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Copyright © 2022 Nana Simons

Sim, senhor!
1ª edição

Revisão: Lidiane Mastello


Capa: Ellen Ferreira
Diagramação: April Kroes

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da


Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1º de Janeiro de 2009.
Os personagens e as situações desta obra são reais apenas no
universo da ficção; não se referem a pessoas e fatos, e sobre eles
não emitem opinião. Nenhuma parte dessa obra poderá ser
reproduzida ou transmitida por qualquer forma, meios eletrônicos
ou mecânico sem a permissão por escrito do Autor e/ou Editor. (Lei
9.610 de 19/02/1998.)
Sumário
Playlist
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Epílogo
Bônus
Agradecimentos
Ouça a playlist do livro no Spotify clicando aqui.
Obrigada
Regina George,

Blair Waldorf,

Mia Colucci,
Cher Worowitz,

Quinn Fabray,

Sharpay Evans,

E todas as patricinhas que me apaixonei e ajudaram a fazer Nora

Baldwin tão real na minha cabeça.


pega leve comigo, querido

eu ainda era uma criança

não tive a oportunidade de

sentir o mundo ao meu redor

não tive tempo para escolher o que escolhi fazer

easy on me – adele

LUCIAN

Então é isso, finalmente estou pronto.

Olhando além das terras que reconheço muito bem da

infância, vejo um horizonte de possibilidades. Posso criar uma vida


aqui, posso criar uma família — quando for a hora, é claro.

Não que eu tenha muito interesse no assunto atualmente,


mas me pego pensando sobre o vazio em meu peito e as vontades

que enterrei quando meu noivado acabou. O vinhedo que acabei de

pagar muito mais do que pagaria em algum negócio que seria três
vezes mais lucrativo do que esse, expande-se em minha frente,

posso vê-lo perfeitamente da janela do cômodo que será um quarto


todo adaptado.

— Perfeito — reflito em voz alta.

Ajeito meu terno, pego a chave do carro e dou uma última

olhada na sala para ver se não esqueci alguma coisa, afinal, voltarei

para a cidade para tratar dos últimos detalhes da compra do vinhedo


e não tenho certeza se volto, a ajuda que tive nos últimos dias da

minha assistente e do meu sócio foi crucial, mas nenhum deles está

aqui para lidar com as coisas, então eu preciso fazê-lo.

Pensando no cansaço que sinto com todos os processos de


negócios dos últimos dias, entendo que há muito mais aqui do que

um simples terreno ou um lugar onde farei vinhos. Pretendo que

seja um refúgio não só para, Brandon Santoro, meu pai, um italiano

de sangue e coração poder viver, mas também para mim.

Todos da equipe já estão a postos para cuidar de tudo


quando eu voltar a Los Angeles, ainda que eu tenha vontade de

ficar e acompanhar o meu paraíso se desenvolver, preciso voltar

aos Estados Unidos e cuidar do meu gigante. Quivira. Tornar-me o

homem que sou demanda demais de mim, e eu preciso administrar


dez coisas ao mesmo tempo, mesmo sem tempo suficiente para que
todas elas sejam administradas.

Viro-me ao escutar uma batida à porta.


— Sim?

— Senhor. — Angelina, a mulher que contratei para cuidar de

organizar tudo enquanto estou longe, põe metade do corpo para

dentro. — Chegaram algumas correspondências.

— No último minuto — digo ao pegá-las.

— Tem algo que eu possa fazer pelo senhor?

Eu finjo não ver a malícia no olhar e a ânsia para que eu diga:

sim, abaixe-se e chupe meu pau para que eu aumente o seu salário

ou te leve para os Estados Unidos comigo.

— Se você já chamou o táxi, então isso é tudo.

— Eu chamei, estará aqui em quinze minutos.

— Ótimo.

— Ficará em Roma por muito tempo? — Vendo o olhar


questionador que lhe dou, ela rapidamente explica: — Estou

perguntando apenas caso eu precise do senhor para resolver

alguma urgência.

— Se alguma urgência surgir e você não conseguir falar

comigo por telefone, ligue para alguém da equipe que deixei


anotado. O engenheiro, o mestre de obras, ou o caseiro que está

em contato diário com todos os profissionais envolvidos. Você tem o


meu cartão de crédito, tome qualquer providência que achar

necessário para resolver.

— Sim, senhor. Ah, e boa viagem, senhor.


— Obrigado, Angelina — agradeço sem fitá-la, o que manda

o recado certo e ela sai sem mais delongas.

Deixar os meus negócios para uma terceira pessoa cuidar


não é do meu feitio, mas não tenho escolha. Estou na Itália há mais
de um ano indo e voltando sem ser capaz de dar a devida atenção

ao Quivira — o bebê dos meus olhos —, deixando-o aos cuidados


do meu sócio e recebendo relatórios do pessoal do jurídico, junto a

resumos semanais dos profissionais que coloquei lá dentro


confiando que dariam conta do recado. Não posso negar que dão

conta do recado, mas sinto falta de ser eu mesmo, de voltar, de


sentar atrás da minha mesa, de andar pelo restaurante, pelo hotel e
ver as pessoas divertindo-se na minha boate. Eu não prestei para

cuidar da minha família, não servi para o casamento e não me vejo


conquistando mais da vida além dos negócios, então talvez essa

seja a minha vida, talvez eu tenha nascido para proporcionar


diversão, lazer e prazer às pessoas, esquecendo que eu mesmo

preciso de um pouco disso de vez em quando.

Eu abro o primeiro envelope vendo um convite de casamento


que já passou, de Richard, um cliente assíduo do Quivira. Ele

costuma revezar garotas na parte da balada e depois no


restaurante. Eu não estou curioso para saber como ele conseguiu

encontrar uma noiva no meio disso, a menos que ela seja uma
dessas garotas.
As próximas cartas são igualmente sem importância,

tratando-se de convites de festas, propostas de parcerias e convites


de eventos de caridade, nada do que eu esteja interessado no

momento, mas é a última que me surpreende quando vejo o nome


de meu primo assinado no remetente.

À primeira vista não tenho nenhuma dica do que vem pela

frente, mas eu me sento, pois o que quer que esteja escrito ali
chegou atrasado demais. Recebemos a notícia da overdose e óbito
de Cassian meses atrás. Foi um baque, afinal, mesmo que sua vida

conturbada tenha nos afastado, fomos próximos durante a infância e


adolescência.

O que quer que estivesse ali, seria um problema e eu nem


teria como falar com ele para entender.
Suspiro, preparando-me para abrir.

A carta escrita com letras grossas e irregulares mostra que


talvez ele tenha escrito em um de seus momentos de crise, já que
minha família o havia internado próximo da data de envio.

— Como é que vou dizer à sua mãe que recebi uma carta
meses atrasada? — murmuro comigo mesmo.

Ele se ligou a drogas e se tornou um viciado incapaz de

receber ajuda que não fosse dinheiro para usar mais e mais. Há
cinco anos costumávamos andar juntos e antes do vício, eu ia até

mesmo colocá-lo como sócio do restaurante no Quivira, mas como


poderia, sabendo dos seus problemas?
Deixo a luz do sol iluminar as letras para que eu possa ler.

Primo...

Me pergunto se você vai entender alguma coisa que direi


nessa carta, se vai me ligar na hora, se vai me oferecer uma

internação ou vai ignorar como fez com as duas últimas que enviei
pedindo seu suporte. Sei que só entrei em contato nos últimos anos

pedindo dinheiro, que esqueci o significado da família quando me


meti com essas merdas que fodem minha cabeça. Eu tinha um
futuro brilhante como o seu, o de Tobias e Leblon. Como está
Cassie? Ela não fala mais comigo desde que foi morar em Paris seis
meses atrás, mas tenho certeza de que está bem, como todos
vocês.

Acho que toda família precisa de um fracasso, nada pode ser

perfeito. No fim, eu fui a vergonha e a frustração da nossa, não é?


Mas eu não me importo, na verdade, eu não andava me

importando com muita coisa nos últimos tempos, pelo menos não
até poucos meses atrás.

O que eu vou pedir pra você, não pude pedir a ninguém mais.
Você sempre foi a referência e o exemplo da nossa família. Sei que

se tem alguém que fará a coisa certa independente de status,

orgulho e opiniões dos outros, é você.


Eu arranjei um problema dos grandes, talvez muito maior do

que a conta que você pagou para aquele traficante um ano atrás.

Vou enviar essa carta e sumir, sei que não posso encarar você e

muito menos esse problema agora. Preciso que volte para Los
Angeles e cuide disso para mim. É um último pedido, eu prometo.

Sei que quando chegar a hora você saberá o que fazer.

Me perdoe, Cassian
Quando termino de ler, sinto um misto de raiva, preocupação

e frustração. Cassian foi um peso para todos nós, e por mais que
minha cabeça me grite para deixar para lá o que quer que seja o

problema que ele colocou em minha conta, eu não posso.

Levanto-me, pensando em mil possibilidades.

Quando paguei sua conta com o traficante que começou a

perseguir não só ele, mas sua mãe e sua irmã, Cassie, pensei que

seria a última gota para que Cassian percebesse o que estava


fazendo. Que aquele caminho não teria um final feliz para ninguém

— como realmente não teve. Então dei um voto de confiança e

deixei-o ficar em minha casa recém-reformada e coloquei um prazo


para que encontrasse emprego, ficasse limpo das drogas e saísse,

pois quando eu deixasse a Itália queria minha casa de volta.

Agora me pergunto que porra pode ter acontecido.


Meu único erro foi não ter tirado as coisas de valor para que

ele não pudesse vendê-las e comprar drogas e agora descubro que

ele deixou um problema a ser resolvido nas minhas costas, Deus

me ajude se ele tiver transformado minha primeira casa — pela qual


tenho um carinho inestimável, já que foi meu pai quem me ajudou a

procurá-la ao redor de Los Angeles, em uma casa de drogas ou um

prostíbulo para manter o seu vício.


E se tivesse morrido deixando dez viciados morando lá

dentro? O que eu encontrarei?

— Santo Deus...
Uma dor de cabeça começa imediatamente e eu não posso

sequer mandar alguém para verificar a situação já que qualquer

coisa pode se tornar público. A última coisa que quero é meu nome
ou a reputação do Quivira manchados.

Desejo que o que quer que eu veja quando pisar em minha

casa não faça desejar o contrário de seu descanso em paz.


amar pode machucar

amar pode machucar às vezes

mas isso é a única coisa que eu sei

quando fica difícil

você sabe, isso pode ficar difícil às vezes

é a única coisa que nos faz sentir vivos

dentro destas páginas, você apenas me abraça

e eu nunca vou te deixar ir

espere por mim para voltar para casa

photograph - ed sheeran

NORA

Olhando para minha filha que brinca incansavelmente na sala

com bonecas, carrinhos e ursos de pelúcia sem nem entender o que


cada um faz, eu respiro fundo e desisto de cozinhar algo saudável

para comermos.

— Vamos pedir para entregar, por que não?


Ela sorri, jogando a boneca Fifi para o outro lado da sala.

Ela não gosta da minha comida de qualquer forma, parece


sempre saber quando fui eu que cozinhei, pois cospe ou balança a

cabeça recusando-se a comer como se fosse a maior gororoba que

já viu na vida. Agora se tratando de comida de fora ou os pratos que


Kimberly — minha melhor amiga — cozinha para ela? A garota

quase lambe o prato.

Essa é a minha filha.

— Já que teremos outra noite longa pela frente eu vou treinar,


você não se importa, não é, senhorita? — Ela ri, afogando-se com o

urso rosa. — É claro que não. Você parece nunca se importar,

contanto que eu esteja perto.

E é a mais pura verdade. Eu amo a dependência que eu e

minha filha temos uma da outra. Na faculdade, eu sempre fico

inquieta longe dela e mesmo tendo tentado por meses acostumá-la


a dormir no quarto ao lado do meu, ela não queria. Chorava até que

eu a levasse de volta para perto de mim.


Fiz o pedido — legumes prontos e sem tempero —, conferi o
meu celular uma última vez e aumentei um pouco o volume do

YouTube. Meus exercícios diários ajudaram para que eu voltasse a

forma rápido quando July nasceu e assim pude me dedicar às

atividades que amo fazer.

Fui a capitã do time de cheerleaders na escola, assim,

quando me formei e rapidamente fui aceita na Scorpion, a

universidade número um da Califórnia, não tive dificuldade em

entrar para a equipe de torcida, mas uma gravidez no segundo ano


não é algo aceito facilmente. Fui substituída, o que me deixou mal

por semanas, mas minha médica estava sempre me lembrando de

como o meu estado afetava a minha bebê, por isso, ergui-me e

cuidei de nós duas.

Foi delicioso ver os rostos na equipe quando eu voltei com

um corpo ainda mais preparado poucos meses depois de dar à luz.


Provei a todos que antes que os treinos para os campeonatos

anuais começassem, eu estaria pronta para ser capitã. E isso

aconteceu.

Eu amo minha filha, mais do que tudo, ela é o meu mundo,

mas eu não podia negar que vivi meses tristes após o seu

nascimento. Não via mais meu corpo como antes, é claro, pois tinha
acabado de gerar uma vida e também lidei com olhares de

julgamento e preconceito todas as vezes durante o tempo em que


treinei com roupas diferentes das meninas. A minissaia e o top

pequeno que tínhamos que usar na equipe não me cabiam mais,


mesmo o número grande ficava horrível em mim. Trabalhei duro e
me exercitei incansavelmente, não parando até que eu voltei ao

meu peso de antes. July acompanhou tudo isso mesmo sem


entender, pedia colo quando eu chorava e muitas vezes chorava

comigo.

Se dependesse de mamãe, estaríamos morando juntas,


minha filha seria criada por uma babá enquanto eu estudava,

dançava e me preparava para uma carreira séria.


Minha mãe prioriza meu futuro acima de tudo, e nunca
entendia por que eu não cedia sobre desistir de ser uma

cheerleader. Nunca pude contar com seu apoio quando se tratava


dessa paixão, era meu pai quem me dizia que eu podia conquistar

tudo, foi ele que vibrou comigo quando eu me tornei parte da equipe
na escola, foi ele quem organizou uma festa surpresa quando eu

virei capitã das líderes de torcida e foi ele que chorou comigo
quando eu consegui entrar na faculdade, dizendo-me que não dava
três meses para eu conseguir meu uniforme das líderes de torcida

de Scorpion já que eu era a melhor delas.

Steven Baldwin, meu pai, dizia que nem precisava vê-las


dançar para saber que eu superava cada uma.

Meu pai sempre foi meu maior apoiador, por isso, ainda dói
em cada parte do meu corpo pensar em sua morte. Em alguns

momentos eu estou feliz, mas paro e penso nele, e percebo o


quanto ele me faz falta, o quanto não poder ligar para ele e contar
do meu dia. Doía não poder reclamar de algo que ele conseguia

resolver em cinco minutos. Dói não poder enviar uma foto da bebê e
dizer a ele que ela aprendeu algo novo mesmo sabendo que ele

estaria presente durante cada dia do seu processo de crescimento.

Ele nem sequer a conheceu, e a minha filha, coitadinha... eu


sei que minhas histórias não farão jus a quão incrível seu avô foi.

Minha mãe assumiu os negócios da empresa e lidou muito bem com


tudo, mas ela sente falta do meu pai terrivelmente, assim como eu.
Ele era seu companheiro de vida, os dois se amavam como loucos e

eu sei que mesmo me amando e amando a neta, quando ela fica


muito quieta ou olha para longe como se não estivesse presente

está pensando nele e em como gostaria de estar no carro quando


aquele caminhão que bateu nele ceifou a vida do meu pai.
Respiro fundo, dou um giro, seguido de um pulo e inclino-me
para a frente. Olho para July quando a ouço gritar e bater palminhas
assistindo meus passos básicos de dança.

Dou risada.

Eu tenho tantos vídeos no Instagram, dela se levantando e


dançando comigo, ou torcendo com cada movimento meu, mas o

meu favorito foi o de seus primeiros passos.

Eu estava gravando o pedaço de uma coreografia da equipe


quando aos nove meses, ela se levantou no jardim e por estar de

costas sem prestar muita atenção, eu só consegui ver depois pelo


vídeo ela dando seus primeiros três passinhos sozinha.
Aquele vídeo me fez conseguir quinhentos mil seguidores.

Hoje eu passo horas do dia tirando fotos perfeitamente

iluminadas e no estilo mãe e filha de contos de fada. Nos curtos


vídeos de stories divido as crises, o choro, o primeiro dentinho

nascendo, as dores de barriga e as noites em que ela está inquieta,


quando nem mesmo meu colo e meu aconchego conseguem

acalentá-la.
Eu fiz com que ser mãe parecesse algo fácil, mas a verdade
era que na maior parte do tempo eu estava exausta e mesmo assim

me recusava a deixá-la com uma babá, a não ser meu período de


aula na faculdade, e os treinos fora de casa com o resto da turma
que são poucos, já que eu praticamente obriguei a equipe a
começar a treinar na minha casa — ou de Lucian, porque há um

enorme jardim lá fora acolhedor o suficiente para treinarmos.

A sala virou um grande estúdio de dança e é claro lugar onde


minha filha deixava seu arsenal de brinquedos. Eu deixei o enorme

sofá encostado na parede e com a TV de cinema na parede há


espaço mais do que suficiente para treinar sozinha em dias

chuvosos.
Quando Cassian me trouxe pela primeira vez evitando olhar

minha barriga de sete meses e disse que era onde eu ficaria para

ter a minha filha e cuidar da minha vida, eu não acreditei, lembrava-

me daquela casa, mas ele me disse que passou de familiar para


familiar até se tornar dele. Eu sabia que ele usava drogas e tinha

muitas dívidas, mas qual era a dificuldade de dizer aos seus pais

que tinha me engravidado? Eu havia acabado de fazer dezenove


anos na época e com certeza não estava pronta para ser mãe, mas

isso não importou para ele que em um momento que eu nem

gostava de me lembrar me levou para um quarto, tirou minha

virgindade e me deu a linda garotinha sentada à minha frente, e


apenas por isso eu não me arrependia.
Nos primeiros três meses eu me senti mal por ficar aliviada

quando recebi a notícia da morte dele, mas quando minha filha


nasceu tinha feito apenas alguns meses desde que seu pai se foi e

eu estava tão desesperada sem saber o que faria, então precisei

esquecer o peso na consciência e me concentrar nela.

Eu tinha contado à minha mãe com oito meses de gravidez

que esperava um bebê e não teria o suporte do pai nem com a

criação e nem financeiramente, contei que eu tinha apenas uma


casa e ela rapidamente quis me convencer a vender, já que ele tinha

basicamente me dado. Acabei descobrindo que a casa não era dele,

mas eu não estava pronta para ir até seus pais — que haviam
acabado de perder o filho — e dizer:

— Ei, eu acabei de dar à luz à sua neta e gostaria dos papéis

da casa que seu filho me deu para vender e nos deixar confortáveis

sem precisar depender de vocês ou da minha mãe.

Agora July tem um ano e três meses e eu estou basicamente

esperando alguém da família aparecer e descobrir sobre nós. É

errado, eu sei, mas não consigo criar coragem de revelá-la para eles
agora.

Tenho minha mãe e ela esteve ao meu lado por todo o

processo, e ainda está caso o pior aconteça, mas nos primeiros


meses foi desesperador.

Somos um time.

Ela passa para almoçar durante a semana, pega July nos


finais de semana e a leva para sua casa quando não tem nenhuma

de suas reuniões de negócios ou compromissos sociais. A socialite

se tornou uma bela avó babona que gosta de ter minha filha quando
suas amigas vão visitá-la, assim todas ficam mimando-a.

Sempre a espero voltar de um final de semana com sua avó

cheia de presentes dados por sua pequena legião de fãs —


composta por amigas e colegas da minha mãe.

— Mais dez minutos e você vai jantar, gatinha — digo a ela,

que sorri e balbucia algo de volta. Seus lindos cachinhos castanhos,

os olhos azuis iguais aos meus e as bochechinhas coradas fazem


dela uma pintura perfeita. A criança mais bonita que já vi e eu não

digo isso por ser minha filha, mas ela realmente é, e eu escuto tais

elogios frequentemente.

— Você pode ficar com a camiseta hoje pra mamãe não ter

que te dar o terceiro banho do dia? Daqui a pouco vamos dormir.

Tenho que negociar com July, afinal, ela não gosta de roupas.
Na maioria das vezes ficava de fralda e quando eu coloco seus

vestidos ou camiseta, não demora muito para vê-la se contorcendo


enquanto tenta tirar. Minha mãe dizia que ela é igual a meu pai

nesse sentido. Era engraçado lembrar de papai tirando a camisa em


qualquer lugar que chegava, não perdendo tempo em pular numa

piscina ou dormindo no chão com portas e janelas abertas por sentir

tanto calor.

Assopro um beijo para minha filha e ela sorri, então eu

confirmo no celular que a comida chega em quinze minutos e

aumento um pouco mais o volume da TV. Eu preciso treinar mais


antes que seu jantar chegue.
porque quando você tem quinze anos

e alguém diz que te ama

você acredita

e quando você tem quinze anos

você sente como se já soubesse tudo que precisa saber

bem, conte até dez, reflita, isso é a vida

antes de você saber quem você deve ser

aos quinze anos

fifteen - taylor swift

LUCIAN

A primeira coisa que reparo quando paro o meu Bentley ao

lado da calçada da minha casa em Los Angeles é o carro

estacionado na garagem.
Eu com certeza não tinha um SUV quando fui embora.
— Caralho de desordem. Ninguém faz nada direito nessa

porra? — Abro os braços quando saio do carro querendo gritar com


a administração do condomínio.

Eu pago um preço justo para que minha propriedade fique em

segurança e intacta enquanto estou ausente, mas parece que há

falhas graves no condomínio. Se algum vizinho percebeu a falta de

movimentação e decidiu usar a minha garagem deveria pelo menos


ter pedido autorização. Eu não gosto quando invadem o meu

espaço ou se apossam das minhas coisas, parece que terei que

deixar claro para o meu invasor.


No entanto, lembro-me da carta de Cassian, e meus medos

do que ele teria feito com a minha propriedade antes de falecer.

Pego minha mala no banco do carona e apresso-me para

entrar.

Pior do que o carro na garagem é o salto com plumas cor de

rosa do lado de fora, encostado na parede da porta como se a


pessoa que entrou — por mais absurdo que o pensamento seja —

tivesse deixado o calçado. Passo as mãos pelo cabelo e me dou um

tapa na bochecha para ver se estou dormindo, caso contrário essa

realidade está cada vez mais absurda.

Ele fez da minha casa um bordel?


Eu estou sonhando. Não, estou tendo um pesadelo.

Preparando-me para o que vem a seguir, respiro

profundamente ao segurar a maçaneta, ainda convencido de que


desde o momento em que abri aquela carta nada disso é real, e a

giro surpreendendo-me quando pego-a aberta.

— É claro que está — digo ironicamente. Meu invasor

também tem a chave ou deu um jeito de entrar e deixou a porta

aberta para não ter riscos de disparar o alarme.

Por um momento fico na dúvida se devo voltar para o carro e

chamar a segurança, mas então um barulho me impede, e quando

olho para o chão vendo que eu tinha pisado em algo, surpreendo-


me com um pato cor de rosa.

— Mas que porra está acontecendo aqui?

Pegando o objeto que fica ainda menor na palma da minha

mão, adentro na casa e fecho a porta sem fazer barulho. O barulho

vindo dos fundos é alto o suficiente para já ser ouvido e eu respiro

fundo.

Não é possível.

Quem seria louco suficiente para invadir a minha casa sem

minha permissão, confiando que Cassian é o dono dela sem


pesquisar e nada disso me foi notificado?
Eu vou vender essa porra e meter um processo na bunda

desses filhos da puta.

— Essa porra me custou cinco fodidos milhões.


Deixo minha mala em frente à porta como um obstáculo para

quando meu invasor fugir ao ver que foi pego, mesmo que seja um
obstáculo pequeno, ainda assim, poderá me dar cinco segundos de

vantagem. Tiro a gravata, o paletó e deixo no corrimão da escada.


Os móveis estão como deixei, ou melhor, como a minha designer na
época projetou, já que eu não tinha morado na casa nem dois

meses.

Penso que em qualquer outro momento eu procuraria algo


para me defender, mas sem tempo ou paciência para isso, avanço

em direção aos barulhos e me preparo para o que está por vir,


contudo, tenho uma parada abrupta no meio do caminho no batente

da porta quando vejo brinquedos de todas as cores espalhados pelo


chão, mais a frente há uma menininha de no máximo um ano de
idade sentada no meu tapete de dois mil dólares, com uma tigelinha

que eu trouxe de uma viagem para o Egito cheia de legumes.


Além dela, vejo alguém que não esperava ver nem na

próxima vida.

Quase não há reconheço.


Ela está crescida, isso é fato, mas ainda não muda o quanto

me sinto culpado em olhá-la dos pés à cabeça. Meus olhos deslizam


como mel na colher pelas pernas longas e as coxas torneadas, a

curva que faz na bunda, a barriga plana e os seios de tamanhos


médios que começaram a crescer quando ela ainda era muito, muito

jovem para ser olhado por mim. Era difícil não ver quando ela fazia
questão de esfregá-los na minha cara cada vez que nos víamos, por
isso, eu sempre tive que ser tão grosso com a garota. Uma garota

que eu não achava possível ficar mais linda do que na última vez
que a vi.

— Nora — falo num tom firme, mas minha surpresa por vê-la

ali fica evidente.


Diferente de suas antigas reações quando me via e corria em

minha direção para me abraçar, ou puxar qualquer assunto que


viesse à sua cabecinha, ela ficou travada no lugar. Coberta por
apenas um minúsculo short branco que marcava todos os lugares

que eu precisei me esforçar para não olhar e o pequeno top que mal
escondia o quanto seu corpo tinha se desenvolvido.

Eu podia ver todas as formas de seu corpo.

Os cabelos castanhos compridos num rabo de cavalo frouxo,


e os pequenos fios colados na testa de suor me deram uma imagem
que eu não preciso agora. Os olhos azuis arregalados, os lábios
inchados e rosados, e as bochechas coradas completam a visão.

Meu Deus.
Até o pequeno nariz continua bonito. Ela sempre tinha sido a

criança mais atrevida e inteligente, depois se tornou uma jovem


adolescente linda, mas agora...

Em seu aniversário de quinze anos, quando seu pai convidou

minha família para comemorar sua festa de debutante, ela se vestiu


como uma princesa em um vestido rosa, uma tiara da Cartier que

não fez nem cócegas no bolso de Steven e sapatos de salto que no


meio da festa tirou, ficando descalça para dançar com suas amigas
a noite toda.

E mesmo naquela idade todos sabíamos que ela seria uma


mulher estonteante, mas eu não conseguia vê-la com olhos errados,

não, para mim ela sempre teve a devida idade. Onze anos quando a
conheci, quinze anos quando todos a elogiaram pela beleza e
maturidade que exibia, dezesseis anos, dezessete anos e assim por

diante. A minha sorte foi que quando ela fez dezoito eu já estava
longe o suficiente para resistir em uma de suas muitas tentativas de

me seduzir.
Não que meu tour pelo mundo tivesse algo a ver com sua
idade, eu não tinha a menor intenção de atacar uma criança.

E como esperado, ela se tornou linda, uma mulher


estonteante, de fato.

Ela passou as mãos pelo short e então sua bochecha ficou


ainda mais vermelha como se estivesse se dado conta da roupa que

vestia.

— Há-han — limpa a garganta — Lucian, eu... eu não o

esperava aqui.
É impossível não erguer uma sobrancelha com seu

questionamento.

— Bem, essa é minha casa.


— O quê? — Ela ri ligeiramente sem ar. — Isso não é

possível, Cassian nos deu essa casa.

Ok. Aqui está a surpresa pela qual meu primo pedia perdão
na carta.

— “Nos deu” — repito. — Suponho que esteja falando sobre

a bebê no chão?

— Sim.

— Ela é sua?
— Sim. — Ela ergue o queixo orgulhosa, como se estivesse

pronta para defender a filha e sua honra se eu dissesse algo errado.

Bom, muito bem. É o que eu espero dela.

Nora sempre teve um gênio impossível de lidar, não por ser


uma criança chata ou irritante, mas ela era indomável. Como se

mesmo em uma tenra idade ninguém pudesse ditar regras para ela.

Sempre foi uma das coisas que me deram a certeza de que ela

dominaria o mundo seja o que for que escolhesse fazer em sua


vida.

— E eu posso imaginar que seu namorado ou marido

também está aqui, pelo carro lá fora?


— O carro é meu, e eu não tenho marido ou namorado.

Eu não quero parar para pensar na leveza instantânea que

sinto ao ouvir isso, é estranho pensar nela casada ou namorando e


ainda mais pensar nela com uma filha. Olhando para a criança, eu

nem precisava perguntar se era sua ou se tinha sido adotada. A

menina é sua cópia.


— Somos só eu e ela.

— Entendo.

Teria sido abandonada durante a gravidez?

O pai da criança não quis assumir?


Ou foi um cenário ainda mais assustador para mim... podia

não saber quem é o pai? Pensar que essa possibilidade existe após

a morte de seu pai que sempre cuidou e a amou tanto é difícil para
mim. Eu não vou me deixar admitir que pensar nela com homens

suficientes para não saber quem é o pai de sua filha me deixa

inquieto.

— Ela é muito bonita — elogio. A garotinha ri para mim como

se soubesse que eu a elogiei.

Nora passa por mim deixando um cheiro aveludado de seu

perfume. Ainda é o mesmo; doce, suave e feminino. Se sentisse


aquele cheiro em qualquer outra pessoa não combinaria, mas nela

fica perfeito. O carinho que eu tinha por aquela menina quando ela

era uma criança não podia ser mensurado. Seu pai foi um grande
amigo e quando ele morreu, abalou toda a minha família.

Quando eu a vi na hora no enterro, chorando abraçada à sua

mãe como se nada pudesse consolá-la eu quis abraçá-la, quis


permitir que por um momento ela me abraçasse, porque eu sabia

que ali ela não estaria sendo inconvenientemente maliciosa.

Mesmo com a inocência de uma criança, ela sempre teve


uma paixão por mim. Ainda que uma paixão enganosa, pois me via
como um príncipe, um ideal. Um homem bonito, rico e gentil com as

mulheres ao seu redor.

Limpo a garganta e me afasto, virando-me para olhá-la com a

menina no colo.

— Ela é igual a você.

— Obrigada. Isso sim é um elogio. — Ela sorri ao olhar a

garotinha. — Se você tivesse me conhecido nessa idade, veria que

éramos exatamente iguais.


Sua frase tem um impacto que ela não imagina, pois se eu a

tivesse conhecido naquela idade me sentiria ainda mais pervertido

do que me sinto agora, não conseguindo desviar o olhar do short


marcando sua boceta e os mamilos eriçados através do top.

— Nora, eu não quero ser rude, mas o que está fazendo

aqui? — tento perguntar o mais delicadamente possível. — Cassian


soube da sua situação e lhe deixou ficar com a casa?

— Eu pensei que a casa fosse dele. — Ela engole em seco.

— Permiti que ele ficasse aqui durante a minha temporada


morando na Itália.

— Eu não sabia que a casa era sua. Seu primo me deixou

ficar aqui logo depois de me dizer que não assumiria a bebê.


Eu fico mudo por um momento. O choque de saber que essa

linda criança é filha do meu primo é grande, pois, pior imaginar que

Nora se deitou com alguém, é que foi com ele.

— E ele morreu um pouco depois — continuo.

— Sim — ela confirma sem emoção na voz. Teria sido

apaixonada por Cassian? Meu Deus, será que meu primo a forçou?

— Eu sinto muito por você e por ela. Qual o nome?

— July, ela nasceu em julho. E não sinta, nós não tínhamos

um relacionamento. — Ela desvia o olhar.

— Nora — dou um passo à frente —, se quiser conversar

sobre...

— Eu vou arrumar nossas coisas e em breve sairei — ela me


interrompe mudando de assunto, e eu entendo que não quer dar

detalhes de sua gravidez ou da relação com Cassian. O que não

significa que vou esquecer o assunto. — Você precisa da casa com

urgência?

— Não, não. — Balanço a cabeça. — Eu não preciso da

casa, na verdade, vou ficar no meu hotel.


Eu não tinha planos de ficar no hotel. Queria voltar para a

casa, resolver o problema que Cassian me deixou — e agora eu


sabia que se tratava de uma criança que ele não foi homem para

assumir e ficar limpo para cuidar e começar uma vida.

Eu tinha planos inclusive de tirar o hotel do Quivira e levá-lo

para a casa, mas tudo foi por água abaixo. Eu não tiraria Nora dali e

muito menos ficaria debaixo do mesmo teto que ela.


Por razões óbvias.

Se dez minutos com ela está sendo uma tortura, eu não

quero imaginar como será dias e dias.


— Você tem certeza? É a sua casa, afinal de contas.

— Trabalhar no hotel é mais fácil pra mim, meu escritório fica

lá, a balada e meu restaurante também. Tudo em um só lugar.


— Eu me lembro da empolgação do meu pai quando você

teve a ideia.

— Ele seria meu sócio.

Seus olhos adquirem um brilho triste e me sinto mal por isso.

— É, parece que nem todos seguimos os planos que


tínhamos inicialmente. — Ela ri sem humor, mas olha

carinhosamente para a bebê no colo.

— Tenho certeza de que você vai se ajustar completamente.

— Claro — ela concorda veemente. — Estamos indo muito

bem.
— Minha tia Francis e William sabem dela?

Eu me refiro aos pais de Cassian e ela arregala os olhos.

— Não, e por favor, não conte!

— Nora...

— Por favor.

Eu não gosto disso.


Cassian pode ter sido um idiota em vários aspectos da vida,

mas seus pais são ótimos e seriam avós incríveis para July. Porém,

que palavra eu tenho no assunto?

— Certo — digo a contragosto e ela sabe disso, afinal,

conviveu comigo por anos e anos. Nora pode não me conhecer tão

bem, mas me conhece o suficiente para saber quando estou


impaciente, bravo ou quando não concordo com algo.

— Obrigada, Lucian. — Ela passa a mão pelo rosto e beija a

bochecha da filha. — Quer ficar para jantar já que veio até aqui? Eu
pedi italiano.

Ela cora quando fico em silêncio.


— Ainda é sua comida favorita?

— Não pelas mesmas razões. — Ela se refere ao fato de


viver dizendo, quando criança, que sua comida favorita era italiana,
suas músicas e filmes favoritos eram italianos e que estudaria na
Itália, pois o país tinha a melhor educação.

É claro que a obsessão começou quando descobriu que eu


venho de família italiana.
— Não ficarei para jantar, mas obrigado pelo convite. Vim

apenas pegar alguns documentos que deixei lá em cima quando fui


embora.

— Eu não vi um escritório lá em cima.


Eu não diria que vim para descobrir que porra Cassian tinha

feito na minha casa, é óbvio.

— É apenas um cofre escondido, não se preocupe, eu subo e

desço rápido. — Faço uma pausa antes de começar a subir a


escada. — Tem algo lá em cima que eu não posso ver?
Que tipo de pergunta é essa?

— Ham... — Ela franze o cenho, provavelmente se


perguntando a mesma coisa. — Não. Suba e fique à vontade. Eu

vou me vestir.
— Não é necessário. — Eu ergo a mão assim que digo as

palavras. — Não foi o que eu quis dizer. É só que eu já estou indo


embora, fique à vontade, é a sua casa, afinal de contas.
— Não, é a sua casa. Minha mãe disse que eu posso voltar
para o apartamento dela no momento que eu quiser.

— Não, não. Eu vou me sentir mal com isso, parece que


estou te expulsando.

— Você não está, Lucian.

Eu volto e a encaro completamente.

— Fique como um presente para você e para July. É um


nome bonito.

— Obrigada, era a segunda opção do meu pai se meu nome


não fosse Nora.

— Então, para todos os sentidos foi ele que escolheu o nome


da neta? — indago.

— Eu gosto de pensar assim. — Ela sorri. Caralho, que


sorriso.
— Eu estou indo — digo antes que as coisas fujam do

controle e eu não consiga mais evitar não olhar a divisão de seu


short.

— Certo, claro. Eu vou levá-la até o jardim e tentar fazê-la


dormir um pouco. Tenho trabalhos da faculdade e tudo. — Ela

desanda a falar sem parar. — Ok, até mais, Lucian.


Eu aceno sem dizer nada, esperando que ela desapareça
nos fundos da casa. Deixo a sala sabendo que não é a última vez

que vou vê-la e me condeno ainda mais.

Porque pela primeira vez, não é a última vez que quero vê-la.
acho que somos como fogo e água

acho que somos como vento e mar

enquanto você queima, eu esfrio

enquanto você está em cima, eu estou em baixo

eles dizem que eu sou jovem demais pra te amar

brooklyn baby - lana del rey

NORA

Quando ele finalmente vai embora eu respiro aliviada.

Sério.

Como foi que de todos... esse homem foi o único que

apareceu aqui quando mais uma mentira é acrescentada na lista de


Cassian?

Não podia ser Cassie, a tia da minha filha, ou seus outros

primos; Tristan ou Leblon?


Cassian me jurou que a casa era dele e que eu não teria

problemas ficando ali. Eu devia ter desconfiado. Um homem


covarde, imaturo e irresponsável como ele jamais me daria uma

casa daquelas depois de afirmar com todas as letras que não queria

saber de mim ou de July.

E eu aqui, achando-me independente por ter onde ficar com

minha filha e agora descubro que ele roubou o imóvel e ainda teve a
cara de pau de deixar para July como se fosse dele.

— Você não merece isso. Ele não te merecia — digo,

observando minha filha dormir no berço com um sorrisinho angelical


no rosto. Ela nem imagina a confusão que sua mãe está metida.

Eu me sinto horrível e sei que a culpa não é minha. Se tem

algo pelo que não posso ser responsabilizada é a falta de caráter do

homem que me ajudou a fazê-la.

Sim, eu me recuso a chamá-lo de “pai” dela. Suspirando, vou

até a janela olhar lá fora. Acabou de escurecer, mas eu ainda sinto


como se tivesse parado no tempo desde o momento em que ele

entrou na sala e me viu suada, com aquela pequena roupa e

nenhum pouco preparada para vê-lo após anos.

Ver Lucian trouxe uma mistura de vergonha, nostalgia e

reflexões.
Nostalgia porque costumávamos conviver quando meu pai
era vivo. Reuniões de negócios que viravam jantares em

restaurantes que papai amava e gostava de levar seus convidados.

Festas de aniversários que sempre éramos convidados e

comemorações de casamento, chá de bebê e o que mais pudesse

virar uma desculpa para festa.

Meu pai amava reunir as pessoas queridas e passar bons

momentos juntos, isso é algo que puxei dele, por isso não vejo a

hora de criar conexões verdadeiras para que eu tenha a mesma


experiência.

Reflexão, porque me lembro da garota instável e louca que

eu aparentava ser, correndo atrás dele como se tivesse algum

sentido e como se ele fosse me dar atenção quando eu tinha onze

anos de idade.

E vergonha por saber que eu tinha depositado meu primeiro

amor — e aparentemente único até agora pelo que dizia o meu

coração só por vê-lo de novo — em um só homem que claramente


jamais me olharia.

Papai conheceu Lucian e sua família quando eu tinha onze

anos.
Quando eu o vi de terno, com aquele cabelo escuro penteado

para trás, com um sorriso lindo e dentes brancos e perfeitos, e olhos


azuis, eu fiquei encantada. Ele parecia um príncipe da Disney,

então, quando eu falei com ele após papai me apresentar e ele


abaixou até a minha altura para pegar minha mão e dar um beijo, eu
tive certeza de que nos casaríamos.

Lembro-me de muitas vezes no caminho para casa,


perguntar ao papai quanto tempo eu teria que esperar até que
Lucian me pedisse em casamento. Meu pai dava risada, é claro, não

colocava muita fé nas minhas divagações, mas com o passar dos


anos fui percebendo que aquelas divagações não eram só coisas de

criança. Quer dizer, era, mas eu não estava só encantada pelo


príncipe. Eu passei a me apaixonar pelo homem que Lucian era.
O homem que fazia caridade, que aparecia na televisão, o

homem que levava namoradas para casa abria a porta do carro para
elas. Que lhes entregava flores e terminava deixando-as chorando e

batendo em sua porta — como testemunhamos em um dos


aniversários que comemorávamos. Eu nunca me importei, sempre

as via como passatempo até que eu crescesse e tomasse meu lugar


de direito e destino ao lado dele.

Tudo nele me encantava.


E então, quando eu fiz quatorze anos parei com os

sorrisinhos, parei de andar de mãos dadas com ele quando


estávamos no mesmo evento e comecei a investir colocando saltos,

convenci minha mãe a me deixar usar vestidos sem flores e


desenhos demais, deixava meu cabelo solto e sem laços ou

presilhas, e até passava maquiagem quando meu pai não estava


olhando.

Jurava que assim Lucian ia olhar para mim como olhava para
as mulheres com quem namorava.

Doce ilusão.

Ele só se afastou na primeira vez e riu meio sem graça


quando eu me sentei ao lado dele e perguntei se queria tomar um

refrigerante comigo, mas depois, quando minhas tentativas


começaram a avançar para sentar em seu colo, ligar para seu

celular e mandar mensagens de bom dia, boa tarde e boa noite,


meu pai me chamou para conversar e disse que não era certo.
— Borboleta, um homem da idade de Lucian e em sua

posição poderia ser visto da forma errada se alguém visse as suas


atitudes.

Quando eu fiz quinze decidi esquecê-lo. Parei de ir às festas

por um tempo, parei de aceitar os convites de sua família e sempre


ficava em casa quando meus pais estavam com a família Santoro,
mas meu coração ficou tão partido quando ele nunca me procurou
para saber o que tinha acontecido.

Tenho vontade de rir só de lembrar.

É uma mistura de vergonha alheia, com constrangimento


absurdo e uma vontade de ligar para ele e pedir desculpa dizendo

que eu era completamente sem noção, mas o que ele diria se


soubesse que acabei de perceber que aquela garota ainda está em

mim, vendo-o após tantos anos?

Percebendo como meu coração bateu rápido, como eu suei


frio e minhas mãos tremeram.
— Eu ainda sinto tudo — sussurro para a noite que jamais

contaria o meu segredo.

Há um pouco de raiva, é claro, mas eu também queria


investir mais uma vez. Porém, o trauma de anos sendo dispensada

— com razão, é claro — me impede. Entre meus onze e dezesseis


anos eu o infernizei, não fiquei surpresa quando ele saiu do país,

mas foi horrível para mim. Eu chorei tanto, fiquei tão magoada e
deprimida que papai passou um mês fazendo todas as minhas
vontades, o que não foi certo, mas foi o jeito dele de me consolar.
Com o tempo eu pensei que aquilo tinha passado, mas
obviamente não. Como é que você espera superar um homem como
Lucian?

Ele é alto, forte e mesmo pelo terno dá pra ver que seus

músculos são grandes, que me abraçaria da forma perfeita. Sua


figura imponente tem uma energia que cerca e envolve todo o

ambiente, nenhuma mulher pode fugir dos encantos daqueles olhos


azuis.

O cabelo geralmente grande o suficiente para correr atrás de


sua orelha quando estava sem pentear, parecia uma pintura

perfeita. Talvez Picasso tenha tido um dedo em sua criação.

Sento-me na poltrona do quarto da minha filha, puxo sua


manta de ursinhos para o meu colo e olho a lua no céu. Se estou

vivendo em sua casa é apenas questão de tempo para que eu o

veja novamente, e como será quando isso acontecer? Eu

certamente não posso mais agir como uma adolescente errática de


dezesseis anos, e muito menos demonstrar ter raiva pelos meus

motivos que ele jamais saberia.

Ele não tem culpa do meu sentimento, eu era uma criança,


mesmo pensando que não.

Suspiro, estou exausta.


O que eu preciso é colocar minha lista de prioridades na

cabeça e não esquecer que no fim das contas, não sou mais apenas
eu. Há alguém que depende de mim, da minha total dedicação e

foco.

Sei que focando em July, meus estudos e meus sonhos, nada

tirará minha atenção, ainda que Lucian seja tentador, ainda que eu

vá sonhar com ele todos os dias.

— Droga! — Esfrego o rosto com as mãos e engulo o caroço


na garganta. Estou angustiada.

No entanto, seriam os sonhos mais lindos.

Que merda!
você está indisponível

eu sou insaciável

e depois do nosso primeiro beijo

escrevi seu nome no meu pulso

sim, fico um pouco obsessiva

um pouco agressiva, um pouco envolvida demais

e o que você quiser, quando quiser

daddy issues - demi lovato

LUCIAN

— O bom filho à casa retorna! — Philip me diz assim que me

sento na cadeira da nossa mesa.


— Pensei que levaria pelo menos uma semana até que você

começasse a tentar me levar para o mal caminho outra vez.


— Mau caminho? Não, não... eu estou recuperado disso. —

Ele ergue a mão esquerda, mostrando a aliança de ouro grossa. —


Esqueceu que sou um homem casado agora?

— Muito bem-casado pelo que vi. Sua esposa é muito bonita

e — faço uma pausa e ergo a sobrancelha —, bem jovem.

Philip sorri e ergue o ombro direito como se dissesse “eu não

dou a mínima” e ele não dá mesmo.

— Ela tem a idade adequada para mim.


— Certo, certo.

— Quem é que liga para idade hoje em dia?


— Eu ligo — digo, tomando um gole do martini que ele pediu

para mim. — Eles ainda não sabem como fazer essa bebida direito.

— Comprou terras na Itália na intenção de fazer um vinhedo


e de repente se tornou um especialista em bebida? — ele questiona

ironicamente.

— Você sabe que falo sério. É por isso que só bebo no meu

restaurante.

— O seu restaurante já está velho. Você deveria trocar as

toalhas de mesa.

— É clássico. Roma está desenhada nos detalhes.

Philip revira os olhos e finge dormir.


— É clássico demais. — Ele ri.

— Eu criei um contraste com a boate, nem todos que vão lá

querem beber até vomitar as tripas no banheiro ou encontrar alguém


para transar.

— Eu só ia nessa intenção.

— Pois é, e agora deveria levar a sua esposa para comer no

meu restaurante clássico e refinado. E muito bem recomendado

pelos chefs, devo lembrá-lo.

— Levá-la onde eu levava todos os encontros que eu tinha

antes? Você está sugerindo isso porque não conhece Ariana.

— Ela é brava?

— Ela é uma fera quando pensa que está certa.

— O que se tratando de você eu desconfio que seja sempre.

Philip ri.

— Na maioria das vezes.

Nós nos conhecemos no segundo ano da faculdade.

Jovens ricos, sem limites e pensando que a vida seria uma

eterna loucura. Ficamos amigos rápido, eu comecei meus negócios


e ele mudou de administração para medicina, o que diminuiu nosso

tempo, mas sempre que nos encontrávamos as festas viravam rave.


Eu estava fora do país quando soube no ano passado que se

casou e tinha um filho. Queria ter voltado para assistir à cerimônia,


mas estava apenas começando meus planos na Itália.

Philip acompanhou de perto e sabia o quão difícil tinha sido

abandonar tudo nos Estados Unidos e deixar nas mãos de terceiros,


mesmo tendo meu sócio. A sorte era que eu podia contar com ele

para lidar com a coisa mais importante que eu ainda tinha aqui.
— Como ele está? — pergunto. — Ainda não fui visitá-lo.

O rosto de Philip fica sério assim como o meu. Voltaremos às


brincadeiras depois, quando a comida chegar e eu estiver no meu

segundo drinque, mas ele sabe que minha ânsia para ter notícias do
meu pai é mais forte do que a curiosidade de colocar o papo em dia.

— Podemos dizer que foram meses tranquilos. Ele veio e foi,


e foram os momentos em que ele te ligou. No geral, estava sempre

bem ciente do que acontece ao redor, mas você sabe que tem os
momentos mais complicados.

— Os períodos de lucidez estão ficando mais curtos —


afirmo, sem precisar que ele diga as palavras.

Quando fui para a Itália recebia ligações pelo menos toda


semana, mas depois começou a vir o intervalo de duas a três e eu

desconfiei que algo estava desandando.


— Eu te mandei todos os relatórios por e-mail.

— Eu não quero essa porcaria de relatório por e-mail. Não

preciso dessa formalidade. Pedi para que você tratasse do meu pai,
particularmente mesmo que ele não estivesse internado no seu

hospital, porque você é uma das pessoas em que mais confio na


vida e o melhor neuro que conheço.

— Eu sei. O meu conselho médico agora é que deveríamos


mudá-lo para sua casa, você pode ter uma enfermeira vinte e quatro
horas e estar com ele quando estiver lúcido.

— Você me disse que a companhia que ele tem de outros

pacientes na clínica é boa para ele.


— Sim, mas ao mesmo tempo fico preocupado, porque ele

começa a apresentar momentos de violência. Quando isso


acontece, há risco de limitarem seu acesso ao espaço aberto com

outros pacientes.

Inferno.
A demência do meu pai o pegou cedo. Ele tinha apenas
cinquenta e um anos quando começou a delirar. O primeiro episódio

aconteceu e depois só tivemos o próximo após nove meses.


Naquela época eu estava ansioso para ter filhos e me casar, mas os

planos não foram como eu imaginei. Logo, toda a minha atenção


precisou começar a ser totalmente dele, minhas viagens planejadas
para quando ele estivesse bem, e minha vida toda mudada por sua
doença.

— O hotel não é uma boa ideia? — pergunto.

— Me preocupa a questão da rotatividade de pessoas. Se


isso começar a piorar sua condição.

— Você mesmo disse que o natural é que só piore. Quando

fala assim, eu quase me atrevo a ter esperança.


— Não tenha. — Philip nega com a cabeça, mas a tristeza

em seu olhar me diz que ele daria tudo para ter boas notícias. — Eu
não sou só o médico do seu pai, eu sou seu amigo e nunca vou
mentir pra você sobre isso. Não há cura para a doença, Lucian.

— E o que você sugere que eu faça?

— O leve para perto de você.

— Eu estou no hotel agora, não posso ficar com ele!


— E sua casa?

Eu desvio os olhos.

Pensar na minha casa me faz lembrar da nova moradora e


sua pequena companheira. Não é algo que eu queria, mas é

impossível esquecer e Philip percebe isso.

— O que está acontecendo?


— Eu não posso mandar ninguém para minha casa agora.

— Por que não?


— Há uma nova moradora lá.

— Uma nova moradora tipo namorada? — Seu tom incrédulo

me faz erguer a sobrancelha.


— A ideia é tão absurda?

— Sim — responde sem rodeios. — Neste momento, sim.

Não posso sequer culpá-lo por pensar desse jeito. Quando a


doença do meu pai ficou mais grave e eu vi sua mulher abandoná-lo

e ainda tentar arrancar dinheiro dele no divórcio, eu a paguei

milhões que não fariam falta e jurei que não estaria com mais

ninguém.

Meus planos de me casar com minha noiva na época foram

por água abaixo. Deixei Selena como se não tivéssemos passado

cinco anos juntos, como se ela não tivesse um casamento gigante


planejado em poucos meses.

— A filha de um amigo falecido precisa de ajuda nesse

momento. Ela tem um bebê.

— O filho é seu? — ele pergunta com olhos arregalados,

jogando amendoins na boca.

— É claro que não, porra.


— Bem, então se é a filha de um amigo suponho que ela

tenha dinheiro. Você não tem amigos pobres.

— Fale baixo, e não, eu não sei qual é a situação. Ela

provavelmente poderia pagar uma casa, mas eu não vou expulsar


uma mulher e um bebê de lá. Não sou cruel assim.

— O quê? — Philip se exalta, chamando atenção das

pessoas ao redor. — Uma mulher e um bebê? — Ele gargalha,

jogando a cabeça para trás. — Cara, você está ferrado! A última vez
que uma mulher e um bebê entraram na minha vida, eu arrumei isso

aqui — ele ergue a mão da aliança novamente —, e muita dor de

cabeça.

— Você gosta de mostrar essa aliança, não é?

Ele ajeita o terno.

— Sou um homem orgulhoso.


Dou risada.

— Eu estou louco pra conhecer sua esposa, nunca te


imaginaria casado.

— Pois é, nem eu, mas a Ariana é a Ariana.

— Isso é diferente. — Suspiro. — Essa garota é totalmente


fora dos limites.
— Só porque ela é filha do seu amigo? Ele já não faleceu?

Isso meio que dá uma aliviada no peso.

— Não, idiota, não dá uma aliviada no peso porque ela é pelo


menos vinte anos mais nova do que eu.

— Uau.

— Sim — concordo —, e a filha dela é filha do meu falecido


primo.

— Caralho, há muita morte entre vocês.

— Cale a boca, não fale merda.

Philip sorri.

— Bem, os mortos estão mortos. — Ele ergue seu copo. —


Bom descanso pra eles, mas acho que você tem que se preocupar

mais em como vai dar conta de uma menina de vinte anos do que

com o pai dela ou o pai da filha dela te assombrando.

— Não vai ter assombração nenhuma, porque eu não vou dar


conta de nada. — Philip não mudou. Pode ter se casado e ser pai,

mas ainda é o maior otário que conheço. — Ela sempre foi uma

criança pra mim e mesmo que não seja efetivamente neste


momento, ainda a vejo como a garotinha que corria com lacinhos na

cabeça e vestidos floridos pela casa da minha família.


— Ok — diz ele. — Vamos fingir que você não é o maior

transudo dessa cidade e vai passar a rola nela.

— Eu não pretendo — rosnei. — E não fale assim dela.

— Por que não?

— Porque faz parecer que ela é qualquer outra vagabunda

que eu pegaria numa esquina qualquer da cidade.

— Não é o que eu quero — ele ergue as mãos —, só estou

relembrando o fato de que você tem uma quantidade alta de


encontros — ele fala pausadamente, como se estivesse estudando

suas palavras antes de dizê-las.

— Não termine, Philip, apenas não termine.

Ele ri.

— Um brinde a nós, às mulheres e aos bebês que aparecem


misteriosamente em nossas vidas.

— Isso não é motivo para um brinde, eu mal vou vê-la.

— Certo, é claro — diz, desacreditado.


— Você vai esperar para ver. Quer apostar?

Philip bufou.

— Não vou apostar porque vou ganhar e se eu for contar

todas as apostas que ganhei de você e nunca vi o dinheiro eu ficaria

rico.
— Você já é rico.

— Eu ficaria mais rico do que já sou.

Eu me inclino para a frente.

— Vamos fazer o seguinte, colocarei no fundo fiduciário do

seu filho.

— Ariana vai te amar se fizer isso.

— Ela me amaria de qualquer jeito. Quando vou conhecê-la,

falando nisso?

— Daremos uma festa em breve.

— Qual a comemoração?

Ele encolhe os ombros.

— Nenhuma, ela só gosta de dar festas.

Dou risada.

— Você realmente encontrou sua outra metade.

Philip voltou a falar do meu pai quando o garçom veio e

pegou nossos pedidos, atualizando-me de sua condição e prometeu

estudar alternativas para que eu conseguisse ficar perto dele,


presente em seus momentos de lucidez sem prejudicar sua

qualidade de vida e tratando.

— E o vinhedo? — pergunta. — Conte-me como está indo.


— Sim. — Recosto-me na cadeira, obrigando-me a relaxar

um pouco e agradeço por termos ido para um tópico que eu me


sinto bem em falar.

Minha vida profissional sempre foi fácil, o meu problema é

quando se envolvem assuntos do coração ou da cabeça, como é o


caso de Nora na minha casa com sua filha.

Passo as mãos pelos cabelos e me forço a empurrá-la fora

da minha mente, então, começo a atualizar Philip sobre o vinhedo


que comprei na Itália.
NORA

— Quer ir lá pra casa depois da aula? — pergunto a Kim,

minha melhor amiga, desde que eu me lembrava de começar a ter


uma vida social.
— Claro, o que vai ter pra comer?

— O que a gente pedir. — Dou risada. — Te amo, mas não

vou cozinhar pra você.


— Novidade. Você não cozinha nem pra sua filha, não estou

surpresa.

— Ela sabe que eu faço o meu melhor com todo o resto, mas
cozinhar não é meu forte.

— Assim como limpeza e todo o resto das questões

domésticas. — Ela dá risada. — Você definitivamente não nasceu


para ser dona de casa.

— Eu posso ser dona de casa e ter uma ajuda. Uma

governanta, babá e coisas assim.


— Tenha uma governanta que também é babá. Os melhores

tipos de crianças são as que têm babás, pelo menos crianças ricas
como a sua filha.

— Como assim? O que tem a ver?

Ela termina de mastigar o último pedaço do Snickers e vira-se

para mim.

— Pais de crianças ricas mimam os filhos até dizer chega,

mas vem o equilíbrio de uma babá, uma pessoa de fora que


geralmente é mais humilde e não precisa ter medo de ser a bruxa

na visão das crianças. Mostram que o dinheiro dos pais não pode

definir quem elas são.


— Eu não tive uma babá.

— Eu tive, e sério, você conhece a minha mãe. Eu seria uma

garota estilo Gossip Girl se não tivesse tido Florence para me criar

desde os meus três anos de idade. Ela só foi embora quando fiz

dezesseis, mas ainda me ligava e a gente conversava pelas redes

sociais quase diariamente. Ela fez questão de me lembrar das

coisas valiosas.
Eu reflito em sua análise e realmente faz sentido.

— Não acho que eu teria aprendido lições de humildade e

simplicidade em casa enquanto minha mãe me levava para suas


compras extravagantes no shopping horas depois.

Kimberly ri.

— Realmente foi sorte você não ter crescido uma vadia


arrogante e insuportável, talvez tenha sido a minha influência.

