sangue respinga para todos os lados e os meus batimentos cardíacos aceleram. Em um
momento de impulso, solto um grito e levo a mão aos lábios.
Mio Dio! Acabei de presenciar um assassinato.
Dois pares de olhos escuros me encontram parada perto da porta do escritório e eu prendo
a respiração, porque sei que vão me matar também. Eles estavam falando sobre os Collalto, a
família que comanda a máfia italiana. Lucca Collalto é quem manda em tudo por aqui.
Serei morta, porque presenciei algo que não deveria ter visto.
Quando eles dão o primeiro passo na minha direção, eu faço a única coisa que consigo
pensar no momento: corro! Não olho para trás, pois sei que preciso fugir. Minha sorte é que eles
não atiram, enquanto eu saio o mais rápido que consigo de dentro da casa.
Não tem nenhuma propriedade por perto e sei que o caminho até a guarita é longo, mas
não posso correr o risco de ficar aqui. Se eu parar agora, certeza que não verei a luz do dia de
amanhã.
Corro pela rua deserta e sinto o ar faltando em meus pulmões, enquanto o caminho parece
não ter fim. Por que fui aceitar sua proposta justo agora?
Meu tênis fica agarrado em um buraco no chão da rua e eu faço força para me soltar,
deixando o par do meu sapato para trás. A minha vida é o mais importante no momento, dane-se
que eu precisei parcelar de 6 vezes esse tênis.
Mesmo com medo, olho rapidamente para trás e vejo que os dois homens continuam
me perseguindo, já estão bem mais perto agora. Sei que estou bem próxima a esquina que leva a
rua principal do condomínio, então tento aumentar o meu ritmo. Porém, quando volto a prestar
atenção para o caminho à minha frente, meu corpo vai de encontro com algo.
Ou melhor, alguém.
— Está perdida, garota? — A voz sem um pingo de emoção me faz tremer.
Um homem alto segura meus braços, me mantendo firme para não cair, e me encara
com seus olhos pretos. Ele tem uma cicatriz perto do olho direito e usa roupas escuras, assim
como os outros dois que mataram o amigo do meu chefe.
Fudeu!
— Ela viu tudo, Armani. — Escuto a voz do homem que ameaçava Baccari atrás de
mim. — A garota viu tudo!
Pelo tom da sua voz, ele parece irritado. Olho para os dois homens que estavam me
perseguindo, que passam as mãos pelos fios curtos de cabelo e pelo rosto. No entanto, ao voltar
minha atenção para o que está me segurando, ele me encara em completo silêncio, me
analisando.
Uma lágrima, involuntariamente, escorre pelo meu rosto e minha garganta se fecha. Eu
não posso morrer assim, eu preciso viver!
— Precisamos acabar com qualquer vestígio do que aconteceu aqui. — O outro
homem, que atirou na cabeça de Baccari, complementa.
Meu coração acelera ainda mais e sinto que a minha morte se aproxima.
O tal Armani estreita os olhos na minha direção, antes de erguer o olhar para os outros
dois.
— Não vamos matá-la! — Ele declara e imediatamente sinto um alívio ao escutar suas
palavras. — Vamos levá-la conosco.
O alívio dura pouco.
— O chefe vai nos matar. — Um dos homens reclama.
— Eu resolvo isso. — Armani rebate, apertando mais forte os meus braços e seus
olhos vão de encontro aos meus. — Vamos, garota!
Ele me arrasta pelas ruas e eu só consigo chorar. Começo a revidar, tentando me soltar
de seu aperto. Porém, sei que é uma batalha perdida, antes mesmo de iniciá-la.
Suas mãos fortes em meu corpo são um gatilho para as memórias invadirem a minha
mente com força. Flashes daquela noite me deixam com náusea. Tento afastá-las, mas é em vão.
Eu me obriguei a esquecer, mas parece ser impossível.
Minha vida acabou! Mais uma vez…
CAPÍTULO 2
Eu só queria ter uma noite para esquecer da vida. Me embebedar até perder a noção do
tempo e espaço, encontrar uma mulher que queira o mesmo que eu e me perder em seu corpo
durante a noite, sem me preocupar em ter que ligar na manhã seguinte. Só que meus planos
foram interrompidos.
Minha vida estava perfeita? Claro que não! Na verdade, ela estava um completo caos.
Agora acabei de arrumar mais um problema para a minha cabeça. E a culpa nem foi minha!
— Você tem ideia de que isso… — Respiro fundo, passando a mão pela testa.
— Eu não sabia que tinha alguém na casa, senhor. — O soldado responde com receio e
eu encosto na cadeira.
— Era uma missão simples. — Minha voz sai seca e ele estremece. — Era a porra de
uma missão simples. — Bato na mesa, perdendo o controle.
— Ela surgiu do nada! — Ele tenta se defender, mas sei que são somente desculpas.
Seu dever era verificar se estava tudo limpo antes de agir. Ele, claramente, não fez o que
deveria ser feito.
Já bastam os problemas que estou tendo em casa. Minha mãe está cada vez pior e parece
que ninguém está vendo isso, todos parecem alheios aos sinais. Estão mais preocupados com o
que eu faço ou deixo de fazer.
Tudo parece estar saindo do meu controle e isso me incomoda. Cazzo[12]! Eu detesto
não ter o controle das coisas. Agora tem mais essa. Lucca vai me matar quando descobrir.
Eu tinha um dever, que era fazer com que essas cobranças saíssem certas, sem danos.
Corta para eu tendo que me preocupar com uma garota que não faz parte do nosso mundo e que
acabou vendo coisas demais.
Só pode ser brincadeira!
Suspiro, sem acreditar no que está acontecendo.
— Onde está a garota? — Questiono, sem ter mais paciência.
Preciso resolver isso do meu jeito, as coisas podem piorar se meu irmão ficar sabendo.
Ele anda com o coração mais tranquilo desde que Camilla retornou para a sua vida. Aos
poucos, estou vendo o Lucca voltar ao que era antes da trágica morte do nosso pai, há sete anos
atrás.
— Está comigo. — O soldado responde e eu semicerro meus olhos em sua direção. —
Quer dizer… — Ele coça a nuca. — Ela está no meu carro, dentro da garagem.
Levanto do meu lugar e vou em direção a porta, fazendo o caminho até a garagem do
hotel onde nós marcamos de nos encontrar. O soldado me segue, mas mantém certa distância.
A garagem é grande e, se você tiver um carro popular, pode até se perder. Mas a SUV
preta chama a atenção ao se destacar em meio aos carros pratas. Me aproximo a passos lentos e
vejo um vulto no banco do carona.
Não quero assustar a tal garota, então, tento não fazer nenhum barulho. Escuto uma
movimentação, do que parece ser alguém tentando abrir um carro por dentro, e um sorriso surge
em meus lábios ao imaginar uma garota indefesa tentando arrombar um carro de dentro para
fora.
No entanto, o sorriso morre ao me deparar com uma figura pequena, mas que emana
força. A garota tem o cabelo preto liso, que contrasta com a pele clara.
Nada estava me preparando para os olhos arregalados que me encaram quando percebe a
minha presença. A garota parece engolir em seco e vejo o medo brilhando em seus olhos quando
ela avista o soldado parado atrás de mim.
Ergo a mão e ele me entrega a chave. Abro o carro e a garota não se move nem um
centímetro. Toco na maçaneta e vejo ela estremecer, mas não paro. Abro a porta e analiso melhor
a garota que está na minha frente.
Ela deve ter entre 19 e 21 anos, usa um vestido solto florido e um pé está só com a meia,
sem o tênis. Ela se agarra ao próprio corpo e isso me intriga. Sei o que ela presenciou, as coisas
que ela viu devem tê-la deixado em estado de choque. No entanto… Parece que tem algo mais.
Seus lábios rosados se abrem e sua voz sai baixa, amedrontada.
— Por favor… — Ela quase implora. — Não me… — Ela puxa o ar, tentando manter a
calma. — Não me machuque, por favor!
E basta isso para me fazer quebrar por completo.
— Fica tranquila, bambina. Eu não irei te machucar.
Não me aproximo, pois consigo ver que o medo continua brilhando em seus olhos
castanhos. Ela não pisca e suas mãos tremem.
— O que você viu? — Questiono, tentando fazer com que ela diga o que aconteceu, conte
o que presenciou.
— Eu… Eu juro… — Ela tenta falar, mas um soluço acaba escapando de seus lábios.
Agacho na frente da porta aberta e começo a analisar melhor a garota. Ela está nervosa e
toda hora seu olhar desvia para o soldado que está atrás de mim, o mesmo que a trouxe até aqui.
Espero até ela se acalmar um pouco para continuar com o pequeno interrogatório.
— Já dei a minha palavra que não irei te machucar. — Começo a dizer, tentando utilizar
a voz em um tom mais neutro, para não assustá-la ainda mais. — Mas preciso que responda
algumas perguntas, ok?
Ela assente lentamente com a cabeça.
— O que você estava fazendo naquela casa?
— Eu… — Ela tenta falar, mas a voz falha novamente. Só que, desta vez, ela não desiste.
— Eu fui fazer um trabalho.
Franzo a minha testa, apoiando meu braço nas pernas dobradas.
— Que tipo de trabalho? — Tento compreender.
É um pouco estranho uma garota tão nova estar trabalhando depois das oito da noite de
domingo em uma casa. Ainda mais se tratando da casa de Anthony Baccari.
— Eu aceitei me encontrar com Baccari para… — Ela para de falar e fica em silêncio.
— Para? — Instigo ela a continuar.
— Eu… — Ela não me encara e brinca com a barra do vestido.
Meus olhos caem em suas pernas lisas e, quando ela sobe um pouco o tecido florido,
consigo ver a cinta liga preta.
Engulo em seco.
Cazzo!
— Vou te levar para um lugar seguro. — Aviso, forçando minha voz a sair. Faço um
sinal com as mãos para os soldados que estão em volta, pedindo silenciosamente para se
afastarem. — Prometo que não irei te fazer mal, va bene[13]?
Sei que é uma pergunta idiota para se fazer em uma situação como esta. Porém, seus
olhos castanhos acabam encontrando os meus e ela parece assustada. Demora um pouco, mas
acaba assentindo novamente para mim.
Me levanto devagar, fecho a porta e dou a volta no carro lentamente. Aviso rapidamente
para os homens ali que irei sozinho com a garota, que é para esse assunto não sair daqui. Armani,
o soldado que estava liderando a missão, apenas assente. Sei que vão ficar calados, não irão abrir
a boca para dizer nada a ninguém.
Sento no banco do motorista e olho para o lado, enquanto a garota se encolhe no banco
do carona. Seus olhos estão atentos a cada movimento que faço. Ligo o carro, soltando o freio de
mão, e acelero para sair dessa garagem o mais rápido possível.
— Para onde você está me levando? — Ela questiona com a voz um pouco mais
controlada agora.
— Apenas confie em mim, bambina. — Meus olhos encontram os seus por um breve
momento quando paro no primeiro sinal. — Vou te levar para um local seguro.

Fizemos o caminho todo em completo silêncio.


Minha mente estava tentando entender o que de fato estava acontecendo. Eu tinha uma
mulher dentro do carro e estava levando-a para o meu local secreto. Tudo isso porque uma
simples tarefa deu errado. Agora, eu tinha uma inocente para proteger.
Os soldados não estavam errados em matar Anthony Baccari. Nós já estávamos
desconfiando que ele estava traindo a Famiglia, além dele estar devendo uma bela quantia de
dinheiro para nós. Só que não era para ter testemunhas, e esse foi o maldito problema.
Quando estacionei o carro na garagem do prédio, saí e fui direto abrir a porta para a
garota. Ela hesitou um pouco quando estendi minha mão para ajudá-la, mas acabou aceitando.
Meus olhos caíram em seus braços e identifiquei algumas marcas vermelhas de dedos na
sua pele clara quando estávamos dentro do elevador. Me pergunto se foi algum dos nossos
soldados que fez esse estrago. Essa é outra pergunta, mais uma para a minha lista.
— Andiamo! — Digo, quando o elevador abre as portas no último andar.
A garota, ainda hesitante, me acompanha e percebo que segura forte sua bolsa contra o
corpo, pois os nós dos seus dedos estão brancos
Abro a porta do meu apartamento, que é o único desse andar, e deixo que ela entre
primeiro. Ela não esconde a cara de surpresa ao analisar as paredes brancas e os móveis em tons
de cinza e preto da minha sala.
— Sente-se! — Aponto para o sofá, após trancar a porta e colocar as chaves em cima do
aparador.
Ela faz o que peço, mas seus olhos continuam vasculhando todos os cantos da minha
casa.
— Chegou a hora de você me dar algumas respostas, bambina. — Falo, indo em direção
ao mini bar no canto do cômodo. — Primeiro, qual o seu nome?
— Me chamo Carina. — Ela responde, com a voz mais calma. — Carina Bassi.
O nome combina com ela.
Essa constatação me deixa intrigado, porque nunca fui assim. Desde quando fico
prestando atenção nos nomes das mulheres?
— E com o que você trabalha, Carina? — Torno a perguntar, abrindo uma garrafa e
enchendo uma taça com vinho tinto seco.
— Sou dançarina em uma boate…
— Se é uma dançarina, o que estava fazendo na casa de Baccari esta noite? — Vou direto
na pergunta que ainda não me foi respondida, cortando sua fala. — Você me disse que estava
trabalhando.
— Eu… — Carina começa a ficar nervosa novamente.
— Estava dando um show exclusivo para ele?
A garota olha para o tapete escuro que cobre boa parte do piso de granito. Brinca com o
pé, que não está sem o tênis, desenhando círculos imaginários no chão.
— Precisava de uma grana extra… — Começa a contar em voz baixa. — Ele me fez uma
proposta e eu aceitei.
Analiso a sua postura e percebo que o show provavelmente iria ser além da dança. Não
sou burro, frequento boates desse tipo e sei que muitas dançarinas ganham uma bela quantia de
dinheiro extra para passar a noite com um ou outro cliente.
No entanto, essa garota que está sentada no sofá do meu apartamento, claramente, não
está acostumada com esse tipo de serviço.
— Você iria transar com ele. — Declaro, enquanto ela fica em completo silêncio.
Tomo um tempo para analisá-la melhor.
Definitivamente ela é muito jovem, talvez tenha acabado de completar a maioridade. Isso
me leva a um novo questionamento: o que uma mulher como ela, que ainda se veste como uma
menina, está fazendo trabalhando em uma boate de dança? Ela disse que precisava de dinheiro…
Será que ela está passando por dificuldade? Onde está sua família?
São tantas perguntas que surgem na minha cabeça… Preciso focar!
— Onde você trabalha?
Ela volta a me encarar, com a testa levemente franzida.
— Na ATOS.
— Vittorio Colombo é o dono. — Comento, o que a deixa surpresa. Esse é outro que está
na nossa lista de possíveis traidores. — Conheço o seu chefe, frequento a boate casualmente.
Carina se ajeita no sofá e parece desconfortável.
— Mas eu nunca te vi na ATOS. — Continuo, me aproximando de onde ela está sentada.
— Certamente eu me lembraria.
De fato, eu não esqueceria do seu rosto. Sou ótimo com fisionomias e, vamos combinar,
acho que não iria me esquecer se eu visse essa garota dançando na minha frente.
Nem começa, Tomás!
— Não trabalho todos os dias. — Ela responde.
Sento na poltrona preta, que fica de frente para o sofá, e tomo um gole generoso do
vinho, que desce queimando levemente a minha garganta, por conta do alto teor alcoólico. Os
olhos castanhos da garota me observam atentamente, e percebo que ela parece não ter mais um
pingo de medo de estar comigo.
— Você sabe quem eu sou? — Questiono, curioso para saber sua resposta.
— Sim, você é um Collalto.
Interessante.
— Não tem medo do que eu possa fazer com você? — Indago, estreitando os olhos na
sua direção. — Sabe, o que você viu…
— Seus homens mataram o amigo do meu chefe na minha frente. Sou uma testemunha,
você pode me matar também. — Ela fala rápido, como se precisasse fazê-lo para não perder a
coragem.
— Mas…
— Você não irá fazer isso.
Um sorriso surge em meus lábios com a audácia da garota, que parece completamente
outra pessoa. Antes, estava acuada e com medo. Agora, está mostrando seu lado forte, o mesmo
que vi quando tentava abrir a porta do carro na garagem do hotel.
— Por que? — Inclino o meu corpo para frente, apoiando meus braços nas pernas.
Carina fica em silêncio, apenas fixa seus olhos castanhos nos meus. Eu não consigo
quebrar a conexão, algo nela me atrai.
Cazzo! Acho que estou ficando maluco. Deve ser o soco que levei na cabeça no treino
com Jesse ontem, só pode ser isso!
— Porque eu não confio facilmente nas pessoas… — Ela começa a dizer e eu fico
intrigado com o rumo que essa conversa está tomando. — Mas meu coração está falando que
posso confiar em você.
— Não deveria confiar nas suas emoções.
Carina não desvia o olhar e, para a minha surpresa, ela sorri.
— Eu sei.
CAPÍTULO 3
Existe alguma coisa nesse homem… Não sei explicar.
Seus olhos azuis acinzentados me dizem que ele não irá me machucar, tenho certeza
disso. Vi como ficou afetado ao se deparar comigo dentro do carro, quando implorei por minha
vida. Pedi para que ele não me machucasse e, naquele momento, suas feições mudaram.
Ele é um dos irmãos Collalto, disso eu tenho certeza. A fama da família é conhecida
por toda Palermo. Homens e mulheres de olhos mais claros, cabelos castanhos ou loiros, e todos
muitos bonitos. Neste caso, esse aqui parece até um deus grego.
Decidi confiar nele, mesmo sem saber o seu nome. Talvez tenha sido uma decisão
estúpida, mas prefiro seguir a minha intuição.
— Não vou te matar. — Ele declara com sua voz grave que me faz estremecer.
Mesmo com a confirmação da minha suspeita, não consigo ficar relaxada.
Seus olhos claros desviam dos meus, quando ele se levanta e começa a caminhar pela sala
do apartamento. Isso tá muito fácil… Sei que o certo seria me matar, porque eu posso abrir
minha boca e contar tudo o que vi.
— Mas… — A palavra saí como um sopro da minha boca.
O homem está de costas para mim, balança a taça e o líquido escuro dança de um lado
para o outro.
— Mas… — Ele se vira e tem um sorriso escondido no canto dos lábios. — Isso vai
ter um preço.
Sabia!
Estava claro que somente tinha duas opções aqui: morrer ou entregar minha vida nas
mãos do diabo. Bom, parece que acabei ficando com a segunda opção!
— Qual o preço? — Pergunto, sentindo meu coração quase saltando pela boca.
Ele se aproxima lentamente, apoia a taça em cima da mesa de centro com uma calma
que me deixa ainda mais nervosa, e agacha na minha frente. Prendo a respiração quando ele
ergue a mão e toca no meu queixo. O pequeno contato me deixa arrepiada.
— Você não vai abrir essa sua linda boquinha. — Ele sussurra, olhando rapidamente
para os meus lábios e, involuntariamente, sinto minhas pernas ficarem bambas. — E vai fazer
tudo o que eu mandar.
— O que… O que seria? — Preciso encontrar forças para questionar, mas meus olhos
não conseguem desviar dos seus.
— Você vai me informar tudo o que acontece dentro daquela boate. — Ele continua e
meu coração dispara. — Especialmente, o que seu chefe faz, ou deixa de fazer.
— Quer que eu espione meu patrão? — Pergunto, sentindo minha boca ficar seca.
Que merda eu fui me meter?
— Exatamente, tesoro[14].
Engulo em seco.
Vittorio me deu aquele trabalho quando ninguém queria me contratar. Eu estava
praticamente perdida no mundo, o pouco dinheiro que ganhei quando saí do orfanato já estava
acabando e eu não sabia como iria fazer para sobreviver. Como posso traí-lo desse jeito?
Percebo que os olhos do homem na minha frente estão um pouco mais escuros e intensos.
Sua face está neutra e sinto meu corpo todo tensionar, com medo do que pode acontecer se eu
negar, ou pior…
— E se ele descobrir que estou trabalhando para você? — Questiono, mesmo sabendo
que a resposta não será a melhor.
O desgraçado abre um pequeno sorriso e se levanta, voltando a pegar sua taça.
— É só tomar cuidado para não ser pega. — Responde, despreocupadamente.
— Eu poderia contar para ele tudo o que vi. — Pondero, mas me arrependo do que falei
assim que seus olhos voltaram a encontrar os meus, eles estão em um tom mais sombrio. — Quer
dizer…
— Se você abrir a boca… — Ele estala a língua e passa o dedo lentamente pelo pescoço,
insinuando minha morte.
Meu corpo trava.
Eu sei que ele não está mentindo, faria isso sem pensar duas vezes. Na verdade, poderia
ter feito isso no instante que me viu tentando fugir daquele carro. Não é como se eu estivesse
conversando com um amigo, ele é um mafioso.
Só que tem uma coisa que não faz sentido… Eu sabia dos boatos que Baccari estava
envolvido com coisa pesada, mas Vittorio? Eu nunca o vi fazendo nada que parecesse estranho,
nenhuma movimentação, nada…
— Por que tanto interesse no meu patrão?
O homem vira o resto do conteúdo da taça e me encara. Seu olhar me deixa estremecida e
preciso controlar a minha respiração.
Ele é um homem maravilhoso, não posso negar.
Se eu não soubesse quem ele era, ou de qual família ele fazia parte, provavelmente eu me
jogaria em seus braços por uma noite ou duas. O que posso fazer? Ele usa uma camisa social
escura com alguns botões abertos, que deixam à mostra parte do seu peito tatuado, e uma calça
que envolve perfeitamente as suas pernas musculosas.
Mio Dio! Ele parece ter uma pegada…
Mas ele é totalmente o oposto do que eu quero, mesmo que por uma noite.
Ele trabalha para a máfia.
Ele é a maldita máfia.
— Você não precisa saber o motivo, basta fazer a sua parte.
— Mas…
Não tenho tempo de completar, porque ele já está novamente na minha frente e seu rosto
está a centímetros do meu. Seus dedos pressionam meus lábios, me impedindo de dizer algo, e
sinto sua respiração contra a minha pele.
— Não tem opção, tesoro. — Ele fala com uma calma que me causa arrepios. — Você só
tem uma tarefa a cumprir.
Aceno levemente com a cabeça, mesmo que meu corpo esteja todo tremendo. Aperto
forte a alça da bolsa, o medo volta a me consumir.
Seus olhos ficam fixos nos meus por alguns instantes, como se ele não conseguisse
desviar. No entanto, parece voltar à realidade e se afasta rapidamente, pegando o celular no bolso
da calça jeans.
— Vou pedir para te levarem de volta para a sua casa. — Ele fala, enquanto digita na tela
do aparelho.
— Como… — Respiro fundo. — Como faço para entrar em contato, caso descubra algo?
Ele se vira, colocando o celular de volta no bolso da calça, e cruza os braços. Não
consigo deixar de notar os músculos forçando o tecido da camisa e, para o meu azar, ele percebe
para onde eu estava olhando e sorri.
Merda!
— Faça a sua parte, não se preocupe com o resto. — Ele se aproxima lentamente e fecho
os olhos quando seu rosto fica colado no meu.
Um suspiro escapa por entre meus lábios.
— Eu vou te encontrar, tesoro.

Fecho a porta e tranco tudo, conferindo umas três vezes, antes de escorregar pela
madeira e deixar as lágrimas descerem pelo meu rosto. Finalmente consigo colocar para fora
todo o medo e angústia que senti, porque vi a minha vida em risco. Minhas pernas tremiam,
conforme eu subia cada degrau até o apartamento.
O tal Collalto me acompanhou até a garagem do seu prédio, onde um carro preto com
as janelas cobertas por insulfilm escuro estava me aguardando. Ele disse algo para o motorista,
antes de parar na minha porta ainda aberta e dizer que em breve entraria em contato.
O caminho até em casa foi um completo borrão e meus dedos estavam doendo de tanto
que apertei a alça da minha bolsa durante a noite. O motorista era um senhor de cabelos
grisalhos, que sorriu gentilmente quando me pediu o endereço. Ele parecia inofensivo e vi um
pequeno vislumbre de pena em seu olhar.
Passo a mão pelo rosto, tentando secar um pouco as lágrimas que ainda teimam em
cair. Sei que devo estar uma bagunça, com a maquiagem toda borrada de tanto chorar. Ainda
bem que Thiago ainda não voltou do trabalho, para me ver assim. Com certeza ele ficaria
preocupado e faria perguntas, das quais eu não posso responder.
Preciso manter minha boca calada.
O medo começa a me invadir novamente, mesmo que eu já esteja em casa e, de certo
modo, segura. Será que realmente estou segura? Me obrigo a levantar do chão e caminho
lentamente até o meu quarto, sentindo meu corpo cansado.
Olho para o relógio que fica em cima da cabeceira e vejo que mal passa da uma da
manhã. Flashes dos acontecimentos dessa noite começam a invadir minha mente. Lembro
daquele homem com cicatriz pedindo meu celular e jogando pela janela do carro. Eu ainda nem
tinha pagado a segunda parcela!
Levo as mãos à cabeça e as minhas unhas arranham o couro cabeludo, enquanto as
lágrimas voltam a molhar o meu rosto. Para piorar a minha situação, eu não consegui a grana
que precisava para pagar o aluguel atrasado.
Sexta-feira, eu e Thiago seríamos despejados do nosso apartamento.
— Precisa pensar em algo, Carina! — Sussurro para o nada, com a voz cansada.
Sinto o meu corpo sujo e estremeço quando lembro de todo aquele sangue espalhado
pelo escritório de Baccari, fazendo meu estômago revirar. Corro para o banheiro e vomito,
colocando tudo o que sinto para fora.
Quando termino, limpo a minha boca na pia e volto para o quarto, pegando meu pijama
favorito. Retorno para o banheiro e entro embaixo do chuveiro, esfregando o meu corpo com
força, deixando a minha pele vermelha no processo. É como se eu sentisse o sangue do amigo do
meu chefe escorrendo pelo meu corpo.
Me tornei cúmplice de um assassinato.
Depois do que parecem ser horas, saio do banheiro com o cabelo molhado e meu pijama,
que já está até com buracos de tanto que usei. Vou para o meu quarto e me jogo na minha cama.
Preciso dormir e tentar esquecer o que aconteceu. Talvez, quando acordar, perceba que
tudo que vivi não passou de um sonho.
O problema é que, mesmo com o corpo cansado, minha mente está a milhão. Não consigo
dormir e fico deitada olhando para o teto manchado do meu quarto.
Thiago retorna para casa quando o relógio indica que já são seis da manhã. Ele mexe na
minha porta, mas quando vê que tranquei, escuto seus passos se afastando e a porta do seu quarto
sendo fechada. Provavelmente, meu amigo veio ver como eu estava depois de ter transado com
Baccari.
Mas eu nem cheguei perto disso.
Uma lágrima volta a escorrer pelo meu rosto e abafo o soluço com o travesseiro. Fico me
questionando: por que aceitei sua proposta? Deveria ter mantido a minha resposta de sempre.
Talvez, assim, eu não estivesse nessa posição agora.
Eu estava na mira da máfia italiana.
CAPÍTULO 4
Acordo com a cabeça latejando. Talvez eu tenha exagerado na dose de bebida na noite
passada.
Abro os olhos com dificuldade e olho ao redor do quarto. Com o pouco de luz que
entra pela cortina, acabo encontrando o lençol da cama todo bagunçado, roupas jogadas pelo
chão e garrafas de vinho vazias em cima da mesa de cabeceira. Levo a mão à cabeça, enquanto
me levanto lentamente e sinto o forte cheiro de um perfume adocicado.
Prendo a respiração, porque eu reconheço esse cheiro. Me amaldiçoo por ter cometido
esse erro mais uma vez.
Levanto da cama, apenas vestindo minha cueca boxer preta, e vou até o banheiro.
Passo uma água no rosto e encaro meu reflexo no espelho, não reconhecendo quem eu vejo.
Desde o diagnóstico da minha mãe, eu pareço ter envelhecido uns bons anos, nem parece que só
tenho 24 anos.
Volto para o quarto com os dentes já escovados, pego uma calça de moletom no
armário e saio do cômodo. Desço a escada da cobertura já pensando na dipirona que preciso
tomar, porque a ressaca veio com força.
— A bela adormecida decidiu acordar?
Encaro a dona da voz, que está tranquilamente sentada na bancada da minha cozinha,
com uma xícara de café nas mãos, e veste uma das minhas camisetas. Ela balança as pernas
torneadas no ar e os fios do seu cabelo preto estão presos em um coque frouxo.
Ergo uma sobrancelha, mas seus olhos verdes não se intimidam comigo. Ao contrário,
ela abre um sorriso.
— Já disse que é para ignorar quando eu te ligo de madrugada. — Reclamo, enquanto
caminho até a cafeteira e sirvo um pouco do café que ela fez.
— Impossível te ignorar nesse estado.
Ela fecha os olhos, jogando o pescoço de um lado para o outro, como se estivesse
dolorida. Abro o armário e pego a dipirona dentro da caixa de remédios, ignorando-a por
completo.
Não estou com humor para ficar de papinho logo cedo.
— Sabe onde fica a saída. Não preciso fazer cerimônias, certo? — Questiono, pegando
uma torrada com geléia do seu prato e ela me fuzila com o olhar.
— Sempre um cavalheiro! — Ela é sarcástica.
Caminho para fora da cozinha, retornando para o andar de cima, quando paro na porta.
Sem me virar para encará-la, eu respiro fundo ao lembrar da boa educação que minha mãe me
deu. Ela me mataria se soubesse que estou tratando uma mulher assim.
— Obrigado por ter vindo, Tina.
Não preciso olhar para saber que a morena estampa um sorriso convencido em seus
lábios rosados.
— Ao seu dispor, Tomás!
Subo a escada de dois em dois degraus e meu corpo implora por um pouco de endorfina,
por isso, vou direto para a pequena academia que montei em um dos quartos do segundo andar.
Termino de comer a torrada e coloco a xícara no canto do quarto, indo para o primeiro aparelho.
Enquanto puxo o peso, minha mente viaja para a garota que estava sentada no sofá da
minha sala ontem a noite. Me doeu ter que ameaçá-la. Eu nunca machucaria uma mulher, mesmo
ela tendo visto o que não deveria.
Dentro das nossas regras na máfia, agredir ou cometer algum ato violento contra uma
mulher ou criança é sentença de morte, sem discussão. Além disso, eu vi como ela estava
assustada com tudo o que estava acontecendo. Era uma menina indefesa, totalmente alheia ao
mundo em que vivo.
Ela era linda, parecia um tesouro precioso. Senti uma necessidade absurda de beijar
seus lábios rosados quando os toquei, mas me afastei. Não poderia cometer esse erro.
Saio do aparelho e pego as luvas de boxe no canto da sala, colocando-as, pronto para
dar alguns socos. Todos os dias eu tento evitar fazer isso, mas sempre termino parado de frente
para o saco de areia que fica pendurado no centro do quarto, deixando toda a minha frustração
com a vida sair. Mesmo que o efeito não dure muito, é o suficiente para passar o resto do dia um
pouco mais leve.
Quando já estou esgotado, com o corpo todo molhado de suor, e um pouco mais calmo,
me jogo no chão e encaro o teto. Porém, o meu momento de paz é interrompido quando escuto o
meu celular tocando sem parar no meu quarto.
Me levanto e caminho em direção ao som estridente. Olho rapidamente o relógio de
pulso em cima da cômoda, antes de encarar o aparelho que não para de tocar. Já são quase meio-
dia, mas só depois do treino que minha cabeça começou a funcionar direito.
Pego o celular e fico um pouco apreensivo quando vejo o nome do meu primo na tela.
Ele mora em Nova Iorque, nos Estados Unidos, lá são seis horas a menos que aqui. Ou seja,
ainda é muito cedo, mal amanheceu.
Será que aconteceu algo para ele estar me ligando?
Atendo, antes que a ligação caia e ele ligue novamente.
— Nicolas? — Questiono em alerta, pronto para escutar o que ele tem para dizer.
— Juro que tentei… — Sua voz vai sumindo conforme percebo que alguém está
tirando o celular do seu alcance.
Ele reclama e eu escuto o choro de um dos meus sobrinhos.
Cazzo! Eu deveria ter imaginado.
— Buongiorno[15], Tomás! — Escuto a voz da minha irmã e suspiro.
Me jogo na cama, sem me importar em estar sujando os lençóis com meu suor.
— Agora usa seu marido para conseguir falar comigo, Sophia? — Questiono, olhando
para o teto do quarto. — Você joga sujo.
— Isso é o que acontece quando ignora as minhas ligações, fratellino[16]. — Ela é
irônica. — Sabe que sempre consigo o que quero.
— Princesinha número um. — Falo o apelido pelo qual nosso pai a chamava.
Ficamos em silêncio, ambos perdidos em memórias de quando ele ainda fazia parte da
nossa realidade. Agora, são somente lembranças, fotos e alguns vídeos guardados que nos fazem
não esquecer o seu rosto, a sua voz… E o mesmo está prestes a acontecer com a nossa mãe.
Minhas irmãs mais novas são muito pequenas para ficarem órfãs de pai e mãe. Siena só
tem 12 anos e Gianna está com 8, sendo que elas já nem lembram do nosso pai. A caçula só
tinha 1 ano e 2 meses quando ele morreu naquela emboscada.
Parece que ninguém está pensando nisso, somente eu.
— Pare de pensar demais, Tomás. — Sophia me repreende quando ficamos muito tempo
em silêncio.
— Não deveria estar dormindo a essa hora? — Mudo de assunto.
— Seus sobrinhos estão chatinhos por causa das vacinas que tomaram ontem. — Fala
com a voz doce, que sempre utiliza quando o assunto são os gêmeos.
Nicolas e Sophia estão casados há quase 2 anos. Eles viviam em pé de guerra e, do dia
para a noite, anunciaram que estavam apaixonados e iriam se casar. Nossos pais são primos de
primeiro grau e nossos avós, antigos comandantes da máfia, deram a benção que precisava para a
união acontecer.
Escuto um dos bebês choramingando do outro lado da linha e a voz de Sophia
acalmando-o.
— Vai me dizer o motivo da sua ligação? — Pergunto, quando já não escuto o choro.
— Como se você não soubesse.
Mesmo sem ver, consigo imaginá-la revirando os olhos.
— Por que faltou no almoço ontem? — Ela, finalmente, toca no assunto. — Sabe que
mamma aprecia muito esses momentos em famiglia.
— Eu tinha coisas para fazer.
— Como transar com algum dos seus contatos? Ou vai me dizer que estava
trabalhando? — Debocha. — Não precisa mentir, Tomás. Todo mundo sabe o motivo de você
ter faltado ontem.
— Não vejo você frequentando os almoços todo domingo.
— Talvez porque eu não more mais na Itália!?
Passo a mão pelo rosto, irritado com essa cobrança.
Todo mundo parece que está mais interessado na minha vida do que na doença que mata
Dona Giovanna a cada dia.
— Não sabia que era crime faltar em um simples almoço.
Sophia suspira.
— Sabe o que eu daria para estar ao lado dela nesse momento? — Percebo que sua voz
começa a ceder ao choro. — É muito difícil estar longe e ficar com medo de, a qualquer
momento, receber uma ligação…
Meu coração dói ao escutar as suas palavras e ela solta um soluço do outro lado da linha.
— Tempo é algo preciso, Tomás.
— Não preciso de sermão, Sophia.
— Aproveite a vida, porque nunca saberemos o dia do amanhã. — Fala com a voz de
choro. — Deveria ter aprendido isso há muitos anos.
Sei que ela não vai parar de me importunar, até que eu concorde em ir na mansão da
nossa família. Mesmo que me destrua ver a mulher que me criou com amor e carinho
desaparecendo diante dos meus olhos, sei que minha irmã está certa.
Mamma provavelmente deve estar magoada comigo.
— Vou mandar mensagem para Lucca e avisar que irei jantar lá hoje, ok? — Anuncio,
mesmo que com o coração apertado.
Eu não quero entrar naquela casa.
— Promete? — Ela pergunta em um fio de voz.
— Prometo, Soph.
Depois disso, ela se despede e diz que nos veremos em um mês na casa da família em
Toscana.
Há dois anos voltamos com a tradição de passar um tempo juntos, em família, na casa de
férias de verão que fica nos arredores de Livorno. Era algo comum na nossa infância e
adolescência, mas acabamos deixando de lado depois que meu pai morreu, surpreendendo a
todos.
Decido mandar logo a mensagem para meu irmão mais velho, prevendo que Sophia vai
conferir mais tarde se eu cumpri com o prometido. Lucca nem responde direito, só me envia um
“ok”.
Talvez mamma não seja a única pessoa que está brava comigo.

