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Minha ruína

Selvagens na Máfia I

Lu Aranha & Mari Monni


Direitos autorais © 2020 Lu Aranha & Mari Monni

Todos os direitos reservados.


É proibida a distribuição ou reprodução, total ou parcial, de qualquer parte desta obra, de qualquer forma
ou por qualquer meio, mecânico ou eletrônico, sem o consentimento por escrito das autoras. Registros de
Direitos Autorais pela Biblioteca Nacional.

Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas ou acontecimentos é apenas
coincidência.

Capa: Natalia Saj


Revisão de Texto: Lu Aranha & Mari Monni
Diagramação: Lu Aranha

Este romance segue as regras da Nova Ortografia da Língua Portuguesa


Sinopse

Nada na minha vida é simples. Nunca foi. Só que agora o destino parece estar
de sacanagem com a minha cara.

Eu passei anos confinado, sem saber quem eu era, apenas para ver minha mãe
ser assassinada na porta de casa e descobrir da forma mais inesperada
possível que o meu pai é um Don da máfia italiana. Não só isso: ele quer que
eu e meus dois irmãos entremos para a "família".

Mas, como eu disse, nada na minha vida é simples, e uma de suas exigências
é que eu me case com uma mulher que mais parece uma freira.

A Família Rossi é cheia de segredos e tradições, mas eu sou Sage Wilder, e


nunca soube muito bem como seguir regras...
“Podes obter muito mais com boas palavras e um revólver do que
com boas palavras somente.”

Al Capone
Prólogo
Sage - 2015
Nada para mudar a perspectiva de um homem tão dramaticamente quanto
ouvir sua mãe ser alvejada na porta de casa. Executada a sangue frio. Porque
ninguém recebe trinta e três tiros à toa. Não foi um acidente.
Foi como se eles estivessem esperando a oportunidade perfeita. Algo
tão raro que, qualquer um que desejasse eliminá-la, precisaria ter muita
paciência. E eles tiveram.
Eu não fazia ideia do motivo que levava minha mãe a nunca sair de casa.
Chegamos a pensar que ela tinha algum tipo de fobia, mas não… Claro que
não. O que eu jamais esperava descobrir era que minha mãe, a mulher mais
doce que já conheci, estivesse sendo procurada por Deus sabe quem, por
razões que nem posso começar a imaginar.
Engulo em seco. O ar frio do outono deixa tudo ainda mais fúnebre. É o
dia perfeito para chorar a perda de alguém. O sol não brilha. Os pássaros não
cantam. As crianças não dão risadas na rua. A impressão que tenho é de que o
mundo está de luto.
Jett e Coal encaram o caixão enquanto ele é baixado para dentro da
cova. Diferente dos meus irmãos, eu não consigo olhar. Não consigo me
permitir ter a certeza de que ela nunca mais vai voltar. Prefiro encarar os
meus próprios pés. Talvez por eu nunca ter expressado como me sentia em
relação a ela. Talvez por eu nunca ter apreciado o fato de ter uma mãe que
fazia de tudo para me manter vivo. Ou para se manter viva.
Que garoto nunca diz à própria mãe que a ama?
Pior ainda: que homem age desta mesma maneira?
Eu. Sage Wilder. Dezesseis anos na cara e nunca me dei ao trabalho de
dizer à mulher que fez tudo por mim que eu a amava. Nunca disse obrigado.
Foram poucas as vezes que a abracei ou deixei que me beijasse. O rancor
sempre me corroeu e, agora, vejo que nem tudo era tão preto no branco assim.
Só que, na adolescência, não queremos entender o que o outro pensa ou
sofre. E minha mãe… Ela tinha motivos para agir daquele jeito. Talvez se
tivesse explicado sua história, minha rebeldia não teria sido a mesma — e
tudo teria sido muito diferente.
Só que essa história eu nunca vou descobrir. Não agora, que ela
descansa a sete palmos.
Um pingo de chuva cai no meu pescoço, mas eu não me mexo. Não
consigo me mexer.
O padre continua dizendo palavras bonitas, mas quem é ele para fazer
isso? Como pode falar tanta coisa sobre uma mulher que nem conhecia?
Afinal, ninguém conhecia Margareth Wilder, pelo simples fato de ela nunca
ter permitido que isso acontecesse. Minha mãe era um livro fechado. Não se
relacionava com ninguém e raramente saía de casa. A não ser quando nos
mudávamos, o que acontecia com mais frequência do que eu podia aceitar.
Ao longo da vida, morei em apenas uma casa, só que em quarenta e três
cidades diferentes. Ela não permitiu que nenhum de nós fôssemos à escola.
Ou ao parque. Tampouco ao cinema, festas ou qualquer coisa normal a um
garoto. Éramos nós quatro dividindo um espaço pequeno, sem luxo e o mais
longe possível de um centro comercial.
“Vocês não podem sair. É muito perigoso”, ela dizia enquanto eu
protestava. E quando eu fugia, era recebido de volta por muitos abraços,
beijos e um choro aliviado. Dois minutos depois, ela gritava e me batia,
sempre alegando que eu não podia sair de casa.
Coal era mais paciente. Tentava me convencer a ficar quieto, que não ia
adiantar fugir. Já Jett era a balança entre nós: ora tendia para o meu lado, ora
para o de Coal.
Nós não fomos criados por uma mãe. Fomos aprisionados por ela.
Hoje, eu vejo o porquê. Era isso ou a possibilidade de recebermos trinta
e três tiros antes de chegarmos ao nosso próximo aniversário. Era apenas
nesta data que ela nos permitia fazer alguma coisa fora de casa. Ou melhor,
do trailer em que morávamos. Era mais fácil assim, ela dizia. Mais fácil para
nos mudarmos assim que fosse preciso — e era sempre preciso.
A comida era escassa. A alegria também.
Mas estávamos com vida.
O padre pergunta se queremos dizer alguma coisa, porém não tenho voz
em mim para isso.
— Minha mãe era uma mulher maravilhosa — Coal começa a dizer —,
que foi levada de nós cedo demais. Ela fazia de tudo para que ficássemos
bem, apesar do peso que os segredos criavam em suas costas. Vai tranquila,
mãe. Nós vamos continuar aqui por mais um tempo, mas depois nos
encontramos no céu. Eu te amo e vou sentir saudades. — A última frase sai
embargada, mas Coal não chora.
Ele vai até a lápide e coloca uma única rosa branca ali.

Margareth Wilder
1979 – 2015
Ela tentou…
Capítulo 1
Sage - Cinco anos depois
— Eu não sei se você é burro ou suicida — Jett diz, rindo, enquanto
analiso com cuidado o Porsche estacionado na frente do Gio’s, nosso
restaurante italiano preferido.
— Nem um, nem outro. Só preciso de uma grana rápida para pagar
algumas coisas. — Não dou muitas explicações.
Meu irmão sabe exatamente o que eu tenho feito nos últimos anos. E,
sinceramente, acho que ele se sente grato por isso. Afinal, se não fosse por
mim, as coisas teriam sido muito mais complicadas para ele e Coal.
Eu não me arrependo de nada. Cada carro roubado, cada carteira
furtada, cada casa arrombada no meio da noite nos trouxeram até aqui e nos
impediram de fazer parte de um sistema falido.
Nos últimos cinco anos, parece que vivi mais do que em toda a minha
vida. Claro que o perfeitinho do Coal não concordava com nenhum dos meus
métodos. Mas, aos dezesseis anos, éramos apenas três irmãos que não tinham
qualquer preparo para viver sozinhos em um mundo de lobos.
A assistente social queria nos levar para um orfanato. Eu consegui que
ela nos emancipasse. Coal foi para a escola e conseguiu um emprego em uma
lanchonete. Jett também tentou, mas, no fim, acabou escolhendo o mesmo
caminho que eu: um que faz com que as coisas cheguem muito mais facilmente
até nós. Pouco me importam as consequências. Afinal, o que tenho a perder?
— Pronto? — pergunto ao meu irmão, que apenas faz que sim com a
cabeça.
Ele sabe qual é o procedimento. Não é a primeira nem a segunda vez que
fazemos isso.
A parte boa de trabalhar em uma área cheia de pessoas ricas é ter uma
porção de carros velhos, mas que valem muito dinheiro. Coisa de
colecionador. No meu dicionário, essa palavra significa “pessoa que tem
mais dinheiro do que bom senso”. Eles se acham intocáveis, só porque
carregam um American Express preto e sem limite na carteira.
Fodam-se todos eles.
Se não quiser ser roubado, então compre um carro com uma porra de
alarme. Esses antigos não têm sistema antifurto. Melhor pra mim.
A rua está vazia, escura. Jett me segue, mas mantém uns metros de
distância entre nós. Ele sabe que precisa ficar vigilante. Sua moto está
estacionada logo ao lado, para facilitar que ele escape caso eu não consiga.
Mas eu sempre consigo.
O Porsche prata parece chamar meu nome. Sorrio para ele.
— Vem pro papai — sussurro enquanto arrombo a porta de forma sutil,
porém eficiente.
É a hora da verdade.
O alarme não soa, como eu sabia que aconteceria. O clique do metal me
avisa que está tudo certo. A adrenalina corre por minhas veias, fazendo com
que meu coração bata mais rápido, de forma frenética.
Eu amo essa sensação.
Viro o rosto para o meu irmão e solto um assovio baixo. Ele me encara e
faço um sinal positivo com a cabeça. Quando Jett entende o sinal e se prepara
para correr, abro a porta do carro e me sento no banco de couro. O cheiro de
cigarro invade minhas narinas.
Faço uma ligação manual embaixo do painel e, em menos de dez
segundos, vejo as luzes se acenderem.
O sorriso no meu rosto é incontrolável.
Jett percebe que está tudo certo e corre até a sua moto enquanto eu passo
a primeira e acelero com o carro. Conheço a área e sei exatamente o caminho
mais rápido para chegar aonde preciso.
As luzes da cidade me chamam, me seduzem, mas não tenho tempo para
elas agora. Preciso entregar minha encomenda antes que seja tarde. Mikhail
não é um homem paciente.
Cruzo a rua principal, pouco me importando se estou avançando um
sinal. Escuto o ronco do motor da moto de Jett e sei que ele está logo atrás de
mim. Acelero mais ainda o carro, fazendo com que ele chegue a 110km/h.
Se eu pudesse, levava esta belezura para um passeio na rodovia e
testaria todos os seus limites.
No bolso da calça, meu celular começa a tocar.
Merda.
O toque que selecionei para Coal é insistente e sei que, se não atender,
ele apenas continuará ligando.
— Fala, irmãozinho — uso propositalmente o termo que sempre faz com
que ele se irrite.
— Dois minutos, Sage. Você é mais velho do que eu por apenas dois
minutos.
— Dois minutos são suficientes para definir a vida de um homem, Coal
— respondo com o tom zombeteiro que o irritará ainda mais. — O que você
quer?
— Onde vocês estão? Estou no trailer, mas, obviamente, vocês não
estão aqui — ele fala e posso imaginar sua expressão.
— Nossa, Coal. Acho que você deveria buscar uma carreira como
detetive da polícia. Suas habilidades podem ser úteis para aquele bando de
idiota.
— Vai se foder, Sage. Cadê vocês? — ele insiste, ignorando o meu
comentário.
Antes que eu possa soltar uma risada, um carro preto avança o sinal, me
forçando a desviar bruscamente. Piso no freio e giro o volante para a direita,
fazendo com que os pneus emitam um som desagradável. Jogo o celular no
banco do carona, tentando manter controle do veículo.
— FILHO DA PUTA! — grito para o otário do outro carro, mas ele não
consegue me escutar.
Se eu não estivesse com tanta pressa para levar o carro até Mikhail, iria
atrás desse arrombado de merda e esfregaria a cara dele no asfalto até
conseguir enxergar os ossos. Meu coração acelera; desta vez, não por conta
da adrenalina, e sim pelo ódio que corre em minhas veias. Eu quase morri por
conta daquele desgraçado.
Olho pelo retrovisor e vejo que Jett ainda está na minha cola. Menos
mal. Se ele tivesse sofrido algum acidente por conta daquele cu d’água de
merda, não me responsabilizaria pelos meus atos.
Se eu morrer? Foda-se. Se meu irmão caçula ficar machucado, o
responsável será castrado e morrerá engasgado com as próprias bolas. Só de
pensar nisso, a ira me consome um pouco mais.
Escuto Coal gritar meu nome, mas eu o ignoro. Alcanço o celular e
encerro a ligação. Não estou a fim de falar com ele, muito menos de ouvir
seus sermões de que “as coisas podem ser melhores, basta você querer”.
Não, Coal. Não podem. E, principalmente, não quero.
Estou a menos de dois quarteirões de distância da oficina de Mikhail,
então, acelero o carro mais ainda, fazendo com que ele chegue a 130km/h,
apenas para frear bruscamente mais uma vez.
Paro na frente da loja, saio do carro e pego o celular do banco, batendo
a porta com força atrás de mim. Escuto Jett estacionar sua moto e solto um
suspiro de alívio.
Ele está bem. É isso o que importa.
Antes de fazer qualquer outra coisa, tiro o maço do bolso traseiro da
calça jeans. O isqueiro vem junto. Acendo um cigarro enquanto caminho para
dentro da oficina, Jett ao meu lado.
O primeiro trago é sempre o melhor. O mais longo. O que mais me dá
prazer. Fecho os olhos para sentir a fumaça queimar meu pulmão e solto-a
pelo nariz.
— É proibido fumar aqui — Mikhail diz, no auge dos seus dois metros
de altura, olhando para mim como se eu fosse uma criança fazendo merda.
— Vai se foder, russo. Hoje, não — respondo de forma ríspida. — Não
tô com paciência.
Todo mundo sabe que Mikhail Ivanov é membro da máfia russa. Só que
eu não tenho medo dele, nem quando me olha de forma ameaçadora.
Mikhail pode parecer um gigante, mas não fico muito para trás. Tenho
apenas uns cinco centímetros a menos que ele, e não cederia tão fácil caso
quisesse cair na mão comigo.
As pessoas o temem — talvez pela enorme cicatriz que corta o lado
esquerdo do seu rosto —, mas eu não. Eu não tenho medo dele nem de
ninguém. Já passei dessa fase há muito tempo.
— Tá putinho hoje, é? — ele pergunta, agora com um enorme sorriso em
sua face deformada.
— Na verdade, quero sangue. De um filho da puta especificamente —
explico. — Mas vou preferir pegar meu dinheiro antes.
Mikhail solta uma gargalhada alta.
— Eu gosto de você, Sage. Nicolai ficaria feliz se você se juntasse à
Bratva — ele diz, se referindo à máfia russa e a seu cabeça na cidade.
— Obrigado, mas vou passar. Quero só meu dinheiro e vou embora —
aviso, dando mais um trago no cigarro.
— A escolha é sua. Mas eu repito: as portas estão abertas para você. —
Mikhail mete a mão no bolso da sua calça suja de graxa e tira de lá um bolo
de notas de cem. Em seguida, o entrega para mim. Antes que eu possa pegar o
que é meu por direito, ele recua. — Só pensa na oferta.
Faço que sim com a cabeça e pego a grana.
Saio de lá sem dar mais uma palavra sequer. Não tenho interesse em me
juntar à Bratva, muito menos de me tornar mais um escravo de Nicolai. Sei
como ele trabalha e sei como faz com que as pessoas que trabalham para ele
fiquem dependentes de sua influência.
Tive que passar por muita coisa para ser dono do meu próprio nariz.
Não estou nem um pouco a fim de ceder minha independência em troca de
alguns trocados a mais.
— Ele não vai desistir até que você aceite — Jett diz, mas não
respondo.
Sei que está certo. Também sei que não vou ceder. Uma coleira é a
última coisa que quero no momento.
Nós nos encaminhamos até a moto. Jett vai para a direção e eu fico de
carona. Não estou a fim de pilotar agora. Na verdade, tenho outras coisas em
mente.
— Vamos para o bar. Preciso de uma cerveja — anuncio, fazendo com
que meu irmão solte uma risada enquanto balança a cabeça negativamente.
Mesmo assim, ele faz o que peço e arranca com a moto.
O ar gélido do inverno é ainda pior quando estamos na moto. A jaqueta
de couro que sempre uso não parece fazer muito efeito para manter meu corpo
aquecido. Pela primeira vez na vida, sinto falta do capacete.
Jett permanece em silêncio durante todo o percurso. Meu irmão me
conhece, sabe que, às vezes, preciso ficar calado. E isso normalmente ocorre
quando estou consumido pelo ódio. A vontade de drenar o sangue daquele
infeliz ainda passa pela minha cabeça, mesmo que, aos poucos, ela diminua
de intensidade.
Preciso de uma cerveja. E de uma mulher.
O caminho até o bar ao qual sempre vamos é rápido, não mais do que
dez minutos. Ou talvez isso se deva ao fato de o meu irmão ser ainda mais
viciado em alta velocidade do que eu.
Assim que ele para a moto na rua lateral, o inesperado acontece e somos
rodeados por um grupo de homens.
Nem tenho tempo de pensar no que fazer, quando um deles pergunta:
— Sage e Jett Wilder?
— Quem quer saber? — respondo à pergunta com outra.
Eles nos cercam e impedem que nos afastemos.
Sinto meu irmão ficar tenso ao meu lado e quero assegurar-lhe de que
tudo vai ficar bem, mas não tenho certeza de nada neste momento. Todos eles
nos encaram, como se procurassem algo em nós.
— Olha, estamos desarmados e… — Jett começa a dizer, mas é
interrompido por uma risada.
— E o que, ragazzo[1]? — o homem insiste.
Se eu estava sentindo ódio daquele babaca do outro carro, agora meu
sangue ferve. Ninguém debocha do meu irmão assim.
Antes que eu consiga pesar a consequência dos meus atos, dou dois
passos para frente e acerto o filho da puta com um soco no rosto. No mesmo
instante, muitas armas são apontadas para mim.
O homem que está no chão coloca a mão no maxilar, provavelmente
sentindo a dor do meu gancho.
— Fala assim com meu irmão de novo e eu te mato — ameaço, ciente da
veracidade das minhas palavras.
— Sage, relaxa — Jett tenta me acalmar, mas é inútil.
Em vez de me responder de imediato, o homem começa a se sentar no
chão e solta uma gargalhada alta. Porém, não vejo o humor em toda esta
situação.
— Sabe qual seu problema, Wilder? — ele me pergunta, de forma
retórica. Porque nem se eu tivesse um problema de verdade gostaria de ouvir
qual é. Mas as palavras que seguem sua pergunta fazem com que eu dê alguns
passos para trás: — Você é realmente filho do seu pai.
Capítulo 2
Sage
Olho para baixo e o encaro sem saber como processar o que acabei de
escutar. Ele percebe minha reação e começa a rir ainda mais alto.
Não penso duas vezes e largo um chute em seu peito, fazendo com que
ele caia para traz. O homem arfa com o impacto, mas os outros permanecem
calados. Na mesma hora, sinto um cano pressionar minha cabeça por trás.
— Puta que pariu, Sage! Você acordou suicida hoje? — Jett berra ao
meu lado. Provavelmente ele também tem uma arma apontada para sua
têmpora.
Mas não olho para ele ou para qualquer pessoa que nos esteja
ameaçando. Toda minha atenção está voltada para o homem no chão, que
agora tosse com a força do meu chute. Mesmo assim, o sorriso não sai de seu
rosto.
E depois Jett vem dizer que eu sou o suicida da história…
— Quem é você? — Ignoro as várias armas apontadas para mim.
— Pensei que fosse um pouco mais inteligente, Sage. — O modo como
pronuncia meu nome carrega mais do que sarcasmo. Posso sentir o desprezo
em suas palavras.
Por um minuto, tento forçar minha mente para ver se me lembro dele. De
repente, eu roubei seu carro ou invadi sua casa… Mas não é isso. O rosto é
completamente desconhecido.
O escárnio faz com que eu sinta vontade de rasgar sua boca, no estilo
Coringa, só para que ele nunca se esqueça que riu do homem errado. Quando
dou um passo à frente para fazer exatamente isso, o homem armado atrás de
mim me segura pelo ombro.
— Já aguentamos seu temperamento por tempo demais, Wilder. Não
importa quem você é, tudo tem limites — ele diz de forma tranquila, porém
consigo sentir a ameaça em seu tom. — Posso morrer por isso, mas se você
tentar machucar meu Capo de novo, eu te mato. — Dessa vez, é um sussurro.
Fico calado. Não porque tenho medo de qualquer um deles, mas porque
estou tentando juntar todas as peças do quebra-cabeças que acabou de se
formar à minha frente.
É então que me dou ao trabalho de olhar ao redor pela primeira vez e
consigo contar seis homens, além daquele que está no chão.
“Capo”, disse o que tem a arma apontada para mim. Sinto meu irmão
ficar inquieto ao meu lado e não tenho ideia do que posso fazer para acalmá-
lo. Ele sabe, tão bem quanto eu, o que esse título significa: estamos diante de
membros da máfia italiana.
Apesar de eu ter meus contatos com os russos e até mesmo alguns
japoneses, nunca sequer havia cruzado com um italiano antes. Eles são mais
discretos, menos impulsivos. Porém, a reputação que carregam na cidade é de
“impiedosos”.
Uma vez, ouvi alguém os comparar a dobermans: você não sabe que
estão lá, até ser tarde demais.
Olho de novo para eles, esperando aquele visual típico de filmes. Só
que nenhum usa terno. Nenhum tem um charuto na boca ou um chapéu na
cabeça. Suas roupas são normais. Jeans, camiseta, alguns de camisa de botão.
Botas, cintos. Homens normais, que você jamais esperaria que fizessem parte
de uma das maiores organizações criminosas do mundo. Inclusive, o que me
tem sob sua mira nem falou com sotaque.
— O que vocês querem? — finalmente pergunto, cansado de tentar
desvendar cada pista que tenho à minha frente. — O que meu pai tem a ver
com isso? — direciono a pergunta ao homem que está no chão.
O sorriso parece ter sido engessado em seu rosto, mas ele não alcança
os olhos. Claro que não. Não é humor que tem ali. É o desprezo que senti
anteriormente em seu tom. Foda-se ele. Foda-se essa gente toda. Não tenho
tempo a perder, e se ele não me responder rápido, provavelmente estes serão
os últimos minutos que o sangue irá correr pelas minhas veias. Coal sempre
disse que impulsivo é meu nome do meio, e estou prestes a provar que meu
irmão está certo.
Dou um passo para frente e escuto o engatilhar da arma. É mais um
aviso: se eu me mexer de novo, ele não pensará duas vezes antes de me matar.
É a minha vez de abrir um sorriso.
— Se vocês me quisessem morto, o trabalho já teria sido feito. —
Bruscamente, viro-me para o homem que me ameaçou. — Pode atirar. Fique à
vontade — digo, encarando-o nos olhos.
Tenho uns quinze centímetros e pelo menos trinta quilos de músculo a
mais do que ele. Não vou me acovardar. Nunca fiz isso na vida, não será esta
a primeira vez.
Quando vejo seu pomo-de-adão subir e descer, qualquer dúvida que
pudesse existir em minha mente se esvai. Eles precisam de mim. Basta
descobrir o porquê.
— Vou repetir apenas mais uma vez: o que vocês querem com a gente?
— Minha voz é baixa, firme, mas sei que todos me escutam.
Viro-me novamente, agora para encarar o homem em quem acertei um
soco. Ele já está de pé, parado à minha frente.
— Venha conosco, ragazzo — ele diz.
Talvez, para ele, eu realmente seja um ragazzo. O homem parece estar
no auge dos seus quarenta e tantos anos. O cabelo escuro tem alguns fios
brancos, assim como seu cavanhaque bem aparado. Ele me olha de cima a
baixo e imito os movimentos, analisando meu oponente.
Se fosse no mano a mano, com certeza quebraria a cara desse idiota.
— Desculpa, mas minha mãe me ensinou a nunca entrar no carro com
estranhos — debocho.
Ele fecha a distância entre nós, porém não encosta um dedo sequer em
mim — e isso me deixa intrigado.
— Pelo visto, a vadia da sua mãe não sabia como educar os próprios
filhos — ele fala e seu hálito de cigarro invade minhas narinas.
Antes que eu consiga sequer esboçar uma reação, escuto um grito e vejo
um vulto voar na minha frente, levando o homem novamente ao chão.
Jett, sem medir quaisquer consequências, está sobre ele, socando-o
repetidamente no rosto.
— Você nunca mais ouse falar da minha mãe, seu italiano de merda!
Pela primeira vez na vida, sinto orgulho do meu irmãozinho. Sua
resposta ao insulto foi tão rápida que não deu aos demais a chance de se
manifestarem. Agora, vendo o caos que está acontecendo e o sangue manchar
o rosto de seu Capo, os homens saem dos lugares e avançam até Jett.
É minha deixa para agir.
Parto para cima de um, acertando-o com toda a minha força e fazendo
com que ele vá ao chão. Sua arma cai e eu a pego. Ao ver os outros se
amontoando em cima de Jett, disparo algumas vezes para o lado, acertando o
chão da outra calçada. Por sorte, não tem ninguém passando por perto a essa
hora da noite.
Os homens se espantam com a minha reação, assim como Jett, que me
encara sem entender o que estou fazendo.
Dou um passo para frente e miro na cabeça do Capo.
— Você tem dez segundos para me dizer o que está acontecendo, senão
eu atiro nessa sua barbicha ridícula. — Olho fixamente para ele. Sei que
todas as outras armas estão voltadas para mim, mas pouco me importa. — Jett
— chamo meu irmão, que parece não saber o que fazer agora. — Vem aqui.
Ele faz o que peço e sai de cima do homem, vindo até o meu lado.
— Agora eu sei por que ele quer tanto a presença de vocês… — o
homem diz, fazendo um esforço para se levantar.
Ninguém faz menção de ajudá-lo, e eu não sei se isso se deve ao fato de
ele não precisar de ajuda ou se ninguém quer realmente que ele se levante.
— Quem quer a nossa presença? — exijo saber.
Estou cansado dessa conversa fiada.
— Don Marco Rossi. Seu pai.
Engulo em seco. Eu devo estar ficando louco, ou então o barulho do
disparo feriu meus tímpanos.
— O quê? — Olho para ele, sem saber como reagir à informação.
Como esperado, o homem — mesmo ensanguentado e com o olho
esquerdo já começando a se fechar com a força dos golpes de Jett — começa
a rir.
— Você ainda tem muito a aprender, ragazzo, mas não tenho paciência
para ensinar nada a ninguém — ele diz, finalmente de pé.
— Don Rossi é…? — Jett diz ao meu lado, sem conseguir terminar a
frase.
Faço dos dele os meus sentimentos.
Seguro o cabo da arma com força, meu dedo indicador seguindo o trilho.
A vontade que eu tenho agora é de esvaziar o cartucho nele, mas a minha
curiosidade está falando mais alto.
— Sim, ragazzo. É o pai de vocês. Blá, blá, blá. Não estou a fim de
continuar esse papo furado. Agora, seja um bom menino e entregue a arma
para o Rico ali. — Ele aponta para o um de seus companheiros. — Apenas
para conhecimento, sou Carlo De Rosa, um dos Capos do seu pai.
Troco olhares com Jett, que parece tão confuso quanto eu.
— Onde está seu outro irmão? — um dos homens pergunta.
— Fazendo um cruzeiro pelo Caribe. — Se ele realmente acha que vou
informar a localização de Coal, está muito enganado.
O homem apenas faz que sim com a cabeça e volto meu olhar para
Carlo.
— Se é assim que você quer lidar com as coisas, que seja. Vamos, não
tenho a noite toda — Carlo fala e limpa um pouco do sangue que escorre do
canto de sua boca.
Jett fez um excelente trabalho com ele. E, se não fosse pelos tiros,
provavelmente teria acabado o serviço.
Esse homem pode dizer que somos filhos de um tal de Don Rossi, mas o
que corre em nossas veias é Wilder do início ao fim — e Wilders não se
curvam jamais.
— Sage? — Jett chama meu nome e sei que ele está me perguntando o
que devemos fazer agora.
Fomos encurralados por um grupo de sete homens, que disseram que sou
filho de um Don da máfia italiana. A resposta para a dúvida de meu irmão é
bem simples.
— Aqui. — Giro a arma em minha mão, oferecendo-a de volta ao seu
dono. — Para onde vamos agora?

A viagem de carro é curta. Ainda bem, porque o silêncio é


desconfortável e a vontade de extrair todas as respostas para as minhas
perguntas é desafiadora. No banco de trás do sedan preto, fiz questão de ficar
no meio, entre meu irmão e Rico, que não parece nem um pouco contente com
a nossa presença. No banco da frente, o tal de Angelo dirige o carro enquanto
Carlo fuma um cigarro. Os demais foram no outro veículo que nos esperava
na esquina.
Um milhão de coisas se passam na minha cabeça agora.
Quem são eles?
Bom, obviamente são da máfia. Até aí, não preciso ser um gênio para
entender. Mas isso não responde minha pergunta. Não exatamente.
O que eles querem comigo?
De novo, pelo que disseram, querem me levar até meu pai.
Meu pai… Tenho vinte e um anos na cara e nunca o conheci. Minha mãe
sempre mudava de assunto quando eu ou meus irmãos perguntávamos sobre
ele. O mais perto de chegarmos a uma resposta foi quando ela disse que ele
não podia fazer parte das nossas vidas e ponto final.
Isso bate muito bem com o que acabei de descobrir. Se Don Rossi for
realmente meu pai, então minha mãe tinha razão. Ou não. Quem sou eu para
julgar alguém que nunca conheci?
Mas a terceira e última pergunta que domina minha mente é “O que ele
quer comigo?”.
Passamos mais de duas décadas afastados. Por que agora? Nos últimos
cinco anos, desde que nossa mãe faleceu, Coal, Jett e eu moramos na mesma
cidade — uma das maiores capitais do país. Saímos daquele fim de mundo,
no interior deste mesmo estado, e viemos para cá assim que conseguimos um
pouco de dinheiro.
Não posso dizer que criamos raízes, mas, pelo menos, paramos de pular
de cidade em cidade.
Agora entendo por que minha mãe parecia sempre estar fugindo: de fato,
ela estava.
Será que meu pai tem algum envolvimento com seu assassinato? Será
que foi ele quem ordenou sua execução?
Engulo em seco.
Se este for o caso, Don ou não, ele vai implorar para que eu o mate
depois que eu puser em prática todas as ideias criativas — e dolorosas —
que tenho em mente.
— Chegamos — Carlo avisa enquanto Angelo para o carro na frente do
que parece ser uma mansão.
O enorme muro de pedra impede a vista do que existe do outro lado, mas
não é difícil imaginar. Estamos falando da máfia, afinal. O portão de metal
negro começa a se abrir lentamente, revelando aos poucos uma opulência que
só tinha visto na televisão.
Eu me seguro para não soltar o ar em espanto quando vejo o que só
posso definir como um palacete. Consigo contar vinte e oito janelas, e isso é
só a parte da frente do prédio.
À sombra da noite, não consigo dizer qual a cor exata das pedras que
foram usadas na sua construção, mas imagino que tenham um tom acinzentado.
Porém, não é só isso que me surpreende, muito menos a jardinagem
impecável ou a fonte que jorra água para cima pouco antes da porta de
entrada. Olho para os lados e não vejo ninguém além daqueles que me
trouxeram até aqui.
Se isso é a casa do Don da máfia, então por que não tem nenhum
segurança?
O outro sedan estaciona logo atrás de nós e o portão se fecha.
— Andiamo[2] — Carlo diz e começa a caminhar, me fazendo pensar se
suas expressões em italiano são algo realmente cultural ou então apenas uma
forma de mostrar aquilo do qual faz parte.
Olho para Jett, que parece tão impressionado quanto eu, mas, diferente
de mim, sua expressão deixa nítido tudo aquilo que pensa. Dou dois tapinhas
em seu ombro e começamos a caminhar na direção da porta.
Apenas alguns postes iluminam a passagem, o que, novamente, é
estranho. Quanto mais escuro, mais fácil de ser invadido. Acho que essas
pessoas podiam usar um pouco do meu conhecimento sobre arrombar casas.
Escuto os passos de todos os que caminham atrás de mim e é como se eu
estivesse sendo escoltado.
Subimos quatro degraus e paramos de frente à porta. Carlo segura a
aldrava, que tem uma letra R incrustada no metal dourado. Dois toques e a
porta se abre. Eu não sei o que eu imaginei que aconteceria, mas jamais teria
pensado que seria recebido por uma senhora de uns oitenta anos, tão baixinha
que o topo de sua cabeça não chega a tocar no meu peito. Porém, é sua
expressão irritada que me diverte e faz com que o canto esquerdo de minha
boca se erga com um sorriso.
A senhorinha não diz nada, apenas encara Carlo, que parece bastante
desconfortável.
— Scusa, nonna — ele diz e ela vira as costas, caminhando com mais
vitalidade do que eu julguei ser capaz a uma pessoa de sua idade e estatura.
Entramos na casa e eu não tenho tempo para pensar em nada.
Novamente, sou cercado pelos homens, que andam rápido até um outro
cômodo. Quando mais uma porta se abre, revelando uma sala bem fora do
normal e uma enorme mesa, com pelo menos vinte cadeiras dispostas ao seu
redor, meu cérebro para de funcionar.
À cabeceira, um homem está sentado.
Se eu duvidava do que me disseram, agora todas as dúvidas foram
desfeitas. Porque aquele homem é uma versão idêntica, apesar de mais velha,
de mim e de meus dois irmãos gêmeos.
Meu pai.
Capítulo 3
Mia

Perdi as contas de quantas noites chorei em minha cama pensando que


esse dia nunca chegaria. Também não me lembro de quantas madrugadas
insones passei planejando esse mesmo dia. Tudo deveria ser perfeito.
Da quantidade certa de orégano nas bruschettas à espessura da camada
de gloss em meus lábios.
Fantasiei cada segundo, cada detalhe. Planejei e projetei todos os
passos que daria, o que eu falaria e como me comportaria. Cheguei a
sorrir, imaginando o jeito como os olhares cairiam sobre mim e como
isso me deixaria feliz. Mas nada, absolutamente nada, parece ter saído
como eu gostaria.
Tudo começou quando a mamma me telefonou. Eu fiquei em dúvida
se deveria ou não atender, afinal, estava na faculdade, em horário de
aula — não exatamente na sala de aula, e sim assistindo a um jogo de
basquete cheio de garotos lindos e sem camisa —, mas a insistência dos
toques e o medo de que ela resolvesse mandar alguém da família atrás
de mim para ver se tudo estava bem falaram mais alto.
— Mia, minha filha. É hoje! Seu pai acabou de me avisar. A nonna[3]
já está te esperando.
Minha mãe falou assim que atendi e, sem dizer mais nada, desligou.
Fiquei segurando o aparelho por alguns segundos ainda no ouvido,
enquanto ecoava em minha mente “é hoje, é hoje, é hoje”.
Desde os meus doze anos, sonho com este momento. Depois do susto
de ver minha calcinha manchada de sangue pela primeira vez, foi feita
uma festa. Muita comida, bebida, música alta. Toda a família reunida
para comemorar a minha entrada na vida adulta. Foi naquela festa, em
meio à minha vergonha de ter menstruado e com tantos olhares atentos,
que o meu destino foi selado. Desde então, me preparo para hoje. “É
hoje”, mamãe disse. Só que nada foi como imaginei. Esperei sete anos
por este momento e o que aconteceu? Nada. Absolutamente nada.
Cheguei à casa da nonna quarenta minutos depois do telefonema de
mamãe. Ainda teria dois tempos de aula, mas diante do anúncio da
mamma, pedi a uma colega que respondesse à chamada por mim. Por
sorte, o professor de Psicologia da Educação nem sentiria a minha falta.
Minha desculpa foi a mesma de sempre, a que uso para tudo em minha
vida: problemas de família. O que as pessoas não sabem é que a minha
família sempre tem muitos problemas de verdade. Afinal, é difícil não se
ter complicações quando se faz parte de uma organização criminosa —
ou, como papai prefere falar, uma organização paramilitar. Só que se eu
entrar em uma delegacia agora, ninguém vai achar que prestamos um
serviço à sociedade, então…
O cheiro dos tomates e temperos para o molho da macarronada que
será servida no jantar pode ser sentido do lado de fora da casa. Aquele
aroma, já tão conhecido em outras reuniões de família, parece ter um
gosto especial agora. É a primeira vez, desde que me conheço por gente,
que nos reuniremos aqui. Mamãe me contou que a última festa que houve
na casa foi o tal noivado que nunca aconteceu — o que, de certa forma,
me deixa mais apreensiva. A mansão é apenas o local onde homens
conversam, fazem negócios e discutem estratégias. Mas hoje, mesmo que
não seja uma festa de noivado, é um dia especial para todos nós,
principalmente para mim.
“É hoje.”
Mais uma vez, a voz da mamma ecoa em minha cabeça.
A cozinha, cheia de mulheres, tem um barulho próprio. Conversas,
risadas discretas, ordens sendo dadas a todo momento pela dona da casa
e uma música de fundo:

"Volare oh, oh
Cantare oh, oh
Nel blu dipinto di blu
Felice di stare lassù…"

Os homens da família devem estar reunidos no escritório. Tudo


exatamente igual a todas às nossas outras festas. A diferença é a casa, o
sorriso estampado no rosto da nonna e o meu estômago embrulhado. É
como se eu tivesse passado tanto tempo imaginando como seria, que
agora pareço não querer saber como será.
— Mia! Ragazza! — Nonna grita quando me vê. — Andiamo!
Precisamos cortar mais pão.
Continuo parada no mesmo lugar, observando a cena. É tão estranho
me sentir em casa e, ao mesmo tempo, não saber se a minha casa
continuará me sendo confortável. Penso em tudo que pode ou não
acontecer, em todas as coisas ruins que já imaginei desse momento…
Agora, me parece assustador o que o destino me reservou.
As conversas com as colegas da faculdade, tão cheias de histórias e
experiências, me parecem mais interessantes do que qualquer coisa que
possa acontecer em minha vida a partir de hoje. E se…?
— Mia! — nonna grita novamente, interrompendo meus pensamentos.
— O pão não vai se cortar sozinho, tesoro[4].
Sorrindo, caminho até o balcão largo de madeira, onde a tábua de
pães recém-saídos do forno, ainda fumegando, descansa. Pego a faca de
serrilhas largas e começo minha tarefa. Corto as fatias, vagarosamente,
na medida exata de sete milímetros, como a mamma ensinou. Tudo tem
que estar perfeito.
Aos poucos, as mulheres vão terminando suas tarefas e sentando-se à
longa mesa de toalha xadrez vermelha e bancos de madeira. Algumas
com xícaras de café, outras com chá e poucas taças de vinho. As trocas
de receitas, conversas sobre escolas, próximas férias ou os novos
negócios da organização vão ficando cada vez mais escassas à medida
que o tempo vai passando.
Era fim de tarde quando aqui cheguei, na casa dos Rossi. Já estamos
quase entrando na madrugada e nada. Uma ou outra mulher tenta manter a
conversa e disfarçar a apreensão que todas sentimos, até que o falatório
é cessado ao som da campainha. Giovanna, a mais nova mocinha da
família, levanta-se correndo para atender a porta, mas nonna faz um
gesto com a mão para que ela se sente e corre, saindo da cozinha.
Quando volta, nada diz sobre os recém-chegados.
— Andiamo! — grita. — A comida já deve estar fria.
As mulheres levantam-se agitadas e correm para seus postos. Menos
eu. Sigo paralisada no lugar, mamma me olha intrigada. Mas antes que
se aproxime, Vince entra na cozinha, pedindo gelo.
— O que houve? — pergunta uma das mulheres, assustada.
— Um dos meus priminhos — dá para sentir o tom de deboche em
sua voz — resolveu enfiar o punho no nariz do Carlo. — Vince me
encara. — Eles não parecem da família.
— Vince! — nonna grita. — Pegue seu gelo e saia daqui! A cozinha é
lugar para as mulheres!
Ele abaixa a cabeça, pega o saco de gelo que tia Sandra coloca em
suas mãos e sai da cozinha antes que a nonna possa chamar sua atenção
novamente.
“Não parecem da família” retumba na minha cabeça. E se…?
— Vamos, Mia! — Antonella me chama com uma pilha de pratos na
mão. — Me ajude a arrumar a mesa. — Ela aponta para um balcão
lateral, onde os talheres estão separados.
Pego os acessórios e sigo Antonella pelo corredor. Enquanto ela
cuidadosamente coloca os pratos de louça branca, enfeitados com um
detalhe circular e as inicias MR grafadas em ouro sobre os sousplats,
ajeito os talheres à volta. Alinho os garfos à esquerda e as facas à
direita. Coloco a colher para a sopa de cappeletti à direita das facas.
Tudo geometricamente posicionado, como a mamma me ensinou.
Antonella cantarola uma música enquanto continua dando a volta na
mesa com mais de trinta lugares, posicionando os pratos. Ela parece
feliz desde que se casou com Angelo. Penso em perguntar a ela como se
sente e como as coisas andam em sua vida agora, mas me calo. A
discrição é uma das características das mulheres de nossa família. Nada
de perguntas. O que devemos saber nos é contado. Talvez eu também
fique feliz como ela, mas agora acho muita loucura aceitar assim o que
meus pais resolveram para minha vida.
Terminamos de colocar a mesa para o jantar quando as mulheres vêm
trazendo as travessas da cozinha. Os cheiros se confundem, dando um
perfume especial à sala. A mesa farta, os lustres e abajures
incandescendo o ambiente e contrastando com os móveis escuros e
paredes cinzas, que há muito não viam tanta gente. Tudo está perfeito, do
jeito que eu havia imaginado um dia.
Posiciono-me com as outras mulheres à volta da mesa, esperando que
as portas do escritório se abram e os homens, finalmente, decidam
comer. Meu estômago se embrulha novamente. Não posso garantir que
seja fome, já que parece que, a qualquer momento, minhas pernas vão
falhar. As palmas das minhas mãos começam a ficar úmidas, assim como
as bordas do meu couro cabeludo e as axilas. Não lembro de alguma vez
ter passado mal, mas o suor frio, o coração que começa a acelerar, o ar
que parece que acabará a qualquer segundo e as pernas bambas indicam
que estou tendo um infarto. É possível ter um infarto aos dezenove anos,
sem ao menos saber o que é ser beijada por um menino? Ou estou apenas
tendo uma crise? E se…?
— Puta que pariu! — As portas do escritório se abrem com força. —
Vocês só podem estar de sacanagem comigo. Eu não quero ser a porra de
um filho de mafioso! — Um homem sai de lá gritando, mas, quando
enxerga a mesa e todas as mulheres que, assim como eu, estão com os
olhos arregalados lhe encarando, ele sorri. — Boa noite. — Olha para a
mesa novamente e depois para nós. — Não quero ser filho de mafioso,
mas jamais desperdiçaria um banquete.
Sem cerimônia nenhuma, ele caminha até a ponta da mesa e senta-se
no lugar de Don Marco.
— Você não pode se sentar aí — papà diz.
— Vou me sentar onde quiser — ele responde, sem ao menos olhar
para o meu pai. — Vem, Jett, senta aqui. — Ele bate com a mão ao lado
dos pratos à sua direita. Lugar reservado ao meu pai. — Bora bater um
rango antes de irmos pra casa.
Olho para o meu irmão, Enrico, que está ao lado do nosso pai. Ele
apenas sorri para mim e, pelo seu sorriso, sei que tudo ficará bem, a não
ser que…
— Sage, figlio[5] mio — Don Marco diz e o ar me falta.
É ele.
Não pode ser.
Capítulo 4
Sage
Enquanto dou garfada atrás de garfada no melhor macarrão que já comi
na vida, um mundo de pessoas me encara. Eu sei que estou no lugar errado —
e não me refiro apenas à mesa —, porém, se eles me trouxeram até aqui, vão
ter que me aceitar do jeitinho que sou. Foda-se o sarcasmo.
A curta conversa que tivemos naquela sala, que descobri não ser o
escritório do poderoso chefão, e sim um espaço para reuniões, não foi
suficiente para que eu aceitasse tudo que me foi dito.
Durante os primeiros minutos, ficamos todos calados e nos entreolhando.
Meus olhos não saíam de cima do homem que esteve ausente durante toda a
minha vida. Ele também não conseguia parar de olhar para mim e para Jett.
Duvido que saiba quem somos. A não ser pelas roupas e pelo corte de
cabelo, ninguém nunca consegue dizer quem é quem entre nós três.
A entrada de mais um homem, acompanhado por outros tantos, quebrou o
silêncio e fez com que meu pai se levantasse. A nossa semelhança também é
gritante. Um exame de DNA, neste caso, é irrelevante.
Foi o outro cara que nos apresentou, um tal de Giovanni alguma coisa.
Don Marco Rossi — pelo visto, ele é chamado de Don o tempo todo — se
levantou de sua cadeira e veio até nós. Tanto Jett quanto eu estávamos em
choque, mas quando meu pai deu um beijo em cada uma de minhas bochechas,
saí do transe na mesma hora e dei alguns passos para trás.
Ele entendeu a minha reação e se afastou, porém, em seguida, foi até meu
irmão e repetiu o gesto. Jett continuou parado, mas dava pra ver que ele
estava muito confuso também.
“Sejam bem-vindos à nossa casa”, ele disse e eu engoli em seco.
Ontem à noite, estava transando com duas mulheres no banheiro de uma
boate qualquer. Hoje, me descobri filho de um dos chefes da máfia italiana.
Giovanni entendeu a frase curta do seu Don como uma abertura para que
começasse a falar. Só que eu não ouvi nada do que ele disse. Minha mente
estava girando. Todos os meus pensamentos não faziam sentido e eu não
conseguia entender por que estava ali, em uma sala com paredes de madeira e
uma mesa que comporta mais gente do que qualquer outra a que me sentei.
Palavras como família, negócios, honra e Rossi eram repetidas, mas
não consegui entender o contexto. Não precisava entender. Eu já sabia.
Meu querido papai havia me achado e resolveu que aquela era a hora
perfeita para me deixar a par da minha genealogia.
Foda-se ele. Foda-se todo mundo que está nesta casa.
Eu não sou um italiano. Sou um Wilder. E Wilders não têm lugar certo
para se sentar à mesa. Não chamamos ninguém de Don, muito menos
abandonamos nossas mulheres e filhos.
Saí do escritório e nem me lembro o que disse, mas assim que cheguei a
esta sala — meu senso de direção ignorado —, vi a oportunidade perfeita de
deixar uma mensagem bem clara para eles: eu não pertenço a esta casa ou a
esta família.
Se eu tive um pai na vida, ele perdeu todos os direitos quando
abandonou minha mãe. Foda-se se tem dinheiro e poder. Posso conquistar
tudo o que eu quero às custas do meu próprio esforço.
Continuo comendo a macarronada deliciosa e sinto a apreensão no ar.
Não deve ser todo dia que eles veem alguém desafiando seu chefe.
De novo, foda-se. Foda-se essa italianada aqui. Se eles têm algo contra
mim, não deveriam ter me trazido até aqui — à força, quero acrescentar.
Todos me encaram e ninguém diz nada. Olho para o lado, onde uma
mulher mais velha, com os cabelos muito bem arrumados em um coque, está
sentada, e noto a taça de vinho à sua frente.
Pisco para ela e pego a bebida, sorvendo-a de uma só vez.
Todos arfam.
Bando de italianos dramáticos.
— Chega! — Ouço um berro e encaro o homem que rompeu o silêncio.
— Você não vai entrar na nossa casa, desrespeitar a nossa família e comer a
comida que as nossas mulheres preparam com cuidado! — Giovanni está
alterado.
Respondo seu surto com um sorriso de lado.
— Eu não sabia que todas essas mulheres eram suas. Putão, vocês.
Nem consigo terminar a frase quando uma reação extrema toma conta da
sala. Mais de doze homens sacam suas pistolas e as apontam para minha
cabeça. Mulheres soltam gritinhos e vejo Jett tensionar na cadeira.
— Cazzo![6] Basta! — A senhorinha que abriu a porta se levanta da
mesa em um pulo, falando mais alto do que os sons de armas sendo
engatilhadas. — Vattene da qui[7] — ela diz e aponta para a porta.
Não entendo italiano, mas creio que ela tenha acabado de expulsar todo
mundo.
Olho ao meu redor e vejo meu pai parado, implacável. Tudo aconteceu e
ele não reagiu com um piscar de olhos sequer. Toda sua atenção é voltada
para mim. Seu olhar é desaprovador, mas acho que capto algo mais nele.
Curiosidade, talvez.
Levo uma garfada de macarrão à boca, mastigando lentamente. Uma pena
que o vinho do copo já tenha acabado.
Apesar de estar com meu foco todo nele, vejo pelo canto do olho que os
homens guardam suas armas e começam a sair. O ranger das cadeiras no chão
de madeira também indica que as mulheres estão se retirando. Pelo visto, a
pequena senhora é quem manda na casa.
— Você também. — Escuto-a dizer e me viro para ela, que encara meu
pai. — Quero ficar com esses dois a sós.
Ele apenas faz que sim com a cabeça e se retira da sala. Não emite uma
palavra sequer ou esboça qualquer reação. É como se ele fosse feito de
mármore.
Quando estamos apenas nós três na opulenta sala de jantar, ela volta a se
sentar, dessa vez no lugar que a esposa de Giovanni ocupava, já que eu
permaneço na cabeceira e Jett, à minha direita.
— Vocês dois mal-educados sabem quem eu sou? — pergunta.
Apenas balançamos a cabeça. A mulher tem mais presença do que todos
os homens armados juntos. Não sei se isso se dá ao fato de ela ter os cabelos
bem arrumados, a roupa em perfeito estado ou por seu olhar ser mais
ameaçador do que qualquer um que já encontrei.
— Não, senhora — Jett e eu respondemos ao mesmo tempo.
— Pois bem. Eu sou a nonna de vocês. Sabem o que isso significa? —
Nós dois balançamos a cabeça negativamente. — Sou a avó de vocês.
Estremeço na cadeira com a notícia.
Eu sempre odiei meu pai por ele não estar nas nossas vidas, mas nunca
pensei que teria uma avó. Troco olhares com Jett e sei que meu irmão está tão
impactado quanto eu.
— Nonna… — repito o que ela disse antes, minha voz é apenas um
sussurro.
Eu tenho uma avó.
O peso da palavra é forte demais para este momento. Nós três sempre
tivemos apenas a minha mãe. Nunca chamei ninguém de pai antes, muito
menos de avó.
— Exato. Todos me chamam de nonna, até mesmo quem não é meu neto.
Mas meu nome é Edwige Rossi.
Ficamos calados. Não sabemos o que responder a essa mulher tão
pequena e imponente. Muito menos depois de ela ter revelado quem é.
— Desculpa pelo nosso comportamento, dona Edwige — Jett fala e eu
me viro assustado para ele.
Não acredito que ele esteja se desculpando! Não depois de tudo que
aconteceu esta noite.
Será que ele esqueceu que fomos cercados por um bando de mafiosos?
Que o filho da puta que nos trouxe aqui xingou nossa mãe? Que descobrimos
que nosso pai é um Don da máfia? Pedir desculpas está lá embaixo na minha
lista de coisas a fazer, logo entre limpar a bunda de um cavalo com diarreia e
dançar a conga de calcinha. São eles que precisam se desculpar pelo que
estão fazendo conosco.
— Um homem só pode pedir desculpas por ele mesmo, ragazzo. — Ela
me encara assim que termina a frase, mas logo depois oferece um pequeno
sorriso para meu irmão.
Eu e ele precisamos ter uma conversa séria.
— Eu sou o Jett, o trigêmeo caçula — ele explica e a senhora faz que
sim com a cabeça.
— Seu pai te chamou de Sage. Então, creio que este seja o seu nome —
nonna direciona a frase para mim, mas eu não a respondo.
Não tenho palavras neste momento.
— Sim, ele é o Sage — Jett confirma depois de alguns segundos sem que
eu dissesse qualquer coisa.
— Jett — ela chama —, não respondemos nada pelos outros. Nesta casa,
nesta família — ela enfatiza a palavra —, cada homem honra aquilo que diz e
será eternamente responsável pelas palavras que saem da sua boca. Por isso,
não responda nada por alguém. Um dia, você pode ser cobrado por isso.
Apesar de as palavras serem duras, o tom que ela usa é de uma avó
falando com seu netinho. Eu não sei até que ponto isso é verdade, mas o que
ela diz atinge algo dentro de mim que não sei muito bem explicar. Talvez
nunca saberei.
Só que essa sensação de inquietude me faz querer escutar mais do que
essa pequena senhora, que não deve pesar sessenta quilos, tem a dizer.
— Sim, eu sou o Sage. O mais velho de nós três — finalmente respondo
e ela balança a cabeça afirmativamente.
Em seguida, levanta-se da cadeira e vai até a outra ponta da mesa.
— Quando uma donna[8] se levanta, todos os homens se levantam
também — ela zanga, mas não volta o olhar para nós.
Eu e Jett nos entreolhamos e fazemos exatamente o que ela disse.
— Molto[9] bene. Não vai ser difícil colocar boas maneiras nas cabeças
de vocês. Aquela porca puttana levou os três embora e não me deu a chance
de criar meus netos da forma certa. Mas nada está perdido…
Eu posso não ter entendido muito bem o que ela disse, mas sei que
estava xingando minha mãe. Se isso não fosse o suficiente, o fato de ela ter
cuspido no chão me faz ter certeza.
Antes que eu consiga me controlar, bato no tampo de madeira da mesa
com força.
Ninguém xinga a minha mãe.
— A senhora pode me ofender o quanto quiser, nonna — deixo o
sarcasmo bem enfatizado na última palavra —, mas lave a boca antes de falar
uma palavra da minha mãe.
Em vez de me responder, Edwige solta uma risada alta.
— Nosso sangue corre em suas veias, ragazzo — ela diz e pega a
garrafa verde de vinho, voltando até o lugar onde estava sentada à mesa. —
Mas tem muita coisa sobre sua mãe que você não sabe. E talvez ainda não
esteja na hora de saber. Agora, controle seu temperamento e sente-se.
Ela aponta para a cadeira e eu fico sem reação. Acabei de ofender a
mulher e ela nem sequer pestanejou. O mínimo que eu pensei que aconteceria
era ela soltar um palavrão, que nem fez com todos os outros homens. Mas não
é isso o que acontece.
Edwige serve três copos de vinho, enchendo-os quase até a boca, e
depois oferece um a mim e outro a Jett.
Não sei se estou curioso, chocado ou apenas entediado, mas faço o que
ela pede e sento-me mais uma vez, a taça que ela me deu ainda na mão.
— Salute[10]! — ela diz em um brinde e bebe um pouco do líquido
avermelhado. — Eu não gosto de beber a esta hora, mas não é todo dia que
estou ao lado das pessoas que mais quis conhecer na vida.
— Dona Edwige, olha…
— Nonna, per favore. Me chama de nonna, Sage — ela me interrompe.
— Nonna — esforço-me para dizer a palavra que nunca imaginei
direcionar a alguém —, eu claramente não pertenço a esta casa, talvez nem a
esta família…
— Basta! — ela me interrompe novamente. — Eu não quero ouvir você
dizer que não faz parte da minha família. Você é um Rossi, Sage. Queira você
ou não. Afinal, a escolha foi tirada de todos nós quando sua mãe virou as
costas para o homem dela e fugiu daqui, levando meus preciosos embora. —
Agora, seu tom é alto. O mesmo que usou para expulsar todos os homens da
sala. — Eu nunca cheguei a pegar meus netos no colo. E essa culpa não é
minha! O que eu sei é que vocês dois estão na minha frente neste momento e
não tenho qualquer intenção de deixar que saiam de perto de mim.
Mais uma vez, fico sem saber o que dizer. É como se eu tivesse acabado
de encontrar algumas peças que faltavam no quebra-cabeça que sempre foi a
minha vida. Todos os anos nos mudando pelo país. A paranoia de minha mãe
de não querer sair de casa. O medo que ela tinha de que nós fôssemos à
escola. Sua morte inesperada… Sim, ela estava fugindo. Mais precisamente,
fugindo do meu pai e de sua família.
Só que um único pensamento passa pela minha mente agora, e é difícil
demais conseguir controlá-lo.
— Vocês tiveram alguma coisa a ver com o assassinato de minha mãe?
— jogo a pergunta sem pensar nas consequências.
Os olhos de nonna se arregalam e, pela primeira vez, vejo o quanto eu a
ofendi.
— Eu nunca mataria sua mãe, Sage. Ela era o amor da minha vida. — A
voz de meu pai inunda a sala, fazendo com que eu vire a cabeça para vê-lo
parado à porta.
Ainda usando o mesmo terno preto de antes, Don Marco Rossi me
encara com seriedade.
Minha cabeça está girando com tanta informação. Olho para Jett, que
parece que vai vomitar a qualquer segundo, e encosto em seu braço.
— Vamos embora daqui — digo para ele, que me encara de volta e faz
que sim com a cabeça.
Nós nos levantamos da cadeira e começamos a caminhar.
— Aspetta[11] un minuto! — nonna diz, mas eu a ignoro.
Porém, meu pai está parado na saída, impedindo nossa passagem.
— Precisamos ir embora agora. Eu diria que foi um prazer conhecer
você, mas minha mãe me ensinou a nunca contar mentiras.
Capítulo 5
Mia
Um olhar. Tudo que eu queria é que ele tivesse me dado um olhar.
Apenas um que me desse certeza de que valeu a pena toda a espera. Mas, ao
contrário disso, ele nem nota a minha presença.
Depois da entrada de Sage na sala de jantar, blasfemando sobre não
querer pertencer à família e sua total falta de respeito, sentando-se no lugar
de honra da mesa, nonna faz um gesto para que os outros homens se sentem
em qualquer lugar e as mulheres rapidamente começam a servir. Mamma pega
uma das travessas de macarronada de cima da mesa e a coloca em minhas
mãos, indicando com o olhar que eu vá servir os recém-chegados.
Paro entre Sage e Jett, servindo primeiro o mais velho, sentado à
cabeceira da mesa. Minhas mãos estão trêmulas. Tento manter o sorriso no
rosto, faço gestos delicados, esbarro com a lateral do meu corpo no seu, mas
ele segue olhando para todos, com um sorriso debochado nos lábios e não
nota minha presença. Termino de servi-lo, faço o mesmo com seu irmão, que
me encara e agradece com um sorriso tímido nos lábios. Por quê? Por que o
irmão certo não notou a minha presença?
Sirvo os outros homens da família e sento-me no meu lugar. Observo
Sage comendo do outro lado da mesa, a falta de modos, o jeito como debocha
de tudo. Não o entendo. Pelo pouco que sei da sua vida, era só ele, os irmãos
e a mãe, sempre fugindo, sem ter frequentado escolas e com uma vida de
recursos escassos. Eu me sentiria feliz por ter uma família. Ainda mais uma
como a nossa. Se tem algo que a família Rossi entende é de proteger os seus.
E proteção é amor. Será que algum dia ele será capaz de entender isso? Pela
sua vida, e para que eu não seja uma viúva antes dos trinta, espero que sim.
— Ele é lindo! — Giovanna cochicha em meu ouvido. — Eles são, na
verdade. — Ela ri. — Não dá pra saber qual é qual.
Sorrio para ela e concordo com a cabeça. Fisicamente, eles são
idênticos, não dá para diferenciá-los. Altos, porte físico bem desenhado, o
rosto com sorriso largo. São a cópia do pai — e se tem um homem que
sempre achei charmoso, foi Don Marco. Mesmo com seus quase sessenta
anos e os cabelos grisalhos, ele continua arrancando suspiros das mulheres.
Muitas das mulheres da família, inclusive as mais novas, sonharam em
ser desposadas por ele. Fico imaginando se o outro irmão também é assim,
mas eu sei qual deles é meu futuro pelo olhar. E o olhar dele é duro. É como
se fosse possível ver uma chama ali dentro. Uma chama de vingança. Ele
ainda não sabe, mas isso é algo que está em nosso sangue e que me dá
esperança de que ele entenda que é desta família.
— Chega! — papà grita, levantando-se da mesa. — Você não vai entrar
na nossa casa, desrespeitar a nossa família, comer a comida que nossas
mulheres preparam com cuidado!
— Eu não sabia que todas essas mulheres eram suas. Putão, vocês —
Sage responde, rindo.
Meu coração se aperta. Sei o que vai acontecer antes mesmo que todos
os homens se levantem da mesa, saquem, destravem, carreguem e mirem suas
pistolas para a cabeça de Sage.
— Cazzo! Basta! — Nonna levanta-se ligeiro de seu lugar e começa a
gesticular, movimentando rapidamente os braços e mãos. — Vattene da
qui[12] — ela diz e aponta para a porta.
Os homens olham de um para o outro e encaram papai, que acena com a
cabeça para que obedeçam. Todos começam a se retirar, as mulheres casadas
acompanham seus maridos, apoiando-se em seus braços e confortando-os
pela tamanha falta de respeito dos novatos. Mamãe faz o mesmo que as
outras, levando papai para um canto.
Eles começam a conversar baixinho. Vejo os gestos de mamãe apontando
para mim e papai negando com a cabeça. Não sei sobre o que falam, mas sei
que ele não está feliz.
— Parece que te escolheram o Rossi errado — Vince sussurra ao meu
ouvido quando passa ao meu lado.
Os homens todos começam a ir para o jardim enquanto as mulheres
ficam na antessala, caso nonna precise de algo. Mamãe dispensa algumas e
aproxima-se de mim.
— Ele nem me olhou — digo a ela.
— Calma, minha filha. — Mamma sorri de forma afetuosa. — Ele é só
um menino confuso com tanta novidade. A nonna irá conversar com ele e
tenho certeza de que tudo vai se acertar.
Ela se aproxima da pesada porta de madeira da sala de jantar e gruda
seus ouvidos nela, tentando escutar algo.
— Porco dio[13]! — mamma pragueja. — Por que portas tão grossas?
Não dá para escutar nada.
Tenho vontade de rir. Por mais que eu esteja curiosa com o que está
acontecendo no outro cômodo, as palavras de Vince seguem em minha
cabeça. E se ele estiver certo? Talvez, se eu tivesse aceitado seu cortejo, hoje
saberia o meu futuro. Mas resolvi esperar e me guardar para o meu
prometido. E o que eu ganhei? Nada. Nem um olhar.
Perco-me em meus pensamentos enquanto as portas da sala de jantar
continuam fechadas. O tempo vai passando, algumas mulheres se dirigem para
a cozinha e preparam térmicas de cafés e algum petisco para os homens.
Todos aguardam o abrir das portas, mas elas não se abrem.
Papai adentra novamente na casa e caminha até a mamma.
— Nada ainda? — pergunta, apontando com a cabeça para a porta.
— Nada, amore mio. — Mamãe passa as mãos em seus braços, fazendo
um carinho, que mais me parece um consolo. — Mas não há gritos, isso é um
bom sinal. — Ela sorri e ele também.
— Mia, Enrico vai te levar para casa — papai diz enquanto caminha em
minha direção. — Está tarde e, pelo visto, ninguém vai dormir hoje. — Ele
me estende a mão para que me levante da poltrona em que estou sentada. —
Você tem aula cedo, não?
— Sim, papà. Mas não me importo de esperar e…
— Não, ragazza. Filha minha não vai esperar nenhum cabinotto[14] de
merda. — Ele me puxa para um abraço e dá um beijo carinhoso em minha
testa. — Vá descansar. Amanhã conversamos.
Obedeço papai e vou para o jardim atrás de Enrico. Encontro-o
encostado ao carro, fumando um cigarro.
— Papà disse que você me levará em casa.
— Andiamo, Mia. — Ele abre a porta e senta-se ao volante. Faço o
mesmo, sentando-me no banco do carona.
— Só nós dois? — pergunto, estranhando.
— Si, si… Papà me dispensou. Tenho outro compromisso. — Ele ri.
Ficamos conversando bobagens e rindo no caminho. Não falamos nada
sobre o que aconteceu na casa de Don Marco, ou antes de os novatos
chegarem em nossas vidas. Quero perguntar-lhe se papai comentou algo sobre
mim, mas lembro-me dos ensinamentos da família: nós sempre dizemos a
verdade e o que devemos saber nos é contado. Não fazemos perguntas.
Eu daria qualquer coisa para saber o que está se passando na cabeça do
meu pai. Será que ele pensa na possibilidade de desmanchar o meu futuro?
Neste momento, eu adoraria ser de outra família, uma que escutasse e ouvisse
a opinião dos outros. Porque se papai me perguntasse se quero passar o resto
da minha vida com esse homem mal-educado, debochado, que não respeita
nossos valores e costumes, que tem os olhos duros e repletos de ódio, eu
diria sim.
Meu futuro parece ser em um tom monocromático que nunca imaginei e
que combina com a cor de seus olhos: verde.
Sage.
Eu o quero, de um jeito que em nenhuma das minhas fantasias vivenciei.
Só me dou conta disso quando me deito na cama e tento fechar os olhos. Ele
não sai dos meus pensamentos e cada detalhe que lembro ouriça meus pelos.
O embrulho no estômago dá lugar a uma umidade que reconheço. Posso nunca
ter beijado um homem, mas aprendi com livros e filmes o que eles querem e o
que eu quero também.
Não houve o olhar que eu esperava, mas isso não significa que eu desisti
da guerra. Sou uma Messina, nunca desisto do que quero. Sage é meu futuro
desde que eu tinha doze anos — e agora ele parece ainda mais interessante.
Capítulo 6
Sage
Quando cruzo a enorme porta de madeira que dá acesso ao jardim da
mansão, inspiro fundo o ar gelado da noite. Jett está ao meu lado, e juro que
posso escutar sua respiração pesada.
Por sorte, ninguém nos impediu de sair. A única coisa que meu pai disse
foi que nos encontraria amanhã à tarde e que queria ver Coal também. Não
respondi. Não sabia o que responder. Ao mesmo tempo em que eu queria
sugerir que ele desse meia hora de cu na esquina, algo em mim dizia para eu
esperar.
Na vida que levo, minha intuição é aquilo que sempre me salva. Aprendi
a confiar na vozinha que fala lá no fundo da mente. Hoje, ela estava
sussurrando que eu iria me arrepender se não ouvisse tudo o que ele tinha a
dizer.
Começo a caminhar e meu irmão me segue. Permanecemos em silêncio
— talvez por não sabermos o que dizer ou então por termos medo de que
alguém nos escute. Estamos em um território desconhecido, literal e
figurativamente. Tudo aqui é novo e incerto.
“Basta! Eu não quero ouvir você dizer que não faz parte da minha
família. Você é um Rossi, Sage. Queira você ou não. Afinal, a escolha foi
tirada de todos nós quando sua mãe virou as costas para o homem dela e fugiu
daqui, levando meus preciosos embora.” As palavras de nonna ecoam em
minha mente. Cada. Uma. Delas.
Ela disse que eu sou um Rossi, mesmo que eu não saiba, na prática, o
queisso signifique. Máfia ou não, eu não tenho o menor conhecimento a
respeito desta família. O que é estranho.
Eu já sabia um pouco sobre a máfia russa antes mesmo de começar a
roubar carros para Mikhail. A máfia japonesa desta cidade também não pode
se gabar de ser discreta. Mas a italiana… Até então, ela não era nada além de
uma lenda urbana para mim. Aquilo que você sabe que existe, mas, ao mesmo
tempo, duvida de todas as histórias que te contaram. Principalmente por não
terem sido tantas assim.
Quando chegamos ao enorme portão de ferro preto, ele começa a se
abrir automaticamente, sem que nós precisemos solicitar que alguém o faça.
Sutilmente, olho para o meu lado esquerdo. No topo da pilastra mais próxima,
uma câmera revela que não estamos sozinhos. É óbvio que não.
— Para onde vamos? — Jett pergunta assim que estamos na calçada.
— Casa. Quero ir pra casa. — A frase é incoerente, porque não sinto
como se eu tivesse realmente um lar para ir ao fim de um dia complicado.
Nenhum lugar ao qual pertenço ou me pertença.
Normalmente termino a noite em um bar, gastando o dinheiro que
consegui em bebidas ou em uma mesa de pôquer. Depois disso, me perco
entre as pernas de uma mulher até me sentir saciado. Só quando o dia está
amanhecendo é que volto para casa. Ou melhor, para o trailer que divido com
Jett.
Coal tem seu próprio lugar. Na verdade, ele escolheu se mudar para a
casa da namorada assim que as coisas entre os dois ficaram um pouco mais
sérias. Sei lá como é o relacionamento deles, também não faço a menor
questão de saber. Coal deixou claro que estava cansado da vida que Jett e eu
levamos.
Foda-se ele.
Sempre que nos vemos, ele vem com o mesmo discursinho de merda. Só
porque agora trabalha na corretora de imóveis do pai da mina não quer dizer
que pode vir até mim e dizer o que eu tenho ou não que fazer da minha vida.
Um tigre não perde as listras. Assim como um homem não muda sua
índole. Por mais que Coal ache que pode me ajudar a ser uma pessoa melhor,
sua ingenuidade o impede de ver que eu não quero que essa mudança
aconteça.
Eu sou o homem que quero ser. Wilder, Rossi ou qualquer outro
sobrenome que eu possa vir a descobrir, nada disso importa.
— Você está muito calado — Jett comenta depois de muitos quarteirões.
— Não sei o que dizer — confesso.
Os pensamentos fervilham na minha mente, saindo de um ponto e
chegando a outro completamente diferente em questão de segundos.
— Talvez a gente esteja precisando de uma cerveja — Jett sugere e, por
mais que eu não esteja no clima, o pensamento de passar o resto da noite no
trailer começa a me incomodar.
— Acho que precisamos falar com Coal. — Meu irmão ainda não sabe
de nada do que aconteceu.
Na verdade, parece que foi uma eternidade atrás a última vez que eu
falei com ele, mesmo que tenha sido enquanto eu dirigia aquele Porsche até a
oficina dos russos.
— Vamos buscar Coal e encontrar um bar aberto a esta hora — ele diz e
faço que sim com a cabeça.
A noite está calma. Poucos carros passam ao nosso lado enquanto
caminhamos quilômetros até o apartamento de Coal. Presto atenção para ver
se tem alguém nos seguindo, mas não vejo ou sinto a presença de outra pessoa
além de meu irmão. Assim como eu, Jett se mantém calado durante o
percurso. Talvez ele esteja tentando entender o que diabos aconteceu nas
últimas horas. Só sei que eu estou.
Quando saí de casa mais cedo, era apenas Sage Wilder, um joão-
ninguém que rouba carros para sobreviver. Órfão e sem um puto na carteira,
para variar.
Agora, aparentemente, sou Sage Rossi, filho de um Don e com uma
enorme família italiana esperando por mim.
Se eu vou ou não aceitar essa família, aí já é outra história.