Eu caio na risada.

Fechamos nossos notebooks assim que a aula é encerrada.

A faculdade é minha maior realização, não sei o que seria de mim

se eu não tivesse conseguido entrar.

Todos os meus sonhos estão seguindo conforme os planos. E

assim como eu desejava, Kim está ao meu lado.

Papai sempre quis que eu fosse médica ou advogada e

quando eu disse a ele meses antes de falecer que queria conversar


e revelei que não seguiria a profissão que ele sonhava para mim,

ele ficou chocado, mas me apoiou em tudo imediatamente. Eu

queria fazer moda, sempre amei montar meus looks e dividir com as

pessoas o quanto era importante cada peça e o quanto um simples

vestido ou uma saia bem colocada faziam diferença.

Um conjunto e uma bolsa que se completam podem melhorar

não só o dia de alguém, mas toda a autoestima. Uma mulher que se

veste bem, se olha no espelho e sente-se bonita, automaticamente


tem vontade de sair na rua e mostrar ao mundo como está realizada
e como está se sentindo linda. Ela quer que as pessoas vejam sua

felicidade.

Isso sempre me cativou.


Quando minha mãe perdeu o papai, seu companheiro de

vida, o que lhe restou foram as compras que ela fazia. Seu closet de
metros e metros quadrados cheios de roupas que nunca tinha usado

antes, seus sapatos exclusivos e bolsas de grife. Ela se escondeu


atrás de suas roupas, fez com que as pessoas notassem os tecidos
e o tamanho de seu salto ao invés de falarem se suas olheiras após

noites de choro.

Cada dia um novo penteado, um estilo de maquiagem


diferente, uma calça exclusiva ou um conjunto que ela comprou há

anos de uma grife iniciante, escolheu usar e recebeu convites para ir


a desfiles dessas grifes, saiu em matérias de revistas falando sobre

a importância da mulher que se empondera e se permite viver


mesmo após uma grande dor.
É claro que ela não gosta de ser vitimizada por não ter mais o

meu pai ao seu lado, mas eu sei que ela fica orgulhosa quando as
pessoas reconhecem que ela sempre foi muito mais do que a

esposa de Steven Baldwin.

E ele está ainda mais orgulhoso dela.


Por isso e mais razões, sim, eu tenho um amor louco por

moda e não vejo a hora de poder começar a estagiar com grandes


nomes, depois trabalhar em meus próprios desfiles e meus próprios

projetos.

Já me vejo criando linhas de grande impacto, dividindo com


meus seguidores no Instagram e começando a distribuir minha arte

pelo mundo.
Eu amava passar o dia fotografando em casa, parando
apenas para cuidar de July. Planejava pelo menos dez looks

diferentes, experimentava e fazia closet para deixar nos destaques


do perfil.

As pessoas sabem que é a minha maior paixão.

— Você acha que o gostosão vai mudar de ideia e te tirar da


casa dele?

Uma semana atrás eu tinha encontrado com ele e achei que

era uma boa ideia ligar para a minha melhor amiga e contar a ela.
Agora, toda vez que ela toca no assunto eu me arrependo, mas se
alguém tinha que saber a confusão em que eu estava metida era

Kimberly, afinal, ela é a pessoa perfeita para me dizer se eu deveria


sair ou ficar na casa, como se ele nunca tivesse aparecido já que

ele disse que não nos veríamos mais.


Só que o conselho de Kim foi tudo que eu não esperava.

— Você deveria voltar para suas sessões de depilação a


laser, deve assistir vídeos de especialistas sexuais para se lembrar
como conquistar um homem como ele na cama e fazê-lo

enlouquecer a ponto de esquecer que te conhece desde que era


uma catarrenta e o perseguia feito louca. Eu juro, uma foda bem

dada cura tudo.


Eu a chamei de louca e mandei calar a boca na ocasião, é

claro. Eu não tinha planos de me casar e muito menos com Lucian.

A ideia é ridícula só de pensar.


Sem falar que ele tinha ainda menos intenções de se casar
comigo. Ou trepar.

— Nós não vamos ver Lucian hoje ou em qualquer outro dia.

— Ah não — protesta —, mas ele é o maior gostoso! Nora,


juro que se você não for atrás desse homem, eu vou.

— Então pode ir. — Dizer isso me dá um friozinho na espinha

que eu não esperava, mas sei que é apenas ciúme infantil. Eu tenho
meu orgulho e depois de ser chutada tantas vezes e ainda

conseguir uma gravidez — não que seja culpa dele, no entanto, a


circunstância em que aconteceu meio que foi — me deixa certa de
que não vou me humilhar para Lucian novamente.
— Ei, você está pensando naquilo de novo?

— Não estou.
— Estava sim, conheço seu rosto e essa expressão é a
mesma toda vez que você para pra pensar naquele desgraçado.

— Não fale assim dos mortos — a repreendo. Ainda que eu


não pretenda fazer de Cassian um herói para July, não quero que
ela cresça ouvindo tantas coisas ruins sobre ele.

— Eu não tenho medo dos mortos, tenho medo dos vivos.

Estou feliz que Cassian não esteja mais aqui. O gostoso já sabe o
que ele fez?

— O nome dele é Lucian. — Reviro os olhos. — E ele não fez

nada.
— Você estava bêbada e triste por causa...

— Kimberly — a interrompo. — Eu não quero falar sobre isso.

— Certo. — Ela ergue as mãos em rendição, mesmo que a


contragosto.

Nós passamos pelo ginásio, vendo a equipe de torcida saindo


de um treino e o time de futebol entrando na quadra e

cumprimentamos algumas pessoas.

— Estranhei não te ver no treino hoje, Nora — uma das

garotas, Elly, me diz.


— Eu tinha trabalhos atrasados do senhor Dunkin.

— Nossa, é bom não atrasar a matéria dele. Da última vez eu

levei bomba por isso.

— Estou fugindo disso. — Dou um sorriso brilhante como se


tudo estivesse sob controle. — Nos vemos por aí.

— O treino está de pé sábado na sua casa?

— É claro, só preciso que levem o rádio já que o meu ficou


na casa da Kim e ela se recusa a me deixar levar embora.

Eu me preparo para continuar seguindo meu caminho e voltar

para casa para ver July quando Elly se vai, mas Kimberly segura
meu braço.

— Olha só aquele gostoso se alongando.

Reviro os olhos, já sabendo de quem ela está falando antes


mesmo de olhar.

— Você devia ir falar com aquele homem gostoso, se acha

ele tão gostoso assim.

— Eu acho todo homem gostoso, eles são gostosos no geral.

— Não, são não — rebato rindo.

— São sim, até um feio consegue ser gostoso caso se


esforce do jeito certo.

— De onde você tira isso?


— Eu tô falando sério! Não preciso de muito pra um cara me

deixar com o beicinho no pé.

Cuspindo minha água, encosto na grade e me recupero do


engasgo enquanto ela ri.

— Como é que você ainda não esqueceu esse negócio de

beicinho pé?

— Ninguém mandou você dizer na minha frente, mas Nora, é

verdade! Sabe quando você tem tanto tesão que fica toda esticada

ou quando o cara te alarga tanto que os beicinhos da vagina ficam


parecendo uma boca com preenchimento labial exagerado? — Ela

gesticula com as mãos cada palavra.

— Kimberly, sério!

— É assim que me sinto. Como se os meus beicinhos

estivessem totalmente preenchidos e eu juro eu deixaria o Travis

preencher meus beicinhos até eles estarem esticados até o pé.


Travis, é o capitão do time de futebol, e ele só escapou dela

até agora porque Kim gosta de provocar os garotos da faculdade ao

invés de ir atrás deles. Ela ama homens mais velhos, algo que

temos em comum.

É muito louco que Kimberly seja a filha de um pastor, quando

ela consegue dizer todas as coisas mais absurdas. Eu falei meu


primeiro palavrão com ela, vi o primeiro filme pornô com ela,

pesquisei fotos de homens nus pela primeira vez em seu celular,


porque ela era rebelde o suficiente para arriscar que seus pais

vissem o tipo de conteúdo que ela explorava na internet.

Hoje, morando sozinha e evitando qualquer relacionamento


sério, Kimberly vê a vida como se não houvesse amanhã. Seus

olhos castanhos, a pele escura e o cabelo que ela gosta de revezar

entre liso, cacheado ou tranças fazem dela uma das meninas mais
bonitas da faculdade. Não foi à toa que ela foi a rainha do baile da

nossa escola.

Muitas pessoas pensaram que aquilo teria sido o fim da

nossa amizade já que eu era a capitã das líderes de torcida e ela


era a minha vice, mas, na verdade, só nos aproximou mais,

mostrando que tanto eu, quanto ela podíamos dividir um topo.

— Você acha que Travis ficaria excitado com as coisas que

eu digo?

— Por que nós não fazemos um teste? — pergunto

sarcasticamente.

— Eu não posso, ele está totalmente na sua.

— Não está, isso é viagem sua.


— Nora, só você parece não ver os caras que babam por

você.

— Olha quem fala!


— Eu sei que sou gostosa e tem muitos caras que olham pra

mim como se eu fosse a última bolacha do pacote, porque em

alguns casos eu realmente sou, mas Travis está totalmente na sua.

Você nem precisaria abrir as pernas para que ele te pedisse em


casamento. Sério, se você não quer o gostoso do Lucian, fica com o

novinho atleta. Ele é bonito e rico.

— Eu também sou bonita e rica — digo com pouco caso.

— Mas ele é o cara mais gostoso da faculdade. Isso também

não faz diferença?

Paro em frente à porta do meu carro e a fito com a mão sobre

os olhos, tentando ver melhor com o sol escaldante.

— Isso teria importado se eu fosse a Nora de um ano atrás,

cujo tudo o que importava era status, mas agora, com July e meu
foco na carreira? O dinheiro e o fato de Travis ser gostoso ou não,

não preenche nem mesmo 2 dos infinitos requisitos que eu busco

em um cara.

— Exigente — ela bate palmas.


— Só porque eu posso ser. — Mando um beijo por cima do

ombro, rindo.

Entramos no carro, ela liga o som e partimos para a minha

casa.

— Sua filha é a criança mais fofa que eu já vi na vida e, ainda

assim, não tenho vontade de ter filhos quando estou com ela. Se
nem July pode me curar, como é que eu vou viver o sonho da

família tradicional e dar orgulho ao meu pai-pastor-louco-religioso,

se meu útero não coça por um bebê?

Começo a rir enquanto alcanço minha filha e tiro minha bota

de seu pé — que ela tenta calçar sempre que vê pela casa.

— Você não está ansiosa para uma família tradicional e nem


faz questão de ter uma. Na verdade, eu acho que você não faria

isso de propósito só pra irritar seu pai.

Ela para de mexer a panela por dois segundos para piscar


para mim, dar um sorriso e dizer:

— Você me conhece tão bem! Quando eu morrer, o meu

telão vai ser o mais bem preparado da minha remessa.


— Da sua o quê?

— Remessa de mortos. A galera que vai subir comigo

sedentos para passar pelos portões do paraíso ou descer para o


inferno.

— Eu tenho certeza de que para você ir pro inferno precisaria

de muito mais do que achar uns caras gostosos e falar do seu

beicinho do pé.

— Ou desobedecer ao meu pai?

— Sim.

— Tem razão — ela fez uma cara de pensativa —, talvez o

meu pai vá para o inferno e eu seja salva, vai saber se Deus não é

doido igual a gente.


July ri e nos observa como se fôssemos seu show particular.

— Você acha que tem alguma chance da minha filha ter sido

trocada na maternidade? — pergunto de repente.


Kimberly me olha por cima do ombro.

— Não começa com essa merda de novo.


— Eu juro! Tem horas que eu olho pra ela e fico confusa, é

como se eu estivesse levando o meu cachorro no pet shop, ele


fosse um Golden e quando eu estivesse lá para buscar me dessem
um cachorro diferente. Eu nunca saberia diferenciar um Golden. Eu
sei que ela é a minha cara, mas é uma reflexão válida, como é que
as enfermeiras reconheceriam o meu bebê que nasceu com
exatamente a mesma carinha de joelho de outros dez?

— Porque sua filha não é um Golden e você não a pegou no


pet shop. Sua bebê é uma criança que foi muito bem identificada no

hospital.
— Mas e se...

— Cala a porra da boca — Kim me interrompe, parando para


experimentar o molho. — Ela é sua e pronto. Ela é uma mini você.

— Você tem que admitir que o raciocínio faz sentido.

— Não faz, mas você está passando por um processo de

preparação para ser muito bem fodida pelo maior gostoso dessa
cidade, então eu perdoo esses devaneios. Entretanto — me aponta
a colher de pau —, fique longe de drogas, você sabe onde isso

levou o desgraçado do pai da sua filha.


Dei risada, afastando-a para experimentar a comida também.

— Meu Deus, que delícia!


— Eu sei. Ei, como você acha que estamos indo nos treinos?

— Muito bem, temos uma grande chance de vencer as


classificatórias para o campeonato nacional — respondi enquanto
nós duas comíamos, e eu ajudava July a comer seus pequenos
pedaços de legumes e purê amassado.

— Eu senti que o time parece desconexo.


— É claro que parece, estamos na temporada de festas na

faculdade. A pior coisa que fizeram foi marcar o campeonato para


daqui a poucos meses. O pessoal não sabe se treina para valer ou
desmarca para ir às festividades.

Além da Scorpion ser uma das melhores universidades dos


Estados Unidos, ela é também cobiçada pelos jovens pela

capacidade social. Quem souber fazer contatos e se tornar popular


durante a graduação, levará a fama para a vida. Os garotos podem

ser vistos por olheiros de vários esportes — é claro que o mais


cobiçado é futebol americano —, mas também há quem almeja
conseguir chamar atenção de clubes de tênis, basquete e

companhias de dança.
Mesmo sendo a capitã do time de torcida, eu não sonho com
isso. Um estágio ao lado de Donatella, Audrey Hepburn ou no

Império da Prada me faria mais do que feliz.

Chegamos à temporada onde cada grupo de cursos está

organizando algo diferente. Teremos os jogos universitários em


breve e também o primeiro campeonato que participaremos com
potencial para uma competição a nível nacional de cheerleaders.

— Isso me faz lembrar de quando estávamos na escola e

qualquer coisa que ameaçava interferir nos nossos ensaios virava


um grande circo para ser resolvido.
— Sim, lembra disso? Eu passava noites em claro como se

fosse o fim do mundo, mas agora é diferente. Minha mãe estudou


na Scorpion, o chefe de estado do país se formou lá. Eu quero ter
meu nome nos registros de quem foi a capitã responsável por levar

a universidade ao grupo de vencedores das nacionais.

— Nós não vamos passar vergonha, amiga, fica tranquila.

Além do mais, eu já disse você vai encontrar inspiração para que


nossa coreografia seja inesquecível quando o gostoso te der uma
surra de sexo.

Reviro os olhos.

— Ele não vai fazer isso.


— Qual é o grande problema? Ele se foi você quando você
era menor de idade, mas agora voltou e você é maior. Vá atrás dele!

— Eu não quero ir atrás dele, Kim, você não sabe como era
humilhante ficar correndo atrás de Lucian quando eu era criança.
— Eu sei sim — diz de boca cheia. — Eu estava perto. Só

que como você mesma diz, era só uma criança, mas agora já é uma
adulta linda e mãe de uma garotinha perfeita. Lucian não tem mais
como te ver com olhos de quem olha para uma criança, ele tem que

reconhecer que você cresceu, se não consegue fazer isso ele é um


idiota.

— Eu prefiro esperar que ele reconheça sozinho se tiver que


reconhecer, de verdade, eu preciso cuidar da minha filha. Preciso

pensar apenas em me formar, construir minha carreira, criar


conteúdo para o meu blog e orgulhar meu pai. — Balanço a cabeça.
— Ganhar a atenção dele é a última das minhas preocupações.

Eu falo a verdade. Ele é sim um grande gostoso como Kim


diz, mas eu tenho que pensar em mim primeiro.

— Você sabe que ele acabou se tornando um dos homens


mais poderosos da cidade, né?
— Eu sei — suspiro —, parece que todo lugar que eu vou,

escuto o nome dele.

— Isso é porque ele é o dono do Quivira, todo mundo ama


aquele lugar.
— Eu sei — repito.
— Nós deveríamos ir! — Kimberly grita, assustando-me com
olhos arregalados e fazendo July pular na cadeira gargalhando.

— Ficou maluca? De jeito nenhum!


— É sério! Se você aparecer lá bem arrumada ele vai te olhar
e não conseguirá resistir.

— Kimberly...

— Eu já disse que você não precisa fazer nada, só tem que


se produzir estonteantemente e deixar que ele te veja. Vai por mim,
nenhum homem resiste a uma mulher bem arrumada que sai para

uma noite de diversão com a melhor amiga.

Dou água para July, limpo sua boquinha e beijo o queixinho

gordinho e cruzo os braços, voltando minha atenção à minha melhor


amiga maluca.
— E você sabe disso baseada em toda sua experiência com

namorados? — pergunto com cinismo. Ela não tem e nunca teve um


namorado, assim como eu.

— Não. Estou falando isso baseado na minha experiência de


como eu seduzi todo homem que já desejei, incluindo o marido da

minha tia quando ele era muito apaixonado por ela.


— Ai — fecho os olhos —, não me lembre dessa história, eu
ainda fico horrorizada com você por isso.
— Amiga, eu nunca nego os meus desejos.

Inclino-me para a frente, estreitando os olhos.


— Então, por achar Lucian o maior gostoso da cidade, você
se deixaria levar pelo seu desejo e o seduziria mesmo sabendo o

que eu costumava sentir?

— O que você ainda sente — ela diz num tom de quem está

me corrigindo, convencida de que eu ainda sou apaixonada pelo


homem. — E sobre o marido da minha tia, você sabe que ela

sempre foi uma megera comigo e eu usei o marido dela para me


vingar. É óbvio que eu não faria a mesma coisa com você. Lucian é
todo seu e se depender de mim ele vai ser ainda mais seu quando

perceber o mulherão que você virou. — Ela me dá um tapa na


bunda quando nos levantamos a fim de deixar as louças na pia.
— Bem — digo, ignorando tudo o que disse. Eu

simplesmente não posso mais falar sobre ele. — Eu não vou me


arrumar e muito menos irei atrás dele em sua casa noturna. Tenho
trabalhos da faculdade para entregar e se sobrar um tempo, quem

sabe eu me arrumo para quando ele decidir vir me expulsar de sua


casa.

Minha filha empurra o prato da mesa e faz uma careta de que


logo começaria a chorar.
— Viu — fala ela, apontando-a —, até July está cansada
desse seu papo furado.

— Ela está, na verdade, concordando comigo.

Nós subimos as escadas até o meu quarto juntas, July em


seu colo cantarolando. Espero que ela deite minha filha na cama
antes de tirar sua calça suja após ter corrido para o jardim — logo

depois que eu dei o último banho do dia. Pego uma fralda, seu
lencinho e uma nova peça de roupa.

— No fim, a única coisa que realmente importa é que você


entre logo num curso de cozinha — Kimberly diz, amenizando o
clima. — Sua filha não pode ficar dependendo da comida dos

outros.
— Ela não depende disso. Eu sei fazer seu leite.

Kim está segurando o riso enquanto me observa lutar com a


fralda.

— Claro, e você troca pelo menos duas fraldas até acertar a


posição certa.

— O que você quer que eu faça, Kim? Eu ainda estava


aprendendo a montar os meus looks quando ela nasceu.

— Quero que você entenda que Lucian Santoro é a solução


para seus problemas. Ele vai cozinhar para July enquanto você
treina e quando você terminar o treino, vocês vão jantar juntos. O

casamento vai vir em breve e os bebês logo depois.

— Sua função como minha melhor amiga seria me advertir


sobre os perigos de querer me envolver com um homem mais velho,
que já foi noivo e sempre me esnobou.

— Idade não é documento, as bocas falam por aí, Lucian vai


dar conta de você em todos os sentidos. — Ela ri, balançando um
urso em cima do rosto de July para distraí-la. — Ele foi noivo, mas

não casou e vocês são o meu shipper supremo.

— Isso não é culpa minha.

Eu fico em silêncio enquanto ela continua falando sobre ele.


Tento fechar meus ouvidos, porque sei que ela não fala para forçar a
barra, mas sim para mostrar que me apoiaria mesmo se eu quisesse

fazer a loucura de ir atrás dele.

— Tento não pensar nele, mesmo que seja quase impossível,


justamente para que as coisas que eu sentia quando criança não
voltem ainda mais intensas, mas você está tornando isso muito

difícil, Kim, não quero mais que fale de Lucian para mim.
— Por que não? A maior parte das coisas que digo é só para
te importunar.
— Eu estou só me recuperando de perder o meu pai, não é o
momento de começar a sofrer por outro homem quando eu sei que
o desfecho será triste para mim mais uma vez.

Ela ergue as mãos em rendição e pega a fralda limpa da


minha mão, empurrando-me delicadamente.

— Tudo bem, tudo bem. Não falo mais sobre isso, pelo
menos não até o final da semana.

— Por que até o final da semana?


— Só pra te dar um descanso — ela ri —, mas eu ainda não

deixei essa história passar. Agora me deixe trocar a fralda da minha


afilhada antes que ela aprenda a correr e fuja de você e das suas
habilidades.

— Eu sou uma boa mãe. — Cruzo os braços, observando

como ela troca July com facilidade.


— É claro que é. — Kimberley enrola a fralda com cocô e
joga na minha cabeça. — Só precisa aprimorar seus dons.
não há ninguém como você

eu tentei dizer adeus centenas de vezes

nenhuma delas foi verdadeira

ninguém como você

eu estou gritando que não te quero

mas você sabe que eu quero

nobody like you - little mix

NORA

11 anos de idade

Quando papai me tirou da minha brincadeira com Mônica e


mandou que eu fosse tomar banho, eu não gostei. Eu não gostava

das festas chatas e de suas amigas e amigos que ficavam


apertando minha bochecha como se eu fosse uma criancinha, mas

papai disse que eu precisava ir, pois essa festa era diferente.

Eu insisti em saber qual a diferença e só parei quando ele


finalmente cedeu.

— Você vai conhecer alguns dos meus amigos e de mamãe,

essa festa não tem a ver com trabalho.

Pude sentir meus olhos brilharem em empolgação, será que

teriam crianças? Eu não costumava conhecer crianças fora da


escola.

— Sério, papai? — perguntei animada. — Vão ter crianças

para brincar?

— Sim, borboleta.
Mônica colocou em mim meu vestido rosa de borboletas,

minha tiara de borboletas e meu tênis branco, ela sempre me

deixava olhar no espelho e decidir se eu gostava ou queria trocar.

— Gostei! Estou linda.

Ela riu, e então nós descemos até a sala para esperar

mamãe e papai.

Quando eles desceram, pareciam um casal de filmes. Ela

com um vestido preto e de salto e ele com um terno todo bonitão e

elegante. Eu amava meus pais, amava o jeito como eles se olhavam


e como se amavam. Ao anoitecer, eu rezava antes de dormir
pedindo ao papai do céu que todas as crianças tivessem pais que

se amassem como eu tinha, talvez por isso eu fosse tão feliz e

tivesse tantos brinquedos, então desejava o mesmo para outras

crianças.

— Você está linda, minha borboleta.

— Acha que as crianças da festa vão querer ser minhas

amigas?

— É claro que sim, minha filha. Mesmo se você fosse de

pijama todos iam querer ser seus amigos. Papai não diz sempre o

quanto você é legal?


— Sim — encolhi os ombros —, mas o papai é meu pai.

Eles deram risada, pegaram a minha mão um de cada lado e

seguimos até o carro.

— Mas mesmo sendo seu pai, não minto para você.

— Mônica vai dormir em casa hoje? — eu perguntei quando

entramos e mamãe colocou o cinto em mim no banco de trás.

— Vai.

— Então quando a gente voltar vou poder contar para ela

como foi a festa, né?

— É claro que sim, meu amor — disse mamãe.


— Legal.

Eles foram conversando durante todo o caminho, enquanto

eu cantava uma música do meu desenho favorito. Eu não conseguia


ver muito do lado de fora, mas meu coração estava feliz e animado

em fazer novas amizades. Eu gostava de festas, só não gostava de


ir quando era apenas os amigos do trabalho de papai e eles só

falavam de coisas chatas. Não tinha música e nem comida para


mim. Eu gostava das festas que mamãe me deixava tomar
refrigerante e correr descalça.

Quando eu desci do carro, papai me ajudou e eu ajeitei meu


vestido e a tiara na cabeça.

— Eu tô linda? — indaguei a ele.

— Você é a menina mais linda da festa. É a minha garota.

— E a mamãe?
— A mamãe é a mulher mais linda da festa.

— Ela também é a sua garota, não é?

— É claro que é, vocês duas são as minhas garotas.

— Só nós duas, né, papai?


— Ah — mamãe bateu a bolsa de brincadeira em seu ombro

—, eu acho muito bom que seja.


Ele riu e ela o beliscou quando passou por ele para pegar

minha mão e me levar para a casa. Era bem grande e a porta


estava aberta.

Eu conseguia ouvir música, ver carros chegando e pessoas

conversando do lado de fora. Segui em silêncio atrás deles,


escutando quando conversavam coisas que eu não entendia. Ao

chegarmos à porta, um menino apareceu e cumprimentou meu pai.


Ele era alto, mas devia ter a minha idade, e atrás dele avistei uma
garota loira.

Eles não tinham cara de quem iam querer brincar comigo e


eu também não queria brincar com eles, deviam ser chatos os

quase adultos. Quase adultos eram sempre muito chatos.

Mas então, quando nós entramos e uma família se


aproximou... isso aconteceu.

Eu me apaixonei.

Mamãe já tinha me contado como se apaixonou pelo meu


pai, o que sentiu quando o viu pela primeira vez e eu sabia que as
borboletinhas estavam gritando com as outras dentro da minha

barriga, pois eu senti cócegas estranhas e muita vontade de correr


até ele e dizer meu nome.
Puxei a barra do terno do meu pai, mas ele estava ocupado
falando com um homem mais velho.

O rapaz — adulto de verdade — que tinha toda a minha


atenção, cumprimentou mamãe, apertou a mão de papai, e então,

olhou para mim.


Noooooossa.

Ele sorriu um sorriso tão lindo que me fez esquecer Anthony,

o garoto da escola que gostava de pegar na minha mão, no recreio.


Ele me fez esquecer Brad Pitt, o ator de TV que parecia um

super-herói.

Ele me fez esquecer que eu prometi ao papai que ele seria o


único homem na minha vida para sempre.
Papai falava e falava com aquela família, assim como

mamãe. Todos os adultos me cumprimentaram sem apertar minha


bochecha — o que foi muito importante para mim, mas eu não

prestei atenção. Nem me lembrava dos nomes que falaram, mas


quando chegou a vez dele, eu sabia que me lembraria para sempre.

Ele abaixou até a minha altura e me estendeu a mão.

— Olá, eu sou o Lucian, seu pai fala muito de você.

Eu olhei para o papai e quando ele deu um tapinha em meu


ombro, foi o meu sinal de que podia falar com ele.
Com o meu verdadeiro amor.

O meu príncipe encantado.


Eu encostei minha mão na sua e ele deu um beijo como eu
via nos filmes de romance que mamãe assistia.

— Você é um príncipe.
As risadas dos adultos e dos quase adultos me incomodaram
e Lucian viu, pois ao soltar minha mão, ele se aproximou e falou

baixinho:

— Não ligue para eles. Eu não sou um príncipe, mas você

com certeza é uma princesa.

Ele piscou para mim e se levantou, saindo ao lado do meu

pai. Eu dei dois passos para segui-los e ir atrás do meu príncipe,


mas mamãe pegou minha mão e me levou junto com ela para onde

tinha outras mulheres. Eu não queria isso, eu queria ir com meu pai

e ouvi-lo falar de trabalho com seu amigo — o meu príncipe —, mas


não pareceu possível naquela noite.

Quando fui embora, falei para mamãe que tinha encontrado o

meu verdadeiro amor como ela encontrou papai e quando ela riu, eu
soube que não podia contar para os adultos a minha descoberta,

então eu não contei para Mônica também.


Naquela noite, enquanto eu esperava sonhar com ele, com

seus olhos azuis de desenho e sorriso gentil, Mônica me colocou na


cama perguntando com quantas crianças fiz amizade.

Só naquela hora eu me lembrei que não tinham crianças na


festa, mas não tinha problema.

Eu gostei muito mais de ter conhecido o meu príncipe do que

crianças para brincar.


aonde quer que você vagueie, eu te seguirei

estou implorando para você pegar minha mão

arruinar meus planos, esse é meu homem

como se você fosse uma criatura mítica

como se você fosse um troféu ou um anel de campeão

e tinha um prêmio que eu trapacearia para ganhar

willow - taylor swift

LUCIAN

Tudo que poderia dar errado no dia de hoje deu.


E quando pensei que poderia ajustar as coisas, mais merdas

explodiram.

Meu hotel está em plena temporada de festas, portanto, lotou

e quando a minha suíte presidencial teve problemas com o contato


das tomadas, impossibilitando-me de carregar o celular, notebook,
de ligar a televisão ou o rádio e até mesmo o ar-condicionado, eu

não podia ficar lá.

Quando fui até a recepção para conseguir outro quarto, fui


informado de que todo o andar havia sido comprometido.

— Eu não me importo de ficar uma semana em um andar

abaixo — eu disse a Scarlet, uma das recepcionistas mais antigas.

— Me dê a chave de um quarto comum.

— O hotel está lotado, senhor. É temporada de festas, surf e


festivais de música na cidade.

Sua voz trêmula e as duas recepcionistas um pouco atrás

dela fingindo prestar atenção na tela dos computadores me passou


a mensagem — houve uma discussão para decidir quem me daria a

notícia.

Um claro sinal de que o mundo não está girando a meu favor.

— Chame o engenheiro elétrico da folha de pagamento com

urgência, quero meu hotel em pleno funcionamento. — Não lhe dou

tempo para responder e saio, levando apenas a mala que contém

itens necessários.

Sexta-feira.
Sem lugar para morar.
Sem quarto disponível no meu hotel e sem tempo para
burocracias.

Ou eu fico de favor na casa de alguém — o que eu detesto —


ou vou para outro hotel, o que faria com que no dia seguinte meu

rosto estampasse jornais colocando a credibilidade do meu Quivira

em jogo.

“Magnata do hotel mais badalado de Los Angeles se hospeda

no concorrente”, eu já posso imaginar essa manchete e uma foto

minha embaixo que algum paparazzi tiraria. Por isso, vinte minutos
depois eu me encontro na entrada da minha casa, segurando uma

mala na mão e a maçaneta na outra. O que vou encontrar quando

abrir essa porta?

Já sei que ela está ali dentro com sua filha, mas o resto disso

é um grande mistério. Eu não conheço essa garota. Conhecia a

criança que me azucrinava quando nos encontrávamos, mas a

mulher que conversou comigo de forma séria, sem me dar nenhum

olhar apaixonado e sem falar sobre como eu era seu príncipe e nos
casaríamos um dia... essa é uma incerteza para mim. Um

verdadeiro mistério.

Quem Nora se tornou? Eu não sei, mas sei que se seguir por

um caminho de curiosidade para descobrir, acabarei me


arrependendo. Eu não sou homem de compromissos e ela já foi

abandonada por Cassian, não merece passar por isso de novo.

É claro que ela sabe da história de que eu abandonei a minha


noiva quase no altar e isso não agrega pontos a meu favor, talvez os

anos tenham feito Nora se desiludir do que achava que teria comigo.
Talvez ela só tenha crescido e percebido que tudo não

passou de uma brincadeira de criança. Pelo menos é o que eu


espero, para o seu bem.

Eu não sou conhecido por me controlar, metade das minhas


funcionárias se demitiam após uma ou duas noites de sexo, e a

outra metade sendo demitida com os bolsos cheios para não


falarem nada confirma isso.

Mudando de ideia sobre entrar na casa que não parece mais


ser minha, decido tocar a campainha, mas quando solto a

maçaneta, minha mala bate na madeira e empurra a porta, abrindo-


a.

Fico paralisado. Estou me sentindo como um garotinho pego


fazendo algo que não deve.

— Essa é a porra da minha casa — resmungo —, mas não


parece mais.
Suspirando, passo as mãos pela cabeça. Parece que estou

invadindo o espaço dela. Seguro a maçaneta para fechá-la


novamente e esperar que Nora venha abri-la, mas sou impedido

quando pego um vislumbre do interior da sala, vendo July apoiando-


se no sofá para ficar de pé.

Empurro a porta um pouco mais e entro.

Quando a minha designer de interiores apresentou o projeto


e disse que aquele tapete enorme e felpudo ocuparia toda a frente
do sofá, eu achei que seria uma péssima ideia. Ficaria sujo muito

rápido e eu teria que fazer minhas visitas tirarem os sapatos para


entrarem e pisar pela sala, mas me sinto extremamente grato que

ela teve tal ideia quando eu vejo que a garotinha está de meia e
teria facilmente escorregado e batido o rostinho no chão se não

estivesse segura entre a meia e o tapete.

Ela vira o rosto como se sentisse uma presença e inclina a


cabeça para o lado quando me vê. Seus sons são incompreensíveis
e a fera protetora em mim instintivamente quer gritar por Nora e

adverti-la sobre deixar a menina sozinha essa hora da noite com a


porta destrancada quando qualquer um — literalmente qualquer um

— pode entrar e levá-la. Ainda que seja um condomínio seguro, eu


nunca descarto a possibilidade de quantas pessoas loucas e
ousadas existem no mundo. Qualquer um pode entrar em qualquer
lugar, a qualquer momento e isso inclui minha casa. Ou a casa dela,
que seja a casa.

Dou uma olhada pelo cômodo, vendo que ela realmente está

sozinha e deixo a mala no canto do sofá, ajoelhando-me ao seu lado


com cuidado para não a assustar.

— Ei, borboleta — eu a chamo assim ao ver a toca cheia de


borboletas azuis na cabeça, que esconde os cachos castanhos. —

Isso me lembra a sua mãe.

E me traz ainda mais à realidade da situação.


Levanto-me, fecho a porta e volto para July.

— Onde está sua mãe?


A casa está silenciosa, diferente da primeira vez que entrei

uma semana atrás, ouvindo música e logo vi Nora dançando.

Encontrei mais vida aqui naquele dia do que já tinha visto


desde que a propriedade foi construída.

July continua balbuciando palavras incompreensíveis e


coloca a mãozinha pequena e gordinha em cima da minha apoiada

no sofá.

— Você é um pãozinho de mel, não é? — Ela ri, uma


gargalhada gostosa que eu não ouvia há muito tempo. O riso puro
de criança que não conhece nada no mundo, que não tem
preocupações e contanto que esteja trocada e alimentada, estará
feliz. É fácil sentir falta dessa pureza quando não há nenhuma

expectativa de senti-la novamente. — Vamos lá descobrir onde está


a sua mãe.

Ela cantarola sorrindo com os olhinhos azuis e redondos

brilhando.
— Você não vai entender nada que eu disser, não é?

— Mama — diz com firmeza, ainda sorrindo. Observa-me


com uma tremenda atenção e curiosidade. Talvez ela nunca tenha

ficado na presença de uma figura masculina antes.

— Seu avô teria adorado conhecer você. — Ela para de sorrir


e faz um biquinho, como se estivesse prestes a começar a chorar.

July solta o primeiro lamento, abrindo a boquinha e franzindo

todo o rosto.
Eu a pego no colo delicadamente, achando graça de como é

gordinha e pesada. Ajeito sua touca na cabeça e pego a boneca que

estava no canto do sofá, que só agora percebi que ela devia estar

tentando alcançá-la quando cheguei.

E então, tudo fica ainda pior do que quando eu tive que sair

do hotel, descobrir que o andar inteiro estava com problema e não


tinha quartos disponíveis.

Algo acontece.

De repente ouço passos descendo as escadas e segundos

depois sou assaltado com a visão de Nora. Ela veste um robe


branco e um pequeno macacãozinho de renda e seda, curto,

decotado e extremamente apertado em seu corpo.

Novamente posso ver cada linha e cada detalhe como se


fosse um desenho com setas apontando onde cada coisinha estava.

Não que eu precisasse, ela é jovem e tudo está no lugar perfeito. Os

olhos azuis profundos arregalam-se no momento que me vê e ela

para no meio da escada.


— Lucian! — Seu grito de espanto diz muito. Está tão

chocada quanto eu.

Diferente dela, que morre de vergonha, minha única


preocupação é conseguir controlar o volume do meu pau para que

não suba e torne tudo ainda pior.

Limpo a garganta, desviando o olhar depois de perceber que


ele ficou muito tempo em seus seios.

— Nora. — Pelo canto dos olhos a vejo fechando o robe e

fazendo um laço com os cordões da frente antes de avançar e


esticar os braços para pegar a filha.
July se joga em sua direção e eu a deixo ir.

— O que você está fazendo aqui? — Ela balança a cabeça.

— Eu... quer dizer, sei que é sua casa, mas você disse que não nos
veríamos.

— E eu falei sério, pelo menos naquele momento. A porta

estava aberta.

— Não estava aberta.

— Estava encostada, Nora. Na verdade, eu só entrei porque

minha mala bateu e a empurrou, deixando-me ver que July estava


sozinha.

— Ela não está sozinha. — Nora franze o cenho, pronta para

se defender.
— Não estou dizendo que você a deixou sozinha ou que fez

algo errado apenas...

— É claro que não está dizendo isso. Ela é minha filha, eu


não fiz nada errado. Estamos dentro de casa, em um condomínio

completamente seguro.

— Nenhum lugar é completamente seguro. Eu tenho um hotel


com segurança e câmeras vinte e quatro horas e, ainda assim,

tenho problemas.
— Talvez ele não seja tão seguro quanto a minha casa. —

Ela encolhe os ombros, irritando-me tanto pelo movimento que


evidencia seus seios, quanto a teimosia em admitir que está errada

em não cuidar da segurança das duas.

— Minha casa — digo sem pensar.


Ela estreita os olhos.

— Bem, obrigada por me lembrar disso. Não que eu precise

ser lembrada, é claro. Desde que você voltou, eu fiquei pensando


quando viria aqui me expulsar. Não demorou muito tempo.

— Nora. — Dou um passo à frente, parando quando ela dá

dois atrás. — Não estou te expulsando. Eu não me expressei direito.

— Ah, não, tenho certeza de que você falou exatamente o

que queria dizer.

— Não, não queria.

Ela vira as costas e vai em direção à cozinha.

— Não sou burra, Lucian. Você olha para mim, vê uma

criança cuidando de outra criança e está pronto para me julgar, seja


pela porta aberta ou por ela estar aqui. Eu não tenho que explicar

nada para você, mas saiba que eu a deixei sozinha por dois minutos

enquanto fui lá em cima buscar o ursinho que ela estava chorando


porque esqueceu no berço, e levar um balde de roupas para passar,

por isso não consegui levá-la comigo.

Eu ia responder, mas perco totalmente o raciocínio quando


um dos lados do robe desliza por seu ombro, mostrando-me

novamente a fartura de seus seios. Minha boca saliva. Quando foi

que o corpo daquela garota se desenvolveu tanto? Quando foi que

ela ficou tão malditamente gostosa?


Fecho os olhos e dou dois passos atrás.

— Eu não estou aqui para te julgar — digo sem olhá-la.


Tenho um vislumbre dela colocando July na cadeirinha alta de

alimentação e indo até a pia lavar a mão. Escuto a geladeira

abrindo, assim como algumas portas do armário. Ela não me

responde. — Eu não vim até aqui para discutir com você.


— Nem precisa. Eu só vou alimentar a minha filha. Não sei

quanto tempo terei que dirigir até chegar em outro lugar.

— Nora, não seja ridícula. Eu disse que você poderia ficar. A


casa é sua, então fique quanto tempo precisar.

— E por que você faria isso? — Ela se vira, espalmando as

duas mãos no balcão e espremendo os seios juntos entre os braços.

Sangue de Jesus!
— Considere que você é a filha de um dos meus melhores

amigos, eu devo muito ao seu pai. — Seu olhar murcha e ela cruza
os braços, fechando o robe novamente, parecendo querer se

esconder. — Seu pai foi um homem incrível que nunca me negou

nada, eu não poderia negar algo a você agora.

— É claro. — Ela assente, mas seu tom de voz não mudou.

— O meu pai. Está bem.


NORA

Eu não vou negar que quando vi Lucian na sala com a minha

filha no colo olhando para ela com um sorriso de milhões igual ao


que deu para mim quando nos conhecemos, meu coração disparou.
Senti uma fagulha da paixão juvenil que tinha por ele quando mais

nova e por um momento até me acalmei do susto que tive quando


estava lá em cima colocando as roupas para passar e desci
correndo ao ouvir July chorar. Minha filha é o meu mundo, mas eu

não posso negar que senti o mesmo tipo de confiança vendo-a com
Lucian, que sinto quando a vejo com mamãe ou Kimberly.
Minha maturidade veio forçada a mim. Eu ainda não estava

pronta para deixar de ser uma jovem idiota que comete erros, chega
em casa bêbada tarde da noite ou pela manhã, levando bronca dos
pais pelos riscos que se colocou. Eu não pude terminar a faculdade

e realizar meus sonhos antes de me casar e aí sim ter filhos. Não

posso negar que sonhava com tudo aquilo, mas o destino foi outro e
eu sempre serei grata. Sou plenamente feliz com July, minha

garotinha, com minha melhor amiga, minha mãe e minha equipe de

torcida.
Estou feliz com meu curso, colocando a vida nos eixos outra

vez e fazendo tudo certo, então por que diabos o destino resolveu
brincar comigo quando tudo estava em seu devido lugar? Quando

eu começava a entender e me conformar com a ideia de que meu

pai não voltaria mais, quando eu finalmente consegui parar de


chorar dia sim e dia não com saudade dele. Será que uma pessoa

só vive se precisar estar constantemente superando algo ou

passando por alguma situação? Não existe calma absoluta?

Eu quero paz!

Quero superar minhas dores e correr atrás da minha carreira


brilhante e um lindo futuro para July.

O que eu não quero é Lucian aqui.

Eu não quero que o destino traga de volta o homem que

basicamente me forçou mesmo que inconscientemente e sem culpa

nenhuma de estar na posição em que estou atualmente. A vida é

um jogo engraçado, mas eu não quero jogá-lo, já que as últimas


etapas não têm me feito rir.

— Bem, em nome do meu pai eu agradeço, mas se você diz


que a casa é temporariamente minha eu tenho que estabelecer

limites.
— É claro — ele assente —, eu não esperaria outra coisa de
você. Sempre foi muito mandona.

Ele contrai o queixo, cerrando o maxilar. O rosto definido em


pedra e perfeição ficou ainda mais lindo com o passar dos anos.

— Lucian... — concentro-me para dizer o que preciso, sem

dar na cara o que se passa em meu interior — ... primeiro de tudo,

eu não quero que olhe para mim e veja a garotinha que você via

quando criança, eu cresci e se temos que falar sobre o elefante na

sala pra passarmos por cima disso, ok, eu serei a primeira a falar.
Não sou apaixonada por você, o que eu tinha era um encanto. Eu

assistia filmes demais, queria até mesmo que papai me levasse à

Disney para virar uma princesa, então eu via você como o meu

príncipe encantado. Hoje eu sei que eu estava apenas sendo o que

eu era na época. Uma criança. Sinto muito se isso te causou

constrangimento. — Suspiro, e levo o copinho de água para July. —


É passado e eu sou uma mulher adulta, uma mãe responsável e a

minha filha já deve ter me envelhecido uns trinta anos em um ano e

três meses. Ok? Dito isso, eu gostaria que você avisasse quando

viesse para cá. Obrigada pelo toque da porta, não sei cozinhar e

deixei a porta destrancada para facilitar quando a comida chegar.


— Como assim comida que vai chegar? — Ele inclina a

cabeça de lado.

— De tudo que eu falei essa foi a única coisa que prestou


atenção?

— Não, essa foi a única coisa que me preocupou, realmente.


Eu entendi e eu sei que você não é mais aquela garotinha, acredite

em mim... eu vejo isso por todos os lados, mas por que você está
esperando entregarem a comida?

— Eu não sei cozinhar, já disse.


— Não é preciso saber cozinhar para alimentar um bebê de

um ano e três meses.

— A questão é que minha filha nasceu com estômago


gourmet. Ela só come comida boa e aparentemente a minha é tão

ruim que nem o paladarzinho dela aguenta.


Ele parece lutar com um sorriso.

— Isso não é possível, bebês comem qualquer coisa.

— É aí que você se engana. July não come os legumes que


eu cozinho, ela não come as sopas que eu faço e raramente aceita
beber o leite.

Eu acho que ele não se dá conta do quão rápido seus olhos


viajam até meus seios. Ergo a sobrancelha.
— Leite de mamadeira. Eu só amamentei por seis meses.

— Certo. — Ele abaixa os olhos e limpa a garganta. —

Vamos fazer o seguinte, como um pedido de desculpas por ter


invadido a sua casa e você ter entendido que eu estou tentando

mandar aqui ou te julgar, eu vou cozinhar o jantar dela.


Fico quieta por um momento.

— Você me pedindo desculpas?

— Você me conhece o suficiente para saber que isso não é


algo que eu faço, mas apenas nessa ocasião eu vou.

— Ok — digo por fim. Ele entendeu meus limites muito bem.

Entendeu bem até demais.

Me pedir desculpas com um jantar... essa é a forma como


Lucian trata sua família. Ele tratava sua mãe assim, tratava sua
prima Cassie assim e tratava a minha mãe com essa educação e

gentileza, mas sua noiva não. A forma como ele tratava a mulher
com quem ia se casar na época que a conheci era diferente. Lucian

tem uma forma de tratar a família e uma forma de tratar pessoas de


fora, e mesmo que eu tenha dito a ele que eu não era mais aquela

garotinha... ser tratada como sua família me incomodou.


— É só um jantar — ele me tranquiliza. — Ligue e cancele o
pedido. — Sua ordem faz arrepios correrem por meus braços.
Eu pego meu celular, abrindo o aplicativo para cancelar o
pedido, mas não dá mais tempo. Envio uma mensagem ao
entregador, pedindo que fique com a comida, pois eu não

conseguiria receber.

Eu me ocupei com July nos próximos minutos, enquanto ele


silenciosamente mexia na geladeira, aquecia uma panela no fogo e

se movia com graciosidade pela cozinha. Lucian tira o terno,


pendurando-o nas costas da banqueta, arregaça a manga da blusa,

fitando minha filha por cima quando ela solta um gritinho empolgado
com o pedaço de cenoura cru que recebe do lindo homem à nossa
frente.

— Já é um começo — ele brinca. Ele me olha e pisca,


afrouxando a gravata.

Deus, como é que pode ser tão naturalmente lindo? Lucian

sempre teve um charme natural, algo que carregava consigo desde


jovem. Nunca precisou se esforçar para atrair olhares e chamar
atenção.

Se eu não tomasse cuidado e focasse em minhas


prioridades, me veria presa em seus encantos novamente, sem

nenhuma dificuldade. A diferença é que anos atrás, além da minha


idade, o meu pai nos impedia. No entanto, o que faríamos agora que
nem papai e nem minha idade são impedimentos?

Eu percebo os homens ao meu redor, sou consciente da


minha aparência e da atenção que recebo. Sei que ele se sente

atraído por mim, deu para ver em vários momentos quando olhou
meu corpo. Se não se sentia atraído completamente, pelo menos

tem tesão em mim.


Quando era mais jovem, eu me perguntava quanto tempo

levaria até ele me achar desejável.

Aqui está o momento.

Lucian deve me achar gostosa como os caras da faculdade,

mas o perigo de me apaixonar novamente por ele é enorme e eu


preciso me cuidar para que isso não aconteça. Nunca seria

recíproco.

— Por que você voltou? — pergunto para matar o silêncio e


tentar diminuir o climão.

Eu preciso subir e trocar de roupa.

Ou não?
Ele me fitou por cima do ombro como se pensasse se ia

contar.

— Se não quiser, não precisa dizer.


— Não, tudo bem. — Ele joga o pano de prato por cima do

ombro, fazendo a cena ficar ainda mais tentadora e encolhe os


ombros. — Eu estava ficando em uma das suítes do meu hotel, mas

tivemos um problema com a rede elétrica do andar. Estamos lotados

com a movimentação da cidade e eu fiquei desabrigado, por assim


dizer.

É claro que todo mundo quer ficar no Quivira.

— E você não vai para o hotel concorrente.

— Nenhum deles — ele concorda.

— Seu hotel se tornou um sucesso — elogio. — Eu gostaria

de ir lá um dia se você não se importar. Sou parte da família, tenho


direito a uma bebida de cortesia?

Eu vejo seus movimentos pararem por um curto momento,

porém ele não me olha ou indica o que pensa sobre o que eu falei.
— É claro que sim. Nós temos o térreo no primeiro andar, o

restaurante no segundo e a cozinha fica no terceiro, por isso todo o

segundo andar é um espaço de mesas com janelas envidraçadas.

— O restaurante de reservas infinitas — brinco com a demora

de conseguir reservar uma mesa. O lugar é um dos mais desejados

da cidade, isso eu sei.


Consigo ouvir seu riso baixo, as costas contraem e pelo

tecido fino da camisa eu vejo os músculos ondularem.

— A partir do quarto andar, até o vigésimo, temos os andares


dos quartos do hotel. Meu escritório fica no vigésimo primeiro e o

vigésimo segundo é fechado.

— Algum plano para o futuro?

Ele encolhe os ombros.

— Quem sabe — diz vagamente. — No vigésimo terceiro e o

vigésimo quarto fica o clube noturno. Dois ambientes de balada, e é


claro, há o terraço com mesas e uma piscina. É um ótimo lugar.

— Você construiu seu parque de diversões. Só se fala do

Quivira quando o assunto é lazer e luxo em Los Angeles.


Ele vira para me observar, talvez tentando descobrir se estou

brincando, mas quando vê que falo sério, Lucian assente.

— Fico feliz de ouvir isso.


— Você deve ouvir isso o tempo todo.

— Sim, não vou mentir, mas você é jovem e o meu público-

alvo são os jovens. Então, quando escuto você falar sobre isso
estando na faculdade significa que pelo menos uma porcentagem

das pessoas que estão lá pensam da mesma forma. No restaurante

e no hotel sempre têm pessoas mais velhas, mas eu preciso de


jovens pra manter minha balada como uma das casas noturnas

mais bem frequentadas e de maior sucesso na cidade. Que bom


que tenho atingido o objetivo.

— Quando você e meu pai conversavam sobre o prédio todo

em si, eu já sabia que ia dar certo você sempre foi uma pessoa
determinada.

— E você sempre estava lá presente dizendo que não tinha

como dar errado.

— Eu era só uma criança.

— Mas já era inteligente demais para sua idade, Nora.

Ele diz meu nome de uma forma lenta, com a voz arrastando

e eu sou salva pela minha filha que começa a bater na mesinha da

cadeira, exigindo comida.

Eu me junto a ela, tirando sua toquinha e ajeitando os


cabelos.

— Calma, meu bebê.

— Estou indo o mais rápido que posso. Eu tenho meus


truques.

— Vai me dizer que cozinha no seu restaurante?


— Não, na verdade, faz um bom tempo que não vou para o

fogão.
— Então essa é uma honra que minha filha está recebendo?

— Pode se dizer que sim.

É estranho conversar assim com ele. A última vez que eu o vi


foi traumática pra caralho, não que ele soubesse disso.

Ele sempre pisou em ovos ao meu redor, provavelmente está

tão relaxado — ou pelo menos aparentando estar — porque


acreditou quando eu disse que mudei completamente. Ele nem

sequer suspeita que bastaria muito pouco para reacender o que eu

sentia?
Nós ficamos em silêncio enquanto eu falo com July baixinho

e brinco para distraí-la da fome. Se passam mais quinze minutos no

relógio até que Lucian apaga os fogos, e se movendo com maestria

pela cozinha como um verdadeiro chef, retira um prato do armário,


despeja o que quer que tenha feito para o meu bebê e coloca à sua

frente.

— Aqui está, borboleta, buon appetito.


Ela sorri um sorriso de mil watts para ele e eu começo a

sorrir, mas paraliso ao refletir do que ele a chamou.

Borboleta.

O mesmo apelido que meu pai me chamava quando eu era

pequena. Pela expressão de Lucian observando minha filha pegar


os legumes e o purezinho roxo e comer, ele não se deu conta, e

talvez nunca sequer tenha ouvido papai me chamar daquele jeito.


Eu não sei como me sinto, mas de alguma forma isso mexe comigo.

Apelidos.

Jantar de desculpa.

Olhares roubados que precisam ser disfarçados.

Sua beleza que não mudou e meu coração que acelerou do

mesmo jeitinho que fez na última vez que o vi.

Está tudo aqui.

Se o seu hotel está interditado e lotado, e pela lógica ele não

vai se hospedar em outros na cidade, sua única opção é ocupar um


dos cinco quartos de sua casa.

Essa casa.
Eu não posso negar isso. E é aí que percebo que já estou

ferrada.
tenho esses pensamentos na minha cabeça

não tem jeito de esquecer

me faz perder meu fôlego

ninguém me conquistou do jeito que você conquistou

você me fez revirar meus olhos

me fez arquear minhas costas

agora você me ama tão bem

eu estou pensando em você

thinking bout you - ariana grande

LUCIAN

Meu trabalho consiste em garantir que todos os andares do

Quivira funcionem em completa sintonia.

O térreo pode até parecer um centro de informações, mas


ele, na verdade, é apenas uma formalidade para garantir que todos

serão bem direcionados para o lugar em que desejam ir.


Eu alimento os dois andares do restaurante para que

continue sendo um dos lugares mais desejados da cidade para uma


noite mágica com vista panorâmica. Para que a fila de espera a fim

de reservar uma mesa cresça cada vez mais e que chefs premiados

marquem reuniões comigo para trabalhar aqui, dar uma noite de


menu especial ou oferecer um simples almoço.

Sem contar que a minha política de não passar ninguém na


frente — não importando quem seja — fez o respeito e admiração

pelo meu restaurante ser notável pela cidade afora. Não importa se

você é um político, uma cantora famosa, se é um astro de


Hollywood ou um apresentador premiado, nada disso interessa

quando você passa pelas portas do meu edifício e procura um lugar

para almoçar ou jantar.

Ligue para fazer uma reserva para seu aniversário de


casamento dois anos antes.

Ligue para marcar seu jantar de quinze anos quando estiver


fazendo treze anos.

Caso contrário, sem chances.

Dentro do restaurante nós temos apenas uma regra: traje

fino, elegância e fazer jus ao lugar.


Roupas de praia, jeans rasgados e boné são propícios para a
praia durante o dia, para caminhar pela cidade e conhecer pontos

turísticos, mas ao entrar no meu restaurante há uma regra de

etiqueta a ser seguida. Não é à toa que meu restaurante se tornou

conhecido como “uma noite de estrelas”. Você janta no Quivira e

adentra num novo mundo.

O hotel sempre cheio tem funcionários educados porque

ganham bem, trabalham motivados, têm horários justos e processos

que valeriam milhões se alguém ousasse colocar em risco a


reputação inquestionável do meu negócio.

Os lençóis egípcios e os sabonetes artesanais feitos por

especialistas da perfumaria deixam uma impressão de SPA onde as

pessoas gastam com muito gosto e voltam para repetir a dose.

O vigésimo segundo andar guarda um clube de sexo

exclusivo, onde você entra apenas sendo convidado. Seja um

convite meu ou de algum frequentador assíduo. É claro que correm

rumores do que há no vigésimo segundo andar, mas ninguém pode


confirmar. Pelo menos não com fotos ou vídeos. A regra de deixar

celulares e câmeras na entrada da boate foi minha e foi algo que fez

com que o fascínio para se tornar um membro crescesse dentro da


elite de Los Angeles. Sem contar os homens que vinham de fora

para visitar.

Tenho clientes que nem moram na cidade, mas quando


passam perto ou têm tempo dão sempre um pulo para conferir as

atrações da noite na boate mais quente e sigilosa de Los Angeles.


Para não dizer que meu nome é incólume, os boatos de um

clube de sexo me perseguiram durante um tempo, fazendo com que


eu fosse chamado de pervertido, um homem de duas faces e até
mesmo de maníaco sexual. Diziam que eu estava usando a fama do

restaurante e do hotel para alimentar meu lado podre, mas ninguém


nunca pôde comprovar e quem visitou nunca abriu o bico.

Quem iria querer correr o risco de ser expulso e nunca mais

poder pisar lá dentro?


Então, tinha a balada nos últimos andares e térreo.

Uma casa noturna com os DJ’s mais requisitados. Se eu vejo

algum nome em alta, contrato de imediato. O Quivira deu certo e se


tornou um sucesso tão grande porque eu não tive dó de investir, de
cuidar do meu edifício como se ele fosse um filho. Hoje posso colher

os resultados disso.
— Bom dia, senhor — minha secretária, Emma,

cumprimenta-me assim que saio do elevador. Ela me segue


enquanto dispara a agenda do dia e eu leio um contrato do

fornecedor de quem vou comprar os novos móveis da boate, ao


mesmo tempo ouço atentamente tudo o que ela diz.

Duas reuniões antes do almoço, uma videoconferência

depois e preciso dar um pulo no hotel para ver o engenheiro elétrico,


que gostaria de passar para falar comigo sobre o curto-circuito do

último andar de suítes do hotel.


— Por hoje é tudo?

— Sim, senhor. Ah, senhor Santoro, você tinha me pedido


para organizar sua agenda, pois tinha planos de sair da cidade após

o feriado.
— Quando é o feriado?

— Em duas semanas.

