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Selvagens na Máfia I
Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas ou acontecimentos é apenas
coincidência.
Nada na minha vida é simples. Nunca foi. Só que agora o destino parece estar
de sacanagem com a minha cara.
Eu passei anos confinado, sem saber quem eu era, apenas para ver minha mãe
ser assassinada na porta de casa e descobrir da forma mais inesperada
possível que o meu pai é um Don da máfia italiana. Não só isso: ele quer que
eu e meus dois irmãos entremos para a "família".
Mas, como eu disse, nada na minha vida é simples, e uma de suas exigências
é que eu me case com uma mulher que mais parece uma freira.
Al Capone
Prólogo
Sage - 2015
Nada para mudar a perspectiva de um homem tão dramaticamente quanto
ouvir sua mãe ser alvejada na porta de casa. Executada a sangue frio. Porque
ninguém recebe trinta e três tiros à toa. Não foi um acidente.
Foi como se eles estivessem esperando a oportunidade perfeita. Algo
tão raro que, qualquer um que desejasse eliminá-la, precisaria ter muita
paciência. E eles tiveram.
Eu não fazia ideia do motivo que levava minha mãe a nunca sair de casa.
Chegamos a pensar que ela tinha algum tipo de fobia, mas não… Claro que
não. O que eu jamais esperava descobrir era que minha mãe, a mulher mais
doce que já conheci, estivesse sendo procurada por Deus sabe quem, por
razões que nem posso começar a imaginar.
Engulo em seco. O ar frio do outono deixa tudo ainda mais fúnebre. É o
dia perfeito para chorar a perda de alguém. O sol não brilha. Os pássaros não
cantam. As crianças não dão risadas na rua. A impressão que tenho é de que o
mundo está de luto.
Jett e Coal encaram o caixão enquanto ele é baixado para dentro da
cova. Diferente dos meus irmãos, eu não consigo olhar. Não consigo me
permitir ter a certeza de que ela nunca mais vai voltar. Prefiro encarar os
meus próprios pés. Talvez por eu nunca ter expressado como me sentia em
relação a ela. Talvez por eu nunca ter apreciado o fato de ter uma mãe que
fazia de tudo para me manter vivo. Ou para se manter viva.
Que garoto nunca diz à própria mãe que a ama?
Pior ainda: que homem age desta mesma maneira?
Eu. Sage Wilder. Dezesseis anos na cara e nunca me dei ao trabalho de
dizer à mulher que fez tudo por mim que eu a amava. Nunca disse obrigado.
Foram poucas as vezes que a abracei ou deixei que me beijasse. O rancor
sempre me corroeu e, agora, vejo que nem tudo era tão preto no branco assim.
Só que, na adolescência, não queremos entender o que o outro pensa ou
sofre. E minha mãe… Ela tinha motivos para agir daquele jeito. Talvez se
tivesse explicado sua história, minha rebeldia não teria sido a mesma — e
tudo teria sido muito diferente.
Só que essa história eu nunca vou descobrir. Não agora, que ela
descansa a sete palmos.
Um pingo de chuva cai no meu pescoço, mas eu não me mexo. Não
consigo me mexer.
O padre continua dizendo palavras bonitas, mas quem é ele para fazer
isso? Como pode falar tanta coisa sobre uma mulher que nem conhecia?
Afinal, ninguém conhecia Margareth Wilder, pelo simples fato de ela nunca
ter permitido que isso acontecesse. Minha mãe era um livro fechado. Não se
relacionava com ninguém e raramente saía de casa. A não ser quando nos
mudávamos, o que acontecia com mais frequência do que eu podia aceitar.
Ao longo da vida, morei em apenas uma casa, só que em quarenta e três
cidades diferentes. Ela não permitiu que nenhum de nós fôssemos à escola.
Ou ao parque. Tampouco ao cinema, festas ou qualquer coisa normal a um
garoto. Éramos nós quatro dividindo um espaço pequeno, sem luxo e o mais
longe possível de um centro comercial.
“Vocês não podem sair. É muito perigoso”, ela dizia enquanto eu
protestava. E quando eu fugia, era recebido de volta por muitos abraços,
beijos e um choro aliviado. Dois minutos depois, ela gritava e me batia,
sempre alegando que eu não podia sair de casa.
Coal era mais paciente. Tentava me convencer a ficar quieto, que não ia
adiantar fugir. Já Jett era a balança entre nós: ora tendia para o meu lado, ora
para o de Coal.
Nós não fomos criados por uma mãe. Fomos aprisionados por ela.
Hoje, eu vejo o porquê. Era isso ou a possibilidade de recebermos trinta
e três tiros antes de chegarmos ao nosso próximo aniversário. Era apenas
nesta data que ela nos permitia fazer alguma coisa fora de casa. Ou melhor,
do trailer em que morávamos. Era mais fácil assim, ela dizia. Mais fácil para
nos mudarmos assim que fosse preciso — e era sempre preciso.
A comida era escassa. A alegria também.
Mas estávamos com vida.
O padre pergunta se queremos dizer alguma coisa, porém não tenho voz
em mim para isso.
— Minha mãe era uma mulher maravilhosa — Coal começa a dizer —,
que foi levada de nós cedo demais. Ela fazia de tudo para que ficássemos
bem, apesar do peso que os segredos criavam em suas costas. Vai tranquila,
mãe. Nós vamos continuar aqui por mais um tempo, mas depois nos
encontramos no céu. Eu te amo e vou sentir saudades. — A última frase sai
embargada, mas Coal não chora.
Ele vai até a lápide e coloca uma única rosa branca ali.
Margareth Wilder
1979 – 2015
Ela tentou…
Capítulo 1
Sage - Cinco anos depois
— Eu não sei se você é burro ou suicida — Jett diz, rindo, enquanto
analiso com cuidado o Porsche estacionado na frente do Gio’s, nosso
restaurante italiano preferido.
— Nem um, nem outro. Só preciso de uma grana rápida para pagar
algumas coisas. — Não dou muitas explicações.
Meu irmão sabe exatamente o que eu tenho feito nos últimos anos. E,
sinceramente, acho que ele se sente grato por isso. Afinal, se não fosse por
mim, as coisas teriam sido muito mais complicadas para ele e Coal.
Eu não me arrependo de nada. Cada carro roubado, cada carteira
furtada, cada casa arrombada no meio da noite nos trouxeram até aqui e nos
impediram de fazer parte de um sistema falido.
Nos últimos cinco anos, parece que vivi mais do que em toda a minha
vida. Claro que o perfeitinho do Coal não concordava com nenhum dos meus
métodos. Mas, aos dezesseis anos, éramos apenas três irmãos que não tinham
qualquer preparo para viver sozinhos em um mundo de lobos.
A assistente social queria nos levar para um orfanato. Eu consegui que
ela nos emancipasse. Coal foi para a escola e conseguiu um emprego em uma
lanchonete. Jett também tentou, mas, no fim, acabou escolhendo o mesmo
caminho que eu: um que faz com que as coisas cheguem muito mais facilmente
até nós. Pouco me importam as consequências. Afinal, o que tenho a perder?
— Pronto? — pergunto ao meu irmão, que apenas faz que sim com a
cabeça.
Ele sabe qual é o procedimento. Não é a primeira nem a segunda vez que
fazemos isso.
A parte boa de trabalhar em uma área cheia de pessoas ricas é ter uma
porção de carros velhos, mas que valem muito dinheiro. Coisa de
colecionador. No meu dicionário, essa palavra significa “pessoa que tem
mais dinheiro do que bom senso”. Eles se acham intocáveis, só porque
carregam um American Express preto e sem limite na carteira.
Fodam-se todos eles.
Se não quiser ser roubado, então compre um carro com uma porra de
alarme. Esses antigos não têm sistema antifurto. Melhor pra mim.
A rua está vazia, escura. Jett me segue, mas mantém uns metros de
distância entre nós. Ele sabe que precisa ficar vigilante. Sua moto está
estacionada logo ao lado, para facilitar que ele escape caso eu não consiga.
Mas eu sempre consigo.
O Porsche prata parece chamar meu nome. Sorrio para ele.
— Vem pro papai — sussurro enquanto arrombo a porta de forma sutil,
porém eficiente.
É a hora da verdade.
O alarme não soa, como eu sabia que aconteceria. O clique do metal me
avisa que está tudo certo. A adrenalina corre por minhas veias, fazendo com
que meu coração bata mais rápido, de forma frenética.
Eu amo essa sensação.
Viro o rosto para o meu irmão e solto um assovio baixo. Ele me encara e
faço um sinal positivo com a cabeça. Quando Jett entende o sinal e se prepara
para correr, abro a porta do carro e me sento no banco de couro. O cheiro de
cigarro invade minhas narinas.
Faço uma ligação manual embaixo do painel e, em menos de dez
segundos, vejo as luzes se acenderem.
O sorriso no meu rosto é incontrolável.
Jett percebe que está tudo certo e corre até a sua moto enquanto eu passo
a primeira e acelero com o carro. Conheço a área e sei exatamente o caminho
mais rápido para chegar aonde preciso.
As luzes da cidade me chamam, me seduzem, mas não tenho tempo para
elas agora. Preciso entregar minha encomenda antes que seja tarde. Mikhail
não é um homem paciente.
Cruzo a rua principal, pouco me importando se estou avançando um
sinal. Escuto o ronco do motor da moto de Jett e sei que ele está logo atrás de
mim. Acelero mais ainda o carro, fazendo com que ele chegue a 110km/h.
Se eu pudesse, levava esta belezura para um passeio na rodovia e
testaria todos os seus limites.
No bolso da calça, meu celular começa a tocar.
Merda.
O toque que selecionei para Coal é insistente e sei que, se não atender,
ele apenas continuará ligando.
— Fala, irmãozinho — uso propositalmente o termo que sempre faz com
que ele se irrite.
— Dois minutos, Sage. Você é mais velho do que eu por apenas dois
minutos.
— Dois minutos são suficientes para definir a vida de um homem, Coal
— respondo com o tom zombeteiro que o irritará ainda mais. — O que você
quer?
— Onde vocês estão? Estou no trailer, mas, obviamente, vocês não
estão aqui — ele fala e posso imaginar sua expressão.
— Nossa, Coal. Acho que você deveria buscar uma carreira como
detetive da polícia. Suas habilidades podem ser úteis para aquele bando de
idiota.
— Vai se foder, Sage. Cadê vocês? — ele insiste, ignorando o meu
comentário.
Antes que eu possa soltar uma risada, um carro preto avança o sinal, me
forçando a desviar bruscamente. Piso no freio e giro o volante para a direita,
fazendo com que os pneus emitam um som desagradável. Jogo o celular no
banco do carona, tentando manter controle do veículo.
— FILHO DA PUTA! — grito para o otário do outro carro, mas ele não
consegue me escutar.
Se eu não estivesse com tanta pressa para levar o carro até Mikhail, iria
atrás desse arrombado de merda e esfregaria a cara dele no asfalto até
conseguir enxergar os ossos. Meu coração acelera; desta vez, não por conta
da adrenalina, e sim pelo ódio que corre em minhas veias. Eu quase morri por
conta daquele desgraçado.
Olho pelo retrovisor e vejo que Jett ainda está na minha cola. Menos
mal. Se ele tivesse sofrido algum acidente por conta daquele cu d’água de
merda, não me responsabilizaria pelos meus atos.
Se eu morrer? Foda-se. Se meu irmão caçula ficar machucado, o
responsável será castrado e morrerá engasgado com as próprias bolas. Só de
pensar nisso, a ira me consome um pouco mais.
Escuto Coal gritar meu nome, mas eu o ignoro. Alcanço o celular e
encerro a ligação. Não estou a fim de falar com ele, muito menos de ouvir
seus sermões de que “as coisas podem ser melhores, basta você querer”.
Não, Coal. Não podem. E, principalmente, não quero.
Estou a menos de dois quarteirões de distância da oficina de Mikhail,
então, acelero o carro mais ainda, fazendo com que ele chegue a 130km/h,
apenas para frear bruscamente mais uma vez.
Paro na frente da loja, saio do carro e pego o celular do banco, batendo
a porta com força atrás de mim. Escuto Jett estacionar sua moto e solto um
suspiro de alívio.
Ele está bem. É isso o que importa.
Antes de fazer qualquer outra coisa, tiro o maço do bolso traseiro da
calça jeans. O isqueiro vem junto. Acendo um cigarro enquanto caminho para
dentro da oficina, Jett ao meu lado.
O primeiro trago é sempre o melhor. O mais longo. O que mais me dá
prazer. Fecho os olhos para sentir a fumaça queimar meu pulmão e solto-a
pelo nariz.
— É proibido fumar aqui — Mikhail diz, no auge dos seus dois metros
de altura, olhando para mim como se eu fosse uma criança fazendo merda.
— Vai se foder, russo. Hoje, não — respondo de forma ríspida. — Não
tô com paciência.
Todo mundo sabe que Mikhail Ivanov é membro da máfia russa. Só que
eu não tenho medo dele, nem quando me olha de forma ameaçadora.
Mikhail pode parecer um gigante, mas não fico muito para trás. Tenho
apenas uns cinco centímetros a menos que ele, e não cederia tão fácil caso
quisesse cair na mão comigo.
As pessoas o temem — talvez pela enorme cicatriz que corta o lado
esquerdo do seu rosto —, mas eu não. Eu não tenho medo dele nem de
ninguém. Já passei dessa fase há muito tempo.
— Tá putinho hoje, é? — ele pergunta, agora com um enorme sorriso em
sua face deformada.
— Na verdade, quero sangue. De um filho da puta especificamente —
explico. — Mas vou preferir pegar meu dinheiro antes.
Mikhail solta uma gargalhada alta.
— Eu gosto de você, Sage. Nicolai ficaria feliz se você se juntasse à
Bratva — ele diz, se referindo à máfia russa e a seu cabeça na cidade.
— Obrigado, mas vou passar. Quero só meu dinheiro e vou embora —
aviso, dando mais um trago no cigarro.
— A escolha é sua. Mas eu repito: as portas estão abertas para você. —
Mikhail mete a mão no bolso da sua calça suja de graxa e tira de lá um bolo
de notas de cem. Em seguida, o entrega para mim. Antes que eu possa pegar o
que é meu por direito, ele recua. — Só pensa na oferta.
Faço que sim com a cabeça e pego a grana.
Saio de lá sem dar mais uma palavra sequer. Não tenho interesse em me
juntar à Bratva, muito menos de me tornar mais um escravo de Nicolai. Sei
como ele trabalha e sei como faz com que as pessoas que trabalham para ele
fiquem dependentes de sua influência.
Tive que passar por muita coisa para ser dono do meu próprio nariz.
Não estou nem um pouco a fim de ceder minha independência em troca de
alguns trocados a mais.
— Ele não vai desistir até que você aceite — Jett diz, mas não
respondo.
Sei que está certo. Também sei que não vou ceder. Uma coleira é a
última coisa que quero no momento.
Nós nos encaminhamos até a moto. Jett vai para a direção e eu fico de
carona. Não estou a fim de pilotar agora. Na verdade, tenho outras coisas em
mente.
— Vamos para o bar. Preciso de uma cerveja — anuncio, fazendo com
que meu irmão solte uma risada enquanto balança a cabeça negativamente.
Mesmo assim, ele faz o que peço e arranca com a moto.
O ar gélido do inverno é ainda pior quando estamos na moto. A jaqueta
de couro que sempre uso não parece fazer muito efeito para manter meu corpo
aquecido. Pela primeira vez na vida, sinto falta do capacete.
Jett permanece em silêncio durante todo o percurso. Meu irmão me
conhece, sabe que, às vezes, preciso ficar calado. E isso normalmente ocorre
quando estou consumido pelo ódio. A vontade de drenar o sangue daquele
infeliz ainda passa pela minha cabeça, mesmo que, aos poucos, ela diminua
de intensidade.
Preciso de uma cerveja. E de uma mulher.
O caminho até o bar ao qual sempre vamos é rápido, não mais do que
dez minutos. Ou talvez isso se deva ao fato de o meu irmão ser ainda mais
viciado em alta velocidade do que eu.
Assim que ele para a moto na rua lateral, o inesperado acontece e somos
rodeados por um grupo de homens.
Nem tenho tempo de pensar no que fazer, quando um deles pergunta:
— Sage e Jett Wilder?
— Quem quer saber? — respondo à pergunta com outra.
Eles nos cercam e impedem que nos afastemos.
Sinto meu irmão ficar tenso ao meu lado e quero assegurar-lhe de que
tudo vai ficar bem, mas não tenho certeza de nada neste momento. Todos eles
nos encaram, como se procurassem algo em nós.
— Olha, estamos desarmados e… — Jett começa a dizer, mas é
interrompido por uma risada.
— E o que, ragazzo[1]? — o homem insiste.
Se eu estava sentindo ódio daquele babaca do outro carro, agora meu
sangue ferve. Ninguém debocha do meu irmão assim.
Antes que eu consiga pesar a consequência dos meus atos, dou dois
passos para frente e acerto o filho da puta com um soco no rosto. No mesmo
instante, muitas armas são apontadas para mim.
O homem que está no chão coloca a mão no maxilar, provavelmente
sentindo a dor do meu gancho.
— Fala assim com meu irmão de novo e eu te mato — ameaço, ciente da
veracidade das minhas palavras.
— Sage, relaxa — Jett tenta me acalmar, mas é inútil.
Em vez de me responder de imediato, o homem começa a se sentar no
chão e solta uma gargalhada alta. Porém, não vejo o humor em toda esta
situação.
— Sabe qual seu problema, Wilder? — ele me pergunta, de forma
retórica. Porque nem se eu tivesse um problema de verdade gostaria de ouvir
qual é. Mas as palavras que seguem sua pergunta fazem com que eu dê alguns
passos para trás: — Você é realmente filho do seu pai.
Capítulo 2
Sage
Olho para baixo e o encaro sem saber como processar o que acabei de
escutar. Ele percebe minha reação e começa a rir ainda mais alto.
Não penso duas vezes e largo um chute em seu peito, fazendo com que
ele caia para traz. O homem arfa com o impacto, mas os outros permanecem
calados. Na mesma hora, sinto um cano pressionar minha cabeça por trás.
— Puta que pariu, Sage! Você acordou suicida hoje? — Jett berra ao
meu lado. Provavelmente ele também tem uma arma apontada para sua
têmpora.
Mas não olho para ele ou para qualquer pessoa que nos esteja
ameaçando. Toda minha atenção está voltada para o homem no chão, que
agora tosse com a força do meu chute. Mesmo assim, o sorriso não sai de seu
rosto.
E depois Jett vem dizer que eu sou o suicida da história…
— Quem é você? — Ignoro as várias armas apontadas para mim.
— Pensei que fosse um pouco mais inteligente, Sage. — O modo como
pronuncia meu nome carrega mais do que sarcasmo. Posso sentir o desprezo
em suas palavras.
Por um minuto, tento forçar minha mente para ver se me lembro dele. De
repente, eu roubei seu carro ou invadi sua casa… Mas não é isso. O rosto é
completamente desconhecido.
O escárnio faz com que eu sinta vontade de rasgar sua boca, no estilo
Coringa, só para que ele nunca se esqueça que riu do homem errado. Quando
dou um passo à frente para fazer exatamente isso, o homem armado atrás de
mim me segura pelo ombro.
— Já aguentamos seu temperamento por tempo demais, Wilder. Não
importa quem você é, tudo tem limites — ele diz de forma tranquila, porém
consigo sentir a ameaça em seu tom. — Posso morrer por isso, mas se você
tentar machucar meu Capo de novo, eu te mato. — Dessa vez, é um sussurro.
Fico calado. Não porque tenho medo de qualquer um deles, mas porque
estou tentando juntar todas as peças do quebra-cabeças que acabou de se
formar à minha frente.
É então que me dou ao trabalho de olhar ao redor pela primeira vez e
consigo contar seis homens, além daquele que está no chão.
“Capo”, disse o que tem a arma apontada para mim. Sinto meu irmão
ficar inquieto ao meu lado e não tenho ideia do que posso fazer para acalmá-
lo. Ele sabe, tão bem quanto eu, o que esse título significa: estamos diante de
membros da máfia italiana.
Apesar de eu ter meus contatos com os russos e até mesmo alguns
japoneses, nunca sequer havia cruzado com um italiano antes. Eles são mais
discretos, menos impulsivos. Porém, a reputação que carregam na cidade é de
“impiedosos”.
Uma vez, ouvi alguém os comparar a dobermans: você não sabe que
estão lá, até ser tarde demais.
Olho de novo para eles, esperando aquele visual típico de filmes. Só
que nenhum usa terno. Nenhum tem um charuto na boca ou um chapéu na
cabeça. Suas roupas são normais. Jeans, camiseta, alguns de camisa de botão.
Botas, cintos. Homens normais, que você jamais esperaria que fizessem parte
de uma das maiores organizações criminosas do mundo. Inclusive, o que me
tem sob sua mira nem falou com sotaque.
— O que vocês querem? — finalmente pergunto, cansado de tentar
desvendar cada pista que tenho à minha frente. — O que meu pai tem a ver
com isso? — direciono a pergunta ao homem que está no chão.
O sorriso parece ter sido engessado em seu rosto, mas ele não alcança
os olhos. Claro que não. Não é humor que tem ali. É o desprezo que senti
anteriormente em seu tom. Foda-se ele. Foda-se essa gente toda. Não tenho
tempo a perder, e se ele não me responder rápido, provavelmente estes serão
os últimos minutos que o sangue irá correr pelas minhas veias. Coal sempre
disse que impulsivo é meu nome do meio, e estou prestes a provar que meu
irmão está certo.
Dou um passo para frente e escuto o engatilhar da arma. É mais um
aviso: se eu me mexer de novo, ele não pensará duas vezes antes de me matar.
É a minha vez de abrir um sorriso.
— Se vocês me quisessem morto, o trabalho já teria sido feito. —
Bruscamente, viro-me para o homem que me ameaçou. — Pode atirar. Fique à
vontade — digo, encarando-o nos olhos.
Tenho uns quinze centímetros e pelo menos trinta quilos de músculo a
mais do que ele. Não vou me acovardar. Nunca fiz isso na vida, não será esta
a primeira vez.
Quando vejo seu pomo-de-adão subir e descer, qualquer dúvida que
pudesse existir em minha mente se esvai. Eles precisam de mim. Basta
descobrir o porquê.
— Vou repetir apenas mais uma vez: o que vocês querem com a gente?
— Minha voz é baixa, firme, mas sei que todos me escutam.
Viro-me novamente, agora para encarar o homem em quem acertei um
soco. Ele já está de pé, parado à minha frente.
— Venha conosco, ragazzo — ele diz.
Talvez, para ele, eu realmente seja um ragazzo. O homem parece estar
no auge dos seus quarenta e tantos anos. O cabelo escuro tem alguns fios
brancos, assim como seu cavanhaque bem aparado. Ele me olha de cima a
baixo e imito os movimentos, analisando meu oponente.
Se fosse no mano a mano, com certeza quebraria a cara desse idiota.
— Desculpa, mas minha mãe me ensinou a nunca entrar no carro com
estranhos — debocho.
Ele fecha a distância entre nós, porém não encosta um dedo sequer em
mim — e isso me deixa intrigado.
— Pelo visto, a vadia da sua mãe não sabia como educar os próprios
filhos — ele fala e seu hálito de cigarro invade minhas narinas.
Antes que eu consiga sequer esboçar uma reação, escuto um grito e vejo
um vulto voar na minha frente, levando o homem novamente ao chão.
Jett, sem medir quaisquer consequências, está sobre ele, socando-o
repetidamente no rosto.
— Você nunca mais ouse falar da minha mãe, seu italiano de merda!
Pela primeira vez na vida, sinto orgulho do meu irmãozinho. Sua
resposta ao insulto foi tão rápida que não deu aos demais a chance de se
manifestarem. Agora, vendo o caos que está acontecendo e o sangue manchar
o rosto de seu Capo, os homens saem dos lugares e avançam até Jett.
É minha deixa para agir.
Parto para cima de um, acertando-o com toda a minha força e fazendo
com que ele vá ao chão. Sua arma cai e eu a pego. Ao ver os outros se
amontoando em cima de Jett, disparo algumas vezes para o lado, acertando o
chão da outra calçada. Por sorte, não tem ninguém passando por perto a essa
hora da noite.
Os homens se espantam com a minha reação, assim como Jett, que me
encara sem entender o que estou fazendo.
Dou um passo para frente e miro na cabeça do Capo.
— Você tem dez segundos para me dizer o que está acontecendo, senão
eu atiro nessa sua barbicha ridícula. — Olho fixamente para ele. Sei que
todas as outras armas estão voltadas para mim, mas pouco me importa. — Jett
— chamo meu irmão, que parece não saber o que fazer agora. — Vem aqui.
Ele faz o que peço e sai de cima do homem, vindo até o meu lado.
— Agora eu sei por que ele quer tanto a presença de vocês… — o
homem diz, fazendo um esforço para se levantar.
Ninguém faz menção de ajudá-lo, e eu não sei se isso se deve ao fato de
ele não precisar de ajuda ou se ninguém quer realmente que ele se levante.
— Quem quer a nossa presença? — exijo saber.
Estou cansado dessa conversa fiada.
— Don Marco Rossi. Seu pai.
Engulo em seco. Eu devo estar ficando louco, ou então o barulho do
disparo feriu meus tímpanos.
— O quê? — Olho para ele, sem saber como reagir à informação.
Como esperado, o homem — mesmo ensanguentado e com o olho
esquerdo já começando a se fechar com a força dos golpes de Jett — começa
a rir.
— Você ainda tem muito a aprender, ragazzo, mas não tenho paciência
para ensinar nada a ninguém — ele diz, finalmente de pé.
— Don Rossi é…? — Jett diz ao meu lado, sem conseguir terminar a
frase.
Faço dos dele os meus sentimentos.
Seguro o cabo da arma com força, meu dedo indicador seguindo o trilho.
A vontade que eu tenho agora é de esvaziar o cartucho nele, mas a minha
curiosidade está falando mais alto.
— Sim, ragazzo. É o pai de vocês. Blá, blá, blá. Não estou a fim de
continuar esse papo furado. Agora, seja um bom menino e entregue a arma
para o Rico ali. — Ele aponta para o um de seus companheiros. — Apenas
para conhecimento, sou Carlo De Rosa, um dos Capos do seu pai.
Troco olhares com Jett, que parece tão confuso quanto eu.
— Onde está seu outro irmão? — um dos homens pergunta.
— Fazendo um cruzeiro pelo Caribe. — Se ele realmente acha que vou
informar a localização de Coal, está muito enganado.
O homem apenas faz que sim com a cabeça e volto meu olhar para
Carlo.
— Se é assim que você quer lidar com as coisas, que seja. Vamos, não
tenho a noite toda — Carlo fala e limpa um pouco do sangue que escorre do
canto de sua boca.
Jett fez um excelente trabalho com ele. E, se não fosse pelos tiros,
provavelmente teria acabado o serviço.
Esse homem pode dizer que somos filhos de um tal de Don Rossi, mas o
que corre em nossas veias é Wilder do início ao fim — e Wilders não se
curvam jamais.
— Sage? — Jett chama meu nome e sei que ele está me perguntando o
que devemos fazer agora.
Fomos encurralados por um grupo de sete homens, que disseram que sou
filho de um Don da máfia italiana. A resposta para a dúvida de meu irmão é
bem simples.
— Aqui. — Giro a arma em minha mão, oferecendo-a de volta ao seu
dono. — Para onde vamos agora?
"Volare oh, oh
Cantare oh, oh
Nel blu dipinto di blu
Felice di stare lassù…"
— Você precisa controlar essa sua boca, ragazzo — ele diz assim que
fechamos a porta e entramos mais uma vez em seu escritório.