Passei o dia trabalhando de casa. Sabia que poderia resolver as coisas pelo computador
e decidi pedir meu almoço no restaurante caseiro que fica há duas quadras daqui. Como sempre,
a comida estava divina.
Agora, quando o relógio já marcava as seis da tarde, o sol já estava menos intenso. Releio
mais uma vez o documento que precisava revisar, antes de mandar para o meu irmão assinar. Era
a terceira tentativa, porque eu não estava conseguindo manter o foco hoje.
Toda hora a minha mente passeava para uma menina inocente de pele clara e cabelos
pretos. Tudo o que ela me disse na noite anterior ficava martelando na minha mente e me lembrei
de quando ela disse o motivo de estar na casa de Baccari, algo sobre precisar de dinheiro extra.
Sinto uma pontada de preocupação e, mesmo que esse sentimento com uma pessoa
estranha seja novo para mim, decido agir. Pego meu celular em cima da mesa e busco nos
contatos o nome de Michela.
Apesar dela evitar fazer esse tipo de trabalho, sei que posso confiar nela. A loira é amiga
de Sophia e cresceu com a gente, já que sua mãe é a cozinheira da mansão. Nós a consideramos
parte da família. Além disso, atualmente ela estava namorando o chefe dos soldados do meu
irmão, e meu melhor amigo, Jesse.
— Ciao[17], Tomás. — Ela atende no segundo toque. — Não me diga que está me ligando
para dizer que não vem… Já cansei de dar desculpas por você.
— Ótimo falar com você também, Mi. — Sou sarcástico e ela ri. — Fica tranquila,
ainda vou jantar na mansão hoje.
— Meno male[18]! — Imagino ela erguendo a mão para o alto. — Então, qual o motivo
para receber essa ilustre ligação?
— Preciso de ajuda com uma coisa. — Começo a dizer, girando uma caneta entre
meus dedos. — Mas preciso de total descrição sobre o assunto.
— Tomás…
— Juro que não é nada muito sério, mas preciso que você utilize seus talentos
adormecidos.
Michela suspira.
Sei que na época que entrou na faculdade, ela decidiu parar de mexer com isso. No
entanto, também sei que ela é muito boa para descobrir informações ocultas.
— Do que precisa? — Por fim, ela se rende.
— Que você encontre tudo sobre uma pessoa para mim.
— Qual o nome?
— Carina Bassi.
Escuto sua risada leve e já sei que ela vem seguida de um comentário engraçadinho.
— Nova perseguidora? — Ela brinca, sabendo que já tiveram algumas garotas
obcecadas por mim uma vez.
Várias mulheres querem se casar com o Underboss da máfia, ainda mais se o
sobrenome for Collalto.
— Não.
Minha resposta curta serve de indicativo para que ela não prossiga com a brincadeira.
Só que ela também serve para criar um alerta na mente da menina que cresceu junto comigo.
— Devo me preocupar com as suas intenções com essa garota, Tomás?
— Só encontre respostas sobre ela.
Michela fica em silêncio por algum tempo e penso se ela vai desistir de me ajudar a
encontrar informações sobre a morena. Acabo deixando a caneta que estava passando entre meus
dedos cair no chão. Cazzo!
— Va bene[19]! — Michela suspira. — Vou te passar tudo o que eu conseguir sobre ela
até quarta, ok?
— Grazie[20], Mi! — Sabia que poderia contar com a ajuda dela. — Por favor, não diga
nada sobre isso com ninguém.
— Ok! — Ela concorda com meu pedido e não duvido que cumprirá com isso. — Te vejo
daqui a pouco.
Desfaço a ligação depois que me despeço dela.
Agora é só esperar até ter todas as informações sobre Carina na minha mesa.
Por que estou tão interessado na vida dela?
CAPÍTULO 5
Ontem eu consegui dormir quando já eram quase sete horas da manhã e acordei
quando o relógio marcava quase três da tarde. Passei o resto do dia praticamente trancada no
meu quarto, calada. Minha sorte era que, apesar de ser seu dia de folga no trabalho, Thiago tinha
um encontro e voltou pra casa no início da madrugada, nem reclamou sobre eu não ter almoçado
com ele.
Só que hoje já era terça-feira, o que significava que deveria enfrentar meu amigo e
também teria que ir trabalhar. Minhas folgas eram domingo e segunda, às vezes conseguia ser
liberada em algumas quartas.
Depois de levantar e me arrumar com a menor pressa do mundo, abri a porta do meu
quarto. Tinha colocado um short jeans desfiado e uma camisa cropped vermelha, prendendo meu
cabelo em um rabo frouxo, pois sabia que iria passar a minha manhã faxinando.
Não me surpreendi quando encontrei Thiago com o cabelo castanho bagunçado, vestindo
seu pijama colorido, com uma xícara de café, sentado no sofá marrom da sala. Seus olhos
estavam semicerrados na minha direção.
— Buongiorno, signora[21] Carina. — Fala com certa ironia.
— Buongiorno, gattino.
Caminho lentamente em direção a cozinha, tentando agir normalmente. O único
problema era que, desde a noite de domingo, nada na minha minha vida seria normal.
— Vai ficar fugindo de mim? — Meu amigo questiona, seguindo os meus passos.
— Estou indo pegar uma xícara de café, só isso. — Tento manter a minha voz calma.
Minhas mãos começam a suar e eu fico repetindo na minha cabeça que não posso
vacilar. Preciso manter a minha boca fechada sobre os acontecimentos daquela noite.
Pego minha xícara no armário e sirvo uma quantidade generosa do café que meu amigo
fez. Tomo o primeiro gole da bebida quente e o simples gosto da cafeína já me deixa um pouco
mais calma.
— Você vai me fazer morrer de curiosidade? É esse o seu plano? — Thiago reclama,
fazendo drama, e me viro na sua direção.
Melhor terminar logo com o suspense.
— Eu não fui.
O silêncio toma conta do pequeno apartamento assim que as palavras saem dos meus
lábios e meu amigo me encara de boca aberta. Essa foi a única mentira que consegui inventar,
para não ter que dizer a verdade.
Eu havia presenciado um assassinato. Era isso que eu queria gritar, tirar um pouco o
peso dos meus ombros, mas não poderia fazer isso.
No fundo, sabia que poderia contar tudo o que aconteceu para ele. Não me julgaria e me
ajudaria no que fosse possível. Só que tenho medo do tal Collalto descobrir e acabar não só com
a minha vida, como com a do meu melhor amigo também.
— Como assim você não foi? — Ele me olha, incrédulo. — Você saiu daqui decidida a
dar para o velho.
Ok, ele nem era tão velho assim. Baccari deveria estar na faixa dos 40.
Volto a ficar de costas para ele, porque tenho certeza que não conseguiria continuar a
minha mentira olhando em seus olhos cor de âmbar.
— Eu estava no caminho, mas percebi que não valeria a pena me entregar a um homem
por dinheiro. — Era uma mentira descarada, no entanto, eu realmente tinha esse pensamento
antes do desespero tomar conta de mim e cometer o crime de aceitar a proposta do homem. —
Não sou esse tipo de garota.
— Baccari não veio atrás de você? Não te ligou?
— Não sei. — Dou de ombros, tentando mostrar indiferença. — Joguei meu celular no
lixo quando estava voltando para casa.
Outra mentira.
Escuto o som de surpresa saindo dos lábios do meu amigo.
Fico orgulhosa por estar conseguindo manter a voz calma, mesmo que minhas mãos
estejam um pouco trêmulas. Treinei muito essa história na frente do espelho do banheiro na noite
passada, enquanto Thiago estava fora.
— É sério isso? — Ele coloca as mãos nos meus braços e gira o meu corpo, me
colocando de frente para ele. — Me fala que você não fez isso!
Olho para o chão, sem conseguir evitar sentir um leve aperto no peito. Detesto estar
mentindo para a única pessoa que considero família, a pessoa que me acolheu quando eu
precisava de um amigo.
— Eu não tinha outra opção. — Sussurro.
Era essa a minha situação, realmente não tinha outra opção. Era mentir ou morrer.
Thiago me abraça forte e faz carinho nas minhas costas, enquanto sinto uma lágrima
escorrendo pelo meu rosto.
— Estou orgulhoso de você. — Ele fala e eu engulo em seco. — Seguiu o seu coração
e não caiu na tentação do dinheiro fácil.
Outra lágrima cai e mordo os lábios para não abrir a boca de choro.
— Não se preocupe com o aluguel, ok? — Ele beija a minha cabeça, já que é um pouco
mais alto, e se afasta para olhar nos meus olhos. — Vamos dar um jeito nisso.
Não consigo evitar o soluço que escapa por entre meus lábios.
Eu sou uma péssima amiga.
Chego na ATOS faltando uma hora para abrir. Sempre tento chegar mais cedo, porque
assim consigo me preparar com calma, ajudar em alguma coisa que esteja faltando e conversar
um pouco com as meninas que trabalham comigo.
Thiago não veio junto, porque se atrasou e ainda precisava tomar banho. Deixei ele em
casa e comecei a minha caminhada até a boate. Minha sorte era que o apartamento não ficava
muito distante, então, dava uns 15 minutos andando.
Entrei no beco, onde fica a entrada dos funcionários, digitei minha senha e passei pela
porta. As luzes ainda estavam acesas, mas já dava para perceber a movimentação dos
funcionários pelo salão.
Sabia que assim que as luzes fossem apagadas, o ar do ambiente mudaria. Era sempre
assim. Ficava tudo escuro, com alguns pontos de luz bem fracos, vários homens sentados nas
mesas, bebendo, usando drogas, e observando enquanto as mulheres dançavam nos postes de
pole dance ou faziam uma apresentação no palco.
— Carina! — Escuto alguém me chamando.
Olho em direção ao bar no canto do salão, e encontro um homem de terno, barba e cabelo
raspado, fazendo sinal para que eu me aproxime. Demorou um pouco, mas o reconheci como um
dos seguranças que controla a entrada do público. Estranho, porque mal troquei algumas palavras
com ele desde que começou a trabalhar aqui há uns dois meses.
Caminho lentamente em sua direção, curiosa para saber o que ele quer comigo. Deveria
parar de ser assim, porque agora estou nas mãos da máfia por conta da minha curiosidade.
— Querendo falar comigo? — Questiono, parando na sua frente.
O homem nem me olha direito, apenas acena com a cabeça. Vejo ele pegando um
embrulho pequeno na banqueta ao seu lado e me entregando em seguida.
— O que é isso? — Questiono.
— Não sei. — Responde, com certo desinteresse. — Um homem passou aqui na porta há
alguns minutos atrás, quando eu estava chegando, e pediu para te entregar.
Dou um fraco sorriso em agradecimento, mas o homem nem liga. Seguro o embrulho em
minhas mãos e sigo para o camarim das dançarinas, pois preciso começar a me arrumar para esta
noite.
O espaço fica em um corredor atrás do palco e possui uma área exclusiva para as 12
dançarinas que trabalham aqui. Cada uma tem uma penteadeira, recheada de maquiagem, e uma
arara com roupas. Vittorio sempre está nos mimando com peças novas e, assim que entro no
cômodo, percebo que algumas já estão com o novo figurino azul petróleo.
Como a curiosidade fala mais alto, corro para sentar na cadeira de frente para a minha
penteadeira, e pego a caixa, abrindo-a com cuidado. Levo um susto quando vejo que dentro dela
tem um aparelho celular de última geração. Mio Dio!
— Deixou cair, Cá! — Ravena me entrega um envelope pequeno.
A ruiva trabalha na ATOS há uns três anos e foi minha mentora quando comecei aqui.
Ela pisca para mim e se afasta quando outra dançarina a chama na porta do camarim.
Abro o envelope com as mãos tremendo e leio atentamente o que está escrito.

“Achei que fosse precisar.


Considere um presente, tesoro.”
Meus olhos ficam passando pelas palavras escritas a mão, enquanto minha respiração
fica descompensada. Tesoro… Foi assim que ele me chamou naquela noite.
Pego o aparelho com as minhas mãos trêmulas e aperto o botão para ligar. Não demora
para a tela brilhar e mostrar que tem uma mensagem. Mesmo com o medo tomando conta do
meu corpo novamente, aperto para ler.

Desconhecido: “Tome cuidado para não ser pega.”


Era ele.
Fecho os olhos, tentando engolir o choro que está preso na garganta. Preciso fazer um
esforço enorme para não atrair atenção das outras meninas que estão se arrumando no camarim.
Respiro fundo repetidas vezes, até sentir que estou minimamente mais calma. Abro na
lista de contatos e percebo que, de alguma forma, os dados salvos no meu antigo celular estão ali.
Confiro o meu número, e me surpreendo ao me dar conta de que é o mesmo. Fico me
questionando como conseguiu isso, mas depois me lembro que para ele deve ser fácil conseguir
esse tipo de coisa.
O início de uma gritaria me faz erguer a cabeça, deixando de lado meus pensamentos, e
olho para a porta do camarim. Todas ficamos atentas, escutando a voz que reconheço ser de
Vittorio, brigando com alguém. Arregalo os olhos, porque nunca tinha escutado ele tão irritado, e
olha que eu já trabalho há um ano aqui.
— O que será que aconteceu para o chefe estar assim? — Uma das mulheres pergunta,
terminando de trançar o cabelo.
Começa um burburinho de teorias, que rapidamente é interrompido quando uma voz fina
se sobrepõe às demais.
— Não querem irritar Vittorio hoje, ou querem? — Cristina questiona, sentada de frente
para o espelho, enquanto termina de passar o batom vermelho nos lábios.
Ela é uma mulher bonita, de 26 anos, com cabelos longos e pretos, olhos esverdeados e
pele bronzeada. A dançarina trabalha na boate há quase 10 anos e todos os homens que passam
por aqui a desejam. Ela tira proveito disso dormindo com alguns deles, sempre tentando fisgar os
que possuem mais dinheiro, com o plano de fazer com que eles se apaixonem por ela.
— Você sabe o que aconteceu? — A novata, que começou na semana passada, indaga.
— Óbvio que sei. — A morena responde, com um sorriso vitorioso no rosto.
Cristina é a preferida de Vittorio, a única que o pode chamar pelo nome. O motivo é
simples: ela sempre está disponível para atender os seus desejos. Todo mundo sabia que ele era
completamente apaixonado por ela, mas a verdade, era que ela só estava interessada no valor alto
que caia em sua conta no final do mês.
— Abre a boca logo, Cristina! — Outra mulher pede.
— Sabem aquele amigo do Vittorio? — Ela começa perguntando, rodando a cadeira na
nossa direção. — Baccari, o que sempre fica babando nas danças da Carina?
Meu corpo gela na mesma hora. Sinto que algumas estão olhando para mim, como se
estivessem buscando algum tipo de reação minha. Cristina tem um sorriso no rosto, me
analisando por completo.
— O que tem ele? — Ravena questiona, parada na porta.
— Foi encontrado morto dentro de casa.
Todas ficaram surpresas com a revelação. Algumas levam as mãos aos lábios, outras
ficam com os olhos arregalados. Enquanto isso, eu começo a entrar em pânico.
Será que alguém sabe que eu estive lá? A única pessoa que sabia o que eu iria fazer
naquela noite era Thiago. Porém, eu dei meu documento na guarita do seu condomínio, podem
vir atrás de mim para me interrogar. Mio Dio! Não tinha parado para pensar nisso.
Prendo a respiração.
— Sabem quem o matou? — Ravena questiona.
— Não. — Cristina responde. — Mas Vittorio está empenhado em descobrir. Acho que
ele tem suas suspeitas.
Passo as minhas mãos na calça jeans que ainda estou usando, na falha tentativa de secar
as minhas palmas, que não param de suar. As meninas continuam fofocando sobre o que Cristina
acabou de contar, mas minha mente está em outro lugar.
Meu chefe quer descobrir quem é o culpado.
Eu estou envolvida no assassinato.
CAPÍTULO 6
Michela tinha cumprido com sua promessa e semana passada me entregou o relatório
com as informações sobre Carina. Confesso que me surpreendi com as coisas que li nos arquivos
que me enviou.
Ao longo da última semana, troquei poucas mensagens com a dançarina da ATOS. Eu
perguntava se tinha alguma novidade para mim, ela respondia que não. Isso já estava começando
a me irritar. A única vez que recebi uma resposta diferente, foi quando ela tomou a iniciativa de
me enviar uma mensagem contando que Vittorio estava empenhado em encontrar o assassino do
seu amigo.
Provavelmente deveria estar tremendo de medo, coitada.
Entro no escritório, que fica dentro do clube que pertence a nossa família. Lucca está
sentado na cadeira atrás da mesa e ergue o olhar quando escuta a movimentação. Seus olhos
azuis estão neutros e ele não esboça nenhuma reação em seu rosto quando me vê.
Meu irmão está puto comigo.
Mesmo depois de ter comparecido ao jantar naquele dia e não ter faltado ao último
almoço de domingo, ele continua bravo. Sei que não é só por causa disso, porque há um tempo
ele já reclama do meu - segundo ele - mau comportamento.
— Mandou me chamar? — Questiono, me jogando no sofá que fica no canto da parede
do escritório.
Ele solta o ar pesadamente e encosta na cadeira, sem desviar seus olhos dos meus.
— Vai me dizer o que está escondendo? — Ele questiona, sem fazer muita cerimônia.
— E não adianta mentir, Tomás. Sei que está me escondendo algo.
— Posso saber como chegou a essa conclusão? — Tento ganhar tempo.
Desde que descobriu sobre a morte de Anthony Baccari, meu irmão está com certa
desconfiança em relação a mim. Não posso dizer que ele está errado, porque não contei sobre
Carina. Quando ele me perguntou como tudo aconteceu naquela noite, usando o tom autoritário
de Capo di tutti Capi, eu dei a versão clássica.
Mandei os soldados cobrarem o cara que estava nos devendo.
Ele não tinha o dinheiro e ainda confessou estar traindo a Famiglia.
Mataram o homem.
Fim.
— Então, por que estava de conversinha com Michela outro dia? — Franzo a testa, pois
não faço ideia do que ele está falando. — Não tente negar, escutei o seu nome e a palavra
“documentos restritos” na mesma frase, quando estava em uma ligação.
Engulo em seco.
Cazzo! Ele deve ter visto a loira falando comigo anteontem sobre os documentos que ela
não conseguiu no orfanato que Carina cresceu.
Essa foi uma das informações que mais mexeram comigo, porque cresci no meio de uma
família cheia e barulhenta. Deve ser muito solitário crescer sem uma família ao seu lado, para dar
apoio quando necessário. Mesmo que se tenha amigos leais, no fundo, não é a mesma coisa.
— Juro que não sei do que se trata… — Faço a minha melhor cara de desentendido.
Lucca ergue uma sobrancelha e cruza os braços, me encarando sério.
— Sem mentiras. — Ele reforça. — Lembre-se de que é o segundo em comando nessa
organização. Escolhi você para o cargo, pois precisava de uma pessoa de extrema confiança na
posição.
Puta que pariu! Ele sempre reclama de Sophia, mas é outro que sabe tirar as informações
das pessoas quando quer saber algo. Usou o argumento mais baixo para me fazer abrir a boca,
pois sabe que fiquei contente quando me chamou para o cargo que era de zio[22] Filippo, melhor
amigo do nosso pai e meu mentor.
Eu sei que ele está certo. Deveria ter contado toda a história desde o início, mas…
— Então? — Ele aguarda uma resposta.
Respiro fundo, derrotado.
— Tem uma testemunha. — Confesso.
Meu irmão, pela primeira vez desde que entrei neste cômodo, expressou uma reação.
Seus olhos estão arregalados e ele fica com os lábios entreabertos, surpreso com a minha
revelação.
Ajeito a minha postura, porque sei que a partir de agora, o clima vai ficar mais sério.
Lucca detesta ser pego de surpresa quando o assunto envolve o nosso trabalho.
— Me diz que você não me escondeu uma coisa dessas, Tomás!? — O leve tom de raiva
já é perceptível na sua voz.
— Gostaria de estar me desculpando, mas não vou fazer isso. — Declaro.
O tom de azul em seus olhos está mais escuro agora. Seu lado “chefe da porra toda” tá
tomando conta do seu corpo e já prevejo o esporro que vou receber.
— Você pirou por acaso? Mio Dio! — Ele se levanta, empurrando a cadeira para trás e
começa a andar de um lado para o outro. — Cazzo! Como pode me esconder uma informação
dessas?
— Não se preocupe, ela não vai falar nada.
— Ela? — Ele me encara. — É uma mulher?
Fico em silêncio e aceno com a cabeça.
Lucca passa a mão pelos fios de cabelo loiro e respira irritado.
Eu queria resolver as coisas do meu jeito, descobrir se Vittorio Colombo estava realmente
nos traindo. Carina era a minha espiã, me contaria todas as informações sobre seu chefe. Só que,
até o momento, meu plano não tinha tido resultado.
— Não acredito que não me contou.
— Lucca, eu só… — Tento me explicar.
— Zitto[23]! Não sei se quero escutar as suas desculpas agora. Acho que já passou o seu
prazo para argumentar sobre o caso. — Ele me encara sério e me sinto uma criança que está
recebendo uma bronca. — Quero os arquivos que Michela te enviou. Agora!
— Deixa eu explicar primeiro! — Me levanto.
— Será que vale a pena gastar o meu tempo escutando suas explicações? — Ele pondera,
cruzando os braços na frente do corpo novamente. — Você é o meu Underboss, Tomás. Achei
que poderia confiar em você de olhos fechados.
— Mas você pode! — Rebato, sentindo o olhar decepcionado que me direciona. — Juro
que tem uma explicação.
Lucca fica em silêncio por alguns segundos, mas que para mim, parece ser uma
eternidade.
— Va bene! Você pode começar a se explicar.
Meu irmão encosta na mesa de madeira e me escuta pelos próximos minutos.
Explico para ele como tudo aconteceu de fato naquela noite, contando sobre quando
Armani apareceu com a garota e a entregou a mim. Compartilho algumas das informações que
Michela conseguiu sobre Carina, mas só o básico: idade, o que faz, onde mora, ficha criminal.
Por fim, falo sobre a ideia que eu tive de usar a garota para ser a espiã que conseguiria as
informações a respeito de Vittorio.
Durante todo o meu falatório, Lucca me escuta com o semblante neutro. Ele apenas
concorda com a cabeça quando eu digo que, apesar de ter ameaçado a jovem, sabia que não a
mataríamos.
— Sente que ela pode ser confiável? — Ele questiona quando termino de falar. — Já se
passou mais de uma semana desde a morte de Baccari e ela ainda não conseguiu nada. Como
pode saber que ela não está jogando com você?
— Não sei explicar, Lucca. — Volto a me sentar no sofá e encaro meu irmão nos olhos.
— Mas tenho a sensação de que ela não mentiria para mim. Estava muito assustada quando me
viu, além dela ter me reconhecido como um Collalto.
— Sabe que já temos uma pessoa infiltrada lá dentro, certo?
— Sim, eu sei. Mas, talvez, Carina consiga a confiança de Vittorio com maior facilidade.
Afinal, ela já trabalha há mais de um ano para ele.
Lucca apoia as mãos no tampo da mesa, respira fundo e olha para o teto do escritório.
Espero que ele me entenda. Não é como se eu tivesse cometido um crime.
Meu irmão sempre foi uma inspiração para mim. Sendo 5 anos mais velho, Lucca sempre
me colocou debaixo das suas asas e me ensinou várias coisas. Lembro de nós dois no armazém
com nosso pai quando éramos mais novos. Quando aprendi a atirar, ele estava do meu lado,
incentivando a manter o foco para conseguir acertar o primeiro alvo.
Não consigo lidar muito bem com seu olhar decepcionado, mesmo sabendo que já vinha
recebendo há um tempo. Quando o assunto são minhas ações como indivíduo, eu consigo
aguentar, mas sobre minha lealdade a Famiglia e a ele, não.
— Confio no seu julgamento, fratellino. — Sinto meu corpo relaxar. — Só espero que
essa garota consiga as provas, para irmos atrás de Colombo o quanto antes.
— Vou entrar em contato com ela hoje, averiguando se já tem alguma novidade.
Lucca assente.
— Era só isso? — Questiono.
— Preciso que vá em um evento empresarial hoje a noite. — Ele informa, voltando a se
sentar na sua cadeira de couro.
— Achei que você iria com Camilla.
Detestava ter que representar meu irmão nos eventos empresariais.
Além do clube, a nossa família também possuía uma pequena empresa de construção. A
gente quase não frequentava o escritório, porque só vamos nas reuniões mensais, ou quando
surge algum problema. Michela faz estágio na parte administrativa e nos passa todas as
informações necessárias, além do nosso funcionário de extrema confiança que comanda tudo.
— Ela acordou hoje passando mal e eu vou ter que ficar em casa, ajudar com as meninas.
Ok, essa foi a pior desculpa que ele inventou.
A casa estava cheia de funcionários qualificados para cuidar das nossas irmãs e da minha
sobrinha. Além disso, tem a senhora Greco, governanta que está naquela casa desde que me
entendo por gente.
Lucca não vai admitir, mas, assim como eu, meu irmão detesta esses eventos
empresariais. Camilla passar mal foi a desculpa perfeita para fugir e jogar a responsabilidade em
cima de mim. Só não vou reclamar, porque ele acabou de me dar uma bronca por ter omitido
sobre Carina.
— Mais um Collalto vindo para o mundo? — Brinco.
— Talvez.
Meus olhos se arregalam e minha boca abre.
— Tá falando sério?
— Você não vai abrir essa boca para ninguém, está me escutando? — Ele ergue o dedo.
— Camilla está esperando o resultado do exame de sangue que fez agora a tarde sair para termos
certeza.
— Caralho! — Não consigo evitar o sorriso.
Ficamos conversando por mais um tempo e Lucca aproveita para, mais uma vez, fazer a
minha cabeça, pedindo para que eu volte a morar na mansão da família. Como sempre, nego o
seu pedido. Não consigo passar algumas horas naquela casa, imagina estar ali todos os dias,
assistindo minha mãe se despedir do mundo.
Impossível.
Me levanto para ir embora, porque já está ficando tarde e preciso me preparar para a
porcaria do evento. Quando coloco minha mão na maçaneta para abrir a porta, meu irmão me
chama.
— Ainda vou querer os arquivos sobre a garota. — Informa.
Reviro meus olhos, de costas para ele. Achei que tivesse esquecido, depois de ter
explicado tudo.
— Vão estar no seu e-mail assim que eu chegar em casa, não se preocupe.
— Tomás. — Chama minha atenção e me viro para olhá-lo. — Não quero que minta para
mim novamente. Fui claro?
— Sim, Capo di tutti Capi.
Saio do clube, pego meu celular no bolso e envio uma mensagem para a garota que,
desde o nosso primeiro encontro, cisma em ficar na minha mente. Um sentimento estranho
preenche meu peito toda vez que penso nela, ou na sua cara assustada.
Eu: “Espero que tenha conseguido algo para mim, tesoro.”
CAPÍTULO 7
Fico relendo a mensagem que ele me mandou.
Não é possível que isso esteja acontecendo comigo.
Um mafioso está me cobrando respostas, só que eu ainda não as tenho.
— Preparada para hoje, Cá?
Levo um susto quando Ravena senta na cadeira ao meu lado. Guardo o celular dentro da
minha bolsa e forço um sorriso.
— Deveria ter me preparado? — Brinco, encarando a ruiva.
— Hoje é um daqueles dias. — Ela bufa, revirando os olhos.
Meu corpo todo se arrepia com a sua fala, pois se minha mentora está falando isso… É
porque hoje é dia de despedida de solteiro na plateia. Esse, com certeza, está entre o top 3 piores
dias para se trabalhar na boate.
Não me importo de dançar para o público, em sua maioria composto por homens. Já
aprendi a colocar de lado minhas emoções quando piso no palco, deixando somente a minha arte
me guiar.
Sim, dançar é uma arte!
Só que quando tem esse tipo de comemoração, as coisas tendem a sair um pouco do
controle. Homens bêbados, sem nenhum pingo de noção no corpo, praticamente babando nas
dançarinas. Alguns tentam passar as mãos no nosso corpo, e essa é a parte que mais mexe
comigo. Toque deveria ser com consentimento. Não se deve encostar no corpo de outra pessoa
sem ter a permissão necessária.
Normalmente, os seguranças ficam mais atentos quando percebem as movimentações
estranhas. Vittorio é bem rígido com quem mexe com as “suas meninas”, como ele costuma
dizer. Só libera o contato quando existe dinheiro envolvido.
— Mio Dio! — A novata entra no camarim, depois de ter feito o primeiro ato da noite. —
Tô até com calor depois dessa.
— Muito homem gato? — Uma outra dançarina questiona, com um sorriso malicioso nos
lábios.
— Gato!? Aqueles ali deveriam ser proibidos de frequentar um ambiente assim. Quase
perdi meu foco na dança com tanta beleza. — Ela responde, se abanando.
Todas nós rimos do seu comentário.
Tamara foi contratada recentemente, e por ser a novata, deve ser a primeira a se
apresentar no palco. É como se fosse uma pegadinha nossa, ou uma sentença, porque ninguém
gosta de ser a primeira a dançar.
Enquanto a garota loira continua falando sobre os homens que estão na plateia esta noite,
observo uma das outras meninas saindo pela porta, indo se preparar para a sua vez. Ravena pisca
para mim, quando volto minha atenção para a conversa, porque ela sabe que eu sou uma rara
exceção aqui.
Não tenho planos de encontrar um cara rico e conquistá-lo com os meus movimentos
sensuais.
Meu objetivo com esse trabalho é ganhar dinheiro para sobreviver e viver. Ainda tenho
um sonho de fazer faculdade e, talvez, abrir um restaurante. Não penso em ficar rebolando a
minha bunda pelo resto da vida, como algumas pessoas aqui. Não que isso seja errado, só não é o
que eu quero fazer para a minha vida.
Volto a me arrumar, porque daqui a pouco será a minha vez. Fico escutando cada uma
que entra e sai pela porta, todas suspirando pelos homens que gritam sem parar do lado de fora.
Uhul! Hoje a noite será animada. Meu corpo estremece só de imaginar as mãos me segurando
quando eu me aproximar da beirada do palco.
— Bonitinha. — Escuto a voz fina de Cristina me chamando e ergo o olhar, encarando-a
através do reflexo do meu espelho. — Você é a próxima.
Aceno para ela com a cabeça, dizendo que entendi, e dou uma última conferida na minha
maquiagem, antes de me levantar.
Hoje estou usando um body prateado, com as laterais abertas e pequenas correntes
descendo pelas coxas. Fiz babyliss no cabelo e optei por um batom vinho e um delineado bem
traçado. Termino de colocar meus anéis de prata, que ajudam a compor o look, e respiro fundo.
Saio do camarim esfregando minhas mãos, tentando conter o nervosismo. Sempre fico
com um frio na barriga antes de subir no palco. Paro atrás das cortinas e faço sinal para o DJ
residente, que sorri e pega o microfone.
Assim que meu nome é anunciado, escuto gritos e assobios. Não sou de me gabar, mas
sei que sou uma das preferidas do público. Todos me conhecem como o “fruto proibido”, aquela
que eles podem ver, mas não podem tocar.
Nunca aceitei passar a noite com um homem que frequenta aqui. Quer dizer… Só de
lembrar dos gritos e do som dos tiros, minha respiração fica acelerada.
A música começa a tocar e essa é a deixa para eu entrar. Subo no palco ao som de Die
For You, do The Weeknd. Escuto os aplausos e consigo sentir cada olhar direcionado a mim.
Rapidamente consigo identificar o grupo da despedida de solteiro, localizado no canto esquerdo,
e mentalizo que preciso evitar ao máximo aquele lado.
Começo a me movimentar, passando a mão pelo meu corpo de olhos fechados, descendo
pela barriga. Caminho lentamente em direção ao poste de pole dance e toco com cuidado a barra,
prolongando o momento. Sei que os homens gostam de ser provocados.
Desço lentamente, segurando no metal frio, e subo empinando a bunda. O delírio é
coletivo e começo a escutar os gritos de “gostosa”. Engacho a minha perna no poste e começo a
fazer o meu número. A cada movimento que faço, o público vai à loucura.
— Me deixa saborear seu corpo! — Um homem grita, com a voz levemente alterada.
Como sempre, tento ignorar.
Termino a primeira parte e me jogo no chão, engatinhando em direção ao lado direito.
Faço a parte do solo ali, dobrando as pernas e erguendo meu tronco do chão repetidas vezes.
Depois, mando um beijinho e os homens até se batem de êxtase. Vou para o lado esquerdo,
planejando fazer a menor parte do número ali.
Jogo meu cabelo para o lado e faço uma pequena dança, antes de me preparar para
terminar o show.
— Queria você na minha cama esta noite! — Escuto um homem gritando.
Percebo os olhos do tal noivo, que tem uma faixa identificando-o, vidrados no meu
corpo. O seu pau está marcado na calça clara e me sinto mal pela mulher com quem ele vai se
casar, pois está desejando outra quando tem um anel no dedo. Canalha!
Acabo meu número quando toca a última nota da música e os aplausos e gritos se
intensificam. Alguns jogam dinheiro no palco e coloco um sorriso falso no rosto, piscando para
eles antes de abandonar o holofote.
— Eu quero que você me ensine a dançar assim. — Tamara aparece na lateral do palco,
sorrindo. — Você arrasa, Carina!
— Grazie! — Sorrio para ela.
É muito bom ser reconhecida pelo seu trabalho. Eu amo dançar!
— Deveria ter dado mais atenção ao grupo especial de hoje. — Cristina surge no meu
campo de visão, ajeitando os seios dentro do sutiã brilhoso minúsculo.
— Cada uma é responsável pelo seu número, Cristina. — Respondo e ela revira os olhos,
indo se posicionar para entrar no palco.
Desde que coloquei meus pés dentro da ATOS, a mulher tenta me dar “conselhos” sobre
o que ela acha que devo melhorar na minha performance. No entanto, a verdade é que a Cristina
tem ciúmes de mim. Não sei o motivo, mas desconfio que tenha haver com o excesso de atenção
que recebi de Vittorio no primeiro mês que comecei a trabalhar aqui.
O homem ficou levemente obcecado por mim naquela época.
— Eu acho que ela não vai com a minha cara. — Tamara confidencia, quando
começamos a voltar para o camarim.
— Fica tranquila, ela não vai com a cara de ninguém.
Estamos quase na porta do camarim, quando avisto meu chefe conversando no celular,
virando a esquina do corredor. Ele está com uma cara irritada e caminha apressado na direção do
seu escritório.
A mensagem que o Collalto me enviou mais cedo grita como um alerta na minha
cabeça. Preciso de informações!
Aviso para Tamara que ela pode seguir em frente, que eu vou dar a volta e ir até o bar
pegar uma bebida. Ela dá de ombros e entra na porta que tem nossos nomes escritos em uma
placa dourada.
Com todo cuidado do mundo, com medo de ser pega no flagra, faço o caminho até a sala
de Vittorio. Meu coração bate acelerado dentro do peito, mas tento controlar a minha respiração.
Viro a esquina que leva ao seu escritório e olho para os lados, procurando para saber se tem
alguma pessoa me vendo aqui.
Escuto a voz de Vittorio, que vai aumentando conforme me aproximo do seu espaço
particular. Percebo que a porta está entreaberta e me encosto na parede, rezando para a luz
amarela que ilumina o corredor não estar criando uma sombra do meu corpo.
— Isso tudo é uma grande merda! — Ele berra com a pessoa com quem está falando e eu
acabo levando um susto.
Nunca o vi tão alterado.
— Você sabe do que eles são capazes. — Continua falando e fico curiosa para saber de
quem ele está falando. Eu e minha curiosidade de merda! — Viu como ficou o estado do corpo
dele.
Meu corpo gela na mesma hora.
— Os Collalto estavam mandando um recado para seus homens. Um traidor vai ter o que
merece.
Engulo em seco.
Ele estava falando sobre a morte de Baccari.
— Lucca Collalto acha que pode mandar em tudo e todos, que isso não vai ter
consequência. — Meu chefe solta uma risada debochada. — Olha só o que está acontecendo, não
é mesmo?
Tento me aproximar mais da porta, quando percebo que ele começa a falar um pouco
mais baixo.
— Eu sei que eles mataram o meu amigo, mas eles não sabem que…
Tudo fica em silêncio.
Levo a mão aos lábios quando escuto passos e fecho os olhos, rezando para que Vittorio
não abra a porta e me encontre aqui.
— Preciso atender um fornecedor de bebidas, mio amico[24]. Depois nós nos falamos,
pode ser?
Meu chefe se despede rapidamente da pessoa com quem estava conversando e, em
seguida, inicia uma nova ligação com o tal fornecedor. Fico mais um tempo escutando, mas
quando percebo que só falam sobre vodka, uísque e tequila, resolvo sair daqui.
Tento voltar pelo corredor sem fazer barulho, porém, antes de seguir para o camarim e
tirar a minha maquiagem e figurino, lembro da desculpa que havia dado para Tamara. Então, vou
na porta que dá na lateral do bar e peço uma bebida para meu melhor amigo.
Cheguei no camarim e conversei mais um pouco com as meninas, antes de me preparar
para partir. Mesmo com a distração das meninas, minha mente ficava repassando tudo o que
acabei de escutar no escritório de Vittorio. Cristina ficou me encarando por um tempo, como se
estivesse me analisando, mas depois disfarçou e não voltou a fazer isso.
Como hoje não participo da dança em conjunto, pois só faço isso nas quintas, sextas e nos
sábados, me despeço das garotas e pego minha bolsa para ir para casa. Passo no bar, recebendo
alguns olhares dos clientes, e aviso para Thiago que já estou indo embora.
Saio pelo beco e começo a caminhar pela madrugada. À noite, as ruas de Palermo tendem
a ser menos movimentadas, mesmo na época do verão. Sigo em direção ao meu apartamento, do
qual eu e meu melhor amigo não fomos despejados.
Imagine a minha surpresa quando liguei para o proprietário na quinta-feira passada,
pedindo para me dar mais um tempo para juntar a grana, e ele me informou que a dívida já havia
sido quitada. Como se não bastasse, acrescentou que já havia sido feito um depósito de um ano
de aluguel.
Meu queixo praticamente foi ao chão.
Não demorei a juntar os pontos e mandei uma mensagem para o mafioso para quem eu
estava trabalhando agora. Ele simplesmente mandou: “Considere como um pagamento pelos seus
serviços, tesoro.”
Thiago ficou incrédulo e estava empenhado em descobrir quem foi a generosa pessoa que
tinha feito esse “ato de caridade”, palavras dele.
Depois de alguns minutos, chego em frente a entrada do meu prédio. Procuro as chaves
dentro da minha bolsa e demoro um pouco para encontrá-las.
— Sabia que é perigoso andar sozinha de madrugada? — Escuto uma voz grave, que faz
meu corpo estremecer.
Fecho os olhos e sinto seu corpo atrás do meu.
— Está vulnerável aos perigos noturnos, tesoro.
Abro meus olhos e giro meu corpo, encarando os olhos azuis do mafioso. Ele está
vestindo um terno preto e uma camisa social branca, mas não usa uma gravata e os primeiros
botões da sua camisa estão abertos, deixando expostas as tatuagens espalhadas pela sua pele
branca.
Um verdadeiro pedaço de mal caminho.
Ele enfia as mãos nos bolsos da calça e me analisa com cuidado.
Sinto meu coração bater descompensado.
— O que está fazendo aqui? — Questiono, com a voz levemente trêmula.
— Eu disse que iria te encontrar.
CAPÍTULO 8
Arregalo os olhos, assustada com o que acabou de dizer. Mas o que eu esperava?
Provavelmente ele estava vigiando cada passo meu, sabia tudo o que eu fazia, até mesmo o que
eu comia.
Respiro fundo e tento controlar a minha respiração, enquanto minha mente grita que não
posso demonstrar que estou com medo. Quem eu quero enganar, não é mesmo? Claro que ele
sabe que estou me tremendo.
— Fiquei preocupado quando não recebi notícias suas… — Ele sobe lentamente os
poucos degraus em frente ao prédio e para somente quando fica a um degrau do meu corpo.
Não me passa despercebido o tom da sua voz, que não demonstra qualquer tipo de
emoção. Ele não estava realmente preocupado, somente queria respostas.
— Tinha que trabalhar. — Respondo, fazendo força para engolir a saliva. — Ia te enviar
uma mensagem assim que entrasse em casa.
O homem tatuado estreita os olhos, me analisando atentamente.
— Tem novidades para mim, tesoro?
Assinto, sem conseguir falar nada. Minhas pernas ficam levemente bambas quando um
sorriso surge no canto dos seus lábios. Por que tinha que ser um criminoso tão gato, senhor?
— Está com fome?
Sua pergunta me pega totalmente desprevenida. Tento disfarçar a surpresa, que
provavelmente está estampada em meu olhar. Penso no que acabou de dizer, buscando na
memória a última coisa que comi e acho que foram alguns biscoitos, um pouco antes de ir para a
boate.
— Desculpe, não entendi. — Tento me fazer de desentendida.
— Perguntei se você comeu algo depois que saiu do trabalho. — Explica e percebo que
faz um esforço enorme para não revirar os olhos.
Mordo o lábio.
— Não, mas… — Tento recusar uma possível oferta.
Imagina!? Eu saindo para comer com um mafioso. A que ponto chegamos!
— Andiamo! — Ele não me deixa continuar falando, pega a minha mão e me puxa de
volta para a rua.
Sinto uma eletricidade percorrendo todo o meu corpo apenas com o toque dos seus dedos
prendendo os meus.
— Por favor! — Começo a me desesperar. — Estou cansada e… eu nem sei o seu nome!
O homem para em frente a um carro conversível vermelho e me encara nos olhos. Por
estar tão próxima a ele, consigo sentir o cheiro do seu perfume levemente amadeirado, misturado
com o cheiro de álcool. Fico levemente desconcertada.
— Isso é fácil de resolver, Carina. — Confesso que fico chocada quando fala o meu
nome. Ele lembrou! — Basta perguntar.
Arregalo os olhos, encarando o brilho dos seus na luz fraca da noite. Prendo a respiração
por alguns segundos, tentando tomar coragem.
— Ok… — Pigarreio. — Qual o seu nome?
O homem abre um sorriso sexy, que com certeza deixa muitas calcinhas molhadas por
onde passa.
— Tomás. — Responde com sua voz grave, que me deixa balançada. — Tomás Collalto.
Mas você já sabia o meu sobrenome, certo?
Apenas movimento a cabeça, confirmando.
Tomás Collalto.
Cazzo! Deveria ser um crime um homem tão bonito trabalhar na máfia. Ou melhor, ser
um dos herdeiros da organização. Lucca é o chefe, mas já ouvi falar que seu irmão é o segundo
em comando… Será que é ele?
— Agora… — Volta a falar, atraindo a minha atenção. — Será que você pode confiar em
mim e entrar no carro? Sei que não deve ser tão difícil fazer isso, já que o fez uma vez.
Engulo em seco e acompanho com os olhos ele abrindo a porta do carona para mim.
Respiro fundo e aperto forte a minha bolsa contra o corpo. Olho mais uma vez nos seus olhos
azuis e, neste momento, sinto que posso confiar nele.
— Va bene. — Respondo.
Ele dá um pequeno sorriso vitorioso e eu entro no carro, rezando para não estar prestes a
cometer um erro. Ou melhor, mais um erro.
Tomás fecha a porta e dá a volta pela frente do veículo, entrando no lado do motorista.
Fico olhando para frente e não consigo dizer nada, enquanto ele dá partida e começa a dirigir
pelas ruas.
Não sei ao certo quanto tempo passa, porque fico perdida em meus pensamentos durante
todo o trajeto. Minha mente grita que é perigoso seguir neste caminho. O carro está em completo
silêncio, mas, diferente do que imaginei, isso não me incomoda. Só percebo que paramos,
quando olho pela janela e vejo que estamos em frente a uma pequena loja com porta de vidro e
um letreiro amarelo desbotado.
— Chegamos! — Anuncia, saindo do carro.
Não espero ele dar a volta, apenas abro a porta e praticamente pulo para fora do veículo.
Tomás para do meu lado e pega novamente a minha mão. O choque do seu toque é instantâneo e
eu olho para seus dedos entrelaçados aos meus.
— Vamos entrar.
Ele não esperou por uma resposta minha, praticamente me arrastou para dentro do
estabelecimento. Sinto como se alguma pessoa estivesse nos observando antes de passar pela
porta, mas não consigo ver nada à nossa volta.
Tomás escolhe uma das mesas no canto da lanchonete, que parece ser antiga. Sento de
frente para ele no banco de tecido e começo a analisar o local. Não tem muitos clientes neste
horário, apenas um homem está bebendo uma cerveja no balcão e três garotas, mais ou menos da
minha idade, estão conversando alegremente, comendo hambúrgueres na mesa perto da janela.
— O que vai querer? — Ele questiona, passando o olho pelo cardápio de papel. — Aqui
tem um sanduíche de presunto de parma muito bom.
Fico surpresa, porque este não parece um local que um herdeiro da máfia frequenta.
— Não sei… — Pego o outro cardápio disponível em cima da mesa e começo a ler as
opções. — Talvez um sanduíche de ragu com queijo e um milkshake de baunilha!?
O homem ergue o olhar surpreso com a minha escolha, mas assente e chama a
garçonete, fazendo o nosso pedido em seguida. Coloco as minhas mãos embaixo da mesa e
começo a esfregá-las, o nervosismo tomando conta do meu corpo novamente.
— Pronto! — Ele fala, assim que a moça se retira com os nossos pedidos. — Agora
você pode começar a falar.
Respiro fundo.
Está na hora de contar tudo o que ouvi.
— Hoje eu vi meu chefe nervoso. — Começo a contar os acontecimentos da noite. —
Ele estava bastante alterado e irritado. Eu tinha acabado a minha apresentação quando o vi
caminhando em direção ao seu escritório e resolvi seguí-lo.
Continuo contando tudo o que escutei e Tomás fica o tempo todo quieto, atento a cada
palavra que sai pela minha boca. Ele não me interrompe em momento algum e se encosta no
banco da mesa, apoiando o braço no encosto.
Falo sem parar, mesmo que às vezes fique quase sem ar, tentando manter o foco e não
deixando nenhum detalhe de fora. Sei que estou traindo a confiança do meu chefe espionando-o
e passando as informações que descubro para outra pessoa, mas eu não quero morrer. Sou muito
nova, ainda tenho um mundo inteiro para conhecer.
Assim que eu termino, ficamos em silêncio. Tomás não tira os olhos dos meus, como se
estivesse analisando se as informações são verdadeiras ou fruto da minha imaginação. Não
consigo evitar e mordo o lábio inferior, nervosa com o seu silêncio, e seu olhar desce para a
minha boca.
Engulo em seco.
— Fez um bom trabalho, tesoro. — Sua voz sai um pouco rouca e ele arranha a garganta.
— Acho que está no caminho certo.
— Posso perguntar uma coisa? — Questiono no impulso e mordo minha língua por ter
feito isso.
A curiosidade ainda vai ser a causa da minha morte um dia.
Tomás ergue uma sobrancelha e faz sinal com a cabeça para que eu prossiga.
— Lucca Collalto é seu irmão, certo? — Pergunto e ele confirma com um aceno. — O
que Vittorio quis dizer quando falou sobre consequências?
Vejo o corpo do homem tensionar e seus olhos azuis escurecem. Isso me assusta um
pouco. Ele muda de posição e se inclina sobre a mesa, aproximando seu rosto do meu.
— Isso não deveria ser do seu interesse, tesoro.
— Desculpa, às vezes sou uma pessoa muito curiosa. — Dou de ombros, mas o meu
corpo está tremendo por dentro.
Tomás me encara por um tempo, até voltar a postura anterior e relaxar um pouco.
— Algumas pessoas querem ver a minha família fora do poder. Tentaram fazer isso com
meu pai, mas não conseguiram atingir o objetivo. — Explica.
Eu lembro vagamente de ter escutado sobre a morte do antigo Capo da máfia quando
cheguei na cidade. Parece que foi um caos na época e que seus assassinos foram encontrados
mortos em um beco qualquer algum tempo depois.
Talvez, eu esteja de frente para um dos homens que acabou com alguma dessas vidas.
— Meu chefe tem negócios com a máfia de vocês?
Percebo o sorriso sutil no canto dos seus lábios.
— Tem muita coisa que a gente não sabe sobre as pessoas à nossa volta, Carina. — Meu
nome soa como melodia saindo de seus lábios. — Devemos sempre desconfiar das pessoas e de
suas intenções.
— Não confiar nas nossas emoções. — Repito o que ele me disse na primeira vez que nos
vimos e seu sorriso amplia.
— Exatamente.
Seus olhos estão presos aos meus e sinto que não consigo desviar deles. Existe algum tipo
de imã invisível que me atrai a esse homem. Sinto que estou entrando em um jogo perigoso.
Eu deveria ter mais cuidado, porque sei as consequências. Já brinquei uma vez com o
perigo e o final foi a cama do hospital com uma costela quebrada e hematomas espalhados pelos
meus braços.
Fecho os olhos quando os flashes daquela noite invadem a minha mente. Quando os abro
novamente, Tomás está me encarando com a testa franzida. Agradeço mentalmente a garçonete,
que escolheu esse momento para entregar os nossos pedidos.
— Buon appetito[25], tesoro. — Ele fala, erguendo uma long neck e tomando um gole da
cerveja em seguida.
Pego o sanduíche em minhas mãos e dou a primeira mordida, saboreando o gosto da
carne bem temperada, misturado com a textura do queijo. Isso está divino! Meu estômago
agradece pela comida e percebo que realmente estava com fome.
Fico concentrada, dando outras mordidas, mas percebo o sorriso no rosto de Tomás, que
pega o seu lanche e começa a comer também. Tomo um gole do milkshake de baunilha e solto
um gemido, porque está uma delícia. Escuto o homem sentado na minha frente tossindo, como se
tivesse engasgado, mas decido ignorar e continuo comendo.
Termino o meu sanduíche em questão de minutos e me dedico à bebida gelada, que quase
me faz revirar os olhos de tão boa que está. Tomás também termina de comer sua comida e fica
me observando, enquanto termino o milkshake.
Assim que dou a última chupada no canudo, levanto a cabeça e passo a língua pelos
lábios. Olho para frente e encontro o homem tatuado com os olhos fixos em mim, as pupilas
estão dilatadas e os lábios entreabertos. Isso mexe comigo. Desvio meu olhar do seu e sinto meu
corpo esquentar.
Depois dele pedir a conta e pagar, nós nos levantamos da mesa. Meus olhos me traem e
vão direto para sua virilha, onde encontro uma bela ereção marcada na calça. Meu coração
dispara e minha boca fica seca. Quando ergo o olhar para os seus olhos, vejo que ele engole em
seco.
— Não fique admirando muito, tesoro. — Ele sussurra, para que somente eu escute. —
Você me provocou.
Fico com os olhos arregalados, porque eu juro que não tive a intenção de provocá-lo.
Apenas estava saboreando a minha comida, não passou pela minha cabeça que… Mas alguma
coisa dentro de mim vibra ao saber que ele está duro por minha causa.
Que merda está acontecendo comigo?
CAPÍTULO 9
Estava no banho, tentando controlar minha mente, que ficava repetindo os gemidos de
Carina sem parar. Era a terceira vez em um pouco mais de 24 horas que eu tinha que bater uma
por causa daquela morena. A imagem dela toda inocente, passando a língua por aqueles lábios
rosados…
Inferno!
Eu estava usando-a para conseguir informações, não era para ela me deixar excitado.
Obviamente contei tudo o que Carina descobriu para Lucca pela manhã, quando fui
encontrá-lo no escritório. Meu irmão concordou quando eu disse que era quase certo que Vittorio
estava tramando algo e que deveríamos agir antes.
Só de pensar que podem estar tramando contra a vida dele, assim como fizeram com o
nosso pai, fico uma pilha de nervos. Tive que encher a cara para conseguir pregar o olho essa
noite, porque minha mente ficava criando teorias do que poderia acontecer se não agíssemos
rápido e o pior cenário sempre acontecia no final.
Saio do banheiro com uma toalha enrolada no corpo e passo a mão pelos fios molhados,
sentindo as gotas caindo pelo meu tórax. Procuro uma roupa no armário, e acabo optando pela
camiseta branca, calça jeans escura e jaqueta de couro preta, um clássico meu.
Mesmo não querendo colocar os pés para fora do apartamento hoje a noite, sei que Lucca
me mataria se eu não comparecesse ao jantar que ele está organizando. Recebi a intimação -
porque aquilo claramente não foi um convite - quando estava saindo do seu escritório. Acho que
vai rolar o tão esperado anúncio do novo herdeiro Collalto, porque hoje ele estava mais relaxado
e sorrindo.
Termino de me arrumar e desço para a garagem, escolhendo a minha Harley-Davidson.
Sei que dois soldados estarão fazendo a minha segurança esta noite e vão me seguir durante o
trajeto.
Sento na moto, coloco o capacete e acelero pelas ruas de Palermo, indo em direção a
mansão da minha família. O vento fresco da noite de verão italiana me abraça, enquanto meu
corpo tenciona a cada rua que me deixa mais próximo ao local que costumava chamar de lar.
Respiro fundo quando avisto o portão de ferro.
Não preciso me identificar, porque assim que me viram aproximando, os seguranças já
liberaram a minha entrada pelo portão da propriedade. Passo pelo imenso jardim, observando o
labirinto que costumava brincar com meus irmãos, e paro perto da fonte que fica em frente a
gigante casa, pintada de tom nude.
— Buonasera[26], bambino. — Escuto a voz da senhora Greco, que está me aguardando
com a porta aberta.
Desço da moto, retiro o capacete e não deixo de notar que tem mais carros do que o
comum estacionados na entrada.
— Buonasera, signora Greco! — Deposito um beijo em sua testa quando me aproximo.
— Eu fui intimado para um jantar, mas parece que isso aqui virou uma festa.
Recebo um olhar severo como resposta a minha brincadeira.
— Todos já estão esperando na sala. Andiamo! — Ela me empurra para dentro da mansão
e respiro fundo.
Dou alguns passos e vejo que ela estava certa. Todos os olhares se voltam para mim
quando percebem a minha presença.
— Até que enfim! — Felippo, meu irmão mais novo, exclama.
— Tomás! — Siena e Gianna gritam e vem correndo em minha direção.
Dou atenção a cada uma das minhas irmãs mais novas e sorrio quando vejo uma mini
versão da minha cunhada parada ao meu lado, puxando a minha calça. Pego Nina no colo,
porque ela é a mais nova das três meninas, só tem 6 anos.
— Achei que você não ia vir de novo, zio Tomás. — A pequena me encara com seus
olhos azuis, como os do pai. — Sinto sua falta!
— Também sinto a sua falta, bambina. — Beijo a sua bochecha fofa e olho para minhas
irmãs, que continuam à minha volta. Passo a mão nos fios de cabelo loiro de Gianna com
carinho. — De todas vocês.
— Então, por que não volta a morar aqui? — Siena questiona e meu corpo trava.
Sem conseguir responder, meus olhos buscam por ela. Meu coração para por um segundo
quando vejo o quão abatida ela está. O cabelo loiro, que antes era comprido, agora é uma peruca
com fios curtos, na altura do ombro. Seus olhos esverdeados não possuem o mesmo brilho e
estão mais fundos.
Minha mãe está morrendo aos poucos diante dos nossos olhos.
— Porque… — Engulo em seco e volto a encarar as meninas. — Eu tenho a minha casa
agora.
— Mas aqui também é a sua casa. — Gianna me olha com uma carinha emburrada.
— Meninas! — Camilla se aproxima e toca nos ombros das minhas irmãs. — Deixe o
irmão de vocês cumprimentar o resto das pessoas. Depois vocês podem enchê-lo de perguntas,
combinado?
Elas parecem aceitar a sugestão da minha cunhada e saem correndo pela sala. Nina pede
para que eu a solte e a coloco no chão, vendo-a desaparecer pelo mesmo caminho que Gianna e
Siena fizeram. Agradeço Camilla com um olhar e ela sorri.
— Fico feliz que tenha vindo, Tomás. — Ela toca no meu braço, antes de se afastar.
Camilla é uma mulher bonita. Com seus cabelos pretos e olhos castanhos, conquistou o
coração do meu irmão quando se conheceram na faculdade, em Londres. O destino não foi muito
legal com eles no início, mas os dois se reencontraram no ano passado. Nunca vi o meu irmão
tão feliz e leve, como o vejo ao lado da esposa.
Começo a cumprimentar todos que estão na sala. Vou primeiro falar com nonno[27] Giulio
e nonna[28] Chiara, meus avós paternos. Depois vou na direção de pops[29] Dante, irmão do meu
avô, e seu filho mais velho, zio Alessandro, antigo Capo da parte da máfia italiana radicada nos
Estados Unidos, com a esposa, zia[30] Dalila, ao seu lado. Eles têm dado bastante apoio para nós,
desde que descobrimos que Dona Giovanna está com câncer em estado terminal.
Além da família, estão todos os nossos amigos: Michela, Jesse e Giuliano, melhor amigo
de Lucca e seu consigliere[31]. Zio Filippo, sua esposa Carla, e seus dois filhos, também estão
presentes.
— A gente precisa marcar de treinar juntos um dia! — Matias fala animado, quando
Lucca e meu irmão mais novo se aproximam.
O garoto tem 16 anos e está quase na metade do seu treinamento. Alguns conseguem
terminar aos 18 anos, ou até mesmo antes disso. Eu tive que mudar meus planos e acelerei o meu
quando papà[32] morreu.
— Vamos combinar um dia para fazermos isso. — Lucca responde.
— Basta saber se Tomás vai aparecer. — Felippo implica, pois ainda está chateado por
eu ter dado bolo da última vez.
— Fica tranquilo, fratellino. Vou estar presente e quebrar a sua cara por fazer esse tipo de
drama.
O assunto começa sobre os treinamentos, já que meu irmão concluiu o dele recentemente
e Matias ainda está no processo. Fico contente ao ver sua empolgação, mesmo sabendo que não é
fácil viver no nosso mundo quando a realidade bate na nossa cara.
— Ainda não foi falar com ela. — Lucca fala no meu ouvido, me repreendendo.
Engulo em seco, acenando com a cabeça.
Me afasto dos meninos e, enquanto todos conversam sobre assuntos aleatórios, me
aproximo da mulher que me gerou e deu a vida. Zia Dalila, que estava conversando ao seu lado,
levanta quando me vê aproximando. Sei que fez isso para nos dar um pouco de privacidade,
mesmo que a sala esteja lotada.
— Buonasera, mamma. — Falo, me sentando ao seu lado no sofá. — Como a signora
está esta noite?
— Estou bem, bambino. Não precisa se preocupar. — Responde com a voz doce de
sempre, mas sei que está mentindo.
Ela nunca admitiria que está sentido dor, que está mal. A mulher ao meu lado quer
mostrar que está lidando bem com tudo o que está acontecendo, mas eu vejo em seus olhos
verdes o leve brilho de medo. A morte pode ser assustadora quando você sabe que ela está
batendo na sua porta.
— Você finge que está bem, eu finjo que acredito. — Digo, deixando evidente o
descontentamento no tom da voz.
— Tomás… — Ela suspira e pega na minha mão quando tento me levantar. — É você
que tem que parar de fugir da realidade, mio figlio. Pare de se machucar desse jeito.
Meu coração aperta dentro do peito.
— Não consigo fingir que está tudo bem, mamma. — Falo a mesma coisa de sempre. —
Mi dispiace[33], mas simplesmente não consigo.
Ela me deixa ir quando tento me levantar novamente, sabendo que não vou ceder.
Sinto como se estivesse com dificuldade para respirar. Aproveitando que todos estão
dispersos com as conversas paralelas, ando em direção às portas que levam para o jardim que
fica na parte de trás da casa.
Puxo o ar com certa dificuldade quando a noite italiana me recebe de braços abertos. Meu
coração parece que vai sair pela boca, tamanha a dor que estou sentindo.
Não consigo ficar muito tempo olhando para ela, imagina viver na mesma casa.
Impossível! Sei que isso a deixa triste, mas eu também tenho limites e eles precisam ser
respeitados. Não suporto saber que a qualquer momento ela pode não estar mais aqui com a
gente.
— Pare de pensar demais, Tomás! — A voz de Martina Santoro surge atrás de mim.
Enfio as mãos nos bolsos da jaqueta e continuo encarando o jardim à minha frente.
Deveria ter imaginado que alguém iria me seguir.
— Sabe que não vai adiantar nada continuar agindo desse jeito. — Ela continua com o
discurso. — Você não vai conseguir mudar nada com esse tipo de atitude, apenas piorar a
situação.
— Veio para o jantar ou para ficar me dando lição de moral?
A filha mais velha do meu padrinho é como se fosse uma irmã para mim. Martina e
Matias, desde que nasceram, frequentam a nossa casa, mesmo após a morte do meu pai. Os dois
praticamente fazem parte da família.
A garota acabou de completar 18 anos e está pensando em fazer faculdade. Se o seu avô,
pai de Filippo, ainda estivesse vivo, com certeza ela estaria com um anel no dedo, noiva através
de um acordo com algum homem do nosso mundo. Se ele ainda estivesse aqui, provavelmente
seguiria com o plano de tentar nos casar.
Graças a Deus o velho se foi há uns dois anos.
Apesar do meu bisnonno[34], pai de nonno e pops, ter alterado as leis em relação ao
casamento quando assumiu a máfia, algumas famílias ainda seguem as tradições antigas. Na
nossa família, o casamento só acontece por acordo se a pessoa assim desejar, como foi o caso de
Isabella, que se casou com Juan, chefe do cartel espanhol.
O amor é uma prioridade para nós.
— Por que quer afastar todos que estão à sua volta? — Ela questiona, se posicionando na
minha frente e me encarando nos olhos.
Percebo que usa um vestido longo branco, com algumas flores na estampa, que prende
em seu pescoço. O cabelo está preso em um rabo e consigo ver o piercing que tem na orelha
esquerda.
Martina sabe ser insistente quando quer. Mesmo assim, continua sendo uma grande
amiga e aprecio a sua amizade.
— Por que querem ficar se intrometendo na minha vida? — Rebato.
— Não percebe que todo mundo está preocupado com você? — Ela abre os braços,
começando a ficar irritada. — Você mal frequenta a mansão, fica se embebedando e transando
com qualquer rabo de saia que aparece na sua frente…
— Respeito! — Advirto com um tom mais severo. — Ainda sou mais velho que você,
além de ser um dos homens de confiança do seu Capo.
— Acha que me importo com isso? — Ela abre um sorriso cínico. — Também sou amiga
do Lucca, seu idiota.
— Não brinque com fogo, Tina. — Encaro seus olhos verdes e a garota sustenta o meu
olhar com queixo erguido.
Zio Felippo a ensinou bem como se impor.
Ficamos em um embate silencioso, até que escuto a porta da casa sendo aberta.
— Vocês dois. — Escuto a voz de Jesse nos chamando. — Lucca mandou vocês
entrarem. Ele quer fazer um anúncio.
Martina é a primeira a ceder e vira as costas para mim bufando, porque sabe que acabou
de perder a batalha. Respiro o ar fresco mais uma vez, antes de virar e voltar para dentro da casa
que um dia chamei de lar, mas agora é como se fosse meu inferno pessoal.
Jesse está me aguardando parado no batente da porta, com os braços cruzados e seus
olhos pretos me analisam friamente. Ele segurou o meu braço quando ameacei passar sem lhe
dirigir a palavra.
— Você tá bem? — Meu melhor amigo questiona e eu apenas balanço a cabeça,
confirmando.
Eu não estou bem.
Essa era a verdade, o que eu deveria ter respondido. Só que eu não consigo dizer isso em
voz alta.
CAPÍTULO 10
Como esperado, Lucca e Camilla anunciaram a gravidez antes mesmo do jantar. Todos
ficaram animados e abraçaram os papais. Nina estava saltitante, feliz por estar se tornando irmã
mais velha. Meu irmão já tinha comentado que essa era uma vontade da nossa pequena herdeira.
Depois de estourarmos o champanhe e comer a refeição preparada pela senhora Torrisi,
mãe de Michela, mamma subiu para o quarto, alegando que estava com sono. Porém, sabíamos
que o tratamento paliativo estava deixando ela cansada demais.
Todos nós nos despedimos, para cada um seguir para a sua própria casa quando demos a
noite por encerrada. Só que eu não estava preparado para a batalha que teria que travar… e
perder.
As meninas agarraram nas minhas pernas e imploraram para que eu passasse a noite na
mansão. Busquei ajuda de Lucca com o olhar, mas o filho da mãe apenas ignorou o meu pedido
silencioso e abriu um sorriso, se divertindo com a situação. Depois de muito custo, acabei
cedendo.
Antes de ir dormir, fui no quarto de cada uma das pestinhas e dei boa noite para elas.
Camilla observou, enquanto beijava a testa da minha sobrinha, que estava deitada agarrada no
seu ursinho de pelúcia. Lucca estava colocando Gianna para dormir, já que Siena agora era quase
adolescente e estava na fase de “assumir a sua independência”.
— Pensando nas formas de se vingar das meninas? — A voz de Michela me tira dos
meus próprios pensamentos.
São duas da manhã e ainda não consegui dormir. Estou encostado na bancada da cozinha
tomando água, quando vejo a loira abrindo o freezer e pegando um pote de sorvete. Clássica
Michela! Abro a gaveta ao meu lado, pego uma colher e lhe entrego.
— O que acha de cortar os cabelos delas durante a noite? — Pondero e a mulher ri da
minha brincadeira.
— Nunca toque no cabelo de uma mulher, Tomás. — Ela responde, abrindo o pote e
enfiando a colher dentro. — A menos que ela deixe… e vocês estejam na cama. — Pisca para
mim.
Ela tem um bom argumento, mas não consigo evitar a careta.
— Me poupe dos detalhes do que você e o meu melhor amigo fazem entre quatro
paredes. — Peço, pegando outra colher na gaveta e avançando na sua direção.
— Como se você não fizesse o mesmo.
Sorrio, porque é verdade. Adoro segurar o cabelo das mulheres enquanto elas me
chupam. Meu pau desperta com uma simples ideia.
Enfio a colher dentro do pote e pego uma quantidade generosa do doce. Michela me olha
como se quissesse me matar por estar tocando no seu sorvete, mas acaba cedendo e faz o mesmo,
saboreando o gosto do creme misturado com pequenos pedaços de chocolate.
— E aquela garota que me pediu para investigar? — A loira puxa assunto. — Lucca me
repreendeu, porque descobriu que consegui as informações para você, então, de nada.
— Desculpa por ter te colocado nessa posição, Mi.
— Tudo bem! — Ela dá de ombros, enfiando outra colher cheia na boca.
— Repassei todas aquelas informações para Lucca, assim que contei sobre o que
aconteceu com Carina.
— Ele deve ter ficado puto contigo.
— Como se isso fosse uma novidade. — Falo, com certa indiferença. — Ultimamente,
ele está sempre bravo e preocupado comigo. Na verdade, todos vocês estão.
— Porque você nos dá motivos para ficarmos assim! — Ela aponta a colher na minha
direção. — Não podemos ficar de braços cruzados, assistindo você fazendo uma merda atrás da
outra.
— Não cometi nenhum crime! — Começo a me irritar.
Eu odeio essa preocupação extrema que estão tendo comigo.
Ficamos em silêncio por um tempo, mas não dura muito.
— Ainda não me contou sobre a tal Carina. — Michela comenta e percebo o leve tom de
curiosidade na sua voz.
— Não tem nada para contar.
— Uhum… — Ela ri e enfia uma nova colher cheia de sorvete na boca.
Só de citar a garota, o som do seu gemido volta a preencher a minha mente e me
amaldiçoo por estar pensando nela novamente. Meu pau volta a ganhar vida, e praticamente
preciso correr para fora da cozinha, antes que minha amiga perceba.
Subo as escadas de dois em dois degraus e me tranco dentro do meu antigo quarto.
Encosto a cabeça na porta, tentando ajeitar o pau dentro da calça.
Cazzo, tesoro! O que você está fazendo comigo?