— Continuo com a mesma ideia. Conseguiu falar com


Ravena?

— Ela ainda está indisponível, senhor.

Não quero perder a paciência com Emma, ela é uma boa


funcionária, é bem-casada e nunca me olhou como se estivesse

doida para ser chamada para foder no meu escritório. Quero mantê-
la, por isso, esforço-me para não gritar e assustá-la, mesmo que
isso seja tudo o que quero fazer agora.
Ravena, minha ex-noiva, segura um contrato milionário em
suas mãos.

Como presente de casamento, eu tinha dado a ela o terraço


do Quivira já que eu não tinha maiores planos para ele. Ravena

estudou arquitetura e sempre foi uma mulher de fortes ideologias,


ela é criativa e tinha visão.

Só não nos tornamos sócios bem-sucedidos, porque ela


deixou que nossa situação pessoal interferisse na profissional.

Agora eu preciso comprar dela o último andar do meu hotel que eu


havia dado meses antes de romper o noivado, porém a dificuldade
em localizar Ravena — visto que eu aparentemente a magoei muito

quando terminei —, a fez sair pelo mundo em uma eterna viagem,


onde ela não dava informações para ninguém sobre seus próximos

destinos.

— O advogado entrou em contato?


— Parece que a última localização da senhorita Charles foi
na China.

Faço uma pausa no meio do caminho e pergunto novamente


para ver se não entendi errado.
— China?

— Sim, senhor. Pelo menos foi o que disse o relatório.


— Quem fez esse relatório?

— O detetive particular.
— Como é que a porra de um detetive particular não
consegue encontrar uma garota andando sem rumo pelo mundo? —

falo comigo mesmo, mas Emma ainda anda a passos acelerados


para me acompanhar e responde:

— Ele diz que é justamente por ela estar sem rumo, senhor,

além de tudo, quando ele foi contratado o senhor disse que queria

uma inspeção à distância apenas para ver se ela estava bem e ele
deveria avisar para que o senhor entrasse em contato caso ela

começasse a visitar possíveis parceiros de negócio, já que há um

grande risco de ela tentar vender ações do Quivira.


Sim, e o que me incomoda é o fato de que ela ainda não

vendeu.

O térreo está em seu nome, eu lhe dei a propriedade e


assinei.

Ela poderia vendê-lo facilmente. Será que está apenas

aproveitando minha agonia ou está esperando a melhor das

ofertas?

Ravena sempre foi uma garota curiosa e eu devo admitir que

a subestimei quando terminei o noivado como se ela fosse ingênua,


convivendo anos com seu pai, um magnata de Wall Street, ela sabe

muito bem o que vale ouro e o que vale lixo.

Ela sabe que o meu Quivira vale uma cidade inteira como de

ouro, como já diz o nome dele.


— Certo, continue me trazendo relatórios.

— Eu digo para o detetive se aproximar?

— Não, siga as mesmas instruções. Se ela der algum indício


de que vai fazer negócios com o meu hotel, eu quero ser notificado,

mas enquanto ela está apenas brincando por aí é inofensiva.

— Sim, senhor.
Quando eu terminei meu noivado, meu pai me deu sábios

conselhos.

— Não é porque Diva me abandonou numa hora difícil, que


Ravena faria o mesmo se você passasse por essa situação. Nem

todas as mulheres são iguais.

E quando eu disse a ele que preferia não correr o risco, sua


resposta foi curta e objetiva:

— A escolha é sua, meu filho, mas você vai correr o risco de

conhecer o lado de Ravena que toda mulher esconde.


— E que lado é esse? — lembro-me de perguntar.

— A fúria de uma mulher abandonada.


Eu termino a primeira reunião do dia decidindo que o Quivira
vai recepcionar um evento de caridade na primeira semana do

próximo mês por um valor simbólico. Quando minha mãe era viva,

ela sempre exaltava a importância de família, empatia e que nós —

que nascemos com muito — nos conscientizássemos com o


próximo. O que eu posso fazer é ceder espaços para a caridade,

algo que tento fazer pelo menos uma vez por ano.

É difícil porque o Quivira já tem sua própria agenda, mas

encontrei uma brecha junto à equipe de publicidade.

Há uma batida à porta quando estou prestes a começar a

segunda reunião.

— Volte mais tarde — digo.

— Eu sabia que você ia me receber. — A porta é aberta sem

delicadeza e Daniel Bowman entra como se fosse o dono do


espaço. O que não é novidade, tratando-se dele. O cara é o

advogado mais narcisista e cheio de si que conheço.

Encosto-me em minha cadeira, sabendo que vem algo muito

ruim ou muito bizarro pela frente.


— Você sabe como funciona — indico a porta com o queixo

—, bate na porta e espera para ver se pode ser recebido, e aí sim


você entra.

— Não se preocupe, eu já pedi para aquela coisinha, que

você chama de secretária, desmarcar sua reunião. Não era nada


importante.

Eu suspiro um palavrão frustrado.

— E como é que você sabe disso?


— Porque eu peguei a agenda dela e dei uma olhada — diz

como se fosse óbvio, e talvez na cabeça dele fosse, já que em seu

mundo, ele é vossa majestade.

— Me pergunto quanto dinheiro eu receberia se ao invés de

pagar você para me defender, eu te processasse por cada uma das

que você aprontou comigo ao longo dos anos.


Ele balança a mão em desdém e afasta uma poltrona da

minha mesa para se sentar à minha frente.

— Já salvei traseiros valiosos demais, como o seu, para você


sonhar tentar alguma coisa. — Ele sorri com desdém. — Mas fiquei

surpreso quando soube que voltou, pensei que ficaria na Itália

amassando uvas para sempre.


— Eu gostaria. — Não o corrijo sobre o que eu fazia lá,

porque o desgraçado está bem ciente. — Mas ainda tenho que

trabalhar. Parece que deixar o Quivira nas mãos do meu advogado

não foi tão certeiro quanto eu esperava.

— Eu fiz um ótimo trabalho. Você se livrou de pelo menos

três processos enquanto esteve fora.

— O que é muita coisa. Se estivesse caminhando como deve


ser eu não teria ameaça de processo nenhuma vez.

— Você sabe como as pessoas são. — Ele tenta esconder


um sorriso, mas o desafio em seus olhos é tão claro. Ele se diverte

com a profissão. — Elas processam e quando veem dinheiro fácil é

melhor ainda.

— Assédio sexual — digo sem ver a graça da situação.

Ele leva alguns segundos para me responder.

— A garota queria foder. Você conhece bem as suas

secretárias. Na maioria das vezes são safadas e doidas pra pescar


um dos ricos que passam por aqui.

— Você tem mãe, Daniel?


— Sim, e eu não a isento de na juventude terem tido

comportamentos parecidos. E eu não defendo o que não conheço. É

por isso que sou tão bem pago pelo meu trabalho.
— Eu não consigo ficar em uma sala com você e não me

sentir sufocado com tanta arrogância.

— Então, por que não vamos almoçar? — ele indaga e se

levanta, indo em direção à porta sem esperar minha resposta. —

Você paga. Eu estava com saudades de você.


Eu me seguro para não dar risada, ele já tem seu ego inflado

o suficiente e não precisa da minha contribuição.

Quando passo por ele, Daniel joga o braço em meu ombro e


eu tenho que afastá-lo com um chega pra lá quando ameaça vir

para cima de novo.

— Se recomponha.

— Dá pra entender por que seus funcionários te processam

— ele resmunga ao chamar o elevador.

— Sim, claro. Falando em processo, eu quero saber tudo


sobre esse da garota.

Quando nós nos sentamos à mesa de um restaurante na

avenida, Daniel joga o cardápio de lado e ergue a mão para chamar

uma garçonete.
— Boa tarde, senhores. Já vão pedir?

— Traga um martini e eu vou querer a sugestão do chef para

o dia — eu falo.
Ela vira para Daniel.

— E o senhor?

— Eu estou pensando em levar pra casa. — Ele viaja os


olhos dos seios até as coxas descobertas da garota.

Caralho.

As bochechas da menina ficam vermelhas e ele sorri com


cinismo, balançando o pé com a perna cruzada e fitando a garota

sem piscar. Parece até um predador esperando a presa se distrair

para atacar.

— Duas sugestões do chef e traga uma dose a mais da

minha bebida. — A garota sai tão rápido quanto pode ao me ouvir.

— Agora eu entendo porque é que o meu hotel teve três processos.


Você tem que parar com essa merda.

— Eu só estou dando o que elas pedem.

— Ninguém está te pedindo nada, deixe de ser ridículo.

— Você precisa olhar nos olhos delas para ver — ele diz com
desdém.

— Vamos ao que interessa, tem notícias de Ravena?


— Oh — Daniel ri —, então chegamos ao ponto, não é? Doce
Ravena. Fico tranquilo por saber onde ela está em tempo real,
realmente deve ser uma tortura saber que ela pode vender parte do

seu império e não poder fazer nada.

— Ela não vai vender.

— E como é que você sabe disso?

— Porque eu tenho um advogado que apesar de ser um poço

de arrogância e cafajestice é bom no que faz.


— Elogios não vão me manter trabalhando com você.

— Para mim — o corrijo.


— Para você? — Ele sorri. — Se bem me lembro, foi você

que me abordou em um jantar de família onde sua prima me levou


como encontro e me pediu para parar de sair com ela, assim eu
poderia começar a trabalhar com você sem que a vida pessoal

interferisse nos negócios.

— Você não tinha interesse em continuar com Cassie. Você

nem sabia que aquilo seria um jantar de família até que ela te levou
lá, a sua cara dizia tudo.

— Eu podia não saber, mas ela era uma delícia e eu ainda


não tinha provado o saborzinho da única garota Santoro. O que
significa que você arruinou os meus planos duas vezes seguidas.
— Experimentar — bufei —, não fale da minha prima como
se ela fosse uma sobremesa barata dos bares que você gosta de
frequentar.

— Não, ela não é. Tenho certeza de que ela seria um prato

principal do Quivira.
Eu sei que ele está tentando tirar a minha paciência e distrair
meu interesse sobre os processos do hotel. Mesmo que já

resolvidos, eu ainda quero estar a par.

— Onde Ravena está?

— Você basicamente roubou a minha namorada

— Ela não era a sua namorada.


— Vamos concordar em discordar nisso.

Eu reviro os olhos, já tínhamos passado por essa discussão


tantas vezes e eu sei que ele não dá uma foda para eu ter furado
seu olho.

— Você queria ir pra cama com ela, mas eu cheguei primeiro


e a pedi em casamento. Ou vai me dizer que tinha planos de se
casar com Ravena?

— Eu não tenho planos de me casar com ninguém. Tem dias

que nem me aguento, quem dirá uma outra pessoa. — Ele se inclina
como se fosse dizer algo muito sério. — Eu já te disse que mulheres
são passatempos, por isso você fez certo em terminar seu noivado
com Ravena, antes que levasse essa loucura ainda mais à frente.

Olha só pra você agora, o magnata de um império, solteiro e pode


fazer o que quiser, inclusive passar um ano fora amassando uvas no
deserto da Itália.

— Você sabe que eu não estava amassando uvas. Eu quero

atualizações sobre os negócios da empresa. Você me adiantou que


tivemos dois processos e eu recebi informações do terceiro.
— Elas acusaram e perderam, o que você quer saber de

relevante nisso? Não há nada.

— Primeiro de tudo, como é que você deixou fora da mídia?

O Quivira é um ponto notável da cidade, o edifício mais


famoso de Los Angeles. As pessoas estão caçando histórias dos
bastidores o tempo todo.

— Eu passei um tempo com uma jornalista que tinha o furo,

ela garantiu pra mim que a história não vazaria. Apenas quando eu
não liguei de volta ela percebeu meus interesses e vazou, mas até
ali as pessoas sabiam de algo já tinham recebido dinheiro para

negar.
— Assédio sexual e o que mais?
— Um cliente jogou a bandeja em um dos rapazes que cuida

da limpeza. O garoto teve o olho direito lesionado. Para esse eu


joguei na defesa e fiz seu cliente pagar uma boa quantia em
indenização. Ele provavelmente não vai mais ficar bêbado em bares

com prostitutas de novo.

— Merda. E o terceiro?
— A relações públicas do hotel se demitiu.

— Foi Cindy?
— Essa mesmo.

— Eu já imaginava. Antes de sair ela me disse que tinha


recebido uma proposta, mas não pensava em abandonar o barco.
— Bem, ela abandonou e foi para um barco que foi vendido

três meses depois. O comprador não teve interesse em dar


seguimento com a empresa e a liquidou. A empresa tinha muitas

dívidas e ele percebeu que gastaria mais do que teria lucro.

— E você sabe disso por quê?

— Porque ele tentou me contratar — Daniel diz como se


fosse óbvio.

— E você recusou?
— Eu estava sem tempo e um pouco entediado, para falar a
verdade.
— Então, eu só tenho o meu advogado porque ele estava
entediado?

— Não, você tem o seu advogado porque eu sou um ótimo


amigo e gosto de desafios, mas você precisa se movimentar,
Lucian. Não está me oferecendo adrenalina suficiente para

continuar aqui.
— O dinheiro que te ofereço não é o suficiente?

— É um dinheiro que eu deixo guardado para o futuro.


— Por que tem planos de fugir ou acha que vai falir?

Ele encolhe os ombros.


— Só nunca sei o que a vida me reserva e por mais que eu

goste de me divertir por aí, com certeza não quero ficar pobre. Seu
dinheiro por enquanto é bem-vindo.

Eu agradeço a garçonete que traz nossas bebidas e avisa


que o prato virá em breve e a dispenso antes que Daniel possa nos

conseguir mais algum problema.


— Certo, agora corte o papo furado e me diga logo por onde
anda Ravena.

— Eu vou dizer porque é interessante — ele dá risada —,


neste momento ela está embarcando para a Índia.

— Índia?
Ele assente.

— É onde ela pretende vender as ações do Quivira.


— E você vai impedi-la, é óbvio.

— Meu caro, eu não tenho como. Você, um homem


inteligente, demonstrou uma burrice imensa quando entregou para
uma mulher algo assim. Preste atenção. — Ele se inclina,

gesticulando com as mãos e com os olhos cheios de cinismo,


obviamente quer provar seu ponto. — Você jogou no lixo o seu

negócio, sem contar o risco de o comprador iniciar um conselho


positivo a ele. E se ele quiser colocar um outdoor com a bunda
velha enrugada dele de fio dental no terraço de Ravena.

— Meu terraço.

— Dela. Você deu pra ela. E se ele quiser fazer um estúdio

de filmes pornôs ou simplesmente quiser continuar construindo?


Você terá o seu hotel fechado por obras e essas são só algumas
das poucas e menos graves possibilidades do que pode acontecer

se Ravena vender parte da propriedade que você colocou no nome


dela. Ela tem tudo assinado, você reconheceu e inclusive deu pra
ela na frente do seu pai, que também é advogado. — Daniel suspira

e encosta na cadeira, cruzando os braços e olhando para cima


como se estivesse realmente admirando algo. — Você estava
drogado ou só é burro pra caralho?

— Eu queria compensá-la.

Daniel ri.

— Compensá-la pelo quê?

— Porque ela sabia que eu estava me casando sem amá-la.

— E qual é o problema? Ela ia se casar com você de todo o

jeito. A menos que houvesse um dote envolvido e por isso você deu
parte do edifício mais valioso dessa cidade.

O pior é que quando ele fala desse jeito eu me sinto a porra


de um asno.

— Não tinha nada envolvido, eu só queria compensá-la


porque ela sabia que passaria a vida comigo apenas para me dar
filhos, deixar seu pai feliz e nunca teria a reciprocidade de seu

carinho por mim.


Daniel ergue as sobrancelhas.

— Eu ainda não estou vendo onde entra o problema nisso.


— Para você é fácil não ver, Daniel, é claro que é. Você trata

das suas relações como se fossem contratos.

— É claro que sim.


— Mas eu não faço isso. Eu levei em consideração os

sentimentos daquela jovem garota.

— Foi burro — ele repete.


— Eu preciso do meu advogado, que é muito bem pago, por
sinal e de uma solução. O que podemos fazer?

— Bem, você pode tentar convencê-la a te vender de volta, e


é claro que ela pode te cobrar o preço que quiser porque a

alternativa é essa. Te vender um andar por milhões ou ficar te


torturando com a ameaça de vender para outra pessoa que fará o
que quiser com a propriedade.

— Eu não me importo de pagar para ela.

— Eu sei que não, eu também pagaria se no meio de um


surto psicótico eu tivesse feito o que você fez, mas neste caso eu te
aconselho a não o fazer. Você abandonou a garota quando ela já

tinha feito uma lista com incontáveis convidados e a elite de Los


Angeles. Os parceiros de negócios e os amigos milionários do pai
dela queriam vir direto de Nova York para celebrar a união. Ela tinha

o vestido das madrinhas listado para algum estilista assinar.


— Não tem que me lembrar. Eu sei qual era a situação.

— E você acha que de ter jogado tudo isso na cara dela


como se fosse uma fralda suja, Ravena vai perdoar ou aceitará
facilmente te devolver sem que você sinta o que ela sentiu?

— Para quem mantém a distância de dois braços de

mulheres, você parece entender bem demais do que está falando —


digo irritado.
— É claro que estou, porque sei do que estou falando, no fim

elas são todas iguais. Minha mãe é assim, minhas primas também e
se eu convivesse com minha irmã, poderia afirmar que ela é

exatamente do mesmo jeito. Elas não conseguem superar ou


acompanhar seus maridos e por isso precisam que as coisas sejam
facilitadas, para o seu azar, meu caro, você facilitou cem por cento

para sua ex-noiva. Se eu fosse ela não te venderia de volta apenas


por pirraça.

— E o que você sugere?


— Vá para a Índia, diga que está arrependido e assim que
puder case com ela. Vou pedir a uma conhecida que elabore um

contrato pré-nupcial bem estabelecido e nunca deixe que essa


mulher se divorcie de você. Se um dia ela cansar de você, diga a ela

que vai dar o divórcio se ela te devolver a parte que detém do


Quivira.

Eu dou risada, é impossível evitar.


— Você está brincando.
— Estou com cara de quem está brincando?

— É o que você faria?


— Eu não me vejo nessa situação, é claro, sou inteligente
demais pra isso. Mas se... um dia fizesse, então sim, é o que eu

faria.

Eu penso por alguns minutos. Nós ficamos em silêncio e eu o


observo olhando para longe como se pensasse em algo, mas não
demoro a negar.

— Não posso, Daniel. Simplesmente não posso.

— Por que não?

— Porque eu tenho uma coisa que nos nossos anos de


parceria de negócios e amizade eu percebi que você não tem.

— E o que é?
— Caráter.

Ele ri.
— Certo, vou fingir que você não disse isso e vou continuar

pensando no seu negócio, já que é sua fortuna em risco, não a


minha. Mantenha seu caráter e perca seu legado.

— Eu vou dar um jeito e farei as coisas se acertarem


novamente. Não posso fazê-la passar por mais uma humilhação.
Ele se levanta, coloca o óculos escuro no rosto e sorri para

mim de braços abertos.

— Eu tentei te ajudar. Quando você se tornar um ex-

magnata, expulso de seu próprio edifício eu estarei lá para dizer que


eu te ofereci essa alternativa exatamente — ele olha no relógio
conferindo o horário antes de continuar — à uma e treze da tarde.

— Vamos esperar para ver.

— Não, não. Neste caso você vai pagar para ver. Até mais,

meu amigo. Darei um coquetel em casa semana que vem e você


está convidado.

— Eu prefiro não ir às suas festas agora.

— Se você não for, vou considerar como uma ofensa à nossa

amizade.
Daniel se vira rindo e atravessa a rua esperando que o
manobrista traga seu Rolls Royce. O sorriso de quem não deve

nada e não tem nenhuma preocupação no mundo chega a brilhar


em seu rosto.

Se eu não o conhecesse tão bem, até acreditaria.


meu amor vai te deixar de joelhos

eu prefiro seu corpo do que metade do seu coração

eu juro que meu amor é uma maldição, giro seu mundo de cabeça
pra baixo

vamos deixar essa conversa de lado e transar no telhado

better off - ariana grande

NORA

Eu não consigo me controlar quando sei que Lucian pode

chegar a qualquer hora. Neste momento há 16 estudantes da

universidade Scorpions esperando que eu dê seguimento ao treino


no jardim. Eles chegaram por volta das onze da manhã, nós

tomamos um suco juntos deixando o lanche para a pausa de

quando finalizássemos a primeira parte.

July brinca tranquilamente um pouco mais à frente, e


Harmony e Cindy se ocupam de mimá-la. Não há perigo de a
atingirmos com manobras e saltos, pois eu coloquei um pequeno

cercadinho para July brincar no jardim — algo que Kimberly sempre


diz que eu roubei do cachorro do vizinho —, mas é altamente

indicado pelas mães que trabalham em casa com alguma atividade

diferente e não querem deixar os filhos fora de vista.

July se distrai nos observando e dando conta de suas

bonecas e ursos de pelúcia e eu posso ficar por perto para manter


vigilância a todo momento. Sem contar que minhas colegas da

equipe também estão sempre atentas. O problema não é a minha

filha, mas sim o conhecimento de que Lucian pode chegar a


qualquer momento.

Depois de passar uma semana ao lado dele, pude conhecer

um pouco de sua rotina — que basicamente inclui acordar cedo,

deixar o café pronto e sair antes que eu acorde. Ele não vem para
casa durante a tarde e só volta após as oito da noite. Eu me lembro

que ele sempre foi um cara esforçado, papai dizia que Lucian teria o

dobro do sucesso que seu pai tinha, pois corria atrás disso. Eu

pensava que estaria satisfeito agora, vendo que seu hotel virou um

grande sucesso, mas ao que tudo indica se tornou ainda mais

obcecado pelos negócios, ou será que estava tentando apenas me

evitar?
Eu não sei, mas tento não perder muito tempo pensando
sobre. Só eu sei o que teorias podem fazer com a cabeça de uma

mulher desconfiada.

— Ei, você me ouviu? — Rendy me cutuca quando atingimos

dez minutos de pausa. — Você está pronta para continuar? Já

estamos alongando.

— Sim, sim. Vamos fazer a terceira parte da coreografia.

— Mas eu acho que todos já pegaram essa.

— Nós vamos fazer de novo — respondo com falsa simpatia,

essa garota adora testar meus limites, mas, na verdade, não tenho

culpa que ela não conseguiu ser capitã. Talvez devesse ter se
esforçado mais ao invés de tentar controlar todas as outras

meninas.

Eu queria uma parte não muito complicada da dança para

caso minha intuição se provasse certa e Lucian chegasse. Ele

nunca vem para a casa de dia, mas eu não sou a maior das

sortudas, então prevenir é melhor do que remediar. O que ele

poderia fazer se me encontrasse no seu jardim com um bando de

universitários? Nada, já que ele mesmo insistiu que eu poderia me


sentir à vontade na casa. Não é tão fácil deixar isso ir, não quando

eu morro de vergonha de falar a coisa errada perto dele, de parecer


uma boba ou fazê-lo se lembrar a todo momento que eu fui a

garotinha tola que ficava correndo atrás dele toda apaixonada.

— Peço para que todos fiquem na posição da terceira parte


da coreografia — eu digo quando Kim se aproxima. — Vamos fazer

essa parte de novo só para garantir que já cobrimos esse território e


então vamos dar andamento com os saltos.

— Você vai seguir a dica do Zac? Quer deixar a quarta


sequência mais ousada?

Ela se refere ao professor de dança que contratamos para


dar uma olhada em nossa coreografia. Ele adorou, disse que

estamos na medida perfeita entre habilidosos, artísticos e ousados,


mas gostaria de ver um pouco mais de como corremos riscos na

hora da dança. Eu realmente não queria fazer isso, porque quando


você fala de correr riscos em uma equipe de torcida, a primeira

pessoa a ir para a berlinda é a capitã — no caso, eu — e isso me


preocupa de várias maneiras.
Eu tenho uma filha que depende totalmente de mim, tenho

um futuro pela frente, uma carreira a ser seguida e não quero me


colocar em risco por cinco minutos de dança. Eu amo dançar, é

claro, isso é parte de mim. Sinto em meus ossos que estou fazendo
a coisa certa quando estou no palco ou no gramado com meus
amigos, mas não posso negar que há certo medo ou

autopreservação que ainda me impedem de ser a mais ousada das


capitãs de torcida.

— Ei. — Kimberly dá um tapa em minha bunda quando se

aproxima. — Eu já verifiquei a pequenininha, podemos continuar ou


você ainda quer nos dar mais uma hora de pausa?

— Calma, Kim, eu estou pensando sobre o que fazer.

— Está repensando a coreografia? Se estiver tudo bem, nós


ainda temos tempo de ensaiar. Ninguém espera que você tenha o
plano perfeito à primeira vista.

— Eu tenho o plano perfeito, essa não é a questão. É que eu


vi os olhares quando o professor me deu aqueles conselhos. As

pessoas esperam que eu seja mais ousada e faça algo diferente,


algo que praticamente nos dê a vitória.

— Nada vai nos dar a vitória. Tem uma grande soma de

fatores, podemos enfrentar uma equipe de bosta, mas também


podemos estar indo de encontro a uma equipe super foda de
malabaristas de circo. Como é que você ganha disso? Quando só

contamos com balé, vemos que balé não é pouca coisa nesse ramo.
— Não, não é, mas entre uma bailarina saltar alguns metros

e um malabarista de circo saltar alguns metros, quem você acha


que está mais seguro?

— Faz sentido.
— É claro que faz sentido, tudo o que eu digo faz.

— Sério, todo mundo aqui quer viver mais alguns anos e


ninguém quer se tornar outro Jhonny Celina.

Fico arrepiada quando ela menciona Jhonny. Sua história é


muito triste.

Ele estava no auge. Último ano da universidade, já tinha

ganhado os principais campeonatos nacionais — inclusive o


America Student — que é o que estamos a alguns meses de

participar, mas insistiu que a equipe deveria se inscrever.


O vencedor levaria vinte e cinco mil para casa e quando
Jhonny soube disso insistiu que eles deveriam entrar. Na verdade,

ele deu a ordem, usando de desculpa que era o capitão e podia


acabar com a torcida para que os próximos estudantes nem sequer

tivessem vontade de fazer um teste para entrar. Por fim eles


participaram. Jhonny convenceu a todos e a tragédia aconteceu no

final, quando em seu último pulo da coreografia calculou seus


próximos passos errados, pulando longe da distância que dois
outros alunos da equipe esperavam para pegá-lo. A queda não foi

tão alta, mas do jeito que ele caiu quebrou seu pescoço em frente a
milhares de espectadores que assistiam tanto pessoalmente, quanto
pela TV ao vivo.

A mãe do Jhonny teve um infarto na arquibancada, seu pai


precisou ser levado pela emergência e a irmã desenvolveu

síndrome do pânico; o que a impediu de continuar na faculdade e


hoje ninguém sabe como ela está. Jhonny não sobreviveu, mas se

tornou um herói para a universidade. É muito triste que uma história


tão trágica tenha trazido fama à faculdade, mas todos querem estar

onde o herói e um ídolo estiveram.


— Eu preciso pensar.

— Tudo bem, temos quatro meses.

— Três — Kim me corrige. — Nós não podemos contar com o


último mês, esse é o que usamos para cuidar de qualquer problema

que surgir.

— Eu não estou pretendendo que surja algum problema.


— Nós nunca planejamos problemas, Nora, eles

simplesmente acontecem. Agora que estamos todos aqui de pé,

dispostos e descansados, podemos continuar. Ah, e sua filha está

devidamente segura em seu cercadinho de filhote.

Eu dou risada.
— Pare com isso, você sabe que não é uma grade de

cachorro.

— É sim, mas você não está pronta para essa conversa.

Venha, Harmony teve algumas boas ideias e ela disse que o irmão
dela poderia dar uma mãozinha com a música. Nós não queremos

nada pronto, não é?

— Não, eu não quero. Acho que contaremos pontos se

fizermos nossa própria batida.

— Ótimo, ele vai ajudar.

— Certo, onde nós estávamos? — Eu dou uma última olhada

em July antes de voltar à minha posição no meio da equipe e dar os


primeiros passos para continuarmos a coreografia.
LUCIAN

Eu odeio dar desculpas, odeio não conseguir cumprir com os

meus compromissos, odeio sair do Quivira sabendo que tinha coisas


a fazer, mas foi impossível continuar trabalhando em um dia cheio
de reuniões quando às duas da tarde eu não estava me aguentando

de dor.
Pedi à Emma que cancelasse as últimas reuniões e
remarcasse as mais importantes, pois amanhã eu ficaria até mais

tarde, mas hoje eu não daria conta. Nem sequer me atrevo a dirigir
e passo dez minutos de raiva esperando a porra de um táxi no
térreo.

Eu não sei se foi a comida do almoço ou se peguei uma forte


virose, mas de repente eu não conseguia mais prestar atenção em

nada, tamanho era meu enjoo. A dor de cabeça e a moleza do corpo

só contribuíram para piorar.


Entro em casa, sentindo-me tonto e nem preciso pensar para

descobrir de onde vem a música nos fundos.

Eu não tenho certeza do que se trata e digo a mim mesmo

que não vou até lá olhar, pois do jeito que estou não quero correr o
risco de desmaiar caso minha pressão baixe ao ver Nora em uma

de suas minúsculas peças de roupa.

Porém, quando estou no segundo degrau da escada escuto


mais do que a música. Há palmas e gritos e vozes altas, e quando a

música é encerrada, eu ouço risos e uma comemoração. Ela está

dando uma festa em plena quarta-feira às duas da tarde?

Cuidadosamente seguro no corrimão e desço os dois


degraus que subi, apoiando-me na parede. Outra música começa

quando entro na cozinha. Vejo muitos copos, pratos e recipientes

vazios de comida pelos balcões e a pia. Pego o meu celular e envio


uma mensagem para uma das garotas que fazem limpeza no hotel e

estão sempre disponíveis para faxinas por fora.

Eu continuo avançando e primeiramente vejo July, e o sorriso

da garotinha me faz querer pegá-la e tirá-la do barulho e do que

quer que esteja acontecendo, mas não quero ter nada a ver com a

vida de Nora e a forma como ela cria a filha. Porém, sei que se eu
vir um sinal de irresponsabilidade vou falar com sua mãe, ou pior,

me verei obrigado a falar com Francis e William. Os pais de

Cassian, afinal de contas eles são avós.

Nem gosto de pensar nisso, pois além de estar errado em

apoiar e não revelar a eles que eles têm uma parte do filho
presente, eu não vou admitir caso a veja descuidando da garotinha
de cabelos castanhos e olhos azuis.

Não quero pensar assim de Nora, mas quando escuto a


música alta e vejo a garotinha fechada entre a cozinha e uma parte

do jardim fico meio puto.

Nora está escondida atrás de vários corpos e entendo o que

está acontecendo.

— O tal ensaio.

Eu sei que ela é capitã do time de torcida da Universidade

Scorpion, o que é impressionante, mas não me surpreendeu. Não

vou ser hipócrita e negar que dei uma olhada em suas redes sociais,
ela é um sucesso no Instagram, tem muitos seguidores e seus

vídeos são muito visualizados. As fotos são forradas de curtidas e

comentários — alguns desnecessariamente desrespeitosos com seu

corpo e aparência.

Ela é linda e mostra isso sem medo.

Eu sei que ela se interessa por moda, maternidade e seu

negócio de cheerleader, e isso é muito para minha cabeça.

Desejá-la em seus shortinhos de pijama já é demais, mas

quando a imagem de uma líder de torcida universitária foi pintada


em minha mente tornou-se impossível não ver mais do que isso.
Nora sabe dançar, sabe ser provocante e sabe como prender

atenção e é por isso que me pego aqui de pé, mesmo quase


desmaiando de tanta fraqueza, mas ainda fico para observá-la

dançar com seus amigos. Ela se move com destreza, sabe o que
está fazendo, sabe que é talentosa e as pessoas ao seu redor a
seguem.

Enquanto ela dança, os rapazes e as garotas a olham,


seguindo os seus passos procurando fazer como ela e ela olhando
sempre reto, sempre para frente com um sorriso no rosto e os

movimentos calculados. Os passos fluídos me fazem começar a ter


pensamentos controversos do que quero.

Como ela é na cama?

Vi um vídeo onde segurava o pé no ar e caía no chão,


pulando duas vezes com as pernas em espacate antes de abaixar,

mostrando os seios fartos e fechando os olhos.


Eu quase bati a porra de uma punheta quando assisti, e isso
foi o que me fez fechar seu Instagram e não o abrir mais.

A vontade de trazer Cassian de volta à vida para matá-lo

porque ele já teve o prazer de ver em primeira mão... Não. Eu


balanço a cabeça para me livrar de tais pensamentos, mas então,

todo o meu corpo balança junto e eu me desestabilizo tropeçando.


Endireito-me a tempo, antes que todos se virem, inclusive Nora. Ela

corre para desligar o rádio.

— Lucian!
O esforço que faço para não cair é enorme, mas eu não vou

me humilhar na frente dela ou daquelas crianças. É isso que eles


são.

É isso o que ela é.

Uma jovem que está apenas começando a viver e não


precisa de um velho babão como eu a farejando.
NORA

Então... aqui está meu pesadelo tornando-se realidade.

Eu consigo sentir o suor escorrendo da minha testa pela


têmpora, ir até os meus seios, meus braços estão brilhando de suor,
minha bochecha queima com o sol e minha boca está seca. Eu

caminho apressada até Lucian, mas uma eternidade. Aceno para


Kimberly lidar com o restante do pessoal só que ninguém parece se
mover.

— Ei, você chegou cedo!


Há algo errado com ele. Me dá impressão de que talvez
esteja irritado, mas eu não consigo imaginar com o que, sendo que

ele mesmo me disse que eu sou livre para viver na casa como eu
quiser.

— Tive imprevistos — diz vagamente, desviando os olhos de


cima da minha cabeça para as pessoas lá fora e trazendo-os para

mim. — Vou trabalhar no meu quarto.


Sua voz está ainda mais grossa do que o normal e eu me

pego desejando ouvi-la mais de perto, talvez assim eu conseguisse

entender por que ele está como está. Ou talvez seja só a tentação
mesmo.
— Esses são meus amigos da faculdade, meu time de

torcida. Você quer conhe...

— Não — Lucian me interrompe bruscamente, batendo no


batente da porta. Ele desvia o olhar de mim. — Apenas abaixe o

som por um momento.

Grosso!

— Eu preciso disso para trabalhar. — Coloco as mãos na

cintura, o que faz o tecido da camisa subir, mostrando meu umbigo


e ainda mais pele.

Eu vejo seus olhos seguindo os movimentos nessa direção,

deslizando pelas minhas pernas até os meus pés com tênis de cano
baixo e meias que quase alcançam o joelho. Lucian engole em seco

e desencosta do batente, recuando alguns passos.

Ele vira sem dizer nada e segue em linha reta até a sala.

— Lucian — ele para ao me ouvir —, você está bem?

Fitando-me por cima do ombro, os olhos azuis intensos não

desviam dos meus.

— Melhor do que nunca.

Eu não acredito em sua resposta, por isso vou atrás dele.

— Ei. — Seguro seu braço quando ele passa pela cozinha e

alcança o corrimão da escada. — Eu só quero conver...


Antes que eu possa continuar, Lucian me pega pelo pulso
que segura seu braço, gira-me rapidamente e encosta-me na

parede ao lado da escada.

— Eu falarei com você mais tarde — ele quase rosna. Seu

maxilar cerrado e os olhos desfocados me preocupam, ele nunca

tinha se mostrado um homem violento e eu duvido que vá fazê-lo

agora, mas, ainda assim, o comportamento é muito estranho e eu

não quero deixar pra lá, mas quando abro a boca para falar mais

alguma coisa Lucian encosta levemente seu peito no meu, olhando-


me ainda mais de perto. Ele precisa inclinar a cabeça para me olhar

nos olhos ainda que eu não seja baixa, mas ele é alto. Sempre foi

muito mais alto do que eu e do que a maioria das pessoas ao nosso

redor. — Você não consegue ouvir um não como resposta?

Puxo meu braço de seu aperto e coloco a mão em seu peito.

— Eu ouvi não a vida inteira — digo sem pensar, mas

rapidamente me recomponho. — Só estou vendo que você não está

bem.
— Eu estou ótimo.

Ele segura meu pulso, mas não com força. Apenas com
firmeza e me afasta.
Meu coração está batendo forte e eu não posso evitar a

respiração acelerada. Controlo-me para não mostrar que estou


quase hiperventilando com a proximidade. Nós dois nunca

estivemos tão próximos. Eu já tinha planejado inúmeras situações


ao longo dos anos para me aproximar dele, mas nada nunca foi
assim, nunca ficamos tão perto um do outro.

Engulo em seco.
— Você está incomodado com as pessoas aqui?

— Não, eu não estou incomodado com nada. Só tive um dia


cheio e não preciso de uma discussão agora.

— Eu não ia discutir, realmente estou preocupada com você.

— Nora, preocupe-se com a sua filha largada no jardim.


É o quê?!

Eu o empurro de vez, esquecendo a atração latente que

ainda está entre nós.


— Ela não está largada!

— Também não está exatamente no seu colo. — Ele segura

no corrimão, apertando a madeira a ponto de as veias saltarem. Eu


desvio o olhar. — Eu realmente estou tendo um dia merda, volte

para o seu ensaio.


Ele suspira e fecha os olhos, passando a mão livre pelos

cabelos.

— Você nunca falou assim comigo.


— Nunca falei assim porque você não me deu motivos.

— Eu te infernizava!

— Você. Era. Uma. Criança — diz pausadamente.

— E o que mudou?
— Tudo! Caralho, Nora. Tudo mudou. Faça um favor

enquanto eu precisar ficar aqui, cuide das suas coisas e eu vou


cuidar das minhas.

Suas palavras me deixam tão chocada que eu o deixo passar

sem interrompê-lo outra vez.


Tudo.

Tudo mudou.
eu digo a mim mesma que você não significa nada

que o que nós temos, não tem nenhum poder sobre mim

mas quando você não está lá, eu simplesmente desmorono

digo a mim mesma que eu não me importo muito

mas eu sinto que estou morrendo até eu sentir o seu toque

deve ter sido um beijo mortal

só o amor pode machucar assim

only love can hurt like this - paloma faith

NORA

É sexta-feira.

Diferente do último ano e alguns meses sozinha na enorme

mansão, hoje me encontro sentada à mesa com a minha filha


enquanto Lucian está na cabeceira com o prato que mal comeu e o

notebook de onde não desvia o olhar — a não ser quando minha


filha faz algo para chamar sua atenção. Por educação, é claro, ele

para o que está fazendo para observá-la.

Dois dias atrás ele me encontrou treinando com minha equipe


de torcida e nós não temos conversado. A forma como ele me tratou

não é algo que aprecio ou levo numa boa, se eu ainda fosse jovem

provavelmente acharia sexy ou interpretaria como ele implicando

comigo como se estivesse flertando, mas como adulta, sei que tinha
algo errado e ele estava descontando em mim.

A vida adulta me tornou meio intolerante com certas coisas e

eu realmente não queria começar uma briga com Lucian, porque eu


não sabia quem tinha mais potencial para ganhar.

— O bife não está bom? — perguntei a ele quando terminei

minha comida e fiquei somente observando July comer caso

precisasse de ajuda.

Ele tirou os olhos do notebook por menos de cinco segundos

e voltou-se para a tela novamente.

— Eu não estou com muita fome, mas o bife ficou bom.

E assim o silêncio reinou novamente.

É claro que ficou, foi ele quem cozinhou. Eu tenho


encontrado comida feita em casa com muita frequência e as únicas
vezes que precisei pedir foi quando o meu rabugento colega de
casa demorou para chegar e não me impediu de contratar delivery.

E isso foi bem raro, pois quando chega tarde, geralmente tem
enviado funcionários de seu hotel com comida do restaurante.

Eu disse a ele que não era necessário, mas de acordo com

Lucian, ele fica mais tranquilo que suas hóspedes estejam bem

alimentadas com comida de qualidade. Eu continuaria

argumentando, mas quando vi a forma como July comeu o

almocinho especialmente preparado para ela, mudei de ideia. Ele é


rico, tem um restaurante e um chef estrelado à sua disposição,

então que fique à vontade para fazer a gentileza de servir minha

garotinha bem.

— Você não parece comer muito — eu tento novamente,

incapaz de me conter.

— Eu como o suficiente, Nora. Não se preocupe com isso.

— Eu não estou preocupada, só dizendo a verdade. Se você

pode mandar até o seu chef para garantir que eu e minha filha

vamos comer, porque eu não posso tentar te dar um toque se

perceber que você está sendo negligente com a sua própria


alimentação?
— Porque eu não estou, são apenas dias conturbados no

trabalho e eu estou focado, mas eu almoço, eu janto e tomo café da


manhã.

— Ok, mas eu posso dizer que você parece passar muito

tempo na academia, não fique negligenciando as necessidades do


seu corpo.

Eu vejo seu punho cerrar e a garganta movendo-se quando


engole em seco. Será que pensou o mesmo que pensei
tardiamente? Se sim, nós estamos no mesmo caminho e se chama

precipício.

Um penhasco de arrependimentos, uma enorme confusão e


lágrimas no fim.

Talvez durante também.

As necessidades do corpo... Deus. Eu nem lembro quando foi


a última vez que me atentei às necessidades do meu corpo.

Eu o observo, aproveitando que está focado na tela do


notebook.

Algumas mechas do cabelo preto caem na testa, e


combinando com a camisa de manga longa branca, ele usa uma

calça cinza de moletom — que querendo ou não — me deixou ver


aquele contorno.
O maxilar bem travado e definido só perde na beleza para os

lábios grossos e avermelhados.

Deus, por que não me fez um pouco mais velha?


Por que eu não podia ser a Ravena? Sem a parte do

abandono no altar, é claro.

— Seus amigos da faculdade — ele diz após alguns minutos,


surpreendendo-me. — Eles vêm sempre aqui?

— Não para festas ou visitas constantes, é mais para treinar.

— Uma Universidade como a Scorpion não oferece ginásio?


— Sim, mas preferimos praticar em lugares abertos, com ar

livre quando está calor. Antes íamos até o parque, mas eu não
gostava de ficar tanto tempo longe de July. Aqui posso ficar de olho
nela o tempo todo.

— Entendo.

— Isso te incomodou naquele dia, não é?

— Não.
— Você pode me dizer a verdade, Lucian.

Ele olha para cima, batendo os olhos azuis diretamente nos

meus.

— Eu não minto, Nora.


Meu nome em seus lábios combina tanto, fica tão
tentadoramente lindo.

Droga! Por que tem que ser tão difícil?


Ele não podia ter ficado feio com o passar dos anos?

— Eu tive um mal-estar e acabei descontando na situação.

Eu sabia que ele parecia estranho.

— Está se sentindo melhor nos últimos dias?


— Sim, como eu disse foi apenas um momento. — Lucian

suspira e se prepara para levantar.

— A visita mais recorrente é Kimberly. — Puxo assunto, não


querendo que ele vá. — Talvez não se lembre dela.

— Eu me lembro. Lembro muito bem.

Eu seguro uma risada ao vê-lo franzir o cenho.


— Ela é difícil de esquecer.

— Não tem como, já que ela deixava recados nos meus

carros.

Eu tampo o rosto, envergonhada de lembrar que era a


principal apoiadora quando ela decidia fazer isso.

— Não me lembre!

— O deuso grego no vidro do meu Bugatti é difícil de


esquecer.
Aquilo foi eu, mas ele não precisa saber.

— Você chorou de rir.


— Ela parou com esse comportamento?

— Na verdade, está pior agora, mas eu fiz o melhor que pude

tentando consertá-la.
— Ela é uma boa garota e pelo que eu me lembro, seus pais
gostavam dela, então deve ser uma boa amiga.

Eu murcho na hora.
Que tipo de conversa é essa? Ele está realmente falando

comigo como se fosse meu irmão mais velho ou algum tipo de primo

distante? Lucian realmente vive no mundo da lua ou ele está

propositalmente ignorando todo o clima ao nosso redor, fingindo que


a situação não é clara como o dia aqui.

— Meu pai a adorava, mesmo com ela tentando me arrumar

namorados no decorrer dos anos.


Ele não responde isso rápido ou dá risada, pelo contrário,

volta a olhar para o notebook e assente novamente.

— Quando chegar a sua hora de namorar você saberá

escolher direito.

Quando chegar a minha hora de namorar? Ele só pode estar

me provocando.
De repente o moreno sexy e gostoso pra caramba na minha

frente virou um tio.

Depois dessa eu digo a mim mesma que o melhor a fazer é

me concentrar em ajudar July a terminar seu jantar, e o silêncio que


se instala pelos próximos minutos é pavoroso, contudo, não vou dar

o braço a torcer.

Eu estou ficando como antigamente.

Compulsiva e louca de vontade dele, só que agora eu sei

como é ter um homem. Consigo imaginar claramente como seria ter

esse homem. Talvez o melhor fosse torcer para que ele vá embora e

eu consiga voltar aos trilhos da minha vida.


— E como vão os reparos no último andar do seu hotel? —

Quando percebo, já perguntei.

Há o início de um sorriso torto no canto do lado direito de sua


boca, mas ele limpa a garganta e o esconde.

— Não tão bem. O engenheiro disse que há mais problemas

do que imaginava.

— Então, seremos colegas de casa por mais um tempo. —

Minha voz é neutra, não que isente minha perturbação com a

informação, mas Lucian me encara com um olhar nada amigável.


Não é o tipo de olhar que um primo distante ou um tio preocupado

com namorados daria. É o olhar que diz: pare de me provocar.

Mas o que aconteceria se eu continuasse o empurrando?


A campainha toca de repente, tirando-nos da bolha que

estávamos na última meia hora. July dá um gritinho e ergue as

mãos em empolgação, enquanto Lucian e eu nos levantamos.

— Eu vou atender — digo, ao passo que ele fala:

— Pode deixar.

— Provavelmente é Kimberly, ela esteve aqui e sempre volta

para pegar algo que esqueceu.

— Também pode ser uma visita para mim.

Inclino a cabeça de lado.

— Durante o tempo que eu fiquei aqui não recebi nenhuma

visita ou correspondência pra você, realmente deve ser pra mim.

Ele segura o encosto da cadeira, inclina a cabeça para o lado

e me encara sem piscar.

— Você está esperando alguém que eu não posso ver?

Oh-oh...

Eu tenho que segurar o sorriso vitorioso que quer escapar.

— O quê? — Finjo-me de inocente. — É claro que não!


— Essa insistência em não me deixar abrir a porta só pode

ter algum motivo.

Eu coloco as mãos na cintura.

— E por que eu esconderia alguém de você?

— Porque pode ser um homem.

— E daí?

— E daí que eu estou aqui. — Ele aumenta o tom de voz,


dizendo como se fosse óbvio — mas é claro que não é.

— Bem — encolho os ombros —, eu sou adulta e essa é a

minha casa. Você mesmo disse. O que é que tem se eu quiser


receber a visita de um homem?

Seus olhos tremulam levemente e ele cerra a mandíbula.

— Bem — ele me imita, balançando a cabeça quando dá a


volta na mesa e caminha passo a passo lentamente em minha

direção —, eu acho errado que você receba visita de homens

estranhos aqui com sua filha em casa e acordada. Ainda assim... na

hora do jantar.

— Ela já terminou de jantar e eu poderia pedir para minha

visita esperar por dez minutos enquanto eu a faço dormir lá em


cima.
Eu realmente não pretendia ir tão longe com a provocação,

mas ele me tirou do sério com aquela pose de “vamos fazer isso de

uma forma saudável”. Eu sei que não vai dar certo e Lucian sabe

também. Porque é tão difícil admitir que ele deveria pegar sua mala
e ir para outro hotel ou simplesmente me mandar sair enquanto há

tempo?

Preciso admitir que uma parte minha quer forçá-lo a fazê-lo


sentir um pouco do que eu senti na noite em que minha vida virou

de cabeça para baixo. Pode ser vingança? Talvez, mas eu diria que

é mais um pouquinho de raiva pelo passar dos anos. E ele não tem
culpa, essa é a pior parte, mas também é o que me faz ficar com

mais raiva ainda.

Ele solta a cadeira e a bate no chão.

— Eu vou atender.

— Lucian! — grito, mas ele não me dá tempo de correr atrás

e quando tiro July dá cadeira alta e o sigo até a sala, é o tempo de


Lucian abrir a porta.

Eu sei que é alguém que conheço, pois o porteiro não

interfonou para liberar a entrada. Há uma lista de pessoas para


quem liberei o acesso, portanto, estou esperando Kimberly, alguém

da torcida que pode ter esquecido algo ou até mesmo minha mãe,
mas eu com certeza não estou preparada para quando vejo Francis

e William passar pela porta, abraçando Lucian com amor fraterno


que eu sempre os vi demonstrar.

Porra, Jesus!

Francis e William.

Seus tios.

Pais de Cassian.

Avós da minha bebê.

Fico paralisada, não sei o que dizer, o que fazer e o que

sentir. Simplesmente quero correr o mais rápido possível e fingir que

aquela porta nunca foi aberta, não, na verdade, eu desejo poder


voltar ao tempo e aceitar o convite da minha mãe para morar na sua

casa. Eles nunca me encontrariam se eu estivesse com ela agora.

Será que Lucian contou a eles mesmo quando eu pedi para me dar
um pouco mais de tempo?

Eu o observo com esforço. Independente de quanto tempo eu

precisava para revelar a verdade, ele deveria ter respeitado, sei que
estou errada, mas não me sinto pronta para dizer a eles como tudo

aconteceu e porque escondi sua única neta.

Protegi.

Digo a mim mesma.


Eu protegi July do que poderia acontecer no futuro. Esse
futuro que agora virou presente.

Não conheço Francis e William tão bem para saber se eles


não entrariam numa luta na justiça comigo. Minha família tem

dinheiro, mas a família Santoro tem muito mais. Eles são como uma

dinastia na cidade, uma família de gerações com negócios

espalhados por toda Los Angeles e conhecidos além daqui. O que


me garante que neste momento não estou prestes a perder minha

filha?

Não posso aceitar isso e não posso perdoar Lucian se ele


contou a eles.

— Querido! Como você está? — Francis pergunta após soltá-

lo.
— Francis. — Ele nunca a chamou de tia, mas eu sei que tem

um carinho por ela. Sempre vi na forma como a tratava.

— Nós soubemos que você estava de volta à cidade e


resolvemos passar para dar um oi e conhecer sua casa nova já que

nunca tivemos a oportunidade.


— O quê? — Lucian olha para mim de canto, o casal ainda
não me viu, mas eu sei que é apenas questão de tempo.
Ao mesmo tempo, alívio me inunda quando percebo que a
visita não partiu dele por ter contado o meu segredo, parece que um
peso foi tirado ou pelo menos parte dele, pois sei que ainda tenho

todo o resto para lidar. Eu só não conseguiria lidar com perder mais
uma pessoa próxima, porque se Lucian tivesse revelado a eles, eu
não poderia deixar que continuasse em minha vida.

Independentemente dos sentimentos do passado, do


presente ou do futuro — quando eu descobrisse o que é que sinto

agora.
— Lucian — William o cumprimenta. — Já faz um tempo.

— Sim.
— Três anos, eu me lembro bem. — Francis sorri para ele,

então, com uma virada de rosto ela tem o vislumbre de mim. Parece
chocada ao me ver, mas abre um grande sorriso que me faz sentir
péssima imediatamente. — Não é possível! William! Você a

reconhece?

William me observa por alguns segundos antes de sorrir.

— Oh, meu Deus, é claro, a menina de Steven!

— Sim, é Nora! Nora — ela repete. — Oh, meu Deus, como


você está crescida! — Aproximando-se, abraça-me com minha filha
entre nós sem nem se dar conta de que está abraçando à neta.
Eu sou uma pessoa horrível.

Quero perguntar imediatamente o que eles estão fazendo


aqui, mas sei que fora seu pai, eles são os únicos parentes vivos de
Lucian, Cassie, Lebron e Travis, é claro que estarão presentes

sempre que puderem. Tinha sido assim desde a minha infância.


Embora a família fosse riquíssima, nunca pareceram frios ou
distantes. Muito pelo contrário, sempre foram ligados.

— Olá, Francis. Já faz um tempo.

— Menina, você está enorme! Eu nunca te reconheceria se

não estivesse aqui — ela desvia os olhos de mim para July —, oh,
quem é essa beleza?

Não.

Não.

NÃO.

Eu penso em qualquer coisa que posso dizer para tentar

mudar seu foco.


— Faz um tempo mesmo, a última vez que nos vimos foi no
funeral do meu pai. — O aperto em meu peito é instantâneo. Eu

nunca falei sobre aquele dia assim, como se fosse tão natural, como
se eu já tivesse superado a dor isso e me prova o quão longe eu

estou disposta a ir para proteger minha filha. Ainda que talvez eu


esteja sendo boba e ela não precise de proteção contra eles, mas
eu não sei, não os conheço além de serem colegas que meu pai

conheceu no mundo corporativo.

Todo mundo tem um lado ruim. Quem me garante que


Francis e William não fazem parte dessa porcentagem?
— Nora — Lucian me chama e limpa a garganta. — Você se

lembra deles? Minha tia Francis e meu tio William, pais de Cassie e
Cassian.

— Eu me lembro.
— Querida, você está tão bonita e diga-me quem é essa
princesinha. Olhe William, parece uma boneca e ela é tão familiar.

— Ela se parece muito comigo, todos dizem isso.

— Sim, sim — ela diz sem tirar os olhos da minha filha. — Ela
se parece realmente com você. Ela tem quantos anos?

Eu posso ver o julgamento em seus olhos, posso vê-la


fazendo as contas, posso ver quando entende que eu fiquei grávida
na adolescência ou muito recém-saída dela. O que será que ela

diria se um dia eu contasse o que aconteceu?


— Ela tem um ano, um ano e três meses.

— Oh, claro... é muito linda.


Dando risada, William também se aproxima, mas ao contrário

de Francis ele não observa minha filha com curiosidade e sim com
estranheza.

Posso estar sendo neurótica, mas eu diria que ele vê algo


nela e não está errado se estiver vendo. Eu só não vou dizer isso

em voz alta.
— A semelhança entre vocês duas é incrível — ele franze o
cenho —, parece que eu estou te vendo quando pequena.

Ele abraça Francis, que tenta me olhar para falar comigo mas
continua desviando seus olhos para minha filha.

Há um incômodo momento de silêncio, antes que Lucian se


aproxime do casal.

— Nós acabamos de jantar. — Ele chama a atenção dos dois


e eu respiro fundo, implorando com os olhos que não os convide

para uma refeição. — Está tarde, Nora vai para a faculdade amanhã
e eu trabalho.
— É claro, nós nem nos demos conta da hora. Estávamos

vindo de um evento e eu tomei um pouco de champanhe a mais. —


Francis ri. — Quando vimos em uma dessas páginas da internet
que você tinha voltado eu não pude perder tempo. Tinha que vir

visitá-lo!
— Páginas da internet? — Lucian ergueu uma sobrancelha
grossa escura.

— Instagram de fofoca — William explica e ri. — E seu pai


como está?
— Está bem. — Ele não diz mais nada, mas o olhar de

William me diz que há algo ali. Algo que eu quero


desesperadamente perguntar o que é.

— Não faz muito tempo que voltei, mas não fico surpreso que
já tenha notícias sobre isso.

— Sim, mas nada demais. Só estão informando as solteiras


que o solteiro mais cobiçado retornou ao lar.

Eles dão risada e Lucian assente com um sorriso fechado e


cortês no rosto.
— Bem, não vamos deixar que elas esqueçam porque eu

ainda estou solteiro.

O sorriso de Francis morre e ela acena com desdém.


— Querido, todos já esqueceram isso, Ravena...

— Não — disse William. — Não vamos falar sobre isso.


Francis parece querer continuar o assunto, mas então July
faz um som coçando os olhinhos, o que me diz que ela está com
sono e eu vejo a abertura perfeita para subir e colocá-la para dormir,
porém sou impedida quando Francis vira-se totalmente para mim.

— Falando em solteiro, isso me leva a perguntar... porque


essa hora da noite Nora está aqui com você e por que — ela faz

uma pausa — ela vai dormir?


— Eu não vou.

— Lucian disse que tem que ir à universidade cedo e pela


sua roupa eu imagino que não vá pegar um táxi às — William olha o

relógio de pulso — hmm, vinte para meia-noite. Se precisar de uma


carona...
— Não, eu estou bem. Minha mãe vai passar para me pegar.

— É claro. E como está sua mãe? Sinto falta de fazer


compras com ela. Ela ficou muito ocupada.

Por que ela diz isso com um sorriso no rosto? Será que se
esqueceu que minha mãe só ficou ocupada demais para não
conseguir mais ir fazer compras com ela no meio do dia porque meu

pai morreu e é necessário que alguém cuide dos negócios da minha


família?

— Ela está trabalhando bastante, mas está muito bem e feliz.


— Desculpe perguntar — Francis dá um passo à frente —,

ela sabe que está aqui com meu sobrinho essa hora?
Como é?

— Eu sou maior de idade. Ela não sabe exatamente todos os


meus passos. — Eu sorrio para que minha resposta não pareça tão

fria, apesar de ser.


— A visita acabou. Obrigado por passarem aqui — diz
Lucian, já se encaminhando para a porta.

Estando de costas ele não vê, mas eu vejo.


William olha entre mim e ele, fita July no meu colo e volta a

fitar Lucian.

— De quem é a garotinha?
Lucian para imediatamente. Ele se vira e seus olhos vêm
direto aos meus.

A decisão é minha.
Eu sinto meus olhos se arregalando, minha boca secando e o

meu aperto em minha filha fica mais forte. Eu imploro mentalmente


para que ele não diga nada.

