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Há uma linha tênue entre ser um herói e um vilão, e estou bem ciente de
que ando bem no meio dela.
Minha reputação me precede, mesmo quando estou fazendo uma
escolha errada pelo motivo certo.
É assim que acabo no banco de trás de um carro da polícia tarde da
noite.
Meu infame sobrenome mantém meu registro limpo, com uma única
ressalva: serviço comunitário em um rancho recentemente comprado por
Jo Shelton.
Acho que prefiro ir para a cadeia a cumprir pena com a mulher que
deixou claro que não me suporta, embora fôssemos amigos.
Apesar do clima tenso e de como ela me mantém à distância, apareço
todos os dias, pronto para o trabalho. Aprendo rapidamente uma lição
valiosa: embora seja difícil estar perto de alguém de quem não gosto, é
muito mais difícil estar perto de alguém por quem me sinto
intensamente atraído, mas não posso ter.
Porque Jo, a mulher que está me deixando louco com sua força
silenciosa e rosto bonito, está em um relacionamento. Com um homem
que, gostaria de salientar, não está por aí sujando as mãos no rancho da
namorada. A posse é o décimo nono da lei e, no que me diz respeito,
estou atualmente de posse do tempo e da atenção de Jo.
Um dia, o inesperado acontece. Seus olhos azuis perfuram meu exterior
calejado, vendo no fundo uma ferida que me esforço muito para
esconder. É neste momento, e em tantos que se seguem, que tenho a
certeza de que não há mais esperança para mim. Estou apaixonado por
Jo e estou desesperado para mostrar a ela que sou alguém digno de seu
amor em troca.
Para minha sorte, ninguém está à altura da situação como um fora da lei.
O amor é o derradeiro fora da lei. ele simplesmente não adere a
nenhuma regra. o máximo que qualquer um de nós pode fazer é
assinar como seu cúmplice. — Tom Robbins
PRÓLOGO

Não é como se eu achasse que minha vida seria algo


maravilhoso. Cultos que operam sob o disfarce de seitas religiosas
não permitem exatamente muito pensamento ou imaginação
independente.

Mas em meus sonhos mais loucos, isso não é o que eu teria


imaginado para mim mesma.

Eu deveria estar feliz. Estou. Mais ou menos. Quão feliz uma


pessoa pode ser quando o melhor dia de sua vida coincide com o
pior? Você pensaria que talvez eles cancelassem um ao outro, mas
de alguma forma, eles não cancelam. O negativo é uma pedra, o
positivo, um balão.

Ela está saindo agora, seu carro entupido até as guelras com
seus pertences. Suas saias até o tornozelo, seus potes de
margarina empoeirados e todas as coisas que uma criança precisa.

Ela está caminhando pelo apartamento mais uma vez,


verificando se ela está com tudo. Ela está levando consigo muito
mais do que apenas seus pertences pessoais.

— Diga adeus ao seu irmão, — diz ela, parando a um pé de


mim na porta aberta. Travis, de 27 meses e contorcido, se afasta
dela e estende as mãos para mim. Eu seguro firme em sua metade
superior, deixando seus cachos amarelos suaves varrerem meu
peito.

— É melhor ir andando, — ela diz, limpando a garganta e


puxando Travis de mim suavemente.

Eu me afasto, me endireitando e olhando para ela. Estamos


cara a cara, minha altura alcançando a dela neste último ano. No
que diz respeito às mães, ela era jovem quando me teve. Vinte e
quatro. Ela parece mais velha do que seus quarenta e dois anos
agora. E ela nunca usa maquiagem.

É o culto que não a deixa pintar o rosto. A maquiagem foi feita


para tentar os homens, e a tentação é um pecado. Claro, ela está
vivendo sob o olhar atento do líder, Magnus Markusen, por dois
anos e meio. Mesmo assim, sem maquiagem. Um servo tão fiel.

— Você também pode vir, Josephine.

Eu recuo, suas palavras um golpe. Ela interpreta corretamente


minha hesitação e diz: — Ter um filho fora do casamento é um
pecado. Terei sorte se eles me aceitarem de volta.

— Você não tem que me dizer isso, a menos que esteja


praticando sua mentira para ter certeza de soar convincente
quando chegar e dizer a eles o quanto você está arrependida e
como se sente sortuda.

A raiva atinge os músculos de suas bochechas. Travis chuta


com os pés e balança o corpo. Ela o agarra com um segundo braço.
Não importa o quanto esse culto goste de remover a necessidade
de soberania sobre si mesmo, eles adoram as crianças. As crianças
são amadas, amadas e cuidadas todas as horas do dia. Nada vai
faltar a Travis até ficar mais velho, até se perguntar por que
ninguém vai embora, por que os adultos parecem réplicas um do
outro. Essa foi a minha queda. Ousei questionar.

Sigo minha mãe até o carro e espero enquanto ela coloca Travis
no assento. Ela dá um passo para trás quando termina e inclino
para substituí-la.

— Eu te amo, amiguinho. — Beijo sua testa, suas bochechas


rechonchudas, respiro o cheiro do cereal seco que ele comeu antes
misturado com o cheiro de sua pele.

— Dis, — diz ele, apontando para mim. — Dis, Dis!

— Sim, — eu respondo, sorrindo para ele e tocando meu dedo


no dele. — Irmã.

— Precisamos ir, — minha mãe diz baixinho do banco da


frente.

Beijo meus dedos e os coloco contra o peito de Travis, bem


sobre seu coração. Meus olhos ardem. Saio do carro e me afasto.
A janela do passageiro está aberta e ela se inclina para o centro,
com a cabeça emoldurada pela janela.

— Faça boas escolhas, — ela me diz.

— O mesmo vale para você, — eu instruo, minha voz severa.

Compartilhamos um longo olhar final, então o carro começa a


andar. Quero correr atrás dele, persegui-lo e falar palavras que a
façam parar, dizer coisas que eu deveria ter dito há muito tempo,
palavras que teriam alterado o curso de tudo.

Naquela época, eu tinha vergonha de falar. Agora, estou muito


instável.

Lágrimas quentes correm pelo meu rosto e não me preocupo


em enxugá-las. Volto para o apartamento, sabendo que tenho
apenas duas semanas restantes antes do vencimento do aluguel.

Para pagar o aluguel, preciso de um emprego. E não consigo


encontrar um emprego se estou sentada aqui neste sofá flácido,
chorando sobre o fato de que toda a minha vida foi embora.

Limpo os olhos, o nariz e troco de camisa. Nosso apartamento


fica perto da cidade. A caminhada é fácil, é cada etapa que parece
extremamente difícil.

Assim que chego à High Street, duas pessoas diferentes


acenam para mim de suas vitrines. Maia, do Merc, e Wade, dos
Marigolds. Posso ter me mudado para Sierra Grande há pouco
mais de dois anos, mas a pequena cidade me acolheu como um
cacto absorve cada gota da água da chuva, até que senti como se
estivesse aqui desde o início, uma nativa.

Quando vejo que o maior e mais agradável hotel da cidade


precisa de um atendente em seu restaurante, sinto que tirei a sorte
grande.

Consigo o trabalho. Começo a seguir a mulher que acabou de


dar o aviso prévio de duas semanas e, quando ela se for, fico
sozinha. Eu estou bem, eventualmente tenho clientes regulares e
ganho o suficiente para me sustentar.

O mesmo não pode ser dito de minha mãe. Os Redentores de


Deus não a levam de volta ao redil. Aparentemente, ela não é digna
de redenção. Que irônico.

Ela fica fora por um ano, tentando ser contratada em um


hospital em algum lugar perto da seita. Eles não têm vagas para
enfermeiras, então ela trabalha na loja de presentes. Ela é muito
qualificada, mas um dia ela salva a vida de uma pessoa quando
ela sofre uma parada cardíaca enquanto escolhe um presente para
alguém que ela veio visitar. Eventualmente, a amiga com quem
minha mãe e Travis estão ficando se casa e se muda, e minha mãe
não pode sustentá-los sem ajuda.

Quase exatamente trezentos e sessenta e cinco dias depois, ela


retorna ao nosso apartamento. Moramos juntas por sete anos até
que minha mãe encontrou a oportunidade de ser enfermeira
domiciliar para uma mulher em Monte Vista, uma cidade a quase
cinco horas de distância. Quando ela vai para a entrevista, ela
conhece o filho da velha, Henri.

Em pouco tempo suas malas são feitas, junto com as de


Travis. É a mesma cena de sete anos atrás, sem as mãos
rechonchudas e o cheiro de bebê de sua cabeça.

O desgosto é quase idêntico.


1

— Ele está voltando para casa. Esta noite. Agora mesmo.

Está alto no Chute, a voz do vocalista da banda ao vivo


ricocheteando nas paredes e ricocheteando ao meu redor, mas
ainda posso ouvir o medo na voz de Sara enquanto viaja pela linha
telefônica.

— Estou a caminho. — Eu termino a ligação e me afasto do


bar, colocando o banquinho de volta sob a barra com meu pé
calçado.

Denny e Ham me encaram, com um julgamento silencioso


estampado em seus rostos.

— Pare, — eu vocifero, tirando algumas notas de vinte e


colocando-as no copo de pedra que segura minha etiqueta.

— Você não pode salvá-la pelo resto do tempo. — Denny é


corajoso o suficiente para dizer o que sabe que eu não quero ouvir.
Em torno da garrafa longneck posta em seus lábios, ele acrescenta:
— Ou ele.

Os músculos do meu rosto flexionam. Sei a verdade tão bem


quanto eles, mas não estou pronto para enfrentá-la. Às vezes, uma
pessoa precisa ver algo através, precisa sangrar a situação antes
de poder admitir a derrota.
Devo ao Mickey. Sem ele, não sei onde estaria. Ele me salvou
uma vez. Agora estou salvando ele. De si mesmo, de todas as
coisas.

Aceno minha cabeça para meus amigos. — Vejo vocês de volta


no rancho. — Denny e Ham são cowboys da Hayden Cattle
Company, mas são meus amigos desde que me lembro. Eles
também são amigos de Mickey, mas lavaram as mãos dele. Ou
talvez eles estejam mostrando a ele um amor duro. Não sei o que
é, só sei que também não estou fazendo.

O Chute está ocupado esta noite, apresentando uma banda ao


vivo agora e montando em touros mais tarde. Eu passo através dos
corpos, parando por um momento para dizer oi para Jackson e seu
irmão mais novo, Colin. Colin bebe de uma garrafa de cerveja e
sorri largamente para mim, seus braços se abrindo para um
abraço. Colin tem síndrome de Down e gosta de mim por motivos
que nada tem a ver com meu sobrenome. Eu o abraço, da mesma
forma que tenho feito há anos. Ele dá um passo para trás, seu
corpo volumoso neste espaço apertado cheio de corpos, e esbarra
nas costas de alguém. O cara se vira, chateado. A frente de sua
camisa está molhada com o que presumo ser a outra metade da
cerveja que ele está segurando.

— Que porra é essa, — ele rosna.

Seus olhos nunca têm a chance de pousar em Colin porque


estou lá, pisando na frente dele. É possível que o cara tenha visto
a deficiência de Colin e relaxado, mas agora nunca saberemos.
— Estou esperando seu pedido de desculpas, — diz o idiota.
Ele está usando jeans preto, tênis de couro que sei que são caros
pra caralho porque tenho botas dessa marca e uma camisa com
um buraco perto do pescoço. O buraco parece muito proposital,
como se a camisa tivesse sido vendida assim, em vez de ganhar
um rasgo com o trabalho duro. Eu não gosto do cara
imediatamente.

— Você deve prender a respiração e esperar para ver se isso


acontece, — digo a ele, puxando-me à altura máxima, expandindo
meu peito e alongando meus ombros. Além de me proporcionar
uma vida boa e feridas emocionais, meu pai me mostrou como ser
fisicamente intimidante. Os dois primeiros são tecidos na trama
da minha vida, este último eu invoco de vez em quando.

Não tenho tempo para essa merda com quem quer que seja
esse recém-chegado, mas também não tenho forças para recuar.
Atrás de mim, ouço Jackson dizer a Colin que é hora de se sentar,
e isso me faz sentir melhor. Empurro o cara, dando-lhe um bom
empurrão de ombro, e continuo no meio da multidão e saio pela
porta.

A verdade é que não devo dirigir agora. As leis são arbitrárias


para mim, mas eu cumpro algumas, e beber e dirigir é uma delas.
Apesar disso, continuo ouvindo a voz de Sara. O medo. O pavor.

Entro na minha caminhonete. Ligo-a. Sento-me. Pego a


garrafa de água do console central e engula-a. A casa de Sara não
fica longe daqui. É mais tarde em uma noite de sexta-feira. Não
haverá muitas pessoas agora.
Assim que vou mudar de marcha, uma batida na minha janela
me para. A iluminação do estacionamento é fraca, então não posso
dizer quem é facilmente. Abro minha janela.

— Foda-se, — murmuro.

— O que você está fazendo, Wyatt? — Shelby Trask cruza os


braços na frente de si mesma. Seu uniforme rígido não ondula, o
que é uma metáfora precisa de sua personalidade. Ela tem crenças
definitivas sobre o certo e o errado. Vamos apenas dizer que Shelby
e eu nunca estivemos realmente de acordo.

— Estou sentado na minha caminhonete, policial Trask. — Eu


sorrio para ela. Isso me leva a lugar nenhum.

— Wyatt, você está ciente de que é contra a lei sentar-se ao


volante de seu veículo quando está embriagado?

— Quem disse que estou embriagado?

Ela suspira. Ela sabe que ela está lá.

— Não é um salto enorme presumir que, quando Wyatt Hayden


sai do Chute, ele tenha bebido alguns. — Ela me olha com
conhecimento de causa.

Ela não está errada. Mas, é claro, não há como ela confirmar
que está certa. Eu passaria em qualquer teste de sobriedade
administrado. Não tenho tempo para continuar isso com Shelby,
no entanto. Preciso ir até a casa da Sara antes que o Mickey
chegue. Dar a ele outra coisa para bater além da esposa.

— Policial Trask, foi ótimo recuperar o atraso, mas eu devo ir.


— Não tão rápido, Wyatt. Veja, por acaso eu tenho esta
pequena ferramenta útil na estação chamada bafômetro, e...

Merda. Isso não pode acontecer. Se eu for encurralado, não sei


o que acontecerá com Sara. Ou Mickey. — Shelby, há quanto
tempo somos amigos? Desde a sétima série?

Ela franze a testa. — Guarde suas palavras, Wyatt. Nada do


que você diga vai funcionar. Sou obrigada por lei a trazê-lo para a
estação.

É hora de bajulação séria. — Somos as únicas duas pessoas


neste estacionamento, Shelby. Ninguém vai saber se você me
deixar ir.

Sua cabeça está balançando antes de eu terminar minha frase.


Ela aponta para algo preso ao seu uniforme. — Vê isso? É uma
câmera corporal. Está gravando, o que significa que mesmo sendo
apenas você e eu aqui agora, não somos apenas você e eu que
sabemos que você está embriagado e atrás do volante de um
veículo.

Foda-se. Não há mais nada que possa fazer, a não ser decolar
e levá-la direto para a casa de Sara. O que criará uma série de
problemas, muito maiores do que estava tentando evitar. Sara se
recusa veementemente a envolver a aplicação da lei.

Desato o cinto. Salto para fora. Ando ao lado de Shelby até sua
viatura. Ela me poupa do trabalho de me algemar. Cidade pequena
e tudo.
Passamos pelo desvio para a casa de Mickey e Sara no
caminho para a estação, e me pergunto se Mickey já voltou para
casa.

•••

A cadeira de metal brilha fracamente à luz opaca do teto. Não


sei por que me colocaram aqui. Não estou sendo interrogado.

Estava bem na grande cela com James Croft, o idiota que


disparou um foguete no início da noite, quando todos e seus avós
senis sabem que é ilegal. E o outro cara, o que usava jeans
obscenamente apertados, foi preso por invadir as terras da Hayden
Cattle Company. Ele provavelmente ainda está gritando sobre
como sua divagação foi inadvertida. Não acreditei em uma palavra
que saiu de sua boca, nem disse a ele que meu sobrenome é
Hayden.

Como uma panela vigiada nunca ferve, uma porta vigiada


parece nunca se abrir. Olhei para o relógio tantas vezes que perdi
a conta, os minutos passando em um ritmo seguro e constante.
Cada minuto neste lugar parece uma hora, e minha mente está
cheia de hematomas que provavelmente estão apenas começando
a tomar forma no corpo de Sara.

Finalmente, a porta se abre. O xerife Monroe entra em cena.


Ele está envelhecendo, é mais grosso no meio do que gostaria e
tem uma cicatriz em zigue-zague na nuca por ter montado um
cavalo em uma cerca de arame farpado quando era adolescente.

O xerife opta por não se sentar, mas fica atrás da cadeira em


frente à minha, com as mãos segurando as costas. Seus dedos são
peludos e ele usa um anel de prata com um pedaço de turquesa
no centro.

— Para onde você estava indo esta noite, Wyatt? Antes que a
oficial Trask o trouxesse.

Não quero dizer, mas sei que minha obediência tornará mais
provável que ele seja tolerante com minha punição. — Para ajudar
uma amiga.

Suas sobrancelhas grossas e salgadas se juntam. — Por acaso


essa 'amiga' seria Sara Schultz?

Não estou surpreso que ele saiba, mas ele não tem coisas
melhores para fazer? Tipo, não sei, proteger a cidade de Sierra
Grande? Então, novamente, sua esposa é uma fofoqueira terrível.

Raiva e uma dose saudável de injustiça borbulham dentro de


mim. Esta cidade percebe que minha caminhonete está
estacionada em frente à casa dos Schultz quando, de outra forma,
não deveria estar, mas eles não veem o que está bem debaixo de
seus narizes. Como ninguém mais viu quando Sara começou a
usar mangas compridas em julho? Como fui o único?

Reprimo a raiva, seguro com força a picada da injustiça e


respondo. — Sim, xerife.
A emoção cintila em seus olhos. Ele não está enojado.
Julgando, sim. Provavelmente confuso sobre minha moral, ou
aparente falta dela. — Não importa para você que ela seja casada
e tenha filhos?

Ele espera minha resposta, mas eu não tenho nenhuma.


Importa para mim que ela é casada com crianças. É muito
importante. Só não pelo motivo que o xerife conhece. Eu aceno
para ele. Pelo menos é a verdade.

Ele mastiga a bochecha e me observa. Eu sei que ele está


pensando no que fazer comigo.

— Para quem devo ligar, Wyatt? Para vir buscá-lo?

— Eu posso andar.

Ele me diz não com um aceno de cabeça. — Você ainda está


embriagado. Se eu deixar você ir neste estado e você causar mais
problemas, é minha cabeça no bloco de corte.

Minhas mãos se fecham em punhos sob a mesa e deixo de lado


meu último resquício de esperança de poder chegar ao Schultz esta
noite. Sara ligou, me pediu ajuda e eu falhei.

— Wes. — Minha voz está áspera, uma pedra raspada em uma


lixa. — Ligue para Wes.

•••

Uma hora se passa. Talvez mais. Estou me torturando,


percorrendo cenários do que poderia ter acontecido esta noite na
casa de Mickey e Sara. Peguei lembranças deles como uma família
feliz, como costumavam ser antes de Mickey perder o emprego e
sair para encontrar trabalho fora da cidade. Quando estou
cansado de me torturar, leio uma lista de merdas que preciso fazer
quando sair daqui. A cadeira de metal em que estou sentado
começou a parecer concreto cerca de trinta minutos atrás. Minha
bunda está dormindo.

A abertura repentina da porta me assusta e sento ereto. O


xerife entra, seguido por meu pai.

Meu coração, meu estômago, meu corpo inteiro sai de mim,


espalhando-se no chão frio.

Não meu pai.

Eu pedi especificamente pelo meu irmão mais velho, Wes. Não


meu outro irmão mais velho, Warner, porque ele tem filhos e sua
esposa está grávida. Wes também tem um bebê em casa, mas meu
sobrinho está dormindo a noite toda agora, e uma ligação para Wes
não é tão perturbadora.

Wes é mais resistente do que Warner quando se trata de mim,


mas ele era a segunda melhor alternativa para meu pai. Então,
como diabos eu fiquei preso ao homem que sempre falha em
esconder sua decepção quando olha para mim?

O xerife Monroe para do outro lado da mesa. Ele se segura nas


costas da cadeira como fez antes e fixa seu olhar no meu. Meu pai,
que poderia facilmente ter pelo menos ficado do meu lado da mesa,
dá um passo ao lado do xerife. Acho que nunca precisei traçar uma
linha para saber de que lado meu pai está. É tudo o que está em
frente ao meu.

O xerife diz com voz cansada: — Não estamos prendendo você,


Wyatt.

Eu aceno, perto de dizer a ele que já sei disso, mas mantenho


minha boca fechada em vez disso. Posso ter um raciocínio rápido
e uma boca esperta que me colocou em problemas mais vezes do
que posso contar, mas sei como controlar isso. — Obrigado, xerife.

Atrevo-me a olhar para o meu pai. Nada se move. Não seu


rosto. Não sua postura. Nem mesmo um tique muscular ao longo
de sua mandíbula. Beau Hayden é uma fera, uma lenda local e
uma maldita estátua viva.

Minha cadeira raspa seu protesto enquanto eu fico de pé.


Neste espaço frio e silencioso, o som rebate nas paredes. — Pronto
para ir para casa?

O olhar de aço do meu pai não me deixa. — Podemos ter um


minuto, xerife?

O xerife não responde, mas sua retirada imediata dá sua


resposta. A porta se fecha.

Agora os músculos de seu rosto se contraem. Quando éramos


mais jovens, ele batia em nossas orelhas com o que parecia ser o
dedo mais forte e cruel do estado do Arizona. O mau
comportamento era evitado porque ninguém queria atrair sua
raiva. Muita coisa mudou em vinte anos. Em algum lugar ao longo
do caminho, parei de me importar.
— Onde está Wes?

Ele cruza os braços à sua frente, cobrindo parcialmente a


insígnia do HCC em seu colete. — Wes não precisa vir em seu
socorro. Ele tem um filho para criar. — Ele me olha de forma
significativa. — E eu também.

— Eu sou um adulto.

— Seria difícil para uma pessoa saber disso.

Imito sua postura. A última coisa que quero é ouvir de meu


pai como consegui desapontá-lo mais uma vez. — Podemos ir?

Seus lábios estão contraídos em uma linha sombria. — Você


acha que beber e dirigir não é grande coisa?

— Eu não estava realmente dirigindo. Estava sentado.

Um jato conciso de ar sai de seu nariz. No que se refere aos


sons, é tão onipresente quanto seus dedos agitados. Isso significa
que ele não pode acreditar na estupidez das palavras que você
acabou de falar.

— Pare de brincar, filho. Se Shelby não estivesse lá, você


estaria dirigindo.

— Isso ainda importa? Acabou.

— O que era tão importante para você fazer algo que sabe
muito bem que é ilegal? Sem mencionar que é perigoso.

Meus lábios se apertam, uma agulha invisível e linha fazendo


uma costura.
— Cristo, — meu pai murmura, balançando a cabeça para
mim. — Eu já sei para onde você estava indo, Wyatt. Só pensei que
talvez você me fizesse a cortesia de me dizer a verdade.

Dizer-lhe a verdade, Sara perderia o marido, sua única fonte


de renda para ela e seus dois filhos, e Mickey iria para a prisão.
Sara deve continuar absorvendo os punhos movidos a álcool de
Mickey? De jeito nenhum. É para isso que precisa de mim, até que
eu possa pensar em uma solução melhor. Até eu descobrir uma
maneira de ajudar o Mickey a longo prazo.

Ele se vira em direção à porta. — Vamos, — meu pai rosna,


insatisfeito comigo mais uma vez. O que mais há de novo?

Minha existência inteira é uma decepção para ele.

Ele me ama porque tem que amar, porque está programado.


Uma coisa que aprendi, porém, é que embora uma pessoa possa
sentir amor por alguém, ela também pode sentir uma centena de
outras emoções, e absolutamente nenhuma delas precisa ser boa.
2

— Sra. Abbott? — Meu ombro se levanta para segurar o


telefone contra minha orelha para que eu possa usar minhas mãos
para servir o vinho. Não costumo cuidar de bar, mas Lulu acordou
com um garoto febril, e meu trabalho como gerente é ser capaz de
fazer o trabalho de todo mundo quando necessário. Coloco os dois
copos de cabernet ao lado da passagem na estação de coleta e
retiro os três novos pedidos da impressora. — Está tudo bem?

— Tentei ligar para sua mãe, mas ela não atendeu. Travis teve
outra briga hoje. — Ela está cansada dele. Ela se cansou dele
meses atrás, e ele sabe disso. Não tenho certeza de quanta
paciência os orientadores escolares devem ter, mas ela parece
operar com menos do que eu me lembro quando estava no colégio.

Abro a garrafa de champanhe e alinho três taças. Quem está


comemorando na segunda-feira ao meio-dia? E posso me juntar a
eles? Já faz um tempo que não tenho nada para comemorar.

— Ele está bem?

Um som de desaprovação. É isso que recebo em resposta à


minha pergunta.

— Travis está bem. A outra criança não está.

Entrego o pedido de bebida e evito lembrá-la de que estamos


falando de calouros do ensino médio, não de alunos do jardim de
infância. — Por favor, coloque Travis no telefone. — Termino os
próximos dois ingressos enquanto espero.

— Ei. — A voz de Travis viaja por quilômetros, taciturna como


o inferno, mas também desafiadora. Ele não se arrepende do que
fez.

— Pare de brigar na escola, — eu assobio, abaixando minha


cabeça para fazer minha própria privacidade.

— Eu não comecei.

— O que aconteceu? — Não tenho tempo para isso agora, mas


não posso deixar de colocar isso de lado. Travis precisa de alguém
para ouvi-lo. Deus sabe que ninguém mais sabe.

— Tive uma apresentação na aula hoje e estava muito nervoso.


E... — Sua voz falhou e meu coração se partiu um pouco. Ele não
precisa dizer mais nada. Eu o vejo em seu jeans favorito, parado
na frente de todos aqueles rostos cheios de espinhas e expectativa.
Eu ouço o riso atrás das mãos em concha na primeira vez que ele
gagueja. Sem dúvida, só piora a partir daí.

— Oh, Trav... — Meus braços doem para abraçá-lo.

— Eu tentei ignorar isso, Jo. Sério. Mas eles não paravam de


me provocar depois da aula. E eu tive o suficiente.

A máquina de bilhetes berra com outro pedido. Eu viro a


esquina do bar e o puxo para cima, lendo. — Travis, — eu digo
calmamente, respirando fundo enquanto recolho meus copos. —
Você não pode resolver seus problemas com as próprias mãos.
O que eu quero dizer é que o merdinha que o provocou
mereceu, e talvez da próxima vez ele não tenha que aprender a
lição da maneira mais difícil.

— Obrigado, mãe, — diz ele com uma voz petulante e


sarcástica.

Suspiro e continuo servindo vinho para outras pessoas.

— Desculpe, — ele murmura.

— Está tudo bem. Eu preciso voltar ao trabalho. Você vai ficar


bem?

— Você quer dizer quando a mamãe descobrir? Ela


provavelmente nem se importará. — Meu coração se parte um
pouco mais. Ele não está completamente errado. Ela vai se
importar, só não tanto quanto antes. Ela está apaixonada demais
para ver direito, seus olhos, julgamento e atenção nublados por
Henri, seu namorado fazendeiro francês. Muito longe daqueles
dias de religião cultuada, embora não tão longe do reino de sua
personalidade. Minha mãe é uma pessoa que deseja algo
fantástico, algo envolvente, algo que poucos estão fazendo. Ainda
assim, Travis teve uma boa vida com ela, e pergunto-me o que teria
acontecido se tivesse escolhido partir com ela quando tinha dezoito
anos. Não faz sentido olhar pelo retrovisor, eu acho. Não adianta
nada.

Eu só queria que minha mãe fosse melhor para Travis agora,


quando os anos são tão importantes. Ela está tirando os olhos da
bola quando o jogo está ficando intenso.
— Ela se preocupa, Trav, — eu prometo a ele. — Eu me
importo.

— Você é a única que faz.

— Você está errado.

— Tanto faz. Não se preocupe. Eu tenho que ir.

A linha fica muda. Olho para o meu telefone por um instante,


em seguida, coloco-o de volta no bolso. Ele não vai ligar de volta.
Não é necessário.

Em breve será as férias de verão. Talvez Travis possa vir aqui


para Sierra Grande por algumas semanas. Não tenho espaço na
casa de dois quartos que divido com minha melhor amiga Shelby,
mas podemos fazer algo funcionar. Talvez consiga um quarto com
desconto para mim e para ele no Sierra. Então, novamente, eles
não estão exatamente me amando no hotel agora. Eles não ficaram
felizes quando parei para vir aqui para gerenciar o Orchard. Posso
ou não ter dito a eles onde colocar sua atitude. Eu não estava
prestes a recusar um emprego com melhor remuneração. Cada
centavo me deixa mais perto do meu sonho.

Meu estômago dá nós pelo resto da tarde, pensando em Travis.


Não perco tempo terminando a papelada do meu turno e sacando
os servidores. Saio correndo do restaurante, já alguns minutos
atrasada para encontrar Shelby.

•••
Shelby não quer me contar. Não posso culpá-la por isso,
considerando que nós duas sabemos qual pode ser minha reação.

Quando se trata dele, fico um pouco deprimida. Ou com raiva.


Às vezes, fico mal-humorada. Uma vez quebrei um prato, depois
de voltar de um jantar de aniversário em que ouvi pela primeira
vez sobre ele e Sara Schultz.

— Prometo me comportar, — eu negocio, esperando que isso


seja o suficiente para fazer Shelby me contar o que aconteceu com
Wyatt na noite passada.

Ela me observa de seu lugar na mesa. Há anos que vamos a


este restaurante nas noites de segunda-feira, comendo
salgadinhos e guacamole. Esta noite está movimentada e, quando
ela começa a falar, tenho que me inclinar para a frente para ouvi-
la. — Eu estava patrulhando, o que nesta cidade é tão divertido
quanto ver a tinta secar, quando decidi parar no estacionamento
do Chute. Eu ia pegar água e talvez algumas batatas fritas, porque
quem quer viver sem aqueles benditos queridinhos, quando eu vi
Wyatt sair. Ele não foi obliterado, não como …— a culpa inunda
seus olhos — bem, você sabe...

Aceno minha mão, tentando colocá-la de volta no tópico.


Ninguém precisa ser lembrado daquela noite em Phoenix, dezoito
meses atrás. Shelby é a única pessoa que sabe o que aconteceu.
Não me passou despercebido como é irônico que um dos
participantes da aventura sexual daquela noite não se lembre e,
portanto, não saiba. — Continue por favor.
Shelby mergulha seu chip de tortilla no purê de abacate. —
Ele estava bêbado. E, para ser justo, eu só sabia disso com base
em evidências circunstanciais.

Eu mexo o gelo em minha bebida e levanto minhas


sobrancelhas. — Circunstancial, o que significa?

— O que significa que as circunstâncias são que é um bar e é


Wyatt.

— Muito bom, Shel.

Ela revira os olhos, mas parece arrependida. — Eu sei.


Nenhum benefício da dúvida dada. Não que ele não tenha pedido
por isso.

Sorrio baixinho, imaginando Wyatt Hayden. — Ele foi para o


cartão de amigo?

Shelby acena com a cabeça. — Oh, sim. — Ela limpa a


garganta e adota um tom de voz profundo. — Há quanto tempo
somos amigos? Sétima série? — Seu lábio inferior se projeta em
uma tentativa de imitar o beicinho perpétuo de Wyatt.

Elogio-a por sua precisão. — Você se parece com ele.

Shelby executa uma pequena reverência. — Eu o levei. Ele


estava falando sobre como ele precisava chegar onde estava indo,
e…

— Para onde ele estava indo? — Assim que faço a pergunta,


gostaria de poder retirá-la. É a expressão no rosto de Shelby, pena.
— Ele não me disse para onde estava indo.

Aceno uma vez e olho para longe. Poderia fazer uma aposta
bastante segura sobre o destino de Wyatt quando ele deixou o
Chute na noite passada.

E mesmo que eu não consiga ver, ouço em sua resposta. —


Esqueça ele, Jo. Ele tem mais problemas do que uma freira
grávida.

Apesar da sensação desconfortável crescendo em meu


estômago, eu rio. — Não se preocupe, Shelby. Meus sentimentos
por Wyatt Hayden já se foram.

Shelby acena com aprovação, embora seja óbvio que ela não
acredita em mim. — Certo. E você tem Jared agora. Sr. Steady
Eddy.

— Correto. — Jared é o polo oposto de Wyatt. Um anti Wyatt.

— Quero dizer, — Shelby continua, esvaziando seu chá. —


Jared é provavelmente mais adulto do que eu, e isso quer dizer
muito. Aposto que ele investe dinheiro e faz jardinagem nos fins de
semana.

Não posso falar pela parte financeira do que ela disse, mas o
paisagismo do fim de semana está perfeito. Jared é um cara bom.
Ele abre portas, paga jantares, me elogia. Todas as nove jardas.

— Jared é uma boa pessoa, — eu digo, balançando a cabeça


enquanto imagino o seu corte de cabelo clássico e seu sorriso de
merda. — Tenho sorte de tê-lo.
— Sim, você tem, — ela responde com firmeza. Shelby
provavelmente me apoiaria em namorar um pirata viciado em rum
se isso me impedisse de lamentar por aquele cowboy arrogante,
esquivo e sexy como o pecado. — Gostaria que você parecesse um
pouco mais feliz quando você pensa nele.

Balanço minha cabeça. — Não é isso. A orientadora de Travis


me ligou no trabalho hoje. Ainda estou chateada com isso.

Shelby faz uma careta e inclina a cabeça, ouvindo toda a


história. — O que você vai fazer, Jo? — ela pergunta quando eu
termino. Ela sabe o quanto quero trazer Travis de volta aqui para
Sierra Grande.

— Não sei. Não estou em posição de discutir com minha mãe


sobre onde Travis deveria morar. Ela nunca voltaria para cá, não
agora com Henri — digo o nome dele com um sotaque francês
horrível — mantê-lo lá. E ela nunca o mandaria para morar
comigo. Minha agenda está em todo o lugar, e ele precisa de
estabilidade. — Esfaqueio um cubo de gelo com meu canudo. —
Um dia vou abrir aquele acampamento de que estou falando.

Shelby sorri com um lado da boca. — E até então?

— Estou economizando todos os meus centavos. — Abrir um


acampamento para jovens com problemas tem sido meu sonho nos
últimos anos, logo após a primeira vez que Travis teve problemas.
A primeira coisa que preciso é de um terreno, que é escasso por
aqui. A segunda coisa de que preciso é de dinheiro, que também
está em falta.
— Este tópico é deprimente. — Eu deslizo para fora da cabine.
— Vou usar o banheiro feminino.

— Um dia, — grita Shelby. Aceno minha mão acima da minha


cabeça enquanto me afasto. Um dia parece muito com nunca.

Estou de pé na pia lavando as mãos quando ela entra, os saltos


batendo no chão. Jericho Barnett. Com o telefone pressionado no
ouvido, ela se inclina para mais perto do espelho acima da segunda
pia e corrige o batom que tenho certeza de que não precisa ser
consertado.

— Também não consigo acreditar, — diz ela. Ela parece muito


satisfeita consigo mesma, mas acho que pode viver em um estado
constante de felicidade com as várias coisas que realiza em um dia.
— The Circle B é uma listagem de prestígio e eles me escolheram
entre todos os outros corretores de imóveis. — Ela franze a testa
para o que quer que tenha sido dito pela outra pessoa ao telefone.
— Eu sei que é por um preço reduzido, mas estou olhando para
isso como um criador de currículos.

Eu bato em seu braço. Ela se vira, olhando para mim como se


não tivesse ideia de que eu estava aqui quando ela entrou. Ela me
conhece do Orchard. Seu vinho favorito é um blend tinto, e os
cozinheiros o chamam de Jeri-No porque ela modifica a merda de
cada pedido de comida que faz.

— Eu tenho que desligar, — ela diz em seu telefone, então


encerra a ligação e olha para mim. — Oi, Jo.
— Oi, Jericho. Acabei de ouvir você dizer que o Círculo B está
à venda?

— Ainda não. Não oficialmente, quero dizer. Vou listá-lo


amanhã. Os vendedores me escolheram há uma hora. — O mesmo
olhar lento e luxuoso de conteúdo desliza sobre seu rosto. Talvez
ela estivesse enfrentando muita concorrência para ser a corretora
de cotações e não consegue controlar o quanto está satisfeita por
ter vencido.

— Parabéns, — eu digo. É óbvio que é isso que ela quer ouvir.


— Então, — eu começo antes que ela possa dizer qualquer coisa.
Eu respiro fundo. É isso. Minha chance. É agora ou nunca. Não
sei o que estou fazendo, mas desde quando isso me impede? Sou
um especialista em aprender com os pés. — Quero isso.

Jericho pisca. Estrabismo. — Sinto muito, acho que não ouvi


direito.

— Você fez.

Ela me encara. — Você quer comprar o Círculo B?

— Sim.

Seu cabelo balança em torno de seu rosto enquanto ela


balança a cabeça, confusa. — Para que? Você não é um rancheiro.
É um rancho.

— Um acampamento de terapia na selva. Para jovens


problemáticos.
Jericho ri. Acho que prefiro uma risada de verdade a essa
gargalhada incrédula vindo de entre aqueles lábios excessivamente
maquiados. Ela vê minha cara séria e para de rir. — Você fala
sério?

Concordo.

Ela cruza os braços e encosta o quadril no balcão do banheiro.


— Já recebi alguém me ligando sobre a propriedade. Está quente
e ainda nem chegou ao mercado. Sabe o que isso significa?

Não me formei na escola de negócios, mas sei que isso significa


que há competição. Demanda. E a demanda aumenta o preço. Eu
penso em Travis, e endireito meus ombros. — Quero isso.

Jericho faz uma careta. — Vou adicionar o seu nome à lista.

A porta do banheiro se abre. Shelby entra, o olhar disparando


entre mim e Jericho. — Você se foi há um tempo. Eu queria ter
certeza de que você não estava doente.

Jericho caminha até a porta e Shelby dá um passo para o lado.


— Ela não está doente, — Jericho diz a Shelby. — Apenas louca.

Shelby faz uma careta e Jericho olha para mim. — Entrarei


em contato, Jo.

Jericho sai e Shelby fica olhando para ela. — O que foi isso?

Lavo minhas mãos de novo, porque preciso fazer algo com elas.
Eles tremem de nervosismo enquanto os coloco na água. — Eu fiz
algo realmente ótimo ou incrivelmente estúpido.
3

Ouço-a antes de vê-la. São aqueles saltos altíssimos que ela


usa, batendo no chão como moedas batendo no azulejo.

Dakota, a dona do The Orchard, acena levemente com a


cabeça e olha por cima do meu ombro, observando Jericho se
aproximar. Eu me viro, pronta para recebê-la no restaurante, mas
ela joga sua bolsa cara no bar e me olha bem nos olhos.

— Josephine Daniella Shelton, não posso acreditar que estou


lhe contando isso, mas você ficou com o rancho.

O ar em meus pulmões desaparece. Dakota agarra minha


mão, apertando-a. Tudo o que posso ver é seu sorriso largo e o
rosto estoico de Jericho. Um milhão de pensamentos correm pela
minha cabeça de uma vez, mas nenhum deles permanece o tempo
suficiente para formar algo coerente.

Recolho ar suficiente para murmurar: — O rancho?

— O rancho, Jo. Você se lembra dele? Abandonado, fora de


ordem...

Dakota a cala com um olhar. — Acredito que sua lista a


chamou de 'uma propriedade charmosa à espera de um toque
especial'.
Jericho me encara de volta. — Criatividade dos corretores de
imóveis.

Dakota faz um som irritado e olha para mim. — Eles aceitaram


sua oferta, Jo. Eu disse a eles o que você estava planejando fazer
com o lugar e, aparentemente, eles têm uma queda por benfeitores.
Isso é enorme. — Seu cabelo loiro morango faz cócegas em meus
ombros enquanto ela me abraça.

— Sim, — eu digo lentamente quando ela me solta, ainda


processando o que tudo isso significa. Achei que minha oferta
tinha mais chance de ser ridicularizada do que aceita. Jericho fez
questão de me informar sobre com quem eu estava lutando.
Fazendeiros de renome, incorporadores comerciais e até
incorporadores domésticos. Por que escolheram o pequeno e velho
eu, com os bolsos rasos?

— Parabéns. — Jericho tira a bolsa do balcão e enfia o braço


nas alças. — Eu pensei que já tinha visto de tudo, e então isso.
Conseguir um rancho por alguns centavos de dólar. — Seu rabo
de cavalo se move com seu movimento de cabeça. — É um roubo.
Você é praticamente uma ladra.

Não é a primeira vez que ouço esse comentário passivo-


agressivo dela, e sei que se refere a uma comissão mais baixa
graças a um preço de venda mais baixo. Quero lembrá-la de que
você não deve se preocupar em chorar pelo que nunca foi seu. Uma
lição que aprendi da maneira mais difícil, cortesia de um certo
irmão Hayden.
Dakota olha para o relógio. — É uma pena que você não pode
ficar para o almoço, Jericho. Se ao menos fossem onze e
estivéssemos abertos.

— Se ao menos, — Jericho responde, oferecendo um sorriso


falso. — Jo, a empresa do título entrará em contato para agendar
a assinatura.

Ela acena e sai, deixando-nos com seu perfume.

— Ela é uma peça de trabalho, — diz Dakota. Ela pega uma


garrafa de vinho e abre.

— O que você está fazendo?

Ela serve dois meios copos e me entrega um. — Parabéns, Jo.


Uma vez você me disse que sonhava em abrir um lugar para jovens
problemáticos e aqui está você, fazendo acontecer.

Nossos copos fazem um som tilintante e Dakota aperta meu


ombro.

— Eu realmente queria isso há muito tempo. — Desde a


primeira vez que Travis teve problemas, quando vi sinais de raiva
e vazio se formando dentro dele. Seu comportamento mudou. A
lente através da qual ele olhou para o mundo estava fraturada. E
agora... Posso realmente fazer isso? Construir um rancho que
possa ajudar não apenas meu irmão, mas também outras
crianças? Minha mãe estaria disposta a mandá-lo para um rancho,
um lugar real onde ele pudesse viver e se divertir? Não seria o meu
sofá na minha sala de estar, mas uma verdadeira casa. Quanto ela
poderia argumentar contra isso?
Pela primeira vez, parece possível. As peças estão se
encaixando, encaixando-se como uma linha de chute
coreografada.

Eu posso realmente ser capaz de fazer isso.

•••

— Jo?

Shelby está chamando meu nome da sala de estar. Estou no


banheiro, passando rímel com uma mão inexperiente. Um jantar
para comemorar a assinatura de toda a papelada hoje cedo merece
um pouco de maquiagem.

— O que? — Eu grito de volta.

— Seu telefone está tocando. Devo atender?

Abro a boca para responder, mas paro quando ouço Shelby


dizer olá. Eu termino meu segundo olho enquanto ouço sua voz
abafada, seguida por passos. Shelby anda com propósito, então eu
nunca tenho que me perguntar onde ela está em nossa casa
compartilhada.

Ela entra no meu banheiro, os ombros tremendo de


entusiasmo. — É Alison Stein, — ela murmura, apontando para o
meu telefone estendido.

— A repórter? — Eu murmuro de volta.


Ela acena com a cabeça, empurrando o telefone para mim.

— Olá, — eu digo, pegando dela e levando ao meu ouvido.

— Josephine?

— Pois não, — eu respondo, fazendo uma cara boba para


Shelby. Eu me sinto estranhamente tonta. — Você pode me
chamar de Jo.

— Ótimo, Jo. Aqui é Alison Stein, escrevo para o Sierra Grande


Gazette. Ouvi dizer que você comprou The Circle B e tem grandes
planos para ele. Você estaria interessada em me deixar entrevistá-
la? isso é muito grande.

— Isto é?

Ela ri. — Sim. Um rancho com uma história como o The Circle
B que está deserto e permanece vazio por quinze anos, exceto por
keggers1 do ensino médio e um filme filmado lá recentemente, e
então de repente é comprado por um de nossos próprios
residentes. Parece ótimo para mim.

Estou confusa. De que história ela está falando? Moro aqui há


muito tempo e não sei nada sobre a história do The Circle B. Do
jeito que ela falou, dá a impressão de que tudo o que aconteceu
antes é sórdido.

1
keggers: Um termo utilizado para descrever uma festa com barris de cerveja.
Em um esforço para não parecer tão sem noção como
claramente sou, retribuo sua risada gentil. — O que posso dizer,
tenho grandes sonhos.

— Agora é um bom momento para fazer algumas perguntas?

Olho para Shelby. Ela me dá um sinal de positivo e volta para


o que quer que esteja fazendo.

— Claro, — eu respondo, colocando o telefone no viva-voz e


encostando-o no espelho do banheiro. Termino minha maquiagem
e cabelo enquanto explico para Alison por que comprei o rancho.

— Isso é tudo preliminar, porque, como você sabe, acabei de


comprar o rancho. Em última análise, pretendo transformar The
Circle B em um rancho terapêutico que atende a jovens
problemáticos.

— Isso é muito altruísta da sua parte. Existe uma conexão


pessoal?

Vejo o rosto de Travis em minha mente e digo: — Não. Acho


que muitos dos problemas do mundo poderiam ser resolvidos
investindo em nossa juventude. — Não é uma mentira, apenas
contorna um pouco a verdade. — A pecuária é uma parte amada
da comunidade de Sierra Grande, e todos nós sabemos que a
natureza é incrivelmente curativa. Existem jovens procurando por
seu lugar na vida, lutando, e a vitamina natureza pode ser uma
grande parte do que eles precisam. Eu planejo usar atividades ao
ar livre e no rancho, juntamente com a terapia equina e talvez
alguns conceitos ainda desconhecidos para mim para facilitar uma
abordagem mais casual da terapia. — Estou inventando isso na
hora, mas é verdade. Talvez alguns jovens com problemas
precisem de terapia séria e horários estritamente controlados, mas
eu acredito que muitas crianças rebeldes só precisam de espaço e
algo para serem responsáveis, um trabalho do qual possam se
orgulhar. E um adulto que lhes mostre bondade e respeito.

Alison passa a me fazer perguntas sobre as próximas vagas de


emprego e a construção. Eu faço tudo isso na hora também. Tive
ideias e rascunhos por dois anos, desde que tive a ideia de um
lugar como este, mas agora que está realmente acontecendo, tudo
parece maior do que o que eu estava imaginando. Vou precisar de
ajuda. Muita ajuda. E para ser totalmente honesta, não sei
exatamente no que estou me metendo, então ainda não tenho
certeza de que tipo de ajuda pedir.

Terminamos a entrevista, e Alison me diz que provavelmente


sairá no jornal em dois dias, que o jornal de amanhã já saiu.

Encontro Shelby sentada no sofá, assistindo TV. Ela aperta o


botão de pausa quando me vê, olhando para mim com expectativa.
— Como foi a entrevista?

— Boa. — Eu belisco meu lábio inferior com dois dedos. — Eu


estava me sentindo brilhante e nervosa, como se estivesse
caminhando por uma nuvem dourada ou algo assim, mas agora...
— Eu encolho os ombros. — As perguntas de Alison me fizeram
perceber o quão fora de mim estou. Posso ter todas as boas
intenções do mundo, mas… - meus ombros se erguem e caem -
elas não me farão nenhum bem se eu não souber o que no inferno
estou fazendo.

Shelby reúne o cobertor em torno de sua barriga. — Ninguém


sabe o que estão fazendo. Você se lembra quando comprei este
lugar? — Ela gesticula para a casa. — Eu nem tinha passado pela
academia. Não tinha ideia se conseguiria pagar. Mas precisávamos
de um lugar para morar, e você precisava de um aluguel barato.
— Ela sorri para mim, e isso me leva a devolver um na mesma
moeda. — Às vezes você tem que fechar os olhos e pular.