Dou mais um soco no homem que estava tentando vender droga no nosso território.
Normalmente deixo esse tipo de trabalho sujo para algum soldado, mas hoje estou precisando
colocar para fora toda a raiva que estou sentindo.
O dia já começou uma merda quando mamma não desceu para tomar café da manhã com
o resto da família. Não sei porque, mas decidi ir me despedir antes de sair para resolver algumas
questões das novas cargas que estavam para chegar.
Pior decisão que tive nos últimos dias!
Ela mal conseguia mexer os braços, de tão fraca que estava. Segundo a enfermeira que
estava cuidando dela nos últimos meses, Dona Giovanna vomitou repetidas vezes durante a noite
e, por isso, estava com a aparência tão abatida.
Acabei sentando no pé da sua cama e passei um tempo ao seu lado. Tive que obrigá-la a
pelo menos tomar a vitamina que a senhora Torrisi, nossa cozinheira, havia preparado para ela.
Lucca viu o estado que fiquei, quando saiu do seu quarto pronto para mais um dia de
trabalho. Ele tentou falar comigo, mas passei direto e voei para fora daquela casa. Não
conseguiria passar nem mais um minuto ali.
O resto do dia passou como um borrão e ainda tive um problema com a carga, que veio
faltando. Depois, recebi uma mensagem de Lucca, avisando que havia recebido uma informação
anônima de que estavam vendendo drogas com a logo da máfia russa em nosso território.
Aqui estou, resolvendo mais um dos problemas do dia.
— Eu te perguntei quem foi que te passou os pacotes! — Defiro mais um soco na boca do
seu estômago e o homem cospe sangue.
— Eu… — Ele tenta puxar o ar, para conseguir falar. — Eu nunca o vi.
Solto uma risada irônica.
Claro que ele iria soltar essa desculpa, eles sempre falam isso. Afinal, existe o medo de
morrer pelas nossas mãos, mas existe o medo de morrerem pelas mãos deles. Ambas as opções
são horríveis, mas eles esquecem que os russos são impiedosos. Eles deformam os corpos de
seus traidores, deixando na porta da casa de sua família como um “presente”.
Nós não somos monstros como eles.
— Sabe que, de uma forma ou outra… — Caminho lentamente em volta do seu corpo e
observo o trabalho que fiz, com seu rosto já cheio de hematomas e cortes. — A morte é o seu
destino.
— Eu juro que… — O homem começa a se desesperar, mas não quero escutar suas
desculpas, muito menos as suas promessas.
— Tarde demais. — Anuncio com uma calma que me faz passar como uma pessoa fria
demais. — Deveria ter pensado nisso antes de começar a vender as drogas deles no território da
máfia Collalto.
Vou em direção a mesa no canto da sala do armazém. Jesse estava o tempo todo sentado
na cadeira, observando enquanto eu tentava arrancar as informações do homem. Ele havia
chegado primeiro no bar que foi indicado como o ponto de venda e estava me esperando
encostado no carro.
Pego uma das facas especiais e toco a ponta com o dedo, vendo um filete de sangue
escorrendo pela minha pele. Perfeito! Aproveito para pegar o isqueiro, colocando-o dentro do
bolso da calça, e olho para meu melhor amigo, que apenas balança a cabeça em negação.
Caminho até o homem, que está amarrado em uma cadeira de ferro e agacho na sua
frente, tocando seu queixo com a faca e o obrigando a me encarar.
— Vou perguntar novamente e, desta vez, quero uma resposta. — Pego o isqueiro,
acendendo-o, e vejo o homem arregalar os olhos. — Quem foi que te passou essas drogas?
— Eu juro que não faço ideia! — Ele praticamente berra as palavras, conforme eu
aproximo a chama da cadeira. — Não sei quem ele é.
Coloco o fogo ao lado do ferro e escuto os gritos do homem intensificando aos poucos,
conforme a cadeira vai esquentando. Sinto o cheiro da sua pele sendo queimada lentamente.
— Quero um nome. — Enfio a faca na sua perna e o homem grita, enquanto o sangue
jorra. — Agora!
— Eu… não… sei. — Ele já estava perdendo as forças. — Ele sempre ligava de um
telefone descartável… — O homem busca por ar para continuar e enfio a lâmina um pouco mais
fundo, fazendo ele gemer de dor. — Sempre deixava um pacote preto… na entrada de trás do
bar.
Ótimo! Consegui a informação que queria.
Na verdade, seria melhor ter um nome, mas acredito nas palavras do homem. Impossível
mentir quando está desesperado, e ele ainda não chegou na parte dos delírios.
Largo a faca enfiada na sua perna, apago a isqueiro e caminho em direção a porta,
sabendo que meu amigo está me seguindo. Saio da sala, com Jesse logo atrás, e encontro o nosso
executor esperando encostado na parede, tragando um cigarro, que apaga assim que nos vê.
— Pode seguir com o trabalho. — Informo para o homem de cabelo preto, que assente e
fecha a porta assim que entra na sala.
Caminho em direção ao escritório que temos de apoio aqui, doido para tomar um banho e
tirar essa roupa suja do meu corpo. O sangue manchando a camisa social branca é um gatilho
para as memórias da vez que tirei a vida daqueles monstros voltem com força.
O dia que eu e meu irmão vingamos a morte do nosso pai.
Desde então, nunca consegui ceifar uma vida assim, torturando. Apenas deixo no ponto
para alguém continuar o trabalho. Já participei de troca de tiros, mas isso é questão de
sobrevivência. Um alvo errado e você pode ser o próximo a morrer.
— Acho que o fogo foi um pouco demais. — Jesse comenta, sentando no sofá, enquanto
eu desabotoo a minha camisa.
— Engraçado, não lembro de ter pedido a sua opinião. — Respondo, virado de costas
para ele.
— Sabe que você está entrando em um caminho perigoso, Tomás. — Meu melhor
amigo me adverte. — Não quero ter que te ajudar a subir quando já estiver no fundo do poço.
Ele é o único que, apesar de estar preocupado, respeita as minhas escolhas. Isso não
quer dizer que concorde, afinal, sempre está deixando claro as suas opiniões sobre tudo.
Suas palavras ficam martelando na minha mente, quando entro debaixo do chuveiro e
deixo a água cair pelo meu corpo. Passo a mão pelo cabelo e encosto a testa no azulejo, querendo
gritar e deixar toda a dor que estou sentindo sair.
Mas não faço isso.
Saio do banheiro já com uma nova muda de roupa. Pego minha jaqueta na cadeira e o
celular que está em cima da mesa, assim como a chave da minha moto. Preciso sair daqui.
— Vai continuar fugindo de tudo? — Jesse questiona quando estou prestes a passar
pela porta.
Paro e respiro fundo, fechando as mãos em punho.
— Não se pode fugir do destino, Jesse.
Caminho para fora do armazém e, assim que saio, dois seguranças se preparam para
me seguir, fazendo a minha segurança. Olho a hora na tela do celular e vejo que já são quase
nove da noite. Passei mais tempo do que o previsto realizando o interrogatório e meu sistema
está clamando por uma gota de álcool.
Subo na moto e uma ideia surge na minha cabeça. Decidido, ligo o motor e acelero
pelas ruas da cidade, sentindo a adrenalina ainda percorrendo pelas minhas veias. Aos poucos, a
ansiedade vai tomando conta do meu corpo.
Só espero que não esteja tomando uma decisão errada.
CAPÍTULO 11

Assim como todas as sextas-feiras, a boate estava movimentada. Respiro fundo atrás
das cortinas, me preparando para subir no palco. Escuto o público gritando enlouquecidamente e
passo a mão pelo tecido do roupão de seda prateado que estou vestindo.
Hoje o look escolhido foi um body vinho com pedrarias e prendi uma parte do cabelo,
fazendo cachos nas pontas. Depois dessa apresentação, ainda tenho que trocar de roupa para
fazer o número em grupo.
O DJ pega o microfone para anunciar a minha entrada e os gritos se intensificam.
— Pode vir, gostosa! — Consigo escutar uma voz grossa gritando.
Puxo o ar e solto com força, fechando os olhos e desamarrando o nó do roupão. Assim
que a música começa, abro os olhos e piso no palco da boate. As pessoas aplaudem e assobiam,
ansiosas para a minha apresentação.
Vittorio está sentado na sua mesa na área vip e sorri quando me vê caminhando
lentamente em direção ao poste de pole dance. Começo a fazer meu número e alguns homens se
aproximam, tentando ver mais de perto a minha performance. Um ou outro até tenta uma
gracinha, mas nenhum chega a me tocar. Passo a mão pelo meu corpo quando vou para a parte
do solo, descendo do pescoço até a virilha, e o povo vai a loucura.
Só que… tem alguma coisa diferente hoje. Meu coração está mais disparado do que o
normal e sinto como se minha pele estivesse queimando aos poucos, a cada movimento que faço.
Nunca senti isso antes.
Termino a minha apresentação e saio do palco, correndo pelo corredor em direção ao
camarim. Tenho pouco tempo para descansar e trocar de roupa.
— Juro que não sei como você consegue atiçar todas aquelas pessoas daquele jeito! —
Tamara comenta, enquanto termina de retocar o delineado brilhante. — Quer dizer, eu sei. Com
aquela dança perfeita!
— Não faço nada demais. — Tento não soar indiferente ao seu comentário, pois apenas
estou fazendo o meu trabalho. — Mas obrigada.
— Fico tão orgulhosa da minha pupila! — Ravena para atrás da minha cadeira e sorri
para o meu reflexo no espelho.
— Aprendi com a melhor. — Pisco para ela.
Continuamos conversando, até que Cristina volta da sua apresentação e avisa que temos
dez minutos de intervalo. Começo a retirar os acessórios do look do meu número solo, para
trocar para o da performance em grupo. A maioria das garotas já está pronta e me preparo para
trocar de roupa. Vittorio pediu para que usássemos um conjunto de lingerie prateado, com
correntes trançando pelo corpo.
Termino de me arrumar quando um dos seguranças bate na porta e avisa que está na
nossa hora. Respiro fundo novamente e caminho para fora do camarim junto com as meninas que
vão fazer a apresentação.
A música é iniciada quando todas as mulheres já estão nos seus devidos lugares e
subimos no palco aos gritos do público. Caminho em direção a minha cadeira e começo a fazer a
coreografia que ensaiamos mais cedo.
Dinheiro é jogado aos montes na nossa direção, mas, apesar de estar me entregando ao
momento, continuo com aquela sensação estranha. É como se alguém estivesse me observando
atentamente e isso me deixa inquieta.
Descemos do palco e começamos a desfilar por entre as mesas, recebendo atenção de
todos os clientes. Fazemos um pequeno número no meio da plateia, que sempre deixa os homens
enlouquecidos. Um engraçadinho tenta se aproximar de mim, mas um segurança logo aparece,
fazendo-o recuar.
E é nessa hora que eu o vejo no canto do salão.
Puta que pariu!