— Antes de você começar com o sermão, tenho uma pergunta — aviso,
encostando-me na parede. Ele revira os olhos e respira fundo, como se
estivesse fazendo força para se controlar, e indica para que eu fale. — É Don
Marco ou Don Rossi? Estou perdido — confesso.
Na mesma hora, vejo os lábios do homem se contorcerem. Sei que ele
está querendo rir, mas não pode. Deve ser difícil ser um Don…
— Don Marco — responde finalmente.
— Porra, tava te chamando errado esse tempo todo.
— Mas você não precisa me chamar assim, Sage. Nenhum de vocês
precisa. Posso ser apenas… papà. — Sinto a apreensão em sua voz. Ou
talvez a vulnerabilidade, não tenho certeza.
Não consigo conter o sorriso.
— Se um dia eu te chamar de papà, é porque você vai ter merecido, Don
Marco. — As palavras saem de forma ríspida e eu não desvio o olhar dele
por um segundo sequer. — Que nem os Soldattos que querem chegar a Capo.
Tem que merecer antes de ganhar a tatuagem.
De canto de olho, vejo Jett me encarar. Talvez ele esteja com medo, ou
quem sabe aliviado por eu ter dito aquilo que tem estado preso na nossa
garganta desde que falamos com o homem pela primeira vez.
— Posso respeitar isso — Don Marco diz, balançando a cabeça
afirmativamente. — Mas, agora, temos um assunto muito importante para
tratar. — Ele gesticula para que nos sentemos novamente.
Assim que tomamos nossos lugares, uma batida na porta interrompe a
conversa.
— Entra. — Don Marco não parece surpreso com a intromissão. — Ah,
Giovanni, estava esperando por você. — Ele gesticula para a única poltrona
ainda vaga.
— Quero fazer parte desta conversa, amico mio[20] — o outro homem
fala e, em seguida, junta-se a nós.
— Molto bene… — Don Marco começa, mas Coal o interrompe.
— O que vocês querem? E, dessa vez, sejam diretos. Pensei que já
tivéssemos conversado tudo, mas acho que não foi bem assim. — Meu irmão
apoia os antebraços nas pernas e se inclina um pouco para frente.
— Exato — Jett concorda. — Tudo que eu tinha ouvido era que você
queria que tomássemos nosso lugar na família. Agora, escutamos essa de
Sage estar noivo. Só queremos a verdade, por favor.
Às vezes, eu odeio meus irmãos. Mas, em alguns momentos, sinto
vontade de dar um beijo na testa deles. Este é um deles.
Os dois homens parecem espantados com nossa postura. Eu não sei o
que eles esperavam de nós, mas, definitivamente, não estamos cumprindo com
o checklist italiano.
— Vocês desconhecem todas as nossas tradições. É por isso que estão
espantados — Don Marco diz. — Inclusive, Vince não deveria ter dito nada
sobre o noivado para vocês.
— As consequências disso já foram anunciadas, Don Marco —
Giovanni avisa e meu pai faz que sim com a cabeça.
Ah, pobre Vince… Vai ficar de castigo.
Mas é então que outro pensamento me vem à mente:
— Não era mentira? Uma brincadeira? — pergunto, olhando entre os
dois italianos.
— Não, Sage. Como eu disse, você não conhece nossos costumes —
meu pai comenta e pega um de seus charutos. — Giovanni aqui é meu
Consigliere[21]. Isso quer dizer que ele é o segundo no comando e meu braço
direito. O homem em quem eu confiaria minha vida cegamente — ele explica
e controlo a vontade de fazer alguma piada.
Pela primeira vez, me sinto apreensivo em relação a alguma coisa.
— Quando um Consigliere tem uma filha mulher, ela é designada ao
primogênito do Don. É uma forma de provar que um confia no outro
implicitamente — Giovanni elucida e eu o encaro.
— Aposto que agora você se arrepende de ser dois minutos mais velho
que eu — Coal diz ao meu lado.
Fecho os olhos.
Respiro fundo.
Não posso bater com a cabeça do meu irmão no tampo de vidro da mesa.
Passo alguns segundos em silêncio. Os segundos se tornam minutos.
Estou tentando absorver o impacto do que acabei de ouvir.
Eu… noivo? Da freira?
É ridículo demais para ser verdade.
— O único motivo para você estar vivo agora é justamente por não
conhecer nossos hábitos. Mas se você ofender minha filha mais uma vez,
figlio di puttana, não me responsabilizo pelas minhas ações — Giovanni
fala, olhando para mim como se quisesse me ver queimando em uma fogueira.
— Vai me matar, velhote? — desafio.
— Antes que você consiga terminar de rezar por sua alma, ragazzo.
Vou me levantar da poltrona para mostrar a ele exatamente o quão difícil
é me matar, quando Coal me segura pelo braço.
— Fica quieto, Sage. Só escuta — ele pede e eu me viro para encará-lo.
É muito fácil pedir calma quando não se está em um beco sem saída.
— Se isso acontecer de novo, Sage — Don Marco interrompe —, eu não
vou poder fazer nada para te proteger.
Pronto. Essa foi demais para mim. Caio na gargalhada.
Não sabia que italianos poderiam ser tão engraçados.
— Acho muito interessante essa dinâmica de vocês. Me diga, papà —
cuspo as palavras com o máximo de desdém que tenho em mim —, o que
você quer de nós? — refaço a pergunta de Sage.
Ele me encara por um momento.
— Eu já disse: quero que vocês se juntem à nossa família.
— Em todos os sentidos? — quero saber.
— Sim, em todos os sentidos.
— E o que vamos ganhar em troca? — pergunto, indo direto ao xis da
questão.
Don Marco me encara, mas sinto como se esta fosse a primeira vez que
ele estivesse realmente me vendo. Seus olhos verdes encaram minha alma,
analisando cada pedacinho podre dela. Mas em vez de me julgar, ele sorri.
Um sorriso pequeno, muito parecido com os meus.
— Honra. — É a única palavra que diz.
— Honra?
— Glória. Armas. Dinheiro. Treinamento. Uma vida e uma família. Se
isso não for suficiente para você, sinta-se à vontade para sair por aquela
porta e nunca mais voltar. — Don Marco se recosta na poltrona e fita minha
reação.
— E teremos que seguir com suas normas de conduta e… tradições? —
pergunto novamente.
— Exato.
— Isso quer dizer que eu vou me casar com a filha dele. — Desta vez,
não é uma pergunta.
Don Marco apenas balança a cabeça, confirmando minhas suspeitas.
— E o que eu vou ganhar com isso? — repito a pergunta, agora
direcionada a Giovanni.
Ele fica sem saber o que responder. Ou talvez não tenha entendido aonde
quero chegar.
— Minha filha é uma moça maravilhosa. Foi criada para ser a esposa
perfeita de um homem de família. Ela é fértil, dócil e com certeza vai te fazer
feliz — Giovanni começa a enumerar tudo que ele enxerga como qualidades
essenciais para uma mulher.
Em que século esse homem vive?
Solto uma risada involuntária e balanço a cabeça em negativa.
— Você não me entendeu, Giovanni. Estou pouco me fodendo se sua
filha é fértil ou dócil. — Ele arregala os olhos com a minha declaração. —
Não é isso que eu procuro em uma mulher para esquentar a minha cama. E
antes que você venha com esse papo de “não ofenda minha bambina” e
aponte uma arma para a minha cabeça, preciso deixar uma coisa bem clara:
não estou procurando uma esposa. Vou ter que abrir mão de outras mulheres.
O. Que. Eu. Ganho. Com. Isso? — digo as palavras pausadamente.
Para um mafioso, esse cara entende muito pouco de recompensas. Ou
talvez esteja apenas acostumado a ficar do outro lado da situação.
Giovanni engole em seco, provavelmente doido para fazer o que eu
disse e sacar a pistola. Mas estou cansado desse papinho furado. Se eu vou
ter que embarcar nessa vida, preciso ser altamente recompensado. Senão,
volto a trabalhar para os russos.
— São as nossas tradições, Sage. Você não pode ir contra elas —
Giovanni argumenta e olho para Don Marco, que permanece estoico em sua
poltrona.
Ele entende meu recado muito bem.
— Duzentos mil — fala, passando por cima do seu suposto braço
direito.
— Don Marco, me perdoe, mas é uma honra para ele se casar com Mia.
Ela é uma Messina, criada da melhor forma possível…
— Basta, Giovanni! — Don Marco interrompe seu Consigliere. —
Entendo o que você diz e concordo com você. Mas Sage está entrando nesta
vida agora. Para ele, nada disso faz sentido.
Olha só… Quem diria que papà poderia ser tão compreensivo?
— Trezentos. E antecipados — aviso. — Isso vale também para os meus
irmãos, caso vocês tenham outras moças dóceis e férteis à disposição.
O silêncio impera no escritório. Posso sentir o ódio emanar de
Giovanni, mas estou pouco me fodendo para ele.
Don Marco se levanta da poltrona e todos seguimos, como se fôssemos
metais atraídos pelo ímã que este homem é.
— Bem-vindo à família. Você se casa em duas semanas.
Capítulo 10
Mia
Sete anos de espera para ouvir que eu até seria ajeitadinha se me
vestisse como uma putana, que meus olhos são bonitos e que minha boca
parece boa para um boquete. Sete anos de espera, sonhos e fantasias para ele
só notar em mim o jeito como me visto, meus olhos e minha boca. A parte
sobre meus lábios veio de encontro aos pensamentos que antes me deixaram
ruborizada, e tenho que confessar que isso me fez pensar em como Sage é…
lá embaixo.
Posso ser virgem, estar esperando o príncipe encantado — que, neste
caso, parece mais o vilão da história — e nunca ter sequer beijado um
garoto, mas nada disso significa que sou inocente. Sou uma virgem bem
informada e estudei muito com os vários filmes que encontrava embaixo das
camas dos meus irmãos — mais especificamente os que eram escondidos por
Lorenzo, já que os do Enrico não tinham muito a me ensinar — e li todos os
livros proibidos da mamma, obviamente escondida. Talvez Sage se
surpreenda com o que tenho por baixo das roupas que ele diz que são de uma
freira.
O problema de Sage é que ele julga as coisas pela aparência. Não são
seus comentários que me incomodam. Sei que o farei engolir cada um deles
depois que nos casarmos. A forma impulsiva com que minha família reage a
esses comentários é que me causa cansaço.
Será que eles ainda não entenderam que esses três não têm a menor
noção de como são as coisas por aqui e que ficar apontando as pistolas para a
cabeça deles a toda hora está começando a transformar nossas refeições em
uma imitação clichê de O Poderoso Chefão, daquelas cenas em que muitos
mafiosos se encontram em uma cantina italiana? Por favor! Alguém tem que
dizer a essa família que isso está perdendo a graça. Ainda mais porque
nenhum de nós tem realmente uma cantina italiana. Nem lavanderia — outro
tipo de negócio que adoram dizer que é coisa da máfia.
Rapidamente, Don Marco se levanta e sai em direção ao escritório com
os três filhos. Papà sai para o outro lado com Vince e Enrico e, logo em
seguida, retorna sozinho, indo na direção de onde os outros estão.
— Papà — chamo-o assim que o vejo passar.
— Agora não, tesoro. — Ele faz um sinal com a mão para que eu nem
comece. — Vamos resolver essa bagunça agora mesmo. Se esse ingrato não
entrar nos eixos, não tem casamento.
Sem que eu possa dizer o que penso, meu pai segue seu caminho para
decidir meu futuro a portas fechadas. Corro em direção à porta do escritório
e grudo meu ouvido na madeira escura. Não consigo decifrar o que falam,
ouço apenas um burburinho. A voz de Don Marco se eleva e consigo ouvir o
nome de papai.
— Trezentos. E antecipados. Isso vale também para os meus irmãos,
caso vocês tenham outras moças dóceis e férteis à disposição. — Escuto
Sage dizer claramente.
Ele está exigindo pagamento para se casar comigo? Será que entendi
direito? Isso significa que o casamento será mantido. Não sei se ofendo-me
pelo pedido de dinheiro ou se comemoro o fato de que haverá um casamento.
Mas antes de decidir o que estou sentido, ouço as cadeiras sendo arrastadas
no chão e corro para a sala de jantar, sentando-me à mesa novamente. Não
demora mais do que dois minutos para que as portas do escritório se abram e
Don Marco anuncie sorridente:
— Teremos um casamento!
— Molte grazíe, Madonna[22]! — Nonna ergue os braços para os céus,
agradecendo à Virgem Maria.
Depois, caminha em direção ao filho e o abraça. Em seguida, faz o
mesmo com o neto e vem para me dar os parabéns. Ela segura em meus
ombros e dá um beijo em cada uma das minhas bochechas, sorrindo, e me
abraça. Também sorrio. Os homens cumprimentam Don Marco, papai e Sage,
que tem um sorriso debochado no rosto.
Não me preocupo.
Nem um pouco.
— Será que eu posso conhecer a minha noiva agora? — Sage parece ter
se cansado dos cumprimentos.
— Claro — papà responde. — Enrico acompanhará vocês enquanto
conversam no jardim.
— Coal, Jett — Sage chama. — Acompanhem a nossa babá. Vai que eu
tente pegar a mão dela e ele resolva explodir meus miolos.
— Sage! — Escuto Don Marco repreendê-lo enquanto ele caminha em
minha direção.
Seus olhos estão grudados nos meus. Não consigo desviar ou prestar
atenção em mais nada do que acontece na sala. Sinto as mãos se umedecerem,
assim como outras partes do meu corpo — algumas de nervoso e outras
porque o jeito como Sage se movimenta, a firmeza de seus passos, a chama de
raiva que vejo em seus olhos, o sorriso malicioso e, principalmente, a forma
como me encara me fazem ter sensações que só senti com minhas próprias
mãos. Quando chega na minha frente, faz menção de me segurar pelo braço,
mas, antes que sua mão encoste em minha pele, ele se vira pra trás e encara a
todos.
— Posso dar o braço à minha noiva? — Sinto o deboche em sua voz.
— Sim — papai responde, seco e contrariado.
— Valeu, sogrinho! — Ele volta o olhar para mim. — Vem, vamos tomar
um ar e conversar. — O braço de Sage enlaça a minha cintura. — Até que
você é bem gostosinha.
Finjo indignação, mas dou uma risada por dentro. Ele ainda não viu
nada.
Assim que saímos pela porta da casa, Sage tira a mão da minha cintura e
distancia seu corpo do meu.
— Qual o seu nome? —pergunta, tirando o maço de cigarro do bolso.
— Mia — respondo.
— Sou o Sage.
— Eu sei — digo, usando o mesmo deboche. — Escuto seu nome desde
que nasci. O seu e de seus irmãos. — Sento-me em um dos bancos do jardim,
de costas para a casa. Não quero ver os olhares atentos nas janelas.
— Sério? — Ele ri. — Que merda deve ser isso. — Sage se senta ao
meu lado e posso sentir o calor irradiar de seu corpo.
— Foi mais merda para vocês, que não puderam crescer como eu cresci.
— Encaro-o. — Com todo o carinho, amor, cuidado e proteção, sendo
educados da melhor forma, entendendo a importância da família e das
tradições…
— Pode parar, sua freirinha mafiosa. Não tô aqui para ouvir sermão. —
Ele me encara de volta. — Minha mãe deu a mim e meus irmãos todas essas
coisas. Ela nos protegeu a vida inteira.
— De nós? — pergunto, indignada. Vejo a raiva que aumenta em seus
olhos. Respiro fundo. — Desculpe. — Abaixo a cabeça. — Não quero irritá-
lo. — Volto a encará-lo, agora com um sorriso dócil no rosto. — Nós vamos
nos casar em breve e quero que você saiba que serei leal e fiel a você em
primeiro lugar, antes da família, inclusive.
— É sério isso? — Ele ri. — Quer dizer que, além de ganhar uma grana,
ainda vou ter uma mulher que vai me colocar em primeiro lugar? Tô
começando a ver vantagens nisso.
Sage dá dois tapas em minha coxa, não fortes ou com outras intenções,
mas o simples toque de sua mão em minha pele, mesmo que por cima do
tecido da saia longa que uso, faz com que meu corpo reaja, ruborescendo
minhas bochechas. Tento manter o foco.
— As mulheres na nossa família são assim. — Sorrio mais ainda. —
Também cuidarei de ocultar todas as suas armas, levar as mensagens que
você precisar enviar, garantir a sua reputação e incentivar você a sempre
manter a sua honra através da vingança.
— De qualquer um? — Sage me interrompe.
— De qualquer um — afirmo. — Qualquer um que o desafie, que
ameace a sua reputação, que tenha causado mal a você ou a alguém que goste,
ou que esteja em seu caminho. — Sage arqueia uma sobrancelha e tenta me
interromper, mas não permito. — Inclusive da família.
— Quantos anos você tem? — Sage me pergunta, confuso.
— Dezenove.
— E há quanto tempo você sabe desse noivado? — Pela primeira vez,
ele realmente parece estar interessado em mim.
— Desde os meus doze anos — digo com sinceridade. — Mais
precisamente desde o dia que eu menstruei pela primeira vez.
— Puta que pariu! — Ele dá um pulo do banco e fica de pé. — Não me
diz que você realmente estava “me esperando” — ele gesticula com as mãos,
fazendo sinais de aspas imaginárias — por todo esse tempo?
— Estava — respondo, novamente com sinceridade, e encaro Sage. Não
sinto vergonha da minha condição.
— Você nunca…? — Ele passa as mãos pelos cabelos.
— Nem sequer beijei outro garoto — interrompo-o e fico de pé ao seu
lado. — O que você precisa entender, Sage — dou dois passos em sua
direção e paro à sua frente —, é que eu tenho certeza do que quero e aonde
quero chegar. — Dou mais um passo, ficando bem rente ao seu corpo, mas
sem tocá-lo. — Posso parecer estar de férias em um convento, ser virgem e
estar esperando por você, e tudo isso pode lhe soar como ingenuidade. —
Ergo-me na ponta dos pés e aproximo minha boca de sua orelha. — Mas não
se engane: você precisa aprender a enxergar além das aparências — sussurro
e me afasto imediatamente. Quando olho para Sage, vejo o quanto ficou
confuso. Sorrio. — Agora, se me der licença, preciso ver com a nonna os
preparativos do nosso jantar de noivado.
Dou um beijo em sua bochecha e saio caminhando em direção à casa.
Passo por Enrico, Coal e Jett, que me olham confusos. De canto de olho,
percebo que Sage está parado no mesmo lugar, me acompanhando com os
olhos.
“Molto bene, Mia! Ele vai ser seu!”, penso.
Capítulo 11
Sage
Eu nunca pensei que uma freirinha pudesse ser capaz de me deixar de
pau duro. De repente, a vontade que sinto é de arrancar todos aqueles muitos
botões de sua blusa comportada e descobrir se, por baixo dela, Mia usa uma
lingerie bem safada.
Ora, ora… Quem diria que a freirinha pudesse ter um lado pecador?
Ou talvez tenha sido seu cheiro doce que atiçou minha curiosidade. Não
sei. A única coisa que tenho certeza no momento é que eu preciso comer
aquela mulher o quanto antes.
Suas palavras me deram muito o que pensar, e as confissões me deram
muito a fantasiar.
Ela caminha de volta para a casa e começo a reparar no modo que anda.
A bunda de Mia pode estar escondida por baixo daquela saia ridícula, mas
balança de um lado para o outro, me fazendo suspeitar que, por baixo, existe
mais do que eu imaginei. Ela acena para alguém à esquerda e desvio o olhar
para ver quem foi o objeto de sua atenção.
Vince. O projeto de mafioso.
Assim como eu estava fazendo há alguns segundos, ele acompanha com o
olhar o trajeto que Mia faz de volta à casa. Nem conheço o cara direito, mas
sinto uma enorme satisfação em ver o modo como aprecia a mulher que, em
breve, estará casada comigo.
— Conheceu sua noivinha? — Coal aparece ao meu lado, fazendo com
que eu me vire para encará-lo.
— Não do jeito que eu queria. — Subo e desço as sobrancelhas para
ele, que ri com a minha reação.
— Pelo visto, você ficou interessado na Mia. — É Jett quem comenta.
— Ela será muito mais interessante em duas semanas, te garanto. —
Pisco para meu outro irmão, que também sente o divertimento em meu tom.
— Dá pra parar com isso? É da minha irmã que estamos falando. Não
quero saber seus interesses com ela — um outro cara diz, mas não me lembro
de seu nome. Eu o encaro por alguns segundos, tentando localizá-lo no meio
de todos os mafiosos que conheci, mas não consigo. — Enrico. Como disse,
sou o irmão mais velho da Mia. Lorenzo é nosso irmão do meio — ele
explica.
— Ah, que isso, cunhadinho… Pode deixar que não vou falar nada
demais sobre sua irmã. Mas lhe peço só uma coisinha — digo, fazendo com
que ele me encare.
— O quê?
— Não fique por perto na nossa noite de núpcias. Você não vai querer
ouvir sua irmã gemendo o meu nome a noite inteira, gritando tanto de prazer a
ponto de você achar que eu a estou machucando — falo baixo, esperando
alguma reação sua. As bochechas de Enrico ficam coradas e ele engole em
seco. — Também não vou dizer que ela vai conseguir ficar sem andar por
alguns dias, muito menos que meu nome será a única palavra que ela irá se
lembrar depois que eu mostrar a ela o que é ser uma mulher de verdade.
Dou dois tapinhas em seu ombro e saio caminhando. Sinto que Jett e
Coal me acompanham, tentando conter o riso.
Pelo menos Enrico não puxou a arma, e isso com certeza é um avanço.
— Acho que você quer morrer — Jett sussurra para mim.
— Talvez. — Ou talvez só queria saber até onde esses homens são
capazes de ir. — Esses italianos precisam se acalmar um pouco. Sempre
parecem que estão com uma arma enfiada no…
— Sage! — Nonna grita meu nome, me impedindo de continuar.
Ela vem caminhando rapidamente até nós. Desta vez, os cabelos estão
mais bagunçados do que o normal, fora que sua expressão é de total
desespero.
Não sei o que aconteceu lá dentro, mas coisa boa não foi.
— Nonna, o que houve? — Jett pergunta, correndo na direção dela.
Fico impressionado com a atitude dele. Nunca pensei que meu irmão
fosse tão carente, ou então um puxa-saco, mas, pelo visto, somos capazes de
nos surpreender a qualquer instante.
— Ah, nada de mais, ragazzo. — Ela dá dois tapinhas no rosto do
caçula, mas continua olhando para mim. — Teremos um jantar em família
hoje, às sete da noite. Seu pai e Giovanni vão anunciar o seu noivado com
Mia. — Ela bate palmas euforicamente. — Ah, vocês serão tão felizes
juntos… Estou louca pelo meu primeiro bisneto.
Fico sem reconhecer a mulher que me ameaçou há algumas horas. Seu
olhar repreendedor foi substituído por um cheio de afeto e esperança. Olho
para Coal, que novamente se controla para não rir.
Só quero ver quando a hora dele chegar. Meu irmão pode estar sorrindo
que nem um idiota agora, mas quando Don Marco designar uma esposa a ele,
duvido que fique com a mesma expressão no rosto.
— Jantar? Família? — pergunto para ela, que está quase pulando de
alegria.
— Claro! Precisamos comemorar. Esse casamento é esperado há anos.
Não podemos perder um minuto sequer. Fora que o tontolone[23] do seu pai
me disse que a cerimônia será em apenas duas semanas. — Ela solta o ar dos
pulmões com raiva. — Será que ele não parou para pensar se a igreja estará
disponível? Claro que não, afinal, seu pai não pensa — nonna fala, fala, fala
e fala mais um pouco, atropelando as palavras como se não tivesse tempo
nem para explicar algo a alguém. Eu apenas balanço a cabeça e deixo que ela
continue com suas tagarelices.
Quem sou eu para interromper essa senhora?
De longe, ela é a que mais causa medo dentre todos os membros dessa
família.
— Então, sete horas, certo? — pergunto quando sinto que ela chegou ao
fim do monólogo.
— Certo che no[24]! — Ela me olha como se eu tivesse duas antenas no
lugar de orelhas. — Você deve estar aqui às seis. Ainda tem que se arrumar.
— E o que tem de errado com as minhas roupas? — quero saber.
Meu guarda-roupa foi escolhido a dedo. Cada camiseta conta uma
história, assim como minha jaqueta de couro e todas as calças jeans surradas.
Nonna me encara. Dessa vez, com um brilho diferente no olhar.
— Se você me aparecer no seu noivado parecendo un cazzo de
motociclista, corto suas bolas fora antes que você diga “aceito”. Justo? —
Vejo que sua ameaça é mais real do que as pistolas que sempre são apontadas
para a minha cabeça.
— Justo — repito, tentando usar o mesmo sotaque que ela.
— Bene, bene. Allora, andiamo[25]. — Nonna começa a me empurrar,
como se quisesse que eu fosse embora o mais rápido possível.
Quando chegamos ao portão, ela se despede de nós com dois beijos, um
em cada bochecha, e volta para a casa, caminhando com passos
determinados. Se esta mulher fosse general, com certeza teria uma batalhão
petrificados de medo. Ao mesmo tempo, ela exala um ar materno.
Sinto um pequeno aperto no peito, mas logo o controlo. Seria bom ter
uma avó como ela enquanto estávamos crescendo. Alguém para preparar as
comidas mais deliciosas, nos abraçar quando algo ruim acontecesse e nos
repreender quando fizéssemos alguma merda.
Olho para ela, que gesticula enquanto caminha, provavelmente pensando
em tudo que tem que ser feito antes do jantar.
— Seu pai quer falar com vocês — um homem aparece à nossa direita e
anuncia. Viro-me para ele, mas não o reconheço. Mais um membro da
família, aposto. — Esperem aqui que ele já está vindo.
Jett e Coal parecem tão confusos quanto eu, mas não trocamos uma
palavra até vermos Don Marco se aproximando. Ao seu lado, mais dois
homens caminham no mesmo ritmo. Fico me perguntando se eles treinam isso
antes de sair de casa ou se fazer parte da família faz com que os homens
pareçam versões mafiosas do nado sincronizado.
— Sage, Jett, vocês conheceram Carlo. — Don Marco aponta para o
homem que nos arrastou até aqui. — Este é Toni Messina, irmão de Giovanni.
Sua apresentação foi sucinta, porém, algo me diz que eles são muito
mais na família do que apenas guarda-costas de meu pai. Não insisto. Apenas
faço que sim com a cabeça e os encaro.
— Muito prazer — Jett, o bem-educado entre nós, diz.
Eles o cumprimentam e a Coal também, mas quando me encaram, sinto
que, aos seus olhos, sou a ovelhinha desgarrada do rebanho. Controlo a
vontade de dizer “beeeh” e apenas sorrio.
— Em que podemos te ajudar? — direciono a pergunta a Don Marco.
— Queria avisar que, como agora fazem parte da família, vou pedir que
seus quartos sejam preparados. Podem trazer suas coisas quando vierem mais
tarde. Toni aqui irá buscá-los no trailer. — Ele aponta para mim e Jett. — Já
Carlo irá ajudar você a trazer as coisas da casa da sua namorada. Inclusive,
precisamos conversar sobre ela mais tarde.
Desta vez, não consigo me controlar e caio na gargalhada. Os três me
fitam como se eu estivesse louco, e talvez eles tenham aprendido esse olhar
com nonna.
— Um pouco presunçoso da sua parte, não acha? — Viro-me para Don
Marco, que não parece nem um pouco divertido com minha reação.
— Vocês concordaram, Sage. Eu quero os três aqui em casa para
aprenderem tudo que lhes foi escondido nos últimos vinte e um anos — ele
diz, parecendo mais sério do que nunca.
— Olha, eu acho bem legal essa história de pai e filhos se reconectando
e tal… — começo, mas sou interrompido.