Entro no apartamento de Coal e a penumbra me recebe. Pisco os olhos


algumas vezes até minhas córneas se ajustarem à falta de luminosidade. Jett
está logo atrás de mim e sequer posso ouvir sua respiração. Já estamos
acostumados a fazer isso, mesmo que não seja na casa do nosso próprio
irmão.
Andamos com passos leves até o corredor, onde sei que fica o quarto.
Não quero acordar Beth, sua namorada, mas preciso que Coal se junte a nós
para conversarmos sobre o que aconteceu nas últimas horas.
Assim que abro a porta do quarto, noto que — previsivelmente — os
dois estão dormindo. Um virado para cada lado e completamente vestidos.
Não sei a parte de baixo, já que estão de cobertas, mas ver meu irmão dormir
de blusa de manga comprida já é um alerta de que, talvez, as coisas entre os
dois não sejam lá essas maravilhas que ele sempre comenta.
Olho para Jett, que para ao lado da porta e cruza os braços, esperando
que eu vá até Coal e o acorde. Ele acena com a cabeça e eu mostro o dedo do
meio.
Todo mundo acha que sussurrar é a melhor forma de não acordar as
pessoas, mas estão errados. Falar com a voz grave chama menos atenção e faz
com que passemos despercebidos. Qualquer som agudo, mesmo que um
sussurro, é capaz de acordar alguém. Como não quero que Beth desperte,
paro ao lado de Coal e chamo seu nome. Uma, duas, três vezes.
O otário tinha que ter um sono tão pesado?
Não posso elevar a voz, senão vou acordar quem não quero. Beth já nos
odeia demais. Se ela nos vir em sua casa a essa hora da madrugada, não vai
facilitar para o lado de Coal.
Não que ele mereça, mas nunca faria nada para prejudicar qualquer um
dos meus irmãos. Não propositalmente, pelo menos.
Então, vou para o plano B e sacudo seu ombro, o que faz com que Coal
abra os olhos na mesma hora. Assim como eu previa, ele dá um pulo,
sentando-se na cama de forma abrupta. A mão que estava embaixo do
travesseiro agora está à mostra, segurando sua Taurus de estimação.
— Sou eu — digo, erguendo os braços em sinal de rendição.
Quando Coal sai do torpor do sono e finalmente percebe quem está no
quarto, seu cenho franze, mas ele abaixa a arma e se levanta da cama.
Não preciso dizer mais nada. Ele sabe que, se estou aqui a essa hora, é
porque tenho um bom motivo para isso.
Só estive em seu novo apartamento duas vezes: quando ele se mudou e
quando Beth viajou para passar o Natal com a família. Nem preciso dizer que
me esforço ao máximo para não encontrar aquela patricinha de merda, que
adora enfiar falsos moralismos na cabeça do meu irmão.
Ele até finge que absorve alguma coisa que ela diz, mas o fato de ainda
manter o hábito de dormir com a arma embaixo do travesseiro prova que
Coal continua o mesmo de alguns anos atrás.
— O que vocês estão fazendo aqui? — pergunta assim que chegamos à
sala, cruzando os braços na frente do peito.
— Belo pijama. — Pisco para ele, que fecha ainda mais o rosto. Jett ri
do meu comentário e balança a cabeça.
— Foi um presente da…
— Beth, claro — termino sua frase.
É óbvio que meu irmão nunca teria escolhido algo tão ridículo por conta
própria. Um pijama azul marinho, quadriculado e de botões na frente não é o
padrão de moda dos irmãos Wilder.
— Se você me acordou para criticar minhas roupas, eu vou voltar pra
cama. — Coal não está de bom humor, isso é nítido.
— Não foi por isso que viemos aqui — Jett fala antes de mim. —
Precisamos conversar. Agora — ele enfatiza a última palavra.
— O que aconteceu? — quer saber, revezando o olhar entre mim e nosso
caçula.
— Troca de roupa e vamos sair. Te espero lá embaixo — digo, não
querendo ficar nesse apartamento perfeitinho, com cheiro de pot-pourri, por
mais um segundo sequer.
Faço menção de dar as costas para ele, mas Coal me impede, segurando-
me pelo braço.
— Da última vez que falei com você, eu só ouvi o seu grito e barulho de
carros derrapando. Se você veio até mim esperando que eu te ajude a se safar
de alguma encrenca, então…
— Então o que, seu merda? — pergunto, dando dois passos para frente e
ficando cara a cara com ele.
Somos idênticos: mesma altura, mesmo porte físico, mesmo desejo de
violência. Uma ameaça dele não significa nada para mim.
Apenas nos encaramos, testando qual vai ceder primeiro ou então partir
para cima.
— Puta que pariu, o dia de hoje já foi ruim o suficiente sem vocês dois
ficarem com essa briguinha idiota. — Jett se mete entre nós, afastando cada
um para um lado. — Sage, sai daqui. Coal, tira esse pijama ridículo e nos
encontre lá embaixo em um minuto. Temos muito o que conversar.
Capítulo 7
Sage
Coal olha para mim como se não acreditasse em nem uma única das
milhares de palavras que acabou de ouvir. “Acredite em mim, irmãozinho, eu
também estou do mesmo jeito”, quero dizer, mas resolvo ficar quieto e dar
mais um gole na minha cerveja.
— Máfia? — A pergunta sai de sua boca de forma incrédula. Jett e eu
apenas balançamos a cabeça.
— Temos um pai, Coal. Uma avó. E ela é uma força da natureza, tu tem
que ver! — Jett fala e posso sentir a animação em sua voz.
Viro-me para ele, meu cenho franzido e a boca entreaberta.
— Você está… feliz? — busco confirmação.
Não posso acreditar nisso.
— Ué, você não está? — O mais novo de nós me encara de volta, um
grande ponto de interrogação estampado em sua testa. Fico sem saber como
responder à pergunta, então, ele continua: — Precisei de um tempo para
colocar os pensamentos em ordem, mas, porra, Sage. Não sei se feliz é a
palavra certa para definir o que sinto agora, mas talvez empolgado se encaixe
melhor.
Meus olhos se arregalam, querendo saltar das órbitas com o impacto da
declaração.
Eu. Não. Posso. Acreditar. Nisso.
— Caralho, Jett! O que você tem nessa sua cabecinha? Um cérebro ou
um algodão doce?
— Vai se foder, Sage — ele rebate de imediato. — O seu problema,
irmão, é que você tá sempre com tanta raiva que não consegue ser racional.
Será que é tão difícil de entender que a oportunidade de nossas vidas acabou
de nos ser entregue de bandeja? — ele termina de fazer a pergunta e dá um
longo gole na cerveja.
Enquanto isso, fico sem resposta. O sangue ferve dentro de mim e
preciso me controlar para não bater sua cabeça no tampo da mesa.
— Eu detesto dizer isso — Coal fala —, mas estou do lado de Sage
aqui.
Em vez de responder, Jett solta uma risada alta.
— Por que você está rindo, caçulinha? — questiono, ainda me
controlando para não agredi-lo.
— Porque vocês dois são burros demais pro seu próprio bem. — Jett se
endireita no banco acolchoado do pub inglês, o único que estava aberto a
essa hora.
— Eu vou te dar o benefício da dúvida e deixar que você se explique,
Jett. — Coal o encara e posso sentir seu desconforto daqui. — Por que acha
que ter um pai na máfia pode ser bom para nós?
Pelo menos, não estou sozinho nessa.
— O que você faz da vida, Sage? — Jett direciona a pergunta a mim.
— Você sabe muito bem o que eu faço. Inclusive “trabalha” comigo. —
Faço o sinal das aspas com os dedos.
— Tá, eu sei. Mesmo assim, responda à pergunta — ele pede.
Fecho os olhos e respiro fundo. Minhas mãos se fecham em punho e juro
que tudo que eu queria neste momento era mostrar para ele exatamente o que
se passa dentro da minha cabeça.
— Eu roubo carros e, ocasionalmente, casas. — Cedo à sua vontade.
— Ou seja, você é um criminoso de merda. — Jett sorri para mim como
se tivesse acabado de dar o xeque-mate.
Foda-se ele.
— Sim, e você também — apresso-me em dizer, não querendo levar a
fama sozinho.
— Nunca disse o contrário. — Jett dá mais um gole na cerveja,
terminando com o conteúdo do copo. — E você, Coal? O que você faz da
vida?
— Sou corretor de imóveis. — Sei que a resposta de Coal sai a
contragosto. Assim como eu, ele também não está entendendo aonde Jett quer
chegar com essas perguntas idiotas.
— Então, por que você dorme com Joana embaixo do travesseiro? —
Jett faz a pergunta de um milhão de dólares e os ombros de Coal tombam na
mesma hora.
Sorrio.
Eu sei que o perfeitinho do Coal tem muita sujeira embaixo do tapete,
apesar de sempre vir com discursinhos moralistas.
— Você não precisa responder essa, Coal. Mas vocês dois têm que parar
de se fingir de vítima e aproveitar essa chance. Oportunidades assim não
aparecem a cada esquina.
— Estamos falando da máfia italiana, Jett — tento colocar um pouco de
razão na cabeça dele.
— Deixa de ser hipócrita. Você está roubando carros para Mikhail, e
todo mundo sabe que ele é da Bratva — Jett diz.
Dou de ombros.
— Não é como se eu estivesse trabalhando para eles. Sou autônomo. —
Olho para o barman atrás do balcão e levanto o copo vazio, indicando para
que ele traga mais uma rodada até nossa mesa.
— Eu não sei, Jett… — Coal comenta, tamborilando os dedos na mesa,
deixando claro que está tão apreensivo quanto eu.
— Sabe sim. Vocês dois só estão com medo.
Levanto meu olhar para ele. Coal faz o mesmo.
— Medo? Eu não tenho medo de ninguém, seu merda. — Não consigo
controlar minhas palavras, que saem em um tom grave e ameaçador.
— Não estou falando que você tem medo de alguém, irmão. Estou
dizendo que você tem medo de gostar demais do que acontece lá dentro. —
Jett pisca para mim na mesma hora em que o homem traz nossas cervejas.
— Mas seremos parte de uma família, Jett — Coal interrompe.
— Finalmente seremos parte de uma família. Você vai adorar a nonna,
Coal. A velha é uma figura. — Ele ri.
Não consigo acreditar que Jett esteja realmente considerando isso. Além
de não sabermos nada sobre Don Marco Rossi e sua família, também não
sabemos nada em relação ao que fazem.
Eu posso ser um criminoso de merda, como meu próprio irmão disse,
mas não sei se quero descobrir como funciona uma organização como essa.
Todo mundo já ouviu histórias. Tortura, extorsão, estupros…
Engulo em seco, analisando com cuidado as pequenas bolhas que sobem
pelo líquido amarelo, juntando-se em um colarinho perfeito na borda do
copo. Não sei o que pensar. Muito menos o que sentir.
A vida era fácil até algumas horas atrás. Como foi que tudo virou de
cabeça para baixo em tão pouco tempo?
— Como ele é? — Coal interrompe meus pensamentos.
— Ele quem? — pergunto.
— Nosso pai. — Sua voz sai mais baixa que o normal, como se tivesse
vergonha do que está dizendo.
— Igual a gente. Igual, Coal. Sério. Coloca trinta anos e você vê a
imagem de Marco Rossi — Jett explica e o outro faz que sim com a cabeça.
— Fora que o cara exala poder. Quando entra numa sala, todo mundo se cala.
Não por medo, mas por respeito.
Escuto a admiração em cada palavra que sai da boca de Jett e só consigo
balançar a cabeça negativamente.
Sério que ele já está todo apaixonadinho pelo papai querido? O cara
não esteve presente nas nossas vidas durante vinte e um anos. Como é
possível que Jett esteja fazendo planos de recuperar o tempo perdido?
É difícil saber se o que ele e nonna falaram é verdade, sobre minha mãe
ter fugido. Faz sentido, claro. Mas se tem uma coisa que eu aprendi nessa
vida é que toda moeda tem dois lados.
Escuto Jett narrar tudo o que aconteceu de novo. Desde que fomos pegos
na porta do bar até o que nonna disse naquela sala de jantar. Coal fica
calado, escutando a história pela segunda vez, como se quisesse absorver
cada detalhe. Enquanto isso, me perco em meus pensamentos, tentando
enxergar uma solução melhor para toda essa merda que está acontecendo.
— Rapazes, o bar vai fechar em cinco minutos — o barman avisa,
rompendo minha concentração.
— Tranquilo — Coal diz, pegando a carteira e colocando uma nota de
cinquenta sobre a mesa. — Precisamos ir de qualquer jeito.
— Pra onde nós vamos? — quero saber.
— Quero conhecer meu pai e saber o que ele tem em mente para nós três
— Coal declara, fazendo com que eu arregale os olhos com o susto.
— Agora você tá do lado de Jett, filho da puta? — pergunto, incrédulo.
Logo quando eu tinha começado a me acalmar…
— Eu não estou do lado de ninguém, Sage. Mas sou homem o suficiente
para tomar minhas decisões sozinho. Para isso, quero ouvir da boca do velho
o que ele tem a oferecer. Você seria um idiota se não fizesse o mesmo.
Uma hora depois, estamos novamente parados na frente do enorme
portão de ferro preto. Assim como da outra vez, ele se abre sem que
precisemos anunciar nossa chegada. Pelo visto, essa casa é mais monitorada
do que eu pensei.
Não sei por que, mas meu coração acelera dentro do meu peito, batendo
descompassado. A vontade que sinto no momento é de me agachar atrás de
uma das moitas bem aparadas do jardim e vomitar toda a cerveja que consumi
antes de chegar aqui. Não que eu vá admitir isso a alguém.
Nossas passadas são longas e rápidas. Caminhamos um ao lado do outro
até a entrada da casa. Da última vez, Carlo usou a aldrava para anunciar
nossa presença. Mas agora não foi preciso fazer um movimento sequer. Antes
mesmo de chegarmos à porta, ela se abre, revelando um homem que eu não
conheço.
— Vou avisar a Don Rossi que vocês estão aqui — ele diz, sem dar mais
explicações. Porém, antes de se retirar, deixa o olhar cair sobre mim, e posso
jurar que esse cara me odeia antes mesmo de me conhecer.
Foda-se ele. Não estou tentando concorrer ao cargo de Mister Simpatia
da máfia.
Ele se vira de costas e caminha para dentro da casa, deixando a porta
aberta para que entremos.
O primeiro passo é meu. Foda-se qualquer receio.
Escuto meus irmãos me seguindo e me viro para Coal.
— Alguma chance de você ter trazido Joana? — pergunto para ele, que
apenas balança a cabeça negativamente. — Merda.
— Você acha que vamos precisar?
— Não sei, mas é sempre bom estar prevenido. As coisas aqui dentro
são um pouco… diferentes.
— Nunca pensei que você fosse do tipo dramático, Sage — Jett diz, com
um sorriso no rosto.
— E eu nunca pensei que fosse fosse do tipo romântico, caçulinha —
rebato, cruzando os braços na frente do corpo.
Antes que qualquer um de nós possa dizer mais alguma coisa, escuto
passos vindos do corredor à minha esquerda. Instintivamente, viro-me para
ver quem é. Lá está ele: Don Marco Rossi, chefe da máfia italiana na cidade
e pai do ano de acordo com a revista Vai Tomar no Cu.
— Benvenuti, figli miei![15] — ele diz, abrindo os braços quando nos
vê. — Vince, pode ir agora.
— Don, eu não acho que…
— Você não tem que achar nada, ragazzo. Quem acha alguma coisa nesta
casa sou eu.
— Si, segnori. Scusa[16], Don Rossi. — O tal de Vince abaixa a cabeça
e sai da sala, não sem antes me lançar um olhar de puro ódio.
Jogo um beijinho para ele, que faz um sinal obsceno com o dedo do
meio. Finjo que estou chocado, o que o deixa ainda mais puto. Quero
gargalhar e dizer que ele é um bundão, mas me controlo.
— Você deve ser Coal — o patriarca diz, olhando para o único filho que
ainda não conhecia.
Não sei se fico feliz ou espantado de ele conseguir nos diferenciar, mas
então me lembro que eu e Jett ainda estamos usando as mesmas roupas de
antes.
— Sim, senhor — Coal responde da forma mais ridícula e submissa que
já vi em minha vida. Reviro os olhos e solto o ar pela boca.
— Algum problema, Sage? — Don Rossi pergunta.
— Mais de um, confesso. — Ele me encara com humor depois da minha
resposta cândida.
— E você, Jett? Algum problema? — dirige à pergunta a meu irmão, que
está parado à minha esquerda.
— Não. Comigo está tudo bem.
— Perfetto. Parliamo nel mio ufficio[17]. — Às vezes acho que esse
cara fala em italiano para mostrar sua superioridade. Ou então é só um
babaca mesmo.
— Desculpa, mas aqui ninguém fala a sua língua. — Deixo as palavras
saírem com mais desprezo que eu intencionava, mas agora é tarde para voltar
atrás. E não estou a fim de pedir desculpas.
Don Rossi me encara, o humor dançando em seus olhos verdes, iguais
aos nossos.
— Ainda, figlio mio. Você ainda não fala a nossa língua. — Ele dá as
costas e começa a caminhar. Não sei para onde está indo, mas sei que
devemos segui-lo.
Assim como todos os outros homens que vi aqui dentro, se estamos em
sua casa, devemos seguir o Don.
Nunca fui do tipo que repara na decoração dos lugares. Quando eu entro,
geralmente penso no que ali dentro tem algum valor bom de revenda. Ossos
do ofício, creio eu. Só que esta mansão é mais simples do que todas as outras
casas que invadi.
As paredes do corredor são de madeira. Nelas, quadros pintados a óleo
parecem contar uma história: a da família Rossi. Do lado esquerdo, uma fila
de homens bem vestidos. À direita, mulheres bonitas e com os cabelos
penteados.
Nenhum rosto me é familiar, e isso me incomoda mais do que eu gostaria
de admitir. Mas logo o corredor chega ao fim e Don Rossi abre a última
porta, revelando um escritório amplo, mas abarrotado de tantos livros.
A mesa está posicionada na parede de frente à porta, de costas para uma
enorme janela, coberta por cortinas de veludo vermelho. Isso aqui tem cara
de mafioso. É a primeira parte da casa que está devidamente estereotipada.
À minha esquerda, diversas poltronas estão distribuídas em círculo,
amparadas por uma mesinha de centro.
— Per favore — nosso anfitrião diz, apontado para as poltronas de
couro escuro. Ele toma seu lugar primeiro, desabotoando o paletó, e então o
seguimos. — Charuto? — pergunta e eu me controlo para não rir.
Aí está! Era só disso que eu precisava.
— Não, obrigado — Coal responde. — Na verdade, o que eu quero são
algumas explicações.
— Ah, direto ao ponto, eu vejo — Don Rossi fala e termina de acender
seu charuto. Em seguida, se recosta na cadeira e nos encara. — Perguntem o
que quiserem.
Deixo que meus irmãos guiem o interrogatório. Para ser sincero, ainda
não sei o que quero saber. Nem se quero saber alguma coisa. Foram eles que
decidiram vir até aqui.
— Então, o senhor é nosso pai. E, pelo jeito que te chamam de Don, é o
chefe da máfia italiana nesta cidade — Coal joga a pergunta de uma vez,
fazendo com que o homem solte uma risada.
— Já percebi que você é do tipo que não brinca com as palavras. Eu
aprecio isso. — Dá um trago no charuto, soltando a fumaça perfumada para o
alto. — Sim, eu sou o pai de vocês. E não, eu não sou o chefe da máfia. Não
usamos essa palavra. Sou o chefe desta família.
— Se tem nariz de porco, rabo de porco e faz oinc-oinc como a porra de
um porco, então é um porco — digo, olhando para ele com seriedade.
— Vocês conhecem a história da máfia? — Don Rossi pergunta,
ignorando meu comentário. Com nossa ausência de respostas, ele continua: —
Tudo começou na época medieval, a partir de algumas famílias que
trabalhavam com a agricultura local. Elas eram exploradas constantemente
pelos senhores feudais e estavam cansadas disso. Produziam, mas não
ficavam com o lucro. — O tom que Don Rossi usa para narrar é tranquilo,
como se já tivesse contado esta mesma história centenas de vezes. Mesmo
assim, é impossível não prestar atenção em cada palavra que sai de sua boca.
— O que aconteceu? — Jett pergunta, curioso como sempre.
— Elas decidiram se unir e combinaram um esquema de proteção mútua.
Camponeses se juntavam a eles, querendo estar sob seu leque e longe do
poder dos senhores feudais. Se você quisesse proteção, tinha que recorrer à
máfia — ele enfatiza a última palavra.
— Então, não há crime nenhum envolvido? — pergunto, sabendo muito
bem que este não é o caso.
O homem se inclina para frente, como se quisesse fechar a distância
entre nós.
— Tudo na vida tem um preço, Sage. Se você quer dormir em paz, tem
que pagar caro por isso. Se você quer portas abertas, tem que pagar caro por
isso. Se você quer os melhores locais para abrir seu negócio, tem que pagar
caro por isso. Se você quer ter acesso ao porto, tem que pagar caro por isso.
Se você quer se livrar de alguém que está fazendo mal à sua família, tem que
pagar muito, mas muito caro por isso. — Seus olhos não desviam dos meus
por um segundo sequer. — Não somos mais perigosos do que qualquer um
desses políticos corruptos que mandam e desmandam no país, tenha certeza
disso. Porém, a palavra de um homem é o que mais importa para nós. Se ele
não tem honra para cumprir com sua palavra, as consequências não são
agradáveis.
Fico calado. Na verdade, não faço a menor ideia do que dizer agora.
Inclusive, não posso mentir e dizer que ele está errado — e isso me pega de
surpresa. Neste mundo, influência é tudo.
Pela primeira vez na vida, algo faz total sentido para mim, e entendo que
a minha falta de palavras apenas significa que eu concordo com tudo que ele
acabou de dizer.
Don Rossi desvia o olhar, revezando-o entre cada um de nós. Ele volta a
se recostar na cadeira e espera uma reação mais vocal de nossa parte.
— E o que o senhor espera que façamos? — Coal pergunta, quebrando o
silêncio que havia se instalado na sala após a declaração que ouvimos.
— Que se juntem a nós, obviamente. Vocês são meus filhos e, se
tivessem sido criados comigo, já teriam uma dessas tatuada em seu peito
esquerdo. — Ele puxa a manga do paletó e desabotoa o punho da camisa
branca que usa. Em seguida, mostra o dorso da mão direita para nós.
Nele, há uma tatuagem: uma letra R no meio, uma rosa à esquerda e uma
pistola à direita. Todos os três elementos com seus traços conectados.
— O que isto significa? — dessa vez, é Jett quem quer saber.
— Cada membro da nossa família tem uma tatuagem igual a essa. Ou
várias, como eu — ele volta a explicar, usando o mesmo tom de antes. —
Cada lugar em que ela é marcada significa o posto que ocupa. Eu tenho uma
no pescoço, no lado direito, de Soldatto[18]. No peito, em cima do coração,
de Capo. No dorso da mão esquerda, de Don. Nossas mulheres também
podem carregar o mesmo símbolo. Isso acontece quando elas recebem cargos,
como o de matrona ou quando se provam merecedoras. As delas são nas
costas, na omoplata direita.
— Jett, Sage — Coal chama nossos nomes e nos viramos para ele. —
Vocês poderiam me dar um minuto a sós com Don Rossi? — ele diz, nos
pegando de surpresa.
Encaro meu irmão à procura de alguma indicação do que se passa em
sua mente, mas Coal sempre foi muito bom em manter seu semblante neutro.
Olho para Jett, que parece tão confuso quanto eu.
— Tudo bem — aceito seu pedido e começo a me levantar.
— O café será servido daqui a pouco. Se vocês forem para cozinha, a
nonna irá cuidar para que vocês tenham algo para comer — Don Rossi diz e
eu faço que sim com a cabeça.
Olho para o relógio na parede, que marca sete horas da manhã.
Há quanto tempo estamos aqui?
Capítulo 8
Mia
Descobri, ainda quando criança, que acordar com a casa cheirando a
brioches recheados de geleia de morango é sinal de que o papà está nervoso.
Por isso, quando o aroma invade minhas narinas tão logo abro os olhos,
desperto em um pulo. Se papai está assim, com certeza tem algo a ver com
meu futuro e os recém-chegados à família.
Visto-me rapidamente e vou para cozinha ajudar mamãe. Papai, Enrico e
Lorenzo já estão sentados à mesa, terminando seus desjejuns. O balcão tem
um número bem maior de travessas de brioches que o normal.
— Bom dia. — Caminho até papai e dou um beijo em sua bochecha.
Repito o gesto com minha mãe, que está lavando alguns pratos. — Para que
tantos brioches? — pergunto à mamma.
— Para o café da manhã na casa de Don Rossi. — É Lorenzo quem me
responde, levantado-se da mesa. Só então olho o relógio e vejo que ainda não
são nem seis e meia. — Aliás, estou indo. Não quero que a nonna ralhe
comigo por atrasar o café.
Quero perguntar se há algum motivo especial para o café da manhã na
casa de Don Marco, mas papai continua com a cabeça enfiada no jornal e
mamãe lidando com a sujeira da cozinha e meus irmãos.
— Vou com você — digo rapidamente. — Talvez a nonna precise de
ajuda.
— Não — Papà responde seco. — Você tem aula hoje, bambina.
— Só começa às nove, papà. Posso ajudar a nonna e depois ir — digo,
sorrindo e com a voz calma.
— Va bene! — Papai abaixa o jornal e olha para mamãe, que gesticula
com a cabeça em afirmação. — Enrico, vá com sua irmã e assegure-se de que
ela não se atrase para a aula. Vocês levam a comida e Lorenzo vai depois
comigo. Antes, preciso conversar com uns amigos russos. — Meu irmão mais
velho acena em concordância e Lorenzo anima-se por poder acompanhar
papà em seja lá que negócios ele tem a tratar com os russos. — E não
esqueça do que conversamos hoje cedo: não quero nenhum cabinotto
aproximando-se do meu tesoro. — Papai sorri e sorrio de volta. — Agora,
andiamo tutti. Nonna não gosta de atrasos para o café.
Saio da cozinha carregando duas travessas enquanto Enrico carrega
outras duas. Penso na ordem que papai deu a Enrico de não deixar os novatos
se aproximarem de mim. Não é hora de discordar dele. Muito menos de dizer
que quero que um dos novatos, especificamente aquele que me foi prometido,
não só se aproxime, como coloque as mãos em mim — em partes que, se
papà imaginar que estão em meu pensamento, serei mandada para um
convento na Itália.
Seguimos em silêncio até a garagem. Acomodo as travessas no banco de
trás e sento-me no lado do carona. Assim que Enrico entra no carro, disparo:
— O papà está pensando em desistir do meu casamento?
— Mia! — Enrico me repreende. — Isso não é assunto para você. Sabe
que não fazemos perguntas. O que você precisar saber, a mamma vai lhe
contar.
Calo-me por um tempo. Eu sei disso. Cresci sem fazer perguntas e
sabendo apenas o que me contavam. Nunca fui uma criança bisbilhoteira; pelo
contrário, sempre segui as regras e tive um comportamento exemplar. Sou
discreta, observadora e não questiono as decisões dos meus pais. Só que,
agora, tudo é diferente; agora, estamos falando do meu futuro — um que eu
aceitei quieta, mas que não vou perder calada.
Também aprendi outra coisa com as mulheres da família: segredos são
uma boa moeda de troca. E podem valer exatamente o quanto você quer que
eles valham.
— Você sabe que eu sei, né? — falo para meu irmão, olhando pela
janela, distraída com a paisagem, como se não quisesse absolutamente nada.
— Sabe o que, Mia? — Enrico pergunta com voz mansa.
— Sobre os seus encontros noturnos… — Viro o rosto para olhá-lo e
noto seu pomo-de-adão subir e descer em seco. — Com os seus…
— Basta, ragazza! — ele grita, me impedindo de continuar a falar. — O
que você quer, Mia?
— Só quero que o acordo seja mantido. — Dou de ombros. — Sei que
você consegue convencer o papà e…
— Já entendi — Enrico me interrompe novamente. — Vou dar um jeito
nisso e você fica de bico fechado.
— Obrigada. — Sorrio para o meu irmão.
Termino de colocar os últimos pães na mesa quando Sage e Jett entram
na sala de jantar. Ambos estão com a mesma roupa da noite anterior e
parecem bem mais cansados do que da última vez que os vi. Mesmo assim,
não consigo parar de olhar para eles. Principalmente Sage. É como se uma
linha invisível me puxasse. Ou talvez sejam as tatuagens visíveis pela gola da
camisa esgarçada.
— Bom dia — Jett me cumprimenta, acenando com a cabeça. — Você
também mora aqui?
— Que isso, irmãozinho. — Sage ri. — Ela é da “família”. — Faz um
gesto de aspas no ar quando fala a última palavra.
— Deixa de ser idiota, Sage. Só estou puxando conversa com alguém da
nossa idade. — Ele caminha em minha direção e estende a mão. — Sou o Jett
e aquele é meu irmão seis minutos mais velho, Sage.
Sage apenas acena com a cabeça enquanto se senta à mesa. Dessa vez,
porém, ele não toma o lugar na cabeceira e sim em qualquer um dos lugares
do meio.
— Sou Mia. — Seguro a mão de Jett e a aperto. — Não moro aqui. Vim
apenas ajudar a nonna.
— Ela também é sua avó? — Jett tem um olhar pacífico, diferente do
irmão, e parece realmente interessado.
— Não. Não de verdade, mas ela é a nonna de toda a nossa família —
tento explicar.
— Você quer dizer que ela é a avó de toda a máfia italiana? — Sage, que
mastiga de boca aberta um dos brioches feitos pela mamma, pergunta.
— Não nos chamamos assim, somos uma família. — Eu o encaro, mas
ele nem me olha enquanto respondo à pergunta.
— E você não se importa com isso? — É Jett quem me questiona
novamente.
— Nem um pouco. — Dou de ombros. — É bom ter pessoas que se
preocupam e cuidam de você.
— Mesmo que essas pessoas sejam criminosas? — Sage se mete na
conversa de novo.
Antes que eu possa responder, papà entra na sala de jantar, acabando
com a nossa interação.
Não imaginei que sua conversa com os russos fosse acabar tão cedo. Ou
talvez ele tenha mudado de ideia e vindo para cá primeiro.
— Para quem rouba carros e casas para máfia russa, você parece muito
moralista, ragazzo.
— Tem toda a razão. — Sage ri. — Mas prefiro ser autônomo em vez de
ter uma “família”. — Mais uma vez, ele faz o sinal de aspas.
Será que não entende que, toda vez que faz isso, está desrespeitando
algo que foi construído ao longo de séculos?
Por sorte, antes que a conversa esquente, Don Marco entra com o
terceiro irmão e, ao contrário do mais novo, que é bem simpático, Coal tem a
mesma chama acessa nos olhos que Sage, mas de um jeito diferente. Parece
que ele é capaz de controlar sua raiva melhor que o mais velho.
Há anos escuto os nomes deles. Há anos crio imagens completamente
diferentes em minha mente. Confesso que nenhuma das minhas fantasias se
comparam à realidade — em todos os sentidos.
Fico observando os três interagindo à mesa e a forma como cada um se
comporta. Jett é mais calmo, Coal é controlado e Sage é totalmente selvagem.
De repente, uma imagem minha nua montada em Sage invade a minha mente.
Nossos corpos estariam suados, Sage me seguraria pela cintura com força,
sem se preocupar se as marcas de seus dedos ficariam na minha pele por
dias. Minhas bochechas ficam coradas e sinto um incômodo forte entre as
pernas. Mas antes que eu possa disfarçar e espantar os pensamentos, vejo
Vince me olhando. Seus olhos carregam uma maldade que eu ainda não tinha
visto ali.
— Então, priminho… — ele encara Sage do outro lado da mesa —, já
conheceu a Mia, sua noiva?
— Minha o quê?! — Sage cospe o café que estava na boca em cima da
mesa e me encara. Pela primeira vez, ele me enxerga.
Capítulo 9
Sage
Eu devo ter ouvido errado. Ou então aquele filhote de mafioso, que
nitidamente não vai com a minha cara, quer despertar alguma reação minha.
Por isso, depois do choque — e de ter cuspido café nas pessoas que
estão mais perto de mim —, apenas começo a rir. Obviamente, isso tudo é
uma grande piada.
Descobri a existência dessa família ontem. Como posso estar noivo?
Olho ao redor e vejo que as expressões dos demais presentes não
parecem em nada com a minha. Pelo contrário, todos estão bastante ansiosos.
— Basta, Vince! — Giovanni diz, erguendo-se da cadeira e olhando
para o mini Corleone de forma irada. Isso faz com que eu ria ainda mais.
O olhar dele reveza entre mim e a tal de Mia. É então que gasto um
minuto do meu tempo e viro-me para ela. É a mesma com quem Jett estava
conversando na sala. Inclusive, meu irmão parecia simpático demais.
— Olha, não me leve a mal — digo, tentando manter meu bom-humor
intacto —, você até seria bonitinha se não fosse por essa roupa de quem está
indo passar as férias no convento. — Ela arfa com o meu comentário.
A menina — porque é exatamente isso o que ela é, uma menina — está
usando uma blusinha branca, cheia de rendas e botões, e seus cabelos estão
presos em um rabo de cavalo. Não há um pingo de maquiagem, ou malícia,
em seu rosto. Mas é o olhar dela de cachorrinho que acabou de cair do
caminhão da mudança que me faz ter certeza de que essa tal de Mia não passa
de uma virgem, filhinha de papai, que não faz ideia de como se comportar
entre quatro paredes.
Santa na rua e puta na cama não é o que eu espero ao olhar para ela,
encarando seus olhos claros, que parecem mais assustados do que se
estivesse andando na rua, sozinha, às três da manhã. Definitivamente, não é o
tipo que escolheria para passar a noite.
Gosto das minhas mulheres mais experientes, que sabem o que querem e
não vão se apaixonar depois de um orgasmo.
— Sage… — Jett me repreende, mas ainda não acabei de falar o que
penso.
— É sério. — Dou um gole no café recém-passado, sentindo o gosto
amargo descer por minha garganta seca. — Não tô dizendo que você é feia.
Longe disso. Você tem esses olhos bonitos e essa boca grande, perfeita para
chupar o meu…
Antes que eu consiga terminar a frase, todos os homens da família
apontam suas armas para mim. Jett e Coal se levantam também, assustados
com a reação dos demais.
— Papà! — Mia grita, levantando-se bruscamente e derrubando sua
xícara de café na toalha de mesa.
— Cazzo! — Don Rossi grita, batendo as duas mãos na mesa. Só que,
desta vez, ninguém faz menção de se mexer.
— Isso já está ficando cansativo — comento, nem um pouco ameaçado
pelo número de pistolas mirando a minha cabeça. Já entendi como esses
homens funcionam e duvido muito que qualquer um deles irá realmente atirar.
Faço um sinal para que meus irmãos voltem a se sentar, e eles me obedecem.
— Sério, para quem se intitula apenas como uma “família” — faço o sinal
das aspas com os dedos —, vocês têm muitas tendências mafiosas. Comi uma
psicóloga que pode fazer milagres com famílias disfuncionais como esta.
O melhor de tudo é o modo como essas pessoas me encaram. À mesa,
encontram-se não apenas eu e meus irmãos, mas também Don Rossi,
Giovanni, Vince e mais três que eu não conheço. As únicas mulheres
presentes são nonna, a futura freira e aquela outra que estava ao meu lado
ontem, de quem peguei a taça de vinho.
Todos me encaram como se não tivessem acreditado nas palavras que
saíram de minha boca. Fodam-se todos eles. Não devo nada a ninguém que
está aqui.
— Don Marco — é Giovanni quem diz —, perdoe-me pelo que vou
dizer, mas seu filho merece uma lição. Ele não pode desrespeitar minha
bambina desse jeito e sair impune.
Os outros homens começam a falar e troco olhares com meus irmãos,
ignorando todos os sons na sala. Em vez de me preocupar com uma resposta,
termino o café que está em minha xícara e pego o maço de cigarros no bolso.
Todos estão decidindo o que fazer comigo, mas eu não me importo. Na
verdade, não me importo com nada neste momento.
Assim que acendo o cigarro, encaro a mulher que gerou tanta comoção.
Ela está sentada novamente, porém à beira de lágrimas, olhando para mim
como se eu fosse sua maior decepção.
Dou um trago longo e solto a fumaça em sua direção, oferecendo a ela
meu melhor sorriso torto.
— Sabe qual é o seu problema, Sage? — Nonna está em pé ao meu lado,
sussurrando em meu ouvido. Pelo visto, ela percebeu que nada do que
acontece aqui dentro tem relevância para mim.
— Qual é meu problema, nonna? — pergunto, virando-me para encarar
a pequena senhora.
Ela tira o cigarro da minha mão e o apaga no meu brioche. Solto uma
risada. Essa velhinha é demais.
— Você acha que o mundo começa e termina com você, sem se importar
minimamente com os sentimentos alheios. — Suas palavras são fortes, apesar
do tom manso que usa para pronunciá-las.
— Além de mim, nonna, só tem duas pessoas no mundo com quem eu me
importo, e eles estão sentados ao meu lado neste momento. — Indico Coal e
Jett com o dedo. — Eles foram os únicos que estiveram comigo ao longo de
toda a minha existência.
— Ah, ragazzo… — Ela dá dois tapinhas no meu rosto. — Um dia,
você ainda vai entender as coisas e se arrepender da sporcizia[19] que fala.
— Sage — Don Rossi me chama —, venha até meu escritório. Agora. —
Desvio meu olhar de nonna para encarar aquele que se intitula meu pai.
Todos os sons se cessam. O poder que esse homem emana vai muito
além de qualquer coisa que eu já tenha visto nesta vida. Fico me perguntando
o porquê dessa reação e imagino todas as informações que ele deve ter sobre
as pessoas aqui presentes. Não é possível ser apenas respeito. Ninguém age
dessa forma apenas por consideração ao patriarca.
Ergo-me da cadeira e vou até ele. Por mais que eu não o respeite da
mesma forma que os demais, estou curioso para ouvir a bronca do papai.
Com um sorriso debochado no rosto, pego mais um cigarro do maço e o
acendo. Nonna resmunga alguma coisa e eu dou um beijo no topo de sua
cabeça.
Por mais que as armas já estejam abaixadas — provavelmente por conta
do discurso que Don Rossi fez enquanto eu viajava em pensamentos —, todos
continuam me olhando de forma estranha.
Eu não sei por que, mas antes de eu dar um passo, olho para Mia. Ela me
encara com um misto de medo e surpresa. Jogo um beijo para ela e dou uma
piscadinha, apenas para sair da sala de jantar.
Sem que eu tenha que dizer qualquer coisa, meus irmãos me seguem.
— Don Marco disse que queria falar com Luisinho, não com os Zezinho
e Huguinho também — Vince debocha.
Paro de andar e olho para Coal. Em seguida, para Jett.
Em sincronia, nos viramos para o moleque mimado. Dou um trago no
meu cigarro e deixo que um deles fale.
— Vocês se gabam desse conceito de família que têm aqui, mas não
entendem como a nossa funciona. — É Coal quem diz. Sua voz sai em um tom
baixo, que eu conheço muito bem. — Se um cai, todos caem juntos, levando
conosco o máximo que conseguimos para o inferno. Não precisa se preocupar
com a gente, bonitinho. Sabemos o que estamos fazendo.
A vontade que eu tenho é de rir, mas me contento com mais um trago.
Bando de idiotas metidos a mafiosos.
Voltamos a caminhar de volta para o escritório. Se eu tivesse ido à
escola ao invés de estudar em casa com a minha mãe, provavelmente esta
seria a sensação de estar andando para a sala do diretor depois de ter xingado
um aluno.

— Você precisa controlar essa sua boca, ragazzo — ele diz assim que
fechamos a porta e entramos mais uma vez em seu escritório.
— Antes de você começar com o sermão, tenho uma pergunta — aviso,
encostando-me na parede. Ele revira os olhos e respira fundo, como se
estivesse fazendo força para se controlar, e indica para que eu fale. — É Don
Marco ou Don Rossi? Estou perdido — confesso.
Na mesma hora, vejo os lábios do homem se contorcerem. Sei que ele
está querendo rir, mas não pode. Deve ser difícil ser um Don…
— Don Marco — responde finalmente.
— Porra, tava te chamando errado esse tempo todo.
— Mas você não precisa me chamar assim, Sage. Nenhum de vocês
precisa. Posso ser apenas… papà. — Sinto a apreensão em sua voz. Ou
talvez a vulnerabilidade, não tenho certeza.
Não consigo conter o sorriso.
— Se um dia eu te chamar de papà, é porque você vai ter merecido, Don
Marco. — As palavras saem de forma ríspida e eu não desvio o olhar dele
por um segundo sequer. — Que nem os Soldattos que querem chegar a Capo.
Tem que merecer antes de ganhar a tatuagem.
De canto de olho, vejo Jett me encarar. Talvez ele esteja com medo, ou
quem sabe aliviado por eu ter dito aquilo que tem estado preso na nossa
garganta desde que falamos com o homem pela primeira vez.
— Posso respeitar isso — Don Marco diz, balançando a cabeça
afirmativamente. — Mas, agora, temos um assunto muito importante para
tratar. — Ele gesticula para que nos sentemos novamente.
Assim que tomamos nossos lugares, uma batida na porta interrompe a
conversa.
— Entra. — Don Marco não parece surpreso com a intromissão. — Ah,
Giovanni, estava esperando por você. — Ele gesticula para a única poltrona
ainda vaga.
— Quero fazer parte desta conversa, amico mio[20] — o outro homem
fala e, em seguida, junta-se a nós.
— Molto bene… — Don Marco começa, mas Coal o interrompe.
— O que vocês querem? E, dessa vez, sejam diretos. Pensei que já
tivéssemos conversado tudo, mas acho que não foi bem assim. — Meu irmão
apoia os antebraços nas pernas e se inclina um pouco para frente.
— Exato — Jett concorda. — Tudo que eu tinha ouvido era que você
queria que tomássemos nosso lugar na família. Agora, escutamos essa de
Sage estar noivo. Só queremos a verdade, por favor.
Às vezes, eu odeio meus irmãos. Mas, em alguns momentos, sinto
vontade de dar um beijo na testa deles. Este é um deles.
Os dois homens parecem espantados com nossa postura. Eu não sei o
que eles esperavam de nós, mas, definitivamente, não estamos cumprindo com
o checklist italiano.
— Vocês desconhecem todas as nossas tradições. É por isso que estão
espantados — Don Marco diz. — Inclusive, Vince não deveria ter dito nada
sobre o noivado para vocês.
— As consequências disso já foram anunciadas, Don Marco —
Giovanni avisa e meu pai faz que sim com a cabeça.
Ah, pobre Vince… Vai ficar de castigo.
Mas é então que outro pensamento me vem à mente:
— Não era mentira? Uma brincadeira? — pergunto, olhando entre os
dois italianos.
— Não, Sage. Como eu disse, você não conhece nossos costumes —
meu pai comenta e pega um de seus charutos. — Giovanni aqui é meu
Consigliere[21]. Isso quer dizer que ele é o segundo no comando e meu braço
direito. O homem em quem eu confiaria minha vida cegamente — ele explica
e controlo a vontade de fazer alguma piada.
Pela primeira vez, me sinto apreensivo em relação a alguma coisa.
— Quando um Consigliere tem uma filha mulher, ela é designada ao
primogênito do Don. É uma forma de provar que um confia no outro
implicitamente — Giovanni elucida e eu o encaro.
— Aposto que agora você se arrepende de ser dois minutos mais velho
que eu — Coal diz ao meu lado.
Fecho os olhos.
Respiro fundo.
Não posso bater com a cabeça do meu irmão no tampo de vidro da mesa.
Passo alguns segundos em silêncio. Os segundos se tornam minutos.
Estou tentando absorver o impacto do que acabei de ouvir.
Eu… noivo? Da freira?
É ridículo demais para ser verdade.
— O único motivo para você estar vivo agora é justamente por não
conhecer nossos hábitos. Mas se você ofender minha filha mais uma vez,
figlio di puttana, não me responsabilizo pelas minhas ações — Giovanni
fala, olhando para mim como se quisesse me ver queimando em uma fogueira.
— Vai me matar, velhote? — desafio.
— Antes que você consiga terminar de rezar por sua alma, ragazzo.
Vou me levantar da poltrona para mostrar a ele exatamente o quão difícil
é me matar, quando Coal me segura pelo braço.
— Fica quieto, Sage. Só escuta — ele pede e eu me viro para encará-lo.
É muito fácil pedir calma quando não se está em um beco sem saída.
— Se isso acontecer de novo, Sage — Don Marco interrompe —, eu não
vou poder fazer nada para te proteger.
Pronto. Essa foi demais para mim. Caio na gargalhada.
Não sabia que italianos poderiam ser tão engraçados.
— Acho muito interessante essa dinâmica de vocês. Me diga, papà —
cuspo as palavras com o máximo de desdém que tenho em mim —, o que
você quer de nós? — refaço a pergunta de Sage.
Ele me encara por um momento.
— Eu já disse: quero que vocês se juntem à nossa família.
— Em todos os sentidos? — quero saber.
— Sim, em todos os sentidos.
— E o que vamos ganhar em troca? — pergunto, indo direto ao xis da
questão.
Don Marco me encara, mas sinto como se esta fosse a primeira vez que
ele estivesse realmente me vendo. Seus olhos verdes encaram minha alma,
analisando cada pedacinho podre dela. Mas em vez de me julgar, ele sorri.
Um sorriso pequeno, muito parecido com os meus.
— Honra. — É a única palavra que diz.
— Honra?
— Glória. Armas. Dinheiro. Treinamento. Uma vida e uma família. Se
isso não for suficiente para você, sinta-se à vontade para sair por aquela
porta e nunca mais voltar. — Don Marco se recosta na poltrona e fita minha
reação.
— E teremos que seguir com suas normas de conduta e… tradições? —
pergunto novamente.
— Exato.
— Isso quer dizer que eu vou me casar com a filha dele. — Desta vez,
não é uma pergunta.
Don Marco apenas balança a cabeça, confirmando minhas suspeitas.
— E o que eu vou ganhar com isso? — repito a pergunta, agora
direcionada a Giovanni.
Ele fica sem saber o que responder. Ou talvez não tenha entendido aonde
quero chegar.
— Minha filha é uma moça maravilhosa. Foi criada para ser a esposa
perfeita de um homem de família. Ela é fértil, dócil e com certeza vai te fazer
feliz — Giovanni começa a enumerar tudo que ele enxerga como qualidades
essenciais para uma mulher.
Em que século esse homem vive?
Solto uma risada involuntária e balanço a cabeça em negativa.
— Você não me entendeu, Giovanni. Estou pouco me fodendo se sua
filha é fértil ou dócil. — Ele arregala os olhos com a minha declaração. —
Não é isso que eu procuro em uma mulher para esquentar a minha cama. E
antes que você venha com esse papo de “não ofenda minha bambina” e
aponte uma arma para a minha cabeça, preciso deixar uma coisa bem clara:
não estou procurando uma esposa. Vou ter que abrir mão de outras mulheres.
O. Que. Eu. Ganho. Com. Isso? — digo as palavras pausadamente.
Para um mafioso, esse cara entende muito pouco de recompensas. Ou
talvez esteja apenas acostumado a ficar do outro lado da situação.
Giovanni engole em seco, provavelmente doido para fazer o que eu
disse e sacar a pistola. Mas estou cansado desse papinho furado. Se eu vou
ter que embarcar nessa vida, preciso ser altamente recompensado. Senão,
volto a trabalhar para os russos.
— São as nossas tradições, Sage. Você não pode ir contra elas —
Giovanni argumenta e olho para Don Marco, que permanece estoico em sua
poltrona.
Ele entende meu recado muito bem.
— Duzentos mil — fala, passando por cima do seu suposto braço
direito.
— Don Marco, me perdoe, mas é uma honra para ele se casar com Mia.
Ela é uma Messina, criada da melhor forma possível…
— Basta, Giovanni! — Don Marco interrompe seu Consigliere. —
Entendo o que você diz e concordo com você. Mas Sage está entrando nesta
vida agora. Para ele, nada disso faz sentido.
Olha só… Quem diria que papà poderia ser tão compreensivo?
— Trezentos. E antecipados — aviso. — Isso vale também para os meus
irmãos, caso vocês tenham outras moças dóceis e férteis à disposição.
O silêncio impera no escritório. Posso sentir o ódio emanar de
Giovanni, mas estou pouco me fodendo para ele.
Don Marco se levanta da poltrona e todos seguimos, como se fôssemos
metais atraídos pelo ímã que este homem é.
— Bem-vindo à família. Você se casa em duas semanas.
Capítulo 10
Mia
Sete anos de espera para ouvir que eu até seria ajeitadinha se me
vestisse como uma putana, que meus olhos são bonitos e que minha boca
parece boa para um boquete. Sete anos de espera, sonhos e fantasias para ele
só notar em mim o jeito como me visto, meus olhos e minha boca. A parte
sobre meus lábios veio de encontro aos pensamentos que antes me deixaram
ruborizada, e tenho que confessar que isso me fez pensar em como Sage é…
lá embaixo.
Posso ser virgem, estar esperando o príncipe encantado — que, neste
caso, parece mais o vilão da história — e nunca ter sequer beijado um
garoto, mas nada disso significa que sou inocente. Sou uma virgem bem
informada e estudei muito com os vários filmes que encontrava embaixo das
camas dos meus irmãos — mais especificamente os que eram escondidos por
Lorenzo, já que os do Enrico não tinham muito a me ensinar — e li todos os
livros proibidos da mamma, obviamente escondida. Talvez Sage se
surpreenda com o que tenho por baixo das roupas que ele diz que são de uma
freira.
O problema de Sage é que ele julga as coisas pela aparência. Não são
seus comentários que me incomodam. Sei que o farei engolir cada um deles
depois que nos casarmos. A forma impulsiva com que minha família reage a
esses comentários é que me causa cansaço.
Será que eles ainda não entenderam que esses três não têm a menor
noção de como são as coisas por aqui e que ficar apontando as pistolas para a
cabeça deles a toda hora está começando a transformar nossas refeições em
uma imitação clichê de O Poderoso Chefão, daquelas cenas em que muitos
mafiosos se encontram em uma cantina italiana? Por favor! Alguém tem que
dizer a essa família que isso está perdendo a graça. Ainda mais porque
nenhum de nós tem realmente uma cantina italiana. Nem lavanderia — outro
tipo de negócio que adoram dizer que é coisa da máfia.
Rapidamente, Don Marco se levanta e sai em direção ao escritório com
os três filhos. Papà sai para o outro lado com Vince e Enrico e, logo em
seguida, retorna sozinho, indo na direção de onde os outros estão.
— Papà — chamo-o assim que o vejo passar.
— Agora não, tesoro. — Ele faz um sinal com a mão para que eu nem
comece. — Vamos resolver essa bagunça agora mesmo. Se esse ingrato não
entrar nos eixos, não tem casamento.
Sem que eu possa dizer o que penso, meu pai segue seu caminho para
decidir meu futuro a portas fechadas. Corro em direção à porta do escritório
e grudo meu ouvido na madeira escura. Não consigo decifrar o que falam,
ouço apenas um burburinho. A voz de Don Marco se eleva e consigo ouvir o
nome de papai.
— Trezentos. E antecipados. Isso vale também para os meus irmãos,
caso vocês tenham outras moças dóceis e férteis à disposição. — Escuto
Sage dizer claramente.
Ele está exigindo pagamento para se casar comigo? Será que entendi
direito? Isso significa que o casamento será mantido. Não sei se ofendo-me
pelo pedido de dinheiro ou se comemoro o fato de que haverá um casamento.
Mas antes de decidir o que estou sentido, ouço as cadeiras sendo arrastadas
no chão e corro para a sala de jantar, sentando-me à mesa novamente. Não
demora mais do que dois minutos para que as portas do escritório se abram e
Don Marco anuncie sorridente:
— Teremos um casamento!
— Molte grazíe, Madonna[22]! — Nonna ergue os braços para os céus,
agradecendo à Virgem Maria.
Depois, caminha em direção ao filho e o abraça. Em seguida, faz o
mesmo com o neto e vem para me dar os parabéns. Ela segura em meus
ombros e dá um beijo em cada uma das minhas bochechas, sorrindo, e me
abraça. Também sorrio. Os homens cumprimentam Don Marco, papai e Sage,
que tem um sorriso debochado no rosto.
Não me preocupo.
Nem um pouco.
— Será que eu posso conhecer a minha noiva agora? — Sage parece ter
se cansado dos cumprimentos.
— Claro — papà responde. — Enrico acompanhará vocês enquanto
conversam no jardim.
— Coal, Jett — Sage chama. — Acompanhem a nossa babá. Vai que eu
tente pegar a mão dela e ele resolva explodir meus miolos.
— Sage! — Escuto Don Marco repreendê-lo enquanto ele caminha em
minha direção.
Seus olhos estão grudados nos meus. Não consigo desviar ou prestar
atenção em mais nada do que acontece na sala. Sinto as mãos se umedecerem,
assim como outras partes do meu corpo — algumas de nervoso e outras
porque o jeito como Sage se movimenta, a firmeza de seus passos, a chama de
raiva que vejo em seus olhos, o sorriso malicioso e, principalmente, a forma
como me encara me fazem ter sensações que só senti com minhas próprias
mãos. Quando chega na minha frente, faz menção de me segurar pelo braço,
mas, antes que sua mão encoste em minha pele, ele se vira pra trás e encara a
todos.
— Posso dar o braço à minha noiva? — Sinto o deboche em sua voz.
— Sim — papai responde, seco e contrariado.
— Valeu, sogrinho! — Ele volta o olhar para mim. — Vem, vamos tomar
um ar e conversar. — O braço de Sage enlaça a minha cintura. — Até que
você é bem gostosinha.
Finjo indignação, mas dou uma risada por dentro. Ele ainda não viu
nada.
Assim que saímos pela porta da casa, Sage tira a mão da minha cintura e
distancia seu corpo do meu.
— Qual o seu nome? —pergunta, tirando o maço de cigarro do bolso.
— Mia — respondo.
— Sou o Sage.
— Eu sei — digo, usando o mesmo deboche. — Escuto seu nome desde
que nasci. O seu e de seus irmãos. — Sento-me em um dos bancos do jardim,
de costas para a casa. Não quero ver os olhares atentos nas janelas.
— Sério? — Ele ri. — Que merda deve ser isso. — Sage se senta ao
meu lado e posso sentir o calor irradiar de seu corpo.
— Foi mais merda para vocês, que não puderam crescer como eu cresci.
— Encaro-o. — Com todo o carinho, amor, cuidado e proteção, sendo
educados da melhor forma, entendendo a importância da família e das
tradições…
— Pode parar, sua freirinha mafiosa. Não tô aqui para ouvir sermão. —
Ele me encara de volta. — Minha mãe deu a mim e meus irmãos todas essas
coisas. Ela nos protegeu a vida inteira.
— De nós? — pergunto, indignada. Vejo a raiva que aumenta em seus
olhos. Respiro fundo. — Desculpe. — Abaixo a cabeça. — Não quero irritá-
lo. — Volto a encará-lo, agora com um sorriso dócil no rosto. — Nós vamos
nos casar em breve e quero que você saiba que serei leal e fiel a você em
primeiro lugar, antes da família, inclusive.
— É sério isso? — Ele ri. — Quer dizer que, além de ganhar uma grana,
ainda vou ter uma mulher que vai me colocar em primeiro lugar? Tô
começando a ver vantagens nisso.
Sage dá dois tapas em minha coxa, não fortes ou com outras intenções,
mas o simples toque de sua mão em minha pele, mesmo que por cima do
tecido da saia longa que uso, faz com que meu corpo reaja, ruborescendo
minhas bochechas. Tento manter o foco.
— As mulheres na nossa família são assim. — Sorrio mais ainda. —
Também cuidarei de ocultar todas as suas armas, levar as mensagens que
você precisar enviar, garantir a sua reputação e incentivar você a sempre
manter a sua honra através da vingança.
— De qualquer um? — Sage me interrompe.
— De qualquer um — afirmo. — Qualquer um que o desafie, que
ameace a sua reputação, que tenha causado mal a você ou a alguém que goste,
ou que esteja em seu caminho. — Sage arqueia uma sobrancelha e tenta me
interromper, mas não permito. — Inclusive da família.
— Quantos anos você tem? — Sage me pergunta, confuso.
— Dezenove.
— E há quanto tempo você sabe desse noivado? — Pela primeira vez,
ele realmente parece estar interessado em mim.
— Desde os meus doze anos — digo com sinceridade. — Mais
precisamente desde o dia que eu menstruei pela primeira vez.
— Puta que pariu! — Ele dá um pulo do banco e fica de pé. — Não me
diz que você realmente estava “me esperando” — ele gesticula com as mãos,
fazendo sinais de aspas imaginárias — por todo esse tempo?
— Estava — respondo, novamente com sinceridade, e encaro Sage. Não
sinto vergonha da minha condição.
— Você nunca…? — Ele passa as mãos pelos cabelos.
— Nem sequer beijei outro garoto — interrompo-o e fico de pé ao seu
lado. — O que você precisa entender, Sage — dou dois passos em sua
direção e paro à sua frente —, é que eu tenho certeza do que quero e aonde
quero chegar. — Dou mais um passo, ficando bem rente ao seu corpo, mas
sem tocá-lo. — Posso parecer estar de férias em um convento, ser virgem e
estar esperando por você, e tudo isso pode lhe soar como ingenuidade. —
Ergo-me na ponta dos pés e aproximo minha boca de sua orelha. — Mas não
se engane: você precisa aprender a enxergar além das aparências — sussurro
e me afasto imediatamente. Quando olho para Sage, vejo o quanto ficou
confuso. Sorrio. — Agora, se me der licença, preciso ver com a nonna os
preparativos do nosso jantar de noivado.
Dou um beijo em sua bochecha e saio caminhando em direção à casa.
Passo por Enrico, Coal e Jett, que me olham confusos. De canto de olho,
percebo que Sage está parado no mesmo lugar, me acompanhando com os
olhos.
“Molto bene, Mia! Ele vai ser seu!”, penso.
Capítulo 11
Sage
Eu nunca pensei que uma freirinha pudesse ser capaz de me deixar de
pau duro. De repente, a vontade que sinto é de arrancar todos aqueles muitos
botões de sua blusa comportada e descobrir se, por baixo dela, Mia usa uma
lingerie bem safada.
Ora, ora… Quem diria que a freirinha pudesse ter um lado pecador?
Ou talvez tenha sido seu cheiro doce que atiçou minha curiosidade. Não
sei. A única coisa que tenho certeza no momento é que eu preciso comer
aquela mulher o quanto antes.
Suas palavras me deram muito o que pensar, e as confissões me deram
muito a fantasiar.
Ela caminha de volta para a casa e começo a reparar no modo que anda.
A bunda de Mia pode estar escondida por baixo daquela saia ridícula, mas
balança de um lado para o outro, me fazendo suspeitar que, por baixo, existe
mais do que eu imaginei. Ela acena para alguém à esquerda e desvio o olhar
para ver quem foi o objeto de sua atenção.
Vince. O projeto de mafioso.
Assim como eu estava fazendo há alguns segundos, ele acompanha com o
olhar o trajeto que Mia faz de volta à casa. Nem conheço o cara direito, mas
sinto uma enorme satisfação em ver o modo como aprecia a mulher que, em
breve, estará casada comigo.
— Conheceu sua noivinha? — Coal aparece ao meu lado, fazendo com
que eu me vire para encará-lo.
— Não do jeito que eu queria. — Subo e desço as sobrancelhas para
ele, que ri com a minha reação.
— Pelo visto, você ficou interessado na Mia. — É Jett quem comenta.
— Ela será muito mais interessante em duas semanas, te garanto. —
Pisco para meu outro irmão, que também sente o divertimento em meu tom.
— Dá pra parar com isso? É da minha irmã que estamos falando. Não
quero saber seus interesses com ela — um outro cara diz, mas não me lembro
de seu nome. Eu o encaro por alguns segundos, tentando localizá-lo no meio
de todos os mafiosos que conheci, mas não consigo. — Enrico. Como disse,
sou o irmão mais velho da Mia. Lorenzo é nosso irmão do meio — ele
explica.
— Ah, que isso, cunhadinho… Pode deixar que não vou falar nada
demais sobre sua irmã. Mas lhe peço só uma coisinha — digo, fazendo com
que ele me encare.
— O quê?
— Não fique por perto na nossa noite de núpcias. Você não vai querer
ouvir sua irmã gemendo o meu nome a noite inteira, gritando tanto de prazer a
ponto de você achar que eu a estou machucando — falo baixo, esperando
alguma reação sua. As bochechas de Enrico ficam coradas e ele engole em
seco. — Também não vou dizer que ela vai conseguir ficar sem andar por
alguns dias, muito menos que meu nome será a única palavra que ela irá se
lembrar depois que eu mostrar a ela o que é ser uma mulher de verdade.
Dou dois tapinhas em seu ombro e saio caminhando. Sinto que Jett e
Coal me acompanham, tentando conter o riso.
Pelo menos Enrico não puxou a arma, e isso com certeza é um avanço.
— Acho que você quer morrer — Jett sussurra para mim.
— Talvez. — Ou talvez só queria saber até onde esses homens são
capazes de ir. — Esses italianos precisam se acalmar um pouco. Sempre
parecem que estão com uma arma enfiada no…
— Sage! — Nonna grita meu nome, me impedindo de continuar.
Ela vem caminhando rapidamente até nós. Desta vez, os cabelos estão
mais bagunçados do que o normal, fora que sua expressão é de total
desespero.
Não sei o que aconteceu lá dentro, mas coisa boa não foi.
— Nonna, o que houve? — Jett pergunta, correndo na direção dela.
Fico impressionado com a atitude dele. Nunca pensei que meu irmão
fosse tão carente, ou então um puxa-saco, mas, pelo visto, somos capazes de
nos surpreender a qualquer instante.
— Ah, nada de mais, ragazzo. — Ela dá dois tapinhas no rosto do
caçula, mas continua olhando para mim. — Teremos um jantar em família
hoje, às sete da noite. Seu pai e Giovanni vão anunciar o seu noivado com
Mia. — Ela bate palmas euforicamente. — Ah, vocês serão tão felizes
juntos… Estou louca pelo meu primeiro bisneto.
Fico sem reconhecer a mulher que me ameaçou há algumas horas. Seu
olhar repreendedor foi substituído por um cheio de afeto e esperança. Olho
para Coal, que novamente se controla para não rir.
Só quero ver quando a hora dele chegar. Meu irmão pode estar sorrindo
que nem um idiota agora, mas quando Don Marco designar uma esposa a ele,
duvido que fique com a mesma expressão no rosto.
— Jantar? Família? — pergunto para ela, que está quase pulando de
alegria.
— Claro! Precisamos comemorar. Esse casamento é esperado há anos.
Não podemos perder um minuto sequer. Fora que o tontolone[23] do seu pai
me disse que a cerimônia será em apenas duas semanas. — Ela solta o ar dos
pulmões com raiva. — Será que ele não parou para pensar se a igreja estará
disponível? Claro que não, afinal, seu pai não pensa — nonna fala, fala, fala
e fala mais um pouco, atropelando as palavras como se não tivesse tempo
nem para explicar algo a alguém. Eu apenas balanço a cabeça e deixo que ela
continue com suas tagarelices.
Quem sou eu para interromper essa senhora?
De longe, ela é a que mais causa medo dentre todos os membros dessa
família.
— Então, sete horas, certo? — pergunto quando sinto que ela chegou ao
fim do monólogo.
— Certo che no[24]! — Ela me olha como se eu tivesse duas antenas no
lugar de orelhas. — Você deve estar aqui às seis. Ainda tem que se arrumar.
— E o que tem de errado com as minhas roupas? — quero saber.
Meu guarda-roupa foi escolhido a dedo. Cada camiseta conta uma
história, assim como minha jaqueta de couro e todas as calças jeans surradas.
Nonna me encara. Dessa vez, com um brilho diferente no olhar.
— Se você me aparecer no seu noivado parecendo un cazzo de
motociclista, corto suas bolas fora antes que você diga “aceito”. Justo? —
Vejo que sua ameaça é mais real do que as pistolas que sempre são apontadas
para a minha cabeça.
— Justo — repito, tentando usar o mesmo sotaque que ela.
— Bene, bene. Allora, andiamo[25]. — Nonna começa a me empurrar,
como se quisesse que eu fosse embora o mais rápido possível.
Quando chegamos ao portão, ela se despede de nós com dois beijos, um
em cada bochecha, e volta para a casa, caminhando com passos
determinados. Se esta mulher fosse general, com certeza teria uma batalhão
petrificados de medo. Ao mesmo tempo, ela exala um ar materno.
Sinto um pequeno aperto no peito, mas logo o controlo. Seria bom ter
uma avó como ela enquanto estávamos crescendo. Alguém para preparar as
comidas mais deliciosas, nos abraçar quando algo ruim acontecesse e nos
repreender quando fizéssemos alguma merda.
Olho para ela, que gesticula enquanto caminha, provavelmente pensando
em tudo que tem que ser feito antes do jantar.
— Seu pai quer falar com vocês — um homem aparece à nossa direita e
anuncia. Viro-me para ele, mas não o reconheço. Mais um membro da
família, aposto. — Esperem aqui que ele já está vindo.
Jett e Coal parecem tão confusos quanto eu, mas não trocamos uma
palavra até vermos Don Marco se aproximando. Ao seu lado, mais dois
homens caminham no mesmo ritmo. Fico me perguntando se eles treinam isso
antes de sair de casa ou se fazer parte da família faz com que os homens
pareçam versões mafiosas do nado sincronizado.
— Sage, Jett, vocês conheceram Carlo. — Don Marco aponta para o
homem que nos arrastou até aqui. — Este é Toni Messina, irmão de Giovanni.
Sua apresentação foi sucinta, porém, algo me diz que eles são muito
mais na família do que apenas guarda-costas de meu pai. Não insisto. Apenas
faço que sim com a cabeça e os encaro.
— Muito prazer — Jett, o bem-educado entre nós, diz.
Eles o cumprimentam e a Coal também, mas quando me encaram, sinto
que, aos seus olhos, sou a ovelhinha desgarrada do rebanho. Controlo a
vontade de dizer “beeeh” e apenas sorrio.
— Em que podemos te ajudar? — direciono a pergunta a Don Marco.
— Queria avisar que, como agora fazem parte da família, vou pedir que
seus quartos sejam preparados. Podem trazer suas coisas quando vierem mais
tarde. Toni aqui irá buscá-los no trailer. — Ele aponta para mim e Jett. — Já
Carlo irá ajudar você a trazer as coisas da casa da sua namorada. Inclusive,
precisamos conversar sobre ela mais tarde.
Desta vez, não consigo me controlar e caio na gargalhada. Os três me
fitam como se eu estivesse louco, e talvez eles tenham aprendido esse olhar
com nonna.
— Um pouco presunçoso da sua parte, não acha? — Viro-me para Don
Marco, que não parece nem um pouco divertido com minha reação.
— Vocês concordaram, Sage. Eu quero os três aqui em casa para
aprenderem tudo que lhes foi escondido nos últimos vinte e um anos — ele
diz, parecendo mais sério do que nunca.
— Olha, eu acho bem legal essa história de pai e filhos se reconectando
e tal… — começo, mas sou interrompido.
— Não foi um pedido. Eles estarão esperando por vocês às cinco e
meia. — Don Marco se vira de costas e começa a caminhar de volta para
casa, pouco se importando com as minhas queixas.
Coal, Jett e eu nos entreolhamos, sem saber o que fazer agora.
Como prometido, às cinco e meia, escuto uma batida na porta do trailer.
Os italianos podem ser esquentados, mas também são pontuais.
— São eles — Jett afirma, olhando pela janela. — E trouxeram uma van.
Quem eles acham que nós somos, as patricinhas de Beverly Hills? — Aponta
para a bolsa que contém todas as suas roupas.
A minha não é muito maior. Coloquei ali apenas o que julguei
necessário. A única coisa extra que carregamos em uma mala separada é
nosso PlayStation e alguns jogos. Também fiz questão de guardar o único
porta-retrato que ficava na sala, exibindo uma foto de nós três ao lado de
nossa mãe, quando ela nos levou ao zoológico para comemorar nosso
aniversário. Tínhamos oito anos na época e ficamos tão felizes por poder sair
de casa e passar um dia inteiro na rua que nem nos importamos em não ganhar
qualquer presente.
Lembro-me daquele dia com perfeição. Afinal, foi logo depois dele que
saímos correndo daquela cidade — que nem me lembro qual era — e
passamos mais de uma semana na estrada, indo para o mais longe possível
daquele lugar.
Minha mãe não chegou a explicar o motivo de nossa mudança. Ela nunca
explicava. Apenas disse que era necessário e, um dia, nós entenderíamos.
Olho para o trailer que foi minha casa nos últimos vinte e um anos. Tudo
aqui é familiar… Às vezes, juro que ainda posso ouvi-la andar de um lado
para o outro, reclamando da bagunça que nós três cismávamos em deixar na
sala. Ou então resmungando sozinha, provavelmente pensando em voz alta
sobre nossa próxima mudança.
A buzina do carro que nos espera faz com que eu saia da minha cabeça e
volte para o presente. Está na hora de virar as costas para tudo isso aqui e
começar algo novo.
Nunca fui muito propenso a sair da rotina. Talvez um reflexo da forma
como fui criado, o que é estranho, já que sempre me senti um prisioneiro. Só
que cruzar aquela porta está me causando uma sensação estranha. Olho para
Jett, que parece tão hesitante quanto eu.
Estamos virando as costas para o que somos. Se sairmos daqui, é a
prova de que aceitamos não só um mundo novo e desconhecido, mas uma
família com tradições a serem seguidas. Regras a serem cumpridas.
Casamentos a serem realizados.
A freirinha pode ter aguçado minha curiosidade com aquele discurso de
“por trás do hábito, sou uma safada”, mas não sei se estou pronto para
abdicar do homem em que me transformei.
Mais uma buzina. Mais uma troca de olhares com Jett. Mais muitas
perguntas na minha cabeça.
— Pronto? — meu irmão pergunta.
Quero dizer que não, mas sei que não posso fazer isso. Preciso dar a ele
o exemplo e mostrar que está tudo bem.
— Sempre — respondo, não acreditando em uma letra sequer que sai da
minha boca.
Capítulo 12
Sage
O sol já se pôs quando chegamos à mansão dos Rossi. Com excessão de
uma parada para buscar a moto de Jett, que tinha ficado esquecida perto da
boate, o caminho até aqui foi feito em silêncio. Para ser sincero, nem lembro
o nome do cara que nos trouxe. Sei que ele é irmão de Giovanni, mas deixei
de lado toda a minha curiosidade em descobrir mais sobre essa família.
Agora, eu faço parte dela — tecnicamente, pelo menos —, apesar de não
saber muita coisa além da história que Don Marco contou e de tudo que pude
deduzir ao observar a interação entre seus membros.
— Alguma notícia de Coal? — pergunto para o homem assim que
saímos da van.
Ele abre a porta traseira e retira nossas bolsas, colocando-as no chão
para que as levemos para dentro da casa.
Pelo visto, ele é só nosso motorista.
— Já deve estar chegando. Carlo saiu para buscá-lo na mesma hora que
eu — ele diz e eu faço que sim com a cabeça.
Fim de conversa. Excelente. Não estou a fim de papo furado.
A porta da casa se abre, revelando a pequena senhora. Parece que ela
sabe exatamente o que acontece dentro dos muros de sua residência.
— Ah, finalmente vocês chegaram! — ela exclama e vem na nossa
direção. — Andiamo, vou mostrar seus novos quartos. — Nonna dá dois
beijos em nossas bochechas, como se não nos visse há dias. Ou então esta é
apenas mais uma das tradições.
— Como estão os preparativos para o jantar, nonna? — Jett, o
simpático, pergunta. Mordo meu lábio inferior para não fazer uma piada.
— Ah, bambino… Acho que fizemos pouca comida. Estou muito
preocupada, confesso — nonna confessa, seu semblante nitidamente abalado
com a possível catástrofe.
— Quantas pessoas virão? — Jett quer saber enquanto caminhamos para
dentro da casa, ignorando o homem que nos trouxe até aqui.
A senhorinha anda com passos firmes, seguindo na direção oposta da
que usamos para chegar ao escritório de Don Marco. Ela sobe as escadas de
madeira, sem parar de falar por um segundo sequer. Suas mãos gesticulam
freneticamente, e fico encantado com a vitalidade dela, mesmo que nunca
confesse isso.
— Ah, não tem nada demais. Só as pessoas da família mesmo. — Meu
irmão balança a cabeça, entretido na conversa. Eu só observo-o tentar
conquistar o cargo de queridinho da vovó. — Aqui está. Este é o seu quarto,
Jett.
Ela aponta para a segunda porta de madeira do corredor, parando à sua
frente e abrindo-a para que Jett entre. Quero espiar o que tem lá dentro, mas
não consigo. Jett está bloqueando a visão.
— Obrigado, nonna. Que horas devemos descer para o jantar? — meu
irmão quer saber.
— O jantar é às sete, mas podem descer antes. Os homens que moram
aqui já estarão na sala — ela diz e indica para que ele entre no quarto. —
Tomei a liberdade de separar uma roupa para você. Está em cima da cama.
Ele agradece mais uma vez e desaparece de vista, fechando a porta
assim que a cruza.
Nonna volta a caminhar comigo ao seu lado e para na última porta do
enorme corredor.
— Este é o meu? — pergunto o que já sei.
— Sim, pode entrar.
Giro a maçaneta e dou de cara com o maior quarto que já vi na vida.
Isso inclui todos que já invadi.
Fico sem saber muito como agir aqui dentro, o que é estranho.
O pé-direito é tão alto que eu sinto como se coubessem mais dois Sages
até chegar ao teto. Só que isso não é nem o que mais impressiona. Uma
parede é feita inteiramente de vidro, dando vista para a parte de trás da
mansão, que eu ainda não conheci. Como se isso não fosse o bastante, a cama
é enorme, maior do que qualquer outra que eu já dormi.
Diferente do resto da casa, que carrega um ar mais clássico, este quarto
é moderno, com as paredes num tom claro de cinza e quadros de arte abstrata.
Luminárias de pé e uma escrivaninha branca completam o ambiente, que tem
até um divã.
Acho que nunca estive em um lugar tão luxuoso assim. Viro-me para
procurar por nonna e perguntar se ela tem certeza de que este é meu quarto,
mas a pequena senhora não está mais lá.
Sobre a cama, vejo que um terno preto foi colocado. Assim como uma
gravata e uma camisa da mesma cor. No chão, um sapato preto bem lustrado
termina o visual que escolheram para mim. O noivo perfeito. O primogênito.
Respiro fundo uma, duas, três vezes.
Não quero pensar nisso agora, nem em todas as ramificações de minha
escolha. Não tenho tempo. Preciso me arrumar para conhecer a família e
comemorar minha conta bancária recheada. Ou melhor, meu casamento com
Mia.
A parede atrás de mim tem duas portas. Abro uma delas e descubro que
este é um closet. O que me espanta é que ele não está vazio. Pendurados de
um lado, estão vários ternos, calças, camisas… Pelo visto, papai querido
mandou alguém renovar meu guarda-roupa. O outro lado está vazio, e fico me
perguntando se as roupas de Mia irão ocupá-lo muito em breve.
Duas semanas…
Jogo o pensamento desgastante de lado e fecho a porta, apenas para
abrir a outra e encontrar um banheiro que combina perfeitamente com a
luxuosidade do quarto.
Uma enorme banheira de hidromassagem tem destaque. Ao lado dela, um
chuveiro com diversas saídas de água chama a minha atenção. Não sou do
tipo que curte nadar na própria sujeira, principalmente depois de quase dois
dias sem tomar banho.
Assim que cheguei no trailer, fui direto para a minha cama tirar uma
soneca merecida. Quando acordei, já estava na hora de me arrumar para vir
pra cá. O banho acabou ficando para depois.
Tiro as roupas, jogando-as para um canto qualquer, e entro embaixo da
ducha quente. Deixo a água levar embora todas as preocupações que me
correm por dentro e apenas sinto cada gota me energizar para o que está por
vir.
Uma quantidade indecente de xampus, condicionadores e sabonetes
líquidos ocupam as prateleiras embutidas. Não sei qual devo escolher, então,
cheiro o conteúdo de cada frasco. Nenhum é exatamente o que eu teria
escolhido na farmácia — talvez por nunca serem vendidos em lugares de tão
baixa classe.
Ricos pretenciosos.
Escolho um que tem cheiro de verde. Não sei explicar o aroma, mas é
agradável. Passo sabão por todo meu corpo, dando atenção à parte da minha
anatomia que grita por alívio desde que aquela freirinha safada sussurrou
promessas ao pé do meu ouvido. Subo e desço a mão por minha extensão,
tentando conter o gemido baixo que escapa da minha garganta.
A imagem da bunda de Mia, balançando de um lado para o outro
enquanto caminhava, toma minha mente. Quero tirar cada peça de roupa
recatada que ela cisma em usar e desvendar os mistérios que ali se escondem.
Na minha cabeça, ela usa uma calcinha fio-dental, deixando à mostra a
bunda redonda e farta, perfeita para ser apertada enquanto a como de quatro,
metendo fundo, com força, fazendo-a gemer de forma incontrolável.
Meu pau pulsa com a imagem e acelero os movimentos.
Então, é sua boca que começa a dominar minha fantasia: aquela boca
grande, com lábios grossos e palavras inesperadas. Quero Mia de joelho na
minha frente, engolindo tudo que tenho para lhe dar. Seus olhos claros, de um
azul quase cinza, estariam me encarando com toda sua inocência. Minhas
mãos iriam para o seu cabelo, guiando os movimentos enquanto ela me
levaria a um orgasmo intenso, liberando tudo que tenho.
Não consigo segurar e gozo na parede, soltando um som grave e sentindo
meu corpo estremecer.
Assim que consigo voltar ao meu estado normal, agora um pouco mais
relaxado, termino o banho e vou para o quarto me arrumar.
Olho a roupa escolhida para mim. Ela não tem nada a ver comigo, e
decido que ainda não estou pronto para seguir todos os protocolos da família
Rossi. Coloco a calça e as meias, mas escolho uma das minhas camisetas
surradas para ir por baixo do paletó. Calço as meias e coloco a botina preta.
Não é porque eu concordei em fazer parte dessa palhaçada que eu vou
me esquecer de quem eu sou. O Sage que sempre fui continua aqui, e duvido
que ele vá embora tão cedo.
Quando desço para a sala, faltam quinze minutos para as sete. Demorei
um pouco para encontrar onde todos estavam, mas segui o barulho de
conversa. Assim que entro no que imagino ser um salão de baile, todos os
olhares se voltam para mim.
— Figlio mio! — Don Marco diz, abrindo os braços. — Venha conhecer
sua família.
Olho ao redor e vejo pelo menos vinte homens e dez mulheres.
Isso não era “nada demais, só família” de acordo com nonna? Então,
por que tem tanta gente aqui?
Sinto a presença de meus irmãos antes mesmo de ver os dois. Nem sabia
que Coal já havia chegado, mas aqui está ele, parado ao meu lado direito,
enquanto Jett ocupa o esquerdo.
Não preciso cumprimentá-los, nem eles a mim. Somos um time de lobos
em meio a leões, e vamos lutar para não sairmos daqui mortos.
Aceno a cabeça para meu pai, que dá um beijo em cada uma das minhas
bochechas.
Preciso realmente me acostumar a esse gesto.
— Onde está Mia? — A pergunta sai da minha boca antes que eu possa
controlar.
Don Marco sorri para mim, mas estou cagando para o que ele acha.
A imagem dela de joelhos à minha frente não sai da minha cabeça, e vou
fazer o que for preciso para que esta fantasia se realize ainda hoje. Fodam-se
as tradições. Preciso daquela boca chupando meu pau o mais rápido possível.
— Ela ainda não chegou. Um de seus irmãos foi buscá-la — ele explica
e não reajo, apenas caminho com ele de encontro aos outros homens, que nos
encaram com expectativa.
A próxima meia hora passa rápido, em meio a muitas apresentações.
Não lembro quase nenhum nome e sinto que preciso fazer uma tabela para me
ajudar. Por mais estranho que pareça, Don Marco não diz o título de ninguém.
Quero saber quem é quem nesta “família”, mas, pelo visto, isso vai ficar para
depois.
— Don Marco! — um homem fala alto e se aproxima de nós.
— Ah, amico mio! — Os dois se abraçam e trocam beijos na bochecha.
— Sage, Coal, Jett, este é Danio Rinaldi, seu Allenatore[26] — ele fala, mas
não entendo o que essa palavra significa. — Lembra-se de quando disse que
vocês receberiam treinamento? Pois bem, este é o homem que irá treiná-los.
Ele tem feito isso desde que tomei meu posto como patriarca da nossa
família.
— Muito prazer, ragazzi. — Danio estende a mão e nos
cumprimentamos. — Amanhã, estarei esperando vocês na sala de treinamento
— ele avisa. — Confesso que estou bastante ansioso para este momento.
Espero treinar vocês a contento de seu pai.
— Se tem alguém capaz de fazer isso, este alguém é você, Danio. —
Don Marco é só sorrisos. — Até hoje, nunca me desapontou.
Fico esperando que terminem com as bajulações sem dizer nada. Coal e
Jett entram na conversa, o que leva Don Marco a sorrir ainda mais.
— Ei, o que aconteceu com a sua namorada? — cochicho para Caol
enquanto os outros homens conversam.
— Terminei. Não quero que ela se meta nessas coisas — ele diz de
forma simples e direta.
— Ela não reclamou?
— Por cinco segundos. Depois virei as costas e fui embora. — Dá de
ombros, e fico me perguntando como deveria ser o relacionamento entre os
dois, já que Caol parece mais frio do que uma geleira neste momento.
Não tenho tempo de fazer outras perguntas nem de refletir muito sobre
isso, porque logo ela aparece todo o ar parece me faltar.
Dessa vez, Mia não está usando a roupa de freira habitual. O vestido
vermelho que escolheu para esta noite, apesar de não ter um decote profundo
e parar na altura do joelho, deixa todas as suas muitas curvas à mostra. O
cabelo castanho está solto, porém jogado para um lado. Como se isso não
fosse o bastante, os saltos que usa, com uma fita em torno do tornozelo,
deixam-na ainda mais apetitosa.
Meu pau enrijece, como se tivesse esquecido de que gozou há menos de
meia hora.
Ah, freirinha… Por que você foi atiçar quem estava quieto?
Capítulo 13
Mia
Assim que entro na casa de Don Marco, todos os olhos recaem sobre
mim. Inclusive os dele. Sage parece acompanhar cada movimento que faço,
como se estivesse realmente interessado em mim. Eu sei bem qual o seu
interesse, mas, como nonna me disse mais cedo, na guerra e no amor vale
tudo. Por isso, em vez de de caminhar até meu noivo, paro ao lado de Vince e
o cumprimento.
— Você está linda, Mia. — Vince não desgruda os olhos dos meus. —
Você sabe que não precisa fazer isso.
— Isso o quê? — pergunto sorrindo, me fazendo de desentendida
enquanto vejo Sage vindo até nós, seu olhar com aquela chama acessa.
— Casar com aquele boçal. — Vince segura o meu braço. Os passos de
Sage ficam mais acelerados.
— Ah, Vince. — Abro ainda mais meu sorriso. — O que você não
entendeu é que eu quero me casar com Sage, e obrigada por sua ajuda —
sussurro para ele e desvencilho-me de sua mão antes que meu noivo nos
alcance.
Ele para em nossa frente e encara Vince. Não tem nada de amigável em
seus gestos.
— Essa família tem tantas regras e não existe nenhuma que diga para
respeitar a mulher do próximo? — O sorriso debochado de Sage toma conta
de seu rosto.
— Vince só estava sendo gentil — explico, enquanto apoio minha mão
no braço de Sage. — Ele disse que eu estava linda, apenas isso.
— Sabe o que mais me agrada nessa história? — Sage se livra do meu
braço e dá dois passos em direção a Vince. Ele infla o peito e levanta o
maxilar. Vince apenas balança a cabeça em negativa à sua pergunta. — Saber
que você cobiça mais uma coisa que é minha.
Sem esperar uma resposta, Sage se vira novamente para mim, enlaça a
minha cintura e sai rindo em direção à mesa de jantar.
— A noiva chegou! Podemos começar a comer? — Ele passa a mão em
uma taça de vinho recém-servida e a ergue. — Mal posso esperar pela
sobremesa. — Encara Vince e ri alto.
Fico constrangida com sua fala de duplo sentido. Se Sage pensa que terá
algo de mim antes da nossa noite de núpcias, está completamente certo.
Lembro-me do conselho que nonna me deu mais cedo na cozinha, enquanto
escolhíamos os tomates para o molho.
— Se você pretende dobrar o meu neto mollicone[27], vai ter que usar
bem mais que seus belos olhos, capisce[28]? — Ela olhou para o meu corpo
de cima a baixo e continuou: — E faça isso antes do casamento, se quiser que
o seu futuro marido seja o próximo Don, bambina[29]! Não podemos ter outro
babucchione[30] como o meu filho. — Nonna sorriu. — Sua mãe já deve ter
lhe explicado as coisas que podemos fazer por nossos homens para que
fiquem mais dóceis.
Apenas concordei com a cabeça. Lembrava-me bem do dia dessa
conversa. Tinha quase dezoito anos e a mamma nem desconfiava que eu já
sabia bem mais sobre o assunto do que ela. Estávamos só nos duas em casa,
assistindo a uma novela que passava na televisão, sentadas no sofá. Nós
nunca perdíamos um capítulo. Papà, Enrico e Lorenzo assistiam conosco
normalmente, mas, aquele dia, precisaram sair para resolver algum negócio
da família.
No primeiro intervalo comercial, mamma começou a falar que estava na
hora de eu aprender sobre o que homens e mulheres faziam à noite em seus
quartos. Ela me explicou que o ato sexual tinha fins reprodutivos, mas
também servia para que os homens ficassem mais calmos. A mulher deveria
sempre aceitar as investidas de seu marido. Isso também ajudava a manter o
casamento feliz e a lealdade da esposa. Cada vez que a novela recomeçava,
ela parava de falar no assunto, apenas para continuar a conversa de onde
havia parado no próximo comercial.
Foi assim que a mamma acha que me explicou sobre sexo. A verdade é
que comecei a me interessar pelo assunto quando tinha treze anos e ouvi a
conversa de duas primas mais velhas que estavam prestes a se casar. Com
dois irmãos mais velhos e um computador compartilhado em casa, não foi
difícil encontrar pornografia na internet. E quando ganhei meu primeiro
celular, com quatorze anos, ficou ainda mais fácil aprender. Por isso, sei bem
do que nonna falava e seus pensamentos foram tão atrasados como os da
mamma. Sei até mais do que elas sobre como deixar meu noivo dócil. Pelo
jeito que está se comportando, acredito que dobrá-lo será mais divertido do
que imaginei.
Don Marco bate com o garfo na taça de vinho assim que todos tomam os
lugares à mesa, depois do convite provocativo de Sage, e se levanta. Ele
começa a falar sobre a felicidade de ter os filhos em casa finalmente, dos
anos à espera deste momento e apresenta formalmente os três, que são
aplaudidos e ovacionados. Vejo que Jett gosta da atenção, enquanto Coal se
sente incomodado. Já Sage está pronto para fazer uma piada, mas, assim que
abre a boca, o irmão caçula o cutuca, o que faz com que ele se cale e ria.
Depois, Don Marco discorre sobre a família, agradece a todos, elogia
alguns, fala de lealdade e honra. Discursa sobre a importância dos laços de
sangue e de amor que se formam a partir de novas alianças e, por fim, anuncia
o nosso noivado. Mais aplausos, mais gritos, assobios e brindes.
O jantar começa a ser servido nos pratos dos homens, pelas mulheres.
Como noiva, permaneço sentada, esperando que nonna me sirva, em um sinal
de sua benção a meu casamento. Ela não tarda a fazer isso. Todos comem,
sorrindo, bebendo e conversando. Até meu noivo parece que resolveu se
comportar. Porém, como Sage disse antes, eu também não vejo a hora da
sobremesa. Assim que as mulheres começam a tirar a louça e os homens se
levantam para charutos, licores e café no escritório, seguro a mão de Sage.
— Gostaria que você viesse comigo. Quero te mostrar algo — sussurro
em seu ouvido.
— Só nós dois? — Ele arqueia uma sobrancelha. — Sem supervisão?
— Só nós dois. — Sorrio.
Sage me devolve o sorriso com mais malícia que o meu e se levanta,
dando a mão para que eu repita seus movimentos. Enquanto todos caminham
para o escritório ou a cozinha, saímos em direção ao jardim. A noite está
agradável, é lua crescente e ainda assim está bem clara. Várias estrelas são
visíveis.
— Nós podemos ficar sozinhos? — ele me pergunta, curioso. Posso
sentir o deboche em suas palavras.
— Claro que sim. Somos noivos. Precisamos planejar a nossa vida.
— E é isso que você quer fazer? — Sage para de caminhar e me segura
pelo braço, fazendo com que eu pare também e o encare. — Planejar o nosso
futuro, freirinha?
— Quero — digo, soltando sua mão de meu braço e dando um passo em
sua direção. — Quero planejar o nosso futuro e… — Dou mais um passo em
sua direção, terminando com qualquer distância entre nós. Aproximo a boca
de sua orelha. — …saber que gosto meu futuro marido tem — sussurro. Antes
que ele possa pensar, reagir ou falar, encosto meus lábios nos dele, abrindo
passagem com minha língua para seu interior e sentindo o seu gosto pela
primeira vez.
As mãos de Sage enlaçam a minha cintura assim que nossas línguas se
encontram. Sua boca voraz engole a minha e ele contrai meu corpo contra o
seu. O abraço é forte, duro, fazendo com que eu acenda de uma forma
desconhecida. Um calor surge em meu ventre, uma sensação desesperada que
necessita de alívio. Deixo uma das mãos escorregarem entre os nossos corpos
até o meu maior objeto de desejo e, quando sinto a saliência em sua calça,
tento controlar um som estranho que insiste em fugir da minha garanta. É em
vão. Antes de apertar com vontade seu membro, o gemido me escapa e ecoa
pela noite.
— Puta que pariu! — Sage geme contra a minha boca.
— Você gosta — pergunto sem separar nossos lábios — que eu te segure
assim? — Aperto mais uma vez, esfregando minha mão por cima do tecido,
soltando e apertando os dedos em volta dele. — Gosta?
— Gosto… — ele sussurra antes de sua língua se enroscar na minha
novamente.
As mãos de Sage percorrem meu corpo, enquanto continuo
movimentando a mão no mesmo lugar, sentindo tudo que ele logo terá a me
oferecer. Sua boca procura minha orelha, pescoço e volta a encontrar a minha
com urgência. Sage caminha com seu corpo contra o meu, me levando para
alguma parede. Assim que encosto em algo, ele começa a abrir seu cinto com
rapidez.
— Aí estão vocês! — Nonna grita da porta de casa. — Andiamo! Todos
querem se despedir e vocês terão o resto da vida para baccagliare[31]!
Sage encosta a testa na minha, interrompendo o beijo. Suas mãos caem
na lateral do seu corpo, como se tivessem sido vencidas em uma batalha, e
ele começa rir.
— Já estamos indo — respondo. Enquanto isso, a minha respiração
volta ao normal e agradeço mentalmente a nonna pelo timing perfeito.
Capítulo 14
Sage
Quem diria que uma festa de noivado pudesse ser tão divertida. E não
estou falando isso só porque descobri que minha futura esposa é uma safada
em roupas de santa.
Italianos bêbados cantam, dançam, falam alto e contam histórias
engraçadas, revelando segredos que deveriam ficar bem escondidos. Como,
por exemplo, o motivo de Angelo Bernardi não ter o dedo mindinho do pé.
Aparentemente, o “acidente” aconteceu na primeira vez que ele saiu com seu
Capo para concluir algum negócio. O idiota tremia tanto que acabou atirando
no próprio pé, pois esqueceu que a arma estava engatilhada.
Quando Carlo termina de explanar a vergonha de seu Soldatto, todo
mundo está rindo alto, apontando para o pobre coitado. Inclusive eu.
— E vocês concluíram o tal negócio? — consigo perguntar quando meu
riso diminui.
— Claro que sim. Você acha que eu deixaria de fazer algo para a família
só porque o stronzo[32] não conseguia controlar a própria pistola? — Carlo
debocha, olhando para Angelo com desprezo. — O pior é que os idiotas
acharam que o tiro era uma ameaça e assinaram os papéis rapidinho. — Ele ri
da própria história.
— Basta! Eu tinha dezesseis anos na época — Angelo tenta se defender,
mas é tarde demais: o dano chegou a um estágio irreversível.
A maioria das pessoas já foram embora. No escritório de Don Marco,
estamos apenas Jett, Coal, Carlo, Angelo, Frederico, Eddie, Giovanni,
Enrico, Lorenzo, Danio e eu.
Eles falam, falam e falam mais um pouco. Todos estão rindo à toa, e fico
tentando entender o motivo do bom-humor generalizado. Tudo bem que o
discurso de Don Marco foi todo cheio de idiotices sentimentais, falando
sobre ter nos reencontrado depois de uma vida esperando por isso e
abençoando meu casamento com Mia, mas ainda não entendi por que todos
estão assim. Nenhum filme de máfia me preparou para algo tão… normal.
Assim que voltei do meu “passeio ao luar” com Mia, fui arrastado para
dentro desta sala e estou aqui por, pelo menos, uma hora. Ninguém parou de
beber por um segundo sequer. De vinho, passaram para conhaque e agora
bebem whisky.
Eu poderia estar fazendo o mesmo que eles, mas preferi me manter
sóbrio. Ainda não confio nas pessoas da família o suficiente para ficar
bêbado ao lado deles. Sabe-se lá qual ritual de iniciação eles podem querer
me encorajar a participar. Fora que ainda tenho esperanças de passar a noite
com uma certa freirinha — e eu quero me lembrar de cada segundo dela.
— Posso fazer uma pergunta? — interrompo a conversa sobre uma tal de
Marieta, que, aparentemente, tem atormentado o juízo de Lorenzo.
— Claro, figlio mio. — Don Marco gesticula para que eu continue.
— Ouvi algumas palavras aqui, como Capo e Soldatto. Vocês podem me
explicar o que isso significa?
Eu sei o que significa, não sou burro. Porém, preciso entender
exatamente como esta família funciona antes que eu seja pego de surpresa.
Em vez de duvidar da minha ingenuidade, Don Marco sorri com a
pergunta, e é provável que ele a tenha entendido como uma curiosidade.
— Giovanni, per favore, explique ao seu futuro filho como as coisas são
organizadas por aqui — ele pede e seu braço direito apenas faz que sim com
a cabeça.
Giovanni volta o olhar para mim e, nos primeiros segundos, não diz uma
única palavra. Apenas me encara, talvez percebendo o que estou tentando
fazer. Foda-se ele. Preciso de respostas. Não desvio o olhar, desafiando-o a
não acatar a ordem direta de seu Don.
Será que ele vai cobrir meu blefe ou vai fazer o que o chefe mandou?
— Nossa família preza pela hierarquia — começa a falar e abro um
sorriso. É minha forma de dizer “ponto para mim” sem precisar usar
palavras. Giovanni entende isso muito bem, já que seus olhos se estreitam,
fitando-me com desconfiança. Porém, não deixa a explicação de lado. — Só
que esta hierarquia não tem nada a ver com idade, e sim com merecimento.
— Como assim? Don Marco não é Don por que é o mais velho da
família? — É Jett quem pergunta.
— Eu sou Don há duas décadas, mas meu irmão não chegou a ser um,
apesar de ter cinco anos a mais do que eu — ele explica enquanto todos
prestam atenção. — Você só muda de posto quando provou não apenas a sua
lealdade, mas seu valor para a família.
O silêncio impera no escritório. Todos os presentes estão com os
olhares atentos em Don Marco, que parece não se esforçar para conseguir ser
ouvido.
Mesmo bêbado e entre amigos e familiares, o homem exala autoridade.
— Cada família tem seu jeito de distribuir cargos — Giovanni volta a
falar. — No caso da nossa, preferimos dar valor a quem merece do que
apenas àqueles que têm vínculo sanguíneo.
Durante seu pequeno discurso, os olhos de Giovanni não se desviam de
mim, como se eu fosse a única pessoa na sala.
Sei que ele está tentando me intimidar. Talvez esse cara pense que eu
sou apenas mais um babaca sedento por poder, e isso só prova que não me
conhece nem um pouco. Jamais comandaria o mundo de dentro do meu
escritório. Tenho muita energia em meu corpo para não ser aproveitada da
forma certa.
O que Giovanni não entende é que eu estou pouco me fodendo para esta
família e suas promessas de honra e lealdade. Sou leal àqueles que retribuem
a gentileza — no caso, meus irmãos. Só serei leal a esta família quando eu
achar que ela é digna do meu tempo.
Até agora, tudo que sei é que eles cozinham banquetes para qualquer
coisa, adoram beber e xingam em italiano o tempo todo.
— Os cargos são vitalícios? — Para minha surpresa, é Coal quem
pergunta.
— Sim e não — Giovanni diz. — Um homem também pode perder seu
cargo quando é um traidor ou então se não cumpre com as obrigações.
Não sei por que, mas a voz embargada do Consigliere me deixa entender
que isso já aconteceu antes. Os homens se entreolham, apenas confirmando
minha suspeita.
— E quais são esses cargos? — Resolvo mudar de assunto. Ainda não
está na hora de cavar mais fundo os podres dessa família.
— Como você já sabe, temos o Don — ele aponta para meu pai — e o
Consigliere, que sou eu. Minha função principal é aconselhar meu Don,
sempre pensando no que for melhor para todos. Abaixo de nós, estão os
Capos e o Allenatore. — Danio levanta a mão e abre um sorriso. — Os
Capos são os chefes imediatos dos Soldattos. Além de nós, há também os
Associados, que, tecnicamente, não fazem parte da família, mas estão
atrelados a nós. São nossos olhos e ouvidos do lado de fora. Homens com
prestígio, que precisam de nós assim como precisamos deles. Delegados,
juízes, médicos… Qualquer coisa que você imaginar.
Em outras palavras, Giovanni Messina acabou de confessar que a máfia
italiana está presente em todas as esferas da sociedade, exercendo seu poder
de forma discreta, porém eficaz.
Antes que eu possa continuar com as perguntas, uma batida na porta do
escritório faz com que todos paremos de conversar.
— Pronto? — Don Marco diz, como se não tivesse nem um pouco
incomodado com a interrupção.
— Perdonami[33], Don Marco, mas gostaria de saber se um dos meus
filhos pode levar Mia para casa. A pobrezinha está muito cansada — a
mulher diz, e presumo que ela seja a mãe da freirinha. É a mesma cujo vinho
bebi na outra noite.
Levanto-me da poltrona na mesma hora.
— Pode deixar que eu levo sua filha para casa, dona…
— Giorgiana — ela diz com um sorriso tímido e faço que sim com a
cabeça.
— Que tipo de noivo eu seria se não levasse minha futura esposa para
casa, hein? — pergunto bem-humorado.
Por mais que eu queira permanecer aqui e continuar com meu
interrogatório, a ideia de ficar sozinho com Mia me parece muito mais
interessante no momento. Além disso, sei que Coal e Jett me contarão se
algum assunto relevante for levantado.
— Você quer realmente fazer isso, Sage? — Giovanni pergunta, seu
olhar ainda carregando a desconfiança de antes.
— Eu ficaria honrado se o senhor me permitisse levar Mia em segurança
para casa, Giovanni — digo, tentando manter meu tom o mais sério possível
para mascarar o sarcasmo.
Quem fala assim nos dias de hoje? Quem precisa de permissão e
supervisão para passear no jardim?
Todos aqui têm smartphones, pelo amor do santo. Não é como se
estivéssemos em 1870!
— Va bene. Você pode levar Mia para casa, mas ficarei aqui esperando
até você voltar — ele avisa.
Controlo-me para não rir. Italianos são, definitivamente, divertidos. Nem
que estejamos nos divertindo às custas deles em vez de com eles.
— Escolha qualquer carro da garagem, figlio mio — Don Marco
oferece. — As chaves estão no banco do motorista.
Agradeço, aviso que volto o mais breve possível e saio do escritório
acompanhado de Giorgiana. Assim que fecho a porta, ofereço meu braço a
ela, que parece surpresa com o gesto.
Nunca ofereci meu braço para uma mulher na minha vida, mas para tudo
tem uma primeira vez. E se eu quero poder ter um tempo a sós com a minha
freirinha, puxar o saco de sua mãe pode ser a maneira perfeita de conseguir
minhas vontades.
Vamos conversando amenidades até a cozinha. Giorgiana me pergunta se
gostei do jantar e digo que foi o melhor que já comi. Ela me pergunta se gosto
da casa e do meu quarto e eu digo que estou impressionado com a opulência
da mansão. Ela me pergunta se eu vou cuidar bem de sua filha e respondo que
ela jamais estará em risco ao meu lado.
Não, Mia não estará em risco, mas sua virgindade com certeza. Todas as
suas virgindades… Porque não haverá um centímetro daquele corpinho
gostoso que eu não irei explorar nos próximos dias.
Giorgiana me leva até a cozinha e, quando abre a porta, a conversa cessa
imediatamente.
— Não parem por minha causa — digo, procurando por minha noiva no
meio de tantas mulheres de cabelos castanhos e peles claras. Só que ninguém
volta a conversar.
— O que você está fazendo aqui, Sage? Não sabe que esta área é
restrita? — nonna pergunta, cruzando os braços na frente do corpo frágil.
— Perdonami, nonna, mas Sage veio até aqui para buscar Mia e levá-la
para casa — Giorgiana explica. — Onde está minha filha?
— Estou aqui, mamma. — Viro-me na direção da voz da freirinha, que
entra na cozinha trazendo uma bandeja de copos.
Elas começam em uma discussão, Giorgiana dizendo que Mia não
deveria estar trabalhando hoje. Afinal, é o dia de seu noivado.
Enquanto as duas falam mais alto do que o normal, apenas observo a
mulher que irá ocupar a minha cama pelo resto da vida. Eu deveria estar puto
por ter sido obrigado a me casar com ela. Mas trezentos mil para corromper a
freirinha me parece uma recompensa bem estimulante. Fora que, quando eu
me cansar dela, posso procurar por diversão em outros lugares.
Porém, neste momento tudo o que eu quero é saber o som que ela faz
quando está gozando.
— Podemos ir, Mia? — interrompo a discussão e vejo as duas
enrubescerem.
Elas são muito parecidas, dá pra ver nitidamente que são mãe e filha. O
que é bom, porque, pelo menos, sei que Mia não será uma baranga em trinta
anos. Giorgiana é uma coroa gata.
— Claro — Mia diz rapidamente e pega sua bolsa sobre a mesa.
Diferente do que fiz com sua mãe, ofereço minha mão para Mia. Ela
também se surpreende com meu gesto. Poderia dizer que sei ser legal quando
eu quero, mas resolvo ficar calado. Não preciso me explicar para ninguém.
Mia me guia até a garagem em silêncio. Nossas mãos entrelaçadas e os
passos rápidos. É como se ela também não visse a hora de ficar a sós comigo.
Sorrio para mim mesmo com as ideias que se formam na minha mente.
Descemos dois lances de escada e Mia abre uma porta de metal,
revelando a enorme garagem da propriedade.
Nada, nada mesmo, me preparou para este momento. Lamborghinis,
Maseratis, Ferraris e, se não me engano, um Alfa Romeo lá atrás me deixam
completamente boquiaberto. Nada de Fiat por aqui. Os carros italianos de
luxo, que custam mais do que uma pessoa normal ganha durante toda a sua
vida, gritam meu nome, como se me convidassem a uma noite de diversão —
não só com a mulher que estará no banco do carona, mas com eles também.
— Qual você quer? — pergunto a ela, que parece não dar muita
importância ao playground que Don Marco tem em casa.
— O vermelho, para combinar com o meu vestido — ela diz, dando de
ombros.
O vermelho, como ela disse, é uma Maserati Granturismo. Um dos
carros que eu sempre tive vontade de roubar, só para saber como é a potência
do motor.
Sorrio para ela, puxando-a pela mão até lá. Abro a porta do carona e
Mia toma seu lugar. Dou a volta e abro a minha porta, a chave me esperando
como Don Marco disse.
Ligo o carro e o ronco suave do motor me excita ainda mais.
Isso vai ser bom…
Mia aperta o botão do controle, que abre o portão da garagem, e
programa seu endereço no GPS do carro. Acelero, pouco me importando se
estou chamando muita atenção.
Assim que saímos da mansão, viro-me para ela.
— Tira a calcinha — digo.
— Como é?
— Tira. A. Calcinha. — Minha voz sai grossa e muito mais autoritária
do que eu gostaria. Estou embriagado com o momento, meu pau tão duro
dentro da calça que eu juro que deve estar com a marca do zíper desenhando
seu comprimento.
Mia obedece e desliza a peça por suas pernas.
— A… assim? — ela pergunta, um pouco incerta das minhas intenções.
— Afasta as pernas e levanta o vestido — peço novamente e, mais uma
vez, Mia cede às minhas vontades.
Puta que pariu, isso vai ser muito bom.
Levo três dedos à boca, molhando-os com a minha saliva.
— Sage, o quê…?
— Eu vou te tocar agora, freirinha. Vou fazer você gozar no banco de
couro deste carro — anuncio, sem muitas explicações.
Ela arfa com o que acabou de ouvir e posso jurar que escuto seu coração
bater com força. Antes que ela possa contestar, deixo minha mão correr para
o meio de suas pernas. Dessa vez, sou eu quem me espanto.
Mia já está molhada, apesar de suas pernas estarem tremendo.
— Isso te excita, freirinha? — pergunto, sabendo muito bem a resposta.
— As pessoas podem ver, Sage… — Sua voz sai em um sussurro
enquanto afasto seus lábios com dois dedos e uso o outro para brincar com
seu clitóris.
— Não respondeu à pergunta, Mia. Isso. Te. Excita? — falo
pausadamente, meu dedo estimulando o pequeno botão.
Mia não responde. Apenas estremece e solta um gemido baixo.
Não olho para ela. Estou concentrado na direção; o carro beirando
120km/h.
— Se você não me responder, eu paro. Gosto quando minhas mulheres
consentem.
Faço menção de remover a mão, mas Mia me impede, segurando-a com
força em sua boceta molhada.
— Suas mulheres não, Sage. Agora, você só tem uma mulher, e sua
obrigação é me fazer gozar duas vezes antes de me deixar em casa — ela fala,
seu tom firme e decidido.
Olho para ela, assustado com a forma brusca com que disse as palavras.
Mia me encara com luxúria, os olhos brilhando com a promessa do que
está por vir. Aproveito que paramos em um sinal e a puxo para perto,
grudando nossas bocas em um beijo faminto.
Meu pau lateja na calça e não vejo a hora de ela usar essa boquinha
deliciosa para me chupar com força.
Enfio um dedo em sua boceta e Mia solta um gemido mais alto.
— O que minha freirinha pedir, minha freirinha terá — digo com a boca
ainda colada na dela.
O carro de trás buzina e noto que o sinal já abriu. Então, volto a dirigir,
porém meus dedos continuam brincando com seu clitóris.
Pelo visto, vou ter que dar algumas voltas antes de deixá-la em casa.
Capítulo 15
Mia
Os dedos de Sage brincam no meio das minhas pernas, arrancando de
mim alguns gemidos. Já me toquei assim várias vezes, inclusive sou capaz de
dizer a meu noivo como ele faria com que a brincadeira atingisse seu objetivo
com mais facilidade. Mas, em vez disso, aproveito o toque e me entrego.
Sua mão movimenta-se de forma ágil. Meu corpo reage, me forçando a
rebolar em seus dedos. A velocidade do carro, a atenção de Sage concentrada
na direção — que segura firme com uma mão, enquanto a outra me estimula
— fazem com que eu fique ainda mais excitada. É a primeira vez que outras
mãos me tocam dessa forma e não sou capaz de raciocinar sobre o misto de
emoções e sensações que me invadem, no mesmo ritmo e intensidade que os
dedos dele me manipulam.
Eu quero mais, preciso de mais e que se danem as tradições. Quando o
sinal fecha novamente, procuro por sua boca, abrindo passagem entre os
lábios com minha língua, desesperada para encontrar a de Sage. Minhas mãos
correm para sua cintura e, de forma hábil, abro o cinto, o botão da calça e o
zíper. Minha mão toca-o por cima do tecido que parece querer rasgar.
— Tira ele para fora — sussurro contra sua boca e contraio minhas
pernas, apertando a mão de Sage, que continua a me estimular.
Com a mão que estava no volante, Sage rapidamente me obedece,
livrando-se do tecido que o sufocava. Afasto nossas bocas e encaro o que
nunca vi assim, em carne, cores e veias, ao vivo. Minha mão hesita em tocá-
lo. Meus olhos não conseguem parar de admirá-lo e minhas papilas gustativas
se ouriçam com a possibilidade do gosto, enchendo a minha boca de saliva.
Ele brilha na ponta, deixando-me bem segura de que Sage está tão excitado
com essa possibilidade quanto eu.
Ainda encarando seu membro, lentamente vou baixando a mão em sua
direção. Acaricio a extensão com as pontas dos dedos, começando pela parte
brilhante, e vou descendo. Quando chego à base, fecho os dedos em sua volta.
Não consigo fazer com que as pontas do dedão e do indicador se encontrem
— e isso faz com que minha boca salive ainda mais.
Começo a subir e descer a mão. Sage joga a cabeça no encosto do carro,
os dedos cada vez mais ágeis, meus movimentos cada vez mais acelerados.
— Puta que pariu, freirinha! — ele grita dentro do carro. A voz mais
grossa e rouca do que o normal.
O sinal abre, os carros começam a passar por nós e buzinar. Nenhum dos
dois se importa. Não paro. Nem Sage. Meus olhos atentos a cada uma de suas
reações aos movimentos que faço em seu corpo. Os olhos me encaram com
uma chama diferente, uma que não quero controlar.
Então, sinto se aproximar: as contrações no corpo, a onda de aflição, o
desespero que toma conta, a ânsia por calmaria. Acelero ainda mais. Quando
chego à base, sem soltar o dedão e o indicador de sua circunferência,
escorrego os outros dedos, massageando-o, e volto a subir. Rápido, intenso,
arrancando gritos e palavrões do meu futuro marido. Os movimentos
involuntários do meu quadril também se intensificam nos dedos de Sage, que
acompanha meu ritmo acelerado. E quando a calmaria chega, ela não é calma.
Meu corpo inteiro se contrai, meus membros tremem, meu coração acelera e o
ar parece se ausentar de dentro do carro. Algo diferente de tudo que
experimentei sozinha.
Sage não demora a chegar ao mesmo ponto de alívio que eu. Suas mãos
procuram o meu pescoço e seus lábios, minha boca. O beijo é rápido. Assim
que nossas respirações se acalmam, ajeito-me no banco do carona.
— Precisamos ir.
— Você disse que queria gozar duas vezes antes de chegar em casa,
freirinha. E eu quero saber o que essa sua boquinha é capaz de fazer. — Sage
carinhosamente segura minha boca entre os dedos e passa o indicador em
meus lábios. Eu o sugo. — Melhor a gente ir para um lugar com mais espaço.
Por mais cretino que eu seja, não vou tirar a virgindade da minha futura
esposa em um carro. — Ele ri. — Mesmo que seja um Maserati Granturismo.
— Sage… — Faço um carinho em seu rosto. — Você irá me fazer gozar
uma segunda vez antes de chegarmos à minha casa — digo, sorrindo. — Mas
se continuarmos parados aqui, desviarmos da rota do GPS ou você demorar
mais do que quinze minutos além do tempo estimado que leva para ir e voltar,
pode ter certeza de que não estará vivo para tirar a minha virgindade na nossa
noite de núpcias. — Dou dois tapinhas em seu rosto, para que saia do transe,
e ele parece se encontrar. — E nenhum de nós dois quer isso, certo?
— A gente só vai transar na noite de núpcias? — É a única coisa que ele
parece ter escutado. — Tá de sacanagem comigo, freirinha?
— Isso se tiver noite de núpcias. Mais dois minutos aqui e alguém virá
atrás de nós. — Dessa vez, elevo o tom da voz. Acho que Sage não escutou o
mais importante. — E te garanto que, ao verem que não sofremos um acidente
ou não estamos em algum enrascada, eles rapidinho vão imaginar o que
estávamos fazendo.
— Ok, entendi. Eles vão vir, sacar suas pistolas e, dessa vez, atirar,
porque eu deflorei a minha noiva. — Ele ri, engata a marcha e começa a
acelerar, fazendo o carro se movimentar mais uma vez. — Em que século essa
família pensa que vivemos?
— Não importa, mas é bom você começar a respeitar as nossas
tradições se pretende ser alguém de importância nessa família.
— Como assim, de importância? — Sage me olha confuso. — Você
quer que eu seja um Capo? — Ele ri.
— Não — digo séria. — Quero que você seja o próximo Don.
— Você só pode estar de brincadeira! — Sage dá uma gargalhada. —
Como isso seria possível? Tem um plano também para matar meu pai,
freirinha?
— Claro que não, Sage! Você só pode estar louco. Eu nunca conspiraria
contra Don Marco. — Ofendo-me com o comentário. — Fora que, na nossa
família, as coisas não acontecem assim. Elas são por merecimento. Logo você
vai aprender e entender como tudo funciona. — Respiro fundo. Preciso ter
paciência com ele, Sage ainda não foi treinado e precisa descobrir muita
coisa. Por ora, prefiro aproveitar o que já pode me oferecer. — Então, temos
apenas mais alguns minutos até a minha casa. — Faço carinho em sua
bochecha e vou descendo com a mão pelo seu braço, acariciando-o. — E
você disse que realizaria todos os meus desejos…
— De que mundo você veio? — Ele arqueia uma sobrancelha antes de
colocar sua mão entre o meio das minhas pernas de novo.
Capítulo 16
Sage
Pensei que já tinha passado por quase tudo nessa vida. Mas, é claro,
estava errado.
A semana começou comigo acordando cedo — o que já não é comum —
e tendo que participar de um café-da-manhã em família. Descobri que, nesta
mansão, mora mais gente do que eu imaginava.
Além de nonna e Don Marco, tenho dois primos que foram criados aqui
também: Gio e o otário do Vince. Aparentemente, eles são os filhos do meu
falecido tio, irmão de Don Marco, e foram criados aqui, quase como filhos de
meu pai.
A cada mordida que dava no meu pãozinho, Vince me olhava com a cara
emburrada. Era como se ele estivesse esperando que eu fizesse alguma
merda, só para poder apontar para mim e mostrar para meu pai e nonna que
não sou o que eles esperavam.
É claro que não sou, nem estou inclinado a ser.
Por sorte, o café foi interrompido pela chegada de Giovanni, Carlo e
Toni, que saíram com Don Marco em direção ao escritório para discutir
negócios. Aproveitei a deixa e avisei que iria para o quarto. Essa dose extra
de refeições em família estava começando a me incomodar.
Antes que eu pudesse sair também, nonna avisou que teríamos
treinamento hoje. Quando olhei descrente para ela, a senhorinha anunciou que
Danio estaria nos esperando em meia hora, na sala de exercícios. Jett, Coal e
eu nos entreolhamos, sem saber muito o que esperar.
Meu pai havia tecido elogios atrás de elogios sobre o tal Danio, que, por
sua vez, parecia venerar o chão que seu Don pisava. Quando falaram sobre
treinamento, juro que não estava esperando algo tão… literal, mas ao entrar
na tal “sala de treinamento”, percebi o quão errado eu estava.
Agora, com uma pistola em cada uma das mãos, juro que ainda não
consigo acreditar que esta é uma academia de treinamento para gângsters.
— O exercício é simples: acertem o alvo. — Danio aponta para os três
painéis que foram colocados à nossa frente, com desenhos de homens sem
rosto. Cada parte do corpo tem uma pontuação diferente.
— Você não deveria dizer que estamos muito no início do treinamento e
que a parte das armas é só quando estivermos prontos? — pergunto a ele, que
me olha com descrença.
Pelo menos é assim que funciona em todos os filmes. Primeiro, o cara
treina até dominar a parte da porradaria. Depois, ele vai para as armas.
— Eu não sei o que você já aprendeu até agora, mas, na vida real, os
homens não começam a lutar feito o Bruce Lee no meio da rua. Na vida real,
quem atirar primeiro ganha. Foda-se o kung fu — o Allenatore fala, negando
o que já vi na televisão. O que, confesso, me deixa um pouco confuso e um
tanto frustrado. — Às vezes, tudo que temos é a oportunidade de um tiro. É
melhor que você saiba como atirar, não acha?
— Gostei de você, Danone.
— É Danio.
Pisco para ele e seguro as duas pistolas com firmeza, mirando o alvo.
— Por que duas, e não só uma? — Ouço Jett questionar.
— Vocês estão segurando uma Glock, nove milímetros. No pente, tem
dezessete balas. Se você segura duas armas ao mesmo tempo, então tem trinta
e quatro balas. A matemática da coisa é bem simples, ragazzo — Danio diz
em tom de piada, mas sei que ele tem razão. — Agora, chega de perguntas e
comecem a atirar. Só cuidado, esses brinquedinhos são caros.
Olho para Jett, que analisa as pistolas em sua mão. Por mais que a gente
tenha se metido em alguns negócios obscuros, nunca tivemos o hábito de
carregar armas — o que, agora, parece ter sido uma burrice de nossa parte.
Dou de ombros e volto a encarar o alvo, apenas para começar a atirar
nele. Bala atrás de bala. O coice das armas não é tão forte quanto pensei;
mesmo assim, seguro-as com firmeza, descarregando o cartucho em alguns
segundos.
Sinto como se estivesse em um filme de bang bang, o que me faz atirar
com um enorme sorriso no rosto. Não escuto se Jett e Coal fizeram o mesmo,
mas, quando eu me viro para eles, vejo que Jett tem a mesma expressão que
eu. Já Coal está parado, apenas olhando para o alvo.
— Confesso que estou adorando esse treinamento — comento quando
Danio nos encara. A adrenalina ainda pulsa em minhas veias e a vontade que
tenho no momento é de repetir a mesma coisa duzentas vezes.
— Vamos ver como vocês se saíram — nosso allenatore diz e vai até os
alvos. — Desastroso! — ele berra, olhando para nós como se não pudesse
acreditar no que acabou de descobrir. — Vocês não acertaram quase nada! E
pelo que posso interpretar por esse buraco aqui — ele aponta para o alvo de
Jett —, você é tão ruim de mira que acertou o homem errado!
Dessa vez, ele me encara.
— Ah, que isso, mano… A gente nunca curtiu muito essa coisa de armas
— respondo, sem me envergonhar um pouquinho sequer da minha
performance.
— E você, por que não atirou? — Dessa vez, a pergunta é direcionada a
Coal.
— Porque eu não uso a arma de outro homem — meu irmão responde e
coloca as duas pistolas no chão. Em seguida, ele saca Joana da parte traseira
da calça e começa a atirar, descarregando as dezoito balas, que acertam em
cheio o peito e a cabeça do alvo. — A última fica guardada para
emergências.
Danio fica boquiaberto com a demonstração de Coal, diferente de mim e
Jett, que sabemos do que ele é capaz. Coal, em todo seu autocontrole, é o que
mais esconde suas habilidades, e a Taurus de estimação tem sido sua
companhia frequente desde que nossa mãe morreu.
— Pelo menos um de vocês tem talento — Danio diz, balançando a
cabeça afirmativamente para Coal. — PT380? — ele pergunta e meu irmão
confirma. — Vou conseguir mais alguns cartuchos para você. Enquanto isso,
os dois bonitinhos aí têm muito trabalho a fazer.
— Como foi o treino? — nonna nos pergunta assim que entramos na
cozinha.
Já passa de quatro da tarde e juro que nunca me senti tão cansado na
vida. Foram horas atirando, tentando acertar a merda de um alvo minúsculo.
Quando saí de lá, sabia que já estava melhor do que quando eu entrei,
principalmente depois de seguir as dicas de Danio.
É difícil admitir, mas Don Marco tinha razão: Danio é excelente no que
faz.
Depois do esporro, ele começou a nos orientar e mostrou de que
maneiras podemos melhorar nossa mira. Não direi isso a ninguém, mas estou
bastante animado com o que nosso Allenatore tem preparado para o próximo
treino.
Quem diria que assistir a uma aula pudesse ser tão divertido?
— Foi ótimo, nonna. Mas estou morrendo de fome. O que a senhora
preparou para nós? — Jett, o puxa-saco oficial dos Rossi, quer saber. Isso faz
com que nonna abra um sorriso de orelha a orelha.
— Tem polpetone no forno. Vocês perderam o almoço. Vou servir um
prato para vocês — ela avisa e escuto minha barriga roncar. — Depois de
comerem, deixem os pratos na pia. Seu pai quer falar com você, Sage. Jett e
Coal, vocês podem subir para tomar um banho. Às oito da noite, todos iremos
jantar na casa dos Messina.
Nonna distribui os pratos na mesa da cozinha e começamos a atacar a
comida imediatamente.
— Por que Don Marco quer falar com Sage? — Coal pergunta entre uma
garfada e outra.
— Non parlare con la bocca piena[34] — nonna repreende. Posso não
ser expert em italiano, mas creio que ela tenha dito a meu irmão para que não
fale de boca cheia.
— Scusa[35], nonna — ele diz, fazendo com que a mulher abra um
enorme sorriso.
Pelo visto, ele já começou a se italianizar também.
— Voltando à pergunta, Coal, seu pai quer falar com Sage sobre o
casamento — nonna explica e eu faço que sim com a cabeça.
A palavra casamento ainda me é estranha e causa um tremendo
desconforto, mas só de me lembrar do que aconteceu entre Mia e eu naquele
carro, o desconforto deixa de ser moral e passa a ser físico. Mais
especificamente, dentro da calça jeans que estou usando.
Aquela freirinha safada ainda vai ser minha ruína.
Os sons que ela emitia enquanto eu brincava com seu clitóris eram
suficientes para levar qualquer homem à loucura. Sua boceta virgem gozou na
minha mão e pude sentir cada tremor, cada latejo, cada gota do seu prazer.
Se isso aconteceu com apenas meus dedos, imagina como Mia irá reagir
ao me ter enterrado nela? Cada centímetro meu levando-a ao clímax. Vou
sugar aqueles mamilos arrebitados e apertar com força aquela bunda redonda
enquanto entro e saio de dentro dela, fazendo-a berrar meu nome e pedir
mais. Sempre mais.
Fico duro só de pensar e acabo ignorando qualquer conversa que esteja
rolando na cozinha. Só a lembrança faz com que eu reaja e ignore o resto do
mundo.
Desde que levei meus dedos à boca e senti o gosto daquela maldita
italiana, anseio por mais. Quero tudo com ela… Quero fodê-la de todas as
maneiras possíveis e fazer com que a única coisa em sua mente seja eu. Meu
corpo. O prazer que posso lhe dar.
— A comida não está boa, Sage? — nonna pergunta, fazendo com que
eu volte à realidade e afaste os pensamentos de uma certa freirinha deliciosa
da minha cabeça.
Porque não tem nada mais brochante do que ver sua avó usando um
avental de galos e galinhas e te oferecendo um polpetone.
— Está maravilhoso, nonna. Obrigado. Só estou um pouco distraído —
confesso, sem querer entrar em detalhes do que se passava em minha mente.
— Aposto que está ansioso com o casamento — ela diz.
Você não sabe o quanto…
— Também. — Dou uma garfada na comida para evitar de ter que
continuar na conversa.
Nonna sorri para nós e avisa que precisa ir agora. Ela vai se encontrar
com Mia e Giorgiana para verem as coisas da festa. Apenas faço que sim com
a cabeça e garanto a ela que irei ver Don Marco assim que terminar de
comer.
Quando ela sai, meus irmãos começam a conversar sobre o treino e
como gostaram de Danio. Permaneço em silêncio, comendo o melhor
polpetone do mundo e pensando no que será da minha vida daqui pra frente.
Por mais que o prospecto de comer aquela freirinha de maneiras
diferentes e com frequência seja bastante apelativo, sei que não é apenas isso
o que me aguarda.
As palavras de Danio me voltam à mente: “Às vezes, tudo que temos é a
oportunidade de um tiro”. Não estou assustado com isso. Muito pelo
contrário: estou cada vez mais curioso sobre os negócios da família.
Assim que acabo de comer, levanto-me da mesa, levo o prato para a pia
e aviso a Jett e Coal que irei me encontrar com Don Marco. Saio da cozinha e
me encaminho para o escritório dele. Porém, no caminho, sou interrompido
por vozes.
Não tem ninguém falando comigo, mas escuto meu nome com clareza.
Isso faz com que eu pare de andar e preste atenção na conversa que está
acontecendo atrás de uma porta.
— Sage é um babaca! — Posso jurar que é a voz de Vince, meu
priminho preferido. — Não sei como a Mia pode estar encantada por ele.
Controlo-me para não rir.
Isso mesmo, Vince. Pode chorar por causa dela, porque Mia nunca vai
ser sua.
Alguém fala mais alguma coisa, mas não consigo escutar muito bem. O
tom é baixo e o som acaba saindo abafado demais para que eu entenda.
— Eu não quero saber! — Vince grita, o que facilita muito a minha vida.
— Eu não sei por quanto tempo vou aguentar dividir o teto com aquele
desgraçado!
Pelo visto, eu incomodo. Que pena…
As vozes diminuem de volume e não consigo mais ouvir. A outra pessoa
deve ter acalmado Vince.
Resolvo que não estou com vontade de bisbilhotar por mais tempo e
volto a andar em direção ao escritório de meu pai. Paro na frente da porta e
dou três batidas.
— Entra — Don Marco diz em seu sotaque italiano, o que me faz pensar
se nasceu aqui. Ainda não perguntei isso a ele.
— O senhor queria falar comigo? — pergunto assim que abro a porta e o
vejo sentado à escrivaninha, a caneta em sua mão passeando rapidamente em
um bloco.
— Ah, Sage! Sim. Entra, entra — ele fala, apontando para a cadeira à
sua frente. — Como foi o treino? — Don Marco questiona quando tomo meu
lugar.
— Foi… interessante. — Não quero dizer que foi incrível, porque senão
ele pode começar a ter ideias de que agora sou o mais novo filhinho do papai.
— Danio é muito bom no que faz — limito-me a falar.
— Fico feliz que tenha gostado. Ele me disse que tem dez dias intensos
preparados para você e seus irmãos — comenta e faço que sim com a cabeça.
Danio nos mostrou o calendário de treinamento. Preciso admitir: o que
ele tem em mente é muito bom.
Amanhã teremos mais treino com armas na sala, mas, depois de amanhã,
ele disse que iria nos levar para o campo de treinamento na parte de trás da
casa.
— Podemos ir direto ao assunto? — peço, fazendo com que Don Marco
solte uma risada tranquila.
Estou cansado. Quero tomar um banho e tirar um cochilo antes de ir para
a casa de Mia mais tarde. Afinal, preciso estar bem-disposto para realizar as
vontades daquela freirinha fogosa.
— Claro que sim — ele diz e abre uma das gavetas da mesa. Em
seguida, coloca uma caixinha à minha frente. — Eu queria te dar isso.
Pego a caixa preta e a abro. Um enorme anel de diamantes brilha lá
dentro.
— Não curto muito essa parada de incesto. Nem gostaria de me casar
com um homem. Mas fico honrado com o convite. — Não consigo segurar a
piada.
— Muito engraçado, Sage. Este anel é importante para mim e gostaria
que você o desse à Mia. — Olho para ele, sem saber muito bem como
interpretar o que acabou de me dizer.
— Por que ele é tão importante para você? — Cedo à curiosidade,
mesmo que já tenha ideia de qual será sua resposta.
Don Marco respira fundo e pega o anel, que parece ridiculamente
pequeno se comparado à sua mão. Por alguns minutos, ele apenas analisa a
joia, como se ela trouxesse lembranças de um tempo que jamais voltará.
Meu coração — o mesmo que eu insisto em dizer que não tenho — fica
apertado, enquanto espero por sua resposta.
— Sua mãe fugiu pouco antes do nosso noivado — ele confessa e engulo
em seco. — Na época, eu tinha acabado de me tornar Capo e o dinheiro que
eu ganhava não era tanto assim. Mas não queria saber. O amor da minha vida
precisava do melhor anel.
Vejo seus olhos marejarem ao passar o dedo por cima de cada um dos
diamantes incrustados na aliança dourada. Dá pra sentir a saudade em sua voz
e a tristeza profunda no modo como engasga com as palavras.
— O que aconteceu? — pergunto, sabendo que esta pode ser uma das
poucas chances que eu tenho de saber mais sobre o que fez com que minha
mãe fugisse da casa dos Rossi.
— Ela foi embora e sequer me avisou que carregava meus filhos no
ventre.
— E você nunca…? — tento perguntar novamente, mas sou
interrompido.
— Basta! Não estamos aqui para falar do passado, e sim do futuro. —
Don Marco fecha a tampa da caixinha e a entrega para mim. — Dê este anel à
sua noiva, já que eu não tive a chance de dar à minha.
Pego a caixa de veludo e a guardo no bolso, apenas fazendo que sim com
a cabeça.
Capítulo 17
Mia
Enquanto mamma e nonna gritam, gesticulam e xingam Don Marco pela
correria para preparar o casamento, eu agradeço mentalmente. Seria
impossível prolongar esse noivado por mais tempo — minha virgindade
também. E não é porque meu futuro marido não aguentaria esperar, porque
Sage está sendo bem mais fácil de controlar do que imaginei. O problema sou
eu mesma.
Dizer que foi impossível dormir ontem à noite é um eufemismo. Todas as
vezes que o sono vencia, os sonhos me atormentavam, me fazendo acordar
suando e chamando por Sage. Por seus dedos, seus beijos, seu…
— Mia, bambina! — nonna chama a minha atenção, rindo. — Em que
mundo você está, ragazza?!
Ela aponta para algumas imagens de arranjos de igreja, que estão em sua
pasta de casamento. Estamos sentadas à mesa da cozinha. São algumas pastas
que nonna carrega como tesouro, com todos os detalhes e opções possíveis
para um belo casamento. Essa mulher é responsável por todos que acontecem
na família há mais de trinta anos.
— Gosto deste. — Aponto para um arranjo de íris brancas, com detalhes
em um lilás quase azulado. — Azul para significar a lealdade ao meu futuro
marido e as íris, ou flor-de-lis, como minhas colegas de faculdade chamam,
porque elas simbolizam a coragem, a sabedoria e uma mensagem de
esperança.
— Bela escolha, Mia! — Mamma aplaude. Nonna concorda com a
cabeça e um sorriso largo no rosto.
Continuamos olhando e decidindo as coisas práticas do casamento:
flores, arranjos de mesa… As flores das lapelas dos homens serão cravos
brancos. Decidimos as cores dos vestidos das madrinhas, do terno do noivo
e, por último, o modelo do meu vestido. A costureira chegará em breve para
tirar as medidas e a capela já está agendada. Duvido que qualquer outra
pessoa teria conseguido essa reserva, mas Padre Santino conhece bem a
nossa família e já celebrou muitos dos nossos casamentos. Depois da
cerimônia religiosa, seguiremos para a recepção nos jardins da casa de Don
Marco e, finalmente, para nossa noite de núpcias.
Tenho plena ciência de que a primeira vez irá doer e que dificilmente eu
vou ter um orgasmo com Sage me penetrando. Já li, conversei, ouvi
depoimentos e assisti documentários sobre o assunto. Não tenho a ilusão de
que comigo será diferente. Mas sei do que o meu futuro marido é capaz de
fazer com os dedos e, pelo jeito que sua língua se movimenta dentro da minha
boca, imagino que ela também poderá ajudar a tornar a nossa primeira vez
mais interessante para mim.
— Mia! — nonna chama a minha atenção de novo, mas, dessa vez, ela
está séria. — Está com a cabeça nas nuvens hoje, parecendo uma tontellone.
— Ela então sorri. — Sage também estava assim na hora do almoço. —
Nonna segura a minha mão sobre a mesa. — Disse que era ansiedade pelo
casamento.
Ah, Sage… Se você estiver com cara de tontellone pelos mesmos
motivos que eu, tenho certeza de que vamos nos dar muito bem.