Eu nem tinha conseguido entrar no camarim, já que Vittorio me parou assim que saí do
palco. Ele me disse que um cliente importante tinha pagado para ter uma dança exclusiva
comigo. Não precisei pensar muito para saber de quem se tratava.
Com um sorriso falso estampado no rosto, eu apenas acenei e virei as costas, indo em
direção ao quarto que ele havia me indicado.
Respiro fundo parada de frente para a porta vermelha, antes de girar a maçaneta e
adentrar no quarto. Raramente eu fazia esse tipo de trabalho, mas quando era uma pessoa
importante, oferecendo uma grana alta, meu chefe não me deixava negar.
— Buonasera! — Anuncio a minha presença, fechando a porta atrás de mim.
Sinto seu olhar queimando a minha pele, enquanto analisa cada parte do meu corpo.
Tomás está sentado na beirada da cama, segurando um copo de uísque. Aproveito que ele
continua me observando, para fazer o mesmo. A calça justa deixa evidente o volume entre as
pernas e a camisa branca está com os primeiros botões abertos, deixando parte do seu peito
tatuado à mostra.
Um verdadeiro pedaço de mal caminho!
— Está bonita hoje... — Ele comenta, quando seus olhos acinzentados encontram os
meus.
— Por isso pagou por uma dança particular? — Questiono, caminhando lentamente em
sua direção. — Ficou com ciúmes, Collalto?
Paro na sua frente, entre suas pernas, e ele desliza os dedos pela minha coxa. O simples
toque já faz meu corpo ficar em alerta.
Acho que gosto de provocá-lo, virou meu passatempo favorito.
— Não deveria ter vindo, Tomás. — Advirto, enfiando meus dedos no seu cabelo. —
Quer acabar com o nosso plano? Ou pior…
— Nem se dê o trabalho de terminar essa frase, tesoro. — Ele me corta e seus olhos
ficam mais escuros. — Eu acabo com ele, antes que toque em um fio de cabelo seu.
Meu coração dá uma vacilada, mas minha mente alerta que isso tudo que ele está falando
é para me iludir. Tomás já me ameaçou, se eu cogitar trair a sua confiança, serei morta. Não
posso cair na sua lábia.
Me afasto dele e vou em direção ao poste que tem no meio do quarto, encostando no
metal e encarando o mafioso tatuado.
— Existe apenas uma regra, Collalto. — Anuncio e vejo o pequeno sorriso se formando
no canto dos seus lábios. — Você pode me assistir, mas não pode me tocar.
— Então você é o “fruto proibido” de Vittorio. — Ele bebe um gole da bebida, mas seus
olhos não se perdem dos meus. — Sempre tive curiosidade para saber quem era a garota.
— Prazer! — Faço uma reverência dramática e ele solta uma gargalhada que faz meu
coração bater descompensado.
Não se envolva, Carina! Lembre-se que está trabalhando para ele, um maldito mafioso.
Uma voz grita na minha cabeça.
Sob seu olhar atento, começo a me movimentar no poste. Subo e desço, engancho a
minha perna e faço algumas acrobacias. Tomás continua sentado, o tempo todo seus olhos azuis
estão no meu corpo. Sinto a minha pele queimando e o ar condicionado do quarto parece fraco,
tamanho o calor que estou sentindo.
Faço uma parte no solo e engulo em seco quando vejo ele molhando os lábios com a
língua. A ereção está marcando a calça com mais força e eu não disfarço quando olho
descaradamente para ela.
Tomás levanta e para no meio da sala, praticamente me comendo com o olhar. Em um
momento de impulso, me aproximo e esfrego meu corpo contra o seu. Suas mãos ficam paradas
em punho, coladas ao corpo, enquanto escuto sua respiração pesada.
— Por que veio, Tomás? — Pergunto durante a dança, ficando de frente e encarando
seus olhos. — Vittorio pode desconfiar de alguma coisa.
— Ele não vai. — Responde com a voz rouca.
Empurro seu corpo de volta para a cama e me sento no seu colo, começando a rebolar.
É uma parte da coreografia particular, já estou acostumada a sentir a ereção dos homens contra a
minha entrada nessa hora da performance. Só que com ele… é totalmente diferente.
Sinto a calcinha ficar molhada e meu coração está disparado. Minha respiração fica
pesada e percebo que, se continuar, vou acabar gozando. Melhor parar! Tento levantar do seu
colo, para continuar a dança no poste, mas suas mãos grandes seguram a minha cintura, me
obrigando a continuar sentada.
Seus lábios se aproximam da minha orelha e fico toda arrepiada.
— Continue se esfregando, tesoro. — Sua voz sai rouca e sexy pra caralho. — Quero
ver você gozando.
Deveria ficar assustada, ou até mesmo repreendê-lo por estar quebrando a regra, mas o
tesão fala mais alto. Volto a rebolar no seu colo e a fricção me leva a loucura. Vou intensificando
o ritmo, sentindo seus dedos cravando na minha pele. Solto um gemido e prendo o lábio inferior
entre os dentes.
— Está sentindo o que você faz comigo, Carina? — Ele questiona, olhando dentro dos
meus olhos. — Você está me deixando louco!
Continuo me esfregando, sentido o quão dura é sua ereção. O calor vai descendo para o
meu ventre, apoio as mãos em seus ombros largos, e me desmancho em fração de segundos,
enquanto nossos olhos continuam conectados. Minhas pernas tremem e sinto a minha calcinha
encharcada.
Tento controlar a respiração, que está acelerada, e vejo que Tomás está no limite,
prestes a gozar nas calças. Com as mãos trêmulas, me aproximo do cós da sua calça e o vejo
estremecer. Mas antes que eu prossiga, ele pega as minhas mãos e me para.
— Não precisa fazer isso, tesoro. — Percebo que faz esforço para falar.
— Eu te deixei assim. — Sorrio sem graça, mesmo tendo acabado de ter um dos
melhores orgasmos da minha vida na sua frente. — Nada mais justo te ajudar a relaxar.
Ele respira pesadamente e solta minhas mãos, deixando que eu toque na ereção.
— Cazzo! — Ele xinga quando eu coloco seu pau para fora.
Minha boca saliva ao ver seu tamanho e grossura. A ponta rosada me deixa sem ar e
fico imaginando como deve ser senti-lo dentro de mim.
Começo a masturbá-lo e fico observando as suas reações enquanto subo e desço
lentamente. Passo o dedo pela ponta e ele estremece. Tomás solta um gemido e me encara com
os olhos mais escuros do que o normal, como se fossem uma noite escura.
Não demora para ele gozar na minha mão e sinto meu ego inflar quando vejo que fui
responsável pela pequena bagunça entre nós. Ele abre um sorriso safado e suspira, jogando o
corpo no colchão do quarto.
— Dedos divinos. — Ele comenta e não consigo evitar a risada.
Mas então a realidade me atropela.
Mio Dio! O que foi que eu fiz?

Eu estava praticamente fugindo de Tomás, desde que tivemos nosso pequeno momento
em um dos quartos da ATOS há quase uma semana. Mandei uma mensagem para ele ontem,
contando sobre uma movimentação estranha que aconteceu na boate. Tinha uns homens muito
bem vestidos, mas que exalavam uma energia estranha.
Hoje avistei novamente dois deles no meio dos clientes. Vittorio me pediu para dançar
para um deles quando saí do palco, mas aleguei que estava passando mal e ele acreditou. Sentia
uma coisa estranha em relação a esses homens e não queria ficar sozinha em um quarto com eles.
Nunca nenhum cliente tentou fazer algo a mais comigo. A única vez que extrapolei o
limite imposto, foi com Tomás. Não me arrependi, porque foi um orgasmo incrível, mas sabia
que não poderia se repetir. Ele era um criminoso!
Me despeço das meninas e me preparo para sair pela porta dos funcionários. Basta
pisar no beco, para escutar aquela voz grave que, nos últimos dias, está sendo recorrente nos
meus sonhos.
— Vai ficar fugindo de mim para sempre, tesoro? — Tomás questiona, encostado na
parede, de braços cruzados.
Levo a mão ao peito, assustada, e engulo em seco.
— Não estou fugindo. — Minto. — Apenas não tenho novidades. O que tinha para
contar, falei por mensagem ontem à noite.
— Por isso estou aqui! — Ele abre os braços e se aproxima. — Fiquei a noite toda
vigiando quem entra e quem sai dessa boate.
Não consigo esconder a minha cara de surpresa e ele sorri ao ver meus olhos
arregalados. Só que alguém escolhe esse momento para sair pela porta dos fundos.
Em um movimento rápido, Tomás me puxa para trás de uma caçamba de lixo que fica
no fundo do beco. Agachamos e ele coloca o dedo na frente dos lábios, pedindo para fazermos
silêncio. O cheiro é horrível, mas meu coração está disparado e o medo começa a percorrer meu
corpo, então, nem me importo.
— Não acredito que aquela vadia fez isso. — Escuto uma voz fina e reconheço ser de
Cristina.
Tento olhar por cima da caçamba e vejo ela conversando ao telefone, enquanto tem um
cigarro entre os dedos compridos.
— Ela se acha a rainha deste lugar, mas eu sei bem qual é o tipinho dela. — Cristina
continua. — Tenta se fazer de sonsa, mas sempre está de olho em tudo. Primeiro fisgou a atenção
do Collalto.
Vejo o corpo de Tomás tensionar ao meu lado. Ela está falando de mim!
— Agora foi a vez daquele empresário rico e gostoso. — A mulher continua
reclamando.
Ficamos mais um tempo escutando sua ladainha, até que alguém abre a porta e a
chama para algum trabalho. Provavelmente alguém pagou para passar um tempo com ela,
dançando ou transando. Todo dinheiro é bem-vindo para aquela ali.
Tomás pega a minha mão e me ajuda a levantar. Nos afastamos da caçamba e ele sorri
para mim, o que acho estranho. Ele não percebeu que quase fomos pegos juntos? Cristina já está
desconfiada de mim, imagina se tivesse nos visto e contasse para Vittorio as suas suspeitas!? O
que aconteceria comigo?
— Acho que você tem inimigos, tesoro. — Tomás brinca e eu suspiro.
— Você acha? — Pergunto, com certa ironia.
— Andiamo! Eu te deixo em casa.
É tanta coisa que se passa pela minha cabeça agora, que nem perco o meu tempo
tentando recusar sua oferta.
CAPÍTULO 12
As palavras de Cristina ficaram ecoando na minha mente o dia todo. Eu teria que tomar
mais cuidado. Agora minha preocupação não era somente ser pega por Vittorio, espionando-o,
como também ser descoberta pela dançarina invejosa.
Ótimo! Olha a merda que me meti ao aceitar a proposta de Baccari. Agora não tenho
paz na minha vida. Além disso, tem um mafioso gostoso que fica sendo um pensamento
recorrente, mesmo que eu queira apagar da minha mente a imagem dele gozando em minhas
mãos.
Thiago ficou preocupado comigo, quando viu a quantidade de coisas que fiz pela casa
desde a hora que acordei até o momento que saí para trabalhar. A casa estava toda arrumada, eu
tinha feito uma faxina completa, almoço para nós dois e uma torta de maçã de sobremesa. Ele
tinha dormido até mais tarde, porque estava cansado por ter cobrido um dos barmans que faltou
ontem. O coitado teve trabalho em dobro.
Saio de mais uma apresentação ao som dos aplausos e gritos enlouquecidos. Só que
minha atenção estava no homem que, pela terceira noite seguida, estava na plateia. Seus olhos
não saíram do meu corpo nem por um segundo durante a performance e ele apenas acenava para
as coisas que Vittorio dizia ao seu lado.
— Carina! — Um segurança me chama quando estou prestes a entrar no camarim e
vejo que é o mesmo que me entregou o pacote com o celular que Tomás me deu há umas
semanas. — O chefe está chamando.
— Eu ainda não troquei de roupa. — Aponto para o body todo perfurado que estou
usando. A peça apenas cobre os bicos dos seios e a parte abaixo da barriga. — Não dá para
esperar?
— Ele mandou você ir com essa roupa mesmo.
Respiro fundo.
Detesto quando meu chefe me faz desfilar pelo salão com essas roupas minúsculas. Uma
coisa é usar isso durante as danças, outra coisa é receber os olhares de cobiça, só porque estou
andando para ir falar com ele.
Sigo os passos do segurança, que caminha sério por entre as mesas, me guiando até a área
vip. Subo as escadas e sorrio para uma das meninas, que está sentada em uma mesa com alguns
homens já bêbados. Ela revira os olhos, antes de piscar para mim.
O que as pessoas se sujeitam por dinheiro, não é mesmo?
— Aqui está ela! — Vittorio se levanta quando me vê e meu corpo estremece quando os
olhos escuros do outro homem percorrem o meu corpo lentamente. — Carina é a minha melhor
dançarina, mio amico.
— É um prazer finalmente conhecê-la, Carina! — O homem levanta e pega a minha mão,
dando um beijo demorado no dorso.
Sinto meu estômago revirar.
Ele é alto, veste um terno caro, e o cabelo preto está raspado, deixando evidente as
cicatrizes na sua cabeça. De relance, vejo que tem uma tatuagem no punho, mas não consigo ver
o que é.
— Espero que tenha melhorado.
Demoro um pouco para entender, mas então vem um estalo. Ele queria uma dança
particular ontem a noite, mas aleguei estar passando mal e Tomás acabou me deixando em casa
após nosso encontro no beco.
— Estou melhor sim, grazie. — Respondo, mesmo que minha boca esteja ficando seca.
— Carina é a nossa dançarina de destaque. — Vittorio continua com os elogios.
— Eu consigo entender o motivo para receber tantos aplausos. — Seu amigo abre um
sorriso que me causa calafrio. — Qualquer homem gostaria de receber uma dança particular sua,
sem sombras de dúvidas. Ou passar uma noite com você na cama.
— Eu não transo com clientes. — Respondo rapidamente, fazendo com que o homem
ergue uma sobrancelha.
— Carina é conhecida como o “fruto proibido”. — Vittorio começa a contar sobre o
apelido que criaram para mim.
— É uma pena. — O homem me encara quando termina de escutar a explicação,
balançando o copo com uísque de um lado para o outro. — Eu te levaria aos céus se me
permitisse tocar nesse seu corpo lindo.
Fico tensa ao escutar as palavras saírem da sua boca e a única coisa que vem na minha
mente no momento, é que a única pessoa capaz de me fazer chegar aos céus na cama é um
mafioso tatuado.
Cazzo! Acho que preciso de terapia. Urgente!
Não esboço nenhuma reação, mas os dois parecem alheios a mim.
O telefone do homem toca e ele bufa, antes de atender a ligação. Fico parada, esfregando
discretamente uma mão na outra. Ele escuta em silêncio e apenas balança a cabeça, finalizando
com um “ok”. Desliga o aparelho e, pela sua cara, não deve ser coisa boa.
— Algum problema? — Vittorio questiona e meus ouvidos ficam atentos à conversa.
— Não conseguiram pegar a parte daquela carga que chega amanhã. — Seu amigo
respondeu.
Eles parecem despreocupados com a minha presença, devem acreditar que sou uma
pessoa inofensiva, que vai ignorar totalmente seus assuntos de trabalho. Meu chefe sempre foi
assim, ele confia em nós. E eu estou traindo a sua confiança.
Algo me diz que essa informação que acabei de escutar é valiosa.
— Vou ter que ir lá ver como vamos resolver essa situação. Era o plano perfeito para
fazer aquele filhinho de papai cair do trono. — Sinto o ódio direcionado em cada uma das suas
palavras.
Filhinho de papai.
Cair do trono.
Será que ele está falando de Lucca Collalto?
— Não se preocupe, mio amico. — Vittorio coloca a mão no ombro do homem e aperta
forte. — Vamos ter sucesso no nosso objetivo de acabar com aquela família.
E, assim, eu tenho a minha resposta. Eles estavam falando sobre Lucca e a sua família.
Essa deve ser a informação mais valiosa que consegui desde que comecei a espiar meu chefe
para Tomás.
— Acho que a nossa dança vai ter que ficar para uma próxima! — O homem me dirigiu a
palavra e eu forço um sorriso. — Nos vemos em breve, Carina.
Observo enquanto o homem desaparece da área vip e solto o ar que nem percebi que
estava segurando.
— Ele gostou de você. — Vittorio comenta, sorrindo para mim.
— Estou liberada? — Pergunto, doida para sair daqui.
Ele demora um pouco, mas assente e eu tento manter a calma e não sair correndo pelo
salão. Preciso falar com Tomás, mas acho que seria melhor conversar pessoalmente. Já vi muita
série policial e, se eu enviar uma mensagem com as informações, elas podem ser uma prova no
futuro.
Passo por entre as mesas com pressa, mas mesmo assim escuto as coisas nojentas que os
bêbados falam para mim. Quando estou prestes a entrar na porta perto do bar, que leva até a área
dos funcionários, acabo trombando com um corpo grande e musculoso.
— Cuidado!
Ergo o olhar e encontro o segurança que me levou até o vip mais cedo. Ele me encara e
depois apenas vai embora, indo separar uma briga que se inicia em uma mesa no canto direito do
salão.
Faço tudo no automático. Ravena fala alguma coisa sobre eu ter uma folga para tirar, mas
apenas aceno com a cabeça. Minha mente está em outro lugar. O único problema é que eu não
sei onde Tomás mora, para conseguir ir atrás dele.
Saio pela porta dos funcionários e caminho para a rua principal, vendo a movimentação
noturna. As noites estão frescas, apesar dos dias serem quentes. Com o celular nas mãos, olho
para os dois lados da rua e mordo o lábio, pensando o que vou fazer para encontrá-lo. Poderia
mandar uma mensagem, mas…
— Precisa de ajuda? — Um homem surge do meu lado e eu tomo um susto, soltando um
gritinho.
Olho para o homem e meus olhos ficam arregalados quando o reconheço. É o mesmo que
me encontrou quando corria pelas ruas do condomínio de Baccari, aquele que me levou para os
braços de Tomás. Consigo identificá-lo por conta da cicatriz perto do olho.
Perfeito! Ele deve saber como posso encontrar Tomás.
— Preciso falar com seu chefe. — Falo, me virando para ele, e o homem ergue uma
sobrancelha.
Vejo ele olhando para os lados, como se estivesse conferindo se alguém está nos
observando.
— Perdão!?
Respiro fundo.
— Preciso que me leve até o Tomás Collalto.
Esfrego as minhas mãos, enquanto observo os andares alterando no visor do elevador.
Da última vez que estive aqui, não prestei muita atenção. O medo era tanto, que nem percebi o
quão luxuoso era só o elevador que levava até a cobertura de Tomás.
O homem que me ajudou e me trouxe aqui não queria me deixar subir, porque não tinha
conseguido falar com seu chefe. No entanto, eu consegui persuadi-lo a liberar a minha entrada e
agora estou subindo sozinha até a cobertura.
As portas de metal se abrem e respiro fundo, antes de seguir pelo pequeno corredor que
leva até a porta do seu apartamento. Confiro as horas no relógio. São três e vinte da manhã e, ao
me dar conta que está tarde, me questiono se fiz a escolha certa.
Não dá para voltar atrás agora, Carina.
Com as mãos levemente trêmulas, toco a campainha. Mordo o lábio, enquanto aguardo
ser atendida, nervosa por estar em um território “desconhecido”. Não lembro de quase nada
daquela noite. Escuto o barulho de alguém se aproximando e da porta sendo destrancada. Meu
coração começa a bater acelerado dentro do peito, fico me perguntando como vai ser quando ele
me ver aqui.
Só não estava preparada para dar de cara com uma garota de olhos esverdeados, que
franze a testa ao meu ver parada ali.
Será que essa mulher é namorada dele?
— Pois não? — Ela questiona, tentando ser simpática.
— É… — Minha voz falha e eu tento me recompor rapidamente. — Eu vim falar com o
Tomás, mas…
— No meio da madrugada? — Ela questiona, me analisando.
Estou vestindo uma calça jeans, um cropped preto e tênis da mesma cor. Porém,
recebendo seu olhar, me sinto completamente nua.
Ela é muito bonita. Está usando um camisão largo e eu consigo ver a barra do seu
shorts jeans por baixo do tecido claro. O cabelo preto está molhado, enrolado em um dos lados
do pescoço. Parece ter a minha idade, ou pode ser até mesmo mais nova do que eu.
— Eu precisava falar com ele. — Respondo, quase sussurrando. — O segurança
liberou minha entrada.
— Va bene! — A jovem suspira e abre mais a porta, me dando passagem. — Entre! Eu
já estava mesmo de saída.
Mesmo com certo receio, e pensando seriamente em voltar atrás na minha decisão,
adentro o apartamento. Tento conter o nervosismo, controlando a minha respiração, mas não
adianta de nada. Minha mente fica gritando que eu não deveria ter vindo.
Observo a garota pegar a bolsa em cima do sofá e depois pegar o celular na bancada da
cozinha. O jeito como se movimenta, faz parecer como se ela conhecesse bem o local.
— Pode falar com o Tomás que eu abri a porta e deixei você entrar, ok? — Ela fala,
colocando a bolsa no ombro. — Tenha uma boa noite…
A jovem espera até que eu diga o meu nome.
— Carina. — Respondo.
Ela acena e sorri, antes de abrir a porta e fechá-la em questão de segundos,
desaparecendo por completo. Sozinha na sala do apartamento, fico com medo de ter feito a coisa
errada.
Talvez, uma mensagem fosse mais fácil.
CAPÍTULO 13
Tenho a sensação de ter escutado a campainha, mas deve ter sido só Martina saindo do
meu apartamento. A garota ainda não entendeu que não preciso que venha conferir se estou bem,
quase todos os dias da semana.
Ok, hoje ela não veio somente por isso, mas como desculpa para fugir de um encontro
que foi uma merda. A garota estava toda borrada de maquiagem e com camisa suja com algum
tipo de molho. Ela disse que tinha saído com uns amigos para um luau, mas não quis dar muitos
detalhes de como acabou desse jeito.
Terminei de tomar meu banho e decidi comer um lanche antes de cair na cama. Hoje o
dia foi exaustivo, porque tivemos uma reunião com os soldados para encontrarmos os problemas
das cargas que estão chegando com material faltando.
Coloco uma calça de moletom e saio do quarto, indo em direção às escadas. Estou
distraído, pensando no que vou comer, que acabo levando um susto ao ver que tem alguém no
meio da minha sala.
Alguém não. Carina.
Meu coração errou uma batida ao vê-la aqui.
Que porra tá acontecendo comigo? Tô até parecendo meu irmão!
Ela está me encarando e segura a bolsa com força, deixando os nós dos dedos
esbranquiçados. A morena morde o lábio inferior e desvia o olhar, quando percebe que eu a
peguei passando seus olhos castanhos pelo meu abdômen.
— O que você está fazendo aqui? — Questiono, quando chego no último degrau.
— Eu… — Ela parece ficar ainda mais nervosa. — Desculpe, não sei o que deu em mim.
Não deveria ter vindo.
Carina ameaça sair pela porta, mas entro na sua frente antes que consiga chegar perto
dela. Solta um suspiro quando percebe que não vou deixá-la ir, mas não ergue a cabeça.
— Quero saber por que está aqui esse horário, tesoro. — Digo, com uma voz mais calma,
atraindo sua atenção. — Aconteceu alguma coisa?
Passo o olhar por todo o seu corpo, tentando identificar algum sinal de que aconteceu
algo com ela. Respiro mais aliviado quando percebo que não tem nenhum ferimento ou
hematoma pelo corpo.
— Encontrei um dos seus homens quando estava saindo do trabalho e pedi para ele me
trazer aqui. — Ela comenta e sua voz sai quase como um sussurro, de tão baixa.
Carina deve estar falando de Armani.
Desde que coloquei ela para espionar Vittorio para mim, pedi para que meu soldado
seguisse todos os seus passos. Não que estivesse duvidando que ela fosse fazer o trabalho, pelo
contrário. Sabia que ela estava correndo perigo e precisava que alguém a protegesse, mesmo que
de longe.
Não sei explicar, mas, desde o momento que coloquei os meus olhos nela, sinto que
preciso protegê-la de tudo, do mundo.
— Por que? — Estou curioso para saber a sua resposta, mas ela fica em silêncio. Toco
no seu queixo e ergo sua cabeça, para ela me encarar nos olhos.— Por que veio até mim?
Ela fecha os olhos e respira fundo, antes de voltar a me olhar.
— Porque eu acho que descobri algo do seu interesse. — Conta e eu já mudo a minha
postura, querendo saber do que se trata. — Ouvi uma conversa de Vittorio com um amigo, um
daqueles homens estranhos que começou a ir na ATOS essa semana. Eles estavam falando sobre
um plano ter dado errado. Algo sobre alguma carga.
Fico em alerta no mesmo instante. Cazzo! Isso realmente é do meu interesse.
Pego a sua mão e puxo para se sentar no sofá, querendo saber os detalhes do que ela
escutou. Peço para que me conte a história do início e fico atento a cada palavra que sai da sua
boca. Vez ou outra eu perco o foco, observando os seus lábios rosados movimentando e
lembrando dos gemidos que saíam deles, mas logo volto a prestar atenção no assunto principal.
Não posso me perder por causa de uma mulher!
Já havia percebido que Carina é muito boa em guardar detalhes, porque ela descreve
tudo especificamente. Fala da tatuagem que viu no pulso do homem, das cicatrizes, até mesmo
das coisas que ele disse para ela esta noite.
Confesso que meu corpo começa a ferver quando ela menciona que ele disse que
poderia levá-la aos céus se assim ela quisesse. Meu caralho que ele vai fazer isso! Porém, tentei
não demonstrar o quanto isso me afetou.
Não me reconheço neste momento. Nunca fui de me sentir possessivo com uma
mulher, mas parece que Carina desperta várias coisas adormecidas dentro de mim.
— Depois da ligação ele simplesmente foi embora? — Pergunto, voltando a focar no
homem misterioso.
— Sim, mas disse que iríamos nos ver em breve. — Responde.
Fecho as mãos em punho e solto uma risada forçada.
— Claro que disse.
— Eles estavam falando de Lucca, certo? Sobre a sua família? — A morena questiona
e eu apenas assinto. — Por que eles querem acabar com vocês?
Penso em várias respostas, mas só uma engloba tudo.
— As pessoas sempre estão em busca de dinheiro e poder. — Explico e ela parece
compreender o que estou falando. — Sendo assim, todos querem estar na posição do meu irmão,
ou tirar a minha família do “topo da pirâmide”.
— Mas como eles conseguiriam fazer isso? — Percebo seu interesse e não ligo de ter que
explicar para ela como as coisas funcionam.
Como cresceu em um vilarejo, provavelmente Carina só veio conhecer as questões da
máfia quando se mudou para a cidade, há quase dois anos. Não sabe como funcionam as nossas
leis, quais são os nossos costumes. Muito menos deve ter noção de que toda a população sabe
quem somos e respeitam o nosso nome.
— Existem duas maneiras. — Começo a explicar. — A mais difícil, que é provar que o
Capo di tutti Capi está prejudicando o sistema e juntar um grupo para retirá-lo do poder.
— E a mais fácil?
— Matá-lo. — Minha voz sai fria.
O silêncio preenche a madrugada e consigo escutar de longe o som dos movimentos
noturnos, mesmo estando em um bairro mais afastado do centro. Ela não faz nenhum comentário
sobre o que acabei de dizer, provavelmente já deve ter escutado sobre como o antigo Capo
morreu.
Todo mundo gosta de lembrar dessa tragédia.
Um sentimento de tristeza me invade e, sempre que isso acontece, quero ficar sozinho.
Preciso colocar minhas emoções e minha mente em ordem. Só que, desta vez, não sinto vontade
de me trancafiar no meu próprio mundo. Quero que Carina fique comigo e constatar isso me dá
medo.
Minha barriga escolhe esse momento para roncar e a garota de olhos castanhos tenta
segurar o riso.
— Tá com fome? — Pergunto, pegando sua mão e entrelaçando os nossos dedos.
Parece ser um contato tão natural, mas ao mesmo tempo novo. Me levanto do sofá e
puxo ela comigo, seguindo em direção a cozinha e tentando pensar em algo para comermos.
Seria mais fácil pedir algo, porque sou um completo desastre na beira do fogão, mas está muito
tarde para isso, mesmo tendo meus contatos.
— O que você quer comer? — Volto a questionar, já que não obtive resposta da
primeira vez. — Não deve ter comido depois do trabalho, certo?
Coloco ela sentada em uma das banquetas do balcão e ela sorri para mim.
Cazzo, ela fica ainda mais linda sorrindo!
— Não, Tomás. — Ela responde com a voz doce. — Ainda não comi, e sim, estou com
fome.
— Vamos resolver isso, então. — Digo, indo verificar o que tem dentro dos armários e
da geladeira.
Passo a mão na nuca, andando de um lado para o outro, tentando encontrar algo.
Normalmente, a mãe de Michela prepara algumas marmitas para mim, só que eu esqueci de
pegá-las essa semana.
— Tem macarrão? — Escuto ela perguntando, saltando da banqueta e vindo na minha
direção.
Procuro em um dos armários e acho um pacote de penne fechado.
— Aqui! — Balanço o saco, até ela tomar de minhas mãos.
— Presumo que você não saiba fazer nem mesmo uma pasta[35], certo? — Tem um
sorriso travesso no rosto
— O que está implicando com isso, tesoro? — Semicerro os meus olhos para ela.
— Nada! — Carina dá de ombros, sorrindo. — Pode sentar ali, que eu preparo o
macarrão para nós dois.
Cruzo os braços e fico encarando-a por um tempo, até me dar conta de que ela está
falando sério. Faço o que ela disse e acompanho enquanto a mulher desfila pela minha cozinha,
como se fosse sua.
Um sentimento estranho começa a me tomar, mas logo trato de afastá-lo.
Carina parece estar mais leve, o que me deixa feliz. Desde que a conheci, percebi que ela
é uma mulher forte, mas que também possui muito medo. Na maioria das vezes, ela se esconde
atrás desse sentimento.
Analiso o seu corpo e fico inquieto quando lembro dela gozando, se esfregando em mim.
O som dos seus gemidos são divinos, sem falar naqueles dedos perfeitos. Nem disfarço quando
ela me pega admirando a sua bunda e acho fofa a sua reação, ficando com as bochechas
vermelhas.
Minha mente começa a trabalhar com imagens dela ofegante e com a pele corada,
enquanto cavalga em cima de mim. Meu pau até desperta com a imaginação que toma meus
pensamentos por um segundo.
— Finito[36]! — Ela anuncia, quando termina de colocar o molho em cima da massa.
Corro para pegar os pratos, antes que a comida esfrie, e aproveito para pegar um vinho na
minha mini adega. Arrumo em cima da bancada e ela sorri quando lhe sirvo uma taça de vinho
branco. Ela serve as porções e senta na banqueta ao meu lado quando termina.
Pego uma garfada do macarrão e quase solto um gemido quando sinto a explosão de
sabores na minha boca. Fico impressionado com a sua habilidade culinária.
— Isso aqui tá de comer rezando, tesoro. — Elogio, pegando mais um pouco no meu
prato. — Você cozinha muito bem!
— Grazie! — Ela sorri timidamente e come um pouco do seu.
— Onde aprendeu a cozinhar assim?
— Assistindo programas de culinária e vendo vídeos na internet. — Responde, dando de
ombros. — Não é nada demais.
Como mais um pouco, antes de continuar falando.
— Deveria investir nessa área. — Falo, limpando a boca no guardanapo. — Você tem
talento.
Carina fica em silêncio e apenas acena com a cabeça.
O resto da refeição é tranquilo e conversamos assuntos aleatórios, descobrindo algumas
coisas um do outro. Por exemplo, aprendi que ela não gosta de ver animais perdidos e sofrendo
pelas ruas. Eu, por outro lado, contei sobre a minha paixão pelo boxe. Na verdade, acho que
todos os meus irmãos e primos nutrem esse gosto pelo esporte.
Quando terminamos, voltamos para a sala e ficamos bebendo e conversando até o sol
surgir pela janela. Batendo papo com ela, bebendo vinho, eu acabei esquecendo dos problemas
do mundo externo. Era como se eu conseguisse ser uma pessoa que há muito tempo não era,
quando estou do seu lado.
Olho para uma Carina adormecida no meu sofá e resolvo levá-la para a cama, para ter um
pouco mais de conforto. Subo com ela em meus braços e a deito no meu colchão, fazendo
carinho em seus fios pretos e observando a sua respiração tranquila.
Aquele sentimento estranho volta a me invadir, mas não quero que ele me consuma.
— O que você está fazendo comigo, tesoro? — Sussurro, deitando ao seu lado.
Em poucos minutos estou adormecido, como há muito tempo não conseguia.
CAPÍTULO 14
Sinto o sol batendo no meu rosto, me acordando. Ainda de olhos fechados, me
amaldiçoo por ter esquecido de fechar as cortinas do meu quarto. Resmungo baixinho e tento me
espreguiçar, mas não consigo me mexer plenamente.
Demoro um pouco para entender o que está acontecendo e abro os olhos rapidamente,
quando as lembranças da noite passada invadem minha mente. Deitado na minha frente, encontro
um Tomás com cara de sono e um sorriso nos lábios.
— Buongiorno, tesoro. — Ele fala com a voz rouca de sono e meu coração dá um
solavanco.
Prendo a respiração por alguns segundos, ao me dar conta de que dormi na casa dele.
— Buongiorno. — Sussurro.
Percebo que não consegui me mover, porque seus braços musculosos estão envolvendo o
meu corpo. Poderia estar me sentindo mal, ou até mesmo tendo uma crise de pânico, ao me ver
presa a ele. Os traumas do passado ainda afetam o meu presente. Só que com Tomás,
estranhamente eu me sinto segura.
Ele não é Andrea.
Porém, não era para estar me sentindo segura nos braços de um mafioso. Tomás não é o
príncipe do cavalo branco que eu sonhava que iria me resgatar quando eu era apenas uma
criança. Eu preciso me manter afastada dele, mesmo ele sendo uma pessoa completamente
diferente do que eu imaginei que seria.
Ontem à noite nós conversamos sobre vários assuntos aleatórios e pude conhecer um lado
de Tomás que, provavelmente, pouca gente conhece. Meu eu interior fica todo alegre ao
constatar isso, se sentindo especial.
— Está com fome? — Ele pergunta, puxando uma mecha do meu cabelo para atrás da
orelha. — Podemos sair para tomar café da manhã.
Fico tentada a aceitar, mas preciso lidar melhor com a minha realidade.
Aproveito que ele me soltou um pouco e me afasto, sentando na cama. Não consigo
encarar os seus olhos azuis acinzentados, então, aproveito para reparar no quarto.
É um cômodo relativamente grande, com um armário que se estende por uma das
paredes. Tem uma porta que, presumo, ser a do banheiro e uma que leva para a pequena sacada
com vista para a praia.
— Preciso ir para casa. — Falo.
— Não quer comer antes? — Ele senta ao meu lado e me obrigo a não olhar seu
abdômen cheio de gominhos.
Quando o vi descendo a escada ontem, quase tive um mini infarto ao ter a visão do seu
dorso com oito gominhos - sim, eu contei - e um V bem marcado que era o caminho perfeito para
se cometer um pecado. Para piorar, o safado não se deu o trabalho de vestir uma camisa e ficou
com essa tentação à mostra a noite inteira.
— Thiago deve estar preocupado comigo. Combinamos que iríamos às compras hoje. —
Explico, passando a mão nos meus olhos inchados. — Não avisei que passaria a noite fora.
— Seu namorado vai gostar de saber que passou a noite com outro? — Tomás
questiona e o tom irônico da sua voz me deixa levemente irritada.
Levanto da cama e finalmente volto a encarar seus olhos, mas percebo que eles
escondem algo. Parece ter um brilho de mágoa.
— Ele é meu melhor amigo e a pessoa com quem eu divido apartamento. — Começo a
dizer, mesmo sabendo que eu não tenho que dar satisfações a ele. — Além disso, Thiago
provavelmente gostaria de estar no meu lugar, se descobrisse que dormi nos braços de um
gostoso tatuado.
Puta que pariu!
Levo a mão ao lábio quando percebo que acabei falando demais. Tomás abre um sorriso
convencido e sinto as minhas bochechas ficarem vermelhas.
— Então eu sou um gostoso tatuado? — Ele estreita os olhos, se divertindo às minhas
custas. — Interessante…
— Preciso ir!
Sem olhar para trás, saio o mais rápido que consigo do seu quarto e corro para o andar
debaixo, chegando à sala. Consigo escutar a sua risada durante o percurso e não consigo evitar o
sorriso que preenche meu rosto. Estranhamente, essa interação me faz sentir um frio gostoso na
barriga.
Não espero ele vir atrás de mim, pego minhas coisas e vou embora antes que cometa um
erro. Quer dizer, outro erro.