— Não foi um pedido. Eles estarão esperando por vocês às cinco e
meia. — Don Marco se vira de costas e começa a caminhar de volta para
casa, pouco se importando com as minhas queixas.
Coal, Jett e eu nos entreolhamos, sem saber o que fazer agora.
Como prometido, às cinco e meia, escuto uma batida na porta do trailer.
Os italianos podem ser esquentados, mas também são pontuais.
— São eles — Jett afirma, olhando pela janela. — E trouxeram uma van.
Quem eles acham que nós somos, as patricinhas de Beverly Hills? — Aponta
para a bolsa que contém todas as suas roupas.
A minha não é muito maior. Coloquei ali apenas o que julguei
necessário. A única coisa extra que carregamos em uma mala separada é
nosso PlayStation e alguns jogos. Também fiz questão de guardar o único
porta-retrato que ficava na sala, exibindo uma foto de nós três ao lado de
nossa mãe, quando ela nos levou ao zoológico para comemorar nosso
aniversário. Tínhamos oito anos na época e ficamos tão felizes por poder sair
de casa e passar um dia inteiro na rua que nem nos importamos em não ganhar
qualquer presente.
Lembro-me daquele dia com perfeição. Afinal, foi logo depois dele que
saímos correndo daquela cidade — que nem me lembro qual era — e
passamos mais de uma semana na estrada, indo para o mais longe possível
daquele lugar.
Minha mãe não chegou a explicar o motivo de nossa mudança. Ela nunca
explicava. Apenas disse que era necessário e, um dia, nós entenderíamos.
Olho para o trailer que foi minha casa nos últimos vinte e um anos. Tudo
aqui é familiar… Às vezes, juro que ainda posso ouvi-la andar de um lado
para o outro, reclamando da bagunça que nós três cismávamos em deixar na
sala. Ou então resmungando sozinha, provavelmente pensando em voz alta
sobre nossa próxima mudança.
A buzina do carro que nos espera faz com que eu saia da minha cabeça e
volte para o presente. Está na hora de virar as costas para tudo isso aqui e
começar algo novo.
Nunca fui muito propenso a sair da rotina. Talvez um reflexo da forma
como fui criado, o que é estranho, já que sempre me senti um prisioneiro. Só
que cruzar aquela porta está me causando uma sensação estranha. Olho para
Jett, que parece tão hesitante quanto eu.
Estamos virando as costas para o que somos. Se sairmos daqui, é a
prova de que aceitamos não só um mundo novo e desconhecido, mas uma
família com tradições a serem seguidas. Regras a serem cumpridas.
Casamentos a serem realizados.
A freirinha pode ter aguçado minha curiosidade com aquele discurso de
“por trás do hábito, sou uma safada”, mas não sei se estou pronto para
abdicar do homem em que me transformei.
Mais uma buzina. Mais uma troca de olhares com Jett. Mais muitas
perguntas na minha cabeça.
— Pronto? — meu irmão pergunta.
Quero dizer que não, mas sei que não posso fazer isso. Preciso dar a ele
o exemplo e mostrar que está tudo bem.
— Sempre — respondo, não acreditando em uma letra sequer que sai da
minha boca.
Capítulo 12
Sage
O sol já se pôs quando chegamos à mansão dos Rossi. Com excessão de
uma parada para buscar a moto de Jett, que tinha ficado esquecida perto da
boate, o caminho até aqui foi feito em silêncio. Para ser sincero, nem lembro
o nome do cara que nos trouxe. Sei que ele é irmão de Giovanni, mas deixei
de lado toda a minha curiosidade em descobrir mais sobre essa família.
Agora, eu faço parte dela — tecnicamente, pelo menos —, apesar de não
saber muita coisa além da história que Don Marco contou e de tudo que pude
deduzir ao observar a interação entre seus membros.
— Alguma notícia de Coal? — pergunto para o homem assim que
saímos da van.
Ele abre a porta traseira e retira nossas bolsas, colocando-as no chão
para que as levemos para dentro da casa.
Pelo visto, ele é só nosso motorista.
— Já deve estar chegando. Carlo saiu para buscá-lo na mesma hora que
eu — ele diz e eu faço que sim com a cabeça.
Fim de conversa. Excelente. Não estou a fim de papo furado.
A porta da casa se abre, revelando a pequena senhora. Parece que ela
sabe exatamente o que acontece dentro dos muros de sua residência.
— Ah, finalmente vocês chegaram! — ela exclama e vem na nossa
direção. — Andiamo, vou mostrar seus novos quartos. — Nonna dá dois
beijos em nossas bochechas, como se não nos visse há dias. Ou então esta é
apenas mais uma das tradições.
— Como estão os preparativos para o jantar, nonna? — Jett, o
simpático, pergunta. Mordo meu lábio inferior para não fazer uma piada.
— Ah, bambino… Acho que fizemos pouca comida. Estou muito
preocupada, confesso — nonna confessa, seu semblante nitidamente abalado
com a possível catástrofe.
— Quantas pessoas virão? — Jett quer saber enquanto caminhamos para
dentro da casa, ignorando o homem que nos trouxe até aqui.
A senhorinha anda com passos firmes, seguindo na direção oposta da
que usamos para chegar ao escritório de Don Marco. Ela sobe as escadas de
madeira, sem parar de falar por um segundo sequer. Suas mãos gesticulam
freneticamente, e fico encantado com a vitalidade dela, mesmo que nunca
confesse isso.
— Ah, não tem nada demais. Só as pessoas da família mesmo. — Meu
irmão balança a cabeça, entretido na conversa. Eu só observo-o tentar
conquistar o cargo de queridinho da vovó. — Aqui está. Este é o seu quarto,
Jett.
Ela aponta para a segunda porta de madeira do corredor, parando à sua
frente e abrindo-a para que Jett entre. Quero espiar o que tem lá dentro, mas
não consigo. Jett está bloqueando a visão.
— Obrigado, nonna. Que horas devemos descer para o jantar? — meu
irmão quer saber.
— O jantar é às sete, mas podem descer antes. Os homens que moram
aqui já estarão na sala — ela diz e indica para que ele entre no quarto. —
Tomei a liberdade de separar uma roupa para você. Está em cima da cama.
Ele agradece mais uma vez e desaparece de vista, fechando a porta
assim que a cruza.
Nonna volta a caminhar comigo ao seu lado e para na última porta do
enorme corredor.
— Este é o meu? — pergunto o que já sei.
— Sim, pode entrar.
Giro a maçaneta e dou de cara com o maior quarto que já vi na vida.
Isso inclui todos que já invadi.
Fico sem saber muito como agir aqui dentro, o que é estranho.
O pé-direito é tão alto que eu sinto como se coubessem mais dois Sages
até chegar ao teto. Só que isso não é nem o que mais impressiona. Uma
parede é feita inteiramente de vidro, dando vista para a parte de trás da
mansão, que eu ainda não conheci. Como se isso não fosse o bastante, a cama
é enorme, maior do que qualquer outra que eu já dormi.
Diferente do resto da casa, que carrega um ar mais clássico, este quarto
é moderno, com as paredes num tom claro de cinza e quadros de arte abstrata.
Luminárias de pé e uma escrivaninha branca completam o ambiente, que tem
até um divã.
Acho que nunca estive em um lugar tão luxuoso assim. Viro-me para
procurar por nonna e perguntar se ela tem certeza de que este é meu quarto,
mas a pequena senhora não está mais lá.
Sobre a cama, vejo que um terno preto foi colocado. Assim como uma
gravata e uma camisa da mesma cor. No chão, um sapato preto bem lustrado
termina o visual que escolheram para mim. O noivo perfeito. O primogênito.
Respiro fundo uma, duas, três vezes.
Não quero pensar nisso agora, nem em todas as ramificações de minha
escolha. Não tenho tempo. Preciso me arrumar para conhecer a família e
comemorar minha conta bancária recheada. Ou melhor, meu casamento com
Mia.
A parede atrás de mim tem duas portas. Abro uma delas e descubro que
este é um closet. O que me espanta é que ele não está vazio. Pendurados de
um lado, estão vários ternos, calças, camisas… Pelo visto, papai querido
mandou alguém renovar meu guarda-roupa. O outro lado está vazio, e fico me
perguntando se as roupas de Mia irão ocupá-lo muito em breve.
Duas semanas…
Jogo o pensamento desgastante de lado e fecho a porta, apenas para
abrir a outra e encontrar um banheiro que combina perfeitamente com a
luxuosidade do quarto.
Uma enorme banheira de hidromassagem tem destaque. Ao lado dela, um
chuveiro com diversas saídas de água chama a minha atenção. Não sou do
tipo que curte nadar na própria sujeira, principalmente depois de quase dois
dias sem tomar banho.
Assim que cheguei no trailer, fui direto para a minha cama tirar uma
soneca merecida. Quando acordei, já estava na hora de me arrumar para vir
pra cá. O banho acabou ficando para depois.
Tiro as roupas, jogando-as para um canto qualquer, e entro embaixo da
ducha quente. Deixo a água levar embora todas as preocupações que me
correm por dentro e apenas sinto cada gota me energizar para o que está por
vir.
Uma quantidade indecente de xampus, condicionadores e sabonetes
líquidos ocupam as prateleiras embutidas. Não sei qual devo escolher, então,
cheiro o conteúdo de cada frasco. Nenhum é exatamente o que eu teria
escolhido na farmácia — talvez por nunca serem vendidos em lugares de tão
baixa classe.
Ricos pretenciosos.
Escolho um que tem cheiro de verde. Não sei explicar o aroma, mas é
agradável. Passo sabão por todo meu corpo, dando atenção à parte da minha
anatomia que grita por alívio desde que aquela freirinha safada sussurrou
promessas ao pé do meu ouvido. Subo e desço a mão por minha extensão,
tentando conter o gemido baixo que escapa da minha garganta.
A imagem da bunda de Mia, balançando de um lado para o outro
enquanto caminhava, toma minha mente. Quero tirar cada peça de roupa
recatada que ela cisma em usar e desvendar os mistérios que ali se escondem.
Na minha cabeça, ela usa uma calcinha fio-dental, deixando à mostra a
bunda redonda e farta, perfeita para ser apertada enquanto a como de quatro,
metendo fundo, com força, fazendo-a gemer de forma incontrolável.
Meu pau pulsa com a imagem e acelero os movimentos.
Então, é sua boca que começa a dominar minha fantasia: aquela boca
grande, com lábios grossos e palavras inesperadas. Quero Mia de joelho na
minha frente, engolindo tudo que tenho para lhe dar. Seus olhos claros, de um
azul quase cinza, estariam me encarando com toda sua inocência. Minhas
mãos iriam para o seu cabelo, guiando os movimentos enquanto ela me
levaria a um orgasmo intenso, liberando tudo que tenho.
Não consigo segurar e gozo na parede, soltando um som grave e sentindo
meu corpo estremecer.
Assim que consigo voltar ao meu estado normal, agora um pouco mais
relaxado, termino o banho e vou para o quarto me arrumar.
Olho a roupa escolhida para mim. Ela não tem nada a ver comigo, e
decido que ainda não estou pronto para seguir todos os protocolos da família
Rossi. Coloco a calça e as meias, mas escolho uma das minhas camisetas
surradas para ir por baixo do paletó. Calço as meias e coloco a botina preta.
Não é porque eu concordei em fazer parte dessa palhaçada que eu vou
me esquecer de quem eu sou. O Sage que sempre fui continua aqui, e duvido
que ele vá embora tão cedo.
Quando desço para a sala, faltam quinze minutos para as sete. Demorei
um pouco para encontrar onde todos estavam, mas segui o barulho de
conversa. Assim que entro no que imagino ser um salão de baile, todos os
olhares se voltam para mim.
— Figlio mio! — Don Marco diz, abrindo os braços. — Venha conhecer
sua família.
Olho ao redor e vejo pelo menos vinte homens e dez mulheres.
Isso não era “nada demais, só família” de acordo com nonna? Então,
por que tem tanta gente aqui?
Sinto a presença de meus irmãos antes mesmo de ver os dois. Nem sabia
que Coal já havia chegado, mas aqui está ele, parado ao meu lado direito,
enquanto Jett ocupa o esquerdo.
Não preciso cumprimentá-los, nem eles a mim. Somos um time de lobos
em meio a leões, e vamos lutar para não sairmos daqui mortos.
Aceno a cabeça para meu pai, que dá um beijo em cada uma das minhas
bochechas.
Preciso realmente me acostumar a esse gesto.
— Onde está Mia? — A pergunta sai da minha boca antes que eu possa
controlar.
Don Marco sorri para mim, mas estou cagando para o que ele acha.
A imagem dela de joelhos à minha frente não sai da minha cabeça, e vou
fazer o que for preciso para que esta fantasia se realize ainda hoje. Fodam-se
as tradições. Preciso daquela boca chupando meu pau o mais rápido possível.
— Ela ainda não chegou. Um de seus irmãos foi buscá-la — ele explica
e não reajo, apenas caminho com ele de encontro aos outros homens, que nos
encaram com expectativa.
A próxima meia hora passa rápido, em meio a muitas apresentações.
Não lembro quase nenhum nome e sinto que preciso fazer uma tabela para me
ajudar. Por mais estranho que pareça, Don Marco não diz o título de ninguém.
Quero saber quem é quem nesta “família”, mas, pelo visto, isso vai ficar para
depois.
— Don Marco! — um homem fala alto e se aproxima de nós.
— Ah, amico mio! — Os dois se abraçam e trocam beijos na bochecha.
— Sage, Coal, Jett, este é Danio Rinaldi, seu Allenatore[26] — ele fala, mas
não entendo o que essa palavra significa. — Lembra-se de quando disse que
vocês receberiam treinamento? Pois bem, este é o homem que irá treiná-los.
Ele tem feito isso desde que tomei meu posto como patriarca da nossa
família.
— Muito prazer, ragazzi. — Danio estende a mão e nos
cumprimentamos. — Amanhã, estarei esperando vocês na sala de treinamento
— ele avisa. — Confesso que estou bastante ansioso para este momento.
Espero treinar vocês a contento de seu pai.
— Se tem alguém capaz de fazer isso, este alguém é você, Danio. —
Don Marco é só sorrisos. — Até hoje, nunca me desapontou.
Fico esperando que terminem com as bajulações sem dizer nada. Coal e
Jett entram na conversa, o que leva Don Marco a sorrir ainda mais.
— Ei, o que aconteceu com a sua namorada? — cochicho para Caol
enquanto os outros homens conversam.
— Terminei. Não quero que ela se meta nessas coisas — ele diz de
forma simples e direta.
— Ela não reclamou?
— Por cinco segundos. Depois virei as costas e fui embora. — Dá de
ombros, e fico me perguntando como deveria ser o relacionamento entre os
dois, já que Caol parece mais frio do que uma geleira neste momento.
Não tenho tempo de fazer outras perguntas nem de refletir muito sobre
isso, porque logo ela aparece todo o ar parece me faltar.
Dessa vez, Mia não está usando a roupa de freira habitual. O vestido
vermelho que escolheu para esta noite, apesar de não ter um decote profundo
e parar na altura do joelho, deixa todas as suas muitas curvas à mostra. O
cabelo castanho está solto, porém jogado para um lado. Como se isso não
fosse o bastante, os saltos que usa, com uma fita em torno do tornozelo,
deixam-na ainda mais apetitosa.
Meu pau enrijece, como se tivesse esquecido de que gozou há menos de
meia hora.
Ah, freirinha… Por que você foi atiçar quem estava quieto?
Capítulo 13
Mia
Assim que entro na casa de Don Marco, todos os olhos recaem sobre
mim. Inclusive os dele. Sage parece acompanhar cada movimento que faço,
como se estivesse realmente interessado em mim. Eu sei bem qual o seu
interesse, mas, como nonna me disse mais cedo, na guerra e no amor vale
tudo. Por isso, em vez de de caminhar até meu noivo, paro ao lado de Vince e
o cumprimento.
— Você está linda, Mia. — Vince não desgruda os olhos dos meus. —
Você sabe que não precisa fazer isso.
— Isso o quê? — pergunto sorrindo, me fazendo de desentendida
enquanto vejo Sage vindo até nós, seu olhar com aquela chama acessa.
— Casar com aquele boçal. — Vince segura o meu braço. Os passos de
Sage ficam mais acelerados.
— Ah, Vince. — Abro ainda mais meu sorriso. — O que você não
entendeu é que eu quero me casar com Sage, e obrigada por sua ajuda —
sussurro para ele e desvencilho-me de sua mão antes que meu noivo nos
alcance.
Ele para em nossa frente e encara Vince. Não tem nada de amigável em
seus gestos.
— Essa família tem tantas regras e não existe nenhuma que diga para
respeitar a mulher do próximo? — O sorriso debochado de Sage toma conta
de seu rosto.
— Vince só estava sendo gentil — explico, enquanto apoio minha mão
no braço de Sage. — Ele disse que eu estava linda, apenas isso.
— Sabe o que mais me agrada nessa história? — Sage se livra do meu
braço e dá dois passos em direção a Vince. Ele infla o peito e levanta o
maxilar. Vince apenas balança a cabeça em negativa à sua pergunta. — Saber
que você cobiça mais uma coisa que é minha.
Sem esperar uma resposta, Sage se vira novamente para mim, enlaça a
minha cintura e sai rindo em direção à mesa de jantar.
— A noiva chegou! Podemos começar a comer? — Ele passa a mão em
uma taça de vinho recém-servida e a ergue. — Mal posso esperar pela
sobremesa. — Encara Vince e ri alto.
Fico constrangida com sua fala de duplo sentido. Se Sage pensa que terá
algo de mim antes da nossa noite de núpcias, está completamente certo.
Lembro-me do conselho que nonna me deu mais cedo na cozinha, enquanto
escolhíamos os tomates para o molho.
— Se você pretende dobrar o meu neto mollicone[27], vai ter que usar
bem mais que seus belos olhos, capisce[28]? — Ela olhou para o meu corpo
de cima a baixo e continuou: — E faça isso antes do casamento, se quiser que
o seu futuro marido seja o próximo Don, bambina[29]! Não podemos ter outro
babucchione[30] como o meu filho. — Nonna sorriu. — Sua mãe já deve ter
lhe explicado as coisas que podemos fazer por nossos homens para que
fiquem mais dóceis.
Apenas concordei com a cabeça. Lembrava-me bem do dia dessa
conversa. Tinha quase dezoito anos e a mamma nem desconfiava que eu já
sabia bem mais sobre o assunto do que ela. Estávamos só nos duas em casa,
assistindo a uma novela que passava na televisão, sentadas no sofá. Nós
nunca perdíamos um capítulo. Papà, Enrico e Lorenzo assistiam conosco
normalmente, mas, aquele dia, precisaram sair para resolver algum negócio
da família.
No primeiro intervalo comercial, mamma começou a falar que estava na
hora de eu aprender sobre o que homens e mulheres faziam à noite em seus
quartos. Ela me explicou que o ato sexual tinha fins reprodutivos, mas
também servia para que os homens ficassem mais calmos. A mulher deveria
sempre aceitar as investidas de seu marido. Isso também ajudava a manter o
casamento feliz e a lealdade da esposa. Cada vez que a novela recomeçava,
ela parava de falar no assunto, apenas para continuar a conversa de onde
havia parado no próximo comercial.
Foi assim que a mamma acha que me explicou sobre sexo. A verdade é
que comecei a me interessar pelo assunto quando tinha treze anos e ouvi a
conversa de duas primas mais velhas que estavam prestes a se casar. Com
dois irmãos mais velhos e um computador compartilhado em casa, não foi
difícil encontrar pornografia na internet. E quando ganhei meu primeiro
celular, com quatorze anos, ficou ainda mais fácil aprender. Por isso, sei bem
do que nonna falava e seus pensamentos foram tão atrasados como os da
mamma. Sei até mais do que elas sobre como deixar meu noivo dócil. Pelo
jeito que está se comportando, acredito que dobrá-lo será mais divertido do
que imaginei.
Don Marco bate com o garfo na taça de vinho assim que todos tomam os
lugares à mesa, depois do convite provocativo de Sage, e se levanta. Ele
começa a falar sobre a felicidade de ter os filhos em casa finalmente, dos
anos à espera deste momento e apresenta formalmente os três, que são
aplaudidos e ovacionados. Vejo que Jett gosta da atenção, enquanto Coal se
sente incomodado. Já Sage está pronto para fazer uma piada, mas, assim que
abre a boca, o irmão caçula o cutuca, o que faz com que ele se cale e ria.
Depois, Don Marco discorre sobre a família, agradece a todos, elogia
alguns, fala de lealdade e honra. Discursa sobre a importância dos laços de
sangue e de amor que se formam a partir de novas alianças e, por fim, anuncia
o nosso noivado. Mais aplausos, mais gritos, assobios e brindes.
O jantar começa a ser servido nos pratos dos homens, pelas mulheres.
Como noiva, permaneço sentada, esperando que nonna me sirva, em um sinal
de sua benção a meu casamento. Ela não tarda a fazer isso. Todos comem,
sorrindo, bebendo e conversando. Até meu noivo parece que resolveu se
comportar. Porém, como Sage disse antes, eu também não vejo a hora da
sobremesa. Assim que as mulheres começam a tirar a louça e os homens se
levantam para charutos, licores e café no escritório, seguro a mão de Sage.
— Gostaria que você viesse comigo. Quero te mostrar algo — sussurro
em seu ouvido.
— Só nós dois? — Ele arqueia uma sobrancelha. — Sem supervisão?
— Só nós dois. — Sorrio.
Sage me devolve o sorriso com mais malícia que o meu e se levanta,
dando a mão para que eu repita seus movimentos. Enquanto todos caminham
para o escritório ou a cozinha, saímos em direção ao jardim. A noite está
agradável, é lua crescente e ainda assim está bem clara. Várias estrelas são
visíveis.
— Nós podemos ficar sozinhos? — ele me pergunta, curioso. Posso
sentir o deboche em suas palavras.
— Claro que sim. Somos noivos. Precisamos planejar a nossa vida.
— E é isso que você quer fazer? — Sage para de caminhar e me segura
pelo braço, fazendo com que eu pare também e o encare. — Planejar o nosso
futuro, freirinha?
— Quero — digo, soltando sua mão de meu braço e dando um passo em
sua direção. — Quero planejar o nosso futuro e… — Dou mais um passo em
sua direção, terminando com qualquer distância entre nós. Aproximo a boca
de sua orelha. — …saber que gosto meu futuro marido tem — sussurro. Antes
que ele possa pensar, reagir ou falar, encosto meus lábios nos dele, abrindo
passagem com minha língua para seu interior e sentindo o seu gosto pela
primeira vez.
As mãos de Sage enlaçam a minha cintura assim que nossas línguas se
encontram. Sua boca voraz engole a minha e ele contrai meu corpo contra o
seu. O abraço é forte, duro, fazendo com que eu acenda de uma forma
desconhecida. Um calor surge em meu ventre, uma sensação desesperada que
necessita de alívio. Deixo uma das mãos escorregarem entre os nossos corpos
até o meu maior objeto de desejo e, quando sinto a saliência em sua calça,
tento controlar um som estranho que insiste em fugir da minha garanta. É em
vão. Antes de apertar com vontade seu membro, o gemido me escapa e ecoa
pela noite.
— Puta que pariu! — Sage geme contra a minha boca.
— Você gosta — pergunto sem separar nossos lábios — que eu te segure
assim? — Aperto mais uma vez, esfregando minha mão por cima do tecido,
soltando e apertando os dedos em volta dele. — Gosta?
— Gosto… — ele sussurra antes de sua língua se enroscar na minha
novamente.
As mãos de Sage percorrem meu corpo, enquanto continuo
movimentando a mão no mesmo lugar, sentindo tudo que ele logo terá a me
oferecer. Sua boca procura minha orelha, pescoço e volta a encontrar a minha
com urgência. Sage caminha com seu corpo contra o meu, me levando para
alguma parede. Assim que encosto em algo, ele começa a abrir seu cinto com
rapidez.
— Aí estão vocês! — Nonna grita da porta de casa. — Andiamo! Todos
querem se despedir e vocês terão o resto da vida para baccagliare[31]!
Sage encosta a testa na minha, interrompendo o beijo. Suas mãos caem
na lateral do seu corpo, como se tivessem sido vencidas em uma batalha, e
ele começa rir.
— Já estamos indo — respondo. Enquanto isso, a minha respiração
volta ao normal e agradeço mentalmente a nonna pelo timing perfeito.
Capítulo 14
Sage
Quem diria que uma festa de noivado pudesse ser tão divertida. E não
estou falando isso só porque descobri que minha futura esposa é uma safada
em roupas de santa.
Italianos bêbados cantam, dançam, falam alto e contam histórias
engraçadas, revelando segredos que deveriam ficar bem escondidos. Como,
por exemplo, o motivo de Angelo Bernardi não ter o dedo mindinho do pé.
Aparentemente, o “acidente” aconteceu na primeira vez que ele saiu com seu
Capo para concluir algum negócio. O idiota tremia tanto que acabou atirando
no próprio pé, pois esqueceu que a arma estava engatilhada.
Quando Carlo termina de explanar a vergonha de seu Soldatto, todo
mundo está rindo alto, apontando para o pobre coitado. Inclusive eu.
— E vocês concluíram o tal negócio? — consigo perguntar quando meu
riso diminui.
— Claro que sim. Você acha que eu deixaria de fazer algo para a família
só porque o stronzo[32] não conseguia controlar a própria pistola? — Carlo
debocha, olhando para Angelo com desprezo. — O pior é que os idiotas
acharam que o tiro era uma ameaça e assinaram os papéis rapidinho. — Ele ri
da própria história.
— Basta! Eu tinha dezesseis anos na época — Angelo tenta se defender,
mas é tarde demais: o dano chegou a um estágio irreversível.
A maioria das pessoas já foram embora. No escritório de Don Marco,
estamos apenas Jett, Coal, Carlo, Angelo, Frederico, Eddie, Giovanni,
Enrico, Lorenzo, Danio e eu.
Eles falam, falam e falam mais um pouco. Todos estão rindo à toa, e fico
tentando entender o motivo do bom-humor generalizado. Tudo bem que o
discurso de Don Marco foi todo cheio de idiotices sentimentais, falando
sobre ter nos reencontrado depois de uma vida esperando por isso e
abençoando meu casamento com Mia, mas ainda não entendi por que todos
estão assim. Nenhum filme de máfia me preparou para algo tão… normal.
Assim que voltei do meu “passeio ao luar” com Mia, fui arrastado para
dentro desta sala e estou aqui por, pelo menos, uma hora. Ninguém parou de
beber por um segundo sequer. De vinho, passaram para conhaque e agora
bebem whisky.
Eu poderia estar fazendo o mesmo que eles, mas preferi me manter
sóbrio. Ainda não confio nas pessoas da família o suficiente para ficar
bêbado ao lado deles. Sabe-se lá qual ritual de iniciação eles podem querer
me encorajar a participar. Fora que ainda tenho esperanças de passar a noite
com uma certa freirinha — e eu quero me lembrar de cada segundo dela.
— Posso fazer uma pergunta? — interrompo a conversa sobre uma tal de
Marieta, que, aparentemente, tem atormentado o juízo de Lorenzo.
— Claro, figlio mio. — Don Marco gesticula para que eu continue.
— Ouvi algumas palavras aqui, como Capo e Soldatto. Vocês podem me
explicar o que isso significa?
Eu sei o que significa, não sou burro. Porém, preciso entender
exatamente como esta família funciona antes que eu seja pego de surpresa.
Em vez de duvidar da minha ingenuidade, Don Marco sorri com a
pergunta, e é provável que ele a tenha entendido como uma curiosidade.
— Giovanni, per favore, explique ao seu futuro filho como as coisas são
organizadas por aqui — ele pede e seu braço direito apenas faz que sim com
a cabeça.