— Será que nós podemos ficar sozinhos por um minuto? — Sage


sussurra em meu ouvido.
Estamos ainda todos sentados à mesa, depois de um jantar íntimo.
Apenas eu, meu noivo, nossos irmãos, pais e a nonna. Só que tem duas
pessoas a mais na mesa que me incomodam — e parecem que a Sage também:
Vince e Gio.
Pelo que Jett falou assim que chegou, o motivo do atraso de quinze
minutos da família Rossi foi em função de eles não considerarem os primos
como irmãos. Eu também não consideraria, ainda mais Vince, porém sei que
foram criados como filhos do Don Marco e ele não faria distinção,
principalmente depois de tantos anos provando sua lealdade.
— Quando os homens se retirarem da mesa e forem para o escritório,
teremos alguns minutos — sussurro em seu ouvido. Observo que todos estão
entretidos com conversas e coloco meu braço esquerdo por baixo da mesa.
Aperto a virilha de Sage, que leva um susto. — Também estou ansiosa para
ficar sozinha com você de novo.
— Não é isso, freirinha! — Ele ri. — Eu preciso te dar uma coisa.
Antes que eu possa perguntar o que é ou que ele me diga qualquer
detalhe, papà chama seu nome, perguntando algo sobre o treinamento, e Sage
volta sua atenção para ele, respondendo à pergunta. É então que reparo no
jeito como Vince me encara. Não é mais o olhar de luxúria de sempre: agora,
seus olhos parecem tomados pelo ódio.
Os homens começam a sair da mesa, e as mulheres, que vieram ajudar
mamma e nonna, mas não participaram do jantar, começam a retirar os pratos
e louças. Vince permanece sentado, encarando-me como antes. Quando Gio,
que está ao seu lado, faz menção de se levantar, Vince o segura pelo braço.
Don Marco chama por Sage, mas ele pede permissão para ficar algum tempo
a mais comigo e diz que logo vai para o escritório. Sorrindo, o pai concorda
com a cabeça e pisca para ele. Em seguida, chama por Vince e Gio.
— Nós já vamos. Precisamos só terminar um assunto, padrino[36].
— Va bene, mas não demorem.
Sage e eu nos levantamos e saímos em direção aos fundos da casa.
Caminho até a piscina, com os dedos entrelaçados aos de meu noivo. Sento-
me em uma das espreguiçadeiras e puxo a mão de Sage para que sente ao meu
lado. Ele recusa, ficando de pé.
— O que foi? — pergunto curiosa.
— Toma. — Ele enfia a mão no bolso da calça e tira uma caixa de
veludo preta. — Meu pai mandou te dar isso. — Estende a caixa para mim.
— Isso que Don Marco mandou você me dar é um anel de noivado? —
pergunto, curiosa e sem pegar a caixa de sua mão que continua estendida.
— É. Ele falou que iria dar para mim mãe antes de ela fugir…
— Ah, sim. O maledeto[37] noivado do qual nunca se fala — digo sem
pensar.
— O que você sabe sobre a minha mãe? — Sage guarda a caixa
novamente no bolso, sentando-se ao meu lado.
— Não muito. Só sei que seu pai quase não foi Don por causa dela. Ele
nunca aceitou se casar com alguém depois disso, mesmo com a nonna
achando ótimas pretendentes. — Dou de ombros. — Deixe-me ver o anel.
Sage tira a caixa do bolso novamente e ergue a tampa. Dessa vez,
remove o anel do estojo e segura a minha mão.
— Agora você não vai poder fugir de mim, freirinha. — Ele coloca
delicadamente o anel em meu dedo e, em seguida, leva minha mão até a boca
e chupa o mesmo dedo devagar. Seus olhos não desgrudam dos meus. — E eu
sei que você vai querer fugir depois que te fizer gritar o meu nome na cama
algumas vezes na nossa noite de núpcias.
Atiro-me no colo de Sage e grudo nossos lábios. Não preciso responder
absolutamente nada. O anel é lindo, perfeito em meu dedo, mas meu futuro
marido é mais do que perfeito para mim. As mãos dele puxam minhas costas,
trazendo-me para ainda mais perto de seu dorso. As línguas enroscadas,
invadindo ora a boca de um, ora de outro, sem um ritmo definido e com a
promessa de tudo que serão capazes de fazer em outras partes do corpo.
Os lábios de Sage descem por meu pescoço, inclino a cabeça para o
lado, dando mais passagem para sua boca, que segue em direção ao meu colo.
De repente, vejo os holofotes da piscina sendo acessos. Em um pulo, saio do
colo de Sage e sento-me ao seu lado.
— Olha se não são os pombinhos, nonna! — Vince grita.
— Eu vou matar esse filho da puta! — Sage rosna ao meu lado.
— Não agora, amore mio. — Repouso a mão em sua coxa. — Na hora e
pelo motivo certo, nos livraremos dele. — Sorrio e o que vejo é… medo nos
olhos de Sage?!
Capítulo 18
Sage

— O que foi? — Mia pergunta e não sei muito bem como responder.
Toda vez que eu acho que comecei a entender que tipo de pessoa ela é, a
freirinha vem e diz algo completamente diferente do esperado. Já deu para
notar que ela não é daquelas que será santa na cama, mas o que Mia quis
dizer com “nos livraremos dele”?
— Nada. — Acaricio seus cabelos. — Não foi nada.
Também não faço a menor ideia do que perguntar, então, opto por me
manter longe do assunto. Pelo menos, por enquanto.
— Aí estão vocês! — Nonna aparece ao nosso lado, acompanhada de
Vince, que sorri maliciosamente para nós, como se estivesse se vangloriando
por ter interrompido nosso momento. É um otário mesmo. — Sua mãe está te
procurando, bambina.
— Desculpa, nonna. A gente estava conversando — Mia diz e faz
menção de se levantar, mas puxo-a para mais perto de mim.
— Na verdade, nonna, não estávamos fazendo nada de inapropriado. Eu
estava apenas pedindo minha noiva em casamento. Oficialmente — explico,
fazendo com que minha avó arregale os olhos, que seguem direto para a mão
de Mia, encontrando o enorme anel de diamante.
— Non ci posso credere![38] — ela exclama e vem nos abraçar, falando
várias outras coisas em italiano que fazem Mia abrir um enorme sorriso.
Vejo os olhos de nonna marejarem ao notar qual foi o anel que dei a
Mia. Isso me faz perceber que ela sabe muito mais sobre a história de meus
pais do que se permitiu nos contar. Fico tentado a pedir para que ela revele
mais, porém nonna começa a nos puxar de volta para casa, dizendo que
precisamos comemorar.
De novo.
Pelo visto, tudo é motivo de comemoração para os Rossi.
Com ambas as minhas mãos nas de Mia e nonna, percebo que estou em
um beco sem saída. Balanço a cabeça e me permito ser guiado, não sem antes
olhar para trás e ver o olhar ardiloso de Vince, que parece cada vez mais
desgostoso com a atenção que a família tem voltado para mim.
Pisco para ele, que me mostra o dedo do meio em resposta. Acho que
isso será algo que ocorrerá com bastante frequência entre nós.
— Eles estão noivos! — nonna grita ao entrar na sala de estar, onde
estão nossos pais e irmãos.
— Claro que estão noivos. Vocês já estão até organizando o casamento
— Jett diz, confuso.
— Non, non! Eles estão noivos de verdade. — Nonna estende a mão de
Mia, mostrando para todos o anel que meu pai me deu.
Giorgiana solta um gritinho de alegria e vem até a filha, analisando a
joia com cuidado. Giovanni também se aproxima, me olhando com
desconfiança. Eles parabenizam a freirinha, que tem as bochechas vermelhas
com o desconforto em estar no centro das atenções.
Essa mulher é um enigma… e juro que, um dia, irei entendê-la.
Viro-me para Don Marco, que apenas balança a cabeça positivamente.
Repito o gesto para ele.
— Isso merece um brinde — Don Marco anuncia e pede a uma mulher
de uniforme que vá buscar o champagne.
Calado estava, calado continuo. Não tenho o que falar. Sei que jamais
teria feito isso por conta própria, mas trezentos mil na mão e a chance de
comer a freirinha deixam essa situação um pouco mais aceitável.
Eu não a amo. Possivelmente nunca a amarei. Mas, se eu for ser sincero,
a mesma coisa se aplica a qualquer outra mulher no planeta. Então, foda-se. O
que receberei em troca compensa ter que assinar um documento.
As taças são servidas aos presentes e Don Marco se levanta da poltrona.
— Um brinde — ele diz, erguendo o champagne, e todos fazem o
mesmo. — Ao meu filho, Sage, e à dolce[39] Mia. Que a união de vocês
carregue a força da família Rossi e solidifique ainda mais o que temos
construído há gerações. Espero que encontrem o amor um no outro e que se
amparem em tempos difíceis. Eu não poderia estar mais feliz com um
casamento do que estou hoje. — Ele desvia o olhar de nós e encontra o de
Giovanni. — Esperamos muito tempo por este momento e tenho certeza de
que vocês serão muito felizes juntos. Agli sposi[40]!
Todos brindamos e Mia olha para mim, um sorriso diferente corre em
seus lábios. Mais um dos mistérios que envolvem esta mulher. Porém, não
tenho muito tempo para refletir sobre ele, pois somos abraçados por todos na
sala.
O discurso de Don Marco deixou claro o que espera dessa nossa união:
aproximar as famílias, agradecer Giovanni por ter sido leal a ele durante
todos esses anos e nos preparar para o futuro.
O chefe da máfia italiana sabe exatamente o que faz e percebo — cada
vez com mais clareza — que todas as suas decisões são friamente calculadas
para conseguir aquilo que quer. Só me basta saber quais são os planos do meu
querido papai.
— Mexa os pés, Sage! — Danio grita para mim pela terceira vez nos
últimos dois minutos.
Faço o que ele pede e consigo me desviar do soco que Angelo Bernardi
tenta me acertar. Acho que o desgraçado está querendo se vingar pelo que fiz
na noite em que nos conhecemos, mas pouco importa. Não vou deixar
qualquer um me atingir tão facilmente.
As últimas duas semanas passaram voando. Talvez por eu ter ficado a
maior parte do meu tempo treinando ou então jantando com a minha família e
a de Mia. Fui consumido pelo treinamento intensivo que Danio preparou para
mim e meus irmãos.
Não sei qual é a mágica desse cara, mas, em tempo recorde, estou me
sentindo completamente diferente.
Armas não são mais um mistério para mim. Também não posso dizer que
sou tão bom com elas quanto Coal. Meu irmão tem um talento natural e, por
mais que prefira sempre usar Joana, acabou sendo convencido por Danio a
testar outras pistolas.
“Em caso de necessidade”, ele disse e meu irmão concordou. Passamos
uma semana inteira atirando nos alvos, e agora posso dizer que nunca mais
passarei a mesma vergonha do primeiro dia nesta sala, quando acertei um tiro
no alvo que não era o meu.
Danio ainda não nos liberou para sair com o Capo, mas sei que isso
acontecerá em breve. Ele mesmo disse que nunca teve alunos como nós e
deixou claro para Don Marco que está impressionado com nossa performance
e rápido desenvolvimento.
Isso pareceu deixar nosso pai bastante contente, a ponto de nos
presentear com carros novos. Italianos. Máquinas perfeitas que me fazem
sentir vontade de gozar sempre que escuto o ronco de seus motores. Como se
isso não fosse o suficiente, Jett e eu também ganhamos nossas próprias armas.
Coal recusou, dizendo que jamais trairia Joana dessa forma.
Não satisfeito, Danio resolveu nos treinar em combate — e confesso que
tenho me divertido muito mais sempre que tenho a oportunidade de acertar
alguns socos em Vince, mesmo que seja por cima da roupa de proteção.
Nosso allenatore disse que precisa que saibamos o básico, mas que o
treinamento não terminará tão cedo. Ou melhor, nunca. Até hoje, todos os
Soldattos treinam com frequência, pelo menos três vezes por semana. Os
Capos também aparecem em ocasião. Inclusive já vi Giovanni treinar
combate e disparar a arma nos alvos.
“Ninguém nunca é tão bom que não possa melhorar”, Danio falou quando
o questionei sobre a presença do meu futuro sogro.
Quando o treino de hoje acaba — como sempre às quatro horas da tarde
—, Danio me entrega uma toalha para que eu limpe o suor do rosto. Vince
está ofegante depois de ter passado um tempo comigo no ringue, logo após
Angelo sair. Acho que pensou que eu seria um oponente fácil, já que não tive
o mesmo treinamento que ele. Só que meu querido priminho esqueceu que
meus últimos cinco anos me ensinaram muito mais do que a prática no tatame.
— Quais são os planos para sua última noite como um homem solteiro?
— Danio pergunta, me oferecendo uma garrafa de isotônico. Bebo metade do
conteúdo de uma só vez e o encaro.
— Hoje é a despedida de solteiro dele — Lorenzo, o irmão de Mia,
anuncia, fazendo com que todos os outros homens comecem a comemorar.
— Sim, minha despedida de solteiro — respondo ofegante e pouco
animado com o prospecto.
Na verdade, estaria bem mais contente em assistir a mulheres dançando
se não fosse a companhia. Por mais que alguns dos homens da família —
como Enrico Messina, Jerry Bernardi e Eddie Barrone — não sejam tão ruins
assim, ainda não tive muita oportunidade de conhecer os demais. E alguns
deles continuam me olhando como se eu fosse apenas um intruso.
Não que isso me incomode. Na verdade, estou pouco me fodendo para o
que pensam a meu respeito. Poderia até mostrar para eles o quanto não me
importo, mas Danio sempre me repreende quando meus punhos acertam —
acidentalmente — o maxilar de alguém.
— O que vocês têm planejado para essa despedida de solteiro? —
Danio quer saber.
Troco olhares com Jett e Coal, que parecem tão empolgados quanto eu.
Na verdade, nós três queríamos sair sozinhos. Afinal, eles serão os meus
padrinhos de casamento. Quando compartilhamos nossos planos com Don
Marco, ele imediatamente nos interrompeu, dizendo que filhos seus não iriam
tomar uma cerveja em um bar qualquer, e insistiu para que deixássemos os
outros homens da família organizarem algo mais… elaborado.
Eu não sei se foi por conta do cansaço ou apenas do botão do foda-se
que tem estado ligado desde que entrei nesta casa, mas concordei.
— Faremos uma festa digna de um Rossi — Eddie diz e dá dois tapinhas
nas minhas costas. — Reservamos a área VIP do Lascívia.
Danio arregala os olhos e fico sem entender sua reação.
— A boate dos Giordanni?
— Dois coelhos em uma cajadada só. — Eddie pisca para Danio, que
começa a rir com a revelação.
— Isso vai ser, no mínimo, interessante.
Não pego a referência. Também não sei se me importo realmente em
saber por que ir ao Lascívia é tão interessante assim. Tampouco o nome
Giordanni me chama a atenção. Só que todo mundo que está no treino parece
ansioso para hoje à noite — e duvido que essa empolgação toda seja apenas
por conta do meu casamento ou da possibilidade de mulheres seminuas
dançando à nossa frente.
Capítulo 19
Sage
Ainda debato se devo estar feliz ou preocupado com a minha despedida
de solteiro quando a limusine passa por um buraco e todos nós chacoalhamos
aqui dentro. Outra coisa que deveria me preocupar — talvez não a mim, mas
a Don Marco — é o fato de todos os seus Soldattos estarem dentro do carro
comigo. E, de acordo com Eddie, até alguns associados irão nos encontrar no
Lascívia.
Ao todo, somos quinze homens. É muita testosterona para pouco metro
quadrado.
— Essa vai ser a única parte ruim de ser casado com Mia Messina,
irmão — Eddie diz ao meu lado e não entendo o que quis dizer. — Você vai
ver o que acontece quando entramos em qualquer lugar juntos e vai se
arrepender de ter aceitado a oferta de seu pai.
— Eu não tive muita escolha, não é? — comento baixinho.
— Pelo menos, sua futura esposa é a mulher mais bonita da família.
Ainda bem que você não ficou preso à Divina Bernardi — ele sussurra,
indicando mais três Soldattos que estão no carro conosco. — A irmã deles é
feia demais, mano. Dá até medo daquele excesso de dente. — Sou obrigado a
rir com o comentário.
Eddie Barrone acabou se tornando um dos meus únicos amigos dentro da
família. Não que eu confiaria minha vida a ele, mas, pelo menos, é fácil estar
ao seu lado e não sentir vontade de estrangulá-lo. Bem diferente dos meus
sentimentos sempre que estou perto de Vince e aquele seu olhar de vilão da
Disney, que planeja o meu fim de forma dramática. Ao menos Eddie é
divertido e tem tentado me ajudar nos treinos.
Descobri que ele e seu irmão, Frederico, foram os últimos a entrar antes
de mim. Tanto seu pai quanto seu tio também eram da família. O segundo era
Capo, só que faleceu em ação há alguns anos. Já o pai de Eddie está
aposentado e toma conta de um dos nossos restaurantes — algo mais
adequado para um homem de sua idade.
Os irmãos de Mia também têm sido bem tolerantes comigo, o que veio
como uma surpresa. Principalmente Lorenzo, já que Enrico, o mais velho dos
filhos de Giovanni Messina, é mais calado e tende a não se misturar muito
com as outras pessoas. Porém, no meu primeiro dia de treinamento de
combate, ele fez questão de lutar comigo. Pensei que o cara fosse me quebrar,
mas acabou me dando dicas valiosas e ensinou coisas que eu nunca tinha
visto antes.
Mas como Eddie é o mais novo na família — sem contar Jett, Coal e eu
—, ele aparece nos treinos com mais frequência, e isso fez com que nos
aproximássemos.
Olha só pra mim: tenho um amiguinho agora. Acho até que vamos dividir
o lanche na hora do recreio.
Dou um gole no whisky e respiro fundo. Eu não sei o que vai acontecer
esta noite, mas todos no carro parecem bastante animados. Se fossem homens
normais, diria que estão loucos por ter mulheres se esfregando neles. Mas
estes são homens de família, e creio que essa animação toda se dá por outros
fatores.
— Hmmm, Eddie, tenho uma perguntinha pra você. — Ele me encara.
— Pode falar, Sage.
— Quem são os Giordanni? — Vou direto ao ponto. Vi a reação de
Danio e dos outros antes de saírmos da sala de treinamento. Posso ser novo
nisso tudo, mas não sou burro.
— São uma outra família italiana — Eddie dá a pior explicação
possível.
Será que essas pessoas não entendem que, às vezes, é mais interessante
falar a verdade de forma direta?
— Ou seja, uma gangue rival — troco suas palavras por outras mais
explícitas e dou um gole na bebida.
Eddie olha para o lado e repito seu movimento. Acho que todos
conseguiram me ouvir, porque pararam de conversar entre si e passaram a me
encarar. O silêncio toma a limusine e sinto Jett tensionar ao meu lado direito.
Sei que meu irmão tem as mesmas perguntas que eu na cabeça e sabe muito
bem que as respostas não serão, necessariamente, do nosso agrado.
— O seu problema, Sage, é ficar preso às visões hollywoodianas —
Enrico fala e me viro para encará-lo. — As coisas não funcionam assim. Não
somos gangues rivais. Somos duas famílias italianas, e cada uma é
responsável por um setor da economia.
Sinto vontade de rir da sua explicação, principalmente porque “setores
da economia” não são — ou não deveriam ser — controlados desta forma.
Não conheço nenhum ministro que ande armado e tenha aulas de combate.
Geralmente são velhos barrigudos, que têm uma equipe de segurança gigante
para protegê-los de seus próprios crimes.
— Então, por favor, me explica como tudo isso funciona — peço,
tentando deixar meu sarcasmo de lado por um minuto.
— Va bene — Enrico diz e controlo-me para não revirar os olhos com
seu sotaque forçado. — Nesta região, há duas famílias italianas. Cada uma
toma conta de seu território e de um setor da economia.
— E qual seria o nosso setor? — Coal interrompe e fico grato por meu
irmão também ter as mesmas desconfianças que eu.
— Armas, imóveis e proteção — é Eddie quem responde de forma
direta. — Oferecemos proteção para quem precisa, somos donos de uma boa
porcentagem da cidade, principalmente das áreas mais valorizadas
atualmente, e controlamos a entrada e saída de armas através do porto.
— Os Giordanni trabalham com coisas diferentes, como drogas e
importações de produtos — Enrico volta a explicar. — Nossas famílias
vivem em paz há décadas, desde que Don Marco assumiu o posto.
— Só que isso não quer dizer que não tenhamos uma certa rivalidade. É
como dois times de futebol. — Dessa vez, é Frederico Barrone que faz o
comentário.
— Então, nós vamos comemorar minha despedida de solteiro no
território dos Giordanni porque… — deixo a frase sem conclusão.
— Só para termos a oportunidade de mostrar para eles que nossa família
está cada vez maior e mais forte — Lorenzo entra na conversa. — Olha, não é
segredo que os Soldattos das duas famílias se odeiam, ok? Só que não
estamos em guerra, nem queremos começar uma. É só uma pequena
competição que não envolve nossos superiores.
Troco olhares com Jett e Coal, que, assim como eu, não parecem tão
tranquilos com a explicação que acabamos de ouvir. Porém, resolvo ignorar
tudo que ainda não sei e me permito fingir que tudo está certo.
— Não esquece de levar isso — Eddie sussurra para mim quando a
conversa não mais gira em torno da família. Olho para baixo e vejo que ele
está me oferecendo uma pistola.
— Tudo bem. Trouxe a minha — aviso, usando o mesmo tom.
Danio me disse que, de agora em diante, sempre que eu sair de casa,
preciso carregar a pistola comigo. “Só por precaução”, ele tentou amenizar.
Com tudo que tem acontecido e que tenho aprendido, confesso que estou
curioso para saber como é ser parte da família Rossi.
As palavras que Jett me disse há algumas semanas voltam a martelar na
minha cabeça: “Você tem medo de gostar demais disso tudo”.
A limusine para na frente do Lascívia e Enrico é o primeiro a descer do
carro. Eu não sei se existe alguma hierarquia dentre os Soldattos, mas faço
uma nota mental para perguntar isso a Eddie quando eu tiver a chance.
Marchamos para dentro da boate, o segurança liberando nossa entrada
sem ao menos fazer uma pergunta, e finalmente consigo entender o comentário
que ele teceu mais cedo. Todos olham para nós com uma mistura de medo e
admiração. Somos quinze homens andando com determinação: é como se o
exército estivesse invadindo a área.
As mulheres ignoram seus companheiros e nos fitam com desejo. A
música pulsante, o cheiro de sexo no ar e o fato de pessoas abrirem a
passagem para nós só deixa tudo ainda mais intenso. Talvez elas não saibam
quem somos de verdade, mas sentem que somos muito mais do que apenas um
grupo de homens comuns.
— Eu nunca pensei… — Coal começa a dizer ao meu lado, mas para,
talvez por não saber como continuar.
— Nem eu — concordo com meu irmão e continuamos andando,
seguindo os outros membros da família para a área VIP.
Subimos uma escada e o tump-tump-tump dos nossos passos fica mais
forte sobre o piso de metal. Estamos em sincronia, e isso faz com que eu
entenda parte do que Don Marco falou quando estava brindando ao nosso
noivado: a força da família Rossi e a solidificação daquilo que vem sendo
construído há gerações.
Aquela boa e velha história do juntos somos mais fortes faz todo
sentido neste momento, e o impacto que temos sobre os demais é algo que
jamais imaginei ser verdade.
No segundo andar da boate, mais um segurança guarda a entrada da área
VIP. Novamente, somos liberados sem quaisquer perguntas.
O espaço é cercado por vidro, o que nos permite continuar enxergando o
que acontece do outro lado. Um enorme sofá circular comporta todos nós e
várias garrafas já estão à espera na mesa de centro.
— Isso é uma despedida de solteiro! — Lorenzo anuncia enquanto
começa a servir vodca nos copos. — O que está faltando?
— Mulheres! — vários gritam e os outros soltam… uivos? Meu deus,
são realmente um bando de idiotas.
O que me surpreende mais é que Jett se tornou um dos lobos. Eu não sei
qual é a do meu irmão, mas de uma coisa tenho certeza: ele está planejando
algo. Se eu não confiasse nele e em Coal completamente, começaria a me
preocupar agora.
Toda a minha atenção é desviada para a porta com a chegada de umas
vinte mulheres. Lindas, seminuas e olhando para nós como se fôssemos um
banquete e elas estivessem à beira da desnutrição.
Melhor ainda quando se aproximam e começam a se debruçar sobre nós.
Uma loira deliciosa toma seu lugar no meu colo e começa a conversar
comigo. Ela não pergunta meu nome, minha idade ou minha profissão —
como normalmente acontece quando duas pessoas querem se conhecer. Suas
perguntas são mais diretas: o que eu acho do seu decote, se gosto de dançar e
se eu gostaria de ir com ela para um lugar mais privado.
Só que não consigo responder a nenhuma de suas perguntas, já que uma
morena se aloja ao meu outro lado e começa a acariciar minha barriga.
As duas estão decididas a realizarem todas as minhas fantasias, e eu até
aceitaria se não fosse a porra da minha mente me lembrando de Mia, suas
curvas e promessas.
Terei muito tempo para conhecer mulheres novas quando eu me cansar
da freirinha. Mas, por enquanto, tudo o que eu quero é ouvi-la gemer meu
nome enquanto goza.
É por isso que apenas permaneço sentado enquanto converso com os
outros homens. As mulheres são apenas acessórios bonitos ao nosso lado.