— Você tá muito estranha ultimamente! — Meu melhor amigo reclama, enquanto


toma um pouco do seu gelato.
O calor hoje está quase insuportável, por isso, resolvemos dar uma parada no nosso
passeio e nos sentamos para tomar um gelato. Já que o dia está quente, optei por vestir um short
jeans, cropped vermelho e um kimono branco, enquanto meu cabelo está preso em uma trança
lateral.
Observo Thiago, que me analisa enquanto saboreia o doce, tentando desvendar meus
mistérios. Ele tá com o look casual de sempre: bermuda cáqui e camisa de botão florida.
— Abre a boca logo, Cá! — Ele ordena, apontando a colher de plástico para mim. — O
que tá rolando contigo?
— Nada. — Dou de ombros. — A vida segue a mesma de sempre, sem novidades,
gattino.
— E eu não acredito em uma palavra que sai da sua boca.
Não havia contado para ele sobre Tomás, nem mesmo sobre o que aconteceu naquela
noite na casa de Baccari. Quando descobriu sobre o assassinato do amigo do nosso chefe, Thaigo
veio me questionar, ou melhor, comentar sobre o assunto, mas me fiz de desentendida.
— Fico preocupado com você. — Ele confessa, pegando uma das minhas mãos por cima
da mesa.
— Não precisa. — Sorrio. — Eu sei me cuidar. Além do mais, não tem nada
acontecendo. Tô bem!
— Va bene! — Thiago parece derrotado. — É só que… as coisas na ATOS estão
estranhas ultimamente. Aqueles homens que estão frequentando lá, a morte de Baccari…
— Eu sei…
— Cristina está uma fera com você, desde que o tal cara gato tatuado pagou por uma
dança sua… — Ele comenta despretensiosamente, mas eu conheço bem o meu amigo para saber
que ele está jogando verde para colher maduro.
— Acho que todo mundo já está ciente da birra que ela tem comigo. — Suspiro.
A cada dia que passa, a mulher inferniza ainda mais a minha vida. Parece ser o novo
passatempo favorito dela, já que ainda não conseguiu fisgar um homem rico para lhe bancar.
— Mas aquele cara era realmente um ser divino, parecia ter sido esculpido pelos deuses.
Viu aqueles braços? — Thiago começa a se abanar, fazendo cena. — Óbvio que viu, né? Já que
você dançou só pra ele.
Sinto as minhas bochechas esquentarem, conforme as lembranças daquele dia invadem a
minha mente. Tomás segurando a minha cintura, mandando eu gozar…
Fecho os olhos e sinto meu coração batendo mais forte.
— Ouvi dizer que ele é um dos irmãos Collalto… — Ele continua divagando, mas logo
escuto ele se direcionando a mim com um tom acusatório: — Por que tá vermelha, signora
Carina?
Encaro seus olhos âmbar e esfrego as mãos na coxa, nervosa por ter sido pega no flagra.
Enquanto isso, meu amigo me analisa minuciosamente.
— Eu…
— Mio Dio! — Thiago grita e olha para os lados, antes de se inclinar sobre a mesa de
ferro. — Você quebrou aquela regra? Por favor, me diz que você quebrou com ele.
Engulo em seco.
Por fim, eu acabo confirmando com um aceno de cabeça. Meu amigo me olha incrédulo,
com a boca aberta. Logo depois, sorri e começa a bater palmas, animado com a nova informação.
— Quero detalhes… — Pede, mostrando certa ansiedade. — Agora!
Penso que não deveria dizer nada, mas já estou escondendo muita coisa da única pessoa
que realmente se importa comigo. Não tem problema contar um acontecimento avulso, que não
tem nada haver com o que estou fazendo escondido.
Respiro fundo e começo a dar detalhes daquela noite. A cada palavra que sai da minha
boca, Thiago vibra e sorri. Sei que ele fica feliz em ver que finalmente abri uma exceção à minha
regra.
O único problema era para quem eu tinha aberto.
A dança sempre foi um momento de libertação, quando eu colocava uma máscara e era
uma pessoa diferente por alguns minutos, encenando a minha arte. Só que me sinto
completamente nua hoje.
A minha pele parece estar queimando, conforme faço o meu número no palco. Consigo
sentir seus olhos acompanhando cada movimento que faço. Quase perco o foco quando meus
olhos cruzam com um par de azul acinzentado, no canto do salão.
Faço a parte final, levando o público ao delírio. Escuto os gritos enlouquecidos e, de
relance, olho na sua direção. Vejo as veias saltando das suas mãos, enquanto ele agarra o copo de
uísque com mais força do que necessário, e um sorriso involuntário surge no meu rosto. Será que
tem alguém com ciúmes aqui?
Saio do palco e caminho até o camarim, onde recebo os mesmos elogios de sempre.
Fico conversando com Ravena, Tamara e uma outra dançarina, enquanto o resto das meninas se
apresentam. Hoje não teríamos dança em grupo, porque Vittorio pediu para Ravena fazer um
número solo especial.
Cristina entra no camarim, após ter feito a sua série, e começa a se gabar da sua
apresentação. Fico apenas escutando, enquanto tiro a minha maquiagem.
— Aquele Collalto ficou babando no meu corpo. — Fala com sua voz fina e irritante, e
eu reviro meus olhos discretamente. — Fico imaginando as loucuras que faremos juntos.
— Acha que ele pode ser seu futuro marido? — Uma outra dançarina brinca.
— Me dê alguns minutos em um quarto com ele, que saio com uma aliança no dedo.
— Cristina responde, toda convencida.
Meu coração aperta no peito ao imaginar a cena dos dois em um quarto. Estranho esse
sentimento, porque nunca fui assim. Já dancei para alguns homens, que depois pagaram por
outras dançarinas fazerem o mesmo trabalho.
Só que eles não eram Tomás.
Minha mente me trai, ao lembrar do seu rosto sonolento esta manhã. Eu dormi em seus
braços, mas aquilo não significava nada. Ao mesmo tempo, por que eu queria que significasse
algo? Por que estava me sentindo assim?
Escutamos batidas na porta e nos ajeitamos rapidamente para autorizar a pessoa entrar.
Puxo o roupão prateado por cima do corpo, cobrindo o conjunto azul petróleo com pedrarias e
correntes que ainda estava usando.
— Com licença. — O segurança aparece na porta, o mesmo que me levou até Vittorio
ontem.
Ele passa o olho por todas nós e, por um breve instante, para em mim. Fico imóvel,
pensando que pode ser comigo. Mas ele continua olhando, até terminar na dançarina invejosa.
— Cristina! — Ele chama a morena. — Dança particular na sala 4.
— Posso saber quem pagou por meus serviços? — Ela questiona, já se posicionando de
pé.
— O sobrenome é Collalto. — O segurança respondeu, antes de se retirar.
Meu corpo inteiro gelou ao escutar o nome sendo proclamado.
O sorriso de Cristina se amplia e ela me olha como se dissesse “perdeu”. As meninas
riem e incentivam a mulher a conquistar o homem tatuado.
Não, isso não pode estar acontecendo. Tomás não pode…
Pelos próximos minutos, minha mente fica questionando: por que ele escolheu ela?
CAPÍTULO 15
Eu estava me odiando nesse exato momento.
Depois de ter um dia cansativo de trabalho, acabei parando na ATOS. Peguei uma
bebida e fiquei em um canto, apenas observando. Nada chamava a minha atenção, até ela subir
no palco e começar a rebolar aquela bunda. Meu pau despertou na mesma hora.
Não deveria me sentir tão atraído por uma mulher como ela. Carina, apesar de
trabalhar em um local como esse, era inocente, pura demais para um homem como eu. Mas ela
tinha alguma coisa que despertava o pior, e o melhor, dentro de mim.
Vittorio acabou me vendo em um determinado momento da noite e acabei pagando por
uma dança particular, mas tive que fazer um esforço e pedir para não ser com Carina. Não era
como se eu quisesse outra mulher se esfregando em mim, até porque meu pau nem mexeu com a
outra.
Conforme a mulher escolhida dançava no meu colo, minha mente gritava que era um erro
e não sentia nada além de nojo. Era como se estivesse cometendo uma atrocidade, bem pior do
que faço semanalmente no meu trabalho. Meus sentimentos estavam me assustando e estava
começando a achar que estava me envolvendo demais com aquela garota dos olhos castanhos…
Cazzo!
Eu tinha que ser cauteloso e não dar bandeira do meu envolvimento com Carina, por isso
pedi por outra.
Que envolvimento, Tomás? Trabalho.
T-r-a-b-a-l-h-o.
Enfim, eu fiquei preso em um quarto com uma mulher gostosa, que tentou me seduzir o
tempo todo. Até boquete ela tentou fazer, mas indo contra tudo o que conhecia, minha mente
estava em outro lugar, em outra pessoa.
Acendo um cigarro, que não tenho o costume de fumar, enquanto espero ela aparecer.
Estou na porta do seu prédio, aguardando, esperando ansiosamente para ver aqueles olhos
castanhos novamente. Quem sabe, acordar olhando para eles mais uma vez?
Que merda tá acontecendo comigo? Mio Dio!
Estou parecendo um namorado apaixonado, mas tenho aversão a relacionamentos. Não
quero me envolver com alguém, sendo que podem usar essa pessoa como meu ponto fraco, ou
pior, podem me matar e deixarei ela sofrendo a minha perda. Já vi isso acontecer de perto e é
horrível.
Não, definitivamente não quero isso para mim. Mesmo assim, continuo aqui.
Meu celular toca dentro do bolso da jaqueta e pego o aparelho, vendo o nome de Sophia
brilhando na tela. Atendo no terceiro toque.
— O que você quer? — Questiono, sem muitos rodeios.
— Buonasera, Tomás! Como você está? — Minha irmã ironiza. — Eu estou bem, grazie
por perguntar.
— Sem tempo para isso, Soph. — Falo, olhando para o fim da rua, rezando para vê-la
logo. — Por que a ligação no meio da madrugada?
Já são quase quatro horas da manhã. Sei que a boate só fecha ao nascer do sol, mas
Carina sempre consegue sair mais cedo. Preciso ficar atento para quando ela aparecer.
— Isabella entrou em trabalho de parto! — Sophia anuncia animada e eu fico em
choque.
— Como assim!? Não era para nascer daqui a alguns dias?
— Bebês não possuem uma hora certa para vir ao mundo, idiota! — Minha irmã ironiza
e consigo vê-la revirando os olhos.
Isabella estava esperando o segundo filho. Nossa prima e o marido, Juan Gutierrez, já
eram pais de Eric, de 5 anos, e agora teriam uma menina, Maria. O casamento deles quase teve
um final trágico, mas eles conseguiram dar a volta por cima e hoje são só alegria, à espera do
novo membro da família.
Juan, que antes mal conversava conosco, agora fica trocando mensagem no nosso grupo.
Depois de tudo que aconteceu no final do ano passado, ele percebeu que a nossa famiglia está
aqui para apoiá-lo, não somos inimigos.
Sophia fica mais um tempo conversando comigo, mas minha mente está em um lugar
completamente diferente. Minha irmã conta como estão as coisas lá nos Estados Unidos, me
enche de novidades sobre meus sobrinhos e fica planejando como vai ser a semana que vamos
passar na casa de férias daqui uns dias.
Fico escutando ela falando sem parar, até que finalmente a vejo. Carina está virando a
esquina, usando um vestido curto florido e com os cabelos soltos, balançando de um lado para o
outro. Rapidamente me despeço da minha irmã, não sem antes prometer que darei notícias com
mais frequência, e desfaço a ligação.
A morena está caminhando ao lado de um homem alto, e ambos riem de alguma coisa.
Meu sangue começa a ferver quando vejo ela tocando no braço dele, encostando a cabeça perto
do seu ombro. Jogo o cigarro no chão, pisando em cima. Fecho as mãos em punho e aguardo ela
se aproximar, ou ao menos perceber a minha presença.
Quando Carina finalmente me vê, trava no lugar. Seus olhos ficam presos aos meus e ela
segura forte a alça da bolsa. Percebo que o homem fica preocupado com a sua reação,
começando a buscar o motivo para ela estar assim, até que ele percebe a minha presença e fica
visivelmente assustado. Não é todo dia que você encontra um mafioso na porta da sua casa, não é
mesmo?
Cruzo os braços e encosto na minha moto, esperando eles chegarem até mim. Carina
demora um tempo para se recompor, mas depois vem em minha direção com passos decididos e
o queixo erguido, o que me deixa orgulhoso. Ela não abaixou a cabeça para mim, essa é minha
menina forte e destemida. Cazzo, minha menina?
— O que você pensa que está fazendo aqui? — A morena fala entredentes, quando para
na minha frente.
— Preciso falar com você. — Respondo.
Eu precisava mesmo? Não! Só queria vê-la.
Carina suspira e eu percebo seu amigo logo atrás, engolindo em seco. Logo eu o
reconheci pelas fotos que Michela separou no arquivo sobre a garota, ele é o tal amigo com quem
ela divide apartamento. Ela comentou que o nome dele era Thiago…
— Não temos nada para falar. — Carina é seca, mas percebo que seus olhos estão
soltando faíscas de raiva.
— Não testa a minha paciência, tesoro. — Alerto, sem me importar com a presença do
seu amigo.
— Cá… — O homem parece receoso e chama a atenção da amiga, só que ela não desviou
seus olhos dos meus. — Eu vou subindo…
— Perfeito! — Corto sua fala, sorrindo falsamente. Queria ficar sozinho com ela. —
Pode ir na frente, que vou levar a sua amiga para dar uma volta.
Carina solta uma gargalhada debochada ao escutar as minhas palavras, mas ainda me
encara. Vejo seu amigo assustado, cutucando na costela dela, como se pedisse para ela parar com
a cena. Confesso que acho engraçada sua preocupação, provavelmente não sabe que ela esteve na
minha cama esta manhã.
— Eu não vou a lugar algum com você. — Carina fala, mas percebo que sua postura
vacila um pouco. — Nem te conheço!
Deveria me irritar com o seu tom, mas eu acho graça. Não sei se ela está fazendo essa
cena toda porque o amigo não sabe do que está acontecendo de fato com ela, ou se está brava
porque não a escolhi para fazer a dança “especial”.
Será que Carina está com ciúmes?
— Não me conhece!? — Ergo uma sobrancelha e ela sustentou meu olhar.
— Não. — Ela não vacila ao responder.
Ficamos em um embate silencioso, até que me viro para seu amigo, que arregala os olhos.
— Não se preocupe com ela esta noite. — Comunico, apontando para a porta do prédio
em que eles vivem. — Pode ir para sua casa, vou tomar conta dela.
— Thiago… — Carina começa a chamar pelo amigo, mas eu estreito meus olhos e ele sai
imediatamente. Ela bufa e me olha com certa revolta. — O que você quer de mim? Não tenho
novidades para você hoje, Collalto.
— Quero que você venha comigo.
— E se eu disser que não vou? — Ela cruza os braços na frente do corpo e seus seios
sobem um pouco no decote modesto do vestido.
— Não existe essa opção, tesoro.

— Ainda não acredito que fez isso! — Ela reclama, jogando a bolsa em cima do meu
sofá, como se fosse a porra da dona da casa.
Já vi essa cena acontecendo algumas vezes e sempre me incomoda quando as mulheres
acham que têm algum poder aqui, ou sobre mim. Mas não me incomoda nem um pouco quando é
ela que está fazendo isso.
— Eu disse que precisava falar com você. Deveria ter me escutado.
Carina está revoltada e me encara com aqueles olhos castanhos, quase pretos de tanto
ódio. Depois de ficarmos em um pequeno embate, ela acabou cedendo e subiu na garupa da
minha moto.
— Então fala! — Ela ordena. — O que era tão urgente, que você precisou ir me
esperar na porta do meu prédio feito um stalker?
Acho fofo esse seu jeito destemido, que não se importa de estar falando com uma
pessoa como eu. Carina tem esse lado, que muitas vezes fica escondido pelo medo, e sempre que
ela me enfrenta, mostrando sua força, me deixa excitado.
Fico um tempo em silêncio, porque não sei o que responder. Não existe um real motivo
para estar na porta da sua casa, muito menos para trazê-la até a minha. Eu só queria estar ao seu
lado depois do dia de merda que tive. O quão errado é isso?
— Ficou mudo agora? — Seu olhar é assassino. — Você não tem o direito de aparecer
assim, quando bem entender. Dane-se que é um mafioso, eu não quero ter que ficar dando
explicações para as pessoas que me conhecem, que vão ficar me questionando ao nos verem
juntos. O estava passando pela sua cabeça, Collalto?
Ela continua falando sem parar, reclamando que o melhor amigo não sabe que está
trabalhando para mim. Diz que isso pode acabar com o plano de descobrir informações sobre seu
chefe, que podem desconfiar ainda mais dela…
— Já acabou? — Questiono, quando ela pausa para respirar um pouco.
Caminho na sua direção e fico parado na sua frente, nossos rostos quase se encontram
e sinto o seu perfume floral, o mesmo que estava impregnado na minha cama. Seus olhos
encontraram os meus e vejo que o seu brilho muda.
— O que foi fazer na boate hoje? — Finalmente ela solta a pergunta que, no fundo, eu
sabia que estava se segurando para fazer.
— Estava entediado.
— Entediado? — Ela ri debochadamente. — Então, foi atrás de uma mulher para foder
e te dar um pouco de diversão?
— Ficou com ciúmes? — Implico, desejando ver a sua reação.
— Claro que não! — Responde prontamente, mas desvia o olhar do meu. Ela está
mentindo! — Mas de todas as mulheres daquele lugar, você precisava pegar Cristina!? Pensei
que você tivesse um gosto melhor.
— Não transei com ela, não se preocupe. — Coloco uma mecha do seu cabelo preto
atrás da orelha e vejo que seu corpo reage ao meu toque.
Carina voltou a me olhar nos olhos e meu coração errou uma batida.
Mas que merda…
— Eu não me importo. — Tenta soar indiferente, mas sinto que a mera ideia de que
estive com outra a deixa meio desnorteada. — Poderia ter transado, a vida é sua. Eu só trabalho
para você…
— Cometeria um erro se tivesse feito com ela, a mesma coisa que nós dois fizemos
naquele dia. — Declaro para provocá-la e percebo que surte o efeito desejado, já que ela suspira
e fecha os olhos. — Meu pau não reagiu a ela. Sabe por que?
A respiração de Carina fica pesada e eu passo o dedo pelo seu braço, subindo e descendo
pela pele macia. Ela estremece com meu toque e basta isso para meu corpo despertar.
— Sabe, tesoro? — Insisto e ela abre os olhos, me encarando com um misto de fúria e
desejo.
— Por que? — Ela questiona com a voz levemente rouca.
— Porque ela não era você.
Ficamos em silêncio, presos a este momento, e meus lábios coçam para beijá-la, mas
não me atrevo a cair na tentação. Carina tem tudo para ser a minha ruína, já percebi isso. Só que
já estou em uma corda bamba, prestes a cair no fundo do poço. Não devo arrastá-la comigo.
Me pegando de surpresa, ela dá um passo à frente e ergue o queixo, deixando nossos
lábios próximos um do outro.
— Você queria me trazer para a sua casa para me foder, Collalto? — Ela não desvia o
olhar do meu e sinto meu pau ficar duro como pedra com a simples ideia de estar dentro dela. —
Achei que quisesse conversar.
— Quer que eu te foda, tesoro? — Questiono, tocando na sua bochecha e descendo o
dedo pelo seu pescoço. — Se quiser, basta pedir.
Carina abre um sorriso e roça os lábios nos meus.
— Nunca! — Diz, se afastando abruptamente.
Fico em choque.
O que acabou de acontecer? Ela acabou de me provocar?
Observo enquanto Carina caminha até a minha cozinha, vendo ela desfilar aquela bunda
redonda pela minha casa. Ajeito a ereção dentro da calça e faço o mesmo caminho, assistindo ela
abrindo a geladeira em busca de algo.
Nunca a forçaria a nada, mas esse jogo que ela acabou de iniciar eu sei jogar. Daqui a
pouco, vou fazê-la implorar por mim.
— Tem pizza congelada. — Digo, quando percebo que deve estar com fome.
Carina não olha na minha direção, apenas abre o compartimento do freezer e pega a pizza
que a senhora Torrisi mandou através de um dos soldados esta tarde, assim como algumas
refeições congeladas.
— Estava bonita hoje. — Sento na banqueta, enquanto a morena coloca a pizza no
forno. — Gostei da dança.
— Eu… — Ela respirou fundo e se vira para me encarar. — Foi o mesmo de sempre, o
público ama.
Meu pau pulsa novamente com as imagens dela dançando no poste. Mas é só lembrar
dos aplausos e gritos dos homens, que meu sangue ferve outra vez. É como se eu estivesse lá
novamente, vendo aquele corpo sendo babado por várias pessoas.
— Não tem uma folga não? — Tento mudar o foco da conversa e tirar o sentimento
estranho que está crescendo dentro de mim.
— Vou tirar uns dias daqui a uma semana, mais ou menos. — Sua resposta chama a
minha atenção.
Carina me dá as costas e começa a caminhar novamente para a sala. Como um
cachorrinho, eu a sigo novamente. Ela senta no sofá e pega o celular dentro da bolsa, sem se
importar de estar na minha casa. Aproveito para ir no mini bar e sirvo uma dose de uísque para
mim. Ofereço para ela, que nega com um aceno de cabeça.
— O que pensa em fazer nos seus dias livres? — Questiono, curioso.
No dossiê que Michela preparou tem várias informações sobre a sua vida, mas algumas
coisas ainda são um completo mistério para mim.
— Nada demais. — Ela dá de ombros. — Ficar em casa, dar umas voltas pelas ruas da
cidade… Por que o interesse?
Uma ideia passa pela minha cabeça.
Deve ser o mesmo período que vou ficar fora da cidade, quando estaremos na casa de
férias. Nesse período, não estarei na cidade para vigiá-la, então… Mas é uma loucura convidá-la
para passar um dia comigo, certo?
— O que acha de viajar? — Sugiro e ela me olha surpresa.
Carina abre a boca e fecha repetidas vezes. Não posso culpá-la, estou agindo como uma
maldito emocionado. Eu não sou assim!
— Viajar? — Ela larga o celular em cima do sofá. — Com quem? Você?
— Vou passar uns dias na Toscana na casa da minha família. — Respondo, me
aproximando de onde ela está. — Se você fosse comigo, conseguiria te manter segura sob minha
supervisão.
— Segura? — Ela parece confusa. — Estou correndo perigo?
— Podem descobrir que você estava na casa de Baccari quando… — Não preciso
terminar de falar, porque vejo a compreensão em seu olhar.
— Mas não seria estranho? — Ela questiona e fico feliz por ela estar considerando a
ideia. — O que as pessoas vão pensar…
— Apenas minha família estará lá.
— Sua família... — Ela começa a dizer, sem me encarar.
— São como qualquer outra.
Carina ergue o olhar e dá um sorriso triste.
— Eu nunca tive uma família, Tomás. — Meu coração aperta ao escutar as palavras
saindo da sua boca. — Não sei como é...
Caminho em direção ao sofá e me agacho na sua frente, pegando suas mãos. Seus olhos
castanhos não desviam dos meus e sinto que está nervosa com a simples ideia de encontrar
minha família.
E, por incrível que pareça, não é porque eles são a realeza da máfia.
— Nonna Chiara vai adorar te conhecer.
Ela fica um tempo em silêncio e eu vejo que está ponderando se deve, ou não, aceitar a
minha proposta. Talvez seja uma loucura levá-la para passar alguns dias com a minha família,
mas não quero deixá-la sozinha aqui. Sei que ela teria a proteção dos meus soldados, mas…
— Va bene… — Ela fecha os olhos e balança a cabeça. — Eu vou com você.
Meu coração fica mais leve ao escutar a sua resposta.
CAPÍTULO 16
O carro para em frente a uma mansão de pedra e meu coração bate acelerado dentro do
peito. Por que aceitei vir com ele, ainda mais sabendo que vou conhecer toda sua família? E não
é qualquer família. Simplesmente, a principal família da máfia italiana.
Tomás sai primeiro do carro e eu fico observando a majestosa construção pela janela.
Cada detalhe da casa é maravilhoso, com certeza deve ter anos de história. O jardim é muito bem
cuidado e as flores estão tão bonitas…
Ele abre a minha porta e me dá a mão para ajudar a sair do carro.
— Finalmente você chegou! — Levo um susto com a voz que surge do nada.
Olho para a grande porta de madeira da entrada e encontro uma loira, usando um
vestido verde escuro de alcinha e tênis branco. Ela está segurando um bebê no colo, que brinca
despreocupadamente com seu mordedor.
— Estava me esperando, sorellina? — Tomás questiona, se aproximando da mulher.
Percebo que se trata da irmã de Tomás. Durante o caminho, ele foi me contando sobre
sua família e descobri que ele tem cinco irmãos, além dos sobrinhos, sete primos e alguns amigos
que são praticamente família. Não pude deixar de sentir uma pontada de inveja, porque era meu
sonho ter uma família assim, gigante.
Seus familiares vieram ontem, mas eu ainda tinha que trabalhar. Vittorio não me daria
mais um dia de folga, nem mesmo se eu pedisse. Ravena que havia combinado com ele as
minhas mini férias, que havia pedido há alguns meses. Sendo assim, Tomás ficou para me
esperar e viemos juntos hoje pela manhã.
Fico observando os dois se abraçarem e ele tomando o bebê do seu colo, fazendo
cosquinha na barriga da criança de cabelo dourado, que solta uma risada gostosa. Não sei se devo
me aproximar…
— Vejo que trouxe companhia. — Ela direciona seu olhar para mim e deixa o irmão de
lado, vindo na minha direção. — Ciao! Bem-vinda a nossa casa! — Me abraça e sou pega de
surpresa com a receptividade. — Me chamo Sophia e sou irmã daquele idiota ali.
Não consigo segurar a risada. Olho na direção de Tomás, que me encara com os olhos
estreitos, mas tem um sorriso no canto dos lábios.
— Ciao! Me chamo Carina. — Me apresento e a loira sorri. — Sou uma amiga do seu
irmão.
— Amiga!? — Sophia encara o irmão com a sobrancelha erguida e ele revira os olhos,
voltando sua atenção ao bebê. — Que seja! Bem-vinda a nossa famiglia, Carina.
Ela me arrasta para dentro da casa, enquanto seu irmão nos acompanha. Escuto quando
pede para um dos seguranças que estava ao redor da propriedade pegar as nossas malas no carro
e deixar no seu quarto.
Tento não demonstrar a minha surpresa ao ver o lado de dentro da mansão, que é ainda
mais perfeito do que o exterior. Minhas mãos começam a suar, com medo de cometer algum erro
enquanto estou aqui e isso custar a minha vida.
Sophia começa a chamar os familiares, avisando que Tomás chegou. Sinto meu coração
disparando, com medo do que pode acontecer, mas esse sentimento se esvai quando sinto a mão
de Tomás entrelaçando com a minha.
Olho para o lado e ele pisca para mim, como se dissesse que vai ficar tudo bem. Sua irmã
percebe o gesto e dá um sorrisinho, mas finjo que eu não vi nada. O bebê resmunga no colo do
homem tatuado e abre os braços na direção da loira, que prontamente o pega e beija suas
bochechas gordinhas.
— Achei que fosse desistir de vir! — Uma mulher de cabelo castanho com algumas
mechas mais claras surge primeiro e sorri. Ela é tão bonita quanto a loira e seus olhos cor de mel
estão radiantes. — Está fugindo da famiglia, Tomás?
— Tentando… — O homem solta a minha mão e abraça a mulher. — Mas vocês não me
deixam em paz, Hanna.
A mulher empurra o seu ombro e ainda sorri quando direciona a atenção para mim.
— Você deve ser a garota que Michela falou! — Ela me abraça animada e escuto Tomás
resmungando do meu lado. Eles sabem sobre mim? — Sinta-se em casa, viu?
Depois disso, outras pessoas começam a chegar na sala e todas me cumprimentam. Eles
parecem ser legais, todos são bem receptivos comigo. Assim como Tomás havia previsto, sua
avó me agarrou e disse que era um imenso prazer me conhecer. Acho que, talvez, sua família
tenha interpretado errado e pensam que eu tenho alguma coisa com o homem que me trouxe
aqui.
Então, dois homens surgem por último. Ambos têm cabelo claro, um loiro e outro
castanho, além dos olhos em um tom azul. Eles vestem calça jeans e camisa preta, parece até um
uniforme. A postura impecável me causa um arrepio.
— Temos convidada especial? — O de cabelo castanho brinca ao cumprimentar Tomás.
Depois se direciona a mim. — Ciao! Eu sou o Nicolas, primo do Tomás.
— Cunhado também. Não se esqueça disso, Nicky! — Sophia surge ao seu lado e lhe
entrega o bebê que ainda estava no seu colo. — Mia está dormindo, vou lá conferir. Fica com
Lorenzo rapidinho.
— Tudo bem, princesa. — Ele responde, segurando o bebê em seus braços.
Engulo em seco.
Nicolas Collalto é o Capo di tutti Capi da parte da máfia italiana radicada nos Estados
Unidos. Isso quer dizer que… Olho para o outro homem que veio com ele, que está sério e se
aproxima lentamente de nós.
Lucca Collalto.
— Ciao! — Ele nem cumprimenta o irmão, apenas se direciona a mim. — Seja bem-
vinda, Carina.
A forma como fala meu nome… Ele sabe exatamente quem eu sou, o que vi e o que
estou fazendo para seu irmão. Era óbvio que o chefe de tudo saberia de todos os detalhes.
— Grazie. — Sussurro.
Mio Dio! Onde fui me meter?

Depois do almoço, que estava divino, cada um foi para um canto da mansão. Descobri
que vou ficar no mesmo quarto que Tomás, porque os outros já estão ocupados e, bem, eles
acham que estamos juntos. Não queria ter que compartilhar a cama com ele, mas…
Conheci o quarto e a ala na qual vou dormir, mas confesso que com certeza vou me
perder dentro dessa casa. É um labirinto com quatro alas e dezenas de quartos. Troquei de roupa
e coloquei uma legging preta e um cropped mais confortável. Percebi que eles não ostentam
tanto luxo quando estão em família, então, optei por uma roupa mais confortável que o vestido
apertado e o salto alto que estava usando mais cedo.
Tomás foi encontrar-se com os homens, porque iriam fazer uma pequena reunião antes
de se entregarem aos dias tranquilos no campo. Ele me deu passe livre para explorar a
propriedade, e mesmo com receio, aceitei sua sugestão.
Estava em um dos corredores do primeiro andar, observando os porta retratos na
parede. Haviam fotos antigas, mas também tinham algumas mais novas. Casamentos,
aniversários, férias… Tudo estava registrado ali. Era bonito ver que uma família se preocupava
com isso, mas me sentia mal ao me dar conta de que não tinha registro de quase nada da minha
vida.
Tem uma foto do casamento dos pais do Tomás. Reconheci sua mãe, uma versão
idêntica a Sophia, e seu pai, o falecido Capo da máfia. A senhora Collalto foi um amor comigo,
mas notei que estava com uma aparência cansada. As olheiras profundas nos olhos entregam que
ela não está bem, mas não me atrevi a questionar.
Passo o dedo por uma foto dos primos Collalto, quando ainda eram mais novos, e
sorrio ao ver um Tomás sem muitas tatuagens, com a roupa toda molhada, sorrindo para a foto.
Nem parece o mesmo homem que me ameaçou de morte quando o conheci.
— Ainda existe um pouco desse Tomás dentro dele.
Dou um pulo, assustada com a voz que me tira dos devaneios. Olho para o lado e
encontro Camilla, a esposa de Lucca. Nos conhecemos mais cedo, porém, não tivemos tanto
tempo para conversar.
Sorrio sem graça por ter sido pega no flagra, olhando as fotografias da família.
— Eu não o conheci nessa época. — A morena continua, se aproximando e admirando
a imagem. — Mas pelo o que Lucca me contou, Tomás mudou depois da morte do pai… E só
piorou depois das notícias sobre a mãe. Só que eu já vi esse brilho nos olhos dele. Raramente,
mas ainda vejo.
Fico em silêncio, sem saber o que dizer. É como se eu estivesse cruzando um caminho
perigoso e proibido. Camilla solta um suspiro.
— Todo mundo anda preocupado com ele. — Confessa.
— Ele sabe esconder muito bem as emoções. — Comento o que já percebi. — Mas
tem um coração bom. Nunca me machucaria.
Ela sorri.
— Não tenho dúvidas disso! — Vira o corpo e me encara. — Como está sendo para
você viver tudo isso?
Não entendo a sua pergunta. Será que ela sabe que estou espionando meu chefe para
Tomás? Ou será que ela também acha que estou com o mafioso tatuado?
— Desculpa, eu… — Tento dizer.
— Não se preocupe. — Ela coloca a mão no meu ombro, fazendo carinho. — Sei que
pode ser uma loucura se envolver com a máfia. Você não era deste mundo antes, certo?
— Não! — Confirmo.
— Saiba que pode contar comigo para o que precisar, viu? Eu também fiquei meio
perdida no início, mas minha situação foi diferente.
— Como? — Questiono, porque fico curiosa.
— Tomás não contou? — Ela sorri. — Eu me envolvi com Lucca quando ele foi fazer
faculdade em Londres, mas não fazia ideia de quem ele era. Até porque, o desgraçado do meu
marido usou um sobrenome falso.
— Sério? — Estou em choque.
— Uhum! — Camilla me puxa para perto e cochicha. — Mas você já viu essa família?
Não tem como evitar se sentir atraída por um homem que parece um deus grego.
Minhas bochechas ficam vermelhas e nós duas rimos. Realmente, eu sei que é uma
situação difícil de lidar.
— Enfim, ele terminou comigo antes que eu descobrisse que estava grávida. — Olho
para ela surpresa, mas Camilla apenas dá de ombros. — Nos reencontramos anos depois, quando
eu precisava de ajuda para me livrar de um cara que estava obcecado por mim e… — Ergue a
mão com a aliança. — Tcharam! Casei com o bad boy da faculdade que dizia não se apegar a
ninguém.
— Parece história de livro. — Comento.
— Meu conto de fadas! — Ela olha para a imagem do casamento deles e sorri. —
Você também vai ter o seu.
Engulo em seco.
Sempre sonhei em me casar, ter meu próprio restaurante e construir a minha família ao
lado do homem que amo. Só que, a cada dia que passa, esse sonho parece estar distante. Sei que
sou nova, tenho apenas 19 anos, mas…
Olho para uma fotografia de Tomás vestindo um terno preto, tão bonito… Mas meu
coração errou uma batida ao ver quem está posando ao seu lado. Me aproximo da imagem para
ter certeza, porém, eu sei que é ela. É a garota que me atendeu naquele dia, com o cabelo
molhado e vestindo uma camiseta sua.
Sinto meus olhos queimando, uma dor estranha preenche meu peito.
— Quem é ela? — Faço força para não demonstrar que estou afetada com uma simples
foto, quando questiono a Camilla.
— Quem? — Ela indaga e eu aponto para a imagem. — Ah! Essa é a Martina. Ela é a
filha do padrinho de Tomás, Filippo Santoro.
Observo a imagem com mais atenção.
Eles parecem um casal perfeito… Ambos fazem parte desse mundo, eu não. Cazzo!
Por que estou me comparando a ela? Não tenho nada com Tomás!
— Ouvi boatos de que queriam que Tomás se casasse com ela… Muitos ainda pensam
que a união um dia vai acontecer. — Camilla comenta, despretensiosamente, enquanto eu sinto o
meu coração sendo quebrado. — Algumas famílias ainda veem benefícios nos casamentos
arranjados.
— Entendo… — Minha voz falha.
— Meu Deus! — A morena parece se dar conta de que falou algo errado. Ela gira o
meu corpo e me faz encará-la nos olhos. — Eles não tem nada, ok? São só boatos que ouvi
durante as festas da máfia que frequentei nos últimos tempos, nada demais.
— Tá tudo bem, Camilla! — Forço um sorriso. — Juro! Eu sou só uma amiga de
Tomás, nós não temos nada.
— Não acredito nas suas palavras. — Ela segura as minhas mãos e sorri docilmente.
— Ele nunca levou uma amiga para a mansão Collalto, imagina apresentar a todo o clã.
Meu coração para por um segundo.
O que ela quer dizer com isso? Será que existe alguma coisa a mais? Não, ele só me
trouxe aqui para ficar de olho em mim, não tem nenhum outro motivo...
Não tenho tempo de externar meus questionamentos. Michela, uma loira muito bonita
que namora o melhor amigo de Tomás, aparece no final do corredor, nos chamando.
— Vamos entrar na piscina? — Ela pergunta, já vestindo uma saída de praia branca.
— Estamos indo! — Camilla responde e acompanhamos a loira desaparecer.
— Acho melhor ir me trocar. — Sorrio.
Melhor esquecer essa história…
— Coloque um biquíni que faça Tomás morrer de ciúmes. — A morena brinca e eu
arregalo meus olhos com sua insinuação. — A propósito, pode me chamar de Cami. Quase
ninguém aqui me chama pelo nome.
— Va bene…
Um sentimento bom me abraça, conforme caminhamos lado a lado pelo corredor,
seguindo para a escada que leva ao segundo andar. Camilla conta sobre sua filha, Nina, e eu não
deixo de perceber que passa a mão na barriga diversas vezes. Será que está grávida?
Por que sinto que, em menos de 24 horas, já estou começando a me apegar a essa
família?
CAPÍTULO 17
Já tem três dias que chegamos e, a cada dia que passa, Carina me deixa cada vez mais
perto da beira do abismo. Puta que pariu! Ela está na piscina, brincando com minhas irmãs e
sobrinha, usando um biquíni branco minúsculo. Meu pau ganha vida ao ver os seios fartos quase
pulando para fora e aquela bunda empinada.
Dormir ao lado dessa mulher todas as noites está sendo uma verdadeira tortura. Todo dia
preciso bater uma no banheiro, antes de me deitar na cama.
— Me diz que você já comeu ela! — Michael toma um gole da sua cerveja e está,
descaradamente, admirando o corpo da morena.
Meu primo, filho de zio Giuseppe e zia Pamela, é o Underboss de Nicolas e irmão mais
novo de Isabella. Conheço muito bem o jeitinho dele e sei que está falando isso para me
provocar.
— Pare de olhar o que não é seu. — Bato na sua cabeça. — Carina é muita areia para seu
caminhãozinho.
— Acho que ela aguentaria algumas sentadas. — Meu primo brinca e lhe direciono um
olhar sério. Michael solta uma gargalhada ao me ver de punhos cerrados. — É muito fácil te
deixar puto! Deveria esconder melhor seus ciúmes, Tom Tom.
O apelido da infância, que atualmente só usam para implicar comigo, me deixa um pouco
mais relaxado. Detesto saber que Carina tem esse poder sobre mim, que tenho esses sentimentos
estranhos em relação a ela…
— Mas não respondeu a minha pergunta… — Cantarola.
— Cadê a Bianca, hein? — Ignoro ele e é a minha vez de implicar. — Achei que fosse
trazer sua melhor amiga para passar essa semana com a gente.
Bianca é uma amiga da nossa família, especificamente dos meus primos dos Estados
Unidos. Todo mundo implica com Michael, dizendo que ele é apaixonado por ela. Meu primo é
daqueles que pega geral e não quer se apegar, mas já me confessou uma vez, quando estava
bêbado, que tinha sentimentos pela amiga.
Apenas mencionar o nome dela, já faz com que ele mude a postura brincalhona.
— Está agarrada no novo namorado. — Reclama, tomando mais um gole da cerveja. —
Sou o único solteiro do grupo agora, e isso é uma merda.
— Ainda estou disponível para suas aventuras, cugino[37].
— Claro! — Ironiza, mas logo retorna a sua lamúria. — Minha irmã foi a primeira a
abandonar o barco, ao se casar com Juan e se mudar para a Espanha. Nicolas tem uma relação de
cão e gato com Sophia, sempre agarrados. Hanna fica trancada naquele apartamento com Matteo.
Já o Tyler quase não nos vemos mais, porque só dá atenção a Lucy…
— E Bianca agora tem um namorado novo. — Concluo e ele revira os olhos. — Deve ser
difícil ver o amor da sua vida apaixonada por outro.
— Vai se foder, Tomás!
Não consigo evitar a risada.
Às vezes sinto falta desses momentos leves em família.
— O que as senhoritas estão fofocando? — Matteo questiona.
O marido de Hanna surge na nossa frente, ao lado de Nicolas, Lucca e Jesse. Todos tem
uma cerveja na mão, mas meu cunhado também possui minha sobrinha, Mia, em um dos seus
braços.
— Tomás estava me contando sobre como está a relação dele com Carina. — Michael é
mais rápido ao responder.
— É mesmo? — Lucca me olha com a sobrancelha erguida, mas eu desvio o olhar.
Não sei o que estou sentindo, mas tenho certeza de que meu irmão vai ter uma resposta
para isso antes de mim. E eu não quero saber qual é.
— Tá apaixonado pela dançarina e não me contou, Tomás? — Jesse finge indignação, ao
se sentar ao meu lado na espreguiçadeira de madeira. — Já fomos melhores amigos, lembra?
— Vaffanculo[38], Jesse! — Começo a me irritar com as brincadeiras.
— Parem de implicar com ele, ragazzi[39]. — Nicolas toma a frente e Mia tenta se soltar
dos braços do pai. — Tomás ainda não entendeu o que sente.
Fico em choque.
— Como? — Quase engasgo com a minha bebida.
— E você conseguiu descobrir isso como, Nick? — Michael lhe encarou.
— Fácil! — Jesse é quem responde, recebendo atenção de todos nós, especialmente a de
Nicolas. — Ele já esteve no mesmo lugar que Tomás. Sabe do que está falando.
Todos ficamos em silêncio.
Antes de finalmente se casar com Nicolas, minha irmã namorou por um tempo com Jesse.
No final, ambos decidiram terminar, porque não estava dando mais certo e perceberam que
seriam melhores como amigos. Sophia foi fazer faculdade nos Estados Unidos e… o resto é
história.
— Não vai negar? — Matteo quebra o silêncio, olhando para o melhor amigo.
— Não! — Nicolas dá de ombros e todos ficamos surpresos.
De uns tempos pra cá, ele tem lidado melhor com o passado e aceitado falar abertamente
que, no fundo, amou minha irmã durante anos.
Ficamos um tempo conversando à beira da piscina. Eles deixam de lado a obsessão de
descobrir o que está acontecendo entre mim e Carina. Aposto que Lucca contou para Nicolas a
verdade, mas o mesmo não deu sinais. Também não ficam no meu pé sobre o meu afastamento, o
que já é um avanço.
Meus olhos sempre buscam a morena, que estava na água com as crianças. Algumas das
outras mulheres se juntaram a ela e conversam sorridentes. Nicolas levou Mia para perto de
Lorenzo, que brincava em uma toalha estendida na grama. Muita coisa mudou nesses últimos
anos, mas parece como antigamente…
É estranho ter esse sentimento de que Carina se encaixa perfeitamente no grupo? Que ela
seria uma ótima adição a nossa famiglia?
— Sabe que ela está fazendo trabalho sujo para você, certo? — Lucca questiona baixinho
ao meu lado, quando me pega olhando para ela. Engulo em seco. — Não deveria deixar as suas
emoções atrapalharem, Tomás.
— Não sinto nada… — Começo a responder.
— Suas palavras mentem, e os seus olhos entregam. — Lucca me corta e eu fico sem
saber o que dizer. — Você está gostando dela e não quer assumir isso.
— O amor pode nos destruir. — Declaro.
— O amor pode nos fortalecer.
Meu irmão se afasta, me deixando perdido em meus próprios pensamentos. Olho na
direção de Carina novamente e nossos olhos se encontram. Ela sorri para mim e meu coração
aperta dentro do peito.
Eu não posso estar amando, posso?