Fico pensando nas palavras de Shelby enquanto termino de


me arrumar. Jared chega na hora, é claro. Ele abre a porta do
passageiro de seu sedan prata, fechando-a atrás de mim quando
estou em segurança dentro. Nós conversamos no caminho, ele me
conta sobre seu dia e conto a ele sobre o turno do dia no Orchard
após minha assinatura na agência de títulos. Não sei quando será
meu último dia de trabalho, mas terá que acontecer
eventualmente. Dakota sabia quando ela me contratou que eu não
ficaria por muito tempo. Na verdade, foi assim que nos ligamos há
quase dois anos. Eu contando a ela sobre meu grande sonho de
administrar um rancho para jovens problemáticos, e sua abertura
sobre seu relacionamento com Wes. Na época, eu tinha acabado
de voltar para casa daquele fim de semana em Phoenix, aquele em
que Wyatt e eu compartilhamos uma noite que apenas um de nós
se lembra, e contei a Dakota o que tinha acontecido. Ocultando a
parte sobre com quem dormi.

E então…
Oh meu Deus, lá está ele. Como se pensar nele o fizesse
aparecer do nada, Wyatt Hayden está caminhando pela High
Street. Não andando. Desfilando, daquele jeito superconfiante de
Hayden. Todos eles fazem isso, mas Wyatt tem algo extra.
Arrogância.

Eu aprendi minha lição. Fico bem longe de Wyatt, porque sei


o que é bom para mim. E esse seria Jared. Minha mão desliza
sobre o console central, descansando em sua coxa. Encontro seus
olhos, combino seu sorriso, e internamente dobro o que ele está
oferecendo.

Confiável, seguro, uma aposta segura.

Eu não olho para trás para Wyatt, e logo ele não é nada além
de um pontinho no espelho retrovisor. Literalmente e
figurativamente.

Jared e eu vamos jantar, um lugar mais chique na próxima


cidade. Comemos comida francesa decadente que não consigo
pronunciar, bebemos champanhe e, mais tarde, quando Jared está
dentro de mim, fecho os olhos e lembro a mim mesma que é aqui
que devo estar.
4

Finalmente, quinze malditos segundos de paz. Eu olho para


trás pela grande janela da frente para a casa, onde o resto da
minha família conversa como se não se vissem há meses. Já se
passaram três dias, para o registro.

Tenley e Dakota podem manter uma conversa sem fim, e esta


manhã não é exceção. Elas gesticulam, com as mãos voando no
ar, enquanto uma delas conta uma história e a outra interrompe
para acrescentar algo ao longo do caminho. Claro que meus irmãos
acabariam com esposas que se tornariam melhores amigas.

— Você pode vir até mim quando precisar de uma pausa delas,
ok? — Sussurro para meu sobrinho de seis meses, Colt. Seu
pequeno corpo pesa contra o meu peito, o sono o transforma em
uma massa de calor suave. Dakota o entregou para mim quando
ela terminou de alimentá-lo, alegando que meu talento para domar
cavalos se estende a bebês humanos. Ela não está errada.

Pela janela da frente, observo minha família, todos no meio da


conversa, com o estômago cheio da famosa quiche da minha mãe.
Wes e Warner atiram na merda, provavelmente falando sobre o
rancho. Wes está sem um segundo em comando agora, uma
ausência criada pela mudança de carreira da Warner que
surpreendeu a todos, menos a mim. Aparentemente, ninguém
mais notou sua falta de entusiasmo com o dia a dia da fazenda, ou
a quantidade de tempo que o cara ficava enfurnado em seu
escritório. Com toda a justiça, provavelmente sou a única pessoa
com vista para seu escritório. Eu moro o mais próximo dele, e a
janela do meu quarto fica de frente para a janela do escritório, e
não consigo contar quantas vezes o vi em sua mesa, trabalhando.
Descobri que ele estava fazendo um mestrado. Agora ele está
fazendo o que realmente ama: dar aula na faculdade local. Acho
que seu objetivo final é lecionar em uma universidade, mas isso é
apenas especulação. Mais uma vez, esse é o conhecimento que
obtive observando e ouvindo o que não foi dito.

Jessie, minha irmã mais nova, se juntou a Tenley e Dakota.


Jessie é louca, como meu avô gosta de se referir a ela. Cuidar dela
tem sido meu trabalho, porque Wes foi para o exército por doze
anos. Depois disso, ele estava aqui, mas ainda ausente, uma casca
mal-humorada de seu antigo eu. Todos nós temos que agradecer a
Dakota por colocar seu traseiro em forma.

Quanto a Warner, bem... ele estava presente fisicamente, mas


tinha sua própria merda acontecendo. Um casamento
aparentemente perfeito com sua namorada do colégio que
implodiu. Duas crianças colocadas na mistura. Ele estava
cumprindo o dever de pai e mãe sozinho por um tempo, mas as
coisas se equilibram para ele. Ele se casou novamente, com uma
estrela de cinema não oficialmente aposentada, entre todas as
pessoas, e mais feliz do que posso me lembrar dele.

Olhando para o histórico dos meus irmãos mais velhos, você


pensaria que eu seria o próximo na fila para o meu próprio felizes
para sempre. Eu não vejo isso acontecendo. Acho que vou acabar
sendo o tio divertido, aquele a que todas as crianças recorrem
quando têm perguntas que ficam com vergonha de fazer aos pais.
Vou ensiná-los a lançar um gancho de direita maldoso e a
sabedoria de saber quando usar.

Eu embalo Colt em meus braços e vejo através da grande


janela da frente enquanto meu pai entra na sala de estar. Ele dá
um passo ao lado da minha mãe e eles se olham com orgulho
desenfreado, dizendo silenciosamente olhe o que criamos.

A foto é ideal para eles, porque não estou lá para estragá-la.

Afastando-me da cena, concentro-me no estábulo à distância.


A casa redonda atrás dela. Cowboy House, onde vivem todos os
cowboys, incluindo Denny e Ham. Talvez eu passe Colt para
Dakota e vá até lá. Às vezes me sinto mais próximo dos cowboys
do que dos meus próprios irmãos.

— Wyatt? — Meu pai sai da casa. A expressão de orgulho em


seu rosto quando ele olhou para sua família se foi agora.

Eu levo um dedo aos lábios, sinalizando para ficar quieto, e


me viro para que meu pai possa ver o rosto adormecido de Colt.

Tudo sobre o endurecido Beau Hayden amolece, como sorvete


ao sol. Você teria que ver para acreditar, mas o cara é uma poça
quando se trata de seus netos. E para sua filha. Jessie é o milagre
do qual minha mãe e meu pai desistiram quando olharam para
mim e viram que eu era um menino. Quem diria que um recém-
nascido pode decepcionar um adulto? Mais três tentativas depois
de mim, todas terminando em aborto espontâneo. Eles pensaram
que nunca iriam pegar sua filha, e então surpresa! Por razões
diferentes, nunca esquecerei o dia em que ela nasceu, mas
principalmente porque vi meu pai beijar a testa de minha mãe e
ouvi-lo sussurrar: — Finalmente conseguimos nossa menina. —
Meu primeiro desgosto não veio de uma mulher, mas por cortesia
do meu pai. Eu sei agora de quantas maneiras diferentes um
coração pode se partir.

Em voz baixa, meu pai diz: — O xerife Monroe acabou de ligar.


Ele quer ver você na delegacia.

Eu suspiro, virando minha cabeça para que o fluxo de ar que


flui do meu nariz não toque em Colt. — Tudo bem. Vou entrar em
um segundo.

Papai me olha como se quisesse dizer algo, depois muda de


ideia e entra.

Olho para o bebê adormecido, roçando meus lábios no topo de


sua cabeça. Quem diria que eu poderia amar tanto uma criança, e
ele nem é meu?

Entrego Colt para Wes, digo adeus à minha família e tento não
rir do meu velho avô, que ronca alto de sua cadeira perto da lareira.
Juro que o cara tira mais sonecas do que Colt.

Papai encontra meus olhos no caminho para fora de casa. A


julgar pelo fato de que ninguém mencionou meu desastre na
delegacia de polícia, acho que meu pai não o mencionou para o
resto da família. Certamente isso tem mais a ver com sua vergonha
de mim do que com seu respeito pela minha privacidade.
Eu pulo na minha caminhonete, faço uma parada rápida na
minha cabana, a apenas um quilômetro de distância, na
propriedade HCC, e pego minha carteira. Não gostaria de ser pego
dirigindo sem carteira.

•••

Eu paro em uma vaga em frente à estação e estaciono. Sem


dúvida, haverá conversas sobre por que uma caminhonete da
Hayden Cattle Company estava estacionado na delegacia. Para
minha sorte, minha recente presença aqui não foi marcada pela
minha caminhonete na frente. Ele estava estacionado em
segurança no Chute, enquanto Shelby me deu uma carona. Em
seu carro policial. No banco de trás.

Eu entro, deixando o administrador saber que minha presença


foi solicitada pelo xerife. Ele pega o telefone, tem uma breve
conversa, depois desliga e manda que eu me sente, o xerife estará
comigo em breve.

Atrás dele, vejo o resto da estação. Shelby se esconde atrás do


computador em sua mesa, provavelmente porque ela não quer
encontrar meu olhar. Eu sorrio e olho para longe. A próxima
pessoa a encontrar meus olhos é Dan Howard. Ele é a última
pessoa que eu teria escolhido para ser policial. O cara não
consegue distinguir sua bunda de um buraco no chão, então como
diabos ele planeja cumprir sua promessa de servir e proteger?
Ele me encara, apenas porque seu uniforme azul lhe dá uma
falsa sensação de coragem. Ele gosta de mim tanto quanto eu gosto
dele, e é exatamente assim que eu prefiro. Ele é o primeiro a
quebrar nosso olhar.

Depois de alguns minutos, o xerife sai de seu escritório e faz


sinal para que eu entre. Certifico-me de passar pela mesa de
Shelby e oferecer um olá excessivamente amigável. Ela estreita os
olhos para mim.

— Wyatt, — o xerife me cumprimenta, levando-me para seu


escritório. — Sente-se. Estou esperando por mais uma pessoa.

Eu não sento. Mais uma pessoa? — Quem?

O xerife ignora minha pergunta, mantendo os olhos fixos na


porta da frente. — Lá está ela agora.

Eu me viro para olhar. Jo Shelton?

Jo e eu éramos amigos, pelo menos no sentido geral. Eu a


conheço desde sempre, estamos no mesmo círculo social desde
que ela se mudou para cá e apareceu como a nova aluna quando
ela tinha dezesseis anos e eu dezessete. E então, em algum
momento do último ano ou assim, ela congelou, pelo menos no que
me diz respeito. Ela não fala comigo, encontra meus olhos, nada.
Eu sou oficialmente persona non grata quando se trata dela.

Como ele fez comigo, o xerife acena para Jo de volta. Estou


observando ela se aproximar, seu cabelo loiro com pontas rosa
claro roçando sua clavícula, então eu vejo isso no momento em que
ela me vê. Seus ombros enrijecem, seus olhos se transformam em
aço. Não sei o que fiz, mas Jo me odeia. Ela olha para Shelby
quando ela passa. Shelby dá de ombros rapidamente, balançando
a cabeça para frente e para trás como se dissesse que não sabe por
que Jo foi chamada.

— Entre, Jo, — o xerife orienta. Ele faz um gesto para que ela
se sente na cadeira em frente à sua mesa. — Você também, Wyatt.

Nós dois nos sentamos, e ambos o fazemos com relutância. É


o mais próximo que estivemos um do outro desde aquele fim de
semana em que um grande grupo de nós descemos para o vale por
alguns dias. Certa noite, sentei-me ao lado dela no jantar e me
lembro de ter gostado do cheiro dela. Como frutas cítricas e flores.
Mais ou menos como ela está cheirando agora.

Dou uma olhada rápida para ela. Seu corpo inteiro está rígido,
suas costas perfeitamente alinhadas com seu assento. Ela é linda,
nenhum homem discordaria. Meus olhos demoram apenas um
segundo a mais, percorrendo suas maçãs do rosto definidas. Sou
atingido por uma sensação que não faz sentido... sua pele sob o
meu toque, meus dedos passando por sua bochecha.

Sou empurrado a partir deste momento, deste escritório, para


um lugar que não compreendo. O que acabei de sentir foi minha
imaginação, eu sei disso. Então, por que parece mais uma
memória?

— Wyatt, você está conosco? — A irritação do xerife bate em


minha consternação, separando meus pensamentos e me
devolvendo ao presente.
— Aqui, — eu respondo, tirando meus olhos do perfil de Jo.
Ela ainda não me lançou um único olhar.

— Isso… - o xerife pega o jornal de hoje - … foi interessante


hoje. — Ele abre e olha para mim por cima. — Você sabia que Jo
aqui comprou o The Circle B?

Eu balancei minha cabeça. — Eu não sabia disso. — Porque


alguém iria querer aquele lugar?

Xerife Monroe sorri. — Você sabia que ela está contratando?

Jo franze a testa. — Ainda não estou contratando. Não estou


fazendo nada ainda. Faz apenas dois dias que está finalizado e
estou decidindo os próximos passos.

O xerife volta sua atenção para ela. — Qual você diria que é o
seu primeiro próximo passo?

— Limpar. Organizar. Descobrir o que pode ser recuperado.

Xerife acena com a cabeça. — E você tem pessoas para te


ajudar com isso?

Jo parece que já está tão cansada dessa conversa quanto eu.


— Não no momento.

— Eu tenho seu primeiro ajudante. Não pago, é claro. — Seu


olhar pisca para mim.

Onde quer que o xerife esteja mentalmente, ainda não me


juntei a ele. Ele pode muito bem estar falando em enigmas.
Aparentemente, Jo também não está lá, porque ela diz: — Aonde
você quer chegar?

O xerife Monroe nem tenta esconder seu sorriso de comedor


de merda. — Acontece que Wyatt aqui precisa de algum serviço
comunitário.

— Preciso? — Eu realmente esperava que meu sobrenome


trabalhasse a meu favor e que toda a situação tivesse sido
abandonada.

Ele concorda. — Você precisa. — Suas palavras são seguidas


por um olhar que me diz claramente que devo sequer pensar em
desafiá-lo. Entendi a mensagem. Tenho a sensação de que ele não
hesitaria em deixar minha merda nua bem aqui na frente de Jo, e
eu particularmente não quero que isso ocorra.

— Trapaceiro, — eu digo baixinho.

Ele gargalha. — É preciso um para conhecer um.

Ele me tem lá.

— Com licença, — Jo interrompe, sua voz firme e seu volume


mais alto do que antes. — Eu tenho uma palavra a dizer sobre
isso?

— Claro, — responde o xerife.

— Bom. Porque eu não quero Wyatt prestando seu serviço


comunitário em meu rancho.

Eu olho para o perfil dela. — Qual é o seu problema comigo?


Finalmente, pela primeira vez desde que nós dois chegamos a
este escritório, ela volta seu olhar para mim. E sou atingido de
novo, outra invenção da minha imaginação disfarçada de memória.
Ela é pequena debaixo de mim, o que me permite empurrá-la contra
a parede, passando minhas mãos por seus cabelos.

O que diabos há de errado comigo?

Jo está no meio de uma frase. —... e você não é confiável. E


nem mesmo está me ouvindo agora!

— Estou ouvindo você, — digo a ela. Voltando ao xerife,


pergunto se há alguma outra oportunidade de serviço comunitário
disponível. Ele cruza os braços sobre o estômago e balança a
cabeça para frente e para trás lentamente. — É isso para você, meu
amigo.

Volto para Jo. — Por favor, Jo? — Seus olhos se arregalam


quando eu digo seu nome, e não de um jeito bom. Ela parece
pronta para arrancar minha cabeça. — Eu prometo que você nem
vai saber que estou lá.

Jo relaxa a mandíbula. — Tudo bem, — ela quase cospe a


palavra.

O xerife bate palmas ruidosamente uma vez e nós dois


pulamos. — Bom, bom. Que bom que funcionou. — Ele está
terrivelmente orgulhoso de si mesmo. — Se vocês dois não se
importam, eu tenho outros problemas que precisam ser resolvidos,
e só posso esperar que eles saiam tão bem quanto os seus.
Jo sai do escritório e eu a sigo, olhando para Shelby enquanto
vou. Ela já está com o telefone na mão, sem dúvida enviando uma
mensagem de texto para Jo sobre tudo o que ela acabou de ouvir.

Saímos da frente, o sol quente do Arizona caindo sobre nós, e


Jo se vira para mim. — Só para esclarecer, não era eu que estava
com o problema. Na verdade, tudo o que o xerife Monroe fez foi
criar um problema para mim. — O ar ao redor dela vibra com sua
intensidade.

Aponto para mim mesmo. — Eu sou um problema?

Ela não diz nada, mas sua expressão não vacila. — Seja
pontual. Esteja sóbrio. Esteja pronto para trabalhar. Acha que
pode lidar com tudo isso?

— Qual foi aquela última? — Eu quis dizer isso como uma


piada, algo para aliviar o clima entre nós, porque fico
desconfortável com o quanto ela me odeia quando nem sei porque,
mas sua resposta me diz o quão pouco apreciada minha tentativa
é.

— Não brinque comigo, Wyatt Hayden, ou vou chutá-lo do meu


rancho e você pode ter qualquer punição alternativa que
certamente merece.

Jo se vira, entra no carro e sai dirigindo.

Eu fico lá, atordoado. Eu tenho um lugar para estar e, ainda


assim, levo quase um minuto inteiro para ser capaz de entrar na
minha caminhonete e dirigir.
Nunca fui repreendido assim por uma mulher. E, se eu
realmente pensar bem sobre isso, nunca vi Jo exibir tanta emoção
antes.
5

Agora eu entendo em primeira mão.

Coiote feio.

Exceto que Wyatt está tão longe de ser feio quanto possível.
Ele está deitado ao meu lado na cama do hotel, aquele cabelo
escuro bagunçado e sexy, uma mecha caindo sobre a testa. O
luxuoso edredom de plumas chega até o meio de seu torso. Ele é
musculoso, abdômen ondulado, ombros generosos e bem
definidos. Seu nariz tem uma pequena protuberância no centro,
como se tivesse sido quebrado. A barba de um dia escurece seu
rosto.

Minha pele arrepia com o pensamento daquela barba


arranhando meu corpo na noite passada.

É por isso que esta é uma situação feia de coiote. Não será a
aparência de Wyatt que me fará arrancar meu próprio braço para
escapar de seu quarto sem ser detectada.

Tenho medo do que verei em seus olhos quando ele acordar e


se lembrar do que aconteceu entre nós ontem à noite.

Se eu conseguir sair de seu quarto de hotel sem acordá-lo, não


estarei aqui para sua resposta inicial. Posso permanecer felizmente
inconsciente se ele acha que foi um feliz acidente termos acabado
na cama juntos ou um arrependimento colossal.

Eu gosto de Wyatt Hayden há tanto tempo que não suporto


assistir.

Centímetro por centímetro brutal, levanto uma parte do meu


corpo para fora da cama. Estou dolorida com as travessuras
sexuais de ontem à noite, então segurar minhas várias partes do
corpo no alto enquanto tento levantar da cama em silêncio é
doloroso. Na ponta dos pés pego minhas roupas, procuro meu
sutiã e, finalmente, o localizo no abajur de todos os lugares, e visto
tudo, esperando para fechar o zíper da minha calça jeans até
entrar no corredor.

Eu respiro profundamente e caio contra a parede. Eu fiz isso.

Envio um agradecimento ao homem lá em cima quando não


encontro nenhum dos meus amigos nos corredores e entro em meu
quarto tão silenciosamente quanto saí do de Wyatt. Eu poderia
usar mais algumas horas de sono, especialmente considerando a
viagem de duas horas que temos de volta para casa em Sierra
Grande, mas devo descer para o café da manhã em 45 minutos.
Ontem à noite, antes que todos os coquetéis se enraizassem em
nossa corrente sanguínea, fizemos reservas para o brunch de
domingo do hotel. Se não fosse chique e eu não tivesse feito um
depósito apenas para reservar uma mesa para um grupo tão
grande como o nosso, eu cancelaria. No total, somos onze. Alguns
casais, o resto de nós solteiros e todos nós nos conhecemos desde
o colégio.
Depois de um longo banho quente, visto-me e seco o cabelo
com a toalha, parando para me estudar no espelho de corpo inteiro
do banheiro. Não pareço diferente depois da noite passada, mas
tudo dentro de mim parece inclinado. O mundo que conheci ontem
não é o mundo que conheço hoje. Esperei anos para que Wyatt me
notasse, sem exagero.

Felizmente, eu não tive que sentar e assistir ele notar outras


mulheres. Pelo que eu posso dizer, Wyatt não namora. Pelo menos
não a sério. Talvez depois de ontem à noite isso mude.

Eu sou a primeira a tomar café. Todo mundo entra, fazendo


caretas e fazendo piadas sobre precisar de um pouco de cabelo no
cachorro. Eu também me sinto uma merda, mas estou guardando
um segredo tão delicioso que supera minha ressaca.

Wyatt é o último a entrar. Seus olhos estão injetados, ele está


bocejando e usando a camisa da noite anterior. Ele ocupa o único
assento disponível, cerca de quatro à minha direita.

Estou desejando que ele olhe para mim, encontre meus olhos,
compartilhe um olhar furtivo, qualquer coisa para reconhecer
silenciosamente o que aconteceu entre nós.

Ele não levanta os olhos do menu. E quando o faz, é apenas


para pedir a garçonete. Ela se inclina como se estivesse tentando
ouvi-lo melhor, dando a ele a oportunidade de olhar seu amplo
decote. Para seu crédito, ele não morde a isca.

Ele também não morde minha isca. Não que eu seja bom em
configurá-lo. Não posso flertar ou fabricar oportunidades para
salvar minha vida. O que é o que torna o encontro da noite anterior
um milagre.

Kyle se inclina para trás em seu assento e envolve um braço


ao redor dos ombros de Corrine. Com o olhar dirigido através da
mesa para Wyatt, ele pergunta: — O que você fez ontem à noite?
Você saiu da piscina e foi a última vez que o vimos.

Ele foi até a pequena loja de artigos diversos que faltava dois
minutos para fechar durante a noite. Comprou uma garrafa de
Gatorade. Encontrou-se comigo. Me puxou para trás de uma parede
coberta de hera e me beijou até perder os sentidos. Disse que já
sabia que eu seria a melhor coisa que ele provaria, e derreti como o
gelo no meu chá em uma tarde de agosto.

Wyatt dá de ombros. Seu lábio inferior carnudo se projeta


ligeiramente, a linha minúscula que desce pelo centro se tornando
mais pronunciada. — Não muito. Fui para o meu quarto. Desmaiei.

Kyle balança a cabeça. — Você estava bebendo muito forte na


noite passada.

Wyatt faz uma careta. — Um pouco difícil. Tenho sorte de


chegar ao quarto certo. Não me lembro de muito antes de deixar a
piscina.

A conversa continua ao redor da mesa. Risos, discutindo as


coisas engraçadas que devem ter acontecido depois que Wyatt e eu
partimos. Ninguém parece descobrir que Wyatt e eu estávamos
perdidos ao mesmo tempo. Não que alguém achasse isso suspeito.
Sou conhecida por ser a primeira a partir, e Wyatt é conhecido por
fazer tudo o que lhe convém a qualquer momento. Ele é um
enigma, tão desconcertante quanto interessante. Passei anos na
órbita de Wyatt, mas nunca realmente cruzando. Até a noite
passada, quando finalmente colidimos.

O café da manhã continua, e Wyatt olha na minha direção


apenas uma vez. Ele faz o que sempre faz quando me vê. Uma
elevação de seu queixo, sobrancelhas levantadas. Reconhecimento
fugaz da minha presença. Nenhum calor em seus olhos, nenhum
sorriso quase imperceptível, literalmente nada que implique que
ele sabe como eu sou sem roupas.

Ele não se lembra da noite passada.

Meu coração afunda. A raiva explode em meu peito, vindo de


alguma parte combustível de mim. Estou com raiva dele e ainda
mais chateada comigo mesma. Eu sabia que ele estava exausto.
Eu não suavizei a situação, pensando que nossa relação iria
imediatamente fazê-lo se apaixonar por mim. Eu sabia que havia
uma grande probabilidade de que não fossem todas rosas. Mas
quando você adora bolo de chocolate e alguém serve a fatia mais
decadente e úmida que você já viu, como você deixa isso passar?

Você não.

Ainda bem que aprender a lição da primeira vez é minha


especialidade. Wyatt nunca mais me irritará.

Minha paixão de longa data pelo cowboy irritantemente bonito,


irritantemente misterioso e emocionalmente indisponível acabou
oficialmente.
6

Em uma casinha velha, quase nos limites da cidade, mora


uma velhinha que aprendi a amar.

Carol Calhoun.

Ela é engraçada. Geniosa. Doce como uma torta, e ela não


aceita merda de ninguém. Cuidado operadores de telemarketing,
porque Carol Calhoun não se deixará enganar por ninguém.

Ou então ela diz. A saúde da Sra. Calhoun diminuiu


rapidamente. O tempo que ela costumava passar cuidando do
jardim da frente agora é gasto sentada na cadeira da varanda.
Palavras que vêm facilmente às vezes lutam para encontrar seu
caminho para um pensamento coeso.

Tenho tentado descobrir uma maneira de conseguir a ajuda de


que ela precisa, mas tudo que consigo pensar é em contratar uma
enfermeira. Não posso colocá-la em uma casa, onde suas
necessidades possam ser atendidas 24 horas por dia, porque não
sou da família.

Pelo que eu sei, a Sra. Calhoun não tem muito estilo de família.
Seu filho não está mais vivo. Nem seu neto.

Graças à família Hayden.


Isso não quer dizer que nenhum dos homens Calhoun fosse
inocente. Principalmente seu neto. A Sra. Calhoun sendo deixada
sem família foi um dano colateral. Não significa que esteja tudo
bem, no entanto. E é por isso que estou aqui, e estou voltando há
um tempo. Reparação.

A Sra. Calhoun está em sua cadeira de vime bege, como


sempre. Seus cabelos brancos estão penteados, suas roupas estão
limpas e passadas. Se entrar em sua casa, ela estará imaculada.
Completamente desatualizado, mas mais limpo do que qualquer
cômodo da fazenda jamais esteve.

Eu puxo para cima e saio, caminhando até ela. Ela sorri


quando me vê. Eu vi fotos dela naquela época. Ela era bonita. Ela
ainda é, mas de uma maneira totalmente diferente.

— Oi, Sra. Calhoun.

Ela acena para mim. — Olá, meu jovem.

Não houve um dia, desde que comecei a visitá-la, alguns anos


atrás, que ela não me cumprimentasse com essas palavras.

Paro a alguns metros dela. — Você tem uma lista para mim?
Eu tenho aquelas plantas que você pediu na parte de trás da
minha caminhonete.

— Oh sim, sim. Na mesa da cozinha. — Ela se levanta


lentamente e eu me inclino para frente, pronto para ajudá-la se ela
precisar. Aprendi a não oferecer ajuda verbal a ela, então, em vez
disso, ajo como se nem estivesse pensando nisso quando, na
verdade, estou prestando muita atenção.
Eu ando na frente dela e abro a porta. Ela pode não gostar de
ajuda, mas aprecia o comportamento cavalheiresco.

Como ela disse, a lista está na mesa da cozinha. Ela prepara


uma xícara de chá enquanto eu leio sua letra cursiva.

— Menos coisas do que algumas semanas atrás, — comento,


segurando o pedaço de papel no ar.

Ela coloca um saquinho de chá na água fumegante e sorri. —


Vou me certificar de pensar em mais coisas para a próxima vez.

Eu rio e começo a trabalhar. A maior parte do trabalho são


coisas menores, do tipo manutenção. Algumas árvores estão
crescidas demais e precisam ser aparadas. Dois de seus postes de
cerca de madeira estão quebrados e precisam ser substituídos.
Limpo algumas janelas que sei que ela não alcança. Quando a vejo
se abaixando para arrancar ervas daninhas de seu jardim de ervas,
faço uma nota mental para construir uma caixa de plantio para
ela na altura do quadril, para que ela não tenha mais que se
curvar. Vou dizer a ela que o encontrei em uma pilha destinada ao
lixo a granel, do contrário, ela não vai aceitar, e não vou dizer uma
maldita palavra sobre como ela não deveria estar mais curvada
daquele jeito.

Ela está de volta em sua cadeira na varanda da frente quando


eu termino. Como sempre, há uma nota novinha de vinte dólares
na mesa ao lado dela. Ela pega e entrega para mim.

— Obrigada por me ajudar, jovem.

— De nada.
— Vou conseguir companhia em alguns dias. Dois dos meus
netos estão vindo nos visitar.

Netos? Achei que ela só tinha um.

— Isso é bom, Sra. Calhoun. Quais são os nomes deles?

— Ricky e Chris Marks. Irmãos.

— Bom. — Eu sorrio para ela. — Tenho certeza que vai ser


bom vê-los. Se você não se importa, vou pegar um copo de água e
sair da sua cola.

Entro em casa, pego uma bebida e coloco a nota de vinte de


volta em sua carteira de onde veio. Como sempre.

Mais tarde naquela noite, quando estou sozinho em minha


casa, procuro Ricky e Chris Marks na internet. Eu não gosto do
que encontro.

Os irmãos, vinte e dois e vinte e quatro, foram encontrados em


posse de metanfetamina e condenados a três anos de prisão. Todo
mundo se engana, eu sei disso mais do que ninguém, mas algo na
foto que acompanha a história me incomoda.

Talvez seja porque eles se parecem tanto com Dixon, se não


pelas características físicas do que pela expressão facial.

Arrogante. Intitulado. Como se o mundo tivesse roubado algo


deles e eles estivessem planejando recuperá-lo.

A data do artigo é de pouco mais de três anos atrás.


Eu poderia dar a eles o benefício da dúvida. Talvez a prisão os
tenha mudado. Talvez eles tenham se graduado enquanto
estavam, ou encontraram Jesus.

De qualquer forma, prestarei muita atenção quando eles


chegarem à cidade.
7

Estou com um pouco de dor de cabeça. Depois de me


encontrar com o xerife ontem, fiquei cozinhando pelo resto do dia.
E, assim que foi razoavelmente aceitável, abri uma garrafa de
vinho.

Alguns anos atrás, a ideia de uma proximidade forçada com


Wyatt Hayden teria me deixado em uma espiral de corações e
flores. Agora isso me leva a beber.

Poderia ter dito não a ele ajudando no rancho, como Shelby


apontou na noite passada. E eu queria, realmente queria. Mas por
mais que gostaria de fazê-lo se contorcer, não poderia dizer não.
Não sei o que o esperava senão pelo serviço comunitário, mas não
queria entregá-lo diretamente.

Dakota está a caminho de me encontrar aqui no The Circle B.


Estou parada do lado de fora do meu carro, olhando ao redor.

Eu sabia no que estava me metendo antes de assinar os


papéis. O rancho está vazio há quase duas décadas, e eu vi o
suficiente nesse período de tempo que pensei que sabia o que
esperar. Quando mencionei uma inspeção para Jericho durante o
processo de compra, ela riu e me disse que todos os outros clientes
em potencial queriam tanto esta propriedade que se ofereceram
para dispensar a inspeção. O que ela estava realmente dizendo é
que não estrague tudo pedindo mais do que os outros. Mensagem
recebida.

Faz um tempo que não vou ao The Circle B, não desde antes
de Tenley Roberts aparecer em Sierra Grande para filmar seu filme
e eles usarem o rancho para algumas das cenas. Tenley Hayden,
eu acho, mas profissionalmente ela manteve seu nome de solteira.

Uma longa linha de ciprestes carecas corre paralela ao outro


lado do quintal. A casa é ampla, térrea, com fachada de pedra de
rio. O revestimento costumava ser vermelho, mas agora está
desbotado e sem brilho, descascando de todos os lados como fios
de cabelo de bebê. As escadas que levam até a varanda da frente
não parecem algo em que se possa confiar, e o piso da varanda
cede no centro.

Jericho disse que a família que abandonou este lugar


contratou uma pessoa para cuidar da administração da
propriedade, mas pela aparência de fora eu diria que eles pagaram
por um monte de conversa fiada.

Colocando a mão sobre os olhos, me viro e olho para o vale em


frente à casa. Colinas suavemente inclinadas dão lugar a terras
planas. Nada disso é verde e não sei porque. Não chove muito, mas
deve haver um lençol freático em algum lugar, fornecendo água
para a terra. Não é uma grande preocupação agora, porque esta
não será uma fazenda de gado em funcionamento, mas é algo que
tem que ser resolvido eventualmente.
A algumas centenas de metros de onde estou, fica um grande
celeiro e estábulo. Graças a Deus por pequenos milagres. Não
tenho dinheiro para construir isso.

O estábulo redondo parece aproveitável. Vou demorar um


pouco para conseguir o tipo certo de cavalo, o tipo que está
completamente falido e não se chocaria com uma mosca. Ao lado
está o que parece ser um trailer muito novo, esquecido por quem
quer que seja o responsável pelos trailers em um set de filme. Vou
devolver para Tenley, mas espero que ela me deixe usá-lo como um
escritório improvisado até que a casa principal esteja habitável.

Dakota para em uma caminhonete de fazenda e sai. Ela grita


uma saudação, em seguida, abre a porta traseira e estende a mão,
pegando Colt. Ela o prende a uma transportadora que usa no peito
e se aproxima.

— Olá, — ela me dá um abraço lateral.

Passamos alguns minutos conversando sobre o bebê, mas


Dakota rapidamente muda o assunto de volta para o The Circle B.
— Primeiro, — ela diz, apontando para a placa, — qual é o novo
nome?

— Adicione-o à lista de coisas que preciso fazer. — Franzo a


testa ao pensar no tamanho da lista e em sua taxa de crescimento
constante.

— Eu sei que pode parecer opressor, — diz ela, esfregando a


mão no meu ombro. — Eu me senti da mesma maneira quando
meu pai me encarregou de construir The Orchard. — Ela olha para
a casa principal. — E isso nem incluía demolição.

— Vou precisar de uma demolição?

— Meu palpite é que você terá uma quantidade razoável de


trabalho a fazer. Você disse que alguém está cuidando do lugar,
certo?

— Isso é o que Jericho me disse. Ela disse que a casa precisava


de um pouco de tratamento térmico, mas não estava no estado em
que você pensaria que estaria depois de ficar vazia por tanto
tempo. Aparentemente, eles tinham um zelador que vinha uma vez
por mês para verificar. Certificar-se de que os canos não estourem
e inundem o lugar, esse tipo de coisa. — Eu mordo meu lábio
quando lembro o nome nos papéis que assinei. — Foi estranho,
honestamente. O vendedor não era uma pessoa, mas uma
empresa.

— Ohh, parece que você tem um mistério para resolver.

— Não, obrigada. Não pretendo ficar com um cavalo de


presente na boca.

Dakota enfia o cabelo em um elástico e pergunta: — Você está


pronta para descobrir no que está se metendo?

Pego um bloco de papel da bolsa e uma caneta. — Mostre o


caminho, — digo a ela.

Percorremos toda a propriedade, Dakota protegendo a pele


macia de Colt do sol. Dakota aponta várias coisas, algumas óbvias
(janelas quebradas) e outras em que eu não teria pensado até que
o problema me atingisse no rosto (trabalho elétrico).

No momento em que fazemos uma pausa, eu tenho uma lista


de reparos, demonstrações e os nomes de quem ligar que é maior
do que meu braço. Dakota me instrui a abrir seu banco de trás, e
eu encontro um almoço completo do The Orchard, incluindo meu
sanduíche favorito, um pesto, alcachofra e queijo Havarti grelhado
que era a receita de sua mãe.

— Há um biscoito extra para você também. — Dakota vem


atrás de mim. Ela está cuidando de Colt enquanto ela anda, a casa
emoldurando-a quando ela se aproxima, e sou atingida por uma
sensação de descrença. Não posso acreditar que isso está
realmente acontecendo. Tudo isso parece tão fora deste mundo.

Instalamo-nos no degrau inferior da frente da casa principal,


na parte que não está apodrecida.

Colt faz barulho enquanto come, engolindo e engolindo de


forma audível. Dakota olha para ele. — Ele é um comedor
barulhento.

— Não me incomoda. — Eu dou uma mordida no meu almoço.


— Você se lembra daquela primeira noite em que veio a Sierra
Grande?

Ela ri. — O restaurante do hotel. Seu cabelo quase roçou a


parte inferior das costas. — Ela se estica, brincando com meu
cabelo. — Eu gosto assim também, no entanto. Você é uma beleza
natural.
Há um ano, cortei 18 centímetros, de modo que agora caem
até o meio do meu peito. Mantive as pontas rosa, no entanto. Eu
sou o tipo de garota que segue as regras, mas a cor me faz sentir
um pouco como uma pessoa que não tem que ser tão séria o tempo
todo.

— Obrigada.

— Você quer saber do que me lembro mais daquelas primeiras


vezes que nos encontramos no hotel?

Eu aceno, chupando uma gota de pesto do meu polegar.

— Encontrei você na The Bakery. Quando nós compartilhamos


aquele vinho que tinha na minha bolsa e uma barra de limão. Sinto
que foi quando nossa amizade realmente começou.

Eu me lembro exatamente. Estava sentada a uma pequena


mesa, esboçando ideias para o lugar onde estou sentada agora.
Dakota entrou e pediu sobremesa como uma mulher que precisava
de um pico de açúcar, pronta. — Você parecia tão confusa sobre
Wes.

Ela bate no meu ombro suavemente com o seu. — Você


também parecia muito confusa. Você vai me dizer quem fez você
se sentir assim?

Olho para os campos achatados e marrons à distância. — Não


importa. Já passou muito tempo.

Dakota muda de assunto. — Como está Jared?

— Muito bom. — Eu aceno com entusiasmo. — Ele é tão legal.


O silêncio de Dakota chama minha atenção. Seus lábios estão
pressionados.

— O que? — Eu pergunto, pegando um pedaço de alcachofra


caído e colocando na minha boca.

— Nada.

— Basta dizer, senão vou ler sua linguagem corporal e se eu


estiver errada?

Dakota ri. — Você é boa. — Ela usa um dedo para empurrar


um pedaço rebelde de alface de volta em seu sanduíche. — Toda
vez que pergunto sobre Jared, essas são as duas palavras que você
usa para descrevê-lo.

Eu penso em nossas conversas anteriores, mas nada se


destaca. — Bom e legal?

Ela balança a cabeça, mastigando e limpando as migalhas que


caíram no ombro de Colt.

Minhas sobrancelhas se juntam. — Eles não são imprecisos.

— Claro que não.

— O que você não está dizendo?

— Eu só me pergunto por que você não tem outros adjetivos


para descrevê-lo. As pessoas não são 'boas' e 'legais' o tempo todo.

— Ele meio que é. — É verdade. Eu nunca o vi levantar a voz,


ou mesmo ficar frustrado.
Dakota sorri. — Contanto que você esteja feliz, eu estou feliz
por você.

Terminamos o almoço e Dakota vai embora. Reviso a lista que


ela me ajudou a criar, tentando priorizar as tarefas na ordem em
que devem ser feitas, e então começo no trailer. Dakota me disse
para não me preocupar em perguntar a Tenley sobre como usá-lo,
que ela não se importaria. Começo abrindo todas as janelas para
entrar um pouco de ar, em seguida, limpo de cima a baixo usando
os suprimentos que joguei no meu carro antes de sair. Minha dor
de cabeça já passou, mas a dor na minha bunda, com o nome de
Wyatt Hayden, persiste.
8

— Wyatt, atenda a porta. — Dakota está parada na minha


porta, batendo pela segunda vez. — Eu sei que você está aí.

— Na verdade, estou bem aqui.

Dakota salta uma milha, girando para me encarar com uma


mão em seu peito. — Você é um idiota.

— Foi você quem estava batendo na minha porta.

— Eu estava vindo para contar a você sobre o The Circle B. Jo


precisa de ajuda.

— Estou ciente.

Ela inclina a cabeça para o lado, as sobrancelhas franzidas. —


Como você sabe disso? Eu literalmente vim de lá.

— Um passarinho me contou. — De jeito nenhum vou contar


a ela sobre a reunião com o xerife ontem de manhã, porque isso só
levaria a mais perguntas. Meu pai não contou a ninguém, além de
minha mãe, sobre minha quase prisão, ou as consequências disso.

Dakota sabe que há mais nisso, mas ela também sabe que não
vai chegar a lugar nenhum comigo se continuar pressionando. —
Então, estava pensando, você deveria ajudar Jo a começar o
projeto. Eu não disse a ela porque ela parecia muito oprimida, mas
ela provavelmente está mordendo um pouco mais do que ela sabe
mastigar.

— Não é assim que diz o ditado.

— Estou ciente, mas pense nas palavras. Falo sério. Ela não
pode mastigar porque não sabe mastigar o que precisa ser
mastigado.

Eu balanço minha cabeça para ela. — Não vamos dizer


'mastigar' por enquanto.

Dakota ri e desce os dois degraus até onde estou. Ela bate no


meu braço de brincadeira. — Concordo. Então você vai ajudá-la?

— Por que eu? Você acha que não tenho mais nada melhor
para fazer?

— Não. Acho que você é inteligente, forte e muito bom em


ajudar as pessoas.

Seu elogio me deixa desconfortável e não tenho certeza do que


dizer a seguir. Eu sou resgatado de ter que responder quando Wes
emerge das árvores que separam minha cabana da propriedade,
seus olhos focando em mim e Dakota. — Aí está você. Tenho ligado
para você.

Minhas sobrancelhas levantam enquanto coloco a palma da


mão no meu peito. — Quem eu? — Obviamente, sei que ele está
falando com Dakota, mas não posso deixar passar a chance de
dificultar meu irmão mais velho.
Wes me lança um olhar zombeteiro e envolve seus braços em
volta de sua esposa. Dakota sorri e diz a ele que seu telefone está
na caminhonete, junto com Colt.

Wes entra em pânico. — Colt está na caminhonete?

— A caminhonete está ligada. As janelas estão meio abaixadas.


Estou bem aqui. A caminhonete está a três metros de distância.
Tudo está bem.

Pergunto-me quantas vezes por dia Dakota acalma Wes


quando se trata de seu filho. Eu a vi fazer isso várias vezes. Wes
não vai contar a nenhum de nós, mas algo aconteceu no Iraque, e
aposto que todo o dinheiro da minha conta bancária tem a ver com
uma criança. Eu nunca o vi tão agitado.

Ele permite se acalmar, mas ainda assim se afasta para


colocar seus próprios olhos em Colt. — Ei, Wes, — grito atrás dele.
— Sua esposa acha que sou inteligente e forte. Desculpe pela a sua
sorte, amigo. — A única maneira que conheço de aceitar um elogio
é brincando sobre isso.

Wes me mostra o dedo do meio sem olhar na minha direção.

— Você vai ajudá-la? — Dakota pergunta quando volto minha


atenção para ela.

Estarei lá de qualquer maneira, porque gostaria de evitar uma


ação judicial, mas não digo isso a Dakota. O que acabo dizendo é
uma forma da verdade. — Eu não acho que Jo me quer lá.

Dakota faz uma careta. — Por que você pensa isso?


Porque ela disse isso. Em voz alta, eu digo a ela: — É apenas
uma vibração que estou recebendo dela há um tempo. Sempre
fomos amigáveis, mas acho que fiz algo para aborrecê-la. Vários de
nós fomos para Phoenix cerca de um ano e meio atrás, e ela está
me dando ombros frios desde então.

Dakota aperta os olhos e estende a mão sobre eles para


protegê-los do sol do fim da tarde. — Ombro frio desde uma viagem
a Phoenix?

Eu encolho os ombros. — É a única coisa que consigo pensar.

Dakota acena lentamente. — Certo. Eu continuaria com isso.


Talvez haja algo mais nisso.

Sua voz tem uma cadência estranha, como a excitação que ela
está tentando conter. Começo a perguntar a ela, mas ela me
interrompe.

— Oh, desculpe, não posso falar. Colt precisa comer.

Aponto para a caminhonete, onde Wes está sentado no banco


traseiro aberto. — Ele nem está acordado.

Dakota me encara. — Você gostaria que eu lhe contasse como


meu corpo me diz que é hora de Colt comer?

Eu bufo uma risada. — Na verdade, não.

Dakota volta para sua caminhonete, virando-se uma vez para


me lembrar que quanto mais cedo eu puder começar no The Circle
B, melhor.
— Precisa de um novo nome, — grito atrás dela.

— Ela sabe, — Dakota grita de volta.

Eu aceno para meu irmão e sua família e entro para comer


mais um jantar sozinho.

•••

Estou trabalhando a partir de uma lista que Dakota me


mandou uma mensagem na noite passada. E ainda estou na
primeira tarefa.

Limpeza geral.

É difícil saber o que pode ser aproveitado no The Circle B


porque tudo precisa de atenção. Para onde quer que eu olhe, há
algum tipo de entulho. Galhos caídos, palha de pinheiro, pinhas,
lixo de festas anteriores, até mesmo merda que eu acho que foi
deixada pelo pessoal do cinema. Dakota me disse que alguém
vinha verificar a propriedade de vez em quando, e me parece que
eles fizeram um trabalho meio estúpido.

Estou aqui e pronto para trabalhar com uma xícara de café


gigante de papel para viagem da lanchonete, uma garrafa ainda
maior de água e, neste exato momento, estou muito grato por ter
pensado em pegar minhas luvas de trabalho. Neste ponto, tenho
uma pilha decente em andamento, tentando consolidar o máximo
das coisas que identifico como lixo. Tenho certeza de que a opinião
de Jo sobre o que é lixo não é totalmente igual à minha, mas ela
não está aqui para me direcionar, então estou fazendo o melhor
que posso por conta própria. Coloco meus fones de ouvido e
começo a trabalhar.

Não demora muito para o sol queimar o ar frio do meio da


manhã. O suor escorre pelas minhas costas e, como ninguém está
aqui, exceto eu e os dois gaios-azuis que avistei trinta minutos
atrás, tiro a camisa e coloco no bolso de trás.

O trabalho é difícil, honestamente, um pouco mais difícil do


que estou acostumado. No rancho da minha família, eu me
concentro em trabalhos que tenham a ver com cavalos, e isso não
inclui limpar baias. Essa tarefa vai para o homem mais baixo da
lista e, no verão, contratamos um garoto do ensino médio
procurando ganhar algum dinheiro.

Então, é isso? É um trabalho árduo. Tudo porque iria ajudar


Sara e Mickey. Em retrospecto, deveria ter caminhado para a casa
deles. Ou corrido, na verdade, para chegar a tempo. Eu vi Sara na
cidade ontem depois que saí da casa da Sra. Calhoun. Ela estava
carregando mantimentos, atolada em quantos ela estava tentando
carregar de uma vez. Eu parei em um local aberto e tirei alguns
sacos de suas mãos, e sua manga comprida subiu apenas o
suficiente para que eu visse o novo hematoma em seu pulso.
Minha presença poderia tê-la protegido, com certeza.

Sei que algo mais precisa ser feito, só não sei o que. Se eu me
afastar, se envolver a polícia quando sei que Sara não o fará, isso
será para o Mickey. O estado pode prestar queixa por conta
própria, eles nem precisam de Sara para fazer isso. Se eles virem
evidências de abuso, o jogo termina. Odiaria ver isso acontecer,
mas temo que seja esse o caminho que eles estão trilhando.

Surpreendentemente, esse trabalho árduo é bom para mim.


Meus músculos estão gritando, mas gosto disso. Eu paro apenas
para beber da minha água. Terminei o café há uma hora. Por mais
que esteja gostando do trabalho, vou ter que parar logo. Estou
quase sem água.

Estou me curvando, tentando separar duas tábuas velhas,


quando ouço. Um estrondo, um grito vindo do trailer a cem metros
de distância. Corro em direção a ela, completamente confuso, sem
entender como tal coisa pode acontecer quando pensei que estava
deserto aqui. Jo sai correndo do trailer, o cabelo chicoteando seu
rosto.

