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Série
Horses Valley
Livro 6
Mônica Cristina
~ 2020 ~
Copyright © 2020 - Mônica Cristina
Revisão: Margareth Antequera
Diagramação: Margareth Antequera
Capa: Raphael Viana
Vir até a casa de Lolla falar com ela e Harper sobre meus
sentimentos já não é nada fácil, basta cinco minutos de visita e uma
garota que nunca vi na vida chega anunciando que estava com
Jimmy como se minha vida estivesse sendo discutida a cada canto
do Vale, é constrangedor e um tanto irritante.
No mesmo instante ela se arrepende, eu sei que ela é nova
na cidade, próxima a Lolla, que veio por conta de seus problemas
pessoais, um passado complicado, é quase uma adolescente,
mesmo assim, não é a melhor maneira de começar uma possível
amizade.
— Com o Guy! – Ela completa tentando consertar. – O Guy
me levou para conhecer o rancho e o Jimmy... ele... – ela aponta a
porta. – Ele acabou de me deixar e foi levar o Guy, não falamos de
você, é que eu... – ela se cala e o que foi um leve mal-estar ganha
ares de comédia, Emily está tão nervosa que acaba ficando
engraçado. – Desculpe a indiscrição – ela diz por fim.
— Tudo bem – digo estendendo a mão que ela aperta
aliviada.
— Ótimo! – Lolla brinca. – Emily essa é a Penny e Penny,
essa é a Emily. Sejam amigas, por favor.
— Seremos – digo para apaziguar a angústia da jovem.
— Vamos nos sentar, meninas. – Lolla convida.
— Eu vou deixar vocês conversarem, volto mais tarde. –
Emily anuncia e acho bastante educado de sua parte. Ninguém
insiste para que fique, o que é ótimo, nos acomodamos eu, Lolla e
Harper.
— Conta Penny, o que está acontecendo?
— Jimmy! – digo sem rodeios. – Jimmy de volta é o que
está acontecendo – suspiro enquanto mordo o lábio inferior olhando
de uma para outra. – Vocês são mais velhas, tem mais experiência,
o que eu faço? Minhas amigas já são todas jovens e felizes recém-
casadas, mães, algumas estão fora do país, viajando e se
descobrindo, não tenho nenhuma opinião madura para ouvir.
— Ela deve estar falando de você, Lolla – Harper brinca.
— Certeza que está, Harper tem a idade emocional da
Holly.
— Ei, Lolla Queen, pega leve. – Harper ri, mas as duas
estão brincando. Harper é forte e muito madura.
— Harper, você passou por algo parecido, ficou um tempo
fora, voltou para um velho amor, como foi?
— Não tem nem como comparar. Penny! – Ela é honesta e
está certa, não existe a menor comparação entre as histórias. –
Terminamos muito mal, quando voltei e cruzei com ele foi ainda pior.
— Sabe que não entendo o que está havendo entre você e
o Jimmy? – Lolla pondera. – Não brigaram, se afastaram de maneira
amigável, agora toda essa confusão.
— Vivemos muitas coisas desde então – admito. –
Conhecemos outras pessoas, tivemos nossas histórias, agora... eu
morro de medo do dia em que finalmente vamos nos encontrar.
— Por quê?
— Se não for como pensei? Se eu não sentir mais nada por
ele, pior, se eu sentir e ele não?
— Qualquer coisa é melhor do que essa confusão de
sentimentos. – Harper me alerta. – E o James?
— O que tem ele? – pergunto surpresa.
— É Horses Valley, não está mais em Dallas, Penny Lane!
– Harper sorri. – Eu sou a garota do Drunks, é naquele balcão que
os homens da cidade desabafam.
— Ah! Ele... falou alguma coisa?
— Ele sempre fala que está interessado em você, mas que
você não reage muito.
— Somos colegas de trabalho, não acho boa ideia misturar
as coisas, além disso, ele é um bom homem, magoá-lo com uma
história que eu sei que não vai seguir em frente é horrível.
— Acho que todas as dúvidas foram respondidas – Lolla diz
trocando olhares com Harper.