Uma hora e várias doses de vodca depois, somos surpreendidos com a


chegada de um outro grupo de homens. A loira não está mais no meu colo e a
morena enfia sua língua na boca de Jett. Só que uma ruiva peituda continua
comigo, acariciando minha perna e lambendo meu pescoço.
Um dos homens olha diretamente para mim e para o que ela está fazendo.
Seu olhar demonstra mais do que ciúme, e penso logo que os dois devem
estar tendo um caso.
— Olha quem está aqui, se não é a família Rossi em peso?! — O
momento é interrompido com a entrada de alguns homens na área VIP. E o que
parece ser o líder deles fala, com braços abertos e um enorme sorriso no
rosto.
Na mesma hora, desconfio de sua alegria. Acho que todos os meus
companheiros também, de acordo com o que ouvi na limusine.
— Diogo Giordanni — Enrico se levanta e vai cumprimentar nosso
anfitrião —, é um prazer te ver, amico.
Os dois se abraçam e dão dois beijos no rosto.
Ah, a falsidade nossa de cada dia…
— Fiquei sabendo que vocês viriam e não podia deixar de aparecer —
Diogo diz e seu olhar para sobre mim. Depois vai para Coal e Jett. — Vejo
que vocês têm carne fresca.
— Não exatamente. Eles são os filhos de Don Marco, mas se juntaram a
nós recentemente — Enrico explica.
Pelo visto, minha dúvida sobre a hierarquia acabou de ser sanada. É
nítido que Enrico toma a frente nessas situações, talvez seguindo os passos de
seu pai ou na esperança de algo mais.
— Filhos de Don Marco?! — Diogo parece espantado com o que
acabou de escutar. — A família está em festa, então?
— Com certeza. Não só por eles terem voltado para casa, mas porque o
Sage ali — Enrico aponta para mim — está noivo da minha irmã. Inclusive, o
casamento é amanhã.
— Amanhã?
— Sim, creio que seu pai tenha recebido o convite.
— Ele não me disse nada específico, só que tínhamos um compromisso
importante amanhã à tarde — Diogo completa, mas sinto que algo em seu tom
mudou.
— Este é o compromisso. A cerimônia começará às cinco da tarde e
todos vocês são muito bem-vindos.
Eles parecem tão cordiais… Se alguém visse, até acreditaria que são
amigos de infância. Mas algo não me cheira bem. E desconfio do que seja.
Então, em vez de ficar no mesmo lugar curtindo a ruiva, levanto-me e
vou até os dois.
— Prazer, cara. Sou o Sage. — Estendo a mão para Diogo, que olha
para ela antes de apertá-la.
— Diogo Giordanni — ele fala o que eu já sei.
— Vocês com certeza serão muito recebidos. Minha noiva ficará
contente em ver tanta gente amiga no nosso casamento. — Diogo respira
fundo com o meu comentário.
Bingo!
Mais um babaca que quer aquilo que não pode ter. De repente, ele e
Vince poderiam criar o clubinho dos esnobados.
— Com certeza iremos — ele fala, olhando para mim com cara de
poucos amigos. — Bom, divirtam-se. E você — Diogo mantém sua atenção
em mim —, aproveite bastante sua última noite como um homem solteiro.
— Muito obrigado. — Ofereço a ele meu melhor sorriso, apenas para
ver seu cenho franzir.
A outra família italiana vai embora sem dizer muita coisa e sinto a mão
de Enrico repousar em meu ombro, como se estivesse apoiando meu
comportamento.
Capítulo 20
Mia
Eu tinha quinze anos quando comecei a me interessar por coisas de
casamento. Lia artigos, visitava sites que falavam sobre o assunto, separava
fotos de vestidos, decorações e tudo que eu gostaria que tivesse no meu
grande dia. Ansiei anos pelo tão sonhado dia, imaginei cada detalhe, fantasiei
como seria cada um dos momentos da cerimônia, da festa… Cheguei até a
pesquisar técnicas para me manter relaxada, caso o pânico e o nervoso
tomassem conta, como costuma acontecer com a maioria das noivas. Eu já
deveria saber: não sou a maioria.
Estou vestida de noiva. O tecido branco, bem cortado, em um modelo
princesa rodado, com a saia toda em renda, assim como as mangas três
quartos, está perfeito em meu corpo. O decote, tomara-que-caia, salienta
meus seios. O batom bem vermelho, em contraste com a maquiagem leve e
discreta, deixa meus lábios mais carnudos. O cabelo bem penteado em um
coque baixo com alguns fios soltos me deixam angelical, e o longo véu
complementa o visual. É exatamente o que imagino, já que, por tradição, as
noivas italianas não se olham no espelho antes da cerimônia. “Fodam-se as
tradições”, penso no que Sage diria se estivesse aqui, enquanto começo a
arrancar o lençol preto que cobre o espelho do quarto. Só que antes de meu
reflexo aparecer, a lembrança de Sage, completamente atrapalhado, cantando
no meio da madrugada embaixo da sacada do meu quarto faz com que eu
agradeça às tradições.
Eu realmente achei que não iria acontecer. Passava das duas da manhã
quando Enrico entrou no meu quarto, bêbado e agitado.
— Scuzi, Mia, bambina, per favore. — Enrico colocava as mãos na
cabeça. — Eu esqueci da serenata, mas quando lembrei, Sage fez questão de
vir até aqui. — Ele deu de ombros e saiu do quarto.
Levantei-me da cama em um pulo, corri ao banheiro, arrumei o cabelo,
coloquei um batom rosado. Vestia uma camisola de seda rosa, de alças finas e
na altura das coxas. Eu jamais iria à sacada dessa forma, mas sendo
madrugada, ninguém poderia me condenar. Abri a porta e, quando olhei para
baixo, Sage estava à frente de seus irmãos, Eddie e meus irmãos. Imaginei se
os outros já tinham ido para suas casas ou ainda estavam se esfregando nas
mulheres do Lascívia. Antes que eu continuasse pensando sobre isso, Sage
começou a gritar:
— Eu não sabia, freirinha, que deveria fazer uma serenata, senão teria
feito antes de beber tanto. — Ele começou a rir e fez uma reverência,
abaixando o tronco. — Mi dispiasi[41]. — Ele continuou a rir e procurou por
Eddie atrás dele — Falei certo? — O outro concordou com a cabeça e Sage
se virou para mim novamente. — Não tive tempo de preparar nada, então vou
cantar a única música italiana que conheço…
Sage deu dois passos para a frente, ajeitou o tronco e começou a
sussurrar algo que mal consegui ouvir. Os outros também se esforçaram pra
entender, até que Eddie caiu na gargalhada.
— Sério que você vai cantar Bella Ciao pra mulher com que vai se
casar amanhã?
Os outros também começaram a rir. Sage riu e até mesmo eu ri. Sei que
ele não conhece nem as músicas italianas, muito menos os nossos costumes,
mas o fato de querer fazer a serenata me disse muito sobre o interesse dele
por mim. Ele cantou, mesmo com todos rindo, e confesso que a escolha da
música não me incomodou.
Agora, relembro o momento enquanto observo o bouquet que nonna me
trouxe pela manhã. Por tradição, é o noivo que o escolhe para a noiva e é
entregue pela sua mãe como sinal de aprovação à união. Como a mãe do meu
noivo é falecida, nonna fez questão de fazer o papel. Não sei se Sage tomou a
decisão sozinho, ou se com a ajuda da avó. Seja como for, a escolha foi
perfeita. O arranjo de rosas brancas e cravos vermelhos me encara. Sei que
está quase na hora e, se alguém me dissesse que eu estaria tão calma no dia
do meu casamento, acharia que a pessoa era louca. Mas, neste momento, só
consigo pensar no depois: a noite de núpcias.
— Pronta? — papà abre a porta do quarto e me pergunta.
— Sim — respondo, sorrindo. — Estou bonita?
— A mais bela! — Seus olhos estão marejados. — Você está divina,
bambina.
Papà caminha em minha direção e ajuda a carregar meu véu. Descemos
as escadas de braços dados. Mamma, Lorenzo e Enrico ficam nos
observando, sorrindo. O fotógrafo, um senhor baixo, redondo e de bigodes
grossos — que parece o Wally do Pica-Pau —, registra todos os nossos
passos, minha mãe e meus irmão me abraçando, a família, junta, e todo o
resto até eu me sentar no banco traseiro da limusine que me levará ao meu
futuro. Quando o carro dá partida, olho para casa dos meus pais, onde morei
por dezenove anos e onde, a partir de hoje, só serei visita.
Quando chegamos à porta da igreja, mamma e meus irmãos descem e
ficamos somente eu e papà dentro do carro. O último convidado entra e as
portas da capela são fechadas. Vejo a fita amarela pendurada, sinalizando que
um casamento vai acontecer. Rasgo um pedaço do véu, para me proteger dos
maus espíritos, antes de descer.
A cerimonialista corre em minha direção, ajudando a carregar o véu e
me preparando para o grande momento. Pergunta se estou nervosa. Sorrio.
Nunca me senti tão calma na vida, nem tive tanta certeza do meu futuro.
Quando entro pelo tapete vermelho da igreja, com os braços dados aos
de papà, tudo que enxergo é o jeito como Sage me olha. Quanto mais me
aproximo e consigo ver seus olhos, mais posso jurar que o que transparece
neles é… amor?
Eu deveria estar prestando atenção em tudo, mas a única coisa que se
passa na minha cabeça neste momento é o que vai acontecer quando Sage e eu
estivermos a sós.
Padre Santino inicia a cerimônia, faz um belo discurso sobre a lealdade
e a família. Don Marco e papà se emocionam, assim como a nonna e a
mamma; porém, ao contrário delas que não escondem as lágrimas, eles
apenas lacrimejam. Não existe troca de votos, apenas fazemos as juras do
sacramento como o padre orienta. Trocamos as alianças, Sage me beija e
aguardamos os convidados saírem todos da igreja, para então sairmos em
uma chuva de arroz, gritos de “auguri[42]” e assobios.
Uma Lamborghini conversível, toda enfeitada com flores na frente, para
abrir os caminhos de uma vida doce para nós, está à espera. Sage abre a porta
do carro e ajuda a guardar o resto do meu véu. Depois, entra no carro e senta-
se no banco do motorista, aguardando que todos os convidados também
ocupem seus carros.
Quando ele vê que ninguém mais está na rua, começa a buzinar, abrindo
o cortejo que nos leva até minha nova casa. Não somos capazes de conversar
durante o trajeto: além das buzinas que ensurdecem qualquer um, as pessoas
na rua abanam e fazem votos de felicidades. Respondo a todos, acenando e
sorrindo. Nada disso que estou vivendo agora parece mais importar. Meu
único pensamento está no depois.
A recepção, no jardim da casa dos Rossi, começa assim que chegamos,
com todos da família vindo nos cumprimentar e depois tirar fotos. Garçons
circulam com garrafas de um bom vinho italiano e espumante; as mesas,
servidas com tábuas de frios, mantêm os convidados entretidos até a hora do
jantar. Quando terminamos de comer, Sage faz algum comentário ao qual não
presto atenção e sou incapaz de responder.
— Você está bem?
— Estou. — Sorrio e aproximo-me de seu ouvido. — Estou só pensando
na noite de núpcias.
Seu olhar se ilumina, um sorriso sacana se forma no canto da boca, mas
antes que ele possa responder, somos carregados para o meio da pista de
dança e obrigados a dançar a Tarantella.
— Espero que a nonna tenha o sono pesado — Sage diz, me carregando
nos braços enquanto sobe as escadas em direção ao seu quarto. Nosso quarto
agora.
— Por quê? — pergunto, rindo. A quantidade de espumante que bebi
passou de todos os limites permitidos. Ainda sinto em minhas bochechas o
borbulhar do líquido.
— Porque eu vou te fazer gritar o meu nome várias vezes essa noite,
freirinha — ele diz e dá um beijo em minha testa.
Assim que abre a porta do quarto, Sage me joga em sua cama e cai por
cima de mim. Sua boca busca a minha, suas mãos seguram meu rosto. O beijo
é afoito, intenso, desesperado. Ele tenta se encaixar no meio das minhas
pernas, mas o vestido de noiva atrapalha. Encerro o nosso beijo e sutilmente
empurro Sage para o lado, levantando-me da cama. Ele me encara com
curiosidade. Viro-me de costas para ele e coloco as mãos para trás, abrindo o
primeiro botão do vestido, devagar. Meu marido entende o que estou fazendo
e se ajoelha na beira da cama, abrindo os outros onze botões. Um por um. A
cada pedaço de pele que fica descoberto, Sage larga um beijo em minhas
costas.
Quando abre o último botão, deixo o vestido deslizar por meu corpo.
Viro-me para ele e vejo seu pomo de adão subir e descer observando meu
conjunto de lingerie de renda vermelho sangue. A calcinha fio dental,
deixando minha bunda maior do que já é, e o sutiã meia-taça provocam o
exato efeito que eu queria.
Continuo encarando Sage ainda com o resto do seu traje de noivo — a
gravata, o paletó e o colete foram tirados logo após as fotos oficiais
—, sentado na cama, observando meu corpo. Ele faz menção de vir em minha
direção, mas antes que o faça, abro meu sutiã e o deixo cair no chão. Em
seguida, faço o mesmo com a calcinha. Ele ergue uma sobrancelha. Seu olhar
me diz exatamente a confusão que se passa em sua cabeça.
— A primeira vez nunca é boa — digo nua à sua frente. — Então, quero
começar pela penetração e, depois que resolvermos isso, você me fará gozar
de outras formas.
— Quantas vezes você vai querer, freirinha? — ele pergunta enquanto
começa a abrir os botões da camisa.
— Quantas você aguentar — digo, deitando-me na cama e esperando
meu marido acabar com a minha virgindade, já que a inocência eu perdi há
muito tempo.
Capítulo 21
Sage

Respiro fundo.
Meu coração está acelerado, e não por conta do que está prestes a
acontecer. Estou com raiva. Uma raiva que me corrói por dentro e começa a
dar sinais, já que meu corpo treme com o pensamento de fazer com que ela
sinta dor. Minha ira está direcionada à Mia, por incrível que pareça.
Eu nunca tinha visto uma mulher tão linda nessa merda de vida. Quando
ela começou a caminhar na minha direção naquela igreja, algo mudou — e
tudo que eu havia planejado foi por água abaixo. Toda a minha indiferença.
No momento em que fiz o juramento perante o padre e todos os presentes, tive
certeza de que minha vida nunca mais seria a mesma.
Há dez segundos, estava pronto para lamber cada centímetro de seu
corpo delicioso. A bunda redonda, as coxas grossas, os seios fartos… Tudo
até ela me dizer que quer começar com a penetração. Só para depois tentar
me apaziguar e dizer que poderei fazê-la gozar quantas vezes eu quiser.
Dou dois passos para trás e esfrego as mãos no meu cabelo.
— Você acha que eu sou um babaca insensível, é isso? — A pergunta sai
sem que eu consiga controlar.
— O quê?! Não! É só que… — ela tenta dizer, mas se engasga nas
próprias palavras.
— É isso o que parece, Mia. — Não a chamo de freirinha. Perdi o bom
humor quando ela sugeriu que eu a penetrasse sem qualquer estímulo. — Eu
sei que sou meio babaca e nem ligo para o que os outros pensam de mim —
não resisto e me aproximo dela de novo, parando à sua frente e encarando-a
nos olhos —, mas uma coisa eu preciso que você saiba.
— Sage… — ela começa a dizer meu nome, mas eu a interrompo com
um beijo.
Puxo-a pela cintura, colando seu corpo nu ao meu ainda vestido. Uma de
minhas mãos sobe para sua nuca, segurando-a com firmeza, enquanto a outra
desce para a bunda mais gostosa que já tive o prazer de ver, de sentir.
Posso sentir seu calor. Mia está ainda mais quente do que eu, e sua pele
sedosa parece gritar meu nome, implorar para que eu a toque. Então, é isso
que eu faço. Beijo-a com força, deixando claro nesse gesto todo o desespero
que sinto para estar dentro dela. Se Mia não fosse virgem e tivesse esperado
por mim a vida inteira, provavelmente aceitaria sua oferta de “sem
preliminares”, arremessaria-a na cama e entraria nela de uma vez só. Mas sei
que este é o momento pelo qual ela sempre esperou.
Por mais que tudo nesta mulher seja um convite para o pecado, não
quero ser o diabo. Não vou corromper seu corpo de qualquer jeito. Não vou
tomá-la de forma brusca, sem qualquer consideração com seu prazer.
Cada vez que minhas mãos correm por seu corpo livre de barreiras, ela
solta um pequeno gemido contra a minha boca. Quero conhecer todos os seus
sons e reações. Mas, principalmente, quero que Mia sinta prazer ao me ter
dentro dela.
As duas últimas semanas foram um prelúdio do que vai acontecer esta
noite, e vou fazer de tudo para que seja inesquecível.
— Mia, presta atenção — digo, afastando nossas bocas com muita
relutância e colando minha testa na dela. — Eu não sou um homem bom, já fiz
muita merda nessa vida e duvido que me tornarei um príncipe encantado na
semana que vem. Só que eu preciso que você entenda que nunca vou te
machucar. Nem se você implorar.
O modo como ela me olha faz com que eu tenha a sensação de que
acabei de tomar um soco no estômago. É uma mistura de excitação e medo.
Mas, por trás disso tudo, tenho a impressão de que um sentimento muito mais
profundo está começando a se formar.
Eu não a amo, mas será que é isso o que ela está sentindo agora?
Conheço Mia há duas semanas e estaria mentindo se dissesse que não
desenvolvi um carinho especial por ela. Entre jantares, treinos e momentos
roubados, passei a conhecer um pouquinho daquela que seria minha esposa.
Mia é encantadora, charmosa e sexy pra caralho. Só que também é uma
mulher ambiciosa e com um traço de crueldade que me instiga. A verdade é
que estou enfeitiçado por ela, sonhando com este momento desde a nossa
primeira conversa naquele jardim e louco para descobrir cada uma de suas
faces. E é justamente por isso que eu preciso que a noite de hoje signifique
tudo para ela.
Amanhã, Mia vai acordar sabendo que tem muito mais do que um marido
em sua cama. Ela terá um homem em sua vida.
Deixo minha boca descer sobre a dela em um beijo carinhoso. Preciso
que entenda o que estou tentando dizer. Não sou bom com palavras sem
sarcasmo. Não falo sério com ninguém, justamente porque não me importa o
que os outros pensam ao meu respeito.
Mas Mia… Não. Eu prometi a mim mesmo que tentaria ser honesto com
ela. Se eu quero fazer parte desta família e descobrir até onde essa freirinha
pode ir, então preciso deixar que ela enxergue uma outra parte minha.
— Resolvi que vamos inverter a ordem do seu pedido — falo contra sua
boca grossa, que parece não querer se separar da minha. — Vou te fazer gozar
até você não aguentar mais. Só depois você vai perder sua virgindade.
— Sage, não brinca comigo — ela pede, afastando-se um pouco de mim.
São apenas alguns centímetros, mas suficientes para fazer com que eu sinta a
falta de seu corpo macio contra o meu. — Eu sei que a primeira vez sempre
dói e já me conformei com isso. Por favor, facilita as coisas para mim.
— Vai doer sim, Mia. Vai doer com o vazio de não me ter aqui dentro.
— Deixo minha mão chegar até o encontro de suas pernas, mas me espanto
quando percebo que ela não está tão excitada como das outras vezes. Mia está
com medo. Apavorada com a sua primeira vez. — Prometo que você vai estar
tão molhada que só vai sentir prazer. E se doer, será rápido.
Minha mão estimula seu clitóris enquanto faço a promessa que não sei se
serei capaz de cumprir.
Nunca tirei a virgindade de ninguém, nem posso dizer que sou o homem
mais gentil do mundo. Mas vou tentar. Por Mia, eu posso tentar.
— Sage… — ela começa a falar, porém eu a interrompo com um beijo.
Mais um beijo que me deixa à beira do abismo, e não sei o que fazer
para voltar à segurança.
Antes que ela possa protestar, pego minha mulher no colo e carrego-a
para a cama, depositando-a sobre os lençóis brancos. Em seguida, saio de
cima dela e paro de pé ao seu lado.
As partes desconfortáveis de minhas roupas ficaram no jardim da
mansão. Paletó, gravata, colete… tudo esquecido. Mas preciso me livrar de
qualquer coisa que sirva como uma barreira entre mim e minha freirinha.
Começo pelo cinto. Depois, desabotoo a camisa, sem me esquecer das
merdas de abotoaduras que ganhei de presente da nonna, que contêm o
símbolo da família Rossi. Coloco-as na mesa de cabeceira e olho para Mia.
Ela me encara com os olhos arregalados.
Mia não é apenas virgem, mas nunca esteve tão vulnerável na frente de
um homem — e luto contra todos os meus instintos para não ser apenas um
babaca que a decepcionará.
— Quantas tatuagens você tem? — ela pergunta e sigo seu olhar até meu
torso, rabiscado com vários símbolos e frases que significam muito para mim.
— Se não me engano, quarenta e duas. — Ela ainda não viu as que tenho
nas pernas e nas costas, apenas as da barriga, peito e braços.
Mia se ajoelha na cama e chega mais perto de mim. Hesitante, ela deixa
seus dedos trêmulos percorrerem os desenhos em meu corpo, arrancando uma
série de arrepios em seu caminho. O toque é leve, suave, mas capaz de me
deixar ainda mais faminto por ela.
— Faltam três — Mia diz e fico sem saber muito bem o que ela quer
dizer.
— Como assim, três?
— Uma no pescoço, outra no coração e, se tudo der certo, uma no dorso
da mão. — Assim que termina de explicar, Mia me puxa novamente para a
cama, fazendo com que eu me deite sobre ela, e se oferece para um beijo.
Permito-me me perder nela e encaixo-me entre suas pernas.
Mia está tão desesperada quanto eu. Suas mãos me puxam pelas costas,
me impedindo de colocar qualquer distância entre nós, e eu me deixo
embarcar em sua agonia. Acaricio seu corpo e me mexo sobre ela, deixando
claro que estou pronto para tudo o que ela quiser.
Louco por mais, desço beijos por seu pescoço, chegando finalmente aos
seios, que são grandes demais para minhas mãos. Sugo um mamilo enquanto
meus dedos brincam com o outro, apertando-o levemente e fazendo com que
ela estremeça sob mim.
Depois de horas de festa, não esperava que o perfume doce ainda
estivesse tão forte em sua pele. Mia é afrodisíaca, minha dose pessoal da
droga mais potente. Enquanto ela emitir esses sons e tiver esse cheiro
inebriante, não serei capaz de pensar em qualquer outra coisa a não ser ela.
Mia. Minha esposa.
Só que isso ainda não é o bastante.
— Preciso sentir seu gosto — confesso e começo a me movimentar para
baixo, beijando seu corpo enquanto faço meu caminho para onde mais quero.
Todos os toques em segredo que aconteceram até agora não me
prepararam para estar de frente ao paraíso. Sua pele brilha com a excitação e
me contenho para não tirar uma foto e provar para todos aqueles idiotas que
sonham com ela que sou eu quem a deixo assim.
Fodam-se todos eles.
Neste momento, somos apenas nós dois neste quarto, e nada vai me
impedir de provar minha esposa e chupar cada gota do seu prazer.
— Me diz o que você quer, Mia. — Encaro-a nos olhos enquanto meu
rosto descansa entre suas pernas.
Posso ver seu corpo tremer — não sei se de medo ou de prazer — e
acaricio sua coxa macia.
— Eu… eu… — ela hesita.
— Nunca vou fazer algo que você não queira, freirinha. Então, preciso
que você me diga se quer ou não que eu coloque minha boca nessa sua
bocetinha virgem.
Ela fecha os olhos e solta um gemido alto com a minha promessa. Eu
poderia entender isso como um sim, mas quero ouvir as palavras. Não
preciso delas, mas cada vez que Mia permite alguma obscenidade escapar
dessa fantasia de mulher perfeita, algo em mim grita que isto é certo. Que
estar com ela é certo, apesar da forma que nos conhecemos.
— Eu quero, Sage. Por favor, me beija… aí.
Era tudo que eu precisava. Sem conter meu desejo, separo seus lábios e
deixo minha língua percorrer o caminho lentamente. Não tiro os olhos dela.
Quero ver sua reação ao me ter aqui.
Mia leva as mãos até meu cabelo, segurando-o com força, como se não
aceitasse o fato de eu querer me afastar.
Eu não quero. Nunca mais na porra dessa vida. Porque se o cheiro e os
sons de Mia eram afrodisíacos, seu gosto me carrega à beira do vício. Não
consigo mais manter um ritmo lento — ela é gostosa demais para isso.
Minha língua brinca com seu clitóris, revezando sugadas e lambidas.
Beijos e mordidas.
E o meu desejo começa a se realizar: Mia grita meu nome — de novo e
de novo —, enquanto me lambuzo com seu prazer. Ela se esfrega contra meu
rosto sem nenhum pudor, deixando-se ser guiada ao orgasmo que chega com
força, fazendo com que suas costas arqueiem e suas coxas apertem minha
cabeça.
É então que eu decido que este é o melhor lugar de todos.
— Quer mais um, freirinha? — pergunto, meu tom agora mais de acordo
com o normal.
Lambo-a devagar e sinto-a estremecer com o pós-orgasmo. Mia solta
uma risada baixa e apoia os cotovelos na cama, deixando à mostra o par de
peitos mais convidativos que já tive o prazer de ver.
— Quero mais dois — ela me desafia e eu solto uma risada.
— Seu desejo é uma ordem.
Sem medir minha força, escancaro suas pernas, fazendo com que ela
solte um gritinho de surpresa. Enfio uma língua dentro dela, que tomba na
cama com a nova sensação. Com o indicador, mexo rapidamente em seu
clitóris enquanto, com a língua, entro e saio de sua boceta molhada.
Mia grita, geme e se deixa sentir todo prazer que estou disposto a lhe
dar.
Só quando ela goza uma terceira vez na minha boca eu me permito
levantar. O gosto marcante dela ainda está em minha língua quando a beijo
com força. Sou invadido por um misto de sensações que até hoje eu nunca
tinha experimentado.
Eu quero esta mulher — e como quero —, mas também tenho a
consciência de que ela é mais do que qualquer uma que passou pela minha
vida. Sua presença é tão forte que não consigo me concentrar em qualquer
coisa que não seja ela.
Mia e seu gosto intoxicante.
Mia e sua vulnerabilidade.
Mia e sua força.
Mia e o modo como me olha.
É como se ela estivesse esperando que eu lhe desse o mundo, e algo
dentro de mim grita para que eu faça exatamente isso.
A pele suada. As bochechas vermelhas. O cabelo espalhado sobre a
cama.
Adeus, freirinha. Olá, mulher.
Estou ajoelhado entre suas pernas, vendo-a respirar com força enquanto
se recupera do que acabou de acontecer.
Mas eu quero mais. Preciso de mais.
— Sinta como eu estou duro, Mia. Isso acontece comigo toda vez que
penso em estar dentro de você e sentir essa boceta virgem se contrair em
torno do meu pau. — Também estou ofegante. Louco para o que vem depois.
Levo sua pequena mão até minha ereção. Nunca estive tão duro na minha
vida, a ponto de sentir dor. Trincando. Latejando. Precisando estar dentro
dela.
Ela me segura sem a firmeza de uma mulher experiente, mas seu toque
suave é suficiente para que eu solte um gemido baixo. Ela me olha com
atenção, analisando cada pedaço do meu corpo. Pela primeira vez na vida,
penso se sou o bastante.
— Estou com medo — ela confessa e posso sentir daqui sua apreensão.
Sua mão, contudo, não me liberta. Mia me estimula, subindo e descendo
por minha extensão e criando uma expectativa desesperadora.
— Não sei o que posso fazer para te deixar mais tranquila, Mia, mas
uma coisa eu posso prometer: só saio de dentro de você depois de te sentir
gozar e de te ouvir gritar meu nome até ficar rouca. — Ela engole seco e faz
que sim com a cabeça. — Pronta? — pergunto, segurando sua mão e guiando-
a com meu membro até sua entrada.
Deito-me sobre ela e beijo sua boca. Mia me liberta e logo sinto a falta
de seus dedos me masturbando.
— Estou pronta — ela finalmente diz e é a minha vez de ficar ansioso.
Não quero que minhas promessas tenham sido em vão.
Ignoro o nervosismo e deixo que o desejo tome conta. O quarto cheira a
sexo, e a mulher na minha frente é a personificação de cada sonho erótico que
eu já tive. Nada poderia ser melhor.
Ou era o que eu pensava até colocar a cabeça do meu pau em sua entrada
e empurrá-la para dentro.
Preciso fechar os olhos e me concentrar para não gozar que nem um
moleque de treze anos, mas Mia é tão apertada, quente e molhada que a tarefa
beira à insanidade.
Lentamente, começo a preenchê-la. Abro os olhos e vejo-a de boca
escancarada.
— Tá doendo, princesa?
Ela não é mais a minha freirinha. Não depois de tudo que já fizemos até
agora.
— Um pouco… — ela confessa, tentando controlar sua voz.
Deito-me sobre ela, com cuidado para não ir mais fundo de uma só vez,
e a beijo, empurrando lentamente e sentindo seu corpo agarrar o meu.
A única coisa que consigo pensar é que minha esposa será minha ruína,
porque nada que é tão bom pode fazer bem para um homem.
Sinto sua barreira e paro de me mexer, olhando para ela.
— Me aperta se doer, Mia — digo e ela balança a cabeça, concordando.
Rompo sua virgindade e sinto-a tensionar. Mia aperta as minhas costas e
choraminga em meu peito, fazendo com que eu me sinta um merda por ter
causado sua dor. Mas o pior de tudo é ter que parar de me mexer, porque
nunca senti tanto prazer na vida.
Deixo que meu corpo pese sobre o dela e beijo seu pescoço.
— Linda, Mia… Você não tem ideia de como é perfeita — sussurro em
seu ouvido e ela solta um gemido baixo. — Linda, corajosa e minha. Diz que
você é minha, princesa — peço, precisando ouvir as palavras que nunca
imaginei que um dia gostaria de escutar.
— Eu sou sua, Sage. Nunca fui de outro homem nem nunca serei. —
Solto um gemido alto, internalizando o que acabei de ouvir.
Minha Mia. Só minha.
Não resisto e começo a me mexer devagar, sem quase tirar meu pau de
dentro dela. Uma, duas, três vezes.
— Muito gostosa… Puta que pariu, Mia — digo a mais pura verdade,
experimentando a perfeição pela primeira vez.
Nunca existiu uma mulher assim na minha vida. Ainda bem, porque esse
posto será apenas dela. Assim como eu serei o único homem a conhecer seu
corpo e me deliciar com ele.
— Quero mais, Sage — ela pede e eu, como bom marido que sou,
obedeço. Dessa vez, vou mais fundo, com um pouco mais de força, e ela
começa a se acostumar com meu ritmo.
Logo Mia está gemendo, aproveitando a tortura que me causa. Suas
unhas se cravam nas minhas costas e a dor apenas amplifica o prazer.
— Porra, Mia! — Entro e saio mais rápido, o barulho de nossos corpos
em sincronia e os sons de prazer tomam conta do quarto.
Ainda estou com medo de machucá-la, só que eu não aguento mais.
Preciso transar com ela da forma que quero. Saio de cima do seu corpo e me
sento na cama, colocando cada uma de suas pernas em torno da minha cintura.
A mudança de posição faz com que ela arregale os olhos, mas vejo ali
muito mais do que dor. Mia está sentindo prazer também.
Por este ângulo, consigo ver meu pau sair e entrar nela — e a faixa
vermelha do que era sua virgindade se mostra como um troféu, fazendo com
que eu enrijeça ainda mais.
Estamos em um ritmo só: forte e gostoso. Os seios dela balançam com as
estocadas, mas preciso que ela grite meu nome. Quero descobrir tudo que a
excita. Preciso saber o que a faz se perder no nosso prazer.
Ergo suas pernas, apoiando-as contra meu torso, e seguro suas coxas.
Entro com força, batendo minha pélvis em sua bunda… e finalmente ela faz o
que eu prometi.
— SAGE!
Mia grita meu nome enquanto permaneço implacável nos movimentos. O
suor escorre por minhas costas, mas não quero parar. Não posso parar. A
sensação é boa demais para ser vencida pelo cansaço. Fora que a imagem à
minha frente não me permite parar.
Mia é linda demais, principalmente quando está dessa forma, entregue a
mim.
Afasto suas pernas e deito-me sobre ela. Preciso beijá-la. Sentir seu
gosto e suas mãos em meu corpo.
Sou duro, impiedoso no entra-e-sai, sentindo meu pau encharcado com
sua excitação.
— Sage… Eu vou… — ela não consegue terminar a frase, mas sei
exatamente como está se sentindo.
Também estou à beira de um orgasmo, que promete ser o mais intenso da
minha vida. Acelero os movimentos e falo ao pé de seu ouvido, dizendo tudo
que ela está me fazendo sentir agora.
Quase imploro para que ela goze, porque eu não sei quanto tempo mais
sou capaz de aguentar.
Ela é o paraíso e o inferno na forma de mulher.
Os gemidos estão cada vez mais altos; as estocadas, cada vez mais
fundas.
Meu corpo grita por libertação, mas preciso fazer com que Mia goze
mais uma vez antes de ceder.
— Grita meu nome, Mia. Grita pra toda essa maldita família saber quem
é o seu homem e a quem você pertence.
— SAGE! — Mia obedece, se contraindo ao meu redor com o ímpeto do
seu orgasmo, que estrangula meu pau, extraindo dele todo o meu prazer.
Capítulo 22
Mia
Mal consigo aproveitar o calor de Sage e os movimentos involuntários
de seu corpo, que latejam em minha bunda, enquanto acordamos, porque a voz
da nonna, anunciando nosso primeiro café-da-manhã como casados, é nosso
despertador.
— Café-da-manhã para os appena sposatos[43] recuperarem as energias
antes de viajar. — Ela dá três batidas fortes na porta e troca risos com outra
mulher, que deve estar carregando a segunda bandeja.
— Só um minuto — grito, enquanto tento me livrar do braço pesado de
Sage, que descansa em minha cintura.
— Ah, porra… — ele balbucia em meu ouvido, enquanto me aperta e
sua mão procura por meu mamilo.
— Marito[44] — sussurro, rindo e dando uma palmada em sua mão. —
Precisamos deixá-las entrar e conferir o lençol.
— Você só pode estar de brincadeira, princesa.
Sage me chama pelo apelido que usou pela primeira vez enquanto me
tomava como sua mulher. A lembrança faz com que sinta minhas bochechas
corarem e um calor tomar conta do meu ventre.
— É importante — respondo. Ele vira de barriga para cima na cama,
liberando o meu corpo para se mexer.
— Elas querem ver se você realmente era virgem? — Ele esfrega os
olhos e arrasta as mãos em direção à testa e ao cabelo. Fico hipnotizada,
acompanhando suas mãos e pensando onde elas podem estar em alguns
minutos. — Eles ainda fazem isso em 2020?
— Sim. E contarão às outras, que falarão para as filhas casadas e para
os maridos, que vão dizer aos filhos homens. E isso só vai te valorizar ainda
mais, marito!
Quando termino minha explicação, Sage me encara com a sobrancelha
arqueada, depois dá de ombros e senta-se na cama. Puxo o lençol para cobrir
o meu corpo e deixo a mancha vermelha à mostra na seda branca que reveste
o colchão. Sage também se cobre, mas, ao contrário de mim, deixa o dorso à
mostra. Sorrio para meu marido e gesticulo com a cabeça para que autorize as
mulheres curiosas a entrar.
— Pode entrar, nonna! — ele grita, rindo, e me encara.
Sage sacode a cabeça em negativa e me puxa para perto do seu corpo,
mas ao invés de me abraçar, coloca sua mão para baixo do lençol e, no
momento em que a porta se abre dando passagem às bisbilhoteiras, ele enfia
sua mão no meio das minhas pernas e começa a acariciar. Sufoco um gemido
e tento me concentrar nas mulheres à minha frente.
Enquanto nonna nos dá “bom dia”, coloca as bandejas na escrivaninha e
faz votos de felicidade, a mão de Sage, cada vez mais dentro de mim,
movimenta-se devagar, apenas me preparando para recebê-lo novamente.
Tento me concentrar em nonna, que continua a falar e a gesticular, e vejo seu
sorriso se abrir ainda mais quando olha para a pequena mancha avermelhada
que contrasta com o branco dos lençóis.
Agradeço mentalmente por poder comprovar que eu realmente era
virgem. Lembro-me de quando Antonella se casou e os lençóis apareceram
limpos no dia seguinte. Foram dias com as mulheres discutindo se ela havia
enganado a família ou se apenas era um daqueles casos — que as mulheres da
minha família acham raros, mas que são extremamente normais — de não
haver sangramento com o rompimento do hímen.
Nonna começa a empurrar a outra mulher para fora do quarto. Só quando
a porta se fecha, percebo que estava segurando a respiração todo tempo.
— Estava difícil prestar atenção nelas. — Sage ri e joga a cabeça para
trás, apoiando-a na cabeceira da cama. — Eu estava louco para fazer isso. —
Ele tira os dedos molhados de dentro de mim e os leva devagar até a sua
boca, saboreando-os.
— E eu, isso — digo, enquanto jogo o lençol que cobre nossos corpos
para o lado e monto em cima de meu marido, grudando nossos lábios,
mostrando para ele todo o desespero que sinto para tê-lo dentro de mim
novamente.
— Acho que a gente não precisava ter vindo tão longe para fazer o que
pretendo em nossa lua-de-mel — Sage fala enquanto nosso voo se prepara
para pousar na pista particular de Don Vicenzo.
— Nós faremos muito do que você pretende, marito — digo, rindo,
enquanto aperto seus dedos entrelaçados aos meus. — Ainda não cansou? —
pergunto, o sorriso preso no rosto.
Sage deve estar tentando me compensar pelos anos à sua espera. Já
perdi as contas de quantos orgasmos ele me deu em menos de vinte e quatro
horas de casada. Além da primeira vez, e das duas outras em nosso quarto,
quando viu a suíte do jato particular de Don Marco que nos trouxe para a
Itália, Sage pareceu uma criança querendo estrear um brinquedo novo. E
quase onze horas de voo nos deram bastante tempo para cansar.
— Acho que eu nunca vou me cansar de você, princesa. — É ele quem
aperta meus dedos agora.
— Eu também não. — Sorrio.
Algo no olhar dele me acalma, me deixa segura e faz com que, por um
minuto, eu pense que nós não deveríamos realmente estar ali. Talvez em uma
praia ou qualquer lugar, apenas nós dois, mas antes que qualquer ideia possa
atrapalhar meus objetivos, o piloto anuncia que iremos aterrizar.
— E esse Don Vicenzo, afinal, quem é?
— Ele é o homem que pode te ajudar a ser Don ou te destruir a ponto de
você nunca passar de um Soldatto — digo séria. — Sage, per favore, eu não
nasci para ser nada menos que a mulher de um Don. Então, controle-se
quando for debochar das nossas tradições.
— Mas por que meu pai deixaria de ser Don? — ele pergunta, curioso.
De alguma forma, o que se passa em sua cabeça acende a chama de seus
olhos, o que me atrai.
— Seu pai quer se aposentar em breve, Sage. E nada melhor que o
primogênito para ficar em seu lugar. Ainda mais depois do nosso casamento.
— Por quê? — Sua curiosidade cada vez mais aguçada.
— Porque sou a esposa perfeita para um Don: de boa família, com boa
herança, virgem e criada dentro de todos os princípios da família — explico.
— Então, eles babam por você não só porque é gostosa, mas porque
também é como se você fosse uma passagem para se tornar o poderoso chefão
— Sage afirma.
— Eles quem? — pergunto, confusa.
— Vince, o cara da outra família, filho do dono da boate, e outros filhos
da puta que já vi ficarem cobiçando o que é meu.
— Você está com ciúmes, marito? — Solto uma risadinha. — Eles
podem cobiçar, mas sou apenas sua.
— Se ser casado é importante, como meu pai se tornou Don?
— É importante, mas não fundamental. Para ser Don, você precisa
merecer, provar a lealdade à família — explico, mas resolvo fugir do
assunto. — Nossas famílias, Rossi e Messina, controlam juntas oitenta por
cento de todos os negócios da organização na cidade. Somos sócios de todos
os empreendimentos de nossos associados, Capos e Soldattos. Esse é o nosso
legado, mezzo[45], e devemos honrá-lo.
Não quero contar a Sage que seu pai quase não foi Don em função da
maledetta noiva fujona — a figlia di puttana[46] de sua mãe, que os levou
embora, fazendo com que fossem criados como uns stronzos. Muito menos o
fato de terem demorado tanto para os encontrarem depois do assassinato da
mulher.
— Pra você, isso é muito importante? — Sage faz com que eu abandone
os pensamentos sobre sua mãe.
— É. — Tranquilizo o meu semblante. — E tenho certeza de que quando
estivermos voltando para casa, para você também será.
Sage não me responde, provavelmente impactado com a comitiva que
nos espera na pista de pouso. Desembarcamos e somos recebidos com beijos
e abraços de pessoas que ele nunca viu na vida, todas entusiasmadas com a
nossa chegada. Uma enorme quantidade de carros blindados e homens
armados fazem a escolta de Don Vicenzo e sua esposa, dona Francesca, que
nos recebem felizes, apresentando com alegria Sage a todos da família. Três
homens carregam nossas malas e, quando anuncio que temos reservas em um
hotel, Don Vicenzo dá uma gargalhada, dizendo que família fica com família e
que não admite nos hospedarmos em um hotel. Sage pouco entende o que
todos falam à sua volta, mas tenho vontade de rir quando seus olhos murcham
ao entender que ficaremos com a família.
Eu sei o que se passa pela cabeça dele. Passa pela minha também. Não
só pela cabeça, como por partes do meu corpo que entram em combustão só
de imaginar as mãos do meu marido em minha pele. Porém, fico feliz com a
declaração de Don Vicenzo, pois era exatamente o que eu queria. Terei sexo
pelo resto da vida, não preciso compensar os anos de espera na lua-de-mel.
Preciso é garantir nosso futuro.
Quatro dias convivendo com toda a família faz com que Sage comece a
perceber a importância de Don Vicenzo. Ele não é apenas um Don, como seu
pai; ele é o Don. O chefe do conselho que gere todas as famílias italianas ao
redor do mundo. Juro que imaginei que meu marido daria mais trabalho, mas
quanto mais ele passa a entender o que somos, mais parece se interessar e
melhor se comporta.
Enquanto passamos as noites acordados, entre sussurros, gritos, gemidos
e muitos orgasmos, durante os dias temos visitado a cidade — conhecendo
pontos turísticos, passeando por Palermo — e participado de muitos almoços
com membros da família.
Quando Lucas, o filho mais velho de Don Vicenzo, para em frente a uma
cantina para almoçarmos, depois de passarmos a manhã visitando o Teatro
Massimo — e eu ter ouvido várias piadas de Sage sobre ser um ponto
turístico importantíssimo para a máfia, já que algumas cenas de O Poderoso
Chefão foram gravadas ali —, meu marido sussurra no meu ouvido:
— Preciso de um cheeseburger e uma cerveja gelada — desabafa. —
Não aguento mais nem pizza. Nunca achei que ia enjoar de pizza. — Ele ri.
— Prometo que amanhã teremos um dia só nosso. Já conversei com a
Martina e ela vai nos ajudar. — Pisco para Sage.
Desde que chegamos, Martina e Lucas têm sido nossos principais
companheiros, o que é bem mais divertido do que ter a irmã de dona
Francesca nos levando pra passear, como tivemos ontem.
Martina completou dezoito anos há pouco e, ao contrário de mim, ela
não parece nem um pouco feliz com o marido escolhido para ela: o filho de
um político local importante. A data do casamento ainda não foi marcada,
porque ela, sendo a única sobrinha de Don Vicenzo, consegue tudo o que quer
dos homens da família. Acho que foi por isso que, quando começamos a
conversar, nos aproximamos instantaneamente.
Assim que descemos do carro, ela nos recebe à porta do restaurante,
entusiasmada.
— Consegui! — Martina me segura pelos braços e dá um beijo em cada
uma das minhas bochechas. — Convenci meu tio de nos deixar ir amanhã para
Cefalú. É um vilarejo a cinquenta minutos de carro daqui. Chegando lá, tenho
um compromisso e vocês ficam com o dia inteiro livre. — Ela pisca para
mim. — Tem umas pousadas lindas com vista para praia.
Martina explica seu plano e eu a agradeço. Não sei se vou conseguir um
cheeseburger e uma cerveja gelada para Sage, mas darei ao meu marido outra
coisa que ele também quer.
Dois dias. Martina conseguiu que ficássemos dois dias em Cefalú,
apenas nós três, e só a vimos nas primeiras duas horas em que chegamos ao
vilarejo. Ela fez questão de nos levar para um tour a jato e tirar milhares de
fotos para mostrarmos a família quando voltássemos. Ela até chegou a levar
blusas diferentes para que trocássemos e não tivessem a impressão de que
tudo foi feito às pressas.
Depois disso, sumiu e só nos encontrou na estação de trem na hora
marcada para partir. Tive vontade de perguntar onde ela estava, mas guardei a
curiosidade, afinal, seja lá o que ela esteve fazendo — e, pelo jeito que
dormiu na viagem de volta, foi bem exaustivo —, não é da minha conta. O
presente que ela nos deu, esses dois dias sozinhos, me deixou inteiramente
grata e em dívida com ela, porque eles foram os melhores da minha vida.
Quanto mais conheço Sage, a cada nova descoberta sobre o jeito que
pensa, que enxerga a vida, como cresceu e aprendeu a se virar, a cada novo
orgasmo ou posição sexual que ele me ensina, sinto como se a vida não
pudesse estar mais certa em nos reservar um ao outro. Temos tanto em comum
e, ao mesmo tempo, somos totalmente diferentes.
Não saímos do quarto da pousada em que nos hospedamos. Por sorte,
consegui cervejas e algo que parecia com um hambúrguer. Não foi nem um
pouco fácil, mas o bom de se ter uma grande família italiana é essa: alguns
caprichos podem ser saciados. Entre uma quantidade absurda de sexo — bem
mais do que imaginei que seria possível e que literalmente me deixou assada
— e alguns filmes que assistimos abraçados na cama, Sage me contou da sua
infância, de sua vida sempre fugindo de algo e não sabendo do que realmente
era. Em seu celular, ele me mostrou fotos da mãe e da infância. Fotos que ele
mesmo tirou dos poucos porta retratos que deviam enfeitar o trailler. O olhar
assustado da mulher me atormentou naquela noite. Do que ela tanto fugia?
— Acho que não era de nós que ela fugiu, marito. — Don Marco sempre
foi apaixonado por Margareth e quase não se tornou Don por recusar-se a
forçá-la a casar. — Seu pai realmente a amava e, do jeito dele, acha que fez o
certo deixando-a com vocês.
Contei a ele tudo que sabia. Sobre o amor de Don Marco; o fato de ele,
por muito tempo, saber onde os filhos estavam, mas nunca ter se aproximado
em respeito à decisão da mulher, e de ele quase não ter se tornado Don em
função da maledetta, obviamente que sem xingar a minha sogra falecida.
— Mas então, se não era do meu pai, do que a minha mãe tanto fugia?
— Não sei, mezzo! — Fiz um carinho em seu peito nu. — Mas, para
saber do que ela fugia, precisamos saber quem a matou. — Deixei minha mão
subir até seu rosto, acariciando a barba malfeita, e depois segurei seu queixo,
fazendo nossos olhares se encontrarem. — Depois que descobrirmos tudo
isso, vamos vingar a morte da minha sogra.
Se ele fosse membro da família antes de Margareth ser assassinada,
todos os responsáveis já estariam mortos e teríamos comemorado cada gota
de sangue que meu marido fez derramar.
Quando desembarcamos do trem em Palermo, Martina nos passa
algumas instruções.
— Nós ficamos hospedados na mesma pousada e eu dividi o quarto com
minha amiga de faculdade Bianca, capisce?
Sage e eu concordamos com a cabeça antes que Lucas se aproxime,
abraçando e dando dois beijos em cada um de nós. O trajeto até a mansão de
Don Vicenzo passa rápido com toda a história que Martina conta para o
primo. Nossos dois dias foram cheios de idas à praia e visitas a ruínas da
região, de acordo com ela. Sage não entende a maior parte da história que a
outra conta, e agradeço por isso.
Assim que entramos pelo portão da casa de Martina, Lucas diz que vai
pegar uns documentos com seu tio e não demora, mas depois de alguns
minutos esperando, minhas pernas começam a formigar e preciso me esticar.
Sage me acompanha e descemos do carro, caminhando pelo jardim em
direção às luzes da casa. Ele acende um cigarro e me puxa pela cintura,
fazendo com que me aninhe em seus braços. De repente, vozes masculinas
começam a falar mais alto lá dentro. Estamos perto de uma das janelas
laterais, mas ninguém nota nossa presença.
Alguém faz uma piada com o nome de Sage e meu marido para de
caminhar.
— O que estão falando de mim? — ele pergunta, curioso.
— Fica quieto — digo, me concentrando na conversa alheia.
Sei que Lucas é um dos que está no meio da conversa. Além dele, posso
ouvir mais duas pessoas, que não consigo distinguir. Eles falam rápido, uma
mistura de surpresa e desdém. Fico sem entender algumas partes do que
dizem pelo tom alterado da voz de um dos homens, mas quando o nome de
Margareth é citado, eu rapidamente percebo o teor da conversa. Uma frase é
nítida e faz com que eu precise respirar fundo algumas vezes. Parece que,
mesmo sem entender uma palavra de italiano, Sage sabe exatamente o que foi
dito.
— Por que eles estão falando da minha mãe, Mia? — Ele se afasta do
meu corpo. — Por quê?
— Sage, amore mio — digo, diminuindo a distância que ele criou entre
nós e pegando em sua mão. — Eu te disse, antes de nos casarmos, que minha
lealdade será sempre sua, antes até do que da família. — Entrelaço nossos
dedos e dou um leve aperto. — E o que eu vou te falar agora vai te provar
isso, mas preciso que você se acalme e não faça absolutamente nada sem
pensar.
Começo a puxá-lo para longe da janela. Não podemos ser notados aqui.
— Fala logo, porra! — ele grita e solta minha mão, estancando no
caminho. — Fala, Mia! Por que esses italianos de merda estavam falando da
minha mãe?
— Eu não vou falar enquanto você não se acalmar, Sage! — grito
também e o seguro pelos ombros. — Um homem de cabeça quente só faz
merda e nós não faremos merda, capisce? — Eu o sacudo e Sage me encara
confuso. Por um segundo, penso que ele vai rir ou então me estrangular, mas,
em vez disso, ele sacode a cabeça, concordando comigo.
— Tudo bem. Pode falar. — Vejo que está tentando se controlar, mas
aquele brilho de raiva está de volta em seu olhar. Ele havia desaparecido por
uns dias, e confesso que me excita saber que esse lado do meu marido
continua intacto.
— O que os homens estavam falando é que não sabem como você e seus
irmãos aceitaram fazer parte da família depois do que… — penso em como
falar isso da melhor maneira possível ao meu marido, mas acabo optando
pela verdade — …seu pai fez com a poveretta[47] da Margareth.
Os olhos de Sage me encaram confusos. Então parece que o que eu disse
entra em sua corrente sanguínea, como um veneno corroendo as veias ou lhe
enchendo de superpoderes, os melhores poderes, motivados pela sede de
vingança. Se antes os olhos brilhavam, agora pegam fogo.
— Aquele… filho da puta! Eu vou matar o desgraçado com as minhas…
— Não! — grito. — Você não vai matá-lo com as próprias mãos. Nem
falar sobre essa história com mais ninguém aqui. Nós ainda temos dois dias
em Palermo e descobriremos tudo que for possível. Depois, vamos achar um
modo de vingar a morte da sua mãe. Mas, por enquanto — dou novamente a
mão para Sage, sorrio docilmente e começo a caminhar em direção ao carro
—, nós vamos apenas fingir que tudo está bem.
— Como…? — Ele para por um segundo. — Você é incrível, princesa.
— Sage sorri.
Capítulo 23
Sage
Eu odeio a Itália. Odeio essa cambada de italianos duas-caras, que
sorriem para mim, mas riem da minha história pelas costas.
Eles não sabem de nada. Nada! Não sabem quem era a minha mãe, o que
aconteceu durante os dezesseis anos que ela ficou afastada e muito menos o
tipo de pessoa que meus irmãos e eu nos tornamos. Também não fazem a
menor ideia do que sou capaz.
Enquanto estão todos conversando animadamente depois do café da
manhã, peço licença e saio da sala. Mia me encara e eu apenas balanço a
cabeça afirmativamente, garantindo a ela que não farei nenhuma besteira.
Saio da enorme casa e vou para o jardim. Sei que o fuso horário daqui é
de seis horas à frente de onde moro, mas preciso falar com meus irmãos. Tiro
o celular do bolso e faço a ligação para Jett. Coal dorme que nem uma pedra,
nunca vai ouvir o toque.
— Sage? Aconteceu alguma coisa? — Jett pergunta ao atender.
— Muita coisa, mas estou bem. Só preciso que você acorde Coal e me
ligue novamente. Quero falar com vocês dois. — Encerro a ligação antes que
meu irmão comece a fazer perguntas. Não estou com paciência para bater
papo agora.
Por mais que Mia tenha me pedido para manter a calma e não fazer nada
estúpido, preciso compartilhar o que descobri com Coal e Jett. Se meu pai
realmente matou minha mãe, os dois podem estar correndo perigo naquela
casa — e preciso avisá-los.
Se eu chegar lá e ambos estiverem mortos, juro pelo meu próprio sangue
que vou eliminar cada membro daquela maldita família da forma mais cruel
possível e fazer com que paguem pelo que aconteceu.
Acendo um cigarro e espero Jett me ligar de novo. Menos de um minuto
depois, o aparelho vibra na minha mão.
— Estou no viva-voz? — pergunto.
— Fala logo que eu quero voltar a dormir — Coal diz, sua voz
embolada com o sono.
— Estão a sós? — Não posso correr o risco de ninguém escutar o que
estou prestes a dizer.
— São duas horas da manhã, Sage. O que você acha? — Jett responde e
posso sentir sua chateação daqui.
Quando eles ouvirem o que descobri, com certeza vão mudar de postura.
Olho ao redor para ter certeza de que não tem ninguém me observando
também e só começo a falar depois de ver que estou sozinho no jardim.
As risadas dentro da casa são altas, todos estão entretidos.
— Preciso que vocês não reajam, ok? O que eu vou falar vai ser uma
merda, mas vocês têm que se manter tranquilos — peço antes de contar a
história.
— Você tá muito cheio de melindres, Sage. Dá pra falar logo? Sua
esposa é uma merda na cama ou gosta de brincar de fio-terra? Se for isso,
juro que não quero saber… — Coal diz.
— Minha esposa é uma delícia, e pense duas vezes antes de falar dela
de novo. — Meu lado protetor, que até então só se estendia aos meus irmãos,
fala mais alto. Não quero nenhum deles pensando na minha princesa. Porra,
não quero nenhum homem pensando nela.
— Se você ligou para se gabar de estar comendo…
— Don Marco matou nossa mãe — jogo a bomba antes que Jett consiga
concluir a frase, fazendo com que os dois fiquem em silêncio. — Eu estava
andando no jardim com a Mia quando ouvimos uns homens comentando que
não entendiam por que nós nos juntamos à família depois do que nosso pai fez
à nossa mãe.
Sei que ainda tem muito dessa história que preciso descobrir, mas, no
fim das contas, fatos são fatos. E os que descobri são bem relevantes e
apontam diretamente para Don Marco.
— Ele matou nossa mãe? — Coal pergunta, qualquer resquício de sono
abandonado com o impacto do que acabou de ouvir.
— Pelo que ouvimos, sim. Ou, pelo menos, mandou matar. — Eu não
deveria ficar surpreso, muito menos decepcionado. Na verdade, já deveria
estar esperando algo do tipo. Nunca confiei no discurso de Don Marco. — A
execução da nossa mãe não foi algo corriqueiro. Ninguém toma trinta e três
tiros sem que muito ódio esteja envolvido. E quem mais poderia odiá-la com
tanta intensidade quanto o homem que ela abandonou e de quem tirou os
filhos?
Don Marco tinha os motivos e os meios para eliminá-la. Isso é óbvio.
— Mas por que ele esperaria tanto tempo para matar nossa mãe? E por
que esperaria tanto tempo para entrar em contato conosco? — Jett faz
perguntas para as quais não tenho resposta. Então, limito-me a responder um
“não sei”.
— Precisamos investigar mais — Coal comenta e eu concordo.
— Precisava avisar vocês. Fiquem de olhos e ouvidos abertos e tomem
muito cuidado. Se ele fez isso com ela, nós podemos ser os próximos da lista.
— Minha voz está carregada de preocupação e meus irmãos percebem isso.
Eu não tenho medo de morrer. Se tiver que ser sincero, nunca tive muitos
motivos para viver. Mas saber que meus irmãos podem estar na mira de um
filho da puta assassino faz com que eu resolva que não está na hora de levar
as coisas de forma tão leviana e começar a prestar mais atenção em tudo.
Eu morro. Eles não. Nem Mia.

O dia passou rápido. Na maior parte do tempo, fiquei pensando em


formas de entender melhor toda essa merda. Passeamos, tiramos fotos e até
consegui escapar com Mia em algum momento para me perder em seu corpo.
Mas nada foi capaz de expurgar os pensamentos homicidas da minha mente.
Depois do jantar, pedi licença e fui dar uma volta em torno da casa.
Ficar lá dentro com todos aqueles italianos felizes estava me tirando do sério.
Tenho tentado manter o sorriso intacto e fazer exatamente o que Mia sugeriu,
mas está ficando cada vez mais difícil.
Quando retorno para dentro da casa, encontro todos do mesmo jeito que
eu havia deixado: rindo, bebendo e conversando. Os olhares caem sobre mim
quando volto a me sentar ao lado de Mia, que instintivamente coloca uma mão
em minha coxa.
Seu toque aplaca um pouco da raiva que me consome, mas sei que
preciso encontrar todas as respostas para que eu possa relaxar de vez.
A princípio, a única coisa que tenho certeza é de que Lucas estava
naquela conversa. Por isso, decido que o caminho a ser tomado no momento é
falar com ele e descobrir mais do que sabe sobre minha família.
— Don Vicenzo, tenho um favor a lhe pedir — digo, trazendo a atenção
de volta para mim.
— Mas é claro, ragazzo. — O velho sorri para mim e seguro meu
sarcasmo.
— Com a sua permissão, gostaria de sair para tomar uns drinks com meu
novo amico. — Aponto para Lucas, que se espanta com o pedido.
Mia aperta minha perna e seguro sua mão. Não quero sair para me
embriagar e conhecer novas mulheres. Só preciso tentar extrair qualquer
informação de Lucas que eu conseguir. Amanhã é nosso último dia aqui, já
que sairemos cedo no seguinte, e tenho que aproveitar a oportunidade antes
que seja tarde demais.
— E a sua esposa não vai ficar chateada? — dona Francesca pergunta
antes que o marido possa responder.
— Mia me conhece e confia em mim. Sabe que sou um homem leal a ela.
— Olho para Mia e dou uma piscadinha. Sinto-a relaxar na mesma hora e fico
feliz por ela entender o que está acontecendo. — Mas, se ela quiser, pode nos
acompanhar e levar Martina também.
— Não precisa, amore mio. Vai passear com nosso cugino[48]. — Ela
sorri para mim e beijo o topo de sua cabeça.
Lucas olha para mim com desconfiança, mas assim que estamos a sós no
carro, começo a conversar sobre assuntos variados. Ele e Martina são os que
falam melhor a nossa língua. Don Vicenzo e Francesca conseguem se
comunicar, mas não tão bem quanto os mais jovens.
Lucas decide me trazer para o Veleno, uma boate bem movimentada e
com uma atmosfera parecida com o Lascívia. Estamos só nós dois aqui, mas o
impacto que ele causa quando entra é bem próximo de quando os quinze
homens da família Rossi apareceram para a minha despedida de solteiro.
Dá pra ver que a maioria sabe quem ele é e o que faz da vida.
— Por que você quis sair hoje, Sage? — Lucas pergunta quando nos
sentamos no sofá da área VIP.
O barulho é alto, muita música e pessoas conversando. Mesmo assim, a
tranquilidade do lounge ainda garante que eu consiga escutá-lo. Ignoro sua
pergunta e peço para uma das garçonetes — com roupas curtíssimas e sorriso
sedutor — nos trazer uma garrafa de vodca. Felizmente, ela entende meu
pedido e avisa que volta logo.
— Desculpa, cara, mas a última coisa que eu queria fazer na minha lua-
de-mel era passar as noites conversando com a família e ouvindo as mulheres
falarem de filhos e receitas — digo parte da verdade. Ele não precisa saber
de todas as minhas intenções.
— Eu te entendo. Também não ia gostar.
— Você é casado?
— Ainda não, mas Don Vicenzo tem planos para mim em breve. É
Martina quem vai se casar primeiro, sendo a única mulher jovem da família e
tal… — ele diz e posso sentir uma certa apreensão em sua voz.
— Porra, mano, tu quer comer tua prima? — Rio com a ideia e ele fica
envergonhado na mesma hora, o que faz com que minha gargalhada tome
proporções ainda maiores.
— Cazzo, ma che parlare? È pazzo?[49]
— Em primeiro lugar, não entendo porra nenhuma que você está falando.
Mas acho melhor você aprender a controlar sua expressão quando alguém
menciona o nome dela, senão todo mundo vai saber que você tá caidinho por
sua prima e nem se importa se os filhos dessa união vão nascer com dezoito
dedos.
Lucas vai protestar, mas é interrompido. A garçonete volta com uma
enorme garrafa de vodca, que deve ter pelo menos três litros. Não pretendo
beber tudo isso, mas quero que Lucas saia daqui carregado depois de ter me
contado tudo o que sabe a respeito da minha mãe e do que aconteceu com ela.
Agradeço à mulher, que enche alguns copinhos, me dando uma bela vista
de seu decote. Se eu não tivesse uma freirinha safada me esperando em casa,
provavelmente arrastaria essa daqui para algum canto e faria com ela algumas
coisas interessantes.
Ela vai embora e Lucas bebe o conteúdo de dois copinhos, bastante
afetado com meu comentário.
— Olha, não é que eu seja apaixonado por ela nem nada disso, mas…
cazzo! Martina é muito gostosa — ele confessa.
— Ninguém discorda de você. E pelo pouco que percebi, ela não quer
se casar. — Preciso ganhar a confiança dele e, se isso me fará sacanear
aquela garota, que seja.
— Como você sabe disso?
— Ela mesma disse. Mas acho que está interessada em alguém. A única
coisa que sei é que não tinha nenhuma colega de faculdade naquela pousada.
Lucas me encara por alguns segundos e não diz nada. Depois, bebe mais
duas doses e finalmente se recosta no sofá.
— É um playboyzinho da faculdade — ele comenta.
— E eles estão…? Você sabe.
— Não sei, cara. Espero que não, senão papà vai me mandar acertar
algumas contas.
— Vocês têm essa parada das mulheres se casarem virgens, né? Porra,
minha nonna entrou no quarto na manhã após a noite de núpcias pra verificar
o lençol. Isso é uma loucura! — desabafo com ele, preciso conseguir sua
simpatia.
— São as tradições, cara. Nada demais. — Ele dá de ombros e serve
mais alguns copinhos. — O casamento é algo sagrado para nós. Não existe
infidelidade nem desonra depois que você jura ser dela na frente de todo
mundo.
O comentário dele leva minha mente direto à Mia. Confesso que a última
semana ao lado dela foi mais do que prazerosa, principalmente os últimos
dois dias. Só de me lembrar de tudo que fiz com ela, meu corpo dá sinais de
vida.
Maldita freirinha e seu corpo delicioso…
Lucas continua falando sobre as tradições da família e como todos nessa
vida devem agir da mesma forma.
— Se um homem não é leal à sua esposa, sua palavra não carrega honra.
Italianos não assinam papéis. Tudo é na base da promessa. E nada é mais
sagrado do que isso.
— Nunca mentem? — quero saber.
— Nunca. Principalmente para outro italiano — Lucas confirma.
Entrego a ele mais um copinho, brindamos e viramos a dose.
— Então, preciso que você me diga tudo que sabe a respeito da morte da
minha mãe. — As palavras saem sérias e ele se engasga com a surpresa.
Foda-se o plano de deixar Lucas bêbado para que ele me conte o que
aconteceu. Prefiro usar suas próprias palavras para extrair dele a verdade
que ainda não conheço.
— Cazzo! Você não pode me perguntar isso… — Lucas deixa o copo
sobre a mesa e esfrega o rosto com as mãos.
— Eu ouvi você e outros homens conversando sobre nós. Se o que você
acabou de dizer é verdade, então me conta a história que todo mundo cisma
em esconder de mim. — Eu o encaro. — Se fizer isso, ficarei em dívida com
você.
Lucas hesita. Sei que o coloquei em uma posição complicada, mas estou
pouco me fodendo para o seu desconforto. Eu não volto para aquela maldita
mansão sem o máximo possível de informações.
Mia tinha razão em me controlar. Antes de tomar alguma decisão, tenho
que saber de mais coisas do que apenas o pouco que ouvi através de uma
janela. Se meus irmãos entenderam o que eu disse mais cedo, então devem
estar mais atentos do que o normal.
— Olha, eu não sei muita coisa, só o que todos comentam — Lucas
começa a falar e eu deixo meus pensamentos de lado para me concentrar nele.
— E o que eles comentam? — incentivo-o a colocar mais cartas na
mesa.
— Pelo que sei, sua mãe e seu pai estavam prestes a se casar. Na noite
antes do noivado, ela fugiu. Don Marco não sabia que ela estava grávida,
mesmo assim, fez de tudo para encontrá-la. O que dizem por aí é que ele
nunca a perdeu de vista. Quando ela morreu alguns anos atrás, os rumores
foram de que ele a matou.
A primeira parte da história não é novidade para mim. O próprio Don
Marco me contou isso quando me deu o anel que seria dela e que hoje está no
dedo de Mia. Mas a segunda parte, a que ele sabia de seu paradeiro este
tempo todo, é bastante curiosa — para dizer o mínimo.
— E você tem certeza de que foi ele quem a matou? — pergunto mais
uma vez.
— Não. Juro que estou falando a verdade — Lucas se apressa em dizer
quando vê meu cenho franzir. — É o que todos dizem. Quem mais teria
motivos para matá-la?
Essa é a pergunta de um milhão de dólares.
Coloco mais uma dose de vodca e bebo de uma só vez. Em seguida,
acendo um cigarro. A melhor parte da Itália é poder fumar em qualquer lugar.
Ou talvez esse seja um dos benefícios de andar acompanhado de um membro
da máfia.
— Se meu pai matou minha mãe, então por que veio nos procurar cinco
anos depois?
— Também não sei, cara. Talvez meu pai tenha uma ideia melhor do que
aconteceu, mas eu não posso te ajudar muito.
Balanço a cabeça. Eu não posso fazer essa pergunta a Don Vicenzo sem
levantar suspeitas. Só que tem mais uma coisa que preciso saber antes de dar
esse assunto por encerrado.
— Você disse que meu pai sabia do nosso paradeiro o tempo todo —
afirmo e Lucas faz que sim com a cabeça. — Mas nós nos mudávamos com
frequência. Como ele sabia?
— Eu não sei exatame…
— Tá, você não sabe. Se fosse seu pai, como ele teria agido?
— Porra, Sage… Ele provavelmente teria mandado alguém seguir a
mulher. Ficar na cola dela o tempo todo. Alguém de confiança, sem família e
que ele considerasse o mais leal dentre os seus.
Não respondo. A única coisa que sei neste momento é que preciso
descobrir ainda mais sobre a família Rossi.
— Obrigado, Lucas. Se um dia você precisar de mim, pode me chamar
— garanto. Dessa vez, não estou mentindo ou manipulando. — Eu te dou
minha palavra. — Ofereço minha mão a ele, que a aceita sem relutar.
Resolvo mudar o rumo da conversa e voltamos a falar sobre Martina.
Lucas está preocupado com ela, tanto pelo casamento quanto pelo tal
carinha da faculdade.
— Estou com medo de que seja tarde demais… — ele fala.
— Você quer dizer se ela não for mais virgem? — pergunto, me
controlando para não revirar os olhos com essa cultura arcaica que eles
teimam em manter.
— Se o marido novo dela descobrir que Martina não é virgem, as coisas
podem complicar para a nossa família. — Lucas parece realmente
preocupado com o futuro da prima. Ou então está se corroendo por dentro
com esse ciúme.
— Mas o noivo dela não é um de vocês? — quero saber. Não tenho
muito conhecimento sobre o assunto, mas pelo pouco que percebi com o meu
casamento, imagino que uma filha da máfia não possa se casar com um
qualquer.
— O pai dele é um associado de Roma. Senador. Mas o futuro marido
de Martina é um filhinho de papai, só que nossa família vai se beneficiar
muito com essa união — ele explica com uma falta de emoção tão grande que
chego a sentir pena do cara.
— Mas já está tudo certo para o casamento?
— Foi falado de boca, mas a data ainda não foi marcada. — Lucas
oferece mais uma dose para mim, e eu aceito.
— E se eu desse um jeito de levá-la conosco?
— Para a sua casa? — Ele parece confuso.
— Aham. Ela poderia estudar lá por alguns meses. Isso esfriaria a
relação dela com o namoradinho e o filho do político provavelmente
encontraria outra ragazza durante esse tempo — ofereço, observando sua
reação ao meu convite.
Quero continuar nas boas graças de Lucas. Sua amizade ainda pode ser
de grande serventia para mim e para meu plano. Se levar Martina para minha
casa ajudar, que seja. Sei que Mia gostou dela e tê-la em sua companhia
também pode vir a calhar.
Capítulo 24
Mia
Sei que alguns sentimentos não deveriam ter espaço em minha vida, mas
foi inevitável sentir uma ponta de ciúmes quando Don Vicenzo anunciou à
família, depois de quinze minutos a portas fechadas com Lucas e Sage, que
Martina iria nos acompanhar na volta para a casa e ficaria morando conosco
por um tempo. No primeiro momento, me pareceu ótimo, até ele agradecer a
Sage pelo convite.
Por que meu marido queria levar a ragazza conosco? Mesmo quando ele
me explicou várias vezes, enquanto sua boca alternava entre meus mamilos e
meu pescoço, sua conversa com Lucas e por que teve a ideia de carregar
Martina para nossa casa, eu não me convenci. Na verdade, me convenci em
sua primeira explicação, mas continuei negando até que minha vontade por
ele fosse aplacada. Apenas aplacada, porque nunca estou satisfeita quando o
assunto é Sage.
Porém, se havia qualquer pequena possibilidade remota de minha
cabeça imaginar que existiria algo entre os dois, ela foi completamente
desfeita no momento em que colocamos os pés em casa e Martina e Coal se
cumprimentaram. Eu sei: os três são idênticos, mas para mim é muito fácil
reconhecer cada um e, pelo visto, Martina também aprendeu quem é quem, e
escolheu o seu preferido em menos de dez minutos. Não posso julgá-la: eu
escolhi o meu sem nem conhecê-lo.
A animação de todos com nossa volta é visível. Chegamos próximo ao
horário da janta, então mal largamos as malas no quarto e fomos chamados
para o jantar.
A família toda está reunida à mesa. Enquanto os homens conversam entre
si, contando piadas e, volta ou outra, um solteiro interagindo com Martina, eu
conto às mulheres notícias da família na Itália. Martina parece se sentir em
casa. Sorri e conversa com todos, principalmente com meu cunhado. Sage
não. Todas as vezes que encaro meu marido, vejo seus olhos com uma chama
branda, mas completamente perdidos. Ele não sorri ou conversa com os
outros e quando o chamam, diz que está cansado.
Conversamos muito na viagem de volta, já que a presença de Martina em
nosso voo não nos permitiu fazer o mesmo uso da suíte como na ida para
Itália. Sei o que o está atormentando e já provei minha lealdade a ele
traduzindo exatamente o que estavam falando sobre sua mãe. Sage pareceu
compreender a importância de agirmos com cautela antes de qualquer coisa.
Mesmo assim, em silêncio, oro para que a madre de dio controle meu marido
e não deixe a chama de seu olhar se incandescer. Por mais que a vingança lhe
seja um direito, e não medirei esforços para que se vingue, tudo tem seu
tempo.
O jantar mal termina e ele é o primeiro a se levantar da mesa. Assim que
o faz, pergunta se pode conversar com o pai e os irmãos a sós. Os olhos de
papà recaem sobre mim, faiscando. Antes que ele continue a pensar que Sage
irá se queixar do meu comportamento como esposa, levanto-me da mesa e
apoio-me em meu marido, dando-lhe um beijo carinhoso na bochecha.
— Vai ficar tudo bem, princesa. — Ele dá um beijo em minha testa.
Sorrio e afasto-me para que acompanhe o pai ao escritório.
— O que está havendo? — papà me pergunta. — Perché il piccoletto di
tuo marito ha questo aspetto?[50]
— Soggetto di mio marito, papà[51] — respondo sorrindo e dou as
costas ao meu pai. Não lhe devo mais satisfações.
Assim que entro na cozinha, nonna para de secar os pratos e faz um
gesto com a cabeça para que a siga. Ela passa por mamãe e bate em seu
ombro para que lhe acompanhe e sai pela porta que dá acesso ao jardim.
Faço o mesmo.
— O que está acontecendo, bambina? — ela dispara assim que as
encontro. — Sage está tão calado desde que voltou.
Peço para que nonna e minha mãe se sentem em um dos bancos do
jardim. Faço o mesmo e explico o que escutamos e o que aconteceu na Itália.
Conto sobre a conversa de meu marido com Lucas e o que a família pensa
sobre o assassinato da maledetta. Ambas me observam incrédulas. Nonna
coloca as mãos em frente à boca enquanto conto. Mamma faz gestos mais
sutis, mas também demonstra o mesmo espanto.
— Como você conseguiu controlar meu neto? — É tudo que me pergunta
quando finalizo meu relato.
— Tenho meus métodos — digo, rindo. Mamma bate palminhas
orgulhosa e nonna cai na gargalhada.
— Va benne, Mia! — elogia.
— Eu controlei meu marito porque era necessário, porém, nonna,
preciso saber a verdade. Assumi um compromisso com Sage no altar e não
pretendo descumprir. Serei sempre leal a ele, antes mesmo da família.
— E pode continuar sendo leal a ele, bambina! Nós não temos nada a
ver com isso.
— Cedo ou tarde, descobriremos. E se vocês estiverem mentindo…
— Não estamos!— nonna responde. — Nós não tivemos nada a ver com
a morte daquela figlia de una putanna! — Ela respira fundo e continua: —
Eu bem que queria, logo que meus tesoros nasceram, mas o stronzo do Marco
nunca deixou. Sempre protegeu aquela maledetta.
O silêncio fica constrangedor entre nós. Não sei se consigo acreditar em
nonna, ao mesmo tempo que acredito que ela não mentiria sobre algo assim.
Ela sabe as consequências da mentira em nossa família.
— Então… nós queremos saber da lua de mel e desse novo apelido…
“princesa”? — Mamma ri, mudando de assunto e fazendo com que eu conte
em detalhes nossa lua-de-mel. Mas, obviamente, alguns detalhes, aqueles que
me deixam com uma inquietação entre as pernas, eu omito.