Depois do jantar, todos os primos se reuniram na sala de cinema para assistir a um


filme. Os mais velhos se retiraram para descansar e zia Dalila pegou a responsabilidade de ficar
com os pequenos. Mamma estava com uma aparência abatida esses dias, mas em todas as
refeições tinha um sorriso no rosto e fazia esforço para não deixar transparecer que estava mal.
Sentia que estava chegando a hora, mas não queria ficar pensando sobre isso. Por isso,
ignorava os sinais que estava dando, assim como todos os outros pareciam fazer. Isso estava me
destruindo aos poucos.
O filme escolhido pela maioria foi de terror. Nicole, irmã mais nova de Michael e
Isabella, foi a primeira a protestar. Apenas ignoramos o seu pedido, como sempre. Mesmo sendo
contrariada, ela estava encolhida no canto do sofá, aguardando meu irmão, Felippo, dar o play.
Sai escondido, porque vi que Carina ainda não tinha voltado para a sala. Pensei que
talvez ela tivesse se perdido pelos corredores da mansão, assim como havia feito nos dois
primeiros dias. Só que me surpreendo ao encontrá-la no corredor com as fotografias da família.
Me aproximo devagar e percebo que seus olhos estão fixos em uma imagem minha ao
lado de Martina. Ela parece intrigada e morde o canto do lábio inferior.
— Estou bonito na foto? — Pergunto, atraindo a sua atenção.
Carina me olha assustada, mas se esforça para mudar a feição.
— Acho que fiquei entretida com as fotografias e acabei perdendo a noção do tempo.
— Sorri, sem graça. — O filme já começou?
— Ainda não.
Paro do seu lado e passo o olho pelas imagens que decoram o corredor. São fotos de
vários momentos da nossa famiglia, desde o casamento de meus bisavós, Giuseppe e Maria, até a
foto do casamento de Lucca e Camilla, o último que tivemos.
— Seu pai era bonito. — Comenta.
Meu coração para por um segundo ao olhar para imagem do casamento dos meus pais.
Eles estavam tão felizes e dava para ver o amor no olhar de ambos.
— Sente a falta dele? — Questiona.
Meu coração aperta dentro do peito quando flashes de momentos com o homem que era
meu super-herói invadem a minha mente.
— Todos os dias. — Confesso.
Ficamos em silêncio por um tempo, meus olhos fixos nas imagens. Carina me pega de
surpresa ao passar o braço pelo meu e encostar a cabeça nele.
Engulo em seco.
— Queria ter uma família assim, sabe? — Ela suspira. — Sempre imaginei como seria
crescer em um ambiente familiar, cheio de amor. Acho que consegui ter uma noção nesses dias,
então, obrigada!
Minha garganta fecha por um instante.
— Posso te perguntar uma coisa? — Ela parece receosa.
— O que quer saber?
Carina aponta para a imagem que estava observando quando cheguei.
— Era ela que estava no seu apartamento naquele dia, certo? — Afasta sua cabeça do
meu corpo para me encarar e eu olho nos seus olhos castanhos. Aceno com a cabeça,
confirmando. — Vocês são namorados, ou algo do tipo?
Não consigo disfarçar o sorriso e ela belisca o meu braço, sorrindo também.
— Com ciúmes, tesoro? — Brinco e ela revira os olhos.
— Responda a pergunta, Collalto.
Não tenho a obrigação de lhe dar uma resposta, mas…
— Não, eu não tenho nada com Martina. — Declaro, olhando para a morena que domina
os meus pensamentos ultimamente. — Ela é a filha do meu padrinho, o melhor amigo do meu
pai. Tina é como uma irmã mais nova.
— Hum… — Carina volta a observar a foto que estou de braços dados com Martina em
uma das festas da máfia. — De qualquer forma, vocês formam um belo casal.
Uma risada escapou dos meus lábios.
— Bem que o avô dela queria, mas isso nunca vai acontecer. — Informo e ela me olha
com certa curiosidade. — O pai do meu padrinho era alucinado com a ideia de nos casar.
Felizmente, o velho morreu.
— É sério isso?
— Sim. — Confirmo. — Mas tem uma história por trás disso tudo.
— Qual? — Carina questiona com os olhos brilhando de curiosidade.
— Meu padrinho, Filippo Santoro, teve uma primeira esposa. — Começou a contar a
história que minha mãe me contou anos atrás. — Ele era apaixonado por ela, mas seu pai não
aprovava o relacionamento, por isso, ele se casou escondido em uma capela em uma vila perto de
Palermo. Com a bênção do Capo, claro.
— Seu pai? — Indaga e eu aceno.
— O velho ficou uma fera quando descobriu, mas não poderia fazer nada. O filho era um
dos homens de confiança do Capo. — Olho para a foto que meus pais tiraram com meu padrinho
no dia do meu batizado. — Tempos depois a sua esposa engravidou. Acho que o nome dela era
Diana.
— E o que aconteceu?
— Naquela época, eu deveria ter uns quatro anos. Começou uma brincadeira de que eu
seria o noivo do bebê, se viesse a ser uma menina. Só que eles não queriam saber o sexo antes do
nascimento. — Sorrio sem humor. — Era algo que falavam sem compromisso, uma coisa entre
amigos, se divertindo com o futuro incerto, entende? Só que o pai de Filippo agradou da ideia.
— E aí veio a Martina!? — Carina questiona, mas nego com a cabeça.
— Diana entrou em trabalho de parto quando meu pai e meu padrinho estavam em uma
viagem de negócios. — Meu coração aperta dentro do peito e percebo que Carina fica tensa. —
Ela e a criança morreram no parto. Era um menino.
— Mio Dio! — Ela leva a mão à boca.
— Meu padrinho ficou arrasado, não queria mais viver. Mamma fala que esse foi o
período mais sombrio dele. — Suspiro. — Uns seis meses depois, foi lá em casa pedir a bênção
de meu pai para se casar com Carla, mãe de Martina.
— O pai dele o obrigou a se casar?
Dou de ombros.
— Ninguém sabe ao certo. Mas o velho ficou em cima dos dois, até Filippo e a esposa lhe
darem um herdeiro homem.
— Que horror! — Carina está chocada com a história.
Eu sempre fico mexido quando penso no que poderia ter acontecido se meu padrinho não
tivesse se casado com Carla. Eu sei que ele a ama hoje, mas também percebo que ela não é o seu
verdadeiro amor. Assim como ele não é o dela.
— Devem estar nos esperando… — Carina sussurra e eu me lembro do motivo para ter
vindo atrás dela.
— Sim!
Pego na sua mão e entrelaço nossos dedos, caminhando pelo corredor, de volta para a
sessão de cinema. Uma sensação boa me preenche, afastando os sentimentos ruins que me
consomem diariamente.
Entro com Carina na sala e todo mundo aplaude e grita, porque estavam nos esperando
para começar o filme. Sophia e Camilla já haviam voltado com os potes de pipoca e estavam
aninhadas nos braços dos maridos, assim como Hanna. Michela estava deitada com a cabeça nas
pernas de Jesse, que fazia carinho no seu cabelo loiro.
Felippo e Giulio, os mais novos aqui, estavam conversando num dos cantos do chão, com
almofadas no colo. Nicole continuava encolhida no canto do sofá e Michael estava sentado na
outra ponta, com um espaço vazio do seu lado. Só estava faltando Isabella e Juan, mas ela
acabou de dar à luz e não veio para cá este ano. Porém, prometeu que vem passar o Natal com a
gente.
Caminho até o espaço vazio e Carina vem logo atrás.
— Senta aqui comigo, tesoro. — Puxo ela para se sentar do meu lado no sofá.
Mesmo no escuro, vejo que suas bochechas ficam vermelhas. Sinto que recebemos alguns
olhares, mas decido ignorar.
O filme começa e Michael se inclina na minha direção. Já imagino que não vai sair coisa
boa da sua boca.
— Pequena, princesa, bella, niña… tesoro… — Praticamente cantarola o último e fecho
meus olhos, rezando para Carina não estar escutando. — Realmente, entrou para o time dos
rendidos, Tom Tom.
— Zitto, Michael! — Falo entredentes.
CAPÍTULO 18
— Ela não está bem! — Lucca fala, encostado na mesa.
Nos reunimos no escritório da mansão para conversarmos sobre a saúde de Dona
Giovanna.
— Eu não sei o que… — A voz de Sophia falha e escuto um soluço saindo de seus
lábios.
Nicolas está sentado ao seu lado no pequeno sofá. Ele passa a mão carinhosamente nas
costas da esposa, tentando confortá-la.
— O que a doutora Romano disse? — Pergunto, encarando meu irmão mais velho.
— O mesmo de sempre. — Lucca suspira. — A situação dela é delicada. Mesmo com os
tratamentos paliativos, sabemos que o que tem não vai ter cura.
Sophia volta a chorar copiosamente e Nicolas sussurra algumas coisas no ouvido dela.
Felippo, meu irmão mais novo, está encostado na parede, olhando para o chão. Ele não abriu a
boca desde que entrou aqui. Agora que tem 18 anos, participa das decisões da nossa família.
— Eu fico pensando nas meninas… — Camilla sussurra sentada na cadeira de couro,
mas todos nós escutamos seu desabafo.
Eu também fico pensando na reação das minhas irmãs.
— Precisamos prepará-las para quando o fatídico momento chegar. — Falo.
— Mamma ainda está viva, Tomás! — Lucca me repreende.
— Até quando? — Me levanto da cadeira e fico de frente para ele. — Ela pode morrer
hoje, amanhã, daqui um mês… Não sabemos quando.
— Tomás… — Sophia chama pelo meu nome, quase implorando.
— Você nem para em casa para ver como ela está, Tomás! — Meu irmão mais velho
parte pra cima de mim e me encara nos olhos. — Na verdade, nem sei se realmente se importa
com tudo que está acontecendo.
— Não me importo? — Solto uma risada irônica. — Eu não fico na sua casa, porque
não suporto ver a mulher que nos criou definhando a cada dia. Mas isso não quer dizer que não
me importo.
— E você acha que eu gosto? — Lucca está com raiva, mas seus olhos mostram o
quanto está quebrado. — Mais uma vez, eu não posso fazer nada para salvar um deles, Tomás.
Acha que me sinto como?
— Lucca! — Nicolas se coloca de pé. — Não vamos por esse caminho.
Camilla se aproxima do marido e envolve seu braço com as mãos, fazendo carinho. Ela
sempre consegue acalmá-lo, mas não sei se isso será possível hoje.
— Você só está se destruindo e deixando nós todos preocupados com suas atitudes de
merda. — Meu irmão acusa e fecho as mãos em punho. — Por acaso, você vê algum de nós
fazendo o mesmo?
Fico em silêncio e meu olhar cruza com o de Felippo, mas ele volta a encarar o chão.
— Então, pare de se preocupar! — Abro os braços, sorrindo sem nenhum humor. —
Me deixe viver a minha vida.
— Para te encontrar morto em uma vala? — Lucca me encara sério. — Não, grazie!
— Parem, por favor! — Sophia pede, com voz de choro.
Encaro meu irmão nos olhos, em um embate silencioso. Por fim, viro minhas costas e
saio do escritório. Preciso de um pouco de ar fresco para respirar.
Passo por meus familiares que estão na sala e meus olhos cruzam com os de dona
Giovanna, que me dá um sorriso triste. Ela, provavelmente, sabia o que estávamos fazendo
trancados em uma sala.
Vou em direção às portas que levam a área externa. Escuto Nina gritando meu nome
assim que piso na grama, mas finjo que não escutei. Ela está brincando com minhas irmãs e vejo
de relance que Nicole está sentada em uma toalha com Mia e Lorenzo.
Preciso ficar sozinho.
Caminho sem rumo, sentindo uma dificuldade imensa para respirar. Meu coração dói
dentro do peito e a lembrança de mamma entrando no meu quarto, anos atrás, me invade.

Ela estava com os olhos vermelhos e inchados, seu sorriso não era o mesmo.
— Mamma? — Me levanto da cama, deixando o celular de lado. Caminho até a porta,
onde ela continua parada. — Aconteceu algo?
Dona Giovanna ergue a mão e acaricia o meu rosto com carinho, enquanto uma lágrima
escorre pelo seu rosto. Fico encarando-a preocupado, pois nunca a tinha visto assim. Ela funga
e afasta a mão, para secar o rosto.
— Mamma? — Volto a questionar.
— Preciso que seja forte, mio figlio. — Ela prende os lábios entre os dentes e sei que está
se esforçando para se manter forte na minha frente. — Lucca vai precisar de você.
— Por que? — Estou confuso. — O que aconteceu?
Ela olha para o teto do meu quarto e suspira pesadamente. Meu coração aperta dentro
do peito e não sei se estou preparado para escutar o que ela tem para dizer. Sinto como se
alguma coisa estivesse errada.
— Encontraram seu pai, Tomás. — Sua voz sai baixa e um soluço escapa por entre seus
lábios.
Percebo que está tentando segurar o choro a todo custo, mas é uma tarefa difícil.
— Ele está vindo para casa? — Pergunto, mas sinto que sua resposta não vai ser a que
quero.
Mamma me encara com seus olhos esverdeados e dá um sorriso triste. Naquele momento
eu soube a resposta.
Ele não voltaria. Nunca mais.
Uma dor invadiu o meu peito e eu senti dificuldade para puxar o ar. Era como se
estivesse muito denso para respirar. Mamma me puxou para um abraço e me consolava, mas eu
não consegui escutar nada do que ela estava me falando.
Se eu estava sentindo essa dor, imagina ela? Giovanna era perdidamente apaixonada
por Marcelo Collalto. Desde então, todo 15 de janeiro nunca mais foi o mesmo.

Detesto recordar aquela noite, mas o pior é saber que estou prestes a sentir aquela dor
dilacerando o meu coração novamente.
Ninguém me entende! Sei que todos estão sofrendo, mas…
Chego perto do lago, que fica um pouco afastado da propriedade. O sol já está se
pondo e fecho as mãos em punho, morrendo de vontade de gritar. Bato com as mãos fechadas na
cabeça e bufo irritado, sentindo uma lágrima escorrendo pelo meu rosto.
— Tomás!? — Escuto alguém me chamar.
Não preciso me virar para saber quem está se aproximando. Meu corpo corresponde
imediatamente a ela. Percebe o quanto você está fodido? Minha mente grita. Fecho os olhos e
não falo nada, apenas puxo o ar fresco para dentro dos meus pulmões.
— O que aconteceu? Por que você tá assim?
Sinto quando Carina para na minha frente e toca na minha mão, entrelaçando nossos
dedos. Ela fica em silêncio e abro meus olhos, encontrando os dela. Está usando um top preto
com mangas transparentes e um short jeans, uma roupa simples, mas que nela fica perfeita.
Ela abre um sorriso tímido e acaricia a minha mão com o polegar.
Eu queria ficar sozinho, deveria mandá-la embora, mas… Meu coração começa acalmar
com a presença da morena.
— Fica comigo. — Sussurro. — Só preciso de você aqui, tesoro.
Sem dizer nada, ela apenas assente e vem de bom grado para os meus braços. Ficamos
em silêncio, observando a paisagem. Coloco minha cabeça na curva do seu pescoço e inspiro o
seu perfume floral, relaxando aos poucos.
Talvez eu esteja me apaixonando por ela…

No dia seguinte ao meu desentendimento com meu irmão, voltamos para Palermo. Eu
não queria passar nem mais um minuto naquela casa e dei graças a deus pelos dias em família
terem chegado ao fim.
Carina concordou em partir pela manhã e viemos embora um pouco antes dos outros.
A despedida foi rápida e todo mundo abraçou a morena, dizendo para não sumir. Ela apenas
sorriu, mas não concordou, nem discordou, o que me deixou com uma leve esperança.
Quem eu estava querendo enganar? Eu queria vê-la novamente com eles, nos
divertindo em família. Cazzo! Eu estou mudando por causa dela!
— Obrigada pelos dias… diferentes, Tomás! — Ela agradece, quando paro com o
carro na porta do seu prédio. — Foi bom passar um tempo com a sua família.
— Mesmo sendo a realeza da máfia? — Brinco e ela sorri.
— São uma família como qualquer outra, não foi isso que me disse?
— Touché!
Ficamos em silêncio e sinto que ela está receosa para sair do carro, como se as coisas
fossem voltar ao normal depois desses dias na casa de férias. Só que eu sinto que nada será como
antes…
Sei que Carina ainda vai espionar o chefe, em busca de informações para acabarmos
com o esquema que estão fazendo contra nós. Pedi para Jesse reforçar a segurança dela, porque
estou com medo de que algo possa dar errado. Eu nunca senti isso antes!
O celular dela toca e vejo o nome de Thiago brilhando na tela. Carina morde o lábio e
me encara, balançando o aparelho nas mãos.
— Preciso ir. — Informa.
— Va bene. — Engulo em seco. — Te vejo mais tarde.
— Vai na ATOS hoje? — Questiona com a testa franzida. — Não acha que…
— Vou estar te esperando no meu apartamento. — Corto a sua fala, informando. —
Armani, um dos meus soldados, vai estar te esperando quando sair do trabalho.
— Não acha que podem desconfiar ao me verem saindo com alguém?
— É só você não ser pega, tesoro. — Pisco para ela.
— Se um dia isso acontecer…
— Eu vou te encontrar.
CAPÍTULO 19
Já havia se passado um mês desde que voltei das minhas mini férias e quase não vi
Tomás durante esse período. Das duas vezes que nos encontramos, fui no seu apartamento passar
as poucas informações que consegui. Fiz comida para nós dois, passamos o resto da noite
bebendo vinho e eu sempre amanhecia na sua cama, envolvida por seus braços.
Confesso que um sentimento novo crescia dentro de mim e sempre afastava o
pensamento de que o homem tatuado poderia desaparecer da minha vida do dia para a noite, meu
coração apertava dentro do peito.
Só que hoje, quando subi no palco, eu o vi. Tomás estava usando paletó, camisa social
branca e calça preta. O cabelo loiro escuro estava levemente bagunçado e sua barba estava
aparada. Consegui ver as tatuagens em seu pescoço e a rosa na sua mão, mas sabia que existiam
tantas outras por baixo daquelas peças de roupa.
Seus olhos azuis acinzentados acompanharam cada movimento meu em cima do palco,
só que ele não era o único. O amigo de Vittorio também estava presente esta noite e não tirava
seus olhos escuros do meu corpo.
Para a minha infelicidade, não consegui fugir quando meu chefe barrou a minha
passagem no momento que saí do palco. Já havia conseguido me esquivar diversas vezes, mas
hoje não obtive sucesso.
— Sala 3, Carina. — Vittorio informa. — Meu amigo aguarda ansiosamente por esse
momento.
Sinto um calafrio percorrendo a minha espinha, mas obedeço. Caminho lentamente em
direção a sala indicada, vestindo apenas o conjunto de lingerie de pedrarias douradas que estava
usando hoje. Minhas mãos estão suando, mas respiro fundo, ergo a cabeça e abro a porta.
— Buonasera. — Digo.
Sinto seu olhar percorrendo cada parte do meu corpo e meu estômago se revira.
— Finalmente terei o prazer de te ter só para mim. — O homem fala, bebendo um gole
da cerveja long neck.
— Sabe as regras. — Comunico, tentando manter a voz neutra. Não posso demonstrar
medo. — Você pode me ver, mas não pode me tocar.
Ele abre um sorriso sacana no rosto e eu prendo a respiração.
— Existe alguma regra sobre me tocar, enquanto assisto o show? — Questiona.
Sinto a bile subindo na garganta, mas mantenho a postura.
— Não, mas existe o bom senso.
Mordo a língua, porque sei que acabei falando demais. No entanto, para a minha
surpresa, o homem ampliou o sorriso no rosto. Não deixo de notar a ereção presente no meio das
suas pernas, pressionando contra a calça.
— Atrevida… — Passa a língua pelos lábios. — Gosto assim.
Mesmo me sentindo enjoada, respiro fundo e começo a fazer meu trabalho. Afinal, estou
sendo paga para isso. Porém, evito ao máximo olhar na sua direção. Não quero saber se vai fazer
o que me perguntou.
A cada movimento, fecho os olhos e penso no único homem que domina os meus sonhos
mais quentes. Só assim, vou conseguir sair daqui com um pouco de sanidade.

Sinto como se meu corpo estivesse sujo, mesmo depois de ter tomado um banho
caprichado e esfregado com força cada pedaço da minha pele. Eu tentei não fazer a parte da
dança sentada no colo, mas ele me ameaçou, dizendo que contaria a Vittorio. Me sentia usada,
toda vez que lembrava da sua ereção contra a minha entrada.
Eu me senti assim apenas uma vez na minha vida, com Andrea. Nós namoramos quando
eu tinha 17 anos e tudo era perfeito no início, até que ele se tornou abusivo. Mexia com meu
psicológico e eu acabei parando no hospital depois de uma de nossas brigas, porque caí da
escada. Meus braços estavam com hematomas dos seus apertos e acabei quebrando uma costela
durante a queda.
Essa foi a gota d’água da nossa relação.
Caminho pelas ruas de Palermo, rumo a minha casa. Só quero deitar na cama e esquecer
que o dia de hoje aconteceu. Procuro as chaves dentro da bolsa, quando me aproximo do meu
prédio.
— Tesoro! — Escuto a voz grave que vem sendo recorrente nos meus sonhos.
Fecho os olhos e rezo para que, quando eu me virar, ele esteja lá. Giro meu corpo e abro
novamente meus olhos, encontrando um Tomás preocupado encostado na sua moto. Meu
coração errou uma batida quando ele se afastou do veículo e veio na minha direção.
— O que aconteceu, Carina? — Ele trava no lugar, ao ver o meu estado.
Estou me sentindo destruída e isso deve estar visível.
Não respondo a sua pergunta, apenas vou na sua direção e me jogo em seus braços. A
princípio, Tomás fica em choque, mas depois me envolve com seus músculos. Finalmente, me
sinto segura e deixo as lágrimas que estava segurando caírem.
— Precisa me contar o que aconteceu, tesoro. — Ele pede depois de um tempo, afastando
minha cabeça do seu peito e acariciando meu rosto molhado. — Alguém fez algo com você?
— Tive que dançar para um cliente hoje… — Sussurro. O corpo de Tomás tensiona no
mesmo instante. — Ele me ameaçou e…
— Ele te tocou? — Pergunta sério, com a sua voz grave, e eu nego com a cabeça. — Me
dê um nome. Só preciso de um nome, tesoro.
— Eu não sei. — Confesso. — É o mesmo homem que conversa com Vittorio sobre a sua
família. Aquele que ameaça tirar seu irmão do poder.
Tomás assente e me puxa novamente para seus braços. Ele beija o topo da minha cabeça
e me abraça forte, como nunca havia feito.
— Vou cuidar disso, não se preocupe.
Deveria sentir medo das suas palavras e do tom sombrio que utiliza para proferi-las, mas
sinto uma paz absurda. Sei que ele vai cumprir com a sua palavra e imagino como vai conseguir
fazer isso, apenas não me importo com os meios que vai utilizar para conseguir obter sucesso.
Quando diz que vai me levar para sua casa, não me altero ou resisto, apenas subo na sua
garupa e envolvo seu abdômen trincado com meus braços. Apoio a cabeça nas suas costas e sinto
o vento da noite batendo contra o meu corpo, conforme passamos em alta velocidade pelas ruas
da cidade.
Assim que chegamos no seu apartamento, Tomás me colocou sentada no sofá e pediu
licença para resolver uma questão urgente, depois de ter pegado o seu celular no bolso da calça.
Ele desaparece logo em seguida, subindo as escadas.
O silêncio é o pior remédio, quando sua mente fica trabalhando sem parar. A voz daquele
homem fica repetindo as ameaças na minha cabeça e sinto a náusea voltar. Fico inquieta, olhando
para as minhas roupas. Não me sinto bem usando elas no momento, mesmo amando meu short
de couro preto e meu body de renda branca.
Levanto do sofá e subo pelo mesmo lugar que o loiro tatuado desapareceu minutos atrás.
Busco por Tomás no andar de cima, mas não o encontro. Mesmo com receio, vou em direção ao
seu quarto. Depois de ter dormido algumas vezes em sua cama, acabei decorando o caminho.
Abro a porta com cuidado e me dou conta de que está vazio. Mordo os lábios e olho para
os lados, até encontrar uma camiseta sua jogada em cima da cômoda. Pego a peça branca em
minhas mãos e olho para a porta do seu banheiro.
Talvez…
No instante seguinte, estou de frente para o espelho do banheiro, usando somente a sua
camisa, que cobre o meu corpo e a calcinha de renda vermelha. Minhas roupas estão amontoadas
no canto do piso frio.
O cheiro do seu perfume amadeirado está impregnado na sua roupa e me deixa
anestesiada. Passo os dedos pelos bicos dos meus seios, que estão levemente enrijecidos, por
cima do tecido.
— Carina!
Escuto Tomás abrindo a porta e mordo o lábio, abaixando as mãos e encarando meu
reflexo.
Pega no flagra.
Minhas bochechas estão rosadas e sinto seus olhos percorrendo cada parte do meu corpo.
O ponto de desejo no meio das minhas pernas pulsa apenas com a imaginação que começa a
surgir na minha mente.
— O que você… — Ele puxa o ar com certa dificuldade. — Está fazendo?
— Não estava confortável com as minhas roupas. — Viro meu corpo para ele, encarando-
o.
— Então, resolveu pegar uma minha?
Seus olhos estão fixos na peça em meu corpo e sei que consegue ver os bicos dos meus
seios marcando no tecido, pois engole em seco.
— Estava jogada pelo quarto. — Dou de ombros.
Percebo que sua respiração fica pesada e lembranças de nós dois na ATOS preenchem a
minha mente. Seus gemidos ecoam na minha cabeça e cruzo as pernas, tentando aplacar o desejo
que começa a alastrar pelo meu corpo. Seus olhos acompanham meu movimento e vejo sua
postura mudar.
— Vou te esperar lá embaixo. — Tomás alerta, com os olhos mais escuros e a voz rouca.
Ele vira as costas, mas não quero que ele se afaste. Penso se estou prestes a cometer
mais um erro na minha vida. Acabei de passar por uma situação delicada, mas… Eu preciso de
Tomás. Pode ser errado, mas sinto que vou conseguir esquecer as partes ruins, se estiver com ele.
Saio do quarto decidida e desço a escada com apenas uma missão em mente.
Esta noite, vou pra cama com um mafioso tatuado.
CAPÍTULO 20
Cazzo!
Carina estava se tocando no meu banheiro, usando uma camiseta minha.
Quais foram os meus pecados para estar vivendo nesse inferno? Porque não tem outra
explicação para o que está acontecendo.
Eu queria matar o desgraçado que a tinha ameaçado. Sabia quem era o homem, um dos
afiliados a nossa organização. Há alguns dias já estávamos de olho nele. Depois que deixei
Carina no sofá, fui para o terraço e liguei para Jesse, passei todas as informações. Pedi para que
ele mandasse alguns soldados atrás do homem e que deixassem um recado especial.
Mandei uma mensagem para Lucca, porque mal estávamos nos falando depois dos
acontecimentos na casa de férias. Nos víamos nos almoços de domingo, mas trocamos poucas
palavras. Mamma não estava feliz com isso.
Sento no sofá e solto um suspiro, jogando minha cabeça para trás. Tive que fazer um
esforço enorme para sair daquele banheiro sem cometer um crime. Carina estava abalada pelos
acontecimentos desta noite e eu não queria abusar da sua vulnerabilidade. Só que a minha cabeça
de baixo não estava de acordo com a cabeça de cima.
Fecho os olhos e tento pensar em outra coisa, para fazer o meu pau esquecer a cena que
acabamos de presenciar. Mas não consigo pensar em mais nada quando escuto passos se
aproximando e sinto o cheiro do seu perfume invadindo a minha sala.
No exato momento que ela senta no meu colo, eu abro meus olhos.
— Tesoro. — Falo com a voz rouca de tesão.
— Me faça esquecer, Tomás. — Ela pede, apoiando as mãos em meu peito.
— Isso é errado. — Alerto, fincando meus dedos na suas coxas desnudas. — Você vai se
arrepender.
Carina sorri e aproxima os lábios rosados no meu ouvido. Meu pau pulsa ao sentir sua
respiração tão perto do meu alcance.
— Me preocupo com isso depois. — Ela começa a rebolar no meu colo e engulo em seco.
— Agora, eu só preciso que me foda, Collalto.
Puta que pariu!
A última gota de bom senso que existia em meu corpo foi embora depois desse pedido.
Avanço em direção aos seus lábios e… Mio Dio! Seu gosto é viciante. Ela me dá passe livre e
minha língua passeia por cada parte dela. É um beijo cheio de urgência e desejo reprimido. Há
tempos estava querendo fazer isso, mas acho que é um sentimento mútuo.
Carina solta um gemido e eu prendo seu lábio inferior entre os dentes, enquanto ela
rebola sem parar em meu colo. Me afasto de seus lábios e passo para seu pescoço, chupando sua
pele macia. Subo minhas mãos pela sua coxa e encontro o tecido de renda da sua calcinha.
— Ah! — Geme e percebo que está quase encontrando seu prazer.
— Para! — Ordeno e ela imediatamente para de se mexer, me olhando assustada. —
Levanta e tira essa camiseta.
Carina compreende o que estou fazendo e obedece prontamente. Ela faz tudo em câmera
lenta, e aproveito para desabotoar minha camisa, sem tirar os olhos do seu corpo.
— Cazzo! — Solto baixinho, ao ver seus seios fartos com as aureolas rosadas e bicos
durinhos. A calcinha de renda vermelha é o toque final para a minha perdição. — Vem aqui,
tesoro.
Ela fica de pé na minha frente ergo a mão, sem desviar meus olhos dela. Passo o dedo por
cima da calcinha molhada e Carina tenta fechar as pernas.
— Não se mexa. — Peço e faço com que ela volte a afastar uma coxa da outra.
Seus olhos castanhos estão brilhando de desejo e eu molho os lábios com a língua. Puxo
o tecido para o lado e sua respiração fica ofegante, o que me deixa ainda mais excitado. Passo o
dedo pela sua entrada e Carina morde o lábio inferior.
— Você está pingando, tesoro. — Falo e ela sorri travessa.
— O que vai fazer quanto a isso?
Agacho no chão a sua frente e ela abre os lábios em expectativa. Desço a calcinha
lentamente pelas suas pernas, ajudando-a a tirar a peça do seu corpo. Carina engole seco quando
assopro perto da sua abertura.
Com cuidado, ergo uma das suas coxas e mordo a sua pele perto da virilha, fazendo ela
suspirar. Sem tirar os olhos dela, passo minha língua lentamente pela sua fenda e vejo ela ofegar,
apoiando as mãos em meu ombro.
— Mio Dio!
Carina agarra no meu cabelo, enquanto começo a prová-la. Minha língua trabalha feroz e
ela solta gemidos incoerentes. Prendo seu clitoris durinho entre os dentes e aproveito para enfiar
um dedo dentro dela, sentindo o quão apertada ela é.
— Tomás! — Grita meu nome, quando eu encontro o ponto certo.
Continuo masturbando-a, até observar a morena chegar ao clímax, estremecendo por
completo e me sujando com o seu líquido. Provo seu gosto e sei que nunca terei nada igual.
Escuto sua respiração pesada e seus olhos encontraram os meus, brilhando após o orgasmo.
— Você… — Sua respiração ainda falha.
Levanto e lhe dou um selinho, antes de retirar a camisa e começar a abrir a calça. Carina
segue meus movimentos com o olhar e solta um suspiro quando meu pau salta para fora da
cueca.
Seus dedos finos tocam a ponta e eu estremeço, soltando um gemido rouco. A safada me
olha e sorri, enfiando o dedo com meu líquido pré-gozo nos lábios.
A porra da cena mais erótica que já vi em toda a minha vida.
— Por mais que eu queira seus lábios me tomando por completo… — Toco neles,
fazendo carinho, e ela fecha os olhos. — Preciso estar dentro de você, tesoro.
Sento no sofá, pegando uma camisinha dentro de uma caixa de madeira em cima da
mesa de centro, e envolvo meu pau duro. Carina observa a cena com atenção e morde o canto do
lábio inferior, enquanto passa a mão pelos seios. Quando termino, pego sua mão e a puxo para se
sentar no meu colo.
— Você está no comando. — Aviso.
O brilho em seus olhos se intensifica e ela pega no meu pau. Prendo a respiração,
ansiando pelo seu próximo passo. Carina ergue o quadril e passa a cabeça lentamente na sua
entrada.
Sinto como se estivesse na beira do abismo.
— Já imaginou como seria estar dentro de mim, Tomás? — Meu nome sai como doce
de seus lábios.
— Uhum… — Tento me manter focado, mas estou me esforçando para não avançar
pra cima dela.
— Imaginou estar gozando dentro de mim? — Ela enfia só a cabeça dentro e solto um
som incoerente, então, afasta meu pau da sua entrada. — Não escutei sua resposta, Collalto.
— Sim. — Respondo entredentes.
Carina aproxima os lábios do meu ouvido, mordendo o lóbulo da minha orelha, e sinto o
bico dos seus seios contra o meu abdômen.
— Seu sonho vai se tornar realidade. — Sussurra.
Sem mais delongas, ela vai sentando lentamente no meu pau e sua boceta apertada vai me
recebendo. É como se estivesse entrando em um território proibido, mas muito bom. Carina solta
um gemido e joga a cabeça para trás, mordendo os lábios.
— Ah! Você vai me destruir, Collalto.
Aperto forte sua cintura, enquanto ela sobe e desce lentamente. É uma tortura o que essa
mulher está fazendo comigo. Tenho que me controlar para não gozar antes dela encontrar seu
prazer. Porém, Carina é tão apertada, que sinto que não vou durar muito.
Tomo um dos seus seios na boca e ela solta um gritinho de prazer. Ela apoia as mãos nos
meus joelhos, fincando suas unhas na minha pele, e começa a quicar no meu colo, me deixando
louco.
Sinto suas paredes internas me apertando e ela se joga para frente, segurando os fios dos
meus cabelos com força. Eu ajudo a intensificar os movimentos de sobe e desce, erguendo meu
quadril e arrematando dentro dela.
— Tomás! — Ela grita de prazer, quando dou um tapa na sua bunda durinha.
Ela arranha as minhas costas e beija os meus lábios, como se dependesse disso para
sobreviver. Minha respiração está acelerada e meu coração parece que vai saltar para fora do
peito. Nunca me senti assim estando com uma mulher.
Sinto que está quase lá e aperto sua bunda, ajudando suas pernas quase bambas a
continuar com os movimentos de sobe e desce.
— Goza para mim, tesoro.
Carina esfrega os seios na minha cara e intensifica as sentadas, até que sinto ela me
apertando dentro dela e seu corpo estremecer novamente. Ela solta um gemido alto e sua cabeça
encaixa na curva do meu pescoço.
Continuo movimentando meu quadril, entrando cada vez mais forte dentro dela. Carina
faz um esforço para rebolar e, por fim, eu chego ao clímax. Solto um gemido entredentes e encho
a camisinha com a minha porra. Ela continua rebolando, até que os espasmos vão passando aos
poucos.
Com a respiração ainda ofegante, ergo o corpo de Carina e seus olhos castanhos vão
para meu pau, enquanto retiro o preservativo. Sentada ao meu lado no sofá, ela ergue a mão e
envolve meu membro com seus dedos.
— Achei que não fosse caber. — Confessa.
Solto um gemido rouco, enquanto ela faz movimentos de sobe e desce, me
masturbando. Eu também pensei que fosse rasgar ela, mas foi o encaixe perfeito.
— Carina… — Suplico.
— Me deixa te provar agora, Collalto. — Pede, com os olhos brilhantes.
Apenas balanço a cabeça, concordando. Não estou em condições de dizer uma palavra,
enquanto ela me tem nas mãos.
Carina vai para o chão e se ajoelha na minha frente. Suas mãos não me deixam nem
por um segundo e vejo o brilho de luxúria em seus olhos castanhos, quando aproxima a boca do
meu pau.
Ela lambe toda a extensão e eu jogo minha cabeça para trás, meu pau está
completamente duro novamente.
— Você quer que eu te prove, Tomás? — Pergunta, fazendo os movimentos com a
mão lentamente.
Volto a encarar seus olhos e passo o dedo por seus lábios inchados.
— Me mostra como é ter meu pau envolvido por seus lindos lábios, tesoro.
Não preciso pedir novamente, porque Carina sorri e me coloca em sua boca.
— Caralho! — Grito, sentindo ela me enfiar até a garganta.
Com a ajuda das mãos, ela vai me tomando por completo. Seguro seu cabelo em um
rabo e ajudo a ditar o ritmo, mas não forço nada. Meu pau pulsava de desejo e seus olhos não
desviavam dos meus.
Sinto que estou prestes a gozar de novo.
— Tesoro… — Minha respiração está ofegante.
Carina entende que estou no meu limite e retira os lábios, continuando os movimentos
com as mãos. Ela aproxima seus seios do meu pau e é nesse instante que meus jatos quentes a
sujam, marcando essa noite como a primeira de muitas.
Cazzo! Acho que nunca vou me cansar de ter essa mulher.
CAPÍTULO 21
Hoje foi a terceira vez em uma semana que acordei nua na cama de Tomás Collalto.
Mio Dio!
Eu queria dizer que estava cometendo um erro, mas era só ver aquele olhar de desejo em
suas íris azuis, que eu me perdia por completo. Tomás era maravilhoso na cama e eu ficava
molhada toda vez que lembrava dos seus gemidos incoerentes, ou da forma que me chamava
quando estava prestes a gozar.
— Carina! — Escuto Ravena chamando a minha atenção, mais uma vez. — Está
escutando alguma coisa do que acabei de dizer?
— Desculpa… — Mordo os lábios. — Estava com a cabeça em outro lugar.
— Hum… — Ela me analisa com atenção e solta um suspiro. — Não me diga que está
apaixonada, Carina? Sabe que Vittorio detesta que suas dançarinas se envolvam com homens.
Prendo a respiração por alguns segundos.
Sabia das regras de Vittorio e, desde que comecei a trabalhar aqui, nunca me envolvi
emocionalmente com uma pessoa. Sexo? Sim, porque não sou uma celibatária. Só que com
Tomás eu sentia coisas que nunca senti na vida. Ele me fazia sentir viva…
— Não estou apaixonada. — Minto.
Meu coração acelerava quando o via esperando na frente do meu prédio, encostado na
moto. Meu coração disparava quando ele me abraçava todas as noites antes de dormir, depois de
algumas rodadas de sexo.
Eu estava apaixonada!
Constatei isso quando acordei esta manhã em seus braços e ele dormia tranquilamente.
Passei o dedo pelo seu dorso nu, todo tatuado, e seu peito subia e descia, em uma respiração
tranquila.
Tomás podia ser um mafioso, eu poderia estar espionando para ele… Certamente era
errado estar apaixonada. Mas a gente não escolhe quem o nosso coração ama, certo?
— Seus olhos me dizem outra coisa, bambina. — Ravena sorri docilmente e pega na
minha mão, apertando forte. — Só tome cuidado, ok?
Engulo em seco e apenas aceno com a cabeça.
Preciso terminar de me arrumar para ir embora. Hoje fiquei até a boate fechar, ou seja, até
o dia amanhecer. Vittorio estava estranho, me olhava de uma forma que me dava calafrios, e me
pediu para ficar até o fim do expediente. Normalmente, Ravena e Cristina são as únicas
dançarinas que ficam até esse horário, mas não reclamei. Mandei uma mensagem para Tomás,
avisando que sairia mais tarde e ele me respondeu dizendo que iria me buscar na hora do almoço.
Thiago deve estar me esperando, então, me apresso para ir embora. Pego meu celular em
cima da penteadeira e saio do camarim, vestindo calça jeans e top preto. Caminho pelo corredor
dos funcionários, em direção a porta que dá ao lado do bar. Olho para a tela do aparelho em
minhas mãos e vejo que já são 15 para 6, meus olhos estão ardendo de sono.
— Carina! — Escuto a voz de Vittorio me chamando e me viro para encará-lo.
O homem está parado na porta de uma das salas exclusivas, usando apenas uma cueca
box, e segura uma garrafa de vodka na mão. Com certeza, já está alterado pelo álcool. Já o vi
assim algumas vezes, mas tem alguma coisa diferente desta vez e meu coração aperta dentro do
peito.
— Sim, chefe? — Forço para a minha voz sair.
— Meu amigo estará aqui esta noite e deseja uma dança sua. — Informa.
Seguro a alça da minha bolsa com força.
— Hoje… — Minha voz vacila, mas respiro fundo. — É domingo, meu dia de folga.
Vittorio estreita os olhos para mim e ameaça vir na minha direção. Pela primeira vez,
sinto medo do que ele possa fazer comigo. Mas, para a minha sorte, uma mão envolve o seu
abdômen e a cabeça loira de Tamara surge ao seu lado. Me surpreendo ao descobrir que a novata
está dormindo com ele.
— Você vai me deixar esperando, chefinho? — Fala com uma voz melosa e seus olhos
se encontram com os meus. — Deixe Carina ir e venha se divertir comigo.
Ela desce a mão por seu abdômen e Vittorio resmunga quando ela toca na sua ereção por
cima da cueca. Me sinto enjoada com a cena, mas mantenho a postura. Observo quando nosso
chefe sede e parte para cima dela, fechando a porta e esquecendo de mim.
Puta que pariu!
Por um momento, pensei que ele fosse me obrigar a ficar aqui hoje e só me deixaria ir
embora depois de dançar novamente para seu amigo.
Saio pela porta que dá no bar e encontro Thiago sentado em um dos bancos, mexendo
despreocupadamente no celular. Ele ergue a cabeça quando escuta o barulho do salto da minha
bota batendo contra o chão e se levanta quando vê a minha cara assustada.
— O que aconteceu, Cá? — Pergunta preocupado, se aproximando.
— Já terminou de arrumar as coisas? Podemos ir embora? — Indago rapidamente, sem
respirar.
— Sim, tudo certo! — Thiago pega minha mão e me guia para a saída de emergência. —
Você tá bem?
— Uhum…
— Quer ligar para o seu mafioso tatuado? — Ele pergunta sério, mas solto uma risada
fraca. Meu amigo ultimamente só chama Tomás desse jeito. — Sei que ele chegaria aqui em um
passe de mágica se você pedisse.
— Não precisa.
— Certeza? — Ele questiona, quando já estamos na rua.
Respiro fundo e, finalmente, começo a soltar a minha bolsa. Ainda estava segurando a
alça com força e meus dedos estavam doendo.
— Absoluta.
Tomás cumpriu com sua palavra e foi me buscar na hora do almoço. Consegui pregar
os olhos por umas 3 horas, antes de acordar e me arrumar para encontrá-lo. Confesso que fiquei
um pouco decepcionada ao ver seu carro conversível, em vez da sua moto. Já estava acostumada
a sentar na sua garupa, envolver seu corpo com meus braços e sentir o vento batendo contra a
minha pele.
Tomás me deu um selinho assim que entrei no carro. Aceitei sair com ele, mesmo sem
saber o destino. Só não imaginava que ele me traria para um almoço de domingo na mansão da
sua família.
Por um momento, quis matá-lo. Amei passar um tempo com a sua família naquela
viagem, mas era muito estranho ficar convivendo com eles, sem saber ao certo o que éramos.
Nós estávamos transando, porém, isso significava algo?
No final, acho que sua intenção foi a melhor possível. Amei reencontrar aquelas pessoas,
mesmo sentindo o clima tenso entre os irmãos mais velhos. Era como ter um gostinho do que
nunca tive em minha vida.
— Fico feliz que tenha vindo, bambina. — Dona Giovanna, mãe de Tomás, pega na
minha mão e sorri.
Depois do almoço, viemos para a área externa e ficamos conversando, enquanto as
crianças corriam pelo gramado com Olaf, cachorro de Nina. Siena, por ser a mais velha,
coordenava a brincadeira e Camilla gritava para elas tomarem cuidado quando se aproximavam
da borda da piscina.
Tomás foi atrás de Lucca, quando o irmão mais velho lhe chamou para conversar.
Ficaram uma hora trancados dentro do escritório. Quando finalmente saíram, chamaram Felippo
para treinar um pouco no local anexo à mansão. Giovanna protestou, mas eles apenas ignoraram
o pedido da mãe. Felippo parecia animado com a ideia e seguiu os irmãos mais velhos.
O sol já estava se pondo e uma brisa gelada me deixou arrepiada.
— Estava ficando tarde. — Camilla disse, se pondo de pé. — Acho melhor entrarmos.
Uma mulher se aproximou quando a morena fez um sinal com as mãos e ajudou a mãe de
Tomás entrar na casa. Estava claro que a sua saúde estava frágil, mas não me atrevi a questionar.
Até mesmo a minha curiosidade tinha limites.
Os irmãos Collalto surgem quando Camilla está gritando para as crianças entrarem para
tomar banho. Os três estão rindo e Filippo está com as bochechas rosadas, mas meu foco vai para
os peitorais sem camisa.
Meu coração errou ao ver o abdômen definido de Tomás cheio de tatuagem e com os oito
gominhos marcados. Minha boca fica seca e sinto o calor alastrando pelo meu corpo. Ele está
brilhando de suor e sorri ao ver que estou lhe encarando.
— Eu disse que não é fácil resistir a esse corpo de deus grego. — Camilla bufa e olho de
relance, vendo a morena babar pelo corpo do marido.
Eles chegam na mesa de ferro que estávamos e Tomás se inclina para me dar um selinho.
Fico surpresa, mas tento não demonstrar que fiquei afetada por sua demonstração de carinho na
frente da sua família.
— Camilla te encheu de perguntas? — Ele brinca e é como se borboletas estivessem
voando na minha barriga.
Ele parece mais leve e isso me deixa feliz.
— Ei, eu sou uma ótima anfitriã, cunhadinho. — Ela responde, enquanto Lucca fica atrás
do seu corpo e a envolve com seus braços.
Sinto o olhar do Capo sobre mim, mas, estranhamente, ele não me faz sentir ameaçada
como Vittorio fez mais cedo, nem nada do tipo. Me pegando desprevenida, ele me direcionou um
sorriso, antes de beijar o pescoço da esposa.
— Então, Michael estava certo e você está namorando, Tomás? — O irmão mais novo de
Tomás questiona.
Percebo que ele abre a boca para responder, mas é interrompido. As meninas surgem
correndo e Gianna agarra na perna do irmão. Uma pena, porque também queria uma resposta
quanto a isso…
— Vai dormir aqui hoje, Tomás? — Ela questiona com os olhos âmbar brilhando em
expectativa.
Tomás fica tenso e olha para Lucca e Camilla em busca de ajuda, mas eles apenas
ignoram seu pedido silencioso. Ele engole em seco e passa a mão nos cabelos loiros da pequena.
— Preciso levar Carina para casa dela. — Informa.
— Ela pode dormir aqui também, ué! — Nina é quem dá a ideia e eu arregalo meus
olhos. — Vocês se beijaram, quer dizer que ela é sua namorada.
— Nina… — Seus pais lhe repreendem e a garotinha apenas dá de ombros.
— Você pode ficar aqui hoje, Carina? — Siena é quem pergunta, olhando para mim. —
Sentimos falta de Tomás em casa…
Meu coração aperta com seu pedido e meus olhos buscam por um par azul acinzentado.
Tomás me encara por um instante, até perceber que estou a ponto de aceitar o pedido das suas
irmãs. Amanhã não trabalho, não teria problema dormir esta noite aqui.
— Va bene! — Ele suspira e as crianças pulam de felicidade. — Mas não vou contar
nenhuma história de dormir, estão ouvindo?
Todos começam a entrar na casa e Tomás me envolve em seus braços musculosos. Ele
ergue a mão e tira uma mecha do meu cabelo que soltou do coque.
— O que eu faço com você, tesoro? — Pergunta, roçando os lábios nos meus.
— Vai me punir por não conseguir dizer não para aquelas carinhas fofas?
Passo os braços pela sua nuca e enfio meus dedos entre os fios de seu cabelo loiro escuro.
Sinto quando ele desce uma das mãos para a minha bunda, até chegar na coxa. Depois, sobe
lentamente, enfiando a sua mão grande por dentro do vestido.
— Não vai poder gemer essa noite. — Avisa.
Prendo o lábio inferior entre os dentes e seus olhos estão me encarando com uma
intensidade absurda. Ele bate na minha bunda e solto um gemido, sentindo a minha calcinha ficar
molhada.
— Sem gemidos, tesoro.