— Como assim? – pergunto querendo alcançar os
pensamentos delas.
— Penny, você tem muita certeza de que sua vida não vai
dar certo com o James – Lolla explica.
— Por outro lado, está cheia de dúvidas sobre o Jimmy. –
Harper continua. – Você ainda o ama e está com medo dele não
sentir o mesmo, é só isso, pior, eu aposto que é o mesmo com ele.
— Não acho. Ele voltou para casa, eu sempre estive aqui.
Ele devia ter me procurado. Era nosso acordo – conto a elas. –
Quando ele voltasse, quando nós dois tivéssemos feito o que
queríamos fazer fora do Vale e retornássemos, então nos
encontraríamos e decidiríamos juntos se ainda era amor.
— Acho tão lindo os planos dos adolescentes – Harper diz
saudosa. – Eu e Noah fazíamos os nossos, então a vida veio e nos
engoliu, foi doloroso descobrir que toda aquela ideia inocente e
perfeita de como seria nossa vida era só fantasia.
— Não pode dizer que era fantasia, Harper, estão juntos.
— Foi um terreno bem acidentado o que percorremos, não
somos nada parecidos com o casal que imaginávamos.
— Vocês são lindos juntos – opino quase em choque com
seus comentários que vão muito além de como pensei sobre eles. –
Eu sempre os achei o casal mais bonito do Vale. A Peggy é que
preferia o Mathieu e a Mandy.
— Penny! – Ela sorri, se acomoda segurando a xícara de
chá e depois de um suspiro e um gole no chá, finalmente parece
pronta para continuar. – Somos melhores do que os sonhos de
meninos. Seríamos famosos, viveríamos pelo mundo, não era nada
parecido com a vida pacata que temos.
— Entendo – digo um tanto confusa. – Mas acho que eu
consegui o que perseguia e o Jimmy também. Profissionalmente
vencemos. Ele é o veterinário preparado que sempre quis ser e, eu
sou a professora do Vale que sempre quis ser.
— E a preferida da Holly. – Harper comenta e penso em
como aquela garotinha é cheia de ideias na cabeça e aventuras
malucas para viver.
— Amo sua garotinha – admito. – Não sei o que sinto pelo
Jimmy.
— Acho que sabe e, acho que precisa enfrentar esse
sentimento – Lolla me aconselha.
— Esse é o problema, eu não sei se quero fazer isso,
porque me magoa que ele não tenha vindo atrás de mim, queria que
ele tivesse me procurado, no fundo acho que eu devia era dar uma
chance ao James – conto a elas sem medo de me abrir.
— Faça isso. – Harper dá de ombros. – Que outra maneira
melhor para descobrir que vocês não têm nada a ver um com o
outro, seria bom até para ele buscar outro rumo.
— Ou para o Jimmy se tocar que não pode ficar parado,
mas eu acho que faria diferente – Lolla me conta. – Eu iria direto
bater na porta do Jimmy. É isso que uma mulher decidida faz.
— Não sou decidida – digo a elas sem qualquer vergonha.
— Pois eu digo que é sim – Harper comenta e Lolla
concorda.
— Vocês sabem que estão falando como os meus pais? –
conto a elas. – Procurei vocês porque sabia que na opinião dos
meus pais, eu devia implorar para o Jimmy ficar comigo, eles amam
o Jimmy, talvez mais do que amam a mim e isso só me deixar mais
brava ainda com eles.
— Por quê?
— Que pergunta. Eles mereciam ao menos uma visita do
ídolo deles. Não acham? – Lolla cruza os braços no peito, sua
expressão se transforma e Harper abre e fecha a boca também
surpresa.
— Quer dizer que ele não foi nem dar um “olá” aos seus
pais?
— Nada.
— Liga para o James e pede ele em namoro! – Harper
brinca.
— Senão por amor, por vingança. – Lolla completa e só
consigo rir dessas duas, definitivamente eu devia ter ficado com as
minhas próprias opiniões.
— Peggy Sue quer marcar uma festinha quando chegar da
Lua de Mel em sua casa nova. Acho que não vou ter como fugir de
encontrá-lo nesse dia.