Giovanni volta o olhar para mim e, nos primeiros segundos, não diz uma
única palavra. Apenas me encara, talvez percebendo o que estou tentando
fazer. Foda-se ele. Preciso de respostas. Não desvio o olhar, desafiando-o a
não acatar a ordem direta de seu Don.
Será que ele vai cobrir meu blefe ou vai fazer o que o chefe mandou?
— Nossa família preza pela hierarquia — começa a falar e abro um
sorriso. É minha forma de dizer “ponto para mim” sem precisar usar
palavras. Giovanni entende isso muito bem, já que seus olhos se estreitam,
fitando-me com desconfiança. Porém, não deixa a explicação de lado. — Só
que esta hierarquia não tem nada a ver com idade, e sim com merecimento.
— Como assim? Don Marco não é Don por que é o mais velho da
família? — É Jett quem pergunta.
— Eu sou Don há duas décadas, mas meu irmão não chegou a ser um,
apesar de ter cinco anos a mais do que eu — ele explica enquanto todos
prestam atenção. — Você só muda de posto quando provou não apenas a sua
lealdade, mas seu valor para a família.
O silêncio impera no escritório. Todos os presentes estão com os
olhares atentos em Don Marco, que parece não se esforçar para conseguir ser
ouvido.
Mesmo bêbado e entre amigos e familiares, o homem exala autoridade.
— Cada família tem seu jeito de distribuir cargos — Giovanni volta a
falar. — No caso da nossa, preferimos dar valor a quem merece do que
apenas àqueles que têm vínculo sanguíneo.
Durante seu pequeno discurso, os olhos de Giovanni não se desviam de
mim, como se eu fosse a única pessoa na sala.
Sei que ele está tentando me intimidar. Talvez esse cara pense que eu
sou apenas mais um babaca sedento por poder, e isso só prova que não me
conhece nem um pouco. Jamais comandaria o mundo de dentro do meu
escritório. Tenho muita energia em meu corpo para não ser aproveitada da
forma certa.
O que Giovanni não entende é que eu estou pouco me fodendo para esta
família e suas promessas de honra e lealdade. Sou leal àqueles que retribuem
a gentileza — no caso, meus irmãos. Só serei leal a esta família quando eu
achar que ela é digna do meu tempo.
Até agora, tudo que sei é que eles cozinham banquetes para qualquer
coisa, adoram beber e xingam em italiano o tempo todo.
— Os cargos são vitalícios? — Para minha surpresa, é Coal quem
pergunta.
— Sim e não — Giovanni diz. — Um homem também pode perder seu
cargo quando é um traidor ou então se não cumpre com as obrigações.
Não sei por que, mas a voz embargada do Consigliere me deixa entender
que isso já aconteceu antes. Os homens se entreolham, apenas confirmando
minha suspeita.
— E quais são esses cargos? — Resolvo mudar de assunto. Ainda não
está na hora de cavar mais fundo os podres dessa família.
— Como você já sabe, temos o Don — ele aponta para meu pai — e o
Consigliere, que sou eu. Minha função principal é aconselhar meu Don,
sempre pensando no que for melhor para todos. Abaixo de nós, estão os
Capos e o Allenatore. — Danio levanta a mão e abre um sorriso. — Os
Capos são os chefes imediatos dos Soldattos. Além de nós, há também os
Associados, que, tecnicamente, não fazem parte da família, mas estão
atrelados a nós. São nossos olhos e ouvidos do lado de fora. Homens com
prestígio, que precisam de nós assim como precisamos deles. Delegados,
juízes, médicos… Qualquer coisa que você imaginar.
Em outras palavras, Giovanni Messina acabou de confessar que a máfia
italiana está presente em todas as esferas da sociedade, exercendo seu poder
de forma discreta, porém eficaz.
Antes que eu possa continuar com as perguntas, uma batida na porta do
escritório faz com que todos paremos de conversar.
— Pronto? — Don Marco diz, como se não tivesse nem um pouco
incomodado com a interrupção.
— Perdonami[33], Don Marco, mas gostaria de saber se um dos meus
filhos pode levar Mia para casa. A pobrezinha está muito cansada — a
mulher diz, e presumo que ela seja a mãe da freirinha. É a mesma cujo vinho
bebi na outra noite.
Levanto-me da poltrona na mesma hora.
— Pode deixar que eu levo sua filha para casa, dona…
— Giorgiana — ela diz com um sorriso tímido e faço que sim com a
cabeça.
— Que tipo de noivo eu seria se não levasse minha futura esposa para
casa, hein? — pergunto bem-humorado.
Por mais que eu queira permanecer aqui e continuar com meu
interrogatório, a ideia de ficar sozinho com Mia me parece muito mais
interessante no momento. Além disso, sei que Coal e Jett me contarão se
algum assunto relevante for levantado.
— Você quer realmente fazer isso, Sage? — Giovanni pergunta, seu
olhar ainda carregando a desconfiança de antes.
— Eu ficaria honrado se o senhor me permitisse levar Mia em segurança
para casa, Giovanni — digo, tentando manter meu tom o mais sério possível
para mascarar o sarcasmo.
Quem fala assim nos dias de hoje? Quem precisa de permissão e
supervisão para passear no jardim?
Todos aqui têm smartphones, pelo amor do santo. Não é como se
estivéssemos em 1870!
— Va bene. Você pode levar Mia para casa, mas ficarei aqui esperando
até você voltar — ele avisa.
Controlo-me para não rir. Italianos são, definitivamente, divertidos. Nem
que estejamos nos divertindo às custas deles em vez de com eles.
— Escolha qualquer carro da garagem, figlio mio — Don Marco
oferece. — As chaves estão no banco do motorista.
Agradeço, aviso que volto o mais breve possível e saio do escritório
acompanhado de Giorgiana. Assim que fecho a porta, ofereço meu braço a
ela, que parece surpresa com o gesto.
Nunca ofereci meu braço para uma mulher na minha vida, mas para tudo
tem uma primeira vez. E se eu quero poder ter um tempo a sós com a minha
freirinha, puxar o saco de sua mãe pode ser a maneira perfeita de conseguir
minhas vontades.
Vamos conversando amenidades até a cozinha. Giorgiana me pergunta se
gostei do jantar e digo que foi o melhor que já comi. Ela me pergunta se gosto
da casa e do meu quarto e eu digo que estou impressionado com a opulência
da mansão. Ela me pergunta se eu vou cuidar bem de sua filha e respondo que
ela jamais estará em risco ao meu lado.
Não, Mia não estará em risco, mas sua virgindade com certeza. Todas as
suas virgindades… Porque não haverá um centímetro daquele corpinho
gostoso que eu não irei explorar nos próximos dias.
Giorgiana me leva até a cozinha e, quando abre a porta, a conversa cessa
imediatamente.
— Não parem por minha causa — digo, procurando por minha noiva no
meio de tantas mulheres de cabelos castanhos e peles claras. Só que ninguém
volta a conversar.
— O que você está fazendo aqui, Sage? Não sabe que esta área é
restrita? — nonna pergunta, cruzando os braços na frente do corpo frágil.
— Perdonami, nonna, mas Sage veio até aqui para buscar Mia e levá-la
para casa — Giorgiana explica. — Onde está minha filha?
— Estou aqui, mamma. — Viro-me na direção da voz da freirinha, que
entra na cozinha trazendo uma bandeja de copos.
Elas começam em uma discussão, Giorgiana dizendo que Mia não
deveria estar trabalhando hoje. Afinal, é o dia de seu noivado.
Enquanto as duas falam mais alto do que o normal, apenas observo a
mulher que irá ocupar a minha cama pelo resto da vida. Eu deveria estar puto
por ter sido obrigado a me casar com ela. Mas trezentos mil para corromper a
freirinha me parece uma recompensa bem estimulante. Fora que, quando eu
me cansar dela, posso procurar por diversão em outros lugares.
Porém, neste momento tudo o que eu quero é saber o som que ela faz
quando está gozando.
— Podemos ir, Mia? — interrompo a discussão e vejo as duas
enrubescerem.
Elas são muito parecidas, dá pra ver nitidamente que são mãe e filha. O
que é bom, porque, pelo menos, sei que Mia não será uma baranga em trinta
anos. Giorgiana é uma coroa gata.
— Claro — Mia diz rapidamente e pega sua bolsa sobre a mesa.
Diferente do que fiz com sua mãe, ofereço minha mão para Mia. Ela
também se surpreende com meu gesto. Poderia dizer que sei ser legal quando
eu quero, mas resolvo ficar calado. Não preciso me explicar para ninguém.
Mia me guia até a garagem em silêncio. Nossas mãos entrelaçadas e os
passos rápidos. É como se ela também não visse a hora de ficar a sós comigo.
Sorrio para mim mesmo com as ideias que se formam na minha mente.
Descemos dois lances de escada e Mia abre uma porta de metal,
revelando a enorme garagem da propriedade.
Nada, nada mesmo, me preparou para este momento. Lamborghinis,
Maseratis, Ferraris e, se não me engano, um Alfa Romeo lá atrás me deixam
completamente boquiaberto. Nada de Fiat por aqui. Os carros italianos de
luxo, que custam mais do que uma pessoa normal ganha durante toda a sua
vida, gritam meu nome, como se me convidassem a uma noite de diversão —
não só com a mulher que estará no banco do carona, mas com eles também.
— Qual você quer? — pergunto a ela, que parece não dar muita
importância ao playground que Don Marco tem em casa.
— O vermelho, para combinar com o meu vestido — ela diz, dando de
ombros.
O vermelho, como ela disse, é uma Maserati Granturismo. Um dos
carros que eu sempre tive vontade de roubar, só para saber como é a potência
do motor.
Sorrio para ela, puxando-a pela mão até lá. Abro a porta do carona e
Mia toma seu lugar. Dou a volta e abro a minha porta, a chave me esperando
como Don Marco disse.
Ligo o carro e o ronco suave do motor me excita ainda mais.
Isso vai ser bom…
Mia aperta o botão do controle, que abre o portão da garagem, e
programa seu endereço no GPS do carro. Acelero, pouco me importando se
estou chamando muita atenção.
Assim que saímos da mansão, viro-me para ela.
— Tira a calcinha — digo.
— Como é?
— Tira. A. Calcinha. — Minha voz sai grossa e muito mais autoritária
do que eu gostaria. Estou embriagado com o momento, meu pau tão duro
dentro da calça que eu juro que deve estar com a marca do zíper desenhando
seu comprimento.
Mia obedece e desliza a peça por suas pernas.
— A… assim? — ela pergunta, um pouco incerta das minhas intenções.
— Afasta as pernas e levanta o vestido — peço novamente e, mais uma
vez, Mia cede às minhas vontades.
Puta que pariu, isso vai ser muito bom.
Levo três dedos à boca, molhando-os com a minha saliva.
— Sage, o quê…?
— Eu vou te tocar agora, freirinha. Vou fazer você gozar no banco de
couro deste carro — anuncio, sem muitas explicações.
Ela arfa com o que acabou de ouvir e posso jurar que escuto seu coração
bater com força. Antes que ela possa contestar, deixo minha mão correr para
o meio de suas pernas. Dessa vez, sou eu quem me espanto.
Mia já está molhada, apesar de suas pernas estarem tremendo.
— Isso te excita, freirinha? — pergunto, sabendo muito bem a resposta.
— As pessoas podem ver, Sage… — Sua voz sai em um sussurro
enquanto afasto seus lábios com dois dedos e uso o outro para brincar com
seu clitóris.
— Não respondeu à pergunta, Mia. Isso. Te. Excita? — falo
pausadamente, meu dedo estimulando o pequeno botão.
Mia não responde. Apenas estremece e solta um gemido baixo.
Não olho para ela. Estou concentrado na direção; o carro beirando
120km/h.
— Se você não me responder, eu paro. Gosto quando minhas mulheres
consentem.
Faço menção de remover a mão, mas Mia me impede, segurando-a com
força em sua boceta molhada.
— Suas mulheres não, Sage. Agora, você só tem uma mulher, e sua
obrigação é me fazer gozar duas vezes antes de me deixar em casa — ela fala,
seu tom firme e decidido.
Olho para ela, assustado com a forma brusca com que disse as palavras.
Mia me encara com luxúria, os olhos brilhando com a promessa do que
está por vir. Aproveito que paramos em um sinal e a puxo para perto,
grudando nossas bocas em um beijo faminto.
Meu pau lateja na calça e não vejo a hora de ela usar essa boquinha
deliciosa para me chupar com força.
Enfio um dedo em sua boceta e Mia solta um gemido mais alto.
— O que minha freirinha pedir, minha freirinha terá — digo com a boca
ainda colada na dela.
O carro de trás buzina e noto que o sinal já abriu. Então, volto a dirigir,
porém meus dedos continuam brincando com seu clitóris.
Pelo visto, vou ter que dar algumas voltas antes de deixá-la em casa.
Capítulo 15
Mia
Os dedos de Sage brincam no meio das minhas pernas, arrancando de
mim alguns gemidos. Já me toquei assim várias vezes, inclusive sou capaz de
dizer a meu noivo como ele faria com que a brincadeira atingisse seu objetivo
com mais facilidade. Mas, em vez disso, aproveito o toque e me entrego.
Sua mão movimenta-se de forma ágil. Meu corpo reage, me forçando a
rebolar em seus dedos. A velocidade do carro, a atenção de Sage concentrada
na direção — que segura firme com uma mão, enquanto a outra me estimula
— fazem com que eu fique ainda mais excitada. É a primeira vez que outras
mãos me tocam dessa forma e não sou capaz de raciocinar sobre o misto de
emoções e sensações que me invadem, no mesmo ritmo e intensidade que os
dedos dele me manipulam.
Eu quero mais, preciso de mais e que se danem as tradições. Quando o
sinal fecha novamente, procuro por sua boca, abrindo passagem entre os
lábios com minha língua, desesperada para encontrar a de Sage. Minhas mãos
correm para sua cintura e, de forma hábil, abro o cinto, o botão da calça e o
zíper. Minha mão toca-o por cima do tecido que parece querer rasgar.
— Tira ele para fora — sussurro contra sua boca e contraio minhas
pernas, apertando a mão de Sage, que continua a me estimular.
Com a mão que estava no volante, Sage rapidamente me obedece,
livrando-se do tecido que o sufocava. Afasto nossas bocas e encaro o que
nunca vi assim, em carne, cores e veias, ao vivo. Minha mão hesita em tocá-
lo. Meus olhos não conseguem parar de admirá-lo e minhas papilas gustativas
se ouriçam com a possibilidade do gosto, enchendo a minha boca de saliva.
Ele brilha na ponta, deixando-me bem segura de que Sage está tão excitado
com essa possibilidade quanto eu.
Ainda encarando seu membro, lentamente vou baixando a mão em sua
direção. Acaricio a extensão com as pontas dos dedos, começando pela parte
brilhante, e vou descendo. Quando chego à base, fecho os dedos em sua volta.
Não consigo fazer com que as pontas do dedão e do indicador se encontrem
— e isso faz com que minha boca salive ainda mais.
Começo a subir e descer a mão. Sage joga a cabeça no encosto do carro,
os dedos cada vez mais ágeis, meus movimentos cada vez mais acelerados.
— Puta que pariu, freirinha! — ele grita dentro do carro. A voz mais
grossa e rouca do que o normal.
O sinal abre, os carros começam a passar por nós e buzinar. Nenhum dos
dois se importa. Não paro. Nem Sage. Meus olhos atentos a cada uma de suas
reações aos movimentos que faço em seu corpo. Os olhos me encaram com
uma chama diferente, uma que não quero controlar.
Então, sinto se aproximar: as contrações no corpo, a onda de aflição, o
desespero que toma conta, a ânsia por calmaria. Acelero ainda mais. Quando
chego à base, sem soltar o dedão e o indicador de sua circunferência,
escorrego os outros dedos, massageando-o, e volto a subir. Rápido, intenso,
arrancando gritos e palavrões do meu futuro marido. Os movimentos
involuntários do meu quadril também se intensificam nos dedos de Sage, que
acompanha meu ritmo acelerado. E quando a calmaria chega, ela não é calma.
Meu corpo inteiro se contrai, meus membros tremem, meu coração acelera e o
ar parece se ausentar de dentro do carro. Algo diferente de tudo que
experimentei sozinha.
Sage não demora a chegar ao mesmo ponto de alívio que eu. Suas mãos
procuram o meu pescoço e seus lábios, minha boca. O beijo é rápido. Assim
que nossas respirações se acalmam, ajeito-me no banco do carona.
— Precisamos ir.
— Você disse que queria gozar duas vezes antes de chegar em casa,
freirinha. E eu quero saber o que essa sua boquinha é capaz de fazer. — Sage
carinhosamente segura minha boca entre os dedos e passa o indicador em
meus lábios. Eu o sugo. — Melhor a gente ir para um lugar com mais espaço.
Por mais cretino que eu seja, não vou tirar a virgindade da minha futura
esposa em um carro. — Ele ri. — Mesmo que seja um Maserati Granturismo.
— Sage… — Faço um carinho em seu rosto. — Você irá me fazer gozar
uma segunda vez antes de chegarmos à minha casa — digo, sorrindo. — Mas
se continuarmos parados aqui, desviarmos da rota do GPS ou você demorar
mais do que quinze minutos além do tempo estimado que leva para ir e voltar,
pode ter certeza de que não estará vivo para tirar a minha virgindade na nossa
noite de núpcias. — Dou dois tapinhas em seu rosto, para que saia do transe,
e ele parece se encontrar. — E nenhum de nós dois quer isso, certo?
— A gente só vai transar na noite de núpcias? — É a única coisa que ele
parece ter escutado. — Tá de sacanagem comigo, freirinha?
— Isso se tiver noite de núpcias. Mais dois minutos aqui e alguém virá
atrás de nós. — Dessa vez, elevo o tom da voz. Acho que Sage não escutou o
mais importante. — E te garanto que, ao verem que não sofremos um acidente
ou não estamos em algum enrascada, eles rapidinho vão imaginar o que
estávamos fazendo.
— Ok, entendi. Eles vão vir, sacar suas pistolas e, dessa vez, atirar,
porque eu deflorei a minha noiva. — Ele ri, engata a marcha e começa a
acelerar, fazendo o carro se movimentar mais uma vez. — Em que século essa
família pensa que vivemos?
— Não importa, mas é bom você começar a respeitar as nossas
tradições se pretende ser alguém de importância nessa família.
— Como assim, de importância? — Sage me olha confuso. — Você
quer que eu seja um Capo? — Ele ri.
— Não — digo séria. — Quero que você seja o próximo Don.
— Você só pode estar de brincadeira! — Sage dá uma gargalhada. —
Como isso seria possível? Tem um plano também para matar meu pai,
freirinha?
— Claro que não, Sage! Você só pode estar louco. Eu nunca conspiraria
contra Don Marco. — Ofendo-me com o comentário. — Fora que, na nossa
família, as coisas não acontecem assim. Elas são por merecimento. Logo você
vai aprender e entender como tudo funciona. — Respiro fundo. Preciso ter
paciência com ele, Sage ainda não foi treinado e precisa descobrir muita
coisa. Por ora, prefiro aproveitar o que já pode me oferecer. — Então, temos
apenas mais alguns minutos até a minha casa. — Faço carinho em sua
bochecha e vou descendo com a mão pelo seu braço, acariciando-o. — E
você disse que realizaria todos os meus desejos…
— De que mundo você veio? — Ele arqueia uma sobrancelha antes de
colocar sua mão entre o meio das minhas pernas de novo.
Capítulo 16
Sage
Pensei que já tinha passado por quase tudo nessa vida. Mas, é claro,
estava errado.
A semana começou comigo acordando cedo — o que já não é comum —
e tendo que participar de um café-da-manhã em família. Descobri que, nesta
mansão, mora mais gente do que eu imaginava.
Além de nonna e Don Marco, tenho dois primos que foram criados aqui
também: Gio e o otário do Vince. Aparentemente, eles são os filhos do meu
falecido tio, irmão de Don Marco, e foram criados aqui, quase como filhos de
meu pai.
A cada mordida que dava no meu pãozinho, Vince me olhava com a cara
emburrada. Era como se ele estivesse esperando que eu fizesse alguma
merda, só para poder apontar para mim e mostrar para meu pai e nonna que
não sou o que eles esperavam.
É claro que não sou, nem estou inclinado a ser.
Por sorte, o café foi interrompido pela chegada de Giovanni, Carlo e
Toni, que saíram com Don Marco em direção ao escritório para discutir
negócios. Aproveitei a deixa e avisei que iria para o quarto. Essa dose extra
de refeições em família estava começando a me incomodar.
Antes que eu pudesse sair também, nonna avisou que teríamos
treinamento hoje. Quando olhei descrente para ela, a senhorinha anunciou que
Danio estaria nos esperando em meia hora, na sala de exercícios. Jett, Coal e
eu nos entreolhamos, sem saber muito o que esperar.
Meu pai havia tecido elogios atrás de elogios sobre o tal Danio, que, por
sua vez, parecia venerar o chão que seu Don pisava. Quando falaram sobre
treinamento, juro que não estava esperando algo tão… literal, mas ao entrar
na tal “sala de treinamento”, percebi o quão errado eu estava.
Agora, com uma pistola em cada uma das mãos, juro que ainda não
consigo acreditar que esta é uma academia de treinamento para gângsters.
— O exercício é simples: acertem o alvo. — Danio aponta para os três
painéis que foram colocados à nossa frente, com desenhos de homens sem
rosto. Cada parte do corpo tem uma pontuação diferente.
— Você não deveria dizer que estamos muito no início do treinamento e
que a parte das armas é só quando estivermos prontos? — pergunto a ele, que
me olha com descrença.
Pelo menos é assim que funciona em todos os filmes. Primeiro, o cara
treina até dominar a parte da porradaria. Depois, ele vai para as armas.
— Eu não sei o que você já aprendeu até agora, mas, na vida real, os
homens não começam a lutar feito o Bruce Lee no meio da rua. Na vida real,
quem atirar primeiro ganha. Foda-se o kung fu — o Allenatore fala, negando
o que já vi na televisão. O que, confesso, me deixa um pouco confuso e um
tanto frustrado. — Às vezes, tudo que temos é a oportunidade de um tiro. É
melhor que você saiba como atirar, não acha?
— Gostei de você, Danone.
— É Danio.
Pisco para ele e seguro as duas pistolas com firmeza, mirando o alvo.
— Por que duas, e não só uma? — Ouço Jett questionar.
— Vocês estão segurando uma Glock, nove milímetros. No pente, tem
dezessete balas. Se você segura duas armas ao mesmo tempo, então tem trinta
e quatro balas. A matemática da coisa é bem simples, ragazzo — Danio diz
em tom de piada, mas sei que ele tem razão. — Agora, chega de perguntas e
comecem a atirar. Só cuidado, esses brinquedinhos são caros.
Olho para Jett, que analisa as pistolas em sua mão. Por mais que a gente
tenha se metido em alguns negócios obscuros, nunca tivemos o hábito de
carregar armas — o que, agora, parece ter sido uma burrice de nossa parte.
Dou de ombros e volto a encarar o alvo, apenas para começar a atirar
nele. Bala atrás de bala. O coice das armas não é tão forte quanto pensei;
mesmo assim, seguro-as com firmeza, descarregando o cartucho em alguns
segundos.
Sinto como se estivesse em um filme de bang bang, o que me faz atirar
com um enorme sorriso no rosto. Não escuto se Jett e Coal fizeram o mesmo,
mas, quando eu me viro para eles, vejo que Jett tem a mesma expressão que
eu. Já Coal está parado, apenas olhando para o alvo.
— Confesso que estou adorando esse treinamento — comento quando
Danio nos encara. A adrenalina ainda pulsa em minhas veias e a vontade que
tenho no momento é de repetir a mesma coisa duzentas vezes.
— Vamos ver como vocês se saíram — nosso allenatore diz e vai até os
alvos. — Desastroso! — ele berra, olhando para nós como se não pudesse
acreditar no que acabou de descobrir. — Vocês não acertaram quase nada! E
pelo que posso interpretar por esse buraco aqui — ele aponta para o alvo de
Jett —, você é tão ruim de mira que acertou o homem errado!
Dessa vez, ele me encara.
— Ah, que isso, mano… A gente nunca curtiu muito essa coisa de armas
— respondo, sem me envergonhar um pouquinho sequer da minha
performance.
— E você, por que não atirou? — Dessa vez, a pergunta é direcionada a
Coal.
— Porque eu não uso a arma de outro homem — meu irmão responde e
coloca as duas pistolas no chão. Em seguida, ele saca Joana da parte traseira
da calça e começa a atirar, descarregando as dezoito balas, que acertam em
cheio o peito e a cabeça do alvo. — A última fica guardada para
emergências.
Danio fica boquiaberto com a demonstração de Coal, diferente de mim e
Jett, que sabemos do que ele é capaz. Coal, em todo seu autocontrole, é o que
mais esconde suas habilidades, e a Taurus de estimação tem sido sua
companhia frequente desde que nossa mãe morreu.
— Pelo menos um de vocês tem talento — Danio diz, balançando a
cabeça afirmativamente para Coal. — PT380? — ele pergunta e meu irmão
confirma. — Vou conseguir mais alguns cartuchos para você. Enquanto isso,
os dois bonitinhos aí têm muito trabalho a fazer.
— Como foi o treino? — nonna nos pergunta assim que entramos na
cozinha.
Já passa de quatro da tarde e juro que nunca me senti tão cansado na
vida. Foram horas atirando, tentando acertar a merda de um alvo minúsculo.
Quando saí de lá, sabia que já estava melhor do que quando eu entrei,
principalmente depois de seguir as dicas de Danio.
É difícil admitir, mas Don Marco tinha razão: Danio é excelente no que
faz.
Depois do esporro, ele começou a nos orientar e mostrou de que
maneiras podemos melhorar nossa mira. Não direi isso a ninguém, mas estou
bastante animado com o que nosso Allenatore tem preparado para o próximo
treino.
Quem diria que assistir a uma aula pudesse ser tão divertido?
— Foi ótimo, nonna. Mas estou morrendo de fome. O que a senhora
preparou para nós? — Jett, o puxa-saco oficial dos Rossi, quer saber. Isso faz
com que nonna abra um sorriso de orelha a orelha.
— Tem polpetone no forno. Vocês perderam o almoço. Vou servir um
prato para vocês — ela avisa e escuto minha barriga roncar. — Depois de
comerem, deixem os pratos na pia. Seu pai quer falar com você, Sage. Jett e
Coal, vocês podem subir para tomar um banho. Às oito da noite, todos iremos
jantar na casa dos Messina.
Nonna distribui os pratos na mesa da cozinha e começamos a atacar a
comida imediatamente.
— Por que Don Marco quer falar com Sage? — Coal pergunta entre uma
garfada e outra.
— Non parlare con la bocca piena[34] — nonna repreende. Posso não
ser expert em italiano, mas creio que ela tenha dito a meu irmão para que não
fale de boca cheia.
— Scusa[35], nonna — ele diz, fazendo com que a mulher abra um
enorme sorriso.
Pelo visto, ele já começou a se italianizar também.
— Voltando à pergunta, Coal, seu pai quer falar com Sage sobre o
casamento — nonna explica e eu faço que sim com a cabeça.
A palavra casamento ainda me é estranha e causa um tremendo
desconforto, mas só de me lembrar do que aconteceu entre Mia e eu naquele
carro, o desconforto deixa de ser moral e passa a ser físico. Mais
especificamente, dentro da calça jeans que estou usando.
Aquela freirinha safada ainda vai ser minha ruína.
Os sons que ela emitia enquanto eu brincava com seu clitóris eram
suficientes para levar qualquer homem à loucura. Sua boceta virgem gozou na
minha mão e pude sentir cada tremor, cada latejo, cada gota do seu prazer.