Não diga, não diga, não diga!


Mas quando ele olha para William e abre a boca, eu sei que

ele vai dizer.

Lucian odeia mentiras.


Não importa se é o meu segredo ou não, Lucian não mente.

Ele nunca mentiu, muito pelo contrário, sua honestidade bruta era o
que fazia com que as mulheres saíssem correndo de sua casa, foi
sua honestidade bruta que fez com que ele abandonasse a noiva

quase no altar.

Foi sua honestidade que trouxe July até aqui.


— É de Lucian — eu digo de repente.

Eu não penso e nem sequer reflito em minha resposta.


Simplesmente falo como se não houvesse consequências
para isso. Dou um passo à frente, encarando o olhar horrorizado,

chocado e incrédulo de Francis.

— Ela é minha e de Lucian. — Dou um sorriso incrivelmente


forçado e me aproximo dele, que está estático.
— Oh — diz Francis, ela me acompanha sem piscar até que

eu estou ao lado dele e passo meu braço por sua cintura.

— Nós reconhecemos o que sentíamos e simplesmente

aconteceu.
William dá risada e bate palmas.

— Eu sempre soube que isso aconteceria! Você não se


lembra como ela o perseguia quando criança?

Sinto Lucian estremecer.


Merda.

— Eu não sou mais criança, meu pai gostava muito de Lucian

e eu sei que onde quer que ele esteja está feliz por nós dois.
Francis não consegue dizer nada. Ela alterna seu olhar entre
nós três, mas parece estar sem palavras.

Lucian se desvincula do meu toque e aponta para a porta.

— Bem, como eu já disse, agradeço a visita. Francis, William


precisamos encerrar o dia.

— É claro. — William ainda tem um sorriso enorme no rosto e


Francis olha para o chão, para mim e para Lucian. Eu não sei o que
está passando na cabeça dela, mas por um momento tenho medo

de ter causado uma pane no cérebro da mulher. — Vamos, querida.


— Ele segura sua cintura, empurrando-a em direção à porta.

— Boa noite a vocês dois, vão com cuidado.

— Pode deixar. — William acena. — Bom trabalho, filho! —

ele diz ao apertar a mão de Lucian. — A garotinha é linda! E Nora,


case-se logo com ela, uma mulher assim não aguenta ser enrolada
por muito tempo, hein? E você não vai querer perdê-la. — Rindo

como se tivesse acabado de descobrir ouro, ele sai, levando sua


esposa ainda chocada.
Lucian fecha a porta delicadamente.
Eu não esperava que ele fosse bater, é claro, sabendo que os
visitantes ainda podem nos ouvir. Quando ele se vira, ele fica

parado segurando a porta por alguns segundos. Por um minuto,


uma hora... eu não sei. July já dormiu no meu ombro e ele
finalmente se vira lentamente, quando seus olhos batem nos meus,

os azuis frios e inatingíveis me assustam.

Não é a mesma coisa de quando eu era pequena, fazia

alguma merda e sabia que ele ia me desculpar, afinal, eu era


apenas uma criança e não sabia o que estava fazendo. Porém,

isso... Porra, eu sei o peso do que fiz. Além de trazê-lo para dentro
do meu segredo e envolvê-lo numa mentira enorme, eu ainda o fiz
parte de algo que precisa ser permanente — a menos que eu

chegue em William e Francis e diga a eles que July, na verdade, é


filha do falecido filho deles.
— Oh, meu Deus — eu digo quando meu sangue começa a

esquentar e eu me dou conta do que fiz. — Lucian...

Ele ergue a mão, e então, fecha todos os dedos até restar

apenas o indicador para cima.


— Você não fala comigo, você não olha para mim e você não
me toca. Você ultrapassou todos os limites.
Eu engulo em seco, coloco July no sofá delicadamente e

volto para ele.

— Eu sei, mas nós podemos consertar isso, eu apenas...

— Não existe nós aqui! — ele vocifera, fazendo-me recuar. —


Nunca existirá um nós. Eu sabia que isso não daria certo, não sei
porque deixei chegar tão longe! PORRA!

— Lucian, eu só preciso ir atrás deles e...


— Ir atrás deles? — Ele fecha os olhos com força, então

cerra os punhos. — Nora, não. Apenas... não.

Eu não posso dizer mais nada ou tentar argumentar a meu


favor, pois ele passa por mim sem encostar e sobe as escadas.
Quando eu escuto a porta de seu quarto fechar com tanta força que

me faz pular e estremecer, sei que fodi qualquer chance com ele
nessa vida.
é agridoce pensar sobre os danos que causamos

porque eu estava me afundando, mas eu estava fazendo isso com


você

sim, tudo que quebramos e todos os problemas que criamos

mas eu digo que te odeio com um sorriso no rosto

todas as coisas que eu fiz

só para eu poder te chamar de meu

as coisas que você fez

bem, espero que eu tenha sido seu crime favorito

favorite crime - olivia rodrigo

NORA

Quando verifico o relógio, percebo que já estou deitada há


meia hora, mas é impossível resistir. July está deitada ao meu lado.

Ela está acordada e animada esta manhã o que é raro, pois ao


contrário de mim que levanto sempre bem-disposta já que sempre

tive essa veia ativa, minha filha gosta de dormir. Ela é como um urso
dormindo quantas horas puder e aproveitando cada banco ou sofá

que encosta para tirar um cochilo, mas também gasta tanta energia

que esse comportamento nunca me surpreendeu.

— O que você quer fazer hoje? — pergunto sem esperar

resposta.
É sábado e eu queria um dia de sol para aproveitar com ela,

sair, levá-la ao parque e brincar na grama, mas o céu nublado me

diz que não vou conseguir realizar esse plano.

— Nós podemos montar a sua barraca na sala. Mamãe pede


comida, nós almoçamos, brincamos e ficamos assistindo o dia todo,

o que acha?

Eu preciso treinar todos os finais de semana e a equipe

sempre dá um jeito de conciliar vida pessoal, trabalho, família e os

treinos. Porém, ao acordar oito horas e ver que no grupo que três
pessoas fundamentais para os saltos e levantamento das garotas no

alto desmarcaram, eu decidi me dar uma folga hoje.

Só precisamos compensar na semana depois da faculdade, o

que não é um sacrifício para eles, afinal, poucos ali trabalham e os


que trabalham geralmente são nas empresas da família e podem se
dar ao luxo de faltar.

— Parece que teremos um dia preguiçoso, afinal de contas.


Eu me pergunto onde Lucian vai passar o sábado. Em seu

hotel trabalhando mais uma vez? Eu não sei, mas percebo que terei

que me arrumar para o caso de ele chegar. Não quero ser pega

desprevenida como da primeira e da segunda vez. Eu me preparo

para levantar da cama, mas então...

— Ai, porra!

— Mama? — July me chama, olhando-me parecendo curiosa

pelo meu tom de voz e o susto em meu rosto.

— Meu Deus, filha! O que eu fiz?


Tomar um remédio para dormir na noite passada — uma

dose curta para conseguir ouvir se July acordasse — ter algumas

horas de sono e conseguir acompanhar minha filha durante o dia

não parece tão boa ideia hoje, quando me dou conta de que ontem

eu literalmente fodi tudo!

Tudo me volta quando levanto, equilibro-me e puxo as

cortinas para dar uma olhada lá fora, vendo a garoa batendo no

vidro. Começo a me lembrar de cada detalhe.


Minha quase discussão com Lucian.
Nossas provocações.

A visita inesperada de seus tios.

E puta que pariu... o momento em que eu decidi tocar fogo no


palheiro.

— Puta que pariu!

Estou tão ferrada!

— Apaliu! — exclama July.


— July! — tento repreender, mas quero rir. — Não diga essas

coisas. — Volto para a cama e a pego. — Nós temos que dar um


jeito nisso, porque provavelmente seremos expulsas.

Eu me encaminho para o banheiro, mas de repente escuto

um barulho vindo lá debaixo.


Suspiro, exasperada.

— Parece que ele já está aqui. Terei que me preocupar com


isso mais rápido do que pensei.

Em seguida ouço o som familiar de aspirador de pó. Um


momento... Lucian não estaria fazendo faxina às oito e meia de um

sábado.

— Era só o que faltava. — Pego meu roupão felpudo,


amarrando-o e depois coloco uma blusa em July. Ela já está com

seu pato rosa na mão. Sinto-me culpada por um segundo, sabendo


que ela ainda fica se perguntando o que houve com o pato, porque

ele não faz mais aquele som insuportável.

Quando ela fizer quinze anos vou contar que eu arranquei,


porque não aguentava mais.

— Vamos ver quem é o invasor da vez.

E eu não estou brincando. É incrível como essa casa recebe


visitantes de surpresa. Talvez tenha sido erro meu não ter trocado a

fechadura, acho que no fim nunca me senti cem por cento a vontade
na casa ou essa seria a primeira coisa que eu teria feito. Nunca a
reconheci como minha, sempre fiquei esperando que alguém fosse

aparecer e me mandar sair.


— Parece que eu estava certa, não é chuchu?

— Da-da-da — July responde sem entender uma única coisa

do que eu disse.
Desço as escadas devagar, segurando minha filha

firmemente mesmo que eu saiba que não pode ser um ladrão, a não
ser que ele tenha um surto psicótico e no meio do roubo decidiu
limpar a minha casa. O tamanho da minha surpresa ao parar no

último degrau e ver uma mulher mais velha toda de preto com um
fone no ouvido não pode ser descrita.

Eu limpo a garganta, mas ela não escuta.


— Olá? — Ela não escuta de novo. — Oi? — Sem sucesso
outra vez, eu dou a volta e paro em sua frente, o que a faz pular.

— Cristo Senhor! Menina! Você me assustou!


— Eu te assustei? Me perdoe, mas essa é a minha casa.

— É a casa do Lucian até onde eu sei.

Ligando o aspirador de novo, ela volta à faxina como se eu


não estivesse aqui.

— Com licença, senhora.

Ela me ignora, começando a assobiar como se o barulho já


não fosse o suficiente para me calar. Ela só pode estar de

brincadeira. Ou ele ficou tão bravo comigo que resolveu fazer algum
tipo de pegadinha? Não vendo outra alternativa para a birra da
senhora, aproximo-me da parede e puxo a tomada do aspirador do

interruptor. O olhar que ela me dá ao perceber o que eu fiz é


impagável. Eu coloco July sentadinha no sofá e ela rapidamente

puxa uma almofada, ajeita-a debaixo da cabeça e fecha os olhos.

— Opa, opa, mocinha! O que é isso?


— Eu é que pergunto! Sei que a casa é dele, mas no

momento eu estou morando aqui.

— Eu ouvi dizer.
— Como assim ouviu dizer? É a verdade e Lucian sabe
disso, na verdade, eu moro aqui há um ano e nunca tive serviço de
limpeza.

— Que bom que o patrão voltou para dar um jeito nisso, a

casa está precisando de uma geral.


— Bem — eu gaguejo, porque realmente nunca fui muito boa

em limpeza, mas dei meu jeito. — Eu limpo e organizo tudo muito


bem. Eu não diria que está precisando urgentemente de uma geral.

Ela encolhe os ombros.


— Se você diz.

Eu penso em algo para dizer antes que ela volte a me

ignorar.
— Escute, começamos com o pé esquerdo. Eu sou Nora. —

Decido exercitar o diálogo como meu pai vivia dizendo para eu fazer

com pessoas difíceis de lidar.

— Humhum. — É a resposta dela ao cruzar os braços e me

olhar de cima a baixo. — Eu sei. O patrão mandou te dar um

recado.
— Ok, agora estamos começando a nos comunicar. Qual o

recado?
— Pediu que você arrume suas coisas. Na verdade, ele não

pediu, ele mandou.

— Ele me mandou arrumar minhas coisas? Lucian sabe que

não posso sair agora, eu preciso de pelo menos alguns dias para
isso.

— Não será possível.

— E por que não?


— Porque ele mesmo vai levá-la a um lugar e pediu que

apenas arrume uma mala para senhora e a garotinha. — Ela tenta

esconder o sorriso que dá para July, mas eu vejo. Por que ela está

sendo mal-educada comigo e sorrindo para a minha filha?

— Ele lhe disse algo?

— Ele me contou tudo. — Ela imediatamente se vira para me

encarar e balança a cabeça em reprovação. — Vocês jovens


realmente não sabem com o que estão se metendo quando decidem

fazer uma burrada.

— Eu não estou entendendo. Desculpe, fiz algo errado aqui?

Porque eu acordo às oito da manhã e escuto um barulho na casa

que até então é minha e estou errada em questionar?

— Se a carapuça te serve, querida, a vista. Agora com


licença, eu dei o meu recado e tenho trabalho a fazer.
— Espere! — chamo antes que ela ligue o aspirador de novo.

— Ele pelo menos disse que horas virá?

Ela olha no relógio da parede, olha para minha filha e olha


para mim.

— Às dez.

— Certo. — Engulo em seco. Sabia que uma hora passaria


por essa humilhação. — Dez horas não é o suficiente, agora são

oito e quarenta e eu preciso arrumar tantas coisas e nem tenho

mala suficiente para guardar tudo.


Certamente terei que deixar mais do que a metade aqui e

mandar alguém para buscar depois. Se esse é o tipo de amigo que

ele diz ser para o meu pai e que sente que precisa me ajudar, eu

não consigo imaginar o que um inimigo dele faria. Eu não sei se ela
vê o pânico em meus olhos ou tem um surto de bondade, mas a

mulher suspira e acena para cima.

— Posso ficar com a garotinha se você quiser enquanto

arruma as coisas. Ele não disse para arrumar tudo, apenas uma

mala.

— E esse foi o único detalhe que ele deu?

— Sim.

— Ok. Você sabe cuidar de bebês?


— Garota, eu fui babá por toda a minha vida. — Ela coloca a

mão na cintura e fala balançando o pescoço como se estivesse


querendo parafrasear cada palavra.

— Desculpe, eu já desço.

Sem saber o que diabos está acontecendo, eu subo as


escadas, dando um último olhar para July quando chego lá em cima.

Sigo em direção ao meu quarto e pego duas malas colocando

roupas de frio e poucas de calor apenas caso precisemos. Eu não


sei o que Lucian está tramando, mas talvez seja essa sua forma de

se vingar depois de ter ficado quieto na noite passada com o que eu

fiz.

Essa é a vida adulta, afinal. E papai não está mais aqui para

resolver meus problemas. Só parece brincadeira do destino que a

primeira pessoa a me ensinar uma lição seja Lucian Santoro.

Quando eu desço com a minha mala e uma um pouco menor


de July, não sei o que esperar, mas penso seriamente em ligar para

minha mãe e pedir que me busque. O que quer que Lucian tenha

planejado para mim não é justo. Eu não fiz nada de errado — fora
colocá-lo na maior confusão de sua vida —, mas por enquanto vou

fingir que realmente não fiz nada, até encontrar um jeito sólido para

resolver. Ele não pode ficar com raiva para sempre, certo?

— Que bom que já está pronta. Vamos.

Eu ouço a voz de Lucian e o encontro de pé atrás do sofá

onde minha filha está sentada olhando para ele com um sorriso

enorme no rosto. A bebê está encantada.

— Posso perguntar para onde vamos?

— Para um lugar onde você não causará mais problemas.

— Ah, muito obrigada pela explicação — digo com ironia. —

Agora eu com certeza me senti uma criança.

— A cada minuto você me faz pensar que ainda é uma.

— Por quê? — Solto as malas e cruzo os braços. Agora

definitivamente quero uma resposta.

— Nora, não me faça discutir com você agora. Não depois de


ontem.

— E o que tem ontem? Devemos falar sobre isso, você

simplesmente saiu e hoje mandou uma estranha...


— Judith — ela corrige, observando da porta da sala para a

cozinha.

— Mandou Judith para me dar um recado.


— Eu já disse que não vou conversar agora. Eu levo suas

malas, pode pegar sua filha.

— Lucian — eu o chamo quando segue em direção à porta.

— Não vou seguir suas ordens cegamente, eu estou indo para a

casa da minha mãe.


— Não, não vai.

— Como é?

— Você não vai para a casa da sua mãe, nós vamos até a
fazenda de Francis e William e lá vamos dizer a eles a verdade.

— Eu não farei isso.

Ele ignora, pega as malas e sai.

— Lucian! — Ele não para dessa vez. Passando por Judith,

eu pego minha filha no sofá e coloco seu porco laranja entre nós
duas, seguindo-o.

O frio me faz apertar July mais perto, e tiro de sua mochila

uma touquinha para aquecê-la melhor. Ele está fechando o porta-

malas.

— Lucian, não adianta me ignorar. Já disse que não vou com

você! Não vou contar para Francis e William.

— Ah, vai sim.

— Não vou e você não pode me obrigar.


— Eu posso te obrigar pra caralho quando você mente sobre
algo tão sério.

— Não é uma mentira que vai durar para sempre — tento me


defender. — Eu me senti pressionada na hora. Sabia que você ia

contar pra eles.

— Eu não ia contar, ia desconversar e mandá-los embora até

que você resolvesse revelar o seu segredo que pra falar a verdade é
ridículo. Qual é o seu medo? Que meus tios sejam monstros e tirem

July de você? Eles não fariam isso, acabaram de perder um filho.

Sabem qual é a sensação.

— Você viu como Francis me olhava, ela acha que eu sou

uma criança.

— E quando ela descobrir a sua mentira terá certeza disso.

— Você não vai me ouvir, estou indo para a casa da minha


mãe. — Eu seguro a trava do porta-malas e tento abri-la, mas

Lucian me alcança e bate a mão, fechando-a novamente. O barulho


alto faz July soltar um gritinho e ela chora enfiando a cabeça no meu

pescoço. — Olha o que você fez! Minha filha não está acostumada
com esse tipo de coisa.
— Então talvez você devesse se comportar para que ela não

seja exposta a isso! — Ele ainda tenta discutir, mas vejo em seus
olhos que não gostou de ter feito minha filha chorar. Ele sempre foi
bom com crianças, lembro-me de como me tratava quando eu ainda
não pegava tão pesado com as investidas inconvenientes.

— Calma, meu bebê, calma...


— A faça parar de chorar — ele diz entredentes cerrados.

— Por quê? Minha filha chorando também vai te incomodar


como o som do meu ensaio?

— Ela não me incomoda.

— Por que é que você está sendo assim?


— Esse sou eu.

Eu balanço a cabeça.
— Não, você nunca me tratou assim.

— Nora, pare com isso e entre no carro.


— Eu quero saber! Desde o momento em que chegou você

tem me tratado como se eu fosse um verdadeiro incômodo.

— Talvez você seja.

— Eu pensei que eu era a filha de um dos seus melhores


amigos.

— Você é também. Agora entre no carro.

— Me diga por quê. Por que eu não tenho visto o antigo


Lucian?
— Entre na porra do maldito carro, Nora!

— Diga-me! — grito, fazendo o choro de July intensificar.


— Você não é mais uma criança! — ele grita de volta,
batendo tão forte no capô do carro que aciona o alarme. — Você

não é mais uma criança — repete, então eu entendo. Fico em


choque que ele admite que eu não sou mais uma criança, sou uma
mulher e ele vê isso. É impossível para ele me colocar na posição

de uma criança idiota como eu era, já que agora eu tenho tudo que
as mulheres que ele costumava sair tinham.

É impossível para ele me colocar no cantinho do castigo e


passar a mão em minha cabeça como se eu fosse um filhote de

cachorro quando ele quer me colocar de joelhos e passar a mão em


minha cabeça enquanto eu chupo seu pau ou beijo sua boca.
Eu me permito olhá-lo sem piscar por um momento, esse

momento que talvez nunca se repita e que independentemente do


que acontecer daqui para frente sei que nunca vai sair da minha
cabeça.

Como eu era uma criança idiota, vejo isso agora.


Se esse homem tivesse me dito isso quando eu tinha onze,

treze ou dezesseis anos, eu teria corrido para minha mãe chorando


— sem entender a magnitude de como seria um crime na época. Se
ouvir agora é difícil, imagine lá?

Tenho dó da pequena Nora, iludida com seu príncipe que, na

verdade, é um cavalo. Bonito, elegante e imponente, mas grosso


como um coice. Dono de partes da cidade, mas tão incapaz de
saber reconhecer os sentimentos que estão bem à sua frente. Eu

ajeito July em meu ombro e dou a volta no carro sem esperar por
ele para abrir a porta e quando ele me segue para fazer a gentileza,
eu seguro em seu peito e o empurro, mas ele nem se move, como

se fosse um muro impenetrável.


Seria tão impenetrável assim quando seus olhos estão
queimando, fitando-me e mostrando a clara mensagem de que se

não fosse a minha filha em meu colo eu estaria sobre o capô deste
carro?

— Pare com isso.


— O que você quer, hein? Você me mandou entrar no carro,

eu estou entrando na porra do seu carro. Você quer que minha filha
fique quieta, ela vai ficar. Me dê cinco minutos.

— Nora.
— Não há Nora aqui, não me venha com Nora. Não como se
você estivesse na sua razão. Eu estou!
— Você tem noção do que fez?

Como ele está tão calmo?


— Esse não é mais o nosso problema! Você está

incomodado com o que eu fiz na presença da sua tia com essa


coisa de “eu não minto”? Ah, cale a boca, isso é bobagem e você

sabe! Vou repetir o que você me disse ontem: não fale comigo, não
me toque e não olhe para mim.

Eu puxo a porta, entro depois de ajeitar July na cadeirinha do


banco traseiro e bato a porta com força. Eu o vejo do lado de fora
respirando fumaça quando vê minha birra, mas pouco me importo,

ele comprou a briga agora ele que lide com ela.


O caminho até a fazenda de Francis e William é longo, vejo
pelo horário de chegada no aplicativo. Ainda temos duas horas de

viagem. Tudo bem que o tempo não está ajudando com o trânsito
que pegamos meia hora atrás e a velocidade que Lucian está
correndo agora que a estrada está livre me preocupa um pouco.

Será que ele esqueceu que July está lá atrás? Não é possível. Ela
está dormindo com o meu celular ligado baixinho perto de seu

ouvido, tocando uma playlist que eu fiz especialmente para ela com
músicas calmas e que eu acredito que lhe dão bons sonhos.
Então, a pergunta que fica é: ele é apenas sem noção ou
gosta de brincar com a vida? Esse não é o meu Lucian, pelo menos
não o Lucian que eu estou acostumada a ver, ou estava.

Estou sendo idiota e sei disso. Nossas vidas são diferentes


agora, eu cresci, sou mãe e sigo apaixonada por ele, não é difícil

perceber ou admitir. Já ele se tornou um dos homens mais


poderosos da cidade, mas, ainda assim, continua burro e cego
como uma porta.

— Lucian, vá devagar.

— Eu não tenho tempo.


— Seus tios vão fugir?

— Não, mas talvez eu vá — ele resmunga baixo sem tirar os


olhos da estrada.
— Ótimo pra você, corra e se esconda na Itália por mais dois

anos, é o que você faz de melhor.

— O que é que você sabe sobre mim?


Encolho os ombros.

— Não preciso saber muita coisa.


— Precisaria saber apenas mais do que o básico para se dar
conta da merda que está dizendo.
— Merda que eu estou dizendo? Ok, não fui eu que
abandonei a família e os amigos para ir viver no meio do nada e

voltou como se nada tivesse acontecido.

— Você não faz ideia do que está falando, Nora.

Ele pisa no acelerador e eu seguro mais firme em cima e do


lado, olho para trás conferindo se July ainda dorme e quando vejo
que sim, volto a fitá-lo. Sua feição é séria e muito brava, como se eu

tivesse cometido um crime grave o suficiente para deixá-lo


transtornado como está.

— Isso tudo é porque eu disse que ela é sua filha?


— Isso tudo? — Ele parece indignado. — Você acha pouco?

— Correr desse jeito como se estivesse doido para provocar


um acidente é um exagero, e eu quero que você diminua.

— Eu sei dirigir, Nora. Se você não ficasse falando no meu


ouvido sem parar não se preocuparia tanto, por que não faz como
sua filha e tira um cochilo?

— Como é que é?!

— Você me ouviu.

— Agora eu preciso dormir, é? Que outro tipo de ordem você

quer me dar, hein, senhor do mundo? Quer que eu lave suas cuecas
ou... eu não sei, quer que eu aspire o chão para você pisar
descalço? — Engrosso a voz. — Nora, faça isso agora. Nora, faça
isso imediatamente. Nora, pra lá, Nora pra cá! Você tem noção de

como é folgado?

— Eu sou folgado?
— Sim, você é.

Deus, ele não é... mas eu não vou dar o braço a torcer. Com
certeza não vou pedir desculpas também.
— Tem certeza de que eu sou o folgado?

— Do que está falando, da sua casa? Que eu bem me lembre

foi você que me deu autorização para morar lá.


— Pois é. A pior merda que fiz na minha vida.

Eu vou respondê-lo no mesmo nível ou pior, mas o meu


telefone começa a tocar na minha bolsa na mesma hora. Eu deixo a
discussão de lado e o encontro no bolso da minha Prada Exclusive

Edition. Atendo ao ver o nome da minha mãe. Ouvir sua voz é tudo
que preciso para me acalmar por cinco minutos.
— Oi, mamãe. — Fito a estrada, tentando esquecer que ele

está comigo por um momento.

— Querida, onde você está? Estou ligando no telefone da


casa e ninguém atende. Eu estou a caminho e vamos almoçar
juntas hoje. Olha que tempo delicioso para ficar vendo um filminho.
— Mãe, hoje não vai dar.

— Por que não? Eu já estou entrando na avenida do

condomínio.
— Eu não estou em casa.

— Ah, e onde está?


— Vim resolver um imprevisto.

— Que tipo de imprevisto, Nora? Tem algo a ver com a


competição?
— Na verdade, não, eu tive um problema com um animal

selvagem e preciso resolvê-lo antes que as coisas fiquem piores.

Eu vejo com o canto dos olhos Lucian me olhando com ódio e


resmungando baixo.
— Problema com animal? Como assim? Está tudo bem com

você e July?

— July está bem, vou te mandar uma foto dela. Eu estou num

táxi agora com um velho e ele parece ter um pouco de dificuldade


na estrada, então preciso ficar de olho.
— Nora! O que é isso? Você tem que... — a ligação falha e

eu não entendo — ele está dormindo? Filha, acorde esse homem


agora, diga a ele para não ir em alta velocidade.
— Eu já disse, mamãe, mas você conhece velhos. Eles são
surdos e além de tudo, teimosos.

— Querida, o sinal está ruim. Onde você está?


— Mãe, estou na estrada, vou para a fazenda da família de
Kimberly passar o final de semana e te ligo quando chegar lá, vou

enviar fotos de July, ok?

— Filha, fique de olho nesse homem! Me deixe falar com ele.


— Não é necessário, ele vai diminuir. Vou gritar no ouvido
dele para que me escute.

— Sim, faça isso, faça agora. De um beijo em minha neta por


mim e deixe a localização do telefone ativada. Quero acompanhar

seu trajeto, ok?


— Tudo bem, mãe, amo você.

— Amo vocês, querida. Não esqueça de me ligar quando


chegar, tchau.

Eu tiro uma foto de July e envio para ela antes de bloquear o


telefone e enfiá-lo na bolsa novamente. Quando olho para Lucian
ele parece possesso, segura o volante com as duas mãos com tanta

força que parece que a qualquer momento pode explodir.

— Você vai ter um infarto.


— Eu não sou velho o suficiente para a porra de um infarto e
que história é essa de problema com um animal?

— É o que você parece neste momento. Está se


comportando como um animal selvagem e um velho idoso teimoso e

irresponsável. Tem uma bebê neste carro e eu sou jovem demais


para morrer.
— Você é jovem demais pra qualquer caralho de coisa,

inclusive para pensar como uma adulta, cresça, Nora.

— Eu tenho que crescer? Realmente?


— Sim, realmente. — Ele pisa no acelerador, ignorando tudo
o que eu digo. Eu me seguro mais firme e olho entre ele e a minha

filha no banco de trás.

— Lucian, diminua.

— Eu sei o que estou fazendo.

— Lucian! — grito. — Pare com isso! Não desconte a sua


raiva que sente por mim em minha filha. — Ele não para. — Lucian!
No mesmo momento em que eu grito, o carro dá uma leve

derrapada para a esquerda, fazendo o veículo que vem atrás


buzinar enfurecidamente. Ele acelera até a faixa do canto e
lentamente para no acostamento.
— Eu preciso descer desse carro — digo quase sem ar.

Seguro a trava do cinto para tirá-la e ele coloca a mão sobre a


minha. — Me solte.

— Você não vai descer.


— Eu vou descer agora.

— Aqui no meio do nada, não.


— Antes de ficar no meio do nada e conseguir uma carona
segura do que ficar com você. Percebe o que acabou de fazer? Se o

carro tivesse derrapado um pouco mais poderia virar, e quanto a


minha filha? Se você não tem consciência e responsabilidade não

devia me tratar como se eu fosse a infantil aqui.

Ele cerra a mandíbula, fechando os olhos com força.

— Você me tirou do sério, Nora, caralho!

— E te tirar do sério é justificativa para fazer o que fez?

Como fez?
— Eu não tive a intenção — ele diz com raiva, mas

segurando-se, consigo ver isso. Estamos em meio a uma


tempestade e o barulho da chuva no carro nos faz ter que gritar para
sermos ouvidos. O vidro está completamente embaçado, sem contar

que se o limpador de para-brisa não estivesse funcionando, não


veríamos nada além de água. — A estrada está perigosa, preciso

sair daqui.

— Nós vamos sair. Eu não quero ficar nesse carro com você.
— Você não vai a lugar nenhum, caralho. — Ele bate no
volante, frisando suas palavras.

Eu perco tudo.
— Você não é meu pai! — grito em seu rosto.

— Eu sei! — ele grita de volta no meu.

Ficamos ali nos olhando por vários segundos e nenhum dos


dois cede. Eu não sei o que acontece a partir disso, mas no
segundo seguinte eu estou segurando o seu rosto, seus lábios estão

nos meus e ele me segura firme pelos braços, é como se


estivéssemos amarrados um ao outro, como se ele fosse o álcool e
eu o fósforo. Quando a chama está acesa ninguém para.

O beijo é quente, amargo e doce, cheio de tesão, dúvidas e


fogo.

O ritmo que nos beijamos é louco. O barulho da chuva, o


calor no ar mesmo com um frio da Sibéria lá fora e a forma como
suas mãos enormes me seguram é insana. É um beijo que

consome. Começa a me faltar ar, mas não me afasto, eu esperei


uma vida por esse beijo. Nossas línguas se massageiam e
acariciam por completo. Minhas unhas cravam em seus ombros
duros, e eu sinto o músculo no meio de suas pernas dar sinal de
vida quando cutuca minha perna.

Eu o beijaria para sempre.

Ele agarra meus cabelos na nuca, puxando-os para deslizar a


boca pelo meu pescoço e clavícula, eu respiro pesado, com força...

Minutos se passam e só nos afastamos quando perdemos o


ar. Meus olhos se abrem apenas uma fresta e eu me encontro nesta
situação.
Sentada no colo dele, sentindo o volume dentro de sua calça

encaixando-se perfeitamente no meio das minhas pernas, a chuva


pior do que estava antes lá fora, os faróis altos dos carros passando
na avenida, o carro ligado dando seta para a esquerda e minha filha
na cadeirinha lá atrás dormindo sem sequer se dar conta do que
está acontecendo.

— Eu não sou mais uma criança, Lucian.


Ele fecha os olhos e encosta a cabeça no banco.

— Eu sei disso.
— Essa garotinha só tem a mim e ela precisa que eu seja

uma âncora, e não um bote salva-vidas furado, não posso deixar


que você mexa com a minha cabeça outra vez.
Eu saio de cima dele e sento-me de volta no banco carona,
conferindo July uma última vez. Pelo canto dos olhos vejo-o ajeitar o
volume em suas calças e segurar o volante para seguirmos na

estrada.

— Pare em algum lugar, por favor. Eu preciso dormir um


pouco e abraçar minha filha.
Ele apenas acena em confirmação e segue em frente.

Meu coração ainda bate forte e eu estou em êxtase pelo que


acaba de acontecer. Posso virar para ele e dizer que isso nunca
mais vai acontecer, mas qual é o ponto de mentir para mim mesma
e jogar água quando os meus lábios ainda estão pegando fogo?
os mesmos lábios vermelhos, os mesmos olhos azuis

é tão doce, parece tão real

soa como algo que eu costumava sentir

mas não consigo tocar o que vejo

não somos quem costumávamos ser

somos apenas dois fantasmas no lugar de você e eu

two ghosts - harry styles

NORA

Ainda que o caminho seja longo eu não consigo pregar os

olhos e nem mesmo tirar um cochilo e acho que nem se me

esforçasse conseguiria.
Pensar na minha filha na estrada com essa tempestade me

deixa agoniada. Mesmo que eu esteja brava com ele agora, pensar
em Lucian dirigindo me deixa assustada, por isso eu não preciso me

esforçar para deixar os olhos abertos. O silêncio é ensurdecedor


fora o barulho da chuva. O ar-condicionado forte me fez pegar uma

coberta extra de July no banco de trás e me cobrir depois de


garantir que ela estivesse quentinha. Durante o caminho, Lucian

falou comigo uma única vez e foi apenas para confirmar quando eu

pedi para aumentar a temperatura do ar.

Viagens longas costumam me deixar com mal-estar, mas

dessa vez surpreendentemente eu consegui levar uma hora numa


boa.

O aplicativo de repente notifica uma longa faixa de trânsito e

calcula a rota que estava em duas horas e meia para quatro horas.
Eu observo o painel por alguns minutos torcendo para que calcule e

volte ao tempo que estava, mas isso não acontece e eu não tenho

mais como evitar.

Quero ir ao banheiro, quero ficar quietinha com minha filha e

me sentir segura fora desse carro por um tempo, por isso eu quebro

o nosso pacto não selado de silêncio e decido falar com ele.


— Eu preciso parar, minha filha tem que descansar um

pouco, todos nós temos.

— Se eu parar agora vamos demorar ainda mais para chegar.

— Então me deixe em qualquer lugar e eu te encontro lá, eu

não estou me sentindo segura para continuar na estrada com July


agora. Estou cansada, quero ir ao banheiro e ela precisa comer.

Parece que falar das nossas necessidades o desperta, pois,

ele desacelera e vira a direita onde há uma placa escrito "Fazenda


dos Hoods" com um coração descascado em vermelho e azul

embaixo.

— Não seria melhor procurar um hotel ou pousada?

— Acredito que a fazenda é o mais perto que vamos

encontrar agora, você quer arriscar ficar mais uma hora para achar

um hotel cinco estrelas?

— Eu não preciso de um hotel cinco estrelas. — Não acredito

que ele está me provocando agora. — Só quero descansar.

— Irei oferecer alguns dólares por uma hora em uma cama


que os donos da fazenda tiverem, te acordo e seguiremos viagem,

tudo bem assim? — ele pergunta, mas não espera a minha

resposta, pois já estamos entrando na propriedade. A chuva

continua forte, o que me surpreende, é raro que uma tempestade

tão intensa venha para esse lado de Los Angeles, mas quando vem

é realmente para acabar com quaisquer planos que alguém tenha.

Consigo ver na varanda uma senhora acenando para o carro


com uma toalha verde fluorescente e pouco depois um senhor
aparece ao seu lado, ele coloca um braço em seu ombro e a puxa

para perto. Os dois começam a acenar.

— Tem certeza de que devemos ficar aqui?


— Por quê? Está parecendo filme de terror para você?

— Eu não sei o que está parecendo, só não parece seguro.

— Os lugares que menos parecem seguros, são.

— Você conhece essas pessoas?


— Não, Nora, mas parece que não estaremos sozinhos.

Um pouco escondido na lateral da casa tem uma placa

enorme encostada na parede onde consigo ler em letras velhas


"Pousada Quarteto Feliz". O senhor começa a acenar para trás,

indicando que Lucian pode se aproximar e ele segue as instruções.


É quando vemos algumas vagas de carros cobertas com acesso a
uma grande porta para a casa.

A fachada da casa não parece velha ou tem uma aparência


assustadora, e me tranquiliza um pouco ver que pode ser uma

antiga pousada, mas verei o que vou sentir quando conversar com
os donos. Eu desço e abro a porta de trás, ajeitando a touquinha de
July em suas orelhinhas. Se está frio para mim, estará duas vezes

mais para a minha garotinha. Lucian de repente aparece ao meu


lado.
— Eu a levo.

— Pode deixar, é minha filha.

— Pensei que ela fosse nossa. — A sobrancelha erguida e a


expressão cheia de cinismo em seu rosto me irrita, mas eu nem

tenho tempo de xingá-lo, pois o senhor que acenou para nós se


aproxima com um sorriso no rosto e de braços abertos.

— Olá, queridos viajantes! Que bom ver gente nova por aqui.

Nós acabamos de dar adeus a um belo casal e agora recebemos


essa linda família. Que alegria!
Nós ficamos olhando para ele por um curto momento antes

de olharmos um para o outro com uma expressão que pode ser lida
como "fugimos ou entramos?". E quando Lucian tira July da

cadeirinha e a aconchega em seu peito eu não tenho escolha a não


ser colocar a coberta em volta da minha filha e prendê-la no

pescoço dele.

— Olá — Lucian o cumprimenta.


O senhor estica a mão e assente.

— Sou Sidney, o dono da fazenda e marido daquela linda

dama lá na frente, Laurie.


— Muito prazer — eu devolvo o aperto de mão —, eu sou
Nora e este é Lucian.
— E a garotinha? — ele pergunta com um sorriso mais gentil
que eu já vi, lembrando-me um pouco o do meu pai.

— Essa é July, minha filha.


— Oh é claro, é claro. Que linda família. Bem, vamos entrar.

Não é bom que fiquem nessa friagem pelo que dizem nos noticiários
a tempestade vai durar a noite toda.

— A noite toda? — Lucian pergunta.

— Sim, vai piorar, na verdade. Há um tornado vindo da costa


direto para cá, mas há possibilidade de que vá diminuindo antes de

chegar até aqui e esteja apenas contribuindo para a força da


tempestade. Eles acreditam que até amanhã de tarde teremos o céu
limpo novamente.

— Até amanhã de tarde? — questiono em choque. — Mas

nós temos um caminho a seguir.


— Eu sinto muito, senhora, mas quem ficou preso no trânsito

dessa estrada ficará por um bom tempo. Na TV já conseguimos ver


algumas pessoas deixando os carros e tentando alguma sorte a pé,

aqueles que não estão com crianças, é claro.

— Mas isso é loucura, até ontem fazia sol.


— Pois é. — Ele ri. — Vai entender o clima, não é? Não há
regras para quando Deus quer fazer algo acontecer.
Neste momento eu posso interpretar sua frase de tantas
maneiras, mas apenas fico quieta mesmo concordando
completamente com o senhor.

— Vamos entrar.

— Laurie! — ele chama a esposa alegremente. — Nós temos


novos hóspedes, os quartos já estão arrumados?

— Querido, sim, Dalila terminou agora há pouco.

Ele nos olha por cima do ombro.

— Dalila é a garota que nos ajuda com a pousada.

— Ela é sua filha? — pergunto.

— Podemos considerar assim, ela namorava meu filho


quando ele foi para o exército e quando ele não voltou — ele faz

uma pausa —, bem... — Ele encolhe os ombros com um sorriso

gentil. — Ela ficou conosco, nos tornamos uma família.

— Agradeço pelo serviço dele — disse Lucian.

— E sinto muito por sua perda.

— Imagine, ele se foi como um herói. Protegeu uma vila


inteira de bombardeios, acredita nisso? Mas essa é uma história

para uma longa fogueira com muitos marshmallows.

— Acredito que não teremos tempo — Lucian diz assim que


estou para confirmar o convite.
— Claro, vocês provavelmente devem estar cansados da

viagem e querem um quarto. Nós temos a opção do quarto de casal


com porta para o quarto do bebê integrado, também temos cama de

casal e de solteiro, mas podemos colocar travesseiros para que a

pequena não caia e temos o quarto com cama de casal e berço ao


lado.

— E vou ficar com o quarto com o berço ao lado e ele vai

ficar com o outro.


Sua esposa, Laurie, se aproxima com um grande sorriso no

rosto.

— Oh, mas que família linda, eu pensei que teríamos mais


tempo para sentir saudade de Dina e Pierce, mas vejo que já

estamos ocupados com mais amor novamente.

Meu Deus, o que é isso? Um filme?

— Dina e Pierce são o casal da família que acabou de sair,

como eu lhes disse — Sidney explica. — Vocês podem subir, Dalila

terminou de organizar os quartos. Vocês vão ficar em lugares


separados, se bem entendi?

— Isso mesmo.

— Certo. — Ele coça a cabeça, olhando entre nós.


— Nós não somos um casal — explico antes que o senhor

tenha um piripaque de confusão na cabeça.

— Bem, esse mundo está moderno mesmo. — Ele sobe a


calça pela cintura e dá risada, ajeitando o chapéu antes de sair. —

Eu volto logo para ver vocês.

Laurie o assiste indo embora antes de nos fitar novamente.

— Essa bela garotinha é a?

— July, eu sou Nora e esse é Lucian.

— Certo. E vocês não são uma família? — Seu tom não é de

julgamento, apenas curiosidade.

— Não.

— Hum-hum. — Ela nos encara por um minuto. —

Certamente há uma vibração aqui, eu poderia dar uma olhada nas

cartas.

— Ah, não, obrigada — Lucian interrompe antes que ela


possa começar a explicar ou insistir.

— Ok... — Ela sorri. — Sidney vai precisar de ajuda com o

interruptor e você sabe como é... um senhor da idade dele já não


sabe muito bem se está vendo certo ou ouvindo direito. Será que

esse belo rapaz se incomodaria em ajudá-lo?


Lucian me deu uma olhada como se estivesse duvidoso se

deve ir ou não. Eu aceno levemente e estico os braços para pegar a


minha filha.

— Tem certeza?

— Claro, precisaremos de luz para tomar banho e passar a


noite se o que ele disse for verdade.

— Ah, é verdade, com certeza. A tempestade vai piorar, mas

amanhã por volta do meio-dia as estradas já devem estar livres do


trânsito.

— Certo. Vocês têm internet por aqui?

— É claro! Ela só não é das melhores. — Laurie dá risada e

eu sorrio com simpatia, enquanto Lucian permanece com a mesma

expressão estoica.

— Vai servir. — Sem mais delongas, ele parte em direção ao


senhor Sidney.

— Agora somos apenas eu e vocês garotas. Venha, vou lhe

mostrar o seu quarto. Nós temos três opções para o jantar hoje,
você me diz qual a sua favorita.

— É Laurie, certo?

— Sim.
— Na verdade, só preciso de um banho e umas duas horas

de sono.

— Só duas horas?
— Talvez três — confirmo com um sorriso constrangido.

— Suponho que a garotinha durma pouco?

— Ela dorme muito, ao contrário de mim.

— Ah, mas é assim mesmo, querida, nós mães estamos

sempre fazendo sacrifícios, mas se eu tivesse um rapaz como esse

ao meu lado, ele não me escaparia nem nessa idade.


Eu controlo o riso e o olhar de surpresa quando a ouço,

porém ela parece falar séria e tem a língua afiada, totalmente sem

filtro, assim como o marido.

Laurie não para de falar conforme me leva até um quarto no

segundo andar e eu fico realmente impressionada com a decoração

do lugar, não é exatamente novo, mas muito bem conservado e


elegante. Há um ar de campo, muito fofo e aconchegante. Eu gosto

de ver como as pessoas lidam com seus negócios e que além de

boas pessoas eles parecem ser muito mais família do que empresa.
— Isso é realmente uma pousada ou vocês só fazem a

gentileza se resgatar pessoas perdidas como nós?

Ela sorri e encolhe os ombros.


— Nós éramos uma pousada até a família diminuir, mas

agora meio que fazemos gentilezas. Meu marido e eu perdemos


nosso filho muito novo e foi recente. — Ela parece ler minha mente

com o que diz a seguir: — Eu sei que por nossa alegria e

brincadeiras parece que a tragédia não nos afetou, mas a verdade é

que nosso filho era o garoto mais feliz que você teria conhecido.
Após o tempo de luto, eu e meu marido percebemos que ele não

gostaria que passássemos o resto da vida tristes, então nós

acolhemos sua noiva e fizemos parecer que tudo estava bem até
que um dia ficou.

— Isso é muito inspirador, Laurie.

Eu não sei se são hormônios — não sei de que —, a emoção


dos acontecimentos no carro vindo à tona ou o olhar verdadeiro que

ela me mostra, mas fico emocionada.

— Hoje eu e ele gostamos de receber famílias aqui para


passar um tempo, conhecer pessoas e deixar nossas marcas. Esse

último casal ficou conosco por quatro dias e nem tinha tempestade,

acho que eles apenas gostaram da minha comida e do bom humor


do meu marido.

— Vocês são muito fortes, eu não sei o que faria se perdesse

July.
— Acho que todos lidamos de formas diferentes com a perda,
mas esse assunto é triste demais para conversarmos agora em um

momento de banho e uma sopa quente.

— Você tem razão. — Quando ela destranca o quarto e me

oferece a chave, eu a pego e dou meu sorriso mais gentil. — Nós

vamos acertar o valor da diária agora ou na saída?

— Ah — ela joga a mão em desdém —, não há valor de


diária.

— O quê? Como não?

— Como eu disse, meu marido e eu gostamos de receber


pessoas aqui e conhecê-las, é como um experimento social para

nós.

— Mas é a sua casa, ficaremos de graça?

— E qual é o problema? Não parece tão absurdo para mim,


digamos que nós somos modernos e gostamos desse tipo de

experiência.

— Certo. — Eu terei que conversar com Lucian, mas decidi


não discutir por agora. Verifico ao redor do quarto, achando-o ainda
mais acolhedor do que o lado de fora. — Isso é ótimo, obrigada,

Laurie.
— Imagina, o que precisar basta descer e pedir.
— Eu posso pelo menos ajudá-la com algo?

— Se você quiser cortar alguns legumes eu não vou negar,

eu e a Dalila detestamos cortar cebola.


— Certo — dou risada —, então pode me dar meia hora e eu
desço.

— Por que você não aproveita uma hora ou duas, tira um


cochilo, toma um banho quente e depois você desce, ainda são

cinco horas. Podemos nos dar ao luxo de esperar um pouquinho


mais pelo jantar, sem contar que acabamos de comer as sobras do

almoço, estava deliciosa.


— Como quiser. — Sorrindo, eu entro no quarto e seguro a
maçaneta para fechá-la. — Obrigada novamente.

— Não me agradeça, você vai adorar nosso tempo juntas.


Ela se vai e eu observo enquanto se afasta, é difícil ficar

desconfiada quando a pessoa parece tão boa e ter o coração tão


genuíno, ela simplesmente não me passa a sensação de
insegurança que eu deveria ter agora, afinal, são estranhos

oferecendo sua casa de graça, mas por algum motivo eu sei que
posso confiar.
LUCIAN

Ou esse cara é louco ou ele toma umas a mais.

De qualquer forma eu não estou entendendo o bom humor


perpétuo e o estoque de piadas de tio que ele tem a me oferecer.

— Ei. Ei, rapaz.

Ele me chama como se eu não estivesse na casa dos


quarenta.

— Sim, senhor.

— O que você acha de tomarmos uma em frente à fogueira?

Então é a segunda opção, ele toma umas a mais.

— Eu não costumo beber no dia a dia, principalmente quando


eu vou dirigir.

Ele dá risada.

— Ah, mas você não vai dirigir, pode ter certeza. Se pararam

com essa chuvinha, com a tempestade que está para vir não vão
nem querer colocar a tampa para fora.

— Tampa?

— Cabeça — ele explica. — Colocar os olhos para fora.

Por que eu não deveria desconfiar de um velho bêbado que

nos ofereceu uma cama no meio do nada?


— Quanto ficará a diária? Talvez eu fique uma noite, a moça

que está comigo e a bebê precisam descansar.

— Vocês são uma família realmente bela, fico muito feliz


quando recebemos jovens casais comprometidos com a família por

aqui.

— Nós não somos...

— Sim, sim eu já ouvi, mas quem é que você está querendo

enganar, não é mesmo, rapaz? — Seu sotaque do Texas é tão forte


que eu consigo vê-lo usando uma jardineira jeans surrada, uma

camisa branca velha por baixo e botas de cuidar do campo.

— Ela é filha de um amigo. Eu a estou levando para a


fazenda da família, apenas isso.

— Fazenda da família, não é? — Ele tira o palito da boca e

sorri com uma piscada para mim. — Eu dizia a mesma coisa da

minha Laurie quando estávamos no auge da paixão e eu não queria

largar a vida de solteiro. Você sabe como é, rapaz.

Santo Deus, o que é que ele está falando?

— Realmente não é desse jeito.

— Digamos que eu precisei quase perder para entender que


Laurie é o meu final feliz e olha só, aqui estamos felizes e longe do

final. Graças ao nosso senhor.


— Certo. — Eu desisto de tentar explicar a verdade.

— Você vai me ajudar aqui, rapaz, pegue para mim a chave

número dois.
Eu posso dizer que meu orgulho me impede de dizer a ele

que eu não sei o que é a chave número dois ou diferenciá-la do

monte dentro daquela caixa.

— Você é um homem de negócios, não é? — Ele ri, mas não

está zombando, é apenas como se tivesse apostado consigo

mesmo e agora descobriu a resposta. — A chave é do cabo laranja,

pegue pra mim junto com o alicate verde.

— Aqui. — Eu entrego como solicitado e ele as acena para


mim.

— Muito bem. Vivendo no campo eu e Laurie passamos a

vida toda em fazendas no meio do nada, é difícil conseguir

eletricista, encanador ou até mesmo um marceneiro. Sei fazer um

pouco de tudo. Garanto a vocês que é um belo serviço.

— Entendo. — Que ele está claramente pensando em

promover seus serviços.

— E não estou vendendo meu peixe, pode ter certeza. Venho

de uma família boa. Laurie nem tanto, mas sou filho único e quando
meus pais se foram, fiquei com toda a herança que eu passaria para
o meu filho. Como Cole não está mais aqui nós deixamos guardado,

vai que um dia encontramos uma criança que precisa de ajuda.

— A noiva dele não pensa nesse dinheiro?


Ele me olha como se não tivesse gostado do que eu disse,

mas meu raciocínio é lógico e óbvio. Por que uma moça jovem
ficaria no meio do mato com dois velhos se não estivesse

interessada em uma herança?

— Ela não é assim, rapaz. Não é interesseira. Aquela garota


tem um coração de ouro e eu aposto o meu pé direito junto com a
minha mão direita que ela não está aqui por isso. Ela não tem

família e nós somos seus tutores. Ela tem feito faculdade, sabe?
Quer ser médica veterinária, algo que eu nunca conseguiria estudar

o bastante para ser. Não, não — ele nega veemente. — Quando eu


era garoto eu só queria saber de festas e rabos de saia.

Meu Deus, quanto tempo mais esse monólogo vai durar?

— Eu estou falando demais, não é rapaz? — Eu o olho com


certo espanto e ele sorri. — Eu sei que falo demais, você não é o
primeiro a me dar esse olhar de "estou cansado de te ouvir, cale a

boca, velho", mas quando você for um velho com sua Nora ao lado
e filhos crescendo ao redor do mundo, irá lembrar de mim e

entenderá.
— Eu já disse que Nora e eu não...

— Sim, sim, me poupe dessa bobeira — ele me interrompe.

— Eu tenho visto casais indo e vindo dessa fazenda e acredite em


mim, ao invés de fazenda Hoods deveríamos a chamar “Canto do

amor e bebês” quem não sai daqui grávida, sai prestes a casar.
Anote minhas palavras.

Eu quero fazer um sinal da cruz e bater na madeira três


vezes para garantir que isso não vá acontecer, tudo que eu não
preciso é me envolver dessa forma com Nora, ou de qualquer forma.

Não, simplesmente não há interesse da minha parte, isso eu posso


garantir. Não que o velho esteja disposto a ouvir, é claro.

— Agora vamos para dentro — ele diz. — Está fazendo muito

frio aqui fora e essa chuva nos deixará doentes, não que eu me
importe, mas acho que você não está ansioso para passar uma

semana aqui ao invés de apenas uma noite.


Eu começo imediatamente a fechar as caixas e colocá-las no
canto como estava quando ele me pediu para pegá-las e vou em

direção à porta do celeiro.

— Podemos ir?
Rindo, o velho me acompanha para fora.
e eu ouvi falar de um amor que vem uma vez na vida

e eu tenho certeza de que você é esse amor meu

porque eu estou em um campo de dentes-de-leão

desejando em todos que você seja meu, meu

e eu vejo o para sempre em seus olhos

eu me sinto bem quando vejo você sorrir

fazendo desejos a dentes-de-leão o tempo todo

orando a Deus que um dia você seja meu

dandelions - ruth b

LUCIAN

Fui despertado pelo som de galos, com a luz do dia em meu

rosto — já que o quarto não tinha cortina — e batidas à porta. Ao


encontrar aquela garota, Dalila, eu quis gritar que saísse e só me

chamasse quando tivesse notícia das estradas liberadas, mas só a


forma como ela me fitou já esperando por isso me fez retroceder

com a atitude.

— O café da manhã está sendo servido, senhor.


— Eu vou comer no quarto, obrigado. — Começo a fechar a

porta, mas a garota coloca a mão impedindo-me.

— A única regra da casa é que as refeições devem ser feitas

em conjunto.

— Em conjunto? — repito, pois só posso ter escutado errado.

— Exato.

— Eu e todos da casa?

— Sim, senhor. Esperamos lá embaixo.

Sem mais delongas, ela me dá as costas.

Eu não desço para a porra do café, não desço para o almoço

e penso em não descer para o lanche da tarde, mas estou com

fome e o cheiro da maldita comida é incrível.

Eu desço, mas não há ninguém na cozinha, todo o barulho

vem de alguma sala mais à frente. De jeito nenhum vou até lá.
Eu dou uma olhada em volta, pegando um prato e colocando
um pouco de tudo o que vejo. Há três tipos de pães, queijo, molhos

e geleias. Pego um café preto sem me preocupar com açúcar.

A cozinha é cheirosa e bem arrumada, assim como o restante

da casa. Se eu não fosse um homem da cidade, viveria

tranquilamente num lugar como esse.

Eu dou meia volta, preparando-me para sair quando algo me

chama a atenção. Há uma porta quase escondida e me aproximo

para ver. Está entreaberta, eu a empurro e acendo a luz.

WI-FI LIBERADO.

É a primeira coisa que leio na placa acima do computador


moderno.

— Velhos trambiqueiros — murmuro.

Eu não perco tempo em me sentar, ligar — agradecendo

quando não pede senha — e vou direto para meu e-mail. Há

chamados de Emma, novos documentos para serem lidos e

assinados, mas o que me deixa preocupado é o número de

solicitações para uma chamada de vídeo com o dono de um edifício

antigo em Manhattan com quem tenho tentado conseguir uma


reunião há meses, mas o velho não dá o braço a torcer. De acordo
com ele, seu legado merece mais do que um explorador ambicioso

que quer construir um Império de poder e não de valores.

Eu tenho valores, só não são os mesmos que os dele com


seus sete filhos e oito netos.

Eu respondo dizendo que posso amanhã na parte da tarde,


pois é quando espero conseguir voltar à cidade.

Para a minha surpresa recebo sua resposta de imediato.

“Agora ou desista, Santoro.”

— Porra, velho!
— Po-po-po-a!

Isso é...?

Não pode ser.

Eu me viro para a porta, vendo a garotinha sentada no chão


com a boca manchada de vermelho, um batom destruído em suas
mãos e um grande sorriso no rosto.

E ela estava realmente tentando reproduzir meu palavrão?

Eu me levanto e dou uma olhada lá fora. Não há ninguém


perto.

— Você fugiu da sua mãe, borboleta?

Ela inclina a cabeça, fitando-me atentamente.

— Bá-bá? Buh!
— Volte. Volte para a sua mamãe, garotinha.

Ela ri, então, faz um bico.

— O que foi? Está com fome? — Eu volto à mesa, molho o


miolo do pão em geleia de morango e lhe ofereço. Ela pega e

observa por alguns segundos antes de enfiar na boca. — Muito


bem.

Há um alerta no computador e eu vejo um convite para

chamada de vídeo.
— Você precisa voltar para a sua mãe, July. Faça isso para o
tio Lucian, sim?

Ela ri, e estica os bracinhos.


Eu sempre gostei de crianças, me dou bem com elas, mas
essa garota... tem algo nela. Simplesmente.

Eu olho para o teto.

— Se você não fosse tão burro estaria vivendo isso, otário.

Eu espero que Cassian esteja recebendo as mensagens


ofensivas que tenho lhe dito com frequência desde que descobri

sobre July e Nora.


— O tio não pode brincar agora, borboleta. Você tem que ir

com sua mãe e eu vou trabalhar.


Ela faz um barulhinho de choro, o bico aumenta e seus
bracinhos estão esticados, com as mãozinhas sujas me chamando.
Eu quero ignorar. Poderia simplesmente chamar Nora, ou a velha

tagarela, mas não consigo ignorar esses olhinhos que me fitam com
um simples pedido: me pegue no colo.

Inclinando-me, eu a pego. Sei que no momento que ela

coloca as mãozinhas em meu peito e mancha a única camisa social


que tenho aqui, perdi o negócio. Ao invés de estar num terno e

gravata no meu escritório chique, estou numa pequena sala com


uma estante de madeira escura atrás, num computador empestado
e com a camisa manchada.

Quem faria negócios nessa situação?