A conversa demora mais tempo do que imaginei. Quando termino de


conversar com mamma e nonna, voltamos para dentro de casa e ajudamos as
mulheres a terminar o serviço da cozinha. Don Marco manda dispensar a
todos, mas as portas do escritório seguem fechadas com ele e os filhos lá
dentro. Ficamos eu, Martina e Giovanna na cozinha. Conto para ela da Itália,
das coisas que conhecemos e a menina fica encantada nas histórias.
— Será que, quando eu casar, poderei passar a lua-de-mel lá? — ela
pergunta para Martina.
— Você não precisa casar para isso. — Martina abana uma mão. — Em
que século vocês estão?
— Martina! — repreendo-a. — Nós seguimos as tradições da família.
— Famiglia un cazzo! — Ela dá uma gargalhada. — Nós somos uma
organização criminosa, mundialmente conhecida como Máfia. Tem até filme
sobre nós.
— O que é máfia? — Giovanna pergunta.
— Martina! — chamo sua atenção mais uma vez. — E você, Giovanna,
já passou da hora de ir dormir.
— Mas…
— Amanhã conversamos, Giovanna. Agora vá!
Martina fica rindo enquanto a menina se retira. Assim que não ouve mais
seus passos pela casa, olha para mim, ainda com um sorriso no rosto.
— Qual é, Mia? Você realmente se casou virgem?
— Claro que sim — digo, sentindo-me insultada.
— Nossa! Eu perdi a virgindade com quinze anos. Não achei que alguém
ainda levasse a sério esse costume arcaico. — Dá de ombros.
Não sei se a confissão de Martina me surpreende. Não sou ingênua a
ponto de pensar que ela estava realmente com uma colega de faculdade em
Cefalú. Mesmo assim, me preocupo que Sage tenha arranjado um problema
para nós sem saber.
— Só preciso uma coisa de você — digo, séria. — Que se comporte e
não comente isso com mais ninguém enquanto estiver aqui.
— Tudo bem. — Ela pisca. — Mas com uma condição.
— Condição? — digo, surpresa. Posso acabar com a vida dela em dois
segundos se revelar o seu segredo. — Qual?
— Que você e Sage me levem para passear e convidem Coal para ir
junto. — Ela arqueia uma sobrancelha e sorri.
— Tudo bem. — Rio. Martina tem algo que talvez eu gostaria de ter
tido: audácia para viver. Mas tive medo de arriscar. — Só… comporte-se.
Vou para o quarto esperar Sage, mas as paredes me sufocam. Desço para
o jardim e fico sentada por lá observando a lua, imponente e redonda no céu.
Fico hipnotizada enquanto a admiro. As lembranças da nossa lua-de-mel,
principalmente dos dois dias mágicos que vivemos trancados no quarto da
pousada em Cefalú, tomam conta de meus pensamentos e perco
completamente a noção do que acontece a minha volta.
— Se tu fosse minha mulher, não estaria sozinha à noite nesse banco. —
Escuto o sussurro em meu ouvido e dou um pulo, ficando de pé. — Duvido
que meu primo meio italiano tenha o sangue tão quente como o meu. — Vince
ri e me segura pelo braço. — Deixa eu te mostrar o que um italiano de
verdade é capaz de fazer.
— Você está louco? — digo, livrando-me de sua mão.
— Mia?! — Sage grita da porta de casa. — Tudo bem aí?
— Tudo, amore mio. — grito para meu marido e viro-me para Vince, o
encarando. — Dopo facciamo i conti.[52]
Capítulo 25
Sage
O clique da porta sendo trancada soa na minha cabeça como uma sineta
que anuncia o início de uma luta. Eu tive que aturar algumas horas sem poder
confrontar Don Marco por tudo o que descobri na última semana. Mas agora
que estamos apenas nós quatro em seu escritório, não preciso mais medir
minhas palavras.
— Você matou a minha mãe? — jogo a pergunta antes mesmo de ele
tomar seu lugar naquela poltrona de sempre.
Don Marco apenas me encara, espantado com o tom inesperado da
conversa.
Será que realmente achou que eu o chamei para bater papo sobre a
minha lua-de-mel?
Dou três passos para frente, parando a centímetros de seu rosto. Meu
coração tem um ritmo acelerado no peito — uma mistura de adrenalina, ódio
e sede de vingança.
Se Don Marco for inteligente, ele confessará tudo o que sabe.
— Sage, figlio mio, o que…? — tenta falar, mas é interrompido por
Joana.
Coal tem sua pistola apontada para ele, dedo no gatilho e pronta para
qualquer coisa.
Os olhos de meu pai se arregalam com o impacto de ter os três filhos
colocando-o contra a parede.
— Responda à pergunta — Jett incentiva e Coal libera a trava de
segurança de Joana.
— Você. Matou. A. Minha. Mãe? — refaço a pergunta, dessa vez de
forma pausada.
Quando o espanto passa e penso que seus olhos demonstrarão medo,
chega a vez de Don Marco nos surpreender: ele respira fundo e me encara
como se ninguém estivesse com uma arma apontada para a sua cabeça, muito
menos cercado por três homens de mais de um metro e noventa e quase cem
quilos de ódio cada um.
— Acho que vocês ainda não deram este assunto por encerrado — ele
comenta tranquilamente, como se fosse apenas mais uma terça-feira qualquer
em sua vida.
O problema é que essa tranquilidade acaba por instigar ainda mais a
minha vontade de fazê-lo pagar por todo o sofrimento que causou à minha
mãe.
Antes que eu perceba, uma de minhas mãos sobe para sua garganta e
começo a empurrá-lo até bater com as costas na parede. Coal e Jett me
seguem e escuto meu irmão caçula soltar uma gargalhada. Dessa vez, Don
Marco entendeu que não estamos para brincadeira.
Foda-se quem ele é. Neste momento, somos apenas quatro homens como
quaisquer outros — e ele está em desvantagem.
— O assunto está longe de ser encerrado. Você acha mesmo que eu vou
ficar ouvindo boatos de que meu pai matou minha mãe e não reagirei? —
pergunto, apertando meus dedos em torno da sua garganta com mais força.
Don Marco tosse, começando a sufocar. Chefe da máfia ou não, ele
precisa de ar como todos os outros seres humanos. Suas mãos vão para o meu
braço, tentando impedir meu rompante, só que Joana está ali. Coal coloca a
pistola entre os olhos dele, sorrindo ao ver um dos homens mais poderosos
tremer sob nossa ameaça.
Afrouxo um pouco os dedos que circulam seu pescoço e Don Marco
puxa o ar com esforço, o que me faz sorrir.
Nos últimos cinco anos, sempre optei por não usar a violência — e isso
não se deu por conta de princípios, e sim por autopreservação. Eu era um
moleque mirrado quando fui parar na rua, mas não era burro: se caísse na
mão com alguém, provavelmente sairia perdendo.
Muito tempo se passou desde essa época. Desenvolvi habilidades
diferentes, sou rápido, astuto e não tenho medo das consequências. Só que
meu corpo também teve a chance de crescer, e muito, o que me torna alguém a
ser temido — algo que Don Marco começa a perceber agora.
— Acabei de me dar conta de que você ainda não respondeu, papà —
Jett fala ao meu lado, seu tom bem diferente daquele que normalmente usa.
— Vamos fazer o seguinte: você vai se sentar no seu trono de merda e
contar cada detalhe dessa história para nós. Ao fim, julgaremos se você
merece ou não continuar vivendo. — Olho para Don Marco, que parece nos
enxergar pela primeira vez.
É possível que ele tenha pensado que, por termos vivido grande parte da
nossa vida trancafiados, nós seríamos apenas três garotos que não sabem o
que fazer. Ou então que seríamos eternamente gratos pela oportunidade que
nos deu quando viemos parar nesta casa. Um choque de realidade para o
velho.
Ainda segurando-o pela garganta, começo a levá-lo para a poltrona e o
arremesso nela, fazendo com que ele desequilibre um pouco antes de se
sentar. Coal mantém Joana apontada em sua direção, e sei que ele não
hesitará em puxar o gatilho caso seja necessário.
Don Marco leva alguns minutos para se recuperar, ajusta o terno e passa
a mão sobre a marca vermelha no pescoço. Sorrio com a tatuagem temporária
que ele carrega. Dessa vez, não tem o símbolo da família Rossi, mas sim o da
família Wilder.
— O que vocês querem saber? — ele pergunta e aponta para a caixa de
charutos na mesa, como se pedisse permissão para indultar seu desejo. Faço
que sim com a cabeça, sentindo o sangue correr mais forte pelas veias,
carregando um pouco do poder que sempre me faltou.
— Quando eu estava na Itália, escutei uma conversa muito interessante
— comento enquanto ele começa a preparar o charuto. Retiro o maço de
cigarro do bolso da calça e acendo um. Ofereço para Jett, que aceita sem
pensar. Já Coal permanece estático, arma apontada e pronta para servir de
ceifa do carrasco.
— Que conversa? — Don Marco quer saber.
— Alguns homens de lá simplesmente não conseguiam acreditar que nós
três tivéssemos aceitado nos juntar a você, não depois do que fez à nossa
mãe. — Ele vai falar alguma coisa, mas eu o ignoro e continuo: — Cavei um
pouco mais e descobri que os rumores são que você nunca perdeu Margareth
Wilder de vista e, um dia, resolveu eliminá-la.
Don Marco fica em silêncio e aponta para o decantador na pequena
mesa que serve como um bar. Faço que sim com a cabeça, mas não saio do
lugar. Jett se levanta e enche quatro copos. Coal não pega o seu. Meu irmão
continua imóvel.
— Margareth Wilder era o amor da minha vida, eu já disse isso para
vocês.
— Mas muita coisa você ainda não nos contou — interrompo-o. — É
verdade que você nunca a perdeu de vista?
— Sim, é verdade. — Don Marco respira fundo e sinto Coal tensionar
ao meu lado. Seu dedo permanece fixo no gatilho, apenas esperando o resto
da história para decidir o que fazer.
— Explica isso melhor — Jett pede e dá um gole no whisky.
Don Marco se recosta na poltrona, o charuto esquecido entre os dedos.
Toda vez que o assunto gira em torno da minha mãe, ele muda. Mas ainda não
entendi se isso é reflexo de um amor nunca vivido ou se são os anos como
Don da máfia que o tornaram um excelente ator.
Os dois, talvez.
— Conheci Margareth por acaso. Isso foi há vinte e dois anos, quase
vinte e três. — Ele nos encara, dizendo nas entrelinhas que o romance que
tiveram não durou muito tempo. Eu e meus irmãos completaremos vinte e dois
anos em menos de três meses. — Ela era a mulher mais linda que eu já tinha
visto na vida, e o posto continua intacto. As pessoas chamam de amor à
primeira vista, mas era muito mais do que isso. Eu sabia que ela seria a única
mulher a ter o meu coração.
— Onde vocês se conheceram? — É Jett quem pergunta.
— Em um restaurante qualquer. Eu já era Capo na época e tive que…
cobrar uma dívida. — Ele pigarreia, sem querer entrar em detalhes sobre os
negócios. — Quando saí do escritório do dono, os nós das mãos doendo
depois de tudo que havia feito a ele, eu a vi. Margareth usava um vestido
rosa. Seu cabelo estava solto e ela ria enquanto conversava com suas amigas.
Algo fez com que ela se virasse para mim, talvez a intensidade do meu
desejo. Era tão linda, tão feliz…
A imagem que ele pinta é completamente diferente daquela que conheço
da minha mãe. Que ela era linda, não tinha dúvidas. Mas feliz? Não. Minha
mãe nunca foi feliz. Conto nos dedos os sorrisos que ela deu nos dezesseis
anos que estive em sua companhia.
— Como vocês ficaram juntos? — É minha vez de indagar.
— Da forma mais simples possível. — Don Marco ri, perdido em
lembranças. — Fui até ela e a tomei nos braços. Depois, nos beijamos. Eu
soube, depois daquele momento, que nunca mais teria outra mulher na minha
vida. — Ele balança a cabeça como se não acreditasse na própria
ingenuidade. — Eu a mantive escondida por um tempo. Éramos só nós dois
em uma bolha. Depois de um tempo, trouxe-a para casa e avisei aos presentes
que me casaria com ela. Margareth hesitou um pouco antes de sorrir para mim
e dizer que seríamos muito felizes juntos. Pensei que sua hesitação fosse por
conta da rapidez com que as cosias estavam evoluindo. Como fui cego… —
Quero acreditar em cada palavra que ele diz, mas algo em mim permanece em
estado de alerta, como se faltasse uma parte importante da história.
Don Marco esfrega as mãos no rosto, o ar autoritário esquecido. Em seu
lugar, apenas a visão de um homem derrotado pela vida.
Vê-lo assim me causa sentimentos dúbios. Pena, claro, mas o outro é
mais forte. Vê-lo assim só me faz ter certeza de que não é tudo que aparenta.
Por trás do terno e dos homens armados, não há nada nele que o torne
invencível — e a sensação de que sou superior a meu pai faz apenas com que
meus lábios se contraiam em um pequeno sorriso.
— Ela sabia quem você era? — Jett se interpõe na conversa.
— Não… Eu não disse nada e ela não precisava saber. Era tudo muito
novo e eu só queria passar um tempo com o amor da minha vida. O meu erro
foi contar a ela a verdade no dia em que a pedi em casamento oficialmente.
— Don Marco levanta seu olhar para mim. — O anel que hoje está no dedo
de sua esposa foi o mesmo que apresentei a ela quando prometi que a amaria
por toda a minha vida.
— E ela aceitou? — As palavras saem da minha boca sem que eu
consiga controlá-las.
— Na hora, sim. Só que eu estava cego de amor e continuei ignorando
sua apreensão. Achei que era apenas o impacto da… novidade, vamos
colocar assim. — Ele para de falar e respira fundo, fechando os olhos. Mas
quando volta a nos encarar, noto que algumas lágrimas estão querendo
escorrer. Don Marco as controla e continua: — No dia seguinte, era nosso
jantar de noivado e Margareth não apareceu. Estávamos juntos há dois meses,
apenas.
— O que você fez quando descobriu que ela tinha fugido? — Jett
questiona aquilo que estava nos meus pensamentos.
— Eu não era Don na época, mas estava prestes a me tornar um. Muitos
dos homens já eram fiéis a mim, e eu me aproveitei desse status para cobrar
alguns favores. O Don era meu pai e todos sabiam que ele já estava muito
doente. Eu era a escolha óbvia para seguir no comando da família. O melhor
de todos, o mais leal e o mais comprometido — ele narra sem qualquer
modéstia. — Tizziano Barrone era meu melhor amigo na época. Então, não
hesitei em pedir a ele que fizesse aquilo que eu gostaria de fazer sozinho:
procurar minha mulher.
O nome Barrone me faz lembrar daquele que se tornou um amigo durante
as duas semanas do meu treinamento.
— Eddie?
— Tizziano era o tio dele. Solteiro, sem laços fortes por aqui. Eu
implorei que tomasse conta de Margareth… e foi ele quem me disse, alguns
meses depois, que ela estava carregando um filho meu. Só depois eu descobri
que não era um só, mas três filhos.
— E esse tal de Tizziano a seguiu?
— Durante dezesseis anos. Ele foi encontrado morto a uma quadra de
onde vocês ficavam na época, mas eu sabia que seu corpo havia sido movido.
Tizziano ficava por perto, sempre de olho em Margareth e em vocês. Nós nos
falávamos diariamente, porque eu precisava saber como minha família
estava. — Sua voz tremula enquanto conta o que aconteceu. — Soube que
tinha algo errado quando Tizziano parou de me ligar. Foram três dias em
silêncio, até que descobri o que havia acontecido.
Tento me lembrar se, alguma vez, vi algum homem espreitando, mas
nada me vem à mente.
— Por que minha mãe fugia tanto? — quero saber.
— Porque ela sempre percebia a presença dele em algum momento —
Don Marco responde de forma simples e direta. — Ela fugia, ele ia atrás.
— Você teve alguma coisa a ver com a morte dela? — faço a pergunta
para a qual necessito de uma resposta honesta.
Em vez de me responder, Don Marco se levanta da cadeira de supetão,
ignorando a arma que Coal aponta para sua cabeça. Ele vai até a
escrivaninha, com meu irmão o seguindo de perto, e tira uma adaga de dentro
da gaveta.
Coal está atento a cada movimento, assim como nós.
Don Marco para de pé ao nosso lado e estende a mão.
— Eu juro pelo meu próprio sangue que jamais feri a mãe de vocês. —
Ele arrasta a ponta da adaga por sua palma, fazendo com que o sangue
comece a escorrer, pingando na mesa de madeira.
Antes que possamos entender o que ele está fazendo, Don marco segura
Joana, guiando-a para a sua cabeça e encostando o cano na própria testa.
Levanto-me com o gesto e Jett imita meus movimentos.
— Eu. Não. Matei. O. Amor. Da. Minha. Vida. Se você duvida disso,
seja homem e atire agora, porque eu nunca mais quero ter que me repetir.
— Então, quem a matou? — Coal se pronuncia pela primeira vez desde
que entramos no escritório. Porém Joana continua firme no mesmo lugar. —
Quem matou minha mãe?
O autocontrole característico de Coal desaparece por um minuto. Seus
olhos brilham com o ódio, deixando-o mais parecido comigo do que nunca.
— O número três é sinônimo da Bratva — Don Marco responde de
forma sucinta.
— Mas foram trinta e três tiros — explico o óbvio.
— Três duas vezes.
Eu não sei se sou péssimo em Matemática ou se o que ele diz faz
sentido. Mesmo assim, balanço a cabeça afirmativamente.
— Se você sabe que foi a máfia russa que a matou, então por que não fez
nada? — Jett pergunta, dando um passo para frente.
Don Marco solta a pistola, deixando na testa a marca de onde ela estava
encostada. Ele encara meu irmão e coloca a mão ensanguentada no seu rosto,
um sorriso malicioso decora seu lábios.
— Quem disse que eu não fiz nada, figlio mio? — Jett estremece com o
contato e, pela primeira vez, consigo enxergar vestígios do homem que tantos
temem. — Há cinco anos, reuni os Dons italianos para uma conversa. Desde
então, estamos colhendo todas as informações que temos sobre os russos.
Quando você começou a se misturar com aquela raça de desgraçados, tive
que te tirar de lá o mais rápido possível. Muito antes de sua mãe morrer, eu
tinha certeza de que não iria abrir mão dos meus filhos. Tanto que havia te
prometido à filha de Giovanni. Mas no momento em que Carlo me contou que
você estava roubando carros para Mikhail, tive que agilizar meus planos.
— Carlo? — pergunto, sem entender muito bem por que o Capo está
metido nessa história.
— Exato. Depois que Tizziano morreu, eu pedi para que Carlo
encontrasse vocês três. Durante anos, ele não me trouxe notícias suas — Don
Marco diz. — Por isso vocês tiveram que ficar tanto tempo sozinhos depois
que Margareth…
— Ele não conseguia nos encontrar?
— Não depois que vocês saíram do sistema e foram emancipados. Eu
estava pronto para ir até lá e me apresentar como pai biológico, mas cheguei
tarde demais. Vocês já haviam sido liberados — ele explica. — Pedi a Carlo
para encontrá-los, mas ele não conseguiu nenhuma pista depois disso. Até seu
nome aparecer como um possível recruta dos russos. Eu nunca iria deixar
meu filho se juntar aos maledettos que tiraram a vida de Margareth. Nunca.
— Mas ninguém morreu ainda… — comento, fazendo com que seu olhar
se volte para mim.
Don Marco tira a mão do rosto de Jett, deixando para trás a marca do
sangue, e repete o movimento comigo. Sinto o líquido quente molhar meu
rosto, mas não titubeio: meu olhar se prende ao de meu pai.
— Muitos já morreram em minhas mãos, mas eu não sou burro, Sage.
Não vou começar uma guerra sem saber de cada detalhe da morte do meu
amore. Mas quando eu entrar nessa guerra, não vai sobrar um russo para
contar a história.
— Então, você… — Não consigo terminar a frase.
— Sim, eu. Não importa quanto tempo levar, eu vou encontrar o homem
que matou Margareth e farei com que sofra. — As palavras saem em um
sussurro, combinadas ao sorriso, que deixou de ser malicioso e passou a
carregar uma perversidade que jamais tinha visto em qualquer pessoa.
Sorrio também.
Don Marco dá um passo para trás e reveza o olhar entre nós três.
— Eu quero te ajudar — digo sem pensar duas vezes.
Quem quer que tenha matado minha mãe vai sofrer.
— Então, prepare-se para fazer a sua tatuagem.
Capítulo 26
Mia
O ponteiro do relógio caminha mais um minuto enquanto sigo encarando
a porta do quarto. Desde que Sage saiu de casa, tudo que consigo fazer é orar
e encarar a porta. Lembro-me do dia em que Enrico foi fazer seu juramento.
Eu ainda não sabia qual era a forma de jurar lealdade à família, mas quando
ele retornou, papà abriu um vinho e comemoramos. Meu irmão estava
estranho, quieto e calado, mas algumas taças depois, tudo estava bem.
Na vez de Lorenzo, eu já sabia o que era necessário fazer. Perguntei-me
diversas vezes se ele seria capaz, mas quando entrou em casa gritando, feliz,
que agora seria um Soldatto, sem a mesma quietude de Enrico, soube que
éramos mais parecidos do que havia imaginado.
Eu não deveria estar apreensiva como estou. Conheço a força de meu
marido e sei que é capaz de fazer o que precisa ser feito, mas a possibilidade
de que algo dê errado e Sage saia machucado me apavora. Um medo toma
conta de mim, meu estômago se embrulha e a vontade de vomitar me domina.
Nunca senti pânico em minha vida e cada minuto me sufoca um pouco mais.
Quando vejo a maçaneta da porta se mexer, levanto rápido e encaro a
porta. Ela se abre lentamente e cada segundo parece uma eternidade. Meu
coração bate acelerado, as veias em minha testa latejam, as mãos suam frio e
a visão que tenho me faz correr para os braços do meu marido.
Abraço Sage com força. Ele não se mexe. Não corresponde ao meu
abraço. Seu corpo tremula, aperto ainda mais meus braços em seu entorno.
Aninho-me em seu peito. Na mão direita ele segura uma faca, tão
ensanguentada quanto o resto do seu corpo. Não me importo, continuo
abraçando-o. Depois de alguns minutos, afrouxo os braços. Fico na ponta dos
pés e beijo suas bochechas, uma de cada vez, espicho-me o máximo que
posso e beijo sua testa, depois seu nariz, seu queixo e sua boca. Um leve
encostar de lábios.
Deslizo a mão por seus braços e seguro a faca que carrega. Sua mão
treme e demora a afrouxar o nó em torno do cabo, também ensanguentado.
Quando seus dedos relaxam, retiro a lâmina de sua mão e afasto-me de seu
corpo, largando o objeto em cima da escrivaninha.
Enlaço os dedos nos de meu marido e o carrego até o banheiro. Sage não
fala nada. Eu também não. Ligo a torneira da banheira e deixo-a encher
enquanto começo a despi-lo. Seguro a barra da camisa — que um dia foi
cinza, mas que agora tem a cor da lealdade à família — e subo-a lentamente
por seu dorso. Sage ergue os braços, facilitando a passagem da peça de
roupa. Depois, abro seu cinto, o botão e o zíper da calça. Ajoelho-me em sua
frente e o ajudo a tirar os sapatos. Um pé após o outro. Repito o gesto com as
meias que usa, que também estão manchadas de sangue.
Levanto-me novamente, tiro suas calças e a cueca. Assim que termino de
despi-lo, removo meu vestido em um só movimento e me desfaço das peças
íntimas. Ligo o chuveiro e faço Sage entrar embaixo da água corrente.
Posiciono-me em sua frente e, com uma esponja, começo a lavar seu rosto,
delicadamente, tirando cada mancha de sangue. Não falamos nada. Ele
observa meus movimentos. Seu corpo ainda treme, mas o olhar não está
perdido. Aos poucos, sinto a musculatura relaxando. Lavo seu pescoço, peito,
braços e mãos. Devagar, a esponja fazendo um carinho em sua pele, lavando
as evidências do que acabou de se tornar.
Observo atentamente cada um de seus gestos e expressões, mas
principalmente me preocupo em enxergar o que seus olhos me dizem. Sage
continua calado, seu corpo agora mais relaxado, estável.
Deixo que a água tire os vestígios da espuma em seu corpo, ajudando
com minhas mãos. Antes de desligar o chuveiro, jogo alguns sais e espuma de
banho na banheira cheia e levo meu marido para ela. Faço-o sentar e
posiciono-me entre suas pernas, depois de dar um beijo em seus lábios, e me
aninho a ele. Os braços de Sage envolvem o meu corpo, puxando-me para
mais perto de si. Perco a noção de quanto tempo ficamos assim, em silêncio.
— Você não vai me perguntar o que houve? — Ele beija o topo da minha
cabeça.
— Nunca — respondo. — Nunca vou te perguntar o que houve, mas
você pode me contar tudo que sentir necessidade e quiser que eu saiba. —
Enlaço nossos dedos da mão esquerda e aperto. — Você quer me contar o que
aconteceu?
A lembrança da noite em que voltamos da Itália e Sage conversou com
seu pai a portas fechadas me invade. A forma como narrou tudo que haviam
conversado, o que ele e os irmãos haviam feito e como tinham concordado em
fazer o juramento destoa do homem que agora precisa que eu pergunte o que
aconteceu.
— Eu matei um cara. Na hora, abri um sorriso. Cheguei a dar uma
gargalhada com o alívio que senti, mas agora… — meu marido confessa
depois de alguns segundos. — Dei dezessete facadas em seu peito, enfiando e
tirando a lâmina rápido da sua carne, fazendo com que ele visse seu próprio
sangue jorrar. — A voz dele é séria. Nunca o vi tão sério desde que nos
conhecemos. — Me mandaram matá-lo porque aquele filho da puta
assassinou a nora de um associado pra roubar um celular. — Sua voz sai mais
grave, o ódio tomando conta de cada palavra que despeja. — Um celular,
Mia. E ela tem dois filhos, uma menina de cinco anos e um bebê de seis
meses. — Sua respiração está pesada. Seu coração bate tão forte que sinto a
pulsação em minhas costas. — Esse vagabundo tirou a mãe deles por um
celular!
— Ele merecia morrer, amore mio. Você vai ser pra sempre o herói
daquelas crianças. Essa família sempre será grata a você por tê-los vingado.
— Viro meu rosto à procura de seus lábios. Quando os encontro, invado sua
boca sem permissão. A língua de Sage procura a minha e começa um duelo, o
beijo se intensifica. Enlaço os braços em seu pescoço e viro-me de frente
para ele, sentando-me em seu colo e enroscando as pernas em sua cintura. —
Ele merecia morrer — repito contra a sua boca. — Assim como o assassino
da sua mãe.
— Eu sei. Por isso mesmo, faço questão de matá-lo quando o encontrar.
Com a minha faca, do mesmo jeito. Ninguém vai tirar a mãe de alguém e ficar
impune na minha frente.
Sage gruda nossos lábios novamente. As mãos passeiam por minhas
costas, o contato de suas digitais contra a minha pele ouriça meus pelos. Ele
enrije-se sob mim e, sem controlar, meu quadril responde, pressionando-o.
Acaricio seu pescoço, braços e peito enquanto sua língua brinca com meus
mamilos, alternando entre os dois, rápido, sem dar tempo que o outro reclame
de saudade.
Quando abocanha um deles, sugando e mordiscando, meus dedos
apertam seus bíceps, fazendo minhas unhas cravarem na pele. Sage grita e
seus braços me apertam contra o seu corpo, escorregando-se para dentro de
mim. Não consigo descrever a sensação de êxtase que sinto quando ele entra
duro e fundo de uma só vez. O ritmo acelerado, intenso, me leva ao orgasmo
em poucos minutos. Minhas mãos emolduram seu rosto e minha boca encontra
a sua em desespero.
— Não para — suplico enquanto sinto algo que não senti antes: um
orgasmo que se prolonga, uma vontade de que não se acabe e, ao mesmo,
tempo uma necessidade de que acabe logo. — Por favor, Sage. Não para —
imploro, sentindo seu aperto cada vez mais firme.
Suas mãos molhadas seguram minha cintura com força, guiando meus
movimentos e ditando um ritmo acelerado. Ele morde meu ombro para conter
os gemidos, que escapam mesmo assim.
Sinto meu corpo inteiro ser acariciado por seu desespero. Saber que ele
precisa de mim tanto quanto preciso dele faz com que eu me sinta mais mulher
do que nunca. O homem quebrado que entrou no quarto está perdido em mim,
no prazer que posso lhe dar.
A água escorre para fora da banheira sempre que me mexo sobre Sage.
Quando suas mãos me seguram pela bunda, puxando-me com ainda mais
força, grito seu nome.
— Puta que pariu, Mia! — Sage rosna contra a minha boca. — Você não
podia ser mais perfeita.
Era tudo o que eu precisava ouvir para que meu corpo continuasse
reagindo. Minha cintura, cada vez mais acelerada, rebolando em seu quadril,
a sensação de alívio, a moleza no corpo se misturando à vontade de mais.
Tudo cada vez mais rápido. Meus sentimentos confusos, o medo de que algo
lhe acontecesse, combinado com o orgulho de ele ter cumprindo sua missão,
com a frieza necessária e a passionalidade precisa. Não me contenho.
— Nei tuoi occhi c’è il cielo[53] — digo, segurando seu rosto e o
olhando-o nos olhos, quando sinto meu corpo finalmente encontrar seu alívio.
Sage urra enquanto se espalha dentro de mim — Ti amo!
Capítulo 27
Sage
— Goza na minha boca, princesa. Quero sentir esse seu gostinho doce
— peço, usando a língua para brincar com o clitóris de Mia, que estremece
com cada movimento.
Meu dedo do meio entra e sai de dentro dela, enquanto Mia agarra meus
cabelos e se esfrega contra minha cara, desesperada para chegar ao clímax.
Essa tem sido a melhor forma de começar o dia, e virou um hábito que
não tenho qualquer intenção que quebrar.
Mia é uma delícia e seu gosto já me deixou completamente viciado. Ela
sempre quer mais, sempre me procura e aceita cada carícia que tenho a
oferecer. Minha freirinha chama meu nome enquanto se desfaz em um orgasmo
e lambo cada gota do seu prazer, sabendo que amanhã acordarei da mesma
forma.
— Bom dia, princesa. — Levanto a cabeça, ainda entre suas pernas, e a
vejo respirar ofegante.
— Buon giorno[54], amore mio. — Ela sorri para mim e me puxa,
fazendo com que meu corpo fique sobre o dela. Eu me apoio nos antebraços e
a encaro.
Ontem, Mia disse que me amava. Apesar de eu ter chegado em casa
coberto de sangue e com uma sensação estranha dentro de mim, ela me
recebeu em seus braços, limpou minhas sujeiras, me acordou do
entorpecimento e permitiu que seu corpo fosse um refúgio.
Não posso mentir para ela, muito menos iludi-la de que sinto o mesmo.
E quando ela me chama de amore mio, continuo sem saber o que dizer. Mas
só de tê-la ao meu lado, me sinto mais calmo.
— Dormiu bem? — mudo de assunto e ofereço um sorriso torto, sabendo
muito bem que ela não pode ter dormido tanto assim, já que a despertei no
meio da noite precisando me perder em seu corpo de novo. O que fizemos no
banheiro não havia sido suficiente para aplacar minha urgência por ela.
— Se você está ao meu lado, sempre durmo bem. — Mia deixa os dedos
pequenos subirem e descerem por minhas costas, contornando as tatuagens e
fazendo com que meu desejo por ela se intensifique ainda mais.
Com apenas um toque, ela desperta algo em mim que não quero entender.
Seus olhos procuram os meus com um pedido silencioso, e sou incapaz de
não atendê-lo. Quando estamos em nosso quarto, minha princesa me domina
de tal forma que me sinto completamente preso a ela. Sou um escravo do seu
sorriso e um idiota por me permitir ceder a todas as suas vontades.
Principalmente quando ela me beija, sentindo seu próprio gosto em
minha boca.
Deixo o peso do corpo cair sobre o dela e Mia solta uma risada gostosa,
interrompendo o beijo e olhando para mim como se eu fosse o único homem
deste maldito universo.
Ela me envolve com as pernas e me prende cada vez mais a seu domínio.
Penetro-a com facilidade, escorregando para dentro do seu corpo e
sentindo um arrepio na coluna quando ele geme meu nome baixinho. Não é
rápido, não é com força. É suave e cheio de beijos molhados, sussurros e
promessas de mais prazer.
Ignoramos as batidas na porta e o convite para o café-da-manhã.
Estamos tão perdidos um no outro que qualquer coisa fora deste quarto não
importa. Somos apenas nós dois no mundo.
Entro e saio, preenchendo-a com força e ouvindo a cabeceira da cama
bater na parede. Mia chama meu nome enquanto se move em sincronia
comigo, e a sensação me leva à beira do abismo. Vou mais rápido, rebolando
dentro dela e encontrando aquele ponto que a enlouquece.
— Sage… mais… — ela pede e eu obedeço, indo cada vez mais fundo e
arrancando cada vez mais gemidos.
Suas mãos vão para a minha bunda, me puxando com vontade, como se
me implorasse para acabar com essa tortura.
— Se toca, princesa — as palavras saem em um sussurro ao pé do seu
ouvido e ela segue minhas instruções.
Sua mão encontra o caminho entre nós dois e sinto-a estimular o próprio
clitóris, enquanto mantenho o ritmo rápido. Logo depois, começa a contrair
em torno da minha ereção.
É a porra do paraíso na terra. Não consigo mais segurar.
— Você está pronto? — Mia pergunta enquanto abotoa a camisa preta.
— Claro que sim — respondo com firmeza, beijando o topo de sua
cabeça.
Ela termina o serviço e pego o colete do terno, deixando o paletó de
lado. Mia dobra minhas mangas — a freirinha gosta quando eu exibo os
desenhos do meu corpo — e depois dá um passo para trás, analisando o
resultado.
— Está lindo — ela diz.
Acho que essa é a primeira vez que ouvi alguém me chamar assim.
Minha mãe sempre esteve perdida em sua dor. As mulheres sempre olhavam
para o meu corpo. Mas escutar Mia dizer que sou lindo — algo tão simples e
feminino — e acompanhar seus olhos gulosos sobre mim faz com que meu
peito se inche com uma sensação desconhecida. Orgulho, talvez?
O momento é quebrado quando alguém bate na porta do quarto.
— Sage? — É Jett quem está do outro lado.
— Preciso ir, princesa. A cerimônia já vai começar.
— Só um minuto — ela pede, vai até a cômoda e abre uma das gavetas.
Quando volta, traz algo na mão, mas não consigo ver o que é. Mia para
na minha frente e me mostra uma corrente prateada, com uma medalha
redonda.
— É São Miguel Arcanjo — explica, olhando para o desenho. —
Existem várias histórias a seu respeito, mas dizem que era ele que defendia as
crianças do seu povo, que nem você fez ontem.
A menção do que aconteceu faz com que eu tensione. Sinto um calafrio
percorrer minha coluna ao me lembrar do sangue que jorrou daquele
desgraçado cada vez que minha faca perfurava sua pele. Nunca vou esquecer
o modo como ele me olhou. Olhos frios, que perdiam a vida a cada novo
golpe.
Por dentro, eu ria e chorava. Parte de mim morreu ao vê-lo despencar no
chão. Mas outra parte nasceu, uma que ainda não consigo entender ou
explicar.
— Mia, o que eu fiz ontem foi…
— Shhh, não vamos falar sobre ontem. O que importa é o hoje. — Ela
me cala com um beijo rápido e volta à explicação. — Outra lenda diz que
Miguel liderou o exército de Deus contra o mal. De qualquer forma, ele era
um guerreiro que buscava a justiça e não tinha piedade na hora de punir quem
o desafiasse. Um príncipe da batalha. Um capitão. E é isso que você será
muito em breve, amore mio.
Ela ergue as mãos com a corrente, colocando-a em torno do meu
pescoço. Mia beija a medalha sem desviar os olhos dos meus. Em seguida,
me beija.
— Sage? — A voz de Jett é impaciente.
Afasto-me de minha mulher.
— Preciso ir — aviso.
— Vá, amore. Enquanto isso, vou ajudar a nonna a preparar o banquete
para comemorar seu novo papel na família.
Beijo-a mais uma vez e saio do quarto sem olhar para trás, fechando a
porta às minhas costas. Assim que estou no corredor, vejo Jett e Coal me
esperando.
— Acabou de fazer amorzinho gostoso com a patroa? — Jett pergunta
em tom de brincadeira e solto uma gargalhada.
— Sua inveja me comove, irmãozinho — debocho. — Se você tivesse
uma patroa como a minha, duvido que conseguisse sair do quarto.
Ele ri do comentário e caminhamos juntos para a sala de treinamento.
Apesar das piadas — cada vez mais constantes — sobre o meu
relacionamento com Mia, os dois estão mais inquietos do que nunca, e tentam
disfarçar pegando no meu pé. Algo neste momento faz com que meus
pensamentos se voltem para nossa infância. Ou talvez as lembranças do
passado estejam tão presentes por conta da mudança que nosso futuro está
prestes a receber.
Até Coal está mais falante do que o normal, e isso indica que,
definitivamente, ele não está bem.
Claro que não está. Eu também não estou. Ainda não tivemos a chance
de conversar sobre o que aconteceu ontem. Quando saímos para a “missão”,
fomos separados antes de chegarmos aos nossos destinos. Eu não estava
esperando pelo que aconteceu, apesar de Don Marco ter nos contado que,
para fazer parte efetivamente da família, precisaríamos derramar sangue sem
fazer perguntas. Sua justificativa para isso era que esta seria uma prova de
que confiamos nas ordens que nos são dadas.
“Nada é em vão. Se alguém morre, é porque precisa morrer”, meu pai
falou. “Não somos sanguinários nem sentimos prazer em tirar uma vida. Mas
isso vai acontecer com mais frequência do que vocês pensam.”
Hoje pela manhã, depois do café na cama com Mia, descemos para a
cozinha, onde nos foi dito que a cerimônia de aceitação aconteceria mais
tarde. Agora, estamos aqui, rumando para um destino que jamais pensei ser o
meu. O nosso.
A casa está silenciosa enquanto caminhamos em direção à sala de
treinamento. As luzes amareladas promovem um ar sombrio, o que me deixa
irrequieto. A única coisa que consigo escutar são os passos coordenados,
abafados pelos tapetes que cobrem o piso de madeira.
Não vejo nonna, Giorgiana, Antonella ou qualquer outra mulher. Não
ouço as risadas características nem o barulho de copos e talheres quando
passamos em frente à cozinha e rumamos para o porão onde os treinos são
dados.
— O que você acha que vai acontecer? — Coal pergunta atrás de mim.
— Não sei. Estou em dúvida entre ser obrigado a cortar os membros de
um recém-nascido ou desenhar um arco-íris na testa — zombo, sem saber
como responder à pergunta de meu irmão.
Afinal, não faço a menor ideia do que esperar.
— Um dia, você vai aprender a levar a vida mais a sério, Sage — Coal
e seu moralismo interminável não perdem a chance de me alfinetar.
— Um dia, você vai aprender a sorrir, irmãozinho — rebato e olho para
trás, piscando um olho para ele.
— Parem de brigar. Chegamos — Jett anuncia, estancando na frente da
porta escura.
Ele bate na madeira e alguém lá dentro permite nossa entrada.
Meus olhos precisam de um tempo para se acostumarem à escuridão.
Mas logo uma única luz é acesa, indicando a presença de outra porta.
Seguimos até lá e, dessa vez, entramos sem bater.
O quarto em que normalmente são guardados os equipamentos está
completamente diferente. Todos os homens da família estão parados em um
círculo. No meio, Don Marco se destaca. Não há nada na sala além das
pessoas e de uma mesinha no canto, com três facas e três santas de cerâmica.
A luminosidade aqui dentro é melhor do que lá fora, fornecida apenas pelo
fogo que queima em uma lareira.
— Sejam bem-vindos — Don Marco diz e o círculo se abre, permitindo
que fiquemos em seu centro, de frente para ele.
Os homens vestem ternos, assim como meus irmãos. Eu poderia me
sentir deslocado por ter optado por algo menos formal, mas não é o caso. Sei
que muita coisa vai mudar daqui pra frente, mas preciso lutar para manter
parte de minha essência intacta. Se esta essência for através da rebeldia, que
seja.
— Vocês estão prontos? — Escuto a voz de Giovanni perguntar e não me
viro para procurá-lo no meio dos outros membros.
— Sim — respondemos em uníssono.
Giovanni traz uma faca e uma santa, entregando os objetos a Don Marco.
— Sage, como você é o mais velho, vamos começar por você — ele fala
e dou um passo à frente. Don Marco me estende a faca e eu a seguro.
Sentir seu peso em minha mão direita faz com que eu tenha flashes da
noite anterior. Olhos sem vida me encaram, mas eu os ignoro. Respiro fundo
uma, duas, três vezes.
— O que preciso fazer? — pergunto.
— Faça um pequeno corte em seu dedo. — Obedeço, deixando a lâmina
afiada romper minha pele.
O sangue começa a escorrer e finjo não sentir a pontada de dor.
Don Marco tira a faca de minha mão, substituindo-a pela santa, e pede
para que eu deixe uma gota do meu sangue cair sobre ela. De novo, obedeço.
Quando o rosto da Nossa Senhora está vermelho, ele pega a mesma faca e
corta o próprio dedo. Seu sangue mancha a imagem sagrada, da mesma forma
que eu fiz.
Faca e santa são passadas de mão em mão e todos os membros da
família realizam o ritual. Quando, finalmente, ninguém mais precisa ser
cortado, Don Marco vem até mim com a santa ensanguentada, estendendo-a
para que eu a pegue.
— Repita o juramento comigo — ele pede.
“A partir de hoje, não sou um homem só. Faço parte de uma Família, que
virá sempre em primeiro lugar.
A Lealdade me guiará, minha Honra jamais será corrompida e minha
Palavra valerá mais do que qualquer moeda.
Deste dia em diante, meu Sangue pertence aos meus. Sangrarei por eles.
Viverei por eles. Morrerei por eles.”
Cada palavra que pronuncio parece exercer uma força desconhecida
sobre mim. Não sei se é o momento, a melancolia ou a importância do que
estamos fazendo, mas sinto algo mudar em cada parte do meu corpo. Quando
termino, ouço todos os homens falarem uma única frase em italiano:
— Lo giuro[55].
— Lo giuro — falo também.
O Don arremessa a santa na fogueira e comemora quando ela começa a
pegar fogo.
O círculo se quebra e todos vêm me cumprimentar com abraços e um
beijo em cada bochecha.
Don Marco dá sequência ao ritual, imitando tudo que fez comigo com
ambos os meus irmãos. Dessa vez, fico ao lado de Giovanni e sangro a santa,
recebendo Coal e Jett no que agora será minha família para sempre.
Capítulo 28
Mia
A mesa já está posta, as mulheres à volta, esperando todos os homens da
família retornarem para que se comece o banquete. Travesssas de macarrão,
lasanhas, pães variados, galetos e saladas já enfeitam a larga mesa de
refeição. Nonna olha para o relógio cuco na parede e percebo sua
inquietação. Também estranho a demora, mas quando me lembro que são três
e não apenas meu marido que está sendo iniciado, me acalmo.
Não tarda para que Sage, Jett e Coal entrem na sala de jantar sem
camisa, exibindo as novas tatuagens. Os três, um ao lado do outro, sorriem e
todos os homens da família vêm atrás em seus ternos pretos, cantando
músicas italianas. Meu coração quase salta pela boca. Não consigo desviar
minha atenção para nada à volta, focando apenas no jeito que Sage caminha
em minha direção.
Nonna e eu estamos à frente de todas as mulheres para recebê-los. Ela
não resiste e começa a caminhar de encontro a eles. Repito seus passos e
enquanto ela abraça Coal e Jett ao mesmo tempo, jogo-me nos braços de Sage
e beijo sua nova tatuagem no pescoço.
— Benvenuto, ora veramente, nella nostra famiglia, marito[56]! —
Colo levemente meus lábios nos dele e Sage aperta seus braços contra meu
corpo.
— Obrigado, princesa — ele sussurra em meu ouvido e tenho a sensação
de que o agradecimento não é apenas pela saudação.
Desfaço-me de seu abraço a contragosto para cumprimentar meus
cunhados, enquanto a nonna cumprimenta meu marido. Depois, paro ao lado
de Sage, e todas as mulheres o cumprimentam e saúdam a nós. Como sua
esposa, também recebo as felicitações de todas elas. Sage continua com o
torso nu e, apesar de tantos beijos e abraços que recebo, tudo que consigo
pensar é que quero muito lamber sua nova tatuagem enquanto meu marido se
perde dentro de mim.
Depois de todos os cumprimentos, finalmente nos sentamos à mesa e
começamos a jantar. As risadas altas, o clima de alegria… Parece que, pela
primeira vez, os irmãos Wilder se sentem realmente em casa. A mão de Sage
repousa tranquilamente em minha coxa, enquanto todos ainda conversam à
mesa. Ele sorri, seu olhar brando, pacífico.
Do outro lado da mesa, Vince me encara. Ao contrário do que vejo nos
olhos de Sage, os dele contêm uma raiva que não consigo entender. O jeito
como me olha me incomoda.
— Não suporto o jeito como Vince me encara — sussurro ao ouvido de
Sage.
Na mesma hora, toda a atenção de meu marido se volta para o primo.
Seus olhos se incendeiam e vejo a chama que tanto gosto faiscando.
— Cobiçar a mulher de outro membro da família não é contra as regras,
papà? — Sage fala bem alto para que todos prestem atenção, porém não
encara seu pai enquanto pergunta, e sim Vince.
— Claro que sim, figlio mio! — Don Marco responde, sério.
— Uma falta muito grave — meu pai complementa.
— E o que a gente faz com um filho da puta que fica secando a nossa
mulher? — Ele continua encarando Vince. Vejo o pomo-de-adão do outro
subir e descer num movimento difícil.
— Mata-se, cunhado — grita Lorenzo, levantando-se da mesa e
colocando a mão no cabo de sua pistola.
— Corta-se as bolas — Eddie diz, também levantando-se e passando a
mão na faca que estava servindo para destrinchar o frango.
Sage olha para eles rindo e faz um gesto para que se sentem novamente.
Não sei por que, nem como, mas os dois obedecem. Ele encara novamente o
Vince.
— Só para saber… caso isso aconteça um dia. — Solta uma risada. —
Primeiro, corto as bolas e depois mato o filho da puta.
Todos começam a rir das outras possibilidades do que fazer num caso
hipotético. Ainda assim, percebem que nada foi realmente uma hipótese e, na
hora que os homens se levantam da mesa, o jeito como Vince e outros se
agrupam me causa um arrepio.
— Lorenzo — chamo meu irmão antes que siga com os outros para o
escritório —, preciso de um favor.
— O que foi, Mia? — Ele me olha preocupado.
— Você pode ficar de olho no Vince? Acho que ele está armando algo
contra meu marido ou contra mim. Temo pela minha segurança — digo com
os olhos marejados.
— Ele te fez algo? — Lorenzo me pergunta, preocupado.
— Não, mas estou com medo. — Eu o abraço.
— Claro, Mia. Vou ficar de olho e, qualquer coisa, te aviso.
— Grazie mille[57].
Assim que meu irmão sai da sala, me dirijo para a cozinha com as
outras. Sinto falta de Martina e resolvo procurá-la no jardim. Caminho por
todos lados, vou à garagem, à área de serviços, à lavanderia e nem vestígio
da ragazza.
Volto para a sala de jantar e a avisto saindo do lavabo, sorrindo e
ajeitando a saia.
— Onde você estava? — pergunto, curiosa. — Estou te procurando há
tempos.
— Estava na cozinha — ela responde rápido.
— Não estava, não — contradigo-a.
— Ah, Mia. Sei lá, por aí… — Ela ri. — Vamos nos juntar às outras.
Martina caminha em minha direção e me dá o braço.
Não me convenço de suas explicações, mas a acompanho.