Foi uma tortura estar com aquele homem me preenchendo e não poder gritar de prazer.
Tive que segurar com força o lençol da sua cama e colocar um travesseiro na boca, quando me
colocou de quatro no colchão e me fez ver estrelas.
Tomás, com toda certeza do mundo, era o dono dos meus melhores orgasmos.
Já era madrugada e eu estava dormindo tranquilamente em seus braços, usando uma
camiseta velha sua. Antes de me render ao sono, senti seus braços me envolvendo e, naquele
momento, tive certeza de que não queria saber o que seria da minha vida quando isso acabasse.
Acordo assustada, quando escuto batidas fortes na porta. Tomás se coloca de pé, usando
apenas uma cueca boxe, e vai ver quem é. Me sento no colchão e pego o celular em cima da
mesa de cabeceira, vendo que são quase 5 da manhã.
— Tomás… — Escuto a voz quebrada de Lucca.
— O que aconteceu? — Ele é frio ao questionar, mas seu corpo está todo tensionado.
CAPÍTULO 22
Meu mundo estava desmoronando aos poucos.
Lucca me acordou naquela noite e disse que mamma estava passando mal. A partir
daquele momento, fiz tudo no automático. Era como se eu não conseguisse sentir nada além de
uma dor dilacerante.
Carina ficou do meu lado o tempo todo quando fomos para o hospital e sempre vinha
para a minha casa depois do trabalho, dormindo ao meu lado.
Isso já estava acontecendo há mais de uma semana.
Eu não consegui colocar meus pés dentro daquele hospital desde o dia que levei minha
mãe desacordada dentro de um carro, com Lucca dirigindo como um louco pelas ruas de
Palermo. Meu irmão e minha cunhada ligam diariamente, mas eu não atendo. Sabia que Sophia
havia chegado com Nicolas, porque ela me enviou uma mensagem perguntando como eu estava.
Não respondi.
Carina era quem me contava as notícias sobre dona Giovanna, porque eu ficava
praticamente o dia inteiro trancado dentro do apartamento, bebendo uma garrafa de uísque atrás
da outra. Não queria saber de ninguém, não queria ver ninguém. Apenas ela conseguia atravessar
essa barreira que criei, mas eu não queria que ela me visse assim.
Eu tinha me apaixonado pela dançarina.
Aceitei esse sentimento quando a vi cozinhando com uma camiseta minha em uma das
nossas noites juntos há alguns dias. Mas eu não queria que ela se juntasse a mim no fundo do
poço. Ela já sofreu muito com a vida, não precisa de mais dor e sofrimento.
Sai hoje a tarde para resolver um acerto de contas e sujei as minhas mãos um pouco, o
que me deixou um pouco mais relaxado. Era bom direcionar o que estava sentindo em algo além
do álcool e do sexo.
Agora, estava sentado na poltrona do escritório do meu apartamento, bebendo
novamente. O álcool me faz esquecer por um tempo as merdas da vida. Eu sei, é um ciclo
viciante, mas não me importo mais.
Bebo mais um pouco do líquido, que desce queimando pela minha garganta. Ainda de
olhos fechados, consigo sentir a sua presença.
Ela não deveria estar aqui.
— O que você quer, Carina? — Questiono, deixando evidente a minha falta de paciência.
Essa garota entrou na minha vida do dia para a noite, e já percebo que não sou mais o
mesmo.
— Você sumiu. Seu irmão ainda esperou um pouco, mas depois de uma hora aguardando
você voltar para casa, foi embora. — Comunica.
— Eu não pedi para ele vir me ver, então...
Escuto ela bufando, mas não me atrevo a encarar seus olhos castanhos.
— Você é idiota mal agradecido, sabia? — Ela cospe as palavras com desgosto.
Abro meus olhos e a garota me encara com o queixo erguido, mas vejo o medo dançando
nas duas bolas castanhas, que estão recorrentes em meus pensamentos.
— Agora que você descobriu isso? — Questiono, tentando não deixar transparecer o
quanto fiquei afetado por suas palavras.
Escuto ela bufando, irritada.
— Você... — Ela não consegue verbalizar a frustração.
Acredite, tesouro, eu também não estou muito feliz com minhas atitudes.
— Cazzo, será que dá para você me deixar em paz? — Pergunto, me levantando e
caminhando até ela.
Carina começa a andar para trás e suas costas batem contra a parede. Prendo seu corpo
entre meus braços, encurralando-a. Sua respiração fica acelerada, mas sei que não está com medo
de mim. Carina está aqui porque se preocupa comigo.
Porque ela me a…
— Deveria parar de vir atrás de mim, Carina. — Minha voz sai fria e seus olhos se
enchem de água. — Não sou bom para você no momento.
— Sabe o que eu daria para estar com minha mãe hoje? — Sua voz sai quebrada, mas ela
não desviou os olhos marejados dos meus. — Você tem essa chance e está desperdiçando,
porque tem medo.
— Medo? — Questiono, sentindo um aperto no peito.
— Eu não conheci meus pais, Tomás. Eles me abandonaram na porta de um orfanato. —
Solta uma risada seca e uma lágrima escorre pelo seu rosto. — Nunca terei a chance de fazer
perguntas, ou ao menos dizer que os amo. Porque, por mais idiota que seja, eu os amo.
Me afasto do seu corpo, sentindo o peso das suas palavras.
— Deveria tomar vergonha na cara e ir até o hospital para se despedir dela. — Carinha
seca as lágrimas com raiva. — Eu faria isso, se estivesse no seu lugar.
— Mas você não está.
Dou um sorriso sombrio e a vejo engolindo em seco.
Ficamos em um embate silencioso, até que me viro para pegar novamente a garrafa
com o líquido âmbar. Preciso de álcool no meu sistema.
— Você me ama? — Travo no lugar ao escutar sua pergunta.
Meu coração bate acelerado dentro do peito e minhas mãos começam a tremer.
Minha vontade é virar para ela e dizer que sim, a amo. Mas seria egoísta da minha parte
fazer com que ela entre nesse meu mundo obscuro. Carina é inocente demais e não posso
suportar a ideia de que algo possa acontecer a ela.
— Ao menos, gosta de mim? — Sua voz sai quebrada e fico em silêncio. Escuto uma
risada seca saindo de seus lábios. — Ou era só um desejo sexual seu? Me foder era o que queria
desde o início, certo?
Meu coração quebra ao ver que estou destruindo a mulher que amo.
— Acho melhor você ir embora. — Sussurro.
O ambiente fica em silêncio e escuto quando ela tenta abafar um soluço. Fecho os olhos,
me controlando para não virar e envolvê-la em meus braços. Sem dizer nada, escuto o barulho da
porta sendo aberta e o som dela sendo fechada com força.
É melhor assim, Carina não precisa me ver assim. Não quero afundá-la comigo.

Acordo com água sendo jogada na minha cara. Sento no sofá da sala passando a mão
pelo rosto e tossindo sem parar, sentindo minha garganta seca. Minha cabeça dói, como se um
caminhão tivesse me atropelado.
Passo os dedos nos olhos, tentando me acostumar com a claridade. Demoro um tempo
para perceber que o sol está entrando pela janela e olho para o relógio embaixo da TV,
constatando que já passou da hora do almoço. Ergo o olhar para encontrar meu padrinho parado
na minha frente, me encarando decepcionado.
— Vá tomar um banho e tirar esse cheiro de álcool do seu corpo. — Ordena. —
Sairemos em 10 minutos.
Não discuto, apenas obedeço.
Filippo Santoro sempre foi uma presença constante na minha vida. Ver a decepção em
seus olhos verdes é uma das piores sensações da vida. Depois que meu pai morreu, meu padrinho
me colocou debaixo dos seus braços e me ajudou quando assumi um cargo importante com
apenas 17 anos.
Tomo meu banho e coloco uma camiseta branca e uma calça jeans. Passo a toalha no
meu cabelo molhado, quando paro no meio do quarto e sinto o cheiro do perfume de Carina
impregnado no ambiente, olho para a cama, lembrando do seu corpo nu dormindo
tranquilamente em meio aos lençóis escuros.
Seus olhos marejados invadem a minha mente e uma dor absurda invade meu peito. Você
me ama? Sua pergunta fica ecoando na minha cabeça. Sinto meu estômago revirando, mas afasto
qualquer lembrança da morena.
Desço as escadas e encontro meu padrinho com uma xícara de café fumegante em cima
da bancada, olhando para as garrafas vazias espalhadas pelo mármore.
— Achei que fosse mais forte, Tomás. — Fala com a decepção evidente em sua voz.
— Desculpa.
É a única coisa que consigo dizer agora.
— Toma o café, para ver se melhora um pouco sua ressaca. — Empurra a xícara na
minha direção. — Depois, você vai entrar no meu carro e nós vamos para o hospital.
— Padrino[40]… — Tento dizer.
— Sem desculpas, Tomás. — Ele é firme e é como se eu fosse uma criança
novamente. — Sua mãe não merece passar por isso quando está à beira da morte.
Só a menção da palavra morte, já me deixa destruído. Com as mãos trêmulas, pego a
xícara e tomo o primeiro gole de cafeína.
Carina estava certa, estou com medo!
Piso dentro do hospital e é como se as paredes brancas fossem me sufocar. Caminho ao
lado do homem que me arrastou até aqui e, a cada passo que dou, sinto como se o ar estivesse
ficando escasso.
Eu só queria ficar sozinho, não queria ver ninguém.
Quando entramos no corredor em que fica o seu quarto, percebo uma Sophia
descabelada encostada na parede. Ela segura um copo de café, mas o larga em cima de uma
cadeira e vem correndo na minha direção quando me vê.
— Pensei que não fosse vir! — Ela me abraça e chora.
Aperto minha irmã contra o meu corpo e não me importo quando percebo que suas
lágrimas estão molhando a minha camisa. Ela parece esgotada emocionalmente e me sinto a pior
pessoa do mundo. Por cima de seu ombro, vejo Lucca saindo do quarto em que nossa mãe está
internada. Ele solta um suspiro de alívio assim que me vê.
Filippo bate nas minhas costas de leve e escuto seus passos se afastando, me deixando a
sós com meus irmãos. Sophia se afasta, passando a mão pelo nariz, e sorri ao ver minha roupa
molhada.
— Desculpa. — Sussurra.
— Não precisa se desculpar, sorellina. — Passo a mão pelos seus cabelos loiros.
— Tomás. — Lucca me chama ao se aproximar de nós. — Mamma vai ficar feliz em te
ver.
Assinto, sentindo um bolo se formando na minha garganta.
— Felippo? — Questiono sobre nosso irmão mais novo, porque não o vi.
— Veio mais cedo e voltou para casa com o resto da família. — Informa.
Respiro fundo e olho para meus irmãos, antes de fazer o caminho que mais temi nos
últimos dias. Minhas mãos estão tremendo, quando ergo para tocar a maçaneta. Puxo o ar com
força, tomando coragem. Abro a porta e meu coração aperta ao ver seus olhos verdes sem brilho
e sua pele pálida.
Um sorriso fraco surge em seu rosto e ela faz esforço para levantar a mão da maca.
— Tomás! — Sua voz sai baixa e meus olhos começam a arder. — Você veio, mio figlio.
— Sim, mamma. — Me aproximo da sua cama e pego sua mão, depositando um beijo na
sua pele gelada. — Desculpa não ter vindo antes.
— O importante é que está aqui agora, bambino. — Ela me dá aquele olhar doce e sinto a
primeira lágrima escorrendo do meu rosto. — Eu te amo tanto. Sabia que você não me deixaria ir
sem olhar para seus lindos olhos azuis uma última vez.
— Mamma… — Um soluço escapa de meus lábios.
— Prometa que não vai brigar com seu irmão. Lucca vai precisar de sua ajuda com suas
irmãs, Tomás. — Ela pede com uma voz fraca e molha os lábios secos com a língua. — Quero
ver meus filhos unidos. Promete?
Apenas confirmo com um aceno de cabeça, sem conseguir dizer nada. Acho que, se abrir
minha boca, vou desabar e não parar de chorar até ficar desidratado.
— Não chora, mio amore[41]. — Ela toca no meu rosto, secando uma lágrima teimosa
que caiu, e fecho os olhos.
Ela não pode morrer….
— Sabe de uma coisa? — Ela respira fundo e eu abro meus olhos, encontrando um
sorriso carinhoso em seus lábios. — Eu estou feliz?
— Feliz? — Fico confuso.
Como uma pessoa pode estar feliz, quando está morrendo?
— Sim, Tomás! — Ela faz carinho na minha bochecha. — Meu menino rebelde
encontrou o amor.
Sinto como se meu coração estivesse sendo esmagado dentro do peito.
Carina.
— Nós não estamos juntos, mamma… — Sussurro.
— Podem não estar juntos agora... — Ela começa a dizer e balanço a cabeça negando,
mas ela não para. — Eu vi como vocês se olham, não tem como deixar de lado um sentimento
como o que vocês nutrem um pelo outro.
— Ela não merece…
— Acho que ela deveria escolher o que ela quer, Tomás. — Mamma me corta, olhando
com aquele seus olhos esverdeados severos. São os mesmo que recebi quando descobriu que
havia tirado a virgindade da filha de uma de suas amigas. — Se ela quer estar com você…
— Carina precisa de algo melhor. — Declaro. — Já passou por muita dor e sofrimento
na vida.
— Você a ama? — Sua pergunta é como uma flecha, atravessando meu peito.
Fico em silêncio e essa é a resposta que ela precisa para saber que eu amo aquela
morena. Mamma não fala mais nada, apenas sorri. Passo mais um tempo ao seu lado e aceito ir
com Sophia para a mansão, quando zia Dalila e zio Alessandro chegam para a visita.
Depois desse dia, fui todos os outros no hospital e passei as noites na mansão da minha
família. Usava a desculpa de que minhas irmãs mais novas precisavam de mim, mas a verdade é
que não conseguiria dormir na mesma cama que passei várias noites com Carina, sem ter a sua
voz ecoando na minha mente.
Você me ama?
As palavras de minha mãe também ficaram na minha cabeça e me pegava olhando para
a tela do celular, pensando em mandar uma mensagem para a dançarina. Mas nunca o fazia,
porque tinha medo da sua rejeição.
Eu a tinha quebrado ao não responder o que ela queria ouvir naquele dia.
Os dias foram passando, até que um dia acordei e o tempo estava nublado. Não ouvia o
canto dos pássaros e uma chuva fina caía do lado de fora. Uma dor invadiu meu coração e
esfregava a mão em cima do peito, tentando aplacar a dor.
Desci as escadas e encontrei Sophia aos prantos sentada no sofá, enquanto Nicolas
consolava a esposa. Meus avós estavam conversando com Felippo, que mantinha a cabeça baixa.
Camilla passava a mão no rosto e tentava enxugar as lágrimas.
No entanto, só quando meus olhos encontraram os azuis do meu irmão mais velho, que
entendi.
Ela não estava mais aqui.
Dia 29 de agosto, Giovanna Collalto faleceu.
CAPÍTULO 23
A notícia sobre a morte da mãe do empresário Lucca Collalto estampou diversos
jornais e era o assunto mais comentado nas ruas de Palermo. Muitos sabiam quem era a família
Collalto, que comandava máfia italiana, mas outras pessoas apenas os conheciam como uma das
famílias mais ricas da Itália.
Fiquei triste quando recebi uma mensagem de Jesse, melhor amigo de Tomás, avisando
sobre o acontecimento. Senhora Giovanna sempre foi carinhosa comigo e queria ir no velório,
prestar meus sentimentos. Mas não podia.
Meu coração sangrava cada vez que lembrava da sua indiferença.
Ele não me amava.
Desde que fui embora do apartamento de Tomás, não o vi. Seu amigo entrou em
contato e disse que Lucca pediu para continuar com o plano de descobrir o que Vittorio estava
tramando. A única diferença, era que agora eu reportava tudo a Jesse.
Nos últimos dias, senti como se estivesse sendo vigiada. Sabia que haviam soldados da
máfia me observando, fazendo minha segurança. Mas… não era a mesma coisa.
Ontem a noite escutei uma conversa de Vittorio com seu amigo, sobre uma nova
operação para furtar mais uma carga de armas que estava chegando. Claro que isso teve um
preço, que foi ficar trancada em um quarto com aquele homem asqueroso com cicatrizes na
cabeça. Sentia repulsa cada vez que lembrava da sua ereção contra o meu corpo.
Mandei uma mensagem antes de ir dançar e avisei do esquema. Horas depois, Jesse me
agradeceu e disse que haviam conseguido interceptar o roubo, pegando alguns dos homens que
estavam traindo a Famiglia.
— Ei, você! — Cristina chama a minha atenção, quando entro no camarim esta noite. —
Vittorio quer te ver. Está esperando no escritório.
Meu corpo trava.
Vittorio estava estranho nos últimos dias e percebi que estava bebendo e se drogando
mais do que o normal. Estava com medo, mas não podia fugir do meu próprio chefe. Afinal, era
ele quem me pagava no final do mês.
Deixo a minha bolsa em cima da minha cadeira e caminho pelo corredor, seguindo para o
escritório dele. Minhas mãos estão suando e sinto um frio percorrendo a minha espinha quando
paro em frente a sua porta. Bato duas vezes e espero ele autorizar a minha entrada.
— Entre!
Respiro fundo e giro a maçaneta. Engulo em seco quando vejo ele encostado na mesa,
abotoando a calça, e Tamara está se levantando do chão, limpando os lábios sujos de batom
vermelho com os dedos.
— A loirinha já estava de saída. — Avisa. — Pode entrar.
A novata passa por mim ajeitando a saia curta e dá um sorriso fraco, antes de sair e
fechar a porta atrás de si. Mio Dio!
— Preciso que vá jantar comigo esta noite. — Anuncia.
Não consigo evitar a surpresa estampada em meu rosto. Ele estava recebendo um
boquete de uma e queria levar outra para sair?
— Jan… jantar? — Praticamente engasgo a palavra. — Não sou paga para ser
acompanhante, senhor Colombo.
— Não perguntei se deseja ir ou não, Carina. — Vittorio responde com indiferença e
aponta para uma caixa em cima do sofá da sua sala. — Tem um vestido ali dentro, vista e esteja
pronta em 20 minutos.
Pelo tom da sua voz, sei que eu não devo revidar.
Com as pernas bambas, caminho até o sofá e pego a caixa. Sinto que a minha pressão está
caindo, mas respiro fundo e caminho para fora do seu escritório. Vou para o camarim e nem
presto atenção quando Tamara começa a conversar comigo. Começo a me arrumar no
automático, sob os olhares de Cristina.
Quando já estou pronta, percebo que a novata pedia para que eu não contasse do seu
envolvimento com nosso chefe. Ela tem medo de Cristina descobrir e fazer da sua vida um
inferno. Sei bem como é isso….
Vittório surge na porta e sorri para todas as mulheres, até que seus olhos encontram os
meus e sei que é a hora de ir. Levanto da cadeira e ajeito o vestido vermelho curto de alça fina,
com as costas nuas. Conforme ando na sua direção, tento não torcer o pé, pois o salto é muito
alto.
— Deixe seu celular. — Ordena.
— Mas… — Começo a retrucar, mas ele me dá um olhar severo. — Posso avisar
Thiago antes de irmos? Não quero que ele se preocupe.
Vittorio estreita os olhos, mas acena.
— Estarei esperando no carro, nos fundos.
Passo por ele e sigo pelo corredor, até a porta que leva ao bar. Meu coração está
disparado e demoro um pouco para encontrar meu amigo, que conversa em um canto com um
dos clientes. Ele está sorridente, mas fecha a cara ao me ver. Pede licença e vem na minha
direção.
— Que merda é essa que você está vestindo? — Pergunta, sussurrando no meu ouvido
por conta da música alta.
— Vittorio vai me levar para um jantar. — Explico. — Como sua acompanhante.
— Carina… — Thiago suspira e me olha preocupado.
Ele ainda não sabe do trabalho que faço para a máfia.
— Preciso que me faça um favor. — Peço.
— Sou todos ouvidos, Cá. — Ele muda a postura. — Do que precisa?
Peço o seu celular e digito o único número que decorei. Sabia que poderia precisar em
caso de emergência, só espero que não seja necessário que Thiago ligue. Salvo e devolvo o
aparelho para o dono, que me encara com curiosidade.
— Se eu não voltar para casa até amanhã de manhã… — Minha voz falha.
— Nem brinca com isso, Carina! — Thiago me repreende.
— Mas se eu não voltar… — Continuo. — Preciso que me prometa que vai ligar para
esse número e dizer que o plano deu errado. Que eu fui pega.
— Plano!? — Thiago franze a testa e me olha sério. — Em que porra você foi se meter,
Cá?
— Apenas me prometa isso, gattino.
Thiago entra em um debate interno, mas acaba cedendo e acena com a cabeça. Dou um
beijo na sua bochecha e sigo para a porta dos fundos.
Mesmo com medo, preciso seguir com o plano.