Eu me sento, sabendo que atender e levar um “não” é melhor


do que ignorá-lo quando sabe que estou acessível neste momento.

Eu atendo, a garotinha fita a tela ao ouvir os barulhos de conexão e


se senta quietinha. As mãos impressas em minha camisa me fazem
contrair o sorriso, escondendo-o.

— Senhor Wolffer? Está me ouvindo? Onde estou o sinal


pode estar um pouco ruim.

Sua imagem fica melhor e eu o vejo aproximando-se da tela

mesmo usando óculos.


— Lucian? — A carranca de sempre está lá.

— Sim. Como vai, senhor Wolffer?


— Ah — ele diz de repente. O tom de voz mudando chama a
minha atenção. — Que mocinha linda, Santoro! Eu soube que você

tem uma filha. Ela com certeza não puxou essa sua cara feia. — O
sorriso no rosto do velho é algo que nunca vi antes. Uma criança

realmente faz tanta diferença para ele?

Talvez sim, já que nem se incomodou em reparar na minha

camisa suja de vermelho.


— Podemos falar sobre o edifício? — Vou direto ao ponto. Eu

realmente quero aquele prédio pelo valor histórico e pelo fato de ser

um patrimônio da cidade. Ele será um Quivira melhor do que o


original, eu sinto isso vazando de meus poros.

Ele fica em silêncio por um momento. Observa-me, observa

July, e então, o sorriso se alarga e ele recosta na cadeira.


— Sim, vamos falar de negócios.
se você está ficando molhada por mim

acho que você é toda minha

me diga o que você quer e você terá, amor

quero tudo de você, me dê tudo que você tem

cinema - harry styles

NORA

Quando olho para trás e vejo que July não está onde eu a

deixei, corro em busca dela. Todos já foram dormir e eu implorei a


Dalila e Laurie que me deixassem lavar a louça. Eu vi o cansaço em
seus rostos e não pude abrir mão da tarefa, é o mínimo que posso

fazer depois de sua gentileza com tudo.

Minha filha estava brincando na cozinha, sempre por perto e

eu me distraí cantando, observando o céu estrelado lá fora que não


costumo ver na cidade e quando virei para dar uma olhada nela, não

estava mais lá.


— July? — eu a chamo nem alto e nem baixo para não

incomodar os donos da casa. — Filha? Meu bebê... Venha com a


mamãe.

Ela não está na sala de jantar, nem na sala de visitas e nem

na cozinha.

Eu coloco o avental pendurado e começo a me desesperar.

— Ju...

Sou interrompida ao ver Lucian com o dedo na boca num


sinal de silêncio saindo de uma sala escondida, eu nem sequer a

tinha visto ali.

— Ela está dormindo.

— Que susto! Eu estava lavando louça e de repente ela


sumiu!

— Ela ficou dez minutos aqui e dormiu em meu colo.

— A sua camisa, tire e vou lavar.

— Não. — Lucian sorri. — Não se preocupe, eu vou mantê-la

assim.

Eu estranho seu bom humor. Ele tem sido um pé no saco o

dia todo, evitando descer para me encontrar, é claro, e se

desfazendo da gentileza de Laurie e Sidney.

— O que deu em você?


— Sua filha simplesmente salvou o meu dia. Não... ela fez
em dez minutos o que eu não fiz em meses, Nora. Ela é um anjo.

Franzo o cenho, confusa.


— Eu não entendo... o que...

Sou interrompida quando ele se aproxima a quatro passos

largos e me beija. O beijo é apenas um selinho. Fica parado com

nossos lábios grudados por alguns segundos e se afasta, olhando-

me nos olhos.

— Eu gostaria de colocar algumas ações do Quivira em

Manhattan no nome dela, se você não se importar.

— Eu não entendo... Você está tendo um surto ou algo

assim?
Ele me entrega a minha filha e eu a ajeito no colo. Ela está

dormindo pesado.

Lucian sela nossos lábios novamente e sorri, e por Deus...

como é que um sorriso tem a capacidade de me fazer esquecer tudo

tão rápido?

Eu me afasto com muito esforço e desvio o olhar dele,

fazendo-o franzir o cenho.

— O que foi?
— Eu é que pergunto — sussurro. — Preciso colocar July na

cama. Boa noite, Lucian.

Ele me alcança quando viro as costas e segura minha mão.


Eu não preciso olhar em seus olhos quando ele se inclina, beija a

testa dela e depois a minha.


Ele beija o meu pescoço, meu ombro descoberto e minha

mão.

— Nora. — O sussurro em meu ouvido me confunde, me


instiga e me faz querer fazer coisas das quais vou me arrepender,
porque ele vai se arrepender.

Por isso, eu uso toda a minha força de vontade para sair de


seu alcance e subir as escadas apressadamente.

Quando fecho a porta do quarto e coloco minha filha no

berço, estou fervendo.


Será uma noite infernal, pois sei que levará tudo de mim para

não a abrir novamente.

— Dê meia volta e pare antes de fazer merda, idiota — eu


digo a mim mesma, batendo na testa. — Isso não vai dar em nada.
Nada!

Eu sou uma péssima mãe.


Deixei minha filha dormindo sozinha e jurei a mim mesma

que deixar a babá eletrônica amenizaria a culpa. Não amenizou.

Mas eu não estou acostumada a me arrepender das minhas


decisões, e depois dessa noite, daquele beijo no carro e da forma

como ele sorriu para mim... eu simplesmente não consigo ficar me


perguntando o que poderia acontecer se eu não tivesse sido

covarde demais e ficado no quarto.


Munida de toda coragem, determinação e desejo, tento abrir
a porta do quarto de Lucian ao mesmo tempo em que um

estrondoso trovão ecoa. Ela se abre no momento em que um clarão


intenso do raio ilumina o cômodo.

Com medo de ser pega no corredor como uma fugitiva, eu a

fecho rapidamente e de imediato o vejo sentado na cama. Sua


sombra me faz sentir pequena. Ele está sem camisa, com uma

calça larga de flanela e os músculos parecem ainda maiores


debaixo da luz da lua.
Ele me fita num misto de confusão e surpresa.

— Nora, o que está fazendo aqui? — Lucian pergunta

quando supera seu choque. Descalço e com a taça de vinho ainda


próxima aos lábios, revelando que ele havia acabado de tomar um
gole da bebida, endireita de imediato a postura, antes relaxada que
mantinha sentado.

Não consigo reprimir o pensamento de como seria o gosto


dele regado a vinho, sem dúvida alguma o sabor ficaria apenas mais

delicioso do que já é, e minha boca saliva pela vontade de prová-lo,


não aguento mais guardar todo o desejo dentro de mim.

Sem respondê-lo, apenas começo a retirar minhas roupas,


mantendo nosso contato visual fixo para deixar claro que nada me

impedirá de continuar com o que pretendo e que, dessa vez, ele não
iria me recusar, não terá forças para isso.

Assim que fico completamente nua, caminho em direção a


ele com passos lentos, mas decididos, pegando a bebida de sua

mão e a terminando em um gole antes de deixar a taça de lado,


sentindo-me totalmente aquecida com a forma que ele fita meu

corpo. As chamas da lareira acesa no quarto diante de nós são


refletidas nos olhos ferozes de Lucian, mas tenho certeza de que o
fogo que ali aparecia não tem nada a ver com a lareira, mas sim

com seu desejo por mim que já está claro: é tão quente quanto o
próprio fogo.

— Você ainda tem alguma dúvida? — indago em um quase


sussurro, pegando as mãos dele e as trazendo para o meu corpo,
induzindo-a a deslizá-las por minha pele sem pudor algum, vendo
de perto todo os conflitos que ele enfrentava mentalmente enquanto
seu corpo não esconde o que realmente quer, o que foi comprovado

quando meus seios foram apertados ao mesmo tempo, causando


uma pressão tão gostosa que me faz gemer baixinho,

completamente arrepiada.

— Não posso... não podemos… — Lucian tenta argumentar,


mas o jeito que suas mãos desceram pela minha cintura e

pousaram na minha bunda diz o contrário, o aperto forte grita o


quanto ele me quer e, para mim, é tudo o que preciso para vencer a

batalha. Lucian pode achar que será uma derrota, porém, com o

tempo, perceberá que nós dois estamos ganhando no fim das

contas.
Começo a tirar suas roupas, apreciando a forma como me

encara enquanto, peça por peça é jogada no chão, fraco demais

para me parar, cansado de lutar contra o próprio desejo.

— Nós podemos… Você quer tanto quanto eu — respondo

determinada, aproximando minha boca de seu peitoral nu e

deixando beijos pelos músculos fortes ao mesmo tempo em que


brinco com a barra da cueca, abaixando-me calmamente sem

afastar minha boca de sua pele e assim alcançando a altura de seu


quadril, descendo a última peça com lentidão, enfim expondo seu

pau duro, a maior prova do quanto ele também me quer.

Antes que possa fazer mais alguma coisa, Lucian me

empurra e segura meu cotovelo, mas eu tropeço em meus próprios


pés e caio no chão, apoiando-me nos cotovelos.

— Seja cuidadosa — ele rosna. Está bravo comigo? Consigo

mesmo?

Observo com atenção ele chutar a cueca de uma vez para

fora de seu corpo para então se ajoelhar diante de mim, o que me

faz automaticamente separar minhas pernas e que me tira um

gemido de satisfação quando ele enfim se aloja entre elas,


apertando minhas coxas possessivamente.

— Isso é um erro… — Lucian ainda tenta falar, mas sem

nenhuma determinação porque sua atenção está completamente


presa à minha boceta molhada, gosta tanto do que vê que nem

consegue evitar lamber os lábios de pura fome.

Sorrio com essa constatação, relaxando minhas costas no


chão para tocar meu próprio corpo, não escondendo minha intenção

de provocá-lo.

— Nem você acredita nisso, Lucian — respondo com


deboche, beliscando meu mamilo antes de levar meus dedos entre
minhas pernas, tocando despreocupadamente meu clitóris sem

desviar meus olhos dos dele.

— Não! — Seu tom de ordem me pega de surpresa e Lucian


segura com firmeza minha mão ao mesmo tempo em que se inclina

sobre o meu corpo, segurando-a contra o chão sobre a minha

cabeça e levando a outra junto, apenas como uma garantia de que


eu não vou tentar me tocar de novo. — Só eu vou tocar você,

entendeu?

Eu me contraio fortemente apenas pelo prazer que escutar

isso me traz e não perco tempo para enlaçar sua cintura com
minhas pernas, necessitando do peso dele sobre mim

urgentemente. Lucian nem me tocou, mas já está me devorando

apenas pela forma que me encara e isso só serve para me deixar


mais molhada e ansiosa ainda para tê-lo de uma vez por todas

dentro de mim.

— Sim, senhor — murmuro num misto de excitação e


deboche, esfregando lentamente meu quadril contra o dele em

busca de um contato mais firme.

Algo na minha resposta serve para acabar de uma vez por


todas com a pouca resistência que Lucian ainda mantém, porque

sem nenhum aviso ou preparo, ele toma minha boca com seus
lábios, beijando-me de um jeito duro e exigente, devorando-me

como há muito eu sabia que ele queria fazer.

Retribuo o beijo em completa entrega e alívio, muito

consciente de seu corpo escultural pesando sobre mim. Agilmente,

Lucian permanece segurando meus dois punhos com uma mão só


enquanto a outra desce para entre suas pernas, empunhando o

próprio pau e é impossível não tremer quando sinto sua glande

deslizando por toda a minha boceta, tirando completamente meu


fôlego quando enfim a força para dentro de mim.

Nosso beijo se quebra no momento em que Lucian se enterra

por inteiro na minha cavidade molhada, arrancando-me um gemido

afetado por não estar preparada para a ardência que aquela


intrusão me traz. Ainda assim, o prazer que domina meu corpo por

finalmente estar cheia do pau de Lucian supera qualquer possível

incômodo que poderia sentir e por isso não perdi tempo para
começar a rebolar sedenta por seu comprimento grosso, perdendo

meu fluxo de ar quando ele começa a se mover contra mim.

Meus olhos se apertam de prazer e eu não tenho escolha


alguma além de receber cada estocada, voltando a fitá-lo apenas

quando sinto sua mão circular meu pescoço, apertando-o

suavemente sem nunca deixar de me foder. A boca bonita


entreaberta deixa gemidos e suspiros escaparem num tom muito

mais baixo que os meus, deixando-me ainda mais excitada, perdida

no prazer que me domina por finalmente tê-lo me possuindo do jeito

que sempre quis.

Aproveito quando ele solta meus punhos para acariciar seus

braços antes de arranhá-los, arqueando minhas costas assim que

as estocadas se tornam mais intensas, deixando-me completamente


fraca. Quero reagir, quero rebolar mais rápido e descarregar todo o

prazer que ele está me proporcionando, mas tudo o que consigo

fazer é receber em completa entrega cada movimento ritmado e


intenso que Lucian deixa dentro de mim, não sabendo se o que me

causa mais desejo é o seu pau pesado me preenchendo com

perfeição ou ver de tão perto o quanto ele gosta do que faz comigo.
Sem aviso, Lucian solta meu pescoço para me puxar para o

seu colo — sem se retirar de mim — ao mesmo tempo em que se

endireita ajoelhado no chão e, por poucos segundos, penso que

será a minha chance de quicar e rebolar sobre ele do jeito que tanto
sonhei, mas percebo que estou errada assim que um aperto

possessivo em meu quadril me impossibilita de me mexer por livre e

espontânea vontade porque simplesmente é ele quem determina a


intensidade que quer em meus movimentos, deixando-me
completamente fraca e trêmula pelo jeito bruto e delicioso que sou

fodida por ele.

Seguro sua nuca e cravo minhas unhas na pele delicada ao

mesmo tempo em que arqueio minhas costas e jogo a cabeça para

trás, entorpecida por simplesmente estar no meio da melhor transa


da minha vida.

— Na-não vou aguentar! — tento avisá-lo em meio aos

gemidos quebrados, voltando a ter minhas costas no chão, mas com


o quadril ainda bem encaixado sobre as coxas torneadas de Lucian,

ofego alto quando, com uma das mãos, ele aperta em cheio meu

seio.

— Não quero que aguente — ele rosna entredentes, focado

não apenas em me satisfazer como em satisfazer seu próprio

desejo tão antigo, comendo-me com seu pau e seus olhos ao

mesmo tempo. — Quero que goze. Quero essa boceta gozando por
todo o meu pau. Você não queria isso? — Ele segura meu cabelo.

— Não queria sentar na porra do meu pau? Então, me foda, Nora.

Mate o nosso desejo.


No mesmo instante Lucian tira a mão que estava em meu

seio para levar diretamente até meu clítoris, estimulando-o rápido


sem nunca perder o ritmo das estocadas, visivelmente preso à cena
do que faz comigo.

Tudo é simplesmente demais para mim, tanto desejo


acumulado uma hora explodiria e é exatamente isso que acontece.

Poucos segundos depois, meu orgasmo me toma de supetão e meu

corpo inteiro se contorce e treme em resposta à poderosa carga

elétrica das sensações, queimando-me de dentro para fora.


Isso não detém Lucian, ele permanece me fodendo no

mesmo ritmo durante e depois do meu orgasmo até seu próprio

prazer chegar e, se não estivesse tão sensível e baqueada por ter


acabado de gozar, teria vindo novamente apenas por ter visto de

perto o quão delicioso é esse homem gozando dentro de mim.

Eu o puxo para me beijar enquanto nossos corpos se


acalmam juntos e me perco no quão bom é ser abraçada e

retribuída num momento tão importante, mais que disposta a


aproveitar cada segundo que estamos compartilhando. Não sabia

como seria depois que a adrenalina baixasse, mas se Lucian se


rendeu uma vez, estou mais do que confiante que se renderia tantas
outras vezes fossem necessárias.
é a luta das nossas vidas

você e eu, nós fomos feitos para prosperar

e eu sou o seu futuro, eu sou o seu passado

nunca se esqueça que fomos feitos para durar

saia das sombras e entre na minha vida

silencie as vozes que te assombram por dentro

e basta dizer a palavra, vamos enfrentar o mundo

take on the world - you me at six

LUCIAN

Não sou um homem ligado a redes sociais. Quando o


assunto não é trabalho, fujo da internet, mas quando estamos no

meio da estrada meu celular pega sinal de internet e eu não tenho


como não ver o que acontece. Eu me pego sendo distraído dos

meus pensamentos sobre a noite anterior quando as chamadas


perdidas, mensagens, notificações de e-mails e até mesmo SMS

começam a chegar.

— Mas que porra — resmungo baixinho, confuso.


Eu puxo a barra de tarefas e percebo que estou sendo

bombardeado de todos os lados. O número de Emma aparece na

tela e eu sei que para ela estar me ligando de seu telefone pessoal

não pode ser coisa boa. Digo a mim mesmo que é algo sobre
trabalho, talvez tenha acontecido algo no Quivira, porque todos

sabem que eu ficaria fora no final de semana, então por que em

pleno domingo o mundo parece estar explodindo diretamente no


meu telefone?

Atendo a ligação e a voz urgente de Emma faz Nora se

mexer. Seus olhos se abrem aos poucos.

— Sim — respondo à minha secretária. — O sinal está um

pouco difícil de entender, Emma, fale devagar.

— Senhor — seu tom é urgente —, precisa voltar

imediatamente. A relações públicas e o pessoal das mídias digitais

estão em fervorosas, precisamos de uma posição do senhor, tem


alguma declaração a dar sobre?

— Declaração sobre o quê?

Ótimo. Odeio ser pego desprevenido.


— O senhor não viu ainda?

— Eu estava numa fazenda no meio do nada, não tive sinal

de telefone desde ontem. Encaminhe para mim o que você está


falando.

— Senhor, não é necessário, está em todo canto. Basta ligar

a televisão, o rádio ou entrar na internet. O senhor descobriu que

tem uma filha?

— O quê?!

Se Nora não estava acordada ouvindo Emma, ela acordou

agora, pois seus olhos arregalados fitando-me e a urgência em

procurar seu celular dentro da bolsa me mostra que está tão alerta
quanto eu.

— Do que está falando?

— Saiu uma notícia, parece que sua tia deu uma declaração

de que o senhor teve uma filha.

— Minha tia deu uma declaração? Francis?

— Sim, senhor. O Times publicou sobre isso, o senhor é a

capa deles essa semana e a Vogue gostaria de uma exclusiva.

— Emma, tá me fodendo, porra?! — vocifero ao bater no

volante. — Não! Eu não tenho exclusiva para dar a ninguém.


Meu coração bate tão forte e minha cabeça fica meio turva.

Desacelero o carro e vou para a pista da direita onde há menos


movimento.

— Se-senhor, e-eu... me desculpe. — Ela não consegue dizer

uma palavra sem gaguejar.


— Emma, escute-me. Não diga nada, não confirme. — O

olhar assustado de Nora para mim me faz suspirar. — E também


não negue. Eu vou lidar com isso quando voltar para a cidade.

— E quanto tempo mais ou menos isso vai levar?


— Quando eu chegar você saberá. — Eu desligo e respiro

profundamente algumas vezes a fim de buscar alguma calma, pois


pela expressão de Nora sei que ela não conseguirá atingir esse

objetivo.

— Oh meu Deus! — diz Nora — Oh meu Deus! — ela repete.


— Puta que pariu!

— O que foi?

— Minhas redes sociais! Eu acabei de passar um milhão de


seguidores!
Só pode estar brincando.

— E isso significa quê?


— Que eu dormi com seiscentos mil! Ai caramba, eu

consegui esse tanto de seguidores em pouco menos de um ano,


mas um milhão e meio é surreal! Eu achei que só atingiria essa

marca daqui a uns dois ou três!

— E o que isso significa, Nora? — Estou ficando impaciente


pra caralho.

Eu não entendo de seguidores e essas merdas. Ela está


chocada ou feliz? Isso é bom ou ruim?

— Seja lá o que as pessoas estão ouvindo, estão vindo me


seguir. Oh meu Deus, as mensagens. Tem uma mensagem da

Quarter aqui!
Merda.

Quarter é uma das maiores revistas do país. Eu dei uma

entrevista a eles quando o Quivira foi eleito o melhor ponto da elite


de entretenimento de Los Angeles.

— Olá, Nora — ela começa a ler —, queremos ter uma


conversa de mulher para mulher com a garota que conseguiu
conquistar o solteiro mais cobiçado de Los Angeles, se pudermos

marcar uma hora com você seria ótimo, vamos aonde você estiver.

Quando ela lê isso em voz alta eu me dou conta de que a


situação tomou proporções maiores do que eu sequer podia
imaginar. Eu já fui assunto diversas vezes no país e principalmente
na cidade, mas era sobre negócios, algum investimento ou algo que
parecia que eu estava fazendo. Eu me lembro da experiência

terrível que foi ser perseguido por paparazzi, revistas querendo uma
história e manchetes maldosas quando abandonei Ravena perto do

casamento. Mas isso... isso é muito maior. É sobre uma filha que
possivelmente estariam chamando de bastarda. O que diriam sobre
Nora? O que estão falando sobre essa criança?

Eu a vejo olhando para trás com os olhos aterrorizados


encarando a filha.
— Ficará tudo bem — digo sem ter certeza.

— Essa foi a maior besteira que eu já fiz na minha vida, se eu

tivesse dito a Francis e William que ela é filha de Cassian talvez eu


não teria criado essa confusão. Por que que ela foi revelar isso?

— Eu duvido que minha tia tenha falado de má fé, ela nunca


falou sobre...

Eu me paro antes que complete a frase. Eu ia dizer que ela

nunca mencionou a doença do meu pai para a mídia e eu nunca


realmente nunca falo sobre isso, nem mesmo quando falava com
Ravena ou quando ela me pediu explicações do porquê eu a estava

deixando quando ela nunca fez nada além de me apoiar, amar,


aceitar e fazer sacrifícios para estar comigo. Como aniversários,
datas comemorativas e momentos que todo casal comemora junto,
mas eu não deixava o trabalho para poder estar com ela.

— Minha tia simplesmente não faria isso.

— Se ela fez de má fé ou só foi boca aberta não importa,


Lucian, minha filha está sendo chamada de “a bastarda da era” e

isso não é legal. “O barão e a ninfeta, a cada ano uma dessa


história se repete” — ela continua lendo. — Ah, tem outra aqui “É

claro que com esse rostinho de quinze anos e o corpo de modelo da


Playboy ela conquistaria o solteiro mais cobiçado de Los Angeles,

parabéns, Nora, nós veneramos você”. Oh meu Deus!

Ela olha para frente, deixando o celular cair no colo com uma
montagem dela com uma coleira e eu de quatro amarrado nela. Há

orelhinhas de demônio em sua cabeça.

— O que foi que eu fiz?!


NORA

Essa é a pergunta que não para de rodar em minha mente

desde que eu ouvi a proporção que o assunto tomou nas últimas


horas.
Lucian não sabe o que fazer, ele parece tão em choque

quanto eu, mas pelo menos está parecendo frio diante da situação.

Coisa que eu não consigo fazer.


Eu quero chegar, fazer um enorme texto explicando o que

aconteceu e pedindo desculpas para minha filha publicamente


mesmo que ela não vá ver isso e nem vai entender o que está
acontecendo pelos próximos anos.

— Eu preciso aceitar a entrevista da Quarter.


— Você não vai fazer isso.

— Lucian, mas eu tenho que...

— Você tem que o quê? Piorar a história? Quando disser que


ela não é minha filha, mas sim do meu falecido primo, tem noção do

que vão dizer sobre você? Que eu descobri e você só está

admitindo antes que a história vaze, que você tentou me dar o golpe
da barriga, que você tentou colocar as mãos no meu dinheiro, já que
amarrar Cassian com uma gravidez não deu certo e ficou sem nada

no fim. Ou pior, e se eles te culparem pela morte dele?

Eu quero dizer que ele está errado, mas não posso. Estou na
internet há alguns anos e principalmente neste último em que tive

minha visibilidade aumentada sei como as pessoas podem ser

podres. Eu não aguentaria se dissessem alguma das coisas que ele

acabou de falar, se a história crescesse ou se as pessoas


dissessem algo que parecesse tão verdadeiro a ponto de

começarem a comprar a mentira.

São tantos “e se” e cada um deles me desespera mais que o


outro.

Quando chegamos à cidade fomos direto para seu

condomínio. Os últimos quarenta minutos foram em completo

silêncio, eu não consigo fazer minha cabeça parar de girar em

possibilidades e em todas elas eu sou atingida.

A questão é que eu consigo segurar o que quer que venha


em cima de mim, mas e minha filha? Como será quando ela

pesquisar o seu nome daqui a quinze anos e ver do que as pessoas

estão chamando ou possivelmente vão chamá-la? Isso sim eu não

consigo aguentar e ela também não vai, ela não precisa. O erro foi

meu.
Nós viramos para entrar na avenida de acesso ao
condomínio, mas Lucian para quando vemos que há vans de

televisão e paparazzi sentados na calçada espalhados em frente à

portaria.

— Bando de filhos da puta!

Minha garganta está seca e meus olhos ardem tanto com

lágrimas não derramadas. Eu quero que esse pesadelo que nem

começou direito acabe imediatamente.

— Lucian — sussurro. — Eu não vou conseguir lidar com

isso.

Ele me observa por um momento como se não soubesse o


que fazer, deixa deslizar a máscara de frieza por alguns segundos

antes de me responder.

— Dê alguns dias e eles param com isso.

Ele dirige devagar para conseguirmos observar o que está

acontecendo, mas basta um dos paparazzi reconhecer seu carro

para que todos eles venham como formigas em cima de doce sobre

nós. Lucian da ré e rapidamente retorna com o carro para onde

viemos. Ele acelera para que as vans não nos alcancem e seguimos
em alta velocidade.

— Para onde estamos indo?


— Para o Quivira.

— E você acha que lá não estará pior?

— Lá pelo menos você terá serviço de quarto, aqui cada vez


que alguém tentar entrar há o risco de uma dessas pessoas

entrarem junto, no Quivira ninguém entra no hotel. Algum


funcionário escolhido por mim exclusivamente vai levar comida para

vocês e...

— O que você está dizendo? Eu preciso estudar, eu tenho


treinos, a minha faculdade e...
— E o quê, Nora? Ficar dando cambalhotas neste momento

não é exatamente a sua prioridade.

— Como é? — Assim que entramos na garagem subterrânea


um segurança vem em direção a ele e eles falam baixo enquanto eu

tiro a minha filha do carro.


Quando ele volta para mim eu ainda estou aturdida com o

que disse agora há pouco.

— Você vai subir com Antony e eu vou ao escritório tentar


controlar a situação.
— É claro, você lida com tudo e eu fico presa aqui.

— O que você quer, Nora? — Ele abre os braços.


— Respeito, talvez? — digo o óbvio. — Não são piruetas e

cambalhotas, tudo está relacionado com o meu futuro.

— O seu futuro no momento é não passar por um inferno de


câmeras enfiadas no seu rosto e expor a imagem da sua filha.

Ele fecha os olhos com força e quando os abre, os azuis


brilham tão intensamente que eu fico na dúvida se ele está com

raiva ou só frustrado pela situação. Talvez seja um misto dos dois.

— Pelo menos por hoje suba e me dê o sossego de saber


que você passará a noite segura sem que alguém invada o
condomínio. Você ficará em uma das suítes presidenciais.

— O andar não estava comprometido?

Ele desvia o olhar.


— Já foi consertado.

— Então, por quê...

— Nora, não é o momento de ficar perguntando as razões


para as coisas.

Acho que ele quer dizer que não é o momento de pressioná-

lo sobre porque ele ainda estava na casa comigo se podia voltar


para o hotel.

— Lucian — eu o chamo quando ele coloca a senha no


elevador que me levará direto para o último andar e o segurança
entra comigo. Eu seguro sua mão. — Vamos conversar, fica comigo
hoje.

Ele olha para nossas mãos unidas e balança a cabeça,


afastando-se de mim.

Dói, eu não vou negar.

— Ficarei em outro lugar hoje.


— Mas e...

Eu olho por cima do ombro para o segurança que fita

fixamente um ponto nas paredes de aço fingindo que não está aqui.
Reflito sobre quantas vezes ele se fingiu de surdo e mudo

trabalhando com Lucian Santoro.


E mulheres? Quantas ele acompanhou até uma das suítes
presidenciais quando Lucian se cansou delas?

— E sobre ontem? Nós precisamos conversar.


— Não há o que conversar, Nora. Isso... — ele balança a
cabeça — olha a confusão que nós fizemos juntos em questão de

dias e para piorar ontem.

— Para piorar? — pergunto num fio de voz.


— Sim. — Ele ergue o queixo. Os olhos frios me machucam

mais do que as palavras a seguir. — Ontem à noite as coisas não


pareciam tão ruins que hoje pudessem piorar. — Sou eu que me
afasto dessa vez. — Nunca pensamos que é um erro quando
estamos errando, só nos demos conta disso tarde demais, você vai
abrir os olhos também.

— Abrir os olhos para o que exatamente?

Eu seguro o choro mesmo que meu nariz comece a arder e


minha garganta feche. Não vou me permitir gaguejar e fazer papel

de boba, não outra vez.

— Eu preciso ir, Nora.

— Eu devia ter saído daquela casa no momento que vi você.

Ele ergue o queixo.

— Talvez você devesse.

— É, não se preocupe. Não cometerei o mesmo erro

novamente.

Eu entro de vez no elevador e me encosto no espelho como

se pudesse disfarçar que meu corpo vai desabar a qualquer


momento. Quando as portas se fecham eu olho para ele uma última

vez.

No fim, todo homem estúpido não percebe a burrice que está

fazendo até que seja tarde demais.


eu posso te amar mais do que amei antes

estava em um lugar escuro naquela época

eu era tóxico, então fui tóxico para outra pessoa

eu era assombrado pelas colinas

eu não pude te dar tudo de mim, mas irei

se você me deixar em seus braços

se você me deixar entrar em seu coração

eu não acho que o amor está completamente fora de questão

off the table - ariana grande ft. the weeknd

NORA

— Você foi muito bem, meu amor! — digo a July após enchê-

la de beijos pela paciência de me deixar trocá-la de roupa três vezes


e passar os últimos quarenta minutos tirando fotos comigo. Nós

temos essa conexão louca que faz com que tudo pareça mais fácil

do que é. A minha idade, dinheiro para babá e o fato de July ser tão
calma ajuda, mas na maioria das vezes eu só me pego achando tão

fácil ser mãe que teria mais dois ou três filhos.

Eu a observo engatinhar até o tapetinho cheio de brinquedos,


sentar-se e começar a brincar com suas bonecas. Há uma coleção

de Barbie’s, duas Baby Alive e seus ursos de pelúcia esparramados.

Com um ano e três meses eu sempre achei minha filha esperta

demais, como se ela fosse mais desenvolvida do que a sua idade.


Culpo e agradeço aos bons genes da minha família por isso.

Meu telefone toca de repente e eu desligo a chamada da

minha mãe. Estou pensando em uma boa legenda para colocar na


foto que tiramos e postarei hoje.

July está sorrindo para mim segurando seu urso panda no

alto vestida com um vestido de oncinha, eu prendi seu cabelo em

duas chiquinhas e você consegue ver seus dentinhos no grande

sorriso exibido. Coloco apenas mais um pouco de brilho na foto,

pois a sacada muito bem iluminada da suíte que estamos vivendo


nos últimos dias ilumina o suficiente o ambiente. Digito a legenda,

algumas hashtags e posto.

Não demora para as notificações da publicação começaram a

surgir. Todos os dias há uma chuva de seguidores como se eu

estivesse comprando grandes quantidades de pessoas para me


seguir, as curtidas são insanas e são tantos comentários que se eu
dependesse de publicidade para viver estaria muito bem servida de

marcas me procurando, claro que eu não cedia a nenhuma delas.

Minha relação com a minha filha não está à venda, eu compartilho

no meu Instagram como se fosse o meu álbum de memórias e eu

sei que July vai gostar de ver como temos essa conexão e esse

amor uma pela outra desde sempre. Eu pretendo ser a mãe legal e
moderna, afinal de contas.

Meu telefone toca novamente com o nome da minha mãe


piscando na tela e dessa vez eu atendo.

— Por que é tão difícil falar com minha própria filha?

— Olá para você também, mamãe.

— “Olá, mamãe”? Olá, mamãe, o cacete, Nora, você devia ter

me ligado ontem, tem noção do que está acontecendo do lado de

fora dos muros chiques deste hotel?

— Eu imagino um pouco.

— Imagina um pouco? Não, você não tem a mínima noção.

— Os noticiários pararam — digo em minha defesa.

— E você acha que porque os noticiários pararam as

pessoas esqueceram o assunto? Você ainda não me falou por que


foi que mentiu sobre isso. Francis me ligou e me contou sobre como
estava arrependida de ter comentado com suas amigas num campo

de golfe sobre a descoberta dela de que Lucian tinha uma filha. Eu


precisei simplesmente pensar rápido para não dizer que ela estava

ficando louca, já que July, na verdade, é de Cassian e não de Lucian


Santoro.

— Foi uma mentira inocente — suspiro —, eu juro.

— Como é que mentir a paternidade de uma criança é uma


mentira inocente?

— Eu precisava protegê-la.
— E eu te falei que isso é absurdo, Francis e William são

ótimas pessoas, seu pai conheceu Lucian e os pais deles através de


William. Você cresceu com essas pessoas. Por que pensa tão ruim

deles?

— Eu não penso ruim deles, quando se trata da minha filha


eu penso ruim de todos.

— Inclusive de mim?

— É claro que não, mamãe, você é a avó dela.


— Assim como a Francis. Nora, eu não te criei para isso,
você sabe que a atitude correta é chamar Francis e ter uma

conversa de coração aberto, filha. Ela também é mãe e vai te


entender.
— Você realmente acha? Eu penso que ela vai ficar muito

brava, enfurecida, porque além de ter omitido a verdade eu ainda


joguei uma mentira em cima desse bolo.

— Então é isso, ficará por isso mesmo?

— Sim, ficará por isso mesmo.

— Nora.
— Mamãe. Eu não ficava palpitando em como você me criou.

Ela riu do meu absurdo.

— É claro que não, você era uma criança e só tinha a opção


de obedecer.

— Pois é, assim como a minha filha é criança, eu sou a mãe

dela e tanto a obrigação dela quanto a sua é me obedecer.


— Não fale assim comigo, garota, você pode ser maior de
idade mas eu ainda corro até aí e te dou umas palmadas.

— Você nunca me bateu, mãe.

— Não, mas foi por pouco.

Eu me sento no sofá observando July brincar com o rosto


pleno e feliz.

— Ela é saudável, tem tudo, tem muito mais do que precisa.

É amada e protegida, o que há de errado comigo de não querer


mais desse amor e proteção para a minha garotinha? Talvez eu seja
um monstro.

— Você não é um monstro, Nora, só é nova demais. Você foi


jogada nessa confusão quando deveria estar vivendo outras coisas.

— Não fale assim.

— Eu não estou falando nesse sentido. July é um presente,


ela mudou nossas vidas, veio em um momento que eu talvez não

tivesse sobrevivido e você poderia ter se rebelado com a vida.


— Eu sei.

— Ainda que você tenha sido uma mãe ruim no começo, se

tornou uma mulher e uma mãe incrível.


— Eu não era ruim no começo!

— Ah, minha filha, você acordava tão cansada quando ela

chorava de madrugada que passou seus cremes de skin care na


assadura da garota e passou a pomada de assadura dela no seu
rosto.

— Bem funcionou muito bem, eu usei por alguns meses.

— Antes ou depois de precisar correr para o hospital com


uma baita reação alérgica?

— Podemos não lembrar disso?

Ela começa a rir.


— Apenas disso ou talvez não devamos lembrar daquela vez
que você estava com tanto sono que colocou July pra dormir na sua
cama e foi deitar no berço dela? — Ouvindo minha mãe rir do outro

lado da linha eu me seguro para não a acompanhar, pois realmente


foi um dos meus piores e mais cômicos momentos no começo da

maternidade.

— Você terminou?
— Sim, agora sim. Eu preciso lembrar de uma de suas

situações no começo da maternidade pelo menos uma vez por


semana para aliviar o peso do meu trabalho, mas me diga como vão

as coisas com você e Lucian?

— Como não vão, você quer dizer, ele não tem aparecido.
— Como não tem aparecido? Ele simplesmente te

abandonou neste hotel?

— Eu não diria que abandonou, foi uma situação repentina


para todos, principalmente para ele, eu não o culpo.

— Mas eu culpo.

— Por que, mãe? Não foi ele que me engravidou.


July ri e se levanta.

— Ah, meu Deus! Ela está andando de novo.


— Não acredito! — minha mãe diz no outro lado da linha. —

Eu estou indo para aí.

— Mãe, até você chegar aqui ela já parou e foi tirar uma

soneca.
— Essa garota é muito dorminhoca, ela parece seu pai.

— Ela parece ele em muitas coisas.

— Ela é mais parecida com ele do que você era.

— Eu sei — eu sorrio com carinho —, isso é muito louco.

— Eu acho fascinante. — O amor em sua voz faz sorrir

mesmo que ela não possa ver.

— Nosso jantar esse final de semana ainda está de pé?

— Eu queria antecipar, mas as coisas estão uma loucura na

agência. Não acho que vou conseguir sair antes do planejado.

— Não se preocupe, eu também estou corrida por aqui.

— Como vão os treinos?

— No momento parados já que eu estou oficialmente proibida

de sair do prédio.

— Proibida por quem?


— Por quem você acha? Lucian. Ele acha que se eu colocar

o pé pra fora vou ser bombardeada por paparazzi.


— E ele está certo, você não tem ideia de como estão as

coisas por aqui, eu mesma fui parada duas vezes.

— Sinto muito, mãe, nunca foi minha intenção.


— Eu sei, querida, você apenas tenta fazer o seu melhor.

Então nos vemos no sábado, certo?

— Sim.
— Não desmarque como você fez da última vez.

— Pode deixar, dona.


— Eu preciso ir agora, estão precisando de mim lá embaixo.

— É claro. Bom trabalho, eu amo você.

— Te amo muito mais, me mande fotos da minha neta, você


está economizando memória do celular ou o quê?

Revirando os olhos para sua implicância, eu concordo em

enviar o álbum inteiro que acabei de tirar e ela desliga satisfeita. A


verdade é que ainda que eu enviasse cinquenta vídeos e cem fotos

por dia, mamãe não estaria satisfeita, ela só vai se dar por feliz o dia

em que eu disser que estou me mudando para sua casa, o que

francamente nunca vai acontecer.


Se eu pensei por um segundo que teria paz estava

enganada, não demorou para o telefone do meu quarto tocar. Eu


demorei a levantar e atender na esperança de que fosse parar, mas

não aconteceu. Levantando do tapete que brincava com minha filha

decidi atender de uma vez.

— Sim?

— Senhorita Baldwin, há uma visita para você.

— Uma visita? Eu não estou esperando ninguém.


— Ele se chama Travis. Diz que trouxe algumas coisas e veio

com um recado de Kimberly.

— Oh, certo pode deixar que suba.

— A senhorita tem certeza? O senhor Santoro...

Se ele pudesse me ver revirando os olhos não mencionaria


esse nome para mim.

— Eu vou receber minha visita, obrigada. Estou esperando.

Desligo e dou uma olhada no quarto. Bem, está tudo uma


bagunça, mas pelo menos são apenas brinquedos.

Eu rapidamente coloco os utensílios do nosso almoço no

carrinho e o deixo perto da porta para quando o serviço vir retirar e


parecer um pouco mais organizada e fico aguardando em frente à

porta. July se reveza entre me olhar para ver porque estou em pé e


não brincando com ela e cuidar de seus bichinhos. Eu não sei o que

Travis faz aqui, Kimberly não me mandou nenhuma mensagem e

até onde eu sei ela não tem recado nenhum para mim.

Só posso supor que está tramando algo. Pego o meu celular

e rapidamente lhe envio uma mensagem.

POR QUE TRAVIS ESTÁ NO HOTEL PARA ME VER?

A safada está on-line e vê minha mensagem, mas fica off e

não responde.

Eu envio algumas figurinhas ofensivas e começo a ligar para


ela, mas chama apenas duas vezes antes que haja uma batida à

porta.

Respirando fundo, eu coloco o meu chinelo agradecendo por


ter chamado uma manicure ontem de manhã e abro a porta. É

estranho vê-lo aqui, mas nós conversamos frequentemente na

universidade e eu já o acompanhei em uma festa de sua

fraternidade. Rolou até um beijo, mas não passamos daquilo. Eu


sentia que não estava pronta depois de Cassian, aparentemente

não era eu que não estava pronta, mas a pessoa para quem eu me

sentia pronta, já que com Lucian eu não tive dificuldade de ir muito


mais além do que um simples beijo.
— Ei — ele diz quando abro a porta. — Pela sua expressão

posso dizer que não faz ideia do que eu estou fazendo aqui.

Eu sorrio sem graça porque não vou negar.

— Mais ou menos isso. — Eu me afasto para que ele entre e

Travis o faz. — Minha filha está aqui, então...

— Eu só vim te trazer algumas coisas.

Ele me oferece uma sacola e ao abrir, encontro não só uma

pequena caixinha da Tiffany, mas também uma caixa de chocolates.

— Isso não parece ser da Kimberly.

— E não é. — Encostando-se no batente, ele me dá um lindo

sorriso. — Na verdade, eu perguntei a ela por que você estava


faltando há três dias e ela me disse que teve imprevistos e estava

hospedada aqui. Eu não sabia se você ia lembrar de mim se eu

dissesse apenas o meu nome, então disse que também tinha um


recado dela, desculpe por mentir.

— Ela não te falou para vir aqui?

— Bem, ela me encorajou, mas sinto muito. Sou apenas eu,


nenhuma mensagem da sua melhor amiga.

— Tudo bem, ela pode falar comigo a qualquer momento se

precisar, eu sabia que não tinha recado nenhum. E é claro que eu


me lembraria de você pelo nome, Travis, quer algo ou uma água,
um suco eu não sei...

— Não, estou bem. Só me preocupei com você e sei que


talvez possa parecer bobagem, mas gosto de você, Nora. — Ele

observa por um momento. — E fico preocupado.

E quando ele diz isso, eu entendo a preocupação.

— Por que a história já está rolando na faculdade? — Seu

olhar me confirma a teoria. — Bem, até que demorou para alguém

vir atrás de mim.

— Eu não vim por curiosidade, realmente estava preocupado


com você.

— E por quê?
— Nós não somos amigos?

— Não.

— Mas já tivemos algo, mesmo que não tenha sido muito.


Nós conversamos várias vezes. Eu sei o quanto você se importa

profundamente com a sua filha e tinha ideia de como isso poderia te


magoar. Eu só queria que você soubesse que não está sozinha e
que se precisar de algo o meu pai é advogado.

Deixando a minha guarda baixar um pouco, tenho que admitir


que oferecer isso é fofo da parte dele.
— Eu não vou precisar de um advogado, mas agradeço a
oferta. Seu pai sabe que você acabou de me oferecer os serviços
dele?

— Não — ele sorri —, mas ele não teria escolha além de


aceitar.

— Ah, é? Você costuma oferecer seu pai para todas as


meninas que você visita e se preocupa?

— Não, só com alguém tão especial que mereça isso.


Ok, ele é muito fofo.

— Bem, você se lembra da minha filha?


— Como esquecer? Eu a vi uma vez fora do Instagram, sou

um grande fã de vocês, mas ela é difícil de esquecer. Olá, gracinha.

July que é sempre receptiva e sorridente com as pessoas me

surpreende ao dar uma olhada em Travis e fazer algo que eu não


esperava, pois nunca a vi fazendo; ela arrasta sua bundinha no
tapete até estar de costas nos ignorando completamente.

— Oh, meu Deus! — Levo as mãos à boca. — Eu não sei o


que foi isso.

Travis sorri meio sem graça.


— Está tudo bem.
— Não, não está. Ela é nova demais para isso e foi muita
falta de educação.

— Nora, está tudo bem e realmente é só uma criança, uma


bebê. Talvez ela tenha sentido minhas intenções.

— Suas intenções são tão ruins que minha filha está sentada
de costas para te ignorar?

— Talvez ela apenas não queira observar enquanto eu flerto


com a mãe dela tentando convencê-la a sair comigo outra vez.
Eu bufo.

— Você não quer sair com a garota mais mal falada de Los

Angeles agora.
— A mais mal falada? Tenho certeza de que há alguém mais
mal falado do que você nessa cidade.

— Não dos jornais.


— Então isso é bom pra mim, você é popular.

Eu dou risada e ele me acompanha, é bom rir assim

despretensiosamente sem me preocupar em como estou falando,


como serei entendida e o que isso vai me trazer. Esse sim é o tipo
de cara que eu deveria querer e não Lucian, muito mais velho, com

bloqueios e paredes que eu jamais poderia derrubar mesmo que


tivesse sido apaixonada por ele por tanto tempo e ele soubesse
disso.

Eu deveria querer um Travis, não um Lucian, mas quem é

que diz isso para o coração?


Ei, não se apaixone por esse se, apaixone-se por esse que é
mais fácil.

Não tem como, se tivesse eu com certeza já teria passado


uma borracha por cima do que sinto por aquele italiano.

Droga.

Teria mesmo?

(…)

LUCIAN

— Eu preciso de água e um remédio para enxaqueca e traga-


me uma dose de uísque do bar do restaurante. Peça a Moisés para

caprichar com hortelã e colocar uma pequena dose de vodka.

— Sim, se...

— Pode sair agora — interrompo Emma antes que ela possa


terminar.
Meu escritório no Quivira é grande, mais do que o suficiente

para a minha mesa, as poltronas, uma lareira e uma estante.


Grande e espaçosa o suficiente para os monitores na parede oposta
que ficam escondidos por uma parede falsa, assim, quem entra não

pode ver. Poucas pessoas sabem da existência desses monitores,


pois através deles eu consigo ver até mesmo a sala de vigilância,
onde há seguranças que conversam, comem e se revezam em

cochilos já que pensam que são os únicos a observar o meu


império.

No entanto, não são os seguranças que tem minha atenção


hoje e nem a gerente do restaurante entrando no estoque com o

garçom e saindo quinze minutos depois arrumando o cabelo


enquanto ele ajeita as calças.
Não.

O que tem a minha atenção é a porta da suíte de Nora que se


fechou há quarenta minutos com um homem lá dentro e não abriu

mais. A minha vontade de descer e ver o que diabos ela está


fazendo com aquele garoto lá dentro é quase incontrolável, mas eu

digo a mim mesmo que não estou certo. Eu disse a ela que não
podíamos continuar o que aconteceu naquela fazenda e eu falei
sério, não há nenhuma chance, seria ridículo, eu viraria uma piada
no mundo corporativo, na minha família e em sua faculdade. Como
os meus funcionários me veriam namorando uma garota mais de
vinte anos mais nova do que eu? E quando descobrissem que eu a

conheci quando era só uma criança? O que seus amigos da


faculdade pensariam quando a vissem com um homem mais velho?
Um velho babão!

Eu sempre julguei homens que saem com mulheres mais


novas, por que não podem pegar alguma da idade deles? Porém,

aqui estou eu, desmarcando reuniões e passando o nervoso que


não passo nem sabendo que Ravena pode vender o terraço do meu

edifício a qualquer momento.


— Inferno, Nora!

Eu me levanto, arrasto as mãos na mesa, jogando o caderno,


o porta-canetas e um copo cheio de café direto no chão. Esfrego o
meu rosto, passo as mãos pelo cabelo que já está mais

despenteado do que quando acordo e soco a mesa quando me


apoio para respirar profundamente.
— Não é da minha conta. Nada sobre a vida dela é. Não é da

porra da minha conta!

Respiro fundo.
Que se dane.
Eu vou até aquele monitor específico e o desligo, mas então,
a imagem da porta aparece no monitor ao lado eu o desligo

também, o que faz com que a tela pule para o monitor de cima, eu
vou até o canto da parede e puxo aquela merda da tomada
desligando todos. Ela pode estar conversando, ela pode estar

treinando com ele ou ela pode simplesmente estar fodendo a tarde


inteira enquanto sua filha dorme no quarto ao lado.

— E o que é que eu tenho a ver com isso? — grito entre as


quatro paredes do meu santuário.
Meus olhos fecham e eu me lembro da noite que passamos

juntos em frente à lareira no chão como dois desgarrados,


esquecendo o mundo fora daquelas portas, um momento em que eu

deixei de ter a minha idade e virei um garoto novamente. Jovem e


desimpedido, sem maiores responsabilidades.

Um garoto que podia dormir com uma jovem linda sem


pressões e preocupações externas, éramos apenas nós dois, mas a
fantasia acabou. Abro os olhos e digo a mim mesmo que preciso me

recompor. Eu não tenho nada a ver com quem Nora vê, com quem
ela anda, quem ela fica, conversa, treina ou fode. Isso é da conta
dela e ainda que esteja debaixo do teto do meu edifício, ainda não é

problema meu.
Eu repito isso a mim mesmo até que finjo que me convenci
de que acredito, mas bastam cinco minutos para que eu vá até a

parede e ligue as tomadas novamente.

Então eu volto a observar à porta.


eu te coloquei em primeiro lugar e você adorou

eu vi os sinais e ignorei

óculos cor de rosa, tudo distorcido

eu precisei te perder para me encontrar

esta dança estava me matando lentamente

eu precisei te odiar para me amar

lose you to love me - selena gomez

NORA

Finalmente fui para a universidade após quatro dias em casa.


A quantidade de matéria que eu tenho que repor é insana,

nunca mais farei isso, é claro que as pessoas me olharam — tanto


por julgamento, quanto por piedade —, mas eu não me deixei

abater. Ergui a cabeça e fiquei na minha.

Treinei durante uma hora com os meus colegas e toda vez

que alguém ficava me olhando demais ou eu via que o assunto seria


abordado, rapidamente me afastava ou Kimberly fez o trabalho por

mim e mandou cuidarem de suas próprias vidas. Privilégios de tê-la


como melhor amiga, ela jamais me deixaria passar por uma situação

constrangedora e ficaria em silêncio.

Também conversei com a safada sobre mandar Travis para o

hotel atrás de mim e de acordo com ela, eu devia confiar, porque ela

sabe o que está fazendo. Eu entendi na hora que a coisa toda foi na
intenção de provocar ciúme ou alguma reação de Lucian.

Coitadinha, se eu dissesse que eu já tinha conseguido uma reação

e não foi nada como eu esperava...


O sexo foi incrível, é claro, eu sempre soube que seria — não

quando eu tinha onze, doze ou treze anos —, mas quando eu fiz

dezesseis e ele passava pela minha cabeça aos dezessete eu já

entendia o que era sexo e já sabia que se um dia eu conseguisse


me deitar com aquele homem ele seria a experiência de uma vida. E

foi.

Eu ainda não tive coragem de contar para Kimberly que fui

para os finalmentes com ele, sei que um interrogatório viria logo em

seguida e ela ficaria me infernizando até que eu dissesse porque

não parecia tão realizada — como sempre achamos que eu estaria

se isso acontecesse. Como é que eu ia dizer para ela tudo o que


houve desde aquela noite de tempestade na fazenda? A vergonha
de ser rejeitada é muito maior do que a urgência de contar a

novidade.

Quanto a Travis, as coisas não tinham passado de uma

conversa rasa e ele me convidando para um encontro que eu

recusei, pois se tem uma coisa que não passa pela minha cabeça

agora é conhecer alguém dessa maneira, no entanto, ele não

pareceu disposto a desistir, principalmente quando foi embora me

dando um beijo no canto da boca e hoje, sem mais nem menos


tentou andar de mão dada comigo pela universidade.

Eu nunca tive um namorado, então, aquilo foi demais para

mim e eu me afastei lhe dando um sorriso gentil que não lhe

entregou a mensagem, pois no intervalo ele se sentou à minha

mesa, trazendo seus amigos do time de futebol e permaneceu ao

meu lado, fazendo com que todos os olhares nos observassem


como o mais novo casal.

Eu quis matar Kimberly quando eu lhe dei olhares de socorro


e ela me ignorou, puxando ainda mais assuntos para que eu não

conseguisse levantar da mesa e fugir daquilo. Ainda que eu

estivesse empenhada em conquistar Lucian não faria isso usando

Travis, ele não é um cara ruim e principalmente nunca foi ruim


comigo, mesmo que seu status lhe dê certa fama de ser arrogante e

seletivo, para mim ele sempre mostrou gentileza, cuidado e


persistência em me conquistar.

Quando voltei para o hotel mais tarde, passei pela recepção

fazendo o pedido do almoço já que eu teria que sair em breve.


Logo pela manhã recebi a ligação de uma estilista que estava

na minha lista de estágios como uma das prioridades. Eles me


ligaram para fazer uma entrevista e mal pude acreditar, confirmei na
hora que ia sem nem perguntar horário de trabalho e salário, essas

coisas realmente não importam visto que por enquanto eu não podia
entrar num estágio da faculdade pensando em dinheiro se não, não

rolaria nenhuma oportunidade.

Eu só me arrependo de não ter questionado sobre o horário


já que dependendo da jornada de trabalho eu ficarei muito tempo

longe de July, mas decidi ser honesta com a pessoa que me


entrevistar, afinal, se for trabalhar de três a seis meses ou até um
ano, preciso começar deixando claro que ainda que minha carreira

seja uma prioridade, minha filha é muito mais.


Chegando à sede da grife de Leonardo Torricheli, eu

rapidamente subo mesmo não estando atrasada e vou ao banheiro


após pegar o meu crachá com identificação. Serei entrevistada por
Mônica, uma francesa que começou estagiando como eu, mas após

dar uma olhada em seu Instagram, vi que ela conseguiu ir muito


mais longe do que uma simples estagiária. Hoje como uma das

assistentes de produção mais confiáveis de Leonardo, ela é a única


que pode dar uma olhada nos rascunhos do estilista antes de

qualquer outro, ela não cansa de exibir tal informação postando


diários, vlogs e vídeos no YouTube detalhando sua rotina como
estudante de moda.

Eu particularmente não gosto das peças de Leonardo, mas

preciso do estágio, é necessário que eu tenha certa experiência


antes que siga para a etapa mais importante do curso e é tão difícil

ser aceito sem um estágio em alguma grife importante que não


posso deixar a oportunidade passar. Eu vou ao banheiro, dou uma

última retocada na maquiagem e ajeito o cabelo antes de voltar à


recepção e aguardar em uma das cadeiras. Espero dez minutos,
quinze, vinte e cinco minutos, até que vejo Mônica entrando. As

duas secretárias na recepção levantam quando ela sai do elevador,


mas ela passa reto, não lhes dá boa tarde ou uma única olhada.

Bem, se como assistente ela é assim não consigo imaginar como


será se um dia estiver sua própria grife.
Começo a ficar ansiosa já que ela chegou e minha entrevista
devia ter sido há meia hora, acho que vai me chamar rápido.
Recebo fotos de July brincando e quando vejo o relógio já passaram

mais quinze minutos. Assisto meu último vídeo que precisa ser
postado hoje às seis da tarde, mas não consigo editar agora porque

leva tempo.

Meia hora.
Nesse ponto ela está atrasada há uma hora e quinze para a

minha entrevista, talvez tenha me dado uma olhada e desistiu ou


simplesmente está muito ocupada, eu digo isso a mim mesma para
justificar a demora e não me sentir mal. Porém, não leva muito

tempo para descobrir se uma estudante é apta para o estágio ou


não, e eu sou. Minhas notas são ótimas, eu tenho um público que

eles poderiam considerar que seriam atraídos para a marca e tenho


horas extras incríveis a contar, então por que a demora?

Quando estou sentada naquela cadeira por uma hora e


quarenta vou até um dos balcões.

— Olá — digo gentilmente.

A secretária que me atendeu quando cheguei me oferece um


sorriso gentil.
— Sinto muito pela demora, sua entrevista está um
pouquinho atrasada, não é?

Uma hora e quarenta, penso, mas apenas concordo.


— Sim, eu queria saber se houve algum problema, eu estou

com tempo para esperar — eu não estava —, é só pra saber.

— Hum, é claro, sente-se por mais alguns minutos e eu vou


falar com a senhorita Mônica.

— Certo, muito obrigada.

Eu a vejo levantar imediatamente e seguir pelo corredor até

sumir de vista, voltando cinco minutos depois com uma expressão

nada boa.

— Você pode me seguir, por favor. — Ela faz uma pausa


como se estivesse tentando lembrar meu nome.

— Nora, Nora Baldwin.

— Isso, Nora, por favor, venha comigo.

Eu a sigo pelo corredor até entrarmos em uma sala que está

uma completa bagunça, no centro dela, de pé observando alguns


desenhos na mesa está Mônica.

— Você pode sair, Jessie.

A secretária fecha a porta e nos deixa a sós.

— Olá, Mônica — eu digo. — É um prazer conhecê-la.


Ela me dá uma olhada rápida.

— Bem, eu tenho muito a fazer hoje, todos os dias, na

verdade. — Ela dá a volta na mesa e olha-me de cima a baixo,

embora eu perceba que tenta disfarçar. — Eu imagino que você seja


muito ocupada também, com a faculdade e outras coisas.

— Na verdade, eu tenho bastante tempo livre. Estudo pela

manhã e durante o dia basicamente...

— Eu vou ser muito sincera, Nora, como eu disse, sou muito

ocupada e acredito que você também, então não vamos perder

tempo. Eu dei uma olhada no seu currículo, nas suas notas da

faculdade e pensei bastante, acho que nesse momento você não é


adequada para o que estamos procurando.

Como é?

— Desculpe, eu não entendi.


— Acho que você não tem o perfil da estagiária que

buscamos. — Ela força um sorriso.

— Eu não sei, se puder me explicar.

Ela não estava esperando que eu fosse reagir.