Em função da festa de comemoração de ontem, Sage e os irmãos ganham


o dia de folga e aproveito para matar aula na faculdade e cumprir a promessa
de levar Martina para passear. Confesso que estou lá apenas porque papai
exige. Não pretendo dar aulas e muito menos trabalhar em alguma escola, a
única coisa que quero é me dedicar à minha família.
Em vez de convidar apenas Coal, como era a vontade da
sgualdrinetta[58], digo a meu marido para convidar ambos os irmãos.
Por isso, agora estamos todos sentados em uma cafeteira na praça
principal da cidade, conversando sobre besteiras e coisas da vida. Enquanto
Martina conta algumas de suas aventuras, sempre com algum comentário
sexual e encarando Coal, Jett e Sage riem e contam outras histórias, não com
os mesmos comentários de duplo sentido de nossa convidada, mas com a
mesma animação.
Observar Sage interagindo com os irmãos e como, apesar de serem
idênticos, o fato de terem personalidades diferentes é interessante. Enquanto
Sage é o mais bravo, protetor e sem escrúpulos dos três, Coal é mais calado e
frio, e Jett parece ser o mais doce, porém algo em meus instintos gritam,
dizendo que essa doçura é só fachada.
— O que foi aquilo ontem no final do jantar? — Coal muda
completamente de assunto depois de Jett contar uma história sobre como
flagrou um vizinho transando com o cunhado uma vez.
— Vince não para de ficar encarando a Mia — Sage responde ao irmão.
— Eu até acho divertido o jeito como cobiça a minha mulher. — Ele me puxa
para mais perto do seu corpo e dá um beijo no topo da minha testa. — Mas a
Mia se incomoda. — Dá de ombros.
— Eu tenho medo de Vince — digo séria, encarando Coal. — Acho que
ele quer fazer algo contra Sage e pode tentar me usar para isso. — Abaixo a
cabeça.
— Você nunca me disse que tinha medo dele, princesa. — As labaredas
aparecem em seus olhos. — Ele já tentou fazer alguma coisa?
— Não… nunca — digo, me aninhando nos braços de Sage. — Só no
dia que voltamos da lua-de-mel, enquanto eu te esperava no jardim, ele
segurou meu braço, mas…
— Aquele filho da puta tocou em você? — Sage eleva a voz, batendo a
mão na mesa e se levantando. — Eu não vou só matar aquele filho da puta,
mas também vou arrancar as bolas dele e fazer com que ele mastigue antes
de…
— Calmati, marito! Per favore. Nessun motivo per questo[59]. —
Seguro a mão de Sage e o puxo para que se sente ao meu lado novamente. Ele
não oferece resistência. — Não podemos agir no impulso. Vamos apenas ficar
atentos e ter cuidado.
— Aquele cara é estranho — Martina fala, quebrando o silêncio que fica
na mesa. Todos a encaramos. — Ele é estranho, está sempre cochichando
pelos cantos com aquele outro… — Ela dá de ombros.
— Que outro? — Jett pergunta.
— Sobre o que cochicham? — Sage dispara.
— Por que você não me falou isso antes? — Coal frisa o pronome
pessoal e na mesma hora meu olhar recai sobre ele. — Nos falou — meu
cunhado se retrata.
— Não sei — ela responde, direcionada a ele. — Não achei que fosse
importante. E também não ouvi os dois falando nada demais. Só sobre um
trailer e uma mulher que levou muitos tiros… — Novamente, ela dá de
ombros.
— Com quem ele estava falando sobre isso, Martina? — pergunto
confusa.
— Com aquele outro que é Capo, o baixinho, que tem um dente de
ouro….
— Com o Carlo? — Coal questiona e encara os irmãos.
— Por que eles estariam falando sobre nossa mãe? — Jett pergunta aos
outros.
Interrogamos Martina para tentar saber exatamente o que ouviu, mas ela
não ajuda muito. O que se lembra de ter escutado poderia ser dito em vários
contextos. Poderiam estar falando apenas dos filhos de Don Marco e
mencionado sobre a mãe e onde moravam, ou um poderia estar contando algo
que o outro ainda não sabia da história.
A única coisa que tenho mais certeza depois de nossa conversa é que
Vince planeja algo, e não faço a menor ideia do que seja — o que me
apavora. Ao mesmo tempo, com Lorenzo, Sage e os irmãos achando que tenho
medo de que ele me machuque, nenhum movimento de Vince passará
desapercebido, e logo aquele figlio di puttana vai ter o que merece e
aprender que ninguém coloca a mão em mim sem que eu deixe.
Capítulo 29
Sage
Depois de algumas horas no escritório de Don Marco, conversando
sobre os negócios da família, finalmente meus irmãos e eu somos liberados
para o trabalho. A única exigência que nos foi feita é de continuarmos
treinando com Danio três vezes por semana, até o Allenatore diminuir nossa
carga.
A reunião contou também com a presença de Giovanni e seu irmão, Toni
Messina, além de Carlo De Rosa. Depois de muita conversa, cada um de nós
foi designado ao seu Capo. O meu, que eu pedi com muito carinho para
servir, é o mesmo que me trouxe até aqui e cujo nome foi dito na conversa
com Martina. Já meus dois irmãos trabalharão sob o comando de Toni, com
Lorenzo e Enrico.
“Mantenha seus amigos perto e seus inimigos mais perto ainda” — e até
eu descobrir por que Carlo estava falando sobre minha mãe com Vince, vai
continuar fazendo parte dessa segunda categoria.
— Pronto para o seu primeiro dia, amore mio? — Mia pergunta
enquanto a levo para a faculdade.
— Mais do que pronto. — Sorrio para ela, esperando o sinal abrir, e
coloco uma das mãos em sua coxa.
— Nem pensar, Sage — ela briga comigo antes mesmo de eu falar
alguma coisa.
— O quê?! — pergunto, me fingindo de bom moço.
— Eu te conheço muito bem e sei o que se passa nessa sua cabecinha
linda. — Ela me encara com seriedade, mas sei que, no fundo, está pensando
na mesma coisa que eu, por mais que não queira admitir.
Ela se lembra muito bem o que aconteceu na primeira vez que andamos
de carro juntos e minha vontade agora é de repetir exatamente isso antes que
eu a deixe na faculdade, onde aquele bando de moleque deve ficar olhando
para ela com luxúria, desejando o que é meu.
— O que eu quero, freirinha?
— Nossa, há muito tempo você não me chamava assim. — Ela ri do
apelido.
— Pelo visto, você voltou a se comportar da mesma maneira de antes…
— Não perco a oportunidade de brincar com ela, que escancara a boca bem
na hora que o sinal abre.
Deixo o carro deslizar pelas faixas, sem me importar com as buzinas
atrás de mim enquanto manobro entre os demais veículos.
— Acho que o que fizemos antes de sair de casa me impede de carregar
esse título, não concorda? — ela questiona em um tom desafiador.
— Talvez…
Mal sabe ela que, em minha cabeça, volta e meia ainda a chamo de
freirinha. Não que eu sinta saudade da época em que não podia fazer com ela
nada além de algo rápido, escondido e um tanto juvenil.
Só que Mia tem razão. Antes de deixar que ela viesse para a faculdade,
tranquei-a na despensa da mansão e fiz com que se ajoelhasse à minha frente
e me fizesse gozar na sua boca. O melhor de tudo foi seu sorriso quando
saímos de lá…
Freirinha safada.
Quando entro no campus da universidade, Mia indica onde fica o prédio
em que assiste às aulas e paro na entrada, pouco me importando se ali é um
estacionamento ou não. As portas no estilo tesoura da Lamborghini se abrem,
e dou a volta para ajudá-la a descer.
— O que você está fazendo? — pergunta, assustada com o meu
comportamento.
— Este é seu primeiro dia na faculdade como uma mulher casada. Nada
mais justo do que ter seu marido lhe acompanhando, não acha? — Ofereço
minha mão e ela sai do carro.
Fecho as portas e caminho com ela para dentro do prédio.
— Você vai assistir à aula comigo também?
— Claro que não, princesa. Gosto da sua companhia, mas nem tanto. —
Ela faz uma cara de ofendida com meu comentário e não consigo conter a
gargalhada.
Passo o braço em torno dos seus ombros e sua mão encontra lugar no
bolso traseiro da calça jeans que estou usando. Desfilamos pelo corredor e
todos olham para mim. É nítido que não pertenço a este lugar, mas pouco me
importa. Só preciso garantir que esses abutres tenham certeza de que ela não
está disponível para uma sessão de estudos ou para um café depois da aula.
— É a próxima porta — Mia avisa.
Paro na frente da sala, virando-a para mim, e não perco tempo: beijo-a
com força na frente de todo mundo. Ela retribui com a mesma intensidade e
sei que, se não estivéssemos em público, o beijo acabaria com ela gritando
meu nome. Como sempre acontece.
— Me avisa quando você quiser que eu venha te buscar — falo para ela,
deixando um último beijo em sua bochecha.
— Não precisa, amore mio. Eu volto de carona com…
— Me avisa quando você quiser que eu venha te buscar — repito,
ignorando a ideia idiota de Mia pegar carona com qualquer pessoa. — Até
mais tarde, princesa.
Dou uma piscadinha para ela e volto pelo mesmo caminho que me trouxe
até aqui. Alunos e professores me encaram enquanto eu me direciono para a
saída, mas não presto atenção em ninguém, olhando apenas para frente.
O celular vibra no meu bolso enquanto desço as escadas do prédio, já
conseguindo enxergar o carro preto parado no mesmo lugar em que o deixei.
— Oi — atendo ao ver o nome de Carlo piscar na tela.
— Está a caminho? — ele pergunta.
— Chego aí em dez minutos.
— Eddie chega em quinze. Ele acabou de sair.
— Perfeito.
A conversa é sucinta e encerro a ligação assim que entro no carro. O
motor solta aquele ronco gostoso, coloco os óculos escuros e piso no
acelerador.
Preciso chegar rápido ao centro da cidade para me encontrar com Eddie.
Eu não o vi na casa de Don Marco mais cedo, o que não deveria ser estranho,
mas é incomum. As pessoas parecem gravitar em torno daquele lugar. Por
mais que apenas quem tem o sobrenome Rossi more lá — e isso inclui meu
querido priminho Vince —, todos aparecem na mansão pelo menos duas
vezes por dia, se não mais. Às vezes, tenho a impressão de que vão lá para
bater o ponto, ou então isso se deva ao fato de nonna fazer as melhores
comidas do mundo.
Só que hoje pela manhã, Eddie não estava lá. Nem Lorenzo, Enrico,
Angelo ou mesmo Vince. Apenas me disseram o que eu precisava fazer
durante a reunião e eu concordei. Tive a impressão de que a presença de Don
Marco, seu Consigliere e os dois Capos serviu como um teste para saber se
eu e meus irmãos estávamos prontos para o trabalho. As ordens foram dadas
e nós apenas garantimos que seria feito. Sem perguntas, sem porquês.
Estaciono o carro em um edifício garagem e sigo para onde preciso
encontrar Eddie. Paro na frente do prédio comercial e fico esperando que
meu amigo chegue para que possamos seguir com o combinado.
Não sei o que Eddie foi fazer, mas, quando ele aparece, está suando e
ofegante.
— Tudo bem aí? — pergunto, rindo da cara dele.
— Às vezes, eu odeio essa vida — reclama sem um pingo de
sinceridade e dou dois tapinhas solidários em seu ombro.
— O que você estava fazendo? — pergunto enquanto ele acende um
cigarro. Antes de responder, Eddie me entrega uma pasta laranja. Ela é tão
fina que, por um segundo, penso que está vazia. Mas quando afasto os
elásticos, vejo que ali dentro contém apenas uma única folha de papel. — O
que é isso?
— Você e suas perguntas… — Eddie debocha.
— Não acha que eu preciso saber o que está acontecendo para fazer um
trabalho perfeito?
— Ah, Sage… Tão ingênuo… — Sua expressão condescendente me faz
rir. — Aprenda uma coisa: você recebe suas ordens e as executa. Eu sei das
minhas, você sabe das suas. Ponto final. Ninguém vai te mandar fazer algo
que não seja necessário.
— E quem sabe de todas as ordens? — quero saber, apesar de já ter
ideia da resposta.
— Seu pai, o Consigliere e às vezes os Capos. Nós, Soldattos, apenas
cumprimos com as obrigações e entregamos tudo que nos é exigido.
— Somos escravos no escuro — concluo.
— Não é essa a questão. Se você não confia em seu Capo ou nos seus
irmãos, então não tem motivo para fazer parte desta família. São as regras. —
Eddie dá de ombros como se essa fosse a coisa mais simples do mundo.
Eu sei que aceitei fazer parte da família. Caralho, tenho uma tatuagem
para provar. Só que certas coisas ainda não me descem tão facilmente.
— Vocês e essas regras… — Balanço a cabeça.
— Sem regras, seríamos como animais. Seríamos como eles. — Eddie
aponta para as pessoas que passam na rua, ignorando o que acontece por trás
dos panos. — E nós somos muito melhores do que eles.
Olho para o enorme prédio à minha frente e respiro fundo.
— Você vai entrar comigo? — pergunto, sem saber quais foram as
ordens que ele recebeu.
— Sim, mas só posso interferir caso seja necessário — explica. — Está
pronto?
Disseram-me pela manhã que eu deveria entrar neste prédio, encontrar
um tal de Ferris Jacob e levá-lo para o endereço indicado por Eddie. Ainda
por cima, devo fazer isso de forma “civilizada” e sem chamar muita atenção.
Desafio aceito.
— Claro que estou pronto. Vamos?
Começo a caminhar e entro no prédio. O chão de mármore, as colunas de
metal, os vasos de flores brancas e os sofás de couro deixam claro que este é
um local seleto e para apenas algumas pessoas privilegiadas. Minha calça
jeans rasgada e a jaqueta de couro que sempre uso com certeza não
pertencem aqui — e o modo como as pessoas me encaram, com um misto de
medo e desprezo, só serve para confirmar o que já sei.
— Posso ajudar? — um segurança pergunta, a mão no coldre que guarda
a arma, como se quisesse me intimidar.
— Não — respondo secamente e continuo andando.
Ele me segue, mas eu o ignoro. Ouço Eddie comentar alguma coisa com
o segurança e, quando chego aos elevadores, estou a sós. Aperto o botão e
escuto o apito indicando a chegada. A ascensorista me pergunta qual andar e
eu digo: décimo terceiro.
Para muitos, o número treze indica má sorte. Para mim, é o contrário.
Uma mulher entra correndo no elevador antes que as portas se fechem, e
o modo como olha para mim é bem diferente daqueles do lobby. Vejo seus
olhos percorrem meu corpo de cima a baixo e não consigo conter um sorriso
malicioso.
A roupa de empresária pode estar ajustada com precisão ao seu corpo
bem desenhado, mas percebo que está louca para que eu mostre a ela como
um homem de verdade funciona. Por mais que eu a encare, não digo nada, não
reajo. Tenho uma freirinha safada em casa e um trabalho a fazer.
— Décimo terceiro — a ascensorista avisa e saio do elevador.
Sigo pelo andar até encontrar quem estou procurando. Carlo mostrou
uma foto do tal de Ferris Jacob e me avisou que ele estaria em um dos
cubículos no setor de informática. Na verdade, todo o ambiente é aberto, sem
paredes, dividido apenas pelos cubículos e com dezenas de pilastras
garantindo a sustentação.
Não demoro a encontrá-lo, completamente entretido com qualquer coisa
no monitor.
— Senhor Jacob. — Ele olha para mim assim que escuta seu nome.
O semblante muda na hora e a expressão preocupada toma conta de seu
rosto. Não é todo dia que um homem como eu aparece em seu caminho.
— O que você quer? — Ferris pergunta, mas as palavras não saem com
firmeza, o que me faz sorrir.
Arremesso a pasta laranja em cima de sua mesa sem dizer qualquer
coisa. Ele abre a pasta e lê o que está escrito no único papel. Na mesma hora,
seu rosto ganha uma palidez extrema e Ferris engole em seco. Quando sobe o
olhar para mim, sorrio para ele.
— Vamos?
— Eu… É… Não posso, estou em horário de trabalho — o homem tenta
se justificar e começa a olhar em volta, como se estivesse procurando alguém
que o ajudasse neste momento.
Pobre coitado, deve estar se borrando de medo. Mas quem mandou se
meter com quem não devia?
— Vamos? — repito minha pergunta, cruzando os braços na frente do
corpo.
— Olha, é um mal-entendido — ele começa a falar. — Você deve estar
procurando a pessoa errada e…
Antes que ele possa dizer mais alguma coisa, dou um passo para frente e
o seguro pela nuca, fazendo com que sua cabeça bata no tampo da mesa. O
barulho do impacto faz com que algumas pessoas olhem para nós, mas elas
não são importantes.
— Vamos? — insisto mais uma vez, a testa de Ferris agora vermelha
com o impacto.
Apesar de relutante, ele se levanta da cadeira e pego a pasta laranja de
volta. Gesticulo para que passe na minha frente e o sigo, colocando uma mão
em seu ombro e guiando-o de volta para os elevadores.
Ferris faz menção de se desvencilhar. Então, acidentalmente, ele vai de
encontro a uma das pilastras.
Ops.
— Caramba, meu amigo, você é muito desastrado. Tem que prestar
atenção por onde anda. — Meu tom é leve e bem-humorado.
— Você… Você… — Ferris começa a dizer, mas não sabe como
continuar.
— Eu o quê? — pergunto, sorrindo para ele, que desiste de contestar.
Bom menino.
Dois passos à frente e ele tenta se livrar de mim mais uma vez, o que
resulta em um outro acidente, dessa vez com ele indo ao chão após ter
tropeçado em meu pé.
— Meu deus, Jacob! Você está muito distraído hoje. — Minha risada é
ainda mais alta, fazendo com que várias cabeças se voltem para nós.
Pisco para uma das mulheres que me encaram e ela ruboriza.
— Quem é você? — Ferris pergunta enquanto se levanta.
— E isso realmente importa? — O homem engole em seco. — Só tenha
mais cuidado. Queremos você inteiro. — Sorrio para ele e indico o caminho
que nos levará até os elevadores, com mais uns dez possíveis obstáculos em
que pode bater ou tropeçar. Acidentalmente, claro.
Qualquer resistência que ele pudesse ter vai embora no momento em que
seu olhar segue o meu. Caminhamos até o elevador e a mesma ascensorista
nos leva de volta ao térreo, onde Eddie nos espera.
Aceno para ele, que se posiciona do outro lado de Ferris, e seguimos
para o nosso destino.
Capítulo 30
Sage
Um mês se passou desde a primeira vez que saí para trabalhar pela
família. Um mês coletando dívidas, acompanhando homens poderosos e
descobrindo informações pertinentes aos meus chefes. Um mês fazendo tudo
que me é mandado sem contestar e sem pestanejar. Só que a missão de hoje é
um pouco mais complicada e, enquanto dobro as mangas da camisa e abotoo
o colete do terno, fico pensando se essa minha postura subserviente ainda não
vai me levar à loucura. Principalmente porque, desta vez, Mia estará ao meu
lado.
“Quero que vocês marquem presença na inauguração da nova boate de
Levi Scott. Ele é um dos nossos associados e precisa saber que pode contar
conosco sempre que precisar”, Don Marco disse para mim e meus irmãos
ontem à tarde. “Levem as meninas, elas vão gostar de sair um pouco.”
Por mais que suas palavras tenham soado simples, Don Marco não
estava apenas pedindo que fôssemos nos divertir na festa de inauguração. Ele
queria que nós três estivéssemos lá caso alguma coisa desse errado. Só não
entendi por que pediu para que eu levasse minha mulher e Martina também.
Porém, uma coisa que aprendi durante os meses que tenho convivido com meu
pai é que ele não faz nada em vão. Por isso, apenas concordei, muito para a
minha angústia.
— Está pronto, amore mio? — Mia pergunta do banheiro de nossa suíte.
Olho para o meu reflexo no espelho e vejo o mesmo homem de sempre,
apenas com os cabelos um pouco mais compridos e uma roupa que jamais
teria escolhido se eu não tivesse parado aqui. Mas a jaqueta do terno tem sua
serventia: esconder as duas Glocks 9 mm que agora levo comigo para todos
os lugares. Minha faca de estimação — a mesma que usei para tirar uma vida
— está devidamente amarrada ao tornozelo direito.
— Sim, estou pronto — aviso e viro meu pescoço para o lado,
mostrando para mim mesmo a tatuagem de Soldatto que decora a minha pele.
— O que você acha? — A voz de Mia parece um pouco incerta e paro
de me olhar no espelho para poder encará-la.
Merda. É hoje que eu acabo na cadeia. Ou no caixão.
— Mia, o quê…? — Não consigo terminar a frase. Não tenho palavras.
Meu cérebro parou de funcionar, porque todo meu sangue agora está
concentrado em uma única parte da minha anatomia, que pulsa de tesão em
ver minha freirinha vestida dessa forma.
O vestido de renda branca é justo e agarra cada uma de suas curvas
deliciosas, porém as mangas são compridas e não tem qualquer decote. Não
só isso, ele é curto, e as pernas grossas estão mais torneadas do que nunca,
talvez pelo salto enorme e vermelho que Mia escolheu usar.
Minha boca fica seca enquanto meu olhar passeia pelo corpo que tem me
levado à loucura todas as noites. Dou um passo para frente, sentindo meu pau
pulsar na calça social, louco para se perder nela.
— Você acha que está demais? — ela pergunta e posso sentir a
vulnerabilidade em seu tom. — Foi a Martina que escolheu quando fomos ao
shopping hoje e…
Calo-a com um beijo, foda-se se a maquiagem perfeita será arruinada.
Não consigo me controlar.
Eu nunca vi uma mulher tão linda quanto Mia. Não é só seu corpo
gostoso, o rosto angelical ou o cabelo longo — de um tom castanho-claro,
que cai por suas costas — que me deixam dessa forma, e sim saber que ela é
minha. Que sou o único homem que conhece seu gosto, que escuta os sons que
faz quando está sentindo prazer e que tem a honra de senti-la tremer enquanto
chega ao clímax. Meu nome é o único que escapa de sua boca. Meu nome.
Para melhorar, Mia me entende, me incentiva e não tenta me impedir de
ser exatamente o que sou.
Todos os homens naquela maldita boate vão desejar o que é meu, e
confesso que isso me excita e me enerva na mesma proporção.
Beijo-a com força, devorando sua boca e deixando que minhas mãos
acariciem e apertem cada pedacinho dela.
— Sage! — A voz de Jett soa do outro lado da porta.
O filho da puta parece saber exatamente quando interromper. Empata
foda do caralho.
— Vai se foder! — grito de volta e escuto sua risada.
— Você tem dez minutos, senão vamos te deixar aí.
— Isso não seria uma má ideia — sussurro para Mia enquanto desço
minha boca para seu pescoço, sentindo seu cheiro doce.
Ela geme em meus braços e eu resolvo que tem muita coisa que posso
fazer em dez minutos.
— Sage, por favor… — Minhas mãos sobem por suas coxas grossas,
meu pau ficando mais duro a cada toque.
— O que você quer, princesa? Peça o que quiser que eu te dou — digo
com a boca colada na dela.
— Você, amore mio. Eu quero você.
— Diz que é minha, princesa — exijo. — Diz que você é só minha.
Meu desejo por ela só aumenta. Eu deveria me preocupar com o fato de
minha esposa estar se tornando minha obsessão, mas estou pouco me fodendo
pra tudo nesse mundo — a não ser Mia e meu plano de vingar a morte de
minha mãe.
Sexo e sangue me movem com uma intensidade maior do que eu jamais
pensei ser capaz de sentir. E ter minha freirinha ao meu lado, tanto para um
quanto para o outro, só deixa as coisas ainda mais excitantes.
— Eu sou sua, Sage. Só sua. — As palavras dela deveriam aplacar o
sentimento de posse que tem se desenvolvido entre nós, mas não é isso que
acontece. Elas apenas me encorajam a tomar medidas desesperadas.
Quero marcar Mia. O anel em seu dedo não é suficiente para que todos
os filhos da puta tenham certeza de que ela tem dono.
Empurro-a até a primeira parede que encontro e dou um passo para trás.
Ela ofega quando o beijo se rompe e seu olhar turvo, tomado pelo prazer,
busca entender o que está acontecendo.
— Levanta esse vestidinho indecente e abaixa um pouco a calcinha,
princesa — mando, passando o polegar pelo meu lábio inferior enquanto
vejo-a obedecer minhas instruções.
A calcinha branca combina com o vestido, também de renda. Respiro
fundo na tentativa de me controlar, mas ao ver a umidade em sua boceta, não
consigo segurar o riso grave, sem muito humor e recheado de malícia.
Sem falar mais uma palavra sequer, abro o botão e a braguilha da calça,
segurando meu membro rijo em uma das mãos e masturbando-o um pouco.
— Você ainda vai me destruir, freirinha — comento baixinho, talvez
apenas para mim mesmo.
— Sage… Faça alguma coisa — ela pede. — Está doendo.
Mia se contorce sob o meu olhar e só o fato de saber que ela sente o
mesmo desejo que eu faz com que uma gotinha de porra escape do meu pau.
— Coloque as duas mãos na parede e não encoste em mim, Mia. — Não
é um pedido e ela sabe disso. Mia sorri para mim e segue minhas instruções
ao pé da letra. — Agora, afaste um pouco as pernas. — De novo, ela
obedece.
Separo seus lábios úmidos com a minha ereção, sentindo seu clitóris já
rígido com a promessa de que algo muito prazeroso está prestes a acontecer.
Assim que eu o estimulo, Mia choraminga meu nome e tira as mãos da parede,
levando-as ao meu peito.
Dou um passo para trás.
— Mãos na parede, Mia. Fica paradinha que eu vou te dar tudo que você
quiser.
Ela me olha com desespero, e sei exatamente o que está sentindo, mas
preciso que ela me obedeça se quiser gozar antes de saírmos de casa.
Quando volta à posição, me aproximo de novo e volto à tortura. Esfrego-
me nela, brincando com seu clitóris e sentindo meu pau ficar molhado com
sua excitação. Preciso fechar meus olhos: a sensação é boa demais.
— Sage, por favor… — ela implora e eu vou mais rápido.
Deslizo entre seus lábios, o clímax se aproximando. Mia treme, geme,
pede. Quero colocar só a cabeça em sua entrada, mas me controlo. O que
tenho em mente vai valer a pena.
— Vem, princesa. Goza pra mim, goza?
Não demora muito e ela faz exatamente o que peço. Seus joelhos cedem
e sou obrigado a segurá-la pela cintura e imprensá-la contra a parede para
que não vá ao chão. Beijo-a com vontade, ainda estimulando-a e sentindo meu
orgasmo se aproximar.
A cada movimento, me perco mais nela. Nós nos beijamos de olhos
abertos enquanto continuo impiedoso, desesperado para gozar. Um misto de
surpresa e tesão toma seu olhar, fazendo com que eu não resista e morda seu
lábio carnudo, gemendo baixo contra sua boca. Quando sinto que estou
prestes a explodir, desço beijos por seu pescoço.
— Afasta sua calcinha, princesa. Mostre-a para mim.
Mia obedece.
Afasto meu pau de sua bocetinha inchada e começo a me masturbar. Meu
corpo sente a falta dela no mesmo instante, mas um sorriso torto se desenha
em meu rosto com o que estou prestes a fazer.
Gozo no fundilho da calcinha, minha voz rouca chamando seu nome, e
Mia arfa com o gesto inesperado. O líquido branco e viscoso encharca a
pequena peça enquanto deixo o orgasmo reverberar por meu corpo.
Minha freirinha continua parada, revezando o olhar entre mim e sua
calcinha marcada. Com os dedos, pego um pouco do gozo e o espalho por sua
boceta macia. Em seguida, subo a peça indecente, tapando-a com cuidado.
Aproveito e esfrego o tecido por sua pele, para que ela fique bem lambuzada.
Completo com dois tapinhas, arrancando um gemido baixo de Mia.
— Se qualquer desgraçado chegar perto de você, vai descobrir que eu
sou o seu único homem.
Vê-la coberta com meu orgasmo aplaca um pouco da possessividade que
me atormenta, e decido que, de agora em diante, ela só sairá de casa com
minha essência molhando sua calcinha, para que não se esqueça de mim por
nem uma merda de segundo.
Capítulo 31
Mia
A música alta, as mulheres seminuas, os homens de termo e as luzes que
piscam e trocam de cor me deixam um pouco tonta. Ou talvez seja a
quantidade de drinks diferentes que Martina me fez experimentar, não sei. Só
sei que, para a primeira vez em um ambiente assim, já ficamos um bom tempo
aqui.
— Vamos dançar — Martina grita em meu ouvido, segurando a minha
mão. — Vem. — Ela se levanta e vai me forçando a levantar também.
Sage está distraído, conversando com Eddie, mas assim que sente meu
corpo se afastar, me encara confuso.
— Aonde você vai? — Ele segura minha mão antes que Martina acabe
de me arrastar para fora de nossa mesa.
— Martina quer dançar — respondo. — Mas não sei se é apropriado.
— Você quer ir?
— Não sei. Eu nunca estive em um lugar assim antes. — Dou de ombros.
— Você nunca esteve em uma boate? — ele me pergunta, assustado.
Aceno com a cabeça, confirmando minha resposta anterior.
— Então vá dançar, princesa. Vá se divertir com a Martina. — Ele sorri,
mas antes que eu me afaste, puxa-me pela mão, fazendo com que eu me curve
ao seu lado e sua boca agarra minha orelha. Sage a mordisca. — A calcinha
ainda está molhada? — ele sussurra e me solta, me encarando cheio de
malícia.
Aceno com a cabeça e saio sorrindo, sendo puxada por Martina para o
meio de uma multidão que balança seus corpos de formas totalmente
desordenada ao ritmo da música eletrônica que toca. Assim que acha um
pouco de espaço, Martina para e começa a dançar. Joga os braços para cima
e grita, enquanto pula e rebola. Olho à volta, ninguém parece percebê-la ou se
importar. Fico me balançando de um lado para o outro, sem tirar os pés do
lugar, constrangida com a cena e sem saber onde colocar os braços.
Um garçom gruda em nós e nos oferece um copinho com um líquido
escuro e fogo em cima.
— Cortesia dos homens daquela mesa. — Ele aponta na direção que
nossa mesa estava.
Tento enxergar Sage para agradecer, mas não consigo. Pego um dos
copos, Martina pega o outro, brindamos e viramos as doses de uma só vez. O
fogo se apaga imediatamente quando os lábios tocam o recipiente de vidro. A
bebida desce quente e doce pela garganta; ao fim, um sensação de ardência
toma conta.
Continuo me balançando, e quanto mais Martina se empolga, mais eu me
solto também e começo a gostar dos movimentos. O garçom traz mais uma
dose da bebida de fogo e repetimos o ritual. A música começa a fazer
sentindo, as pessoas à volta não têm mais importância. Outra dose. E mais
solta. Começo a gostar de dançar. As batidas reverberam em meu corpo e, de
repente, meus braços e pernas sabem o que fazer. Minha cintura começa a se
mexer. Mais uma dose. Dou risada alto com Martina, pouco me importando se
alguém vai ouvir a minha gargalhada. Tudo parece mais colorido, feliz. Por
que eu nunca saí para dançar antes?
— Preciso ir ao banheiro — grito no ouvido de minha amiga.
— Quer que eu vá junto? — ela grita de volta rindo.
— Não precisa. Fica aí, já volto.
Saio caminhando entre a multidão, sorrindo e dançando. Vejo o aviso
luminoso indicando os banheiros na direção contrária da nossa mesa e sigo
até lá. A fila imensa me desanima. Fico alguns minutos ainda me balançando
ao ritmo da música, sem saber se danço, se me mexo por impaciência ou para
não fazer xixi nas calças.
— Mia Wilder? — uma servente da boate pergunta.
— Sim. — Sorrio para ela.
É a primeira vez que alguém me chama pelo sobrenome do meu marido.
Apesar de eles serem Rossi, o nome não consta na certidão de nascimento, e
Sage e os irmãos colocaram como condição para entrar para a família manter
o sobrenome da mãe. Orgulho-me disso. Nada melhor para se começar um
novo legado do que um sobrenome diferente.
— Essa fila vai demorar muito. — Ela sorri amigavelmente. — Venha
comigo, vou lhe levar ao banheiro que tem lá nos fundos.
Agradeço gentilmente e saio seguindo a mulher. De repente, passamos
por uma porta escondida ao lado do palco, o lugar é aberto, parece um pátio
vazio.
— Só seguir pela lateral do prédio. — Ela tira um maço de cigarros do
bolso. — Eu lhe espero aqui.
— Obrigada. — Começo a caminhar, então, um arrepio percorre a minha
espinha. — Espera. Como sabia meu nome? — Viro-me para trás, mas mulher
não está mais ali.
A porta pela qual saímos está trancada. Caminho em direção ao banheiro
apreensiva. O corredor escuro, na lateral da construção em divisa com um
muro alto, me assusta. Mesmo assim, sigo em frente, encontrando o banheiro
que, por sorte, está com a porta aberta.
Tateio pela parede, procurando o interruptor. Assim que a luz se acende,
a porta fecha atrás de mim.
— Oi, Mia.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto assustada, caminhando de
costas e me encurralando entre a parede e o vaso sanitário. O espaço é
mínimo, estamos em um cubículo, com vaso sanitário, pia e um pequeno
basculante.
— Gostou das bebidinhas? — Ele ri.
— Foi você?
— Achei que ia te deixar mais soltinha e facilitar as coisas entre nós…
— Caminha em minha direção, diminuindo o espaço entre nós.
— Com toda a certeza. — Sorrio de forma doce. — Estou bem
soltinha…
— Eu sempre soube que você me queria… — Ele dá mais um passo. O
corpo quase colado ao meu. Os olhos me encarando. — Agora, você vai
saber o que é um homem de verdade.
— É tudo o que eu mais quero… — digo, mordendo o lábio e colocando
a mão em seu braço.
— Ah, Mia… — Ele abre um sorriso e aproxima os lábios dos meus.
— Mas tem uma condição — digo, colocando o dedo indicador na frente
dos seus lábios, impedindo que me toque.
— O que você quiser…
— Senta — ordeno e ele obedece, sentando no vazo sanitário, de frente
para a porta. Caminho em direção à porta e paro em sua frente. — Eu tenho
alguns fetiches… — Passo a mão lentamente por meu corpo, começando pelo
pescoço, acariciando meus seios, ventre e parando com a mão entre minhas
pernas — Alguns são bem particulares. — Coloco as duas mãos na barra do
meu vestido e o subo um pouco. Depois enfio as mãos por dentro e começo a
tirar minha calcinha devagar. Seus olhos não desgrudam dos meus
movimentos. Posso ver sua boca salivando.
— Puta que pariu! O que você quiser, amore mio…
Termino de tirar a calcinha e a lambo, antes de amassá-la em minha mão.
Aproximo-me dele.
— Você me quer? — Abaixo-me e falo contra a sua boca. — Quer
mesmo?
— Muito — ele balbucia.
— Abra a boca. — Ordeno, ficando ereta novamente. Ele obedece sem
resistência. Abro a mão, soltando a calcinha, mostrando para ele o pedaço de
tecido que fica em contato com minhas partes íntimas. — Lambe.
Ele obedece novamente. Assim que começa a lamber, enfio a calcinha
em sua boca de forma violenta, ele se assusta. Com a outra mão, seguro em
seus cabelos com força, puxando sua cabeça de encontro com a pia.
— Sabe o que você lambeu, Vince? — digo rindo, enquanto ele se
recupera da pancada. — A porra do Sage! Ele gozou aí antes de saírmos de
casa, seu figlio de una putanna! — Coloco a mão na maçaneta da porta,
destranco a porta e tiro a chave. — É bom você começar a pensar em como
fugir, maledetto! Porque a próxima vez que eu te vir, vai ser pra enfiar uma
bala na sua cabeça.
Abro a porta e saio rápido, batendo-a atrás de mim. Enfio a chave na
fechadura e começo a trancá-la. Vince a força pelo outro lado, dificultando a
minha tarefa. Depois de alguns encontros contra a porta, finalmente a tranco.
— Você não perder por esperar, faccia di culo[60]!
Corro em direção à entrada dos fundos da boate e a porta se abre
exatamente no momento que eu chego. Dois bêbados saem dando risada.
Atravesso a multidão desesperada, não enxergo Martina nem perco tempo
procurando-a: só preciso de meu marido.
Assim que avisto a mesa, começo a chorar e acelero ainda mais os
passos. Todos estão distraídos, rindo e conversando, não me veem chegando.
— Sage! — grito assim que sei que poderei ser ouvida. Ele se levanta
da mesa assustado e vem em minha direção.
— O que houve, princesa? — Seus olhos contêm algo que nunca
enxerguei antes. Ou talvez já seja… amor?
— O Vince… — Aninho-me em seu peito e não consigo terminar de
falar, porque meu corpo começa a tremer e não sou mais capaz de conter o
pranto.
Capítulo 32
Sage
Um nome. Apenas isso é suficiente para fazer com que meu sangue ferva
com o ódio que me domina.
Mia apareceu e meu coração quase pulou do peito ao vê-la
completamente assustada. Mas ouvir o nome do meu primo sair de sua boca é
suficiente para que eu tenha certeza de que minha faca arrancará mais uma
vida hoje.
Controlo minha respiração e beijo o topo da cabeça de Mia, mas nem
seu cheiro é capaz de aquietar a compulsão homicida que corre em minhas
veias.
— Você está machucada, princesa? — pergunto. Ela apenas olha para
mim e balança a cabeça negativamente, o que é um alívio. — Ele te tocou?
— Ele tentou, mas… — Mia hesita. Ela conhece o homem que tem e
justamente por isso deve estar medindo suas palavras.
— Sem mas, Mia. Ele. Te. Tocou? — As palavras saem pausadas,
carregadas com a vontade de fazer com que aquele desgraçado coma as
próprias bolas.
— Ele me encurralou no banheiro, disse que me queria e… eu acabei
fingido. Eu… — ela hesita, desviando o olhar do meu, e meu corpo começa a
tremer com o que pode vir a seguir — …tirei minha calcinha, ainda fingindo
que estava a fim. Fiz ele lamber o que estava nela — essa última parte sai em
um sussurro.
— Boa garota. — Puxo sua boca para um beijo rápido. — Fique aqui
com Martina que eu já volto para te buscar. Tenho um homem para matar.
— Sage! — ela grita meu nome assim que me afasto.
— Onde, princesa?
— Atrás do palco. No banheiro feminino — ela revela e eu começo a
andar. — Sage! — Mia me chama mais uma vez. Mesmo a contragosto,
estanco no lugar e a encaro. Ela leva a mão até o meio dos seios, mas indica
o meu peito. A medalha de São Miguel. — Divirta-se.
Minha princesa pisca para mim e volta a se sentar em um dos sofás.
Saco ambas as pistolas e aponto uma para ela. Mia sorri com o gesto e me
manda um beijo. Jett, Coal, Eddie e Angelo me seguem sem que eu precise
dizer uma palavra sequer, mas quando Enrico faz menção de se juntar a nós,
eu o impeço.
— Fique com elas. Não quero correr o risco desse desgraçado tentar se
aproximar da minha mulher de novo — aviso e ele faz que sim com a cabeça.
Vamos os cinco em busca de Vince. Nossos passos são rápidos e todos
em nosso caminho abrem passagem, não sei se por estarmos armados ou se
por nossas expressões dizerem que algo muito ruim vai acontecer a qualquer
minuto.
— Sage, espera um pouco. — Escuto uma voz, mas eu a ignoro. Levi, um
de nossos associados e o dono da boate, vem correndo até mim. — O que
está acontecendo? — ele pergunta.
— Acho melhor você ficar na sua. Nada do que vai acontecer agora te
interessa. Cuide dos seus convidados e não se preocupe. Só teremos um único
cadáver esta noite e ele não tem nada de inocente.
— Ei, ei, ei! Cadáver?! Do que você está falando? — ele continua
falando, mas sua voz parece cada vez mais insignificante se comparada aos
pensamentos criativos que invadem minha mente.
Eu nunca torturei ninguém. Nunca nem senti vontade de fazer isso. Mas
para tudo na vida tem uma primeira vez, e acho que vou me divertir bastante
quando tiver Vince na minha frente.
— SAGE! — Levi grita de novo e, dessa vez, ele me puxa pelo ombro,
fazendo com que eu pare de caminhar.
Automaticamente, levo uma das pistolas até sua têmpora e ele arregala
os olhos.
— Você sabe quem eu sou, né? Sabe quem é minha família, não sabe? —
Ele apenas faz que sim com a cabeça. Vejo seu coração pulsar em sua
garganta e uma sensação gostosa toma conta do meu corpo. — Pois bem,
Levi… Se eu fosse você, ficaria bem afastado de mim agora. Principalmente
quando estou prestes a matar o filho da puta que tentou estuprar minha esposa.
A não ser, é claro, que você queira ir pra cova junto com ele. O que me diz?
Levi não responde, apenas sai do meu caminho e volto a marchar para a
parte traseira do palco, puto da vida por ter perdido alguns minutos preciosos
com essa ladainha sem propósito.
Descemos o corredor escuro, pistolas em punho, até chegarmos ao
banheiro. A porta está fechada e, antes que eu peça, Coal mete o pé na
madeira, que faz um estrondo quando revela o espaço vazio. A pequena
janela tem o vidro quebrado. Eddie e Angelo verificam cada centímetro do
banheiro. Em seguida, vão para o masculino ver se, por acaso, Vince está por
lá.
Quando eles voltam de mãos vazias, uma risada involuntária me escapa.
— O filho da puta fugiu — Coal conclui o óbvio.
— Que delícia! — Recoloco a arma no coldre. — Adoro uma boa
caçada.
Não perco tempo e saio do banheiro com os quatro logo atrás de mim,
seguindo para o lado de fora da boate. Vejo Levi me olhando com cautela
quando cruzo por ele. O mar de pessoas se abre para que nós possamos
passar, até a música parece embalar a caminhada, criando uma trilha sonora
que apenas intensifica minha vontade de fazer com que Vince se torne amigo
íntimo da minha faca.
Quando o ar frio da noite bate no meu rosto, olho para os lados à
procura de algum sinal dele. Nada. Damos a volta no quarteirão na esperança
de encontrá-lo. Mais uma vez, nada.
— O que você quer fazer agora, Sage? — Eddie pergunta, esperando
minhas instruções.
— Vamos voltar para casa. Precisamos avisar a todos que temos um
traidor entre nós.
Mia dorme em meus braços no banco de trás do carro. Martina está no
banco da frente com Coal, mas a situação é tão complexa que até ela está
calada. O que confesso ser uma benção.
Acaricio os cabelos macios da minha mulher, sentindo-a respirar
tranquilamente contra meu peito, e me permito soltar um suspiro de alívio por
ela estar bem.
O que eu teria feito se Vince tivesse realmente aprontado alguma coisa
com ela?
Não sei, também não quero pensar muito nisso agora. Minha reação ao
ver sua cara de pânico foi suficiente para me livrar de qualquer resquício de
sanidade e fazer com que meu único objetivo fosse capar aquele pedaço de
merda, drenar cada gota do seu sangue.
Nunca pensei que algum sentimento pudesse ser tão forte em mim.
Também não sei se estou pronto para tentar entender o que ele significa. Por
ora, contento-me apenas em saber que minha mulher está aqui comigo. Sã e
salva. Minha freirinha safada, que esconde toda sua coragem por trás de
roupinhas comportadas e um sorriso doce.
Eu queria ter visto Mia obrigar Vince a lamber minha porra. A cara dele
deve ter sido impagável.
Ainda não sei de onde vem essa obsessão que ele tem por ela, mas
desde que coloquei os pés nessa casa, seu interesse por minha mulher era
nítido. Ele sempre tentava conversar com ela. Inclusive, Mia reclamava com
frequência de suas tentativas chulas de sedução.
Um idiota mesmo…
Eu já o flagrei conversando com Mia em tons furtivos algumas vezes, e
talvez a culpa de Vince ter sido mais agressivo hoje seja minha. Se eu não
tivesse rido dele, se não tivesse ignorado seus flertes, se tivesse dado uma
surra nesse filho da puta na primeira vez que o vi conversando com Mia,
talvez ele tivesse aprendido a lição.
Mas há males que vêm para o bem, porque, confesso, vou adorar
esfregar a cara dele no asfalto até conseguir ver cada ossinho de seu crânio
bem exposto.
Vince poderia ter mexido comigo, e é possível que eu o tivesse ignorado
ou até mesmo me divertido com suas idiotices. Mas ele mexeu com Mia…
Ele fez minha mulher se sentir acuada. Isso eu nunca vou perdoar.
— Chegamos — Coal anuncia e sai do carro. Ele dá a volta e abre a
porta de Martina. Em seguida, a minha.
Pego Mia no colo, seu sono é pesado, e a carrego para dentro de casa.
Quando nonna me vê com ela nos braços, arregala os olhos e tenta falar
alguma coisa, mas apenas faço que não com a cabeça e ela se cala.
Ignorando todos os olhares e com passos determinados, levo minha
mulher até nosso quarto, onde a deposito na cama. Removo os sapatos, mas
deixo o vestido no lugar. Apenas por curiosidade, levanto um pouco a saia
curta e constato a verdade: ela está sem calcinha.
Respiro fundo algumas vezes para tentar acalmar o turbilhão de raiva
que cisma em me dominar. Só quando estou sob controle novamente, beijo a
testa da minha princesa.
— Ele vai pagar, Mia. Eu juro. Esse filho da puta vai pagar caro por ter
tentado te tirar de mim — sussurro e fico feliz que ela não tenha acordado.
Saio do seu lado e jogo o paletó na cadeira. Vou ao banheiro, lavo o
rosto e desabotoo a camisa. As tatuagens marcam meu corpo, mas nenhuma
delas faz muito sentido agora, a não ser a que carrego em meu pescoço e
aquela com a imagem de uma faca, cujo cabo é marcado por uma listra
fininha, simbolizando o homem que perdeu sua vida nas minhas mãos.
Em breve, mais uma listra estará ali.
Antes que eu possa me perder em minha sede de vingança, saio do
quarto e desço as escadas que se conectam com o primeiro andar. Na sala,
várias pessoas me esperam.
— Figlio mio, o que aconteceu? — meu pai me pergunta assim que me
vê.
— Muita coisa aconteceu e muitas estão prestes a acontecer — digo em
um tom firme.
Vou até o bar e encho um copo com o equivalente a duas doses de
whisky, virando o conteúdo de uma só vez e deixando que o líquido quente
desça queimando minha garganta.
Odeio whisky.
— Eu contei parte da história para eles, Sage. Espero que não se
importe — Jett fala e eu faço um sinal afirmativo com a cabeça.
— Que bom, porque eu não quero falar sobre o que passou.
— Então, é verdade? Vince realmente tentou encostar um dedo em minha
filha? — Giovanni pergunta.
Não sei quando foi que ele chegou aqui, mas isso não importa.
— Se meus irmãos disseram, é verdade. Vince Rossi assinou sua
sentença de morte quando não só cobiçou a mulher dos outros, mas também
quando deixou que seus desejos o guiassem. — Viro-me para Don Marco,
que me encara com preocupação. — Eu quero o sangue dele, papà. Quero que
esse desgraçado sofra em minhas mãos por ter tentado roubar a minha mulher.
— A lealdade é o que temos de mais importante, Sage. É ela quem guia
nossos caminhos. — Ele coloca uma mão no meu ombro, olhando fixamente
para mim enquanto fala. Porém, o contato só leva alguns segundos, porque
logo Don Marco se afasta e passa a olhar para os outros membros da família
que estão na sala. — Liberem o aviso: Vince não é mais um Rossi. Pagamos
cinquenta mil para quem nos der informações sobre o seu paradeiro. Quero a
família toda empenhada em encontrar esse figlio di puttana o mais rápido
possível.
— Eu quero ele vivo! — decreto em um grito de alerta.
Capítulo 33
Sage
Pensei que a máfia fosse mais eficaz. Mas depois de quase um mês
procurando pelo desgraçado do Vince sem encontrar uma única pista, acabo
me dando conta de que a realidade é bem diferente daquilo que os filmes
apresentam.
Hollywood e suas ilusões…
Uma das poucas coisas que me consolou foi que Gio, o irmão de Vince,
também tem se mostrado bastante solícito em nossas buscas. A princípio,
pensei que fosse ele o homem que estava ajudando o traidor do meu primo.
Mas após ter cortado a mão, se ajoelhado à frente de Don Marco e jurado sua
lealdade à família mais uma vez, todos aceitamos sua inocência. Fora que seu
estado de espírito não esconde a tristeza nem a ira de descobrir que seu irmão
não era o homem que sempre pensou ser.
Com a ajuda de algumas pessoas em quem mais confio, já revirei a
cidade inteira, sem descobrir nada de muito concreto sobre meu priminho —
e isso tem me deixado mais irritado do que o normal.
Danio diz que eu tenho que descontar minhas frustrações em algum lugar,
e nada melhor do que socar um saco de areia, fantasiando com o dia que
poderei fazer a mesma coisa com Vince. Sempre que não estou na rua ou na
cama com minha mulher, é aqui que as pessoas me encontram.
— Sage! — Lorenzo grita meu nome e vem correndo até o ringue, que
ocupa grande parte da sala.
Danio, que estava treinando comigo, dá um passo para trás e abaixa as
raquetes aparadoras de chutes. Ele diz que aprender um pouco de taekwondo
não faz mal a ninguém e que a maioria subestima o estrago que um bom chute
pode fazer no adversário.
Removo o protetor bucal e o capacete. Minha respiração está pesada
depois de algumas horas treinando e, quando passo por baixo das cordas do
ringue, o suor pinga no chão.
— O que foi, Lorenzo? — pergunto para ele, que parece bastante
apreensivo.
— Consegui falar com meu informante hoje — começa a falar. — O cara
deu uma sumida, até pensei que tinha morrido…
— Informante? — Quero mais detalhes sobre isso.
— Você está falando de Geek? — é Eddie quem pergunta, deixando seu
equipamento de lado e se juntando a nós.
Nos últimos tempos, onde eu estou, Eddie também está. Ele tem me
acompanhado em tudo que eu preciso e é um dos únicos em quem realmente
confio nesta família.
Meu pai também tem se mostrado de grande serventia, preciso confessar.
Desde aquela nossa conversa, o cara tem feito questão de me deixar a par de
tudo que está acontecendo. Dane-se se este é o protocolo normal ou não.
Ainda bem, porque, se ele estivesse escondendo detalhes sobre Vince,
eu não sei se aguentaria dividir um teto com ele.
— Qual foi a do informante? — pergunto. Danio me oferece uma garrafa
de isotônico, que eu bebo quase de um gole só.
— Como Eddie disse, o nome dele é Geek e tem sido fiel desde que fiz
minha tatuagem — Lorenzo volta a falar, mas eu o interrompo.
— Por que você confia nele?
— Eu salvei a vida do cara uns anos atrás. Ele estava metido com os
Araña. — Quando vê minha expressão confusa, explica: — Era uma gangue
latina que ficava pela cidade. Não estão mais aqui — ele diz, mas sem entrar
em muitos detalhes. Isso me faz entender que a família deu um jeito de
expulsá-los antes que fosse tarde demais. — Enfim, eu salvei Geek de uma
morte dolorosa e o cara ofereceu seus serviços como informante. Ele tinha
dado uma sumida, mas entrou em contato comigo hoje e disse que tinha
novidades sobre Vince.
Sinto a esperança tomar conta de mim. Eu não deveria estar assim, não
depois de tantas pistas falsas, mas algo me diz que, dessa vez, talvez
conseguiremos encontrar o filho da puta.
Peço mais detalhes e Lorenzo conta tudo o que sabe. De acordo com o
tal de Geek, Vince está escondido em uma cabana de caça a trinta quilômetros
daqui. Porém o informante quer nos encontrar em um lugar seguro para poder
contar mais sobre o que ouviu.
— Diga que o encontraremos hoje à noite, no Lascívia — aviso e
Lorenzo faz que sim com a cabeça.
Olho para o relógio na parede e vejo que já são quase seis horas. Então,
resolvo dar o treinamento por encerrado — pelo menos, por enquanto.
Despeço-me de Danio e digo a ele que mandarei uma mensagem quando
puder vir de novo. O Allenatore concorda. Ele sabe que estou em uma missão
importante e que, por mais que eu ainda precise me dedicar aos treinos,
também tenho muita coisa a fazer fora daqui.
Sempre que sou solicitado, vou à rua resolver alguma questão para a
família, mas tenho a sensação de que meu pai prefere que meu foco
permaneça na busca por Vince. Sou grato por isso. Don Marco me garantiu
que eu não precisaria me preocupar com o assassino de minha mãe por
enquanto, que ele e os seus aliados continuavam com as investigações.
Essa é outra questão que me deixa um pouco desconfiado. São quase
seis anos procurando e nada. Ou são muito ineficientes ou, como minha mãe
costumava dizer, algo fede no reino da Dinamarca — e estou cada vez mais
inclinado a acreditar na segunda opção. Mas, por enquanto, resolvo focar
naquilo que é mais urgente.
Eddie sai da sala de treinamento comigo e avisa que irá para casa se
arrumar. Mais tarde, estará aqui para ir ao Lascívia comigo. Eu já sabia
disso, mas é sempre bom ouvir que não estarei sozinho. Inclusive, resolvo
mandar uma mensagem para Coal e Jett, que estão na rua cuidando de alguns
negócios.
Aviso a eles que temos uma pista e que precisamos sair de casa às dez
da noite, sem atrasos. Ambos me respondem minutos depois, dizendo que
estarão lá.
Subo direto para o quarto e vou tomar banho para buscar Mia na
faculdade, mas assim que abro a porta, vejo-a deitada na cama.
— Surpresa! — ela fala, sorrindo para mim.
— O que você está fazendo em casa? — disparo a pergunta sem
perceber que meu tom de voz está bastante alterado.
Mia se senta na cama e me encara, inclinando a cabeça para o lado como
se não entendesse o que está acontecendo comigo.
Sem dizer uma palavra sequer, ela se levanta e começa a caminhar em
minha direção.
— Vou ignorar o modo como falou comigo, porque posso ver que tem
algo de errado. — Ela acaricia minha barba mal feita e procura em meus
olhos alguma resposta.
Não consigo falar nada. Seu toque suave, em vez de me acalmar,
consegue apenas criar mais um turbilhão de emoções dentro de mim.
Eu deveria perguntar como foi que ela chegou em casa e por que não
está na faculdade. Mas não é isso o que faço. Apenas desço meu rosto e
busco sua boca em um beijo desesperado.
Mia se rende na mesma hora, envolvendo meu pescoço e grudando seu
corpo delicioso ao meu. Envolvo-a pela cintura, trazendo-a ainda para mais
perto.
Preciso sentir seu gosto, seu cheiro, seu toque… Sou um viciado
precisando da minha próxima dose com urgência. O beijo se intensifica e ela
geme em minha boca, apertando meu bíceps como se me soltar fosse
impossível.
Eu nunca pensei que teria necessidade de alguém. Também jamais vou
confessar que estar com ela é sempre a melhor parte do meu dia. É quando o
caos tem menos relevância. Quando o mundo — e todos os seus problemas —
não importam. Quando todas as minhas frustrações por não ter encontrado
Vince desaparecem, porque ela está aqui, em meus braços.
Minha mulher. Minha Mia.
Desço beijos por seu pescoço, prensando-a contra a parede.
Foda-se se estou suado. A necessidade que sinto de estar dentro dela
fala mais alto, pulsando em mim a cada som que ela emite.
— Vem tomar um banho comigo — Mia pede e começa a me empurrar.
Não consigo resistir e faço o que ela pede.
Entramos no banheiro sem interromper o beijo. Ela liga a torneira e,
enquanto a banheira enche, removo suas roupas, louco para tocar cada
centímetro de sua pele.
Quando finalmente está cheia e com bastante espuma, ofereço minha mão
para ajudá-la a entrar, seguindo-a com pressa.
A água da banheira me acalma, principalmente porque Mia está
encostada em meu torso enquanto beijo seu pescoço por trás. Seu corpo
molhado é um convite para que eu me perca.
— Eu poderia ficar aqui para sempre — ela confessa.
Quero dizer que sinto exatamente a mesma coisa, mas me contenho.
— Tenho algo para te falar — resolvo dizer, mesmo a contragosto.
— Ah, é? Algo bom?
— Não sei… Pode ser…
— Fala logo, amore mio. Você está me deixando curiosa. — Ela arranha
minha coxa, fazendo com que eu fique arrepiado.
— O informante de seu irmão sabe onde Vince está — revelo de uma
vez e ela tensiona contra mim.
— Por que você está me falando isso?
— Por que eu não falaria? — rebato sua pergunta com outra.
— Homens quase não compartilham coisas com…
— Ah, Mia. Quando é que você vai entender que eu não sou um italiano,
como seus pais e irmãos? Não fui criado nessas tradições e não concordo
com elas — comento, perdendo um pouco do meu bom humor e pausando
minhas carícias. — Talvez eu não seja o cara mais feminista do mundo,
mas… caralho! Essa família tem sérios problemas no modo como tratam as
mulheres — jogo a verdade que tem estado presa em minha garganta desde
que ouvi que minha noiva era uma mulher “dócil e fértil”.
Até porque, o que me atrai em Mia é justamente o fato de ela ser apenas
dócil na frente de todo mundo, porque, atrás da fachada de freirinha, tem uma
mulher deliciosamente astuta e safada.
Passo a língua por seu pescoço e ela estremece, gemendo meu nome
baixinho.
— Hmm… Você precisa se acostumar com nossas tradições — ela fala,
abrindo as pernas para que eu a toque.
— “Tradições” o caralho. — Começo a brincar com seu clitóris. Meu
pau já está duro, louco para se perder dentro dela. — Eu vou te tratar do jeito
que você merece. — Minha outra mão sobe por sua barriga macia,
alcançando um dos seios. — Santa na rua — belisco o mamilo —, puta na
cama — enfio um dedo em sua entrada —, e minha companheira na hora de
tomar decisões.
Começo a masturbá-la com vontade, meu dedo entrando e saindo,
sentindo-a ficar cada vez mais excitada. Mia rebola contra minha mão,
gemendo alto enquanto busca seu clímax. Quando ela está quase lá, levanto-a
rapidamente e a coloco sentada sobre mim.
A sensação de ser envolvido por ela é a porra do paraíso. Melhor ainda
quando sinto-a contrair ao meu redor.
— Sage! — ela grita meu nome do jeito que gosto e começa a sentar com
vontade.
Seguro seus seios e movo meu quadril, que bate em sua bunda com o
impacto do que estamos fazendo. Forte. Duro. Fundo. Gostoso pra caralho.
— Isso, princesa. Me faz gozar, faz — sussurro em seu ouvido e ela vai
mais rápido, com mais vontade, com mais tesão.
Puta que pariu, essa mulher é um perigo. Porque ninguém nesse mundo é
capaz de me deixar de joelhos como ela.
— Boa noite, senhores — o segurança do Lascívia nos cumprimenta e
levanta a corda vermelha para que nós possamos entrar no clube.
Ele não pede nossos nomes, identidades ou qualquer outra coisa. Não é
preciso. Todos sabem quem somos, e o ritual da abertura do mar vermelho de
gente se dá exatamente da mesma forma que da outra vez que estive aqui.
Confesso que a sensação de importância proporcionada pela atitude
alheia ainda não cansou. É muito bom ver as pessoas liberarem a nossa
passagem, mesmo que, desta vez, estejamos apenas Lorenzo, Enrico, Eddie,
Jett, Coal e eu.
— Fiquem no lounge VIP que eu vou procurar o Geek — Lorenzo fala e
todos fazem que sim com a cabeça. Menos eu.
— Vou com você — afirmo, ignorando quaisquer instruções.
— Mas, Sage, é melhor que…
— Você ainda não me conhece direito, Lorenzo. Não sou o tipo de
homem que fica parado esperando as informações virem até mim. Ou eu vou
com você ou vou sozinho. A escolha é toda sua. — Cruzo os braços na frente
do corpo, encarando meu cunhado.
Ele me encara de volta por alguns segundos, mas algo em meu olhar
deixa claro que não estou para brincadeiras, o que faz com que Lorenzo solte
o ar em resignação e concorde com o que eu acabei de dizer.
Enquanto os outros vão para a direita, Lorenzo e eu seguimos para a
esquerda.
— Pelo menos sei que minha irmã não se casou com um babaca — ele
diz, balançando a cabeça negativamente.
— Nah… Eu sou um babaca, mas não com ela. — Dou dois tapinhas em
seu ombro.
— Eu pensei que você seria bem diferente — ele fala alto, tentando se
fazer ouvir sobre a música eletrônica que pulsa na pista.
— Ah, é? O que você achou que eu seria?
— Um oportunista frouxo.
Não consigo conter a gargalhada.
— Oportunista, talvez. — Na verdade, com certeza. — Frouxo, nunca —
respondo e ele começa a rir também.
Mas, de repente, para de andar.
— No bar. Jaqueta vermelha e boné — Lorenzo diz e começo a procurar.
— Estou vendo.
Seguimos até lá e paramos ao lado de Geek.
— Duas cervejas — peço ao barman que faz um sinal positivo com o
dedão.
Antes que possamos dizer qualquer coisa, o informante começa a falar,
mas não olha para nós, como se quisesse fingir que não está em nossa
companhia.
— Tem uma cabana na floresta. Passou o portal, continue por dois
quilômetros na estrada, a sudoeste — ele diz e desliza um guardanapo sobre o
balcão.
Lorenzo faz o mesmo, mas em vez de ser um guardanapo, ele desliza um
envelope.
O barman nos entrega as garrafas de cerveja e eu dou uma nota a ele,
dizendo que fique com o troco.
— Vamos — Lorenzo diz e começa a caminhar para o lounge.
— Vamos direto para a saída. — Eu o seguro pelo ombro. — Manda
uma mensagem para eles. Temos que ir agora, antes que seja tarde demais.
O tom da minha voz deixa claro que não serei contrariado, e Lorenzo
entende muito bem, porque retira o celular do bolso da calça e começa a
digitar.
— Feito.
Nós nos encaminhamos para a porta. Entrego minha garrafa de cerveja
para o segurança e marcho na direção do carro, tomando meu lugar no banco
do carona enquanto Lorenzo fica na direção.
Nem um minuto se passa quando as portas traseiras se abrem e os outros
se acomodam. A SUV, blindada e de oito lugares, começa a correr pelas ruas
da cidade. Precisamos chegar na tal cabana o quanto antes.
A cada metro andado, as pistolas que carrego pesam mais. Estou louco
para enfiar algumas balas na cara daquele desgraçado sem nem fazer
perguntas.
O silêncio no carro mostra que não sou o único motivado. Consigo sentir
a tensão de todos os meus companheiros, o que me deixa ainda mais ansioso.
Minhas pernas se mexem sem que eu preste atenção, meu coração está
acelerado com a adrenalina de finalmente pegar o desgraçado que queria
machucar minha princesa e tirá-la de mim.
Nunca. Ninguém vai tirar Mia de mim.
Por curiosidade, pego o guardanapo que Geek entregou a meu cunhado e
leio o que está escrito:
“Ele estava sozinho, mas a cabana é abastecida duas vezes por semana.
Vi um carro parado na porta, um sedã velho. Não consegui ver quem estava
com ele, mas sei que era outro homem.”
Fico pensando em quem poderia estar ajudando o babaca. É claro que
tem alguém por trás disso.
Antes que eu possa refletir mais sobre o assunto, cruzamos o portal da
floresta e Lorenzo segue para sudoeste, como Geek havia indicado.
Dois quilômetros. Um e meio. Oitocentos metros. Quatrocentos metros e
consigo ver a cabana.
— Para o carro aqui — ordeno, não querendo fazer muito barulho.
Lorenzo faz o que mando e para o carro no meio da estrada. Saímos
todos do SUV, armas na mão e ódio na alma, e começamos a caminhar.
Todas as luzes estão apagadas e não há nenhum veículo estacionado por
perto — e isso já começa a me deixar inquieto.
Andamos em silêncio, tomando cuidado para não pisar em alguma
armadilha. Sei lá o que aquele idiota pretende fazer.
— Coal, Enrico — chamo os dois em um sussurro. — Vão pelos fundos.
Jett, você fica do lado de fora para caso Vince resolva fugir. Eddie e Lorenzo,
vocês vêm comigo.
Verifico a maçaneta da porta, que está trancada. Faço um sinal positivo e
Eddie a arromba com um chute.
Entramos na cabana gritando, usando o elemento surpresa a nosso favor.
Alguém acende a luz.
— Merda! — grito quando percebo que está vazia.
Mesmo assim, verificamos cada pedacinho desse maldito lugar para
termos certeza de que Vince não está mesmo aqui.
— Sage — Eddie me chama e sigo sua voz até a pequena área da
cozinha. — Olha, ele estava aqui. — Aponta para uma caneca de café na pia
e para uma caixa de pizza, que está vazia.
— Alguém deve ter avisado que estávamos a caminho — Coal conclui e
faço que sim com a cabeça.
— Deve ter sido aquele seu informante — falo para Lorenzo.
— Não, cara. Eu já te disse que Geek é de confiança. Com certeza não
foi ele — Lorenzo tenta argumentar, mas não estou convencido.
— Se não foi ele, deve ter sido outra pessoa. — Enrico comenta e
lembro-me do bilhete. — O armário do quarto está cheio de roupas e a
geladeira também está abastecida. É claro que ele estava aqui e saiu há pouco
tempo. Quem mais sabia que estávamos vindo?
— Ninguém fora da família — Lorenzo se apressa em dizer. — Eu fui
avisar a Don Marco, mas ele estava em reunião com meu pai e os Capos.
Além de nós, só os quatro sabiam.
Recoloco as pistolas no coldre e esfrego o rosto com as mãos.
Mais uma pista que não me levou a lugar algum.
Caralho! Preciso encontrar esse merda antes que ele resolva fazer mais
alguma coisa com Mia.
Capítulo 34
Mia
Eu achei que, depois de três meses de casamento, a vontade que sinto de
Sage estaria aplacada, mas parece que a cada dia ela cresce mais. Meu
marido acabou de sair da cama para tomar um banho e meu impulso, apesar
da moleza que se apodera do meu corpo, depois de acordar com Sage entre
minhas pernas, é de segui-lo.
— Você não vem? — Sage me convida, estendendo a mão.
— Se eu entrar naquele chuveiro com você, vamos nos atrasar, amore
mio — respondo de forma racional, apesar das minhas vontades. — E tenho
prova hoje.
— Tudo bem. — Ele solta a minha mão e ri. — Mas só porque eu
também preciso encontrar com Eddie em seguida e já devo chegar atrasado,
porque o horário é o mesmo da sua aula.
— Posso ir sozinha, Sage — digo. — Não quero que se atrase por minha
culpa.
— Mia — ele para de caminhar até o banheiro e vira-se para mim —,
você não vai andar por aí sozinha até eu matar aquele filha da puta do Vince.
— A chama de seus olhos se acendem. — Já te disse isso e ponto final.
— Eu sei, mas…
— “Mas” nada, princesa. Eu não vou ficar em paz se souber que aquele
cretino pode encostar em você de novo. — Sage faz um beicinho, que apenas
eu conheço e me arranca uma risada. — Per favore, mia moglie[61].
Concordo com a cabeça, rindo. Desde que Sage começou a aprender um
pouco de italiano, sempre que quer me convencer de algo, usa as palavras
que sabe em nossa língua ancestral. Ele vai para o banheiro e a imagem de
Vince com a calcinha enfiada na boca volta à minha cabeça.
Foram sessenta e duas noites desde aquele dia. Ninguém sabe de Vince,
muito menos como conseguiu fugir de todos nós tão rápido. Todos os dias,
tenho pesadelos com ele conseguindo me tocar. Só de lembrar da
possibilidade, meu estômago se revolta e corro em disparada, invadindo o
banheiro da suíte, despejando um líquido viscoso e amarelado no vaso
sanitário.
— Tudo bem? — Sage pergunta de dentro do banheiro.
— Tudo sim. Algo que comi ontem na faculdade não deve ter caído bem.
Ele desliga o chuveiro e começa a se enxugar. Aproveito a deixa e o
expulso do banheiro para tomar banho antes de descermos para o café. Tomo
uma ducha rápida e me visto enquanto Sage me espera, conversando com
alguém no telefone. Não dou bola. O assunto é o mesmo de todos os dias pela
manhã: notícias de Vince que não chegam.
Descemos juntos. A família toda está à mesa.
— Buongiorno! — Sage cumprimenta todos de mãos dadas comigo e
caminha até a avó, dando um beijo em sua testa. — Nonna, será que a senhora
poderia ver um chá pra minha princesa? Ela acordou enjoada hoje e passou
mal antes de descermos.
— Avrò un pronipote! Alleluia! La Madonna ha ascoltato le mie
preghiere![62] — A mulher joga-se de joelho no chão erguendo as mãos em
sinal de louvor. Depois levanta-se rápido, segura meus braços e da um beijo
em cada bochecha.
— Non, non! — grito quando entendo o que está acontecendo.
Sage me olha confuso, Don Marco levanta-se e o abraça.
— O que aconteceu? — Jett pergunta, confuso.
— Acho que a Mia está grávida — Martina responde, rindo.
— Grávida? — Papà entra sorrindo. — Complimenti[63]!
— Você está grávida? — Sage solta a minha mão e dá dois passos para
trás, afastando-se de mim. Em seus olhos, vejo algo que não identifico. Algo
que o paralisa.
— Eu não estou grávida — respondo a ele e caminho em sua direção,
tomando sua mão com a minha e enlaçando nossos dedos. — O dia que eu
suspeitar que isso aconteceu, a primeira pessoa que saberá será você, amore
mio. — Fico na ponta dos pés e dou um beijo em sua bochecha. — E nós
iremos conversar sobre isso antes, não se preocupe — sussurro em seu
ouvido e viro-me para a família, que agora nos encara como se tivéssemos
saído do velório desse filho que nunca esteve em meu ventre.
— Quindi nessun nipote per la nonna?[64] — a avó de Sage pergunta,
jogando-se novamente em sua cadeira.
— Non, nonna… — respondo com o olhar doce. — Ainda não fomos
abençoados pela Madonna. — A mão de Sage afrouxa na minha e a aperto
novamente. — Passei mal porque falamos sobre Vince pela manhã e lembrar
do que aconteceu me deixa enjoada. — Sage solta a minha mão e passa o
braço por minha cintura, me puxando para aninhar-me em seu peito.
— Foi sobre isso que vim falar — papà diz e toda a atenção das
pessoas que começam a se sentar em seus lugares na mesa volta-se para ele.
— Lorenzo foi atrás de uma pista que recebeu de um dos nossos associados.
Assim que confirmar se a dica é quente, ele nos avisa.
— Precisamos reunir todos os homens — Don Marco diz, levantando-se
da mesa novamente.
— Não — Sage interrompe, fazendo seu pai e o meu pararem o percurso
que já começavam em direção ao escritório. — Isso é entre mim e aquele
filho da puta, papà. — Ele respira fundo, seu corpo inteiro tensionado. — Se
o senhor me permitir, gostaria de montar um grupo pequeno e de minha
confiança pra encontrar Lorenzo, caso ele realmente ache o Vince.
Don Marco e meu pai se olham por alguns segundos. Depois voltam a
caminhar, Don Marco dois passos à frente em direção à mesa.
— Tudo bem, Sage — ele diz, sentando-se. — Quem você quer?
— Meus irmãos, Eddie e Enrico.
— Vou avisar aos que não estão aqui para que venham — papà garante a
Sage. Vejo orgulho em seu semblante. Orgulho de meu marido. Por dentro,
sorrio.
— Vou levar Mia para a faculdade. Não façam nada até eu voltar —
Sage diz, me pegando pela mão.
— Eu não vou! — protesto, soltando sua mão. — Não vou para a aula
como se nada estivesse acontecendo, Sage. — Altero o tom de voz.
— Você tem prova e não quero que fique pensando naquele homem
desgraçado.
— Aqui ou lá, estarei pensando na mesma coisa. E eu quero olhar pra
cara daquele farabutto[65] quando for morto!
— Você só pode estar louca se pensa que vou te levar para caçar o
Vince — Sage grita. — Eu vou matá-lo quando o encontrar.
— Ah, não vai, não! — agora é nonna quem grita. — Distruggerò quel
bastardo prima di morire![66]
Sage e os outros saíram cinco minutos depois que Lorenzo ligou
informando a localização de Vince: uma casa de madeira abandonada na
divisa da cidade, em uma área rural afastada.
Foi nonna que decidiu que Vince deveria ser trazido vivo para casa e
que eu não deveria ir à aula. Foi ela também que ligou para que todas as
mulheres da família viessem se juntar a nós em oração por nossos homens e
nossa honra. E aqui estamos, há uma hora, trinta nove minutos e dezoito
segundos, rezando para que Madonna os proteja.
Quando o telefone da casa toca, um arrepio percorre minha espinha.
Estamos trancadas no oratório, ao lado do escritório de Don Marco e, quando
escuto o grito de meu pai, tenho certeza de que o arrepio que me acometeu foi
um mau agouro. Aperto com mais força a mão de mamma, que está grudada à
minha.
— Giorgiana! — papà abre a porta de madeira pesada do oratório aos
gritos. — Lorenzo è morto!
— E Sage? — pergunto em desespero, tentando absorver o que papà
acaba de dizer e temendo pela vida de meu marido.
— Os outros estão bem. — É Don Marco que me responde, com a cara
evidentemente abatida. — Quando chegaram lá, encontraram Lorenzo sem
vida, e Vince já havia fugido. Estão à sua caça.
— Foi ele? Aquele figlio de una puttana matou mio fratello[67]?
Don Marco apenas assente com a cabeça. Mamma abraça papà em um
choro desesperado. As mulheres se abraçam, chorando baixo, rezando,
compadecidas com a dor de minha mãe. Penso em meu irmão. O último
pedido que fiz a ele. Chi ucciderà questo figlio di puttana[68], penso. Eu vou
matá-lo e, quando o fizer, vou sorrir.
Não demora muito até que o telefone toque novamente. Don Marco
atende, escuta com atenção o que lhe é dito. Apenas responde com sim ou não
e seu rosto não demonstra nada. Todos olham atentos para ele. O homem se
despede e encerra a ligação.
— Acharam ele, Giovanni. Estão vindo para cá — diz, encarando meu
pai, depois vira-se para mim. — E todos estão bem.
Nonna levanta-se do banco em que estava ajoelhada, caminha até minha
mãe e a abraça. Faz o mesmo com meu pai. Então, sai da sala, indo em
direção à entrada principal da casa. Martina, Antonella e eu a
acompanhamos. Ela abre a porta e fica parada em sua frente. Em silêncio. Seu
olhar ao longe, esperando avistar o carro que aguarda.
Os homens chegam em dois carros. Do primeiro, Eddie e Enrico
descem, abrindo as portas de trás e tirando Lorenzo do banco. Mamma e
papà correm em sua direção e abraçam o corpo do filho morto. Continuo
parada, observando o segundo carro, preciso ter certeza que Sage está bem
antes de chorar por meu luto. Jett abre a porta traseira e desce, tirando Vince
amordaçado, com as mãos e pernas amarradas. Coal sai logo atrás, com
Joana apontada para a cabeça do primo.
Gio vem correndo ver a cena. Os dois trocam olhares, mas percebo o
desprezo naquele que teve que escolher entre a lealdade ao seu irmão ou à
família.
— Eu não consigo acreditar… — Gio sussurra. — Como ele foi capaz?
— Sua pergunta é retórica.
A nítida decepção em sua voz carrega uma dor, como se alguém lhe
tivesse cravado uma faca no peito.
Finalmente, a porta do motorista se abre e Sage aparece, fazendo com
que minha atenção se volte para ele. Meu marido pega Vince pelos cabelos e
começa a arrastá-lo em direção à entrada da casa. Quando chega em frente à
nonna, ela ergue a mão pedindo que pare. Meu marido e os outros, que
caminham atrás dele e de Vince, obedecem. Sage solta os cabelos e empurra
o primo, que cai de joelhos em frente à matriarca da família.
— Ti ho cresciuto come un figlio. Ti ho dato tutto l’amore[69] — a
velha diz com lágrimas nos olhos, lembrando de ter criado Vince desde
criança —, ti ho insegnato a essere un uomo forte e leale[70]. — Ela passa a
mão pelos cabelos do neto com pena. — Nessun perdono per quello che hai
fatto.[71] — Ela segura o queixo de Vince e o faz encará-la. — Ecco perché ti
deserte oggi! [72]— Nonna cospe na cara do maledetto e sai da sua frente,
sinalizando com a cabeça para que Sage continue com seu trajeto.
Meu marido agarra novamente o primo pelos cabelos sorrindo e volta
arrastá-lo em direção à sala de treinamento. As mulheres vão dando
passagem, enquanto blasfemam insultos ao condenado.
— Sage — chamo por meu marido que para sua caminhada, solta Vince
e volta para me abraçar.
— Sinto muito, Mia — ele me diz, o pesar marcando sua voz.
— Eu sei. — Aninho-me em seu peito, enquanto ele me abraça mais
forte e beija o topo da minha cabeça. — Não o mate — peço e Sage me
encara confuso. — Não até eu poder me vingar. — Eu me desvencilho de seus
braços antes que ele me responda, corro em direção ao cadáver do meu irmão
no jardim para chorá-lo junto de meus pais.
Capítulo 35
Sage
Eu nunca pensei que sentiria tanto prazer em arrastar um homem na
minha vida. Mas fazer com que Vince desça as escadas para o porão me traz
uma alegria desmedida.
Coloco-o sentado na única cadeira da sala — a mesma em que nossa
iniciação foi feita — e fico feliz que Danio tenha tomado as providências
para deixar tudo pronto para quando nós chegássemos. Os equipamentos de
treino não estão mais aqui, e a sala, mais uma vez, parece estar pronta para
um novo ritual — um bem diferente daquele que participei há alguns meses.
Jett acende a lareira e se junta a nós. Sinto que alguns homens estão aqui,
mas não consigo dizer quais. Toda a minha atenção está voltada para Vince,
cujos olhos estão arregalados.
Ele está amordaçado e com as mãos e pernas presas. À nossa mercê.
Eu tinha tantos planos para ele… Tantas coisas que sonhei em fazer
quando o encontrasse, principalmente depois de ele ter eliminado Lorenzo…
Mas o pedido de Mia martela em minha mente, e sei que preciso acatá-lo. Se
fosse um dos meus irmãos que tivesse sido morto, não deixaria que ninguém o
vingasse. Não faço a menor ideia do que ela pretende fazer, mas uma coisa é
certa: minha princesa terá o que pediu. Mesmo assim, isso não quer dizer que
eu não possa brincar um pouco com ele antes.
Por alguns minutos, fico apenas em silêncio, observando-o e me
deliciando com sua apreensão. Deve ser uma merda não saber o que será
feito. Às vezes, a tensão psicológica pode ter efeitos ainda mais
perturbadores.
— Quero que todos saiam da sala, menos Eddie, Coal, Jett, Frederico e
Angelo. — Ouço protestos, mas estou pouco me fodendo para eles. — Agora!
Mais protestos, seguidos de alguns passos. Quando a porta se fecha, sei
que fui obedecido.
— Sage, eu quero assistir — Gio fala e eu me viro para ele.
— Você não merece essa desonra, Gio. — Caminho em sua direção e
coloco uma mão em seu ombro. — Tem nossa confiança — garanto.
— Mesmo assim, gostaria de, pelo menos, dizer minhas últimas palavras
a ele — Gio pede e eu assinto com a cabeça.
— Fique à vontade.
Ele caminha até o irmão e posso ver que seus passos não têm a mesma
determinação de sempre. Se fosse comigo e um dos meus irmãos tivesse me
traído dessa forma, não sei como eu agiria.
— Por que, Vince? — ele pergunta baixo, abaixando a mordaça que o
impedia de falar. — Nós sempre tivemos tudo. Don Marco nunca deixou que
nada nos faltasse.
— Você é muito ingênuo mesmo, Gio. — Vince solta uma risada. —
Desde que esses três chegaram, passamos a ser ignorados nessa família! Don
Marco parou de nos dar conselhos. Seríamos Soldattos para sempre, porque
ele nunca nos passaria à frente dos nossos queridos priminhos.
O olhar de Vince vai direto ao meu e toda raiva que sente em relação a
mim parece ganhar uma nova perspectiva. Inveja.
— Fale por si mesmo — Gio diz, amordaçando-o de novo. — Nesta
família, são nossas atitudes que nos levam a algum lugar. E as suas te levarão
direto ao inferno.
Giorgio não dá tempo para que o irmão responda, apenas vira as costas
e anda até a saída. Os demais o seguem.
— Sage — alguém me chama depois de alguns segundos, mas não sei
quem é. Talvez Angelo. — O que devemos fazer agora? — ele pergunta,
aguardando minhas instruções.
— Isso depende de Vince — respondo com um tom controlado, mesmo
que, por dentro, meu corpo grite com o ódio e sede de vingança.
— Como assim? — a mesma pessoa continua perguntando.
— É bem fácil, na verdade. Vince pode escolher se vai morrer agora, de
forma simples e sem sentir dor, ou se prefere morrer em alguns dias, depois
de ser devidamente torturado. — Não consigo conter o sorriso ao vê-lo
arregalar os olhos ainda mais. — Temos até a benção de seu irmão para isso.
Para um mafioso, Vince é bem frouxo. Ou talvez o sangue dos Rossi
tenha sido diluído no medo de pagar por aquilo que fez.
Mas pouco importa o que ele quer, pensa ou sente. Passei os últimos
meses correndo atrás desse desgraçado, atrás de cada pista e sempre dando
de cara na parede. Por mais que isso tenha me irritado profundamente,
também me fez ter certeza de uma coisa: Vince não deve ser o único filho da
puta dentro da família.
Todas as informações que recebíamos a respeito do paradeiro dele eram
boas, mas, quando chegávamos lá, Vince já tinha desaparecido. A pessoa que
nos trouxesse algo útil, que nos levasse a achá-lo, receberia a recompensa de
cinquenta mil. Depois, dobramos a oferta. O fato de o dinheiro ser entregue
apenas quando Vince fosse capturado me fez ter certeza de que eles não
teriam qualquer intenção de nos passar pistas falsas propositalmente.
Logo, minha conclusão estava solidificada. Principalmente depois do
bilhete de Geek. O cara sabia exatamente onde encontrar meu primo, mas
alguém avisou a Vince que nós estávamos chegando a tempo de ele conseguir
fugir.
Essa pessoa tinha que ser alguém de dentro, porque ninguém mais sabia
dos nossos passos. Com Gio fora da lista de suspeitos, principalmente depois
do que acabou de acontecer, é urgente que encontremos logo o traidor, porque
sabe-se lá o que ele pode fazer em seguida.
Compartilhei minhas suspeitas apenas com Mia, meus irmãos e Don
Marco. Com mais ninguém, nem mesmo o Consigliere. Não podíamos correr
o risco de essa dúvida vazar também.
Hoje foi a mesma coisa, mas a informação chegou em Vince tarde
demais — o que acabou custando a vida do meu cunhado. Nós chegamos lá e
Vince atirou sem mesmo ver quem estava do outro lado da porta, atingindo
Lorenzo de forma fatal.
Uma morte nada digna para um homem que se mostrou honrado e leal a
mim nos últimos meses. Mas Vince vai pagar por tudo que fez contra nossa
família… Ele e aquele que o estava ajudando às nossas costas.
— Tirem a mordaça dele — ordeno e Eddie vem à frente, fazendo o que
pedi.
Assim que a boca de Vince está livre, ele começa a me xingar e a dizer o
que pretendia fazer com Mia. Eu poderia escutar cada palavra e me deixar
abalar por elas. O Sage de antigamente com certeza faria isso. Só que eu opto
por ignorá-lo. Durante minutos, deixo que fale o que quiser. Afinal, serão
suas últimas palavras. Mas quando percebe que elas não estão me afetando
em nada, começa a ficar ainda mais irritado, se debatendo na cadeira até que
ela acaba tombando, levando-o ao chão.
— Cuidado pra não se machucar, priminho — debocho. — Sabe,
Vince… eu achei que você fosse mais esperto.
Estalo os dedos, indicando para alguém o erguer do chão.
— Vai se foder, Wilder — ele cospe as palavras e tenta, sem sucesso,
agredir Eddie, que recolocou a cadeira no lugar.
— Que boca suja. — Faço um som de reprovação. — Mas o que eu
disse é sério, Vince. Quer saber por quê? — Ele não responde e eu continuo:
— Juro que não entendi uma coisa. Por que ficou na cidade? Por que não
fugiu, sei lá, pro Equador? Sinceramente, você deveria imaginar do que a
família Rossi é capaz.
Essa foi uma das coisas que fiquei imaginando enquanto procurávamos
por ele. Don Marco concordou comigo, mas as pistas que recebíamos sempre
indicavam que Vince continuava por perto.
Se eu estivesse sendo procurado pela máfia, daria um jeito de
desaparecer. Trocaria de identidade, fugiria do país… qualquer coisa que me
tirasse do radar. Só que Vince não fez isso, o que apenas faz com que eu
acredite com ainda mais firmeza na minha teoria.
— Eu não tenho medo de nenhum de vocês! — Vince grita, tentando
manter sua expressão intacta.
— Desculpe, mas não consigo acreditar nisso. — Preciso me controlar
para que meu tom saia baixo e desinteressado. Uma terapia intensiva de
controle dos nervos. Melhor do que pagar trezentas pilas por uma consulta
com o psicólogo.
— Vai se foder! — ele grita de novo.
— Nossa, esse tempo afastado atrapalhou bastante a sua retórica. Mas,
infelizmente, seu tempo por aqui acabou. Então, a falta de talento na hora de
encontrar xingamentos mais impactantes não vai fazer muita diferença.
Vince volta a se sacudir na cadeira quando os homens atrás de mim
começam a rir.
— O que vamos fazer com ele, Sage? — Eddie pergunta.
— Como eu já disse, Vince terá duas escolhas: uma morte rápida e
indolor ou algumas semanas trancado aqui embaixo, sendo devidamente
torturado — respondo com tranquilidade. — Se quiser algo simples e fácil,
basta nos dizer quem é o traidor na família.
Alguns dos que restaram na sala arfam com a surpresa, porém, deles eu
não desconfio. Ao longo dos meses, todos aqui me provaram que merecem a
minha confiança. Mesmo assim, nenhum estava esperando por essa revelação.
Melhor ainda quando Vince ri.
— Eu pensei que você fosse só um idiota — ele diz, me encarando com
o que só pode ser descrito como desprezo.
— Todos pensam, e eu prefiro assim — respondo, sem dar muita
satisfação.
Eu sempre fui Sage, o estressado. Aquele que tem as emoções à flor da
pele. O debochado. O rebelde. O tempestuoso.
Tudo bem pensarem isso, porque não está longe da realidade. Mas o
problema é me resumirem a isso e esquecerem que, por trás da fachada, há
muito mais do que podem imaginar — mesmo que eu esteja pouco interessado
em deixar que saibam quem eu realmente sou.
Antes que Vince possa continuar falando, chamo Eddie, que para ao meu
lado. Retiro minhas pistolas e as entrego para ele. Em seguida, retiro a faca
que guardo perto ao tornozelo e começo a andar na direção do nosso
prisioneiro.
— Meu irmão tem uma Taurus chamada Joana. Esta é a Sarita. —
Mostro a pequena faca para Vince e o vejo engolir em seco, mas tentando se
manter firme. — Eu não sei se você se lembra dela, mas foi esta aqui que usei
para esfaquear um homem pela primeira vez. Juro que não estou com vontade
de usá-la em você, Vince. Muita sujeira… Não quero manchar a blusa nova
que Mia me deu. — Meu tom é baixo, controlado, apenas o suficiente para
que ele entenda que estou falando sério. — Só que preciso de algumas
informações.
— Você não teria coragem de me torturar — ele diz. — Não está no seu
sangue.
— Eu teria coragem, sim. Mas confesso que não seria minha primeira
escolha. Se fosse por mim, você já estaria estirado no chão, sufocado pelas
próprias bolas. — Abro um sorriso. — Só que eu virei um homem de família
e faço tudo o que minha mulher pede com carinho. E ela me pediu para não te
matar. Enquanto isso, posso me divertir bastante com você. O que acha dessa
ideia?
— Mia não quer que você me mate? Sabe o que isso significa? Que ela
me ama, sempre me amou.
Dessa vez, é impossível conter a gargalhada. Rio tanto que chego a
dobrar o corpo.
— Olha… Nunca imaginei que você fosse contar piadas à beira da
morte.
— Piada? Foi você que disse…
— Não, Vince — interrompo-o. — Eu disse que Mia me pediu para não
te matar. Não disse que você não iria morrer. Também já disse que você irá
escolher como…
— Você é um lerdo mesmo… Parece a puttana da sua mãe — ele
debocha.
Eu até conseguiria me conter, mas resolvo que não quero. Antes que
Vince perceba o que está acontecendo, minha faca faz um rasgo em seu rosto.
Ele arfa com a ardência e o sangue que começa a pingar me faz sorrir.
— Por que as pessoas gostam tanto de xingar a mãe alheia? — Faço-me
de desentendido e meus companheiros riem.
Dou mais um corte, agora em seu braço, rasgando a manga da camisa.
Meu primo me encara com ódio e volta a se debater na cadeira, mas é em
vão.
Ele solta um grito alto, não pela dor, mas pela frustração de não poder
fazer nada.
— Quem estava te ajudando, Vince? — Coal pergunta, se posicionando
ao meu lado com Joana na mão.
— Por que eu deveria contar alguma coisas para vocês? Meu destino já
está selado… e não me importo com a dor.
— Olha, Vince, Sarita estava de folga, mas parece que ela gostou de
você e resolveu sair pra brincar.
Cravo a faca em sua coxa em um golpe único. Dessa vez, o grito é, sim,
de dor. Sorrio. Olho para a faca, presa nos músculos de sua perna, e começo
a puxá-la devagar.
— Só um nome… — digo baixinho.
— Quero falar com a Mia. Traga Mia aqui, senão eu morro sem contar
uma palavra sequer.
Capítulo 36
Mia
Enrico me ampara enquanto alguns homens levam o corpo de Lorenzo
para dentro da casa. Nonna providenciou um dos quartos vazios para que
pudéssemos prepará-lo para o enterro.
Mamma e papà caminham abraçados à nossa frente, enquanto algumas
das mulheres da família orbitam à sua volta, para ajudá-la. Não sei dizer o
que sinto. Meu coração parece destroçado.Ver meu irmão sem vida e meus
pais chorando o filho perdido aperta o meu peito, ao mesmo tempo que faz
com que meu sangue ferva pensando em Vince na sala de treinamento.
Os homens começam a subir os degraus, o cortejo segue atrás. Don
Marco, que estava parado ao pé da escada, junta-se a meu pai, enquanto
nonna abraça mamãe. Vejo quase todos os homens de pé na sala, as cabeças
baixas, acompanhando a passagem de Lorenzo. Apenas sinto falta de Sage e
os irmãos. Começo a rezar para que ele tenha me escutado e Vince ainda
esteja vivo. Antes do que imagino, minhas preces são atendidas.
— Mia — Coal fala baixo, caminhando apressado em minha direção e
de Enrico, que permanece ao meu lado. — Sage pediu pra te chamar. — Ele
então para, olha para meu irmão e depois para mim. — Sinto muito, não
imagino o que eu faria se perdesse um irmão.
— Então, Sage deveria respeitar a dor da minha família e não
interrompê-la neste momento — Enrico cospe, a raiva visível em sua voz, os
olhos vermelhos.
— Eu pedi para Sage não matar Vince, Enrico — sussurro em seu
ouvido.
— O quê? Por quê? — Enrico me solta e começa caminhar em direção
ao porão. — Se o seu marito é um frouxo, eu mesmo faço isso.
— Enrico! — Coal grita e corre para o seu lado. Faço o mesmo. —
Vince disse que só vai dizer quem é o traidor para Mia.
— Traidor? — Enrico nos olha, confuso, e fala alto demais, chamando a
atenção de alguns homens que caminham pela casa.
Coal o puxa pelo braço e, quando estamos à beira das escadas do porão
e ele se certifica de que mais ninguém está escutando, explica os motivos da
nossa suspeita.
— E por que ele quer a Mia lá? — pergunta, mas não espera ninguém
responder. — Vamos torturá-lo até ele falar. Conheço técnicas ótimas.
— Vince acha que a Mia é apaixonada por ele — Coal diz.
— Não vamos torturar ninguém — digo e saio caminhando.
Enrico e Coal entreolham-se confusos, mas começam a me seguir. Paro
em frente à porta da sala de treinamento, esperando que um dos dois a abra
para mim. Mas ao invés de fazerem isso, ambos estacam no lugar. Olho de
relance para Enrico e aceno com a cabeça. Ele demora um pouco a entender,
mas, antes que seja preciso que eu explique, abre a porta.
Vince está sentado de frente para a entrada da sala, mãos e e pés
amarrados e a boca livre. Está gritando xingamentos e provocações, que
cessam assim que me vê. Sangue escorre de seu rosto e vejo que Sage já
começou com sua parte da vingança. A mancha vermelha em sua calça jeans
deixa claro que meu marido está começando a perder a paciência. Os olhos
de Vince brilham quando me veem, mas ele não fala nada. Começo a
caminhar em sua direção calmamente.
— Então, Vince, quem estava ajudando você? — pergunto assim que
paro em sua frente, a voz doce. Sorrio.
— Você acha que eu sou burro, Mia? — Ele ri. — Eu conto, mas quero a
garantia de sair daqui com você e com grana suficiente pra gente fugir e nunca
mais nos encontrarem.
— Tudo bem. — Caminho em direção a Sage, que está parado ao lado
da cadeira. — Amore mio — coloco a mão em seu ombro —, você poderia
me emprestar uma de suas pistolas? — Estico a mão para Sage, esperando
que ele me entregue uma de suas armas.
Em vez disso, é Eddie quem caminha até mim e deposita em minha mão
uma Glock prateada. Agradeço com um sorriso e ele se afasta. Sage me
observa com curiosidade. Todos na sala me encaram, inclusive Vince. Seus
olhos estão atentos a cada um dos meus movimentos. Mais do que isso, eles
dizem que Vince realmente confia em mim.
Com a pistola na mão, seguro-a de qualquer jeito e caminho até a frente
da cadeira novamente. Vince ri. Sei exatamente o que está pensando e, por
dentro, comemoro. Quando paro em sua frente, observo a pistola em minha
mão. Viro-a de um lado, viro-a de outro. Olho cada detalhe, coloco o dedo no
gatilho.
— Não! — Vince berra. — Se você não sabe usar isso, não deveria
segurar…
— Talvez você tenha razão, Vince. — Deixo a pistola pendurada em
meu dedo indicador e coloco-a rente ao seu rosto. — É muito perigoso
brincar com o que a gente não conhece.
Em um movimento rápido, giro a pistola em meu dedo, soltando-a no ar
e pegando pelo cabo, sem que dê tempo de Vince piscar. Destravo o
armamento, puxo o ferrolho à retaguarda, inserindo a munição na câmara de
disparo, e coloco o dedo no gatilho, o retesando levemente para trás,
destravando a arma. Enrico solta uma gargalhada e Sage também.
— Mandou bem, cunhadinha! — Jett diz e posso jurar que ele seria
capaz de aplaudir se o momento permitisse.
— Então, Vince… — Coloco o cano prateado colado em sua testa, entre
o fim do nariz e os olhos. Ele engole em seco. — Nós estávamos falando
sobre brincar com o que não conhecemos. Pelo visto, eu sei com o que estou
brincando. — Aperto meu dedo um pouco mais contra o gatilho. — Mas você
parece que não. Então, me diga: quem estava te ajudando?
— Eu não vou dizer nada… Não até sair daqui com você — ele insiste.
— Você só vai sair daqui de um jeito, Vince. E é morto. — A pistola
firme em sua pele. — Pode escolher se vai ser rápido ou não. — Minha voz é
baixa e controlada. — Quem aqui está a fim de torturar o Vince? — Olho
para todos os homens que observam a cena. Todos dizem “eu”. Uma gota de
suor escorre por sua testa. — Então, Vince?
— Vocês não vão me matar. — Ele dá uma gargalhada. — Não até
saberem quem é o traidor.
— Ah, Vince…Você realmente acha que tem alguma chance? Depois do
que me fez e de matar meu irmão? — Dou uma risada. — Você só pode ser
louco.
— Eu sou louco — ele retruca. — Por você, amore mio! Foi tudo por
você! — Vince olha para Sage e ri. — Eu sei que Don Marco não vai
permitir que me matem até ter o nome do traidor. — Seu olhar desafia meu
marido. — Quer me dar umas porradas? Me furar? Me torturar? Então vem!
— Ele ri ainda mais alto. — Pode fazer o que quiser, mas eu só direi o nome
depois de estar bem longe com Mia…
— Você tem toda razão — chamo sua atenção novamente para mim. Sage
está controlado, mas vejo a chama cada vez mais alta em seus olhos. — Don
Marco deu ordens para não te matar. — Tiro a pistola de sua testa e deixo
meu braço cair ao lado do meu corpo. Encaro o chão. — Você venceu —
digo, resignada. — Nós precisamos saber quem é e…
— Então, é hora de fazer as malas, amore mio — ele me interrompe.
— Você… — Sage dá dois passos para frente, mas Coal o segura. Meu
cunhado parece mais esperto do que eu imaginei.
— Para onde nós vamos fugir? — pergunto a Vince. — Eles nunca vão
nos deixar em paz. — Em minha voz, há desespero.
— Ah, Mia… — Ele sorri. — A gente pode ir para o interior de Trieste.
Tenho…
Antes que Vince termine sua frase, meu braço se ergue novamente,
colocando o cano prateado no mesmo lugar de antes. A mão firme, com a
certeza do que estou fazendo e sem hesitar, pressiono e solto meu dedo do
gatilho. Bam! Posso ouvir a engrenagem funcionando. O momento exato em
que a espoleta é espetada, o projétil começa seu curto caminho pelo cano. O
ferrolho, com o impacto, corre para trás, cuspindo do compartimento a
cápsula da bala que agora está em sua cabeça.
Posso ver em seus olhos incrédulos o segundo em que a vida lhe
abandona. Sorrio enquanto Vince se surpreende com o estampido, cai em si
de que eu o matei e sente a dor. A morte é rápida. Um filete de sangue
espesso escorre no meio de seu nariz pelo pequeno buraco em seu crânio. Sua
cabeça pende para o lado. De olhos abertos, o que um dia foi Vince fica ali,
amarrado àquela cadeira. Sorrio orgulhosa de meu feito.
— Figlio de una putanna! — digo, quando travo a pistola antes de
abaixá-la.
— Não! — Eddie reclama.
— O que você fez? — Coal grita.
— Mia! — Enrico me repreende.
— Puta que pariu, princesa! — Sage fala.
Os outros na sala também blasfemam algo.
— O que foi? — pergunto, sem saber por que todos estão incomodados
com o fato de eu ter acabado com a vida do maledetto.
— Você o matou! — É Sage quem diz, caminhando em minha direção e
tirando a pistola da minha mão. — Como saberemos quem é o traidor?
— Cazzo! — uso um palavrão em público pela primeira vez e ruborizo
em seguida. — Vocês são todos uns stronzos! — Sage fica confuso. Eu
entendo. Ele e os irmãos podem não saber, mas os outros… — Quem é a
única pessoa da família que tem relações com Trieste? — Viro-me para
Enrico.
— Puta que pariu! — Meu irmão abre as portas e sai correndo para
avisar os outros.
Capítulo 37
Sage
— Eu não sei se dou uns tapas nessa bunda gostosa pelo que acabou
de fazer ou se te juro amor eterno nessa merda de momento — digo para Mia,
que arregala os olhos, e dou um beijo forte em seus lábios antes que possa me
dizer qualquer coisa. Ela geme contra mim, mas não temos tempo de nos
perdermos um no outro agora.
Desgrudo nossas bocas e saio correndo da sala atrás de Enrico. Todos já
se foram. Pelo visto, conseguiram fazer a mesma conexão que Mia. Só que eu
ainda não faço ideia do que Trieste significa e preciso descobrir o mais
rápido possível.
Subimos as escadas e o tump tump dos nossos passos fica cada vez mais
intenso. É uma marcha que nos levará às respostas que precisamos encontrar
para que tudo comece a funcionar da maneira certa.
Porque uma coisa é imprescindível: não podemos ter um traidor na
família.
Posso fazer parte dela há pouco tempo, mas o conceito de lealdade foi o
primeiro a ser martelado no meu cérebro desde que cruzei aquela porta pela
primeira vez. A cada dia que passa, ele faz mais sentido. Precisamos confiar
um no outro para que o trabalho seja feito com perfeição. Se você não cumpre
com o que propôs, os outros estarão em risco.
“A palavra de um homem vale mais do que qualquer moeda.” Foi mais
ou menos isso que eu disse enquanto fazia meu juramento de iniciação. Saber
que alguém não está cumprindo com esse pensamento é enervante.
Chegamos à sala e o sentimento de tristeza é como um soco no peito. As
mulheres choram abraçadas, os homens estão calados. Muitas pessoas, que
não estavam aqui quando chegamos carregando Vince, já sofrem o luto ao
lado da família. Olho ao meu redor e tudo que eu quero é sair daqui. Não sei
lidar com as emoções alheias. Porra, se eu for ser sincero, não sei lidar nem
com as minhas, quanto mais com as dos outros.
A ira que conduziu os homens até aqui se dissipou no momento em que
ouviram os choros. Vejo que Enrico, que estava à frente da situação, fica sem
saber como agir. Ele se vira para mim, como se pedisse minha ajuda, e eu
faço um sinal positivo com a cabeça.
Sinto a presença de Mia ao meu lado e respiro fundo.
A enorme sala da casa dos Rossi está lotada, mas o corpo de Lorenzo
não está aqui. Também não consigo encontrar Giovanni, mas vejo meu pai
parado em um canto, com alguns homens ao seu lado.
— O traidor está aqui? — pergunto para Mia em um sussurro e ela
assente. — Eddie, Jett, Coal! — Minha voz é alta quando chamo os três,
fazendo com que todos na sala passem a me encarar. — Por favor, tranquem
todas as portas. Nenhuma saída pode ficar aberta.
Assim que dou minha ordem, vejo que as pessoas arregalam os olhos,
sem entender o motivo para eu ter pedido isso. Eles saem para fazer o que
pedi sem ao menos perguntar meus motivos.
— Sage, o que está acontecendo? — Meu pai vem até mim e para logo
na minha frente.
Sinto que todos querem me perguntar a mesma coisa, mas apenas ele
saberá a resposta por enquanto.
— Temos um traidor, papà, e ele está entre nós neste momento.
A expressão tranquila de Don Marco não muda ao ouvir a revelação.
Ele sabia das minhas suspeitas e até concordava comigo. Talvez por isso não
tenha se abalado com a notícia, ou então essa é a cara que um chefão da máfia
deve ter. Acho até que Danio também deve dar aula de poker face.
Ficamos calados por uns momentos, absorvendo o impacto da
informação.
— Tudo trancado, Sage — Coal avisa alguns minutos depois e se
posiciona ao meu lado.
Jett e Eddie também já voltaram à sala e estão aguardando novas
instruções.
— Ótimo — Don Marco reage. — Quero todos os homens no meu
escritório agora. Mamma — ele se vira para nonna, que está abraçada à
outra senhora de cabelos brancos —, prepare a melhor comida da sua vida.
Comeremos em honra a Lorenzo.
Meu pai não espera uma resposta e começa a caminhar, sabendo que
todos irão obedecê-lo. É sempre assim: ninguém contesta a ordem do Don.
Por mais que ele esteja sempre com uma postura branda, todos sabem que
desafiá-lo será o último erro que cometerão em suas vidas. Principalmente se
for na frente de uma plateia.
O escritório de Don Marco fica pequeno para o número de homens que
entram. Com exceção de Giovanni, todos estão aqui, até mesmo Danio e
alguns dos Associados, que já haviam chegado ao saberem da notícia do
assassinato de Lorenzo Messina.
Um Don, um Allenatore, dois Capos, quatro Associados e quatorze
Soldattos. A família Rossi está completa em um espaço confinado — e o que
vai acontecer em seguida não será nem um pouco agradável.
Aproximo-me de Enrico e o vejo parado, sem saber como agir.
— Quem é o traidor? — pergunto tão baixo que apenas ele escuta.
Quando vira o rosto para mim, vejo que sua expressão carrega um misto
de ira, medo e tristeza. Coloco uma mão em seu ombro, reassegurando-o de
que tudo ficará bem e que eu estou no controle da situação.
— Carlo De Rosa — ele finalmente confessa, fazendo com que o ar saia
dos meus pulmões.
Eu não deveria ter levado esse susto. Já suspeitava que ele tinha um
dedinho podre, principalmente depois que Martina disse que ele e Vince
sempre cochichavam pelos cantos. Mesmo assim, é uma merda ter certeza de
que ele não é apenas um filho da puta, mas também um traidor.
Olho para Rico, que é afilhado de Carlo, e fico imaginando se também
tem algum envolvimento nessa traição. Ninguém está livre de suspeitas.
Apenas um número mínimo de homens nesta sala têm a minha confiança e não
estou disposto a mudar de pensamento até que eu tenha certeza de que não
estão envolvidos de alguma forma com Carlo.
Então, engulo os pensamentos e me concentro naquilo que demanda
minha atenção imediata.
— Don Marco. — Aproximo-me dele e peço para que as outras pessoas
se afastem de nós. Viro-me de costas para todos e sussurro: — Carlo De
Rosa é o traidor.
Dessa vez, vejo-o titubear por alguns segundos. Ele não estava
esperando que fosse um nome tão alto na hierarquia da família. Ou talvez
apenas não quisesse acreditar que um de seus homens fosse realmente um
traidor.
Don Marco se recompõe e faz que sim com a cabeça, colocando uma
mão em meu ombro. Faço menção de voltar para o meu lugar, mas ele me
segura, impedindo-me de me afastar.
— Eu gostaria da sua atenção por um momento — ele diz, sua voz
retumbando na pequena sala. Todos se calam e o encaram, esperando
descobrir o que ele tem a falar. — Chegou a mim a informação de que temos
um traidor entre nós.
Assim que as palavras saem de sua boca, posso ver a miríade de
reações: uns olham para o lado, outros dão um passo para trás. Todos estão
mais do que surpresos. Olho discretamente para Carlo, que conversa alguma
coisa com Gil, um de seus Soldattos.
— Quem é esse traidor, Don? Diga seu nome para que a gente resolva o
problema de uma vez só. — Danio retira sua pistola do coldre e é seguido
pelos demais.
Ah, as tradições…
Pelo menos dessa vez as armas não estão apontadas para a minha
cabeça, o que é um alívio.
— Calmati! — Don Marco diz, erguendo as mãos. — Ainda não está na
hora disso. — Como sempre, todos obedecem e recolocam as pistolas no
coldre. — Precisamos ouvi-lo antes de mais nada. Frederico, per favore…
— o irmão de Eddie arregala os olhos e começa a tremer no lugar —,
coloque uma cadeira no centro da sala. — Don Marco pede.
O rapaz continua trêmulo quando faz o que lhe é pedido.
— Pronto, Don Marco. Eu não… — ele tenta falar, mas é interrompido.
— Você não é o traidor, ragazzo. Fique tranquilo. — Meu pai vai até ele
e beija sua testa. — Sua família sempre foi leal a mim. Mais do que você
imagina. E hoje você e seu irmão são leais ao meu filho. Não tema e volte
para o seu lugar.
Vejo o alívio tomar conta do rosto de Frederico, que faz o que é pedido
e retorna para a fila de homens. Don Marco se vira para mim e indica para
que eu comece a falar.
— A desconfiança de que havia um traidor entre nós começou com a
quantidade de pistas sobre o paradeiro de Vince, que não levavam a lugar
algum. Estava claro que alguém o estava alertando antes que pudéssemos
chegar a ele. Só que este homem, que está sob este teto há tanto tempo,
esqueceu que não está lidando com crianças. — Olho para todos na sala, que
me encaram de volta, atentos a tudo que estou falando. — Quando finalmente
trouxemos Vince, conseguimos confirmar que alguém o estava ajudando.
Alguém em quem depositamos nossa confiança e tratamos como um de nós. E
é com muita tristeza que estamos aqui agora. Se não fosse por sua traição,
Lorenzo não estaria morto.
A tensão na sala é palpável. Todos estão ansiosos para descobrir quem é
o rato entre os leões. Ou talvez só estejam loucos para colocarem uma bala na
testa daquele que levou um de nós à morte.
— Quem é o traidor? — alguém pergunta.
— Quem matou Lorenzo? — outra voz soa no escritório.
Sorrio. É bom saber que todos estão revoltados. Assim, será bem mais
fácil extrair ainda mais informações de Carlo. Já sabemos que foi ele quem
ajudou Vince a fugir, mas ainda não sabemos o porquê.
Olho para Don Marco, que dá dois tapinhas em meu ombro e retoma o
controle da situação.
— Carlo De Rosa, por favor, sente-se aqui.
— Eu não sou o traidor, Don Marco! — Carlo começa a gritar na mesma
hora. — Eu nunca trairia a sua confiança!
— Sente-se aqui — meu pai repete e indica a cadeira que havia sido
colocada ali por Frederico.
Enquanto Carlo fica sem saber o que fazer, observo a reação dos
demais, que estão todos estáticos com a notícia. É como se ninguém soubesse
o que pensar.
Um Capo traidor.
Se fosse um Soldatto novo ou um Associado, talvez fizesse mais sentido.
Agora, um Capo… É realmente difícil de acreditar. Se não fosse por minhas
suspeitas anteriores, talvez pensaria que Mia tivesse se precipitado ao matar
Vince sem que ele dissesse o nome do culpado.
— Don Marco, por favor, o senhor precisa acreditar em mim — Carlo
continua suplicando.
— Chegou ao meu conhecimento que você foi o responsável por ajudar
Vince a escapar. Isso faz de você um traidor — Don Marco diz com sua voz
mansa, mas que emana poder.
— Não fui eu! Eu jamais trairia a sua confiança. São mais de vinte anos
nesta família, Don Marco. Tudo o que tenho, eu devo ao senhor e ao seu pai
— ele tenta se justificar.
Meu pai olha para mim e faço que sim com a cabeça, dizendo que tenho
certeza do que falei para ele há pouco. Mia não teria matado Vince se não
estivesse certa da informação.
— Sage, traga sua pistola — Don Marco pede e eu obedeço.
Tiro a Glock do coldre e a engatilho, apontando-a para a cabeça do
Capo.
— Não! Pelo amor de Deus! Não fui eu, não fui eu! — Carlo começa a
chorar compulsivamente. — Acredite em mim, Don Marco. Acredite no
homem que sempre foi leal ao senhor e à sua família. Eu dei meu sangue
pelos Rossi. Dei minha vida ao trabalho.
É então que Carlo faz o impensável: ele se ajoelha no chão e beija os
pés de meu pai.
Don Marco troca olhares comigo. Sinceramente, não sei o que se passa
em sua mente, mas posso ver que ele não está tão certo do que deve ser feito.
Na verdade, todos ao nosso redor estão paralisados, assistindo ao show de
drama que Carlo está apresentando.
— Sage, você tem provas disso? — Danio pergunta.
— Você tem provas, figlio mio? — Don Marco reitera.
— Apenas o que Vince disse lá embaixo — respondo.
— E ele citou o nome de Carlo De Rosa? — Danio continua me
questionando e eu me vejo em um beco sem saída.
— Não exatamente. Ele fez uma conexão com Trieste e então o matamos.
— Quem matou Vince? — a pergunta vem de algum lugar, mas não sei
quem a fez.
Engulo em seco e troco olhares com Coal, Jett, Eddie e Enrico.
— Eu. Fui eu que matei Vince.
Não posso colocar a culpa em Mia. Não se todos estão começando a
duvidar que Carlo era realmente o responsável.
— Não. — Jett intervém. — Fui eu que matei Vince.
— Não, fui eu. — Eddie dá um passo à frente.
Vários “culpados” se apresentam, inclusive Enrico. Eles perceberam o
que estou fazendo e estão mostrando seu apoio a mim e à minha esposa.
— Não importa quem matou Vince. O que importa é que obtivemos a
informação. Fora que já estávamos suspeitando dele por outros motivos —
explico, olhando para todos os homens da sala. — Eu jamais teria acusado
Carlo se não tivesse certeza das minhas palavras.
Meu queixo está erguido. Meu peito, aberto. Se eles não confiam em
minha palavra, não tenho motivos para estar aqui.
— Se não temos provas, não podemos matá-lo, Don Marco — Rico fala,
defendendo seu padrinho.
— Quando entrei para esta família, me disseram que a palavra de um
homem era suficiente para que acreditassem nele — retruco.
— E eu estou dando minha palavra de que não traí ninguém! Eu sou leal
ao senhor, Don Marco. Sempre fui! — Carlo grita, ainda ajoelhado à frente
do chefe.
— Então, é a sua palavra contra a dele — Rico conclui e olho para ele
com cara feia.
Filho da puta. Agora, tenho certeza de que está envolvido nas tramoias
de Carlo.
— Don Marco? — Danio pergunta, esperando que meu pai dê uma
solução para o problema.
Por um minuto, o silêncio toma conta da sala. Don Marco é o juiz, o júri
e o executor. Sua palavra é lei dentro desta casa e não há ninguém que seja
capaz de desafiá-lo sem conseguir sua ira.
Olho para meu pai, esperando que ele tome meu lado na situação, só que
sua resposta não é exatamente a que esperei.
— Vamos investigar mais um pouco — ele começa a dizer. — Enquanto
isso, Carlo será afastado de suas funções como Capo. Você vai ficar na
cidade e não terá qualquer atitude idiota. Se não fizer isso, entenderei que
meu filho está com a razão e não hesitarei na hora de te matar — Don Marco
fala e Carlo faz que sim com a cabeça.
Porra! Por essa, eu não estava esperando.
Todo mundo começa a falar ao mesmo tempo, nervosos com o que
aconteceu nos últimos minutos.
Carlo agradece profusamente, enquanto Coal, Jett, Eddie e Enrico se
posicionam ao meu lado, e se levanta para ir embora. Ninguém sabe muito
bem como reagir agora. É como se tivéssemos entrado no limbo.
Don Marco dispensa todos os homens, avisando que apenas Carlo vá
embora. Os outros devem ficar para o banquete que nonna está preparando
em honra à vida de Lorenzo. Ele dá ordens para que algumas pessoas cuidem
do corpo de Vince, e Eddie garante que irá tomar as medidas necessárias.
Quando faço menção de ir também, meu pai me interrompe.
— Os três ficam — ele diz, se referindo a mim e a meus irmãos.
Obedecemos, claro.
A raiva me consome por ver Carlo sair da sala com o coração ainda
pulsando no peito. Eu quero ver esse desgraçado morto, enterrado na mesma
cova que Vince.
A porta se fecha e ficamos apenas os quatro. Don Marco se senta na
poltrona de sempre e pega um charuto.
— Que porra foi essa?! — Não meço minhas palavras quando jogo a
pergunta. — Por que você não ficou do meu lado?
Ele não me responde de imediato, levando o tempo necessário para
acender o charuto e dar um trago.
— Porque eu não posso ter uma família inteira contra mim agora. Mas
acredito em você, filho. Eu sei que ele é o traidor e sofrerá as consequências
muito em breve — Don Marco fala, se recostando na poltrona.
— Ele vai fugir. Você deixou que ele fosse embora — Jett argumenta.
— Ele não vai fugir. Carlo quer me voltar contra vocês, por isso, vai
ficar e tentar provar sua inocência.
— O que faremos enquanto isso? — Coal pergunta.
— Nada. Por enquanto, não faremos absolutamente nada. Passaremos o
resto da semana de luto por Lorenzo, seguiremos todos os rituais necessários
e daremos a atenção que os Messina precisam — meu pai diz, o que me irrita
ainda mais.
Não quero ficar parado. Não agora que estamos tão perto do traidor. Eu
quero descobrir o motivo que o levou a ajudar Vince a escapar, porque
duvido que tenha sido apenas por carinho a ele.
Em vez de responder, viro as costas e começo a caminhar até a saída,
mas antes que eu consiga cruzar a porta, Don Marco pergunta:
— Quem matou Vince?
Hesito.
— Eu matei.
— Não minta para mim, filho. Nunca minta para mim — ele fala, sua voz
tranquila como sempre.
Respiro fundo, temendo falar a verdade e trazer problemas para Mia.
Mas se eu quero que ele acredite em mim e fique do meu lado para acabar
com a vida de Carlo, então me resta apenas uma opção:
— Foi a Mia, papà. Minha mulher matou Vince para se vingar da morte
de Lorenzo. Só que ela…
— Não preciso de mais explicações. Podem sair agora.
Merda. O que será que vai acontecer com Mia agora?
Capítulo 38
Mia
Depois de vinte e quatro horas velando Lorenzo em casa, Padre Santino
chega para benzer o corpo. Mamma mal consegue ficar de pé, o que faz com
que eu pense que matar Vince não foi suficiente para aplacar a raiva que
sinto.
Toda a família entra no quarto, tornando o espaço antes ocupado apenas
pelos mais próximos pequeno, para ouvir as palavras de conforto que o
homem santo propaga. Ele fala sobre o amor de Deus, lealdade, a importância
da família e eu só consigo que meu cérebro repita a mesma pergunta: por
quê?
Padre Santino finaliza sua oratória, abraça nossa família e se retira. Os
outros membros fazem o mesmo, deixando apenas papà, mamma, Enrico e eu
para nos despedirmos de Lorenzo. Os homens da morte aguardam escorados
no batente da porta. Mamãe é incapaz de soltar o corpo do filho morto e,
mesmo sabendo que a hora é chegada, papai e Enrico precisam tirá-la do
quarto.
Descemos as escadas abraçados. Nonna vem amparar a mamma assim
que a vê. As mulheres se reúnem em sua volta. Os homens, em outro lado da
sala, conversam baixo em volta da mesa farta. Nada me apetece, mesmo
assim, caminho até a mesa e pego alguns brioches.
— Mamma — paro em sua frente e estendo um dos pães. — Você
precisa comer algo.
Ela apenas nega com a cabeça. Se eu não tivesse matado Vince, essa
hora poderia fazê-lo sofrer como minha mãe. Um dos homens da funerária
aparece no topo da escada e com apenas um gesto de cabeça avisa que está na
hora. Enrico, Sage, Eddie e Angelo sobem de cabeça baixa e, quando
aparecem novamente, eles carregam Lorenzo, cada um segurando em uma das
alças do que agora será para sempre a sua morada.
A descida é silenciosa. As mulheres sentadas começam a se levantar, os
homens organizam-se ao lado da escada, esperando o caixão para segui-lo.
Mamma e papà na frente. Fico parada logo atrás. Tenho vontade de sentar-me
no chão e chorar, mas antes que minhas pernas fraquejem, Martina me segura
pelo braço, puxando-me para que eu me apoie nela. Um sorriso, mais triste do
que alegre, se faz em seu rosto e agradeço com um discreto bater de
pálpebras.
Assim que atravessamos os portões da residência, ganhando a rua, um
batedor da polícia começa a abrir passagem pelas vias da cidade, enquanto a
banda toca músicas tristes e nós seguimos, pela última vez, Lorenzo.
As janelas das casas e lojas do caminho vão se fechando, em sinal de
respeito à nossa perda. Quando chegamos à porta do cemitério, depois de
quinze minutos de caminhada, a música cessa e nos encontramos novamente
com Padre Santino, dessa vez na capela. Ele reza sua missa fúnebre e, quando
termina, mamma entra em desespero, sabendo que é a hora. Antes que os
homens da morte possam lacrar o caixão, é preciso que ela seja atendida por
um médico.
Não sou capaz de entender a sua dor. Por mais que eu sofra por perder
meu irmão amado, nada se compara ao que minha mãe sente. Mas de uma
coisa eu sou capaz: tirar a vida de cada maledetto que está fazendo minha
mãe sofrer. E eu vou.