— Vai com o James! – Lolla provoca sabendo que não fazia
algo assim, mas é engraçado pensar no constrangimento que seria.
Emily surge de volta à sala, uma mocinha tão bonita,
parece tão delicada e tão tímida, fico pensando nas razões para
estar na casa de Lolla, todas as crianças que por aqui passaram
estiveram em situação de violência e abuso de todo tipo.
Por sorte, eu sempre pude ajudá-la com a educação
dessas crianças, toda cidade faz um pouco, eu vinha dar aulas de
reforço, Guy e Mathieu davam aulas de piano, Gwen estava sempre
os levando para tardes no rancho, Lily enviava bolos e quitutes,
sempre fomos unidos pela causa de Lolla e Jay, mas Emily não é
uma criança e não está de passagem até as coisas em sua vida se
ajeitarem, parece que veio para ficar no Vale.
— Conta tudo, Emily! – Harper pede a ela.
— Contar o quê? – ela pergunta um tanto preocupada.
— Esteve com o Jimmy.
— Ah! – Ela fica corada. – Não teve nada demais, o Guy
me disse que vocês namoraram, mas que estão separados faz um
tempo, o Jimmy... ele não disse nada, não falou de você – ela conta
olhando para as mãos que descansam em seu colo, talvez esteja
protegendo Jimmy a pedido do Guy, talvez meu nome não tenha
mesmo surgido em alguma conversa, não importa, eu não quero
mais ficar pensando sobre isso. É Horses Valley, não demora e
esbarramos na rua, aí é com o destino.
— Emily, não se preocupe com isso, me conte, o que está
achando da cidade? – Viro o jogo, não quero mais falar de Jimmy.
Harper e Lolla compreendem e não insistem.
— Parece um filme desses de férias, aqueles em que a
história é leve e com certeza de final feliz, um pedacinho de paraíso,
eu nunca imaginei que um lugar assim existisse.
— A Prefeita Anderson é boa em deixar a cidade impecável
e o povo mudou muito – Harper brinca. – Não foi sempre assim. Já
caminhei por essas ruas sendo ignorada e criticada.
— Você? – Emily fica surpresa. – Mas você não é a filha da
prefeita?
— Naquele tempo eu era a filha do prefeito, era muito pior.
Vou te contar.
Harper conta sua história, ela é boa ouvinte, presta atenção
e abre e fecha a boca nos momentos de maior tensão, Harper passa
rápido pela perda do bebê, a voz treme um pouco, ela nunca vai
esquecer essa dor, eles superaram, mas a dor ainda está lá e eu
entendo como deve ser duro.
— Todas vocês têm histórias de superação, parece que
todo mundo nesta cidade venceu algo grande – ela declara com
admiração. – Só escuto histórias assim, a Lolla, Mandy, o Guy, a
Maggie e o Elton. – Ela fica pensativa. – Gwen e Shane também, o
próprio Jimmy. – Ela me encara. – Pelo que sei ele... teve problemas
com o pai e com o irmão.
— Sim, são muitas histórias – concordo com saudade dele,
sempre foi tão bom assistir seu olhar de admiração para o Shane,
como ele o tinha como herói e como ele desejava honrar o irmão e
ser admirado por ele.
— E você? – Emily me pergunta.
— Sem graça – digo rindo. – Bons pais, sonhos simples,
todos realizados, nada demais, nasci aqui, fiz amigos para toda a
vida, conheci o Jimmy, foi meu primeiro e... único amor. Nos
separamos para estudar, me formei, voltei, consegui o emprego que
queria, moro com meus pais ainda hoje, mas por escolha, gosto de
tê-los por perto, vivemos em harmonia, é uma vida sem grandes
feitos, mas com muita felicidade.
— Acho que gosto de histórias sem graça – ela comenta e
acho Emily uma mocinha bem especial, desejo secretamente que
seja o que for que estiver a abalar seu coração, passe como um
soprar de vento.
— E a sua, como é a sua história?
— Nada para contar, minha história não inspira ninguém,
não é bonita, eu nem gosto de contar.