Ela corre direto para mim, então percebe que sou eu e desliza
até parar. — O que você está fazendo aqui? — ela exige.

— Trabalhando. O que diabos aconteceu lá? — Olho por cima


do ombro em direção ao trailer, mas tudo parece estar em ordem.
Nenhum louco com motosserra perseguindo-a.

Ela limpa a mão na testa, onde minúsculas gotas de suor se


acumulam na linha do cabelo, e ignora minha pergunta. — Você
está trabalhando? Eu nem te disse o que fazer.

Uau. Jo realmente acha que sou um idiota. Olhar por aqui e


descobrir por onde começar não é exatamente uma ciência
espacial. Além disso, você sabe, eu tinha uma lista. — Sou
proativo.

Jo franze a testa. Não é chocante, considerando que parece ser


tudo que eu a faço fazer.

Desisto do ato. — Dakota me deu uma pequena lista.


Perguntou-me se poderia te ajudar.

A carranca de Jo se aprofunda. — Então agora você é um bom


samaritano? Você consegue sair disso cheirando a rosas, agindo
como se estivesse me ajudando com a bondade do seu coração,
quando na verdade está evitando um DUI2?

Os músculos do meu pescoço e da parte superior das costas


se contraem. — Você sabe.

Ela suspira e apunhala a grama morta com a ponta da


sandália. — Shelby é minha colega de quarto.

Coço meu peito e só quando meus dedos encontram a pele nua


é que me lembro que estou sem camisa. Eu me levanto um pouco
mais alto, sabendo que isso faz meus músculos incharem. Não é
que eu esteja tentando impressionar Jo, mas também não estou
tentando não impressioná-la. — Provavelmente há algo que ela
assinou em algum lugar sobre não contar às pessoas certos
aspectos de seu trabalho.

2
DUI: Driving Under the Influence, pronunciado dewey, refere-se a uma pessoa sendo presa por dirigir
depois de consumir álcool. Geralmente as pessoas com DUIs não estão bêbadas, mas apenas acima do limite
arbitrário de 0,08.
Jo dá de ombros. Aposto que ela não seria tão arrogante se
fosse seu assunto privado sendo compartilhado. — É uma cidade
pequena. A palavra vai se espalhar eventualmente. Sempre vai,
Wyatt.

Um pequeno arrepio percorre minha espinha. — Você disse


meu nome.

— Então?

— É a primeira vez que você diz meu nome desde que o xerife
nos chamou.

— Você tem um ponto?

— Talvez você goste de mim afinal.

Seu queixo levanta, os olhos brilhando. — Não conte com isso.

Eu olho de volta para o trailer. — À Quanto tempo você esteve


aqui?

— Algumas horas. Tenho ouvido música e pesquisado. Você?

— Mesmo. — Eu olho em volta. — Onde está o seu carro?

— Meu namorado me deixou aqui.

Não gosto do jeito que ela fala namorado. Como se ela estivesse
apontando ou esfregando isso. Como se ela quisesse ter certeza de
que eu sei.

Funciona. Um calor hostil se espalha pelo meu peito. — Seu


namorado tem nome?
— Você não o reconheceria, — diz ela, mas o que realmente
acho que ela quis dizer é que você não é o tipo de pessoa de quem
ele seria amigo.

Eu faço uma careta. — Pare com isso, Jo. Conheço todo


mundo.

Ela cruza os braços. — Eu duvido muito disso.

Também cruzo os braços, pronto para retrucar, mas sou


impedido pelo que Jo está fazendo. Corrija-me se estiver errado,
mas acho que Jo Shelton, boa menina extraordinária, acabou de
verificar meu peito nu. E meus braços.

Adoraria provocá-la por isso, mas sei o quanto isso vai ser
ruim, então invoco cada grama de força de vontade e guardo
minhas palavras para mim mesmo. Eu me permito um sorriso, no
entanto, e me certifico de que ela veja, porque não posso deixá-la
escapar completamente. Flores rosas em suas bochechas. Bom.

Ela se vira, resmungando.

— O que é que foi isso? — Eu pergunto.

— Vista uma camisa, — ela diz, caminhando de volta para o


trailer.

Eu rio, então me lembro do que começou tudo isso. — Por que


você gritou e saiu correndo?

— Aranha enorme.

— Você quer que eu vá matá-la?


— Eu já fiz.

— Então por que você saiu correndo?

Suas bochechas ficam ainda mais rosadas. — É o que faço


quando mato um grande inseto. É meu, uh...

Nunca em minha vida vi Jo se atrapalhar com as palavras. Ela


é tão confiante, tão cuidadosa, tão... contida.

— Basta dizer, — eu persuado.

— É o meu grito de guerra.

Tento não rir, mas não posso evitar. — Grito de guerra?

— Isso me dá coragem para matá-lo. Do contrário, não posso


fazer isso.

— Grito de guerra... — Eu contemplo a ideia.

— Não diga a ninguém que eu te disse isso.

Concordo. Ela volta para o trailer. Eu retomo o que estava


fazendo, trabalhando até não estar apenas fora d'água, mas
também seco, porque ela ainda está aqui.

Eu paro apenas quando um modelo mais novo de sedan chega.


Um cara sai, o namorado dela, estou supondo. Ele é alto, mas não
tão alto quanto eu. Ele é magro e nem de longe tão musculoso
quanto eu. No que diz respeito a competições irritantes, estou
ganhando.
Não sei por que acho que precisamos fazer um concurso de
urina. Nós não. Jo é sua namorada e ela me odeia apenas um
pouco menos do que me odiava ontem. Eu acho. Progresso.

Jo sai do trailer. Ela cumprimenta o namorado de uma forma


agradável, mas moderada. Provavelmente porque estou por perto.

Seria estranho se os ignorasse completamente, mesmo que


queira, então eu vou até eles e cumprimento. Jo começa a fazer
apresentações, mas a interrompo, não para ser rude, mas para
provar um ponto.

— Oi Jared, do banco. — Estendo minha mão e dou a ela um


olhar penetrante. Ela estreita os olhos.

Jared agarra minha mão com mais força do que o necessário.


— Hayden, certo? Wes, não é? Ou Warner?

Bem jogado, filho da puta.

Eu combino seu aperto. — Wyatt, na verdade.

Nós nos soltamos. Ele envolve seu braço agora livre em volta
da cintura de Jo, inclinando-se e beijando-a. A princípio ela está
surpresa, então um flash de irritação passa por seu rosto.

Eu quero rir, mas decido não rir. Já estou do lado ruim de Jo,
e está frio aqui.

— Você está pronta, baby?


A frase de Jared rendeu a ele outro olhar de irritação de Jo, e
acho que tem algo a ver com o apelido que ele acabou de usar com
ela.

— Claro, deixe-me pegar apenas uma coisa que deixei para


trás. — Jo se vira e volta para o trailer. Não sinto necessidade de
ficar aqui e ter uma conversa fiada dolorosa, então volto para
minha garrafa de água vazia. Posso ouvir Jared andando atrás de
mim. Ele para quando eu faço.

— Ela está em um relacionamento, você sabe.

Arrasto minha mão sobre minha testa e me viro. — Algo sobre


a maneira como apertei sua mão e me apresentei deu a impressão
de que estou atrás de sua namorada?

As mãos de Jared deslizam para os bolsos de suas calças


passadas. — Não.

— Então o que há sobre mim que está fazendo você reivindicar


desnecessariamente?

— Eu ouvi falar de você. Você obviamente não sabe como


manter suas mãos longe do que não é seu.

Quando eu era mais jovem, um comentário como esse teria


terminado de uma maneira: meus punhos voando. À medida que
envelheci, aprendi melhor como controlar meu temperamento.
Além disso, ele não estaria falando assim se não fosse ameaçado
por mim. Essa é outra lição que aprendi à medida que envelheci.
Muitas vezes as pessoas agem por medo.
Levanto minhas sobrancelhas. — Acho que você sabe quem eu
sou afinal.

Um canto de seu lábio se ergue. — Fique longe de Jo, e vou


garantir que ela fique longe de você.

Eu rio. — Você está planejando dizer a ela o que fazer? Esta é


sua chance. Ela está bem aí. — Jo está a poucos metros de
distância, e ela ouviu cada palavra. Eu sei porque a observei se
aproximar.

— Vamos, — ela anuncia, girando ao redor. Jared segue atrás


dela, sua coragem curiosamente faltando.

Espero que eles saiam, jogo minha xícara de café vazia na


enorme pilha de lixo e vou para casa.

No caminho, ligo para minha mãe e pergunto se posso jantar


no rancho com eles. Ela faz o possível para encobrir sua surpresa,
e faço o possível para não notar que ela está lá.
9

— Eu gostaria que você tivesse gravado, — diz Shelby, dando


uma mordida no macarrão que pegou no caminho do trabalho para
casa.

— Eu também. Foi uma visão e tanto. — Sento-me ao lado dela


no sofá, um prato equilibrado na minha mão. — Eu nunca vi Jared
agir assim.

— Ele estava fazendo uma postura. Marcando seu território.

— Mas por que?

Shelby me encara. — Você viu Wyatt?

Eu rolo meus olhos. — Uma ou duas vezes, sim.

— Então eu não preciso explicar o porque.

— Jared não tem nada com que se preocupar, — digo em torno


de uma mordida.

— Talvez não. — Ela encolhe os ombros. — Mas estritamente


do ponto de vista biológico, havia um homem superior lá hoje, e
não era Jared.

Eu paro com uma garfada de macarrão. — Obrigada, — eu


digo secamente. — Vou ter certeza de não mencionar isso a ele.
Shelby ri. — Você sabe o que quero dizer. Reino animal,
natureza, blá- blá -blá.

— Quer ouvir algo interessante?

— Sempre.

— Wyatt estava trabalhando sem camisa hoje.

Shelby faz uma pausa no meio da mastigação. — Estou


supondo que você não gravou isso também.

Estendo a mão e limpo o molho de seu lábio superior. — Pensei


que você não gostasse dele?

— Eu não gosto dele, mas isso não significa que não possa
apreciar os presentes que Deus deu a ele.

Eu rio. — Acho que você pode ser louca. Ou realmente difícil.

Ela balança a cabeça, concordando com os dois, e continua


comendo. — O que você vai fazer sobre Jared?

— O que há para fazer? Já expliquei que ele não tem permissão


de opinar em nada. — Ele ficou envergonhado. Acho que ele deixou
que o concurso de mijo descaradamente óbvio levasse o melhor
dele.

Eu disse a ele que jantaria com Shelby, porque já havia


prometido a ela que faria isso e que voltaria mais tarde. Ele se
desculpou por como agiu quando viu Wyatt, e eu expliquei que
Wyatt não iria a lugar nenhum por um bom tempo. Eu poderia
dizer que ele não estava feliz com isso, mas ele não entenderia,
mas não vou levar a roupa suja de Wyatt apenas para fazer Jared
se sentir melhor.

•••

Estou em frente à placa de cobre do The Circle B de pátina,


brincando com novos nomes para o rancho. Ainda não encontrei o
certo. Eu preciso de algo despretensioso. Não quero ser básica e
óbvia, como o rancho de Jo para jovens em risco. O objetivo é ser
um lugar aonde essas crianças queiram ir, não esfregar o nariz
com seus erros.

Estudo a lista de nomes possíveis que anotei no caderno,


folheando a página com o polegar. Talvez eu mostre para Dakota
mais tarde e veja o que ela acha.

Eu volto para o trailer e verifico meu telefone. Dakota deve


chegar a qualquer minuto, e Wyatt também. Mandei uma
mensagem para ele ontem à noite perguntando se ele poderia
voltar. Mandei entregar uma lixeira gigante esta manhã depois de
ver a pilha que Wyatt estava indo. Precisamos transferir tudo para
a lixeira grande antes que eles voltem para buscá-la. Também
liguei para os números que Dakota me deu e tenho reuniões nos
próximos dias para obter algumas estimativas de um empreiteiro
geral. Tenho muitas ideias e muito pouco dinheiro, mas pelo
menos preciso saber no que estou me metendo. No mínimo, preciso
tornar a casa principal habitável o suficiente para que Travis
venha morar comigo, se quiser.

Dakota para e Wyatt está na caminhonete atrás dela. Ele


acena para mim e vai ajudar Dakota a tirar Colt do carro. Em vez
de entregar o bebê para sua mãe, Wyatt o mantém. Ele se afasta,
a cabeça perto da cabeça de Colt, e está falando com ele.

Dakota os observa com afeto aberto enquanto ela vem em


minha direção. — Ele é um porco bebê. Ninguém tem chance se
Wyatt estiver por perto. — Ela deixa cair uma bolsa de fraldas a
seus pés. — Você não acreditaria na quantidade de coisas que uma
pessoa pequena precisa.

Lembro-me de tudo desde quando Travis era um bebê.


Quantas vezes sua fralda precisava ser trocada e quantas pomadas
são necessárias para ajudar com a assadura. Eu não mencionei
isso para Dakota, no entanto. Ela sabe que passei dois anos com
Travis antes de minha mãe se mudar, mas não contei a ela como
estava envolvida em seu cuidado diário.

Eu estudo Wyatt com Colt. Ele abaixa o rosto, falando baixinho


sobre quem sabe o que. Já vi Wyatt em várias situações ao longo
dos anos, mas vê-lo cuidar de um bebê é provavelmente a coisa
mais sexy que já o vi fazer. E ele nem sabe que está fazendo isso.

Eu gemo silenciosamente quando reconheço a primeira


respiração da minha antiga paixão despertando. Pernas longas,
peito largo. Preciso voltar ao lugar para onde o bani.
Absolutamente não. Eu disse a Jared que ele não tem nada
com que se preocupar e eu quis dizer isso. Esses velhos
sentimentos não são nada além de memórias, então os empurro
para baixo, afastando-me da visão de Wyatt segurando um bebê.

— Eu descobri isso, — sussurra Dakota.

— Descobriu o que? — Eu sussurro de volta.

— A pessoa com quem você dormiu em Phoenix foi Wyatt.

Meu estômago aperta. — E eu... Por favor, não conte a


ninguém.

Dakota estende a mão para mim. — Claro que não. Mas se


estou me lembrando de nossa conversa corretamente, você disse
que ele não lembra, certo?

Eu concordo. Lágrimas picam no fundo dos meus olhos. Eu


me sinto estúpida. Eu me afasto para que Dakota não me veja, e a
sensação passa.

— Você realmente se preocupa com ele, não é? — Seu tom é


gentil. A falta de piedade me faz sentir melhor.

— Preocupou. Tempo passado. Eu superei ele.

— Claro, claro. Você está namorando Jared agora.

— Certo. E ele está…

— Bom e legal?

Eu dou a ela um olhar sujo. — Pare.


— Sinto muito, foi muito fácil.

Eu balanço minha cabeça e permito um pequeno sorriso. Não


digo a ela que essas palavras estavam prestes a sair da minha
boca.

Wyatt traz Colt de volta para Dakota. — Ele está se


contorcendo, — ele informa Dakota.

Dakota sorri orgulhosamente para Wyatt, então se vira para


mim para explicar. — Na noite passada eu ensinei a ele o que
significa enraizar. Wes e eu paramos na casa para a torta de
Juliette.

— Não havia o suficiente, mas isso não te impediu, — Wyatt


resmunga de brincadeira.

Dakota pega Colt de Wyatt. — Wyatt acha que ele é a única


pessoa que gosta de torta de cereja, — ela brinca, dando uma
cotovelada em Wyatt. Ele se dobra, fingindo estar ferido.

Eu nunca vi esse lado de Wyatt. Brincar com a família, ser tio.


Isso o pinta de uma luz diferente e me deixa desconfortável. Preciso
que ele seja um idiota, para que eu possa operar com firmeza no
mundo seguro de estar acima dele.

Dakota puxa uma fralda de sua bolsa, deslizando sobre sua


cabeça e cobrindo Colt, quase como um avental. Ela enfia a mão
sob o tecido, ajustando a blusa, e espia para baixo para olhar o
bebê. A capa deve ser para o benefício de Wyatt, porque ela já
amamentou na minha frente antes. — Então ouça, Jo, — Dakota
começa, enquanto Colt está comendo feliz. — Eu acho que seu
último dia no Orchard deve ser em breve.

— O que? Não. Estou programada para a semana que vem. —


Sem mencionar que minha conta poupança secou recentemente
para que eu pudesse colocar dinheiro neste lugar, e minha conta
corrente não está exatamente cheia de dinheiro.

Dakota gesticula para fora. — Esta deve ser a sua prioridade.


É o seu sonho.

Ela está certa, mas também... comida. Abrigo. — Eu preciso


do dinheiro, Dakota. Consertar este lugar não vai sair barato.

Ela acena com a cabeça. — Eu entendo, acredite em mim. Você


pode trabalhar no Orchard pelo tempo que precisar.

Depois que Colt termina, Dakota leva Wyatt pelo local,


apontando coisas sobre as quais conversamos ontem e colocando
em nossa lista. Ela vai embora depois disso, dizendo que precisa
voltar para revisar o pedido de vinho no restaurante, e somos
Wyatt e eu.

— Pronta para começar? — Wyatt pergunta, deslizando as


mãos nas luvas de trabalho.

Eu estico meus dedos e olho para minhas mãos nuas. — Hum,


sim. Eu só preciso correr para a cidade rapidamente. Tenho
certeza que o Merc carrega…
— Não há necessidade. — Wyatt caminha para sua
caminhonete e alcança a banco, pegando um segundo par de
luvas.

Eles serão grandes demais para mim, mas não mencionei isso.
— Obrigada, — eu digo, pegando-as. Uma etiqueta está pendurada
na borda externa.

Tamanho pequeno. Definitivamente, não era do tamanho de


Wyatt. Digo a mim mesma que provavelmente são da irmã mais
nova dele, Jessie, mas no meu coração sei que não são.

Eu encontro seu olhar, e ele o mantém ali por apenas um


momento antes de desviar o olhar.

Com minhas mãos vestidas com as luvas, começamos. As


maiores coisas primeiro, diz ele, e depois diminuem de tamanho a
partir daí. O material menor cairá nas rachaduras e fendas criadas
pelos pedaços maiores.

Trabalhamos lado a lado, caindo em um silêncio confortável.


É impossível não notar os músculos em seus antebraços, a
camiseta colada ao bíceps inchado, a maneira como ele trabalha
com um foco singular. Talvez estivesse errada sobre Wyatt. Pelo
menos um pouco.

Depois de um tempo, fazemos uma pausa, sentamos na porta


traseira aberta de sua caminhonete e bebemos água. O suor desce
pelas minhas costelas, pela nuca e até pelo interior das minhas
coxas.
— Você está pensando em mudar o nome desse lugar? —
Wyatt pergunta. Ele balança o pé para frente e para trás, olhando
para mim enquanto espera que eu responda.

Eu olho para o sinal do The Circle B à distância. —


Definitivamente, só preciso descobrir o nome certo. Tenho algumas
ideias.

— Você quer compartilhá-las?

Eu fico olhando para ele. Não é minha intenção, mas sua


bondade me desarma. — Hum, claro. — Pego o caderno no carro e
entrego a ele.

Ele lê, seus lábios torcendo enquanto ele considera o que eu


inventei. — Eu acho que você deveria ter a palavra 'rancho' no
nome, com certeza. Talvez algo para indicar no que a pessoa está
se metendo. Como 'Rancho de Relaxamento' ou algo assim.

— Isso funcionaria se eu estivesse construindo um spa.

Wyatt ri. — Você me entende. Deixe claro o que é.

— Um lugar para mandar seus filhos quando você não


consegue fazer com que eles se comportem?

Ele sorri. — Sim, isso.

Eu balancei minha cabeça. — Não posso deixar tão óbvio que


nenhuma criança vai concordar em vir aqui. O rancho para onde
vão os meninos maus, — digo em tom de zombaria.
Ele bufa e sorri como se me achasse divertida. — Bom ponto.
— Seus olhos voltam para o trabalho que temos pela frente
durante o dia. — Você está pronta? — Wyatt pergunta, pulando.
Ele se vira e me oferece sua mão.

Não preciso de ajuda para pular, mas ele está sendo legal e
não quero desencorajar isso recusando. Nós estamos indo e
voltando, estranhos em um momento e apenas um pouco menos
estranhos no próximo. Eu coloco minha mão na dele e sinto
imediatamente, a maneira como meu coração se eleva e dispara.
Eu deslizo para fora da porta traseira, mas quando vou pegar
minha mão de volta, Wyatt me segura. Ele está olhando para mim,
mas parece que não está me vendo.

— O que? — Eu pergunto.

Seus olhos se estreitam enquanto ele me estuda. Eles são


escuros, como todos os homens Hayden, mas com listras
douradas. Lembro-me de como seus olhos me beberam naquela
noite, enquanto ele pairava sobre mim, mas a pontada de dor me
trouxe de volta à realidade.

— Nada, — ele responde suavemente, deixando cair minha


mão e me levando de volta ao nosso trabalho.

Continuamos trabalhando e Wyatt gosta de bater um papo.


Adicione isso às coisas novas e surpreendentes que estou
aprendendo sobre ele. É possível que ele tenha crescido um pouco
desde que dormimos juntos? A compreensão é impressionante,
fazendo com que o desconforto se desenrole dentro de mim.
— Você conhece a história deste lugar? — ele pergunta,
usando o interior da manga da camisa para enxugar o suor da
testa.

Eu balanço minha cabeça e afasto o cabelo do meu rosto. — A


repórter do Gazette mencionou isso, mas esqueci de dar uma
olhada.

— Eu tenho que te avisar, — Wyatt começa. — Eu não sei o


quão preciso é tudo isso. Pode ser apenas folclore da família
Hayden.

— Eu gosto de folclore.

Ele sorri. — Você pediu por isso.

Eu me inclino no cabo da minha pá e aceno para ele. — Estou


à espera.

Wyatt afasta o cabelo da testa e começa. — Quando meu avô


e meu pai administravam o rancho, havia uma família que veio e
começou o Círculo B. Eu era jovem e não me lembro de nada disso,
então nada disso é em primeira mão. A família do Círculo B tentou
vender sua carne por menos dinheiro, prejudicando não apenas o
HCC, mas toda a indústria do Arizona. Ainda não tínhamos nos
diferenciado com carne criada a pasto, então estávamos vendendo
a mesma carne, mas por mais dinheiro. Meu pai não conseguia
descobrir como eles estavam vendendo carne por muito menos e
continuando à tona, e eventualmente ele desistiu de tentar
descobrir isso e tomou o assunto em suas próprias mãos. — Wyatt
solta uma risada e me pergunto por que sua admiração parece
relutante. Ele aponta para trás de nós. — Meu pai comprou a terra
ao norte do The Circle B, então mandou redirecionar o riacho que
alimentava o rancho. O Circle B tem um poço, então você não deve
ter problemas, mas eles precisavam de mais para um rebanho tão
grande quanto o um que eles estavam carregando.

Tudo se encaixa no lugar. — Ele os desidratou.

— Essencialmente.

— É como uma guerra, em menor escala.

— Suponho que sim, de certa forma. Meu pai teve que proteger
o HCC. Wes faria o mesmo.

Não tenho dúvidas de que Wes eliminaria qualquer coisa ou


pessoa que ameaçasse seu rancho. — E você? — Eu pergunto.

— Eu protegeria o HCC. — Gosto da maneira como ele fala,


com uma força silenciosa.

— Eu ouvi o que Warner fez. Caindo assim. Por que você não...
— Eu procuro as palavras certas.

— Dou um passo adiante?

Eu encolho os ombros. — Por falta de um termo melhor, sim.

Os lábios de Wyatt se comprimem enquanto ele pensa. — Eu


faria, se fosse preciso. Mas não sei se posso ser o tipo de pessoa
que aparece, dia após dia, fazendo o mesmo trabalho. Preciso de
algo mais. — Ele me dá uma olhada. — Como você pode imaginar,
não é uma opinião popular na propriedade.
— Eu aposto que não.

— Acho que meu pai deveria estar feliz por ter pelo menos um
menino que ama os negócios da família quase tão delirantemente
quanto ele.

Algo na maneira como ele diz isso me faz pensar que há muito
mais em suas palavras. — Ele não está feliz?

— Não, ele está muito feliz. Com Wes. E com o Warner


também, apesar do fato de ter deixado todos chapados e secos em
busca de sua paixão.

— E você?

Wyatt muda e ele parece desconfortável. — É complicado.

— Já passei por isso, — digo, tentando fazê-lo se sentir melhor.


— Meu relacionamento com minha mãe é complicado.

— O que ela…— Seu telefone toca. Ele me envia um olhar de


desculpas. — É um cowboy HCC. Pode ser apenas uma questão
menor, ou pode ser que um caçador está na propriedade e não vai
embora, nunca se sabe.

— Responda, — eu insisto. Agora estou curiosa para saber o


que ele faria com um caçador que se recusa a deixar sua terra.

— Denny? — Wyatt diz em vez de uma saudação. — O que está


acontecendo?
Ele escuta, sua postura mudando conforme os momentos
passam. Ele se endireita. Todo o seu rosto endurece. — Onde você
a viu?

Eu desviei o olhar. Quem é ela

Está tão quieto aqui que mal consigo distinguir Denny no final
da linha dizendo o nome de Sara. E mesmo sabendo que não, algo
dentro de mim despenca.

Sara Schultz. A mulher casada com quem Wyatt anda se


esgueirando. Não me esqueci dela, mas tirei isso da cabeça de
propósito. Dói pensar a respeito, mais do que deveria. O negócio
de Wyatt é negócio de Wyatt.

E, mais uma vez, estou em um relacionamento. Um


relacionamento feliz.

Na minha visão periférica, pego o olhar de Wyatt deslizando


para mim. Mantenho meus olhos fixos em outro lugar, então não
pareço interessada.

— Obrigado por me avisar sobre... isso, — diz Wyatt, e tenho


a sensação de que ele está escolhendo as palavras com cuidado,
sabendo que tem uma audiência. Ele encerra a ligação e coloca o
telefone de volta no bolso.

— Eu tenho que ir, — ele anuncia, olhando para a pilha de


lixo. — Estarei de volta para terminar de manhã.
Ele se afasta a passos rápidos e me recuso a vê-lo partir. O
ressentimento cresce dentro de mim até que seja tudo o que posso
sentir.

Ela é casada. É a esposa de seu melhor amigo, pelo amor de


Deus. O que ele está fazendo?

E por que ele nunca quis fazer isso comigo?


10

Wyatt não aparece por dois dias.

Quantas vezes eu já tive meu dedo pronto para ligar para o


xerife Monroe e cancelar? Demais para contar.

Quantas vezes já fiz a chamada?

Zero.
11

Vou dizer a ela que o hematoma veio de uma briga de bar. Ela
vai acreditar. Ela já pensa o pior de mim, posso ver isso toda vez
que seus olhos percorrem meu rosto.

Bem quando pensei que tinha feito algum progresso com Jo,
Denny ligou. Eu fiz minha parte, tentando interceptar Mickey
como o maldito Calvário.

Lembra quando costumávamos treinar? ele perguntou,


erguendo os punhos para proteger o rosto, encolhendo os ombros.

Sorrio, na esperança de dissuadi-lo. Mas quando ele está


nesse estado, Mickey não será dissuadido. E ele se torna mau.
Brigar no colégio não é nada comparado ao que Mickey faz quando
está encharcado de uísque.

De todas as coisas, bem no meio da luta com Mickey, pensei


em Jo. E então fui atingido no rosto porque perdi meu foco.

Jo sai do trailer quando estaciono. Ela está do lado de fora da


porta, de braços cruzados, e me encara. Seu jeans rasgado se
molda às suas curvas, e a sujeira cobre o canto inferior de sua
camiseta branca, como se ela tivesse limpado a mão nela.

Um pedido de desculpas é necessário, não que precise ver a


raiva óbvia de Jo para saber disso. A primeira coisa que digo
quando estou perto o suficiente é — Estou…
— Poupe-me, — ela ordena. — Você tem sorte de eu não ter
chamado o xerife.

Eu sei que não devo perguntar a ela por que ela não ligou, mas
estou curioso. Isso me tiraria de seu controle, e ela parece que não
se importaria que eu fosse embora.

Ela se aproxima. Para a alguns metros de mim. Seus olhos são


brilhantes e nítidos, um azul que só vi no céu do Arizona antes de
uma forte chuva. — O que aconteceu com o seu rosto?

Eu engulo. Pelo que provavelmente é a primeira vez na minha


vida, sinto-me culpado por mentir. — Luta de bar.

— Típico.

Ai. Eu sabia que estava chegando, mas ainda dói. — Eu sinto


muito. — Gostaria de poder contar a ela por que fui embora,
explicar sobre Mickey e Sara.

— Eu disse para você poupar-me.

A indignação cresce em meu peito. Sei que não foi legal eu não
ter aparecido e gostaria de ter criado um motivo mais altruísta,
mas isso não significa que serei o saco de pancadas de Jo. Talvez
precisemos de um pouco de espaço para nos refrescar.

— O que você precisa que eu faça?

Jo inclina a cabeça em direção à casa. — Derrube a parede


entre a sala de jantar formal e a sala de estar. A última coisa de
que preciso é uma sala de jantar formal.
Entro, certificando-me de evitar a escada instável e a seção
amarelada do chão da varanda, para ver do que ela está falando e
descobrir de quais ferramentas vou precisar. Os quartos são altos,
os tetos abobadados e vou precisar de uma escada, o que não
tenho porque não antecipei a necessidade de uma hoje. Seria bom
se houvesse mais pessoas trabalhando neste trabalho do que
apenas eu e Jo. Não tenho certeza de qual é o seu fim, porque nada
muito será realizado se ela não tiver as pessoas certas.

Vou encontrar Jo no trailer. Ela está de costas para mim, mas


seu laptop está aberto. Ela está no site de outro acampamento,
percorrendo uma lista de atividades. — Você já planejou contratar
mais mão de obra? — Sai mais duro do que pretendo.

Jo se vira. Ela tem um lápis enfiado no cabelo que está


amarrado no topo de sua cabeça, trazendo à mente as fantasias
sexy de bibliotecária em que ela remove o lápis e seu cabelo desce
como um redemoinho. A expressão em seu rosto mata essa ideia
em seus caminhos.

— Você pode sair quando quiser. Eu sei como você evita o


trabalho duro.

Que porra é essa? Alguns dias atrás, parecia que estávamos


voltando para o território de amigos, e agora ela está me
insultando?

— O que isso deveria significar?

— Você mesmo disse. Wes está administrando aquele rancho


sem ajuda.
— Porque estou aqui, ajudando você, caso você não tenha
notado.

— E se você não estivesse aqui, estaria onde? No HCC? — Ela


ri e balança a cabeça. — Venda suas mentiras em outro lugar.
Talvez para Sara Schultz.

Meus dentes rangem. Claro que ela pensa o que todo mundo
nesta cidade pensa. Na maior parte, eu não me importo, mas saber
que Jo compartilha dessa suposição me perturba. E isso está
aparecendo no meu tom e volume. — Você não sabe absolutamente
nada.

Todo o corpo de Jo está rígido, mas seus olhos não combinam.


Há algo neles que não consigo decifrar, mas tenho certeza de que
não é raiva.

Limpo minha testa na manga. É muito quente neste trailer. —


Eu sei que você precisa de ajuda e preciso do horário de serviço
comunitário. Mas não sou encanador ou eletricista e não tenho dez
braços. Portanto, comece a pensar em aumentar esta tripulação
de dois. — Eu gesticulo para frente e para trás entre nós. — Ou
seu sonho de abrir a fazenda fará o que a maioria dos sonhos faz:
morrer.

Abro a porta frágil e, atrás de mim, com uma voz suave e


derrotada, ela diz: — Foda-se.

— De volta para você, querida, — eu murmuro.

Minha raiva fica gravada na parede depois que volto com uma
escada e uma marreta. Jo fica longe de mim, e só posso imaginar
como ela deve ser gostosa naquele escritório improvisado que
montou para si mesma. Uma vez, quando dou uma olhada no
trailer, noto que todas as janelas foram abertas.

Não sei o que há com aquela mulher, mas ela me deixa louco.
Nunca conheci outra mulher mais dura do que minha mãe, mas
acho que isso mudou oficialmente. Sempre pensei em Jo como
tímida e quieta, existindo na periferia. Ela sempre foi linda, mas
era o tipo de beleza que é bom demais para mim. Muito pura.

Mas essa mulher com quem estou passando todo esse tempo?
Não consigo conectá-la com a garota que conhecia. Talvez nunca
a tenha visto direito antes. Talvez precisasse crescer e limpar a
poeira das lentes através das quais eu a via. Esta mulher é forte e
firme, inteligente e sexy como o inferno. Ela está me chamando
pela minha merda.

Eu gosto disso.

E isso, temo, é um problema.

•••

Esta noite é o quadragésimo aniversário de casamento dos


meus pais.

Convidei Jessie para jantar, para lhes dar privacidade. Não


que isso importe, porque vovô está na casa deles com eles. É o
pensamento que conta, certo?
Há um restaurante na cidade de que Jessie gosta, um pequeno
restaurante italiano. Eu sei que ela tem um milhão de restaurantes
para escolher quando voltar para a ASU em Phoenix, mas ela jura
que anseia por este lugar quando está na faculdade.

Estamos sentados perto da parede, onde há um mural de uma


zona rural italiana. Usando meu menu para bloquear a visão do
resto do lugar, pergunto: — Sou só eu ou a recepcionista tem 12
anos?

Jessie me olha como se eu não tivesse esperança. — Quanto


mais você envelhece, mais pensa que as pessoas mais jovens
parecem bebês.

Coloquei meu cardápio na mesa. — Isso não é verdade.

Ela olha para mim, seu olhar no hematoma desaparecendo em


minha bochecha, então de volta para seu menu. — É totalmente
verdade.

Eu faço uma careta e toco na parte de baixo do menu. — Você


já sabe o que está acontecendo aqui.

Ela sorri. — Eu sei. Eu só gosto de dar uma olhada.

Eu levanto uma sobrancelha e ela ri. — Você vai sentir minha


falta quando eu for embora.

— Talvez, talvez não.

Ela cutuca minha bochecha com a ponta do dedo. Nossa


garçonete chega, anota nosso pedido e sai. Eu me sento e olho ao
redor. Sierra Grande está começando a se sentir nova, como se
estivesse dormindo há muito tempo e tivesse despertado
recentemente. Novos rostos em todos os lugares que vou. Tenho
que agradecer às minhas cunhadas por isso. Dakota, por construir
The Orchard e trazer visitantes de fora da cidade com seus vinhos
e uma feira de fornecedores locais uma vez por mês. E Tenley,
porque ela é tão famosa quanto a presidente e mais popular entre
os dois partidos políticos. Tenley colocou Sierra Grande no mapa.
Para alguns, isso é uma coisa boa. Para outros, não é.

Os Hayden não são estranhos à controvérsia, então nada disso


realmente importa.

Estou com a mão na nuca, massageando um músculo


dolorido, quando a vejo. Em uma mesa de canto, o cabelo dela
pendurado como uma cortina, os dedos dele deslizando por ele.

O mesmo sentimento vindo do escritório do xerife se apodera


de mim mais uma vez. Eu sei o que é deslizar meus dedos por
aquele cabelo.

Não pode ser, e ainda... é como se eu tivesse realmente feito


isso.

Jo joga a cabeça para trás e ri, profunda e guturalmente. Eu


engulo contra o desejo irresistível de pressionar meus lábios contra
o seu pescoço.

— Uh, Wyatt? — Jessie acena com a mão na frente do meu


rosto. — Você está aí, irmão mais velho? — Ela se vira, seguindo
meu olhar até o cantinho aconchegante. Ela se recosta na cadeira
e espera que eu diga alguma coisa. Não tenho certeza do que dizer
e sei que Jessie vai falar de qualquer maneira, porque ela tem a
necessidade perpétua de preencher o silêncio.

— Você tem uma queda por Jo Shelton?

Apoio um cotovelo na mesa, pressionando o lado do meu


punho contra meus lábios. — Estou ajudando ela com seu rancho.

— O que é estranho, — ressalta Jessie, mergulhando um


pedaço de pão no azeite. — Por que você está fazendo isso de novo?

— Pela bondade do meu coração. — Inclino minha cabeça


ligeiramente para trás e a inclino para o lado. Desse ângulo, pareço
estar olhando para Jessie, mas posso ver Jo também, como uma
daquelas fotos de foco suave em que o assunto em primeiro plano
é a única coisa em foco.

Agora mesmo, o foco suave Jo está bebendo uma taça de


vinho. Colocando para baixo. Dedilhando seu colar. Brincando
com o guardanapo no colo. Foco suave A boca de Jared está
correndo a uma velocidade impressionante. Ele está perdendo
todos os não-verbais de Jo.

— Desde quando você faz alguma coisa pela bondade do seu


coração? — Jessie pergunta, mordendo o pão.

— Obrigado, — eu digo inexpressivo. Ela ri.

— Brincadeira, Wyatt. — Ela acena com a mão no ar entre nós,


uma pulseira de ouro com um pingente de trevo de quatro folhas
brilhando na luz do teto. — Você é o melhor do grupo.

— Certo. — Eu pego um pouco de pão.


Ela mastiga e engole. — Você é. Não estou brincando. Wes
sempre foi tão obstinado e, você sabe, se foi. E Warner era ótimo
também, não me entenda mal. Mas ele sempre estava envolvido
em suas próprias coisas. — Ela sorri timidamente, e vejo a menina
que ela já foi. Lembro-me muito da infância dela, por causa da
diferença de idade. Ela é a razão de eu adorar crianças. — Então,
quando digo que você é o melhor do grupo, não estou brincando.

— Obrigado, Jes. — Meu peito se aperta. Ninguém me diz que


sou o melhor, o favorito deles. Wes é o favorito do meu pai, está
claro como o dia. Jessie é a favorita da minha mãe, por motivos
tão óbvios que não vale a pena listar. Warner é o favorito de toda
a cidade porque ele é um maldito Warner.

Warner e Wes diriam que sou o favorito da minha mãe, mas


acho que ela tem um fraquinho por mim porque é tão óbvio o
quanto meu pai prefere todo mundo menos eu.

Às vezes me pergunto se todo mundo sabe. Esta cidade inteira,


minha família inteira, sabe que meus pais desejavam
desesperadamente por uma menina e me pegaram? E se eles não
sabem, eles adivinham? Os sinais estão todos lá.

Deprimente pra caralho. Eu não quero pensar mais nisso.


Sento-me direito, fazendo com que não possa mais ver Jo, e coloco
toda a minha atenção em Jessie. Ela me fala sobre a escola, as
aulas que ela se inscreveu para fazer no primeiro ano, começando
em agosto, e um cara que ela conheceu. Eu realmente não quero
ouvir sobre o cara, mas faço o meu melhor para ouvir e não faço
uma careta. Eu perguntei a ela onde ela conseguiu sua pulseira de
amuleto da sorte, e ela me disse que era do cara novo.

Nossos jantares chegam e nós comemos. Todo o trabalho duro


no rancho de Jo me transformou em um adolescente faminto. Eu
como tudo e termino o de Jessie. Há um movimento na mesa do
canto, mudando, e Jo desliza para fora, tornando impossível não
vê-la. Ela está usando uma saia, preta e curta, justa em torno das
coxas, com uma daquelas camisetas que ela prefere dobrada ao
acaso na frente de um dos lados. Ela ajusta a saia, seus olhos
varrem a sala e pousam nos meus. Ela fica imóvel. Seus lábios se
abrem. Ela se recupera, engole. Se eu pressionar meu nariz na pele
de sua orelha, sentiria o cheiro de frutas cítricas e flores.
Impossível.

Ela vem na minha direção. Jared passa o braço em volta dela,


guiando-a. Ela para por um segundo mais curto, e nossos olhares
se encontram na pausa. Então ela se foi, passando por mim,
deixando para trás um terremoto em meu coração que é
incomensurável na escala Richter.

— Uau, — Jessie murmura, prolongando a vogal. — Eu senti


isso.

Demoro um momento para sair do meu estado de opressão.


Quando consigo sair do nevoeiro, pergunto o que ela quer dizer.

Suas mãos voam pelo espaço ao redor de sua cabeça. — O ar.


É denso. Vibrações sérias.
Eu faço um som de desprezo com minha boca. — Certo.
Vibrações de ódio. Jo não tem uma opinião muito boa de mim.

Um lado do rosto de Jessie se contrai. — Você tem certeza


disso?

Agradeço à garçonete quando ela larga o cheque e pega minha


carteira. — Certeza absoluta. Se você tivesse visto a maneira como
ela olhou para mim ontem, você concordaria.

Estamos saindo após o pagamento, mas Jessie fica perto da


porta da frente. — Eu vejo algo acontecendo com você e ela.

— Você é profética de repente?

Ela pega um doce de menta vermelho e branco de uma tigela


na barraca da recepcionista e o desembrulha. — Sim. Apenas me
chame de 'a profeta' de agora em diante.

Coloco meu braço em volta dos ombros dela e a conduzo para


fora da porta. — Nah, irmãzinha. Nós a chamamos de Calamidade,
e por um bom motivo. — Quando menina, ela caminhava caótica
e praguejava como um marinheiro.

Ela me dá de ombros quando chegamos à calçada. — Eu não


acho que mereço esse apelido.

Eu faço uma cara de 'vamos lá', e ela ri. — Ok, talvez eu queira.

Vou em direção à minha caminhonete, mas Jessie agarra meu


braço e a puxa. — Vamos trazer sobremesa para mamãe e papai,
já que eles não nos deixariam fazer nada divertido para o
aniversário deles. — Ela me leva rua abaixo, mas não tenho certeza
para onde estamos indo porque a padaria está fechada, assim
como Marigolds. Acho que nossos pais não querem sacos de doces
do Merc. Talvez possamos convencer Tenley a desistir de um
daqueles potes de anéis de pêssego picantes que ela gosta tanto.

Eu pisei no freio e voltei, dizendo: — Vamos voltar e perguntar


a Ten... — O resto da minha frase morre em meus lábios. Do outro
lado da rua, no brilho de um poste de luz, Jared está com Jo, seus
lábios nos dela.

— Wyatt, vamos lá. — Jessie puxa meu braço.

Eu olho para baixo, encontro o olhar dela e vejo que ela não
está nem um pouco surpresa ao ver Jo e Jared. Ela estava
tentando me impedir de vê-los.

O que está acontecendo do outro lado da rua é como um


acidente de carro. Eu não quero ver, mas olho novamente de
qualquer maneira. O beijo é interrompido. Jared levanta a cabeça.
Olha direto para mim.

Filho da puta.

O instinto está lá, forte e pungente, para atravessar a rua,


agarrá-lo pelo pescoço e reivindicar meu direito. Mas esta não é a
savana africana, não sou um leão macho e Jo não é território
próprio.

Ele a está segurando em seus braços, mantendo-a de costas


para mim. Mantenho meus olhos fixos nos dele, e sem pensamento
consciente, meu queixo levanta.
Jessie me puxa mais uma vez, desta vez com mais força. Eu
permito que ela me afaste, interrompendo o contato visual
primeiro. Parece que perdi. Não me dou bem em perder.

E, em uma sequência de eventos que não entendo totalmente,


estou aprendendo como não me dou bem em perder Jo.

Como se eu já a tivesse, para começar.


12

Eu sei que não estava pronta para a rapidez com que tudo
aconteceu com o rancho, mas neste momento estou certa o tempo
todo e a preparação do mundo não teria me deixado pronta. Nada
disso está indo da maneira que eu quero.

Nas últimas duas semanas, encontrei-me com vários


empreiteiros gerais, caminhei pelo rancho com todos e cada um
deles, e a maioria deles me disse que o que estou tentando fazer
aqui é uma loucura. Eles não me dizem não, apenas que me
enviam um orçamento de quanto acham que vai custar a obra, e
cada um me lembra que — isso é só um orçamento—. Eu ouço seu
significado alto e claro. Espere que seja mais alto do que o que eles
citam.

Sou eu quem tem que dizer não. Não para todo empreiteiro,
não para Wyatt cada vez que ele me lembra que não é um pau pra
toda obra, e assim como ele me avisou, meu sonho está
desaparecendo, deslizando para aquele lugar escuro onde os
sonhos terminam, respirações roucas.

Vou me encontrar com mais um empreiteiro esta manhã,


embora honestamente não entenda o motivo. Ele não será
diferente do resto.

O nome dele é Mike e ele aparece em uma caminhonete


reluzente, da qual não gosto. Na minha opinião, as caminhonetes
de trabalho devem refletir o trabalho que fazem. Caminhonete
brilhante é igual a mãos limpas.

Wyatt está aqui, trabalhando dentro da casa principal. Para


alguém que diz explicitamente que não tem conhecimento, ele
parece saber muito. Ele está trabalhando na restauração dos
armários do banheiro principal. Às vezes, tenho a sensação de que
ele pode ser uma daquelas pessoas que inerentemente sabe fazer
as coisas.

Wyatt parece ir e vir quando quiser, o que se encaixa com sua


personalidade. Tirando aqueles dois dias em que ele não apareceu,
não tenho do que reclamar. Não conversamos muito, ambos
evitando um ao outro depois da briga, falando apenas quando
necessário e sempre sobre o trabalho. Menciono quando os
empreiteiros estarão aqui, e Wyatt sempre consegue estar aqui
durante esses momentos.

Tenho certeza de que é de propósito e, embora minha


tendência seja lembrá-lo de que sou perfeitamente capaz sozinha,
me faz sentir mais segura saber que ele está por perto.

Mike é legal, muito parecido com o tipo de avô, e vejo que é


sua idade que provavelmente o impede de trabalhar de uma forma
que exige muito trabalho. Ele é mais conversador do que os outros
empreiteiros, comentando sobre a propriedade, como será bom
depois que estiver tudo consertado. Explico como será usado e ele
me diz que tem sete netos e espera que nenhum deles precise dos
serviços do meu rancho. Eu sorrio e concordo. Talvez os filhos de
Mike sejam todos bons pais e seus netos sejam felizes, bem
ajustados e nunca façam uma escolha ruim. Nem todo mundo é
tão sortudo.

Passamos por Wyatt enquanto caminhamos pela casa


principal. Ele está usando um cinto de ferramentas, um cinto de
ferramentas de couro honesto para Deus, e ele parece algo saído
de um filme pornô. Sua camiseta gruda nele em lugares onde seu
suor encharcou, e sua calça jeans é justa, seu cabelo escuro
despenteado como se sua mão tivesse passado por ele
recentemente. Seus músculos ondulam e flexionam, estourando
sob o trabalho físico. Tudo sobre ele grita sexo, e eu tenho
conhecimento em primeira mão.

Não consigo pensar em tudo agora, não com Mike, o avô ao


meu lado.

Eu aceno para Wyatt enquanto passamos. Mike expõe seus


pensamentos e eu os escrevo quase que mecanicamente. Ele diz as
mesmas coisas que a maioria deles.

Digo a ele que há mais uma coisa que quero perguntar a ele,
então o levo para onde preciso construir os alojamentos para os
campistas e conselheiros do acampamento. Mostro a ele as
plantas, desenhadas por um arquiteto da empresa do pai de
Dakota, e se custaram alguma coisa, ela não divulgou. Eu nem
quero considerar onde estaria com este projeto se não fosse por
ela.

Mike me olha com a ternura que só um avô pode ter e me


pergunta se consegui uma licença para construir na propriedade.
— É minha propriedade. — Tenho o empréstimo gigante em
meu nome para provar isso.

— Você pode ser a dona, mas isso não significa que você pode
fazer o que quiser com ela.

Minha falta de conhecimento faz meu pescoço esquentar, e


rezo para que a chama não varra minhas bochechas. — O que devo
fazer?

— Visite o cartório do condado. Pegue o mapa do pacote, o


APN...

— O que é isso? — Meu lápis faz uma pausa no meu caderno.

— Número da encomenda do avaliador. — Há um toque de


espanto em seu tom, e não do tipo bom. — Você precisa ter certeza
de que pode construir neste terreno.