Se isso aconteceu com apenas meus dedos, imagina como Mia irá reagir
ao me ter enterrado nela? Cada centímetro meu levando-a ao clímax. Vou
sugar aqueles mamilos arrebitados e apertar com força aquela bunda redonda
enquanto entro e saio de dentro dela, fazendo-a berrar meu nome e pedir
mais. Sempre mais.
Fico duro só de pensar e acabo ignorando qualquer conversa que esteja
rolando na cozinha. Só a lembrança faz com que eu reaja e ignore o resto do
mundo.
Desde que levei meus dedos à boca e senti o gosto daquela maldita
italiana, anseio por mais. Quero tudo com ela… Quero fodê-la de todas as
maneiras possíveis e fazer com que a única coisa em sua mente seja eu. Meu
corpo. O prazer que posso lhe dar.
— A comida não está boa, Sage? — nonna pergunta, fazendo com que
eu volte à realidade e afaste os pensamentos de uma certa freirinha deliciosa
da minha cabeça.
Porque não tem nada mais brochante do que ver sua avó usando um
avental de galos e galinhas e te oferecendo um polpetone.
— Está maravilhoso, nonna. Obrigado. Só estou um pouco distraído —
confesso, sem querer entrar em detalhes do que se passava em minha mente.
— Aposto que está ansioso com o casamento — ela diz.
Você não sabe o quanto…
— Também. — Dou uma garfada na comida para evitar de ter que
continuar na conversa.
Nonna sorri para nós e avisa que precisa ir agora. Ela vai se encontrar
com Mia e Giorgiana para verem as coisas da festa. Apenas faço que sim com
a cabeça e garanto a ela que irei ver Don Marco assim que terminar de
comer.
Quando ela sai, meus irmãos começam a conversar sobre o treino e
como gostaram de Danio. Permaneço em silêncio, comendo o melhor
polpetone do mundo e pensando no que será da minha vida daqui pra frente.
Por mais que o prospecto de comer aquela freirinha de maneiras
diferentes e com frequência seja bastante apelativo, sei que não é apenas isso
o que me aguarda.
As palavras de Danio me voltam à mente: “Às vezes, tudo que temos é a
oportunidade de um tiro”. Não estou assustado com isso. Muito pelo
contrário: estou cada vez mais curioso sobre os negócios da família.
Assim que acabo de comer, levanto-me da mesa, levo o prato para a pia
e aviso a Jett e Coal que irei me encontrar com Don Marco. Saio da cozinha e
me encaminho para o escritório dele. Porém, no caminho, sou interrompido
por vozes.
Não tem ninguém falando comigo, mas escuto meu nome com clareza.
Isso faz com que eu pare de andar e preste atenção na conversa que está
acontecendo atrás de uma porta.
— Sage é um babaca! — Posso jurar que é a voz de Vince, meu
priminho preferido. — Não sei como a Mia pode estar encantada por ele.
Controlo-me para não rir.
Isso mesmo, Vince. Pode chorar por causa dela, porque Mia nunca vai
ser sua.
Alguém fala mais alguma coisa, mas não consigo escutar muito bem. O
tom é baixo e o som acaba saindo abafado demais para que eu entenda.
— Eu não quero saber! — Vince grita, o que facilita muito a minha vida.
— Eu não sei por quanto tempo vou aguentar dividir o teto com aquele
desgraçado!
Pelo visto, eu incomodo. Que pena…
As vozes diminuem de volume e não consigo mais ouvir. A outra pessoa
deve ter acalmado Vince.
Resolvo que não estou com vontade de bisbilhotar por mais tempo e
volto a andar em direção ao escritório de meu pai. Paro na frente da porta e
dou três batidas.
— Entra — Don Marco diz em seu sotaque italiano, o que me faz pensar
se nasceu aqui. Ainda não perguntei isso a ele.
— O senhor queria falar comigo? — pergunto assim que abro a porta e o
vejo sentado à escrivaninha, a caneta em sua mão passeando rapidamente em
um bloco.
— Ah, Sage! Sim. Entra, entra — ele fala, apontando para a cadeira à
sua frente. — Como foi o treino? — Don Marco questiona quando tomo meu
lugar.
— Foi… interessante. — Não quero dizer que foi incrível, porque senão
ele pode começar a ter ideias de que agora sou o mais novo filhinho do papai.
— Danio é muito bom no que faz — limito-me a falar.
— Fico feliz que tenha gostado. Ele me disse que tem dez dias intensos
preparados para você e seus irmãos — comenta e faço que sim com a cabeça.
Danio nos mostrou o calendário de treinamento. Preciso admitir: o que
ele tem em mente é muito bom.
Amanhã teremos mais treino com armas na sala, mas, depois de amanhã,
ele disse que iria nos levar para o campo de treinamento na parte de trás da
casa.
— Podemos ir direto ao assunto? — peço, fazendo com que Don Marco
solte uma risada tranquila.
Estou cansado. Quero tomar um banho e tirar um cochilo antes de ir para
a casa de Mia mais tarde. Afinal, preciso estar bem-disposto para realizar as
vontades daquela freirinha fogosa.
— Claro que sim — ele diz e abre uma das gavetas da mesa. Em
seguida, coloca uma caixinha à minha frente. — Eu queria te dar isso.
Pego a caixa preta e a abro. Um enorme anel de diamantes brilha lá
dentro.
— Não curto muito essa parada de incesto. Nem gostaria de me casar
com um homem. Mas fico honrado com o convite. — Não consigo segurar a
piada.
— Muito engraçado, Sage. Este anel é importante para mim e gostaria
que você o desse à Mia. — Olho para ele, sem saber muito bem como
interpretar o que acabou de me dizer.
— Por que ele é tão importante para você? — Cedo à curiosidade,
mesmo que já tenha ideia de qual será sua resposta.
Don Marco respira fundo e pega o anel, que parece ridiculamente
pequeno se comparado à sua mão. Por alguns minutos, ele apenas analisa a
joia, como se ela trouxesse lembranças de um tempo que jamais voltará.
Meu coração — o mesmo que eu insisto em dizer que não tenho — fica
apertado, enquanto espero por sua resposta.
— Sua mãe fugiu pouco antes do nosso noivado — ele confessa e engulo
em seco. — Na época, eu tinha acabado de me tornar Capo e o dinheiro que
eu ganhava não era tanto assim. Mas não queria saber. O amor da minha vida
precisava do melhor anel.
Vejo seus olhos marejarem ao passar o dedo por cima de cada um dos
diamantes incrustados na aliança dourada. Dá pra sentir a saudade em sua voz
e a tristeza profunda no modo como engasga com as palavras.
— O que aconteceu? — pergunto, sabendo que esta pode ser uma das
poucas chances que eu tenho de saber mais sobre o que fez com que minha
mãe fugisse da casa dos Rossi.
— Ela foi embora e sequer me avisou que carregava meus filhos no
ventre.
— E você nunca…? — tento perguntar novamente, mas sou
interrompido.
— Basta! Não estamos aqui para falar do passado, e sim do futuro. —
Don Marco fecha a tampa da caixinha e a entrega para mim. — Dê este anel à
sua noiva, já que eu não tive a chance de dar à minha.
Pego a caixa de veludo e a guardo no bolso, apenas fazendo que sim com
a cabeça.
Capítulo 17
Mia
Enquanto mamma e nonna gritam, gesticulam e xingam Don Marco pela
correria para preparar o casamento, eu agradeço mentalmente. Seria
impossível prolongar esse noivado por mais tempo — minha virgindade
também. E não é porque meu futuro marido não aguentaria esperar, porque
Sage está sendo bem mais fácil de controlar do que imaginei. O problema sou
eu mesma.
Dizer que foi impossível dormir ontem à noite é um eufemismo. Todas as
vezes que o sono vencia, os sonhos me atormentavam, me fazendo acordar
suando e chamando por Sage. Por seus dedos, seus beijos, seu…
— Mia, bambina! — nonna chama a minha atenção, rindo. — Em que
mundo você está, ragazza?!
Ela aponta para algumas imagens de arranjos de igreja, que estão em sua
pasta de casamento. Estamos sentadas à mesa da cozinha. São algumas pastas
que nonna carrega como tesouro, com todos os detalhes e opções possíveis
para um belo casamento. Essa mulher é responsável por todos que acontecem
na família há mais de trinta anos.
— Gosto deste. — Aponto para um arranjo de íris brancas, com detalhes
em um lilás quase azulado. — Azul para significar a lealdade ao meu futuro
marido e as íris, ou flor-de-lis, como minhas colegas de faculdade chamam,
porque elas simbolizam a coragem, a sabedoria e uma mensagem de
esperança.
— Bela escolha, Mia! — Mamma aplaude. Nonna concorda com a
cabeça e um sorriso largo no rosto.
Continuamos olhando e decidindo as coisas práticas do casamento:
flores, arranjos de mesa… As flores das lapelas dos homens serão cravos
brancos. Decidimos as cores dos vestidos das madrinhas, do terno do noivo
e, por último, o modelo do meu vestido. A costureira chegará em breve para
tirar as medidas e a capela já está agendada. Duvido que qualquer outra
pessoa teria conseguido essa reserva, mas Padre Santino conhece bem a
nossa família e já celebrou muitos dos nossos casamentos. Depois da
cerimônia religiosa, seguiremos para a recepção nos jardins da casa de Don
Marco e, finalmente, para nossa noite de núpcias.
Tenho plena ciência de que a primeira vez irá doer e que dificilmente eu
vou ter um orgasmo com Sage me penetrando. Já li, conversei, ouvi
depoimentos e assisti documentários sobre o assunto. Não tenho a ilusão de
que comigo será diferente. Mas sei do que o meu futuro marido é capaz de
fazer com os dedos e, pelo jeito que sua língua se movimenta dentro da minha
boca, imagino que ela também poderá ajudar a tornar a nossa primeira vez
mais interessante para mim.
— Mia! — nonna chama a minha atenção de novo, mas, dessa vez, ela
está séria. — Está com a cabeça nas nuvens hoje, parecendo uma tontellone.
— Ela então sorri. — Sage também estava assim na hora do almoço. —
Nonna segura a minha mão sobre a mesa. — Disse que era ansiedade pelo
casamento.
Ah, Sage… Se você estiver com cara de tontellone pelos mesmos
motivos que eu, tenho certeza de que vamos nos dar muito bem.
— O que foi? — Mia pergunta e não sei muito bem como responder.
Toda vez que eu acho que comecei a entender que tipo de pessoa ela é, a
freirinha vem e diz algo completamente diferente do esperado. Já deu para
notar que ela não é daquelas que será santa na cama, mas o que Mia quis
dizer com “nos livraremos dele”?
— Nada. — Acaricio seus cabelos. — Não foi nada.
Também não faço a menor ideia do que perguntar, então, opto por me
manter longe do assunto. Pelo menos, por enquanto.
— Aí estão vocês! — Nonna aparece ao nosso lado, acompanhada de
Vince, que sorri maliciosamente para nós, como se estivesse se vangloriando
por ter interrompido nosso momento. É um otário mesmo. — Sua mãe está te
procurando, bambina.
— Desculpa, nonna. A gente estava conversando — Mia diz e faz
menção de se levantar, mas puxo-a para mais perto de mim.
— Na verdade, nonna, não estávamos fazendo nada de inapropriado. Eu
estava apenas pedindo minha noiva em casamento. Oficialmente — explico,
fazendo com que minha avó arregale os olhos, que seguem direto para a mão
de Mia, encontrando o enorme anel de diamante.
— Non ci posso credere![38] — ela exclama e vem nos abraçar, falando
várias outras coisas em italiano que fazem Mia abrir um enorme sorriso.
Vejo os olhos de nonna marejarem ao notar qual foi o anel que dei a
Mia. Isso me faz perceber que ela sabe muito mais sobre a história de meus
pais do que se permitiu nos contar. Fico tentado a pedir para que ela revele
mais, porém nonna começa a nos puxar de volta para casa, dizendo que
precisamos comemorar.
De novo.
Pelo visto, tudo é motivo de comemoração para os Rossi.
Com ambas as minhas mãos nas de Mia e nonna, percebo que estou em
um beco sem saída. Balanço a cabeça e me permito ser guiado, não sem antes
olhar para trás e ver o olhar ardiloso de Vince, que parece cada vez mais
desgostoso com a atenção que a família tem voltado para mim.
Pisco para ele, que me mostra o dedo do meio em resposta. Acho que
isso será algo que ocorrerá com bastante frequência entre nós.
— Eles estão noivos! — nonna grita ao entrar na sala de estar, onde
estão nossos pais e irmãos.
— Claro que estão noivos. Vocês já estão até organizando o casamento
— Jett diz, confuso.
— Non, non! Eles estão noivos de verdade. — Nonna estende a mão de
Mia, mostrando para todos o anel que meu pai me deu.
Giorgiana solta um gritinho de alegria e vem até a filha, analisando a
joia com cuidado. Giovanni também se aproxima, me olhando com
desconfiança. Eles parabenizam a freirinha, que tem as bochechas vermelhas
com o desconforto em estar no centro das atenções.
Essa mulher é um enigma… e juro que, um dia, irei entendê-la.
Viro-me para Don Marco, que apenas balança a cabeça positivamente.
Repito o gesto para ele.
— Isso merece um brinde — Don Marco anuncia e pede a uma mulher
de uniforme que vá buscar o champagne.
Calado estava, calado continuo. Não tenho o que falar. Sei que jamais
teria feito isso por conta própria, mas trezentos mil na mão e a chance de
comer a freirinha deixam essa situação um pouco mais aceitável.
Eu não a amo. Possivelmente nunca a amarei. Mas, se eu for ser sincero,
a mesma coisa se aplica a qualquer outra mulher no planeta. Então, foda-se. O
que receberei em troca compensa ter que assinar um documento.
As taças são servidas aos presentes e Don Marco se levanta da poltrona.
— Um brinde — ele diz, erguendo o champagne, e todos fazem o
mesmo. — Ao meu filho, Sage, e à dolce[39] Mia. Que a união de vocês
carregue a força da família Rossi e solidifique ainda mais o que temos
construído há gerações. Espero que encontrem o amor um no outro e que se
amparem em tempos difíceis. Eu não poderia estar mais feliz com um
casamento do que estou hoje. — Ele desvia o olhar de nós e encontra o de
Giovanni. — Esperamos muito tempo por este momento e tenho certeza de
que vocês serão muito felizes juntos. Agli sposi[40]!
Todos brindamos e Mia olha para mim, um sorriso diferente corre em
seus lábios. Mais um dos mistérios que envolvem esta mulher. Porém, não
tenho muito tempo para refletir sobre ele, pois somos abraçados por todos na
sala.
O discurso de Don Marco deixou claro o que espera dessa nossa união:
aproximar as famílias, agradecer Giovanni por ter sido leal a ele durante
todos esses anos e nos preparar para o futuro.
O chefe da máfia italiana sabe exatamente o que faz e percebo — cada
vez com mais clareza — que todas as suas decisões são friamente calculadas
para conseguir aquilo que quer. Só me basta saber quais são os planos do meu
querido papai.
— Mexa os pés, Sage! — Danio grita para mim pela terceira vez nos
últimos dois minutos.
Faço o que ele pede e consigo me desviar do soco que Angelo Bernardi
tenta me acertar. Acho que o desgraçado está querendo se vingar pelo que fiz
na noite em que nos conhecemos, mas pouco importa. Não vou deixar
qualquer um me atingir tão facilmente.
As últimas duas semanas passaram voando. Talvez por eu ter ficado a
maior parte do meu tempo treinando ou então jantando com a minha família e
a de Mia. Fui consumido pelo treinamento intensivo que Danio preparou para
mim e meus irmãos.
Não sei qual é a mágica desse cara, mas, em tempo recorde, estou me
sentindo completamente diferente.
Armas não são mais um mistério para mim. Também não posso dizer que
sou tão bom com elas quanto Coal. Meu irmão tem um talento natural e, por
mais que prefira sempre usar Joana, acabou sendo convencido por Danio a
testar outras pistolas.
“Em caso de necessidade”, ele disse e meu irmão concordou. Passamos
uma semana inteira atirando nos alvos, e agora posso dizer que nunca mais
passarei a mesma vergonha do primeiro dia nesta sala, quando acertei um tiro
no alvo que não era o meu.
Danio ainda não nos liberou para sair com o Capo, mas sei que isso
acontecerá em breve. Ele mesmo disse que nunca teve alunos como nós e
deixou claro para Don Marco que está impressionado com nossa performance
e rápido desenvolvimento.
Isso pareceu deixar nosso pai bastante contente, a ponto de nos
presentear com carros novos. Italianos. Máquinas perfeitas que me fazem
sentir vontade de gozar sempre que escuto o ronco de seus motores. Como se
isso não fosse o suficiente, Jett e eu também ganhamos nossas próprias armas.
Coal recusou, dizendo que jamais trairia Joana dessa forma.
Não satisfeito, Danio resolveu nos treinar em combate — e confesso que
tenho me divertido muito mais sempre que tenho a oportunidade de acertar
alguns socos em Vince, mesmo que seja por cima da roupa de proteção.
Nosso allenatore disse que precisa que saibamos o básico, mas que o
treinamento não terminará tão cedo. Ou melhor, nunca. Até hoje, todos os
Soldattos treinam com frequência, pelo menos três vezes por semana. Os
Capos também aparecem em ocasião. Inclusive já vi Giovanni treinar
combate e disparar a arma nos alvos.
“Ninguém nunca é tão bom que não possa melhorar”, Danio falou quando
o questionei sobre a presença do meu futuro sogro.
Quando o treino de hoje acaba — como sempre às quatro horas da tarde
—, Danio me entrega uma toalha para que eu limpe o suor do rosto. Vince
está ofegante depois de ter passado um tempo comigo no ringue, logo após
Angelo sair. Acho que pensou que eu seria um oponente fácil, já que não tive
o mesmo treinamento que ele. Só que meu querido priminho esqueceu que
meus últimos cinco anos me ensinaram muito mais do que a prática no tatame.
— Quais são os planos para sua última noite como um homem solteiro?
— Danio pergunta, me oferecendo uma garrafa de isotônico. Bebo metade do
conteúdo de uma só vez e o encaro.
— Hoje é a despedida de solteiro dele — Lorenzo, o irmão de Mia,
anuncia, fazendo com que todos os outros homens comecem a comemorar.
— Sim, minha despedida de solteiro — respondo ofegante e pouco
animado com o prospecto.
Na verdade, estaria bem mais contente em assistir a mulheres dançando
se não fosse a companhia. Por mais que alguns dos homens da família —
como Enrico Messina, Jerry Bernardi e Eddie Barrone — não sejam tão ruins
assim, ainda não tive muita oportunidade de conhecer os demais. E alguns
deles continuam me olhando como se eu fosse apenas um intruso.
Não que isso me incomode. Na verdade, estou pouco me fodendo para o
que pensam a meu respeito. Poderia até mostrar para eles o quanto não me
importo, mas Danio sempre me repreende quando meus punhos acertam —
acidentalmente — o maxilar de alguém.
— O que vocês têm planejado para essa despedida de solteiro? —
Danio quer saber.
Troco olhares com Jett e Coal, que parecem tão empolgados quanto eu.
Na verdade, nós três queríamos sair sozinhos. Afinal, eles serão os meus
padrinhos de casamento. Quando compartilhamos nossos planos com Don
Marco, ele imediatamente nos interrompeu, dizendo que filhos seus não iriam
tomar uma cerveja em um bar qualquer, e insistiu para que deixássemos os
outros homens da família organizarem algo mais… elaborado.
Eu não sei se foi por conta do cansaço ou apenas do botão do foda-se
que tem estado ligado desde que entrei nesta casa, mas concordei.
— Faremos uma festa digna de um Rossi — Eddie diz e dá dois tapinhas
nas minhas costas. — Reservamos a área VIP do Lascívia.
Danio arregala os olhos e fico sem entender sua reação.
— A boate dos Giordanni?
— Dois coelhos em uma cajadada só. — Eddie pisca para Danio, que
começa a rir com a revelação.
— Isso vai ser, no mínimo, interessante.
Não pego a referência. Também não sei se me importo realmente em
saber por que ir ao Lascívia é tão interessante assim. Tampouco o nome
Giordanni me chama a atenção. Só que todo mundo que está no treino parece
ansioso para hoje à noite — e duvido que essa empolgação toda seja apenas
por conta do meu casamento ou da possibilidade de mulheres seminuas
dançando à nossa frente.
Capítulo 19
Sage
Ainda debato se devo estar feliz ou preocupado com a minha despedida
de solteiro quando a limusine passa por um buraco e todos nós chacoalhamos
aqui dentro. Outra coisa que deveria me preocupar — talvez não a mim, mas
a Don Marco — é o fato de todos os seus Soldattos estarem dentro do carro
comigo. E, de acordo com Eddie, até alguns associados irão nos encontrar no
Lascívia.
Ao todo, somos quinze homens. É muita testosterona para pouco metro
quadrado.
— Essa vai ser a única parte ruim de ser casado com Mia Messina,
irmão — Eddie diz ao meu lado e não entendo o que quis dizer. — Você vai
ver o que acontece quando entramos em qualquer lugar juntos e vai se
arrepender de ter aceitado a oferta de seu pai.
— Eu não tive muita escolha, não é? — comento baixinho.
— Pelo menos, sua futura esposa é a mulher mais bonita da família.
Ainda bem que você não ficou preso à Divina Bernardi — ele sussurra,
indicando mais três Soldattos que estão no carro conosco. — A irmã deles é
feia demais, mano. Dá até medo daquele excesso de dente. — Sou obrigado a
rir com o comentário.
Eddie Barrone acabou se tornando um dos meus únicos amigos dentro da
família. Não que eu confiaria minha vida a ele, mas, pelo menos, é fácil estar
ao seu lado e não sentir vontade de estrangulá-lo. Bem diferente dos meus
sentimentos sempre que estou perto de Vince e aquele seu olhar de vilão da
Disney, que planeja o meu fim de forma dramática. Ao menos Eddie é
divertido e tem tentado me ajudar nos treinos.
Descobri que ele e seu irmão, Frederico, foram os últimos a entrar antes
de mim. Tanto seu pai quanto seu tio também eram da família. O segundo era
Capo, só que faleceu em ação há alguns anos. Já o pai de Eddie está
aposentado e toma conta de um dos nossos restaurantes — algo mais
adequado para um homem de sua idade.
Os irmãos de Mia também têm sido bem tolerantes comigo, o que veio
como uma surpresa. Principalmente Lorenzo, já que Enrico, o mais velho dos
filhos de Giovanni Messina, é mais calado e tende a não se misturar muito
com as outras pessoas. Porém, no meu primeiro dia de treinamento de
combate, ele fez questão de lutar comigo. Pensei que o cara fosse me quebrar,
mas acabou me dando dicas valiosas e ensinou coisas que eu nunca tinha
visto antes.
Mas como Eddie é o mais novo na família — sem contar Jett, Coal e eu
—, ele aparece nos treinos com mais frequência, e isso fez com que nos
aproximássemos.
Olha só pra mim: tenho um amiguinho agora. Acho até que vamos dividir
o lanche na hora do recreio.
Dou um gole no whisky e respiro fundo. Eu não sei o que vai acontecer
esta noite, mas todos no carro parecem bastante animados. Se fossem homens
normais, diria que estão loucos por ter mulheres se esfregando neles. Mas
estes são homens de família, e creio que essa animação toda se dá por outros
fatores.
— Hmmm, Eddie, tenho uma perguntinha pra você. — Ele me encara.
— Pode falar, Sage.
— Quem são os Giordanni? — Vou direto ao ponto. Vi a reação de
Danio e dos outros antes de saírmos da sala de treinamento. Posso ser novo
nisso tudo, mas não sou burro.
— São uma outra família italiana — Eddie dá a pior explicação
possível.
Será que essas pessoas não entendem que, às vezes, é mais interessante
falar a verdade de forma direta?
— Ou seja, uma gangue rival — troco suas palavras por outras mais
explícitas e dou um gole na bebida.
Eddie olha para o lado e repito seu movimento. Acho que todos
conseguiram me ouvir, porque pararam de conversar entre si e passaram a me
encarar. O silêncio toma a limusine e sinto Jett tensionar ao meu lado direito.
Sei que meu irmão tem as mesmas perguntas que eu na cabeça e sabe muito
bem que as respostas não serão, necessariamente, do nosso agrado.
— O seu problema, Sage, é ficar preso às visões hollywoodianas —
Enrico fala e me viro para encará-lo. — As coisas não funcionam assim. Não
somos gangues rivais. Somos duas famílias italianas, e cada uma é
responsável por um setor da economia.
Sinto vontade de rir da sua explicação, principalmente porque “setores
da economia” não são — ou não deveriam ser — controlados desta forma.
Não conheço nenhum ministro que ande armado e tenha aulas de combate.
Geralmente são velhos barrigudos, que têm uma equipe de segurança gigante
para protegê-los de seus próprios crimes.
— Então, por favor, me explica como tudo isso funciona — peço,
tentando deixar meu sarcasmo de lado por um minuto.
— Va bene — Enrico diz e controlo-me para não revirar os olhos com
seu sotaque forçado. — Nesta região, há duas famílias italianas. Cada uma
toma conta de seu território e de um setor da economia.
— E qual seria o nosso setor? — Coal interrompe e fico grato por meu
irmão também ter as mesmas desconfianças que eu.
— Armas, imóveis e proteção — é Eddie quem responde de forma
direta. — Oferecemos proteção para quem precisa, somos donos de uma boa
porcentagem da cidade, principalmente das áreas mais valorizadas
atualmente, e controlamos a entrada e saída de armas através do porto.
— Os Giordanni trabalham com coisas diferentes, como drogas e
importações de produtos — Enrico volta a explicar. — Nossas famílias
vivem em paz há décadas, desde que Don Marco assumiu o posto.
— Só que isso não quer dizer que não tenhamos uma certa rivalidade. É
como dois times de futebol. — Dessa vez, é Frederico Barrone que faz o
comentário.
— Então, nós vamos comemorar minha despedida de solteiro no
território dos Giordanni porque… — deixo a frase sem conclusão.
— Só para termos a oportunidade de mostrar para eles que nossa família
está cada vez maior e mais forte — Lorenzo entra na conversa. — Olha, não é
segredo que os Soldattos das duas famílias se odeiam, ok? Só que não
estamos em guerra, nem queremos começar uma. É só uma pequena
competição que não envolve nossos superiores.
Troco olhares com Jett e Coal, que, assim como eu, não parecem tão
tranquilos com a explicação que acabamos de ouvir. Porém, resolvo ignorar
tudo que ainda não sei e me permito fingir que tudo está certo.
— Não esquece de levar isso — Eddie sussurra para mim quando a
conversa não mais gira em torno da família. Olho para baixo e vejo que ele
está me oferecendo uma pistola.
— Tudo bem. Trouxe a minha — aviso, usando o mesmo tom.
Danio me disse que, de agora em diante, sempre que eu sair de casa,
preciso carregar a pistola comigo. “Só por precaução”, ele tentou amenizar.
Com tudo que tem acontecido e que tenho aprendido, confesso que estou
curioso para saber como é ser parte da família Rossi.
As palavras que Jett me disse há algumas semanas voltam a martelar na
minha cabeça: “Você tem medo de gostar demais disso tudo”.
A limusine para na frente do Lascívia e Enrico é o primeiro a descer do
carro. Eu não sei se existe alguma hierarquia dentre os Soldattos, mas faço
uma nota mental para perguntar isso a Eddie quando eu tiver a chance.
Marchamos para dentro da boate, o segurança liberando nossa entrada
sem ao menos fazer uma pergunta, e finalmente consigo entender o comentário
que ele teceu mais cedo. Todos olham para nós com uma mistura de medo e
admiração. Somos quinze homens andando com determinação: é como se o
exército estivesse invadindo a área.