— Tolice, a história dela é de alguém que sempre tentou
defender a mãe e protegê-la, colocou a própria vida em risco, é a
história de alguém que teve coragem de pedir ajuda – Lolla defende
a garota que olha para ela cheia de emoção, mas sinto a tristeza
percorrer seus olhos e se instalar em seu coração.
— Emily, vamos tomar um milk shake? – Convido pensando
que talvez ela sinta falta de uma amizade com alguém mais da sua
idade, que não seja Guy Montpellier, porque ele eu sinto que não é
seu amigo e acho mesmo que está rolando um clima só pelo modo
que seus olhos brilham. – Por minha conta, é claro. Quem convida
paga.
— Então saiba que nunca vou te convidar para nada – ela
tenta brincar ficando de pé.
— Vamos pensar em um trabalho para você – digo ficando
também de pé.
— Já disse a ela que é cedo, gosto muito dela aqui
conosco, não tem que ter pressa e aceitar qualquer coisa.
Deixamos a casa juntas, claro que sou um pouco mais
velha que ela, uns dez anos, mas ainda tenho meu lado jovem e sei
que falar sobre rapazes, moda e essa coisa toda vai fazer bem para
ela.
— Precisamos combinar de você ir lá para casa um dia
desses e fazemos uma noite de meninas, umas taças de vinho e
filmes com caras bonitos – brinco enquanto caminhamos, ela ri
balançando a cabeça animada.
— Acredita que nunca fiz isso?
— Ótimo, faremos isso então – aponto a direção. – Tem
umas amigas minhas que ainda moram aqui no Vale, mas já se
casaram, duas vão ter bebês ao mesmo tempo, outra está pelo
mundo em uma viagem de descoberta, Peggy Sue em Lua de Mel,
me sinto tão sozinha quanto você.
— Acho que é bom não se sentir sozinha. – Ela me sorri. –
Mas sinto que não vai durar muito, acho que quando se encontrar
com o Jimmy vão se acertar.
— Eu não sei, tenho pensado seriamente em sair com o
James, ele é uma ótima pessoa.
— Não parece que vá gostar disso – ela diz o que o
universo todo sabe, menos o James. Faço uma careta e suspiro.
— É eu sei disso. – Nos acomodamos em uma mesa na
lanchonete, depois de pedirmos dois milk shakes e batatas sinto que
é hora de falar sobre rapazes. – E o Guy?
— Ele é tão lindo! – ela diz em um gemido de desespero. –
Especial, corajoso, inteligente, quando toca piano meu coração só
falta parar de bater.
— Alguém está completamente apaixonada.
— Não! – ela diz de modo firme, não é verdade, mas que
bom que ela acredita. – Nos conhecemos há uma semana apenas,
é certo que eu o vi todos os dias, mas... não, não vai acontecer.
— Não entendo, por que não?
— Rico, bonito, com uma profissão e um destino de glória e
eu, sem casa, emprego, futuro. Sei lá, eu nem sei como será minha
vida nos próximos meses, vou só atrasar a dele.
— Não concordo com nada disso – digo firme. – Logo vai
ter emprego e futuro. Tenho certeza. Ele é ótimo e se vocês se
apaixonarem, não tem nenhuma razão para não deixar acontecer.
— Eu vivi sob as rédeas curtas do meu pai – ela me
explica. – Preciso cuidar de mim sozinha. Eu não quero pertencer a
outra pessoa antes de me encontrar.
— Muito bom! – digo aplaudindo. Ela fica vermelha, olha
em torno, mas está tudo vazio.
— O que acha do Jimmy? Ele ainda está lindo?
— Não sei como era antes, mas agora está bem bonito,
alto, musculoso – ela conta e rimos juntas.
A conversa passa por vários assuntos, nada muito pessoal,
ela não gosta de falar de si, não insisto, ao menos não agora, quem
sabe algum dia sejamos realmente amigas para uma boa conversa.
Eu a deixo em casa já ao anoitecer e combinamos de fazer
algo juntas no fim de semana, ela se despede e sigo para casa com
Jimmy roubando todos os meus pensamentos.