O que quero dizer é algo como farei o que eu quiser nesta terra
e farei quando eu quiser. O que eu realmente digo é: — Obrigada
por seu tempo e orientação.

No caminho de volta ao caminhão, ele me informa que fará


uma licitação, supondo que o terreno seja edificável e eu consiga
obter uma licença. Ele faz uma pausa na porta aberta de sua
caminhonete, e posso dizer que está na ponta da língua. Ele quer
me dizer que estou louca, que essa empreitada é grande demais.
Ele diz: — Espero que todo esse trabalho que você vai fazer valha
a pena.
O que ele quis dizer é que não acha que adolescentes
problemáticos valem o esforço. Talvez eu não me sentisse tão
ofendida se não fosse por Travis, mas isso finca na minha pele
como uma rebarba. Então, digo a ele: — Para o seu bem, espero
que seus netos nunca precisem do que meu rancho tem a oferecer.

Com um sorriso educado e um aceno de cabeça, me viro e


entro na casa.

•••

Encontro Wyatt no quarto principal, onde o vi pela última vez.


Um dia será meu, o quarto será onde dormirei. Com a parede de
Wyatt dividida entre a sala de jantar formal e a sala de estar, posso
criar uma grande área de estar onde os campistas podem comer.
O proprietário anterior deve ter gostado de cozinhar porque a
cozinha é enorme. Estranhamente, eles deixaram para trás uma
quantidade impressionante de utensílios de cozinha e outras
bugigangas, incluindo uma caixa gigantesca cheia de porcelanas
intrincadamente detalhadas e uma única bandeja de serviço. A
porcelana está intacta, a bandeja de serviço é mais enferrujada do
que prata.

Por enquanto, o quarto principal e o banheiro privativo


parecem tão dilacerados quanto o resto da casa. Wyatt tem as
frentes do armário fora das dobradiças e encostadas na parede.
Ele está usando uma mesa de trabalho improvisada para lixar uma
das portas do armário. Ele desliga a máquina quando eu entro, o
som agudo diminuindo até ficar quieto.

Ele olha para mim, esperando ouvir o que vim dizer. É assim
que tem sido entre nós desde o dia em que ele apareceu e eu o
deixei ficar com ele. Estava com raiva de Sara, com ciúme da
maneira como ele fugia quando alguém ligava e dizia o nome dela.
Eu sei que não devo me importar. Estou com Jared, que deixou
bem claro para Wyatt que é meu namorado. Algo que não gosto,
mas entendo.

Estou acostumada com Wyatt sendo o centro das atenções.


Arrogante daquele jeito frio e rígido. Inferno, sua indiferença é
provavelmente o que me fez gostar tanto dele. Oh, você não me dá
atenção. Me faz gostar mais de você!

E então eu segui em frente. Acho que seria mais fácil se Wyatt


fosse o mesmo cara que estou acostumada a ele ser. Este Wyatt,
este homem hesitante, atencioso e vigilante, está virando meu
mundo de cabeça para baixo. Não sei como ficar perto dele. É
muito mais seguro, para o meu coração e meu relacionamento
romântico atual, se Wyatt pisar por aí e agir como um idiota com
direito.

— Jo? — Ele inclina a cabeça, me examinando. — Você


precisava de algo?

Eu me inclino para o lado até meu ombro bater na parede com


um baque. — Todos pensam que sou louca.
Wyatt olha pela janela do banheiro, mas a caminhonete de
Mike já se foi. — Foi isso que ele disse?

Minha cabeça balança e eu me viro, de modo que toda a parte


superior das minhas costas repousa na parede. — Ele não
precisava. Era óbvio. E ele também não acha que as pessoas para
as quais estou construindo este lugar valem a pena.

A voz de Wyatt tem um tom áspero enquanto ele repete sua


pergunta anterior. — Foi isso que ele disse?

— Não com essas palavras exatas, mas sim.

Wyatt bate em sua cabeça. — Mente pequena.

— Mike tem uma mente pequena?

— Por que mais ele diria que os jovens que precisam de ajuda
não são dignos de recebê-la? O futuro de nossa espécie depende
da próxima geração, e é mesquinho não querer dar a eles a melhor
chance.

Eu amo que Wyatt pode ver além de seu pequeno canto do


mundo. — Eu disse a ele que, pelo bem dele, espero que seus netos
nunca precisem deste rancho.

Wyatt ri e pisca para mim. — Essa é minha garota.

O sorriso no meu rosto morre. Meu corpo inteiro vira gelo, e


em algum lugar no fundo do meu núcleo, um pequeno fogo acende.

Wyatt força uma tosse falsa. — O que vem por aí para este
lugar?
Eu encontro minha voz. — Uma visita ao cartório do condado.
Seguida por uma licença, espero.
13

A viagem ao cartório do condado de Verde foi muito menos


agitada do que eu pensava. A mulher que me ajudou, Nina, é
rápida, mas amigável. Ela me dá o que preciso e me diz que minha
próxima parada será no escritório de zoneamento, apenas para
garantir que não haja restrições que me impeçam de construir.

— Não estou construindo um arranha-céu ao lado de uma


pista, — digo, genuinamente perplexa com toda a burocracia. Nina
me lança um olhar fulminante e me aponta para onde devo ir.

O escritório de zoneamento dá tudo certo. Lágrimas quentes


picam o canto interno dos meus olhos, o alívio é tão tangível que
posso sentir o gosto. Ao sair do prédio, passo por fotos
emolduradas de flores silvestres e, de repente, sei como chamar o
rancho.

Wyatt estava lá quando eu voltei, trabalhando nos armários.


Aparentemente, lixar e pintar armários consome mais tempo do
que parece.

Sinto-me leve, alegre, pela primeira vez em semanas. Eu


superei meu primeiro obstáculo.

— Oi, — eu digo brilhantemente para Wyatt quando coloco


minha cabeça pela porta aberta do que será meu quarto. Wyatt
montou uma estação de trabalho para si mesmo. Ele fica imóvel,
a mão na lixadeira.

A surpresa surge em seus olhos e ele me olha com cautela.


Acho que tenho estado um pouco mal-humorada.

— Tenho boas notícias, — continuo, entrando na sala. — Tudo


está pronto para uso. Posso construir no terreno. E decidi chamá-
lo de Wildflower3.

Um sorriso enche seu rosto. — Isso é ótimo, Jo. Parabéns.

Sua excitação se mistura com a minha, persuadindo-a de onde


eu a tenho guardado. Antes, não era seguro ficar animada. Olho
em volta, vendo as mesmas camadas de sujeira e poeira e não os
odiando tanto. — Eu sei que fiz isso na ordem errada. — Meu
cabelo cai nos meus olhos e o empurro para trás. — Fiz tudo na
ordem errada. Não estava pronta quando The Circle B foi colocada
à venda. Foi de repente, e Jericho disse que já tinha muito
interesse e... Eu simplesmente não conseguia suportar a ideia de
alguém além de mim comprando este lugar. Eu senti como se fosse
meu... — Minha voz falha. Minha nuca fica quente. — De qualquer
forma. Aqui estamos. Não sei por que disse tudo isso.

Wyatt sorri torto. — Você não tem que se explicar para mim.

Esfrego a ponta da minha bota no cobertor áspero que Wyatt


colocou para proteger o piso de madeira. — Eu sei.

3
Flor silvestre.
— Jo?

O tom de Wyatt é hesitante, como se ele estivesse mergulhando


a mão na água do banho para testar sua temperatura.

Meus olhos azuis fixam em seus castanhos. Eu me pergunto


se ele sabe que tem manchas de ouro neles. — Hmm? — Eu
pergunto, o som vibrando em minha garganta.

Seu olhar procura o meu e parece que ele está me alcançando.


Meu peito aquece e o topo das minhas coxas pulsam enquanto as
memórias de nossa noite juntos inundam meu cérebro. Quando
ele fala, tenho certeza de que não são as palavras que ele planejou
dizer. — Você gosta do acabamento? Dos armários?

Eu chego mais perto até estar ao lado dele. É um erro, eu acho,


estar tão perto dele. O ar está pesado com o cheiro dele, algo
masculino que é difícil de descrever. Mistura-se com a serragem
terrosa, o ar alpino da janela aberta.

Forço meu olhar para a estação de trabalho e as três portas de


armário alinhadas lá. Meus dedos estão prontos para tocá-los
quando percebo que provavelmente não deveria, caso ele tenha
aplicado algo neles recentemente. — Você os tingiu dessa cor?

— Isso é o que estava por baixo quando eu os lixei. Você pode


tocá-lo.

Meus dedos arrastam o comprimento de uma pequena porta


quadrada, batendo no cume que leva ao corte do desenho no
centro. — Eu não posso acreditar como eles são bonitos sob essa
pintura. — Eles são de um belo marrom médio, a tinta verde feia
removida para revelar a madeira abaixo.

— Camadas.

— Camadas? — Eu não posso evitar. Viro minha cabeça para


ele, mesmo que sua proximidade transforme meu hálito em mel,
faça-o ficar preso na minha garganta.

— Parece-me que a maioria das coisas são feitas de camadas.


Pessoas também. Nós aplicamos camadas na base, na tinta, nos
revestimentos de proteção. Mas, por baixo de tudo, somos apenas
nós mesmos. Tão natural quanto esta madeira começou.

Eu o vejo falar, sua boca formando essas palavras que não


parecem que deveriam vir dele. Ele sempre foi tão profundo? Assim
reflexivo? Acabei de perder isso? Estava muito ocupada vendo sua
capa protetora para perceber o que estava escondido abaixo?

Eu volto para os armários. — Eu amo eles. Obrigada.

— De nada. — Sua resposta é calorosa e profunda, uma carícia


que eu não deveria querer.

Para colocar espaço entre nós, me afasto dele e vou para o


banheiro principal. O espaço é amplo por ter sido construído há
trinta anos. Grandes banheiros e grandes cozinhas não estavam
na moda três décadas atrás, de acordo com Dakota. Esta casa tem
ambos. No entanto, está faltando uma banheira no banheiro
principal, o que eu acho estranho. E decepcionante. Eu digo isso
para Wyatt, chamando por ele. Ele responde a alguns metros de
distância, me assustando.
— Eu também achei estranho. É quase como se houvesse um
ali. — Ele inclina a cabeça para um espaço aberto perto da
segunda janela. — Há um local para encanamento.

Imagino uma banheira com pés, um pôr do sol carmesim e


laranja queimado, uma taça de vinho. — Isso seria perfeito.
Banhos são uma espécie de indulgência minha, mas já faz um
tempo. Minha banheira na Shelby é muito pequena.

Wyatt está olhando para mim agora, fazendo aquela coisa em


que seus olhos escurecem, seus pensamentos se agrupam e
permanecem dentro de sua mente. Ele tem muito a dizer, mas o
mantém escondido. Sempre pensei isso sobre ele.

Olho pela janela para minha propriedade. Minha terra. Eu vim


aqui sem nada quando tinha dezesseis anos. Raspei e economizei
a partir dos dezoito anos, servindo mesas e fazendo bicos para
nunca ter que pedir nada à minha mãe. Aqui estou eu, com quase
trinta anos, e finalmente tenho algo para mostrar para tudo isso.

— Você quer pegar um doce? — Eu empurro para fora, em


direção ao meu carro. — Estou com vontade de comemorar.

Wyatt levanta uma sobrancelha. — Com doces? Posso pensar


em outras maneiras de comemorar.

Minha garganta aperta. — Como?

Um sorriso puxa um canto de sua boca. — Champanhe vem à


mente.

— É apenas no meio da tarde.


Ele franze a testa. — Você não deveria deixar o relógio lhe dizer
o que fazer e quando fazer.

Meus lábios se torcem quando o encaro. Eu, com minhas


sensibilidades, minhas ideias básicas de propriedade. Ele, com
sua propensão a desafiar qualquer regra estabelecida.

Ele ganha.

Por que? Simplesmente porque o jeito dele parece muito mais


divertido.

Eu passo por ele, saindo do banheiro, tomando muito cuidado


para não deixar meu ombro tocar o dele. — Champanhe e doces,
Hayden.

•••

O Merc tem uma variedade de itens muito aleatórios. Coisas


pequenas, como mantimentos básicos. Bananas, maçãs, leite, esse
tipo de coisa. Além disso, guardanapos com frases engraçadas.
Sacos individuais de chips. Velas feitas por uma mulher local, que
também vende seus produtos no The Orchard no domingo local.
Mas a parte realmente especial do Merc é a seleção de doces. Eles
têm de tudo, desde Lemon Drops até aquele chocolate amargo que
está se tornando popular.

Wyatt está agindo como se a decisão dos doces correspondesse


a ser a única pessoa que votaria para o próximo governador do
Arizona. — Só não acho que você possa dar errado com Twix, —
diz ele, segurando a embalagem brilhante.

— Cow Tales o dia todo, — eu anuncio, estendendo o punhado


de doces.

— Pshh, — ele responde, o som fazendo seus lábios se abrirem.

Um garoto de cerca de onze anos, no final do corredor, olha


para nós. Ele pega uma barra de chocolate e a enfia no bolso. Dou
uma cotovelada em Wyatt.

— Aquele garoto acabou de colocar uma barra de chocolate no


bolso, — eu digo baixinho.

Wyatt olha para o lado. A criança encontra nossos olhares,


encolhendo-se de culpa. — Venha aqui, — Wyatt sussurra para
ele.

O garoto engole em seco e olha ao redor, então decide que é


seguro. Ele se aproxima.

— Escute, — Wyatt continua sussurrando, colocando a mão


no ombro do garoto. — Roubar é errado. Mas, se você vai fazer isso,
nunca coloque o doce no bolso. Eles vão pedir para você esvaziá-
los. Você tem que colocar o doce na cueca.

O garoto faz uma careta. Não consigo nem imaginar que tipo
de cara estou fazendo. Wyatt está seriamente dando aulas de
roubo para uma criança?
— Eu sei, parece estranho, — Wyatt garante a ele. — Coloque-
o na cintura. Ninguém vai perguntar a uma criança se ela pode
olhar em sua cueca.

O garoto balança a cabeça, olhando para Wyatt como se ele


não pudesse acreditar em seu dia de sorte. Ele se move para
agarrar seu bolso e Wyatt o impede. — É muito tarde para mudar
agora. Você tem que se comprometer. Vá.

Como um animal assustado, a criança sente sua chance de


fugir e a aproveita.

— Você está brincando comigo? — Eu assobio quando ele está


fora do alcance da voz.

— Não faça disso uma coisa.

— Uhhh... como não posso? Você acabou de ensinar uma


criança a roubar.

— Aquele garoto já sabia roubar.

— Você melhorou o método dele.

— Não. Com certeza ele será pego algum dia e aprenderá a


lição da maneira mais difícil. Eu poderia ter dito a ele para não
roubar e ele não teria me ouvido.

— Então, ensiná-lo foi sua próxima melhor alternativa?

— Eu não o ensinei. — Ele me lança um olhar que diz 'nós já


passamos por isso'. — Venha, vamos comprar tudo isso.
— Por que não simplesmente roubá-lo? — Eu murmuro
enquanto o sigo pelo corredor.

Seus ombros tremem com uma risada silenciosa.

O adolescente atrás do caixa registra nossas coisas. Ele


anuncia o total, mas em vez de pagar, Wyatt se inclina para frente.
— Então… - ele olha para o crachá - … Carson, um menino de
cerca de dez ou onze anos acabou de sair daqui com uma barra de
chocolate no bolso. Quero que você pague por isso.

Os lábios de Carson se curvam. — O que? Não acredito. — Ele


começa a contornar o balcão, como se fosse atrás da criança.

Os braços de Wyatt disparam. — Espere. Eu disse que você vai


pagar pela barra de chocolate.

— Como no inferno…

— Tire dos vinte dólares que eu vi você roubar do caixa quando


estive aqui três dias atrás.

Carson congela. Encara Wyatt. Wyatt devolve o olhar, não


pisca.

— Eu não sei do que você está falando. — A voz de Carson


vacila.

— Com certeza, — Wyatt diz uniformemente, removendo o


dinheiro necessário para pagar por nossa transação. — Mas se eu
contar a Maia é o que é necessário para refrescar sua memória,
então…
— Não, não, — Carson se apressa. Ele olha para as próprias
mãos. — Eu cuidarei disso.

— Bom. Obrigado, amigo. — Wyatt sorri afavelmente e pega


nossas coisas do balcão. — Não há necessidade de uma sacola.

Sigo Wyatt até a porta, que ele mantém aberta para mim.
Estou atordoada, tentando encaixar as peças de tudo o que acabou
de acontecer.

Automaticamente, minha mão mergulha na bolsa para pegar


meus óculos de sol, mas antes que meus dedos os encontrem,
percebo que não preciso deles. O céu mudou de ensolarado para
nublado enquanto estávamos no Merc e, ao longe, nuvens escuras
se acumulam.

Wyatt olha para fora. — A tempestade veio em nossa direção.


— Ele puxa o telefone do bolso e verifica seu app de previsão do
tempo. — Sim, — diz ele, confirmando o que já era óbvio.

— Você precisava de um aplicativo para informá-lo sobre o


tempo que você pode ver com seus próprios olhos? — Eu provoco.

Ele aperta os olhos de brincadeira. — Você tem senso de


humor, Srta. Shelton.

— Eu tenho piadas há dias, — eu respondo, balançando a


cabeça atrevidamente. Wyatt ri. Chegamos à pequena loja da
esquina que guarda uma surpreendente seleção de vinhos. — Vou
entrar aqui e pegar nosso champanhe.
— Eu entendi. — Wyatt vai para a porta, mas eu o paro com
uma mão em seu braço.

— Não, deixe-me. Você tem trabalhado de graça. Pelo menos


me deixe comprar um pouco de espumante.

— Não tenho trabalhado de graça, — argumenta Wyatt. Ele


coloca as palmas das mãos no peito, diretamente acima do
coração. — Estou pagando minha dívida com a sociedade.

Eu sorrio e o empurro de lado de brincadeira. — Eu já vou


sair.

Lá dentro, vou direto para o champanhe. Não pro seco, mas as


coisas boas. As coisas que vieram de Champagne, França. Não
tenho muito dinheiro sobrando, mas estou comemorando. Limpei
um obstáculo que não sabia ser um obstáculo até que alguém me
disse que era um. O pensamento faz meu cérebro doer, assim como
pensar sobre todos os obstáculos que ainda tenho que superar.

Eu seleciono uma garrafa e me movo em direção à caixa


registradora. Duas mulheres estão na minha frente na fila. Não as
reconheço, mas não é como se conhecesse todo mundo em Sierra
Grande, como Wyatt afirma conhecer. É uma cidade pequena, mas
não tão pequena assim. Ainda assim, tenho a sensação de que elas
não são locais. Ou, pelo menos, não há muito tempo. Por um lado,
as duas usam chinelos de marca, uma escolha de calçado pouco
prática. Toda a poeira, junto com o calor e o suor, vai formar uma
pasta entre seus dedos dos pés, e quem já está aqui há um tempo
sabe disso.
Elas se viram, sorrindo superficialmente para mim, ambas
lançando um olhar para trás. Eu vejo o brilho de reconhecimento
nos olhos de uma mulher e o olhar persistente na outra. Já sei o
que atraiu seu interesse. Não há nada atrás de mim além de
garrafas de vinho, e pela janela da frente está Wyatt. Não acho que
seja o vinho enviando aquele rubor em suas bochechas.

— Eu disse a você que a sogra do meu amigo viveu aqui a vida


inteira e ela tem algumas histórias para contar sobre ele.

Eu me inclino mais perto para ouvi-las melhor.

— Derrame, — a amiga instrui.

Todos nós avançamos um espaço na fila, e nenhuma das


mulheres acha que isso deve impedi-las de fofocar.

— Ela disse que ele está namorando a esposa de seu melhor


amigo.

Um suspiro da outra mulher. Uma segunda olhada, passando


por mim e diretamente para fora da janela da frente. Sem dúvida
Wyatt está parado ali, completamente modesto, provavelmente
verificando seu aplicativo de previsão do tempo.

— Você acha que ele está interessado em aceitar mais donas


de casa entediadas? — Elas riem baixinho, e a segunda diz: —
Salve um cavalo, monte um cowboy.

Meus olhos rolam para o teto. Esse comentário foi fácil de


usar, e eu apostaria cem dólares que uma delas provavelmente
chegaria antes de pagar.
Elas continuam. — Ele seria a distração perfeita. Barry está
tão ocupado com o trabalho que ele nem notaria. Tudo que eu
preciso é de um cowboy como esse para entrar, me tirar de lá e
cavalgar em seu cavalo depois. Aposto que ele nem importaria. A
sogra do meu amigo disse que ele é de uma grande família de gado
por aqui, mas ele é a ovelha negra. Ele não faz muito, exceto tirar
da teta da família e usar o sobrenome para fazer o que queira.

— Com licença? — As mulheres se viram. Demoro dois


segundos inteiros para perceber que sou eu quem falou. Meu
coração bate contra meu esterno. — A pessoa de quem você está
falando tão abertamente é uma pessoa real, e ela não existe para
servi-la ou ser uma fonte de entretenimento.

A morena sorri como se eu fosse engraçada. — Você é irmã


dele?

— Sua chefe, na verdade.

— Cerrrrto. — Ela se vira, terminando a troca. A pessoa na


frente delas concluiu a transação e elas entram em cena para
pagar.

A adrenalina corre através de mim, apenas com aquela


pequena troca. O confronto não é algo com o qual eu me dê bem,
pelo menos não o confronto com as mulheres. Nunca consegui
enfrentar minha mãe, nunca consegui simplesmente dizer o
simples não que precisava dizer.
Meu cérebro se inunda com todas as coisas que eu poderia
dizer a essas mulheres antes de irem embora, e então o caixa está
chamando meu nome e a mulher está saindo e acabou.

Eu pago pelo champanhe. Sorrio em agradecimento ao caixa e


recuso a sacola de papel que ele ofereceu. Quando me viro para
sair, Wyatt está lá, dentro da pequena loja.

— Oh, — eu digo, pulando.

— A tempestade está se movendo rapidamente. — Ele estende


a mão. Presumo que seja para a garrafa que estou segurando,
então a entrego. Ele o pega e estende a outra mão. Desta vez,
coloco minha mão na dele. Ele aperta, muito levemente, e eu
aperto de volta. Ele me leva para fora da loja, quebrando o contato
comigo no segundo em que estamos na calçada.

Se não fosse por aquele pequeno aperto, eu não teria


entendido o motivo dele pegar minha mão. É possível que ele tenha
ouvido o que eu disse para aquelas mulheres?

Ele estava me agradecendo?


14

A tempestade rola como uma locomotiva enquanto Jo e eu


dirigimos de volta ao Circle B. Um céu que estava claro antes de
entrarmos no Merc está agora com hematomas de um azul
profundo e roxo. Raios brilham atrás das nuvens, iluminando-as
por menos de um segundo.

Jo morde o lado do lábio inferior, olhando para o céu cada vez


mais escuro pela janela do lado do passageiro.

— Preocupada? — Eu pergunto a ela. Eu estaria, se eu fosse


ela. Sei que ela ainda não inspecionou o telhado e não há como
saber se aguentará as chuvas de verão. As tempestades no Arizona
são implacáveis, o céu aberto criando uma ampla faixa para o
trovão viajar, para o vento chicotear e a chuva para dirigir.

Jo me lança um olhar claro e temeroso. Seu humor


comemorativo de antes desapareceu. — E se tudo desabar?

— A casa?

Ela encolhe os ombros, apenas um movimento mínimo. —


Tudo. A casa, meus planos, minha vida inteira.

Eu corro minha palma sobre os cabelos curtos e espetados em


minha mandíbula. — Vamos jogar um jogo.

— Não estou com humor para I Spy.


Eu bufo uma risada. — Deixe-me reformular. Vamos falar de
hipóteses. Hipoteticamente falando, o que você faria se a casa
desabasse?

— Fugir dela.

— Suponha que você não esteja nela.

Ela solta um suspiro pesado. — Consertá-la, eu acho.

— E se seus planos desabarem?

Jo se mexe, puxando uma perna para cima do assento e


colocando-a contra o peito. — Viver no Círculo B. Tendo a maior
hipoteca do mundo. Colocá-la de volta no mercado.

— E sua vida? E se toda a sua vida desabasse ao seu redor?

Ela bate no joelho. — Reinventaria.

— O que você seria?

— Uma princesa em um cruzeiro Disney.

Eu olho para ela com o canto do olho enquanto faço a curva


para o Círculo B. — Você disse isso sem qualquer hesitação.

Jo sorri. — É um sonho secreto meu. Não vá contar a ninguém.

— Vou levá-lo para o túmulo. — Um estrondo de trovão divide


minha frase em duas, e o céu se abre. A chuva bate no meu para-
brisa.
Eu paro em frente à casa principal, e Jo empurra a sacola com
o doce sob a camisa. — Boa sorte para você no dilúvio, — ela
chama, e pula da minha caminhonete.

Estou rindo enquanto pego o champanhe. Jo é mais engraçada


do que eu me lembrava. E ela me defendeu agora mesmo. Eu fui
buscá-la e ouvi. Não sei o que aquelas mulheres disseram e nem
sabia que era de mim que Jo estava falando, até que ela se chamou
de minha chefe. O que sei é como me sinto ser alguém que ela acha
que merece ser defendido.

Chego no banco de trás, pego a sacola que esqueci de levar


comigo quando cheguei em casa ontem e agarro o gargalo da
garrafa de champanhe. A chuva me atinge enquanto corro para a
casa, onde uma Jo sorridente espera por mim sob a segurança da
varanda coberta. Nós dois estamos encharcados. Minha camisa
gruda na minha pele e gotas- d'água escorrem pelo rosto dela.

— Eu me pergunto se haverá inundações repentinas, — Jo


pondera, olhando na direção da cidade, embora não possamos ver.

A chuva atinge o solo e salta. O solo é duro e já faz muito tempo


que não choveu pela última vez. O barro ainda não é macio o
suficiente para absorver a torrente, por isso forma riachos e,
felizmente, flui para longe da casa de Jo. Pelo menos ela tem isso
a seu favor.

Tiramos os sapatos e entramos. Da sacola, tiro uma sacola


embrulhada em plástico com camisetas brancas lisas, do tipo que
vai por baixo da camisa de trabalho que uso no HCC.
— Aqui, — eu digo, rasgando uma bolsa e entregando a ela.

Ela a pega, sacudindo-a. — Obrigada.

Ela desaparece virando para se trocar e eu troco minha camisa


molhada pela seca. Meus jeans estão molhados em alguns lugares,
mas não encharcados. Mesmo se fossem, não posso removê-los.

Jo volta pela sala de estar e entra na cozinha. Ela segura a


camisa sobre a pia, torcendo a água, em seguida, pendurando a
camisa sobre a torneira.

Andamos pelo local, verificando se há vazamentos. No total,


são cinco. Eu a aviso que pode haver mais, alguns podem não se
desenvolver até que comece a chover por um tempo. Ela franze a
testa e eu opto por não dizer que seções inteiras do telhado podem
desabar. Não quero que ela tema que nossa conversa hipotética da
caminhonete se concretize.

Na cozinha, encontramos um armário cheio de potes e


panelas. — Isso não é bizarro? — Jo pergunta, segurando um pela
alça. Ela abre mais armários e encontra outros utensílios de
cozinha. — Porque eles deixariam essas coisas para trás? Eles
levaram os móveis.

— Talvez eles odiassem cozinhar, — brinco. Nós nos movemos


pela casa, colocando potes sob as goteiras para pegar a água.

Voltamos para a sala e ela tira um caderno da bolsa. —


Telhado, — ela diz em voz alta enquanto escreve. — Minha lista
está ficando cada vez mais longa.
Resumidamente, penso em perguntar a ela por que o telhado
não estava em sua lista, mas mudo de ideia. Quanto mais tempo
passo aqui, mais vejo que Jo precisa de alguém para orientá-la
neste projeto. Estou pensando em como posso convencer Dakota
a ajudar mais quando Jo diz asperamente: — Pare com isso.

Seu tom me tira dos meus pensamentos. — Parar o que?

Jo joga o doce para mim. — Eu sei o que você está pensando.


— Ela arrasta uma caixa vazia e a vira de cabeça para baixo,
usando-a como assento. Eu a vejo prender o cabelo em um rabo
de cavalo e prendê-lo com o elástico de cabelo que ela tinha no
pulso. Ela tem um pescoço fino e elegante. Uma pequena verruga
logo abaixo de sua orelha esquerda.

Eu desembrulho meu Twix e dou uma mordida. — Não, você


não quer, — eu argumento incisivamente.

— Você está pensando que não sei o que estou fazendo aqui.
Você está tentando descobrir como uma pessoa que ainda não teve
o telhado inspecionado pode levar a cabo a reconstrução de um
rancho e a abertura de um o negócio. — Ela aponta seu Cow Tale
em tamanho real para mim, o final pendendo frouxamente.

— Não é verdade, — eu insisto, empurrando o resto do Twix


em minha boca.

— Então o que você estava pensando? — Suas sobrancelhas


se erguem em desafio.

Eu não acho que seria bom se dissesse a ela que estou


tentando não imaginar como seria a sensação de sua pele
umedecida pela chuva contra a minha língua. — Eu estava
pensando que é muito bom o que você está fazendo aqui.

Ela estreita o olhar. — Você é um péssimo mentiroso.

Eu bufo. — É a primeira vez que ouço isso. — Pego o


champanhe de onde coloquei no balcão antes de andarmos pela
casa procurando por vazamentos. — Mas você está certa, não era
isso que eu estava pensando. Isso não torna o sentimento menos
verdadeiro. E acho que o que você está fazendo aqui deve ser
comemorado.

Estendo a garrafa para ela pegar, mas ela aponta para mim.
— Você faz as honras.

Eu retiro o papel alumínio e a enrolo, jogando-o de lado. Eu


posiciono dois polegares na lateral da rolha, então penso melhor.
A pressão barométrica pode fazer com que ele saia disparado e,
embora pareça divertido, também parece uma bagunça. Em vez
disso, torço a rolha até ouvir o estouro e apenas uma pequena
quantidade borbulha.

Estendo a garrafa para ela, digo: — Para você, Jo, e seus


grandes sonhos.

Jo sorri timidamente, suas pálpebras tremulando fechadas


por um breve momento. Um lampejo de tempo toma conta, como
se eu tivesse vivido outra vida. Vejo Jo em um corredor mal
iluminado, as paredes de estuque, duas plantas enormes de cada
lado dela.
Eu pisco contra uma memória que não pode ser minha
enquanto Jo pega a garrafa de mim. Ela bebe direto e me devolve.
Eu bebo, e nós dois ficamos quietos, ouvindo a chuva e os trovões.
Jo esfrega os antebraços nus e diz que sente que deveria estar com
frio, embora não esteja. Provavelmente estão quase oitenta graus
aqui agora, e parece ainda mais quente com a umidade que a
tempestade trouxe consigo.

Wyatt? — Jo diz, olhando para mim. Sento-me ao lado dela,


então estamos no mesmo nível. Ela continua. — Como você
justifica o que aconteceu no Merc?

Eu esperava totalmente a pergunta dela e estou pronto para


uma resposta. — Isso, — eu digo, tomando um gole e passando a
garrafa para ela. — É o que eu gosto de chamar de lógica fora da
lei.

Jo me lança um olhar de reprovação. — Você é um canalha.

Eu sorrio e pisco. — Não, querida, eu sou um fora da lei.

Jo levanta as mãos. — Você também é um flerte.

— Eu? — Eu aponto para mim mesmo. — Eu não sei do que


você está falando. Mas, — eu me levanto. — Já que você levantou
tal acusação, eu poderia muito bem te convidar para dançar. —
Minha voz está calma, meu coração batendo furiosamente é tudo
menos isso.

Ela encara a mão que estendi. — Você sabe que tenho


namorado.
— Sim, eu sei. Jeff, isso?

Ela balança a cabeça para mim. — Você sabe o nome dele.

Eu aceno para a mão que ainda estou segurando. — É apenas


uma dança, Jo. Não estou pedindo para você fugir comigo.

Mas se você quiser, vamos embora. Eu a tiraria dessa


tempestade, para qualquer destino.

Ela coloca a garrafa ao lado dela e se levanta. — Eu não faria


isso mesmo se você fizesse.

— Estou ciente, — digo a ela, enquanto ela coloca sua mão na


minha.

Ela me deixa puxá-la para perto, nossas mãos cruzadas


descansando no meu peito. Meu outro braço envolve sua cintura.
Um estrondo de trovão faz nós dois pularmos, ela se pressiona
contra mim e então se afasta.

— Eu nem gosto de você, — ela afirma, mantendo os olhos


fixos no meu pescoço. É o lugar mais seguro para eles estarem. Se
nossos olhares se encontrassem agora, não tenho certeza do que
pode acontecer.

— Eu sei, — eu respondo. Se não fosse pela dificuldade em


sua voz, talvez eu acreditasse nela.

— Onde você aprendeu a dançar?

Eu a empurro para fora, puxo-a de volta. Ela é


surpreendentemente boa em me deixar liderar. — Minha mãe. Ela
me deu aulas de dança na sala de estar quando eu estava
crescendo.

— Você é bom.

— Não é difícil. — Não quando você tem o parceiro certo.

A chuva intimida a casa, atingindo-a implacavelmente e,


embora o telhado aguente, tudo dentro de mim está desabando.

Estou me apaixonando por Jo, e não é típico de mim encontrar


a pessoa que já está namorando?

Talvez eu seja um canalha como ela disse, porque agora, com


Jo em meus braços, seu relacionamento é a última coisa em que
estou pensando.
15

Eu me encontrei com quatro carpinteiros diferentes nos


últimos dois dias, e todos eles dizem a mesma coisa. Substituição
total. Entre a casa principal, os quartos de dormir e o estábulo,
estou muito além do meu orçamento. Não sobrou muito nas
minhas economias para renovar e não tenho como pegar um
empréstimo pessoal, mesmo que eles me emprestem a quantia de
que preciso, o que provavelmente não fariam.

Há mais uma possibilidade, um último esforço inútil para


salvar meu sonho.

Jared está vindo agora. Eu fiz espaguete com almôndegas, seu


favorito, na tentativa de suavizar as coisas. Ele não ficou feliz
quando soube que esperei a tempestade passar com Wyatt.
Lembrei-lhe que não tinha escolha. A tempestade foi forte o
suficiente para arrancar três das árvores maduras que margeiam
a High Street. Ele mudou de assunto depois disso, me contando
sobre um homem que foi ao banco naquele dia e abriu uma conta
corrente. Ele estava vestido com um terno bem cortado e disse a
Jared que está pensando em mudar alguns negócios para Sierra
Grande.

Hoje à noite, meu plano é descobrir o nome daquele cara. Se


ele está pensando em mudar 'negócios', seja lá o que isso consiste,
para esta cidade, talvez ele também esteja interessado em investir
em um negócio local. Pontos de bônus se este parceiro de negócios
preferir permanecer em silêncio.

Jared chega às sete precisamente. Ele usa uma camisa de


botão azul clara enfiada em calças cáqui e um sorriso contrito.

— Senti sua falta nos últimos dias, — ele murmura no meu


cabelo quando me abraça.

— Tenho estado ocupada em reuniões sobre telhados. —


Minha resposta pressiona em seu ombro.

— Mesmo à noite?

Arrepio-me com a advertência leve. Este é um novo lado de


Jared, essa possessividade, e eu não ligo para isso. — O macarrão
provavelmente está fervendo. — Eu me afasto dele e corro para a
cozinha.

Minha mãe não me deu nenhum bom conselho, exceto por


uma peça, e é algo que sempre me chamou a atenção. — Se parece
errado, provavelmente é. E isso, Jo, se aplica a quase tudo na vida.

A reação de Jared a Wyatt parece errada. Posso entendê-lo se


sentindo ameaçado, porque Wyatt é o tipo de pessoa que poderia
pegar um fiapo de insegurança e aumentá-lo. Mas o que Jared diz
e faz depois de sentir essa emoção é com ele. E ele não está se
pintando em uma boa luz.

Eu termino o espaguete enquanto Jared se inclina contra o


balcão da cozinha e assiste. Conversamos sobre seus colegas de
trabalho no banco, sobre a cena que Waylon Guthrie causou
quando estava bêbado no parque ontem e a forma como as árvores
arrancadas na High Street fazem com que pareça um sorriso sem
dentes. Há uma pequena queda na conversa depois que as árvores
são mencionadas, e eu sei que é porque Jared está pensando na
tempestade.

O jantar está pronto e Jared abre a garrafa de vinho tinto que


coloquei sobre a mesa. Ele elogia a refeição e delira com as
almôndegas caseiras. Conto a ele sobre o consenso geral dos
carpinteiros e como isso vai me afundar se eu não conseguir um
investidor. — Então, eu estava pensando, — eu hesito, girando
meu espaguete em um ninho. — Se você puder me dizer quem era
aquele empresário misterioso que abriu uma conta no banco? Será
que ele estaria interessado?

Jared passa um guardanapo nos lábios. — Sawyer Bennett.

— Sawyer Bennett, — eu repito, deixando o nome rolar na


minha língua. — Por que isso soa familiar?

Jared encolhe os ombros. — Eu acho que é apenas um


daqueles nomes, sabe?

Pego meu vinho, pressionando a borda do vidro frio no meu


lábio inferior. — Você sabe onde ele está hospedado?

— A Serra. — Jared se inclina para trás, pressionando a mão


no topo de seu estômago. — Mas ele disse que adora os muffins de
mirtilo da Bakery…

— Duh, — eu interrompo, e Jared sorri com conhecimento de


causa. Não há ninguém nesta cidade que não espere
impacientemente pela entrega uma vez por semana dos melhores
muffins de mirtilo de uma padaria vizinha na cidade de Sugar
Creek.

— Vigie a padaria e aposto que você encontrará Sawyer.

— Como vou saber que é ele?

Jared ri. — Você saberá.

Terminamos de comer e Jared se junta a mim na limpeza.


Estou lavando a tigela que usei para misturar as almôndegas
quando ele menciona Wyatt.

— Eu sei que este é um ponto sensível para você, mas preciso


te perguntar uma coisa. Tem a ver com Wyatt.

Eu continuo limpando, certificando-me de lavar a tigela duas


vezes porque ela continha carne crua. Isso está me dando uma
ótima desculpa para não olhar para Jared por mais do que um
olhar superficial.

— Tudo bem, — eu digo.

Jared pega a tigela de mim e enxágua, em seguida, coloca em


um pano de prato ao lado da pia. Ele desliga a água, deixando-me
com as mãos ensaboadas e o próximo prato da fila para ser lavado.
Seu movimento força meu olhar a encontrar o dele.

— Jo, quero que demita Wyatt. Posso dizer que ele gosta de
você e não acho que seja bom para nosso relacionamento.
Eu fico olhando para ele, absorvendo sua frase. Meus olhos
piscam sobre seu nariz reto, seus cílios longos, o pequeno ponto
de uma cicatriz no lóbulo da orelha desde o momento em que ele
deixou seu primo perfurar sua orelha com a ajuda de um cubo de
gelo e uma maçã. Não foi muito bem.

A ideia de que Wyatt gosta de mim é absurda. Wyatt é um


namorador. Ele cobre seu charme com todos nesta cidade, com
muito poucas exceções. Já perdi a conta do número de vezes que
o vi conversando com as duas velhas que se sentam do lado de
fora de Marigolds e fofocando sobre a cidade.

Pego um segundo pano de prato ao lado da pia, enrolando-o


nos dedos. — Wyatt não é um empregado pago. Não posso demiti-
lo.

— Ótimo, — Jared disse rapidamente. — Torna mais fácil


deixá-lo ir.

A irritação pica minhas omoplatas. — Eu não posso fazer isso,


Jared.

Sua voz endurece. — Por que não?

Não vou contar a ele sobre o acordo de Wyatt com o xerife,


então digo: — Wyatt precisa ajudar no Círculo B. E ele é mão de
obra gratuita, que você sabe que preciso mais do que nunca agora.
Então, por favor, apenas confie que eu sei o que estou fazendo.

— Você viu a maneira como ele olha para você?


Minha cabeça balança enquanto eu afasto a pergunta
absurda. — Não importa como Wyatt olha para mim, Jared. Eu
sou uma mulher adulta e minha calça jeans e calcinha não vão
voar do meu corpo só porque Wyatt me olha de uma certa maneira.

Jared, que normalmente não é tão teimoso, enfia as mãos nos


bolsos da calça. — Eu odeio fazer isso, Jo, mas se você não vai
expulsar Wyatt do trabalho, então estamos acabados. Não posso
continuar a passar meus dias no banco sabendo que você está
sozinha com ele em um rancho abandonado, fazendo sabe Deus o
que.

Deus sabe o que? Este homem está falando sério? Minhas mãos
apertam o pano de prato que ainda estou segurando. — Eu não
dei a você nenhuma razão para não confiar em mim.

Jared me olha por um longo momento. — Lamento fazer você


escolher, Jo. Ou sou eu ou é ele. — Jared dá um beijo na minha
bochecha, então ele sai da cozinha e, um momento depois, a porta
da frente se fecha.

Sirvo outra taça de vinho, sento no sofá e ligo para Jared. Ele
atende no segundo toque. Sua janela deve estar abaixada
enquanto ele dirige, porque o ar torna difícil ouvi-lo.

— Espera aí, — ele diz, e em alguns segundos está de volta ao


normal. — Você está ligando para me dizer para voltar?

Eu pisco — Não, Jared. Desculpe, não estou. Estou ligando


para dizer que não é necessário arrastar isso. Acho que você e eu
estamos melhor como amigos.
Ele respira fundo. — Clássico. Wyatt Hayden roubou minha
namorada. Eu não acho que ninguém ficará surpreso com isso.

Eu suspiro. — Não foi isso que aconteceu, Jared. Não estamos


bem juntos e não tem nada a ver com Wyatt.

— Eu nunca pensei em você como uma mentirosa, mas aqui


está você, mentindo.

— Eu estou indo agora, Jared, antes que você diga algo do qual
se arrepende.

A linha fica muda.

Minha cabeça cai para trás contra o sofá. Uma pequena


lágrima rola pela minha bochecha. Se estou mentindo, não é para
Jared. O que eu disse a ele era verdade.

Mas quando se trata de Wyatt? Ele parece ser capaz de


arrancar fortes emoções de mim.

Emoções sobre as quais uma pessoa pode mentir para si


mesma.
16

Tiro a madeira do carrinho, deslizando-a para a caçamba da


caminhonete e tomando cuidado para não dar lascas.
Normalmente não dirijo tão longe atrás de madeira, mas queria
fazer a plantadeira elevada da Sra. Calhoun de cedro e, para isso,
tive que viajar.

Já que estava aqui, também peguei tudo de que precisava para


substituir a varanda da frente caída de Jo e as escadas. Eu não
quero que ela tenha que evitar os pontos fracos como ela tem feito.
E se ela esquecer um dia?

Eu termino de carregar, então pulo na minha caminhonete,


engatando a marcha à ré e imediatamente pisando no freio.

— Que porra é essa? — Eu digo a mim mesmo, olhando para


o que vejo no meu espelho retrovisor. Dan Howard, também
conhecido como o inútil policial de Sierra Grande, está em uma
pista, trabalhando com outros dois homens para encher suas
caminhonetes com madeira.

É uma porra de tonelada de madeira para quem não dirige


caminhonete de trabalho. Dan está vestido à paisana, com uma
camiseta básica e jeans, mas os caras com quem ele está parecem
ter visto dias melhores. Não consigo ver os detalhes daqui, mas
minha raiva aumentou. Algo sobre isso está errado.
Dan olha ao redor, tentando demais ser indiferente. Ele sobe
em um sedan, os outros dois caras entram em suas respectivas
caminhonetes. Dan sai primeiro e, quase cinco minutos depois, a
primeira caminhonete sai, seguida pela segunda.

Seguido por mim.

•••

Todo o caminho para Sierra Grande. Eles contornam a cidade,


pegando o desvio que os levará eventualmente ao HCC se eles
permanecerem na estrada sinuosa que conduz à elevação. Mas
tenho a sensação de que não é isso que vai acontecer.

Eu estou certo. Mais à frente, em uma pequena curva na


estrada, eles param suas caminhonetes em uma estrada lateral
quase crescida. Seria fácil descartá-lo como uma relíquia de dias
passados, um lugar onde ninguém vai porque como alguém
poderia chegar lá?

Exceto que eu sei aonde isso leva.

Alguns anos atrás, eu assisti Dixon dirigir nesse mesmo


caminho. Eu estava a cavalo, levando Ranger o cavalo de Wes para
fazer exercícios porque ele estava muito ocupado. Eu estava
escondido por árvores quando uma caminhonete surrada passou,
saiu da estrada e subiu a colina suavemente inclinada.
Eu já sabia quem era, e as bandeiras vermelhas de advertência
estavam voando. Apontei Ranger na mesma direção da
caminhonete e viajamos paralelamente, escondidos da vista. A
caminhonete não teve que percorrer mais de quatrocentos metros
por aquele mato grosso antes que a folhagem se dissipasse. Era
como se alguém tivesse feito a manutenção da estrada, mas
deixado a entrada coberta de mato para evitar que alguém notasse.
Eventualmente, a estrada de terra terminou e o motorista saiu.

Dixon nem se deu ao trabalho de olhar em volta, tão certo de


que ninguém o havia seguido. Ele partiu a pé, para o norte. Fiquei
imóvel e o observei até que ele desapareceu de minha vista. Esperei
mais dez minutos e voltei por onde vim. No dia seguinte, refiz meus
passos, desta vez com o cavalo de Warner, e quando não encontrei
nenhum sinal da caminhonete de Dixon, continuei na direção em
que ele havia caminhado. Por fim, cheguei a uma clareira, com
uma casinha de merda construída no meio. As janelas eram
pintadas de preto, então eu não conseguia ver dentro e sabia que
era melhor não abrir a porta. A essa altura, eu imaginei que fosse
um laboratório de metanfetamina, embora não pudesse ter certeza
de que estava funcionando.

É assim que eu sei para onde esses dois caras de aparência


incompleta estão indo agora. E a madeira que eles carregam me
diz que eles estão reconstruindo a estrutura que explodiu uma
noite, dois anos atrás, com Dixon dentro.

Eu continuo até encontrar um trecho da estrada largo o


suficiente para virar. Quando volto indo na direção oposta, eu olho
para o pequeno desvio. É tão escondido que você sentiria falta se
não soubesse que estava lá.

Eu quero saber o que eles estão fazendo construindo lá. E


quero saber quem eles são.

•••

É fim de tarde quando termino com o canteiro da sra. Calhoun.


Tenho sobras de cedro o suficiente para fazer um segundo para
minha mãe. Não tenho tempo agora, no entanto. Eu gostaria de
entregar este para a Sra. Calhoun e voltar aqui para que possa
trabalhar na varanda e nas escadas de Jo.

Por falar em Jo, não a vi hoje. Normalmente ela está aqui em


algum lugar, trabalhando ao meu lado ou pesquisando vários
tópicos sobre construção de estruturas, administração de uma
empresa e marketing. Sua tenacidade é admirável, mas eu
particularmente não gosto de me deparar com ela. Acho que
fizemos progressos. A tarde da chuva pareceu um passo na direção
certa.

Onde está a direção certa, permanece uma questão. Amizade,


suponho. Por mais que queira fazer de Jared nada além de uma
memória, eu não posso. Ele é obviamente bom para Jo, da maneira
como semelhante atrai semelhante. O que ainda tenho para dar a
ela? Meus problemas de papai? Uma fatia do chip que uso no
ombro?
Suspirando, levanto o canteiro e coloco-o de lado na porta
traseira, deslizando-o suavemente para dentro. Fecho o portão e
recolho minhas coisas, mas deixo o cavalete e minhas ferramentas
fora. Eu não vou demorar muito.

Como sempre, a Sra. Calhoun se senta em sua cadeira na


varanda da frente. Ela acena quando eu puxo para cima.