— Bem, eu preciso de alguém que esteja cem por cento


comprometido e eu não acho que você conseguiria dar conta.
— Mas... eu não entendo. Como é que você sabe disso sem

conversar comigo?

— Eu pesquisei seu nome, é claro, é minha obrigação como


assistente pessoal e praticamente sócia de Leonardo Torricheli dar

uma olhada geral nas pessoas que possivelmente trabalhariam com

ele e eu vejo que você tem certo potencial para moda, mas imagino
que outras coisas sejam sua prioridade, como fazer vídeos para o

Instagram e cuidar de sua filha.

— Ah, não, mas isso realmente não é o problema, minha filha

é muito quietinha e o Instagram é só diversão, acho que no futuro


ele me ajudará com a minha carreira e...

— Nesse momento nós não temos uma vaga para você. —

Sua voz fica mais incisiva agora. É como se ela estivesse querendo
me dispensar de uma vez.

Espere... eu estou realmente sendo discriminada por ser mãe

ou por ter uma rede social com muitos seguidores?

— Certo, e eu poderia saber exatamente o porquê estou

sendo desclassificada da vaga pela qual sou cem por cento

adequada?
— Vou dar um exemplo muito simples e direto. Se eu disser

que eu preciso de uma estagiária para vir às seis da manhã e sair


às oito da noite você provavelmente vai me dizer que não pode

porque tem que cuidar da sua filha.

— Não, na verdade, eu não...

— E se eu pedir — ela me interrompe — que você fique a

noite toda comigo revisando desenhos, rascunhos e cuidando de


fornecedores com quem Leonardo trabalha?

— Não será um problema para mim, minha filha tem a minha

mãe e uma babá com quem eu posso deixá-la.


— Eu entendo, eu entendo, isso é o que praticamente todas

as mulheres que têm esse tipo de responsabilidade respondem.

— Desculpe-me? — Não é possível que eu esteja ouvindo

tudo isso.

— Em entrevistas de emprego vocês podem tudo, mas na

hora da ação quando realmente precisamos fazer as coisas é que


eu vejo que não deveria ter contratado alguém que tem filho. Uma

mulher solteira é muito mais adequada e eu devo dizer que

recebemos muitos bons candidatos da sua universidade.

— Mas eu não sou boa, eu sou ótima.

— Isso é você quem diz, não é? Eu prefiro ter certeza por

mim mesma e neste momento não posso me dar ao luxo de perder


tempo com você já sabendo qual será a sua média no fim.
— Então, eu esperei duas horas pra isso? Para ser

discriminada e jogada fora dessa forma?

— Eu não diria que estou discriminando você, estou na


verdade te dando a dica de que se você desativar o seu Instagram e

der mais atenção ao que a carreira de moda pede, talvez você

consiga um estágio em uma loja de departamento.

— Ok, isso é tudo? — pergunto engolindo o choro, quero


gritar com ela e dizer umas boas verdades, mas no fim essa vaca

não vai me contratar de qualquer forma e poderia até me queimar

com outros estilistas.

— Sim, é tudo. — Seu sorrisinho arrogante me faz querer

estapear seu rosto magérrimo. Nem se dá ao trabalho de me olhar

enquanto dispensa uma ótima funcionária, alguém que trabalharia


com prazer e paixão e não se importaria de passar horas

trabalhando, ao contrário do que ela pensa.

Mantendo meu orgulho e saio com a cabeça erguida da sala,


dizendo a mim mesma que não vou chorar, pelo menos não até que

eu esteja novamente no meu quarto de hotel e longe da minha filha,

pois ela não merece saber o quão maltratada eu acabei de ser.

Quando chego à rua e aceno para um táxi parar, eu desejo

retribuição e um carma fodido àquela garota, mas meu dedo está


coçando para abrir o Instagram e ir direto nos stories fazer um relato

do que acabei de passar.

A ideia vai ficando mais e mais forte a cada minuto dentro do

carro enquanto choro sem derramar uma lágrima. Eu não posso

admitir que minha filha, que é todo o meu mundo, tenha sido o
motivo de eu não realizar uma grande parte do meu sonho. Não.

Não vou acreditar nisso. No máximo isso aqui foi um exemplo do

tipo de profissional que eu nunca quero ser e quando eu desço do


carro, vinte minutos depois, estou totalmente convencida de que

preciso ir direto para o Instagram fazer esse alerta.

Meu eu vingativo, é claro, quer apenas desabafar e deseja

que de alguma forma ela se ferre pelo que fez comigo.

E se Leonardo visse seu nome indo para lama e mães como

eu se sentindo discriminadas por sua marca?

E se Mônica perdesse a imagem de assistente perfeita e


fosse chamada do que realmente é? Preconceituosa de uma figa!

Sim, eu definitivamente tenho que fazer justiça com as minhas

próprias mãos. Abro o bloco de notas já preparando o roteiro do que


vou dizer nos stories e nem sequer me sinto culpada com isso,

posso não poder dizer umas verdades para ela em sua cara, mas

com certeza posso deixar que meus seguidores saibam o tipo de


pessoa que trabalha nessa indústria, talvez Leonardo até abra
espaço para uma funcionária melhor do que ela. Se for um homem

decente, vai pensar assim.

Eu envio uma mensagem para babá de July pedindo que

fique mais uma hora com minha filha enquanto eu faço o que

preciso fazer no Instagram e quando ela me confirma dizendo para

eu ficar tranquila, pois July está dormindo, começo a me preparar.


Minhas luzes estão prontas, assim como o cenário.

Reflito sobre gravar alguns Tiktoks também, mesmo que eu

não use com frequência a rede. Realmente não sou uma pessoa
das dancinhas, ou fico apenas no YouTube e nos stories. Não quero

poluir meu feed com tal notícia, então decido pelo canal do

YouTube, um curto vídeo ironizando a situação no TikTok e stories


detalhados sobre o que aconteceu. Por essa... Mônica realmente

não está esperando.


Eu ligo a TV para dar uma olhada nos jornais e na previsão

do tempo nos próximos dias já que pretendo levar July a um parque


aquático no final de semana enquanto meu celular carrega, mas sou
surpreendida ao passar por um canal de fofocas e entretenimento e

a primeira imagem que vejo é dele.

— Só parar completar o dia.


Parece perseguição.

Um Lucian cheio de carão de braços dados com uma garota

loira usando um vestido azul extremamente sexy enchem a tela da


TV. Eles andam por um tapete vermelho e ela olha para ele como se
seu sonho tivesse se materializado, mas é claro que o fez, ele é

Lucian Santoro, um dos reis dessa cidade. Deve estar se achando a


maior sortuda do país, mas ela não tem culpa, digo a mim mesma
que minha raiva não deve ser direcionada a ela, mas sim a ele que

faz isso com as pessoas. Ele dá munição a um sonho, finge que há


esperança para que se realize, então, arranca como se estivesse
puxando um tapete debaixo de alguém. Talvez tenha sido assim que

se tornou tão importante nesse mundo, passando a perna nas


pessoas e mentindo e mentindo e fingindo ser o que ele não é.

Se algum dia me perguntarem sobre Lucian eu vou ter


algumas verdades a dizer e alertar qualquer outra idiota para que
não seja tão tola como eu fui. Eu desligo a TV, respiro fundo e dou

leves tapinhas onde lágrimas escorreram para não borrar a


maquiagem.

— Idiota, ele não merece nem um minuto da minha atenção.


Não sei porque estou dando a ele. Idiota! Idiota!
Por isso homens são tão superestimados.
Eu odeio todos eles. Ainda que seja apaixonada por esse
grande, forte, alto e completo idiota.

Lucian olha para a garota como se ela fosse totalmente


dispensável, quer dizer, por que não olharia, certo? Ele pode

conseguir outra em qualquer esquina e sabe disso perfeitamente,


por que se preocupar? Ela não parece preocupada em ser
substituída ou ser jogada fora, eu não vejo honra ou amor nas

atitudes de Lucian e isso faz com para mim ele seja ainda pior, faz
com que eu me sinta ainda mais determinada a esquecê-lo, custe o
que custar, independentemente do que eu precise fazer.

Eu vou esquecer Lucian Santoro, porque de jeito nenhum


serei assim, uma mulher pendurada em seu braço quando não há
nenhuma chance de ser fixada nas paredes de seu coração.
eu vou te amar até o fim dos tempos

eu esperaria um milhão de anos

prometa que se lembrará de que você é meu

blue jeans - lana del rey

NORA

Quando a quinta-feira chega eu estou exausta e só quero


minha cama, mas como, se saindo da faculdade já ouço todos

conversando sobre as provas da próxima semana?


E essas são apenas as das quais somos avisados, as piores
são as que vem de surpresa, quando os professores querem

realmente testar se estamos aprendendo algo. A universidade é um

estudo constante, aprendi isso na marra e é verdade. Determinada a


chegar em casa e passar a tarde estudando depois de cuidar de

July, eu me apresso até o estacionamento, respondendo no grupo


que o próximo treino será amanhã às oito da manhã e vou direto

para o meu carro.

— Ei, você.
Assusto-me ao ver Travis parado ao lado da minha porta,

observando-me.

— Cacete!

— Eu não queria te assustar, desculpe.

— Não, tudo bem, não me assustou. Não muito.

— Eu estava procurando você e quando fui até sua sala

disseram que já tinha saído.

— Eu saí assim que fomos liberados. Tenho que ir pra casa

estudar. — Balanço as chaves do carro no ar. — Semana de provas.

— As minhas já foram.

— O que você estuda mesmo?

— Direito.

— Ah legal. Pensei que seria jogador de futebol.

— É bem provável que algum time me ofereça uma vaga,

mas eu sempre quis ser advogado e quando perdi meu avô, que era
um dos melhores, fiquei ainda mais determinado.

— Oh, isso é doce da sua parte. — Eu realmente não via

Travis por esse olhar fofo, mas sua confissão me faz baixar um
pouco mais a guarda com ele. — Acho que você vai ser um
advogado incrível.

— Obrigado, mas você não diria isso se visse minhas notas.


Dou risada.

— Às vezes você só estava em um momento difícil de

estudar.

— Não, na verdade, eu só queria saber de festa mesmo, mas

já foi, e sim também acho que seria um bom advogado, tenho que

ser, é minha única escolha.

— Sério? Nunca teve outra coisa que você quis fazer?

— Bem, eu já quis ser ator, mas a minha atuação é horrível e

eu já quis ser cantor.

— Legal.

— Não é. — Ele nega veemente com a cabeça, fazendo os


cabelos balançarem. — Eu canto tão mal quanto atuo, é direito ou

nada.

— Então, futuro doutor... muito boa sorte e eu torcerei por

você.

— Obrigado, Nora, eu acho que você é a menina mais doce

desta universidade.
— Eu sou ótima mesmo — brinco. — Ótima amiga, uma mãe

incrível, mas apenas enquanto as pessoas são ótimas comigo


também.

— Eu vi um pouco disso.

— O quê?

— Eu te sigo no Instagram.
— Sério?

— Sério, comento tudo que você posta praticamente, não sei

como nunca percebeu.


— Ai meu Deus, me desculpe, eu vou te seguir de volta, qual
é o seu arroba?

— Não, fica tranquila, eu sou mais low profile.


— Às vezes eu queria ser também.

— Sério? Não parece. Você e a câmera parecem uma coisa


só.

— Acho que eu sempre tive esse feeling de me exibir, as


redes sociais só ajudaram um pouco nisso. Bem, tá na minha hora,

ainda tenho que pegar a July.

— Ah, July. — Ele dá risada.

— O quê?
— O que o quê?
— Por que riu quando eu disse o nome dela assim?

— Nada demais, eu só não consigo esquecer aqueles

olhinhos e o sorrisinho.
— Tá tudo bem, você realmente não tem que ser gentil, ela

foi muito mal-educadinha com você.

— Ela é um bebê, nem sabe o que significa ser mal-educada.


— Deveria saber, pois eu explico muito bem.

— Tenho certeza de que sim, às vezes ela só não estava em

um bom dia, não podemos exigir que as pessoas estejam cem por
cento o tempo todo quando nem nós queremos estar, né?

— É verdade.

Há um momento de silêncio.
— Você está ficando no hotel ou vai pra casa?

— Não, eu estou ficando no hotel por enquanto.


— Entendi, aquele cara, o dono...

E lá vem. Até que demorou demais.

— Travis, eu realmente não quero falar sobre isso.


— Você não precisa, não estou tentando pressionar pra nada,
só quero dizer que tudo bem, obviamente eu sou interessado em

você desde que você entrou na faculdade, sua amiga sabe disso,
meus amigos sabem disso e todo mundo sabe, só acho justo que
você saiba de mim.

— Eu acho que você é um fofo e sempre foi muito gentil, mas


eu sou mãe e estou tentando construir uma carreira.

— Eu sei e acho isso demais, sério. Não quero te atrapalhar


em nada, só vou deixar aqui o convite para um encontro, se você

quiser tomar um café, almoçar algum dia, seria ótimo. Só quero


conversar com você e te conhecer.

— Talvez não tenha muito o que conhecer.

— Eu duvido muito disso. Sério, você parece o tipo de


pessoa que a gente vê tudo que pode e ainda tem mais para
mostrar.

— Acho que você espera demais de mim, suas expectativas

estão altas pra caramba.


— Não, minhas expectativas estão no lugar que elas devem

estar. Já que vai voltar para o hotel, será que rola uma carona para
mim?

— Uma carona pra lá, por que você precisa disso? Não quero

ser intrometida.
— Eu poderia dizer que vou ao restaurante para almoçar ou
que estou hospedado lá por um dia para sei lá o quê, mas a verdade
é que vai ser uma viagem de carro de pelo menos meia hora e é
meia hora que eu tenho pra dar em cima de você.

Eu não aguento e dou risada, ele me observa sorrir como se


tivesse cumprido seu papel.

— Então, esse sorriso parece valer um sim, o que me diz?

— Bem, eu digo entre no carro.


Nós vamos direto para o hotel e durante o caminho eu me

pego super entretida na conversa com ele. Travis é inteligente,

superengraçado, e não dá a mínima para o que os outros pensam


dele, nem mesmo eu. Ele até me provocou sobre os stories que eu

fiz mencionando Mônica e a grife de Leonardo. Eu contei a ele que

soube de sua demissão dias depois e Leonardo me ligou para se


desculpar e oferecer o estágio, mas eu recusei educadamente.

Ele faz suas piadas, ri alto e flerta com toda dedicação e eu

adoro isso, sua personalidade é revigorante, diferente de Lucian e


sua facilidade em me colocar para baixo e testar meus limites.

Por que eu não posso estar apaixonada por alguém como

Travis ou ele próprio? Por que tenho que ter minha cabeça fixada no

homem irritante e impossível por quem estou apaixonada mesmo


sabendo que nunca será recíproco? Esse é o grande dilema, não é?
Por que nos apaixonamos por pessoas que nunca vão corresponder

o amor?

Por que eu desejo tão fortemente Lucian de uma maneira que

jamais poderia desejar Travis?


Quando entro no estacionamento percebo que o tempo para

o bate papo acabou, e agora eu tenho uma escolha: posso convidá-

lo para subir, posso chamá-lo para comer algo no restaurante ou

posso simplesmente dar adeus e dizer que o vejo na universidade.

Ele deve preferir a segunda opção, mas o que é que eu

prefiro?

Ele está sorrindo para mim como se eu fosse o papai Noel na


manhã de Natal, o que me faz sentir ainda pior, então por

consideração — já que me proíbo de dizer que é por dó —, tomo a

minha decisão.

— O que acha de irmos até o restaurante do hotel e

comermos algo? Eu geralmente espero mais algumas horas até o

almoço, mas não vai fazer mal sair da rotina.


Seu sorriso me dá a resposta antes mesmo que ele verbalize.

— Eu acho perfeito, vamos com certeza.

— Ok.
Antes que eu possa sair do carro ele já está ao lado da minha

porta, abrindo-a para mim e me estende a mão para me ajudar a

sair.

— Vamos lá, provar essa comida que tanto elogiam, você já

comeu alguma vez?

— Algumas.

Ele bufa.

— É claro que já, você conhece o dono, claro que já provou.

Eu fico meio incerta do que ele quer dizer, mas Travis

rapidamente se corrige.

— Eu só quis dizer que você é filha de um amigo dele, é claro

que já comeu aqui com sua família.

— Ah, sim, já, algumas vezes.

Eu aceito sua mão, saio do carro e fecho a porta e quando

dou um passo para seguir em direção aos elevadores e irmos para o


restaurante, Travis me para, coloca o braço e apoia as mãos na

porta, prendendo-me de ambos os lados.

— Travis — eu digo como um aviso.


— Nora, eu já consegui o primeiro passo que era fazer com

que você aceitasse sair comigo, não é exatamente um encontro,


mas já que estamos pulando etapas eu vou pular mais uma e te

beijar.

— Eu sugiro que você não faça isso — sussurrei.

— E por que não?

— Só... não.

— Você tem namorado?

— Não, se tivesse não estaria aqui com você.


— Eu também não tenho namorada. Significa que somos

desimpedidos e eu vou te beijar, se isso me render um tapa depois

eu aceitarei de bom grado.

— Você é doido?

— Talvez um pouco, mas tenho que descobrir por que estou

tão fissurado em você desde que te vi a primeira vez, talvez um


beijo me explique isso.

Sem mais delongas ele cola nossos lábios. Eu não estou

esperando, pensei que seria um almoço inocente para nos


conhecermos, pensei que ele me daria um momento para

concordar, mas aparentemente ele não liga muito para isso, estava

sentindo e fez, algo que eu respeito porque também sou do mesmo


jeito e eu não estava negando de qualquer forma.
Quando eu coloco os braços em seus ombros para o segurá-

lo perto, ele me beija de um jeito doce, delicado, é um bom beijo,

mas é apenas isso. Não imagino como eu me apaixonaria por um

beijo doce depois de provar o beijo cheio de fogo de Lucian Santoro.

Esqueça ele! Digo a mim mesma enquanto a língua de outro

homem está na minha boca. Ele me aperta mais e me encosta no

carro e... Acabou.


Em um segundo estou tendo a minha língua sugada e no

outro estou sendo puxada para trás e vejo apenas costas largas em

minha frente. Escuto o suspiro assustado de Travis e sei quem é


imediatamente.

— Lucian! — grito, segurando seu braço antes que ele dê um

segundo soco no queixo do rapaz. Quando ele me segura


facilmente para trás e volta a querer esmurrá-lo eu uso toda a minha

força para dar a volta nele e ficar na frente de Travis. — O que

pensa que está fazendo?


— Saia da frente, Nora!

— Não, você pode sair! O que está fazendo aqui? Eu não me

lembro de ter te chamado.


— Esse cara estava devorando você.

— Bem, eu queria ser devorada por ele!


Provoco, mas eu não queria realmente, só estou tão brava

por ele ter acabado de fazer isso que não vejo outra justificativa
para dar.

— O caralho! Vamos fingir que é verdade.

— E é!

— Nora, não seja infantil, me deixe lidar com isso — ele

rosna. Rosna.

— E você quer lidar com o que exatamente? Com um homem


me beijando? Pode ser uma surpresa pra você, mas alguns

realmente querem.

— Alguns quem? — Seu tom é incrédulo, como se não


pudesse admitir que eu estava dizendo tal coisa.

— Eu não sou criança, posso beijar quem eu bem entender e

fazer outras coisas também!

— Não — ele vocifera no meu rosto. — Você não pode. Você

pode subir para o seu quarto e cuidar da sua filha, além de estudar

para as provas que vem aí da universidade.


— Como é que você sabe das minhas provas da

universidade?

Ele ergue o queixo, sem desviar o olhar. O cretino nem se da


ao trabalho de negar que está de alguma forma descobrindo coisas
sobre a minha vida.

— Eu sou um homem bem-informado.

— Você é bem-informado ou só gosta de cuidar da minha


vida e fingir que não?

— Com licença — Travis diz.

— O quê? — Lucian e eu perguntamos em uníssono.

Droga.

— Me desculpe — peço arrependida.

— Acho que estou atrapalhando. Antes de beijá-la eu

perguntei a Nora se ela era solteira.

— E eu sou — grito ao mesmo tempo que Lucian também

grita:

— Ela é.

— Já que esclarecemos isso, eu vou levá-la para almoçar. —


Ele passa o polegar no lábio cortado. — E não quero ser acertado

novamente.

— Não vai mesmo.

— O quê? Como assim não vai mesmo? Ele vai me levar

para almoçar.
— Nora, ouça-me bem. Se você quiser que ele continue com
todos os dentes na boca, mande seu amigo embora antes que a
situação se complique.

— Não farei isso só porque você quer.

— Se não vai fazer porque eu quero faça pelo bem dele.

— Nora — Travis me chama. — Talvez eu deva chamar a

polícia.
Lucian dá risada como se tivesse ouvido um absurdo.

— Só pode estar de brincadeira.


— Nora, eu estou falando sério.

— Por que você não dá o fora? — Lucian diz. — Está muito


claro para todos aqui quem está sobrando.

— Não está claro pra mim. Ficará quando ela me disser o


que quer que eu faça.

Eu olho para Lucian, olho para Travis e me sinto tão, tão


horrível por colocá-lo nessa posição. Torço para que ele entenda

porquê vou fazer o que faço.


— Travis, é melhor você ir, vamos conversar amanhã na
universidade.

— Tem certeza disso? — Seu olhar é magoado, embora ele


pergunte.

— Sim, por favor. Acho que preciso conversar com o meu tio.
O horror no rosto de Lucian quando digo isso é quase
palpável, mas não dou a mínima, foi ele quem procurou, se tivesse
me deixado em paz com minha visita eu não diria isso.

Travis acena e dando um último olhar a Lucian vai em direção

ao elevador.
— Você tem como ir embora?

— Chamarei um Uber.
Eu quero chamá-lo e pedir desculpas, mas como com o cão
de guarda parado bem à minha frente? Eu espero até que ele entre

no elevador para virar para o homem por quem meu coração bate
tão forte.

— O que você acabou de fazer foi horrível, ridículo!


— Eu não dou a mínima.

— Bem, deveria já que eu pretendo não falar com você por


um bom tempo depois disso.

— Você pretende não falar comigo? Qual é, Nora, não vamos


fingir que você realmente queria ficar aqui sendo engolida pelo
mauricinho.

— Se ele é mauricinho — dou risada —, você é o quê?

— Eu com certeza não sou um mauricinho, tudo o que eu


tenho é meu.
— E alguma coisa do que ele tem foi roubado?

— Não, mas também não foi conquistado. É com isso que


você quer estar? Com um homem que não pode trabalhar por si

mesmo, depende da herança do pai?


— Ele não é o que você pensa, mas eu já deveria estar
acostumada com seus julgamentos, não é? É o que você faz. Você

julga, toma a sua palavra como a única verdade e faz tudo a partir
do que Lucian quer, porque só Lucian importa!

— Eu nunca disse isso.


— Você não precisa dizer, é muito claro quando eu vejo as
suas atitudes.

— E que atitudes são essas?

— Atitudes de um homem que precisa se provar o tempo


todo como isso que acabou de fazer, essa cena horrível de
neandertal como se eu fosse sua propriedade ou algo assim,

quando na verdade eu não sou nada. Não chego nem mesmo aos
pés das garotas com quem você desfila na televisão.

— Estamos falando de mim aqui ou do seu ciúme irracional?


— Meu ciúme irracional?

— Sim. Seu ciúme quando você sabe que não deveria senti-
lo, nós não temos nada um com o outro.
— Não. — Eu estico a mão. — Um minuto. Eu sou a

ciumenta irracional quando você agride o meu colega de faculdade


por estar me beijando?

— Eu estava protegendo a sua honra em nome do seu pai.


— Ah, não me venha com essa! — grito. — Se tudo que fizer

você vai jogar a culpa na sua amizade com meu pai agora, nós com
certeza temos um problema.

— E por que é que temos um problema?


— Porque você não é capaz de admitir o que sente ou o que
quer.

Ele ergue o queixo.


— Você não sabe o que está falando.

— Eu não sei? — Solto um riso irônico. — Eu nunca sei, não

é? O que eu poderia saber se sou apenas uma garota imatura,


infantil e boba, isso é correto?
— Sim, isso é verdade.

— Você é impossível. — Travo o meu carro e lhe dou as


costas. — Faça-me um favor e simplesmente não olhe mais na

minha cara.
— Isso vai ser muito difícil com você morando no meu hotel.

— Então, eu vou voltar para casa.


— Para minha casa?

Eu volto a fitá-lo e me aproximo, dando-lhe um soco no peito.

— Você me disse que eu podia ficar lá e eu estou ficando de


saco cheio de você me expulsar.

— Então, talvez você não devesse me provocar até que eu


jogue essas coisas na sua cara.

— E talvez você não devesse ser tão pau no cu.

Ele arregala os olhos, surpreso com o meu linguajar.

— O que foi que você acabou de dizer?

— Exatamente o que você acabou de ouvir! — Dou-lhe as

costas novamente e sinto-me ser puxada pelo pulso, batendo


diretamente em seu peito. — Lucian, me solte!
— Não, não, até que você peça desculpas pelo que acabou

de me chamar.

— Eu só peço desculpas quando sou injusta e com certeza


não estou sendo injusta agora.
— Isso é o que você acha?

— Não é o que eu acho, é algo do que eu tenho certeza.


Agora me solte, eu tenho malas a fazer.

— Você não vai embora.

— Sim, eu vou.
— Não vai.

— E quem é que vai me impedir? Você, velho?


Parece que isso foi demais para ele, pois assim que termino
de falar ele me encosta no carro e quando eu penso que vai me

dizer algo ofensivo ele me surpreende batendo seus lábios nos


meus. Ele realmente bate, como se estivesse com raiva e eu sei que
ele está, sei pela forma que me olha, me segura e que me beija.

Não há nada delicado, calmo e devoto em seu beijo. Ele está

com raiva, parece querer me punir, mas já que não pode me bater
vai me beijar com força, com ódio, vai expressar sua frustração e
raiva nas nossas bocas coladas.

Não sei dizer se é a minha influência “jovem” que está


deixando Lucian tão ousado, mas não vou dizer de maneira alguma,
não o tendo me agarrando contra a porta do meu carro no meio de

um estacionamento, agindo como se não estivesse nem aí se


alguém aparecesse ou não.

Sua boca devora a minha ao mesmo tempo em que suas


mãos me tocam sem escrúpulo algum, tão afobado que faz com que
seja impossível não me sentir assim também.

— Porra, eu estou viciado em você... — ele sussurra em


minha boca antes de começar a descer pelo meu corpo, não
perdendo tempo para erguer meu vestido e assim distribuir beijos
por minhas coxas, deixando-me sem escolha além de puxar seus

fios em puro reflexo do desejo.

Já estou toda molhada e isso não é novidade para nenhum


dos dois, mas, ainda assim, é tão gostoso tê-lo me lambendo sobre
a calcinha, arruinada, colocando-a para o lado e assim sendo capaz

de me provar, fazendo-me gemer em resposta.


O jeito com que Lucian me encara deixa claro que só vai
parar quando eu me desfizer em sua boca e estou mais que

disposta a me deixar levar por seus impulsos. Eu estou gemendo


baixo e me controlando para me gritar quando o sinto parar e quero
gritar em frustração. Italiano idiota!

Mas ao abrir os olhos vejo uma sombra aparecer do nosso

lado e Lucian é atingido por uma bengala na cabeça. Ele se vira


com sangue nos olhos e os punhos fechados para devolver, mas é
quando vemos uma velhinha de meio metro ajeitando os óculos e

segurando uma bolsa maior do que ela.


— Você, seu sem-vergonha, tem a cara de pau de me olhar
dessa forma? O que está fazendo com essa garota aqui, hein? —

Ela me estica a mão. — Venha, menina.


— Senhora... — Lucian tenta falar, mas ela o atinge no ombro

dessa vez.

— Solte a garota! Ela vai vir comigo agora, seu... seu tarado!
Eu vou chamar a polícia para você agora. Fique aqui e você vai ver
só, os seguranças vão vir te pegar!

Eu estou rindo sem conseguir sequer falar e Lucian sem


entender o que aconteceu.

— Venha, garota! — Ela coloca o braço ao redor da minha


cintura, levando-me para os elevadores.
Olho por cima do ombro, vendo Lucian parado no mesmo

lugar com a expressão indignada e chocado com o que acabara de


acontecer, mas não consigo parar de rir para defendê-lo e de
qualquer forma ele não merece ser defendido.

— Olhe só — a senhora me diz. — Esses homens de hoje

em dia acham que podem tocar as garotas como era no meu tempo,
mas, não, jovem. Hoje você pode se defender e eu também posso
defender você. Não se preocupe, esse tarado nunca mais vai

encostar em você. Você não tem um namorado jovem e bonito por


aí para bater nele? Não se preocupe, meu filho é policial e vou falar
com ele. Aguarde só, esse tarado nunca mais vai encostar em

jovens como você.


— Senhora, eu...

— Em qual quarto você está?

Eu aciono o meu andar, ouvindo-a reclamar sobre homens e


como eles são folgados e safados e ela me acompanha até a porta,
negando quando eu digo que vou acompanhá-la até o seu.

— Não se preocupe, eu já estou velha, ninguém dá a mínima

para mim. Mas você tão linda assim não pode ficar dando sopa por
aí. Me dê o telefone da sua mãe e vou ligar pra ela.
Após passar o número de Kimberly para ela, eu entro no

quarto e fico sentada rindo por mais um tempo lembrando do que


acabou de acontecer. Sério, eu nem tive tempo para pensar no que
acabamos de fazer no estacionamento, mas talvez tenha sido

melhor assim, antes terminar com a senhora lhe batendo e me


trazendo com segurança até o meu quarto do que com ele me
olhando e dizendo que foi um erro outra vez.
LUCIAN

Quando eu entro no quarto de hotel de Nora mais tarde, torço

para que ela esteja dormindo, pois não quero ter uma conversa
sobre o que aconteceu mais cedo no estacionamento. Para ser
honesto, sei que estou errado em tantos níveis que mal posso

contar, estou bravo comigo mesmo, cansado de noites sem dormir


pensando na confusão que me meti e me arrependendo de ter
voltado da Itália. Se eu tivesse ficado lá amassando uvas como diz

Daniel, nada disso teria acontecido.


Mas é o que eu realmente quero?

Não ter visto, não ter beijado e não ter tocado Nora?

Não ter conhecido sua filha e ver como é preciosa, como ela
criou algo lindo mesmo que tenha parte de Cassian nisso?

Não, eu não posso dizer que estou arrependido num todo, eu


só queria não sentir esse desejo que me consome por ela, queria

não a olhar e desejar coisas que surpreenderia até uma garota de


programa, que faria com que um padre tivesse pesadelos e

colocaria Nora para correr.

Pensando por esse lado eu deveria contar a ela em detalhes.


Talvez dizer o tipo de homem que eu sou a faça esquecer

quem ela sonhava, porque ela está tão acostumada com o Lucian
amigo de seu pai que conheceu como um bom moço que não sabe

como posso ser quando levo alguém para o quarto e eu quero levá-

la, é claro, quero tê-la na minha cama até enjoar e quando enjoar
quero que as coisas continuem normais.

Queria que ela conseguisse me olhar e ver o amigo de seu


pai, um homem com quem ela teve um envolvimento por um tempo,

noites sem dormir de tanto foder e não pensasse em mim um único

minuto do dia mesmo que eu não consiga parar de pensar nela


quando estou trabalhando, quando estou tomando banho, quando

estou em reuniões, quando faço compras, enquanto almoço. Ela é

um lembrete diário do porquê um homem como eu fica longe de

mulheres no geral. Eu nunca me senti tão tentado ou encantado por


alguém como me sinto por Nora e esse é o meu pesadelo.

Fecho a porta devagar, enfiando o cartão de acesso no meu

bolso, grato por ser o dono do local e não precisar explicar porque

quero uma cópia da chave. Vejo alguns brinquedos de July no canto

dentro de um cercadinho, reconheço suas cobertinhas desenhadas

e sua jaquetinha de frio que parece um traje de astronauta só que

rosa. A cadeira alta de alimentação e seus bichinhos de pelúcia


sentados no sofá tornam o ambiente todo dela. A garota é uma
graça.

Lembra Nora em tantos aspectos que me deixa ainda mais


perturbado.

Graças a Deus eu não a conheci nessa idade, se não as

coisas seriam ainda piores do que já são. Como é que um homem

se perdoa por sentir tanto desejo por uma mulher de vinte e um

anos que conheceu quando tinha onze? Como é que eu enfio na

minha cabeça que não é errado desejá-la porque ela já não tem
mais onze anos? Ela tem vinte e um, ela é maior de idade,

completamente responsável por si e por suas ações. Como é que eu

me convenço que não sou um monstro? Um estuprador ou um

pedófilo por comer aquela garota como se ela fosse o último doce

da Terra e desejar uma confeitaria inteira repleta dela nas

prateleiras.

Eu adentro um pouco mais e a vejo na poltrona perto da

janela. Ela está meio torta pela posição, porém continua linda, é a
mulher mais linda que eu já vi e a que mais fortemente desejei.

Eu me aproximo tirando seus cabelos do rosto e observando

a pele lisa, os lábios rosados e os olhos fechados com os enormes

cílios uns grudados nos outros. Ela usa um grande casaco de pelos
e está com os pés grudados, será que sente frio? Eu os toco,

sentindo-os gelados. Seguro sua mão, colocando-a em meu ombro


antes de me inclinar e passar o braço esquerdo por baixo do joelho,

levanto-me, trazendo-a junto ao meu peito e vou bem devagar em


direção ao quarto.

Não quero soltá-la e isso é uma merda, mas preciso. Sei que

preciso soltar Nora não só para que ela durma na cama, contudo
preciso soltá-la para que ela me supere.
Supere o sentimento que tem por mim e me esqueça de uma

vez, para que ela tenha uma carreira brilhante e viva tudo que uma
jovem da sua idade precisa viver. Eu não estou apaixonado, não a

amo, mas eu amava seu pai e o tinha como um professor e amigo


precioso ao meu lado, não sei quantas vezes pedi perdão a ele e
logo depois estava vendo o Instagram de sua filha batendo a porra

de uma punheta enquanto a observava dançar com aqueles


pequenos shortinhos de cheerleader e imaginando-a pulando no

meu colo ao invés de nos braços daqueles garotos da universidade.

Eu a coloco na cama devagar, puxo a coberta sobre o seu


corpo e saio antes que eu me deite ao lado dela, ou pior, acorde-a

propositalmente e fique ali até o amanhecer. Saio em disparada em


direção à porta, convencendo-me de que devo ir para não só outro
quarto, mas outro hotel, ficar o mais longe possível dela, mas ouço

um chorinho familiar e vou direto para o berço de July ali perto, eu a


pego e ela coça os olhinhos em meio ao choro quando me vê.

— Ei, garotinha, por que não deixamos sua mãe dormir?

Ela fecha os olhos novamente e encaixa a cabecinha em meu


ombro.

— Droga — sussurro. — Eu preciso deixá-la no berço. —

Inclino-me para colocá-la em sua pequena caminha, mas seus


braços apertam-se em meu pescoço e as perninhas em volta da
minha cintura.

Ótimo agora ela não vai me deixar.

Eu vou direto para a poltrona onde Nora estava sentada e me


ajeito, jogando o pequeno cobertor de zebra de July sobre seu

corpinho. Ela está agarrada firmemente em mim, não sei se vou


conseguir ir embora em algum momento, mas conforme os minutos

se passam começo a me sentir confortável.


Crescer sem um pai será desafiador para essa garotinha, no
entanto, sei que ela dará um jeito. Sua mãe é forte e ela terá o

espírito de seu avô. Eu lhe dou um beijo na testa só me dando conta


de que fiz isso depois e o quão natural foi. Pego a pequena
mãozinha observando os dedos que nem sequer segurariam uma
das minhas canetas pesadas e acaricio o seu rosto.

— Droga, Nora, primeiro me deixa louco por você e agora


sua filha me deixa encantado por ela, o que vem a seguir?
preciso de um homem que se arrisque

em um amor que seja quente o suficiente pra durar

então quando a noite cai

meu coração solitário o chama

oh, quero dançar com alguém

quero sentir o calor com alguém

com alguém que me ame

i wanna dance with somebody - whitney houston

LUCIAN

Eu definitivamente não estou no meu habitat natural.

Quando aquela garota louca e inconsequente, Kimberly,


entrou em contato comigo através de uma reunião formal do

escritório, eu mal pude acreditar quando ela me apresentou um


PowerPoint dos motivos pelo qual eu deveria fechar a minha casa

noturna por uma noite e liberar o espaço para que ela fizesse uma
festa de aniversário surpresa para Nora. Eu queria dizer não por

várias razões e eu fiz, mas ela fez da missão de sua vida me


infernizar até que eu topasse. E por uma semana Kimberly se tornou

uma presença constante no escritório. Ela ligava, me esperava na

porta para me acompanhar até o elevador — porque é claro que


sabia que eu não proibiria a sua entrada no edifício —, mas o que

me ganhou foi uma carta com dez motivos pelos quais eu devia

deixá-la fazer isso.

1- Nora é uma ótima mãe;

2- Suas chances de foder com ela vão aumentar 80% depois


disso;

3- Ela estará muito ocupada para se divertir com os próximos

períodos da faculdade;

4- Ela faz um boquete incrível e fará um em você como

agradecimento;

5- Se ela não fizer, eu faço;

6- Ela é uma ótima filha e aguenta Meredith, que é uma mãe

neurótica pra caralho (lhe dê uma folga);

7- Ela merece saber o quanto é amada;


8- Você é parte da família dela e seria muito especial se

deixasse que fizéssemos isso na sua boate;


9- Eu já falei que ela vai te chupar melhor que qualquer
prostituta, e

10- Você é rico pra caralho e uma noite sem lucros não vai te
deixar pobre.

Para ser honesto eu não queria que ela tivesse uma festa

regada a bebidas, beijos na boca e homens ao seu redor,

cobiçando-a de todos os lados, nem no meu clube e nem em

qualquer outro. Eu não queria que Nora no geral tivesse tal

experiência. O que me fez dar um passo atrás quando eu vi o quão


hipócrita e contraditório estava sendo, eu disse a ela que não

podíamos seguir com o que houve na fazenda, justamente, porque

não queria impedi-la de viver nada e aí quando sua amiga me

apresenta a oportunidade perfeita de ser justo eu estava dizendo

não.

Foi por isso que na segunda-feira eu liguei para Kimberly e

disse a ela que o espaço era seu por uma noite. Ela podia utilizar

minha equipe, o espaço, álcool e comida do restaurante, estava


tudo liberado para ela. Eu sei que Nora ficará feliz e isso foi o que

realmente me convenceu. Eu queria estar em sua festa, queria vê-la

de perto, assistir, e principalmente controlá-la e foi por isso que eu

recusei quando Kimberly me ofereceu um convite.


— É melhor que eu não esteja lá.

— Por que não? É o seu clube.

— Eu sei, mas é a festa dela.

— E o que é que tem? Ela vai amar se você aparecer.


— Nesse momento ela não precisa disso.

— Lucian. — Ela espalmou as mãos em minha mesa. — Olha

só, eu vou jogar com honestidade aqui porque não sei me fazer de
sonsa. Você tem que parar de achar que sabe o que Nora tem que

fazer, ela é adulta, tão adulta quanto você. Sério, e eu sei como ela
vai ficar contente de te ver lá, de saber que você fez isso por ela.
— Eu não fiz nada, Kimberly, você fez, e é disso que Nora

tem que saber.

Por isso, quando eu recebi uma mensagem de Kimberly na


sexta às nove da noite dizendo que a festa estava prestes a

começar e ela já estava levando Nora para o andar da balada,


desliguei as câmeras e saí do meu escritório, não queria ver o que

quer que acontecesse lá.


Eu tenho quarenta e dois anos, ela tem vinte e um.

Ela tem que viver se divertir, descobrir a vida, e eu preciso

ficar exatamente onde estou.


NORA

— Eu te disse que não queria vir aqui — eu digo a Kim

quando ela aciona o botão do elevador.


— Ai, para de reclamar, é só uma noite. Você vai amar.

— Eu não vou a uma boate a sei lá, dois anos.

— É mais do que isso, você não vai desde que descobriu a


gravidez.

— Exatamente, existe um motivo pra isso.

— Amiga, ser mãe não significa deixar de existir.

— Mas eu não deixei de existir. Eu faço tudo. Estudo, estou

procurando um estágio, treino com vocês...


— Ok, mas e diversão?

— Eu me divirto com minha filha, com você e com minha

mãe.

— Nora, tô falando de diversão de verdade, coisas que


jovens fazem.

— Eu não sou mais tão jovem assim.

— Você está fazendo vinte e dois anos, ainda é jovem pra

caralho.
— O que você quer? Que eu dance? Eu vou dançar por duas

horas e essas duas horas incluem pausas para ficar sentada por
quinze minutos.

— Quinze minutos cada sentada? De jeito nenhum.

— É pegar ou largar, Kim.

— Eu só vou concordar porque depois que entrar você não

vai querer ir embora.

— Quem te disse isso?

— Nossas experiências de balada juntas.

Seu sorriso cúmplice me ganha, e eu me pego sorrindo de


volta. Há um friozinho na barriga que não posso negar.

— Certo. Você tem certeza de que a babá de July concordou

em ficar a noite toda, né?


— Ela vai ficar até a hora que chegarmos e se você não

estiver bem para cuidar da bebê, ela ficará até você acordar e tomar

um banho e ficar decente para voltar a ser a mamãe de July

Baldwin.

— Eu nem vou beber.

— Aham, e eu sou virgem. — Ela ri.

Eu suspiro.
— Tem razão. Não vou ser uma chata estraga prazeres, se
você me trouxe pra gente comemorar o meu aniversário, vamos

comemorar. Só podia ser em uma balada diferente, eu não quero

tombar com Lucian por aqui.

— Não vai, não se preocupe com isso.

— E como é que você sabe?

Ela sorri, engancha o braço no meu no momento em que o

elevador apita e as portas começam a abrir, eu piso com o pé direito

para fora e de repente luzes se acendem e uma multidão de

pessoas grita em uníssono.

— SURPRESA!

Eu me assusto e levo alguns segundos para perceber que


todos ali são meus conhecidos: Ramona, Kim, Carly, Trevino, Milly,

Brown, meus amigos mais próximos da universidade, algumas

amigas que fiz através do Instagram que também são mães e

blogueiras e o número vinte e dois em grandes balões na cor prata

grudados na parede. Há bexigas cor de rosa — minha favorita — no

ar, minhas flores lindas e coloridas e garçons desfilando com taças

cheias nas bandejas.


Eu olho para Kimberly.
— Você fez isso! — Não é uma pergunta. Ela encolhe o

ombro.

— Bem, eu tive um pouquinho de ajuda, mas sim, feliz


aniversário! — ela grita dando pulinhos e abrindo os braços, fazendo

todos baterem palmas.


De repente enquanto começam a cantar parabéns, dois

garçons surgem segurando um bolo e sou completamente pega de


surpresa ao ver uma miniatura de mim no topo segurando pompons
no alto e uma barriguinha de grávida. Meus olhos enchem-se de

lágrimas. Isso tem a ver comigo e não diretamente com a


maternidade, mas os meus vinte e dois anos é um conjunto do que

eu sou, do que me tornei e minha filha faz parte disso. Eu


simplesmente amei que eles a representaram neste momento tão
especial.

— Ai, que tudo! — Eu dou batidinhas embaixo do olho,


abafando as lágrimas antes que borrem minha maquiagem. — Isso
é perfeito! Muito obrigada! Eu quero abraçar e beijar todos! Não vão

embora antes que eu fale com vocês, por favor! Vou me sentir
horrível e muito ingrata por isso.

— Nós não vamos embora nem tão cedo! — alguém grita e


eles dão risada.
— Bem, aproveitem, cortem o bolo, bebam e dancem, vamos

curtir o meu aniversário! — Eu me viro para Kimberly e a abraço


forte. — Eu te amo tanto, muito obrigada por isso!

— Eu te amo mais! Feliz aniversário.

— Como foi que convenceu Lucian a fazer isso?

— Acredita que foi fácil?


— Com certeza não.

— Mas vai acreditar dessa vez mesmo que finja, porque eu

não vou contar todo o processo.


— Por que foi tão ruim?

— Não, só estou com preguiça.

Eu dou risada, balançando a cabeça enquanto a puxo para


mais um abraço.

— Você não existe!


Eu entro na boate abraçando todos que passam por mim e

recebo o carinho dos meus convidados com um sorriso imenso no


rosto, porque me sinto de fato feliz. Eu não esperava algo tão

grande. Todos os anos Kimberly dá um jeito de me arrastar para


uma comemoração, mas esse ano ela se superou, acho que sentiu

que eu precisava extravasar, dançar, beber e passar um tempo com


pessoas da minha idade apenas curtindo meu aniversário e uma
nova fase da vida. É difícil dizer quando exatamente eu parei de ter
vontade de sair com meus amigos, com pessoas da minha idade,
mas simplesmente aconteceu, e agora que estou aqui me sinto

revigorada.

Também é impossível olhar ao redor e não procurar por ele.


Esse é o seu clube, é natural que eu imaginasse que ele

estaria aqui, certo? Mas eu não o vejo em nenhum lugar. E depois


de cumprimentar todos da festa e ainda não o encontrei, percebo

que Lucian não vai chegar.

Eu me distraio pelas próximas duas horas dançando com


meus amigos e os colegas líderes de torcida, alunos de outras
classes da faculdade com quem fiz amizade nos últimos anos e

assim a noite segue. Eu preciso agradecer a Kimberly pela ideia


incrível de fazer a festa. Agradecer mais algumas vezes no caso.

Eu saio da pista de dança e vou ao bar pegar algo para


beber, sinto-me ligeiramente tonta, embora no fundo da mente eu
saiba que quero ficar bêbada. Faz tanto tempo que não faço isso

que já sinto até o gostinho da ressaca pela manhã. Começo a rir


quando penso que nunca fiquei bêbada de verdade e esse é o

momento perfeito.

— Posso pagar um drinque?


Viro-me, surpresa ao ouvir Travis.

— Ei, você veio! — Eu o abraço rapidamente. Ainda me sinto


culpada pelo que aconteceu.
— É claro, eu não perderia.

— Mas chegou super atrasado, sabe o que isso significa?


— O quê?

— Que terá que ficar até o fim da festa.

Ele olha além de mim, coça a cabeça e dá um sorrisinho sem


graça.

— Eu não sei se isso é uma boa ideia.

— Por que não?

— Porque você tem outras questões para lidar e eu não acho

que seja a melhor coisa eu ficar em cima agora.

— Certo, você está falando sobre o estacionamento.

— Eu simplesmente não consigo esquecer, Nora, quando eu

penso que vou chegar a algum lugar com você, algo vem e

atrapalha. Sempre foi assim.

— Mas não é minha culpa, eu não pedi para que ele

aparecesse.

— Eu sei disso. Não estou dizendo que você é culpada, é só


que esses sinais mistos são confusos para mim.
— Eu não estou te dando sinais mistos, eu realmente gosto

de você, de conversar com você, é só que como você disse, neste


momento eu estou cheia de confusões para resolver e eu te disse

que não estava procurando algo sério.

— Eu também não estou, mas quem é que procura por isso?

As coisas simplesmente acontecem, elas só aparecem.

— Mas não pode aparecer ou acontecer para mim agora, eu

preciso pensar na minha filha antes de qualquer coisa, mas isso é


outro assunto, neste momento eu só quero curtir o meu aniversário,

porque sabe Deus quando eu vou sair de novo. Não é sempre que a

mãe solo, estudante e aspirante à estilista consegue um vale night.

Ele sorri e pega minha mão já me puxando para a pista de

dança.

— Tem razão. Se eu dançar com você não vou levar outro


soco, não é?

— Eu não posso te garantir isso, tudo indica que não, mas

não valeria a pena?


Ele balança a cabeça rindo.

— Nora, Nora. Só você pra me fazer agradecer por um olho

roxo.
Quando é por volta das quatro da manhã eu já não aguento

mais os meus pés em cima do salto e para mim a regra é clara: se


eu não aguento o salto eu não devo estar mais na festa. Sou

totalmente contra tirar o salto apenas para continuar. Eu escolhi o

look, eu sustento o look.

Vendo que isso não é mais possível, eu simplesmente me


encaminho para a saída.

Procuro Kimberly em meio à nuvem de confusão da bebida


em minha mente, mas não a encontro, então decido ir sozinha e

quando chegar ao meu quarto envio uma mensagem para ela. Eu

saio da boate direto para o elevador e quando entro fico no fundo

com a cabeça baixa, concentrando-me para não torcer os pés no


salto.

É quando duas funcionárias entram um andar abaixo que a

minha noite perfeita começa a se tornar um pesadelo.

— Mas é o que eu digo — uma delas diz, aparentemente

continuando a conversa que vinham tendo. — Isso é falta de uma

boa estrutura familiar.


As duas estão com uniformes do edifício.
— Você acha? — a outra responde a pergunta. — Talvez ela

só tenha feito seus cálculos errados, pensou que poderia prender o


senhor Santoro.

Elas não podem estar falando sobre mim.

Não.

— Ah, quem é que pensa que pode prender aquele homem.

Se a própria noiva não conseguiu por que uma ninfetinha qualquer

conseguiria?
— Nós não podemos julgar. Eu sei que a garota tem mãe e o

senhor Santoro era muito amigo do pai dela, mas ninguém sabe

nada além disso, aparentemente a criança foi um mistério durante


um ano.

— Eu só espero que ele faça a coisa certa. Tenho uma filha

da idade dessa garota e eu não ia querer um homem da idade do


senhor Santoro se aproveitando dela.

A bebida começa a evaporar da minha mente imediatamente.

Meu coração bate tão rápido e eu quero tanto erguer a


cabeça e dizer a essas duas fofoqueiras que parem de falar merda e

cuidem do seu serviço, mas simplesmente não consigo. Eu ocupo

minha mão levando-a até a boca para mantê-la fechada e a ânsia


não me dominar ao ponto que eu comece a vomitar.
Eu me mantenho quase que imóvel.

Não quero que elas me vejam aqui, já basta a vergonha de

saber o que estão dizendo sobre mim, seria ainda pior ter que
encarar seus rostos de falsa desculpa se percebessem que a ninfeta

ouviu tudo.

— Mas também não podemos colocar o senhor Santoro

como vilão, ele é um gato e nem é tão velho assim, ela pode muito
bem ter feito isso para dar o golpe da barriga.

— Eu não duvido, mas não podemos negar que é estranho,


eu teria vergonha de ser qualquer um dos dois.

— E eu mais vergonha ainda de ser ela. Todo mundo está

dizendo que ela deu o golpe da barriga.

— Mas o pai dela não era rico?

— Podia até ser rico, mas com certeza não era mais rico que

o senhor Santoro e ele já bateu as botas também.

— Eu só tenho dó da criança por ser colocada no meio dessa

situação.

O elevador apita e uma se despede da outra. Uma desce e a


outra vai logo em seguida. Eu mal posso acreditar em tudo que eu

ouvi, mas quando elas descem eu não me aguento e vomito no

chão à minha frente.


É sujo, nojento e eu quero imediatamente chamar alguém

para limpar e pedir desculpas, mas não faria isso, não quando
acabo de ser tão humilhada. Eu desço no andar do meu quarto,

fecho a porta silenciosamente para não acordar a babá e minha

filha, e vou direto para o banheiro, mas tenho uma surpresa e fico

em choque quando acendo o abajur da sala.

No sofá, com uma calça de moletom e uma camisa branca

simples está Lucian deitado e em seu peito minha filha dorme. Há


brinquedos pelo chão, folhas desenhadas, vários lápis de cor e um

carrinho com comida onde há um potinho pequeno desenhado que

não é de July, mas sei imediatamente que foi para alimentá-la e um

prato grande que deve ser dele.


Eu fico confusa. Por um momento não entendo o que

aconteceu, mas então isso me bate. Lucian deve ter ficado de babá

com minha filha a noite toda.

Por que ele faria isso? Eu sei que ele gosta de July, mas

tanto assim para ficar com ela no lugar da babá ou eu estou

equivocada e ele só chegou agora? Deus, por que ele viria agora?
Eu chego mais perto, coloco meu celular e a bolsa na

mesinha de centro e seguro a minha filha, preparando-me para

puxá-la, mas assim que faço uma pressão sobre o corpinho dela
levantando-a, os bracinhos deslizam pelo pescoço de Lucian e o
seguram firme. Por alguns minutos eu fico ali parada, observando a

cena sem palavras. O que é que está acontecendo? July nunca foi

tão apegada a alguém tanto quanto é em mim e isso é o tipo de


coisa que ela faz comigo. Buscar abrigo, sentir-se segura e dormir

tão pesado que não reconheceria o meu toque e preferiria o de

outro. O de Lucian.

Sinto minhas pernas ficarem fracas e antes que eu deslize

para o chão, corro silenciosamente para o banheiro. Preciso pensar,

esfriar a minha cabeça e talvez até chorar um pouco.


Sei que essa é a única coisa que vai me acalmar agora.

Eu abro o chuveiro, tiro a roupa e deslizo pela parede gelada

até sentar no azulejo frio com água quente caindo sobre minha
cabeça e costas. Parece que estou revivendo todas as sensações

do pesadelo inicial. A descoberta da gravidez, o medo do


julgamento, o temor pelo desconhecido e o conhecimento de que eu

não sabia o que aconteceria a partir dali quando eu contasse a


Cassian, quando sua família descobrisse, quando a minha família
descobrisse.

E o meu futuro? E os meus desejos? Tudo volta e eu me


sinto tão pequena, me sinto uma criança mesmo que eu saiba que
não sou.

Imediatamente sou levada de volta para o passado, para a

fatídica noite em que meu maior pesadelo e meu sonho inesperado


aconteceu.
Meu bebê. July.
você tem um kit de primeiros-socorros em mãos?

você sabe como cuidar de uma ferida?

me diga, você é paciente e compreensivo?

Porque talvez esse buraco no meu coração precise de um tempo


para cicatrizar

querido,

essa situação está me deixando louca

e eu realmente quero ser sua mulher

eu achei que você deveria saber

que meu coração está machucado

damaged - danity kane (bella denapoli cover)

NORA

A porta de repente é aberta e tudo o que eu quero é gritar

para que Lucian saia quando seu rosto entra em meu campo de

visão. Só quero permanecer aqui e chorar quieta, só preciso chorar


e depois me reerguer. Preciso sair como se nada da última meia

hora tivesse acontecido, mas ele não me deixa em paz e mesmo


quando eu empurro seu braço ao me tocar, Lucian não desiste.

— Vá embora.

— Eu não posso ir.

— Eu estou bem. — Fungo, e sei que se erguer o rosto ele o

verá todo borrado de maquiagem. — Só quero tomar um banho.

— Você não está bem e eu não vou te deixar aqui sozinha.


Não fará bem ficar debaixo d’água desse jeito. Vamos sair.

— Eu quero ficar, você não entende?


— Eu entendo, mas não acredito. Nora, deixe-me tirá-la

daqui, você vai acabar ficando doente.

Eu o ignoro, tentando com tudo o que posso jogar as


lembranças daquela noite que estão batendo tão forte para saírem e

serem libertadas. Será que essa agonia nunca vai embora?

O equilíbrio daquela noite faz dela tanto uma benção quanto

uma maldição.

A mais importante da minha vida, mas também a pior delas.

Eu não quero contar a Lucian o que aconteceu, não quero

porque não é sua culpa e porque ele não tem nada a ver com isso,

mas vejo em seu rosto que ele não vai sair e quando segura meu
rosto dos dois lados e acaricia minhas bochechas com o olhar gentil
sobre mim, eu quebro. Isso é tudo que eu quero dele; sua gentileza,

seu afeto, quero que finalmente reconheça que sente algo por mim.

Ele desliza a mão por baixo dos meus joelhos e nas minhas

costas, levantando-me sem dificuldade e pega a minha toalha.

Tenho sorte de não estar frio, ele me leva molhada para fora do

banheiro através da sala, onde consigo ver minha filha deitada no

pequeno berço, e então, direto para o quarto. Lucian não fecha a

porta e eu sei que é para que consigamos ouvir July caso ela
acorde.

E o que vem a seguir? Sexo? Vamos transar de novo e ele

vai me dizer que foi um erro antes de ir embora?

Eu não quero isso, por isso quando ele me coloca de pé no

chão perto da cama ao invés de agarrá-lo e fazer com que se deite

comigo como eu desejo mais do que tudo, eu pego a minha toalha

de sua mão e dou dois passos atrás.

— Eu posso me virar daqui, obrigada.

Ele a puxa de mim e a envolve em minhas costas, passando-

a suavemente pelo meu corpo. Ele está me secando?


— Lucian, falo sério — protesto, mas ele finge não ouvir. —

Está tudo bem, não precisa fazer isso.


Ele para e me fita intensamente nos olhos.

— Eu quero fazer isso.

— Quer?

— Sim, Nora, quero. Eu não gosto de vê-la chorando,


aconteceu algo na sua festa?

— Não.

— Então, o que foi?


— Não importa, não é nada.

— Ninguém chora por nada, não do jeito que você estava

chorando.
— Eu sempre choro por tudo, são os hormônios da

maternidade.

Ele me observa com um olhar cético.


— Nora, fale comigo, não vamos brigar nem bater boca,
chega de provocações. Fale comigo, eu quero ouvi-la.

— Você quer me ouvir desde quando?

— Desde sempre, eu sempre quero te ouvir, eu só... Fale


comigo, eu sei que nossas últimas semanas têm sido tensas, mas
não gosto de vê-la chorar assim, Kimberly organizou uma festa

incrível para você. O que deu errado?