As mulheres ignoram seus companheiros e nos fitam com desejo. A
música pulsante, o cheiro de sexo no ar e o fato de pessoas abrirem a
passagem para nós só deixa tudo ainda mais intenso. Talvez elas não saibam
quem somos de verdade, mas sentem que somos muito mais do que apenas um
grupo de homens comuns.
— Eu nunca pensei… — Coal começa a dizer ao meu lado, mas para,
talvez por não saber como continuar.
— Nem eu — concordo com meu irmão e continuamos andando,
seguindo os outros membros da família para a área VIP.
Subimos uma escada e o tump-tump-tump dos nossos passos fica mais
forte sobre o piso de metal. Estamos em sincronia, e isso faz com que eu
entenda parte do que Don Marco falou quando estava brindando ao nosso
noivado: a força da família Rossi e a solidificação daquilo que vem sendo
construído há gerações.
Aquela boa e velha história do juntos somos mais fortes faz todo
sentido neste momento, e o impacto que temos sobre os demais é algo que
jamais imaginei ser verdade.
No segundo andar da boate, mais um segurança guarda a entrada da área
VIP. Novamente, somos liberados sem quaisquer perguntas.
O espaço é cercado por vidro, o que nos permite continuar enxergando o
que acontece do outro lado. Um enorme sofá circular comporta todos nós e
várias garrafas já estão à espera na mesa de centro.
— Isso é uma despedida de solteiro! — Lorenzo anuncia enquanto
começa a servir vodca nos copos. — O que está faltando?
— Mulheres! — vários gritam e os outros soltam… uivos? Meu deus,
são realmente um bando de idiotas.
O que me surpreende mais é que Jett se tornou um dos lobos. Eu não sei
qual é a do meu irmão, mas de uma coisa tenho certeza: ele está planejando
algo. Se eu não confiasse nele e em Coal completamente, começaria a me
preocupar agora.
Toda a minha atenção é desviada para a porta com a chegada de umas
vinte mulheres. Lindas, seminuas e olhando para nós como se fôssemos um
banquete e elas estivessem à beira da desnutrição.
Melhor ainda quando se aproximam e começam a se debruçar sobre nós.
Uma loira deliciosa toma seu lugar no meu colo e começa a conversar
comigo. Ela não pergunta meu nome, minha idade ou minha profissão —
como normalmente acontece quando duas pessoas querem se conhecer. Suas
perguntas são mais diretas: o que eu acho do seu decote, se gosto de dançar e
se eu gostaria de ir com ela para um lugar mais privado.
Só que não consigo responder a nenhuma de suas perguntas, já que uma
morena se aloja ao meu outro lado e começa a acariciar minha barriga.
As duas estão decididas a realizarem todas as minhas fantasias, e eu até
aceitaria se não fosse a porra da minha mente me lembrando de Mia, suas
curvas e promessas.
Terei muito tempo para conhecer mulheres novas quando eu me cansar
da freirinha. Mas, por enquanto, tudo o que eu quero é ouvi-la gemer meu
nome enquanto goza.
É por isso que apenas permaneço sentado enquanto converso com os
outros homens. As mulheres são apenas acessórios bonitos ao nosso lado.
Respiro fundo.
Meu coração está acelerado, e não por conta do que está prestes a
acontecer. Estou com raiva. Uma raiva que me corrói por dentro e começa a
dar sinais, já que meu corpo treme com o pensamento de fazer com que ela
sinta dor. Minha ira está direcionada à Mia, por incrível que pareça.
Eu nunca tinha visto uma mulher tão linda nessa merda de vida. Quando
ela começou a caminhar na minha direção naquela igreja, algo mudou — e
tudo que eu havia planejado foi por água abaixo. Toda a minha indiferença.
No momento em que fiz o juramento perante o padre e todos os presentes, tive
certeza de que minha vida nunca mais seria a mesma.
Há dez segundos, estava pronto para lamber cada centímetro de seu
corpo delicioso. A bunda redonda, as coxas grossas, os seios fartos… Tudo
até ela me dizer que quer começar com a penetração. Só para depois tentar
me apaziguar e dizer que poderei fazê-la gozar quantas vezes eu quiser.
Dou dois passos para trás e esfrego as mãos no meu cabelo.
— Você acha que eu sou um babaca insensível, é isso? — A pergunta sai
sem que eu consiga controlar.
— O quê?! Não! É só que… — ela tenta dizer, mas se engasga nas
próprias palavras.
— É isso o que parece, Mia. — Não a chamo de freirinha. Perdi o bom
humor quando ela sugeriu que eu a penetrasse sem qualquer estímulo. — Eu
sei que sou meio babaca e nem ligo para o que os outros pensam de mim —
não resisto e me aproximo dela de novo, parando à sua frente e encarando-a
nos olhos —, mas uma coisa eu preciso que você saiba.
— Sage… — ela começa a dizer meu nome, mas eu a interrompo com
um beijo.
Puxo-a pela cintura, colando seu corpo nu ao meu ainda vestido. Uma de
minhas mãos sobe para sua nuca, segurando-a com firmeza, enquanto a outra
desce para a bunda mais gostosa que já tive o prazer de ver, de sentir.
Posso sentir seu calor. Mia está ainda mais quente do que eu, e sua pele
sedosa parece gritar meu nome, implorar para que eu a toque. Então, é isso
que eu faço. Beijo-a com força, deixando claro nesse gesto todo o desespero
que sinto para estar dentro dela. Se Mia não fosse virgem e tivesse esperado
por mim a vida inteira, provavelmente aceitaria sua oferta de “sem
preliminares”, arremessaria-a na cama e entraria nela de uma vez só. Mas sei
que este é o momento pelo qual ela sempre esperou.
Por mais que tudo nesta mulher seja um convite para o pecado, não
quero ser o diabo. Não vou corromper seu corpo de qualquer jeito. Não vou
tomá-la de forma brusca, sem qualquer consideração com seu prazer.
Cada vez que minhas mãos correm por seu corpo livre de barreiras, ela
solta um pequeno gemido contra a minha boca. Quero conhecer todos os seus
sons e reações. Mas, principalmente, quero que Mia sinta prazer ao me ter
dentro dela.
As duas últimas semanas foram um prelúdio do que vai acontecer esta
noite, e vou fazer de tudo para que seja inesquecível.
— Mia, presta atenção — digo, afastando nossas bocas com muita
relutância e colando minha testa na dela. — Eu não sou um homem bom, já fiz
muita merda nessa vida e duvido que me tornarei um príncipe encantado na
semana que vem. Só que eu preciso que você entenda que nunca vou te
machucar. Nem se você implorar.
O modo como ela me olha faz com que eu tenha a sensação de que
acabei de tomar um soco no estômago. É uma mistura de excitação e medo.
Mas, por trás disso tudo, tenho a impressão de que um sentimento muito mais
profundo está começando a se formar.
Eu não a amo, mas será que é isso o que ela está sentindo agora?
Conheço Mia há duas semanas e estaria mentindo se dissesse que não
desenvolvi um carinho especial por ela. Entre jantares, treinos e momentos
roubados, passei a conhecer um pouquinho daquela que seria minha esposa.
Mia é encantadora, charmosa e sexy pra caralho. Só que também é uma
mulher ambiciosa e com um traço de crueldade que me instiga. A verdade é
que estou enfeitiçado por ela, sonhando com este momento desde a nossa
primeira conversa naquele jardim e louco para descobrir cada uma de suas
faces. E é justamente por isso que eu preciso que a noite de hoje signifique
tudo para ela.
Amanhã, Mia vai acordar sabendo que tem muito mais do que um marido
em sua cama. Ela terá um homem em sua vida.
Deixo minha boca descer sobre a dela em um beijo carinhoso. Preciso
que entenda o que estou tentando dizer. Não sou bom com palavras sem
sarcasmo. Não falo sério com ninguém, justamente porque não me importa o
que os outros pensam ao meu respeito.
Mas Mia… Não. Eu prometi a mim mesmo que tentaria ser honesto com
ela. Se eu quero fazer parte desta família e descobrir até onde essa freirinha
pode ir, então preciso deixar que ela enxergue uma outra parte minha.
— Resolvi que vamos inverter a ordem do seu pedido — falo contra sua
boca grossa, que parece não querer se separar da minha. — Vou te fazer gozar
até você não aguentar mais. Só depois você vai perder sua virgindade.
— Sage, não brinca comigo — ela pede, afastando-se um pouco de mim.
São apenas alguns centímetros, mas suficientes para fazer com que eu sinta a
falta de seu corpo macio contra o meu. — Eu sei que a primeira vez sempre
dói e já me conformei com isso. Por favor, facilita as coisas para mim.
— Vai doer sim, Mia. Vai doer com o vazio de não me ter aqui dentro.
— Deixo minha mão chegar até o encontro de suas pernas, mas me espanto
quando percebo que ela não está tão excitada como das outras vezes. Mia está
com medo. Apavorada com a sua primeira vez. — Prometo que você vai estar
tão molhada que só vai sentir prazer. E se doer, será rápido.
Minha mão estimula seu clitóris enquanto faço a promessa que não sei se
serei capaz de cumprir.
Nunca tirei a virgindade de ninguém, nem posso dizer que sou o homem
mais gentil do mundo. Mas vou tentar. Por Mia, eu posso tentar.
— Sage… — ela começa a falar, porém eu a interrompo com um beijo.
Mais um beijo que me deixa à beira do abismo, e não sei o que fazer
para voltar à segurança.
Antes que ela possa protestar, pego minha mulher no colo e carrego-a
para a cama, depositando-a sobre os lençóis brancos. Em seguida, saio de
cima dela e paro de pé ao seu lado.
As partes desconfortáveis de minhas roupas ficaram no jardim da
mansão. Paletó, gravata, colete… tudo esquecido. Mas preciso me livrar de
qualquer coisa que sirva como uma barreira entre mim e minha freirinha.
Começo pelo cinto. Depois, desabotoo a camisa, sem me esquecer das
merdas de abotoaduras que ganhei de presente da nonna, que contêm o
símbolo da família Rossi. Coloco-as na mesa de cabeceira e olho para Mia.
Ela me encara com os olhos arregalados.
Mia não é apenas virgem, mas nunca esteve tão vulnerável na frente de
um homem — e luto contra todos os meus instintos para não ser apenas um
babaca que a decepcionará.
— Quantas tatuagens você tem? — ela pergunta e sigo seu olhar até meu
torso, rabiscado com vários símbolos e frases que significam muito para mim.
— Se não me engano, quarenta e duas. — Ela ainda não viu as que tenho
nas pernas e nas costas, apenas as da barriga, peito e braços.
Mia se ajoelha na cama e chega mais perto de mim. Hesitante, ela deixa
seus dedos trêmulos percorrerem os desenhos em meu corpo, arrancando uma
série de arrepios em seu caminho. O toque é leve, suave, mas capaz de me
deixar ainda mais faminto por ela.
— Faltam três — Mia diz e fico sem saber muito bem o que ela quer
dizer.
— Como assim, três?
— Uma no pescoço, outra no coração e, se tudo der certo, uma no dorso
da mão. — Assim que termina de explicar, Mia me puxa novamente para a
cama, fazendo com que eu me deite sobre ela, e se oferece para um beijo.
Permito-me me perder nela e encaixo-me entre suas pernas.
Mia está tão desesperada quanto eu. Suas mãos me puxam pelas costas,
me impedindo de colocar qualquer distância entre nós, e eu me deixo
embarcar em sua agonia. Acaricio seu corpo e me mexo sobre ela, deixando
claro que estou pronto para tudo o que ela quiser.
Louco por mais, desço beijos por seu pescoço, chegando finalmente aos
seios, que são grandes demais para minhas mãos. Sugo um mamilo enquanto
meus dedos brincam com o outro, apertando-o levemente e fazendo com que
ela estremeça sob mim.
Depois de horas de festa, não esperava que o perfume doce ainda
estivesse tão forte em sua pele. Mia é afrodisíaca, minha dose pessoal da
droga mais potente. Enquanto ela emitir esses sons e tiver esse cheiro
inebriante, não serei capaz de pensar em qualquer outra coisa a não ser ela.
Mia. Minha esposa.
Só que isso ainda não é o bastante.
— Preciso sentir seu gosto — confesso e começo a me movimentar para
baixo, beijando seu corpo enquanto faço meu caminho para onde mais quero.
Todos os toques em segredo que aconteceram até agora não me
prepararam para estar de frente ao paraíso. Sua pele brilha com a excitação e
me contenho para não tirar uma foto e provar para todos aqueles idiotas que
sonham com ela que sou eu quem a deixo assim.
Fodam-se todos eles.
Neste momento, somos apenas nós dois neste quarto, e nada vai me
impedir de provar minha esposa e chupar cada gota do seu prazer.
— Me diz o que você quer, Mia. — Encaro-a nos olhos enquanto meu
rosto descansa entre suas pernas.
Posso ver seu corpo tremer — não sei se de medo ou de prazer — e
acaricio sua coxa macia.
— Eu… eu… — ela hesita.
— Nunca vou fazer algo que você não queira, freirinha. Então, preciso
que você me diga se quer ou não que eu coloque minha boca nessa sua
bocetinha virgem.
Ela fecha os olhos e solta um gemido alto com a minha promessa. Eu
poderia entender isso como um sim, mas quero ouvir as palavras. Não
preciso delas, mas cada vez que Mia permite alguma obscenidade escapar
dessa fantasia de mulher perfeita, algo em mim grita que isto é certo. Que
estar com ela é certo, apesar da forma que nos conhecemos.
— Eu quero, Sage. Por favor, me beija… aí.
Era tudo que eu precisava. Sem conter meu desejo, separo seus lábios e
deixo minha língua percorrer o caminho lentamente. Não tiro os olhos dela.
Quero ver sua reação ao me ter aqui.
Mia leva as mãos até meu cabelo, segurando-o com força, como se não
aceitasse o fato de eu querer me afastar.
Eu não quero. Nunca mais na porra dessa vida. Porque se o cheiro e os
sons de Mia eram afrodisíacos, seu gosto me carrega à beira do vício. Não
consigo mais manter um ritmo lento — ela é gostosa demais para isso.
Minha língua brinca com seu clitóris, revezando sugadas e lambidas.
Beijos e mordidas.
E o meu desejo começa a se realizar: Mia grita meu nome — de novo e
de novo —, enquanto me lambuzo com seu prazer. Ela se esfrega contra meu
rosto sem nenhum pudor, deixando-se ser guiada ao orgasmo que chega com
força, fazendo com que suas costas arqueiem e suas coxas apertem minha
cabeça.
É então que eu decido que este é o melhor lugar de todos.
— Quer mais um, freirinha? — pergunto, meu tom agora mais de acordo
com o normal.
Lambo-a devagar e sinto-a estremecer com o pós-orgasmo. Mia solta
uma risada baixa e apoia os cotovelos na cama, deixando à mostra o par de
peitos mais convidativos que já tive o prazer de ver.
— Quero mais dois — ela me desafia e eu solto uma risada.
— Seu desejo é uma ordem.
Sem medir minha força, escancaro suas pernas, fazendo com que ela
solte um gritinho de surpresa. Enfio uma língua dentro dela, que tomba na
cama com a nova sensação. Com o indicador, mexo rapidamente em seu
clitóris enquanto, com a língua, entro e saio de sua boceta molhada.
Mia grita, geme e se deixa sentir todo prazer que estou disposto a lhe
dar.
Só quando ela goza uma terceira vez na minha boca eu me permito
levantar. O gosto marcante dela ainda está em minha língua quando a beijo
com força. Sou invadido por um misto de sensações que até hoje eu nunca
tinha experimentado.
Eu quero esta mulher — e como quero —, mas também tenho a
consciência de que ela é mais do que qualquer uma que passou pela minha
vida. Sua presença é tão forte que não consigo me concentrar em qualquer
coisa que não seja ela.
Mia e seu gosto intoxicante.
Mia e sua vulnerabilidade.
Mia e sua força.
Mia e o modo como me olha.
É como se ela estivesse esperando que eu lhe desse o mundo, e algo
dentro de mim grita para que eu faça exatamente isso.
A pele suada. As bochechas vermelhas. O cabelo espalhado sobre a
cama.
Adeus, freirinha. Olá, mulher.
Estou ajoelhado entre suas pernas, vendo-a respirar com força enquanto
se recupera do que acabou de acontecer.
Mas eu quero mais. Preciso de mais.
— Sinta como eu estou duro, Mia. Isso acontece comigo toda vez que
penso em estar dentro de você e sentir essa boceta virgem se contrair em
torno do meu pau. — Também estou ofegante. Louco para o que vem depois.
Levo sua pequena mão até minha ereção. Nunca estive tão duro na minha
vida, a ponto de sentir dor. Trincando. Latejando. Precisando estar dentro
dela.
Ela me segura sem a firmeza de uma mulher experiente, mas seu toque
suave é suficiente para que eu solte um gemido baixo. Ela me olha com
atenção, analisando cada pedaço do meu corpo. Pela primeira vez na vida,
penso se sou o bastante.
— Estou com medo — ela confessa e posso sentir daqui sua apreensão.
Sua mão, contudo, não me liberta. Mia me estimula, subindo e descendo
por minha extensão e criando uma expectativa desesperadora.
— Não sei o que posso fazer para te deixar mais tranquila, Mia, mas
uma coisa eu posso prometer: só saio de dentro de você depois de te sentir
gozar e de te ouvir gritar meu nome até ficar rouca. — Ela engole seco e faz
que sim com a cabeça. — Pronta? — pergunto, segurando sua mão e guiando-
a com meu membro até sua entrada.
Deito-me sobre ela e beijo sua boca. Mia me liberta e logo sinto a falta
de seus dedos me masturbando.
— Estou pronta — ela finalmente diz e é a minha vez de ficar ansioso.
Não quero que minhas promessas tenham sido em vão.
Ignoro o nervosismo e deixo que o desejo tome conta. O quarto cheira a
sexo, e a mulher na minha frente é a personificação de cada sonho erótico que
eu já tive. Nada poderia ser melhor.
Ou era o que eu pensava até colocar a cabeça do meu pau em sua entrada
e empurrá-la para dentro.
Preciso fechar os olhos e me concentrar para não gozar que nem um
moleque de treze anos, mas Mia é tão apertada, quente e molhada que a tarefa
beira à insanidade.
Lentamente, começo a preenchê-la. Abro os olhos e vejo-a de boca
escancarada.
— Tá doendo, princesa?
Ela não é mais a minha freirinha. Não depois de tudo que já fizemos até
agora.
— Um pouco… — ela confessa, tentando controlar sua voz.
Deito-me sobre ela, com cuidado para não ir mais fundo de uma só vez,
e a beijo, empurrando lentamente e sentindo seu corpo agarrar o meu.
A única coisa que consigo pensar é que minha esposa será minha ruína,
porque nada que é tão bom pode fazer bem para um homem.
Sinto sua barreira e paro de me mexer, olhando para ela.
— Me aperta se doer, Mia — digo e ela balança a cabeça, concordando.
Rompo sua virgindade e sinto-a tensionar. Mia aperta as minhas costas e
choraminga em meu peito, fazendo com que eu me sinta um merda por ter
causado sua dor. Mas o pior de tudo é ter que parar de me mexer, porque
nunca senti tanto prazer na vida.
Deixo que meu corpo pese sobre o dela e beijo seu pescoço.
— Linda, Mia… Você não tem ideia de como é perfeita — sussurro em
seu ouvido e ela solta um gemido baixo. — Linda, corajosa e minha. Diz que
você é minha, princesa — peço, precisando ouvir as palavras que nunca
imaginei que um dia gostaria de escutar.
— Eu sou sua, Sage. Nunca fui de outro homem nem nunca serei. —
Solto um gemido alto, internalizando o que acabei de ouvir.
Minha Mia. Só minha.
Não resisto e começo a me mexer devagar, sem quase tirar meu pau de
dentro dela. Uma, duas, três vezes.
— Muito gostosa… Puta que pariu, Mia — digo a mais pura verdade,
experimentando a perfeição pela primeira vez.
Nunca existiu uma mulher assim na minha vida. Ainda bem, porque esse
posto será apenas dela. Assim como eu serei o único homem a conhecer seu
corpo e me deliciar com ele.
— Quero mais, Sage — ela pede e eu, como bom marido que sou,
obedeço. Dessa vez, vou mais fundo, com um pouco mais de força, e ela
começa a se acostumar com meu ritmo.
Logo Mia está gemendo, aproveitando a tortura que me causa. Suas
unhas se cravam nas minhas costas e a dor apenas amplifica o prazer.
— Porra, Mia! — Entro e saio mais rápido, o barulho de nossos corpos
em sincronia e os sons de prazer tomam conta do quarto.
Ainda estou com medo de machucá-la, só que eu não aguento mais.
Preciso transar com ela da forma que quero. Saio de cima do seu corpo e me
sento na cama, colocando cada uma de suas pernas em torno da minha cintura.
A mudança de posição faz com que ela arregale os olhos, mas vejo ali
muito mais do que dor. Mia está sentindo prazer também.
Por este ângulo, consigo ver meu pau sair e entrar nela — e a faixa
vermelha do que era sua virgindade se mostra como um troféu, fazendo com
que eu enrijeça ainda mais.
Estamos em um ritmo só: forte e gostoso. Os seios dela balançam com as
estocadas, mas preciso que ela grite meu nome. Quero descobrir tudo que a
excita. Preciso saber o que a faz se perder no nosso prazer.
Ergo suas pernas, apoiando-as contra meu torso, e seguro suas coxas.
Entro com força, batendo minha pélvis em sua bunda… e finalmente ela faz o
que eu prometi.
— SAGE!
Mia grita meu nome enquanto permaneço implacável nos movimentos. O
suor escorre por minhas costas, mas não quero parar. Não posso parar. A
sensação é boa demais para ser vencida pelo cansaço. Fora que a imagem à
minha frente não me permite parar.
Mia é linda demais, principalmente quando está dessa forma, entregue a
mim.
Afasto suas pernas e deito-me sobre ela. Preciso beijá-la. Sentir seu
gosto e suas mãos em meu corpo.
Sou duro, impiedoso no entra-e-sai, sentindo meu pau encharcado com
sua excitação.
— Sage… Eu vou… — ela não consegue terminar a frase, mas sei
exatamente como está se sentindo.
Também estou à beira de um orgasmo, que promete ser o mais intenso da
minha vida. Acelero os movimentos e falo ao pé de seu ouvido, dizendo tudo
que ela está me fazendo sentir agora.
Quase imploro para que ela goze, porque eu não sei quanto tempo mais
sou capaz de aguentar.
Ela é o paraíso e o inferno na forma de mulher.
Os gemidos estão cada vez mais altos; as estocadas, cada vez mais
fundas.
Meu corpo grita por libertação, mas preciso fazer com que Mia goze
mais uma vez antes de ceder.
— Grita meu nome, Mia. Grita pra toda essa maldita família saber quem
é o seu homem e a quem você pertence.
— SAGE! — Mia obedece, se contraindo ao meu redor com o ímpeto do
seu orgasmo, que estrangula meu pau, extraindo dele todo o meu prazer.
Capítulo 22
Mia
Mal consigo aproveitar o calor de Sage e os movimentos involuntários
de seu corpo, que latejam em minha bunda, enquanto acordamos, porque a voz
da nonna, anunciando nosso primeiro café-da-manhã como casados, é nosso
despertador.
— Café-da-manhã para os appena sposatos[43] recuperarem as energias
antes de viajar. — Ela dá três batidas fortes na porta e troca risos com outra
mulher, que deve estar carregando a segunda bandeja.
— Só um minuto — grito, enquanto tento me livrar do braço pesado de
Sage, que descansa em minha cintura.
— Ah, porra… — ele balbucia em meu ouvido, enquanto me aperta e
sua mão procura por meu mamilo.
— Marito[44] — sussurro, rindo e dando uma palmada em sua mão. —
Precisamos deixá-las entrar e conferir o lençol.
— Você só pode estar de brincadeira, princesa.
Sage me chama pelo apelido que usou pela primeira vez enquanto me
tomava como sua mulher. A lembrança faz com que sinta minhas bochechas
corarem e um calor tomar conta do meu ventre.
— É importante — respondo. Ele vira de barriga para cima na cama,
liberando o meu corpo para se mexer.
— Elas querem ver se você realmente era virgem? — Ele esfrega os
olhos e arrasta as mãos em direção à testa e ao cabelo. Fico hipnotizada,
acompanhando suas mãos e pensando onde elas podem estar em alguns
minutos. — Eles ainda fazem isso em 2020?
— Sim. E contarão às outras, que falarão para as filhas casadas e para
os maridos, que vão dizer aos filhos homens. E isso só vai te valorizar ainda
mais, marito!
Quando termino minha explicação, Sage me encara com a sobrancelha
arqueada, depois dá de ombros e senta-se na cama. Puxo o lençol para cobrir
o meu corpo e deixo a mancha vermelha à mostra na seda branca que reveste
o colchão. Sage também se cobre, mas, ao contrário de mim, deixa o dorso à
mostra. Sorrio para meu marido e gesticulo com a cabeça para que autorize as
mulheres curiosas a entrar.
— Pode entrar, nonna! — ele grita, rindo, e me encara.
Sage sacode a cabeça em negativa e me puxa para perto do seu corpo,
mas ao invés de me abraçar, coloca sua mão para baixo do lençol e, no
momento em que a porta se abre dando passagem às bisbilhoteiras, ele enfia
sua mão no meio das minhas pernas e começa a acariciar. Sufoco um gemido
e tento me concentrar nas mulheres à minha frente.
Enquanto nonna nos dá “bom dia”, coloca as bandejas na escrivaninha e
faz votos de felicidade, a mão de Sage, cada vez mais dentro de mim,
movimenta-se devagar, apenas me preparando para recebê-lo novamente.
Tento me concentrar em nonna, que continua a falar e a gesticular, e vejo seu
sorriso se abrir ainda mais quando olha para a pequena mancha avermelhada
que contrasta com o branco dos lençóis.
Agradeço mentalmente por poder comprovar que eu realmente era
virgem. Lembro-me de quando Antonella se casou e os lençóis apareceram
limpos no dia seguinte. Foram dias com as mulheres discutindo se ela havia
enganado a família ou se apenas era um daqueles casos — que as mulheres da
minha família acham raros, mas que são extremamente normais — de não
haver sangramento com o rompimento do hímen.
Nonna começa a empurrar a outra mulher para fora do quarto. Só quando
a porta se fecha, percebo que estava segurando a respiração todo tempo.
— Estava difícil prestar atenção nelas. — Sage ri e joga a cabeça para
trás, apoiando-a na cabeceira da cama. — Eu estava louco para fazer isso. —
Ele tira os dedos molhados de dentro de mim e os leva devagar até a sua
boca, saboreando-os.
— E eu, isso — digo, enquanto jogo o lençol que cobre nossos corpos
para o lado e monto em cima de meu marido, grudando nossos lábios,
mostrando para ele todo o desespero que sinto para tê-lo dentro de mim
novamente.
— Acho que a gente não precisava ter vindo tão longe para fazer o que
pretendo em nossa lua-de-mel — Sage fala enquanto nosso voo se prepara
para pousar na pista particular de Don Vicenzo.
— Nós faremos muito do que você pretende, marito — digo, rindo,
enquanto aperto seus dedos entrelaçados aos meus. — Ainda não cansou? —
pergunto, o sorriso preso no rosto.
Sage deve estar tentando me compensar pelos anos à sua espera. Já
perdi as contas de quantos orgasmos ele me deu em menos de vinte e quatro
horas de casada. Além da primeira vez, e das duas outras em nosso quarto,
quando viu a suíte do jato particular de Don Marco que nos trouxe para a
Itália, Sage pareceu uma criança querendo estrear um brinquedo novo. E
quase onze horas de voo nos deram bastante tempo para cansar.
— Acho que eu nunca vou me cansar de você, princesa. — É ele quem
aperta meus dedos agora.
— Eu também não. — Sorrio.