— Olá, meu jovem, — ela chama.

— Olá, Sra. Calhoun, — saúdo-a, indo para a parte de trás da


minha caminhonete e baixando o portão. — Eu encontrei algo na
beira da estrada. É a semana do lixo a granel na cidade. —
Certamente não é, mas ela não saberá disso. Removendo o canteiro
do jardim, eu o carrego em direção a ela.

Ela se levanta e põe a mão no peito. — É isso que eu acho que


é? — Suas mãos batem palmas na frente dela. Abro a boca para
responder, mas ela diz: — É um cocho. Onde meus cavalos podem
comer.

Eu tropeço em minhas palavras e me recupero. — Sra.


Calhoun, este é um canteiro de jardim, então você não tem que se
curvar para o jardim no chão. Vê? — Eu o coloco e coloco minha
mão no espaço profundo. — Encha-o com terra, jogue suas
sementes e, quando chegar a hora de cuidar, tudo estará bem na
sua frente, em vez de no chão.

Ela se segura no corrimão e desce alguns degraus. — Bem, eu


ficarei. Olhe só. Mal posso esperar para contar aos meus filhos.
Eu paro por um instante, sem saber como seguir em frente,
então pergunto: — Seus filhos?

— Meus netos, quero dizer. Lá vêm eles agora.

Ela está certa. Uma caminhonete para em sua garagem. É


seguido por uma segunda.

As caminhonetes, eu já sei. São os homens que as conduzem


que são um mistério para mim. Mas isso está prestes a mudar.

— Vou pegar um chá gelado para todos, — Carol me diz,


voltando para dentro de casa.

Os dois homens saem. Eles têm quase a mesma altura, mas


onde um é magro, o outro está acima do peso. Rapidamente
descubro quem é o líder dos dois, a julgar por como um fica
olhando para o outro em busca de orientação sobre como se
comportar agora.

O mais fino dos dois da passos à frente. Eu faço o mesmo,


caminhando pelo pequeno gramado para encontrá-lo.

Eu estendo a mão. — Wyatt Hayden. — Ele aperta minha mão,


a compreensão surgindo em seus olhos.

— Ricky Marks. — Nós largamos as mãos. Ele acena de volta


para seu irmão. — Esse é Chris, meu irmão.

Ele se adianta e repetimos o aperto de mão.


— Hayden, hein? — Ricky diz, balançando nos calcanhares.
Seus dentes são tingidos de amarelo com manchas marrons se
espalhando na linha da gengiva.

Eu encolho os ombros. — Isso é o que eles me dizem.

— Interessante. Você conheceu meu primo, Dixon?

Eu balanço minha cabeça lentamente para frente e para trás.


— Não posso dizer que sim.

— Huh. — Ricky cruza os braços e não deixo de notar as


marcas em sua pele pálida. — Poderia ter jurado que alguém na
cidade disse que ele morreu nas terras de Hayden.

— Bem, eles estavam enganados. A casa de metanfetamina de


Dixon explodiu perto das terras da minha família. Nós cooperamos
com as autoridades, e eles determinaram que a explosão foi
resultado das atividades de seu primo. — Eu faço um som
pesaroso com meus lábios. — Que pena. Tenho certeza que ele era
um cara legal antes de entrar nessas coisas.

Chris está quieto, olhando em volta, como se não estivesse


sintonizado na conversa. As luzes estão acesas em sua cabeça,
mas ninguém está em casa. Ricky é uma história diferente. Ele tem
um ar astuto, astuto como uma raposa e igualmente inteligente.
Wes pensava o mesmo de Dixon, e ele não estava errado.

Atrás de mim, a porta de tela bate. A Sra. Calhoun está na


varanda, olhando para nós três com surpresa feliz. — Bem,
quando todos vocês chegaram aqui? Eu nem mesmo os ouvi parar.
— Sua animação, sua alegria ao nos ver, não fazem nada além de
fazer meu estômago embrulhar. Ela está piorando.

— Vovó, você pode nos fazer um pouco de chá? — Ricky


chama.

— Claro que posso, — ela responde, recuando para dentro de


casa.

— Como é que você conhece minha avó? — Ricky pergunta. A


suspeita ressoa em seu tom. Isso é o que quero dizer com
inteligente. Ele sente que estou aqui por um motivo que outros
podem ignorar.

— Cidade pequena, sabe? Todo mundo conhece todo mundo.


Ela está sozinha aqui, e eu passei por aqui uma vez e notei
algumas coisas que precisavam de conserto. Perguntei por aí e
ninguém soube me dizer se ela tinha família, então saí de carro
aqui e perguntei eu mesmo. Ela disse que não tinha ninguém,
então eu me ofereci para ajudá-la.

— Isso é muito legal da sua parte. — Ricky cutuca uma crosta


em seu braço, então percebe que está fazendo isso e para.

— É engraçado, sua avó só fala sobre seu filho e neto. Ela


nunca mencionou nenhum de vocês.

— Sim, bem, — Ricky olha para Chris, não encontrando nada


além de um olhar vazio. Ele abaixa a voz e diz: — Passamos algum
tempo na prisão. Roubo insignificante. Estávamos sem sorte e
fizemos algumas escolhas erradas. Acho que a vovó fica um pouco
envergonhada com isso, não que ela vá admitir isso.
Concordo. — Certo, certo.

Ricky anda ao meu redor, parando para voltar. Não


surpreendentemente, Chris o copia. — Obrigado por ajudar
quando não estávamos por perto, mas acho que podemos
continuar a partir daqui.

Lanço-lhe um olhar severo, que ele devolve com o queixo


erguido. — Sem problemas, — eu respondo.

Os irmãos estão caminhando em direção a casa quando eu


digo outra coisa. Ricky se vira bruscamente. Chris tropeça ao se
virar. — O que é que foi isso? — Ricky pergunta asperamente.

— Eu perguntei se você tem cortado árvores. Você cheira a


madeira serrada.

Os olhos de Ricky se estreitam.

Eu sorrio e levanto a mão. — Tenha um bom dia.


17

Acordei com um e-mail da minha mãe.

Travis tem estado difícil recentemente. Talvez seja de família.


Esta é a idade em que você começou a dificultar a vida para mim.

Às vezes, sonho em estrangulá-la.

— Travis?

— Sim?

Eu mudo o telefone para o viva-voz e o coloco na minha


cômoda. — Normalmente as pessoas dizem olá quando atendem
ao telefone.

— Muito engraçado, — diz ele, taciturno. Nada anormal para


um garoto de quinze anos.

Eu coloco meu sutiã no lugar e puxo uma camisa sobre a


minha cabeça. — Como você está?

— Bem.

Respostas de uma palavra também não são atípicas para a


faixa etária dele, e estou acostumada com isso. — Tem certeza
disso? Você não parece bem.

— O que você quer que eu diga? A vida é ótima, é tão


maravilhosa aqui, mamãe e Henri são maravilhosos.
— Posso assumir o oposto de tudo o que você disse e pousar
em algum lugar perto da verdade?

Isso provoca uma risada bufante. Eu vou levar. Travis tem o


cabelo desgrenhado que ele afasta quando ri, e eu o imagino
fazendo isso agora.

— Eles me odeiam, Jo.

— Quem te odeia? — Eu coloco meus pés em meus tênis


Adidas. — Vou espancá-los.

— Mamãe, para começar.

— Eu vou bater nela.

Travis ri novamente. — Ela é minúscula, mas eu acho que ela


pode ser desconexa.

— Então ela morde meus tornozelos, quem se importa? —


Provavelmente sou a última pessoa a entrar em um confronto
físico, mas se a ideia está fazendo um adolescente hostil sorrir,
deixo rolar. — Quem mais, Travis? Quem mais deveria enfrentar o
lado errado do meu punho?

— Henri.

— Bem... — Henri mede mais de um metro e oitenta de altura


e o dobro do meu peso. — Talvez eu seja a única mordendo seus
tornozelos.

Desta vez, Travis não ri. Eu sei que dói, sentir que seu pai não
gosta da pessoa que você está se tornando. Jamais esquecerei os
olhares sujos de minha mãe quando comecei a questionar os
motivos e os ensinamentos da igreja, ou a expressão de nojo em
seu rosto depois que tudo aconteceu, a maneira como ela me
tratou com frieza.

— O que aconteceu? — Eu pergunto a Travis. Estou


maravilhada, de uma forma doentia e distorcida, que a mesma
mulher conseguisse machucar nós dois, mesmo sendo uma pessoa
totalmente diferente agora.

— Por que você está perguntando? Aquele orientador idiota


ligou de novo?

Eu paro o que estou fazendo e olho para o telefone, como se


fosse ser capaz de vê-lo, mesmo que seja apenas uma ligação
normal. — Minha mãe mandou um e-mail, — eu admito.

— Ela nem se importa de verdade, — Travis diz.

Eu sufoco meu suspiro. — Ela se preocupa à sua maneira. —


Deus, estou cansada de dizer isso a ele. Para mim mesma.

— Mamãe é uma vadia.

— Você não vai conseguir nenhum argumento de mim sobre


isso. — Prendo meu cabelo em um rabo de cavalo e pergunto: —
Então, por que você não me conta o que aconteceu?

Travis solta um suspiro ruidoso. — Eu matei a escola e ela


descobriu.

Tenho o cuidado de manter meu gemido guardado com


segurança na minha garganta. — De novo? Porque? — Agora estou
desejando ter feito o FaceTimed Travis em vez de ligar para ele. Eu
precisava me vestir, porém, e no interesse de não envergonhar a
mim mesma ou a ele, optei pela ligação.

— Eu não queria ir para a escola.

Eu reviro meus olhos. — Bem, sim. Diz todo colegial em todos


os lugares. Aonde você foi?

— Lugar algum.

Pego meu telefone da cômoda e o tiro do alto-falante. Tenho


dez minutos para chegar à Padaria, reivindicar uma mesa e
esperar por Sawyer Bennett. — Travis, tenho uma coisa para lhe
contar e não quero que você mencione para a mamãe. Comprei um
velho rancho e estou consertando. Quando estiver pronto, você
pode vir morar comigo de novo. Se você quiser, quero dizer. Mas,
— eu digo severamente quando ele fica animado. — Sem besteira.
Eu quero você na escola. Sem faltar às aulas apenas para que você
não possa ir a lugar nenhum.

— Quanto tempo? — Travis pergunta. — Quanto tempo antes


de terminar?

— Estou no processo de descobrir tudo isso.

Quando desligamos o telefone, a voz de Travis soa muito


menos como se eu odeio todo mundo e todo mundo me odeia, e
muito mais otimista.

Eu me sinto um pouco mal por não ter dito a ele qual seria o
propósito do rancho. Mas só um pouquinho. Se ele souber com
antecedência, ele nunca virá. A última coisa em que Travis quer
pensar é em um delinquente, porque ele não é. Na verdade, não.
Ele tirou o palito quando se tratava de parentesco. Assim como eu.

Olho-me no espelho, endireito os ombros e saio de casa.

É hora de eu pegar um investidor.

•••

Como Jared disse, eu sei imediatamente quem é Sawyer


Bennett.

Ele usa um terno azul marinho como se fosse personalizado


para seu corpo. Por baixo está uma camisa branca, sem gravata,
meias descoladas saindo de seus tênis de couro. Não consigo
imaginá-lo durando muito nesta cidade de operários e fazendeiros,
mas coisas estranhas aconteceram.

— Meia dúzia de muffins de mirtilo, por favor. — Ele ordena


de Greta, a dona e administradora deste lugar. Não me lembro de
nenhuma vez em que Greta não tenha estado atrás do balcão, seja
registrando pedidos ou reabastecendo as vitrines.

— Eu mesma poderia ter dito isso, Sr. Bennett, — Greta


responde, pegando um pedaço de papel de seda de uma caixa no
balcão. — Como está indo lá? Você encontrou aquele espaço de
varejo que estava procurando?
Ele acena com a cabeça, e eu observo seu perfil. Ele é muito...
bonito. Bem conservado. Imagino que ele seja meticuloso com sua
aparência. Ele sorri para Greta quando ela lhe entrega a bolsa.
Espero que ele pegue uma mesa aberta e se sente, mas ele
caminha para a porta.

Limpando minhas palmas das mãos nas minhas coxas, eu me


afasto da mesa onde estou conduzindo minha vigilância e o pego
na calçada. — Com licença? — Eu chamo.

Ele se vira, procurando meu rosto. — Posso ajudar?

Eu dou um passo mais perto. — Você é Sawyer Bennett?

Ele me olha. — Depende. Vou receber um tapa ou uma


medalha?

Eu sorrio. — Acho que isso depende da resposta à minha


pergunta. — Estendo a mão, digo a ele meu nome. Ele aperta
minha mão. — Eu me apresentaria, mas isso seria redundante.
Aparentemente, você já me conhece?

— Meu namorado, Jared, — uma pequena mentira, acabamos


— me disse que o conheceu recentemente e mencionou que você
está pensando em abrir alguns negócios aqui. E eu estava
pensando:— Vou em frente, porque não tenho certeza quanto
tempo mais terei sua atenção. — Tenho um negócio que precisa de
um investidor.

A cabeça de Sawyer inclina-se para o lado. — Isso está certo?


Agora ou nunca. O pior que ele pode dizer é não. — Comprei
um rancho abandonado nos arredores da cidade com o plano de
reconstruí-lo em um rancho para jovens problemáticos. As coisas
aconteceram um pouco mais rápido do que eu pensava e estou
perdendo a cabeça e meus bolsos estão vazios. — Eu respiro. —
Portanto, se você está procurando uma oportunidade de
investimento, ela está literalmente na sua frente.

Ele ergue uma sobrancelha, mas, fora isso, permanece


perfeitamente imóvel. — Onde você disse que estava?

— A sudoeste da cidade, um antigo rancho chamado Círculo


B. — Suas sobrancelhas se erguem. — Mas estou renomeando, —
acrescento. — Eu sei que não é o nome certo para o que estou
planejando. Vai se chamar Wildflower.

Ele acena lentamente. — Estou interessado. Que tal te


encontrar lá esta tarde às três? Tenho algumas coisas para fazer.

— Parece ótimo, — eu respondo, mantendo um controle sobre


a minha excitação.

— Prazer em conhecê-la, e vejo você em breve, Srta. Shelton.

Eu aceno, mas honestamente, não consigo sentir meu rosto


agora. Há muita adrenalina bombeando em minhas veias. — Vejo
você em breve, Sr. Bennett.

Ele se afasta e eu volto para dentro e peço dois muffins de


mirtilo para viagem.
O fragmento de esperança em meu coração iluminou todo o
meu dia, eclipsando a onda de tristeza que sinto quando passo
pela margem.

Não há uma tonelada de opções de namoro nesta pequena


cidade, e acabei de passar por uma delas.

Mas eu posso salvar minha bunda e a felicidade de Travis,


então, no geral, não estou muito chateada agora.
18

— Por que diabos ele compra essas coisas? — Eu resmungo,


lutando para colocar o chucros no cercado redondo. Você pensaria
que alguém tinha suas bolas em um torno do jeito que ele pula e
se debate.

— Acho que seu pai gosta de foder com você, — diz Denny,
cerrando os dentes enquanto me ajuda a levar o cavalo para o
cercado.

— Mantenha seu nariz onde ele pertence, Denny — Josh late,


olhando para ele. Josh está encarregado dos cowboys e leva seu
trabalho a sério. Amigos ou não, Josh quer que Denny fique fora
dos negócios pessoais da família Hayden.

Denny está certo, no entanto. Meu pai adora comprar o chucro


mais cruel que pode encontrar e depois me pedir para domá-lo.
Não sei por que. Só porque sou bom nisso, não significa que
devamos confiar em mim para fazê-lo. Como minha mãe diz depois
de cada jantar em família: ' Posso ser melhor lavando a louça do
que o resto de vocês, mas isso não me torna a única pessoa capaz
disso '. Todos nós trocamos quem lava a louça, exceto vovô. Aquele
velho idiota finge que está dormindo. A última vez que o chamei,
ele abriu os olhos, piscou para mim, fechou-os e fingiu roncar
quando minha mãe entrou na sala.
Denny e Josh vão trabalhar e eu fico com o novo cavalo. Ele é
lindo, um árabe claro com focinho preto. Esta raça é conhecida por
ser espirituosa e, a julgar pela maneira como ele anda ao redor do
ringue, eu diria que ele tende mais para o temperamento quente
do que simplesmente espirituoso. Ele corre e corre como se
estivesse com muita raiva de sua situação atual. Eu me pergunto
se ele iria correr até a morte, só para nos irritar.

Meu pai se aproxima de mim. Se eu não reconhecesse seu


andar pesado, sentiria sua presença formidável. Ele vem para ficar
ao meu lado.

— Olá filho. — Sua voz é profunda, arranhando os centímetros


que separam nossos braços.

A poeira sobe dos cascos do brônquio e flutua ao sol. — Olá


pai.

Ele fareja e apoia um pé no degrau inferior da cerca de


madeira. — O que você acha desse? — Ele empurra o queixo para
indicar o cavalo empinado e bufando.

Eu coço meu queixo. — Não consigo entender por que você


comprou.

— Não importa, — diz ele asperamente. — Você acha que ele é


flexível?

O cavalo foge de nós. — Você acha que ele parece querer ser
treinado?

— Droga, Wyatt. Responda a pergunta.


Os músculos sólidos do cavalo ondulam ao sol forte do meio-
dia. Algo sobre toda essa indignação é... lindo. Vital. Excesso de
emoção significa que você está vivo o suficiente para sentir algo.

Todos os cavalos são treináveis. Eles só precisam ser


quebrados primeiro. E aqueles que são tão loucos como este só
precisam encontrar alguém para respeitar. Eu puxo meu boné
mais baixo na minha cabeça e mudo meu peso para o outro pé. —
Ele é treinável. Deixe-o se exaurir. Cavalos cansados se
comportam melhor.

Meu pai dá uma risada. — Costumávamos correr com vocês


meninos até que caíssem na cama. Mesma coisa.

Quero sorrir, mas não posso. Parece falso ouvi-lo compartilhar


com carinho uma memória da minha infância.

O cavalo se desgasta, diminuindo a velocidade até que


finalmente para. Entro na arena. Ele rasteja no chão e me olha,
me observando caminhar até ele.

Não sei o que há em mim que acalma um cavalo. Considerando


a quantidade de turbulência que se agita em mim em um
determinado dia, isso não faz muito sentido. Eu me aproximo dele
e o olho em seus olhos grandes e escuros. Eu posso sentir o que
está dentro dele, dormente agora, mas em exibição apenas alguns
minutos atrás. Ele está com medo e só sabe lutar ou fugir. É
quando digo que ele não precisa ter medo de mim. Alguns cowboys
usam a violência para quebrar um cavalo, mas o pensamento me
deixa doente. Confiança e respeito, isso é tudo que um cavalo
precisa. E começa com um concurso de encarar.
Eventualmente, ele abaixa a cabeça, quebrando nosso contato
visual. Eu me viro, indo para o portão. Atrás de mim, ouço seus
cascos batendo forte.

Eu conduzo o cavalo para o estábulo, colocando-o em uma


baia. Meu pai está esperando por mim lá fora.

— O que você disse? — ele pergunta.

— Você vai ficar com ele? — Eu me oponho. Frequentemente,


ele vende os cavalos que eu domo.

— Se você quiser. Você precisa de um cavalo, não é?

Aceno lentamente. Ao contrário de Wes e Warner, que se


agarram com força ao Ranger e Titã, eu giro os cavalos. Mas este
parece especial, então digo o primeiro nome que me vem à mente.
— Amigo.

— Amigo, então.

Nós dirigimos em direção à propriedade, e eu desvio quando


nos aproximamos. — Eu preciso ir para a casa de Jo. Ela precisa
da minha ajuda. — Eu estava muito incomodado com meu
desentendimento com os netos da Sra. Calhoun e nunca voltei lá
ontem para trabalhar na varanda.

Meu pai coloca dois polegares nas presilhas do cinto. — Ela


tem precisado muito disso ultimamente.

Fico olhando para ele. — Você espera que eu acredite que o


xerife teve a ideia de eu fazer serviço comunitário sozinho? Gosto
do cara, mas ele não é tão inteligente.
— Eu não sei do que você está falando, — meu pai responde,
mas o canto levemente arqueado de sua boca diz diferente.

— Porra, você não, — eu digo baixinho. Eu me viro em direção


à minha caminhonete, mas a voz do meu pai me traz de volta.

— Por que diabos você tem que estar bravo, Wyatt? Hayden
trabalha duro, e eu espero o mesmo de você. Já estou farto de você
fazendo seja lá o que for que você faz. Este rancho precisa de um
segundo em comando, e eu tenho vergonha de você não estar
intensificando.

Os músculos da parte superior das minhas costas se


contraem. — Você disse o mesmo para Warner?

— Ele investiu seu tempo. Ele se sacrificou, manteve o nome


Hayden enquanto Wes estava fora. Você tem o nome Hayden de
nascença, mas com certeza não o merece.

Eu forço meu lábio inferior a parar de tremer. — Eu sei que


você está realmente desapontado, meu sobrenome é Hayden. Você
está desapontado desde o dia em que nasci.

— O que você acabou de dizer? — É minha mãe falando agora,


parada na varanda da frente da propriedade, com os braços
cruzados.

— Pergunte a ele. — Eu aponto um dedo rígido para meu pai.


Eu passo por ela no meu caminho para dentro de casa. — Pergunte
a ele por que ele me odeia desde o dia em que pôs os olhos em
mim.
Eu não espero para ouvir mais. Ando pela casa, indo em
direção à porta que dá para os fundos. De lá, é um tiro direto para
minha cabana. Se não fosse por Dakota de pé na cozinha
segurando Colt, eu continuaria.

— Oi, Colt. — Eu suavizo minha voz, a dor dentro de mim


colocada de lado por um momento. Eles me chamam de
encantador de bebês e cavalos, mas entenderam tudo errado. São
os bebês e cavalos que sussurram para mim, acalmando a besta
selvagem dentro de mim.

Dakota se vira para olhar para mim, mas a cabeça de Colt


permanece fixa em sua posição. Coloco a mão no ombro de Dakota
e me inclino ao redor dela para o campo de visão do meu sobrinho.
Assim que ele me vê, ele começa a chutar as pernas. Pressiono um
beijo em sua têmpora e digo a Dakota que tenho que correr.

Há preocupação em seus olhos, e presumo que seja


preocupação comigo, então beijo sua testa também e continuo
saindo pela porta dos fundos.

Caminho pela calçada de tijolos que compõem o pátio dos


fundos e piso na grama. Assim que cruzar o quintal, vou bater nas
árvores e ser engolido por pinheiros. Depois disso, é uma curta
caminhada até minha cabana.

— Você tem uma abelha no seu boné? — Eu ouço a velha voz


resmungando atrás de mim.

Um sorriso puxa minha boca. Eu me viro e encontro vovô


sentado no sofá ao ar livre, sob o sol direto. Eu me aproximo e fico
na frente dele, dando a ele um pouco de sombra. — Por que parece
que você está sempre sentado em vários lugares ao redor da
propriedade?

— Porque eu estou. O que diabos mais eu posso fazer? — Ele


se inclina alguns centímetros, metade do rosto banhado pelo sol
novamente. — Saia do meu sol.

Eu faço o que ele diz, mas pergunto: — Você quer câncer de


pele?

— Foda-se, — ele responde.

Sorrio, mas não é um sentimento totalmente feliz. Não faz


muito tempo que ele estava nos dizendo que estava velho, mas
ainda tinha um pouco de festa nele. Agora parece que ele está
perdendo um pouco dessa faísca, afrouxando o controle sobre a
vida. Eu odeio pensar no que isso significa.

Ele bate um dedo enrugado na coxa. — Você passa um bom


tempo pisoteando este lugar, mas hoje parece que você está um
pouco mais chateado. O que seu pai fez agora?

— O que te faz pensar que foi meu pai?

— Quando não é o seu pai?

Nunca falei com ele sobre meu pai. Então vovô não está apenas
sempre sentado em vários lugares ao redor da casa, mas ele
também está assistindo daqueles assentos.

— Ele não gosta de mim, vovô.


— É isso que você acha?

— Sim.

Quando ele não responde, eu pergunto: — Esta é a parte em


que você me diz que estou errado.

Ele faz um barulho com os lábios, como se estivesse soprando


uma framboesa. — Seu pai é o único que pode fazer isso. Minhas
palavras vão ricochetear em você.

Ele tem razão. Ele poderia me dizer que estou errado até que
as vacas voltassem para casa, mas nenhuma maldita palavra dele
iria penetrar.

— Parece-me que você precisa falar com seu pai.

Eu inclino meus cotovelos sobre os joelhos e coloco minhas


mãos entre eles. — Quando você conheceu meu pai para falar
sobre sentimentos e merdas assim?

— Nunca. Mas esse é o ponto, não é? — Sua perna esquerda


se contrai e treme. — Ele nunca faz isso, e agora ele precisa fazer
isso.

— Eu suponho. — Esfrego meus olhos. — Preciso ir. Tenho


algum trabalho a fazer no The Circle B. — Em algum momento,
teremos que começar a chamá-lo pelo novo nome. Talvez quando
Jo conseguir a inscrição.

— Eu ouvi sobre isso de seus pais. Você está fazendo um


trabalho terrível lá fora.
— Jo precisa de ajuda.

— Isso está certo?

Eu dou a ele um olhar lento. — Sim está certo.

— Isso é tudo? Perdoe-me, neto, mas eu nunca vi você ir tão


longe de seu caminho por alguém.

Olho para o chão, estudando a forma como os pavimentos se


juntam, os cantos se encontram. — Ela é especial. — Eu gosto do
jeito que ela me mantém alerta, como ela me chama nas minhas
merdas. Gosto da pequena verruga na linha do cabelo, na nuca, e
da maneira como ela morde o lábio quando está resolvendo um
problema. Admiro principalmente como ela é corajosa, assumindo
um projeto como transformar um antigo rancho e estar disposta a
aprender com os próprios pés.

— Você deveria convidá-la para sair.

— É tão fácil, hein? — Eu rio. — Ela tem um namorado.

— Bah. — Ele acena com a mão. — Não deixe isso pará-lo.


Atropele esse bloqueio com sua caminhonete. Quando eu conheci
sua avó, havia outro menino que era carinhoso com ela.

— O que você fez?

Ele dá uma risadinha. — Ele era um obstáculo que atropelei


com minha caminhonete.

— Você não quer dizer sua carruagem puxada por cavalos?

— Foda-se. Quantos anos você acha que eu tenho?


— Você quer que eu responda isso?

Ele gargalha. — Você sempre foi um filho da puta tagarela.

Eu rio. — Ainda sou.

Ele fica quieto e diz: — Esta vida é curta, Wyatt. Se você quiser
Jo, vá buscá-la. Se quiser contar a seu pai todas as maneiras como
ele te machucou, diga a ele. Chegará um dia em que você gastará
mais tempo pensando no que você não fez, e menos no que você
realmente fez. Arrependimentos não são divertidos, Wyatt. Eu
acho que o objetivo na vida é ter menos deles.

Eu me inclino para trás e olho para ele. Ele tem menos cabelo
na cabeça do que antes, e parece que preferiu crescer nas orelhas
e no nariz. Fileiras de rugas cobrem seu rosto e manchas marrons
salpicam sua pele. Mesmo assim, o homem é muito afiado. Ele vê
o que os outros não veem, e pode não ser porque tem horas
intermináveis para observar todos nós em nossos dias. Talvez ele
seja apenas perspicaz.

— Obrigado pelo conselho, vovô. Você me deu muito em que


pensar.

Ele concorda. — Vá em frente, Wyatt. Você tem trabalho a


fazer.

Dou um tapinha em sua perna e me levanto. — Você quer


ajuda para entrar na casa?

— Você quer sua bunda espancada?


— Hah. — Eu rio uma vez, bem alto. — Tudo bem. Levante-se
sozinho, velho.

— Vou me levantar quando estiver malditamente bem pronto


para isso, — ele rebate. Sempre tem que ter a última palavra.

Deixo-o ali onde o encontrei, tomando sol como uma cascavel,


e sigo meu caminho. Suas palavras reverberam através de mim
enquanto eu caminho até minha casa e recolho minhas coisas.
Entro na minha caminhonete e vou para a casa de Jo, tentando
resolver meus sentimentos enquanto vou.

•••

Não reconheço o carro estacionado ao lado do de Jo no The


Circle B. É um SUV Mercedes, cinza bronze fosco com aros
revestidos de pó. Definitivamente não é um veículo de alguém que
more em Sierra Grande. Provavelmente não é de um empreiteiro,
ou realmente de alguém trabalhando em um canteiro de obras.
Eles tendem a dirigir caminhonetes.

Eu começo com a casa principal, procurando por Jo e essa


pessoa misteriosa. Quando não a encontro lá dentro, dou a volta e
a ouço falar antes de virar a esquina para vê-la.

Ela está de costas para mim e está ao lado de um homem. Ela


está gesticulando e ele balançando a cabeça. Suas mãos estão
enfiadas nos bolsos do terno.
Ninguém nesta cidade usa terno, nem mesmo aquele
namorado banqueiro de Jo.

— Olá, — digo, parando a alguns metros deles. Jo se assusta


e se vira. O homem está mais lento, girando os ombros na minha
direção com uma expressão estoica.

A única maneira de saber que ele me reconhece é um leve


arregalar de olhos. É o idiota da noite no Chute que me levou para
a delegacia e, eventualmente, para cá.

— Wyatt, este é Sawyer Bennett. Ele é um potencial investidor.


— Ela sorri forte para mim, como se estivesse dizendo para não
foder com tudo, mas o sorriso fica mais doce quando ela olha para
Sawyer. — Sr. Bennett, este é Wyatt Hayden.

Estendo minha mão para um aperto de mão e sorrio como se


nunca o tinha visto antes. De jeito nenhum vou chamá-lo de Sr.
Bennett. — Sawyer, é um prazer conhecê-lo.

— Da mesma forma, — ele responde, apertando minha mão.


Seus olhos são tão cinzentos quanto seu G-Wagon4.

Eu acredito que você pode aprender muito sobre uma pessoa


pela forma como ela aperta as mãos, e eu tenho que admitir a
contragosto que Sawyer se apresenta bem nesse departamento.
Nenhum aperto de mão de pau mole, como Wes o chamaria.

— Você trabalha para Jo? — Sawyer pergunta.

4
Apelido popular, referindo-se ao veículo utilitário esportivo da classe G da Mercedes-Benz.
— Eu faço. — Aceno para a terra circundante. — Estou
ajudando Jo a dar sentido ao rancho e ao que precisa ser feito.

Sawyer fica balançando nos calcanhares. — Você tem


conhecimento especial nessa área?

Sua pergunta me parece estranha, mas se ele está pensando


em colocar dinheiro neste lugar, talvez faça sentido. — Eu cresci
em um rancho de gado. — Não digo meu sobrenome,
principalmente porque nesta cidade todo mundo já sabe, mas
nunca faço isso quando tenho oportunidade. É detestável.

— Entendi vocês. — Sawyer olha para Jo. — Eu gosto do que


vejo, Srta. Shelton…

— Jo, por favor, Sr. Bennett.

Os lábios de Sawyer se curvaram em um sorriso educado. —


Se você é Jo, então sou Sawyer.

Jo acena com a cabeça. Suas mãos se fecham em punhos ao


lado do corpo, um sinal claro de que ela está animada com as
próximas palavras dele.

— Jo, vou falar com meus advogados e vamos fazer um


contrato com o seu advogado. Envie-me as informações de contato
deles?

O rosto de Jo cai. — Eu, uh...

— Nós vamos te dar a informação, — eu asseguro a ele.


O olhar preocupado de Jo encontra o meu e eu pisco para ela.
Ela anda com Sawyer pela lateral da casa. Ele olha para trás e eu
levanto a mão em despedida, em seguida, entro em casa.

Jo me encontra no banheiro principal. Estou esticando uma


fita métrica no chão quando ela entra. Ela está sorrindo como uma
idiota, como se tivesse acabado de ganhar na loteria. O que, de
certa forma, ela tem.

— Oh meu Deus, oh meu Deus, oh meu Deus. — Sua voz é


aguda, suas mãos correndo pelo cabelo. Seu sorriso cai. — Isso vai
funcionar? Eu não tenho advogado.

— Agora sim, — digo, pisando na fita métrica para mantê-la


no lugar, depois esticando um pouco mais.

— Do que você está falando? — Ela junta o cabelo e o move


para um ombro. Se mexe com sua pulseira. Esfrega os lábios. Ela
está muito animada para parar de se mover.

Pressiono meu polegar na fita métrica estendida para mantê-


la alinhada e anoto as medidas. Meu polegar se levanta e a fita se
encaixe de volta no suporte. Eu me levanto e prendo a fita no meu
cinto de ferramentas. — Você pode pegar emprestado o advogado
da família Hayden.

Ela franze a testa e inclina a parte inferior das costas contra o


balcão do banheiro. — Funciona assim?

— Contanto que Chelsea esteja ganhando trezentos e


cinquenta por hora, não acho que ela se importe com os
documentos que olha.
Os olhos de Jo se arregalam. — Trezentos e cinquenta dólares
por hora? Estou no negócio errado.

— Mesmo.

Jo revira os olhos. — Oh, por favor. Você é do maior rancho de


gado no Arizona. Não quero ouvir isso.

— Isso não me torna rico.

— Com certeza não o torna pobre.

Seu comentário atinge um nervo. O nome Hayden sempre me


precede. Isso cria uma imagem, uma expectativa, e passei muito
da minha vida sentindo que não me encaixava nesse molde. A
suposição de que sou tão parecido com minha família me irrita
simplesmente porque sinto que não me encaixo com eles.

Enfio o pedaço de papel com as medidas no bolso. — As coisas


nem sempre são o que parecem.

— Não brinca, — murmura Jo. Ela bate os dedos na bancada,


sua expressão pensativa. — Talvez eu deva encontrar meu próprio
advogado.

Levanto minhas sobrancelhas e levanto meu queixo


ligeiramente, esperando que ela explique o porque.

Ela parece confusa. Sua boca abre e fecha algumas vezes. Ela
diz: — Não quero estar em dívida com você.
Dívida? Ela não estaria. E também... por que não? O que há
em mim que ela detesta tanto que não consegue suportar a
sensação de que me deve algo?

Minha boca forma uma linha dura. Eu olho em seus olhos, o


azul muito parecido com uma tempestade agora. Os músculos da
bochecha direita se contraem.

— Eu poderia tornar mais fácil para você. — Minha voz está


grossa. Estou falando do advogado, mas... estou mesmo?

— Facilitar o que? — Sua voz treme.

— O advogado. Se você usar o meu, não terá que encontrar


outro.

Ela balança a cabeça. — Jared…

— Foda-se aquele cara, — eu deixo escapar.

Seus olhos se arregalam. — Não entendo o seu problema com


ele, mas…

— Eu não gosto do cara, Jo. — Estou oscilando no limite agora,


sabendo que minhas próximas palavras podem alterar para
sempre as coisas entre nós. Aqui vamos nós. — Eu especialmente
não gosto dele para você.

Seu lábio inferior mergulha de surpresa e suas mãos cortam o


ar. — O que você espera que eu faça com isso, Wyatt?
Estou tentando dizer a ela como me sinto, mas não sei como,
e temo que ela vá rir se eu fizer isso. Ela tem Jared seguro e estável,
que sempre dirá a coisa certa, fará a coisa certa.

Mas há algo dentro de mim, algo que vem do centro do meu


coração, que me diz para não recuar. Jo me encara, os braços
cruzados na frente do peito, os lábios em uma linha severa.

Dou um passo em direção a ela, fechando a distância para que


fiquemos a menos de trinta centímetros de distância. Estávamos
mais próximos quando dançamos alguns dias atrás, mas agora é
diferente. O ar é elétrico, a possibilidade estalando através dele.
Eu observo seu rosto com cuidado enquanto levanto minha mão,
meus nós dos dedos pastando em seu antebraço. Seus lábios se
separam e sua ingestão aguda de respiração diz mais do que
palavras jamais poderiam.

Arrasto meu toque pelo braço dela, esperando que ela me diga
para parar, mas nenhuma diretriz vem. Ela fecha os olhos e engole
em seco quando meus dedos acariciam sua clavícula.

Isso parece uma luz verde, então eu chego mais perto, minha
mão serpenteando por sua garganta e em torno de sua nuca. Meus
dedos trabalham em seu cabelo e eu puxo suavemente, jogando
sua cabeça para trás. Ela arrasta uma respiração espessa e
instável. Seus braços se descruzam e ela inclina as costas no
balcão, as mãos segurando a borda.

Jared fodendo quem?


Um suspiro escapa da boca de Jo quando meus lábios passam
em sua garganta. Eu pressiono a ponta da minha língua contra
sua pele doce e a arrasto por todo o comprimento de seu pescoço
delicado.

— Jared…

Eu rosno, algo ininteligível e animalesco. Eu deveria respeitar


o relacionamento deles, mas não há uma única parte de mim que
queira. Tudo que quero é Jo. É inconcebível que ela pudesse ser
de outra pessoa. — Eu vi você com ele, Jo. Ele não faz isso com
você, — murmuro contra sua pele corada. — Eu nem te beijei
ainda, e você está tremendo. — Pressiono pequenos beijos ao longo
de sua mandíbula, prolongando a antecipação. Ela cheira como o
paraíso, como madressilva e casca de laranja, e não posso esperar
mais. — Já posso dizer que você vai ser a melhor coisa que já
provei.

Assim que digo isso, sou atingido pela mesma sensação de


déjà vu. As palavras são familiares, mas não me lembro de tê-las
dito.

Jo fica rígida. O ar elétrico entre nós pega fogo e ela me


empurra. Seus olhos contêm fúria, mas também algo como
vergonha, o que só me confunde ainda mais.

— Você é patético, — ela sibila. Ela endireita uma camisa que


não precisa ser endireitada, apenas para ter algo para fazer com
as mãos. Eu fico na frente dela, exposto, embora esteja totalmente
vestido.
— Você acha que sou estúpida? Você acha que eu cairia nesse
ato de novo? — Ela bufa uma risada zombeteira enquanto tento
descobrir o que ela quer dizer com isso novamente.

Ela balança a cabeça enquanto me observa lutar para


entender.

— O que você quer dizer com 'de novo'?

Suas bochechas ficam em chamas. Ela cruza os braços, cada


mão segurando o cotovelo oposto. Ela me encara. — Nós dormimos
juntos naquela viagem que fizemos para Phoenix. Você estava
bêbado demais para se lembrar, aparentemente. — Seu olhar cai
para o chão.

— De jeito nenhum, — eu argumento automaticamente. — Não


há como eu te esquecer, Jo. — Seu cabelo cai em torno de seu
rosto, fios rosa aparecendo. Um rubor percorre suas bochechas e
ela solta um suspiro profundo.

— Mas você fez, Wyatt. — Ela dá um passo, até que está perto
o suficiente para me tocar, um dedo cutucando o centro do meu
peito. — Você tem uma cicatriz pequena e plana na parte interna
da coxa. Não sei como você conseguiu, porque não estávamos
conversando muito. — Seus olhos me desafiam, desafiando-me a
contestar sua reivindicação uma segunda vez.

Não tenho palavras. No momento, meu cérebro não consegue


formar um pensamento inteligente e minha boca não consegue
produzir uma frase coerente. O melhor que posso fazer é balançar
minha cabeça lentamente para frente e para trás enquanto tento
examinar essas informações.

Jo confunde meu movimento de cabeça como se eu


continuasse a negar. Ela acena com a cabeça com firmeza, os
minúsculos brincos que ela usa brilhando ao sol que entra pela
janela do banheiro. — Fizemos sexo em todas as superfícies planas
do seu quarto de hotel. Não há um centímetro do meu corpo que
você não tenha colocado suas mãos, e... Você. Não. Lembra. — A
última parte de sua frase escapa por entre os dentes cerrados.

Viro minhas mãos e olho para as pontas dos meus dedos,


imaginando-os correndo sobre as curvas exuberantes de Jo. A
parte inferior de seus seios. O caminho quente entre suas pernas.
É um castigo cruel e cruel não lembrar de uma coisa dessas.

— O que posso fazer para tornar isso melhor?

Ela dá um passo para trás. —Você não pode. Acabou. Eu


gostei de você, Wyatt, e você me humilhou. — Ela levanta as
palmas das mãos no ar. — Não estou dizendo que é tudo culpa
sua. Sou uma menina crescida e fiz minhas próprias escolhas
naquela noite. Mas aprendi uma lição da maneira mais difícil, e é
melhor acreditar que não estou planejando esquecê-la.

— Que lição é essa?

Seus olhos se enchem de lágrimas. — Que você, Wyatt


Hayden, não vale a pena sofrer. — Ela sai, seus passos ecoando
pela casa vazia, me deixando sozinho com suas palavras de
despedida.
Como uma flecha, rápida e segura, cortaram ossos e tendões,
perfurando meu coração. Se aprendi alguma coisa no último mês,
desde que vim ajudar Jo, é que não quero ficar muito tempo sem
ela. Não sei o que ela fez dentro do meu peito, mas é irreversível.

Para ela, não valho nem a pena a dor no coração.

Mas eu costumava valer. É a isso que terei de me agarrar,


segurando-o como um farol de esperança. Houve um tempo em
que Jo pensava que eu era digno e é para lá que preciso voltar.

Há muito tempo desisti de tentar convencer meu pai de que


sou digno do nome Hayden. Mas por Jo, eu passaria uma
eternidade tentando fazê-la mudar de ideia.
19

O dinheiro de Sawyer é como uma injeção de epinefrina no


coração de Wildflower. Talvez seja por isso que finalmente consegui
começar a pensar nele por seu novo nome. De repente, ele está
vivo.

Caminhões de construção, uma betoneira, uma equipe de


homens dirigida por Scott, o empreiteiro geral que Dakota
contratou para construir The Orchard.

Depois que recuperei o juízo e parei de ser teimosa, pedi a


Wyatt as informações de contato de seu advogado. É uma das
poucas vezes que nos falamos nas últimas três semanas. Depois
que os papéis foram assinados e o dinheiro transferido, eu
oficialmente parei de trabalhar no The Orchard para poder ficar
aqui em tempo integral.

Wildflower tem pulso agora, um batimento cardíaco e, pela


primeira vez, estou vendo isso como algo mais do que o pior e mais
impetuoso erro da minha vida.

Falando em erros impetuosos… Wyatt aparece todos os dias,


pronto para ajudar em qualquer cargo. Fico pensando que um dia
ele não vai aparecer e pronto. Não vou contar ao xerife, ele vai
voltar a fazer o que Wyatt faz, e isso vai ser um pontinho no tempo.
Mas não. Wyatt aparece, aceita a orientação de Scott e trabalha o
dia todo ao lado dos homens que estão sendo pagos por sua
contribuição.

Pensei várias vezes sobre o que aconteceu algumas semanas


atrás, e a única conclusão lógica é que Wyatt viu algo que ele não
pode ter, e isso o fez querer. Eu.

Estaria mentindo descaradamente se dissesse isso naquele


momento, com a bancada do banheiro cavando em minhas costas
e os dedos de Wyatt arrastando sobre minha pele aquecida, eu não
queria ceder. Era quase impossível, e eu estava deslizando no meu
caminho para uma repetição daquela noite em Phoenix, até que ele
disse essas palavras.

Já posso dizer que você vai ser a melhor coisa que já provei.

A mesma coisa que ele me disse naquela época, as palavras


que me enredaram como um coelho em uma armadilha. E eu caí
nisso, do jeito que estou supondo que outras garotas fizeram. Ele
usou o verso novamente porque ele não se lembra de ter usado em
mim uma vez. Isso pegou meu constrangimento, jogou fúria sobre
ele e criou uma situação combustível.

Tem sido estranho desde então. Meus músculos estão rígidos,


minha postura rígida quando ele está por perto. Ele fala muito
pouco para mim, mas sua presença é grande.

Eu o observo em segredo quando posso, brandindo um


martelo, alisando concreto, desenhando formas e tento reconciliar
esse homem que está fazendo trabalho manual duro com o Wyatt
que eu pensei que conhecia. Ele não olha para mim, não que eu
saiba, de qualquer maneira. Pergunto-me se ele está tão afetado
por saber que dormimos juntos quanto parecia estar. Mais do que
chocado, ele parecia quebrado, como se eu contar a ele tivesse
consequências que vão além do que posso imaginar.

Eu quero ficar com raiva dele. É mais seguro lá, sentada


indignada como há muito tempo. Mas quando ele está perdido em
uma tarefa e tenho a chance de estudar seu rosto, os velhos
sentimentos se instalam. Uma flutuabilidade se instala sobre mim
e meus membros ficam sem peso, me fazendo pensar se
conseguiria voar. Este é um território perigoso para estar.

Ele está trabalhando na casa principal hoje, atualizando da


maneira que Scott e eu planejamos. Acabamento dos pisos de
madeira, novas bancadas, pintura fresca nas paredes. Os ossos da
casa são bons. Ele precisa apenas de um TLC para torná-lo um
lar.

Entro na casa e ouço Scott elogiando Wyatt pelos armários


reformados no banheiro principal. — Por que você começou com
isso? — ele pergunta.

— Eles eram do tom mais feio de verde. Jo realmente odiava.


Acho que para ela representava o projeto como um todo. Achei que
se pudesse fazer pelo menos uma melhoria, isso a faria se sentir
melhor.

Eu me encolho contra a parede do corredor, minha mão


pressionada no meu peito.
Eles continuam, mudando para outro assunto, e saio correndo
antes que eles me vejam.

•••

— Você quer ajuda com aquele pedido de vinho? — Eu aponto


para o computador aberto no bar, e Dakota sorri. Ela sai de trás
do bar do The Orchard e se acomoda no banquinho ao meu lado.

Dakota está com Colt dormindo na engenhoca de bebê presa


ao seu corpo, ela se ajusta com cuidado, atenta a ele. — Você não
trabalha mais aqui, lembra?

— Verdade. — Eu concordo. — Mas isso não significa que


esqueci tudo no segundo que entreguei minhas chaves. Ainda
posso ajudar se você precisar. Deus sabe que você tem me ajudado
o suficiente no Wildflower e definitivamente não trabalha lá.

Dakota afasta o computador. — Eu já te disse o quanto eu amo


esse nome?

Eu penso nas fotos das flores silvestres crescendo na


primavera. — Parecia certo.

— Já pensou em contratar?

Puxando meu caderno da bolsa, coloco-o aberto no balcão e


viro até encontrar a página certa. — Conselheiros, talvez dois no
início, até que haja necessidade de mais. Vou precisar de um
terapeuta profissional, com certeza. Esse é o mais complicado.
Como vou encontrar alguém assim?

— Acho que a questão mais importante é como as pessoas vão


descobrir sobre o lugar? Você pode ter uma instalação totalmente
nova e funcionários sorridentes, mas sem campistas... — Ela
encolhe os ombros. — Você estará morta na água.

Eu estremeço. — Obrigada.

— Desculpe, — ela diz. — Isso foi duro.

— Ainda assim, é verdade. — Por mais que odeie admitir.

Na lista de funcionários, coloco um asterisco e escrevo, em


maiúsculas, MARKETING.

Dakota corre para a cozinha e pede a Brandon, o chef, para


preparar um almoço cedo para nós. — Eu não sei sobre você, —
ela diz quando retorna. — Mas estou morrendo de fome.
Amamentar me faz comer como um defensor.

— Eu pensei que a gravidez fizesse isso.

Ela balança a cabeça, uma mecha de seu cabelo loiro morango


escapando de seu coque bagunçado. — Tudo e qualquer coisa
relacionada ao bebê me faz comer. — Ela ajusta Colt, que nem se
mexe, e me fixa com um olhar penetrante. — Podemos falar sobre
Wyatt? Porque você não disse duas palavras sobre ele e eu acho
isso estranho.
Eu me mexo, então percebo que provavelmente me faz parecer
desconfortável falando sobre Wyatt, então coloco minhas mãos sob
minhas coxas. — Wyatt está bem. Não há muito o que discutir.