O carro para em frente a uma casa, em uma área afastada do centro de Palermo. Saio do
automóvel de Vittorio e sinto o vento frio da noite arrepiar minha pele. Ele olha para os lados e
se aproxima de mim, tocando as minhas costas.
Um calafrio atravessou o meu corpo, mas não me afasto de seu toque.
— Vamos! — Ele me guia em direção a porta de entrada e bate a campainha.
Ficamos em pé, aguardando ser atendidos. Olho discretamente para os lados, mas o local
onde estamos é deserto. No caminho que fizemos, não vi nada por perto. O que faria se tivesse
que correr?
Aos poucos, o medo vai se apoderando do meu corpo.
— Acho que não tem ninguém. — Comento baixinho.
— Meu amigo está nos aguardando.
No mesmo instante que Vittorio fala isso, escuto um som de tiro e ele cai ao meu lado.
Seus olhos estão abertos, como se estivesse com o olhar vazio. Solto um grito e levo as mãos a
boca, olhando para o meu chefe caído morto no chão.
Viro para trás e encontro seu amigo sorrindo perto do carro, girando a arma em seu
dedo. Ele acabou de matar Vittorio e não parece sentir remorso disso.
— Acho que agora somos eu e você, Carina. — Ele fala meu nome lentamente e sinto
a bile subindo.
É isso, finalmente chegou a minha hora.
CAPÍTULO 24
Os dias que seguiram a morte de minha mãe foram desgastantes. Olhar para os olhos
das minhas irmãs e ter que consolá-las, dizendo que nossa mãe não voltaria para casa era
horrível. Elas não lembraram de como foi na época do nosso pai, mas eu sim. Cada detalhe.
O velório foi organizado pelos meus tios e avós, já que nem eu, Lucca ou Sophia
estávamos em condições de lidar com tudo que estava acontecendo. Nossa família veio para
Itália, até mesmo Isabella. Juan estava ao seu lado o tempo todo, já que tinha pouco tempo que
ela tinha dado à luz a nossa mais nova sobrinha, Maria.
Dois dias depois do enterro, as coisas foram voltando ao normal. Ou melhor, o que
poderíamos chamar de novo normal. Sophia voltou para os Estados Unidos com o restante da
família, mas nos fez prometer que iríamos ligar se acontecesse alguma coisa com nossas irmãs.
Desde a morte da nossa mãe, voltei a dormir na mansão. Era estranho estar nessa casa e
não escutar a voz de dona Giovanna nos repreendendo por ter feito algo errado. Ao mesmo
tempo, não queria ficar sozinho no meu apartamento com as lembranças de Carina.
Hoje o dia estava mais tranquilo, já que Jules Mitchell, melhor amiga da minha
cunhada, havia chegado e estava ajudando com as meninas. Acordei com uma sensação estranha,
mas fiz questão de ignorar. Tinha muita coisa para fazer e não podia ficar deitado na cama,
sofrendo.
Desço as escadas e olho para a porta do escritório, onde Lucca e meu padrinho estão
trancados desde o café da manhã. Filippo Santoro praticamente intimou meu irmão para uma
conversa.
— Tomás! — Michela aparece na porta do jardim e percebo que está nervosa. — Será
que podemos conversar rapidinho?
— Meu melhor amigo quebrou o seu coração, Mi? — Questiono brincando e ela dá um
sorriso fraco, antes de negar com a cabeça. — O que foi?
— Lembra que você pediu para investigar o orfanato que Carina viveu, quando nós
estávamos lá na casa de férias?
Apenas a menção do nome da mulher que domina meus pensamentos e sonhos, faz
com que meu coração aperte dentro do peito.
Eu havia pedido para Michela investigar melhor o passado de Carina, porque tinha a
impressão de que havia alguma coisa errada. Não tinha motivos para existirem documentos
restritos com acesso negado sobre a garota.
Fico curioso para saber o que a loira parada na minha frente descobriu.
— O que você achou? — Cruzo os braços, encarando-a.
— Não o que, mas quem.
Franzo a testa e ela pega na minha mão, me levando para a área externa da mansão. Ela
me guia até um banco de ferro branco que fica em uma das laterais da propriedade e eu avisto
uma senhora com roupas mais simples sentada, observando as plantas do jardim.
Olho para Michela sem entender o que está acontecendo. Nos aproximamos da
senhora, que ergue o corpo e se levanta com certa dificuldade.
— Signora Maldonado, este é Tomás Collalto. — Michela me apresenta e se vira para
mim. — Tomás, essa é a antiga diretora do orfanato que Carina cresceu.
— Buongiorno, signora. — Cumprimento.
— Buongiorno. — Sorri. — Fico feliz em saber que minha menina está em boas mãos.
Mais uma vez, a dor invade meu peito e sinto como se uma faca estivesse rasgando a
minha pele. Eu quebrei a mulher que amo, ela não está em boas mãos. Mesmo assim, forço um
sorriso.
— Por favor. — Michela pede com sua voz doce, fazendo a senhora sentar novamente.
— Conte para ele tudo o que me falou mais cedo.
A mulher parece apreensiva, como se estivesse com medo. Minha amiga pega nas suas
mãos e faz um carinho, dando-lhe apoio para começar a falar. A mulher de cabelos brancos olha
para a loira e suspira, antes de voltar sua atenção para mim.
— A bambina disse que vocês podem me proteger, caso seja preciso. — Fala e fico
apreensivo.
Cazzo! Será que o passado de Carina…
Não, melhor não pensar no pior. Mesmo que eu não esteja mais com ela, quero saber.
Dependendo, nem preciso ir atrás dela para contar o que descobri… Talvez isso a destrua ainda
mais.
— Você tem a minha palavra. — Afirmo.
— Va bene… — A mulher parece relaxar um pouco. — Carina sempre foi uma garota
esperta e curiosa, a alegria daquele orfanato. Quando chegou em uma determinada idade,
começou a nos questionar sobre seus pais e lhes contamos que havíamos encontrado ela enrolada
em uma manta na porta do prédio.
— Ela me disse isso. — Confirmo.
— Só que… — A senhora começa a passar as mãos nas roupas, nervosa. — Não foi
exatamente isso que aconteceu.
— Não? — Questiono, surpreso com a revelação.
— Não. — Afirma, olhando para o chão. — Essa foi a história que nos pediram para
contar à menina.
Olho para Michela, que tem os olhos castanhos marejados. Minha amiga se apegou à
dançarina e quase me bateu quando descobriu que mandei ela embora do meu apartamento.
— Quem pediu para a senhora mentir? — Indago.
— O homem que a deixou conosco. — Confessa. — Ela era um lindo bebé recém-
nascido quando a colocaram em meus braços. Jurei que cuidaria dela e nunca deixaria ela ser
adotada. Em troca, era depositada uma generosa quantia anualmente para ajudar no orçamento do
orfanato.
Meu coração bate acelerado, enquanto processo as informações. Carina sofreu por
nunca ter tido uma família, quando na verdade, mandaram ela nunca ser escolhida por uma.
Passo a mão pelo rosto e respiro fundo, antes de continuar meu interrogatório.
— O que mais você sabe sobre esse homem?
O corpo frágil da senhora tensiona e ela olha para Michela, que lhe incentiva a
continuar, com um sorriso triste.
— Anos depois, quando Carina era ainda uma criança, descobri que o homem que a
levou até o orfanato era um dos homens da máfia italiana. — Meu corpo todo gela ao escutar
suas palavras. — Era o pai do braço direito do antigo Capo. Acho que o sobrenome era Santoro.
Sinto o sangue fugindo do meu corpo.
Olho para a mansão e depois encontro os olhos de Michela, que estão transbordando de
lágrimas. Minha cabeça começa a criar teorias do que isso tudo que a senhora acabou de dizer
significa.
Será que o pai do meu padrinho teve uma filha fora do casamento? Isso não seria um
absurdo, ainda mais sabendo quem ele era. Por que será que ele escondeu uma criança em um
orfanato? Será que… Não, não pode ser.
— O aniversário de Carina. — Falo com certa dificuldade. — Ela nasceu dia 27 de
setembro, certo?
— Essa foi a data que escolhemos, mas… — Prendo a respiração. — Ela nasceu no dia
13, segundo sua certidão de nascimento original.
Sinto falta de ar e Michela percebe que estou ficando alterado.
Não, isso não pode ser verdade…. Carina….
Começo a andar de um lado para o outro, tentando controlar minha mente. Ela vai
completar 20 anos daqui uns dias, assim como…
— Signora. — Agacho aos seus pés e pego nas suas mãos. — Você sabe alguma coisa
sobre os pais dela? Qualquer informação…
— Desculpe, não sei! — Ela me dá um sorriso triste. — A única coisa que recordo, foi
quando questionei o homem o motivo de estar deixando um bebê ali.
— O que ele disse? — Estou ansioso para saber a resposta.
Michela também fica apreensiva e olha atentamente para a mulher de cabelos brancos.
— Que não poderia deixar que uma menina acabasse com a sua linhagem. — Declara.
— Ele foi machista e o mandei embora.
Caio na grama com as pernas dobradas, passo a mão no rosto e encaro os olhos de
Michela, que provavelmente chegou à mesma conclusão que eu.
Há vinte anos atrás, no dia 13 de setembro, Diana Santoro morreu ao dar à luz a um
bebê. Nunca viram o corpo da criança, mas no laudo constatava que era um menino. Carina
nasceu no dia 13 de setembro e foi deixada em um orfanato pelo velho Santoro, pai de Filippo.
Isso quer dizer que… Ele pode ter alterado o laudo e mentiu sobre a criança.
O velho não era burro, sabia que Filippo poderia negar uma nova união se soubesse
que o bebê, fruto do seu amor com Diana, estava vivo.
Caralho!
Carina pode ser filha do meu padrinho.
Fico tão desnorteado, que nem percebo quando Michela se despede da senhora e pede
para um dos soldados acompanhá-la. Ela se abaixa do meu lado e toca no meu ombro.
— Sei o que está pensando, mas não podemos dizer nada sem ter certeza. — Avisa.
— Carina pode ser o bebê que meu padrinho acha que morreu. — Falo pela primeira vez
em voz alta. Viro meu rosto e encontro seus olhos castanhos. — Você tem noção do que isso
significa, Mi?
— Que você precisa ir atrás da garota e contar tudo o que descobriu. — Responde. — Se
ela quiser, vai fazer o exame de DNA para confirmar.
— Puta que pariu!
Ainda fico um tempo do lado de fora da mansão, tentando me recompor. Não sei se meu
padrinho já terminou de falar com meu irmão e foi embora, mas rezo para que sim. Michela fica
sentada do meu lado, olhando para o vazio, até que decido que já passou da hora de enfrentar o
caos e entrar de novo na casa.
Levanto da grama e ajudo a loira a ficar de pé.
— Grazie, Mi.
— Não me agradeça ainda, Tomás. — Ela dá um leve sorriso. — Conserte seu erro e vá
atrás da dançarina que roubou seu coração.
Caminhamos para dentro de casa e levo um susto quando encontro Martina sentada no
sofá, mexendo no celular. Não sabia que ela viria para cá, encontrar o pai. Ela ergue os olhos
verdes da tela do aparelho e sorri.
Meu coração aperta dentro do peito ao perceber o quanto ela e Carina são parecidas: a
mesma boca, o mesmo nariz, os fios de cabelo preto, como os de Filippo…
— Está me admirando demais, Tomás! — Brinca, e volta a sua atenção para o objeto em
suas mãos.
A porta do escritório abre e meu padrinho sai de lá com as mãos no ombro do meu irmão.
Ele sorri, mas o sorriso não chega aos seus olhos.
Engulo em seco.
— Você está bem, Tomás? — Lucca questiona e eu apenas aceno com a cabeça.
— Sim, é só que… — Meus olhos encontraram os verdes do meu padrinho e minha
respiração falha.
Sinto falta de ar e ele franze a testa, enfiando as mãos nos bolsos da calça. Ele me encara
preocupado e avança na minha direção, mas para quando escutamos alguém descendo a escada
correndo.
— Que merda, Tomás! — Meu irmão mais novo reclama e empurra meu celular contra o
meu peito. — Quero dormir, mas essa droga não para de tocar lá em cima.
Pego o aparelho em minhas mãos, agradecendo pela interrupção de Felippo. Olho para a
tela e vejo que tem 15 ligações perdidas de um número desconhecido. Estranho e vejo que todas
foram um um curto período de tempo.
— O que foi? — Michela questiona ao meu lado e dou de ombros.
— Não faço ideia.
No mesmo instante, o celular volta a tocar e encaro o número desconhecido brilhando na
tela. Olho para o meu irmão, que cruza os braços e faz sinal com a cabeça para que eu atenda.
Aperto para atender e coloco no ouvido, escutando um suspiro de alívio.
— Ainda bem que me atendeu, mafioso tatuado. — Escuto a voz do outro lado da linha e
estranho a forma como o estranho me chama.
— Quem é? — Questiono.
— Ah, merda! — Ele parece nervoso. — Thiago, amigo da Carina.
Meu corpo fica tenso ao escutar o nome da morena. Aquela sensação estranha volta e sei
que tem alguma coisa errada.
Olho para o meu irmão, que já retira o celular do bolso da calça, começando a fazer
ligações. Então, meus olhos encontraram os do meu padrinho e meu coração aperta dentro do
peito.
— Cadê ela? — Ordeno uma resposta.
— Seguiu com o plano. — Informa e meu corpo gela. — Ela foi pega.
CAPÍTULO 25
Meu corpo todo doía.
Não sabia há quanto tempo estava presa aqui. Estava cansada e meus olhos ardiam de
sono, mas não me atrevi a dormir ou comer nada da bandeja que ele deixou há algumas horas
atrás. Não sabia se o dia tinha amanhecido, ou se já estava anoitecendo novamente.
O homem havia me trancado em um quarto escuro, com apenas um colchão no chão.
Agradeci aos céus por ele não ter me tocado, porque eu preferiria morrer a ter suas mãos em meu
corpo.
Ficava imaginando se Thiago havia conseguido entrar em contato com Tomás. Será que
ele se importa, a ponto de vir me resgatar?
A porta se abre e o homem entra, fazendo com que eu fique encolhida no canto frio do
cômodo. As paredes úmidas, cheias de mofo, atacaram a minha alergia, mas coloquei na minha
cabeça que preciso sobreviver.
Fecho os olhos e peço para que ele vá embora sem encostar um dedo em mim.
— Não comeu, Carina? — Sua voz me dá arrepios. — Vai passar mal se não comer antes
do nosso… momento.
Sinto o gosto de vômito na boca, mas tento me manter firme.
— Sabe de uma coisa? — Estremeço quando escuto seus passos e sinto ele abaixando na
minha frente. Seus dedos tocam no meu cabelo e engulo o choro. — Estou amando ter a putinha
do Collalto só para mim.
Ele toca na minha bochecha e uma lágrima involuntária desce pelo meu rosto.
— Aquela família não presta, Carina. — Ele fala e seu dedo ergue o meu queixo. —
Tomás não soube valorizar a mulher que tinha na cama, mas não vou cometer o mesmo erro.
Meu estômago revira e quando sinto seus dedos descendo pelo vale dos meus seios.
Tenho nojo do seu toque, da sua voz. Tento manter minha cabeça afastada do que está
acontecendo e os olhos azuis acinzentados de Tomás preenchem a minha mente.
— Vou te fazer a rainha da máfia e você vai dançar todas as noites para mim, com esse
seu corpo bonito e sua bunda empinada.
Outra lágrima cai e meu coração bate acelerado dentro do peito. Sinto sua respiração
contra a minha pele e não consigo evitar o soluço que escapa dos meus lábios.
Me salva, Collalto! Por favor, meu amor!
— E eu vou te foder até você desmaiar de prazer. — Ameaça.
— Nunca… — Falo no impulso e cuspo na sua cara. — Você nunca vai me ter, porque
eu prefiro morrer antes de ter você tocando no meu corpo.
Minha pele arde quando o tapa forte estala no meu rosto. Com certeza, ficará com uma
marca. Encaro os olhos do homem que está espumando de raiva, enquanto toco no local que me
acertou.
— Sua putinha! — Grita.
O homem me pega pelo cabelo e me arrasta pelo chão. Tento me debater, mas ele acabou
me pegando no colo e me jogando em seu ombro. Bato nas suas costas, tentando me soltar.
Mesmo com o cansaço, encontro forças para lutar.
As lágrimas escorrem pelo meu rosto, porque não consigo mais controlar.
— Você pediu por isso, Carina! — Alerta.
Vejo que estamos fora da propriedade e ele me coloca dentro do seu carro, sentada no
banco do motorista. Pende o cinto no meu corpo e mordo a sua mão, fazendo ele gritar de dor.
Tento me soltar novamente, porém ele bate a porta e me tranca lá dentro.
Pelo vidro da janela, consigo ver o corpo de Vittorio ainda estendido no chão, em frente a
porta principal. Olho para dentro do automóvel, tentando encontrar alguma coisa que me ajude a
sair daqui, mas não encontro.
O homem entra no lado do motorista e liga o carro, disparando pela rua, cantando pneu.
Ele acelera tanto, que seguro no painel, olhando para ele em estado de choque.
— Você quer nos matar? — Grito, sentindo o meu rosto sendo banhados pelas lágrimas.
— Acha que o Collalto vai sofrer por você? — O homem questiona, desviando a atenção
da rua e meu corpo fica tenso. — Provavelmente, já deve ter comido outra nesse tempo.
— Para! — Peço aos berros. — Por favor!
— Ele não te merece, Carina. — O homem continua falando, dirigindo sem olhar para
frente. Minha atenção está no caminho que ele está nos levando. — Eu te vi primeiro. Você
dançou para mim.
— Você é maluco! — Grito, olhando para ele. — É o meu trabalho, eu danço para quem
eu quiser.
— Não vai dançar nunca mais. — Anuncia.
Sinto meu coração quase saindo pela boca.
Olho para o asfalto e aperto forte o cinto de segurança quando vejo carros parados a
alguns metros de distância, bloqueando a passagem. Encaro o homem ao meu lado, que abre um
sorriso sínico no rosto. Pisa forte no acelerador e eu fecho os olhos por alguns segundos, rezando
para esse pesadelo acabar.
— Acho que seu príncipe veio te resgatar. — Debocha.
Abro os olhos e percebo que o homem parado no meio do asfalto é Tomás. Eu o
reconheceria a quilômetros de distância. Conforme nos aproximamos, percebo que tem outros
homens ao seu lado, todos armados e apontando para a nossa direção.
Olho para o homem ao meu lado e percebo que não vai parar. Ele está obcecado com a
ideia de me ter e vai acabar com todos que estiverem em seu caminho. Ele acelera ainda mais e
seus dedos seguram o volante com força.
Preciso tomar uma decisão, porque não vou ser a responsável pela morte do homem que
amo, muito menos dessas outras pessoas.
— Você vai nos matar! — Grito, apontando para a barreira que foi criada.
— Se eu não posso ter você, ele também não vai ter.
Estamos muito perto…
Em um movimento rápido, voo na sua direção e puxo o volante para o meu lado. Ele
tenta manter o controle e o carro derrapa na pista, perdendo o controle.
— Carina! — Escuto o grito angustiante do homem que amo.
O carro sai do chão e começa a rodar no ar. Sinto o primeiro impacto e sei que estamos
capotando.
Fecho os olhos e só peço para que não haja sofrimento.
É como se estivéssemos rodando diversas vezes no ar e sinto cada impacto. Os cacos de
vidro cortam a minha pele e o sangue escorre quente pelo meu corpo. Minha cabeça bate no teto
e perco a consciência por alguns minutos.
Finalmente para.
Abro os olhos com certa dificuldade e sinto o cheiro de gasolina. Tento me situar, mas
minha cabeça dói, assim como o meu corpo. Sinto o gosto de metal na boca e começo a tossir
sangue.
— Carina! — Escuto ao fundo uma voz desesperada me chamando. — Carina!
Fecho os olhos, porque estou muito cansada.
— Carina! — Sua voz está mais perto agora e tento abrir os olhos.
Tomás está deitado no chão ao meu lado e tenta tocar o meu o meu rosto. Vê-lo aqui
me deixa mais tranquila, porque sei que se importa.
— Você… veio… — Sussurro com certa dificuldade.
Vejo uma lágrima escorrendo do seu rosto e ele pega minha mão machucada.
— Eu sempre vou te encontrar, tesoro.
Tento sorrir, mas meus olhos estão pesados. Aos poucos, minha visão vai ficando turva
e escuto os gritos desesperados de Tomás ao fundo. Tento ficar acordada, mas não consigo.
No fim, me entrego à escuridão.
CAPÍTULO 26
Nunca vou esquecer o brilho de medo em seus olhos.
Se eu pensava que a pior dor que senti na vida foi perder meus pais, estava enganado.
Assistir o carro que a mulher que eu amo estava capotando diversas vezes e não conseguir fazer
nada para parar, isso foi dilacerante.
Fecho os olhos e ainda consigo ver Carina com o rosto ensanguentado, sua respiração
fraca… Você veio. Isso me destruiu.
Depois de ter a certeza que ela estava bem, deixei o hospital e vim para o armazém. Meu
melhor amigo tinha retirado o corpo do traidor do carro e o filha da puta ainda estava respirando.
Ainda bem!
Entro na sala e vejo seu corpo pendurado por uma corrente de ferro. Sua cabeça está
caída e o sangue escorre pelo seu corpo, por conta dos ferimentos do acidente.
Poderia ter deixado ele dentro daquela lataria destruída, morrendo lentamente. Mas
minha mente não dormiria tranquila sabendo que não coloquei minhas mãos no canalha.
Eu não ceifava uma vida durante uma tortura desde os meus 17 anos.
Chegou a hora de mudar isso!
— Tem certeza que vai fazer isso? — Jesse questiona, parado ao lado da mesa com os
objetos que utilizamos para torturar.
— Lucca quer o nome da cabeça por trás da traição? — Rebato com outra pergunta.
Nós sabíamos que nem ele, nem mesmo Vittorio, eram a cabeça da pirâmide que tentava
tirar minha família do poder.
— Seu irmão quer ver o desgraçado morto por ter mexido com alguém da nossa famiglia.
— Meu melhor amigo diz. — Ponto.
Sorrio ao me dar conta de que todos já tratam Carina como se ela fosse um membro da
nossa família. A gente nem está junto, mas meu plano é oficializar a nossa relação assim que ela
acordar.
Isso se ela não me acertar com algo por ter sido um idiota, antes que eu consiga falar
alguma coisa…
Pego uma faca afiada e alguns alfinetes. Pedi para deixarem o homem nu, como veio ao
mundo. Me aproximo lentamente e escuto suas lamúrias baixas. Pego na sua nuca e o obrigo a
erguer a cabeça.
— Achou que fosse mexer com a Famiglia e nada fosse acontecer? — Indago.
Brinco com uma das agulhas entre meus dedos, até fincá-la no seu pau. O homem urge de
dor.
— Não deveria ter tocado nela. — Alerto. Enfio mais uma agulha e ele se contorce. —
Não deveria ter sequer olhado para o corpo dela.
— Sua putinha… — Ele fala e fecho as mãos em punho. — Amou rebolar no meu colo,
sentindo...
Não quero escutar nem mais uma palavra que saia dos seus lábios. Soco seu corpo, na
direção da boca do estômago, e ele se encolhe de dor. Cospe sangue e vejo os ferimentos,
causados pelo cados de vidro, sangrarem.
Olho para Jesse, que está de braços cruzados, observando tudo. Respiro fundo, porque
não posso perder o controle, ele precisa sofrer. A porta se abre e Lucca entra na sala. Ele havia
ficado para resolver algumas coisas sobre o acidente, porque precisávamos cobrir os rastros para
a polícia não nos envolver no caso.
Meu irmão vai em direção a mesa, brincando com as facas em seus dedos. Ele me encara
e sorrio.
— Vamos ver se você aguenta a brincadeira. — Aviso.

Entro no hospital e aquele sentimento de sufoco me invade, mas enfrento meu medo
para ver aqueles olhos castanhos mais uma vez. Camilla está sentada no sofá, nos aguardando.
Lucca ficou do lado de fora, atendendo uma ligação importante.
— Como ela tá? — Pergunto, olhando para a porta do seu quarto.
— O médico está fazendo alguns exames, mas acho que ela vai ficar bem. — Minha
cunhada sorri e sinto um alívio imediato. — Carina perguntou por você.
Perco o ar por alguns segundos.
Ela quer saber de mim.
Um misto de medo e esperança preenche o meu peito. Medo da sua reação quando me
ver. Esperança de que ela me dê uma nova chance e aceite ser minha mais uma vez.
— Novidades? — Meu irmão aparece e dá um selinho na esposa.
— Ela acordou, só estamos esperando o médico. — Camilla comunica.
Nós passamos a noite inteira no armazém, torturando o desgraçado que colocou a mulher
que eu amo numa cama de hospital. Quando ele estava por um fio, peguei a arma e dei um tiro na
sua cabeça.
Sei que meu irmão ficaria preocupado comigo por um tempo, porque não tenho o
costume de “finalizar” os trabalhos. Só que, desta vez, não me arrependi de nada. Diferente do
que senti quando tomei meu banho após matar os homens que tiraram a vida do meu pai, eu
estava leve. Caralho, não deveria me sentir assim! Só que era a verdade.
Aquele homem já havia brincado com o psicológico de Carina e não duvido que o faria
novamente, repetidas vezes se pudesse.
— Tamara ligou e disse que não aconteceu nada de diferente esta noite na boate. —
Lucca informa. — Avisei que Colombo não vai voltar.
A loira era a pessoa que tínhamos colocado dentro da ATOS, antes de conhecer Carina.
Ela começou a dançar lá e nos passava algumas informações, até mesmo tentou se envolver
sexualmente com Vittorio para tentar descobrir alguma coisa. Felizmente, a minha morena havia
obtido mais sucesso e Tamara passou a apenas cuidar para que Carina não fosse pega.
— Familiares de Carina Bassi? — O médico surge na porta e lhe damos total atenção.
— Somos nós! — Lucca ergue a mão.
Sinto uma pontada de felicidade ao ver que meu irmão, o Capo di tutti Capi, está
praticamente nos dando a bênção para ficarmos juntos. Ele estava receoso no início, mas abraçou
a morena na famiglia.
Nos próximos minutos, o médico fala do estado de saúde de Carina. Ele avisa que ela vai
ter que ficar de observação, porque bateu a cabeça muito forte e está com o cérebro inchado.
Além disso, quebrou um braço e levou alguns pontos.
Depois de nos deixar a parte de tudo, ele avisa que ela foi medicada e pode estar um
pouco sonolenta. No entanto, liberou a entrada de visitas. Nem preciso dizer que fui o primeiro a
entrar.
Abro a porta com cuidado e meu coração aperta no peito ao vê-la deitada na cama,
rodeada de aparelhos. Uma agulha está fincada no seu braço com o soro e seus olhos estão
fechados, como se dormisse tranquilamente.
Me aproximo lentamente, não querendo fazer barulho. Com a mão levemente trêmula, eu
pego a sua em cima da maca e entrelaço nossos dedos.
— Tomás. — Ela sussurra.
Observo Carina abrindo os olhos lentamente e virando a cabeça no travesseiro, me
encarando com seus lindos olhos castanhos. Sinto uma lágrima escorrendo pela minha pele.
— Ciao, tesoro.
— Você me encontrou. — Sorri.
Ergo a minha outra mão e toco nos seus cabelos, observando-a e decorando cada traço do
seu rosto. Inclino em cima da maca e meus lábios tocam sua pele macia, quando depositei um
beijo na sua testa.
— Eu disse que iria te encontrar.
— Achei que não se importasse. — Confessa.
Fico em silêncio e me lembro da última vez que nos vimos. Eu mandei ela embora, mas
eu precisava dela… Você me ama? A pergunta ecoa na minha cabeça diariamente desde que ela
sumiu da minha vida.
— Como não me importaria, tesoro? — Questiono, acariciando os fios do seu cabelo. —
Eu preciso de você na minha vida, Carina. Fica difícil para respirar, se você não estiver comigo.
Ti amo tanto, tesoro mio[42]!
Carina me olha em choque. Acho que ela não estava esperando uma declaração. Seus
olhos brilham e uma lágrima escorre pelo seu rosto.
— Não chora! — Passo o dedo na sua bochecha, secando.
— Você me ama? — Ela questiona, como se precisasse de uma confirmação.
— Com todo o meu jeito torto, eu te amo.
Carina sorri e as lágrimas escorrem sem parar de seus olhos.
— Se você me der mais uma chance, prometo que vou fazer com que seja a mulher
mais feliz do mundo. — Aperto sua mão na minha e levo até meu peito, em cima do coração. —
Vou realizar todos os seus sonhos e dar a família que sempre sonhou.
Carina funga e sorri. Percebo que o remédio já está fazendo efeito, porque seus olhos
parecem pesados.
— Não confio facilmente nas pessoas… Mas meu coração está falando que posso confiar
em você. — Declara. Recordo a primeira vez que me disse essas mesmas palavras, alguns meses
atrás. — Sei que não deveria seguir minhas emoções…
— Ti amo, tesoro. — Corto sua fala e aproximo meus lábios dos seus.
Carina sorri.
Essa mulher entrou na minha vida do nada, sendo um problema inesperado. Ela não
deveria ter visto o que viu, mas agradeço aos céus por ela estar naquele dia, naquele local.
— Ti amo, Tomás Collalto.
EPÍLOGO
Convidei Carina para morar comigo no dia do seu aniversário. Ela já estava na minha
casa, por causa da recuperação do acidente, e meu armário já estava infestado de coisas dela.
Juntei o útil e o agradável, fazendo uma proposta irrecusável, com direito a pétalas de rosa
espalhadas pelo chão da nossa sala.
Mio Dio! No que essa mulher me tornou?
Hoje era o meu aniversário e Lucca havia fechado o clube da nossa família para uma
festa. Eu estava completando 25 anos, mas não via necessidade para uma comemoração em
grande estilo.
Carina estava nervosa, seria o seu primeiro evento oficial da máfia. Vários homens da
Famiglia e afiliados estariam presentes, além da minha gigante família. Todo mundo veio,
menos Isabella.
— Não precisa ficar nervosa, tesoro. — Falo no seu ouvido, enquanto posamos para as
fotos na entrada. — Só não esqueça que…
— Não podemos ficar demonstrando afeto em público. — Completa. — Eu sei,
Collalto. Decorei as regras antes de sair de casa.
Seu atrevimento em excita.
Terminamos de tirar as fotos e entramos no clube. A decoração foi escolhida por
Camilla, pois Carina disse que ainda não sabia como funcionava essa coisa de “festa de rico”.
Palavras dela, não minhas.
— Vou te punir quando chegarmos em casa. — Aviso.
— Só quando chegarmos em casa? — Faz beicinho e aperto meus dedos na sua
cintura, puxando seu corpo para perto do meu.
Seguimos pelo salão do clube e cumprimento algumas pessoas, apresentando a minha
namorada. Sim, namorada. Queria pedir sua mão em casamento, mas a morena quer ir devagar e
aceitei seu desejo. Já foi um avanço ela ter mudado para a minha casa com menos de um mês de
namoro.
Sinto o corpo dela tenso e aproveito que acabamos de nos afastar de um grupo de
pessoas para tranquilizá-la.
— Por que você tá assim, tesoro? — Questiono, pegando duas taças de champanhe da
bandeja do garçom e lhe oferecendo uma. — Não tem motivo para se preocupar…
— Todo mundo está me olhando, analisando todos os meus movimentos. — Reclama.
— Eu sei que sou a namorada do Underboss da máfia, mas tenho que lembrar que também sou…
— Carina! — Escuto a voz doce de Martina, que vem desfilando na nossa direção.
Minha namorada sorri e aceita o abraço da minha amiga.
— Estava com saudade. — Martina reclama.
— Você viajou só por uma semana, nem passou tanto tempo assim. — Pontuo.
Martina revira seus olhos verdes e se direciona a mim, enquanto Carina prende o riso.
— Queria mesmo falar com você! — Ela suspira e sorri para um homem mais velho
que passa do nosso lado, antes de continuar. — Papà está no meu pé, quer que eu decida o que
quero fazer logo. Pode me ajudar?
— Tina… — Repreendo-a. — Não me meta nos seus problemas com padrino.
— Só porque agora ele é seu sogro? — Ela estreita os olhos e ergue a sobrancelha.
Um tempo depois que Carina saiu do hospital, disse para ela tudo o que descobri sobre
seu passado e lhe contei sobre a minha teoria. No início ela não quis falar sobre o assunto, mas
depois pediu para marcar um encontro com meu padrinho.
Foi emocionante ver o homem que me ajudou a ser quem eu sou hoje descobrir que o
fruto do seu grande amor poderia estar vivo. Ainda fico mexido sempre que olho para eles
juntos. Um exame de DNA depois e a confirmação veio.
Carina era filha de Filippo e Diana Santoro.
— Não tenho medo dele. — Digo.
— Jura? — Minha namorada fica ao lado da irmã e cruza os braços, erguendo uma
sobrancelha.
Mio Dio! Às vezes elas são tão parecidas, que assusta.
— Va bene! — Solto um suspiro, resignado. — Vou tentar falar com ele mais tarde.
— Melhor cunhado da vida! — Martina se aproxima e beija a minha bochecha.

Estávamos cansados da festa quando pisamos dentro do nosso apartamento. Mas


Carina tinha me prometido um presente e estava curioso para saber o que era.
A morena me guia em direção ao nosso quarto e abre a porta, mas não vejo nada de
diferente.
— Senta na cama. — Manda e eu estranho, mas obedeço.
Deixo o paletó em cima da cadeira da sua penteadeira e sento no colchão macio, o
mesmo que fazemos amor repetidas vezes. Observo Carina desfilar pelo quarto, mexendo no
celular.
Ela está usando um vestido preto justo, que tem um decote na frente e as alças são de
corrente dourada. Os cabelos pretos estão soltos e ela já saiu do salto, andando descalça pelo
chão. Completamente perfeita!
Ela coloca o celular em cima da cômoda e Die For You começa a tocar. Sorrio ao me dar
conta do que ela está fazendo, enquanto tira lentamente o vestido pela cabeça e vejo os primeiros
detalhes da calcinha de renda vermelha.
Usa uma cinta liga e seus seios fartos estão livres de qualquer peça, implorando por
atenção.
— Conhece as regras, Collalto. — Ela para entre as minhas pernas e passa a unha pintada
de preto pelo meu queixo. — Pode me ver, mas não pode me tocar…
Se afasta e começa a fazer um número só para mim. A cada movimento, seus olhos
castanhos não desviam dos meus, e meu pau pulsa, ficando cada vez mais apertado dentro da
calça.
A safada me provoca e sinto a minha respiração ficando pesada. Ela passa a mão pelo
corpo e aperta os bicos dos seios, mordendo o lábio inferior. Caminha lentamente na minha
direção e engulo em seco, já imaginando o que vai fazer em seguida.
Carina sobe no meu colo e começa a se esfregar em mim. Tento me controlar, mas é
muito difícil ao vê-la balançando os seios na minha cara.
— Dane-se as regras, tesoro!
Carina solta um gritinho quando a pego no colo e a levo para o banheiro. Beijo seus
lábios e provo o seu gosto, que já está impregnado no meu sistema e virou um vício. Quando já
estamos sem ar, sento ela na bancada da pia e passo o dedo pela sua fenda molhada, coberta pela
renda.
— Você sempre está pronta. — Sussuro contra seus lábios.
— Não está muito diferente, gostoso tatuado.
Ela pega na minha ereção por cima da calça e solto um gemido do fundo da garganta.
Passo o polegar pelo bico do seu seio e a vejo arfar.
— O que você quer, tesoro?
Seus olhos encontraram os meus e ela sorri.
— Quero você dentro de mim, Collalto. — Pede e aperto o bico durinho entre os dedos.
— Agora!
Ela não precisa pedir novamente.
Ajudo a tirar sua calcinha e ela desabotoa minha camisa, enquanto abro a calça e deixo a
peça cair no chão, junto com a cueca. Pego uma camisinha em uma das caixas em cima da pia e
coloco, sentindo seu olhar em mim o tempo todo.
Quando estou pronto, ela abre as pernas e apoia os pés na bancada, me convidando a lhe
preencher. Pego meu membro e brinco na sua entrada, esfregando por toda sua abertura e vendo
ela revirar os olhos.
Enfio a cabeça e ela me olha nos olhos, pedindo por mais. Entro lentamente e é como se
estivesse a preenchendo pela primeira vez. Suas paredes internas me apertam e inclino o corpo,
beijando seus lábios.
O sexo é lento, mas prazeroso. Quero aproveitar cada segundo e decorar cada parte do
seu corpo, repetidamente. Vou aumentando o ritmo aos poucos e Carina solta um gemido rouco,
mordendo o meu lábio inferior.
Ela me puxa pelo pescoço e apoio as mãos no mármore, para não cair em cima dela.
— Mais rápido, Tomás! — Ela pede. — Ah!
Atendo seu pedido e invisto nas estocadas. Desço meus lábios pelo seu corpo, até tomar
um dos seus seios na boca. Carina arranha as minhas costas e tomo o outro seio, chupando sua
pele sensível e vendo ela se contorcer de prazer.
Ela vai me apertando e sei que está quase lá. Ameaço parar, mas ela finca as unhas na
minha pele.
— Não… para… — Fala, com a respiração entrecortada.
Sorrio ao ver que ela joga a cabeça para trás e agarra um dos seios, apertando. Carina me
prende dentro dela e estremece, soltando sons incompreensíveis pelos lábios inchados. Continuo
entrando e saindo dela, sentindo deslizar com maior facilidade, e finalmente agarro sua cintura,
sentindo minhas pernas estremecerem, e gozo forte, enchendo o preservativo com a minha porra.
Carina brinca com os fios do meu cabelo, tentando controlar a respiração. Saio de dentro
dela e escuto seu protesto. Mesmo cansada da noite e da rodada de sexo, ela não parece estar
exauta.
Puxo ela para um banho e ajudo a lavar seu corpo. Claro que aproveito para mastrubá-la e
a vejo gozar novamente, assim como ela me envolve com seus dedos e jatos da minha porra
sujam o vidro do box.
Quando finalmente deitamos na cama, puxo seu corpo para perto do meu, inalando o seu
perfume floral.
— Sabe o que é engraçado, Tomás? — Ela questiona, enlaçando nossos dedos. — É
como se o nosso destino já estivesse traçado.
Lembro da história que mamma me contou, sobre a brincadeira do meu casamento com o
bebê que meu padrinho e a esposa estavam esperando.
Carina.
— Acho que você estava destinada a ser minha, tesoro.
CAPÍTULO EXTRA
Minha noite foi maravilhosa.
Não estava podendo reclamar de nada. Tinha bebido, beijados algumas bocas e feito um
sexo á três maravilhoso, recheado de orgasmos.
O único problema era que me sentia sozinho na maior parte do tempo. Havia perdido as
minhas companhias de balada, porque todo mundo arranjou alguém.
Minha irmã foi a primeira a abandonar o barco, ao aceitar se casar com Juan Gutierrez.
Depois disso, Isabella se mudou para a Espanha e quase não a vejo, muito menos meus
sobrinhos.
Matteo foi o segundo a terminar com a vida de solteiro. Foi para uma missão com a
minha prima Hanna, e pediu a mão dela em casamento, do nada. Uma verdadeira confusão, mas
hoje os pombinhos estão felizes e casados.
Nicolas tem uma relação de cão e gato com Sophia, sempre agarrados. Os dois viviam em
pé de guerra, mas em um belo dia, ficaram noivos. Era óbvio que eles se amavam, mas
escondiam o que sentiam um pelo outro. Resultado: Mia e Lorenzo, os gêmeos mais fofos.
Tyler quase não nos vemos mais, porque só dá atenção a Lucy… A garota tinha sido
contrabandeada e fazia trabalho escravo em um clube de luta ilegal. Meu amigo encontrou ela
quando foi sequestrado e se apaixonou pela ruiva. Ela foi resgatada e eles nunca mais se
separaram.
Por fim, temos Bianca. Essa é uma verdadeira incógnita… Teve uma época que achei que
nutria sentimentos pela mulher de pele negra e olhos intensos, mas percebi que era apenas coisa
da minha cabeça.
Ela era uma boa amiga e eu me preocupava com ela.
Ponto.
A mulher tinha um sério problema com relacionamento e seu pai estava começando a
ficar no seu pé, porque a maioria das mulheres da sua idade já estavam casadas, ou noivas. Só
que Bianca estava em busca do seu grande amor, seu príncipe no cavalo branco… Toda aquela
baboseira de conto de fadas.
Há alguns meses ela estava com um mauricinho, filhinho de papai. Ela achava que com
ele daria certo, mas eu sabia que essa relação não iria para frente. Conseguia enxergar os sinais.
Só que isso não era problema meu.
Nunca foi.
Termino de tomar meu banho e me jogo na cama, suspirando. As noites de inverno em
Nova Iorque são frias e sei que amanhã vou ter que ir agasalhado para a porcaria de evento que
Nicolas me mandou.
Seja meu segundo em comando, Michael! Vai ser legal! Nicolas pediu.
Uhul! É super legal ter que ir em eventos na manhã de domingo.
Fecho os olhos e tento dormir, mas quando estou quase pegando no sono, escuto
alguém batendo na minha porta freneticamente, seguido pelo som da campainha.
Porra! Quem pode ser a essa hora?
Olho o relógio no meu celular e são 4 e meia da madrugada. Levanto da cama
resmungando, mas vou até a porta para ver quem está demandando a minha atenção com tanta
urgência.
Destranco a porta com a senha eletrônica e arregalo os olhos ao dar de cara com a mulher
aos prantos.
— Ele vai me matar! — Ela se joga em meus braços e fico sem reação.
— O que… — Tento perguntar, mas estou confuso.
Que porra ela tá fazendo na minha casa, no meio da madrugada?
— Eu não sei o que fazer, Michael! — Solta um soluço.
— Não posso te ajudar, se ainda não sei o que está acontecendo.
Ela se afasta e enxuga as lágrimas do rosto, erguendo os olhos para mim. Uma sensação
estranha me invadiu e dei um passo para trás.
— Eu tô grávida!
PARA TOMÁS
Tomás,
Meu menino rebelde… Me desculpe!
Se está lendo essa carta agora, é porque não pude estar ao seu lado no dia do seu
casamento. O pior aconteceu e fui pego em uma emboscada.
Você ainda não completou a maioridade e provavelmente vai ter que assumir alguma
responsabilidade, ficando ao lado do seu irmão. Me sinto culpado, mas sei que estou tomando a
decisão correta.
Você sempre foi de guardar os seus sentimentos e espero que tenha mudado isso ao
longo dos anos, mas… Se por acaso continua assim, espero que encontre alguém que o faça
enxergar que sentimentos nos fortalecem, não nos destroem.
Espero que sua futura esposa o faça se sentir vivo, que ela te desfie e te mostre o lado
bom da vida. Sinto que vai encontrar a pessoa certa, na hora certa. Seu destino está sendo
escrito, basta seguir seu coração.
Não imagino qual a sua idade quando estiver lendo esta carta, mas espero que seu
coração esteja em paz, mio figlio.
Ti amo,
Papà.
AGRADECIMENTOS
Acharam que eu iria esquecer da carta, né? rsrs
Queria começar agradecendo você, que leu essa intensa história de amor até o final.
Tomás me deu trabalho, viu? Sei que vocês aguardavam ansiosamente a história desse mafioso
problemático, meio rebelde. Espero que tenha atendido as expectativas. Eu amei escrever a
história desse casal e confesso que sofri em diversas partes (me perdoem).
Como sempre, tivemos um capítulo extra para vocês criarem teorias sobre o próximo
Collalto. Estou ansiosa para ver o que Michael vai aprontar. Será que teremos mais um bebê para
o clã? (Lucca já está contribuindo para a nova geração).
Agradeço à minha família, pelo incentivo diário. Sem o apoio de vocês, eu não estaria
aqui. Obrigada! Aos meus melhores amigos, que estão comigo desde o início e me ajudaram a
não desistir todos os dias. E às minhas primas, que também me incentivam e ficam cobrando o
próximo livro (e spoilers do que está por vir). Amo vocês!
Não poderia deixar de agradecer a Denize, que estava esperando a história do marido dela
desde o livro da Sophia. Obrigada por tudo! Cada surto foi especial e vou guardar com carinho.
Agradecer também a Regi, por estar comigo mais uma vez em um lançamento. Sério, não tenho
palavras para agradecer sua paciência comigo!
Às minhas parceiras, obrigada por fazerem parte desse momento. Vocês também fazem
parte dessa história, então, muito obrigada por se inscreverem e participarem da parceria. Espero
que tenham surtado muito!
Por favor, não esqueça de deixar sua avaliação, porque isso me ajuda muito! Convido a
interagir comigo nas redes sociais, porque amo ler o feedback de vocês (e fofocar sobre os
personagens).
Ps: Lembre-se que compartilhar PDF atrapalha a vida do autor independente.

Beijo e até o próximo livro!


REDES SOCIAIS
Instagram: @autoragioliveira
TikTok: @autoragioliveira
E-mail: autoragioliveira@gmail.com
SOBRE A AUTORA
Giovanna Oliveira é mineira, tem 25 anos, formada em Jornalismo e apaixonada por
cultura. Sempre gostou de ler e escrever, mas só decidiu compartilhar suas histórias com o
mundo em 2022.
Sempre escreveu uma coisa aqui, outra ali... No entanto, nunca tinha concluído uma
história de fato, até Amor Secreto entrar na sua vida!
Apaixonada por livros, filmes e séries, isso é algo que faz parte dela e ela não sabe viver
sem (os amigos até estranhariam se mudasse um dia rsrsrs).
Tem o desejo de emocionar seus leitores, fazer com que eles gritem e se divirtam com as
suas histórias!

[1]
“Capo de todos os Capos” em italiano, mais conhecido como o chefão ou Don.
[2]
Segundo no comando na hierarquia da máfia italiana.
[3]
“Mãe” em italiano.
[4]
“criança” em italiano.
[5]
“meu filho” em italiano.
[6]
“Boa noite” em italiano.
[7]
“Vamos” em italiano.
[8]
“irmãzinha” em italiano.
[9]
“gatinho” em italiano.
[10]
“Meu Deus” em italiano.
[11]
“Família” em italiano. Neste caso, se refere às pessoas que fazem parte da máfia.
[12]
Xingamento “porra” em italiano.
[13]
“tudo bem” em italiano.
[14]
“tesouro” em italiano.
[15]
“Bom dia” em italiano.
[16]
“irmãozinho” em italiano.
[17]
“Oi” ou “tchau” em italiano.
[18]
Expressão italiana que indica alívio. “Graças a Deus”
[19]
“Tudo bem” em italiano.
[20]
“Obrigado” em italiano.
[21]
“senhora” em italiano.
[22]
“tio” em italiano.
[23]
“cale-se” em italiano.
[24]
“meu amigo” em italiano.
[25]
“Bom apetite” em italiano.
[26]
“Boa noite” em italiano.
[27]
Forma carinhosa de chamar “avô” em italiano.
[28]
Forma carinhosa de chamar “avó” em italiano.

[29]
Forma carinhosa de chamar “avô” em inglês.

[30]
“tia” em italiano.
[31]
“conselheiro” em italiano. É um dos homens de confiança do Capo (ou Don) na hierarquia da máfia.
[32]
“papai” em italiano.
[33]
“Sinto muito” em italiano.
[34]
“bisavô” em italiano.
[35]
“massa” em italiano.
[36]
“Pronto ou finalizado” em italiano.
[37]
“primo” em italiano.
[38]
“Vai se fuder” em italiano.
[39]
“rapazes, garotos” em italiano.
[40]
“Padrinho” em italiano.
[41]
“meu amor” em italiano.
[42]
“Te amo muito, meu tesouro” em italiano.

Você também pode gostar