Algo no olhar dele me acalma, me deixa segura e faz com que, por um
minuto, eu pense que nós não deveríamos realmente estar ali. Talvez em uma
praia ou qualquer lugar, apenas nós dois, mas antes que qualquer ideia possa
atrapalhar meus objetivos, o piloto anuncia que iremos aterrizar.
— E esse Don Vicenzo, afinal, quem é?
— Ele é o homem que pode te ajudar a ser Don ou te destruir a ponto de
você nunca passar de um Soldatto — digo séria. — Sage, per favore, eu não
nasci para ser nada menos que a mulher de um Don. Então, controle-se
quando for debochar das nossas tradições.
— Mas por que meu pai deixaria de ser Don? — ele pergunta, curioso.
De alguma forma, o que se passa em sua cabeça acende a chama de seus
olhos, o que me atrai.
— Seu pai quer se aposentar em breve, Sage. E nada melhor que o
primogênito para ficar em seu lugar. Ainda mais depois do nosso casamento.
— Por quê? — Sua curiosidade cada vez mais aguçada.
— Porque sou a esposa perfeita para um Don: de boa família, com boa
herança, virgem e criada dentro de todos os princípios da família — explico.
— Então, eles babam por você não só porque é gostosa, mas porque
também é como se você fosse uma passagem para se tornar o poderoso chefão
— Sage afirma.
— Eles quem? — pergunto, confusa.
— Vince, o cara da outra família, filho do dono da boate, e outros filhos
da puta que já vi ficarem cobiçando o que é meu.
— Você está com ciúmes, marito? — Solto uma risadinha. — Eles
podem cobiçar, mas sou apenas sua.
— Se ser casado é importante, como meu pai se tornou Don?
— É importante, mas não fundamental. Para ser Don, você precisa
merecer, provar a lealdade à família — explico, mas resolvo fugir do
assunto. — Nossas famílias, Rossi e Messina, controlam juntas oitenta por
cento de todos os negócios da organização na cidade. Somos sócios de todos
os empreendimentos de nossos associados, Capos e Soldattos. Esse é o nosso
legado, mezzo[45], e devemos honrá-lo.
Não quero contar a Sage que seu pai quase não foi Don em função da
maledetta noiva fujona — a figlia di puttana[46] de sua mãe, que os levou
embora, fazendo com que fossem criados como uns stronzos. Muito menos o
fato de terem demorado tanto para os encontrarem depois do assassinato da
mulher.
— Pra você, isso é muito importante? — Sage faz com que eu abandone
os pensamentos sobre sua mãe.
— É. — Tranquilizo o meu semblante. — E tenho certeza de que quando
estivermos voltando para casa, para você também será.
Sage não me responde, provavelmente impactado com a comitiva que
nos espera na pista de pouso. Desembarcamos e somos recebidos com beijos
e abraços de pessoas que ele nunca viu na vida, todas entusiasmadas com a
nossa chegada. Uma enorme quantidade de carros blindados e homens
armados fazem a escolta de Don Vicenzo e sua esposa, dona Francesca, que
nos recebem felizes, apresentando com alegria Sage a todos da família. Três
homens carregam nossas malas e, quando anuncio que temos reservas em um
hotel, Don Vicenzo dá uma gargalhada, dizendo que família fica com família e
que não admite nos hospedarmos em um hotel. Sage pouco entende o que
todos falam à sua volta, mas tenho vontade de rir quando seus olhos murcham
ao entender que ficaremos com a família.
Eu sei o que se passa pela cabeça dele. Passa pela minha também. Não
só pela cabeça, como por partes do meu corpo que entram em combustão só
de imaginar as mãos do meu marido em minha pele. Porém, fico feliz com a
declaração de Don Vicenzo, pois era exatamente o que eu queria. Terei sexo
pelo resto da vida, não preciso compensar os anos de espera na lua-de-mel.
Preciso é garantir nosso futuro.
Quatro dias convivendo com toda a família faz com que Sage comece a
perceber a importância de Don Vicenzo. Ele não é apenas um Don, como seu
pai; ele é o Don. O chefe do conselho que gere todas as famílias italianas ao
redor do mundo. Juro que imaginei que meu marido daria mais trabalho, mas
quanto mais ele passa a entender o que somos, mais parece se interessar e
melhor se comporta.
Enquanto passamos as noites acordados, entre sussurros, gritos, gemidos
e muitos orgasmos, durante os dias temos visitado a cidade — conhecendo
pontos turísticos, passeando por Palermo — e participado de muitos almoços
com membros da família.
Quando Lucas, o filho mais velho de Don Vicenzo, para em frente a uma
cantina para almoçarmos, depois de passarmos a manhã visitando o Teatro
Massimo — e eu ter ouvido várias piadas de Sage sobre ser um ponto
turístico importantíssimo para a máfia, já que algumas cenas de O Poderoso
Chefão foram gravadas ali —, meu marido sussurra no meu ouvido:
— Preciso de um cheeseburger e uma cerveja gelada — desabafa. —
Não aguento mais nem pizza. Nunca achei que ia enjoar de pizza. — Ele ri.
— Prometo que amanhã teremos um dia só nosso. Já conversei com a
Martina e ela vai nos ajudar. — Pisco para Sage.
Desde que chegamos, Martina e Lucas têm sido nossos principais
companheiros, o que é bem mais divertido do que ter a irmã de dona
Francesca nos levando pra passear, como tivemos ontem.
Martina completou dezoito anos há pouco e, ao contrário de mim, ela
não parece nem um pouco feliz com o marido escolhido para ela: o filho de
um político local importante. A data do casamento ainda não foi marcada,
porque ela, sendo a única sobrinha de Don Vicenzo, consegue tudo o que quer
dos homens da família. Acho que foi por isso que, quando começamos a
conversar, nos aproximamos instantaneamente.
Assim que descemos do carro, ela nos recebe à porta do restaurante,
entusiasmada.
— Consegui! — Martina me segura pelos braços e dá um beijo em cada
uma das minhas bochechas. — Convenci meu tio de nos deixar ir amanhã para
Cefalú. É um vilarejo a cinquenta minutos de carro daqui. Chegando lá, tenho
um compromisso e vocês ficam com o dia inteiro livre. — Ela pisca para
mim. — Tem umas pousadas lindas com vista para praia.
Martina explica seu plano e eu a agradeço. Não sei se vou conseguir um
cheeseburger e uma cerveja gelada para Sage, mas darei ao meu marido outra
coisa que ele também quer.
Dois dias. Martina conseguiu que ficássemos dois dias em Cefalú,
apenas nós três, e só a vimos nas primeiras duas horas em que chegamos ao
vilarejo. Ela fez questão de nos levar para um tour a jato e tirar milhares de
fotos para mostrarmos a família quando voltássemos. Ela até chegou a levar
blusas diferentes para que trocássemos e não tivessem a impressão de que
tudo foi feito às pressas.
Depois disso, sumiu e só nos encontrou na estação de trem na hora
marcada para partir. Tive vontade de perguntar onde ela estava, mas guardei a
curiosidade, afinal, seja lá o que ela esteve fazendo — e, pelo jeito que
dormiu na viagem de volta, foi bem exaustivo —, não é da minha conta. O
presente que ela nos deu, esses dois dias sozinhos, me deixou inteiramente
grata e em dívida com ela, porque eles foram os melhores da minha vida.
Quanto mais conheço Sage, a cada nova descoberta sobre o jeito que
pensa, que enxerga a vida, como cresceu e aprendeu a se virar, a cada novo
orgasmo ou posição sexual que ele me ensina, sinto como se a vida não
pudesse estar mais certa em nos reservar um ao outro. Temos tanto em comum
e, ao mesmo tempo, somos totalmente diferentes.
Não saímos do quarto da pousada em que nos hospedamos. Por sorte,
consegui cervejas e algo que parecia com um hambúrguer. Não foi nem um
pouco fácil, mas o bom de se ter uma grande família italiana é essa: alguns
caprichos podem ser saciados. Entre uma quantidade absurda de sexo — bem
mais do que imaginei que seria possível e que literalmente me deixou assada
— e alguns filmes que assistimos abraçados na cama, Sage me contou da sua
infância, de sua vida sempre fugindo de algo e não sabendo do que realmente
era. Em seu celular, ele me mostrou fotos da mãe e da infância. Fotos que ele
mesmo tirou dos poucos porta retratos que deviam enfeitar o trailler. O olhar
assustado da mulher me atormentou naquela noite. Do que ela tanto fugia?
— Acho que não era de nós que ela fugiu, marito. — Don Marco sempre
foi apaixonado por Margareth e quase não se tornou Don por recusar-se a
forçá-la a casar. — Seu pai realmente a amava e, do jeito dele, acha que fez o
certo deixando-a com vocês.
Contei a ele tudo que sabia. Sobre o amor de Don Marco; o fato de ele,
por muito tempo, saber onde os filhos estavam, mas nunca ter se aproximado
em respeito à decisão da mulher, e de ele quase não ter se tornado Don em
função da maledetta, obviamente que sem xingar a minha sogra falecida.
— Mas então, se não era do meu pai, do que a minha mãe tanto fugia?
— Não sei, mezzo! — Fiz um carinho em seu peito nu. — Mas, para
saber do que ela fugia, precisamos saber quem a matou. — Deixei minha mão
subir até seu rosto, acariciando a barba malfeita, e depois segurei seu queixo,
fazendo nossos olhares se encontrarem. — Depois que descobrirmos tudo
isso, vamos vingar a morte da minha sogra.
Se ele fosse membro da família antes de Margareth ser assassinada,
todos os responsáveis já estariam mortos e teríamos comemorado cada gota
de sangue que meu marido fez derramar.
Quando desembarcamos do trem em Palermo, Martina nos passa
algumas instruções.
— Nós ficamos hospedados na mesma pousada e eu dividi o quarto com
minha amiga de faculdade Bianca, capisce?
Sage e eu concordamos com a cabeça antes que Lucas se aproxime,
abraçando e dando dois beijos em cada um de nós. O trajeto até a mansão de
Don Vicenzo passa rápido com toda a história que Martina conta para o
primo. Nossos dois dias foram cheios de idas à praia e visitas a ruínas da
região, de acordo com ela. Sage não entende a maior parte da história que a
outra conta, e agradeço por isso.
Assim que entramos pelo portão da casa de Martina, Lucas diz que vai
pegar uns documentos com seu tio e não demora, mas depois de alguns
minutos esperando, minhas pernas começam a formigar e preciso me esticar.
Sage me acompanha e descemos do carro, caminhando pelo jardim em
direção às luzes da casa. Ele acende um cigarro e me puxa pela cintura,
fazendo com que me aninhe em seus braços. De repente, vozes masculinas
começam a falar mais alto lá dentro. Estamos perto de uma das janelas
laterais, mas ninguém nota nossa presença.
Alguém faz uma piada com o nome de Sage e meu marido para de
caminhar.
— O que estão falando de mim? — ele pergunta, curioso.
— Fica quieto — digo, me concentrando na conversa alheia.
Sei que Lucas é um dos que está no meio da conversa. Além dele, posso
ouvir mais duas pessoas, que não consigo distinguir. Eles falam rápido, uma
mistura de surpresa e desdém. Fico sem entender algumas partes do que
dizem pelo tom alterado da voz de um dos homens, mas quando o nome de
Margareth é citado, eu rapidamente percebo o teor da conversa. Uma frase é
nítida e faz com que eu precise respirar fundo algumas vezes. Parece que,
mesmo sem entender uma palavra de italiano, Sage sabe exatamente o que foi
dito.
— Por que eles estão falando da minha mãe, Mia? — Ele se afasta do
meu corpo. — Por quê?
— Sage, amore mio — digo, diminuindo a distância que ele criou entre
nós e pegando em sua mão. — Eu te disse, antes de nos casarmos, que minha
lealdade será sempre sua, antes até do que da família. — Entrelaço nossos
dedos e dou um leve aperto. — E o que eu vou te falar agora vai te provar
isso, mas preciso que você se acalme e não faça absolutamente nada sem
pensar.
Começo a puxá-lo para longe da janela. Não podemos ser notados aqui.
— Fala logo, porra! — ele grita e solta minha mão, estancando no
caminho. — Fala, Mia! Por que esses italianos de merda estavam falando da
minha mãe?
— Eu não vou falar enquanto você não se acalmar, Sage! — grito
também e o seguro pelos ombros. — Um homem de cabeça quente só faz
merda e nós não faremos merda, capisce? — Eu o sacudo e Sage me encara
confuso. Por um segundo, penso que ele vai rir ou então me estrangular, mas,
em vez disso, ele sacode a cabeça, concordando comigo.
— Tudo bem. Pode falar. — Vejo que está tentando se controlar, mas
aquele brilho de raiva está de volta em seu olhar. Ele havia desaparecido por
uns dias, e confesso que me excita saber que esse lado do meu marido
continua intacto.
— O que os homens estavam falando é que não sabem como você e seus
irmãos aceitaram fazer parte da família depois do que… — penso em como
falar isso da melhor maneira possível ao meu marido, mas acabo optando
pela verdade — …seu pai fez com a poveretta[47] da Margareth.
Os olhos de Sage me encaram confusos. Então parece que o que eu disse
entra em sua corrente sanguínea, como um veneno corroendo as veias ou lhe
enchendo de superpoderes, os melhores poderes, motivados pela sede de
vingança. Se antes os olhos brilhavam, agora pegam fogo.
— Aquele… filho da puta! Eu vou matar o desgraçado com as minhas…
— Não! — grito. — Você não vai matá-lo com as próprias mãos. Nem
falar sobre essa história com mais ninguém aqui. Nós ainda temos dois dias
em Palermo e descobriremos tudo que for possível. Depois, vamos achar um
modo de vingar a morte da sua mãe. Mas, por enquanto — dou novamente a
mão para Sage, sorrio docilmente e começo a caminhar em direção ao carro
—, nós vamos apenas fingir que tudo está bem.
— Como…? — Ele para por um segundo. — Você é incrível, princesa.
— Sage sorri.
Capítulo 23
Sage
Eu odeio a Itália. Odeio essa cambada de italianos duas-caras, que
sorriem para mim, mas riem da minha história pelas costas.
Eles não sabem de nada. Nada! Não sabem quem era a minha mãe, o que
aconteceu durante os dezesseis anos que ela ficou afastada e muito menos o
tipo de pessoa que meus irmãos e eu nos tornamos. Também não fazem a
menor ideia do que sou capaz.
Enquanto estão todos conversando animadamente depois do café da
manhã, peço licença e saio da sala. Mia me encara e eu apenas balanço a
cabeça afirmativamente, garantindo a ela que não farei nenhuma besteira.
Saio da enorme casa e vou para o jardim. Sei que o fuso horário daqui é
de seis horas à frente de onde moro, mas preciso falar com meus irmãos. Tiro
o celular do bolso e faço a ligação para Jett. Coal dorme que nem uma pedra,
nunca vai ouvir o toque.
— Sage? Aconteceu alguma coisa? — Jett pergunta ao atender.
— Muita coisa, mas estou bem. Só preciso que você acorde Coal e me
ligue novamente. Quero falar com vocês dois. — Encerro a ligação antes que
meu irmão comece a fazer perguntas. Não estou com paciência para bater
papo agora.
Por mais que Mia tenha me pedido para manter a calma e não fazer nada
estúpido, preciso compartilhar o que descobri com Coal e Jett. Se meu pai
realmente matou minha mãe, os dois podem estar correndo perigo naquela
casa — e preciso avisá-los.
Se eu chegar lá e ambos estiverem mortos, juro pelo meu próprio sangue
que vou eliminar cada membro daquela maldita família da forma mais cruel
possível e fazer com que paguem pelo que aconteceu.
Acendo um cigarro e espero Jett me ligar de novo. Menos de um minuto
depois, o aparelho vibra na minha mão.
— Estou no viva-voz? — pergunto.
— Fala logo que eu quero voltar a dormir — Coal diz, sua voz
embolada com o sono.
— Estão a sós? — Não posso correr o risco de ninguém escutar o que
estou prestes a dizer.
— São duas horas da manhã, Sage. O que você acha? — Jett responde e
posso sentir sua chateação daqui.
Quando eles ouvirem o que descobri, com certeza vão mudar de postura.
Olho ao redor para ter certeza de que não tem ninguém me observando
também e só começo a falar depois de ver que estou sozinho no jardim.
As risadas dentro da casa são altas, todos estão entretidos.
— Preciso que vocês não reajam, ok? O que eu vou falar vai ser uma
merda, mas vocês têm que se manter tranquilos — peço antes de contar a
história.
— Você tá muito cheio de melindres, Sage. Dá pra falar logo? Sua
esposa é uma merda na cama ou gosta de brincar de fio-terra? Se for isso,
juro que não quero saber… — Coal diz.
— Minha esposa é uma delícia, e pense duas vezes antes de falar dela
de novo. — Meu lado protetor, que até então só se estendia aos meus irmãos,
fala mais alto. Não quero nenhum deles pensando na minha princesa. Porra,
não quero nenhum homem pensando nela.
— Se você ligou para se gabar de estar comendo…
— Don Marco matou nossa mãe — jogo a bomba antes que Jett consiga
concluir a frase, fazendo com que os dois fiquem em silêncio. — Eu estava
andando no jardim com a Mia quando ouvimos uns homens comentando que
não entendiam por que nós nos juntamos à família depois do que nosso pai fez
à nossa mãe.
Sei que ainda tem muito dessa história que preciso descobrir, mas, no
fim das contas, fatos são fatos. E os que descobri são bem relevantes e
apontam diretamente para Don Marco.
— Ele matou nossa mãe? — Coal pergunta, qualquer resquício de sono
abandonado com o impacto do que acabou de ouvir.
— Pelo que ouvimos, sim. Ou, pelo menos, mandou matar. — Eu não
deveria ficar surpreso, muito menos decepcionado. Na verdade, já deveria
estar esperando algo do tipo. Nunca confiei no discurso de Don Marco. — A
execução da nossa mãe não foi algo corriqueiro. Ninguém toma trinta e três
tiros sem que muito ódio esteja envolvido. E quem mais poderia odiá-la com
tanta intensidade quanto o homem que ela abandonou e de quem tirou os
filhos?
Don Marco tinha os motivos e os meios para eliminá-la. Isso é óbvio.
— Mas por que ele esperaria tanto tempo para matar nossa mãe? E por
que esperaria tanto tempo para entrar em contato conosco? — Jett faz
perguntas para as quais não tenho resposta. Então, limito-me a responder um
“não sei”.
— Precisamos investigar mais — Coal comenta e eu concordo.
— Precisava avisar vocês. Fiquem de olhos e ouvidos abertos e tomem
muito cuidado. Se ele fez isso com ela, nós podemos ser os próximos da lista.
— Minha voz está carregada de preocupação e meus irmãos percebem isso.
Eu não tenho medo de morrer. Se tiver que ser sincero, nunca tive muitos
motivos para viver. Mas saber que meus irmãos podem estar na mira de um
filho da puta assassino faz com que eu resolva que não está na hora de levar
as coisas de forma tão leviana e começar a prestar mais atenção em tudo.
Eu morro. Eles não. Nem Mia.
O tempo é algo muito relativo. Sei que a aprendemos isso nas aulas de
Física, mas essa afirmação nunca fez tanto sentindo como agora. Dois dias
depois do enterro de Lorenzo e a dor que vejo nos olhos de minha mãe parece
não ter fim. Mais: a cada segundo que passa, parece aumentar. Assim como a
minha raiva de saber que Carlo ainda respira, enquanto meu irmão está morto.
Se os dois dias não servem de nada para aplacar a dor da perda, eles também
significam muito tempo sem uma solução.
— Como está sua mamma, ragazza? — nonna pergunta assim que entro
em casa. Ela ensinando algumas meninas a bordarem na sala, tarefa
normalmente realizada por minha mãe.
— Na mesma, nonna — digo, resignada. — Não sei o que fazer para
ajudá-la.
— Ah, bambina! — Ela passa a tela de bordado e a agulha para uma das
mulheres ao seu lado e se levanta.
Nonna caminha em minha direção e, depois de me dar um beijo em cada
bochecha e um abraço, enfia seu braço no meu e me arrasta para a cozinha.
Estamos apenas nós aqui. Sem falar nada, ela pega duas canecas de café e
caminha em direção à mesa, sentando-se e indicando com a cabeça para que
eu me sente também. Obedeço e seguro a xícara que me estende. Sorvo o
líquido, seu olhar atento em mim.
— Você precisa ter um filho — ela diz e dá um gole em sua caneca. —
Pra alegrar sua mamma. — A velha dá de ombros.
— Nonna, eu…
— Basta — ela me interrompe. — Eu sei que você toma remédios, Mia.
Está na hora de parar. — Ela se levanta da mesa e começa a caminhar em
direção à pia. — As mulheres estão começando a falar que Sage não é homem
suficiente, e com a morte do seu irmão e Carlo sendo acusado, quem você
quer que seja o Capo? — Nonna para e volta a me encarar.
— Sage? — pergunto, meio incrédula.
— É o que você quer não, é? — Ela dá uma risada. — Se é, ragazza, me
dê um bisneto. Sage vai assumir o lugar de Carlo por enquanto, mas para ele
se manter no posto, precisa ser um homem de verdade.
— Sage vai ser Capo? — pergunto, confusa. — Como a senhora sabe?
— Ah, Mia… Nós, mulheres, sempre temos que saber de tudo e, de
preferência, antes dos outros homens. — Nonna sorri para mim. — E também
temos que nos antecipar e planejar o futuro de nossa família.
A mulher termina seu trajeto, coloca a xícara na pia e, sem me dizer
mais nada, volta para a sala. Fico sentada no mesmo lugar. Um filho?
O tempo realmente é relativo. Não estou casada há nem um ano e a
família acha tempo demais para ainda não ter filhos. Já eu acho que tenho
muito a aproveitar com meu marido antes de ficar imensa e ter que cuidar de
alguém para o resto da minha vida. Por outro lado, essa pode ser uma grande
chance para que Sage seja promovido.
— Está tudo bem? — Martina entra na cozinha.
Não sei o que responder. Nada está bem. Mesmo assim, coisas precisam
ser feitas.
— Vou largar a faculdade — declaro para mim mesma.
— O quê? Por quê? — Martina me olha confusa.
— Preciso ter um filho — afirmo.
— Você está louca? Você só tem dezenove anos e… — A voz de Martina
é alta e estridente.
— Você usa anticoncepcionais? — pergunto, interrompendo-a.
— Sim, mas… — ela responde, confusa. Faço um gesto para que pare
de falar com a mão.
Saio da cozinha, subo até o quarto, pego as pílulas na gaveta e desço
novamente para lá. Martina segue no mesmo lugar.
— Toma. — Coloco a cartela em sua mão. — Vê se não vai engravidar
antes de se casar. Já não basta toda a merda que essa família está passando,
não quero meu cunhado morto pela honra de alguém.
Nem dou tempo para que ela me responda e saio em direção à sala de
treinamento. Se eu devo ter um filho como nonna diz, preciso garantir que o
pai do meu filho estará vivo — para isso, só posso contar com duas pessoas
neste momento.
Assim que chego ao porão, os homens que por ali treinam param o que
estão fazendo para me observar. Não sei se todos me olham com espanto por
uma mulher estar ali ou se me encaram porque já sabem que fui eu que matei
Vince. Tanto faz. Não me importa.
Meus cunhados estão afastados, perto dos estandes de tiro, mas
aguardando sua vez de treinar. Aproximo-me dos dois, que também se
surpreendem com minha presença.
— Sage saiu com o pai — Jett se apressa em me explicar.
— Eu sei. Preciso falar com vocês.
— Conosco? — Coal me olha com curiosidade e desconfiança. Posso
sentir o impulso que lhe percorre para colocar a mão em Joana.
— Preciso de um favor.
O espanto é visível em seus rostos. Mas antes que tenham tempo de
imaginar qualquer coisa, vou direito ao assunto. Os dois me encaram
boquiabertos quando sou direta. Não revelo a eles meus planos de ter um
filho, só digo tudo que sei sobre as relações de Vince com Carlo, e de Carlo
com Trieste. Mas a bomba, aquela que tenho evitado pensar em voz alta, solto
no final:
— Nada tira da minha cabeça que tudo isso tem algo a ver com a morte
da mãe de vocês.
— O quê? — Jett levanta-se rápido.
— Por quê? — Coal pergunta, confuso.
— Eu não sei o porquê e é para isso que preciso de ajuda. E para
proteger Sage. Ele corre mais risco.
— Do que você está falando?
— Vocês vão entender quando ele e seu pai voltarem.
Capítulo 39
Sage
De todos os lugares que meu pai poderia me trazer, este era o que eu
menos esperava.
— Um fliperama? — pergunto, mesmo que a resposta seja óbvia.
As máquinas cobertas de poeira estão desligadas. Parece mais uma cena
de filme de terror do que um lugar em que o pai traria o filho para conversar.
— Por incrível que pareça, este foi o primeiro negócio da nossa família
na cidade — ele diz, olhando para os lados como se um filme estivesse
passando por sua cabeça agora.
Mesmo que eu não entenda muita coisa, dá pra ver que aqui é um pedaço
de suas lembranças.
— Eu pensei que italianos só abrissem pizzarias e lavanderias —
comento, segurando o risinho com a minha própria piada.
— Eu já te disse para esquecer tudo que você um dia viu em filmes e
séries. — Meu pai vai até o que um dia foi a caixa registradora e corre os
dedos pela máquina antiga.
Neste momento, ele nem parece o Don todo poderoso de sempre. Algo
no modo como anda deixa nítido o cansaço que está sentindo, o peso sobre
seus ombros.
— Por que estamos aqui? — pergunto com a voz controlada.
— Meu pai amava este lugar. Ele dizia que era um pedacinho do paraíso
na terra — Don Marco desvia da minha pergunta e solta um risinho enquanto
fala. — Na época, as coisas eram diferentes. Ele tinha acabado de chegar da
Itália, a mando do avô de Don Vicenzo.
— Quando foi isso? — quero saber. Por mais que eu seja membro da
família, ainda há coisas sobre ela que não entendo.
— Meados da década de setenta. Eu tinha sete anos quando vim pra cá
— ele explica.
— Eu pensei que você tivesse nascido aqui.
— Fui criado aqui, mas nasci na Sicília. Para se tornar Don, meu pai
teve que vir pra esta cidade e arrastou consigo sua família e algumas pessoas
em quem confiava. Aos poucos, a família foi se fortalecendo, até que… —
ele para de falar, como se o assunto a seguir fosse proibido.
— Até que…? — incentivo-o a continuar.
— Até que outra família veio para cá também.
— Os Giordanni — concluo.
— Exato. Eles vieram para cá no fim nos anos noventa, porque a cidade
em que moravam estava em uma guerra sangrenta. Yakuza, Bratva… Eles
abandonaram o território e vieram para cá. Com a permissão de Don Vicenzo,
claro.
— Eu ainda não entendi muito bem qual é a desse cara.
— Don Vicenzo? — meu pai pergunta e eu assinto. — Ele é o chefe do
Conselho.
— Que Conselho?
Ele respira fundo, como se estivesse tentando encontrar as palavras
certas para me explicar ainda mais sobre esse universo, e depois se vira para
mim.
— O Conselho existe para controlar as famílias. Não somos uma
anarquia, vivemos sob uma ordem hierárquica e cada um sabe o seu lugar. O
Conselho é chefiado por Don Vicenzo, além de ter oito outros Dons — ele
diz com paciência.
Mesmo assim, só consigo imaginar uma sala cheia de mafiosos fumando
charuto enquanto discutem o destino do planeta. Por mais que eu saiba que
essa parada de matar cavalos para assustar os traidores só tenha acontecido
em O Poderoso Chefão, é impossível me livrar de todas as referências.
— Você está no Conselho? — pergunto.