Dakota coloca a palma da mão quente em meu braço. Seus


olhos se enrugam de preocupação. — Wyatt não esteve em sua
casa nas últimas semanas. Pensei que talvez algo tivesse
acontecido.

Eu respiro fundo e engulo. — Ele está confuso. O que eu sinto


é confuso. Carreguei uma tocha por ele por um longo tempo, e
então o esqueci. — A culpa se instala em mim. — Pelo menos eu
pensei que sim. Passar um tempo com ele fez minha raiva
desaparecer, e preciso dessa raiva para não gostar dele.

— Porque você está namorando Jared?

Eu balancei minha cabeça. — Jared e eu terminamos.

Os olhos de Dakota se arregalam. — Você não me disse isso.

Mordo o lado do meu lábio inferior e encolho os ombros. — Eu


esqueci.

Ela ri. — Obviamente você está com o coração partido.

O remorso cutuca meu estômago. — Eu me preocupava com


ele. Ele estava seguro e estável.

— E gentil? — O lábio de Dakota treme com a risada contida.

— Sim, — eu rio a palavra, então fico séria. — Ele parecia um


próximo passo natural na vida, como se o que ele estivesse
oferecendo fosse para onde eu deveria estar indo. Mas então
comecei a passar um tempo com Wyatt e percebi o quanto
realmente não sinto por Jared. Não que não sentisse nada por ele,
apenas não sentia o suficiente. E me sinto mal com isso.

Dakota acena minha culpa. — Vamos conversar sobre por que


você acha que precisa evitar gostar de Wyatt.

— Porque ele é Wyatt Hayden. Ele é um canalha.

— Ele é, entretanto?

— Ele está dormindo com a esposa de seu melhor amigo.

— Por que você pensa isso?

— A cidade inteira sabe disso. A caminhonete dele esteve lá


quantas vezes enquanto o Mickey estava fora? E ele não nega.

— Ele confirma isso?

— Por que ele iria?

Brandon vem da cozinha e coloca dois pratos na mesa. Ofereço


um pequeno sorriso e um agradecimento, o que provavelmente não
é bom o suficiente porque costumava trabalhar aqui e gostava
genuinamente de Brandon, mas não posso dar mais do que isso
agora.

— Jo, eu acho que você precisa olhar um pouco mais de perto.


A história de que Wyatt está dormindo com a esposa de seu melhor
amigo? Isso é tudo que pode ser. Uma história.

— O que te deixa tão certa?


— Wyatt pode ser um pouco... não convencional, mas ele tem
um conjunto de valores de aço, e eles não incluem o que esta
cidade se convenceu de que ele é capaz.

— Então por que ele não se defende? E Sara? Ela está levando
o peso das fofocas também.

Dakota encolhe os ombros. — Eu não tenho todas as


respostas. Apenas as evidências.

Colt se mexe e Dakota olha para ele, fazendo sons de beijo.


Seus olhos permanecem fixos em seu rosto, sua expressão
inalterada. Dakota faz uma cara grande e dramática, e eu me
assusto. Os olhos de Colt se arregalam e seus lábios se
transformam em um sorriso.

E então Dakota começou a chorar. A reação dela é tão oposta


que levo um momento para entender que ela não está feliz.

— O que há de errado, — eu pergunto, esfregando seu ombro.


Acho que nunca vi Dakota chorar.

Ela passa um dedo sob cada olho e os enxuga na calça jeans.


— Estou preocupada com o Colt.

Não sou uma especialista de forma alguma, mas um olhar


superficial me diz que ele não está exibindo nenhum sinal óbvio de
um problema. — Com o que você está preocupada?

Ela inclina a cabeça, seu suspiro suave e cheio de tristeza. —


Ele não se vira na direção da minha voz. Ele deveria estar fazendo
isso agora. Ele não responde a menos que minha expressão mude
de forma significativa.

Oh. Isso é o que ela estava fazendo quando transformou seus


sons de beijo em algo excessivamente expressivo.

— Você pode imaginar o que Wes dirá se Colt tiver uma


deficiência auditiva? E se ele for completamente surdo? O coração
de Wes está determinado a passar o HCC para seu filho.

Por gerações, o HCC foi para o filho primogênito Hayden.

— Dakota, eu não acho que você precisa se preocupar com os


sentimentos de Wes em relação a Colt. Wes ama esse garoto tão
ferozmente quanto qualquer um poderia imaginar que Wes Hayden
amaria seu filho. Veja o exemplo dele. Beau tem três filhos que são
pessoas diferentes, e ele os ama da mesma forma.

Dakota para de chorar e olha para mim. — Você acha que


Beau ama seus meninos da mesma forma?

— Parece que sim do lado de fora.

Ela olha para baixo e acaricia a bochecha de Colt. — Beau ama


seus filhos, ninguém pode negar isso, mas nunca diria que ele os
ama da mesma forma.

— O que você quer dizer? — Não tenho certeza se quero saber,


mas minha curiosidade não me impede. Há muito tempo que
coexisto com a família Hayden e eles sempre foram um pouco como
a realeza. Brilhante e bonito, algo espetacular de se olhar. Ouvir
sobre sua disfunção tira um pouco do brilho, e isso não é
necessariamente uma coisa ruim.

— Você chama Wyatt de canalha, mas ele não conseguiu ser o


homem que é sozinho. Assim como você não conseguiu ser tão
independente e teimosa sem alguma ajuda ao longo do caminho.

Dou seu comentário alguns segundos para afundar, em


seguida, ignoro. — No que diz respeito à audição de Colt, com
deficiência ou não, ele pode ser um cowboy. Ele pode herdar o
HCC.

O olhar de Dakota desce para Colt. — Eu sei. Eu não deveria


ficar tão nervosa, de qualquer maneira. Isso é o que ganho por
entrar na internet em vez de ir ao médico.

— Você vai marcar uma consulta para ele?

Ela acena com a cabeça, seus lábios franzidos.

— Dakota, eu conheço a família Hayden há quinze anos. Eu


posso não conhecer seus interiores tão bem quanto você, mas
tenho visto seus exteriores há muito tempo, e se há uma coisa que
eu sei, é que eles cuidam dos seus próprios. Se Colt precisar de
ajuda, nada impedirá Wes ou Beau, ou mesmo Warner e Wyatt, de
garantir que ele obtenha o melhor do melhor.

Dakota acena com a cabeça. — Os homens de Hayden movem


montanhas para aqueles que amam.

— Sim, eles fazem.


Terminamos o almoço e, quando volto para casa, as palavras
de Dakota ecoam em minha mente. Mover montanhas é o mesmo
que ir para Wildflower, trabalhar até a exaustão física e fazer isso
de novo no dia seguinte?

Então se…
20

Se eu achasse que isso ajudaria na minha situação, teria


trazido flores. Algo me diz que se tivesse, Shelby poderia tê-las
jogado no chão e pisado nelas.

— Ela não está aqui, — diz Shelby, impassível, uma estátua


em sua porta da frente.

Eu uso meu pé para impedir que a porta se feche. A expressão


de Shelby permanece travada no lugar, não mostrando nenhum
sinal de preocupação por eu tê-la impedido. — Wyatt, você quer
que eu prenda você?

— Porque? Eu não fiz nada de errado.

— Desde quando? Dez segundos atrás? Tenho certeza que


posso prender você por algo nos últimos trinta minutos.

Eu rio de uma forma obviamente falsa.

Os olhos de Shelby se estreitam. — Você já sabe que Jo não


está aqui, então o que você quer?

— Quero falar com você sobre ela.

Ela cruza os braços e me encara. — Porque?

Aqui vamos nós. — Porque tenho sentimentos por ela e preciso


descobrir como fazê-la ver que não sou o cara de dois anos atrás.
O olhar de Shelby, anteriormente treinado no meu rosto, agora
desce pelo comprimento do meu corpo e volta para cima, como se
ela estivesse me verificando por sinais de engano. Ela dá um passo
para trás e inclina a cabeça para o resto da casa. — Entre.

Sigo-a até a sala de estar. Ela me interrompe antes que eu me


sente e se oferece para pegar uma cerveja para nós dois.

— Não, obrigado, — eu respondo, e a julgar pelo olhar


satisfeito em seu rosto, acho que acabei de passar em um teste.

Ela desaparece e volta com dois copos d'água. Ela coloca a


água na mesa de centro na minha frente e se senta à minha frente
em uma cadeira. Ela encosta os pés no peito, equilibra o copo
d'água sobre o joelho e diz: — Estou tentando entender você,
Wyatt.

Eu me inclino para frente, descansando meus antebraços em


minhas coxas e juntando minhas mãos. — Sei que não facilitei as
coisas. Mas naquele fim de semana em Phoenix, bebi muito. Algo
aconteceu em casa e procurei conforto no lugar errado.

Os olhos de Shelby piscam e eu percebo o que disse.

— A garrafa, — esclareço, e ela esfria. — Acredite em mim, não


me refiro a Jo. Não lembrar de estar com ela é meu próprio tipo de
punição.

— Então, o que você quer que eu faça? Porque se você está


aqui me pedindo uma ideia para um grande gesto, você não está
recebendo nada.
Eu me inclino para frente, meus cotovelos nos joelhos. — Não
quero uma ideia. Quero saber se você acha que tenho uma chance.
Porque depois do que aconteceu algumas semanas atrás… — faço
uma pausa para ver se Jo contou a Shelby sobre o incidente no
banheiro. Seu aceno de cabeça é a minha resposta. — Eu não
quero fazê-la revisitar algo que a perturba. Então...?

As sobrancelhas de Shelby se erguem. — Você tem uma


chance? É isso que você está perguntando?

— Sim. — Eu me inclino para frente ainda mais, meu corpo


inteiro esperando junto com a respiração na minha garganta.

Shelby prolonga o silêncio, e sei que ela está fazendo isso de


propósito, me deixando enjoado de preocupação. — Você faz.

Solto a respiração e olho para o teto. — Graças a Deus.

— Mas, — Shelby diz, trazendo minha atenção de volta para


ela. — Jo prefere ação. Suas palavras não serão suficientes, de
perto qualquer um pode. Mas você pode caminhar?

— Melhor acreditar, — eu respondo, abaixando meu queixo de


um jeito que minha mãe chama de 'aceno de cowboy'. — Obrigado,
Shelby. Agradeço por falar comigo.

Ela me segue até a porta da frente. — Sorte sua, — diz ela,


abrindo a porta e recuando para que eu possa passar. — Você não
precisa mais se preocupar com Jared.

Eu congelo. — Por que isso?

— Eles terminaram. — Ela diz cada palavra lentamente.


— Quando?

— A noite antes de você colocar os movimentos nela no


banheiro. — Ela levanta a mão espalmada no ar entre nós. —
Espere aí. Você não sabia que eles terminaram, e você ainda a
tocou daquele jeito? E veio aqui hoje?

Esfrego minha mão na minha nuca e olho para o tapete de


boas-vindas trançado, em seguida, volto para onde Shelby espera
por uma resposta. — O coração quer o que quer.

Shelby solta um suspiro de desgosto, mas acho que ela está


principalmente brincando. — E eu pensei que você tinha mudado.

— Eu tenho. Principalmente. — Eu encolho os ombros. — Mas


eu ainda sou eu, e de jeito nenhum deixaria aquele banqueiro
chato ficar com a melhor mulher que já conheci só porque ele
chegou primeiro.

Shelby me dá uma olhada.

Eu levanto minhas mãos em sinal de rendição. — Ok, tudo


bem, eu estava lá primeiro, mas apenas tecnicamente. E isso não
importa mais porque estou aqui agora.

Shelby sorri. — Vá buscar sua garota, Wyatt.

Ela fecha a porta e entro na minha caminhonete. Eu tenho


uma ótima ideia, só espero poder realizá-la.

Vou caminhar, não falar.


•••

A única razão pela qual isso vai funcionar é porque o inspetor


não apareceu no Wildflower hoje como deveria. Se ele tivesse, eu
ficaria pensando em outra maneira de mostrar a Jo que sou
alguém que vale a pena dar uma chance.

Mas a sorte estava do meu lado e, coincidentemente, Warner


também.

— Saia da caminhonete, — Warner grita da porta traseira. —


Eu não tenho o dia todo.

Tenley está grávida a pouco tempo e Warner não quer ficar


longe dela.

Coloco um chiclete na boca e coloco o chapéu no caminho para


onde ele está. — Desenrole sua calcinha, mano.

Warner agarra uma extremidade da banheira e puxa. — Pegue


o outro lado, — ele grunhe.

Juntos, colocamos a banheira na casa principal. É aço


esmaltado de porcelana, e escolhi-o porque é mais agradável do
que o acrílico e não tão pesado quanto o ferro fundido, que o
vendedor me disse ser uma merda de instalar.

— Coloque em três, — instrui Warner, em seguida, faz a


contagem regressiva. Colocamos a banheira no chão e a
deslizamos para onde eu quero que ela vá. Warner dá um passo
para trás e observa enquanto eu ajusto um pouco.
— Por que você comprou uma banheira para Jo? — ele
pergunta, confuso. Ele enfia um polegar em cada bolso, um pé com
a bota cruzando no tornozelo. — Isso não é, eu não sei, íntimo?

Encolho os ombros como se não fosse grande coisa, embora


saiba que é. — Ela disse que gosta de tomar banho, mas não
consegue, e nesse banheiro estava claramente faltando uma
banheira.

Warner me estuda. Odeio quando ele faz isso. Isso me deixa


exposto, e pior ainda, como se ele não concordasse com o que vê
de jeito nenhum. — Obrigado por me ajudar a trazer isso aqui, —
digo a meu irmão, esperando que ele entenda a dica.

— Oh inferno não. — Ele balança a cabeça e sorri. — Eu


definitivamente ficarei para assistir você instalar isso.

Eu lanço a ele um olhar sujo. — Eu pensei que você não tivesse


o dia todo.

— Eu tenho tempo para isso.

— Fique à vontade, — murmuro, e vou para a minha


caminhonete pegar o resto dos suprimentos. Quando volto, Warner
está sentado na tampa do vaso sanitário, sua perna cruzada em
forma de quatro.

Eu começo, primeiro desligando a água e depois


desconectando o ralo. Já sei o que estou fazendo porque fiz isso no
ano passado para a Sra. Calhoun, mas não digo isso a Warner. Ele
está esperando que eu me atrapalhe e pragueje, então desista. Eu
continuo trabalhando e me certifico de acompanhar a expressão
de Warner conforme ela passa da diversão ao respeito.

Depois de reconectar a água, ele pergunta: — Onde você


aprendeu a fazer isso?

Recolho meu lixo e, sem olhar para ele, digo: — Às vezes ajudo
a sra. Calhoun com trabalhos em sua casa.

Warner se levanta. — Sra. Calhoun? Tipo, avó de Dixon


Calhoun?

Eu aceno, endireitando-me em toda a minha altura e olhando-


o nos olhos. Se ele vai me dar uma merda sobre isso, ele vai
conseguir uma montanha de merda de volta de mim.

— Wyatt, é melhor você ter cuidado. Não deixe a culpa


afrouxar seus lábios.

— Ela precisa de ajuda, Warner. Ela está sozinha. — Ou ela


estava, de qualquer maneira, até que aqueles netos astutos dela
apareceram.

— Isso não é nossa culpa.

Eu dou a ele um olhar de Venha, porra.

— Não é, — ele insiste. — O filho e o neto dela fizeram escolhas,


como todos nós. Dixon escolheu preparar metanfetamina nas
montanhas. Ele conhecia os riscos.

— Eu não vou deixar uma senhora morar em uma casa que


precisa de reparos, não importa com quem ela seja parente.
Warner me examina, fazendo com que a pequena cicatriz em
sua sobrancelha enrugue. — Claro que não, — diz ele. — Eu nunca
pensaria que você faria algo assim.

Não tenho certeza do que dizer. Acho que estava esperando um


comentário de merda sobre como ele está surpreso por eu não
estar no bar, ou algo parecido.

Warner estende a mão, segurando meu ombro e trabalhando


para frente e para trás algumas vezes. — Então, você e Jo, hein?

Tecnicamente, não há eu e Jo, então encolho os ombros. —


Não é nada. Só um presente.

— Certo, — ele concorda, em um tom que transmite o quanto


ele discorda. — Mais uma pergunta, e eu realmente espero que
isso não estoure sua bolha se você está planejando que ela use isso
esta noite, mas este lugar já tem água quente?

Dou-lhe uma saudação simulada, sabendo que se Wes


estivesse aqui, ele me ensinaria a maneira correta de saudar. —
Contabilizado.

Warner se levanta e atravessa o banheiro. — Tudo bem, agora


estou indo embora. Tenho que voltar para a casa e dizer a cada
pessoa que encontro que você sabe como instalar uma banheira.

— Ninguém vai acreditar em você, — rebato.

Warner olha para mim enquanto passa pela porta do banheiro.


— É aí que você está errado, irmãozinho. — Ele continua,
murmurando para si mesmo. Entendo as palavras 'Calhoun' e
'banheira' antes que ele esteja muito longe para eu ouvi-lo.
21

Está tudo pronto. Tudo que preciso agora é Jo.

Mandei uma mensagem para ela vinte minutos atrás, dizendo


que havia um pequeno problema no Wildflower. Eu sei que isso vai
causar algum estresse a ela, mas espero que a cena que preparei
possa compensar.

Estou sentado aqui há dez minutos, vendo o vapor subir.

As luzes do carro dela iluminam a janela do banheiro, e


rapidamente acendo a vela que coloquei em um banquinho ao lado
da banheira.

Ela está entrando na casa assim que saio do corredor. Seu


cabelo está uma bagunça, amarrado no topo da cabeça, e suas
sobrancelhas se franzem em um 'v' preocupado.

— O que está errado? — ela pergunta, vindo em minha direção,


estresse escoando de seus poros. Me sinto mal por saber que ela
passou por estresse em relação ao meu texto. Mesmo neste estado
desordenado, não posso deixar de absorvê-la. Ela é perfeita. Por
que demorei tanto para realmente vê-la?

Ela me encara com um olhar sério. — E por que você está aqui
tão tarde?
Olho pela ampla janela da frente para os momentos finais do
crepúsculo, onde o céu do leste está escuro, mas o horizonte do
oeste ainda se apega à luz, como membros de um amante
entrelaçados.

— Eu precisava de uma ferramenta para um projeto no qual


estou trabalhando em casa e percebi uma coisa. — Eu giro,
apontando para ela me seguir. Seu suspiro de derrota se filtra pelo
ar.

— Pelo menos desta vez terei dinheiro para consertá-lo, —


murmura ela, mais para si mesma do que para mim, acho.

Eu paro antes do banheiro e varro meu braço em direção à


entrada. Jo encontra meu olhar quando ela passa por mim, seu
ombro a apenas alguns centímetros do meu peito. Minhas mãos
pressionam ao meu lado para não tomá-la em meus braços e
pressionar um beijo naqueles lindos lábios.

— Wyatt, o que é... — Ela entra, seus passos diminuindo até


parar. — O que é isso? — ela sussurra. Hesitante, ela corre um
dedo ao longo do comprimento da banheira. O vapor sobe, girando
em torno dela, transformando o deserto árido em uma selva úmida.

Eu engulo o nó na minha garganta. — Você disse que gosta de


banhos, mas nunca pode tomar um.

Ela se vira para me encarar. Seu olhar é terno. Suas mãos se


fecham na frente de seu corpo, os dedos se entrelaçando enquanto
ela procura o que dizer. — Eu não tenho um aquecedor de água
quente ainda.
Eu engulo o ar que parece caramelo. Grosso e pegajoso.
Pesado com o vapor, mas algo mais também. Compreensão, talvez,
e a queima lenta do desejo enterrado. — Eu encontrei uma
solução.

Ela levanta uma sobrancelha, deixando-me saber que ela


gostaria de saber como eu fiz isso.

Em minha mente, vejo todos os queimadores, a água fervendo,


a troca de panelas. — Eles deixaram muitos potes na cozinha. Não
se preocupe, os lavei antes de usá-los. E trouxe alguns de casa.

— Você ferveu a água?

Eu concordo. — Enchi a banheira até a metade e coloquei água


em temperatura ambiente até que ela estivesse cheia.

Jo gira seus dedos ao redor da superfície, seus olhos


tremulando fechados. Ela está gostando antes mesmo de entrar.
Que bela vista.

— Aproveite o seu banho, Jo. — Alcanço a maçaneta da porta,


meus olhos baixos para dar privacidade a ela.

Ela limpa a garganta, chamando minha atenção de volta para


ela. Ela dá um único passo da borda da banheira, seu olhar tão
intenso que sinto no fundo do meu peito, um puxão, uma atração,
uma força magnética. Ela suga o lábio inferior entre os dentes e
morde suavemente, seu peito subindo e descendo com sua
respiração.
Em seguida, seus dedos encontram o botão superior de sua
camisa. A primeira se abre, depois a segunda, mostrando a
protuberância de cada seio preso por renda preta. Minha
respiração engata, ficando presa na minha garganta. Ela desce até
o terceiro botão, em algum lugar logo acima do umbigo, e a sala
gira.

Essa necessidade que sinto por ela, essa fome, é uma memória
clara. Já senti isso antes. Uma outra vez. Para ela.

— Jo, — eu consigo, minha voz como pneus em cascalho solto.

Ela termina os botões e joga a camisa no chão. — Venha me


ajudar com o resto, — diz ela, em voz baixa.

Estou lá em poucos segundos, estendendo a mão para ela,


colocando a parte de trás de sua cabeça na minha mão. Pouco
antes de nossos lábios se encontrarem, faço uma pausa, apenas
para beber neste momento com ela. Quero fazer de cada segundo
um minuto, guardar cada movimento na memória, para reviver
isso para o resto da minha vida.

E então eu a beijo. Lentamente, no início, à medida que


aprendo sua forma, os contornos de seus lábios. Jo arqueia para
mim, cavando seus dedos em meus ombros, e minha língua
pressiona contra a costura de seus lábios. Ela se abre, provando
minha boca, mordendo meu lábio, tirando de mim um som que é
tanto um rosnado quanto um gemido.

Tornamo-nos uma enxurrada de atividades. Suas mãos


puxam minha camisa sobre a minha cabeça. Eu abro seu sutiã,
jogando-o de lado. Seus seios são cheios e redondos, perfeitos. Jo
passa as mãos pelo meu cabelo enquanto levo meu tempo com
cada um, segurando-a na posição vertical quando ela arqueia as
costas. — Agora, Wyatt, — ela geme.

É um pequeno milagre estarmos ambos de moletom. Eles


escorregam de nossos corpos como nossos jeans nunca
aconteceriam, e damos um passo para longe deles, chutando-os
para o lado. Estou nu agora, mas Jo ainda está de calcinha. Eu
gosto que ela não combine com o sutiã dela.

Ela enganchou os polegares dos dois lados, mas eu a impedi.


— Eu quero fazer isso.

Suas mãos se afastam e beijo seus lábios. Seu queixo. Sua


garganta. Seu peito, descendo pelo vale de seus seios. De joelhos
agora, arrasto meus beijos sobre sua barriga.

Baixo.

Baixo.

Baixo.

Até eu estar lá, respirando uma respiração quente através do


tecido que a cobre. Acima de mim, Jo solta um gemido confuso.
Isso me faz sorrir. Não sei como fiz algo bom o suficiente nesta vida
para estar com essa mulher, mas Deus me ajude, nunca vou deixá-
la ir.

Em um movimento rápido e fluido, puxo para baixo o resto de


sua roupa e pressiono minha boca contra ela. Eu levo meu tempo,
enganchando uma de suas pernas por cima do meu ombro até que
Jo está tremendo e agarrando a bancada atrás de mim.

Eu me levanto e vejo Jo recuperar o fôlego. Posso saboreá-la


em meus lábios e tudo o que quero agora é senti-la em mim. Aí me
lembro do banho dela, do banho que trabalhei muito para ela
poder desfrutar.

— Seu banho, — eu digo, e Jo espreita a água por cima do


meu ombro.

— Entre, — ela instrui.

Meu polegar traça sua clavícula. — Era para você.

Ela envolve sua mão em volta de mim, acariciando, e torna-se


impossível para mim pensar em qualquer outra coisa. — Agora é
para nós. — Ela me solta, acenando com a cabeça para a água.

A água está quase quente demais, mas minha pele se ajusta


rapidamente à temperatura quando me sento. Jo coloca a mão na
beirada, balançando uma perna primeiro e depois a outra. Ela
afunda, montando em mim, mas ainda parcialmente em pé, ambas
as mãos em cada borda, e geme baixinho.

— Isso é tão bom, — diz ela.

Ela está falando sobre a água. Eu não estou dentro dela ainda.

Jo se inclina para frente, apoiando-se com a palma da mão


pressionada no meu peito, e se abaixa. Ela nos guia juntos, e sinto
o momento em que nos conectamos. Olhos fixos nos meus, Jo
afunda todo o caminho até que não haja uma parte de mim que
não esteja dentro dela. Ela tem meu corpo, sim, mas meu coração
e minha alma também.

— Estou apaixonado por você, Jo.

Ela se move para cima e para baixo, um hálito quente


sibilando de dentes cerrados. — Eu sei.

Minhas mãos percorrem as curvas e curvas de suas costas,


segurando-a de pé. — Como?

Ela sorri, mas é fugaz, substituído por um olhar de prazer


enquanto ela afunda em mim novamente.

— Você comprou uma banheira para mim e encheu com água


quente que você mesmo ferveu. Se isso não é amor... — Ela para
de falar, porque enquanto ela falava eu me inclinei e puxei seu
mamilo em minha boca.

Não há mais conversa depois disso. Eu agarro seus quadris,


ajudando-a a se mover. A água balança ao nosso redor, o calor
úmido lambendo nossa pele. Jo começa a tremer, seus dentes
afundando suavemente em meu ombro, e ela grita contra mim.

Meus músculos das costas se contraem e Jo coloca seus lábios


nos meus, beijando-me tão profundamente que, quando gozo, meu
gemido enche sua boca.

Ela pressiona sua testa contra a minha, narizes ponta a ponta,


e ficamos assim enquanto nossos pulsos diminuem.
Eu roço meus lábios nos dela, como uma pena, e quando ela
diz: — Eu também estou apaixonada por você, — não apenas eu
ouço, mas eu sinto.

Com cuidado, ela se levanta de cima de mim e se vira, se


acomodando entre minhas pernas. Seu cabelo seco faz cócegas no
meu peito, e seu cabelo molhado se espalha na água de cada lado
de nós.

Sua palma achatada roça a superfície e ela me pergunta o que


estou pensando.

— No momento, estou bastante impressionado. — Meus dedos


seguem um caminho por ambos os braços. É como uma
compulsão, essa necessidade de tocá-la. — Parece que estou
esperando por você há muito tempo.

Jo inclina a cabeça para trás e para o lado para que ela possa
olhar para mim. — Sou eu que tenho o mercado bloqueado
esperando para sempre.

— Ouça-me, — eu argumento, sorrindo para ela. — Sempre


achei que havia algo mais para mim. Como se faltasse um pedaço
de mim. Não consegui encontrar no HCC ou quando estava com
minha família. Passei minha vida inteira inseguro. Até você. Até
Wildflower. Ajudando você aqui, ouvindo você falar sobre este
rancho e seu plano para ajudar as pessoas, me faz sentir como se
finalmente fizesse parte de algo maior. Maior até do que o HCC. —
Tudo o que posso alcançar agora é sua testa, então é onde eu
planto meu beijo. — E é por isso que parece que estive esperando
por você uma eternidade.
— Tudo bem, — ela bufa, fingindo estar irritada.

— Então, — eu digo, — Você também está esperando por mim


há uma eternidade?

— Sim, — ela responde imediatamente, e gosto da rapidez com


que a resposta vem a ela. — A diferença é que eu sabia que você
estava na sala. Para você, eu era apenas um espectador. Uma
pessoa na periferia. Uma reflexão tardia.

Meus dedos correm ao longo de seus braços e vejo a água


deslizar dos meus dedos e correr sobre ela. — Eu sabia que você
estava na sala. — Sempre soube que ela estava lá. Eu também
sabia que ela era cem vezes boa demais para mim.

Ela muda de posição para que fique voltada para a frente


novamente. — Você definitivamente não fez.

Estou paralisado por seu dedo indicador, cortando um oito na


água, minha mente ocupada relembrando um momento muito
específico. — Último ano. Formatura. Você estava com um vestido
rosa claro, e Ryan Ellington derramou um refrigerante na sua
frente.

Sua cabeça balança contra mim. — Isso não prova nada. A


maioria das pessoas em nossa classe se lembra disso.

— A maioria das pessoas sabe que você comprou aquele


vestido com o dinheiro que ganhou trabalhando na Sierra?

Seu dedo fica imóvel. — Como você sabe disso?


— Eu estava fazendo compras com minha mãe naquele dia.
Eu vi você tirar dinheiro do bolso. Havia tantas notas pequenas, e
o caixa estava obviamente irritado. Ela estava suspirando, como
se tivesse algo melhor para fazer. — Eu vejo sua expressão
comprimida, seu olhar crítico. "vadia" acrescento.

O dedo de Jo retoma o caminho que corta na água. — Que


vadia, — ela concorda.

— Saímos da loja alguns minutos depois de você. Eu disse a


minha mãe que esqueci algo dentro e voltei. — Eu rio com a
memória, fazendo com que a cabeça de Jo acompanhe a ascensão
e queda do meu peito. — Certifiquei-me de que o caixa estava
olhando para mim, então derrubei um display. E saí.

Jo olha para mim. — Wyatt!

Eu sorrio com seu choque, em como ela parece desaprovadora,


mas também satisfeita. — Eu não sinto muito.

Um pequeno sorriso aparece no canto de sua boca. — Por que


você não me disse que me viu? Ou qualquer outra pessoa?

Lembro-me de Jo claramente daquele dia, seu olhar furtivo e


ombros curvados. Ela estava envergonhada, mas com raiva
também. Ressentida. — Parecia privado. Como algo que eu não
deveria ver.

Ela acena com a cabeça. — Sim.

É tudo o que ela diz, e é a confirmação de que fiz a escolha


certa naquela época. — Sua mãe…
Jo se senta de repente, a água espirrando. Sua metade
superior se torce para que ela me enfrente. — Eu não quero falar
sobre minha mãe. Você sabe o que quero?

Minhas sobrancelhas levantam e espero ela terminar.

— Eu quero que você me leve de volta para sua casa e me deite


em sua cama, e faça tudo o que acabamos de fazer, mas
horizontalmente desta vez.

Ela não espera pela minha resposta. Ela se levanta da


banheira e sai. Arrepios sobem em sua pele, e percebo que esqueci
as toalhas na minha caminhonete. Eu saio também e entrego a ela
minha camisa. Ela usa para se secar e faço o mesmo. Trancamos
a casa e então a levo de volta para minha cabana e sigo suas
instruções com precisão.
22

É... ele. Wyatt. Ao meu lado em sua cama.

Estou com medo de fazer um som, até mesmo de respirar.


Qualquer perturbação na atmosfera atual pode prejudicar o
momento. Fecho meus olhos e expiro tão lentamente que é
desconfortável.

A noite passada realmente aconteceu, certo? Wyatt realmente


ferveu uma quantidade absurda de água apenas para que eu
pudesse tomar um banho? Acho que ninguém jamais fez algo tão
bom por mim. É opressor.

Assim que entendi o que ele tinha feito por mim, eu soube.
Wyatt não é um homem que faz grandes gestos vazios. Wyatt
nunca fará algo que não deseja cem por cento.

Wyatt está apaixonado por mim. Repito mais duas vezes na


minha cabeça, batendo o ritmo no meu peito com um dedo. Eu
acredito, mas também não. Quando você quer algo há tanto tempo,
conseguir não faz com que pareça seu. Não consigo agarrá-lo,
segurá-lo na palma da mão, sentir seu calor.

É isso que o amor verdadeiro é? Uma medida de fé? Algo que


você não pode ver, como o céu ou emoções. Você apenas segue seu
instinto, fecha os olhos e cai?

É a coisa mais assustadora que já experimentei.


Ao meu lado, Wyatt muda. Ele se estica e geme, protestando
contra o mundo desperto. Minha respiração fica presa na minha
garganta. Atrevo-me a olhar para ele.

Ele pisca duas vezes, aqueles cílios grossos e escuros


tremulando e depois se abrindo. Sua língua sai disparada,
percorrendo o vinco no centro de seu lábio inferior. Ele me toca, as
pontas dos dedos deslizando por cima do meu ombro.

— Josephine Shelton, é realmente você?

Suas palavras arrancam um sorriso de mim. — Você achou


que imaginou a noite passada? — Eu pergunto.

— Achei que a noite passada fosse algo que só poderia ter


acontecido em meus sonhos. Achei que devia ter imaginado.

Eu empurro contra seu peito. — Pare.

Ele aperta os olhos. — Não estou brincando, Jo. A noite


passada foi importante. — Ele olha para baixo e para cima. — Eu
sei que você acha que tenho dormido com a esposa do meu melhor
amigo. Eu sei que você acha que bebo muito e não assumo
responsabilidades suficientes no rancho da minha família. Eu
sei…

— Pare, — eu digo novamente. — Se tudo isso fosse verdade,


então eu seria a mulher mais idiota se me permitisse acabar em
sua cama novamente.

Seus lábios franzem enquanto eu continuo. — Pode ser


verdade que pensei um pouco nisso no passado, mas isso foi antes.
E admito, eu ainda não entendo o que está acontecendo com Sara,
mas tudo que vi de você neste mês me diz que há algo mais nessa
história, e nenhum de nós está parando o tempo suficiente para
entender. Estou certa?

Os olhos de Wyatt contêm alívio e um toque de tristeza. Ele


concorda. — Eu não posso te dizer por que vou até lá.

Decepção passa por mim. Não é muito, então não pressiono.


Estou curiosa sobre outra coisa, no entanto.

Estendo a mão para ele, enrolando meus dedos sobre os


músculos do seu peito. — Eu te conheço há muito tempo.

Wyatt sorri. — Isso provavelmente não funciona a meu favor,


não é?

Eu rio levemente. — Você sempre foi selvagem, — eu admito.


— Mas você parece diferente agora.

— Bom diferente? — ele pergunta esperançosamente.

Eu sorrio. — Sim. Mas lembre-se, eu gostava de você quando


você era um punhado também.

— Por que, Jo?

É uma pergunta estranha. Eu me empurro para cima em um


braço, meu queixo apoiado na minha mão. — Por que eu gosto de
você?

Ele concorda. A vulnerabilidade brinca com os cantos de seus


olhos.
— Bem. — Eu me lembro do colégio, quando minha paixão
enorme apareceu pela primeira vez. Tínhamos acabado de sair do
culto depois que eles nos pediram para sair, e estava com medo de
fazer um aceno. Tudo o que queria fazer era me misturar ao mar
de rostos, ser aceita, mas não memorável. Eu mantive minha
cabeça baixa, meu nariz em um livro, mas era impossível não notar
Wyatt. Ele era bonito, confiante, um Hayden. Eu aprendi
rapidamente o que isso significava.

Mantive distância e só fiz uma amiga: Shelby. Wyatt estava


sempre no meio de um grupo. Ele pode ter estado no centro de
tudo, mas ele estava quieto. Uma marca única de selvagem. Não
turbulento, mas ele com certeza seria o mais envolvido. Se havia
uma pegadinha, ele estava metido nela. Se houvesse um desafio,
ele estava pronto para isso. Se um estranho aparecesse e
começasse algo com um de seus amigos, Wyatt seria o único a
terminar. Ele era como cola, mantendo todos juntos, mas ele
mesmo parecia flutuar acima de tudo. Ele estava indiferente, mas
com lampejos de brilho. Tudo isso eu sabia porque assistia e ouvia,
mas me fez imaginar por que ele trabalhou tanto para ser tão...
significativo.

Eu poderia dizer que ele estava quebrado. Apenas como eu.


Bem no fundo, havia rachaduras nele. Nunca soube porque,
embora esteja começando a entender.

— Eu tinha uma grande queda por você no colégio, — eu


começo, sentando e puxando as cobertas em volta de mim quando
elas escorregam. Estou nua e meu nível de nudez não parece
corresponder ao humor atual. — Eu e todas as outras garotas.
— De jeito nenhum. — Ele esfrega minhas costas.

— Não aja como se você não soubesse que toda garota teria
desmaiado se você olhasse para elas.

— Eu sei sobre todo mundo. — Ele sorri. — Simplesmente não


sabia sobre você.

Chego atrás de mim, tirando sua mão das minhas costas e


colocando-a no meu colo. Viro sua palma e traço sua linha de vida.
— Você parecia triste às vezes. — Os músculos de sua mão se
tensionam. — Acho que foi isso que me atraiu em você no começo.

— Nós mal nos conhecíamos. — Sua voz está inquieta. —


Como você pôde notar isso em mim?

— A tristeza pode ser vista à distância. Às vezes é um ar, ou a


maneira como você reage a alguma coisa. Às vezes, é a maneira
como você não reage a alguma coisa.

A mão de Wyatt é liberada e eu retomo o rastreamento. — Por


que isso atraiu você para mim?

Umedeci meus lábios, pensando em como deveria responder.


Quanto devo dizer a ele? — Eu também estava triste, Wyatt.

— Por que?

Um rubor atinge minhas orelhas, aquecendo as pontas. A


vergonha pode ser tão sufocante. — Antes de nos mudarmos para
cá, éramos membros desta "igreja" chamada Redentores de Deus.
— Eu coloquei essa palavra entre aspas porque era um culto, puro
e simples. — E eu fiz algo que nos expulsou do culto. Quando
minha mãe tentou voltar, eles a recusaram. Disseram que ela tinha
criado uma jezabel e não era confiável.

— Uma jezabel?

— Isso significa…

— Eu sei o que isso significa. — Seu tom duro me diz que ele
não gosta do que está ouvindo, mesmo que seja tudo no passado.

— De qualquer forma, acabamos em Sierra Grande e fiquei


para trás quando ela saiu. Ela levou Travis com ela e, quando a
igreja recusou seu retorno, ela foi para outro lugar para começar
uma nova vida.

— Por que você não a encontrou lá? Aonde ela foi?

Eu viro a mão de Wyatt, delineando a forma como se houvesse


papel de construção abaixo de nós e a ponta do meu dedo fosse
um marcador. — Minha mãe deixou bem claro o que pensava de
mim. Ela disse que eu arruinei a vida dela. Ela estava certa,
suponho.

— Que tipo de vida era se ela vivesse nessas condições?

— O tipo com o qual ela estava acostumada, eu suponho. —


Eu olho de volta para Wyatt. — Você não vai me perguntar o que
eu fiz para nos expulsar?

— Conhecendo você, foi algo incrivelmente durão, como


desafiar a instituição ou expor transgressões.
Como gostaria que isso fosse verdade. Pelo menos eu poderia
ter saído em uma labareda de glória, em vez de com o queixo colado
ao peito.

— Jezebel, lembra? — Eu aponto para mim mesmo. — O filho


do líder da igreja se interessou por mim. Foi a primeira vez que um
menino olhou na minha direção. Fiquei lisonjeada, mesmo
pensando que ele era um pouco perdedor. Supostamente éramos
todos pecadores e, portanto, criados iguais, mas ainda havia uma
hierarquia, e ele estava quase no topo dela. Tínhamos permissão
para encontros supervisionados, no estilo muito antiquado com
refeições na mesa de sua família e tal. Um dia nos encontramos
sozinhos. Vou poupar vocês dos detalhes. — Wyatt acena com a
cabeça encorajadoramente, não tendo nenhum problema em ouvir
sobre essa parte do meu passado. — Ele se sentiu tão culpado pelo
que tínhamos feito que confessou a seu pai, que enlouqueceu. Ele
disse que o diabo havia entrado em mim e eu tentei seu filho da
mesma forma que Eva tentou Adão. Ele me declarou uma ameaça
para a igreja inteira, e minha mãe e eu fomos instruídas a sair
imediatamente.

— E você veio aqui?

É aqui que a verdade fica turva, e preciso que continue assim.


— Nós saltamos um pouco e eventualmente nos estabelecemos
aqui. Travis era apenas um bebê. Minha mãe estava esperando que
eu fizesse dezoito anos para que ela pudesse me deixar e tentar
voltar. E você sabe como isso acabou.
Wyatt solta um suspiro pesado. — Não sei se já ouvi algo tão
louco.

Eu ofereço um meio sorriso. — Tem certeza? Crescendo como


um Hayden e você não tem nenhuma sujeira melhor do que essa?
— Estou tentando aliviar o clima, mas os olhos de Wyatt
escurecem com a minha pergunta. Ele tem segredos, coisas que
nunca pode me contar.

Eu também.
23

— Estou tendo dificuldade em decidir a cor dos móveis. — Jo


se inclina, me oferecendo uma olhada em seu telefone. Ela alterna
entre cal e teca.

Eu envolvo um braço em volta de seu ombro e a puxo para


mais perto para ver melhor. Sua cadeira raspa a calçada de
concreto na frente de Marigolds. Seu ombro é macio e redondo,
convidando-me a beijá-lo. Então eu faço. Ela sorri para mim antes
de olhar novamente para as opções na tela.

— Eu ficaria longe do branco, — aconselho. — Pense na sujeira


e na poeira, especialmente de um bando de crianças.

Jo olha para mim, semicerrando os olhos contra o sol forte. —


Eles não são crianças.

Eu encolho um ombro. — Adolescentes, crianças pequenas,


qual é a diferença?

Ela solta uma risada. Gosto quando ela faz esse som.

Com um dedo, Jo desliza a tela e o site de móveis desaparece.


— Eu deveria parar de colocar a carroça na frente dos bois.

— Como assim?

Jo pega seu café gelado da mesa e captura o canudo entre os


lábios. — A casa principal ainda nem está pronta.
— Mas eles estão trabalhando nisso, certo? — Não sei porque
pergunto. Estou lá o tempo todo, sei qual é o progresso.

— Acho que estou apenas sendo pessimista. Se eu assumir


que algo vai dar errado, não vou ficar chateada quando realmente
der.

Levo meu café aos lábios, mas está vazio, então pego o de Jo e
tento não fazer uma careta. Não sou fã de caramelo. — Eu acho
que você deveria se deixar ficar animada. É seguro. Seus bolsos
estão fundos hoje em dia, você pode lidar com qualquer coisa que
vier na sua direção.

Jo abre a boca, mas do outro lado da rua alguém grita.

— Esse não é meu bebê! Eu não quero ter nada a ver com isso.
Eu disse que deveríamos ter usado camisinha.

Meu corpo fica tenso. Ricky leva as mãos em concha à boca, e


seu irmão estúpido Chris se curva, rindo. A grávida de Ricky grita
com a mão protetora pressionada contra seu estômago e ela está
tentando como o inferno se afastar deles, mas não parece fácil. Sua
barriga é grande, seu andar desajeitado e aqueles filhos da puta
uivam de tanto rir como coiotes enlouquecidos.

As mãos de Jo estão em mim, sua voz urgente pressionando


em mim. — Wyatt, não.

Eu olho para baixo para Jo e percebo que estamos de pé. Não


me lembro de me levantar da cadeira, mas deve ter feito um
barulho quando o fiz porque os idiotas do outro lado da rua estão
olhando para mim. Ricky me encara, ressentido e com direito. Era
exatamente a mesma aparência que seu primo usava, a mesma
aparência que Wes não suportava. Acho que ele não entende a
sorte que tem por ser eu quem testemunhou o que ele fez, e não
meu irmão mais velho. Wes iria enterrar essas duas pessoas em
uma cova rasa sem pensar duas vezes.

Saio da calçada e ando pela rua de asfalto. Atrás de mim, Jo


murmura uma série de palavrões.

Esta é a minha cidade, e eu não vou permitir que alguns


idiotas vulgares gritem com as mulheres. — Vocês, meninos,
acham que o marido dela gostaria que você gritasse com a sua
esposa grávida?

— Não importa, — diz Chris, sua voz grossa e preguiçosa. —


Ele não está aqui.

— Ele vai estar em breve. Ele é dono do ginásio a dois


quarteirões, e tenho certeza que ele estará interessado em amassar
sua traqueia para que você não possa mais gritar com mulheres
grávidas.

Chris olha para Ricky. Ricky ainda não perdeu aquela


expressão de desprezo. — Você acha que estou com medo,
Hayden?

— Eu acho que se você quiser pedir em um drive-thru


novamente, você provavelmente deveria dar o fora de Sierra
Grande.

— Você gostaria disso, não é? — Um lado de seu rosto se curva


em um rosnado. Qualquer pretensão de sermos civilizados na
primeira vez que nos conhecemos já se foi. — Nós vamos embora
e você não precisa responder pelo que fez a Dixon.

— Já tivemos essa conversa, mas se você for muito estúpido


para se lembrar, podemos conversar de novo.

Ricky se inclina para a esquerda, olhando para algo atrás de


mim. Jo.

Ele se endireita e olha para mim. — Interessante. Hayden tem


uma namorada. E pelo que ouvi, você também tem uma irmã mais
nova. — Um sorriso sem pressa desliza em suas bochechas. —
Imagine isso. Uma princesa Hayden.

Eu dou um passo mais perto, minha mão em punho, mas Jo


me agarra por trás. Seu toque me lembra que estamos em plena
luz do dia, no meio da rua mais movimentada de Sierra Grande, e
não preciso dar mais motivos ao xerife para não gostar de mim.

Ricky se vira e Chris o segue. Ele não olha para trás. Fico ali
parado, observando-os irem até o fim da rua e virar.

— Wyatt, — Jo diz meu nome com força silenciosa.

Encaro-a. Seu cabelo está puxado metade para cima e duas


mechas de cabelo emolduram seu rosto. Sua cabeça inclina-se
para o lado e ela me estuda, esperando que eu fale.

— São más notícias e não posso permitir que venham à minha


cidade e ajam como quiserem.

— Concordo.
Isso me surpreende. Tive a certeza de que ela estava chateada
comigo. — Você faz?

Ela acena com a cabeça e pega meu braço. — Gosto de ver


você entrar em ação, mesmo que tenha me assustado um pouco.

Eu a puxo para o meu peito e beijo o topo de sua cabeça.

— Você deveria ser um policial. Esta cidade precisa de você.

Isso me faz pensar em Dan e o que diabos ele estava fazendo


com Ricky e Chris. Para Jo, eu digo: — Prefiro infringir a lei, não
aplicá-la.

Jo se afasta para ter certeza de que vejo seus olhos revirarem.


Aproveito e me inclino para capturar seus lábios. Ela dá um passo
para trás, terminando o beijo muito cedo.

— Eu tenho uma reunião, — ela me lembra. — Sawyer e eu


estamos ultrapassando o orçamento.

Franzo a testa. Eu tinha esquecido.

— Pare, — Jo instrui, me dando uma olhada. — Ele é legal.

Minha carranca se aprofunda. Não tenho certeza sobre o cara,


mas se ele é a pessoa que está possibilitando que o sonho da minha
garota se torne realidade, vou permitir um pouco de desconfiança
sem agir de acordo.

Jo me dá um beijo de despedida, me lembrando que ela vem


jantar no rancho hoje à noite e vai embora. Volto para a nossa
mesa do outro lado da rua, jogo fora nossas xícaras e saio andando
pela rua.

Há alguém que quero visitar.

•••

Ali está ele. Ombros curvados, dedos batendo em seu teclado.


Eu me aproximo dele por trás e percebo que ele tem uma grande
verruga no couro cabeludo. Eu me pergunto se um barbeiro já o
cortou durante um corte de cabelo.

— Olá, Dan. — Ele pula quando bato minha mão na parte


superior de suas costas. Eu dou tapinhas mais duas vezes, mais
suave desta vez. Só para ele captar minha vibração amigável.
Porque isso é o que eu sou. Amigável.

Tão amigável.

Wyatt amigável.

Dan se vira, sua cadeira de metal rangendo ao rolar com seu


movimento repentino. — Cristo, Hayden. Que porra é essa?

Inclino-me na pequena mesa atrás de mim, cruzando um


tornozelo sobre o outro. — Assustado, não é? Está tudo bem?