Por um lado quero contar a ele as coisas que suas

funcionárias disseram, mas eu não quero ser responsável pela


demissão de alguém e por outro eu quero que elas se fodam por

tudo que estavam dizendo de mim e de July.

— Não é nada, só fiquei emotiva.


— Aquele choro não era de emoção, era de tristeza. Você

parecia agoniada quando eu entrei no banheiro.

— Você viu errado.


— Nora... — Ele segura meus pulsos impedindo-me de
continuar me secando. — Fale. Comigo.

O que eu perderia se eu falasse? O que eu ganharia?


Já faz 2 anos e eu ainda mantenho aquela noite comigo com
um segredo a sete chaves.

Eu não contei à minha mãe, contei apenas a Kimberly porque

sabia que ela levaria a história para o túmulo e jamais tentaria fazer
justiça ou dizer para as pessoas o que houve com o objetivo de que

odeiem o pai da minha filha.


— Você — eu digo de repente, fazendo com que ele trave os

olhos nos meus. — Você aconteceu.

— Nora, eu não entendo.


— Você vai entender. Vou conversar com Francis e William
em breve, já que você nos acolheu nas últimas semanas e sinto que
devo conversar com você também. Você se lembra da última vez

que nos falamos antes que você fosse embora?

— Lembro-me de poucas coisas.


— É claro — falo com falso pouco caso. — Eu me lembro de

tudo. Eu ia fazer dezoito em menos de um ano e estava


perdidamente apaixonada por você como tinha sido desde os meus

onze, seus pais deram uma festa que não tinha uma comemoração
em si, era mais um encontro para famílias próximas e amigos de
negócios. Meu pai foi, é claro, e depois de um tempo pensando, eu

decidi ir com ele. Eu tinha decidido que me esforçaria para não


cruzar mais com você. Já que eu não podia tê-lo, também não

queria ficar passando vontade, eu estava determinada, muito


determinada... mas então eu te vi. Eu falei com vários convidados e
não falei com você e eu não fiz de propósito, eu queria te evitar,

porém algo me chamou em sua direção e eu simplesmente tinha


que falar com você. Sabe como é a cabeça de uma adolescente,

acha que tudo vai funcionar como em um conto de fadas. Eu te vi


saindo do escritório e indo para o segundo andar onde eram os
quartos da casa, você entrou em um deles e saiu pouco depois,
quando saiu você estava diferente, arrumado.

— Nora, isso é passado.


— Mais tarde eu entendi que você tinha feito o seu discurso

de despedida, ia ficar um tempo fora viajando o mundo, mas antes


quando eu só te vi saindo do quarto eu achei que era a

oportunidade perfeita. Pensei “se eu não falar com esse homem


agora, quando é que vou ter coragem para fazer isso de novo?”.

Então, sim eu fui atrás de você, mesmo dizendo a mim mesma que
ia parar com isso. Eu disse a você que você tinha que me beijar

antes de ir a qualquer lugar porque se me beijasse ia entender do

que eu estava falando. Ia entender tudo.

— Eu me lembro, Nora, mas não entendo o que isso tem a

ver com o dia de hoje.

— Quando eu terminei de me declarar pra você pela última

vez, você fechou a expressão e falou o mais sério que já tinha


falado comigo. — Eu sorrio de desgosto, lembrando como me senti

pequena e desprezível. — Nora, isso nunca vai acontecer. Esqueça

esses planos e as artimanhas, nada vai funcionar, eu estou


comprometido com alguém.
Ele abaixa a cabeça, não sei se está frustrado com a minha

insistência ou prestes a me dizer outra vez que fomos um erro cada


vez que nos tocamos.

— Decidi nunca mais ir atrás de você, eu deixei que você


vivesse sua vida e fiz como você me disse pra fazer, segui a minha.

Namorei, conheci pessoas, perdi a minha virgindade com um cara

que não era nem de perto o meu príncipe encantado...

— Foi com Cassian? — ele me interrompe. Sua expressão é


muito óbvia, ele não quer que eu confirme isso, mas qual é a

diferença? Confirmando ou não, não muda o que aconteceu naquela

noite.

— Sim, foi com Cassian e não foi nem perto do que eu

sonhava. Ele não me tratou como uma princesa, porque ele não era

o meu príncipe, ele não era você e eu teria te esperado, eu teria


esperado você se recuperar da sua ex que nem amava na época,

eu teria esperado você entender que nós somos de fato feitos para

ficar juntos. — Eu respiro profundamente, recuperando o fôlego. —

Eu teria esperado independentemente do tempo, mas você não


estava disposto a fazer o mesmo por mim. Você se lembra do que

houve naquela noite?


— Nora você tem que descansar, está abalada por causa do

cansaço.

— Eu não estou cansada, não desse jeito. — Eu me sento na


cama o mais longe possível dele e me escondo atrás da toalha.

Agora sinto frio em cada centímetro do meu corpo, mas não posso

sair daqui, não quando criei coragem para falar tudo o que está
engasgado e tudo o que senti que ele fez mesmo sem querer. —

Você olhou nos meus olhos quando eu te disse que te amava e

falou com todas as letras que eu era uma criança e tinha que parar

de te perseguir, que isso nunca daria em nada. Eu não era mais


uma criança, eu não era uma criança há muito tempo e você foi o

único que não percebeu isso, então você foi embora e eu fui

consolada por Cassian. Ele estava lá e estava disposto a me dar o


carinho que você não queria dar. Ele estava disposto a ser o homem

que eu achei que precisava, vi tarde demais que eu só precisava de

um pouco de amor-próprio, mas, ainda assim, você não podia ter

sido um pouco mais delicado para entender que a sua forma de falar
teria mudado tudo?

— O que quer que tenha acontecido não foi culpa minha, eu

não estava lá e eu te disse incontáveis vezes que...


— Que não daria em nada, eu sei — interrompo-o. —

Realmente não precisa repetir, acredite em mim eu decorei cada vez


que você me negou, palavra por palavra e essa não foi diferente.

— Você engravidou nessa noite?

— Sim, quando você saiu eu me deitei com o seu primo.

— E foi consensual — ele engole em seco —, você

concordou? Eu sei que Cassian vivia drogado, então eu não ficaria

surpreso se você me disser que não queria, só vou ficar muito


irritado por não poder dar uma surra nele ou até matá-lo.

— E que diferença isso ia fazer? Eu ia voltar no tempo se

você matasse? As coisas seriam melhores, sua resposta com


relação ao meu amor seria outra? Não, não seriam — respondo o

óbvio por ele. — As coisas só seriam piores e eu realmente não sei

se conseguiria lidar com tudo se isso ficasse pior.

— Nora me diga de uma vez, você queria o que fizeram?

Queria fazer sexo com ele?

— Não, eu queria fazer sexo com você! Mas a sua pergunta é


se ele me estuprou e não, ele não estuprou. Acho que ele foi o

máximo de gentil que conseguia naquele momento, estava tão

drogado que talvez nem tenha percebido que era eu que estava ali.

Isso explicaria sua surpresa quando eu contei que estava grávida.


— Como foi que você contou?

— Isso importa, Lucian?

— Eu quero saber de tudo, é claro que importa. Apenas me


diga. Se você começou, agora termine.

— Eu contei para ele assim que descobri. Queria fazer um

aborto e fiz ele me levar a uma clínica, nós agendamos um horário e


estava tudo pronto para a doutora — eu engasgo com o

pensamento. Isso dói mais do que as negativas de Lucian. Mil vezes

mais, nem sequer se compara — para ela se livrar de July.


Eu soluço por pensar que realmente quase fui capaz de fazer

isso com a minha menina.

— Você obviamente mudou de ideia.


— Sim, eu tinha acabado de perder meu pai, minha mãe já

estava sofrendo o suficiente e eu pensei que se estava grávida eu

queria isso. Eu queria a minha filha, a oportunidade de ser uma mãe

tão incrível quanto a minha mãe foi e assim aconteceu.

— Você foi muito forte.

— Eu não quero suas palavras de condescendência, não


estou te contando isso para que tenha dó de mim.

— Eu não tenho dó de você. Muito pelo contrário. Te admiro e

acho que muitas jovens da sua idade teriam escolhido o outro


caminho, criar uma criança não é fácil e criar uma criança na sua

idade é mais difícil ainda.

— Não é tão difícil assim quando a criança é July.

— Ela é um anjo, mas nessa idade isso tem muito mais a ver

com você do que com ela.

Eu levo um momento para engolir o choro, me acalmar do

baque que é todas as vezes que penso na minha filhinha e

conseguir olhá-lo sem querer desabar.


— Eu estava subindo no elevador e suas funcionárias

estavam falando algumas coisas. Isso me abalou.

— O quê? — Lucian franze o cenho. — O que estavam


dizendo?

— São coisas que eu escuto diariamente tendo engravidado

tão jovem.

— Nora, me diga.

— Eu não quero ser responsável pela demissão de alguém,

sério, já passou. Fiquei apenas um pouco descontrolada e isso me


trouxe essas lembranças. Esse dia em específico... e me senti

pressionada. — Vejo que ele está pronto para insistir até que eu

conte. — Só pra deixar claro, eu não acho de jeito nenhum que você
é culpado da minha gravidez ou do meu envolvimento com Cassian,
não é sua culpa que eu tenha me apaixonado por você e você não
poderia ter mudado nada. Eu já entendi que nunca ficaremos juntos,

vamos esquecer o que sinto por você, assim como eu esqueço que

Cassian é pai dela.

Cada palavra sai junto com um soluço e o olhar de Lucian é

desolado enquanto me observa, eu não sei por que ele parece tão

abalado. Eu acabei de dizer exatamente o que ele sempre quis


ouvir; que meus sentimentos não são culpa sua, que ele nunca

apoiou ou me deu a entender que sentia o mesmo.

Acho que a culpa pela minha idade na época é muito maior


do que o que ele sente por eu ser filha do meu pai ou seu medo de

compromisso, tem mais a ver com não querer ser culpado de ter

uma garotinha sempre em seu pé. Eu apoio minha testa em meus

joelhos e choro. Choro por aquela garota, pela minha ilusão e pela

vergonha de estar aqui diante dele mais uma vez demonstrando


toda a minha vulnerabilidade, mas também prometo que será a
última.

Ele não vai mais ver essa Nora.


Ninguém mais vai, e eu não deixarei que ela seja atacada

assim novamente, que alguém me tire do eixo de uma forma tão


louca a ponto de eu perder o juízo, minha noção e meu respeito por
mim mesma.

De repente sinto braços ao meu redor e resisto, tento


empurrá-lo, contudo, ele me para e me segura firme. Tão apertado
como eu sempre quis que segurasse.

— Vai embora — sussurro. — Pela primeira vez eu estou te


pedindo para ir embora.

Ouço seu suspiro pesado em minha cabeça.


— E pela primeira vez eu estou te dizendo que vou ficar.

— Você não tem que fazer isso, eu já disse que não contei
pra você ficar com dó.

— Nora. — Ele segura meu queixo, fazendo-me olhar em seu


rosto. — Pare e me deixe ter esse momento.

É tudo o que ele precisa dizer para que assim eu me permita


apenas agora e talvez por essa noite ser frágil uma última vez. Eu
encosto minha cabeça em seu ombro e choro lágrimas presas há

anos. Lucian me abraça forte até que eu sinta os soluços fortes


diminuindo, até que não tenha mais nenhuma lágrima e meus olhos

começam a tremular, secos e pesados.


Ele me segura enquanto eu respiro sua colônia que tomou
conta do quarto e sinto seu toque fervendo todo o meu corpo.
Quando apago, ele ainda está me segurando.
e não vá se envolver

sei que vamos nos pegar e você vai voltar

rebolando gostoso contra a parede

eu sou um caso que precisa ser resolvido

me diga o que vamos fazer

se você me quer e eu também te quero

envolver - anitta

NORA

É sexta-feira quando estou ignorando as ligações de Lucian

pelo quarto dia seguido. Ter explodido e chorado com ele no quarto

do hotel não foi à toa, sinto-me realmente revigorada e pronta para


começar uma nova fase sem o chororô.

Ele me ama.

Ele não me ama.

Bem me quer, mal me quer.


Então, eu simplesmente decidi cortá-lo da minha vida, estou

lidando com a mídia se acalmando após dias do meu silêncio em


não dar nenhuma entrevista ou declaração sobre July ser filha dele,

fiquei na minha e fingi que nada aconteceu.

Assim comecei a ser chamada de esnobe e falsa. Ganhei

seguidores.

Mimada e interesseira. Perdi seguidores.

Fashionista e ícone universitário. Ganhei mais seguidores.


É uma montanha-russa que me faz ter certeza de que não

quero trabalhar com internet, ainda bem que o meu ramo e minha

carreira não dependem unicamente disso, pretendo ter sucesso


suficiente na moda para não depender das pessoas me amando na

internet, caso contrário estou fodida. Eu respondi mais alguns e-

mails negando convites para entrevistas e aceitei um podcast que

me prometeu não tocar no assunto, as pessoas vão dar audiência

esperando que eu fale sobre isso e depois vão xingar quando eu


não falar, mas sei que terão aqueles que vão estar lá para falar

comigo sobre moda, maternidade e a vida como cheerleader que é

o que desperta muito o interesse dos meus seguidores também.

De repente há uma batida à porta, eu não atendo, pois sei

quem é. Ele bateu algumas outras vezes e eu não atendi, mas hoje
a rotina mudou e quando eu não atendo, Lucian abre a porta como
se tivesse direito de invadir. Tudo bem que o hotel é seu, mas o

quarto é meu. Ele simplesmente entra sem ser convidado.

— O que pensa que está fazendo?

July dá um gritinho, apoia as mãos no tapete e fica de pé

dando um passinho antes de cair no chão e dar risada.

— Da-da-da — diz ela.

Meu coração para por um momento esperando que ele não

reconheça isso como aquela palavrinha, aquele título que não é

dele. Ele me dá uma olhada fatal, muito séria e impaciente antes de

caminhar até a minha filha devagar e ajoelhar em sua frente, dando-


lhe as mãos para que ela se firme de pé e termine de andar até ele.

— Boa garota, venha aqui minha borboleta. — July joga os

braços em seu pescoço e o abraça. Lucian faz barulhos

exagerados, mas eu vejo em seu grande rosto apoiado no ombrinho

minúsculo da minha bebê que são verdadeiros. — Esse abraço é

tudo que eu precisava.

Ele se levanta e meu coração quer derreter, eu juro que quer.

Há algo muito sexy — tirando a minha filha — em vê-lo

segurando o meu bebê, é como se ele não ligasse que ela está
aqui. Ele gosta dela, eu sei disso em suas atitudes, no jeito que ele
a olha, no jeito que a pega, ele só adora July, e é recíproco. Eu

nunca a vi tão íntima de alguém que não seja do meu círculo muito
próximo — o que configura minha mãe e Kimberly — como ela é

com ele.

— Muito bem, garota, eu estava com saudade de você.


— Eu não sabia que esse quarto é comunitário.

— E não é — ele se aproxima e senta-se na cadeira à minha

frente —, mas eu sou o dono e posso entrar a hora que eu quiser.


— Bom saber que você pensa assim, só me faz lembrar que
tenho que sair o mais rápido possível.

— Por que ainda não saiu?

Eu fico sem resposta, porque de fato, por que ainda não saí?
Ele sabe a resposta e eu também, mas nenhum de nós diz.

— Posso ajudá-lo com algo?

— Na verdade, sim. Eu preciso de companhia para ir a um


lugar.

Embora incrédula que esteja me dizendo isso, eu dou risada.

— Companhia para ir a algum lugar? Não vai acontecer.

— Por que não?

— Lucian, quando eu disse a você naquela noite que era a


última vez que choraria na sua frente, falei sério. Eu não estava
fazendo drama ou charme, eu realmente não tenho planos de

continuar nessa montanha-russa com você.

— Você acha que somos uma montanha-russa?


— Acho que éramos uma que você queria

desesperadamente pular antes do maquinista dizer que era seguro


e conseguiu. Eu não embarco mais nessa, nem a minha filha. Sem

contar que você tem muitas opções para convidar para acompanhá-
lo em algum evento.

— Não é um evento, é uma festa particular. O coquetel de um


amigo.

Eu fico chocada por um momento.

— Por que você me convidaria para isso? A criança infantil


que fica no seu pé.

— Porque você é família. — Agora eu não sei se ele está me


provocando ou só sendo cínico, porém, pelo sorrisinho que tenta

esconder vejo que é um misto dos dois. — Sério, Nora, vamos


comigo. Considere como um rito de passagem para essa sua
questão de não falar mais comigo e não me ver mais desse jeito.

Vamos como amigos.

— Amigos? Realmente consegue fazer isso? Estar comigo


como amigos?
— É claro que consigo, acho que é a opção mais segura para
nós, vendo que moramos na mesma cidade e sua filha me adora.

— É claro, minha filha.


— Sua filha — ele concorda, mas há algo em seus olhos que

não consigo interpretar.

— Que evento é esse?


— Um amigo vai dar um coquetel e eu fui firmemente

ameaçado de que se não estiver lá é o fim da amizade, então


preciso estar.

— E desde quando você liga para ultimatos?

— Eu não ligo, apenas quero ir.

— Se eu quisesse ir e eu estou dizendo se, quando e onde?


— Hoje, em exatamente meia hora.

— Ah, e você me convidou. Esse é o típico convite feito em

cima da hora para que o convidado recuse.


— Se eu não quisesse que você fosse, nem me daria o
trabalho de vir convidá-la.

— Essa é a sua lógica?

— Sim e eu acho que ela faz todo sentido.


— Eu não sei se você é cínico ou idiota.

— Considere um misto dos dois.


— Por que eu iria com você, Lucian? Toda vez que estamos
perto um do outro acaba em choro e arrependimentos.

— Por que você não vai comigo e tentamos mudar esse


clichê? Tratando-se de Daniel, eu consigo apostar pelo menos um

pouco que será uma noite de risadas e provocações.


— Da parte de quem?

— De quem tiver mais bala na agulha para provocar.

— Então, eu vou apostar minhas fichas em você.

— Boa garota.

Quando ele diz "boa garota" eu me imagino ajoelhada aos

seus pés usando uma coleira enquanto ele me puxa pela corda e

me faz aumentar e diminuir a intensidade do boquete. Eu já fiz, sei


como é e a grande quantidade de esforço exigida para levar seu

membro todo na boca.

— Nora — ele me chama como se estivesse falando comigo


há horas e não tivesse resposta. — Você vai comigo ou eu vou dar

aquela declaração para a imprensa?

Eu fico de pé, irritada.

— Realmente acha que é o momento de me provocar e ainda

por cima com isso?


— Só quero garantir que minha companhia para o evento não

vá dar pra trás.

— Talvez eu dê para trás, isso vai tirar um pouco dessa sua

cara de pau.
— Não vai, não, só vai me provar que você não consegue ser

firme na sua palavra de dar a volta por cima em seus sentimentos

por mim. Vamos comigo, Nora, considere como uma proposta de

amizade de alguém que se arrepende de ter te magoado tanto ao


longo dos anos mesmo sem querer.

— Certo, eu vou com você. — Meu Deus do céu que porra eu

estou fazendo? — Que horas tenho que estar pronta?


Ele fita seu Rolex no pulso e encolhe os ombros.

— Em uma hora, mas como eu não tenho pressa em chegar

vou te dar uma hora e meia.


Quarenta minutos depois, com o cabelo em babyliss, um

vestido azul de matar e uma maquiagem que enaltece os traços

fortes do meu rosto, eu estou pronta.

O decote não é sútil e o vestido acentuando cada curva do

meu corpo foi posto com o objetivo principal de fazer Lucian perder

a cabeça. Eu quero que quando me veja fique sem palavras, quero


que ele olhe para mim e se arrependa de todos os anos. Sim, eu
quero superá-lo, mas também quero que sofra um pouco durante

essa superação. Coloquei o necessário em minha bolsa, incluindo o

gloss que usei nos lábios.

Dou uma última conferida no grande espelho do corredor e

aprovo a maquiagem, está linda, leve e bem natural. Fiz um

delineado com uma leve sombra escura que não carregou os olhos,
do jeito que gosto. Lucian estando preparado ou não, aqui vou eu.

Minha mãe e Kimberly não são discretas nas reações quando

me veem e eu gosto disso, faz com que Lucian perca a fala quando

olha para mim. Vejo isso em seu rosto, ele simplesmente não sabe o
que dizer. Bom para ele, se essa noite eu encontrar alguém que me

interesse, vou fazê-lo passar ainda mais raiva, estou ansiosa por

isso.

Na sala, Kimberly e mamãe disputam quem vai ficar de babá.

Quando apareço, deixo-as sem fala.

— Puta que pariu! — Kim grita.

— Não fale palavrões na frente da minha neta!

— Se July soubesse falar também estaria gritando palavrões


para sua filha.

Ela pisca para mim, deixando claro o recado de que eu estou

de arrasar, como planejado.


LUCIAN

Ok. De matar.

Ela simplesmente me deixa sem palavras. Eu olho para Nora


pensando em todas as coisas ruins que conheço apenas para que
meu pau não fique mais duro do que está ficando, se ela perceber

terei um grande problema. Ela está linda. O vestido azul a deixa


ainda mais gostosa, a maquiagem deixa seu rosto tão adulto que eu
simplesmente perco a fala quando vejo. Eu quero dizer algo, algo

que faça com que os olhos de sua mãe e sua melhor amiga louca
em mim deixem de ser tão provocativos. Mas não consigo.

— Bem, vocês já se decidiram quem ficará com July? — Nora

pergunta, ignorando-me e não me dando nenhum olhar. Ok. Agora


eu vejo que realmente está determinada a fingir que eu não existo.

Eu quis isso por tanto tempo, mas agora quero tacá-la na parede e

fazê-la me olhar, eu ainda estou aqui, afinal de contas foi tão fácil
assim me superar ou ela é só uma ótima atriz?

— Nós ainda não tínhamos decidido, mas agora eu vou


seguir a dica da sua mãe e vou nesse coquetel com vocês —

Kimberly declara sorrindo.

— Convidado não convida, infelizmente você não vai poder ir.


— Bem, você me deu uma condição — Nora diz. — Sua

condição foi que se eu quiser que mantenha meu segredo, preciso ir


com você. A minha é que se quiser que eu vá, minha melhor amiga

irá junto. É pegar ou largar.

Ela se aproxima de Kimberly e elas cruzam o braço juntas.

— Isso sim é justiça. — Kimberly ergue uma sobrancelha

provocativa.

— Nós podemos ir para qualquer lugar agora que estou


arrumada, alguma sugestão, Kim?

— E para onde você pensa que iria com esse vestidinho?

— Boas opções não faltam. — As duas trocam um olhar

cúmplice que me irrita profundamente.


— Nenhuma sugestão será necessária — falo de mau humor.

Inferno! Eu não quero levá-la, essa garota é problema, mas por

algum motivo quero que Nora vá comigo e se essa é a condição eu

vou aceitar. — Tudo bem, mas nós estamos atrasados, se você

ainda precisar se arrumar, não vai dar tempo.

— Eu já estou pronta, só vou levar uma blusinha para trocar

no carro.
— No carro?
— Sim, algum problema? Tenho certeza de que você estará
ocupado olhando para outros lugares e nem vai perceber que eu

estou seminua.

O entendimento do que ela quis dizer é óbvio e eu fico irritado

que todas perceberam.

— Vamos logo, eu não tenho o dia todo.

Nora se despede de sua mãe, e devagar, o que deixa claro

que para me irritar. Ela leva mais um momento se despedindo de

July, mas com isso não me importo. Na verdade, gosto de ver.

Assistir Nora com sua filha é revigorante para mim.

Quando as duas finalmente saem, eu respiro fundo antes de


sair atrás delas. Sinto-me a porra de um velho levando duas

adolescentes para a farra.

— Um segundo rapaz — sua mãe me chama. — Eu não sei o

que está acontecendo aqui.

— Nada. Realmente é apenas uma festa de jovens e eu

imaginei que Nora me ajudaria a ficar mais confortável.

— Uma festa de jovens? O coquetel de Daniel Bowman? Eu

o conheço e sei que isso será tudo, menos uma festa de jovens.

— Com todo respeito, Meredith, Nora já é adulta.


— Eu sei disso e parece que você também percebeu,

finalmente.

— Não estou entendendo.


— Ah, você está sim, está entendendo muito bem, mas vá.

Vá para a festa de vocês. Se divirtam e sejam jovens como você diz,


mas não se engane em pensar que eu não vou atrás de você se

minha filha voltar e derramar uma lágrima na minha frente.

— Não vai acontecer, isso não é um encontro. Não vejo Nora


dessa forma. — Ela ri e eu me sinto um idiota negando algo que
todos parecem ver claramente em meu rosto. — Falo sério, eu não

vejo Nora desse jeito.


— Não? Ok. É justo. Então, garanta que ela entenda isso,

porque eu falo sério, Lucian, extremamente sério. Se minha Nora


voltar, com nada além de um sorriso no rosto, eu sei que você é o

culpado.

— A ameaça não é necessária.


— É sim, tratando-se de você e dessa história, sempre é
necessário.

— Não há história. Eu tenho um profundo respeito por você e

por Steven, sei que...


Ela ergue a mão esquerda, onde o anel e aliança de

casamento permanecem.

— Não me envolva ou ao meu marido no meio disso. Você


fez sua obrigação como ser humano decente ao ignorar e afastá-la

até seus dezoito anos. A partir daí, o que vocês fazem não nos diz
respeito contando que seja sempre vontade de ambas as partes.

Steven adorava você, Lucian, se estivesse aqui seria o primeiro a


dar sua benção.
Suas palavras mexem algo em mim, mas não quero

demonstrar. Não posso cair nessa. Ravena foi uma coisa, mas Nora
é completamente diferente. Se eu me permitir abrir o coração para

essa garota, não há volta.

— Meredith, eu disse o que precisava.


— Eu perdi meu marido, ele foi meu parceiro e será sempre o

único companheiro do meu coração.

— Eu sei disso, também o perdi.


— Não, não como eu. Mas eu garanto que você vai perder
alguém que é praticamente a mesma coisa pra você.

— Me desculpe, mas essa conversa é ridícula, as coisas não


são assim para nós.
— Tudo bem, então vá para o seu coquetel, divirtam-se.
Sinto-me irritado, frustrado. Quero descontar minha raiva em
alguém, mas eu apenas deixo para lá, saio atrás de Nora, mas mais
uma vez sua mãe me para na porta.

— Não seja tolo, Lucian. Não deixe que o orgulho destrua

algo que pode ser tão bonito.


Eu sei que poderia, afinal, Nora é perfeita.

Exatamente por isso não posso me permitir ser a parte dois

do que meu primo foi, e arriscar destruí-la.


O caminho todo serviu para que eu perceba que Kimberly é

uma garota muito mais desequilibrada do que eu desconfiava. De


suas palavras eu reconheci algumas que me fizeram pensar que eu
estava em um bar cheio de caminhoneiros, a garota não tem um

pingo de classe. Diferente de Nora que sorri discretamente para as


coisas que ela diz, dá risada e é um sorriso lindo, algo que eu nunca

tinha percebido, ou melhor, nunca me deixei apreciar. Ela trocou de


roupa como havia dito que faria e aproveitou esse tempo para
continuar me tirando do sério.

Quando nós chegamos à casa de Daniel, ele fica surpreso ao


ver a convidada extra, mas o jeito que seca Kimberly logo que a vê
me deixa claro que talvez ela não vá embora conosco. Nora agarra

o braço da amiga.
— Ora, ora. — Daniel encosta no batente da porta. — Eu
geralmente não deixo convidados convidarem, mas neste caso...
são muito bem-vindas, senhoras. Você é? — Ele estende a mão

para Nora, ela aceita e vai dizer seu nome, mas ele a para e beija
sua mão. — Não, não, eu já sei quem você é, Nora. Estou certo?

Nora Baldwin, a ninfeta que tirou o juízo do meu amigo aqui e lhe
deu um herdeiro.

Nora puxa a mão da dele.

— Eu não sou ninfeta, e sim, meu nome é Nora Baldwin. Se


eu tirei o juízo do seu amigo para me engravidar, imagina o que eu o

faria fazer se me sentir desrespeitada por você.

O olhar no rosto de Daniel é impagável. Ele está sem


palavras. Não está acostumado com ninguém revidando suas

piadas e provocações. Eu acho ótimo e sinto um tesão fora do

normal quando Nora passa por ele abrindo caminho com o ombro

quando bate em seu peito.


— Com licença, eu vou aproveitar a festa.

Daniel olha pra trás, acompanhando-a até que ela some de

vista.
— Caralho, que gostosa! Posso comer?
Minha reação é instintiva, eu nem sequer penso, em um

segundo ele está olhando para a bunda dela e diz isso e no outro eu
estou meu antebraço em seu pescoço, escorando-o na porta.

— Você a ouviu falando sobre desrespeitá-la, mas eu vou


reforçar: fale assim dela novamente e eu vou quebrar a sua cara.

— Calma, calma! Defendendo a mãe do seu filho? Eu estou

falando de sexo, nada mais.

— É bom que você e qualquer idiota aqui nem pense em

chegar perto dela, nem sequer olhá-la como você fez agora porque

eu vou destruir qualquer um que chegar perto de Nora.

Daniel ergue a sobrancelha.

— Ela sabe se defender pelo que vi aqui.

— Sabe, mas eu não vou perder a oportunidade de deixar

claro quem ela é.

Ele me empurra pelo ombro e ajeita o terno.

— E quem ela é?

— Ela é Nora Baldwin, porra, e ela é minha pra caralho.

Eu não penso em seu rosto surpreso e chocado, tampouco

penso no que acabei de dizer, eu apenas entro e vou à procura dela,


porque sinto em meus ossos e mesmo que não tenha raciocinado

para dizer o que eu disse, estou falando sério pra caralho.


E não sei o que fazer sobre isso.
NORA

Nós chegamos há uma hora e Lucian ficou terrivelmente

quieto. Eu não sei o que aconteceu no tempo que ele demorou para
entrar enquanto conversava com seu amigo na porta, mas algo saiu
errado, porque a cara de poucos amigos que ele está exibindo não

pode ser normal.


— Qual era o problema do seu tiozão?

— Já te disse para não o chamar assim.

Kimberly dá risada.

— Amiga, eu estou ficando bêbada e ele ainda está ali com a


maior cara de taxo. Por que você não leva esse homem ao banheiro

e capricha na chupada? Enfia o dedo no cu dele, todo homem gosta


e ele vai gozar como um chafariz.

— Meu Deus, Kimberly, como você é suja. — Eu a deixo, e


virando uma taça de espumante e me aproximo dele. — Está

arrependido de ter me trazido?

Ele fica surpreso com o meu questionamento, mas nega.

— Não, Nora, eu não me arrependo das coisas que faço.

— Se arrepende sim. — Eu me refiro as vezes que estivemos


juntos.
— Isso foi diferente, não estou arrependido de tê-la trazido.

— Então está com essa cara porque Kimberly veio?

— Não estou com cara nenhuma.

— Está sim, se for ali e olhar no espelho vai ver que está.

Ele fixa os olhos nos meus e cerra a mandíbula.

— Eu só estou incomodado pra caralho com o seu vestido e

o fato de todo homem nessa porra de casa passar e olhar para sua
bunda ou seus peitos.

Eu não tenho palavras. Simplesmente fico ali estarrecida com

sua resposta. Ele realmente admitiu isso em voz alta?

— Sabe que falou isso em voz alta, não é?

— Sim. — Ele vira seu drink de uma vez. — Eu sei.

— Lucian — digo após alguns segundos —, eu desisti de

você.

— Eu sei e não estou te pedindo para voltar atrás.

— Então pare de me dar estes sinais mistos, sério, eu tô

tentando seguir em frente. — Eu viro as costas para deixá-lo, mas


ele segura o meu pulso e me leva para onde tem algumas pessoas

dançando. — O que está fazendo?

— Aproveitando. Afinal, somos amigos.

— Sim, amigos que surtam de ciúmes do nada.


— Eu não surtei.

— Isso que você acabou de ter foi um surto.

— Ok, então eu surtei. Podemos dançar agora?

— Você é inacreditável.
Com sua mão em minhas costas, ele me puxa para perto

esmagando meus seios em seu peito e segura a minha outra mão

com firmeza.

— Precisa ser tão colado?

— Precisa, vou aproveitar do jeito certo.

Eu reprimo o sorriso e como me sinto vitoriosa com esse

momento. Se eu soubesse que para tê-lo era só parar de insistir

talvez teria feito isso há muito tempo, me pouparia muitas dores e

lágrimas.

— Sua mãe me deu uma lição de moral antes de sair.

— Eu imaginei que isso aconteceria, apenas ignore.

— Eu deveria realmente ignorar?

— Sim — engulo em seco —, nesse caso sim.

— Não posso. Eu não consegui ignorá-la assim como não

conseguia ignorar nada do que Steven falava. — Eu sorrio sem


querer e ele inclina a cabeça observando-me. — O que foi?

— Você chamou o meu pai de Steven e não de “seu pai”.


— Eu não entendo.

— Geralmente quando vai falar do meu pai você diz o “seu

pai”, nunca o nome dele. Com isso você imediatamente se retrai, me


afasta, me magoa de alguma forma. Foi o que aconteceu nas

últimas vezes.
Ele desvia o olhar.

— Eu não fiz pensando.

— Eu sei, estou entendendo que nada que você faz é


premeditado.

— Não, não é.
— Vamos deixar isso pra trás, somos amigos afinal de

contas. Amigos dançando.

— Se vocês são amigos, então me apresenta. — Eu ouço


uma voz atrás de mim antes de ver o rosto de Lucian se transformar,

ele me virar e desferir um murro no rosto do homem que passava


atrás de nós. Em pânico, eu jogo meu corpo em cima do dele para

afastá-lo, mas, ainda assim, seus olhos parecem loucos. Louco para
continuar batendo no cara que está no chão tentando se levantar e
com o rosto cheio de medo.

— Cara! — ele grita. — Me desculpe, eu ouvi vocês falando


que são amigos e pensei...
— Não interessa o que você ouviu.

Daniel aparece de repente, balança a cabeça para Lucian

rindo e aponta por cima do ombro. Ele me observa antes de dizer:


— Tira esse cara daqui, vai transar ou pelo amor de Deus

tem uma capela do outro lado da rua, se casem.

— O quê? — pergunto. Isso é tudo que ele tem a dizer?


— Só tire-o daqui, antes que me arrume mais problemas. —

Ele coloca a mão no ombro de Lucian sem disfarçar a risada


zombeteira. — Me envie os convites do casamento e eu vou te
enviar a conta da bandeja de taças de cristais que você acabou de

quebrar.

— Você vai cobrar taças dele? — Eu estou indignada. —


Olha esse apartamento!

— Tudo é questão de valores, lindinha. Tudo. E não me bata


porque eu a chamei de lindinha, foi respeitoso. — Ele me olha pelo

canto dos olhos. — Com o máximo de respeito que eu consigo ter.

Eu seguro a mão de Lucian e o puxo, olhando-o nos olhos.


— Vamos embora!

— Tem uma capela no outro lado da rua? Eu quero me casar

— Kimberly grita.
— Com quem você quer se casar, garota? Pelo amor de
Deus!

Eu também a seguro e é uma missão levar o homem furioso


que quer bater em todo mundo — mesmo que por dentro eu me

sinta a mulher mais desejada do mundo —, e uma bêbada que está


gritando que quer se casar.

— Kim, me ajuda aqui!

— Te ajudar em quê? Eu conheci um cara lá dentro que me


chupou como se eu fosse um caroço de manga! Eu quero me casar

com ele. Tem noção como é difícil encontrar um cara que faz um
oral gostoso?
Lucian a olha como se estivesse indignado com o que escuta.

— Você realmente fala assim o tempo todo?

— Quando ela está bêbada é pior.

Lucian me tira do alcance da minha melhor amiga e conforme


nos afastamos eu a chamo, mas Kim volta a se distrair com o cara

que conversava antes que eu atrapalhasse.


— Onde você pensa que está me levando?

Ele me ignora.

Nós subimos a escada e vamos direto para o final, onde há


uma porta entreaberta.
— Lucian...

— Calada, Nora. Calada.


A intensidade de seus olhos azuis em mim me faz obedecer,
mas prometo não deixar barato. Quando ele fecha a porta, me viro

para ele e aponto o dedo ameaçadoramente.

— A próxima vez que iniciar uma briga por...


Apesar da raiva, meu corpo falha comigo quando Lucian

simplesmente me agarra e me beija, fazendo-me engolir todos os

xingamentos que estou disposta a dizer a ele simplesmente por não


ser capaz de resistir.

Ele domina minha boca do começo ao fim, mostrando-se

como dono dela e me deixando à sua mercê, totalmente rendida


apesar da raiva ainda batucar no meu peito. Sou jogada na cama de

um desconhecido sem nenhum cuidado e suspiro audivelmente

quando o vejo começar a se despir, odiando o quão poderoso e


gostoso ele é. Como me domina e eu não tenho sequer forças para

dizer não.

— Tire a roupa — Lucian ordena sem nenhum tato, também

com os resquícios da raiva causada por nossa recém-discussão


bem evidente em suas expressões. É muito injusto me sentir tão
atraída por ele desse jeito, nunca serei capaz de manter minha

postura assim, mesmo que ainda tente.

— E se eu não quiser? — o desafio um tanto sem fôlego,

completamente consciente de que a luta está vencida, mas


ignorando essa constatação com todas as minhas forças.

— Eu rasgo — Lucian avisa sério, soltando a fivela do cinto.

— Você tem até o momento de eu terminar de me despir, Nora.

Ele não parece estar blefando, mas, ainda assim, a vontade

de ver o tão certinho Lucian perdendo a linha fala mais alto e, por

conta disso, permaneço deitada na cama usando toda a minha

energia para manter meu olhar de puro desafio.


Se isso o abala ele não demonstra, porque tudo o que fez,

após se livrar de sua calça e cueca, foi me puxar pelas pernas para

a beirada da cama, tirando um gritinho afetado de mim que não o


impediu de, com a maior naturalidade do mundo, começar a rasgar

o vestido.

— Seu filho da puta! — grito. — Esse vestido era novo!


— Eu avisei — ele sussurra ao me deixar apenas de

calcinha, alisando e apertando minha bunda, coxas e seios sem

pudor algum. — Não gosto de ser contrariado. Se eu quero comer


sua boceta, será do meu jeito. E se reclamar, vou comer o seu
delicioso cuzinho — Após sua fala, Lucian ri ao ver que me deixou

tão chocada que fico sem fala. Ele termina seu trabalho destruindo

tudo o que eu ainda vestia, rasgando a lateral da minha calcinha,


sorrindo de lado quando enfim me encara completamente nua. —

Agora sim, digna de ser fodida.

Não me dando chance para manifestar meu choque com sua


atitude, Lucian se ajoelha antes de puxar um pouco mais minhas

pernas para fora da cama, começando a deixar beijos pela parte

interna da minha coxa enquanto usa as mãos para alisar tudo o que

alcança, deixando-me totalmente desestabilizada e trêmula.


— Agora eu vou dar atenção para essa boceta aqui — ele

murmura num tom claramente sacana, usando os dedos para

separar os grandes lábios da minha boceta. — Ela é muito mais


obediente e me respeita do jeito que eu quero.

Lucian ainda tem a audácia de piscar para mim antes de,

sem me preparar, lamber grosseiramente da minha entrada até meu


clítoris, fazendo-me gemer manhosa, e os barulhos foram apenas

aumentando quando concentrou sua ação todinha no meu ponto

sensível.
Suas mãos fortes separam minhas coxas, deixando-me

totalmente exposta a suas lambidas, dissolvendo por completo toda


e qualquer raiva que ainda sentia dele.

Deslizo meus dedos por seus fios escuros, puxando-os

apenas para incentivá-lo a continuar com o que faz, rebolando em

sua boca em puro instinto. Lucian parece determinado a me fazer

gozar, principalmente quando me penetra com dois de seus dedos,


mas, ao perceber meu limite se aproximando, não tem piedade de

mim quando para abruptamente, deixando-me ofegante e

necessitada na cama.
— Agora vou dar uma lição nessa sua boca malcriada — ele

me avisa enquanto se ergue do chão, empunhando o próprio pau e

o masturbando bem devagar, sem tirar seus olhos dos meus. —

Vem.

Minha mente rebelde quer negar e mandá-lo para o inferno

por ter me deixado tão na borda e parado, mas meu corpo tem
vontade própria e, quando me dou conta, já estou de quatro

engatinhando até estar sentada diante dele, apenas apreciando

quando Lucian esfrega sua glande por meus lábios, numa clara

provocação silenciosa.
Abocanho o pau dele sem pudor, aproveitando para engoli-lo

juntamente com meu orgulho, desejando demais seu gosto em


minha boca para ser capaz de me conter, fechando meus olhos e

me entregando ao momento.

Ele segura meu cabelo a pulso firme e guia o ritmo da


chupada, seu pau pulsa em minha boca, enche-a todinha e bate na

minha garganta. Ele geme baixo e rouco, é delicioso de ouvir.

Faço questão de lamber e sugar tudo o que consigo,

deixando claro o quão sedenta estou por isso, não me importando


com a saliva que escorre pelo canto da minha boca.

Se depender de mim, continuo chupando-o até que Lucian


venha diretamente na minha garganta, contudo, novamente me

surpreendendo, ele se retira da minha boca para se abaixar e me

beijar, deixando-me sem ar graças a intensidade com a qual envolve

sua língua na minha.


Quando afasta nossas bocas, Lucian manipula facilmente

meu corpo para me deixar de quatro na cama, fazendo-me tremer

quando pincela sua glande diretamente na minha entrada apenas


para me provocar. Rebolo em resposta, ansiosa por mais e, antes

que cogite pensar em exigir alguma coisa, ele me penetra de uma

vez, sem aviso ou preparo, tirando um gemido quebrado da minha

garganta.
O ritmo das estocadas é rápido, duro e forte, como se

realmente estivesse me punindo, mas tudo o que sinto com isso é


prazer, apertando entre meus dedos o lençol que cobre a cama ao

mesmo tempo em que gemo por mais, amando a forma possessiva

que aperta meu quadril.

Muito provavelmente seus dedos ficarão marcados na minha

cintura, mas não me importo com isso, desejo internamente suas

marcas por toda a minha pele.


Lucian leva uma de suas mãos para os meus cabelos e não é

nada delicado ao puxá-los, erguendo meu tronco sem, em momento

algum, deixar de me foder, indo e vindo dentro de mim de um jeito

delicioso que apenas contribui com o crescimento do meu prazer.

Gemendo como uma estrela pornô com toda a verdade do

meu corpo, gritando seu nome como esperei fazer por anos,

sentindo-o por todos os poros, tenho a certeza de que Lucian só vai


parar quando se saciar dentro de mim e a ideia de que ele está me

usando para extravasar o prazer que o assola me deixa ainda mais

sensível e louca por ele, desejando com todas as minhas forças que
ele não pare até matar a vontade de mim.

Ofego quando Lucian leva dois de seus dedos até meu

clitóris, masturbando-me agilmente enquanto seu pau me fode de


um jeito tão bom que minhas pernas chegam a tremer.

Não sei lidar com tanto prazer percorrendo meu corpo.

Rebolo como posso para corresponder, apertando a mão dele


que me toca com tanta maestria para tentar me sentir pelo menos

um pouco no controle, apesar de saber que não existe controle

algum quando se trata de Lucian.

Minha boceta pulsa com tanto estímulo, quente e faminta por

ele, apertando-o dentro de mim por completa necessidade. Gozar é

uma questão de tempo que se tornou consideravelmente mais curto

quando, surpreendentemente, a velocidade com que Lucian me


masturba se torna ainda maior, não me dando nem mesmo a

oportunidade de avisá-lo sobre meu orgasmo, porque ele logo

explode entre as minhas pernas de um jeito tão forte que me fez


perder por completo as forças do corpo, mal registro quando seu

gozo me invade poucos segundos depois.


É puro instinto.

Ele ainda continua se movendo dentro de mim para prolongar

nosso prazer, tão delicioso quanto quando ele se retira de mim e me


pega com cuidado nos braços para nos deitar corretamente na
cama, mantendo-me tão bem acolhida que é impossível não relaxar

por completo.
Odeio discussões, mas vou passar a amar brigar com ele se
todas terminarem exatamente assim.

— O que fazemos agora? — pergunto baixinho.


Ele leva um momento para responder, puxando meu corpo
com mais força contra o dele. Parece que quer me enfiar ali.

— Continue tomando anticoncepcional. Gozar na sua


bocetinha é viciante.
eu nunca vou te deixar se aproximar de mim

mesmo que você signifique tudo para mim


porque toda vez que eu me abro, dói

too good at goodbyes - sam smith

NORA

Um mês.

Um mês foi o que passou desde a noite do coquetel de


Daniel. Eu não sei explicar o que mudou desde aquele dia, mas sei
o que foi acrescentado. Além do sexo incrível, Lucian tem aparecido

e se tornou uma presença constante. Cada vez mais se mostra

interessado em July, em mim, ele vem para trabalhar no meu quarto,


ele sai e volta, ele me manda mensagem, ele procura saber sobre

mim. Eu não sei o que aconteceu, se foi um milagre, se

misteriosamente um anjo caiu do céu e tocou na cabeça dele para


me notar, mas ele está aqui como eu sempre quis que estivesse.
E bastou o quê? Chorar uma noite em seu ombro, desabafar

sobre como eu o amava e como eu não ligava para os preconceitos


que sofreríamos? Eu descobri que ele demitiu as mulheres que

falaram tantas porcarias sobre mim no elevador que foram o motivo

do meu colapso, descobri que o cara que ele bateu no coquetel de


Daniel era nada menos que um conhecido há muitos anos e o cara

me enviou flores pedindo desculpas, o que Lucian pegou e jogou no

lixo e no dia seguinte apareceu com um buquê de flores para mim. A


única coisa que ele me disse sobre foi:

— Essas são melhores e vem de quem você ama, essas


você pode colocar no vaso.

Eu não discuti, mas cada uma das suas ações me faz pensar

sobre o que estamos nos tornando. O que vai acontecer a partir

daqui? Eu o amo e ele sabe disso, mas o que é que ele sente por
mim? Nós temos tido sexo incrível, ele dorme comigo, acordamos

abraçados, eu faço café e temos um acordo silencioso de um

esperar o outro. Quando eu acordo ele está com tudo pronto e fica

na mesa trabalhando, mas assim que eu me sento na mesa com

ele, ele começa a comer junto comigo. Eu sou um pouco mais

aberta sobre isso e o chamo quando estamos na cama. Digo a ele


que estou preparando tudo e ele pode levantar em vinte minutos
para comer antes de sair.

São as pequenas coisas que me confundem. São pequenas


coisas que me fazem feliz.

Eu voltei para casa e ele veio logo atrás um dia depois,

quando ironicamente perguntei se o hotel estava com problemas no

andar das suítes novamente, Lucian me deu aquele sorrisinho cínico

de quem se faz de desentendido e disse que gosta mais do colchão

de sua casa.

São progressos diários que não me fazem querer correr,

pular etapas e me declarar para ele outra vez, mas me faz querer
continuar conhecendo esse homem, esse Lucian. Não o príncipe

que eu via, ou o cara que eu sonhava em ter quando era mais nova.

Não, o Lucian real, o que nenhum de seus encontros conhece, o

que a imprensa não conhece, que seus funcionários não têm ideia

de quem é. É ele que eu quero conhecer e é ele que aos poucos

tem se aberto comigo.


Hoje é o dia em que eu voltarei ao hotel apenas para pegar

algumas roupas que ficaram lá e volto para casa. Um dia desses ele

estava trabalhando na cama do meu quarto, lugar que ele realmente

não saía mais, eu me sentei ao seu lado e disse a ele que estava
procurando lugares para me mudar com July e começar minha vida

sozinha. Ele colocou seu notebook sobre a mesa de cabeceira


imediatamente, olhou nos meus olhos intensamente e disse:

— Você não vai para porra de lugar nenhum.

E me comeu com tanta força que quando eu acordei no dia


seguinte estava literalmente assada, não conseguia sentar, e

quando desci as escadas um degrau por vez, andando meio torto,


ele teve uma crise de risos, pegou July e se fez de desentendido.
Quando me sentei de ladinho na cadeira e ele viu isso, entregou um

pratinho de frutas cortadas para minha filha e ergueu as


sobrancelhas.

— É isso que acontece quando certo alguém ameaça me

deixar.
Se tudo que ele tinha feito antes não tinha derretido meu

coração, isso certamente derreteu e a forma como July inclinou o


rosto e sorriu para ele inocentemente, mas tão encantada, só
colocou a peça do xeque-mate na mesa do jogo.

Eu amava esse homem. Eu o amo. Eu o amei praticamente a

vida toda. Estou ansiosa para saber quais são os próximos passos
que daremos em direção ao que quer que estamos fazendo aqui, eu

sei que não é pouca coisa, sei que muito vindo de Lucian pela forma
como Daniel olhou quando nos viu juntos, eu sei que é mais do que

ele teve com sua ex-noiva. Ou com qualquer outra.

Eu chego ao hotel por volta das cinco da tarde, há uma


movimentação estranha hoje, mas Lucian não disse nada. Nós

ainda não estamos no nível de cobrar satisfações e localização, se


bem que eu descobri poucos dias atrás que ele tinha instalado um

aplicativo de localização no meu celular. Quando eu o questionei


sobre isso, joguei o celular na parede, quebrando-o e disse a ele
que não tinha o direito. Ele me levou até onde o celular estava, todo

quebrado, colocou-me de quatro e enquanto me fodia, sussurrou no


meu ouvido que ele faria o que bem entendesse e se eu não

gostasse podia reclamar mais porque ele não tinha problema


nenhum em me comer com força e colocar juízo na minha cabeça,

provando que por ser mais velho estava sempre certo.


As piadinhas agora existem sobre nós.

Eu o chamo de tiozão tarado, e ele me provoca sobre ser


uma ninfeta louca por sexo.

Ele me domina, me controla e me deixa sem alternativas a


não ser obedecê-lo.

E eu gosto.

Eu fodidamente amo isso.


Eu aciono o elevador enquanto olho meu Instagram e os
comentários do último vídeo. É um engraçado que estou dançando
e July aparece dançando junto comigo, eles amam esse tipo de

interação entre nós duas e quando é algo genuíno e espontâneo eu


publico para satisfazer quem sempre pede mais de nós duas

dançando juntas. Quando as portas se abrem em um andar que eu


nunca tinha visto antes, eu volto, observo o painel de novo e aciono
para as portas fecharem, mas nada acontece, então eu desço.

— Que medo dessa coisa parar e eu ficar presa aqui dentro.


Olá? — chamo, mas não parece ter ninguém.
É com certeza a recepção, mas as mesas estão vazias.

Continuo andando e vou pelo corredor onde há uma sala no

fundo. As portas pretas abertas me dizem que aquele é o escritório


de Lucian, talvez ele esteja aqui e possa me dar uma luz para que

eu não fique presa esperando socorro dentro de uma caixa de


metal. É só o que me falta.
— Lucian? Tio? — chamo com um toque de humor e

sensualidade na voz. Sei que ele fica possesso quando o provoco


desse jeito, e cá entre nós, é uma fantasia adormecida que façamos

sexo em sua mesa, sem contar que a lembrança nunca seria


perdida, toda vez que ele entrasse ali ia pensar em mim, embora eu
espere que ele pense mesmo que nunca tenhamos feito isso.

Eu sou surpreendida quando entro em sua sala e vejo uma


mulher que reconheço de imediato.

— Ravena?

— Tio? — Com um sorriso de desgosto, ela se aproxima


lentamente de mim, dando a volta na mesa. — Eu realmente não

esperava por essa, só porque hoje eu vim aqui de bom coração, vim

leve...
— Ravena...

— Não, tudo bem, eu não preciso de explicações realmente.

Ele faz o que quiser e você também, mas devo dizer que estou
surpresa.

— Surpresa por quê?

— Eu esperava tudo. Uma amante, uma prostituta, uma


acompanhante que ele fosse manter por alguns dias, você sabe que

Lucian não é exatamente o homem mais romântico desse mundo.

— Não, ele não é.

Eu aguento algumas palavras, porque sei que ela deve estar

magoada, e não há nenhum ponto em lhe dizer que não é o que ela

está pensando. Ela me ouviu chamá-lo de tio em um tom sexual, e


por mais constrangedor que seja, é a nossa relação, nós sabemos

dela melhor do que ninguém. Entendo que ela fique magoada em


ver que há alguém na vida dele — mesmo que eu não seja sua

noiva ou sua namorada assumidamente —, eu estou aqui e ela foi

abandonada.

Sinto-me mal por Ravena. Sempre me senti, mas não posso

negar, nunca pude, que saber que eles não se casaram me alegrou

na época e agora que estamos juntos em nossos próprios termos


me deixa ainda mais feliz.

— Eu sou Nora.

— Eu sei quem é você. Te reconheci na hora que entrou. O


rosto não mudou muito, você ainda é muito nova. Ele me mostrou

sua foto um tempo atrás e me contou que era a garotinha que não

parava de correr atrás dele dizendo que iam se casar.


— Ravena, eu...

— Não, tudo bem. Só fiquei um pouco abalada de primeira.

Não é fácil ver que o homem que me abandonou praticamente no


altar conseguiu seguir em frente tão rápido quando eu demorei

meses para sequer conseguir falar o nome dele.

— Eu sinto muito pelo que aconteceu com vocês.


— Sente mesmo? Afinal, se tivéssemos nos casado, vocês

não estariam onde estão e eu sei que você pensa o mesmo, Nora.

Eu tenho trinta e oito anos, sou bem entendida da vida, mas acho
que devo alertá-la para que você não seja enganada como eu fui.

— Eu vou precisar te interromper agora. Sei que faz parte

disso aqui você me dizer algumas coisas, me fazer ficar contra ele,
mas não estamos indo para o altar, não é como você está

pensando.

— Eu não estou pensando nada, nem precisa. Eu vim aqui

com o único propósito de devolver a ele as ações que me deu do


Quivira. Por muito tempo pensei em vendê-las, mas encontrei um

homem que não tem medo do futuro e o que pode acontecer, não

tem medo de me amar e ele me convenceu de que mesmo que o


que Lucian fez comigo não tenha sido justo, o peso de me vingar

assim seria pior para mim do que para ele, caso eu vendesse.

Então... — Ela joga uma pasta em cima da mesa dele. — Aqui

estão. Você pode dizer para ele que não me deve nada e eu não
devo nada a ele. Nosso ciclo está oficialmente encerrado com isso.

Ela me dá as costas, mas para na porta.


— Você é uma garota muito nova, Nora, e muito bonita, o

príncipe que você idealizou quando criança não é real. Eu tive que
aprender isso na frente do mundo, mas você pode aprender aqui

com a dica de uma mulher que deveria ser sua rival, mas vai falar
algo para o seu bem. — Ela passa por mim novamente, abre a

primeira gaveta da mesa dele e pega um controle, então apertando

um botão, ela me revela uma parede falsa que vai se abrindo aos
poucos até que há dez monitores à vista, ela aperta outro botão que

faz com que liguem. Aproximando-se das telas ela aponta para o

último. — Esse aqui é o andar privado do Quivira, além da balada, o

terraço, o hotel e o restaurante, há esse andar, onde ele esconde


um clubinho de sexo. É uma boate. Há strippers, prostitutas e

homens casados traindo suas esposas diariamente, tudo sob a

supervisão de Lucian. Eu fiz vista grossa quando descobri sobre


isso, porque ele me contou. Mas pela sua cara acho que ele não

contou para você.

Puta merda.
Por fora eu mantenho a expressão impassível, mas não

poderia demonstrar o quão chocada estou por dentro.

Quero correr dessa sala quando vejo uma mulher com os


seios desnudos esfregando no rosto de um homem sentado na

cadeira enquanto outra joga uma perna por cima do ombro dele e o

faz chupá-la.
— Há mais. Lucian convive nesse lugar e participa disso. De

tudo isso. Eu vejo como fui tola agora, mas não desejo o mesmo

para você, assim como não desejaria para minha filha e sei que sua

mãe não gostaria de saber também.

Limpo a garganta.

— Por que está me mostrando isso?

— Eu já disse, não desejaria o que eu passei pra ninguém e

eu sei que se você o confrontar, Lucian será muito honesto ou será

brutalmente cruel como foi comigo. Pense. Observe essas telas e


tome a sua decisão. Você é esperta, vai saber o que fazer. — Ela

para ao meu lado e coloca o óculos escuro no rosto. — Tenha uma

boa vida, Nora, eu com certeza terei agora que me livrei dele e

percebi como isso foi maravilhoso.


Eu me aproximo das telas quando ela vai embora.

São câmeras filmando todos os ambientes. Ele mantém

vigilância em todo o hotel, até na sala dos seguranças, mas eu não


me atento a nenhuma delas, nem sequer ligo para a que está

diretamente na porta do quarto que eu ficava, eu sabia que tinha

uma lá, mas nunca pensei que era ele quem me vigiava. Minha
atenção está onde Ravena me mostrou. Naquela tela onde algum

tipo de festa sórdida acontece. Minha atenção está onde o homem


com quem eu estava mais uma vez sonhando feito idiota me trai de

várias formas diferentes.

Eu nem sequer consigo chorar, só sinto uma raiva

inexplicável e uma vontade de quebrar aqueles monitores, de ir até

o andar da boate e exigir de Lucian uma resposta sobre porquê


mentir, por que esconder isso de mim.

É demais, isso sim é demais.

Se Ravena ficou mesmo sabendo disso, do que acontece ali,


isso foi com ela. Comigo é diferente e eu não vou ficar. Ajeito minha

bolsa no ombro e viro-me para sair, mas dou de cara com ele na

porta. Lucian não olha para os monitores. Ele olha para mim, só
para mim.