Meus pais assistem ao jornal na sala, tenho uma pilha de
trabalhos para corrigir e mesmo assim, me sento com eles um
momento para contar do meu dia e saber como eles estão. Meu
irmão está na faculdade e seu quarto virou meu escritório, não acho
que algum dia ele volte a viver no Vale, nem meus pais querem isso,
sabem que o mundo é grande e ele precisa de espaço para crescer.
— Conheci a Emily, a mocinha que está com Lolla, um doce
de pessoa, qualquer dia desses vou convidá-la para ficar aqui uns
dias. Tudo bem?
— Tudo – papai diz sorrindo. – Admiro você por ser assim,
generosa.
— Ela é legal, papai.
— Encontrou o Jimmy? – Mamãe solta de modo natural.
— Não! – aviso aos dois. – Ainda não. Eu vou corrigir meus
trabalhos, vejo vocês no jantar.
Jimmy é ainda o dono dos corações de todos nesta casa,
queria fazer o que Lolla disse, ir bater em sua porta e jogar na cara
dele umas boas verdades, talvez eu faça, mas não agora, agora vou
corrigir minha pilha de trabalhos.
Capítulo 13
Guy
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Estou digitando e-mails quando escuto meu pai chamar,
Mandy está na floricultura, Coline na escola e Mathieu na sala dele,
engulo em seco sem saber o que fazer, mas caminho para o portão.
— Já estava pensando em invadir. Pronta para ir embora?
– Ele tem a voz suave e alegre, me assusta ainda mais.
— Não vou, pai – digo juntando toda minha coragem. –
Posso decidir e eu não vou. Tenho um trabalho agora, consigo viver
dele e tenho... amigos que gostam de mim.
— Eu sei bem que está por aí solta. Lolla nem mesmo está
na cidade. – Ele nem parece o mesmo homem, fico sempre
esperando a explosão e como ela não vem, a dúvida me atinge
sempre, talvez ele tenha mesmo mudado ou é apenas um jogo para
me convencer. – Também descobri outra coisa. – Agora vejo uma
certa raiva cintilar em seus olhos, torço os dedos olhando para a
casa e para floricultura. – Não quer saber o que mais eu descobri?
— Não. Eu prometo que vou visitá-lo sempre que puder,
papai.
— Essa não é a casa do seu chefe, é a casa do seu
namorado, anda dormindo com ele? Enfiada nessa mansão como
se não tivesse pai para cuidar de você, é isso que a Lolla te ensina?
— Não fala da Lolla, ela é muito especial e generosa. – Uso
o mais determinado tom que consigo impor à minha voz, Lolla me
acolheu e me apoiou quando eu não tinha ninguém.
— Se fosse uns meses mais nova eu te arrastava de volta
para casa, mas não posso, então espero que me escute, você vem
comigo agora, Emily, chega dessa brincadeira. Está me ouvindo? –
Ele perde finalmente o controle, dou uns passos para trás.
— Horses Valley inteira está ouvindo. – Mathieu surge com
olhos assustadores, acho que nunca o vi tão irritado, ele é sempre
tão gentil. – Esse é seu pai, Emy?
— Está envolvida com um homem que tem idade para ser
seu pai? – meu pai diz furioso.
— Ela namora o meu filho e ele não está, mas eu estou e
não sei como funciona na sua cidade, mas aqui, as pessoas não
ficam gritando na rua.
— Estou falando com a minha filha! – Meu pai volta a gritar
e eu podia morrer de tanta vergonha, agora sim Mathieu entende
que não sirvo para Guy.
— Está na minha casa! – Mathieu responde no mesmo tom,
umas poucas pessoas que estão passando diminuem o passo, não
sei o que fazer. Olho de um para o outro, os dois se enfrentam e
temo por Mathieu, papai sempre foi encrenqueiro.
— Vamos embora, Emily! – Meu pai pega meu braço com
força.
— Solte-a ou vai terminar o dia na cadeia. Nesta cidade
existem leis e agressão é crime. Emily, você quer ir com ele?