Dan me encara. Ele tem olhos redondos e uma mandíbula que


se estende além da linha da testa, fazendo sua cabeça parecer
ligeiramente invertida. — Com problemas de novo, Wyatt? Só
posso assumir que é por isso que você está aqui.

Eu cruzo meus braços. — Você sabe o que dizem sobre


assumir...

— Corta essa merda. O que você quer?

— Ricky e Chris Marks. O que você sabe sobre eles?

Ele aperta a ponta do nariz e suspira. — Quem?

Estou desejando que ele olhe para mim, mas ele não olha. Ele
remove os óculos da mesa, seguido por uma solução de limpeza e
um pano.

— Então você não os conhece? — Eu pergunto.

Ele me olha direto nos olhos e mente.

O xerife Monroe entra pela porta da frente da estação, as botas


batendo no chão.

— Wyatt, — diz ele, parando quando me vê. — A que devo o


prazer?

Eu sorrio. O prazer é um pouco forçado.

Eu agarro o ombro de Dan e aperto. Ele muda, mas eu


aguento. — Só passando para ver um velho amigo.

Eu poderia insistir no assunto, talvez até mesmo pedir ao


xerife para dar uma olhada nos irmãos Marks. Ele faria se
soubesse com quem eles eram parentes. Dixon Calhoun era uma
ameaça para esta cidade, e o xerife sabe que maçãs não caem
muito longe do pé.

Mas tenho a sensação de que tudo o que Dan está fazendo com
eles é uma má notícia, e gostaria de dar a ele corda suficiente para
se enforcar.

O xerife lança um olhar severo para Dan. — Socialize em seu


próprio tempo.

— Eu não…— As palavras morrem nos lábios de Dan. O xerife


literalmente acenou para ele.

Ele vai para o escritório e diz: — Venha comigo, Wyatt.

Eu volto. — Tchau Dan. Prazer em visitar você.

Ele me lança um olhar cheio de ódio. Eu sorrio e pisco, em


seguida, sigo o xerife em seu escritório.

— O que posso fazer por você, xerife? — Eu pergunto, me


sentando na mesma cadeira em que sentei quando ele prestou meu
serviço comunitário.

Ele para atrás de sua mesa e agarra as costas da cadeira. —


Há quanto tempo você está no rancho de Jo Shelton?

— Dois meses.

— Quantas horas?

Eu encolho os ombros. — Eu não tenho acompanhado.


— Você diria cem horas? — Suas sobrancelhas levantam e seu
queixo levanta como se ele estivesse me levando a uma resposta.

Eu aceno lentamente. — Isso parece certo.

— Bom, bom. — Ele puxa a cadeira e se senta. — Eu declaro


que você terminou com o serviço comunitário.

— Tão formal.

O xerife solta uma risada. — Não fale muito comigo, garoto.

Eu estou. — Estou pronto para ir? Eu preciso assinar alguma


coisa?

— Só não tente dirigir depois de beber novamente.

Eu abaixo meu queixo. — Sim senhor. — Eu me movo para a


porta, mas sua voz me impede.

— Não sei o que você planejou para si mesmo agora que não
tem serviço comunitário, mas estive no HCC esta manhã e Wes
poderia precisar de ajuda. — Ele folheia os papéis enquanto fala,
evitando contato visual.

— Eles não precisam de mim lá fora até que meu pai traga
para casa um daqueles malditos cavalos que não querem ser
contidos.

O xerife larga os papéis e levanta os olhos. Ele me examina por


um longo segundo e depois diz: — A dinâmica familiar é uma
merda.

— Claro que sim. — Eu abro a porta. — Vejo você por aí, xerife.
Estou saindo pela porta da frente quando Shelby vem do
estacionamento. Ela me olha com cautela. — O que você fez dessa
vez?

— Muito engraçado, — eu respondo, segurando a porta aberta


para ela.

Ela avança e faz uma pausa. — Tudo certo?

— Está tudo bem.

— Jo está feliz.

— Eu também estou.

Suas bochechas se contraem como se ela quisesse sorrir, mas


ela se manteve firme. — Eu chutarei sua bunda se você a
machucar.

— Estou ciente.

— Tchau, Wyatt. — Ela volta para o prédio e a porta se fecha


atrás dela.

Eu pulo na minha caminhonete e tiro do bolso a lista que


minha mãe me deu esta manhã. É hora de começar suas tarefas.
24

A porta da frente da propriedade é tão intimidante quanto a


família Hayden. Talvez seja por design. A grossa porta de madeira
maciça tem quase o dobro da minha altura e no centro há uma
aldrava de cobre no formato da letra H. Em vez disso, bato com o
punho, presumindo que a aldrava seja apenas para mostrar.

Eu estremeço. Não é para mostrar. Foi como socar uma árvore.

A irmã mais nova de Wyatt atende.

— Jo, oi. — Ela tem um largo sorriso pronto, e ela prolonga


sua saudação para que soe como oiiiiii. Não conheço Jessie muito
bem porque ela é muito mais jovem do que eu, mas já a vi bastante
pela cidade.

Ela se afasta da porta e abre o braço, dando-me as boas-


vindas. — Aqui, deixe-me pegar isso. — Ela pega a bruscheta que
fiz esta tarde. — Todos estão na sala de estar, — diz ela, fechando
a porta com o pé. — Vá em frente.

Gostaria de não estar tão nervosa. Limpo minhas mãos na


frente do vestido e sorrio para Jessie. Ela é linda, seu rosto é
rechonchudo e jovem. Seu cabelo loiro mel combina com o de sua
mãe, o oposto total dos homens Hayden. Ainda assim, é
inconfundível que ela é uma Hayden. Maçãs do rosto fortes, lábios
carnudos e a arrogância que todos carregam.
Encontro Wyatt na gigantesca sala de estar aberta. Ele se
senta ao lado de Tenley, a mão em sua barriga. Ela guia a mão dele
até um ponto, e um sorriso surpreso rasga seu rosto.

— Essa é a coisa mais legal, — diz ele antes de me ver. — Jo,


— diz ele, levantando-se e caminhando até mim. Seus olhos se
iluminam quando ele me vê.

— Graças a Deus você chegou, Jo, — diz Warner. Ele parece


irritado. — Eu estava ficando cansado de ver Wyatt acariciar a
barriga da minha esposa.

— Acostume-se com isso, — diz Wes de onde está sentado na


poltrona enorme. Dakota se senta em seu colo, as pernas
balançando para fora. — Ele fez isso durante toda a gravidez de
minha esposa também.

Wyatt revira os olhos. — Há uma pessoa vivendo dentro de


outra pessoa. É mágico, pessoal.

Wes e Warner balançam a cabeça e riem, trocando um olhar.

Sigo Wyatt até o sofá e pego a cadeira que ele acabou de


desocupar, ao lado de Tenley. Wyatt se senta ao meu lado.

Tenley diz algo para Dakota, Warner diz algo para Wes, e
somos só eu e Wyatt agora. Seu olhar detém o meu, tão intenso.
Eu amo como ele me olha desse jeito, como se ele estivesse me
memorizando, me engolindo por inteira, absorvendo cada detalhe
meu.
— O que você fez esta tarde? — ele pergunta. Tenho a sensação
de que há outras coisas que ele gostaria de dizer, mas ele está
mantendo o básico pelo bem do nosso público.

— Eu me encontrei com Sawyer. Tínhamos que ir ao banco. —


Foi estranho estar lá com Jared. Ele agiu petulante, como uma
criança pequena que foi escolhida no kickball. Foi constrangedor,
especialmente com Sawyer parado ali vendo tudo.

— Você o viu? — Wyatt pergunta.

— Sawyer? Sim, claro. — Eu sei o que ele está pedindo, mas


gosto de provocá-lo. Ele sempre está à altura da ocasião.

Wyatt empurra os lábios para fora e estreita o olhar. Sua


cabeça se inclina em minha direção, sua voz baixa. — Tente
novamente.

Eu concordo.

— E? — Wyatt passa seus dedos pela minha nuca e desce até


minha clavícula. Uma pedra se forma na minha garganta e engulo
contra ela.

— O que você está perguntando? Não há comparação, e você


sabe disso. — Wyatt é um mito de homem e ainda precisa de
garantias. Todos os homens são assim ou é ele?

— Você não sentiu nada por ele? Nada residual? — Seus dedos
deslizam pela minha garganta, vibrando sobre minha mandíbula.

Eu faço o meu melhor para dar a ele um olhar fulminante, mas


é difícil quando seu toque está fazendo com que outras partes de
mim despertem. — Não, — eu respondo. — A menos que você conte
a irritação. Ele…

— Hum, com licença? — Tenley se inclina para frente, a cabeça


para o lado, os olhos disparando de Wyatt para mim. — Precisamos
saber por que Wyatt está acariciando seu rosto. Tenho certeza de
que não há um bebê aí.

Meu olhar cintila para Wyatt, em seguida, para as quatro


pessoas olhando para nós com expectativa. Todos parecem
chocados, exceto Dakota. Ela está radiante.

Abro a boca para responder, mas sou interrompida pela boca


de Wyatt descendo na minha. Dakota grita, e acho que é Tenley
quem fica boquiaberta.

Wyatt me deixa ir. — Estamos juntos, — diz ele, olhando para


sua família. — Surpresa.

Dakota empurra um punho no ar. — Sim, — ela sibila,


olhando de volta para Wes. Diversão puxa os cantos de seus lábios.

— Sempre achei que havia uma vibração entre vocês dois, —


diz Tenley, ajustando o vestido para cobrir os joelhos.

Wyatt esfrega seu ombro contra o meu e pronuncia a palavra


vibração.

— Foi a banheira, não foi? — Warner pergunta, balançando a


cabeça com confiança.

Um rubor rasteja pelo meu rosto. — Eu... uh... hum...


— Não se preocupe, ele teria me pego com uma entrega de
banheira como essa também. — Ele ri de sua piada. — Eu tenho
uma pergunta, no entanto. Como você tomou banho sem um
aquecedor de água quente?

Olho para Wyatt e penso em entrar em casa naquela noite, e a


esperança em seus olhos. Lembro-me de arrumar todas as panelas
que ele tirou da casa para que isso acontecesse. — Wyatt ferveu
água.

Os sorrisos caem do rosto de todos. É silencioso. Tenley é a


primeira a falar.

— Ele ferveu a água do seu banho? — Sua voz é incrédula,


incrédula e tão feliz. — Essa é a coisa mais romântica que já ouvi.
Não se surpreenda se isso entrar no cinema. Com certeza vou
contar para alguns roteiristas que conheço.

— Você ouviu isso, Wes? — Dakota cutuca o peito de Wes.

Wes inclina a cabeça para o lado e olha para ela. — Eu também


fiz algo grande para você uma vez.

Dakota sabe instantaneamente do que está falando, embora


eu não tenha a menor ideia. Ela se abaixa e o beija, sem dizer mais
nada.

— Jantar, — Jessie chama, sua voz nos alcançando antes dela.


Quando ela aparece, ela segura Colt nos braços.

Todos nós nos levantamos e Wyatt pega Colt de Jessie.

Wes diz a Wyatt: — Não acredito que você ferveu água.


— Não fique chateado, Wes. Você pode vir a mim sempre que
precisar de dicas sobre como namorar sua esposa. — Wyatt pisca.

Wes levanta os punhos como se fosse lutar, e Wyatt acena para


Colt. — Desculpe, não posso lutar com você agora. Estou
segurando seu filho.

Wes pega Colt, empurrando Wyatt enquanto ele sai da sala.

— Meninos, — Dakota diz, revirando os olhos, mas há muito


carinho em seu rosto.

Essa dinâmica é estranha para mim. Irmãos brigando e


amando, brincando e conversando. Isso me faz ficar ressentido
com minha mãe ainda mais do que já me sinto.

•••

Estamos sentados nos fundos, assistindo Wes e Warner


jogarem ferraduras. Os filhos mais velhos de Warner, Peyton e
Charlie, assam marshmallows na fogueira, as chamas lambendo o
ar. A temperatura quente do dia deu lugar a uma noite mais fria,
e eu me aconchego mais no cobertor que Wyatt trouxe para mim.

Beau bebe uísque em um copo, Juliette ao lado dele. Beau


ficou quieto durante o jantar, não que fosse diferente de como ele
costumava agir. Ele é um homem de tão poucas palavras, isso dá
um peso maior às palavras que fala.
É por isso que sinto meu corpo mudar quando ele abre a boca.
Sento-me mais reta, inclinando-me ligeiramente para a frente em
antecipação.

— Wes te contou sobre a grama? — Beau encara o fogo, as


sombras das chamas piscando sobre sua pele enrugada e
bronzeada. Não tenho certeza com quem ele está falando. Eu olho
para Juliette, mas ela encara as chamas também.

Ao meu lado, Wyatt não se move de sua posição relaxada, uma


perna cruzada sobre o joelho, o braço pendurado em minhas
costas, mas sinto seus músculos tensos.

— O que acontece com a grama? — Wyatt pergunta. Seu tom


é baixo, algo que soa como pavor passando por ele.

— Está morrendo, — Beau rosna. Juliette o empurra com o


ombro, e ele franze a testa. — É, — ele acrescenta, firmando os
calcanhares.

— Onde? — Wyatt pergunta, olhando para o gramado. Está


muito escuro para ver longe, mas o que as luzes externas mostram
é uma grama verde e exuberante, todo o caminho até a linha das
árvores.

— Não aqui, — diz Beau. — Os pastos dos fundos. Eles fazem


fronteira com aquela terra que trocou de mãos alguns anos atrás.
Algo está os sugando, mas não consigo ver sem ir lá fora e é
propriedade privada.

Wyatt abaixa a cabeça. — Isso é frustrante.


O olhar de Beau se volta para mim. Para Wyatt. — É isso? É
frustrante?

Juliette coloca a mão no braço de Beau, mas ele a ignora.

— O que você quer que eu diga, pai?

Em algum lugar na periferia desta conversa, me ocorre que os


sons de ferraduras batendo nas estacas de metal cessaram.

— Eu quero que você dê a mínima, Wyatt. Isso é o que eu


quero.

— Beau. — A voz de Juliette é afiada.

— Wes precisa de ajuda com este lugar, e não é trabalho dos


cowboys puxar o peso extra como têm feito. — Beau aponta o dedo
para o chão enquanto fala. — Este é o rancho Hayden, e quero que
seja dirigido por homens Hayden.

Wes intervém. — Pai, vamos lá. Podemos fazer isso amanhã.


Hoje à noite é hora da família.

— Você está me dizendo que isso não está pesando muito em


sua mente? Você precisa mover o gado logo, e para onde você
planeja movê-lo? Um pasto verde imaginário? A carne Hayden é
cultivada em pasto, Wes. Não milho, e não o que quer que essa
merda seca esteja lá fora. — Ele acena com a mão na direção do
que estou supondo ser a grama seca.

Wes passa a mão pela nuca. — Não, pai, estou pensando nisso.
Mas isso não vai resolver o problema.
— O que irá? — Beau não está realmente fazendo uma
pergunta. Ele está desafiando Wes.

— Não é isso, — Wes diz bruscamente. Os olhos de Dakota se


arregalam e tenho a sensação de que Wes não usa esse tom com
seu pai com frequência.

Beau se levanta. Ele estende a mão para Juliette e quando ela


a pega, ele a puxa para perto dele. — Você está pronto para
encerrar a noite? Eu estou.

Beau olha para Wyatt quando ele passa, e de repente tudo faz
sentido. A necessidade de Wyatt de estar no meio de tudo na
cidade, seu desejo de ser importante, de atravessar a rua correndo
e enfrentar os homens gritando com a mulher grávida. Quando
você não se sente importante para as pessoas que ama, você o
procura em outro lugar.

— Não dê ouvidos a ele, Wyatt. — A voz de Wes é rouca. Ele


pega um graveto e afasta as toras do fogo. — Ele está estressado e
de mau humor.

— Por toda a minha vida, você quer dizer?

Warner fala pela primeira vez. - Pare com isso, Wyatt. Não aja
como se você tivesse o problema por aqui. Fomos criados pelos
mesmos pais.

Wyatt encara o fogo com os lábios franzidos. Ele se levanta de


repente, cruzando o quintal e indo para as árvores.
Eu também me levanto, sorrindo desculpando-se para Tenley
e Dakota, e começo depois de Wyatt.

— Ele está indo para a casa dele, — Warner grita, e eu paro.


— Leve o seu carro. Se você for atrás dele agora, provavelmente vai
se perder. Ele conhece o caminho no escuro.

Murmuro meus agradecimentos e faço meu caminho de volta


para a casa. Beau e Juliette já devem ter ido para o quarto, porque
não há ninguém à vista. Pego minha bolsa e saio para a frente.
Dou dois passos quando Jessie diz meu nome.

Eu me viro e vejo sua figura escura à direita. Ela está


equilibrada na grade da varanda, um pé cruzado sobre o outro, as
costas pressionadas contra uma coluna de pedra.

— Jessie, oi. Não posso falar agora, estou tentando…

— Ir atrás de Wyatt?

Eu pisco. Ela não estava lá fora agora, então como ela sabe o
que aconteceu?

— Eu estava contornando a lateral da casa quando meu pai


deu partida, — explica Jessie. — Lamento que você tenha que ver
isso.

— Sim, — eu digo, me aproximando. — Isso acontece com


frequência?

— Meu pai agindo desapontado com Wyatt frequentemente?


— Ela ri, o som sem alegria. — Com muita frequência, com certeza.
Sei que Warner pensa que todos foram criados da mesma forma,
mas isso não é verdade. — Sua cabeça balança lentamente para
frente e para trás. — Eu não vi isso até alguns anos atrás. Eu não
era crescida o suficiente para ver o quadro geral assim.

— Por que você acha que seu pai vê Wyatt de maneira


diferente?

Ela encolhe os ombros. — Eu acho que é porque ele é diferente


de Wes e Warner. Eles são cortados do mesmo tecido que meu pai,
mas Wyatt é... mais macio, de alguma forma. — Uma careta torce
seus lábios. — Essa não é a palavra certa, mas não consigo pensar
em outra melhor.

Não tenho certeza do que mais dizer, então agradeço e


continuo descendo as escadas da varanda. Estou quase no meu
carro quando ela grita atrás de mim.

— Confidencial.

Eu olho para ela. Ela está iluminada por trás pela luz que
brilha pela janela da frente, seu rosto está quase na escuridão. —
Ele é sensível, — ela continua. — E essa característica não é
apenas subestimada aqui, mas também vista como uma fraqueza.

Meu coração dobra sobre si mesmo. Este é o abatimento que


vi na primeira vez que coloquei os olhos em Wyatt, todos aqueles
anos atrás.

Eu concordo para ela e aceno, em seguida, dirijo para a cabana


de Wyatt.
•••

encontro-o em seu pequeno pátio traseiro. Ele está sentado em


uma das duas cadeiras. Uma garrafa de um líquido âmbar está na
mesa do tamanho de um bistrô colocada entre eles.

Eu tomo o segundo assento. Ele não acendeu a luz, mas a lua


está cheia e brilhante, espreitando por cima da copa das árvores.
Luz suficiente desliza pela terra, me dando uma sensação geral das
emoções de Wyatt.

Ele está a caminho de ficar bêbado.

Seus olhos piscam para mim quando me sento, depois voltam


para a escuridão. Não há nada para ser visto lá fora, mas talvez
Wyatt esteja vendo algo que só é visível para ele.

O silêncio é alto. As cigarras há muito pararam de chorar.

— Lamento que você tenha que ver isso. — Sua voz está
pesada, tingida de vergonha e outra emoção que não consigo
identificar.

Anseio por tocá-lo, estender a mão para a garrafa que ele


acabou de tirar de seus lábios e correr as pontas dos meus dedos
sobre os planos de seu rosto. — Cada família tem sua merda,
Wyatt.

Ele balança a cabeça lentamente, seus lábios empurrando


para fora. — Você sabia que meu pai tinha um irmão?
Wyatt olha para mim e balanço minha cabeça. Teve. Pretérito.

— Ele morreu quando eles eram adolescentes. Se enforcou na


sala de estar.

A sala de estar em que nos sentamos mais cedo, brincando e


rindo? Meus pulmões sugam o oxigênio tão necessário, e só
quando isso acontece é que percebo que estou prendendo a
respiração.

Wyatt traça o rótulo da garrafa em seu colo. — Assim que meu


pai assumiu o HCC, ele demoliu a casa em que cresceu e a
reconstruiu para o que você vê hoje. Ele não suportava estar no
mesmo lugar onde seu irmão tirou a própria vida. Ele odiava o que
o irmão dele fez. — Wyatt bebe da garrafa novamente, e estendo
minha mão, silenciosamente pedindo por ela. Eu gostaria de tirar
isso, salvá-lo de si mesmo, mas não me atrevo.

Ele me entrega e eu tomo um gole do líquido ardente. Se você


não pode vencê-los, junte-se a eles.

Wyatt passa a mão na calça jeans, mas tenho quase certeza


de que não há nada lá para tirar o pó. — Ele pensa que sou como
ele, — Wyatt diz, seu tom suave, mas sua voz dura. — Seu irmão.

— Não, Wyatt…

— Sim, Jo. Isso é fato, não especulação.

Nossos olhares se conectam e em seus olhos vejo angústia. Eu


quero chegar dentro dele, reunir a emoção em minhas mãos e levá-
la embora. Uma única lágrima escorre por sua bochecha e ele
afasta a cabeça. Ele tosse. — Você se importaria de entrar e pegar
um pouco de água para nós? — Ele está trabalhando tanto para
afastar sua emoção, que pode muito bem ser um ato físico.

Eu faço o que ele pede, abrindo os armários da cozinha até


encontrar os copos. Ele mantém uma jarra de água filtrada em sua
geladeira, e estou derramando quando ouço a porta de trás se
abrir.

Quando ele agarra o osso do meu quadril, eu coloco o jarro na


mesa.

Quando ele junta meu cabelo sobre um ombro e arrasta seus


lábios na minha nuca, eu fecho meus olhos.

Ele me vira para que eu fique de frente para ele. Seus lábios
encontram os meus, sua língua empurrando em minha boca com
urgência, e eu sinto o gosto do uísque. Suas mãos estão em cada
lado do meu rosto, me segurando no lugar.

Eu reconheço isso.

Dois anos atrás, ele me beijou assim. Naquele corredor fora da


loja, esse mesmo beijo foi o que deu início a tudo.

Uma mão se afasta do meu rosto. Uma lufada de ar encontra


minhas coxas enquanto sua mão mergulha sob meu vestido. Ele
empurra o tecido até que se junte ao meu quadril. Eu expiro
fortemente em sua boca quando ele me levanta e me coloca no
balcão.
Ele pressiona beijos no meu pescoço, na minha clavícula, na
parte superior dos meus seios. Empurro as alças do vestido dos
meus ombros, dando ao vestido folga suficiente para que Wyatt
possa puxar para baixo na frente. Ele vira o bojo do meu sutiã e
abaixa a boca para mim.

Eu trabalho em seus jeans, desabotoando-o e empurrando-o


para baixo, primeiro com as mãos e depois com os pés, até que ele
mesmo consiga se afastar. Ele envolve um braço em volta da minha
cintura e me puxa rudemente para a borda do balcão. Ele desliza
minha calcinha pelas minhas pernas e me inclino nas palmas das
mãos, me firmando. Seus olhos estão nos meus, encobertos e
escuros, enquanto ele se arrasta ao longo de mim.

— Você é tão linda, Jo, — diz ele, demorando-se quando tudo


o que quero é que ele deslize para dentro de mim.

Eu inclino minha cabeça para o teto e respiro fundo. — Você


só está dizendo isso porque quer transar.

Ele ri e me enche ao mesmo tempo. Sua risada morre


rapidamente, substituída pela necessidade primordial, uma
exalação de prazer, o som de dois corpos se unindo.

A parte de trás da minha cabeça atinge o armário atrás de


mim, e ele desliza a mão entre mim e o armário para que eu bata
nela. Sua outra mão permanece travada no meu quadril, e seu
olhar não se desvia do meu.

O que vejo em seus olhos me rasga a partir do momento.


Tristeza suave, aceitação relutante e dor duradoura. Tenho que
olhar com mais atenção para ver essas coisas, além do desejo que
ele claramente sente por mim.

Já vi exatamente esse visual antes. Eu reconheci a maneira


como ele me beijou e reconheço a maneira como ele me fode.

E assim como naquela noite, eu permito. Eu quero ser a


pessoa em que Wyatt busca refúgio. Ele está me pedindo para
acalmá-lo agora.

Ele estava me pedindo para acalmá-lo, então eu simplesmente


não sabia disso.

Eu estive lá esta noite. Eu vi como ele acabou aqui. O que


levanta a questão: o que aconteceu há dois anos que o feriu tanto?

A mão de Wyatt deixa meu quadril, alcança entre minhas


pernas e ele pressiona seus lábios nos meus para que, quando eu
gozar, ele possa engolir meus gemidos. Ele termina logo atrás de
mim, tremendo e depois parando. Ele pressiona um beijo no canto
da minha boca. — Eu te amo, — ele murmura contra mim.

Ainda estamos conectados, então eu me sento mais ereta,


envolvendo meus braços em volta dele em um abraço. — Eu
também te amo, Wyatt.
25

— Eu não quero descansar, Juliette.

Teimoso como uma maldita mula. Isso é o que meu pai é. Ele
tem incomodado minha mãe desde que voltou do hospital.

O ataque cardíaco que ele teve no churrasco anual de cowboy


assustou a todos nós, mas acho que o assustou muito mais do que
está demonstrando. Para compensar isso, ele está dobrando o
tempo de recuperação que acha que precisa. Ou seja, muito pouco.

— Eu não dou a mínima para o que você faz ou não quer fazer,
Beau Hayden.

Eu sorrio. Minha mãe é a única pessoa que já ouvi ficar cara


a cara com meu pai e vencer.

— Este rancho precisa de mim lá fora, — ele rosna, mas agora


parece mais que ele está discutindo por discutir em vez de discutir
para vencer.

— Que pena. Sua família precisa que você seja saudável, então
você tem que seguir as ordens do médico. O que significa que você
precisa descansar.

— Besteira, — ele murmura.


— Honestamente, — minha mãe diz, seu tom segurando mais
afeto do que há um momento atrás, — Se você não estivesse
fazendo tanto barulho, eu pensaria que talvez eles tivessem
transplantado sua personalidade ao mesmo tempo que realizou
seu bypass.

— Muito engraçado, Juliette.

— Tente se acalmar. Não é bom para você ficar nervoso.

— Acalmar-me? O trabalho da minha vida é atualmente sem


um líder. Um navio precisa de um capitão.

— Você sabe que Wes está cuidando das coisas. Ele é


perfeitamente capaz disso.

— No curto prazo. Mas e no longo prazo?

Mamãe suspira profundamente. — Eu não sei. Não tenho ideia


se essa coisa entre Wes e Dakota vai dar certo.

— E se não for?

Nenhum deles fala, mas posso imaginar minha mãe


levantando as palmas das mãos no ar.

Papai continua. — A vida pessoal de Warner está uma bagunça


e eu duvido que ele vá estar casado por muito mais tempo. Ela já
partiu, tudo o que ele precisa agora é um divórcio de verdade.

Meus músculos se contraem. É isso. Ele vai começar em mim.

— Não entendo como consegui ter três filhos e ninguém para


assumir o HCC.
Uau. Ele realmente deixou meu nome de fora de seu discurso.
Inacreditável, considerando…

— Wyatt se tornou alguém que eu nem mesmo conheço. Por


Deus, não tenho certeza se criei aquele menino. Ele é alguém que
meu irmão teria criado, se tivesse vivido o suficiente para ter filhos.
Às vezes eu acho que ele é assim como ele.

— Shhh, — minha mãe diz, seu tom afiado. — Você pode ser
o pai dele, mas é do meu filho que você está falando.

Eu deveria estar grato por ela estar me defendendo, mas não


consigo convocar o sentimento. A tristeza de esmagar os ossos
pesa mais.

Meu pai nunca teve vergonha de como se sentia em relação ao


irmão. Ele pensou que não era forte o suficiente, ou resistente o
suficiente. Ele não era mentalmente forte o suficiente para viver
em uma fazenda de gado, um lugar onde a fraqueza é desprezada
e decisões difíceis devem ser tomadas. Ele estava muito
emocionado, lembro que meu pai disse uma vez, e seu tom de voz
transmitia tudo o que precisávamos saber. As emoções deveriam
ser tratadas com rapidez, com a confiança de um cirurgião e o
desprendimento de um pelotão de fuzilamento.

E aqui ele pensa que sou como ele. Que somos tão
semelhantes, eu poderia ter sido criado por ele.

Eu sou um homem. Um adulto crescido. Então, como é que


me sinto criança de novo? Estou muito velho para isso. Muito velho
para dar espaço à dor que nunca vai embora, a dor que trabalho
incansavelmente para manter enterrada bem no fundo.

Entro na minha caminhonete e ligo para Kyle. — Você ainda


vai para Phoenix neste fim de semana? — Quando ele diz que sim,
digo que também vou. Depois ligo para o resort, reservo um quarto
e vou até minha casa fazer as malas.

Estou dando o fora de Sierra Grande, e não vou dizer a


ninguém para onde estou indo.
26

Às vezes acho que as pessoas, inclusive eu, mantêm a cabeça


baixa e os olhos focados no que está em seu campo de visão direto.
Então algo os faz erguer o olhar, talvez um problema ou uma ideia,
e eles ficam maravilhados com o que veem quando ampliam suas
lentes.

Esta sou eu agora.

Agarrando meu lápis e meu confiável caderno, tenho andado


de cômodo em cômodo na casa grande, observando tudo que
precisa ser consertado, mas na verdade não cai sob a
responsabilidade de um empreiteiro. A lista é intitulada
Handyman. E é longo.

De pé no meio da sala de estar, agora aberta para a sala de


jantar graças a Wyatt e sua marreta, levanto meus olhos da minha
lista. Meu suspiro fica preso na minha garganta quando meu olhar
se fixa na vista fora da grande janela.

Amplo espaço aberto. As dependências emolduradas, como


um esqueleto aguardando músculos e pele. Não há trabalhadores
aqui hoje, é domingo. Quieto. A vista de Wildflower, desta janela,
rouba meu fôlego.

É meu.

E do banco.
E de Sawyer Bennett.

Mas também, meu.

Estive olhando para baixo por muito tempo durante todo esse
processo, meu olhar focado em planos e preocupações e dinheiro
e problemas. Até agora, não tive tempo para olhar para cima e ver
o que fiz aqui.

Espero que ajude as pessoas. Espero que cure e restaure


famílias. Espero que um sentimento ruim o torne bom.

Meu telefone toca quando coloco o caderno na bolsa. Meu


estômago afunda quando olho para o nome de quem ligou. Mamãe.

— Olá? — Eu respondo, sem fazer o menor esforço para


esconder minha relutância.

— Precisamos falar sobre Travis.

Merda. Sem saudação. Não facilite a conversa com uma


conversa superficial e sem sentido Como vai você?.

Jogo minha bolsa no chão e afundo na mesma caixa virada


que sentei na noite da tempestade quando Wyatt e eu dançamos.
— O que aconteceu?

— Seu irmão aconteceu. — Eu imagino suas mãos, punhos em


seus quadris, a veia em sua testa estourando.

— Eu acho que você quer dizer seu filho, — eu a lembro com


firmeza. — O que aconteceu?
— Travis deu uma festa quando fiquei na fazenda de Henri no
fim de semana passado. — Mamãe suspira ao telefone. — Minha
casa está destruída. Este é o agradecimento que recebo por tudo
que fiz por ele. — Sua voz aumenta de volume, até soar mais como
um guincho. — Eu dei a ele um telefone. Eu dei a ele liberdade.
Ele vai e vem quando quer. Ele está agradecido? Não. Este não é o
menino que eu criei. Eu não sei quem é essa criança ingrata, mas
ele não é meu.

Meu sangue ferve com a raiva que começou pulsando através


de mim. Lembro-me de quando ela disse palavras como esta para
mim, de pé sobre mim com aquela saia na altura dos tornozelos e
camisa de gola alta, seus longos cabelos trançados e enrolados em
um coque. Ela me chamou de prostituta, e me disse que eu
arruinava sua boa posição na comunidade. Quando eu disse a ela
que era sua culpa por não explicar o que é sexo, ela me deu um
tapa no rosto. Se pensar sobre isso por muito tempo, ainda posso
sentir a picada de sua mão.

— Você precisa se acalmar, mãe. Respire fundo e…

— Vou mandá-lo para a escola militar.

O ar sai de mim, como se suas palavras fossem um soco no


meu estômago. — O que, não.

— Ele precisa ser corrigido.

— Escola Militar? — Eu pergunto com espanto e horror. —


Não, mãe.
— Eu não posso mais cuidar dele. — Ela nem parece triste.
Apenas questão de fato.

— Estou indo buscá-lo. — As palavras saem da minha boca


antes que tenha a chance de realmente considerá-las.

Ela fica quieta, os segundos passam, então ela faz uma


pergunta. — Quando?

A única palavra é suficiente para acender o ódio absoluto. Eu


a odeio. Odeio que ela organize sua vida em torno dos homens. Foi
assim que acabamos nos Redentores de Deus, porque ela se
apaixonou por um homem que era membro. Ela mudou toda a sua
vida para estar com ele, e ele apoiou a igreja quando a situação
chegou. Agora ela está com o fazendeiro de maconha e, em vez de
investir em seu filho, em vez de ficar com ele, ela está lhe dando
um telefone e liberdade e fica chocada quando ele age. Eu posso
fazer melhor do que ela.

— Agora, — eu vocifero. — Deixe-o pronto para mim.

Minha mão está tremendo tanto que mal posso pressionar o


botão para encerrar a chamada. O que acabei de fazer? Como isso
vai funcionar?

Travis pode dormir no sofá da casa de Shelby até que a casa


principal esteja pronta. É verão, então não precisamos nos
preocupar com a escola.

Meus dedos tremem enquanto envio uma mensagem para


Jerry, o único faz tudo que conheço. Ele também é,
aparentemente, o único trabalhador braçal que a maioria das
pessoas conhece, e ele não estará disponível por três semanas.

Procuro na internet por serviços de faz tudo e encontro um na


cidade vizinha de Brighton.

— Vale Handyman Services. — Uma mulher de som agradável


atende o telefone.

Digo a ela do que preciso e onde moro, e ela me diz que pode
me acomodar em três dias a partir de agora.

— Perfeito, — eu respondo, pegando minha bolsa do chão e


indo em direção ao meu carro.

— Meu filho Connor estará aí às oito da manhã na quarta-


feira, — ela confirma. Desligamos e pego a estrada.

Paro apenas para abastecer e algo rápido na loja de


conveniência. É uma viagem de cinco horas de carro até a casa da
minha mãe, duas até Phoenix e mais três na I-10.

Ligo para Shelby quando estou na estrada e explico o que está


acontecendo. Sua única resposta é me dizer que vai lavar o
conjunto extra de lençóis porque eles não são usados há muito
tempo. Eu gostaria de poder abraçá-la, e quando digo isso ela me
diz que lembrará mais tarde, quando voltar com Travis.

Ligo para Wyatt quando estou passando por Black Canyon


City. O nome é impróprio. Não é uma cidade, nem de longe. No
entanto, ela tem um pequeno restaurante bem próximo à rodovia
que é famoso por suas tortas.
Wyatt não responde, então deixo uma mensagem para ele.
Digo a ele apenas que estou indo para uma cidade fora de Phoenix
para comprar algo e estarei de volta mais tarde hoje. Não estou
com vontade de começar a história no correio de voz.

Quando chego à pequena casa da minha mãe, estou farta de


dirigir. Estaciono na curta entrada de automóveis e saio. As
árvores cítricas no jardim da frente explodem com flores
perfumadas, e dessas flores crescem frutas coloridas que não
estarão prontas até o inverno. Visitei no Natal passado e minha
mãe reclamou de todas as frutas que as árvores estavam deixando
em seu gramado. Pensei em pegar uma laranja podre do chão e
jogar nela.

Hoje, se houvesse fruta podre no chão, eu definitivamente


acertaria com isso.

A porta da frente se abre antes que eu possa bater. Henri está


lá, uma mão enrolada no batente da porta. Ele é bonito naquele
estilo francês clássico, seu cabelo grisalho ondulado e preso atrás
das orelhas, seu rosto exibindo uma aparência permanentemente
vaga de perplexidade. Ele é alto e magro e usa roupas caras o
suficiente para que caibam bem. Ele não se parece em nada com
um fazendeiro de maconha, embora esteja disposta a admitir que
estou classificando a escolha de carreira. Minha mãe uma vez me
disse que Henri reconheceu uma oportunidade de negócio
lucrativo e a aproveitou, mas ele não participa do que cultiva.

Henri acena em saudação. Ele abandonou a compulsão de


beijar bochechas rapidamente depois que veio para os Estados
Unidos, vinte anos atrás, e teve seu quinhão de apresentações
estranhas.

Entro ao mesmo tempo em que minha mãe aparece. Ela ainda


usa saias longas, mas desta vez a escolha é dela, e em vez de serem
feitas de tecidos rígidos e resistentes, elas são de chiffon e jersey.
Seu cabelo está na altura dos ombros, da mesma cor que o meu.
Eu me pareço com ela, mas é aí que nossas semelhanças
terminam. Graças a Deus.

— Você está bonita, — diz minha mãe, olhando para as pontas


rosa, mas mantendo o silêncio. Ela sabe que não deve me criticar.
Ela está namorando um fazendeiro de maconha.

— Obrigada. — Eu sorrio educadamente. A conversa para


depois disso. Não tenho nada a dizer a esta mulher. Ou, pelo
menos, nada a dizer a ela que serviria a algum propósito real, a
não ser expor todas as minhas queixas, e qual é o sentido disso
agora? Estou aqui para buscar Travis.

— Você precisa de dinheiro? — minha mãe pergunta.

Balanço minha cabeça. Eu não aceitaria o dinheiro dela


mesmo se precisasse. Não tenho muito, mas o investimento de
Sawyer na Wildflower me permitiu parar de usar meus fundos
pessoais no rancho e tenho o suficiente para sustentar a mim e a
Travis até que dê lucro.

— Travis e eu ficaremos bem, mas obrigada por oferecer.

Henri desliza um braço em volta da parte inferior das costas


dela, e ela se inclina para ele, apenas ligeiramente. Em voz baixa,
ela diz: — Tem certeza de que está pronta para isso? — O cuidado
e a preocupação em seus olhos servem apenas para me irritar.

— Sim, — eu solto.

Ela levanta as palmas das mãos para que me encarem. — Tudo


bem, tudo bem. Só me lembro de você aos quinze anos, e não é um
passeio no parque. A adolescência é difícil.

Engulo. — Passei a primeira metade da minha adolescência


em um culto.

— Igreja, — ela me corrige rapidamente. Ela se recusa a


admitir que ia muito além dos limites de uma instituição religiosa
cotidiana.

Eu bufo uma risada contenciosa, deixando esse ser o meu


argumento. Ela não diz nada.

— Travis, — chama Henri. Ele provavelmente está farto de


nossas brigas.

— Estou indo, — Travis chama de volta. No silêncio que se


segue, ouço o barulho de sapatos batendo no chão, o deslizamento
de zíperes e o arrastar de tecidos.

Todos nós olhamos quando Travis sai de seu quarto. Ele está
mais alto do que da última vez que o vi. Suas pernas parecem
longas demais para seu corpo, seus braços mais como varas
projetando-se de sua camiseta preta. Ele tem um olhar vazio. Deus
me livre dele mostrar um pouco de emoção agora. Um lampejo de
medo passa por mim. Minha mãe sabe que não estou pronta para
isso. Eu sei que não estou pronta para isso. Mas não significa que
não o farei.

Travis para no final do corredor. Henri pigarreou. Minha mãe


entra em ação, passando pelo pequeno círculo que formamos e
passando por mim em direção à porta da frente. Ela abre e sorri.
É um sorriso falso, mas ela está tentando.

— Divirta-se com sua irmã, Travis. Ligue-me se precisar de


alguma coisa, ok?

Eu pego uma de suas malas. — Vamos, — eu insisto,


balançando a cabeça para fora.

Ele caminha na minha frente, parando para abraçar minha


mãe. Ela dá um tapinha no ombro dele e, em voz estridente, diz:
— Vejo você em breve, Travis. — Ela está agindo como se fosse
uma visita. Como se ele estivesse indo para um acampamento de
verão e ela lhe enviaria um pacote de cuidados para que seu nome
fosse chamado quando entregassem a correspondência.

— Tchau mãe.

Ela me puxa para um abraço também, e não estou esperando


por isso. Meu queixo bate em seu ombro e ela dá um tapinha nas
minhas costas da mesma maneira. — Boa sorte, — ela sussurra.

Tento sorrir para ela quando me afasto, mas até eu posso


sentir o quão errado parece no meu rosto.

Travis e eu acenamos para Henri, e ele retribui o gesto. Eu


acho que ele se sente mal. É difícil dizer, entretanto.
Colocamos uma mala e duas mochilas no porta-malas. Travis
sobe e, com um pequeno aceno em direção à casa, partimos.

•••

— Por que você pediu tanta torta? — Travis enfia um garfo na


primeira fatia que a garçonete coloca na nossa frente. Seguem-se
mais sete fatias, cada uma deslizando pela mesa velha e lascada.
Eu sorrio em agradecimento para a mulher, ela pisca e desaparece.

— Bem, — eu digo, escolhendo uma fatia ao acaso e afundando


meu garfo nela. — Porque não?

— É estranho. — Travis olha em volta. Todos os assentos neste


lugar estão ocupados, principalmente por famílias que
provavelmente estão viajando para ou de Phoenix e pararam na
rodovia interestadual para comer alguma coisa e um banheiro
limpo.

— Ninguém se importa que pedimos oito fatias de torta, Travis.


— Quando digo isso, percebo o que ele está pensando. Lembro-me
vividamente de como fazer algo 'estranho' ou 'diferente' era o beijo
da morte para todo e qualquer adolescente.

— Eu prometo não trazer oito fatias de torta para a escola


quando você voltar no outono.

Travis me dá um pequeno sorriso e tenta uma fatia diferente.


— Vê? — Eu bato seu garfo com o meu. — Você pode dar uma
única mordida em cada fatia e soma-se a ter uma, mas você obtém
algo novo a cada vez.

— Talvez não seja tão estranho, — ele oferece.

Eu bebo da minha água. — Então, você deu uma festa? Deve


ter sido muito importante, porque… - eu olho ao redor da sala e
depois de forma incisiva para ele - estamos aqui. E estamos prestes
a estar em Sierra Grande.

Como se ele fosse um balão e minha pergunta fosse um


alfinete, ele murcha. Seus ombros caem e ele se recosta na cadeira.

— Eu não queria, — ele começa, balançando a cabeça. — Eu


não quis dizer para ela ficar tão fora de mão. Foi apenas suposto
ser algumas pessoas. Mas eles chamaram as pessoas. E então eles
chamaram pessoas. Era como... como...

— Juros compostos?

— Não tenho certeza do que é, mas parece certo.

— Basicamente, significa que algo cresce e cresce, como se


alimentasse de si mesmo.

Ele concorda.

— Você estava bêbado? — Eu pergunto. Não tenho ideia se


Travis bebe e quinze anos parece jovem, mas o que diabos eu sei
mais?
— Não, — ele responde, mas há culpa em seus olhos. É fugaz,
mas está lá.

— Você estava chapado? — Eu pergunto o que acho que é uma


pergunta de acompanhamento natural.

Ele acena com a cabeça rapidamente, como se estivesse


imitando um bobblehead5. Tento não desmaiar.

— Foi minha primeira vez. — Ele está me observando de perto,


avaliando minha reação à sua franqueza. — Eu não acho que
poderia ter expulsado as pessoas se quisesse. Estava vendo formas
no ar.

Eu não sei o que dizer. — Eu já estive drogada uma vez, — eu


admito. — Mas isso me deixou realmente paranoica e eu odiei isso.

Travis solta uma risada. — Não consigo imaginar você alta.

Eu lambo um pedaço de cereja da ponta do meu garfo. — Eu


também não.

Acabamos comendo torta demais. Tanto para dar uma única


mordida em tudo. Travis geme enquanto coloca o cinto de
segurança.

— Trav? — Eu pergunto, sem olhar para ele enquanto fungo


meu carro de volta na I-17. — Nada de festas, ok? Nada de ficar
chapado, nada de beber.

5
bobblehead (cabeça oscilante) é um tipo de boneco colecionável. Sua cabeça costuma ser
superdimensionada em comparação ao corpo. Em vez de uma conexão sólida, sua cabeça é conectada ao corpo
por uma mola ou gancho de tal forma que uma batida leve fará com que a cabeça se mova ou balance.
— Claro, Jo.

Não sei dizer se ele está mentindo. Eu nem tenho certeza se


posso pedir essas coisas a ele. Ele é um adolescente. Parece que o
está preparando para o fracasso.

Quando chegamos em casa, tive que parar mais uma vez para
comer. Travis come como um cavalo, não é surpreendente. Dou a
volta no carro e abro o porta-malas, entregando a mala para Travis
e colocando as mochilas nos ombros.

— Espero que goste de sofás, — digo a ele. Ele me segue para


dentro.

— Os sofás são ótimos, — ele responde.

Shelby grelhou hambúrgueres e, embora não tenhamos


comido muito tempo atrás e seja tarde, Travis come de novo.

Na hora de dormir, ele me ajuda a espalhar os lençóis sobre o


sofá e colocá-los nas frestas. Ele usa meu banheiro e, quando sai,
vejo um Travis muito mais jovem. Não sei se é o pijama, que na
verdade é apenas um short de basquete e uma camiseta, ou o fato
de que seu cabelo está bagunçado, mas meu coração dá um salto.
Ele já passou por muita coisa e tem apenas quinze anos. Quase a
mesma idade que eu tinha quando ele nasceu.

Ele se acomoda no sofá e vasculha uma de suas malas. De


brincadeira, empurro seu cabelo ao sair da sala. Estou quase indo
embora quando ouço um suave, — Obrigado, Jo.

Um nó se forma na minha garganta. — A qualquer hora, Trav.


Quando estou aninhada sob as cobertas, ligo para Wyatt. Ele
ligou três vezes desde que deixei uma mensagem para ele antes, e
não tive a chance de ligar de volta até agora.

— Olá, — ele diz, sua voz profunda estalando na linha.

Meu telefone toca e é ele, pedindo para eu ir ao Face Time.


Aperto o botão e seu rosto lindo aparece na tela.

— Você é um colírio para os olhos muito bom. — Eu digo a ele,


meu peito parecendo um pouco mais leve apenas no primeiro
vislumbre dele.

Ele franze a testa. — Por que você está na cama?

— Porque estou cansada. — Só de mencionar minha exaustão


me dá um bocejo, e cubro minha boca.

— O que quero dizer é, porque você não está na minha cama?

Conto a ele sobre Travis e minha viagem para Phoenix. E sobre


a torta.

— Vou garantir que a casa principal seja habitável o mais


rápido possível, — promete Wyatt. Ele está em sua cozinha,
esquentando as sobras que Juliette trouxe do jantar que perdeu,
e posso ouvir o bipe do microondas.

— Por que você perdeu o jantar? — Minha voz está ficando


pesada, meus olhos pesados.
Wyatt demora tanto para responder que me tira do meu
cansaço. Eu forço meus olhos totalmente abertos. Ele parece em
conflito.

— Sara precisava de ajuda em sua casa. Houve alguns danos


na parede e eu a ajudei a remendar e pintar por cima.

Meus lábios pressionam. Eu aceno, mas tudo o que consigo


fazer é bagunçar meu cabelo. Eu quero entender por que Wyatt
corre para ajudar Sara, mas ele é tão cauteloso sobre isso.

— Estaria mentindo se dissesse que não estou incomodada


por você correr para ajudá-la. Ou por que ela liga para você em vez
do irmão ou do pai. — Ela tem os dois, e eles não moram muito
longe.