— Não. Só os Dons mais antigos. Meu pai era membro… — ele
comenta e eu faço que sim com a cabeça.
— Você falou de regras.
— Sim, temos muitas regras, que consideramos leis absolutas. Quando
você se torna Don, a cerimônia é bem diferente e você faz um outro
juramento, usando as leis como base. O que você aprendeu foi apenas a ponta
do iceberg, figlio.
— Por que estamos aqui? — repito a pergunta que foi ignorada
anteriormente.
— Porque muita coisa está prestes a mudar na nossa família e eu preciso
da sua ajuda — meu pai confessa e sinto que não vou gostar muito do que está
prestes a me dizer.
Em vez de explicar o que tem em mente, ele começa a caminhar para os
fundos do fliperama. Chegamos a uma sala pequena e muito empoeirada,
como todo o resto do lugar, e meu pai vai direto até uma estante, de onde tira
um livro de capa dura e preta. Não tem título nem o nome de quem o
escreveu, o que indica que é muito mais do que apenas uma história.
Ele coloca o livro sobre a mesa, criando uma nuvem de poeira com o
impacto. Encontro um interruptor na parede, mas ele não faz com que as luzes
se acendam. A pouca luminosidade que entra pelo basculante me permite
enxergar o que tem na sala, mas não sei se será suficiente para que eu consiga
ler o que está escrito naquelas páginas.
Enquanto Don Marco folheia o livro, retiro meu celular do bolso e
aciono a lanterna,
Vejo uma enorme lista de nomes, todos italianos, e alguns locais ao lado.
É como se fosse uma tabela, mas sem as linhas que criam divisões. Várias
palavras que não entendo, muitas delas repetidas, também se destacam. Mas o
que me chama atenção são alguns riscos no que seria a última coluna. Alguns
nomes têm vários riscos. Outros, apenas um, dois ou até mesmo nenhum.
— O que estou vendo? — pergunto a ele, que nem se dá ao trabalho de
ler.
— É a origem da família Rossi na cidade.
— Membros? — busco por mais informações.
— Membros, tipos de trabalhos e o número de mortes que causou. —
Subo meu olhar para ele, que parece inafetado pelo que acabou de dizer. —
As coisas eram bem diferentes há quase cinquenta anos. Apesar de seguirmos
as mesmas leis, certas regras eram diferentes. Hoje, nossos negócios não
giram em torno de coisas ilegais. — Reviro os olhos com o comentário falso
e ele percebe. — Não tão ilegais assim. Especulação imobiliária, identidades
falsas, troca de influência, importação e, ocasionalmente, tráfico de armas.
Mas, naquela época, as coisas eram bem diferentes. Drogas, prostituição,
assassinato de aluguel…
Apenas balanço a cabeça. É óbvio que tem muita coisa por trás dos
panos que ninguém havia me contado.
— E por que você está me dizendo isso agora?
— Porque eu quero que você saiba que, hoje, tudo é diferente. Desde
que eu assumi como Don, tenho me esforçado para honrar o nome da nossa
família sem precisar recorrer a métodos… — Don Marco não termina a
frase. Talvez ele não tenha conseguido encontrar o adjetivo certo para
concluir seu pensamento.
— Olha — interrompo-o —, se você quer ser o cara bonzinho, então
aconselho a se juntar aos Médicos Sem Fronteiras. — Cruzo os braços na
frente do corpo e Don Marco apenas me encara. — Por favor, pare de
ladainha e me explique o que está acontecendo. Não estou nem aí se os
negócios da família são lícitos ou não. Fazemos o que temos que fazer. Só não
me peça para sequestrar criancinhas ou traficar mulheres. O resto… — Dou
de ombros, indicando que estou pouco me fodendo para essa falsa moralidade
que estou vendo no rosto do meu pai.
— Va bene. — Ele se levanta da cadeira e dá dois tapinhas no meu
ombro. — Eu guardo os registros de nossa família aqui, justamente porque
não quero que ninguém pegue essas informações.
— A polícia, você quer dizer?
— Não só eles, mas outros inimigos também, Sage. E temos muitos
deles…
— A Bratva? — pergunto, me referindo à mafia russa.
— Também, mas um cartel tem crescido bastante na região e teremos
problemas com eles muito em breve.
— Como assim? Nossos negócios não se cruzam.
Don Marco apenas balança a cabeça negativamente.
— Você vai ver, e não vai demorar muito pra que isso aconteça. — Fico
sem entender o que ele quer dizer com essa frase enigmática. — Mas uma
coisa que eu posso dizer é que tem uma guerra se aproximando, e ela vai
mudar tudo aquilo que somos hoje. Tudo aquilo que eu lutei tanto para
conquistar.
— Como você sabe disso? Por que você está falando assim? — Dessa
vez, minha voz não sai mais tão controlada quanto o normal. Mas também a
situação é bem diferente.
Sempre que conversamos, meu pai faz questão de que meus irmãos
estejam junto. Só que, antes de sairmos de casa, ele me disse que queria falar
comigo a sós. E agora lança essa informação sem dar muitas explicações.
Isso me faz perceber que ele sabe muito mais do que está deixando
transparecer, e eu preciso descobrir o que é.
— Tudo a seu tempo, figlio mio… Em breve, teremos as confirmações
necessárias para agir. Com essas confirmações, outras respostas chegarão.
— Para de brincar de mestre Jedi e me conta que porra está
acontecendo! — falo alto, já quase gritando com ele.
Odeio ter que ler nas entrelinhas ou então fingir que consigo ver o que se
passa na mente alheia. Se ele me chamou aqui, então que comece a falar o que
tem na cabeça em vez de ficar criando um mistério desnecessário.
Nunca fui do tipo que fica se corroendo de curiosidade. Se não posso
saber, foda-se. Ignoro, viro as costas e vou embora. Mas algo me diz que o
que Don Marco tem em mente vai muito além dos negócios da família. De
todas as conversas que eu ouvi, nenhuma me fez acreditar que meu pai fosse
um cara belicoso. Muito pelo contrário, a paz que tem reinado na cidade se
dá, em grande parte, aos esforços dele. Se mencionou uma guerra, só consigo
enxergar um motivo forte o suficiente para que isso aconteça no momento.
— Você descobriu mais sobre Carlo — afirmo.
— Talvez, mas não podemos conversar sobre isso agora. Eu preciso ter
certeza de qualquer coisa antes de agir — ele diz com seu tom manso, muito
para o meu desespero.
Tiro o maço de cigarros do bolso e acendo um. Estou perdendo a
paciência. Todo esse momento pai e filho está me deixando mais estressado
do que aquela história que a Mia me contou sobre um amiguinho da faculdade
tê-la convidado para fazer um trabalho em grupo na casa dele. Eu sei
exatamente o que homens de vinte anos querem fazer com mulheres gostosas
que nem minha mulher — e com certeza não é um relatório sobre sei lá o quê.
— Então, por que caralhos você me trouxe até aqui?
— Porque eu quero que você assuma a função de Capo temporariamente,
até que possamos matar aquele merda do Carlo e você ficar com o cargo de
forma permanente — ele joga a bomba.
O cigarro que eu levava até a boca fica parado no meio do caminho.
Meus olhos o encaram, mas é como se eu não conseguisse reconhecer o
homem à minha frente.
Será que eu ouvi direito?
— Papà, eu…
— Não estamos em tempos de confiar em qualquer um, Sage. Eu sei que
posso confiar em você, certo?
— Sim, é claro, mas…
— Sem “mas” — ele me interrompe. — Preciso de mais um Capo e não
posso delegar esta função a qualquer um. Principalmente neste período em
que estamos. Muita coisa vai mudar, figlio mio, e nem tudo será agradável
daqui pra frente.
Estou em choque. Jamais imaginei que ele fosse me dar o cargo tão
cedo. Em alguns anos, quem sabe. Mas agora? Apenas meses depois de eu ter
me juntado à família? Com certeza, isso irá fazer com que muitas pessoas se
voltem contra ele.
— Não deveria ser por merecimento? — questiono, sabendo que ele irá
entender minha dúvida.
— Claro que sim, mas também precisa ser por confiança. A maioria dos
Soldattos têm idades próximas à sua, mesmo que estejam na família há mais
tempo. Só que eu não confio cegamente em nenhum deles. Não depois da
traição de Vince e de Carlo.
— E Enrico?
— É um excelente ragazzo, mas ele não tem o perfil que eu quero para
um Capo. — Fico sem entender o que seu comentário quis dizer.
Enrico seria um excelente Capo. Não é um homem impulsivo, muito
menos frouxo. É leal e se dá bem com todos os membros da família. Mas
resolvo que não está na hora de insistir.
— Você tem certeza disso? — pergunto.
— Se eu não tivesse, não estaria falando com você. Mas lembre-se que,
à princípio, será apenas temporário. Capo interino, vamos colocar assim. —
Balanço a cabeça afirmativamente.
Se ele anunciasse que sou o novo Capo, com certeza teríamos problemas
com aqueles que ainda acreditam que Carlo é inocente.
— Tudo bem. Mas por que você não me disse nada sobre isso lá em
casa?
— Porque eu precisava te mostrar isso aqui. — Don Marco se aproxima
de mim e me entrega uma chave, a mesma que usou para abrir o cadeado que
mantém a porta da frente trancada. — Nesta sala, há todas as informações
sobre tudo o que aconteceu desde que nossa família chegou à cidade. Também
temos alguns documentos sobre outras famílias… coisas que nunca me dei ao
trabalho de ler. É função do Consigliere registrar as nossas atividades. Eu
quero que você e seus irmãos venham até aqui novamente e leiam os
conteúdos desses livros. Pode ser que algo aqui traga luz à morte de sua mãe.
Dou um passo para trás, assustado com o que acabo de ouvir.
Minha mãe? O que ela tem a ver com isso tudo?
Capítulo 40
Mia
Algumas meninas crescem brincando de bonecas e preparando
deliciosas refeições de areia e chás da tarde para amigas imaginárias. Outras
crescem aprendendo a arrumar suas casas perfeitas. Eu cresci aprendendo
essas coisas, mas com dois irmãos mais velhos e em uma família como a
nossa, as pistolas também fizeram parte da minha infância.
Não só as pistolas, mas todas as conversa sussurradas e as histórias que
eu ouvia enquanto as mulheres confidenciavam-se umas as outras na cozinha
provavelmente me deixaram mais observadora, atenta e com raciocino lógico
um pouco mais ligeiro. Por isso, quando meu marido chega em casa e me
conta o que aconteceu, algo grita em minha cabeça.
— Eu vou — digo, logo que ele me fala do local em que Don Marco
sugeriu que ele procurasse pistas sobre sua mãe.
— Você? — Sage me pergunta, confuso. — Você nem a conhecia.
— E você, amore mio, ainda não conhece todas as artimanhas e histórias
da nossa família. Nem a nossa língua. — Envolvo os braços em seu pescoço.
— Além do que, seu novo cargo vai exigir mais do seu tempo e não quero
dividir o tempo que vai te sobrar com um monte de papéis velhos. — Dou
uma mordida em sua orelha. — E precisamos providenciar um bebê.
— O quê? — ele me pergunta confuso, livrando-se dos meus braços. —
Eu não quero ser pai.
— E nem eu quero ser mãe, Sage — digo séria. — Mas você acaba de
ser promovido e as pessoas já estão comentando que, se até agora eu não
engravidei, é porque você tem algum problema.
— Eu? — Ele passa as mãos pelos cabelos, nervoso. — Mas você toma
pílula!— Sage começa a rir e depois fica sério novamente. — Somos muito
novos para termos um filho, Mia, e…
— Sage — interrompo-o —, nesta família se valorizam homens viris.
Com sorte, nosso primeiro filho será um menino e isso lhe dará mais chances
de ascensão, amore mio. — Aproximo-me dele novamente. — Mas
conversaremos sobre isso depois. — Enlaço meus braços em seu pescoço
mais uma vez. — Agora você precisa se preparar para sua nova função, e eu
vou cuidar dos documentos no depósito para você.
— Tudo bem, mas não quero que você vá para lá sozinha. — Ele gruda
seus lábios nos meus. — E sobre essa história de filho…
— Depois, marito. — Abro passagem em sua boca com minha língua,
fazendo com que o corpo de Sage reaja no mesmo instante. Afasto-me, rindo
assim que percebo. — Agora vá. Você precisa conversar com seus irmãos.
Pedirei para Enrico me acompanhar.
Sage sai do quarto meio contrariado e posso sentir que o assunto sobre
um filho está martelando em sua cabeça. O que meu marido não sabe é que já
parei a medicação e que não deixarei que ninguém questione a sua honra
jamais. Depois, ele vai acabar me agradecendo.
Desço até cozinha e, assim que entro, vejo as conversas cessarem. Nos
últimos dias, isso acontece cada vez com mais frequência, seja com as
mulheres ou com os homens da família.
— Mia — Martina, que corta algumas fatias de pão, me chama. — Eu
estava pensando se não poderíamos fazer uma viagem qualquer fim de semana
desses. Eu já estou há tanto tempo aqui e até agora só conheço esta cidade. —
Ela parece bastante irritada.
— Vou falar com Sage, mas acredito que pode ser ótimo. Devo convidar
meu cunhado também? — Pisco para ela.
Martina dá de ombros, o que faz com que eu entenda que algo não está
bem entre eles. Tento puxar o assunto, mas ela evita, dizendo que devo, sim,
convidá-lo.
A ideia me parece bem interessante. Alguns dias fora, mesmo que
apenas um fim de semana, já seria ótimo para fugir de tantos olhares.
Eu imaginaria encontrar muitas coisas entre os registros da família,
informações valiosas, que em algum momento pudessem ajudar Sage a galgar
alguns degraus mais rápido — e com certeza algumas coisas interessante
encontrei. Mas o que eu queria mesmo, quando vim para esse escritório, era
encontrar algo sobre Carlo.
Desde que matei Vince sem que ele falasse o nome do traidor, sinto os
olhos de toda a família pesando sobre mim. As mulheres cochicham e me
culpam pela falta de um filho e, agora, os homens, pela morte do maledetto.
São tantos papéis, tantas informações diferentes, a maioria registro de
pessoas, datas, negócios, algumas anotações sobre histórias clássicas que são
sempre contadas nos almoços e grandes reuniões de família…
Nada que me conte algo novo sobre a mãe de Sage, Carlo ou Vince.
Penso em desistir, quando vejo um arquivo preto, em cima de umas
prateleiras mais altas. Na etiqueta, o nome dos donos do Lascivia.
Pego a pasta com cuidado e começo a analisar a documentação que
contém. Nada que chame atenção, além da coincidência do atual Don ter tido
uma noiva que fugiu, coisa que ele reverteu rápido, casando-se com outra
mulher, virgem e de boa família, e a engravidando no segundo dia do
casamento, conforme registros médicos. Aposto que se eu não tomasse os
comprimidos, Sage teria superado essa façanha e tirado minha virgindade ao
mesmo tempo em que plantaria sua semente em mim.
Sigo olhando os papéis, registro de viagens, certidões de nascimentos,
de óbitos, alguns retratos, até que os registros da chegada de um membro,
vindo de Trieste, vinte anos atrás, chama minha atenção.
— Enrico! — grito por meu irmão, que está jogando em alguma das
máquinas empoeiradas, mas que ainda funcionam.
Mostro aflita para o meu irmão o que acabo de encontrar.
— Mia, isso…?
— Exatamente, Enrico. Precisamos contar para o Sage.
Abraço a pasta contra o meu peito e passo a mão em minha bolsa. Antes
de irmos embora, uma ideia absurda passa pela minha cabeça. Procuro
novamente pela pasta de Margareth Wilder e, assim que a encontro, busco a
primeira foto da minha sogra no relatório. Mal a vejo, tenho vontade de gritar,
mas ao invés disso apenas sorrio.
Crescer em uma família como a minha e ter a certeza que você encontrou
o que sempre esteve embaixo do nariz de todos os homens é o passaporte que
eu sempre precisei. Porém, quando entro em casa e vejo Carlo sentado à sala,
além de todos me fitando com cara de poucos amigos, tenho certeza de que
precisarei de muito mais do que isso.
— O que está acontecendo? — pergunto assim que me aproximo de
Sage, parado no meio dos homens.
— Ele disse que tem provas dos motivos reais que fizeram você matar
Vince e acusá-lo.
— O quê? — falo mais alto do que deveria. — Isso só pode ser
armação!
— Eu sei. — Sage dá um beijo em minha testa e me abraça pela cintura.
— Meu pai e o seu também sabem. — Ele pisca e depois vê a pasta em minha
mão. — Encontrou alguma coisa? — Seu olhar se acende.
Não sei o que dizer. Mas antes que eu possa pensar em como responder
à pergunta do meu marido, as portas do escritório se abrem e Don Marco e
papà chamam Carlo para que entre.
Sage começa a caminhar em direção à sala do pai, me puxando pela
mão, mas antes que eu entre, papà me impede.
— Isso é um assunto para homens, bambina.
— Mas esse filglio de una puttana vai falar de mim, papà.
— E seu marito estará lá para defender sua honra, capisce?
Sem que eu possa responder, as portas se fecham. Fico agarrada à pasta
sem saber o que fazer. Esperar Sage sair da sala de seu pai não me parece o
mais adequado agora; de qualquer forma, eu jamais poderia ir sozinha aonde
pretendo. Por isso, quando vejo meus dois cunhados ainda na sala, me parece
mais do que apropriado o convite que faço.
— Jett, Coal — os chamo. — Martina e eu precisamos ir ao shopping.
— Sorrio de forma dócil. — Sage iria nos levar, mas creio que essa reunião
irá demorar. — Dou de ombros. — Vocês poderiam nos acompanhar?
— Mia, não acho que sair agora daqui pareça uma boa ideia — Jett é o
primeiro a responder.
Olho para Coal. Não sei como, mas ele parece capaz de entender que
não é apenas ao shopping que quero ir.
— Claro que sim — Coal então responde. — Nós acompanhamos vocês.
Sem dizer uma palavra, agradeço a meu cunhado por isso. Só espero que
ele também concorde com a minha próxima ideia.
Capítulo 41
Sage
Por mais que eu queira Mia ao meu lado, respeito a decisão de Giovanni
e entro no escritório sem ela.
Carlo parece confiante, mas duvido que ele tenha realmente alguma
coisa a seu favor. Está mais com cara de blefe do que qualquer outra coisa.
Deve estar morrendo de medo de ser executado por traição — o que é bem
provável que aconteça — e por isso está atirando para todos os lados.
Entretanto, os homens decidiram que Carlo merece ser ouvido, mesmo que,
por mim, a única coisa que ele merece é uma cova.
O cara estava ajudando Vince a se esconder e, depois de tudo que meu
priminho fez, a última coisa que ele merecia era ser ajudado, principalmente
por alguém da família. Eu levei meses até encontrá-lo, e só demorei tanto
porque Carlo o escondia de nós. Traição, pura e simples.
Encará-lo agora não é fácil, sendo que tudo que eu mais quero é poder
mostrar o homem que me tornei desde que entrei para a família Rossi.
— Os outros já estão chegando — Giovanni anuncia enquanto meu pai
toma seu lugar na poltrona de sempre e acende um charuto. Ficamos em
silêncio, apenas nos entreolhando, enquanto esperamos os outros aparecerem.
Permaneço em pé, observando o traidor, que tamborila os dedos sobre a
caixa de papelão que carrega. Não sei o que tem ali dentro, e não me
surpreenderia se fosse uma bomba caseira. Mas se esse desgraçado quer me
matar, vai ter que morrer junto.
Por mais que meu pai esteja sentado tranquilamente, fumando seu
charuto, sei que essa situação o está incomodando demais, principalmente por
não poder agir do modo que quer. Se fosse por ele, Carlo já não estaria mais
entre nós. Só que toda essa presepada de “benefício da dúvida” o fez recuar e
manter a pose de Don conciliador.
Se eu estivesse em seu lugar, provavelmente diria que esta família não é
uma democracia, e sim um patriarcado, e quem manda na porra toda sou eu.
Minha casa, minhas regras, e foda-se quem estiver contra.
Talvez esse seja o pensamento dele, mas, ao longo dos anos nessa
posição, aprendeu a se controlar. Não sei se eu serei capaz de fazer o
mesmo…
— Scusatemi — Danio fala após abrir uma fresta da porta.
Don Marco não responde com palavras, apenas gesticula com a cabeça,
permitindo a entrada dos demais. Os homens cruzam a porta e tomam seus
lugares no escritório, mas Eddie e Frederico, que vêm atrás, se posicionam
ao meu lado. Eu não sei como isso aconteceu, mas ambos os irmãos estão
cada vez mais leais a mim, e deixam isso claro com suas atitudes nada
discretas.
— Estamos todos aqui para ouvir o que Carlo tem a dizer — Giovanni
começa. — Ele nos informou que tinha provas de sua lealdade.
— Na verdade, Consigliere — Carlo interrompe —, tenho provas de
que Vince era inocente, e só por isso eu o ajudei.
— Ah, então agora você confessa ter ajudado o sfigato[73]? — Eddie
pergunta ao meu lado, olhando para Carlo com desdém.
Pelo visto, ele não estava esperando por essa, porque cerra os olhos ao
encarar Eddie e desvia da pergunta.
— O tempo todo, vocês acreditaram nas palavras de uma mulher. E
todos sabemos que elas podem ser bem dissimuladas, principalmente a mais
quietinha de todas…
— Lave a boca antes de falar da minha esposa, seu merda. — Dou
alguns passos à frente, ficando cara a cara com Carlo, que sorri para mim.
— Você acha que sua esposa é uma santinha. Virgem e imaculada até se
casar com você. — A risada que segue sua frase é suficiente para me fazer
enxergar vermelho.
A vontade que eu tenho é de ensinar bons modos a ele, mesmo eu sendo
o menos indicado para a função de educador. Só que antes que eu consiga
usar meus punhos como método eficaz de aprendizado, sinto a mão de
Giovanni tocar meu ombro. É um pedido de calma — um que eu gostaria de
ignorar, e me render apenas aos meus instintos mais básicos. Porque ninguém
pode ofender Mia. Ninguém.
— Sage… — Giovanni diz meu nome. É um alerta para que eu me
mantenha sob controle. Se Mia estivesse aqui, diria para me acalmar. Mesmo
que, por dentro, ela estivesse tão consumida pela raiva quanto eu. — Essa é
uma acusação muito grave que você está fazendo, Carlo. É da minha filha que
estamos falando.
— Eu sei muito bem de quem estamos falando, Consigliere. Mas creio
que o senhor não a conheça tão bem quanto acha. — Seu tom de voz é
debochado.
Um. Dois. Três. Quatro. Cinco.
Cinco. Quatro. Três. Dois. Um.
Tento contar na ordem crescente e na decrescente também.
Carlo quer que eu perca o controle. Não só eu, mas Giovanni e Enrico
também. Senão, ele jamais usaria Mia como isca. Nós nos entreolhamos,
decididos a não ceder às vontades do filho da puta.
— Mais uma vez, Carlo, preciso ressaltar as palavras do meu
Consigliere. Sua acusação é muito grave, principalmente porque a virgindade
de Mia foi comprovada pela nossa matrona. Se você está insinuando que ela
possa ter mentido, terá que provar de forma irrefutável. Não manchamos o
nome de nostra famiglia à toa. — A voz de Don Marco é serena, porém
firme. O homem pode ter vários defeitos. Descompensado jamais será um
deles.
— Aqui estão as provas. — Carlo coloca a caixa que carregava em cima
da mesa de centro. — Não posso provar que ela era impura antes do
casamento, mas posso provar que ela estava ludibriando e seduzindo um
homem da família, mesmo estando comprometida.
Tudo que ele fala me incomoda e, por mais que eu esteja tentando me
adaptar aos valores e costumes dessa família, as palavras “dócil e fértil”
ainda não descem por minha garganta.
Foda-se se minha mulher já transou com outros, contanto que eu seja o
último. Porque só de pensar em Mia nos braços de um homem que não seja
eu, sou tomado por uma necessidade primal de arrancar cabeças. Mas eu senti
sua virgindade enquanto a penetrava. Certas coisas não se pode fingir.
Porém, de acordo com Carlo e das “provas” que ele diz ter, Mia estava
envolvida com Vince antes mesmo de se casar comigo — o que é uma
tremenda mentira. O cara a assediava constantemente, e ela sempre dava um
jeito de esquivar de seus avanços. Duvido muito que ela o tenha seduzido e
ludibriado, como Carlo acabou de falar.
Quando todos se aproximam da caixa de papelão para ver seu conteúdo,
eu os impeço.
— A mulher é minha. Quem irá ver o conteúdo da caixa sou eu — aviso
e todos param no lugar.
— Faça as honras. — Carlo gesticula para que eu chegue mais perto.
Vou até lá e abro o pacote, revelando uma pilha de papéis. Olho para
eles e descubro que são cartas.
— O que isso significa? — quero saber.
— Por que você não lê e descobre? — Carlo desafia, com ar de quem
acabou de ganhar a batalha.
Controle-se, Sage.
Minha faca pesa, amarrada ao meu tornozelo. Respiro fundo e faço o que
ele sugeriu.
Pego a primeira carta e começo a ler o que está escrito.
“Caro Vince,
Por que você não está aqui comigo? Minha cama é fria sem a sua
presença. Meu corpo sente falta do seu, minha boca senta falta da sua.
Quando será que finalmente ficaremos juntos? Não aguento mais essa
espera. É um suplício viver sem você ao meu lado.
Quero poder gritar que eu te amo, que você é o homem da minha vida.
Maldita família e suas regras. Não conheço o homem com quem irei
me casar, mas duvido que ele seja melhor do que você. Impossível.
Para sempre sua,
Mia.”
Minha ruína
Nada na minha vida é simples. Nunca foi. Só que agora o destino parece estar
de sacanagem com a minha cara.
Eu passei anos confinado, sem saber quem eu era, apenas para ver minha mãe
ser assassinada na porta de casa e descobrir da forma mais inesperada
possível que o meu pai é um Don da máfia italiana. Não só isso: ele quer que
eu e meus dois irmãos entremos para a "família".
Mas, como eu disse, nada na minha vida é simples, e uma de suas exigências
é que eu me case com uma mulher que mais parece uma freira.
Desejo de Sangue
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Sobre o autor
Lu Aranha & Mari Monni
ALERTA: Leia este livro usando calcinhas à prova de fogo. Alto risco de
incêndio.
ALERTA: Leia com uma caixa de lenços ao lado. Alto risco de chororô e de
se apaixonar ainda mais por essa série.
Meu
***BOX COMPLETO DA SÉRIE MEUS AMORES COM CAPÍTULOS
EXTRAS!***
Cinco livros.
Cinco casais.
Cinco romances quentíssimos e de tirar o fôlego.
A série Meus Amores traz as histórias das meninas da Banda Estrogenium.
Cinco mulheres determinadas e muito bem resolvidas, que vão se permitir
viver algo intenso e inesperado.
Baby tem tudo planejado. Perder o controle nunca esteve nos seus planos. O
problema é quando ela conhece Alexandre e todas as suas “faces”. Porque ele
não é apenas um professor, ele é insaciável e tem fetiches que farão com que
ela descubra um lado novo, que nunca imaginou ter.
Malala sempre quis ser passista de uma grande escola de samba, mas quando
se vê forçada a passar o carnaval em família, seus sonhos parecem ir por
água abaixo. O que ela não esperava era que seu “priminho” pudesse
despertar nela vontades nunca antes sentidas. Só tem dois problemas: ele é o
melhor amigo de sua irmã… e virgem!
Quando Bertha e Cauê anunciam para a família Estrogenium que irão se casar
em três dias, todo mundo surta! Principalmente porque acreditam que ela está
grávida. Porém, há muita coisa no relacionamento dos dois que ninguém nem
imagina. E eles estão prontos para conquistarem o sonhado “felizes para
sempre”.