— Não! – digo rápida e decidida. Talvez seja a presença de
Mathieu me dando força, mas sinto uma força nascer em mim. – Eu
não vou com você, não quero, você não é meu dono, é meu pai e eu
vou sempre me lembrar disso, se algum dia precisar, saiba que vai
ter em mim todo apoio, porque mesmo sendo quem é, sinto ser
minha obrigação cuidar de você.
— Não é favor nenhum! – ele diz assim que me solta o
braço.
— Também vou sempre me lembrar que me machucou e a
mamãe, por isso estou aqui, morando com a Lolla quando podia
estar na minha própria casa, vou sempre me lembrar que antes de
morrer a mamãe me pediu para procurar ajuda e deixá-lo. – Ele fica
tão chocado com a minha súbita força que desta vez é ele a dar uns
passos para trás. – Sei onde encontrá-lo e sabe onde me encontrar,
se ficar doente ou... precisar, ajudo, mas morar com você não moro
e não obedeço mais a suas ordens, nunca mais.
— Você a ouviu, eu mesmo levo Emily para vê-lo se
precisar – Mathieu diz a ele que continua em sua fúria silenciosa, os
olhos cheios de raiva.
Qualquer coisa em minha memória me leva para o dia em
que assisti encantada a Gwen domando um cavalo selvagem, sua
força, seu silêncio decidido, sua capacidade de amar aquele animal
que desejava de todos os modos esmagá-la e que por fim, aos
poucos, diante de sua força, se rendeu, curvou-se.
É essa força que ele precisa encontrar em mim, encaro meu
pai, olho em seus olhos, por um longo momento eu enfrento seus
olhos, sem gritos, sem verdades despejadas, apenas a força de
alguém que sabe o que quer e que não pode mais ser maltratada.
Ele enfrenta meus olhos, tenta impor sua força, mas eu não
me dobro, tenho força, mas também paciência e espero, não sei
quanto tempo dura, um instante, uma hora, mas vejo acontecer, ele
se rende, meu pai se rende e seu corpo todo relaxa, é quase como
o cavalo selvagem que se curvou.
— Se quer isso para sua vida, então vá em frente, não vou
mais tentar te salvar de uma vida vulgar, vá em frente e quando
arrebentar a cara, não volte. – Ele me dá as costas, é toda a dor que
vive ao seu lado vai embora com ele.
Entendo finalmente que ele não mudou nada, que assim
que colocasse os pés de volta em sua casa, tudo seria como antes
e agora ainda pior, sem mamãe para dividir a dor comigo e longe do
Guy.
Só quando ele desaparece é que consigo tomar coragem
de olhar para Mathieu.
— Sinto muito, eu... acho que pensa que não sou boa
companhia para o Guy e talvez nem queira mais que eu trabalhe
aqui, mas eu preciso dizer que não o chamei, ele... veio.
— Ontem eu disse que não estava sozinha e não está. –
Ele me sorri. – Vamos entrar e trabalhar, falei sério, quando quiser
ver seu pai eu me comprometo a levá-la, se vai se sentir melhor não
o abandonando de uma vez, tem meu apoio e só mostra o quanto é
generosa.
— Não está bravo pela vergonha que o fiz passar?
— Você? – Ele sorri. – Mocinha, não era você gritando no
meu portão e por fim, eu não senti vergonha, ele é que devia sentir,
mas seu pai é o tipo que não sente.
— Obrigada, Mathieu. Queria que ele fosse como você. –
Mathieu me sorri.
— Vamos, eu gosto de ter você conosco, Emily e sei que
meu filho está apaixonado. Então apenas esqueça o que acabou de
acontecer. – Balanço a cabeça confirmando, olho para Mathieu que
está voltando para seu escritório, ele é um bom homem, queria que
fosse o meu pai.
Fico tão angustiada, nervosa, com medo, triste, só queria
Guy aqui para me abraçar, me fazer despertar, ele é meu porto
seguro e eu sou o dele, mesmo que todos os outros sejam bons e
generosos comigo, ainda não é o meu Guy.
Capítulo 26
Guy
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