— Se tivesse me dito que queria um tour, eu te mostraria, não

tinha necessidade de vir escondida.

— Não, aparentemente eu sou tão ingênua que nunca pediria

um tour por achar que eu conheço cada pedaço desse lugar assim

como pensei que estava conhecendo você de verdade. Agora vejo


que não. Ravena passou aqui e me mostrou isso.

Ele enfia as mãos nos bolsos e entra em sua sala.

— Mal posso esperar pra ouvir tudo que ela te disse contra
mim.
— Ela não disse nada, só me mostrou isso e a partir daí eu
tiro minhas próprias conclusões.

— E eu estou liberado para te dizer o que você está vendo ou


você vai levar as suas conclusões como única verdade e fugir?

— Fugir? — Rio com sarcasmo. — Você está nos

confundindo. Não sou eu que fujo, é você. Sempre você. E eu me

pego todas as vezes no meio da sua indecisão, então não considero


que vou fugir, considero que vou me colocar em primeiro lugar.

Chega de brincadeiras comigo. Fique com seu hotel, seu status e

seu clube de sexo com o que quer que você faça lá dentro.

— Que droga, Nora, eu acabei de dizer que vou te explicar

isso.

— Eu não quero uma explicação e não estou fugindo! Vou


seguir o conselho da sua ex-noiva e sair antes que você faça

comigo o que fez com ela. Não será difícil enjoar, não é?

— Enjoar? Como você me diz isso depois do que temos


vivido por semanas?

— Como não dizer isso? Depois de diversos sinais de que


você é exatamente esse tipo de homem.

— Que tipo de homem?


— O tipo que vai me destruir, pouco a pouco, ou, será de
uma única vez e eu não estou disposta a aguentar isso.

— Nora, você está vendo uma câmera, isso é tudo. Eu nem


sequer estou lá.
— E nunca esteve? Você nunca se divertiu no seu clube de

sexo particular?

— Vai me deixar explicar?

— Responda-me! — Ele fica em silêncio. — Me responda,


Lucian.

Seu silêncio me diz tudo que preciso saber. Eu passo por ele
e quando estou na metade do corredor o ouço começar a me seguir.

— Nora, espere!

Eu não respondo, aproveito que o elevador está aberto e

torço para que funcione dessa vez, quando aciono o térreo, ele
fecha as portas e começa a descer. Graças a Deus!
E pensar que eu cheguei aqui cheia de expectativas.

— Isso é bom — sussurro conforme saio do edifício.

Não posso e não vou mais me dar ao luxo de ficar chorando,


tenho um futuro brilhante pela frente.

Antes eu tinha dúvidas se seria com Lucian ao meu lado ou


não, mas agora já tenho a minha resposta.
acho que meu coração não é o primeiro a ser partido

meus olhos não são os primeiros a chorar

não sou a primeira a saber

que não da pra te esquecer

eu estou desesperadamente devota a você

hopelessly devoted to you - olivia newton John

NORA

— Nora você tem visita.

— Estou atolada de trabalho, mãe, não posso falar com

ninguém agora.
— Mas pôde ficar batendo papo com Kimberly até às três da

manhã?

Eu a olho por cima do ombro.

— Você está do meu lado ou contra mim?


— Estou sempre do seu lado, mas quando está sendo

mimada e irracional eu posso estar ao seu lado e te dar um alerta


também.

— Um alerta?

— Sim, um alerta.

— Seu único alerta é que você acha que eu deveria estar

correndo atrás dele como sempre fiz porque pra você o amor e o

casamento são mais importantes do que tudo. Mãe, eu entendo,


meu pai era sua alma gêmea, mas depois de muito tempo eu aceitei

que Lucian não é a minha, estou seguindo em frente.

— Acha o-o que... como é Nora? — Ela ergue a voz, cruza os


braços e para na minha frente, seu rosto mostra que ela não gostou

nada do que eu disse. — O que você pensa de mim? Que eu sou

aquelas mães fanáticas que só ficam felizes quando a filha arruma

um homem para casar? Eu sei que você é muito mais do que isso,

não estou esperando que se case, nem de longe, eu apenas sei que
a forma como você tem vivido os últimos dias não é normal, não é

você mesma.

— Eu faço tudo normal, mamãe, cuido da minha filha, vou

para os treinos, até comecei o meu novo estágio.


— Um estágio que você odeia. Você cuida da July e
honestamente eu acho que essa é a única coisa que tem feito

genuinamente feliz.

— Essa não é a verdade.

— Nora, olhe para mim, para o rosto da sua mãe e diga que

não está infeliz com o caminho que está seguindo.

— Como eu posso estar infeliz? Isso é tudo que eu sempre

quis.

— Você sempre quis uma outra coisa também.

— E vi que não era possível, então estou tentando esquecer,

mas vai ficar difícil se você me tentar a cada cinco minutos dia sim e

dia não.
— Tentando esquecer? Eu vejo que ele te liga, ele deixa

flores na portaria, ele liga para mim, ele manda mensagem para

Kimberly, às vezes ele nem pergunta de você, só por July.

— E ele espera que tudo volte ao normal apenas por isso?

Como Lucian é gentil e delicado, não é mesmo? Ela não é filha dele,

então, ele pode tirar seu senso de obrigação do caminho e fazer o

mesmo que eu, viver como se ela não existisse.

Minha mãe suspira frustrada.


— Nora, diga-me o que aconteceu para que você o cortasse

dessa forma, nós nos falamos um mês atrás e você estava feliz.

— Estava. Passado. Só me dei conta de que somos


diferentes demais e que definitivamente não vale a pena ficar

perdendo tempo lutando por algo que não é para ser. Mamãe, não
importa o que aconteceu, eu estou bem assim. Você está certa e

talvez eu possa não estar agindo normalmente, mas pode confiar


em mim quando eu digo que sei o que estou fazendo. Faço tudo
pensando em mim e na minha filha, principalmente nela.

— Vocês estavam indo tão bem, Nora, eu torcia por vocês.

— Eu sei que torcia, acontece que as coisas não são assim


tão simples. Acredite em mim... a essa altura do campeonato eu

estou melhor sozinha.


Ela me observa por um momento antes de jogar as mãos

para o alto.

— Bem, não há mais nada que eu possa fazer, minhas mãos


estão atadas, eu estou aqui para o que você precisar, mas vou dizer
a você a mesma coisa que disse a ele: não deixe que o orgulho te

impeça de viver algo bonito. Palavras vindas de uma mulher que


nunca dormiu brigada com o marido, porque sabia que havia

sempre a possibilidade de um dos dois não acordar e eu sempre


quis que o seu pai soubesse que eu o amava, então mesmo quando

estava com raiva dele, mesmo que eu tivesse motivos,


estivéssemos em nossa maior crise, eu não podia fechar os olhos

sem dizer a ele que eu o amava. Você pode estar brava com Lucian,
pode jurar que não quer mais vê-lo, mas quando o amor é amor, o

coração não mente e a cabeça não se envolve, você aprenderá isso


com o tempo.

— Acho que já aprendi, mãe. — Suspiro, fechando o caderno


e reviso anotações da coreografia que apresentaremos no

campeonato. — Já aprendi.

Hoje é o grande dia.

O Campeonato Nacional.
Eu esperei tanto por isso e agora que estou aqui, não posso

acreditar que conseguimos.

— Tem certeza de que se sente bem?

— Eu estou me sentindo ótima — digo a Kimberly enquanto


nos aquecemos no vestiário. — Está todo mundo bem? Acha que

precisamos conversar com eles uma última vez?


— Nora, relaxa! Tá todo mundo bem, todo mundo treinou a
mesma quantidade de horas e sabem o que fazer, nesse ponto você
vai ter que confiar na sua equipe. Você fez um trabalho incrível e

eles se dedicaram demais para isso, todos queremos vencer.

Eu sei.
Eu me olho no espelho admirando nosso uniforme rosa,

aperto um pouco mais o elástico que prende meus cabelos em duas


chiquinhas uma de cada lado, deixando-o solto com cachos no

restante e confiro se nenhuma pedrinha de brilho soltou dos meus


olhos ou da franja.

— Então estamos prontas — eu falo sem acreditar. —


Finalmente chegou o dia, treinamos para isso por meses.

— Eu sei e nós finalmente estamos aqui.

— É muito louco, não é? Pensar que ao mesmo que começa


vai acabar, tipo... é o campeonato! E nós vamos ganhar e de

repente acabou.
— Sim, eu preciso dizer algo, mas só posso dizer pra você

agora. Não vou conseguir entrar em campo sem te confidenciar


isso.

— Ah, meu Deus, lá vem.


— Quando nós ganharmos o campeonato eu vou aposentar
os pompons.

Ela arregala os olhos e se aproxima de mim.


— O quê? O que você está falando? Tanto sexo queimou

seus neurônios?

— Não me lembre do sexo que eu tinha, ele faz falta.


— Bem, você pode ter ele de volta a qualquer momento,

basta pedir e não mude de assunto, eu estou falando sobre a nossa

vida aqui.

— Kim, essa não é exatamente a minha vida.

— É claro que é, você faz três coisas: cuida da sua filha,

chora por Lucian e torce. Você é uma cheerleader, desde a escola.


Qual é o ponto querer mudar isso, Nora?

Eu ignoro a alfinetada de que eu “só choro”.

— Eu não quero mudar, só quero acompanhar a minha idade.

— Nora você tem vinte e dois e não quarenta.

— Qual o seu problema com os quarenta anos?

— Nenhum problema, sua mãe tem essa idade e eu a amo,

só estou dizendo que você ainda é muito jovem pra pensar em

qualquer tipo de aposentadoria.


— Eu não sei, Kim, só não parece mais algo que eu faço com

paixão, eu quero dedicar todo o meu tempo a July e à faculdade de


moda. Isso é o que realmente quero fazer. Desenhar roupas, ver

meus desfiles sendo enaltecidos e vibrados, quero ver mulheres

lindas de todas as etnias usando minhas criações e eu não posso


fazer isso se estiver pensando em campeonatos e em treinos da

torcida. Eu faço isso de coração tranquilo, porque sei que terei uma

substituta perfeita para o cargo.

— Se vier falar de mim eu vou ficar brava.

— Não vai não.

— Vou sim. Você me chamou de substituta — ela torce um


cacho do cabelo ruivo entre os dedos —, eu não substituo ninguém.

— É claro que não, eu me expressei errado, você será a

minha salva-vidas...

Ela me interrompe dizendo:

— Vou salvar a porra da sua pele para que toda a equipe de

torcida não fique com ódio de você quando disser que vai sair,
principalmente quando estaremos levando um troféu para casa. E o

que eu ganho com isso? Nós nem temos mais o jardim da mansão

do tiozão gostoso pra treinar.

Eu reviro os olhos.
— Já te disse para não me lembrar dele.

— Nora, ele existe, ok? E ele me inferniza com mensagens

todos os dias. Qual é, você não pode responder o cara?


— Você não pode trocar de número?

— É claro que não, eu estou com esse número desde o

último ano da escola, todo cara que eu transei ou quero transar tem
esse telefone.

— E daí?

— E daí que se eu quiser repetir ou eles quiserem repetir vão

me ligar e eu vou poder escolher se quero ou não.

— Esse é um raciocínio fodido.

— Isso é porque eu sou uma fodida. — Ela sorri como se

estivesse orgulhosa. — Agora vamos, nós temos que torcer, somos

as próximas.

Nós damos as mãos e respiramos fundo, uma olhando nos


olhos da outra.

— Nós vamos ganhar, não é?

Eu confirmo veemente com a cabeça.

— Com certeza! Tá no papo.

— Ótimo, porque eu não aceito derrotas, principalmente da


equipe que eu estou prestes a levar nas costas.
Eu dou a ela um sorriso, porque sei que ela teria se jogado

em cima da vaga mesmo se eu não tivesse dito a ela que a quero


em meu lugar. Kimberly está saltitando e aquecendo enquanto eu

pego as minhas coisas e de repente a vejo parar, ela olha por cima

do meu ombro e fica imóvel, então ela limpa a garganta.

— Nora, você tem visita.

Por seu olhar eu imagino que só possa ser Lucian e eu quero

correr antes de olhá-lo, quero fugir daqui e ir direto para o campo


onde vou me apresentar com a turma, tento encontrar uma saída na

minha cabeça porque eu sei que se entrar em uma discussão com

ele agora tudo vai evaporar. No entanto, eu me viro antes que mude

de ideia de enfrentar minhas próprias responsabilidades e qualquer


visão do que tinha que poderia acontecer fica nublado quando eu

percebo que não é Lucian, mas sua tia Francis, parada atrás de

mim.

— Nora. — Seu sorriso é inseguro, e há lágrimas nos olhos.

Eu ouço os sapatos de Kim se distanciando e sei que

estamos sozinhas. A vaca me abandonou logo agora.

— Francis. — Engulo em seco. — A que devo a visita?

— Eu soube que provavelmente te encontraria aqui, sua mãe

estava lá fora e quando ela me viu não conseguiu disfarçar o olhar


— ela faz uma pausa dramática, e o medo que sinto nesses minutos

é quase paralisante —, acho que tive a resposta do que vim

perguntar quando a vi.

— Francis — digo num fio de voz. — Eu tenho algo muito

importante agora...

— Eu entendo.

Quando ela diz isso eu travo, não consigo pensar em nada

para dizer, meus pés nem funcionariam para fugir como eu

planejava.
— O-oquê? Eu não entendo.

— Eu entendo você, sua atitude, seu pensamento para ter

agido como agiu, a mentira envolvendo Lucian. Estou aqui sozinha


porque ainda não contei o que descobri a William.

— Francis, por favor...

— Eu sei, eu sei que você tem o seu campeonato para


vencer e você vai vencer. Você sempre foi uma garota muito

esperta, falava com todos, todo mundo te adorava, acho que esse é

o encanto que sua filha — ela faz uma pausa e uma lágrima escorre
por sua bochecha —, minha neta tem parecido com você.

Eu caio. Simplesmente caio e a minha sorte é que há um

banco exatamente atrás de mim que me apoia da queda. Francis se


aproxima instintivamente, mas para a dois passos para não se

aproximar demais.

— Não pode imaginar como eu fiquei com raiva quando tudo

fez sentido na minha cabeça, você realmente nunca imaginaria, há

um bilhão de coisas que eu faria pela minha neta, um milhão de


coisas que eu faria para que meu filho não tivesse sido tão estúpido

e perdesse algo assim.

Minha garganta fecha quando lágrimas surgem nos meus


olhos também.

Se ela sequer soubesse...

— Ele soube antes de morrer?

— Sim — sussurro, pois não há ponto em negar.

— E o que ele te disse?

— Que não queria. — O espanto em seu rosto não me faz

parar, se ela quer a verdade, terá a verdade. — Ele me levou para

fazer um aborto, e eu mudei de ideia quando ele saiu. Só fomos nos

falar três dias antes dele falecer e foi para que ele me desse a casa
de Lucian, por isso você me encontrou lá naquela noite.

— Eu estou com raiva, Nora, eu estou tão brava porque você

me fez perder um ano da vida da minha neta, uma gestação que foi
sonhada por mim por tanto tempo e eu teria adorado ser avó do seu
bebê. Teria adorado acompanhá-la em cafés da tarde, infernizá-la
para saber se já tinha almoçado, se tomou suas vitaminas, eu teria

cuidado de você.

— Eu sei que sim, Cassian era seu filho.

— Não, não porque Cassian era meu filho, mas porque você

carregava a minha neta, porque parte de mim, do meu marido, da

minha filha e do meu filho estavam em você. Porque esse


bebezinho seria precioso demais como todos que nasceram na

família Santoro.

Quando eu sinto que minhas pernas estão um pouco mais


firmes eu me levanto.

— Eu sinto muito não ter contado, parecia impossível na

época. Eu pensei que vocês tirariam July de mim e ela é literalmente


tudo o que eu tenho.

— Acha que eu não sei disso? Acha que eu não vejo como

você olha pra ela, como cuida dela? Acha que eu não teria empatia
por uma mãe que só quer cuidar do filho assim como eu queria?

Não posso perdoá-la agora, mas tenho tanto amor por você, Nora, e
tanta gratidão por ter ido contra a ideia absurda do meu filho e ter
dado à luz a essa bebê que sei que em breve esquecerei disso. Um
ano é pouco quando coloco na balança que terei uma vida inteira ao
lado dela.

Meus olhos se enchem de lágrimas e eu imagino que o


aperto que eu sinto no peito não seja ruim, mas seja de alívio. Eu
estou tão aliviada que essa mentira foi revelada que mal posso falar,

eu queria dizer tanta coisa a ela e quero expressar isso.


— Eu queria te dizer tantas coisas, queria explicar e ter uma
boa justificativa, mas — eu começo a chorar e o choro tampa a

minha garganta — eu não consigo expressar a você o quanto sinto


por isso, mas na época eu realmente achei que era a melhor opção,
achei que era a minha única escolha.

— Eu sei. — Ela se senta e segura a minha mão, puxando-

me para o seu lado. — Nós vamos lidar com isso. Acho que eu
soube desde o dia em que vi July, mas as coisas ficaram mais
claras em minha cabeça quando seu Instagram apareceu para mim

e eu vi um vídeo dela dançando, ela tem a mesma marca que


Cassian tinha no ombro direito, é uma pequena marca de nascença
que meu pai tinha e que Cassie também tem.

Eu dou risada de que algo tão óbvio foi o que me entregou.

— Quanto você me odiou na hora que viu?

— Nada, não é possível odiar algo que se ama.


— Eu duvido.

— Você passará um bom tempo comigo agora, Nora, vai


entender que há coisas que parecem impossíveis, mas só parecem.
Ela segura a minha mão com força e eu posso dizer que quer

me abraçar, quer fazer mil perguntas sobre July. E eu quero contar.


Quero acreditar que isso vai dar certo, afinal, eu não quero negar
amor para a minha filha. Quanto mais família melhor.

— Ela está com a babá hoje no apartamento da minha mãe,


eu posso te dar o endereço e liberar a sua entrada se você não

quiser esperar até que eu saia daqui para vê-la.


Ela começa a chorar.

— Você faria isso, realmente?


— Sim. Como você disse, vocês já passaram tempo demais

separadas, ela vai amar ter mais uma vovó.

Francis me abraça e mais uma vez eu me sinto idiota por não

ter contado de uma vez, mas é o que dizem, as coisas se ajeitam


com o tempo e como a minha mãe mesmo me falou amor é amor.
E quando é coisa do coração, a cabeça não se envolve.
estou esperando acordada a noite toda

querido, me diga o que há de errado

vamos fazer tudo ficar certo

cara, que se foda seu orgulho

só me faça sua de novo

kiss it better - rihanna

LUCIAN

— Está tudo pronto? — eu pergunto a Emma pela terceira

vez nos últimos quinze minutos.

— Sim, senhor. — Ela sorri. — Como eu disse minutos atrás.


— Está me censurando?

Ela arregala os olhos.

— Não, senhor! Só frisando que está tudo certo.


— Você fez a doação?
— Sim, o cheque foi entregue aos organizadores do espaço.

É uma grande quantia para doar a um campeonato de líderes de


torcida, senhor.

— Foi o seu dinheiro, Emma?

Ela pisca, ajeitando os óculos.

— Nã-não, senhor.

— Então, só obedeça.

Ela assente e rapidamente sai de perto.

Eles anunciaram o terceiro lugar e não foram os PinkStars, a

equipe de Nora — que eu jamais diria a ela o quão aleatório esse


nome é. Há palmas e gritos quando anunciam o segundo, e também

não é Nora.

Eu esfrego as mãos juntas. Estou nervoso pra caralho e nem


sou eu dançando naquela porra de gramado. Como ela deve estar?

Minha Nora está tão divinamente linda com seu uniforme

minúsculo, irritando-me com o fato de que todo homem filho da puta

nesse estádio consegue vê-la e eu não aguento mais ouvir

comentários.

— Gostosa! Olha aquela bundinha, cara...

Eu dou um tapa na cabeça do imbecil ao meu lado.

— Cale a boca, filho da puta. É a porra da minha mulher!


— Nem a pau, velhote — o universitário ri —, você não dá
conta de uma mulher dessa.

Ele está brincando com a morte?


Eu seguro sua nuca, abaixando-o até que esteja ajoelhado

entre a sua cadeira e a debaixo.

— Eu aguento mais do que você com esse seu pinto murcho,

filhote de repolho.

Eu ergo o punho cerrado para socá-lo nos olhos, mas paro

com o que ouço vindo do campo.

— PinkStar! Parabéns aos campeões nacionais desse ano,

vocês foram incríveis!

Eu deixo o garoto estúpido na hora. Inclino-me com a boca


perto de seu ouvido.

— Levante e observe o velhote ir até aquele gramado pegar a


mulher mais gostosa desse planeta e chore sabendo que você

nunca vai tocá-la, imbecil.

Eu o solto e corro escada abaixo. Encontro Emma no

primeiro banco da segunda fileira.

— Está tudo pronto, senhor.

— No meu comando vocês sabem o que fazer.

Como sempre.
Tudo o que eu quero é feito do jeito que quero, e por isso sei

que Nora voltará para mim. Voltará para o meu lado.

Lugar de onde nunca devia ter saído.


NORA

Enquanto a minha equipe grita e vibra, eu fico paralisada. É

claro que eu sempre soube que ganharíamos, mas a fantasia é


muito mais chocante do que a realidade. Sair da torcida assim com
esse troféu me dá um sentimento de dever cumprido que eu só tinha

sentido quando dei à luz a July e a doutora disse que ela era
perfeita.
Olho para o céu onde papai está e sussurro um “obrigada”

baixinho. É para ele. Tudo isso é para ele.

As lágrimas ameaçam vir, mas não tenho tempo já que em


um momento estou de pé com todos ao meu redor comemorando e

no próximo estamos sendo convocados para voltar e exibir a


coreografia da vitória uma segunda vez.

— Nós conseguimos! — Kim me abraça e eu quero derreter

em seu ombro, mas mantenho os pés firmes no chão. Tenho um


compromisso a ser finalizado.

Nós entramos em campo para dançar. Vencemos. E agora

vamos repetir a coreografia que nos deu a vitória.

Nós começamos uma introdução com saltos, piruetas e


passos calculados sincronizados. Eu, Kim e Ramona vamos para a
frente fazendo alguns passos sensuais, enquanto ao fundo os

rapazes erguem as garotas no ar onde elas se juntam numa torre


triangular, é lindo e quando todas começam a cair, uma atrás da

outra, eles a seguram e quando estamos todos no chão, todas as

meninas vão para frente participando dos passos mais quentes da


coreografia.

É isso.
Com um grande sorriso no rosto, eu sinto a tremedeira ir

embora, a ansiedade se esvai e só resta felicidade.

Foi por isso que eu dei o meu sangue todos esses anos.

Quando minha filha estiver na escola, se ela escolher ser uma


cheerleader, verá esses vídeos e terá orgulho de mim, vai desejar

ser como sua mãe, e mesmo que ela não queira ter nada a ver com

líderes de torcida, ela ainda vai olhar e vai achar bonito. Nós

estamos na última sequência quando de repente eles param. Um

por um, meus amigos começam a parar de dançar, eu não paro,


continuo a dança e olho para Kimberly.

— Se mexa!

Ignorando-me, ela estica a mão assim como as outras

garotas fazem e os rapazes começam a se aproximar e ficam atrás


delas, cada um fazendo uma pose diferente parando como se
fossem modelos.

— A coreografia ainda não está no fim! — eu digo a eles


olhando para trás desesperada, ninguém nas arquibancadas está

entendendo nada e a banca de jurados nos fita com a mesma

confusão. Eu demoro a entender porque eles estão parando, mas

de repente ao me virar, vejo quem eu menos espero. Lucian está ali.

E eu não tenho nenhuma reação, olho para Kimberly, mas ela está

rindo e é óbvio que faz parte disso. Lucian se aproxima a passos


certeiros e diretos em minha direção, ele passa pela banca de

jurados, onde acena para o primeiro juiz da bancada e o homem se

levanta sorrindo para ele como se tivesse acabado de ser

cumprimentado pelo rei da Inglaterra, e de fato ele não parece um

rei? Com sua calça preta, o lindo terno e a camisa social com dois

botões abertos e sem gravata, ele parece o que, de fato? Um


arrasador de corações. Aquele que arrasou o meu coração e me fez

desistir de algo, coisa que eu nunca faço. E agora ele está aqui, na

minha frente, quando eu acabei de realizar algo pelo qual eu esperei

tanto.

— Lucian — digo meio sem fôlego, tanto pela dança, quanto

pelo abalo de vê-lo. — Você não tinha direito.


— Espere, antes que diga qualquer coisa...

— Eu não quero te ouvir, já disse que estou seguindo em

frente.
— Nora, pare com esse papo. Nós dois sabemos que você

pensa em mim, que você me quer e que a única razão para ter
terminado comigo foi porque está com medo.

— Isso não é verdade, você tem um clube de...

— Tenho uma boate — ele abre os braços —, algo que


metade dos empresários desta cidade tem. Toda boate tem um
dono, eu não prostituo mulheres à força e eu não obrigo homens

casados a entrarem lá e traírem suas esposas, eles fazem o que


querem, e eu recebo por isso, é o meu trabalho.

Engulo em seco.

— E você não participa?

— Já participei muito, mas nunca quando estive com Ravena


e nunca durante o tempo em que eu admiti pra mim mesmo que

estava com você.


Ele tira os óculos escuros, deixando-me ver seus incríveis
olhos azuis.

— Quem estou tentando enganar? Não entro naquela boate


desde que te encontrei na minha casa treinando naqueles shorts
minúsculos e esperando comida para dar para sua filha.

— É muito complicado, nós dois somos complicados e eu não

posso falar disso agora, eu estou no meio...


— Do seu campeonato? Eu sei que você já ganhou, o que

significa que agora você não é só o primeiro lugar no coração de


July, no da sua mãe, no do seu pai e no meu. Você é a primeira da

sua faculdade, mas qual é a novidade, Nora? Todo mundo sabe que
você ia ganhar isso aqui, nem você está surpresa.

Isso é verdade. E ele me conhece tão bem que sabe disso


sem que eu tenha precisado falar.

— Eu também estou com medo, estou com medo pra


caralho, mas eu estou mais louco pra ficar com você, pra continuar

de onde paramos do que viver o resto da vida me perguntando


como teria sido se eu não tivesse feito tudo de mim para que você

me desse uma outra chance.

— Eu te dei chances demais.


— Eu sei e estou tentando provar que só preciso de mais
uma. Você insistiu em mim por anos e eu vou insistir em você pela

quantidade dobrada de tempo se for necessário.

— Por que está fazendo tudo isso, Lucian? Você não quer
isso. Não quer uma vida de família, você ia se casar e largou tudo.
Ele se aproxima ainda mais e quando está a um passo de
mim, envolve a mão direita em minha nuca, mantendo-me presa ali,
em seu olhar, em seu encanto por seu toque, sou simplesmente

incapaz de desviar o olhar dele.

— Meu pai tem Demência a um nível avançado, e ele é


jovem demais para isso. Logo que descobrimos a doença sua

esposa o abandonou, ela disse que era jovem demais para ficar
com alguém que não conseguiria a acompanhar a vida com ela, eu

estava de casamento marcado, não amava Ravena, nunca amei e


ela sabia disso e eu me perguntei: o meu pai amou essa mulher
incondicionalmente, ele fez tudo por ela e na primeira oportunidade

ela o abandonou porque o fardo seria pesado demais, o que Ravena


faria comigo se eu um dia estivesse no lugar do meu pai, sabendo

que eu não a amava? Eu teria que enfrentar uma briga no tribunal


com o divórcio, teria que ler e ouvir coisas que jamais sairiam da
minha cabeça, então sim, eu abandonei Ravena.

Eu olhei ao redor, percebendo que mesmo que não possam


ouvir, todos estão prestando atenção em nós, estamos passando no

grande telão e todos os celulares estão levantados em nossa


direção.
— Sim, Nora, eu também tenho medo, mas tenho mais
certeza de nós dois do que temor pelo futuro.

— Como é que de repente você tem tanta certeza disso?


De... de nós?

— Não é de repente, foi quando eu acordei e não tive você,


foi quando eu fui dormir sem conferir se July estava coberta na

cama dela, foi quando passei um dia inteiro sem saber o que você
estava fazendo, sem receber uma foto ou um vídeo seu, foi quando

eu criei um Instagram só pra poder olhar o seu. Eu já tinha certeza


há muito tempo, só tive que parar de ser teimoso — ele suspira —

um velho turrão como você mesma disse.

— Será difícil, Lucian, há vinte anos entre nós.


— Eu sei, mas o sexo é incrível e eu sou bonito pra caralho,

então você não tem do que reclamar com relação à minha idade.

Eu sorrio e quando eu sorrio sem sequer tentar esconder o


sorriso, sei que ele já me ganhou, tão fácil assim, eu nunca tive

chance. Ele me quer, ele quer a minha filha, ele quer uma vida

comigo. O que eu sempre tentei enfiar em sua cabeça finalmente

entrou e por que lutar contra se o que sentimos um pelo outro é


genuíno e recíproco?
— O que me diz? — Ele segura as minhas mãos e beija cada

uma. — Pronta para entrar nessa comigo?

Eu dou risada e confirmo com a cabeça antes de dizer.

— Sim. Já passou da hora.

Lucian se inclina, me pega no colo e me gira, então a música

começa a tocar novamente e minha equipe volta a dançar, mas em

volta de nós dessa vez.


— Parece que eu estou em um filme — eu grito por cima da

música para que ele me ouça.

— Então, aproveite porque isso aqui é o máximo de


romântico que eu consigo ser.

— Isso não é verdade, você é muito mais, me provou isso

nas últimas semanas mesmo que eu me recusasse a falar com

você.

— Falando nisso — ele sorri e ergue a sobrancelha, colando

a boca em meu ouvido —, aqui estão todas as flores que você


recusou.

De repente algumas pessoas vestidas de rosa começam a

entrar em campo segurando flores que eu reconheço como aquelas

que eu mandei devolver ao remetente.

— Oh, meu Deus! Eu não acredito que você guardou.


— É claro que sim, eu sabia que uma hora ou outra teria a

oportunidade de te dar novamente.

— Que milagre foi esse que você não invadiu a casa da


minha mãe?

— Eu quis algumas vezes, mas percebi que declarar o meu

amor por você em rede nacional me daria uma chance maior de que
você não me recusasse.

— Eu não teria te recusado nem se você tivesse conversado

comigo no banco de uma praça.


— Você me recusou várias vezes, Nora.

— Eu sei, mas você nunca tinha dito coisas tão bonitas

assim.
— Então eu estou perdoado?

— Ainda não, mas continue se esforçando e eu vou me

esforçar para perdoar você também.


Rindo, ele balança a cabeça e me abraça novamente.

Kimberly de repente me cutuca por trás e me abraça pelo pescoço.

— Olha só o que esse cara te fez, Nora! Agora cumpra a


promessa que eu fiz a ele e lhe dê um boquete incrível, eu prometi

que você era a melhor nisso.

Lucian revira os olhos e esfrega o rosto.


— Ela definitivamente não vai passar mais tempo perto da

July.

Eu dou risada.

— Isso eu vou pagar pra ver.


amor, eu estou dançando no escuro

com você entre meus braços

descalços na grama

ouvindo nossa música favorita

quando você disse que estava feia

eu sussurrei bem baixinho, mas você ouviu

querida, você está perfeita esta noite

perfect - ed sheeran

NORA

— Esse casamento é uma farsa.


— Nora. — Kimberly se controla para não gritar e me deixar

mais louca do que já estou. — Que porra você está falando?

— Tudo isso! Essas flores, a viagem, eu e Lucian... é tudo

uma farsa! Eu quero ir embora.


— O quê? Não, você não está me dizendo isso. Não agora!

Depois de anos se lamentando e dizendo que amava essa peste


desse homem, eu simplesmente não vou aceitar e você pode parar

de loucura, porque é você largar ele e outras cinco entram na fila

para pegar. Tem sempre cinco na fila mesmo com você aqui, não se
esqueça disso.

Eu fungo e tiro o papel do nariz para fitá-la através do


espelho.

— O que quer dizer? Você soube algo? Ele tem uma

amante?

— Não, Nora! Ele não tem uma amante e ele não é uma
farsa, nem você, nem a Itália, nem a Igreja ou o casamento! Fala

sério, gata, ele te trouxe para casar na igreja que os pais dele se

casaram anos atrás. Se isso não é especial e brega eu não sei o

que é. — Ela segura meu rosto, tirando o meu papel higiênico

molhado de lágrimas e ranho. — Que nojo. Nora, esquece isso. Ele


é completamente apaixonado por você, sabe que se não fosse eu

seria a primeira a dizer.

— Mesmo sendo gostoso e rico?

— Com certeza! Ele sendo gostoso e rico ou não eu só te

diria para arrancar um carrão dele e muitas joias caras antes de


terminar, e também aproveitaria o sexo uma última vez porque se
ele é gostoso, ele transa gostoso.

— Nem todo homem gostoso transa gostoso, você mesma


me dizia isso.

— Eu estava equivocada. Por isso, coloque seu melhor

sorriso e vamos porque temos que entrar nessa igreja hoje.

Eu me olho no espelho, acalmo-me e respiro profundamente.

— Eu amo esse homem.

— Você ama.

— Eu vou me casar com ele porque nos amamos.

Kimberly revira os olhos e aceita meu abraço.

Eu me olho no espelho, estou rindo, estou linda e

absolutamente decidida em dizer “sim” a Lucian Santoro.

Eu passei pela fase de estar completamente desolada por

não poder entrar com o meu pai na igreja e não ter nem mesmo o

pai de Lucian para isso. Me consola que ele abençoou nosso


casamento.

Um dia a clínica ligou avisando que ele estava bem e se

lembrava de Lucian, acordou perguntando por ele e nós corremos

até lá. Eu nunca o vi dirigir tão rápido. O senhor Santoro me adorou

— novamente. Ele se lembrou de mim, perguntou dos meus pais e


para não o deixar triste em seu dia normal, eu não mencionei a

morte de papai. Lembro-me do olhar no rosto de Lucian mostrando


o quão abalado e feliz ele estava por seu pai conseguir nos ver

dessa forma. Eu torci e rezei todos os dias para que no dia do nosso
casamento ele estivesse bem, mas infelizmente hoje acordou sem
se lembrar.

Nos últimos meses eu me apresentei para ele novamente,


vendo-o acreditar que Lucian era apenas um estranho bondoso que
o visitava e ele foi muito gentil conosco. Quebrou meu coração ver o

amor da minha vida triste e não poder fazer nada para ajudar, mas
Deus tem suas próprias formas de fazer as coisas e nós tínhamos

apenas que aceitar. Por isso eu vou entrar com minha mãe e July no
colo, valorizando cada segundo com elas. Não é o ideal, mas
aprendi que nessa vida nós temos que construir nossos próprios

ideais, o padrão não é para todos e eu precisei lidar com isso para
poder estar atrás dessa porta, pronta para caminhar até o homem

dos meus sonhos.


LUCIAN

— Casamento e tanto, hein?! — Philip diz ao cruzar no meio

do salão. — Agora vem a dança e todo esse frufru, certo?


Eu fito o bebê em seu colo rindo e tentando tirar o
suspensório.

— Seu filho é um garoto de presença.


— Ele é. — Philip olha ao redor. — Ariana já está me
cobrando uma festa dessas, se eu for obrigado a fazer, você será o

padrinho a dar as coisas mais caras.

— Você me faz entender o significado de “ricos são ricos


porque são mão de vaca”.

— Exato, e pretendo continuar assim.

— Eu estou me preparando para a dança da minha vida aqui,

Snowland. Dê o fora.

Ele sorri e bate em minhas costas.

— Vai lá, aproveite enquanto ela não está chutando sua


bunda e só vai te aceitar de volta na cama com a bolsa mais cara da

Prada.

Prada, Chanel, quem liga? Eu dou a porra da coleção inteira

se ela quiser. Nora me tem amarrado em seu dedo mindinho e ele


não é nem a metade do meu no tamanho.

Eu a amo tanto que sinto minha cabeça explodir quando ela

está perto.
Tive que viver quarenta anos sem essa mulher para ter a

graça e a benção de finalmente poder estar com ela. Eu jamais

ficarei fora de sua cama, seu banho ou qualquer porra de lugar

longe dela.

Vejo Nora caminhando em minha direção entre as pessoas


que de imediato abrem espaço e a pista se transforma em um

coração, assim como a organizadora da cerimônia tinha planejado

com Nora ao sugerir um desenho do espaço.


Eu sorrio ao vê-la com o vestido de noiva com que me disse

“sim”, sorrio ao vê-la sorrir.

Sorrio porque essa mulher passará o resto de sua vida

comigo.

Eu olho para o lado, onde há uma cadeira reservada com o

nome do meu pai e uma vazia deixada para Steven. Nora e eu

amamos ambos com todo o coração, e lidamos juntos com o fato de


que nenhum dos dois estaria presente hoje. Estar com ela tornou a

dor suportável, e olhar para cima e ver as nuvens deixando o céu

aberto, me mostrou que seu pai esteve conosco o tempo todo.


Ela está linda. Seu vestido a abraça até a cintura, e desce em
cascatas soltas. Há tule, brilho, seda... tudo como ela desenhou.

Quando estávamos falando sobre o casamento, e ela começou a

falar sobre as estilistas preferidas para contratar, eu nem deixei que

terminasse.

— Você vai desenhar seu próprio vestido.

— O quê?

— Eu quero te chamar de esposa pela primeira vez com você

vestida em uma criação sua.

Seus olhos brilhando com lágrimas e o sorriso enorme me

disseram que ela não esperava ouvir isso, mas ficou feliz pra
caralho.

Antes de alcançá-la na pista, eu faço como combinado e

espero Kimberly me encontrar, entregando-me July. Há uma

agitação entre os convidados, quase posso ouvir os suspiros por

cima das palmas.

Mas é a Nora que tem meu olhar preso, emocionada, ela

praticamente corre até nós. Eu a abraço com o braço livre, beijo sua

testa, beijo a bochecha de July e com a mão livre danço com sua
mãe.
— Isso é perfeito — Nora sussurra em meu ouvido, deixando

um beijo ali.

— Eu pensei que você fosse gostar mesmo.


— Você sempre sabe o que fazer por mim. Sabe melhor do

que ninguém como tirar meus pés do chão.

— Papa? — eu ouço July dizer, mesmo com a música e os


barulhos misturados eu não perderia isso.

— O que a minha menina disse? — Eu arregalo os olhos


para ela, e admiro seu riso alegre.

— Papa!
Nora ri com ela.

Nós dançamos.
Há uma energia de vida, alegria e paz ao nosso redor que me
faz ter certeza de que esse momento jamais sairá de nossas

memórias. Vamos nos lembrar disso aqui para sempre.

— Obrigada por ser minha esposa. — Encosto a testa na


dela. — Eu sinto muito por ter sido tão burro por tanto tempo.

— Você foi burro, realmente, mas acordou e fez o certo.

— Ah, é? — Eu sorrio. — E que certo foi esse exatamente?

Nora passa as unhas pelo meu pescoço e me dá um olhar


cheio de promessas do que virá em nossa noite de núpcias.
— Se casou comigo.

É louco pensar que até um ano atrás essa garota... essa

mulher nem passava pela minha cabeça dessa forma. Eu jamais a


olharia como se ela fosse algo além da filha de Steven Baldwin. Meu

sócio de pensamentos, meu falecido parceiro de negócios, o homem


com quem eu me sentava e compartilhava ideias brilhantes, porque

sabia que ele jamais as roubaria, ele só acrescentaria para que se


tornassem ainda mais brilhantes.
No entanto, esse sentimento foi embora e agora fica a

gratidão por ter a honra de estar ao lado dela, sabendo que sim, é
claro que seu pai nos abençoaria. Ele estaria vibrando na porra da

pista de dança.

Como sua mãe está, como sua melhor amiga está e assim
como sua filha, que sorri e me abraça e me chama de papai.

Mesmo se eu me dedicasse noites a fio pedindo por essa


vida, eu não a ganharia.

Um homem como eu não ganha uma garota dessa e tem a


linda chance de chamá-la de esposa.

— Mesmo que eu vá fazer merda, você não vai me colocar


para fora da nossa cama.

Nora ri.
— Talvez eu coloque, mas você não está autorizado a
obedecer. — Ela segura minha gravata e me puxa para perto. —
Você nunca me deixará, mesmo que eu grite e implore que vá

embora.

— Mesmo quando me mandar sair do banheiro enquanto


vomita?

— Mesmo nesses casos.

Eu sorrio.
— Eu não sairia nem se você dissesse o contrário.

— Bom — uma lágrima escorre de seu lindo olho azul —, foi

exatamente por isso que me casei com você.


Eu sei disso, e há tantas outras razões para eu ter pedido a
ela que se casasse.

Assim como sua amiga fez uma lista de dez motivos para ela
merecer uma festa, eu posso fazer uma infinita com motivos pelos
quais vou amar Nora até o meu último dia de vida.

É porque ela é ela, e nós somos nós.

Eu nunca me arrependerei de amá-la, e nunca vou parar de


agradecer por nós.

É um pacto meu comigo mesmo.


Esse, assim como nos negócios, jamais vou faltar com minha
palavra.
mas desde que te conheci, juro

eu poderia ser feliz em qualquer lugar

qualquer localização do ponto do mapa

você é sempre meu destino

você é a única coisa que eu estou acorrentado

eu poderia ser feliz em qualquer lugar

eu poderia ser feliz em qualquer lugar com você

happy anywhere - blake shelton ft. gwen stefani

LUCIAN

Quando eu desço do carro e dou a volta para abrir a porta de

Nora, ela me beija em agradecimento.

— Finalmente, hein?
— Nem me diga — resmungo e vou parar a porta de trás,

pegando July no colo antes de colocá-la no chão.


— Que lugar é esse, papai?

Nora vai pelo outro lado tirar Leonardo da cadeirinha. Com

apenas dois aninhos, ele já consegue caminhar, mas é uma longa


distância até a casa. Nós paramos longe para fazer uma surpresa

silenciosa para os donos do lugar, afinal, não os vemos há muito

tempo e nem temos certeza se ainda moram aqui.

— E se não estiverem? Devíamos ter procurado saber antes.

— Eu quero a surpresa, amor. — Nora sorri. — E eu sei que


eles nunca venderiam esse lugar ou iriam embora por qualquer

motivo.

Quando Nora teve a ideia, eu neguei, mas ela não estava


disposta a abrir mão, então nós arrumamos as malas e viemos

passar nosso aniversário de casamento com as pessoas que mais

apostaram em nosso futuro juntos.

— Você acha que vão ficar felizes em nos ver?

— Querida, você tem que se preparar para um cenário

diferente do que está esperando.

— Eu não quero pensar nisso.

— Eles já eram velhos.

— Eles não eram tão velhos. July não corra, filha! Eles vão

estar bem, tenho certeza disso.


— Como é que você tem tanta certeza?

Ela para de andar, forçando-me a parar e fitá-la.

— Porque eles eram cheios de saúde e felicidade, pessoas


assim não vão embora cedo, eles tem o fardo de ficar na terra por

muito tempo para dar alegria a quem precisa, como nós naquela

época.

— Mamãe, o que vamos fazer aqui? — July pergunta.

— Nós vamos visitar velhos amigos.

— Eles são legais?

— Com certeza.

— E eles vão me dar doces?

— Bem — Nora ri —, se você pedir eu tenho certeza de que

a senhora Laurie pode fazer algum doce para você e seu irmão.

— A vovó vai ficar com ciúme.

— Nós não precisamos contar a vovó dessa aventura.

— Lauie é igual a vovó?

— Ela é parecida com a vovó.

— Então posso chamar ela de vovó?

Eu reviro os olhos.

— Ela é igualzinha a você.


NORA

— Pois é, já pensou quando for mais velha e aparecer com o

primeiro namorado?
Ele arregala os olhos, parecendo estar a ponto de um surto.

— Nora, ficou maluca?

Eu caio na gargalhada.

— Mamãaaae — July pressiona. — Posso?


— Se você quiser, sim, ela vai amar isso.

— É claro que vai, e aquele velho — Lucian bufou — tudo o


que Sidney precisa é de munição, eles não vão nos deixar ir embora

por um mês.
— E nós não teremos problema nenhum em ficar, eu amo
esse lugar, foi aqui que tudo começou.

— Tudo teria começado de qualquer jeito.

— Eu duvido, você era muito turrão pra admitir que estava


apaixonado por mim.

— E você era atrevida demais para me deixar passar a vida

inteira sem perceber isso.

— Não tenha tanta certeza, eu estava quase desistindo.


— Nunca, senhora Santoro — ele me puxa para perto —,

você nunca desistiria de mim.

Quando ele sorri para mim assim e pega o nosso filho de


mim, levando-o no colo, com o céu como a paisagem de fundo, os

cabelos bagunçados e a camisa dentro da calça como se fosse o

legítimo caubói dessa fazenda, eu me derreto e não posso negar.

Nem por orgulho.


— O que está pensando com essa cara de safada?

— Em reprisar certa cena em um certo cômodo desse lugar.

— Conte comigo para isso, senhora.

— Olha mamãe! — July grita. — São aquelas pessoas?

Eu vejo Sidney de longe e o reconheço quando ele começa a


acenar como fez para nós da primeira vez.

— Será que já nos reconheceu?

— Eu duvido, deve estar pensando que é mais uma família

para lhes dar alegria. — Lucian revira os olhos ao repetir a frase que

o casal nos disse anos atrás. Eu dou risada.

— Eu vou dizer a eles que você estava zombando deles.

— Não faça isso, ele já vai me encher o saco suficiente.

— Por quê?
— Porque ele vai se achar o dono da razão, já que me disse
que estávamos apenas adiando o inevitável.

— Ele disse?
— Sim. Porra — Lucian murmura e eu acerto seu braço com

um soco que não faz nem cócegas.

— Já te disse, sem palavrões! E ele definitivamente vai te

infernizar com piadinhas enquanto estivermos aqui.

Quando estamos a alguns centímetros de Sidney, eu o vejo

arregalar os olhos e tirar o chapéu.

— Macacos me mordam — ele grita. — Laurie, querida,

venha, venha ver isso! Não me diga que estou ficando louco.

A porta de madeira atrás dele se abre e a mulher adorável


vem correndo.

— O que foi, querido? Oh, meu Deus! Não acredito! Se você


está ficando louco eu também estou.

— São realmente vocês?

Eu aceno de volta e July começa a dar pulinhos de alegria

acenando também.

— Posso ir até lá, mamãe?

— Sim, meu amor, só tome cuidado para não cair.


Ela começa a correr em direção a eles e Léo faz o mesmo.

Os dois estão correndo em volta de Laurie e Sidney, fazendo-os rir


com olhos iluminados.

— É realmente você? Nora? — Laurie ri e corre para me

abraçar. — Ah, menina, eu reconheceria esse rostinho em qualquer


lugar.

— E esse aqui? — Lucian lhe dá um sorriso atrevido e ela


aperta sua bochecha.

— Você, garoto, não me tente. Eu estou um pouco mais


velha, mas ainda sou capaz de cumprir uma promessa levada.

— O que é isso, minha dama? — Sidney vem rindo atrás dela


e nos dá uma olhada, balançando a cabeça. — Eu disse, eu falei!

Está vendo? Quando eu vejo, eu vejo.

— Podemos esperar pelo jantar até que vocês comecem a


me pirraçar com isso?

— Amor, seja mais específico, não sabemos quantos jantares


teremos aqui.

Sidney aponta para mim e me abraça de lado.


— Isso mesmo, garota! E apenas um com certeza não será o

suficiente para o quanto eu vou jogar na cara desse grandão que eu


estava certo.
— Vovó, podemos ter alguns doces antes do jantar? — July

diz, encantando Laurie ao ouvir aquela palavrinha.

— Oh, querida — ela se ajoelha na altura da minha filha para


falar com ela —, olha só se você não está ainda mais linda do que

estava na primeira vez que eu te vi.


— A senhora me viu?

— É claro que sim. Sua mamãe esteve aqui com o seu pai.

Eu te segurei no colo e te fiz dormir, cantei uma canção para você.


— Eu adoro canções — ela diz com os olhos arregalados.

— Mesmo? Eu posso cantar hoje de novo!

— Eu quero isso.

— E quem é esse garotinho lindo?


July segura a mão de Léo e o puxa para perto.

— Esse é Leonardo, ele é meu irmãozinho — ela aponta para


si mesma —, eu sou mais velha.

— Eu vejo isso. — Laurie sorri e me fita com os olhos cheios


d’água. — Que preciosidade, Nora, obrigada por tê-los trazido aqui.

— É claro.

Ela dá a mão para July e começa a levá-la para dentro,

enquanto Sidney fica entre mim e Lucian, joga os braços pelos


nossos ombros e a seguimos.
— Então, me digam, ficaram presos no trânsito de novo? Não
tem tempestade dessa vez?

— Não, não — eu confirmo já que Lucian está me dando


aquele olhar de frustração, mas eu sei que ele adora. — Desta vez

viemos passar uns dias com velhos amigos.


O olhar que Sidney nos dá é uma mistura de gratidão,

felicidade e emoção. Eu sei que eles veem o futuro que o filho podia
ter tido quando nos vê juntos e principalmente ouvindo nossos filhos

chamando-os de vovó e vovô. Eu me sinto feliz de poder


proporcionar isso, mesmo que sejam apenas alguns momentos.
Pessoas tão boas assim, não deveriam ir embora desse mundo sem

ter certos sonhos realizados, eu sei disso.

— É bom que dessa vez eu não vou precisar levá-lo para o


celeiro para me ajudar com ferramentas só para lhe dar lição de

moral, não é rapaz?


— Não, dessa vez eu já aprendi.

— É assim que se fala!

Nós quatro nos sentamos na varanda observando meus filhos


brincarem no gramado. Eles gritam entusiasmados quando veem
uma galinha, uma vaca e até uma girafa vindo de longe.
— Esse é o tipo de lugar que eu gostaria que eles vivessem
mais tempo.

— As portas de nossa casa estão sempre abertas.


— Obrigada, Laurie. — Eu seguro sua mão, emocionada. —

Eu nunca consegui tirar vocês da cabeça.

— E você acha que nós tiramos vocês? Eu pedi a Dalila para


procurá-los, mas nós não tínhamos seus sobrenomes, então, nunca

conseguimos encontrar. Eu só torcia que vocês voltassem e que

Deus tocasse em seus corações para que parassem de ser


teimosos e ficassem juntos de uma vez.

— Então, foi a senhora que me colocou nessa enrascada? —

Lucian brinca, fazendo-a rir. Eu o estapeio de brincadeira.

— Agradeça, menino, se não fosse ela eu teria me divorciado

do meu Sidney e iria para a cidade grande atrás de você.

Lucian se inclina para frente pegando a mão dela e dando um


beijo.

— Isso sim é o tipo de promessa que eu queria ter visto

acontecer. Quem sabe no futuro? O dia em que eu me cansar de


Nora ou ela estiver velha demais para mim.

Eu dou risada acompanhando todos eles.


— Não vai acontecer — Sidney diz, piscando para o meu

marido. — Eu sei. Quando Laurie está fazendo uma comida boa ela
me pede para pegar uma panela e assim como eu sei qual a panela

certa para fazer a comida eu rapidamente encontro a tampa dela.

Vocês dois são a tampa, a panela e a comida dentro, combinação


perfeita. Serão felizes para sempre, anotem o que eu digo.

Eu seguro a mão de Lucian e não consigo parar de rir da

comparação que o senhor gentil faz. Meu marido balança a cabeça


e se inclina para falar no meu ouvido.

— Você vai me pagar de variadas formas pelos próximos dias

aqui.

— Você vai adorar os próximos dias aqui, mas eu vou adorar

ainda mais pagar por eles.

Há certa paz em estar no meio do nada com pessoas


queridas e a minha família reunida. Mas sei que a paz maior disso é

de finalmente estar ao lado dele.

Pagando promessas, recebendo seus castigos, rindo dele, de


mim com ele, rindo de nós e do dia a dia juntos... isso é tudo o que

eu pedi.

É tudo o que eu quero para sempre.


Eu olho para o meu marido que sorri, mas sei quanto esforço

ele precisou para chegar nesse ponto. Sei quantas noites em claro

passamos quando eu descobri a gravidez, quando além do


casamento, ele se amarrou comigo com mais um bebê também.

Não que ele não me amasse incondicionalmente e provasse isso

todos os dias, mas para Lucian, ver seu pai sendo abandonado e

ficando sozinho, foi difícil. Se imaginar naquela situação fez dele um


homem tão teimoso por tanto tempo.

No entanto, ele finalmente entendeu.

Se adoecer, ficarei mais saudável para cuidar dele.

Se ele perder suas memórias, eu me lembro de nós dois por

ele.

Se ficar louco, eu fico sã para lidar com a vida por nós dois.

E quando ficarmos mais velhos eu quero estar exatamente

como Laurie e Sidney: apaixonados, amando independente das


dores e cumprindo uma parceria de vida.

A tampa e a panela, de fato.

E os dois temperinhos correndo no gramado à nossa frente,


são apenas o começo da história.
Monstrinhas... eu sei que vocês esperam um dark romance. A liga dos
diamantes, No berço da máfia, Bratva 2... a essa altura qualquer coisa basta, né?
Eu prometo que vem, mas é que durante esses anos trabalhando com a cabeça e
o coração, eu percebi que preciso ouvir o que vem de dentro além do que vem de
fora, além do meu senso de obrigação com vocês. Mas vem. Eu prometo!
Enquanto isso, obrigada por estarem comigo em mais um. Guardem Nora e
Lucian no coração.
Mila, quantas vezes eu vou agradecer por você e será o suficiente? Pelas
noites acordadas, por você ser minhas mãos quando eu não consigo fazer o que
tem que ser feito e por ser minha mente quando não consigo pensar o suficiente.
Daí você vai lá e faz, e toda vez que eu digo: a Mila literalmente faz tudo. Acho
que as pessoas não tem real dimensão de que falo sério. De que muito não
aconteceria se você não estivesse aqui. Esteja na minha vida sempre, por favor.
Se você se cansar dos livros, se cansar de tudo, não cansa de mim não.
Anny, você acredita que ainda estamos aqui? Quantas vezes já brigamos,
quantas vezes te proibi de fazer figurinhas e atacar minha ansiedade? E caralho
você nunca aprende, mas tem uma coisa entre nós duas, as últimas soldadas do
batalhão de pé. Certeza de que quem mantém essa relação intacta são Elsa, Ray
e Daniel. Te amo além de muito do que posso dizer. E amo que você me faz rir no
meio da escrita, que eu paro o que estou fazendo pra ver suas palhaçadas e
ainda me dou o trabalho de responder, mas eu não trocaria. Obrigada por ficar.
Larissa, eu finalmente entendo porque as autoras agradecem tanto aos
maridos no fim dos livros. Entendi isso quando você ficou do meu lado me vendo
escrever e assistia série com a minha mãe, quando você me pedia pra te enviar
tudo do processo... capa, vídeo. “Amor, deixa eu ver!”. Entendeu quando eu
desmarquei nossos compromissos pra trabalhar, ficou comigo quando eu estava
com dor nos pulsos e um dia antes desse lançamento veio aqui mesmo sabendo
que estamos completando 1 ano e 4 meses e eu não poderia te dar a atenção que
você merece. Você entendeu tudo. Obrigada, mãrs.
Gi, DE ONDE FOI QUE VOCÊ VEIO? Sério. Eu não consigo superar que
um belo dia você simplesmente bateu na minha porta e estamos aqui. Obrigada
por ter dado tudo em tão pouco tempo pra esse lançamento. Eu não tinha como
colocar agradecimentos nesse livro sem agradecer a você também.
TM, no meio do processo desse livro, quando eu estava em uma onda
muito forte de inspiração algo aconteceu. Um baque, um choque, algo que me fez
correr para o canto mais escuro da minha cabeça e querer me esconder. Talitha,
minha amiga originada de um simples café sem muitas expectativas parou o que
estava fazendo em outro estado e segurou minha mão. “Vai ficar tudo bem” “você
é mais” “você não é nada disso”. Acalmou uma crise de ansiedade como se
tivesse escrevendo uma linha dos romances dela, fácil e rápido. Eu me sinto uma
das pupilas da SaFada escrevendo comédia romântica. Nesse processo você me
inspirou todos os dias, amiga.
Zoe, obrigada por doar o seu Daniel pra essa história. Eu AMEI esse
personagem e não vejo a hora de vê-lo no livro dele.
Agora sobe nós, Zoe. Como é que eu te agradeço por coisas que nem tem
como serem agradecidas o suficiente? Você é sempre a rocha (pelo que veem).
Você acolhe, você protege e você cuida. Você faz tudo isso e mais por mim. Em
uma vida onde eu não tenho permissão, tempo e lugar pra desmoronar de tantas
maneiras, você me pega e faz isso parecer fácil. Eu nunca vou conseguir cuidar
de você o suficiente como você cuida de mim, nunca vou conseguir ser metade do
que você é pra mim. Onde tem Zoe, tem Nana e onde tem Nana tem Zoe. Se tiver
Nana e não tiver Zoe, não tem Nana. Eu não vou, não entro, não me cabe. Há um
mundo de coisas que eu poderia escrever pra você e nem uma linha delas falaria
da magnitude do que nós somos. O meu chão, a minha pessoa. Obrigada por ser.

Augusto e Romero, faço o que faço por vocês. Tudo por vocês, sempre por
vocês. Mamãe ama mais que a vida.

Por favor, não esqueçam de avaliar! OBRIGADA! E até o próximo.


Com carinho,
Nana

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