O tempo é algo muito relativo. Sei que a aprendemos isso nas aulas de
Física, mas essa afirmação nunca fez tanto sentindo como agora. Dois dias
depois do enterro de Lorenzo e a dor que vejo nos olhos de minha mãe parece
não ter fim. Mais: a cada segundo que passa, parece aumentar. Assim como a
minha raiva de saber que Carlo ainda respira, enquanto meu irmão está morto.
Se os dois dias não servem de nada para aplacar a dor da perda, eles também
significam muito tempo sem uma solução.
— Como está sua mamma, ragazza? — nonna pergunta assim que entro
em casa. Ela ensinando algumas meninas a bordarem na sala, tarefa
normalmente realizada por minha mãe.
— Na mesma, nonna — digo, resignada. — Não sei o que fazer para
ajudá-la.
— Ah, bambina! — Ela passa a tela de bordado e a agulha para uma das
mulheres ao seu lado e se levanta.
Nonna caminha em minha direção e, depois de me dar um beijo em cada
bochecha e um abraço, enfia seu braço no meu e me arrasta para a cozinha.
Estamos apenas nós aqui. Sem falar nada, ela pega duas canecas de café e
caminha em direção à mesa, sentando-se e indicando com a cabeça para que
eu me sente também. Obedeço e seguro a xícara que me estende. Sorvo o
líquido, seu olhar atento em mim.
— Você precisa ter um filho — ela diz e dá um gole em sua caneca. —
Pra alegrar sua mamma. — A velha dá de ombros.
— Nonna, eu…
— Basta — ela me interrompe. — Eu sei que você toma remédios, Mia.
Está na hora de parar. — Ela se levanta da mesa e começa a caminhar em
direção à pia. — As mulheres estão começando a falar que Sage não é homem
suficiente, e com a morte do seu irmão e Carlo sendo acusado, quem você
quer que seja o Capo? — Nonna para e volta a me encarar.
— Sage? — pergunto, meio incrédula.
— É o que você quer não, é? — Ela dá uma risada. — Se é, ragazza, me
dê um bisneto. Sage vai assumir o lugar de Carlo por enquanto, mas para ele
se manter no posto, precisa ser um homem de verdade.
— Sage vai ser Capo? — pergunto, confusa. — Como a senhora sabe?
— Ah, Mia… Nós, mulheres, sempre temos que saber de tudo e, de
preferência, antes dos outros homens. — Nonna sorri para mim. — E também
temos que nos antecipar e planejar o futuro de nossa família.
A mulher termina seu trajeto, coloca a xícara na pia e, sem me dizer
mais nada, volta para a sala. Fico sentada no mesmo lugar. Um filho?
O tempo realmente é relativo. Não estou casada há nem um ano e a
família acha tempo demais para ainda não ter filhos. Já eu acho que tenho
muito a aproveitar com meu marido antes de ficar imensa e ter que cuidar de
alguém para o resto da minha vida. Por outro lado, essa pode ser uma grande
chance para que Sage seja promovido.
— Está tudo bem? — Martina entra na cozinha.
Não sei o que responder. Nada está bem. Mesmo assim, coisas precisam
ser feitas.
— Vou largar a faculdade — declaro para mim mesma.
— O quê? Por quê? — Martina me olha confusa.
— Preciso ter um filho — afirmo.
— Você está louca? Você só tem dezenove anos e… — A voz de Martina
é alta e estridente.
— Você usa anticoncepcionais? — pergunto, interrompendo-a.
— Sim, mas… — ela responde, confusa. Faço um gesto para que pare
de falar com a mão.
Saio da cozinha, subo até o quarto, pego as pílulas na gaveta e desço
novamente para lá. Martina segue no mesmo lugar.
— Toma. — Coloco a cartela em sua mão. — Vê se não vai engravidar
antes de se casar. Já não basta toda a merda que essa família está passando,
não quero meu cunhado morto pela honra de alguém.
Nem dou tempo para que ela me responda e saio em direção à sala de
treinamento. Se eu devo ter um filho como nonna diz, preciso garantir que o
pai do meu filho estará vivo — para isso, só posso contar com duas pessoas
neste momento.
Assim que chego ao porão, os homens que por ali treinam param o que
estão fazendo para me observar. Não sei se todos me olham com espanto por
uma mulher estar ali ou se me encaram porque já sabem que fui eu que matei
Vince. Tanto faz. Não me importa.
Meus cunhados estão afastados, perto dos estandes de tiro, mas
aguardando sua vez de treinar. Aproximo-me dos dois, que também se
surpreendem com minha presença.
— Sage saiu com o pai — Jett se apressa em me explicar.
— Eu sei. Preciso falar com vocês.
— Conosco? — Coal me olha com curiosidade e desconfiança. Posso
sentir o impulso que lhe percorre para colocar a mão em Joana.
— Preciso de um favor.
O espanto é visível em seus rostos. Mas antes que tenham tempo de
imaginar qualquer coisa, vou direito ao assunto. Os dois me encaram
boquiabertos quando sou direta. Não revelo a eles meus planos de ter um
filho, só digo tudo que sei sobre as relações de Vince com Carlo, e de Carlo
com Trieste. Mas a bomba, aquela que tenho evitado pensar em voz alta, solto
no final:
— Nada tira da minha cabeça que tudo isso tem algo a ver com a morte
da mãe de vocês.
— O quê? — Jett levanta-se rápido.
— Por quê? — Coal pergunta, confuso.
— Eu não sei o porquê e é para isso que preciso de ajuda. E para
proteger Sage. Ele corre mais risco.
— Do que você está falando?
— Vocês vão entender quando ele e seu pai voltarem.
Capítulo 39
Sage
De todos os lugares que meu pai poderia me trazer, este era o que eu
menos esperava.
— Um fliperama? — pergunto, mesmo que a resposta seja óbvia.
As máquinas cobertas de poeira estão desligadas. Parece mais uma cena
de filme de terror do que um lugar em que o pai traria o filho para conversar.
— Por incrível que pareça, este foi o primeiro negócio da nossa família
na cidade — ele diz, olhando para os lados como se um filme estivesse
passando por sua cabeça agora.
Mesmo que eu não entenda muita coisa, dá pra ver que aqui é um pedaço
de suas lembranças.
— Eu pensei que italianos só abrissem pizzarias e lavanderias —
comento, segurando o risinho com a minha própria piada.
— Eu já te disse para esquecer tudo que você um dia viu em filmes e
séries. — Meu pai vai até o que um dia foi a caixa registradora e corre os
dedos pela máquina antiga.
Neste momento, ele nem parece o Don todo poderoso de sempre. Algo
no modo como anda deixa nítido o cansaço que está sentindo, o peso sobre
seus ombros.
— Por que estamos aqui? — pergunto com a voz controlada.
— Meu pai amava este lugar. Ele dizia que era um pedacinho do paraíso
na terra — Don Marco desvia da minha pergunta e solta um risinho enquanto
fala. — Na época, as coisas eram diferentes. Ele tinha acabado de chegar da
Itália, a mando do avô de Don Vicenzo.
— Quando foi isso? — quero saber. Por mais que eu seja membro da
família, ainda há coisas sobre ela que não entendo.
— Meados da década de setenta. Eu tinha sete anos quando vim pra cá
— ele explica.
— Eu pensei que você tivesse nascido aqui.
— Fui criado aqui, mas nasci na Sicília. Para se tornar Don, meu pai
teve que vir pra esta cidade e arrastou consigo sua família e algumas pessoas
em quem confiava. Aos poucos, a família foi se fortalecendo, até que… —
ele para de falar, como se o assunto a seguir fosse proibido.
— Até que…? — incentivo-o a continuar.
— Até que outra família veio para cá também.
— Os Giordanni — concluo.
— Exato. Eles vieram para cá no fim nos anos noventa, porque a cidade
em que moravam estava em uma guerra sangrenta. Yakuza, Bratva… Eles
abandonaram o território e vieram para cá. Com a permissão de Don Vicenzo,
claro.
— Eu ainda não entendi muito bem qual é a desse cara.
— Don Vicenzo? — meu pai pergunta e eu assinto. — Ele é o chefe do
Conselho.
— Que Conselho?
Ele respira fundo, como se estivesse tentando encontrar as palavras
certas para me explicar ainda mais sobre esse universo, e depois se vira para
mim.
— O Conselho existe para controlar as famílias. Não somos uma
anarquia, vivemos sob uma ordem hierárquica e cada um sabe o seu lugar. O
Conselho é chefiado por Don Vicenzo, além de ter oito outros Dons — ele
diz com paciência.
Mesmo assim, só consigo imaginar uma sala cheia de mafiosos fumando
charuto enquanto discutem o destino do planeta. Por mais que eu saiba que
essa parada de matar cavalos para assustar os traidores só tenha acontecido
em O Poderoso Chefão, é impossível me livrar de todas as referências.
— Você está no Conselho? — pergunto.
— Não. Só os Dons mais antigos. Meu pai era membro… — ele
comenta e eu faço que sim com a cabeça.
— Você falou de regras.
— Sim, temos muitas regras, que consideramos leis absolutas. Quando
você se torna Don, a cerimônia é bem diferente e você faz um outro
juramento, usando as leis como base. O que você aprendeu foi apenas a ponta
do iceberg, figlio.
— Por que estamos aqui? — repito a pergunta que foi ignorada
anteriormente.
— Porque muita coisa está prestes a mudar na nossa família e eu preciso
da sua ajuda — meu pai confessa e sinto que não vou gostar muito do que está
prestes a me dizer.
Em vez de explicar o que tem em mente, ele começa a caminhar para os
fundos do fliperama. Chegamos a uma sala pequena e muito empoeirada,
como todo o resto do lugar, e meu pai vai direto até uma estante, de onde tira
um livro de capa dura e preta. Não tem título nem o nome de quem o
escreveu, o que indica que é muito mais do que apenas uma história.
Ele coloca o livro sobre a mesa, criando uma nuvem de poeira com o
impacto. Encontro um interruptor na parede, mas ele não faz com que as luzes
se acendam. A pouca luminosidade que entra pelo basculante me permite
enxergar o que tem na sala, mas não sei se será suficiente para que eu consiga
ler o que está escrito naquelas páginas.
Enquanto Don Marco folheia o livro, retiro meu celular do bolso e
aciono a lanterna,
Vejo uma enorme lista de nomes, todos italianos, e alguns locais ao lado.
É como se fosse uma tabela, mas sem as linhas que criam divisões. Várias
palavras que não entendo, muitas delas repetidas, também se destacam. Mas o
que me chama atenção são alguns riscos no que seria a última coluna. Alguns
nomes têm vários riscos. Outros, apenas um, dois ou até mesmo nenhum.
— O que estou vendo? — pergunto a ele, que nem se dá ao trabalho de
ler.
— É a origem da família Rossi na cidade.
— Membros? — busco por mais informações.
— Membros, tipos de trabalhos e o número de mortes que causou. —
Subo meu olhar para ele, que parece inafetado pelo que acabou de dizer. —
As coisas eram bem diferentes há quase cinquenta anos. Apesar de seguirmos
as mesmas leis, certas regras eram diferentes. Hoje, nossos negócios não
giram em torno de coisas ilegais. — Reviro os olhos com o comentário falso
e ele percebe. — Não tão ilegais assim. Especulação imobiliária, identidades
falsas, troca de influência, importação e, ocasionalmente, tráfico de armas.
Mas, naquela época, as coisas eram bem diferentes. Drogas, prostituição,
assassinato de aluguel…
Apenas balanço a cabeça. É óbvio que tem muita coisa por trás dos
panos que ninguém havia me contado.
— E por que você está me dizendo isso agora?
— Porque eu quero que você saiba que, hoje, tudo é diferente. Desde
que eu assumi como Don, tenho me esforçado para honrar o nome da nossa
família sem precisar recorrer a métodos… — Don Marco não termina a
frase. Talvez ele não tenha conseguido encontrar o adjetivo certo para
concluir seu pensamento.
— Olha — interrompo-o —, se você quer ser o cara bonzinho, então
aconselho a se juntar aos Médicos Sem Fronteiras. — Cruzo os braços na
frente do corpo e Don Marco apenas me encara. — Por favor, pare de
ladainha e me explique o que está acontecendo. Não estou nem aí se os
negócios da família são lícitos ou não. Fazemos o que temos que fazer. Só não
me peça para sequestrar criancinhas ou traficar mulheres. O resto… — Dou
de ombros, indicando que estou pouco me fodendo para essa falsa moralidade
que estou vendo no rosto do meu pai.
— Va bene. — Ele se levanta da cadeira e dá dois tapinhas no meu
ombro. — Eu guardo os registros de nossa família aqui, justamente porque
não quero que ninguém pegue essas informações.
— A polícia, você quer dizer?
— Não só eles, mas outros inimigos também, Sage. E temos muitos
deles…
— A Bratva? — pergunto, me referindo à mafia russa.
— Também, mas um cartel tem crescido bastante na região e teremos
problemas com eles muito em breve.
— Como assim? Nossos negócios não se cruzam.
Don Marco apenas balança a cabeça negativamente.
— Você vai ver, e não vai demorar muito pra que isso aconteça. — Fico
sem entender o que ele quer dizer com essa frase enigmática. — Mas uma
coisa que eu posso dizer é que tem uma guerra se aproximando, e ela vai
mudar tudo aquilo que somos hoje. Tudo aquilo que eu lutei tanto para
conquistar.
— Como você sabe disso? Por que você está falando assim? — Dessa
vez, minha voz não sai mais tão controlada quanto o normal. Mas também a
situação é bem diferente.
Sempre que conversamos, meu pai faz questão de que meus irmãos
estejam junto. Só que, antes de sairmos de casa, ele me disse que queria falar
comigo a sós. E agora lança essa informação sem dar muitas explicações.
Isso me faz perceber que ele sabe muito mais do que está deixando
transparecer, e eu preciso descobrir o que é.
— Tudo a seu tempo, figlio mio… Em breve, teremos as confirmações
necessárias para agir. Com essas confirmações, outras respostas chegarão.
— Para de brincar de mestre Jedi e me conta que porra está
acontecendo! — falo alto, já quase gritando com ele.
Odeio ter que ler nas entrelinhas ou então fingir que consigo ver o que se
passa na mente alheia. Se ele me chamou aqui, então que comece a falar o que
tem na cabeça em vez de ficar criando um mistério desnecessário.
Nunca fui do tipo que fica se corroendo de curiosidade. Se não posso
saber, foda-se. Ignoro, viro as costas e vou embora. Mas algo me diz que o
que Don Marco tem em mente vai muito além dos negócios da família. De
todas as conversas que eu ouvi, nenhuma me fez acreditar que meu pai fosse
um cara belicoso. Muito pelo contrário, a paz que tem reinado na cidade se
dá, em grande parte, aos esforços dele. Se mencionou uma guerra, só consigo
enxergar um motivo forte o suficiente para que isso aconteça no momento.
— Você descobriu mais sobre Carlo — afirmo.
— Talvez, mas não podemos conversar sobre isso agora. Eu preciso ter
certeza de qualquer coisa antes de agir — ele diz com seu tom manso, muito
para o meu desespero.
Tiro o maço de cigarros do bolso e acendo um. Estou perdendo a
paciência. Todo esse momento pai e filho está me deixando mais estressado
do que aquela história que a Mia me contou sobre um amiguinho da faculdade
tê-la convidado para fazer um trabalho em grupo na casa dele. Eu sei
exatamente o que homens de vinte anos querem fazer com mulheres gostosas
que nem minha mulher — e com certeza não é um relatório sobre sei lá o quê.
— Então, por que caralhos você me trouxe até aqui?
— Porque eu quero que você assuma a função de Capo temporariamente,
até que possamos matar aquele merda do Carlo e você ficar com o cargo de
forma permanente — ele joga a bomba.
O cigarro que eu levava até a boca fica parado no meio do caminho.
Meus olhos o encaram, mas é como se eu não conseguisse reconhecer o
homem à minha frente.
Será que eu ouvi direito?
— Papà, eu…
— Não estamos em tempos de confiar em qualquer um, Sage. Eu sei que
posso confiar em você, certo?
— Sim, é claro, mas…
— Sem “mas” — ele me interrompe. — Preciso de mais um Capo e não
posso delegar esta função a qualquer um. Principalmente neste período em
que estamos. Muita coisa vai mudar, figlio mio, e nem tudo será agradável
daqui pra frente.
Estou em choque. Jamais imaginei que ele fosse me dar o cargo tão
cedo. Em alguns anos, quem sabe. Mas agora? Apenas meses depois de eu ter
me juntado à família? Com certeza, isso irá fazer com que muitas pessoas se
voltem contra ele.
— Não deveria ser por merecimento? — questiono, sabendo que ele irá
entender minha dúvida.
— Claro que sim, mas também precisa ser por confiança. A maioria dos
Soldattos têm idades próximas à sua, mesmo que estejam na família há mais
tempo. Só que eu não confio cegamente em nenhum deles. Não depois da
traição de Vince e de Carlo.
— E Enrico?
— É um excelente ragazzo, mas ele não tem o perfil que eu quero para
um Capo. — Fico sem entender o que seu comentário quis dizer.
Enrico seria um excelente Capo. Não é um homem impulsivo, muito
menos frouxo. É leal e se dá bem com todos os membros da família. Mas
resolvo que não está na hora de insistir.
— Você tem certeza disso? — pergunto.
— Se eu não tivesse, não estaria falando com você. Mas lembre-se que,
à princípio, será apenas temporário. Capo interino, vamos colocar assim. —
Balanço a cabeça afirmativamente.
Se ele anunciasse que sou o novo Capo, com certeza teríamos problemas
com aqueles que ainda acreditam que Carlo é inocente.
— Tudo bem. Mas por que você não me disse nada sobre isso lá em
casa?
— Porque eu precisava te mostrar isso aqui. — Don Marco se aproxima
de mim e me entrega uma chave, a mesma que usou para abrir o cadeado que
mantém a porta da frente trancada. — Nesta sala, há todas as informações
sobre tudo o que aconteceu desde que nossa família chegou à cidade. Também
temos alguns documentos sobre outras famílias… coisas que nunca me dei ao
trabalho de ler. É função do Consigliere registrar as nossas atividades. Eu
quero que você e seus irmãos venham até aqui novamente e leiam os
conteúdos desses livros. Pode ser que algo aqui traga luz à morte de sua mãe.
Dou um passo para trás, assustado com o que acabo de ouvir.
Minha mãe? O que ela tem a ver com isso tudo?
Capítulo 40
Mia
Algumas meninas crescem brincando de bonecas e preparando
deliciosas refeições de areia e chás da tarde para amigas imaginárias. Outras
crescem aprendendo a arrumar suas casas perfeitas. Eu cresci aprendendo
essas coisas, mas com dois irmãos mais velhos e em uma família como a
nossa, as pistolas também fizeram parte da minha infância.
Não só as pistolas, mas todas as conversa sussurradas e as histórias que
eu ouvia enquanto as mulheres confidenciavam-se umas as outras na cozinha
provavelmente me deixaram mais observadora, atenta e com raciocino lógico
um pouco mais ligeiro. Por isso, quando meu marido chega em casa e me
conta o que aconteceu, algo grita em minha cabeça.
— Eu vou — digo, logo que ele me fala do local em que Don Marco
sugeriu que ele procurasse pistas sobre sua mãe.
— Você? — Sage me pergunta, confuso. — Você nem a conhecia.
— E você, amore mio, ainda não conhece todas as artimanhas e histórias
da nossa família. Nem a nossa língua. — Envolvo os braços em seu pescoço.
— Além do que, seu novo cargo vai exigir mais do seu tempo e não quero
dividir o tempo que vai te sobrar com um monte de papéis velhos. — Dou
uma mordida em sua orelha. — E precisamos providenciar um bebê.
— O quê? — ele me pergunta confuso, livrando-se dos meus braços. —
Eu não quero ser pai.
— E nem eu quero ser mãe, Sage — digo séria. — Mas você acaba de
ser promovido e as pessoas já estão comentando que, se até agora eu não
engravidei, é porque você tem algum problema.
— Eu? — Ele passa as mãos pelos cabelos, nervoso. — Mas você toma
pílula!— Sage começa a rir e depois fica sério novamente. — Somos muito
novos para termos um filho, Mia, e…
— Sage — interrompo-o —, nesta família se valorizam homens viris.
Com sorte, nosso primeiro filho será um menino e isso lhe dará mais chances
de ascensão, amore mio. — Aproximo-me dele novamente. — Mas
conversaremos sobre isso depois. — Enlaço meus braços em seu pescoço
mais uma vez. — Agora você precisa se preparar para sua nova função, e eu
vou cuidar dos documentos no depósito para você.
— Tudo bem, mas não quero que você vá para lá sozinha. — Ele gruda
seus lábios nos meus. — E sobre essa história de filho…
— Depois, marito. — Abro passagem em sua boca com minha língua,
fazendo com que o corpo de Sage reaja no mesmo instante. Afasto-me, rindo
assim que percebo. — Agora vá. Você precisa conversar com seus irmãos.
Pedirei para Enrico me acompanhar.
Sage sai do quarto meio contrariado e posso sentir que o assunto sobre
um filho está martelando em sua cabeça. O que meu marido não sabe é que já
parei a medicação e que não deixarei que ninguém questione a sua honra
jamais. Depois, ele vai acabar me agradecendo.
Desço até cozinha e, assim que entro, vejo as conversas cessarem. Nos
últimos dias, isso acontece cada vez com mais frequência, seja com as
mulheres ou com os homens da família.
— Mia — Martina, que corta algumas fatias de pão, me chama. — Eu
estava pensando se não poderíamos fazer uma viagem qualquer fim de semana
desses. Eu já estou há tanto tempo aqui e até agora só conheço esta cidade. —
Ela parece bastante irritada.
— Vou falar com Sage, mas acredito que pode ser ótimo. Devo convidar
meu cunhado também? — Pisco para ela.
Martina dá de ombros, o que faz com que eu entenda que algo não está
bem entre eles. Tento puxar o assunto, mas ela evita, dizendo que devo, sim,
convidá-lo.
A ideia me parece bem interessante. Alguns dias fora, mesmo que
apenas um fim de semana, já seria ótimo para fugir de tantos olhares.
Eu imaginaria encontrar muitas coisas entre os registros da família,
informações valiosas, que em algum momento pudessem ajudar Sage a galgar
alguns degraus mais rápido — e com certeza algumas coisas interessante
encontrei. Mas o que eu queria mesmo, quando vim para esse escritório, era
encontrar algo sobre Carlo.
Desde que matei Vince sem que ele falasse o nome do traidor, sinto os
olhos de toda a família pesando sobre mim. As mulheres cochicham e me
culpam pela falta de um filho e, agora, os homens, pela morte do maledetto.
São tantos papéis, tantas informações diferentes, a maioria registro de
pessoas, datas, negócios, algumas anotações sobre histórias clássicas que são
sempre contadas nos almoços e grandes reuniões de família…
Nada que me conte algo novo sobre a mãe de Sage, Carlo ou Vince.
Penso em desistir, quando vejo um arquivo preto, em cima de umas
prateleiras mais altas. Na etiqueta, o nome dos donos do Lascivia.
Pego a pasta com cuidado e começo a analisar a documentação que
contém. Nada que chame atenção, além da coincidência do atual Don ter tido
uma noiva que fugiu, coisa que ele reverteu rápido, casando-se com outra
mulher, virgem e de boa família, e a engravidando no segundo dia do
casamento, conforme registros médicos. Aposto que se eu não tomasse os
comprimidos, Sage teria superado essa façanha e tirado minha virgindade ao
mesmo tempo em que plantaria sua semente em mim.
Sigo olhando os papéis, registro de viagens, certidões de nascimentos,
de óbitos, alguns retratos, até que os registros da chegada de um membro,
vindo de Trieste, vinte anos atrás, chama minha atenção.
— Enrico! — grito por meu irmão, que está jogando em alguma das
máquinas empoeiradas, mas que ainda funcionam.
Mostro aflita para o meu irmão o que acabo de encontrar.
— Mia, isso…?
— Exatamente, Enrico. Precisamos contar para o Sage.
Abraço a pasta contra o meu peito e passo a mão em minha bolsa. Antes
de irmos embora, uma ideia absurda passa pela minha cabeça. Procuro
novamente pela pasta de Margareth Wilder e, assim que a encontro, busco a
primeira foto da minha sogra no relatório. Mal a vejo, tenho vontade de gritar,
mas ao invés disso apenas sorrio.
Crescer em uma família como a minha e ter a certeza que você encontrou
o que sempre esteve embaixo do nariz de todos os homens é o passaporte que
eu sempre precisei. Porém, quando entro em casa e vejo Carlo sentado à sala,
além de todos me fitando com cara de poucos amigos, tenho certeza de que
precisarei de muito mais do que isso.
— O que está acontecendo? — pergunto assim que me aproximo de
Sage, parado no meio dos homens.
— Ele disse que tem provas dos motivos reais que fizeram você matar
Vince e acusá-lo.
— O quê? — falo mais alto do que deveria. — Isso só pode ser
armação!
— Eu sei. — Sage dá um beijo em minha testa e me abraça pela cintura.
— Meu pai e o seu também sabem. — Ele pisca e depois vê a pasta em minha
mão. — Encontrou alguma coisa? — Seu olhar se acende.
Não sei o que dizer. Mas antes que eu possa pensar em como responder
à pergunta do meu marido, as portas do escritório se abrem e Don Marco e
papà chamam Carlo para que entre.
Sage começa a caminhar em direção à sala do pai, me puxando pela
mão, mas antes que eu entre, papà me impede.
— Isso é um assunto para homens, bambina.
— Mas esse filglio de una puttana vai falar de mim, papà.
— E seu marito estará lá para defender sua honra, capisce?
Sem que eu possa responder, as portas se fecham. Fico agarrada à pasta
sem saber o que fazer. Esperar Sage sair da sala de seu pai não me parece o
mais adequado agora; de qualquer forma, eu jamais poderia ir sozinha aonde
pretendo. Por isso, quando vejo meus dois cunhados ainda na sala, me parece
mais do que apropriado o convite que faço.
— Jett, Coal — os chamo. — Martina e eu precisamos ir ao shopping.
— Sorrio de forma dócil. — Sage iria nos levar, mas creio que essa reunião
irá demorar. — Dou de ombros. — Vocês poderiam nos acompanhar?
— Mia, não acho que sair agora daqui pareça uma boa ideia — Jett é o
primeiro a responder.
Olho para Coal. Não sei como, mas ele parece capaz de entender que
não é apenas ao shopping que quero ir.
— Claro que sim — Coal então responde. — Nós acompanhamos vocês.
Sem dizer uma palavra, agradeço a meu cunhado por isso. Só espero que
ele também concorde com a minha próxima ideia.
Capítulo 41
Sage
Por mais que eu queira Mia ao meu lado, respeito a decisão de Giovanni
e entro no escritório sem ela.
Carlo parece confiante, mas duvido que ele tenha realmente alguma
coisa a seu favor. Está mais com cara de blefe do que qualquer outra coisa.
Deve estar morrendo de medo de ser executado por traição — o que é bem
provável que aconteça — e por isso está atirando para todos os lados.
Entretanto, os homens decidiram que Carlo merece ser ouvido, mesmo que,
por mim, a única coisa que ele merece é uma cova.
O cara estava ajudando Vince a se esconder e, depois de tudo que meu
priminho fez, a última coisa que ele merecia era ser ajudado, principalmente
por alguém da família. Eu levei meses até encontrá-lo, e só demorei tanto
porque Carlo o escondia de nós. Traição, pura e simples.
Encará-lo agora não é fácil, sendo que tudo que eu mais quero é poder
mostrar o homem que me tornei desde que entrei para a família Rossi.
— Os outros já estão chegando — Giovanni anuncia enquanto meu pai
toma seu lugar na poltrona de sempre e acende um charuto. Ficamos em
silêncio, apenas nos entreolhando, enquanto esperamos os outros aparecerem.
Permaneço em pé, observando o traidor, que tamborila os dedos sobre a
caixa de papelão que carrega. Não sei o que tem ali dentro, e não me
surpreenderia se fosse uma bomba caseira. Mas se esse desgraçado quer me
matar, vai ter que morrer junto.
Por mais que meu pai esteja sentado tranquilamente, fumando seu
charuto, sei que essa situação o está incomodando demais, principalmente por
não poder agir do modo que quer. Se fosse por ele, Carlo já não estaria mais
entre nós. Só que toda essa presepada de “benefício da dúvida” o fez recuar e
manter a pose de Don conciliador.
Se eu estivesse em seu lugar, provavelmente diria que esta família não é
uma democracia, e sim um patriarcado, e quem manda na porra toda sou eu.
Minha casa, minhas regras, e foda-se quem estiver contra.
Talvez esse seja o pensamento dele, mas, ao longo dos anos nessa
posição, aprendeu a se controlar. Não sei se eu serei capaz de fazer o
mesmo…
— Scusatemi — Danio fala após abrir uma fresta da porta.
Don Marco não responde com palavras, apenas gesticula com a cabeça,
permitindo a entrada dos demais. Os homens cruzam a porta e tomam seus
lugares no escritório, mas Eddie e Frederico, que vêm atrás, se posicionam
ao meu lado. Eu não sei como isso aconteceu, mas ambos os irmãos estão
cada vez mais leais a mim, e deixam isso claro com suas atitudes nada
discretas.
— Estamos todos aqui para ouvir o que Carlo tem a dizer — Giovanni
começa. — Ele nos informou que tinha provas de sua lealdade.
— Na verdade, Consigliere — Carlo interrompe —, tenho provas de
que Vince era inocente, e só por isso eu o ajudei.
— Ah, então agora você confessa ter ajudado o sfigato[73]? — Eddie
pergunta ao meu lado, olhando para Carlo com desdém.
Pelo visto, ele não estava esperando por essa, porque cerra os olhos ao
encarar Eddie e desvia da pergunta.
— O tempo todo, vocês acreditaram nas palavras de uma mulher. E
todos sabemos que elas podem ser bem dissimuladas, principalmente a mais
quietinha de todas…
— Lave a boca antes de falar da minha esposa, seu merda. — Dou
alguns passos à frente, ficando cara a cara com Carlo, que sorri para mim.
— Você acha que sua esposa é uma santinha. Virgem e imaculada até se
casar com você. — A risada que segue sua frase é suficiente para me fazer
enxergar vermelho.
A vontade que eu tenho é de ensinar bons modos a ele, mesmo eu sendo
o menos indicado para a função de educador. Só que antes que eu consiga
usar meus punhos como método eficaz de aprendizado, sinto a mão de
Giovanni tocar meu ombro. É um pedido de calma — um que eu gostaria de
ignorar, e me render apenas aos meus instintos mais básicos. Porque ninguém
pode ofender Mia. Ninguém.
— Sage… — Giovanni diz meu nome. É um alerta para que eu me
mantenha sob controle. Se Mia estivesse aqui, diria para me acalmar. Mesmo
que, por dentro, ela estivesse tão consumida pela raiva quanto eu. — Essa é
uma acusação muito grave que você está fazendo, Carlo. É da minha filha que
estamos falando.
— Eu sei muito bem de quem estamos falando, Consigliere. Mas creio
que o senhor não a conheça tão bem quanto acha. — Seu tom de voz é
debochado.
Um. Dois. Três. Quatro. Cinco.
Cinco. Quatro. Três. Dois. Um.
Tento contar na ordem crescente e na decrescente também.
Carlo quer que eu perca o controle. Não só eu, mas Giovanni e Enrico
também. Senão, ele jamais usaria Mia como isca. Nós nos entreolhamos,
decididos a não ceder às vontades do filho da puta.
— Mais uma vez, Carlo, preciso ressaltar as palavras do meu
Consigliere. Sua acusação é muito grave, principalmente porque a virgindade
de Mia foi comprovada pela nossa matrona. Se você está insinuando que ela
possa ter mentido, terá que provar de forma irrefutável. Não manchamos o
nome de nostra famiglia à toa. — A voz de Don Marco é serena, porém
firme. O homem pode ter vários defeitos. Descompensado jamais será um
deles.
— Aqui estão as provas. — Carlo coloca a caixa que carregava em cima
da mesa de centro. — Não posso provar que ela era impura antes do
casamento, mas posso provar que ela estava ludibriando e seduzindo um
homem da família, mesmo estando comprometida.
Tudo que ele fala me incomoda e, por mais que eu esteja tentando me
adaptar aos valores e costumes dessa família, as palavras “dócil e fértil”
ainda não descem por minha garganta.
Foda-se se minha mulher já transou com outros, contanto que eu seja o
último. Porque só de pensar em Mia nos braços de um homem que não seja
eu, sou tomado por uma necessidade primal de arrancar cabeças. Mas eu senti
sua virgindade enquanto a penetrava. Certas coisas não se pode fingir.
Porém, de acordo com Carlo e das “provas” que ele diz ter, Mia estava
envolvida com Vince antes mesmo de se casar comigo — o que é uma
tremenda mentira. O cara a assediava constantemente, e ela sempre dava um
jeito de esquivar de seus avanços. Duvido muito que ela o tenha seduzido e
ludibriado, como Carlo acabou de falar.
Quando todos se aproximam da caixa de papelão para ver seu conteúdo,
eu os impeço.
— A mulher é minha. Quem irá ver o conteúdo da caixa sou eu — aviso
e todos param no lugar.
— Faça as honras. — Carlo gesticula para que eu chegue mais perto.
Vou até lá e abro o pacote, revelando uma pilha de papéis. Olho para
eles e descubro que são cartas.
— O que isso significa? — quero saber.
— Por que você não lê e descobre? — Carlo desafia, com ar de quem
acabou de ganhar a batalha.
Controle-se, Sage.
Minha faca pesa, amarrada ao meu tornozelo. Respiro fundo e faço o que
ele sugeriu.
Pego a primeira carta e começo a ler o que está escrito.

“Caro Vince,
Por que você não está aqui comigo? Minha cama é fria sem a sua
presença. Meu corpo sente falta do seu, minha boca senta falta da sua.
Quando será que finalmente ficaremos juntos? Não aguento mais essa
espera. É um suplício viver sem você ao meu lado.
Quero poder gritar que eu te amo, que você é o homem da minha vida.
Maldita família e suas regras. Não conheço o homem com quem irei
me casar, mas duvido que ele seja melhor do que você. Impossível.
Para sempre sua,
Mia.”

Meu coração acelera quando chego ao fim.


Não é possível!
Olho para Carlo, que parece bastante animado com a minha reação.
— Eu disse: ela é uma dissimulada. Seduziu seu primo, apenas para
matá-lo quando não servia mais aos seus propósitos.
— Do que você está falando, Carlo? — Giovanni pergunta e toma o
papel da minha mão. O outro homem responde, mas não escuto uma palavra
sequer.
Fico sem saber como reagir.
Isso não pode ser verdade. Não pode. Mia jamais faria isso comigo.
Ao mesmo tempo que repito isso em minha cabeça, a parte racional do
meu cérebro diz que eu não conheço Mia tão bem quanto penso. São apenas
alguns meses ao lado dela. Tudo que aconteceu antes da minha chegada é um
mistério. Mesmo assim, deu para perceber que minha freirinha é uma mulher
ambiciosa, que não tem medo de fazer o que for preciso para chegar aonde
deseja.
Talvez ela estivesse mantendo Vince por perto caso Don Marco não
conseguisse me trazer para a família. Afinal de contas, ele era um Rossi,
sobrinho do Don e criado dentro desta maldita casa.
Não, não pode ser. A Mia me ama, eu sei que me ama. Ela teria me dito
se estivesse envolvida com Vince.
Ignoro tudo que todos estão falando e pego mais cartas. Uma atrás da
outra, todas são iguais em conteúdo, apesar da diferença nas palavras.
— Vince me entregou isso antes de morrer. Sua bambina o seduziu. Tudo
foi consensual, até ela decidir que não queria mais. E quando já tinha um
marido, matou Vince a sangue frio.
— Isso não é verdade! — grito, soltando os papéis no chão e me virando
para encarar Carlo.
Ele dá um passo para trás com meu rompante e posso ver o medo tomar
seu rosto.
Isso, fique com medo de mim. Você tem motivos mais do que suficientes
para isso.
— Cla-claro que é! — Carlo rebate.
— Então, prove. — É a minha vez de desafiar.
Por mais que, por dentro, eu mesmo esteja desconfiado, não posso
mostrar minha fraqueza para ele ou qualquer outro. Fodam-se as minhas
dúvidas. Mia é minha para proteger, e não vou deixar que um desgraçado suje
seu nome. Mesmo que ela tenha culpa.
— As cartas são delas, assinadas por ela. Eu provei a inocência de
Vince. Mia é a culpada! — Carlo reage, falando cada vez mais alto.
Olho ao meu redor e percebo que todos estão prestando atenção em mim.
Não em nós, mas em mim. Encaro Eddie, que faz um sinal afirmativo com a
cabeça, como se me dissesse para não ceder.
E não o farei.
— Qualquer um pode ter escrito essas cartas, Carlo. Você teve tempo de
sobra para forjá-las — acuso.
— Mas os papéis são antigos. Olhe as datas! — Ele agarra uma das
cartas e a coloca próximo ao meu rosto.
Pego o papel de forma brusca e o amasso, jogando a bola no chão.
— Eu não quero saber. É a minha mulher que você está acusando de
manipulação. Quero provas de que essas cartas são verdadeiras. — Dessa
vez, meu tom é baixo, ameaçador. — Se você conseguir provar, ela sofrerá as
consequências. Caso contrário, é você quem sofrerá. Em dobro.
Carlo engole em seco. Ele entendeu a mensagem.
— Capo — Eddie chama, fazendo com que todos se assustem com a
forma de tratamento —, eu posso pegar alguns cadernos de Mia da faculdade.
Comparamos as letras.
— Capo? Agora você é Capo? — Carlo ri. — Um moleque que ainda
nem se provou para a família!
Não seguro o impulso e dou um soco em sua cara, fazendo com que ele
caia para trás e relembre exatamente o que aconteceu quando nos conhecemos
pela primeira vez.
— Pense muito bem antes de me ofender de novo, Carlo. Esta é a minha
casa. Esta é a minha família. — Para ao seu lado, olhando para baixo, para
seu rosto descrente do que acabou de acontecer. A mão segura o queixo, já
vermelho com o impacto. Os olhos me fitam com raiva, dá pra ver que tudo
que ele quer é revidar, mas está em desvantagem. — Eddie, traga os
cadernos. Eles estão na escrivaninha do meu quarto, na gaveta maior.
Sem precisar de mais nada, Eddie faz o que eu peço e sai do escritório.
— Sage, por favor, se afaste dele. Até termos certeza de que Carlo é
culpado e que as cartas não são reais, você não deve agredi-lo dessa forma.
— É Danio quem diz, me puxando para o lado.
Assim que me solta, olho para Don Marco. Meu pai não parece
minimamente afetado pelo que acabou de acontecer, o que me tranquiliza de
certa forma. Sei que, assim como eu, ele também desconfia da pose de bom
moço que Carlo tenta usar.
— Espero que isso que está acontecendo hoje sirva como exemplo —
Don Marco começa a falar, ainda em sua poltrona. — Ninguém pode ser
condenado sem provas. O mesmo vale para você, Carlo, e para Mia também.
Nesta família, o mais importante é o respeito e a lealdade. Mais do que ter
palavra com os outros, quem não tem palavra aqui dentro não merece a
chance de continuar respirando.
A mensagem é enfáticas, apesar do tom brando. Todos o encaram.
Alguns temerosos, outros balançando a cabeça em concordância.
Antes que qualquer um possa se expressar, Eddie retorna correndo. Sua
respiração ofegante deixa claro que ele não perdeu tempo e fez tudo o mais
rápido que conseguiu.
Com o caderno de Mia em mãos, abro em uma página qualquer. Passo os
olhos sobre as anotações sobre Psicologia da Educação — o título no topo
revela — e não consigo ter certeza de nada.
— Me dê uma das cartas — peço a Eddie, que logo obedece.
Todos estão ansiosos para saber meu veredito. Comparo as palavras
com cuidado e, a cada letra que observo, mais certeza tenho.
— Posso? — Giovanni pergunta ao meu lado e eu faço que sim com a
cabeça, estendendo o material para que ele o avalie também.
O silêncio impera no escritório, mas dá pra sentir a tensão de todos aqui
dentro, principalmente de Carlo. Eu me afasto para que outros possam
comparar também. A faca continua pesando no meu tornozelo, cada vez mais
chamando minha atenção.
— São falsas, Don Marco — Danio constata. — A letra de Mia também
é pequena e desenhada, mas são nitidamente diferentes.
Solto o ar com alívio.
Eu sabia. Sabia que minha freirinha não me trairia dessa forma. Mas
ouvir que isso não é apenas o meu desejo faz com que tudo fique ainda mais
gostoso.
— Claro que não são! As letras são parecidas e, na faculdade, ela anota
tudo com pressa. — Carlo se justifica, mas é tarde demais.
— Esses cadernos ela usava em casa para estudar — revelo a pequena
informação que tinha guardado e viro-me para ele, que já está de pé. — Qual
a outra desculpa esfarrapada que você vai dar agora, Carlo? Que mulheres
apaixonadas escrevem com mais cuidado? Ou que a letra dela mudou desde
então?
— Claro que não. Essas cartas são verdadeiras, Don Marco — ele diz,
olhando para o meu pai. — Eu juro que são. Não sou um traidor, nem Vince
era.
O desespero é nítido em sua voz, o que faz me lembrar de quando ele se
encontrou nessa situação pela primeira vez. Assim como antes, Carlo também
se ajoelha à frente de Don Marco agora.
— Basta — meu pai diz. Seu rosto não está mais calmo e contido; pelo
contrário, evidencia toda a raiva que está sentindo.
Escuto o sangue passear por minhas veias, correndo pelo meu corpo,
carregando o ódio que sinto do desgraçado.
Minha mão vai até o tornozelo, retirando Sarita de lá.
— Papà? — pergunto, mesmo sem precisar prolongar a frase.
— Carlo De Rosa, você traiu a sua família. Ajudou um traidor a fugir e
acusou injustamente a mulher de um dos homens. A filha de meu Consigliere.
— Espero pelas últimas palavras dele. — Sua sentença é a morte.
Em meio ao grito de “não” e aos muitos pedidos de perdão, aproximo-
me de Carlo e o ergo do chão. Quando ele está na minha frente, eu o encaro.
— Por que se unir a Vince? — quero saber. Preciso entender o motivo
que o levou a nos trair dessa forma.
— Ele era inocente. Tenho certeza disso — Carlo tenta se justificar, mas
não consigo acreditar em uma palavra que sai da sua boca pútrida.
— Você tem a chance de morrer como um homem ou como um rato
mentiroso. Se eu estivesse em seu lugar, tentaria honrar um pouco daquilo que
esta família te deu durante todos esses anos.
Escuto frases de apoio, mas uma se destaca dentre elas.
— Padrinho, por quê? — é Rico quem pergunta, se aproximando de nós.
Carlo hesita e perde um segundo, o encarando. Vejo no semblante do
Soldatto toda a decepção que sente em relação ao homem que foi seu
exemplo durante uma vida. Assim como a traição de Vince o abalou bastante,
dá pra ver que Rico não consegue acreditar que seu padrinho também é um
traidor.
Sua inocência deveria me comover, mas apenas me sinto cada vez mais
enojado por tudo que tenho visto desde que entrei para esta família.
— Responda, Carlo: por que nos trair dessa forma? — o Allenatore
questiona também. Ele foi um dos que protegeu Carlo quando foi acusado
pela primeira vez. Agora, é nítido que tem sua opinião formada.
— Porque o nome dessa família não podia ser machado com a chegada
de um estranho! — ele perde a paciência e grita. — Sabia que Don Marco
iria favorecer esse moleque em vez de permitir o que todos já sabíamos:
Vince deveria ser o próximo Don e eu deveria ser seu Consigliere!
Assim que as palavras saem de sua boca, respiro aliviado. Já tenho
minhas respostas.
— Nos vemos no inferno — sussurro e deixo que a lâmina da faca
perfure seu estômago.
O sangue quente escorre pelas minhas mãos e não consigo conter um
sorriso.
Retiro a lâmina devagar e vejo a agonia da dor em seus olhos, apenas
para enfiá-la novamente, agora um pouco mais embaixo, na altura do umbigo.
De novo. De novo. E de novo. Até que Carlo finalmente perde as forças
e tomba no chão. Ajoelho-me ao seu lado, só para ver a vida se esvaindo de
forma escarlate. Olho dentro de seus olhos, o sorriso ainda em meu rosto.
— Ninguém mancha o nome da minha família. Ninguém. — Essas são as
últimas palavras que Carlo escuta, pois seus olhos se fecham.
Para sempre.
Ergo-me novamente, pouco me importando com as manchas vermelhas
na roupa.
— Sage? — Giovanni para ao meu lado e eu o encaro. — Obrigado por
não deixar que manchem o nome de minha filha. — Meu sogro coloca as
mãos em meus ombros, mas eu não respondo.
— Menos um traidor. — Olho para todos os presentes. — Alguém mais?
— pergunto.
Eddie sorri abertamente para mim e Frederico faz o mesmo.
Sinto falta de meus irmãos aqui, mas tenho que me contentar com a
minha nova família.
Antes que eu possa dizer qualquer coisa, meu celular toca no bolso da
calça jeans. Quando eu o pego e vejo o nome de Mia piscar na tela, levo-o
imediatamente à orelha.
— Mia, o que houve?
— Amore mio, preciso da sua ajuda.
Meu coração acelera.
Capítulo 42
Mia
Ligar para Sage pedindo ajuda foi a última coisa que imaginei fazer, mas
diante das circunstâncias, não existe outra saída. Martina não parece nem um
pouco assustada com o que está acontecendo, ao contrário de mim.
— Você tem alguma pistola? — ela pergunta enquanto se encara no
espelho do lavabo.
— Claro que não! — respondo, ofendida. As mulheres da nossa família
não andam armadas. Temos os homens para nos defender.
Ela ri da minha indignação, mas não diz nada, enquanto segura o
pingente que carrega sempre no pescoço. Um cristal, em formato icônico,
preso por uma garra de ouro à corrente.
— É lindo. — Esqueço por um minuto o que nos levou àquele banheiro.
— Nunca tinha reparado.
— Foi da minha nonna. Ela era conhecida como uma mulher venenosa.
— Martina ri.
Lembro de ouvir as histórias sobre a avó de Martina e como ela lidava
com seus inimigos. Só então me dou conta do que aquele pingente realmente
é.
— Quantas doses letais ele carrega?
— Duas — Martina responde, ajeitando os cabelos. — Ou posso fazer
seis pessoas dormirem por algumas horas.
Faço as contas de cabeça. Estamos em quatro pessoas, sendo que só
meus cunhados estão armados e minha prima tem veneno no pescoço. Faria
seis dormirem, mas ainda assim, os homens que nos cercam são treze, todos
armados e nenhum deles com cara que vai aceitar beber qualquer coisa nesse
momento.
Quando chegamos ao restaurante da família Giordanni, tudo foi
tranquilo. Fomos bem recebidos por Diogo. No primeiro momento, ele
pareceu confuso de nos ver, mas em seguida nos levou até uma sala reservada
para clientes especiais, como ele mesmo disse. Arrumou sua melhor mesa e
sentou-se conosco. Seu interesse em Martina foi instantâneo, o que a deixou
mais atirada e Coal bem desconfortável. Não sei exatamente o que acontece
entre os dois, mas pelo jeito que meu cunhado ficou inquieto, posso jurar que
não é apenas uma aventura.
Martina foi contando o sobre a família, histórias da Itália, emendando
um assunto no outro e Diogo foi se envolvendo na conversa. As coisas
estavam indo bem, mesmo com a tensão de Coal, até que resolvi aproveitar o
que minha prima contava sobre um casamento desastroso para entrar nos
assuntos que me interessavam.
— Outro dia, ouvi uma história que não conhecia sobre sua família,
Diogo — disse sorrindo. — Seu pai teve um noiva que fugiu?
— Sim. — Ele deu uma risada. — Pra minha sorte! — Todos na mesa
riram. — Imagina, se ele tivesse casado com ela, não estaríamos tendo essa
conversa. — Ele olhou rapidamente para meus cunhados, então me encarou.
— Mas a maledetta já está a sete palmos da terra. Ninguém mexe com os
Giordanni.
— A família de vocês é de Trieste? — Mantive o sorriso doce.
— Trieste? — Coal perguntou, assustado. — Mas…
— Não — Diogo disse, interrompendo meu cunhado.
— Ué, mas eu pensei que vocês tivessem relações com pessoas de lá —
joguei verde, mesmo sabendo a resposta.
De acordo com o documento que li, o pai de Diogo tinha família por lá,
fora alguns afilhados. Inclusive, alguns vieram para cá há alguns anos. A
única coisa que preciso é ter certeza de que Carlo era um deles.
— Conhecemos várias pessoas por toda a Itália, Mia. Trieste é um
desses lugares — ele disse, seu tom começando a mudar.
— Entendi. Eu podia jurar que parte dos Soldattos da sua família eram
de lá — tentei mais uma vez.
— Preciso resolver algumas coisas, mas já volto para conversar mais
com vocês. — Diogo levantou-se depressa, piscou para Martina e saiu.
— O que está acontecendo? — Coal me fuzilou com os olhos. —
Estamos aqui por causa de Carlo?
A verdade é que, quando pedi aos meus cunhados para que fossemos ao
restaurante da família Giordanni, não contei nenhuma das minhas suspeitas.
Inventei uma desculpa, dizendo que precisava provar mais uma vez o tortelli,
pois não acertava a receita.
O problema é que, antes que eu pudesse explicar qualquer coisa aos
meus cunhados, Diogo voltou, com mais doze homens para continuar a
conversa — só que, dessa vez, eles começaram a fazer as perguntas, o que me
fez ter certeza de que minhas suspeitas realmente estavam certas.
— Os cavalheiros me dão licença, mas preciso ir ao toalete. —
Levantei-me da cadeira e pego minha bolsa no encosto. — Me acompanha,
Martina?
— Claro. — Minha prima, que também não é nenhuma tonta, levanta-se
também.
Mal fechei a porta atrás de mim, tirei o celular da bolsa, liguei para
Sage e o informei do que estava acontecendo, pedindo sua ajuda. “Muitos
homens”, pedi antes de desligar o telefonema. Sei que apesar das poucas
informações, Sage atenderá meu pedido.
Voltamos para a mesa e tento disfarçar minha ansiedade.
— Então — um cara mal encarado e carrancudo que não conheço fala
com Jett quando sentamos —, o que mesmo trouxe vocês aqui?
— O tortelli — respondo, rindo. — Meu marido estava ocupado e eu
precisava experimentar a receita de vocês novamente. — Dou de ombros. —
Como meus cunhados estavam de folga, pedi a eles que nos trouxessem. —
Olho para Martina.
— É o melhor tortelli que já comi. — Ela sorri para todos. — Nem na
Itália encontramos um tão saboroso.
— Qual o segredo? — Dou mais uma garfada no prato que pedi assim
que chegamos.
— Só as mulheres da família sabem — outro, um pouco mais simpático,
responde.
— Você é a filha do Messina? — O carrancudo parece não ouvir nada
do que digo.
— Sim — confirmo.
— E está me dizendo que veio até aqui por causa de um tortelli? — Ele
se levanta. — E vocês? — Encara os meus cunhados. — Vão deixar que uma
mulher tome as rédeas? É isso que dá ser criado por uma putanna!
Não tenho tempo de pensar ou responder. Antes que eu possa dizer
qualquer coisa, Coal já está de pé com Joana na mão, apontando para a
cabeça do carrancudo. Jett está ao lado do irmão com sua pistola na mesma
direção e todos os homens da família Giordanni, menos o carrancudo, estão
com suas armas em punho, mirando na nossa direção.
— Ninguém chama minha mãe de puta — Coal fala sério, com voz
contida. — Qual o seu nome? Não vou matar um homem sem saber qual nome
colocar no meu caderninho.
— Você acha que pode me matar? — O carrancudo ri. — Sou Luigi
Bellini.
Quando escuto o nome, um arrepio percorre a minha espinha. Engulo em
seco e começo a rezar para que Madonna nos proteja. Luigi Bellini é
conhecido pela crueldade com que aniquila seus inimigos, esquartejando seus
desafetos.
— É melhor todos nos acalmarmos — digo, tentando sorrir. — Só
viemos por causa do tortelli. Por que tanta desconfiança se nossas famílias
sempre estiveram em paz?
— Ela tem razão — Diogo diz, abaixando sua arma e fazendo com que
os outros abaixem também.
Coal e Jett ainda permanecem com as suas mirando a cabeça de Bellini.
— Por que chamou nossa mãe de puta? Você a conhecia?
O homem dá uma gargalhada e faz um gesto com a cabeça. Não dá tempo
de nada e, quando percebo, os homens ao nosso redor nos agarram,
impedindo qualquer reação nossa. Coal se debate, tentando se livrar dos dois
homens que o seguram. Jett faz o mesmo. Martina fica imóvel.
— Eu vou contar para vocês — ele diz, enquanto os outros começam a
nos arrastar para o fundo do salão. — Acho que todo mundo merece saber a
verdade antes de morrer.
Os homens nos levam para o depósito do restaurante. O cheiro forte de
tomates azedos me causa náusea. Ou é o medo de ter feito a maior merda da
minha vida. Seja como for, tudo que faço é rezar, enquanto meus cunhados e
minha prima são amarrados a cadeiras e amordaçados.
— Tragam essa ragazza para o escritório — Luigi ordena para os dois
homens que me seguram. — Antes de matá-los, preciso ter uma conversinha
com ela.
Coal e Jett continuam se debatendo. Olho para Martina e o pingente reluz
em seu pescoço.
— Tudo bem. — Abaixo o tom de voz. — Eu vou com você, mas tenho
um último pedido. — Meus olhos se enchem de lágrimas. — Posso abraçar
minha família pela última vez?
Luigi começa a rir e acena para que os homens me soltem. Abraço Jett e
Coal, que não entendem o que estou fazendo, e por último Martina. Aproveito
que estou de costas para todo mundo e puxo com força o cordão de seu
pescoço, sussurando um pedido de desculpas pela marca avermelhada que
fica.
Saímos do depósito caminhando lado a lado. Assim que entramos no
escritório, Luigi se serve de uma bebida e me oferece outra, que recuso. Os
homens, que antes me seguravam pelo braço, agora estão parados à porta.
— Podemos conversar a sós? — pergunto no instante em que me sento
na cadeira indicada po Bellini.
— Pode começar a falar. — Ele gesticula para os homens, que saem da
sala.
— O que você quer saber? — Faço-me de desentendida.
— Comece explicando como você descobriu sobre Carlo. Depois,
vemos o resto.
— Precisarei de uma bebida, então. — Dou um sorriso dócil. — Igual a
sua, pode ser.
Luigi levanta-se da cadeira e caminha até o bar no canto do escritório.
Enquanto prepara minha dose, abro o pingente de Martina e derramo o
conteúdo no copo em cima da mesa.
— Então. — Bellini vira-se para mim e volta trazendo meu copo. —
Você ia me contar o que sabe sobre Carlo e como descobriu. — Entrega a
bebida para mim.
— Não foi difícil. — Sorrio para ele e estendo meu copo, sugerindo um
brinde. — Não só sobre Carlo, mas também sobre Paola.
Luigi ri e brinda comigo. Depois dá um longo gole em sua bebida.
— Sempre me disseram que o herdeiro mais esperto de Giovanni usava
saias, mas confesso que duvidava. — Ele sorve mais uma vez o líquido de
seu copo. — Para uma mulher, você é realmente bem… — algo incomoda em
sua garganta, o interrompendo.
— Bem inteligente? Ou seria astuta? Quem sabe você ia dizer que eu sou
ótima manipuladora? — O incômodo em sua garganta aumenta. Luigi leva as
mão ao pescoço, seus olhos começam a ficar aflitos. — Enquanto você
preparava minha bebida — dou um gole no wiskhy e a cara de repulsa é
inevitável —, coloquei todo o conteúdo que estava aqui. — Mostro o
pingente para ele.— Você sabe de quem era esse pingente?
Luigi não consegue falar, a sensação de desconforto aumenta. Um líquido
branco começa a espumar no canto da sua boca. Fico observando a cena e
rindo. Conto para ele que o pingente era da avó de Martina e vê-lo
entendendo o que acaba de acontecer faz com que a euforia tome de conta de
mim.
— Pois é, Luigi, o herdeiro mais esperto dos Messina, que usa saias,
está aproveitando os seus últimos segundos de vida para debochar da sua
cara, seu maledetto! — Levanto-me da cadeira e cuspo em sua cara. — Eu
posso até não sair viva daqui, mas vou te levar pro inferno comigo.
Os sons desesperados de Luigi enquanto sente o veneno lhe correr por
dentro é música para meus ouvidos. Quando sua cabeça finalmente tomba
sobre a mesa e os olhos ficam abertos, imóveis, minha vontade é de rir alto.
Em vez disso, roubo sua pistola e me preparo para a guerra.
Capítulo 43
Sage
A Lamborghini acelera pelas ruas da cidade, mas ainda não está indo
rápido o suficiente. Não paro em um sinal de trânsito sequer, muito menos me
preocupo com radares: minha mulher está em perigo e eu preciso tirá-la de lá.
Não sei o que pensar neste momento. Tenho a sensação de que estou no
meio de um sonho e todo meu controle foi tirado de mim. Sou apenas um
expectador da minha própria vida.
Mais rápido. Mais rápido.
Dirijo como nunca na vida, sem me preocupar com possíveis acidentes.
Preciso chegar até Mia antes que seja tarde demais. Pelo tremor de sua voz
enquanto falava comigo ao telefone, a situação é mais complicada do que deu
a entender.
“Amore mio, preciso da sua ajuda. Estou com Martina e seus irmãos no
restaurante dos Giordanni e acho que descobriram minhas intenções em vir
até aqui. Preciso que você venha rápido… e com muitos homens”, ela disse e
desligou, como se não pudesse falar comigo por mais tempo.
Eu nem sabia que ela iria ao tal restaurante. Gio’s, o restaurante italiano
que era meu favorito antes de eu descobrir que fazia parte desta família… As
coincidências da vida são uma merda.
Quando entrei naquele escritório, pensei que Mia ficaria em casa ou
talvez fosse tomar um chá com Martina. Sei lá o que as mulheres fazem no
tempo livre, mas duvido que ir ao restaurante de uma família da máfia seja a
opção mais corriqueira.
Agora, mesmo com o medo palpitando em meu peito e congelando o
sangue que corre em meu corpo, preciso me manter calmo e não questionar o
que diabos minha mulher estava fazendo num lugar como aquele.
Resolva tudo primeiro e depois faça as perguntas.
Muitos homens. Ela me pediu para levar muitos homens… Se tudo
estivesse normal, seríamos apenas Eddie e eu dirigindo até lá. Mas Mia não é
uma mulher que se desespera com facilidade. É por isso que, atrás de mim,
vários Soldattos da família Rossi dirigem com a mesma pressa.
O corpo de Carlo ainda nem esfriou e já estou pronto para tirar a vida de
qualquer um dos desgraçados que está ameaçando minha esposa.
Ninguém encosta nela. Ninguém.
— Vire à direita. O restaurante é em três quarteirões, na esquina com a
principal — Eddie avisa do banco do carona.
Assim que ouvi o desespero de Mia ao telefone, juntei os homens e
avisei que estaríamos todos aqui. Eddie fez questão de vir comigo. Os outros
estão divididos em mais carros: Toni Messina, Fabio, Giorgio, Enrico,
Angelo, Frederico, Jerry, Gil e Dario. Coal e Jett já estão lá dentro, mas não
sei em que condições.
E se eles estiverem mortos?
Jogo o pensamento de lado e me foco no agora. Eu só não sei se o
número de Soltattos comigo será o suficiente para resolver o problema, mas
espero que seja.
— Quantos homens os Giordanni têm? — pergunto para Eddie.
— Não sei ao certo — ele diz. — Um pouco mais do que nós, talvez,
mas não tão eficientes.
— E será que todos estarão lá?
— De jeito nenhum. Diferente de Don Marco, Don Ettore está sempre
acompanhado de alguns Soldattos — Eddie explica enquanto paro o carro na
frente do restaurante. Nem me preocupo em estacionar direito e o deixo
parado em faixa dupla.
Quero ver a polícia ter colhões para me rebocar.
— Certo.
Saio do carro e carrego comigo duas pistolas. A faca está guardada de
novo em seu lugar, mas creio que não é dela que vou precisar agora.
Vejo os oito homens da família Rossi se aproximarem de mim e sei que
está na hora.
— Mia, Martina e meus irmãos estão lá dentro. Por isso, tenham muito
cuidado. Vamos avaliar a situação primeiro e depois resolveremos o que
fazer. Sigam minhas instruções — anuncio e todos concordam com a cabeça.
— Você entra primeiro com Eddie, Frederico, Angelo e Gil. Eu espero
aqui fora com os outros. Não queremos mostrar todas as nossas cartas agora
— Toni Messina diz e concordo com o outro Capo. — Não precisamos
começar uma guerra.
— Não precisamos começar uma guerra, mas se minha mulher estiver
sendo ameaçada lá dentro, com certeza iremos terminar com ela — declaro e
todos concordam. — Se ouvirem qualquer coisa, entrem atirando.
— Mas, Sage… — Enrico começa a falar, só que eu o interrompo.
— Não está na hora de conversar, cunhado.
— Eu sei. Só tome cuidado com Luigi Bellini. Ele é um dos Capos de
Don Ettore e seu pavio é muito curto. Qualquer coisa pode ser um gatilho
para que ele comece a matar — Enrico avisa e eu assinto com a cabeça. — O
cara é famoso por sua impiedade. Crianças, mulheres, ninguém consegue sua
benevolência. Ele é um sociopata que não tem medo de matar.
Não respondo. Não tenho o que responder.
Caminho na direção da porta e, sem pensar duas vezes, invado o espaço.
O restaurante não é muito grande e tem um ar familiar típico dos
estabelecimentos italianos: toalhas vermelhas, luz de vela, música suave ao
fundo… Mas não vejo minha mulher nem meus irmãos, e isso me deixa à flor
da pele.
Resolvo esconder as pistolas por enquanto. Não quero pânico.
Meus Soldattos fazem o mesmo.
— Senhoras e senhores, boa noite — digo alto, chamando a atenção dos
vários clientes que estão fazendo suas refeições. — O horário de atendimento
acabou de encerrar, mas fiquem tranquilos que é por conta da casa.
Tento sorrir, mas as pessoas parecem não me levar a sério. Elas
conversam entre si, sem se mexerem.
— Quem é você? — um dos garçons pergunta.
— Fica quietinho e saia daqui agora. É sua noite de folga — aviso para
ele, que também não faz o que peço. — Eddie — cochicho —, vai lá fora e
avisa que não precisam entrar agora, mas que fiquem de sobreaviso.
Cansado de esperar pela colaboração alheia, tiro uma das pistolas da
parte de trás da calça e aponto para o teto.
— AGORA! — grito e, logo em seguida, o estrondo do disparo faz com
que todos percebam o que está acontecendo. — Isso mesmo! Podem ir.
— Wilder, o que você pensa que está fazendo?
Um rosto familiar aparece no meu campo de visão, em meio ao corre-
corre de pessoas, que se apressam em deixar o restaurante. Diogo Giordanni
vem até mim, assustado com o barulho.
— Minha esposa, agora — consigo dizer, segurando ambas as pistolas.
Ao meu lado, Eddie já voltou e também empunha suas armas, assim como os
outros que me acompanham.
— Do que você está falando?
— Eu vou contar até três e você vai me dizer onde está a Mia —
anuncio. É, sim, uma ameaça, e tolo seria ele se não acreditasse em mim.
Para deixar tudo ainda mais explícito, ergo ambas as mãos e miro em
sua cabeça.
— Você não seria louco — ele diz, sendo flanqueado por mais dois
Soldattos da família Giordanni.
— Eu não sou louco, mas meus irmãos sempre disseram que tenho
tendências suicidas. Quer me testar? Vá em frente. Mas se você não disser
onde ela está, eu juro que você vai precisar de um enterro com o caixão
fechado, porque vou enfiar uma bala bem no meio dos seus olhos.
Com o aviso, os homens que o acompanham se dão conta de que eu não
estou para brincadeiras.
— Wilder, pense no que você está fazendo. Nossas famílias estão em
paz há décadas, não é sensato começar uma guerra.
— A guerra só terá início se você não disser onde Mia e meus irmãos
estão neste momento. Afinal, estou considerando isso um sequestro —
declaro. Meus olhos não desviam dos dele por um segundo sequer. — Um,
dois, tr…
— Ela está lá atrás. Seus irmãos também — Diogo se apressa em dizer
antes que eu termine a contagem.
— Com licença, tenho uma família para levar pra casa. — Abaixo as
armas e começo a caminhar para os fundos do restaurante, como se pouco me
importasse com aqueles que continuam mirando em mim.
Sinto os olhos me acompanhando enquanto ando e sei que qualquer
movimento brusco que eu faça será suficiente para que eu ganhe uma
passagem de ida para o quinto dos infernos.
Foda-se. Contanto que eu tire minha mulher do covil, nada mais importa.
— Avise aos outros que estamos entrando. Peça para que venham
também, mas em silêncio — sussurro para Eddie, que pega o celular e
começa a mandar a mensagem.
Eu estava nervoso até aqui. Não por medo do que pudesse me acontecer,
mas do que eu poderia encontrar. Quando chego ao local onde meus irmãos
estão amarrados em cadeiras e não vejo qualquer sinal de Mia, sei que a
complacência de Diogo foi apenas uma armadilha para me trazer até aqui e
fazer com que eu me junte aos meus.
— Sage Wilder, benvenuto! — um homem grisalho diz e eu o encaro.
— Quanta gentileza a sua — revido. — Posso saber por que meus
irmãos estão assim? E onde está minha mulher?
Não vejo qualquer sinal de Mia, mas Martina está ao lado de Coal,
também presa a uma cadeira. Os três olham para mim e, enquanto Martina
tenta esconder o medo, Jett e Coal parecem prontos para destruir qualquer
coisa em seus caminhos.
Ótimo.
O espaço está cheio de homens dos Giordanni. Nossa desvantagem é
nítida, mesmo contando os que estão do lado de fora.
— Sabe o que é, Wilder? — o grisalho volta a falar. Talvez seja um dos
Capos. — Eles estavam muito mal-educados. Achamos melhor controlar a
situação antes que desse algum problema. Você entende, né?
— A única coisa que eu entendo é que vocês cavaram suas próprias
covas. — Olho para ele, que não parece muito surpreso com minhas palavras.
— Soltem os três agora e tragam minha esposa, senão…
— Senão, o quê? — alguém pergunta e não faço a mínima ideia de quem
seja. Na verdade, não reconheço ninguém aqui, a não ser Diogo.
Melhor ainda: não sentirei qualquer remorso em tirar suas vidas.
— Eu pensei que vocês não quisessem uma guerra com os Rossi. Achei,
inclusive, que eram mais inteligentes do que isso.
— Não queremos uma guerra — Diogo diz. — Mas também não
podemos ficar de braços cruzados enquanto membros de sua família vêm até
o nosso restaurante para fazer perguntas sobre o nosso passado.
— E eles serão devidamente punidos por isso — completo, mesmo sem
entender muito bem o que ele está falando. Olho para Coal, que faz um gesto
negativo com a cabeça. É bem rápido e sutil, mas eu noto o que ele está
tentando me falar. — Só que suas punições cabem a nós, e não a vocês.
Inclusive — viro-me para Diogo —, hoje foi o dia de punir traidores. Um
deles está morto lá em casa. — Sorrio e espero por uma reação.
— Quem? — Diogo não desaponta e pergunta.
— Carlo De Rosa.
Ele arregala os olhos como se não pudesse acreditar. É essa mudança de
expressão que me faz ter certeza de que há muito mais na história de nosso
traidor do que ele deu a entender. Porque ali não há apenas espanto, mas
medo também.
— Capo, cadê a Mia? — Eddie pergunta ao meu lado, me instigando
ainda mais.
— Boa pergunta. Onde está minha esposa? — volto a questão para
Diogo, que engole em seco.
— Ela estava tendo uma conversinha com Luigi Bellini. Estão na sala ao
lado.
Enrico me alertou sobre esse cara e, se Mia está com ele, há grandes
chances de ela estar machucada. Só de imaginar a cena, algo grita dentro de
mim.
Meu coração acelera em desespero.
Minha Mia… Minha mulher…
Saber que eu posso nunca mais estar com ela faz com que outro
pensamento corra por minha mente:
Meu amor.
Por mais que ela veja diariamente minha devoção, nunca escutou as
palavras que precisava ouvir. Palavras essas que nunca disse a ninguém
antes. Nem mesmo à minha mãe. Saber que Mia está em perigo,
provavelmente sendo abusada por um sociopata filho da puta, faz com que eu
me arrependa de meu silêncio.
Fecho os olhos por um segundo e respiro fundo.
Antes que eu consiga racionalizar minha atitude, estou parado na frente
de Diogo, com a pistola encostada em sua testa.
— Minha mulher. Agora. — Meu tom é baixo.
Toda minha tranquilidade foi embora no momento que descobri que Mia
estava a sós com o tal de Bellini.
Escuto a gritaria ao redor, mas a ignoro completamente. Meu foco está
apenas em ter certeza de que Mia está viva e bem.
— Abaixe a arma, Sage — Diogo pede. — As consequências da sua
ameaça podem ser desastrosas.
— Eu só abaixo a arma quando alguém trouxer minha mulher para cá.
Agora, Giordanni. — Meu dedo treme no gatilho, sedento para tirar a vida da
pessoa que mantém Mia longe de mim. — Se eu morrer, você vem junto
comigo e terminaremos essa conversa à mesa com o diabo.
Diogo percebe a seriedade das minhas palavras. Tanto que tenta dar um
passo para trás, mas eu o acompanho.
— Gregorio, busque Mia — ele diz para um dos Soldattos.
Não me movo. Não hesito. Não pisco.
Enquanto Mia não estiver aqui, Diogo permanecerá colado ao cano da
pistola.
Sarita pesa no meu tornozelo, implorando para ser usada mais uma vez
hoje. Apesar das conversas e ameaças que acontecem ao meu redor, posso
ouvir minha própria respiração. Cada parte do meu corpo está em estado de
alerta, e não por eu estar sob a mira de pistolas ou por ter mais de dez
italianos olhando para mim.
Mia… Eu preciso senti-la ao meu lado, saber que ela está inteira e
intocada.
— Ela não está lá! — Gregorio volta gritando. — E Luigi está morto.
Sorrio.
Essa é a minha freirinha.
— Morto? Como, morto?
— Quer se juntar a ele e descobrir como uma pessoa pode estar morta?
— pergunto a Diogo.
— Sua mulher matou um Capo. Isso é imperdoável! — ele grita na
minha cara e eu apenas continuo rindo.
— Sem provas, sem julgamento — digo a ele. Seu rosto está vermelho
de ódio, enquanto minha expressão suaviza com o humor.
Freirinha safada e com as mãos sujas de sangue… Caralho, eu a amo
demais. Mulher nenhuma nesse mundo é mais perfeita para mim.
— Foi ela! É claro que foi! — Diogo parece cada vez mais
descompensado, o que me faz sentir um quentinho dentro do peito.
O desespero alheio é combustível para minha raiva. Porque, mesmo que
eles não tenham encostado um dedo em minha mulher, meus irmãos continuam
amarrados a uma cadeira, completamente subjugados — e isso é
imperdoável.
— Faremos o seguinte: solte meus irmãos, a moça ali e encontrem minha
esposa. Iremos embora em paz e sem que ninguém mais tenha que morrer —
digo de forma tranquila. — E como sinal da minha boa-fé… — Abaixo a
arma, mas mantenho-a na mão.
— Nosso Capo…
— Seu Capo estava trancado em uma sala com a minha esposa. Não
esqueça que também sou Capo. Além disso, ela é filha do Consigliere dos
Rossi. Se ele morreu, teve motivos. Não culpe minha esposa antes de ouvir o
que ela tem a dizer. — Dou um passo para trás. — Eddie, desamarre meus
irmãos — ordeno e vejo que meu Soldatto hesita.
Faço um gesto positivo com a cabeça, encorajando-o e duvidando que os
demais reajam.
Assim que Coal e Jett são libertos, olho para eles a fim de ter certeza de
que estão bem. Seus pulsos estão vermelhos por conta da corda que os
amarravam. Acredito que os tornozelos devem estar da mesma cor.
— Os homens estão a postos — Eddie sussurra. — Jett está armado.
— Onde está minha esposa? — refaço a pergunta.
— Não sei, Wilder — Diogo volta a falar e eu faço que sim com a
cabeça. — Mas a filha do Messina vai pagar caro se…
Um fio de sangue desce pela testa de Diogo, saindo do único furo que se
destaca em sua testa.
Perdi a paciência, não quero mais blá blá blá.
Minha atitude pega todo mundo de surpresa — menos os da minha
família, que entenderam meu sinal — e, antes que pensem em qualquer coisa,
começamos a atirar. O barulho é ensurdecedor, mas pouco importa.
Viro-me rapidamente e vejo um dos homens dos Giordanni tirando sua
arma do coldre. É tarde demais para ele: aperto o gatilho e o desgraçado
tomba para trás com o impacto da bala que agora perfura seu peito.
— Sage! — Eddie grita e eu me viro para ele, que está escondido atrás
de uma pilastra enquanto vários disparos seguem em sua direção.
Antes mesmo de eu conseguir fazer alguma coisa, aquele que ameaçava a
vida de Eddie cai no chão, morto. Coal tem Joana apontada para ele. Não sei
como meu irmão a recuperou, mas isso não importa.
Olho ao meu redor e vejo alguns corpos estirados e sem vida. Mesmo
assim, ainda não são Giordanni suficientes. Faltam vários, e hoje nenhum
deles sai daqui respirando.
Corro para um canto e começo a procurar por mais alvos. Uma
brincadeira de caça deliciosa para animar qualquer um. Encontro o tal de
Gregorio agachado atrás de uma mesa. Ele me vê e começa a atirar na minha
direção, mas seu nervosismo o impede de acertar.
Um merda mesmo.
Disparo atrás de disparo, vejo quando um finalmente acerta sua perna.
Danio tinha razão: preciso ter uma mira melhor. Foda-se. Atiro de novo,
agora com a outra pistola, caminhando em sua direção. Dessa vez, todos
perfuram o corpo do homem que se achava fodão demais ao falar comigo.
De repente, sinto uma ardência no meu braço esquerdo. Quando olho,
vejo o sangue escorrendo.
Algum filho da puta me acertou.
Eu deveria me esconder e tentar me manter afastado do fogo cruzado,
mas, neste momento, tudo que eu quero é acabar com cada um dos membros
da outra família.
Noto que um loirinho ainda está vivo, encurralado atrás de uma outra
mesa tombada. Um revólver em sua mão e seus olhos arregalados.
Os sons das armas sendo disparadas não cessa por um segundo sequer.
Meus homens estão eliminando tudo em nosso caminho. O mar de corpos no
chão é uma visão que me tranquiliza.
— Capo! — Eddie grita. — Só sobrou aquele.
O loirinho tenta atirar em mim de novo, mas fica sem munição.
Sorrio.
— Vem cá, ragazzo — chamo-o, gesticulando com a pistola em minha
mão. — Vem sem medo. — Ele me obedece, apesar de ter os passos
trêmulos. — Qual seu nome?
— An… Antônio — ele gagueja, não encontrando o meu olhar.
— Pois bem, Antônio, tenho uma excelente notícia para você. — Dou um
tapinha em seu ombro, fazendo com que ele se encolha com meu toque. —
Avise à sua família que ninguém tem o direito de sequestrar um Rossi,
capisce? Se isso se repetir, não sobrará ninguém do seu lado para contar a
história.
Lágrimas descem por seu rosto. Ele não deve ter mais de dezesseis anos,
o que deveria me causar algum desconforto. Mas, nessa vida, uma vez que
entra, não tem mais volta. A escolha foi dele — ou de seu pai — em estar
aqui, e a tatuagem da letra G em seu pescoço indica que, apesar da pouca
idade, ele já sabe exatamente onde se meteu.
Todos nos viramos para vê-lo cruzar a porta, indo levar a mensagem
para quem quer que seja o responsável pela família Giordanni. Don Ettore, se
não me engano. Não me importo com quem ele é, mas tem que entender que
não pode mexer com os meus. Principalmente com a minha mulher.
Assim que ele escuta a porta, ouço mais um tiro sendo disparado. O
susto faz com que eu me vire rapidamente, arma em punho, para ver quem é a
ameaça da vez. Só que descubro que não tem ninguém ali. Ou melhor, tinha,
porque Mia também tem uma pistola na mão e um homem está caído à sua
frente. O buraco na parte de trás de sua cabeça deixa claro que ele iria atirar,
mas foi impedido por ela antes de conseguir ferir qualquer um de nós.
— Ah, princesa… — Ando a passos largos até ela e a envolvo em um
abraço, deixando minhas pistolas caírem no chão.
Nada mais importa. Quando sinto seus braços me apertarem com o
mesmo desespero, sei que seus sentimentos são idênticos aos meus.
— Sage, você veio — ela diz, sua voz embargada com o nervosismo.
— Claro que sim, princesa. — Tateio seu rosto, braços, barriga… tudo.
Preciso ter certeza de que ela está inteira.
— Eu estou bem — ela me garante, mas não é o suficiente.
Seus olhos estão marejados, e a força que ela sempre carrega parece ter
ido embora com o projétil que saiu de sua arma.
Antes que possa dizer qualquer outra coisa, colo minha boca na dela em
um beijo forte. Sedento. Apaixonado.
Puta que pariu, eu amo essa mulher. Amo-a mais do que o bom senso
permite. Amo-a mais do que minha própria vida — e meu beijo diz
exatamente isso, mesmo que não consiga usar as palavras para me expressar.
— Capo! — Eddie grita, fazendo com que eu me separe dela. Muito a
contragosto, viro-me para ele. — Angelo está morto. Gil também.
Capítulo 44
Mia
O barulho de muitos pneus derrapando e freadas bruscas, junto com os
gritos que ouvimos cada vez mais próximo de nós, não nos permitem recolher
os corpos da nossa família do chão.
— Por aqui. — Seguro firme a mão de Sage e puxo-o para o lado
contrário de onde os gritos vêm.
Sage não pensa por um segundo e apenas repete a minha orientação aos
outros. Mal nos viramos para sair pela lateral do depósito, quando as portas
se abrem e o barulho volta a ser ensurdecedor.
— Corre!
— Abaixa!
— Não!
— Vai!
Os disparos, em uma sinfonia perfeita de dois segundos de intervalo,
orquestram a chuva de projéteis que vêm em nossa direção. Corremos o mais
que podemos, mas eles nos acompanham, com as semiautomáticas que não
descansam.
Entre os gritos dos nossos homens e dos que nos perseguem, chegamos à
porta. Pego as pastas que acabo de roubar do escritório dos Giordanni na
mão e as abraços como se fossem mais importantes do que minha própria
vida — e são — enquanto Sage abre a pesada porta.
Quando o último de nós passa pela porta corta-fogo, Coal e Jett
improvisam uma tranca para retardar nossos inimigos.
— Não podemos ir para os carros — Eddie constata. — Como vamos
sair daqui, Capo? — ele pergunta para Sage e vejo pavor em seus olhos. —
Nem munição temos quase.
— Quantos estão vigiando os carros? — Sage pergunta a ele.
— Tem dois, mas logo os outros farão a volta.
— Coal? — Ele olha para o irmão, que não responde, apenas caminha
devagar pela lateral do prédio, em direção aonde os carros estão
estacionados. — Atenção — meu marido pede a todos. — Nós temos uma
chance de escapar sem mais baixas. Quando Coal der o sinal, cada um corre
para seu carro. No primeiro disparo, os que estiverem impedidos deixem
para trás — ele ordena. — No segundo disparo vamos embora. Jett, proteja
Martina e espere por Coal.
Ele faz apenas um sinal com a cabeça para meu cunhado, que segura
Joana firme com a mão direita. Assim que Coal acena com a mão, começamos
a correr em direção aos carros. Ao som do primeiro estampido, aproveitamos
para entrar nos veículos, mas antes que Coal dê o segundo tiro, as
submetralhadoras começam a ser ouvidas novamente.
— Nãooooo! — escuto o grito agudo de Martina, mas não sou capaz de
ver o que acontece porque a Lamborghini canta os pneus e ganha o asfalto.
Sage se concentra na direção e no retrovisor. Quando percebe que todos
os carros estão atrás de nós, vejo-o respirar aliviado. Ainda assim, mantém
sua concentração para que cheguemos em casa vivos, apesar da velocidade
que ele impõe ao carro.
— O que aconteceu? — ele me pergunta assim que passamos pelos
portões de casa, ainda dirigindo pelos jardins. — Por que você foi para lá
sem falar comigo?
— Você entrou no escritório e eu não sabia o que ia acontecer, nem qual
era a armação de Carlo. Mas o que eu encontrei no depósito…
— Algo sobre a minha mãe? — Seus olhos arregalam-se.
— Também, amore mio. Mas mais que isso…
Não consigo terminar de falar. Meu pai, nonna e Don Marco estão à
volta do nosso carro. Mamãe corre em direção ao carro de Enrico. As outras
mulheres e homens da família também comemoram cada um dos que descem
vivos e, quando percebem a falta de dois, os prantos começam. Quero
abraçar as mulheres que choram, pedir perdão, mas sou carregada para dentro
pelo braço.
Antonella grita por seu marido, mas a resposta nunca vem. Ela tomba no
chão e enfia o rosto nas mãos, chorando desesperadamente a ausência de
Angelo. Não tenho tempo de ampará-la. Quando vejo, já estou no corredor.
É a primeira vez que entro no escritório de Don Marco para dar
explicações e, por mais que todos já tenham entendido o que disse, ainda me
repetem as mesmas perguntas.
Os portões da mansão foram lacrados assim que o último carro nosso
passou, e homens que trabalham para associados e para políticos importantes
que devem favores à família fazem a segurança do perímetro. Não sei ao todo
quantos tem, mas algo me diz que nada será suficiente para conter a fúria dos
Giordanni, depois de Sage matar Diogo — filho de Don Ettore — e eu ter
matado Bellini, o homem mais temido entre tantas famílias.
Continuo sentada, abraçada às pastas que peguei em nosso depósito e
mais algumas que roubei do escritório dos Giordanni. Não sei se por estarem
chocados com a minha inteligência ou com suas próprias burrices, eles
repetem as mesmas perguntas. De qualquer forma, pouco me importa. Explico
mais uma vez:
— Sim, eu matei o Bellini envenenado — repito. — Era ele ou eu. —
Dou de ombros.
— E o veneno era de Martina? — Don Marco me pergunta pela
milésima vez.
Apenas aceno com a cabeça. Eu contei muitas coisas a eles. Papà, Don
Marco, Sage, Jett, Enrico, Danio e Toni me ouviram atentamente. Sage juntou-
se a nós depois de ser socorrido pelas enfermeiras da família. Meu marido
tem uma bandana no braço esquerdo, onde um tiro o acertou de raspão. Já
Coal não apareceu para a reunião, o que me faz pensar se seu estado é grave.
Não tenho tempo de perguntar sobre a saúde de meu cunhado.
Parece que, de todas as informações que revelei, a única que importa é
sobre a morte de Bellini e o veneno que Martina sempre carregava no
pescoço. Segundo ela, para emergências. Agradeço à Madonna por isso,
porque tivemos uma grande.
— Você sabe quem era o homem que você matou? — papà me pergunta,
ainda estarrecido.
— Sim. Conhecia a fama do Luigi, foi por isso mesmo que o matei. — A
calma permanece em minha voz.
O que eles realmente esperavam que eu fizesse? Chorasse e pedisse
clemência? Nunca.
— Então fale mais uma vez sobre Carlo — dessa vez é Toni que muda o
rumo da conversa.
Explico, pela quarta vez, que Carlo nunca foi quem pensamos ser. O
nosso Carlo De Rosa foi morto e substituído por um espião.
— Isso não faz o menor sentido, bambina — papà diz. — Nós vivemos
em paz. Por que eles colocariam um espião em nossa família?
— Essa era a parte que eu também não entendia, papà. — Levanto e
coloco as pastas na cadeira em que estava sentada. Pego a pasta sobre a
família Giordanni e estendo a ele. — Mas aí eu encontrei isso.
Meu pai olha os documentos e não enxerga nada. Como é possível? Pego
a foto da prometida de Don Ettore.
— Aqui. — Mostro para todos. — O motivo de Carlo estar na nossa
família é esse. — Viro-me para Sage. — Sua mãe, amore mio.
Sage dá dois passos em minha direção, mas antes que ele veja a foto,
Don Marco a tira da minha mão.
— Essa é Margareth — ele fala, confuso.
— Essa é Paola Costello, a noiva de Don Ettore que fugiu — corrijo
enquanto Sage arranca a foto das mãos do pai, olhando atento para o papel
desgastado.
— Essa é minha mãe — ele diz. Coal e Jett aproximam-se e concordam.
— Era uma das poucas fotos que tinha de sua vida antes de nascermos —
comenta.
Lembro-me da tarde que Sage e eu passamos vendo fotos antigas. Não
eram muitas, em poucas sua mãe aparecia, e nunca com o mesmo corte de
cabelo. A única coisa que se repetia em todas as fotos era a manga comprida
das roupas e o olhar. Sempre apavorado.
— Quando vi a foto pela primeira vez em nossos registros, achei o rosto
familiar, mas foi só quando descobri que Carlo era um impostor…
— Como você descobriu? — Enrico me interrompe.
— Nos registros que vieram da Itália, Carlo De Rosa teria sangue AB.
— Dou de ombros, mas ninguém entende minha conclusão. — Quando ele
retirou o apêndice no ano passado, eu fui uma das poucas pessoas que podia
doar para ele, pois ele era O negativo.
Continua parecendo não fazer sentido aos homens o que digo, então de
forma rápida, explico que pessoas O negativo são doadoras universais,
porém só recebem doações do mesmo tipo sanguíneo. Por isso, nosso Carlo
De Rosa não poderia ser o mesmo Carlo De Rosa que deveria ter
desembarcado nesta família vinte anos antes.
— Como nunca percebemos? — Don Marco parece mais confuso ainda.
— Aqui. — Pego outra pasta e entrego a ele. — Todo o trabalho que
Carlo fez para os Giordanni nos espionando.
— Ele matou minha mãe? — Jett não controla a raiva de sua voz.
— Não sei — digo a verdade. — Pelos relatórios, é possível que sim.
Mas Carlo não teria motivos para dar trinta e três tiros na sua mãe. — Penso
um pouco na ideia que acaba de me ocorrer, mas guardo-a apenas para mim.
— De acordo com esses papéis que peguei no Gio’s, Carlo Neri é afilhado de
Don Ettore. Seu tipo sanguíneo é AB positivo. Creio que eles devem ter
matado o verdadeiro Carlo De Rosa e infiltrado Neri em nossa família.
Enquanto os outros olham as pastas com documentos de Carlo, do espião
e da família Giordanni, pego uma segunda pasta que encontrei no escritório
do restaurante e entrego nas mãos de Don Marco.
— Acho que o senhor deveria ver isso sozinho — sussurro em seu
ouvido.
— Mia, eu… — Don Marco está visivelmente abalado. Abre a pasta e
vejo um pequeno sorriso aparecer em seu rosto. — Obrigado — ele diz e me
abraça.
— Não quero palavras — uso minha voz mais doce. — Acredito que sua
gratidão possa ser expressa com uma tatuagem em minhas costas.
Capítulo 45
Sage
Quando Mia pede uma tatuagem nas costas, tudo dentro de mim se
revolta, e a repulsa é forte demais para ser contida.
— Não! — digo na mesma hora. — Você não vai fazer parte dessa
família do jeito que está pretendendo.
Meu pai olha para mim, mas eu o ignoro: toda minha atenção está
voltada para minha mulher, que, de repente, resolveu brincar de ser uma
mafiosa.
— Como assim, não? — ela pergunta em tom de desafio.
— Você não vai sair por aí portando uma arma, correndo atrás de
traidores, garantindo a proteção de homens tão filhos da puta quanto nós. Não
vai, Mia. Pode esquecer.
— Se o seu marito falou, bambina, está falado — Giovanni entra na
conversa, o que deixa minha mulher ainda mais nervosa.
Pela primeira vez, posso ver seu ódio direcionado a mim. Eu prefiro
lidar com ele e ter Mia viva ao meu lado a vê-la sair de casa todos os dias
para trabalhar, sem ter certeza de que ela irá voltar para mim.
— Mas fui eu quem matei Vince e Luigi! Fui eu quem descobri que Carlo
era um impostor! Será que isso não vale nada pra vocês? — Suas frases saem
em um tom alto. Ela está alterada com minha proibição, mas pouco importa.
Minha resposta continuará sendo um retumbante não.
— Quero apenas Sage, Mia e Giovanni neste escritório — meu pai fala.
— Os demais podem ir cuidar dos problemas que temos para resolver. Toni
— ele olha para o outro Capo —, pense em como iremos resgatar os corpos
daqueles que foram mortos. Verifique se as famílias estão precisando de
alguma coisa.
— Eddie — falo também, interrompendo-o —, faça uma conta das
nossas armas e munições. Enrico, veja os danos que precisam ser reparados
nos carros. Jett, procure Coal e veja por que ele não está aqui agora.
Meu pai acena com a cabeça, indicando que podem fazer o que acabei
de solicitar. Ninguém responde, mas todos saem da sala, deixando-nos a sós
para termos uma conversa séria sobre essa ideia insana de Mia virar um
Soldatto.
— Don Marco… — Mia começa a falar, mas hesita, como se não
soubesse o que dizer agora.
— Mia, presta atenção. Sage também — ele diz e indica as poltronas
para que nos sentemos.
— Don Marco, o marido disse que não — Giovanni se pronuncia
novamente, e nunca pensei que meu sogro e eu estaríamos no mesmo lado da
batalha.
Enquanto sua ressalva é por conta do que eu decidi, minha repulsa se dá
pelo fato de não aceitar que minha esposa esteja na linha de fogo, correndo
perigo diariamente.
— Não é justo, papà. Eu mereço uma tatuagem. — As palavras podem
ser birrentas, mas o tom que Mia usa para dizê-las parece o de uma
negociadora.
Ela recobrou a calma e agora está sentada, com as pernas devidamente
cruzadas e as mãos sobre os joelhos: a perfeita dama italiana, apesar de seus
cabelos estarem em completo desalinho e o rosto demonstrar o cansaço
psicológico que as últimas horas trouxeram.
— Princesa, você desistiu dos nossos outros planos? — Minha pergunta
faz com que ela encontre meu olhar.
— Que planos? — Don Marco questiona.
— Mia e eu queremos ter filhos. Você realmente acha que deixarei minha
mulher grávida sair para resolver negócios da família? E quando você tiver
as crianças no braço? Estará disposta a deixá-los sem mãe? Porque toda vez
que vamos para a rua, não temos certeza de que retornaremos para casa. Você
viu o que aconteceu com seu irmão…
O olhar dela muda na mesma hora. Se estava cheio de raiva antes, agora
parece que está prestes a me fuzilar.
“Aprendi direitinho como se deve manipular alguém, amore mio… E
aprendi com você”, penso, mas não digo nada. Ela entendeu muito bem o
recado.
— Você não acha que eu mereço uma chance, Sage? — ela sussurra,
nitidamente ofendida com o que acabei de dizer.
— Você é a pessoa mais astuta que conheço — apresso-me em dizer. —
Inteligente, sagaz, com uma mira impecável e a capacidade de fazer com que
todos queiram te agradar. Só que eu não estou disposto a te perder, freirinha.
Não agora que eu te encontrei.
As últimas horas foram o inferno. Sua ligação, saber que ela esteve
confinada em uma sala com Bellini, não ter certeza se ela estava viva ou
não… Tudo isso apenas para descobrir que ela estava bem e, em seguida, nos
ver no meio de um tiroteio. Eu vi corpos sangrando no chão, tirei a vida de
alguns hoje, mas nada me abalou como a preocupação que senti em relação à
mulher que eu amo. Porque eu a amo, mesmo que não consiga dizer isso em
voz alta.
Então, se eu tiver que receber seu ódio por uns tempos para impedi-la de
fazer a maior loucura de sua vida, que seja. Se eu me tornar mais um homem
machista da família Rossi, que seja. Qualquer coisa para que ela continue ao
meu lado.
Só que os elogios que teci não são suficientes para aplacar sua revolta.
— Eu não acredito que você não vai me deixar ser um membro — ela
diz, decepcionada.
— Só não quero te perder — repito o que falei antes.
— Talvez eu tenha um meio-termo que agrade a ambos — Don Marco
volta a falar e me viro para ele. — Sage tem razão, Mia. Há um motivo para
mulheres casadas não saírem com os homens, e você sabe muito bem disso.
Na nossa família, vocês têm outra função: a de passar nossas tradições e
produzir nossos herdeiros. — Mia abre a boca para retrucar, mas meu pai
ergue a mão, interrompendo-a. — Ao mesmo tempo, é um desperdício te
deixar de fora.
— Mas, papà… — começo a falar, mas ele apenas me encara,
silenciando-me com o olhar.
— Os últimos eventos mostraram que confiamos muito em nossos
aliados e esquecemos que existem traidores por perto, muito perto. Eu ainda
não conversei com Giovanni, mas acho por bem criar um novo…
departamento, por assim dizer. — Don Marco alcança um charuto e o
acende, nos deixando curiosos. Odeio pausas dramáticas.
— E o que isso tem a ver comigo? — Mia pergunta, tão impaciente
quanto eu.
— Tuto, bambina. Eu quero que você fique responsável por coletar
informações de outras famílias, saber da história de cada uma delas. Não se
limite aos italianos. Dessa vez, nós iremos além. Quero descobrir detalhes de
cada organização desta cidade e das vizinhas também: quem são nossas
ameaças, quem são nossos aliados verdadeiros…
Arregalo os olhos, impressionado com a ideia de meu pai.
— Minha esposa será responsável por isso? — quero saber.
— Suas ações deixaram claro a astúcia que tem, como meu filho disse.
Eu posso ser velho, mas não sou burro: sei quando tenho algo precioso nas
mãos. E você, Mia Wilder, é um grande recurso que poderemos usar a nosso
favor.
— Eu poderei ter minha tatuagem? — ela pergunta, animada com a ideia.
— Sim, você terá uma tatuagem — meu pai confirma. — Porém, seu
cargo terá algumas restrições, como não sair desacompanhada, muito menos
se colocar em perigo desnecessário. Eu e meu Consigliere conversaremos
sobre isso e retornaremos em breve.
— Gosto da ideia, Don Marco, e concordo que precisamos delinear os
detalhes antes de colocarmos tudo em prática — Giovanni comenta.
Olho para Mia, que parece aliviada com a proposta. Porém, sei que ela
precisa de mais do que isso.
— Eu tenho um pedido, papà — volto a atenção deles para mim.
— Fale, figlio mio.
— Mia merece um cargo de respeito, equivalente a um Capo. Ela pode
não ter esse título, mas terá a mesma importância. — Seguro a mão da minha
mulher e sinto-me aliviado quando ela me aperta.
É um sinal de que percebeu que dou a ela o valor que merece, apesar da
minha recusa anterior.
A conversa que segue é breve, já que temos muito a resolver. As
consequências da noite de hoje serão drásticas para nossa família. Ao mesmo
tempo, tenho certeza de que, de agora em diante, tudo será diferente.
Quando nos levantamos para sair do escritório, meu pai diz:
— Sage, esqueci de uma coisa importante. — Viro-me para ele, a mão
de Mia ainda na minha. — Precisamos marcar mais uma cerimônia. — Franzo
o cenho, sem entender muito bem aonde ele quer chegar. — A sua.
— Minha? — pergunto.
— É claro. Você ocupou a posição de Capo enquanto Carlo estava
afastado de suas funções, sob investigação. Agora que tudo foi esclarecido, o
cargo será seu. Indefinidamente.
Mia aperta minha mão com mais força ainda, e sei que este é um
momento muito esperado por ela. Minha freirinha ambiciosa não quer apenas
o seu sucesso, mas o meu também. Olho para ela, que agora sorri
abertamente.
— Obrigado, papà. — Assinto com a cabeça.
— Podem ir — Don Marco nos libera finalmente.
Sem pensar duas vezes, arrasto minha mulher para o quarto. Antes de
verificar o que tem que ser resolvido do lado de fora, preciso cuidar de
algumas coisas entre quatro paredes.
— Para onde vamos? — Mia pergunta, mas eu não respondo de
imediato.
Tudo que aconteceu hoje me deixou à flor da pele. Não quero falar, não
quero me explicar… A única coisa que preciso é estar dentro da mulher que
eu amo, só para ter certeza de que nada entre nós mudou.
— Só vem comigo, princesa — finalmente falo, passando pela sala.
Não quero prestar atenção na tristeza alheia — não agora. Haverá um
momento para chorar pelos mortos e para contornar os estragos causados
hoje. O agora faz com que minha mente só consiga focar em uma coisa.
Apresso o passo, ignorando cada tentativa de contato comigo. Eddie diz
alguma coisa, mas eu o ignoro. Frederico também tenta, sem sucesso. Até Jett
grita meu nome, provavelmente para me falar sobre Coal — se ele não estiver
morto, pode esperar. Afinal, o desejo que sinto por minha mulher grita dentro
de mim.
O medo de perdê-la, o fato de ela ter salvado a minha vida, toda sua
força e inteligência, descobrir o que estou sentindo… Não sei qual fator é
mais afrodisíaco e traz à tona essa urgência; a única coisa que sei é que, se eu
não estiver dentro dela em alguns minutos, corro o risco de explodir.
Eu nem a beijei e já estou tão duro que chego a sentir dor. Meu corpo
grita por seu toque. Preciso ouvir seus gemidos, sentir suas unhas cravarem
em minhas costas enquanto se move em sincronia comigo.
Não é só tesão. É algo vital. Visceral.
Então, quando finalmente chego ao corredor onde fica nosso quarto e
noto que ele está vazio, viro-me para ela e a imprenso contra uma das
paredes. Minha boca desce sobre a dela sem fazer perguntas. De início, Mia
se assusta com o movimento e tensiona em meus braços, mas logo relaxa,
envolvendo meu pescoço e se entregando o beijo.
— Sage… — ela tenta dizer, porém a voz sai abafada pela presença da
minha língua em sua boca. — Precisamos conversar.
— Teremos todo tempo do mundo pra conversar, princesa. — Desço
beijos por seu pescoço, enquanto Mia joga a cabeça para trás e emaranha os
dedos em meu cabelo. — Agora, eu preciso te foder.
Ela solta um gemido alto, como se minhas palavras fossem tudo que
precisasse ouvir. Ergo suas pernas, fazendo com que enlacem minha cintura.
Minha boca não desgruda de sua pele por um segundo sequer. Preciso sentir
seu gosto para recobrar a sanidade que havia perdido naquele restaurante.
Carrego-a para o quarto e deixo a porta se fechar atrás de nós. Ninguém é
burro o suficiente para entrar aqui — e se for, os gritos de prazer que
pretendo arrancar da minha freirinha serão suficientes para manter qualquer
uma afastado.
Sem pensar duas vezes, arremesso-a na cama, juntando-me a ela logo em
seguida. Meu corpo cobre o seu, encaixado entre as pernas grossas que amo
ter em torno da minha cabeça.
As roupas e armas logo estão jogadas no chão enquanto nossas carícias
apenas se intensificam. Desço beijos por seu corpo, dando atenção a cada
parte dele. Mia é um banquete e eu sou um homem faminto.
Porém, quando chego à junção de suas pernas, pela primeira vez desde
que nos casamos, ela me empurra, impedindo-me de sentir seu gosto.
— Sage, não! Eu estou suada. Não tomo banho há horas e…
— Se eu quisesse sentir gosto de sabonete íntimo, isso seria um
problema. Mas o que eu quero mesmo é provar minha mulher e fazer com que
ela se derreta em minha boca — declaro, meus olhos presos nos dela. —
Abre as pernas pra mim, princesa. Preciso te fazer gozar.
Minhas mãos sobem pela lateral de sua coxa e sinto-a se arrepiar com o
toque suave, que contrasta com as palavras sujas que digo. Beijo uma canela,
depois a outra. Mordisco e lambo também, incentivando-a a se abrir para
mim. Quando ela aceita meu pedido, devoro-a sem pressa. Cada vez que
minha língua percorre sua fenda, Mia estremece.
Seu gosto é inebriante e faz com que eu a deseje ainda mais. Mia relaxa
e se permite receber o prazer que quero lhe dar. Sugo seu clitóris —
delicadamente primeiro —, apenas para intercalar a intensidade e a
velocidade, fazendo com que ela vá e volte da beira do precipício. É uma
tortura deliciosa e, quando ela não aguenta mais, nem eu, faço o caminho de
volta até encontrar sua boca novamente.
Deixo que ela sinta o próprio gosto em minha língua e saiba o quão
intoxicado fico sempre que estamos juntos.
Mas a minha dor é intensa. Meu desejo só aumenta. Não sei quanto
tempo conseguirei me manter assim. Por isso, nem penso duas vezes: ajoelho-
me na cama, seguro suas pernas, uma de cada lado de meu corpo, e entro nela
de uma vez só, fazendo com que Mia grite alto com a invasão.
Ela está tão molhada que escorrego com facilidade para dentro do meu
paraíso.
— Ah, porra! — Não consigo segurar as palavras. A sensação de ser
envolvido por ela é boa demais para ficar calado.
— Sage… — chama meu nome baixinho, fechando os olhos para
absorver o prazer.
Apenas com o movimento do meu quadril, começo a entrar e sair. A
princípio, vou devagar, deixando que ela se ajuste ao meu tamanho.
— Mia… Caralho, Mia… — digo seu nome a cada vai e vem.
Nunca pensei que estaria tão perdido em uma mulher. Tão viciado. Só
que o modo como ela me olha neste momento me faz ter certeza de que não
sou o único completamente entregue ao sentimento.
Eu poderia me declarar para ela agora. Dizer que a amo mais do que já
amei qualquer outra pessoa em minha vida. Seria a mais pura verdade. Só que
eu não preciso de amor agora. Preciso de sexo. Luxúria. Prazer.
Por isso, seguro sua cintura com força e começo a estocar. O contato de
nosso corpos emite um som erótico, que embala meus movimentos
acelerados. Meto com tanta força, tanto desespero, que fico com medo de
parti-la ao meio.
Só que a minha freirinha é perfeita, e apenas pede mais.
Seus seios balançam com o impacto, fazendo com que a visão daqui seja
ainda mais excitante. Ela se segura na cabeceira da cama, completamente
exposta, enquanto eu vou cada vez mais fundo, sem piedade.
— Vou colocar um filho em você hoje, princesa — confesso. — Vou
deixar essa sua barriga bem redonda, carregando nosso herdeiro. Você vai
provar pra toda essa família que seu homem te come com vontade. Que você
é capaz de me fazer gozar tanto que nunca mais vai parar de engravidar.
Mais forte. Mais fundo.
Meu corpo está suado quando me deito sobre ela, misturando nossas
essências em um frenesi de prazer.
— Eu quero ser a mãe dos seus filhos, amore mio. Goza bem lá dentro,
vai — ela pede, inebriada com minha promessa.
— Vou gozar tanto que você terá que carregar mais de um filho ao
mesmo tempo — prometo, beijando seu pescoço e me deliciando com o gosto
salgado de seu suor. — Preciso que você venha comigo, princesa. Não vou
conseguir aguentar.
Estou caindo no abismo. Suas pernas me envolvem enquanto ela segue
meu ritmo, me abraçando com força e impedindo que eu me afaste.
Nós nos beijamos com vontade e, quando ela geme em minha boca,
chego ao limite e começo a jorrar meu prazer dentro dela.
— Ah, Mia… — Meu corpo inteiro estremece com o vigor do meu
orgasmo.
— Eu estou gozando — ela diz e tenho certeza da veracidade de suas
palavras, sentindo-a se contrair ao meu redor.
Mia se agarra a mim, rebolando contra meu pau. Eu não paro, não
consigo parar. Ela extrai tudo que eu tenho a oferecer, como se cada gota do
meu prazer fosse essencial para o dela.
As palavras presas em minha garganta decidem que não conseguem mais
ficar contidas. Então, ergo o corpo, apenas um pouco, e a encaro. Mia olha
para mim e sorri com tanta ternura que sei que estou em um caminho sem
volta.
O frio na barriga me toma e tenho ciência de que esse é o meu momento
mais vulnerável. Tirar a vida de alguém nem se compara à dificuldade que
sinto em confessar a ela o que se passa aqui dentro, mas sei que chegou a
hora.
Mia precisa saber.
— Eu… — hesito e fecho os olhos, encostando minha testa em seu peito.
Ainda estou dentro dela e suas contrações começam a suavizar. Só que elas
não me deixam esquecer. Ergo a cabeça de novo e mantenho meu olhar preso
ao dela. — Eu te amo, Mia Wilder.
Capítulo 46
Mia
Sage pulsa dentro de mim enquanto sua boca pronuncia a frase que quis
ouvir desde que comecei a planejar a minha vida.
— Eu… — meu marido fecha os olhos e encosta a testa em meu peito.
Ele continua dentro de mim e a sensação me completa. Sage levanta a cabeça
e procura por meus olhos. — Eu te amo, Mia Wilder.
Não sou capaz de responder. Procuro por seus lábios e, quando os
encontro, me derreto em sua boca. Nossas línguas se encontram, não com a
fúria e selvageria de alguns momentos antes, mas como uma promessa.
— Anch'io ti amo![74] — sussurro. — Eri un sogno, ora sei una
meravigliosa realtà[75] — confesso.
— Eu te amo, Mia — ele responde, agora sem o receio de antes, sem a
hesitação e com um sorriso. — Nunca pensei que diria isso a alguém.
— Sempre soube que você me diria, amore mio. Ouvir que me ama só
me dá mais vontade de te ver brilhar nessa família.
Sage deixa o corpo cair ao meu lado na cama e me puxa para que me
aninhe em seu braço. Sabemos que, lá embaixo, temos mortos a velar e
decisões a tomar. Não podemos deixar Don Ettore revidar, ainda assim,
preciso tanto dele quanto ele de mim.
Nunca senti tanto medo como no dia de hoje. Por um minuto, achei que
não sobreviveria e nunca mais encontraria meu homem — aquele com quem
sonhei por tantos anos e que não poderia ser mais perfeito para mim.
— Tive medo de te perder hoje, Mia. — Sua mão passeia pelo meu
rosto. Um olhar doce que eu desconheço reluz. — Então, eu me dei conta de
que eu não poderia mais viver sem você. — Sage suspira e depois ri. — Você
foi a minha ruína.
— Aí é que você se engana, marito. — Sorrio para ele. — Eu sou seu
caminho para ser o próximo Don dessa família.
— Você é ambiciosa, né? Acabo de me tornar Capo e você já está
pensando em uma nova promoção? — Sage ri. — Ah, freirinha, você não
poderia ser mais perfeita.
— Claro que sim, amore mio. Eu quero tudo para nós. Teremos muitos
filhos e você será chefe dessa e de todas as outras famílias do país.
— Eu te amo — ele repete com mais facilidade ainda e dá um beijo em
minha testa.
Sage ri enquanto afaga meu cabelo. Quero me deliciar com o contato,
esquecer o mundo lá fora, mas ainda penso em nossos mortos. Em suas
famílias. No olhar sem vida de Bellini, no homem que nem sei como se chama
e matei com um tiro certeiro antes que acertasse meu marido.
Não posso arriscar perder mais ninguém, nem que Sage ache que tudo
está resolvido. Porque o que aconteceu hoje foi só o começo. Seu olhar doce,
carregado de um sentimento que nem ele achava que era capaz de sentir, por
um momento me distrai do que importa, mas não posso me deixar levar.
Teremos o resto da vida para sentir, mas apenas uma chance de acabar com
nosso inimigo.
— Eu estive pensando — faço um carinho com os dedos em seu peito.
— Acho que não foi Carlo que matou sua mãe.
— E quem você acha que foi? — ele procura por contato visual.
— Pensa comigo, amore mio. — Dou um beijo em seu peito. — Trinta e
três disparos não é uma morte limpa. É com ódio. Quem daquela família
poderia odiar tanto sua mãe assim?
Não preciso dizer mais nada. A chama em seu olhar se acende. Sage dá
um beijo em minha testa e me puxa para o chuveiro. Precisamos de um banho
antes de partirmos para guerra.
Os homens estão nervosos. Desde que Toni saiu com alguns em uma
tentativa de negociação para resgatar os corpos dos nossos mortos, não temos
mais notícias. Depois de quarenta minutos sem conseguir contato telefônico, o
pior começa a passar pela cabeça de todos.
Enquanto as mulheres da família estão na cozinha, preparando petiscos
para acalmar os ânimos e o banquete para o velório, resolvo subir junto com
meu marido para visitar Coal, que se recupera do tiro que tomou na perna.
Martina está em seu quarto, brincando de enfermeira.
O projétil que o atingiu foi retirado assim que chegamos em casa. A
ferida parece estar limpa. Mesmo assim, a dificuldade que sente em se mexer
me preocupa. Sage está nervoso e, por mais que tente disfarçar e distrair seu
irmão, a toda hora confere o celular em busca de notícias.
Quando não há mais distrações, a conversa se volta para o que
aconteceu na tarde de hoje. Mas dessa vez não sou eu que relato as
descobertas, e sim Sage. Ele explica ao irmão tudo o que encontrei e as
conclusões a que chegamos.
— Então, nossa mãe também era de uma família de mafiosos? — A
pergunta é retórica. — Não era do pai que ela fugia — ele conclui.
— Não tem como termos certeza — meu marido diz. — Mas sabemos
que não foi ele que matou nossa mãe.
— Nem Carlo — digo.
— E quem você acha que foi? — Coal me pergunta.
— Don Ettore. — É Martina quem diz. — Carlo não teria motivos para
descarregar uma automática na sua mãe. — Ela olha para mim. — Já Don
Ettore… Ele foi abandonado, para depois descobrir que a noiva tinha
escolhido outro. Apesar de as famílias viverem em paz, a gente sabe como
realmente funciona…
— É o que penso também — concordo. — Não podemos deixar isso
barato. — Aperto a mão de Sage, que me encara. — Precisamos vingar sua
santa madre. Ela deve ter fugido para não começar uma guerra e por amor a
vocês.
Coal e Sage trocam olhares no mesmo momento que Jett entra no quarto,
chamando meu marido.
— Toni voltou. Estão todos bem, mas não trouxeram os corpos, e sim um
recado.
Sage dá um beijo na testa de Coal e sai em disparada do quarto. Sigo
atrás. Ainda ouço meu cunhado pedir para depois lhe contar o que está
acontecendo.
Quando começamos a descer a escada, o horror no rosto de todos é
nítido. Toni está de costas, mas posso ver que tem algo amarrado nos punhos.
— O que houve? — Sage pergunta.
Toni se vira para responder e, quando entendo o que tem nas mãos,
minha vontade é de me encolher em algum canto, mas em vez disso, agarro o
braço do meu marido e encaro as duas cabeças, cada uma amarrada em um
dos pulsos do Capo. Gil e Angelo.
— Don Ettore disse que conversaríamos só nós dois. Confiei em sua
palavra. Depois que dispensei os Soldattos, eles me encurralaram. — O
homem está visivelmente machucado. — Me largaram aqui no portão, assim.
— Ele levanta os braços. — Disse que se quisermos os corpos, os filhos de
Don Marco devem ir buscá-los.
— Filho da puta! — Sage grita. — Eu vou matar esse Don de merda com
as minhas mãos, depois de matar todo mundo da sua família, um por um dos
que sobraram.
— Isso mesmo, amore mio — eu o incentivo. — Vamos matar também as
mulheres que não aceitarem se juntar a nós. — Beijo sua bochecha. — Pela
honra de sua mamma — sussurro em seu ouvido. — As crianças, criaremos
como nossas.
— Alguém desamarre essas cabeças, Dio Santo! — nonna grita ao
entrar na sala. — E vão resolver as coisas de homem no escritório.
Ela coloca todos a correr da sala, Soldattos vão para o jardim. Os
outros para o escritório e as mulheres para a cozinha. Antes que Sage vá para
o escritório, abraço-o forte.
— Eu te amo, Sage Wilder. Mais do que imaginei que seria possível. —
Inspiro seu cheiro. — Nós vamos vingar nossa família. — Afasto nossos
corpos e emolduro seu rosto com minhas mãos. — E você vai matar Ettore.
Pela sua mãe. — Os olhos de Sage faíscam por vingança. Grudo nossos
lábios, minha língua invade sua boca e Sage me puxa pela cintura. Posso
sentir a mistura de sentimentos que tem.
O amor pode fortalecer, mas ele nos deixa fracos, com medo de perder
ou não dizer mais uma vez que ama. Não posso deixar meu marido
vulnerável, não nesse momento. Preciso que o sentimento que o alimenta
agora seja a raiva. Temos uma guerra pela frente. Uma guerra que pretendo
ganhar.
Capítulo 47
Sage
Eu poderia seguir com meus homens para o escritório, esperar alguma
indicação do que fazer, só que o ódio que corre em minhas veias não me
permite. Então, resolvo pegar o caminho para a garagem: quero resolver essa
história de uma vez por todas. Porém, quando chego ao carro, vejo Eddie
encostado a ele, braços cruzados, como se estivesse me esperando.
— Aonde vamos, Capo? — ele pergunta, olhando para mim.
Paro no lugar, sem saber se devo ou não compartilhar minha ideia. Na
verdade, não tenho uma formada em minha mente, apenas sei que os corpos
precisam ser velados — decapitados ou não — e que já passou da hora de
descobrir o que diabos aconteceu de fato com a minha mãe.
Eu amo Mia e entendo sua revolta e sede de vingança, só que também
aprendi com a família que não devemos acusar ninguém sem provas. Por mais
que todos os caminhos me levem a crer que Don Ettore tenha sido o
responsável pelo assassinato de minha mãe, não posso ter qualquer dúvida ao
embarcar nessa guerra.
— Entre no carro e conversamos — digo para Eddie, que assente com a
cabeça e dá a volta na Lamborghini, tomando seu lugar no banco do carona.
Sento-me de frente para o volante e dou partida no motor. O ronco me
incentiva, me inspira.
— Você vai ao restaurante buscar os corpos de Gil e Angelo? — Eddie
quer saber, mas fico sem ter o que responder ao certo.
Por mais que eu queira trazer os mortos para casa, tudo em mim grita
que está na hora de desvendar o que aconteceu com minha mãe. E não posso
fazer as duas coisas ao mesmo tempo, por mais que eu queira.
— Don Ettore está no restaurante? — questiono, focado na direção.
— Com certeza. O recado que mandaram através de Toni dizia isso.
Devem estar todos te esperando.
— Uma armadilha, sem dúvidas. O filho de Don Ettore está morto, nada
melhor do que matar os filhos de Don Marco.
— Ochio per ochio[76]… — Eddie fala e faço que sim com a cabeça. —
Não temos como dar conta de todos os outros homens de Giordanni sozinhos.
Precisamos de mais gente conosco. Fora que eles têm alguns aliados.
Eddie tem razão. Seria uma missão suicida da minha parte ir até lá sem
reforço. O Sage de meses atrás nem piscaria antes de rumar para o perigo,
peito aberto e sem medo das consequências. Mas o Sage de hoje já aprendeu
um pouco mais.
Com certeza, os Giordanni devem estar esperando por mim e meus
irmãos com um arsenal inteiro apontado para a porta.
— Ainda nem devem ter levado os corpos para casa… — penso em voz
alta.
— Não sei, mas acho que não. Se fosse comigo, estaria esperando para
matar os desgraçados que chacinaram minha família. — Eddie solta uma
risada baixa, lembrando-se do que fizemos há menos de duas horas.
— E na casa dele?
— Ninguém deve estar lá, só as mulheres — ele diz.
— Só as mulheres… — murmuro, um plano começando a tomar forma
em minha cabeça.
Mia sempre me fala que as mulheres sabem mais do que os homens,
principalmente as fofocas. Pelo que percebi lá em casa, não teve fofoca maior
do que minha mãe ter abandonado meu pai. E se ela abandonou Don Ettore
também, aposto que todas elas sabem o que aconteceu.
— No que você está pensando, Capo?
— Que precisamos fazer uma visitinha para prestar nossas condolências
— respondo. — Você sabe o endereço?
— Claro — ele diz.
— Pois guie o caminho, Eddie.
Esquerda, direita, segue em frente. Vira aqui, vira ali.
Nessa de seguir instruções, vou consolidando o plano em minha mente e,
quando finalmente chegamos ao nosso destino, paro o carro um pouco antes
da casa.
— O que você está fazendo? É ali na frente. — Eddie aponta para o
enorme muro duas casas à frente.
— Eu imaginei — comento. — Mas precisamos fazer uma coisa antes.
— O quê?
— Ligue para Don Ettore. Precisamos ter certeza de que ele não está em
casa. Avise que estamos a caminho do restaurante e que chegaremos em
quinze minutos — peço a ele, que obedece prontamente.
Apesar de não ter o contato do Don salvo em seu celular, Eddie tem o de
um de seus Soldattos. Ele dá o recado e esperamos um pouco. Logo em
seguida, dois carros saem pelo portão branco e eu abro um sorriso.
— Bem pensado, Capo — Eddie elogia e eu balanço a cabeça.
— Não temos muito tempo agora. Assim que eles descobrirem que não
temos qualquer intenção de ir lá, vão voltar para casa. Precisamos sair daqui
antes que cheguem, senão não temos chance — explico, já saindo do carro. —
Quantos filhos Don Ettore tem?
— Sem contar o Diogo, mais uma filha e outro rapaz, o Salvatore.
— Qual o nome da filha de Don Ettore? — pergunto.
— Luana — Eddie fala.
— Quantos anos ela tem?
— É um pouco mais nova que a Mia. Talvez uns dezessete, dezoito.
— E a mulher dele, quem é?
— Isabel — ele diz, mostrando que passou com louvor na prova de
genealogia da máfia.
Caminhamos em direção à mansão e, como se não estivéssemos fazendo
nada demais, aperto o botão. Uma mulher atende o interfone e digo que
gostaria de falar com Luana, que sou um colega de turma.
O portão é aberto na mesma hora e eu reviro os olhos. Eles estão tão
preocupados em me foder, que acabaram esquecendo de garantir a segurança
da própria casa.
Cruzamos o jardim de forma rápida, porém sem dar a entender que
estamos com pressa. Qualquer coisa fora do comum pode alertar as mulheres
e alguma delas pode ligar para seu marido.
Quando estamos de frente para a porta, ela se abre sem que precisemos
bater.
— Luana está lá em cima. Ela já vai descer — uma senhora diz, sorrindo
para mim.
Sorrio de volta.
— Na verdade, gostaria de falar com dona Isabel. — Não dou tempo
para que ela pense e saco a pistola, apontando-a para sua cara ao mesmo
tempo que faço um sinal de silêncio, encostando o dedo indicador em minha
boca. — Não quero fazer mal a ninguém, apenas conversar.
Seus olhos arregalados garantem que, apesar do meu comentário, ela não
ficou tranquila. Dou alguns passos à frente, fazendo com que a senhora abra
caminho para que eu entre na casa.
— Isabel! — chama e eu abaixo a arma, porém não a recoloco no
coldre.
— Mamma? O que foi? — A mulher que procuro aparece na sala e logo
olha para mim. Depois, para minha mão. — Quem é você? — pergunta, seu
tom firme.
Dá pra ver que ela não é qualquer uma, que está mais do que acostumada
a enfrentar situações adversas e não se acanha facilmente.
Melhor assim. Detesto lidar com covardes.
— Meu nome é Sage Wilder e eu vim aqui para bater um papo com a
senhora. — Abro meu melhor sorriso irônico.
— Comigo?
— Sim, exatamente. Inclusive, sua mãe também pode participar da nossa
conversa, caso você fique incomodada em ter dois homens estranhos…
— …e armados — ela me interrompe, completando minha frase.
— E armados — repito, dando uma piscadinha para ela — em sua casa.
— Ela não precisa ir — Isabel se apressa em dizer.
— Ora, eu insisto. — Mantenho o tom dócil, mas Isabel entende muito
bem.
A senhora sabe quem sou e que estou armado. Não posso deixar que
alerte os homens da família.
— Tudo bem. Vamos até o escritório.
Sigo-a até lá, sabendo que Eddie está acompanhando a mulher mais
velha. Isabel toma o lugar em uma cadeira e indica o sofá para mim. Eddie
fica parado à porta. Sua mãe vai para a poltrona.
— Em primeiro lugar, minhas condolências — alfineto.
— Figlio de una puttana! — Uma voz estridente soa ao lado, mas não
perco tempo para olhar em sua direção. Todo meu foco está na mulher de
preto, que também me encara.
— Mamma — Isabel adverte em um tom brando e a senhora volta a se
calar. — Obrigada. Estamos muito abaladas com o que aconteceu, mas vamos
superar.
Tenho minhas dúvidas quanto a isso.
— Não duvido — digo exatamente o oposto do que penso. — A senhora
sabe quem eu sou, dona Isabel? — mudo de assunto, dando início à conversa
que me levará aonde preciso chegar.
Isabel não responde de imediato, apenas me encara por alguns segundos.
Ela cruza as pernas e mantém o olhar fixo em mim, como se me analisasse. Se
eu estivesse vivendo este momento meses atrás, provavelmente me sentiria
incomodado sob seu escrutínio. Porém, após um tempo convivendo com
pessoas nada tradicionais e aprendendo a lidar com mulheres cheias de
vontades — como minha freirinha —, devolvo o olhar na mesma moeda,
fitando-a com calma também.
A esposa de Don Ettore é mais nova do que eu imaginei e não deve ter
mais de quarenta e cinco anos. Minha mãe teria a mesma idade se tivesse
viva. Só que, diferente dela, Isabel tem cabelos loiros e bem curtinhos, mas
são os olhos astutos que me chamam a atenção.
Muito bonita, porém com um fundo de maldade peculiar às italianas.
— Sei muito bem quem você é, Sage Wilder, e fico surpresa de você ter
a cara de pau de vir até a minha casa para me ameaçar — ela finalmente diz.
— Não estou te ameaçando, dona Isabel. Mas não sou burro, e sei que a
senhora jamais teria me convidado para um chá — retruco, recostando-me no
sofá.
— E por que eu te convidaria para um chá? Não temos motivos para
conversar.
— Claro que temos. Muitos, inclusive. — Ela apenas me olha,
esperando que eu explique mais.
— Vá direto ao assunto, Sage — Isabel pede.
— Quero saber de minha mãe.
A senhora, que havia ficado calada depois do rompante, cospe no chão e
se levanta da cadeira.
— Cazzo di puttana! Desgraçou a vida do meu filho, porque gostava de
abrir as pernas para qualquer um. — A vontade que sinto de revidar ao ouvi-
la xingar minha mãe é enorme, mas me contenho e apenas escuto. — E agora
eu tenho que receber você na minha casa. Um bastardo que acha que tem o
direito de vir aqui e se sentar na nossa cadeira. Você não vale o ar que eu
respiro, schifezza umana[77]! Meu filho devia ter matado vocês também e
acabado com tudo de uma vez.
— MAMMA! — Isabel grita, impedindo a velha de continuar.
Só que suas palavras me disseram tudo que eu precisava saber.
Com uma calma que não sinto, levanto-me do sofá, não sem antes pegar
a faca presa ao meu tornozelo. Lentamente, vou até a senhora, que não me
lembra em nada a minha nonna, e olho para baixo, encarando-a.
Apreensiva com o que eu posso vir a fazer, Isabel se levanta também e
tenta vir até nós, só que Eddie a impede de se aproximar.
A velhota respira com força, olhando para mim com tanto ódio que
chega a ser engraçado.
Como se ela, ou suas palavras, pudessem me causar algum estrago…
Sarita faz caminho até seu pescoço e dona fulana arregala os olhos.
Pressiono-a apenas um pouco, até que a ponta afiada faça um pequeno corte
em sua pele fina e enrugada. Ela arfa com a dor e eu sorrio.
— Seu filho tirou a vida da minha mãe. Eu poderia fazer o mesmo e lhe
tirar os últimos anos que você tem para viver. — Abaixo um pouco o corpo,
parando meu rosto a poucos centímetros do dela. — Ochio per ochio… —
repito a frase que ouvi de Eddie mais cedo. — Só que, diferente do seu
filhinho de merda, eu não sou um covarde que mata mulheres, seja por
vingança ou por orgulho ferido. Agora, a senhora irá me fazer um favor: avise
ao seu filho que quero os corpos dos meus homens em uma hora na porta da
minha casa. Senão, passarei por cima dos meus princípios e tirarei a vida de
todas as mulheres da família Giordanni. Começando pela senhora.
Faço um pouco mais de pressão com a faca e vejo um filete de sangue
escorrer.
— Assassino — ela sussurra. — Que meu filho lhe use como alimento
para porcos. — Cospe no chão com o desprezo de suas palavras.
— Estamos em guerra, mortes são comuns nesse caso. Ainda matarei
muitos outros dos seus. Seu filho, inclusive. Vou reservar a ele uma morte
particularmente dolorosa.
Afasto-me dela de forma brusca, fazendo com que a velha solte um
gritinho de susto.
Minha mensagem foi dada.
— Capo? — Eddie chama meu nome como se perguntasse o que deve
fazer em seguida.
— Vá buscar Luana. Vamos levá-la conosco. Uma espécie de seguro, se
você me entende. — Meus olhos continuam presos aos da senhora.
— Não! Minha filha não. — Isabel vem até mim, desesperada pelo bem-
estar da filha. Antes que me alcance, com a outra mão aponto a arma para ela,
fazendo com que estanque no lugar.
Escuto os passos de Eddie e sei que ele foi cumprir com o que pedi.
— Ela não será ferida, a não ser que seu marido ache por bem ficar com
os corpos dos nossos homens — explico, meu tom contido. — Assim que ele
os trouxer, devolveremos Luana ilesa. Ela será uma convidada. Don Ettore
deve ir à nossa casa em uma hora, sozinho. Não queremos mais mortes. Se
outro homem estiver com ele, Luana poderá sofrer as consequências.
Isabel treme de ódio. Se ela pudesse, me mataria aqui, agora, sem
qualquer hesitação. Não duvido que tenha forças para isso. Só que a minha
motivação em descobrir tudo que aconteceu com minha mãe fala mais alto.
É certo que Don Ettore não deixará essa história passar batida. Para ser
sincero, estou contando com isso. O maledetto quis me levar a uma
armadilha, mas será ele que cairá na minha?
Hoje eu descubro cada detalhe da vida de Margareth Wilder, ou seja lá
qual seu nome.
Capítulo 48
Mia
Quando era pequena, escutava muitas histórias sobre Al Capone,
Gambino, Costello e as guerras de que participaram. Lembro-me da nonna
contando e de como eu criava as cenas na minha cabeça. Imaginar os corpos,
os mortos e a guerra nunca me deixou com medo. Não com o medo que senti
quando me dei conta de que Sage havia saído sozinho para resgatar os corpos
dos nossos mortos. Ele não demora a retornar, trazendo a filha de Ettore como
garantia.
A menina, que deve ter em torno de dezessete anos, comporta-se como
uma vadia. Ora se jogando em cima dos homens que passam em sua frente,
ora blasfemando contra a nossa família.
Não fomos nós que começamos com essa guerra. Foram eles, quando
colocaram Carlo infiltrado na nossa família. Tenho vontade de atirar em sua
cabeça, mas me mantenho controlada a pedido de meu marido, que deu a sua
palavra à esposa de Ettore de que a menina seria tratada como um convidada.
Por isso, sirvo uma café a Luana.
Ninguém sabe o que esperar. Os homens estão a postos, todos armados e
municiados; as mulheres, reunidas em oração. A tensão cresce conforme o
ponteiro do relógio se move. Até que alguém grita, anunciando a chegada de
Ettore.
Don Marco, papà, Sage e Jett abrem a porta de casa e saem; corro para
a janela.
A caminhonete entra pelos portões. Ele vem sozinho, conforme Sage
contou que havia sugerido à mulher. Assim que estaciona em frente à porta da
nossa casa, Ettore desce do carro com as mãos para cima e caminha até a
caçamba do veículo, abre a tampa e — sem o menor respeito — puxa os
corpos de Gio e Angelo pelo braço, deixando-os caírem no chão.
— Aqui está! — ele grita. — Cadê minha filha?
— Ela está bem — Sage responde. — Sou um homem de palavra.
— Qual dos três bastardos você é? — o homem esbraveja.
— O que matou seu filho — meu marido fala com toda a calma.
— Seu figlio de una putanna!
Sage coloca a mão na pistola que carrega na cintura, mas Don Marco
encosta em seu braço, fazendo com que pare.
— Meus filhos não são bastardos, Ettore — Don Marco diz com calma.
— Tragam a menina.
Eddie, que estava parado à porta, chama por Luana, que levanta
correndo do sofá e só para quando atira-se nos braços do pai. Ele pergunta se
ela está bem, dá beijos em sua testa e rosto e a abraça.
— Entre no carro — ele ordena e ela obedece. Ettore dirige-se
novamente aos homens à porta de nossa casa. — Marco, seus filhos são
bastardos sim. Você nem sabe quem era a mãe deles. — Ele dá uma risada. —
O melhor dia da minha vida foi quando meu fiel amigo Carlo me avisou onde
ela estava. — Ele sorri com a lembrança, o que faz com que eu me arrepie
inteira e ore para que Sage não perca o controle.
Sinto mãos em meus ombros e vejo Martina se colocando ao meu lado.
Agradeço o apoio silencioso.
— Fiquei o dia inteiro de campana, esperando o momento certo. Quando
ela apareceu na porta daquele trailer imundo… ah! — Ele imita com a mão
uma arma, apontando em direção à porta da nossa casa, coloca em frente aos
olhos, fecha o direito e finge disparos. — Não sei quantos acertaram, mas
descarreguei o pente da minha Browning nela.
— Seu… — vejo Sage gritar e puxar a pistola da cintura, destravando-a
e mirando na direção de Ettore.
Mas antes que meu marido atire, seu irmão, Jett, já está montado no
homem, dando socos em sua cara. Ele ri descontroladamente cada vez que é
atingido, como se tivesse perdido toda e qualquer sanidade. Ou, então, apenas
se acha intocável por conta de seu status como Don de uma família.
Nossos Soldattos correm para tirar meu cunhado de cima de Ettore, por
ordem de Don Marco, que segue parado ao lado de papà.
Enrico controla Jett, enquanto Eddie e outros dois amarram Ettore e
começam a carregá-lo para dentro de casa.
— Vocês acham que sabem de tudo, um bando de idiotas! — Don Ettore
continua rindo. A sensação que tenho é de que ele realmente quer estar aqui,
só não entendo o motivo.
Luana sai do carro, com uma pistola na mão gritando para que soltem
seu pai. A menina não tem nem tempo de mirar, mas atira algumas vezes, sem
que as balas encontrem algum dos nossos. Antes que ela faça qualquer
estrago, Frederico a derruba no chão e a carrega para dentro da casa também.
Os homens se dirigem para a sala de treinamento com Ettore amarrado,
enquanto Luana é levada para o escritório. Sigo com Martina para lá, mas
Don Marco me impede. Antonella está perdida em lágrimas, parada ao lado
do corpo decapitado de Angelo, o choro desesperado por ter que presenciar
seu marido naquele estado.
— Você deve vir conosco, Mia. — A voz de Don Marco continua
controlada. — Teremos uma conversa importante com nosso convidado e as
informações que ele irá nos passar são de sua competência. — Sage sorri
para mim. Vejo o orgulho em seus olhos e sinto meu peito inflar pelo
reconhecimento. — Martina e Giovanna podem acompanhar Luana.
Sage me oferece o braço e caminho ao lado do meu marido, mantendo a
compostura em frente aos homens que nos acompanham. Ninguém fala ou
comenta nada. Vejo o olhar de admiração de alguns, como o de papà e
Enrico, e o desdém em outros. Não me importo.
Assim que Ettore é posto sentado em uma cadeira, Don Marco começa a
falar sobre os valores de nossa família. Não só dos Rossi, mas de toda a
organização. Ele discursa sobre a importância da palavra, relembra a
chegada dos Giordanni aqui, da paz estabelecida, do conselho que sempre se
manteve harmonioso. Então, finalmente sentencia:
— Agora, Ettore, ainda como forma de mostrar que eu quero manter a
paz entre as famílias, te dou a minha palavra de que você tem uma chance de
sair vivo daqui…
— Não! Esse filho da puta matou a minha mãe. — Coal entra na sala de
treinamento carregado por Jerry e Dario. — Ele não pode sair vivo. — Joana
está apontada para cabeça de Ettore.
Don Marco dá apenas um olhar para Coal, que abaixa a Taurus. Os
homens que o carregam, em uma espécie de cadeira improvisada com os
próprios braços, o colocam em uma poltrona na lateral da sala, ajeitada por
Eddie para meu cunhado, que não consegue mexer a perna em função do tiro.
Tenho vontade de dizer que ele nem deveria estar aqui, mas Don Marco não
dá chance para que qualquer outra interrupção seja feita.
— Como eu estava dizendo, Ettore — ele retoma o assunto —, você tem
uma chance de sair vivo daqui e ela depende apenas de você. Quero saber
tudo que você sabe sobre Margareth e Carlo. — Ele cospe ao chão quando
fala o nome do traidor. — Quero que você me explique por que colocou um
espião em minha família. E quero a verdade. Se você me convencer — ele
gesticula com a mão apontando a porta —, poderá ir com sua filha; senão,
apenas ela irá embora.
— Por onde eu devo começar? — Ele ri. — Talvez pela maledetta da
Paola? — Ele olha para Sage com ódio. — A vadia que colocou esse
bastardo no mundo?
Ao contrário do que espero, Sage se mantém calmo. Um sorriso
sarcástico brota em seu rosto e aquela chama brilha em seus olhos, me
deixando extasiada. Um calor entre minhas pernas se instaura e, apesar de
toda a tensão do momento, tenho vontade de arrancar toda a sua roupa, me
ajoelhar em sua frente e colocá-lo em minha boca para demonstrar o quanto
eu me orgulho do homem que se torna a cada dia.
— Comece falando dela mesmo. Da minha mãe. — Ele solta o meu
braço e caminha em direção à cadeira. — Mas vamos combinar uma coisa?
— Sage abaixa-se e tira a faca do tornozelo. — Cada vez que você usar de
um adjetivo desrespeitoso sobre a minha mãe, eu lhe faço um furo, ok?
Ettore não se intimida com a ameaça, mas começa a contar que Paola
Costello, filha de uma das famílias mais importantes de todas, veio para cá
para que eles se casassem, que tudo já estava acertado. A união das famílias,
o poder que isso traria para ele e como os negócios se expandiriam,
colocando-os como a principal família do país.
— Tudo estava bem. Ela parecia feliz e eu a respeitava. Esperava
ansioso pelo casamento e ela também. Achei que estávamos apaixonados. —
Por um minuto, penso que Ettore realmente amou minha sogra. — Mas, do
nada, aquela vadia desapare… — Sage enfia a faca no ombro do homem. —
Puta que pariu!
— Eu avisei. — Ele tira a lâmina ensanguentada e limpa na camisa de
Don Ettore. — Sem adjetivos pejorativos quando falar da minha mãe.
Ettore rosna, mas continua contando que Paola sumiu, o deixando quase
ao altar, arruinando os negócios da família e que, por muito pouco, não se
tornou Don em função dela.
— Ninguém sabia onde ela havia se enfiado. Era como se tivesse
evaporado. Coloquei muita gente atrás de qualquer rastro dela e nada. — Ele
faz uma pausa e encara Don Marco. — Até o convite do seu jantar de noivado
ser avisado a todas as famílias. A foto que vocês usaram… — Ele respira
fundo. — Paola estava muito diferente, havia mudado o corte e a cor do
cabelo, as roupas eram em outro estilo, parecia realmente outra pessoa. Mas
o sorriso…
Don Marco parece concordar. Olho para Sage, que está nitidamente
confuso. Sua mãe não sorria. Pelo menos, ele não tinha essa lembrança. Penso
novamente nas fotos de sua infância. Nas poucas em que aparecia, a mãe
sempre estava assustada.
Ettore diz que veio ao jantar decidido a dar um fim à palhaçada e levar
Paola de volta. Já estava casado com outra, mas isso não importava.
Devolveria Paola à família, exigiria que os acordos de negócios fossem
refeitos e limparia sua honra. Porém, quando chegou, o burburinho já estava
feito e Paola havia desaparecido novamente.
— Por que ela fugiu de você? — ele pergunta ao meu sogro.
— Sempre achei que era porque havia descoberto os negócios da
família. — Don Marco parece confuso.
— Ela era mais da máfia do que nós, Marco! Paola Costello era a
herdeira de uma fortuna, a única filha mulher de Don Massimo. Não seja
stronzo.
Ettore começa a rir, mas para assim que Sage enfia a lâmina em sua
omoplata e urra de dor.
— Também não aceito adjetivos pejorativos para o meu pai. — Ele
pisca enquanto limpa a lâmina novamente na camisa do homem.
Don Ettore, com a voz um tanto ofegante, continua contando que, depois
disso, ficou observando os movimentos da família Rossi para encontrar a
mulher, até que uma informação de que Don Marco sabia onde ela estava,
mas não faria nada em nome da sua honra, chegou até ele.
— Foi então que infiltrei Carlo na sua família — ele confessa. — Eu
queria me vingar dela. Nunca a perdoei por ter me trocado por você.
Carlo passou a trabalhar para os Rossi, sempre com o objetivo de
descobrir onde Paola estava. Foram anos até que ele conseguiu se aproximar
de Tizziano e descobriu tudo.
— Não era de mim que ela fugia — Don Marco deixa escapar e suspira
aliviado. Posso ver que meu marido também. — Era de sua própria família,
com o medo de que a matassem se descobrisse que havia trocado Ettore por
mim. A desonra…
Mesmo Sage estando a cada dia mais adaptado à família, nossos
costumes e formas de resolver as coisas, as dúvidas dele sobre a inocência
do pai ainda pairavam em sua cabeça. Até agora.
— O resto da história vocês já sabem. — Ele ri. — Carlo matou
Tizziano, e ele já tinha sua confiança. Sabia que seria a escolha óbvia para
cuidar do assunto. E foi. — Ettore então olha para Coal na poltrona, Jett
parado ao lado do pai e Sage ao seu lado. — O erro dele foi não me falar que
vocês existiam. Se eu soubesse, teria matado os quatro naquele dia.
— Seu… — Don Marco estende a mão para o lado. Eddie coloca uma
pistola em sua mão. — Você não ameaçará meus filhos nunca mais. — Meu
sogro destrava a arma e mira na direção de Ettore. — E pela morte de minha
bella, pela conspiração contra a minha família, eu poderia te matar agora,
mas…
— Você é mesmo um covarde, Marco! — Ettore ri. — Acabe logo com
essa palhaçada e me solte. Sono un Don. E mande um de seus amigos
colocarem o corpo de Carlo em minha caçamba. Vou enterrar meu amigo fiel
com a dignidade que sua lealdade merece. Ele era afilhado de meu pai,
afilhado de um Don!
Meu sogro não responde à provocação. Ele caminha em direção à
cadeira e coloca o cano da pistola entre os olhos de Ettore. O homem engole
em seco.
— Como eu estava dizendo — a voz continua controlada —, não sou
somente eu que tenho direito ao seu sangue. Por isso — ele olha para os três
filhos — e por conhecer meus meninos — ele engatilha a arma —, você irá
morrer. Agora.
— Você havia me dado sua palavra, Marco.
— O que eu disse era que precisava ser convencido. Não só do que
aconteceu, mas também da sua inocência. Non sei innocente, Ettore[78].
— Pai — Coal o interrompe. — Por favor, com a Joana. — Ele segura a
sua pistola na mão e estende em direção ao pai. — Faço questão.
Um dos homens que está ao seu lado pega a arma e a entrega a Don
Marco, que a usa em lugar da que ele segurava e agora já está na mão de
Sage.
— Suas últimas palavras? — Don Marco pergunta a Ettore.
— Aquele vagabunda mereceu cada um dos tiros que atingiram seu
corpo.
Ettore cospe no chão, mas antes que a saliva toque o solo, um filete de
sangue começa a escorrer de sua cabeça já baixa. Sage a levanta pelos
cabelos, os olhos abertos, sem vida e assustados, do homem não condizem
com suas últimas palavras.
O silêncio predomina por alguns segundos na sala. Uma expressão
cansada e triste toma conta de meu sogro. Sage e Jett aproximam-se dele e o
abraçam. Eles caminham juntos até poltrona onde Coal está.
— Obrigado, filho. — Don Marco devolve a pistola de estimação para
meu cunhado. — A mãe de vocês está vingada.
Quero aproximar-me deles e abraçar meu marido, mas fico parada no
lugar, respeitando o momento fraterno. Depois de alguns minutos, o silêncio
da sala é rompido quando Don Marco ordena que os corpos de Ettore e Carlo
sejam colocados na caçamba e alguém leve o carro e Luana para casa.
— Mia — meu sogro me chama e se vira para mim —, converse com
Luana, diga que as mulheres estão livres para fazer o que quiserem. A família
Giordanni acabou.
— Mas… — tento argumentar.
— Sem mas, Mia. — Don Marco diz, sério. — Faça o que ordenei. —
Ele vira-se para meu pai. — Vamos, Giovanni, precisamos conversar com o
conselho.
Saio contrariada da sala em direção ao escritório. Gostaria de pegar o
rumo do quarto com meu marido, mesmo assim, guardo os desejos para
depois e resolvo me livrar de Luana.
— Tuo padre è morto — digo, abrindo a porta do escritório.
— Não! — Luana se levanta da cadeira e avança em minha direção. —
Vocês vão… — Ela não termina a frase, já que Martina a segura pelos
cabelos antes que suas mãos encostem em mim.
— Alguém vai te levar para casa com os corpos da sua família. —
Ignoro o descontrole da ragazza. — Don Marco disse que vocês estão livres
para fazer o que quiserem. A família Giordanni acabou.
Dou as costas e saio da sala. Ouço Luana ainda esbravejando, dizendo
que pagaremos caro, que a família dela não acabou, mas não perco meu
tempo. Preciso de Sage. Agora. Dentro de mim. Assim que o avisto na sala
com outros homens, faço um sinal com a minha cabeça e começo a subir as
escadas. Ele entende meu pedido silencioso e vem logo atrás.
Quando passa pela porta de nosso quarto, eu a fecho rápido e me jogo
em seus braços.
— Eu estou tão orgulhosa de você! — Emolduro seu rosto com minhas
mãos e dou beijos em suas bochechas, testa, nariz e queixo, antes de unir
nossos lábios e encontrar sua língua com a minha, num beijo urgente e
selvagem.
— O que eu fiz? — ele pergunta, rindo, enquanto recupera o fôlego e me
atira na cama. — O que deixou minha freirinha assim… — Ele levanta meu
vestido até a cintura, arranca minha calcinha e enfia dois dedos dentro de
mim. Arqueio as costas e grito com o prazer que sinto, quando Sage começa a
movimentar seus dedos. — …tão molhada?
— Você me deixa assim, amore mio! — Sage tira seus dedos de onde
estavam e eu protesto. Ele os coloca na boca e chupa devagar. — Seu
autocontrole hoje me deixou orgulhosa. Você parecia um Don.
— É isso que você quer, né? — Ele começa a abrir o botão de sua calça.
— É isso que nós queremos, marito. — Observo-o se despindo. — Mas
acho que ser Don pode esperar pra depois. Agora, eu quero você aqui. —
Coloco minha mão onde lateja e começo a acariciar.
— Ah, freirinha… eu te amo!
É a última coisa que escuto antes de meu marido me invadir, fazendo
com que eu me perca nas sensações que Sage me provoca. As ameaças de
Luana não me pareceram em vão e a decisão de Don Marco de deixar as
mulheres livres é um grande erro. Mas enquanto Sage está dentro de mim, o
resto pode esperar. Pelo menos, por ora. Porque sei que a guerra está apenas
começando.
Agradecimentos

Preciso, em primeiro lugar, agradecer à leitora — ainda anônima — que nos


perguntou quando escreveríamos um livro sobre máfia. Ela ainda não se
identificou, mas espero que esteja lendo este livro e, principalmente, este
agradecimento. Sua pergunta fez um mundo inteiro de ideias girar em nossa
mente. Sem você, Minha Ruína não teria sido escrito.

Agradecemos, de coração, aos nossos leitores lindos e maravilhosos! O


incentivo que vocês nos dão diariamente é essencial para que nossa produção
continue em alta! Por isso, nunca parem de falar com a gente. Amamos suas
mensagens.

Quero agradecer à dona Internet por deixar tantos materiais maravilhosos


disponíveis para nós duas. Foi tanta pesquisa sobre máfia, que, se a gente
parar de escrever, saibam que a CIA nos levou pro xilindró depois de ter
visto nosso histórico. Então, se você, dona CIA, tiver nos prendido, A-HÁ!
ESTE ERA O MOTIVO DE TANTA COISA INCOMUM! NÃO SOMOS
CRIMINOSAS! Aproveitem para ler essa delícia 😉

Deinha do céu! Só você pra revisar nossos livros em tempo recorde e


com tanto profissionalismo. Nós te amamos muito! Bem-vinda a mais uma
série conosco, gatona. Uhul!
Mel e Michele, minhas betas divinas, obrigada por cada surto lendo, por cada
“eu amo o Sage!” e “eu amo a Mia!”. Vocês são essenciais!

Lu (aqui é a Mari escrevendo), obrigada por me atender quase todas as


vezes que te liguei, mesmo estando em circunstâncias impróprias. A cada
livro novo, somos mais fortes. Você disse nos agradecimentos do último livro
que sou a irmã que você nunca teve. Só pra me fazer chorar, sua filha da mãe!
Mas é a pura verdade. Não vou te fazer chorar aqui, porque esse livro pede
apenas risadas malvadinhas. Então, deixo só um EU TE AMOOOO!
Mari, (aqui é a Lu). Já chorei! hahahaha! Obrigada! Só o que tenho a dizer.
Por tudo, em todos os momentos, não são só histórias, livros e risadas. São
perrengues que a gente supera a cada dia, uma contando com a outra.
Obrigada!
Selvagens na Máfia
Se tudo é reinado pela ordem, os trigêmeos Wilder chegam para trazer o caos.
Junto com seus irmãos, Sage viveu isolado até os 16 anos, mas a morte de sua
mãe o deixa solto no mundo. Quando menos espera, seu papà bate à porta
pela primeira vez, com a oferta de uma nova família, muitos segredos e
despertando sua sede de vingança.
Jogue-se de cabeça e descubra com Sage que, neste universo, o que manda é a
lealdade, o dinheiro, a luxúria e um senso deturpado de honra.

Minha ruína
Nada na minha vida é simples. Nunca foi. Só que agora o destino parece estar
de sacanagem com a minha cara.

Eu passei anos confinado, sem saber quem eu era, apenas para ver minha mãe
ser assassinada na porta de casa e descobrir da forma mais inesperada
possível que o meu pai é um Don da máfia italiana. Não só isso: ele quer que
eu e meus dois irmãos entremos para a "família".

Mas, como eu disse, nada na minha vida é simples, e uma de suas exigências
é que eu me case com uma mulher que mais parece uma freira.

A Família Rossi é cheia de segredos e tradições, mas eu sou Sage Wilder, e


nunca soube muito bem como seguir regras...

Desejo de Sangue
Em breve na Amazon!
Sobre o autor
Lu Aranha & Mari Monni

Lu Aranha e Mari Monni se encontraram por acaso. De um grupo de


escritoras no WhatsApp, nasceu uma parceria que vai além das páginas dos
livros.
Elas não só criam histórias juntas, mas também organizam antologias, revisam
livros e se ajudam em tudo.
Uma capricorniana carioca que ama café e uma gaúcha que vive à base de
chimarrão, mas ambas compartilham o amor por uma dose de tequila. Uma
viciada em trabalho e a outra em sexo, Mari e Lu se tornaram grandes amigas
e passam o dia inteiro conversando sobre tudo e nada.
Cada uma em um canto do país, mas isso não importa. São muito parecidas e,
ao mesmo tempo, completamente diferentes. Adoram escrever juntas e se
divertem demais a cada novo projeto.
Livros deste autor
Meu vizinho indiscreto (Série Meus amores)
Qual foi a coisa mais inesperada que você já viu quando olhou para a janela
do seu vizinho? Quando Henrique olha para o outro lado da rua e vê uma
mulher completamente nua passeando pela sala, ele fica hipnotizado. Como
não ficar? Afinal, ela é só curvas e cabelos coloridos.
Melhor ainda quando ela retribui o seu olhar...
Dia após dia, as coisas começam a esquentar e eles descobrem que o prazer
pode estar onde menos esperam. Só que se apaixonarem estava fora de
questão. Certo?
Henrique é um arquiteto desempregado, fazendo bico como barman para
poder pagar as contas. Mika é a cantora de uma banda que vem crescendo
bastante.
Ele, um cara responsável. Ela, uma mulher descomplicada e que adora curtir
a vida.
O que acontece quando os dois se cruzam e descobrem que algo pode
acontecer além da janela?

ALERTA: Se você tem problemas com homens gostosos, mulheres


independentes e várias cenas quentes, não leiam este livro. Alto risco de
calcinhas pegarem fogo!

Meu mecânico indecente (Série Meus amores)


Quando Eric recebe uma ligação, em um domingo de manhã, avisando que
terá que consertar um ônibus enguiçado, nem imagina que sua vida irá mudar
tão drasticamente.
Era uma vez um mecânico do interior que conheceu a patricinha da cidade
grande...
O resultado desse encontro? Uma paixão fora de controle.
Sissi, a tecladista da banda Estrogenium, é um livro fechado, mas com uma
bela capa. E sua história ninguém conhece.
Uma mulher espirituosa e bastante inusitada, que vai fazer de tudo para
amolecer o coração do mecânico.
Por obra do destino, os dois precisam conviver durante alguns dias, e vai ser
uma semana de amor, ódio e muito tesão.
Mas a semana chega ao fim. Só basta saber se aquilo que eles construíram
também irá acabar.

ALERTA: Mantenha a distância se você não gosta de homens sarados, sujos


de graxa e que não têm medo de dizer, em detalhes, o que pretendem fazer
com uma mulher entre quatro paredes.

Meu professor insáciavel (Série Meus amores)


Quais fetiches você está escondendo atrás de suas roupas bem comportadas?
De dia, um professor dedicado. À noite, um homem que parece nunca estar
satisfeito. Até que ele a encontra e fica ainda mais insaciável.
Baby, a baterista da banda Estrogenium, é uma mulher bem decidida. Sabe o
que quer, como quer e o que deve fazer para chegar lá. Ela acabou de sair de
um relacionamento e a última coisa que pensa é entrar em outro. Mas a
atração entre os dois é mais forte do que qualquer um dos planos que traçou
para si mesma.
Por isso, eles fazem um pacto: sem sentimentos, sem envolvimento, sem
outras pessoas. É assim que a boa e velha história de “amigos com
benefícios” começa. O problema é que tanto o pacto quanto os mil planos de
Baby não são capazes de impedir o que está por vir.
Alexandre — e todos os seus outros nomes — vão levar Baby à loucura. Ele
é intenso, decidido e está disposto a lutar para ser mais do que apenas um
amigo...

ALERTA: Leia este livro usando calcinhas à prova de fogo. Alto risco de
incêndio.

Meu virgem inesperado (Série Meus amores)


Imagina descobrir que aquele seu primo gato é, na verdade, virgem!
Malala não aguenta mais as chatices da sua mãe, muito menos ter que
competir com sua irmã gêmea por atenção. Ela só quer viver sua vida do
modo como acha que a fará feliz. Determinada e independente, Mal sabe
muito bem o que quer e como chegar lá.
Jimi tinha tudo para dar errado, mas quando foi adotado por uma família nada
tradicional, acabou ganhando muito mais do que oportunidades. Seu mundo se
resume à faculdade, suas mães e à melhor amiga. Nada de namoradas, o que
começa a ser um problema quando se tem vinte anos.
Mal nunca imaginou que pudesse se interessar por Jimi. Muito menos que
aquele homão fosse virgem! Nem Jimi pensou que Mal fosse despertar tanto
desejo nele. Ela sempre esteve lá...
A família Estrogenium cresceu... Agora, as integrantes da banda resolvem
reunir as famílias para passarem o feriado juntas. Muito a contragosto, Jimi e
Mal vão para Vale da Esperança para o que promete ser o pior carnaval da
vida deles. Mas o que era para ser um feriadão pacato acabou se tornando
uma semana cheia de paixão e novas descobertas.

AlLERTA: Fique longe se você não gosta de homens virgens, mulheres


experientes e uma paixão entre amigos de infância

Meus amores inesquecíveis (Série Meus amores)


Cauê e Bertha resolveram casar e isso deixou a família Estrogenium em
polvorosa. Não pelo casamento, mas pelo prazo: três dias. O que a maioria
não sabe é o motivo da pressa. Se, assim como Eric, você imaginou que
Bertha está grávida, não se preocupe, não daremos spoilers.
Entre encontros e reencontros, algumas confusões, risadas, lágrimas e aquelas
cenas de molhar a calcinha, chegou a hora do “felizes para sempre”.
Henrique, Mika, Eric, Sissi, Alexandre, Baby, Jimi, Malala e todos outros
personagens estão prontos para o que o destino os reservou.
Embarque pela última vez nessa série que arrancou risadas e suspiros de
muitos leitores e venha se emocionar com este final.

ALERTA: Leia com uma caixa de lenços ao lado. Alto risco de chororô e de
se apaixonar ainda mais por essa série.

Meu
***BOX COMPLETO DA SÉRIE MEUS AMORES COM CAPÍTULOS
EXTRAS!***

Cinco livros.
Cinco casais.
Cinco romances quentíssimos e de tirar o fôlego.
A série Meus Amores traz as histórias das meninas da Banda Estrogenium.
Cinco mulheres determinadas e muito bem resolvidas, que vão se permitir
viver algo intenso e inesperado.

Mika e Henrique se conhecem da forma mais estranha possível: através de


uma janela. Sem conseguir desgrudar os olhos do vizinho da frente, eles
começam um relacionamento diferente e voyeurístico, mas tudo começa a
ficar ainda mais intenso quando se veem pela primeira vez.

Quando Sissi se vê no meio de uma estrada deserta e com o ônibus da turnê


quebrado, a solução é chamar um mecânico. Mas o que aparece na sua frente
é o homem mais irresistivelmente safado que ela já conheceu na vida. Por
uma semana, eles vão ter que conviver, e não há nada que irá conseguir
controlar a paixão avassaladora entre a patricinha da cidade grande e o
homem mais indecente da cidadezinha do interior.

Baby tem tudo planejado. Perder o controle nunca esteve nos seus planos. O
problema é quando ela conhece Alexandre e todas as suas “faces”. Porque ele
não é apenas um professor, ele é insaciável e tem fetiches que farão com que
ela descubra um lado novo, que nunca imaginou ter.

Malala sempre quis ser passista de uma grande escola de samba, mas quando
se vê forçada a passar o carnaval em família, seus sonhos parecem ir por
água abaixo. O que ela não esperava era que seu “priminho” pudesse
despertar nela vontades nunca antes sentidas. Só tem dois problemas: ele é o
melhor amigo de sua irmã… e virgem!

Quando Bertha e Cauê anunciam para a família Estrogenium que irão se casar
em três dias, todo mundo surta! Principalmente porque acreditam que ela está
grávida. Porém, há muita coisa no relacionamento dos dois que ninguém nem
imagina. E eles estão prontos para conquistarem o sonhado “felizes para
sempre”.

Venha conhecer essa série engraçada, romântica e quente. Cuidado com as


calcinhas, meninas, porque elas vão pegar fogo!
Treze dias com ela (Série Advogatos)
Ao se deparar com o caso mais difícil de toda a sua carreira, o advogado
Murilo Sales fica em um beco sem saída. Ele tem a reputação de ser um dos
melhores na sua área e não pode colocar o nome da sua firma em risco.
A mídia está em cima dele, assim como seu cliente.
Em vez de se desesperar, Murilo resolve pedir ajuda a um detetive particular.
O que não esperava era acabar contratando uma mulher linda, excêntrica e
com uma predileção estranha por pirulitos de framboesa.
Muito menos que se encantasse por ela. Afinal de contas, ela é completamente
diferente do que está acostumado. Com suas frases sem filtro e sua escolha de
roupas nada apropriadas, ele se descobre cada vez mais atraído por quem não
devia.
O problema é que ele não mistura a vida pessoal com a profissional. Pior
ainda quando é obrigado a passar tanto tempo ao lado de Alex.
Duas pessoas que não têm nada em comum, a não ser a paixão que começam a
sentir pelo outro e a necessidade de encontrar respostas para o maior caso de
suas vidas.

Doze semanas com ela (Série Advogatos)


Com apenas um e-mail, a vida do advogado Dimitri Avelar ganha um rumo
inesperado: de solteiro convicto a pai de família. O problema é que a grávida
desaparece, carregando o herdeiro do “deus nórdico da fertilidade” no
ventre, e nem mesmo a detetive Alex Sobrinski consegue encontrá-la.
Quando Eva Lombardi, a investigadora da polícia civil mais correta de todo
o distrito, cruza o caminho de Alex em sua busca pelo filho de Dimitri, juntas
elas descobrem que o desaparecimento da mulher é apenas a ponta do iceberg
em um caso muito mais complexo.
Em meio a investigações, Eva e Dimitri acabam se aproximando. Passar
semanas ao lado dela é uma tortura — principalmente porque a química entre
os dois é fora do comum. Só que Eva não quer se envolver. Não quer se
apaixonar. Não quer dar uma chance a Dimitri e ao que pode ser uma paixão
de tirar o fôlego.

Segredos de luxúria (Antologia)


O que acontece entre quatro paredes não precisa ser comentado. Um amor
proibido, uma fantasia, um fetiche...
Nesta coletânea de contos eróticos, você irá se deparar com formas diferentes
de sentir prazer: Vinte autores, vinte histórias, vinte desejos.
Deixe o pudor de lado e entregue-se à luxúria. Ninguém precisa ficar
sabendo...
Será o nosso segredo.

Contos para gozar sozinha (Antologia)


Se a vida fosse resumida a orgasmos você estaria realmente viva?
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Bjos e até a próxima,


Lu & Mari

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