— Eu sei. — Wyatt parece arrependido. — Sinto muito. Eu


realmente só preciso que você confie em mim.

— Eu estou confiando.

— Obrigado.

Eu sorrio em aceitação. O sono está voltando, e rápido.

— Meu pai me pediu para fazer algo com ele pela manhã, mas
irei passar por Wildflower depois. — Ele pisca. — Coloque-me para
trabalhar.

— Só se você usar aquele cinto de ferramentas. — As palavras


soam como se estivessem nadando em lodo.
— Eu só usei isso no começo. Você está me dizendo que
gostava disso naquela época?

— Então?

— Você era namorada de outra pessoa, lembra?

— Talvez eu tenha um pouco de fora da lei em mim também.

Wyatt ri. — Vá dormir.

— Boa noite. — Eu faço um som de beijo.

— Amo você, baby.

Suas palavras são uma desculpa pobre em comparação com a


sensação de seus braços em volta de mim, mas elas serão
suficientes por agora. — Também te amo.

Adormeço antes de dizer adeus.


27

Não consigo me lembrar da última vez que me vi sozinho em


uma caminhonete com meu pai.

Ele me pediu para ir com ele à loja de rações e, embora


estejamos fora, meu pai não é uma pessoa que se dá bem em ouvir
não.

Então, aqui estou eu, saltitando em sua caminhonete e me


perguntando porque diabos ele decidiu voltar.

Não trocamos palavras desde, bem, provavelmente desde que


estivemos juntos em uma caminhonete. Dançamos ao longo das
bordas de uma discussão, lançando comentários passivo
agressivos, mas nenhum de nós dois se engajando. Até algumas
noites atrás, e apenas porque ele está preocupado com a seca que
está acontecendo nos fundos de nossa propriedade. Ele quer que
eu me preocupe com o HCC o suficiente para ajudar Wes a
administrá-lo. Eu quero saber por que diabos deveria.

Wes se preocupou com o rancho desde o dia em que nasceu.


O solo está em seu sangue. Warner cumpriu sua pena por um
senso de obrigação e um amor muito menor por nossa terra.

E eu? Eu amo nossa terra. Acho que é isso que meu pai está
perdendo em tudo isso. Ele teme que eu não aprecie o que me foi
transmitido por meio do sobrenome. Ele não entende que posso
pegar um punhado de sua terra e sentir os cascos dos cavalos que
pressionaram seu peso sobre ela. Minha alma está ligada ao HCC
como a de qualquer outra pessoa. O meu simplesmente não usa a
mesma fantasia e, portanto, para ele, não estamos atuando na
mesma peça.

Amor em voz alta e amor interno ainda é amor. É força, não


menos feroz. É voz, não menos ouvida.

— Como estão as coisas com Jo?

Estremeço com a rapidez de sua pergunta. Conversa ociosa


não é algo que ele normalmente participa.

— As coisas estão bem, pai. — Apoio um cotovelo na porta da


caminhonete e coço uma coceira perto da têmpora. — Muito bem,
na verdade.

Papai acena com a cabeça. — Eu gosto dela, pelo que vale a


pena. Ela é quieta, mas tem uma coluna vertebral.

— Ela não deixa ninguém dar a merda para ela, isso é certo.

— Muito menos você.

Eu suspiro. Meus dedos flexionam. — O que isso deveria


significar?

Papai me olha de lado e depois volta a olhar para a estrada.


Estamos saindo da estrada secundária agora e entrando no asfalto
pavimentado.

— Você pode ser um punhado, Wyatt.


— Cristo, — murmuro, esfregando a palma da mão aberta
sobre a barba por fazer. — Por que você diz essas merdas?

— Por que você fica tão magoado?

Eu odeio isso. Odeio me sentir repreendido por ter


sentimentos. Eu fico em silêncio. O que mais há para dizer neste
espaço fechado que de repente parece quente, apesar do ar
condicionado explodindo das aberturas.

— Eu só não quero que você estrague tudo com Jo, — meu pai
diz, seu tom áspero. — Ela é provavelmente a melhor coisa que já
aconteceu com você.

Solto um suspiro ruidoso e raivoso. — E me conhecendo,


provavelmente vou estragar tudo, certo?

Meu pai para em uma vaga de estacionamento aberta na loja


de rações. — Corta essa merda, Wyatt. Eu sei por que você perdeu
o jantar ontem à noite. Jo?

— Eu disse a ela onde eu estava.

— Você disse a ela a verdade sobre por que estava lá?

Claro que não, porque não posso. Porque ninguém sabe a


maldita verdade, incluindo o homem que está sentado ao meu lado
fazendo um julgamento.

Não quero mais falar com ele. Não quero defender meu caso
ou dizer a ele que não é o que parece. Quero que ele me apoie,
suponha que estou agindo certo, mesmo quando parece que estou
agindo errado. Do jeito que ele faria para Wes ou Warner.
— Vamos lá. — Eu saio da caminhonete, dando a volta para a
frente e esperando por ele. Trey, o dono da loja de rações, tem tudo
de que precisamos, pronto para usar. Fazemos e recebemos o
mesmo pedido há mais tempo do que sei como amarrar os sapatos.

Ficamos em silêncio enquanto ele nos chama, mas posso


sentir seu olhar curioso. Normalmente eu brinco ou converso com
Trey, mas não hoje.

Warner liga quando estamos saindo. — E aí? — Eu digo ao


telefone enquanto pressiono o botão do alto-falante.

— Tenley está em trabalho de parto. Estamos no hospital. —


Excitação goteja por sua voz. — Dizem que está progredindo
rapidamente.

— Estamos parando para abastecer e depois pegaremos sua


mãe e seu avô e seguiremos até lá, — diz meu pai, inclinando-se
para falar ao telefone.

Warner nos dá instruções sobre em que sala eles estão,


desejamos sorte e desligam.

— Eu serei amaldiçoado, — diz meu pai, com um sorriso no


rosto. — Outro neto.

Eu gostaria de ter gravado isso. Ninguém jamais acreditaria


que essas palavras saíram da boca de Beau Hayden.

Papai puxa para abastecer no caminho para casa. Existem


apenas duas bombas e uma delas está fora de serviço. Temos que
esperar em uma fila curta, e nós dois estamos impacientes.
Quando chega a nossa vez, meu pai muda a marcha e avança
lentamente. Estou morrendo de fome e com sede, e é melhor
corrigir isso antes de ir para um hospital e esperar. Assim que
estivermos na bomba, vou correr para dentro da loja de
conveniência e pegar...

— Que porra é essa? — meu pai rosna, seus dedos apertando


o volante. Um pequeno e brilhante carro esporte cortou a linha e
escorregou na nossa frente, alinhando-se com a bomba de
gasolina. O proprietário desce e dá a volta em seu minúsculo carro,
recusando-se a olhar em nossa direção.

A porta do passageiro se abre ao mesmo tempo em que meu


pai abaixa a janela. — Ei, idiota. Você acha que é bom demais para
esperar na fila como todo mundo?

O motorista pega a bomba e se vira, olhando para meu pai com


um olhar de desprezo. É a mesma aparência dos irmãos Marks,
mas em uma pessoa com muito mais dinheiro. Acho que o direito
pode se desenvolver independentemente da riqueza.

— Você cochila, você perde, velho. — O cara insere o bocal no


carro e o solta.

O passageiro desce do carro com relutância. De jeito nenhum.


Sawyer Bennett.

Ele tem a decência de parecer envergonhado. Ele murmura


algo para seu amigo, que olha para a lateral de nosso caminhão
onde o logotipo HCC está afixado, e encolhe os ombros.
Sawyer entra na loja de conveniência, e seu amigo nos dá uma
saudação desagradável e ruim antes de segui-lo para dentro. Wes
iria socá-lo na garganta por isso.

Eu começo a abrir a porta do meu carro, mas meu pai me


impede. — Não, filho.

Eu não dou mais a mínima. Os contratos são assinados, ele


não pode tirar o financiamento de Jo, o que significa que ele
responde pela empresa que mantém. — Não vou fazer nada
maluco, mas eles não vão aparecer na minha cidade e agir como...

Meu pai puxou o freio. O caminhão avança.

— Pai, o que diabos você está fazendo?

— Ensinando uma lição que esses idiotas elegantes não


esquecerão tão cedo.

A caminhonete avança e, quando o para-choque dianteiro


beija o para-choque traseiro do carro, quase nada indica que isso
ocorreu. Basta um pequeno toque no acelerador para o carro
andar. Papai continua indo, dando gasolina apenas o suficiente
para tirar o carro do caminho. A mangueira da bomba de gasolina
fica tensa e papai para antes que ela se desconecte da linha acima.
Saio, pego a bomba do Audi TT e a coloco em nossa caminhonete.
Alguém buzina na fila e olho para o lado. Um homem está com a
mão para fora da janela e grita: — Mostre a eles como se faz,
Hayden!

— Isso vai estar em toda a cidade em pouco tempo, — digo ao


meu pai pela janela aberta.
Ele encolhe os ombros. — Adicione a tudo o mais que as
pessoas dizem sobre nós. Pelo menos será verdade.

Abro a boca para comentar, mas há um grito atrás de mim.

— Você... você... — O idiota intitulado não consegue dizer mais


do que uma palavra. Ele encara seu carro. Em uma mão está um
refrigerante, na outra uma barra de chocolate. Sawyer está atrás
dele e, embora também esteja chocado, está muito mais composto.
Ele pode até achar engraçado se a curva para cima de um canto
da boca servir de indicação.

— Você mudou meu carro. — Sua voz está aguda agora, e ele
vem em minha direção. Eu ando para frente para encontrá-lo, mas
Sawyer o puxa de volta, então eu desacelero.

— Não entre na minha cidade e aja desrespeitoso, — eu


vocifero para ele. Atrás de mim, a bomba de gasolina estala,
sinalizando que o tanque está cheio. Sawyer conduz seu amigo ao
meu redor e todo o caminho até o carro.

Eu termino na bomba, então entro de volta. Meu pai para ao


redor do Audi, ainda parado em seu lugar. O cara está circulando
o carro, procurando por danos. Duvido que haja algum.

Ele olha para mim quando passamos, um sorriso de escárnio


curvando seu lábio. Eu ofereço a ele um aceno de um dedo.

— Quem era aquele? — meu pai pergunta enquanto voltamos


para a estrada.

— Não faço ideia. Eu nunca vi aquele carro antes.


— O passageiro.

— Huh?

— Quem era o passageiro?

A curiosidade do meu pai me confunde. Porque ele se importa?

— Sawyer Bennett. Ele é o investidor silencioso no rancho de


Jo.

— Bennett, — meu pai repete baixinho. Ele passa a língua pela


parte interna das bochechas e, com a mão de Deus, posso ver as
rodas do homem girando. — Eu serei amaldiçoado, — diz ele em
voz baixa.

— Por que?

Lentamente, ele balança a cabeça. — Sem motivo.

Ele está mentindo.

Não estou falando besteira. Mentindo.

•••

Tenley tem uma menina e a chama de Lyla. Ela é minúscula,


com uma cabeleira escura de Hayden. Cada um de nós se reveza
segurando-a, embora admita que eu demore mais. Eu ganhei meu
nome de porco bebê. Depois de um tempo, Warner nos expulsa.
Tenley precisa descansar.
Eu começo minha viagem até Wildflower, mas depois da
situação no posto de gasolina esta manhã eu mudo de ideia. Tenho
uma parada importante e improvisada a fazer.

— Farley, — digo quando ele abre a porta.

O menino baixo e atarracado de dezesseis anos se afasta,


deixando a porta da frente de seu apartamento aberta. — Por que
você não pode me chamar pelo meu primeiro nome como todo
mundo? — ele diz por cima do ombro. Ele está vestindo calças de
pijama xadrez e uma camiseta do Guns N 'Roses.

Entro no apartamento. Tem cheiro de Hot Pockets6. — Porque


seu primeiro nome é pior do que seu sobrenome. Farley é o menor
dos dois males. A menos que você queira que eu abrevie Eldridge
para El. Isso eu posso fazer.

Ele para na porta de seu pequeno quarto. — Eu gosto de El.


El Capitam.

— Farley então.

Ele me lança um olhar feio e se senta à sua mesa. Seu quarto


está imundo e nem quero dizer como cheira.

— Preciso da tua ajuda.

— Eu te disse que a última vez foi a última vez.

6
Hot Pockets é uma marca americana de biscoitos para microondas geralmente contendo um ou mais
tipos de queijo, carne ou vegetais.
— Você quer que eu diga a Tenley como vim a devolver a
calcinha dela? — Lanço um olhar de advertência para Farley e ele
se encolhe.

— Não, — ele suspira. Farley tem uma grande paixão por


Tenley, especialmente desde que a conheceu na cidade, alguns
meses atrás. Antes disso, sua paixão era menos inocente e muito
mais pervertida. Ele entrou na casa onde ela estava hospedada
quando chegou à cidade e roubou suas calcinhas. Ele as colocou
à venda na internet e não percebeu que a placa visível por uma
janela no fundo de uma de suas fotos era reconhecível por
qualquer pessoa que tivesse crescido em Sierra Grande. Farley e
sua mãe vivem a poucos passos do Merc, e claro como o dia estava
o sinal do Merc com a luz verde brilhante do Saguaro ao lado do
M. De lá, perguntei ao redor, ouvi algumas conversas de
adolescentes na lanchonete, e quando descobri quem era esse
garoto, me fiz passar por um comprador interessado e o observei
responder a mim de onde estava sentado na lanchonete, comendo
seu milkshake de morango. Ele quase fez xixi quando me
aproximei e bati em seu ombro. Ele me implorou para não contar
a Tenley e, desde então, estou explorando suas habilidades de
hacker.

— O que você precisa? — Farley pergunta, pegando quatro


Skittles da pilha que está em cima de sua mesa.

— Eu preciso saber qual é a conexão de Sawyer Bennett com


esta cidade. — Eu franzo a testa enquanto penso na reação do meu
pai. — E para o The Circle B.
— Você quer dizer Wildflower?

Eu fico olhando para o lado da cabeça de Farley até que ele


olha para mim. — A nova placa ainda não foi lançada. Como você
sabe que se chama Wildflower?

— Eu não posso te contar todos os meus segredos.

Um músculo em minha mandíbula se contrai e Farley cede. —


Tudo bem. Você é tão intenso. — Ele olha para trás em seu
computador. — Eu ouvi Jo e Dakota conversando e fiquei curioso,
então olhei e vi que o contrato social tinha sido aprovado
recentemente.

— Hmph. — Eu me afasto e paro na porta. — Diga-me quando


tiver informações sobre Sawyer Bennett.

— Sim, sim, capitão, — diz ele sarcasticamente.

Eu continuo indo para o curto corredor. — E fique fora dos


negócios de Jo Shelton.

— Você é um idiota, — ele grita atrás de mim.

— Pelo menos eu não sou virgem, — grito de volta.

Ele está dizendo outra coisa, mas não ouço, porque a porta da
frente está se fechando atrás de mim.
28

— Então, este é o lugar? — Travis olha pelo para-brisa


enquanto pegamos o desvio para Wildflower. Ele parece cético.

Eu o cutuco. — Dê uma chance. Em breve esses prédios terão


paredes, e haverá cavalos no curral, e a casa principal terá um
caráter mais externo. No momento, todo o charme está no interior.

— E uma placa? — Ele aponta para trás. — Porque aquela


velha placa suja dizia The Circle B.

Eu bagunço seu cabelo e ele o puxa de volta. — A nova placa


chega esta semana.

Peguei-a algumas semanas atrás, em uma oficina de metal na


próxima cidade. Parece metal comum, até que o sol brilhe sobre
ele e todo o letreiro fique colorido. Como um campo de flores
silvestres.

Nós paramos e saímos. Quase não consigo acreditar que está


pronto. Habitável. Nossa nova casa. Travis olha a casa principal à
nossa frente.

— Nada mal, — diz ele, olhando em volta.

Aponto para o degrau em que ele está. — Alguns meses atrás,


você não poderia ter ficado lá sem cair. Wyatt Hayden consertou
isso.
— Wyatt Hayden? Tio de Peyton Hayden?

Eu aceno, percebendo que nunca penso nele dessa forma. —


Estou surpresa que você se lembre dele.

— Lembro-me de todos os Hayden. Eles seriam difíceis de


esquecer. Lembro-me de pensar que todos eram cowboys de
verdade. Toda a família.

Eu rio. — Sim. Eu acho que eles são.

— Por que ele estava aqui? Ele não trabalha no rancho da


família?

— Ele faz. Mas ele tem me ajudado a preparar a casa principal.

— Por que?

Definitivamente, não vou contar a ele toda a história, então,


em vez disso, opto por uma pitada de verdade. — Ele e eu estamos
nos vendo.

É isso que estamos fazendo? A noite passada foi a primeira vez


que passamos uma noite separados desde o dia em que ele puxou
uma banheira e a encheu de água quente. Ver um ao outro soa
anticlimático quando considero o que sinto por Wyatt.

Ele acena com a cabeça uma vez. — Isso é legal.

Travis me disse que vai explorar a propriedade. Espero na


frente pelo faz tudo, que chega alguns minutos depois. Seu
caminhão tem um adesivo da Vale Handyman Services na lateral,
e o motorista salta para fora e segue em frente.
— Jo? — ele pergunta, estendendo a mão. — Eu sou Connor.

Conversamos um pouco e conto a ele sobre Wildflower. Ele


acha que é uma ótima ideia e me pede para mostrar a ele o que
precisa ser feito. Enquanto estou andando com ele, ele menciona
que tem um filho de um ano e uma esposa. Quando menciono,
brincando, que ainda estou tentando descobrir como comercializar
o Wildflower, ele me diz que sua esposa tem um talento especial
para enviar a mensagem certa para as pessoas certas.

— Ela é como uma luz brilhante e as pessoas gravitam em


torno dela. — Eu me pergunto se ele sabe que sorri quando fala
sobre ela. — Ela poderia vender gelo para um Alasca no auge do
inverno.

Peço o número dela e ele me envia uma mensagem. Eu mando


uma mensagem para ela imediatamente, explicando quem eu sou
e do que preciso. Carpe diem, certo?

Wyatt aparece na metade da minha caminhada com Connor.


Eles apertam as mãos e Connor diz que escreveu um relatório
sobre a Hayden Cattle Company no colégio. Wyatt faz sua
aproximação mais próxima de corar, e Connor pergunta se algum
dos rumores é verdade.

— Provavelmente a maioria deles, — Wyatt responde, e Connor


ri.

Antes de Connor ir embora, combinamos um horário em que


ele pode começar. Ele foge com um aceno e agradeço por me
colocar em contato com sua esposa.
Wyatt envolve seus braços em volta da minha cintura e me
beija na boca. Isso envia arrepios do topo da minha cabeça às
pontas dos pés e me lembra que perdemos a oportunidade de
estarmos juntos ontem à noite.

Ele puxa meus quadris contra ele, pressionando seu


comprimento contra meu estômago, e um gemido confuso sobe
minha garganta.

— Jo? — Travis me chama de dentro de casa. Eu dou um passo


para longe de Wyatt, minha expressão é de desejo e desculpas, e
alguns segundos depois Travis sai de casa.

Eu sei que Travis sabe quem é Wyatt, mas ele não se


apresenta, então faço a apresentação. Travis parece um pouco
pasmo. Entendo. Passei anos me sentindo assim quando olhei
para Wyatt.

Wyatt faz perguntas a Travis sobre a escola, sobre seus


interesses, sobre times esportivos. Travis quer saber sobre a
criação de gado e se ilumina quando Wyatt diz que ele tem mais a
ver com os cavalos do que com o gado.

O entregador de móveis se perde e me liga, e eu o levo até


Wildflower. Ele para com sua grande caminhonete, e Wyatt começa
a ajudar os dois homens a carregar os móveis.

— Travis, ajude-nos, — ele chama, acenando com a cabeça


para Travis.

Vejo Travis entrar, tão alto quanto os homens adultos, mas


não quase cheio. Ele ri quando um dos entregadores faz uma
piada, e fico impressionada com o quão mais velho ele parece
agora. Ele ajuda com cada peça da mobília e, quando tudo está
pronto, pergunta a Wyatt se há mais trabalho a ser feito. Wyatt diz
que ele poderia ajudar na propriedade, a partir de amanhã.

— Não é pago, — avisa Wyatt. — Mas a experiência tem valor.

— Inscreva-me, — responde Travis. Eu me pergunto se ele


ficaria tão entusiasmado se fosse eu pedindo a ele para ajudar.
Provavelmente não.

Wyatt corre até a cidade para pegar comida para viagem, e


Travis e eu colocamos lençóis em nossas novas camas.

— Eu gosto dele, — diz Travis, puxando o lençol pelo canto do


colchão, enquanto faço o outro lado.

— Você não diz, — eu provoco.

— Ele parece um homem de verdade. Henri é legal, mas ele é…


- Travis levanta a mão mole no ar e a balança - … meio feminino.

Eu rio. — Eu não acho que você tem permissão para descrever


as coisas como femininas mais, mas eu entendi. E eu não discordo.
— Wyatt é cem vezes mais viril do que Henri jamais poderia esperar
ser.

Wyatt retorna e jantamos. Eu brinco sobre a quantidade de


comida que ele trouxe, mas é como se ele tivesse visto o futuro e
soubesse que Travis comerá o suficiente para dois homens
adultos.
— Minha mãe costumava reclamar da quantidade de comida
que comíamos, principalmente quando ela tinha três adolescentes
em casa ao mesmo tempo.

Esfaqueio um pedaço de frango antes que Travis o faça. Já


aprendi a ser rápida e reivindicar minha comida, ou passar fome.
— Eu não posso imaginar quanta comida ela fez para manter vocês
três alimentados.

— Ela triplicou as receitas. Eu a ajudava na cozinha às vezes.


Não era minha coisa favorita a fazer, mas ela gostava. E Wes e
Warner definitivamente não estavam dispostos a isso. Warner não
cozinhava até Anna sair e ele foi forçado a aprender para que
pudesse alimentar seus filhos. Não tenho certeza de quando Wes
aprendeu. Os militares, talvez.

Travis escuta cada palavra de Wyatt. — Eu gostaria de ter


irmãos.

Eu limpo minha garganta de uma forma óbvia. Travis revira os


olhos. — Você sabe o que quero dizer. Alguém perto de mim em
idade. Alguém com quem eu posso lutar e crescer.

Eu sei exatamente como ele se sente. Eu também costumava


me sentir assim.

Quando o jantar termina, nós nos sentamos no novo sofá da


sala de estar e jogamos Heads Up! no telefone de Wyatt. Wyatt e
eu somos horríveis, mas Travis consegue quase todas as pistas.

Eu fico acordada depois que Travis vai para a cama e Wyatt


me ajuda a arrumar a cozinha. Eu olho para as áreas de estar,
pensando no que precisa ir aonde. Há tanto o que fazer, tantas
compras a fazer para que esta casa se pareça mais com um lar,
mas estou chegando lá.

— Você está pronta para dormir em sua nova casa? — Os


lábios de Wyatt roçam a pele logo abaixo da minha orelha. Eu
derreto nele, meus dedos dos pés se curvando em antecipação.

Trancamos a porta e ele me segue até o quarto, com uma cama


nova e lençóis limpos. Tudo parece um novo começo e meu coração
dispara.

Estamos quietos e lentos, saboreando. Eu amo como Wyatt


pode ser forte e robusto, mas sensível e doce. O tipo de homem que
pode ser um bom exemplo para um adolescente jovem e
impressionável.

Quem diria isso sobre Wyatt Hayden?

Adormeço com um sorriso nos lábios e os braços de Wyatt em


volta de mim.

Tenho Wyatt e Travis. Nunca estive tão feliz.

•••

O trinado insistente do telefone me acorda. Eu coloco minha


mão na mesa de cabeceira, onde viro meu telefone e vejo que não
é meu telefone tocando. Eu pisco contra o brilho da tela. O relógio
marca 1:24.

— Wyatt, — murmuro enquanto o toque continua. — Alguém


está chamando você.

Tínhamos deixado a luz do banheiro acesa e a porta


entreaberta, só porque era impossível ver qualquer coisa quando
íamos dormir. Na luz suave, eu vejo Wyatt piscar, acordado,
confuso, e então jogar as cobertas e olhar ao redor. Nu, ele corre
para o jeans no chão e tira o telefone do bolso da frente.

— O que está errado? — ele pergunta, sem se importar em


cumprimentá-lo.

Fico de joelhos e o observo, tentando captar qualquer pista


sobre quem está ligando em sua família.

Poderia ser sobre Beau? Outro ataque cardíaco? Meu


estômago vira chumbo. Vovô.

Wyatt segura o telefone entre o ombro e a cabeça e enfia as


pernas dentro da calça jeans. — Estou indo. Tranque você e as
crianças no banheiro. — Ele desliga.

Que porra é essa?

— O que está acontecendo? — Eu pergunto enquanto o vejo


correr, enfiando a carteira e as chaves nos bolsos e puxando uma
camisa pela cabeça.

— Onde estão meus sapatos? — ele pergunta, olhando ao


redor na luz fraca.
— Perto da porta da frente, mas…

Ele sai correndo do quarto, e eu saio da cama e o sigo.

— Wyatt, — eu sussurro-sibilo, olhando pelo corredor para a


porta fechada de Travis enquanto eu vou. — Diga-me o que está
acontecendo. Estou com medo.

Ele olha para mim enquanto enfia os pés nas botas. — Mickey
apareceu inesperadamente, e ele está bêbado. Ele machuca Sara
quando ele está bebendo, e ele disse que ouviu pela cidade que ela
está pisando nele enquanto ele está fora. — Ele solta um suspiro
curto e balança a cabeça. — Isso é minha culpa. Eu deveria ter
encontrado uma maneira melhor de ajudá-los.

— Você não pode ir lá, Wyatt. E se Mickey ficar violento com


você?

— É por isso que eu vou. Para que ele tenha outra pessoa com
quem lutar.

Percebo que isso não é novidade para Wyatt. Sara o chama


pedindo ajuda. E isso explica todas as vezes que vi Wyatt com
hematomas e presumi que ele estava se metendo em brigas de bar
bêbado.

— Você precisa chamar a polícia, Wyatt.

Wyatt balança a cabeça. — Absolutamente não. Mickey nunca


vai voltar disso se a polícia for chamada.

Ele sai correndo de casa e pula em sua caminhonete.


Inclinando-se para fora, ele grita. — Não chame a polícia, Jo.
Eu concordo.

— Prometa-me, — diz ele.

— Eu prometo. — Mesmo enquanto digo isso, sei que não vou


mantê-lo.

Ele pisa no acelerador e, assim, ele se foi.

Wyatt acha que vai invadir a situação e acalmá-la, como uma


espécie de bálsamo humano. Se Mickey ouviu que Sara o está
traindo, é provável que também tenha ouvido o resto do boato. E
Wyatt está indo direto ao ponto, usando aquela confiança
característica que pode colocá-lo em muitos problemas. É um risco
que não estou disposta a correr.

Corro para o quarto, pego meu telefone e ligo.

— Você sabe que horas são? — Shelby pergunta, a voz cheia


de sono.

— Casa de Schultz, — eu ofego, puxando um moletom. — A


polícia precisa chegar lá. Não sei o endereço, mas sei que você
conhece. Vai lá. Mande alguém lá. Agora, Shelby. Agora.

— Qual é o problema, Jo? Preciso de mais para continuar. —


Toda a sonolência sumiu de seu tom.

Enxugo as lágrimas que não me lembro de ter chorado. —


Disputa doméstica. Wyatt está a caminho. Sara ligou e ele disse a
ela para se esconder no banheiro com as crianças.
Shelby desliga na minha cara. Se não fosse por Travis, eu
estaria indo para lá agora.

Eu sei que prometi a ele, mas não poderia sentar e seguir


cegamente suas instruções. Sou capaz de pensar por mim mesma
e fiz a escolha que achei melhor. Espero que ele veja isso.

Eu subo na cama, pressiono minhas costas na cabeceira da


cama e espero.
29

Já era tarde demais.

Quando cheguei lá, Mickey estava de joelhos no jardim da


frente. Algemado. Ele encontrou meus olhos enquanto o levavam
para a viatura. Seu olhar endureceu, sua mandíbula flexionou.
Lembrei a mim mesmo que ele acha que estou dormindo com sua
esposa. Ele não me olharia com tanto ódio se soubesse a verdade.

Sara soluça no jardim da frente enquanto fala com um policial.


Ela segura o bebê, enquanto Shelby distrai a criança de três anos.

— Wyatt, — Sara chora quando me vê. Shelby e eu


compartilhamos um olhar sob a luz da varanda da frente.

Sara se afasta do policial, vindo em minha direção.

— O que aconteceu? — Eu pergunto, tirando o bebê dela. Com


os braços vazios, ela estremece e agarra os braços à sua frente.

— Ele entrou pela porta da frente e assustou todos nós. Eu


estava dando um banho no Bryce e o bebê estava dormindo. Ele
estava bêbado e falando que tinha ouvido que eu tinha sido uma
puta. Ele disse que apostava que Eliana nem é dele.

Eu olho para a menina em meus braços. — Sinto muito, Sara.


Tentei chegar aqui.
Lágrimas rolam por suas bochechas. — O que vou fazer? Não
tenho emprego. Não temos dinheiro economizado. Nenhum. Nossa
hipoteca está dois meses atrasada.

— Você vai conseguir um emprego, Sara. Você tem um


diploma.

Ela faz um som incrédulo. — Não consigo imaginar que a


demanda por um psicólogo seja muito grande. Esta cidade não
produz o tipo de homem que usaria meus serviços.

— Então você terá uma clientela feminina.

— Sim, e eu vou me tornar o inimigo público número um


porque todas as esposas são iluminadas e em contato com seus
sentimentos. — Sua risada é vazia enquanto ela enxuga o rosto e
olha para as casas ao redor. Cada casa tem uma luz acesa e
pessoas do lado de fora. — Eu não posso imaginar o que eles vão
dizer sobre mim agora. Esta será a fofoca mais suculenta que já
foi sussurrada.

— Eu me pergunto qual deles ligou, — murmuro, meu olhar


percorrendo cada casa.

Sara funga e balança a cabeça. — Isso é o que não consigo


entender. Não houve gritos. Nenhuma discussão. Fiquei apavorada
porque sabia que isso aconteceria e liguei para você.

Imediatamente sei que foi Jo.

•••
— Posso ver Mickey Schultz?

O sargento da recepção está com os olhos turvos, o vapor sobe


de uma xícara de café fresco em sua mesa. Talvez em uma cidade
grande ele me diga não, mas esta é uma cidade pequena e as regras
às vezes são flexíveis.

Ele me leva de volta às celas. São três e o Mickey está na


última. Ele se senta em um banco de metal, os cotovelos apoiados
nas coxas e a cabeça entre as mãos. Ele não levanta os olhos ao
som de nossa abordagem.

— Você tem quinze minutos, — resmunga o oficial, olhando


para Mickey antes de ir embora.

Mickey ergueu a cabeça assim que o oficial falou, e agora o


observa partir. Quando ele está fora do alcance da voz, Mickey diz
duas palavras. — Foda-se você.

Ele se recosta no tijolo pintado e cruza os braços na frente do


peito. — Foda-se, — diz ele novamente, desta vez com mais tom de
irritação em sua voz.

— Não é verdade. O que você ouviu está errado.

Mickey se inclina para frente de repente. — Você não vai comer


minha esposa enquanto eu vou ganhar o dinheiro que paga pela
nossa casa e põe comida na mesa? — Ele fica parado enquanto
fala, aproximando-se das barras.

Eu fico parado e olho em seus olhos. — Não.


— Então por que ouvi que sua caminhonete está deixando
marcas no meu quintal quando eu não estou lá?

— As pessoas não sabem merda nenhuma nesta cidade,


Mickey. Eles veem minha caminhonete na sua casa e fazem uma
suposição, porque nunca pensariam que eu estou lá para
interceptá-lo ou limpar atrás de você.

— O que diabos isso quer dizer?

— Você já se olhou no espelho e viu o que você se tornou? Você


realmente se vê?

Agora ele parece uma merda. Olhos vermelhos e inchados, o


cabelo arrepiado em alguns lugares. Um arranhão raivoso se
estende irregularmente ao longo do lado de seu pescoço. Mas não
é a essas características físicas que estou me referindo. Eu quero
saber se ele vê seu coração, sua alma.

— Sou um homem tentando manter sua família unida. E agora


isso está arruinado. A polícia vai prestar queixa e minha família
está ferrada.

— Estou esperando que você demonstre algum remorso, mas


não parece que devo prender a respiração. Você estava
machucando Sara. Sua esposa. Que porra há de errado com você?

— Foi apenas algumas vezes, e foram mais como acidentes. Eu


não quis dizer isso. Eu bebi muito e...

— Besteira. Isso é fraco. Você sabe como o álcool te faz agir, e


você bebeu mesmo assim. Mais e mais e mais. Você voltou para
casa bêbado e machucou sua esposa. Assustou seus filhos. Você
criou esta situação. — Eu gesticulo ao redor do lugar. — Isso é
obra sua. E eu também sou culpado. Eu habilitei você. Toda vez
que apareci e deixei você me usar como um saco de pancadas em
vez de sua esposa. Toda vez eu apareci e distraí você até que você
ficasse sóbrio. Tudo porque Sara pensou que você mudaria de volta
para o cara com quem ela se casou. Porque eu senti que devia a
você. Você salvou minha vida uma vez e pensei que estava
salvando a sua. Mas agora vejo que há uma merda que você não
pode vir de volta. Você fez isso. Você se colocou aqui. Isto …— eu
giro meu dedo acima da minha cabeça... — está em você.

Eu me viro para sair, mas sua voz me chama de volta. — Você


estaria morto se não fosse por mim.

— Isso não significa que tenho que limpar sua bagunça toda
vez que você fizer uma.

Eu me afasto e o deixo parado ali.

Sem nem mesmo pensar nisso, dirijo direto para Wildflower.


Jo está sentada na frente, os joelhos contra o peito. Ela se levanta
quando estaciono, mas permanece no topo da escada, encostada
na grade da varanda.

— Eu sei que você provavelmente está com raiva de mim, —


ela começa, parando, esperando que eu confirme.

Eu suspiro e olho para o céu. É a parte mais escura da noite.


Adequado, já que também parece um dos momentos mais
sombrios da minha vida. Tenho orgulho de cuidar das pessoas que
amo, mesmo que isso signifique usar métodos não tradicionais, e
falhei com Mickey e Sara. Fosse minha responsabilidade ou não,
eu queria ajudá-los a descobrir uma maneira de sair da bagunça.
Não sei como pensei que tudo terminaria, mas rezei para que não
fosse nisso.

Eu nivelo meu olhar em Jo. Seu cabelo está preso em um nó


bagunçado no topo de sua cabeça, seu moletom está tão surrado
quanto sua camisa. Meu coração aperta e penso no que faria se
alguém a machucasse como Mickey machucou Sara. Eles nunca
teriam a chance de machucar ninguém novamente, com certeza, e
ninguém jamais encontraria o corpo.

— Eu não estou bravo com você Jo. Estou em desacordo com


meu pai. Minha amizade com Mickey provavelmente acabou. A
última coisa que quero é entrar em conflito com a mulher que amo.

Eu a alcanço, e ela começa a descer as escadas, colocando sua


mão na minha. Eu a puxo para mim, envolvendo meus braços em
torno dela. O mundo ao nosso redor está parado, até mesmo os
insetos estão dormindo. Ela se sente como uma âncora, uma
corda, me mantendo preso quando tudo parece fora de ordem.

— Só para que você saiba, — Jo diz em meu peito, — levo as


promessas a sério. Mas vou quebrá-las quando achar que a
segurança está ameaçada.

Eu beijo o topo de sua cabeça. — Eu gostaria de ter feito o


mesmo.

— Como assim?
— Sara me fez prometer não contar a ninguém o que estava
acontecendo com Mickey, ou chamar a polícia. Essa é uma
promessa que eu deveria ter quebrado. — O peso de tudo isso
empurra meus ombros. Agora que o problema ganhou asas e se
expandiu para além das quatro paredes da casa dos Schultz, vejo
como foi estúpido manter tal coisa contida.

Jo coloca a palma da mão na minha bochecha, ficando na


ponta dos pés para me beijar levemente. — Não seja tão duro
consigo mesmo. Você gosta de cuidar das pessoas. Do seu jeito
Wyatt.

Eu olho para ela. — Jeito Wyatt?

— Lógica fora da lei, — ela sussurra.

Eu esfrego sua parte inferior das costas. — Posso chamá-la de


Lady fora da lei?

Ela ri. — Dificilmente. Eu sou uma garota regra.

— Aposto que você quebraria algumas regras se precisasse.

— Vamos torcer para que eu não seja forçada a isso.

— Posso forçar você a voltar para a cama para dormir um


pouco?

Ela balança a cabeça, um bocejo alargando sua boca apenas


com a menção de sono, e eu a sigo para dentro. Ao ver a porta
fechada no final do corredor, pergunto: — Travis acordou?
Jo balança a cabeça enquanto puxa o edredom. — Ele tem o
sono pesado. — Estamos exaustos, física e emocionalmente, mas
ela precisa da mesma coisa que eu agora. Nós escorregamos para
debaixo das cobertas e Jo me puxa até que estou em cima dela.
Ela pressiona o rosto no meu pescoço e me diz o quanto estava
assustada. Empurro para dentro dela e admito o quão aliviado
estou por não ser mais meu fardo para carregar. Eu digo a ela que
a amo, e ela diz isso de volta.

Mais tarde, quando ela está dormindo com a cabeça no meu


peito, descobri que não consigo acalmar minha mente. Continuo
vendo Mickey, as barras de metal projetando sombras em seu
rosto.

Eu também estive na sombra, naquele dia em que ele me


encontrou.
30

Caçando.

Um ritual. Um rito de passagem.

Uma tradição de Hayden. Lembro-me de quando Wes foi.


Lembro-me de acenar adeus a Warner quando ele foi. Eu temia
saber que seria o próximo, mas não teria dezessete por mais dois
anos, e dois anos bem poderiam ser dez, no que me dizia respeito.

Exceto que dois anos realmente se passaram como dois meses,


e hoje é o dia. É a temporada dos cervos. Não quero ter nada a ver
com a caça de veados. Eu quero tudo a ver com fazer meu pai feliz.

Minha mãe bate na minha porta duas vezes antes de entrar.


Ela me entrega uma bolsa. — É uma jaqueta nova, — ela explica
desnecessariamente enquanto eu puxo o tecido grosso e
bronzeado. — Vai estar frio à noite.

Eu toco o tecido duro. O interior é mais macio. — Obrigado,


mãe.

— Certo. — Ela torce a pulseira de ouro em seu pulso. Acho


que ela tem mais a dizer, mas está se segurando. — Você está
ansioso por isso?
Eu dou uma olhada para ela.

Ela sorri desequilibrada. — Pergunta estúpida, hein?

— Eu não quero ir, mãe.

Ela franze os lábios, fazendo um barulho ao soltá-los. — Você


tem muita sorte de ter sido sorteado. Nem todo mundo recebe uma
etiqueta.

Eu dou a ela outra olhada. — Foi apenas sorte que Wes e


Warner foram sorteados na primeira vez que entraram também?

Sua única resposta é um olhar longo e duro. Pareço ingrato.


Talvez eu seja ingrato. Quantos amigos meus gostariam de ganhar
uma etiqueta de cervo? Quantos sussurraram nas minhas costas
que a única razão de eu ter um é meu sobrenome?

— Não importa, — murmuro. — Tenho certeza que vai ficar


tudo bem.

Minha mãe toca meu ombro. — Seu pai está ansioso por isso
há muito tempo. E não diga a ele que eu te contei isso — ela finge
procurá-lo pelo meu quarto — mas eu acho que ele está triste. Você
é o último filho dele. O que significa que esta é sua última viagem
de caça pai e filho.

— Ele e Warner vão caçar o tempo todo.

— Você sabe o que quero dizer. O último da tradição. Acho que


está o atingindo com força.

— Ele pode levar Jessie em doze anos.


— Pare de discutir comigo.

— Tenho dezessete anos. Devo discutir.

Ela sorri afetuosamente. Eu sei que ela tem um fraquinho por


mim, principalmente porque Wes e Warner não me deixam
esquecer.

— Wyatt, — meu pai chama de algum lugar além do meu


quarto. — Carregue, filho.

Eu lanço um olhar para minha mãe. Ela acena com a cabeça


de forma encorajadora. — Vá se divertir. Faça algumas memórias.
— Sua mão passa pelo meu cabelo. — Em pouco tempo, você
estará crescido.

Ela está se sentindo nostálgica. Wes embarca em algumas


semanas. Warner está sempre com sua namorada. Jessie e eu
somos tudo o que ela deixou. Então, novamente, nosso negócio é
administrado por família, e não é como se nenhum de nós, com
exceção de Wes indo para o exército, fosse ir muito longe.

Apesar disso, ela está fazendo coisas de mãe. Olhar de foco


suave, olhos enevoados. Está em conflito com a maneira como ela
está o resto do tempo.

— Já estou crescido, mãe. — Eu sou quinze centímetros mais


alto do que ela.

Ela ri uma vez, um único som. — Oh, Wyatt. Você ainda é


jovem o suficiente para não saber todas as coisas que você não
sabe.
— Isso soa como um enigma.

Papai chama meu nome de novo e ela me estimula com a


palma da mão nas minhas costas. — Você vai descobrir um dia.

Caminhamos para a sala de estar e lá está meu pai, vestindo


calças marrons e uma camisa de manga comprida camuflada. Ele
joga uma camisa combinando em minha direção.

— Não pode usar vermelho para ir caçar, — diz ele, curvando-


se para vasculhar sua mochila.

Não brinca. Eu sei que não devo dizer em voz alta. — Eu trouxe
uma camisa para vestir.

— Coloque a camisa que acabei de lhe dar.

Eu faço o que ele diz, tirando minha camiseta ali mesmo.


Minha mãe a pega de mim, enviando-me uma piscadela.

— Vocês, meninos, divirtam-se. — Ela beija minha bochecha


e depois dá um beijinho nos lábios do meu pai. — Traga meu filho
inteiro de volta.

•••

Meus olhos protestam quando o binóculo pressiona a pele ao


redor dos meus olhos. Nós estivemos vidrados o dia todo, e meus
membros estão rígidos de ficar sentado em um lugar por tanto
tempo.
Este é o segundo dia da caça e não estou ansioso para repetir
tudo isso amanhã. A experiência como um todo não é o pior, há
partes dela que são realmente agradáveis. Gosto do cheiro da
fogueira. O silêncio e a solidão. Não me importo de dormir em uma
barraca, especialmente quando posso ver através da aba no topo e
olhar para as estrelas. Eu gostaria que meu pai falasse mais, mas
não é como se sua tendência de guardar seus pensamentos para
si mesmo fosse uma grande surpresa.

Eu nem me importo quando…

— Calma, calma, — sussurra meu pai com uma urgência


silenciosa. Ele aponta para longe, e eu treino meus binóculos
nessa direção.

— Cervo, a cem metros de distância, — ele sussurra com


entusiasmo. — Dez pontos.

O animal é enorme, bonito, de um marrom profundo e fulvo


com orelhas de cor mais clara. Ele mordisca algo no chão, sem
desconfiar.

— Pegue seu rifle, Wyatt. — Sua voz é baixa, seu tom contém
irritação por eu não ter agarrado minha arma automaticamente.

Eu faço o que ele diz, configurando a arma e direcionando


minha mira para o animal, mesmo enquanto meu estômago
afunda com uma sensação de chumbo.

— Ele está se esquartejando, — diz meu pai, agachando-se ao


meu lado. — Mire no ombro que você pode ver.
O tiro está alinhado. Tudo está no lugar. O gatilho de aço frio
parece mais uma chama contra a ponta do meu dedo.

Minha respiração fica presa na minha garganta, meu


batimento cardíaco troveja contra minhas costelas.

— Vá em frente, filho. Agora.

Este é o momento em que mostro ao meu pai que um terceiro


filho não foi a pior coisa, que também posso valer a pena. Mas
quanto mais olho através dessa mira, o cervo à minha vista, mais
sei que não posso sacrificar sua vida.

O cervo levanta a cabeça, assustado por algo invisível para


mim, e dispara, contornando a encosta e desaparecendo de vista.

— Droga, — meu pai grita, a necessidade de se preocupar com


o barulho há muito tempo. — Que diabos, Wyatt?

Suas mãos estão no ar e seus olhos mantêm aquela aparência


familiar. Desapontamento.

Não tenho certeza do que dizer a seguir, mas não importa,


porque ele tem muito a dizer.

— Wes e Warner conseguiram um bom dinheiro nessa caçada,


e nenhum deles teve a oportunidade que você simplesmente
engasgou.

— Eu…

Ele chega mais perto, perto o suficiente para que eu possa


sentir o cheiro do café preto queimado que ele está tomando o dia
todo. — Não me diga que você não tinha uma marca clara. Ele
estava perto e você tem a melhor chance de qualquer um de seus
irmãos.

Eu ranjo meus dentes, pensamentos e palavras voando


através de mim, virando para cerrar minha língua até que
finalmente os deixei sair. — Eu não quero atirar em um animal.

Ele ri, um som incrédulo. — O filho do fazendeiro não quer


matar um animal. Que irônico.

— Pelo menos não aquele animal, — eu explico, na tentativa


de salvar algo disso. — Ele estava inconsciente. Comendo alguma
coisa. Inocente.

— É esse o seu critério? Deve estar ciente da sua presença,


com fome e culpado de alguma coisa?

Minha mandíbula dói com a força dos meus músculos. —


Talvez aquele último. — Isso me atinge a ideia de que algo ruim só
aconteça quando você fizer algo ruim. Alguns podem chamar de
carma, mas penso nisso como algum outro tipo de justiça.
Vigilante, talvez, ou fora da lei.

Meu pai me encara por um longo tempo, e eu finjo por um


breve segundo que ele vai abandonar o ato de macho e abrir os
braços, me dizer que me aceita como sou, e não precisa de um
terceiro filho que se comporta exatamente como os outros dois.

Meu devaneio é arrebatado quando ele quebra o silêncio


perguntando: — Você sabe do que acabou de desistir?
Eu olho em seus olhos que combinam com os meus, um rosto
que provavelmente me parecerei mais e mais com a idade, e
respondo: — Sim, eu faço.

Caminhamos de volta para o acampamento. Nós arrumamos,


desmontamos nossa barraca e nos certificamos de que todo o
nosso lixo seja recolhido. Nenhum de nós fala, e não dizemos nada
durante todo o trajeto de duas horas para casa.

Minha mãe disse ao meu pai para me trazer para casa inteiro,
mas agora vejo que ela não quis dizer fisicamente.

Mentalmente.

Emocionalmente.

Estou destruído pra caralho.

•••

Há um desfiladeiro a 13 km da cidade. Devil's Canyon, como


se chama, acho que porque é quente como o inferno no auge do
verão. Sempre achei o nome incorreto, visto que aumenta o calor,
mas talvez receba o nome de quem se atreve a fazer rapel. Às vezes
a água flui, cortesia do Rio Colorado. Outras vezes, está seco e não
há nada além de uma dor aguda no fundo.

É o lugar perfeito para terminar uma vida. Uma vida que


nunca deveria ter existido, se você perguntar ao meu pai.
Eu não quero morrer. Na verdade. Mas eu quero parar de
sofrer.

Eu amo meus irmãos. Eu amo minha mãe e minha irmã. Vovô.


Eu também amo meu pai, assim como um cachorro ama seu dono,
mesmo quando o dono o abusa.

Mas não seria bom se nada disso tivesse que acontecer mais?

Eu chuto minha perna e a deixo quicar contra a parede do


cânion. Estou sentado no topo, recolhendo pequenas pedras e
jogando-as dentro. Quando elas chegam ao fundo, mal posso vê-
las pousando.

Seria rápido. Eu penso.

Um avião sobrevoa, um jato de passageiros, e penso nas cerca


de duzentas pessoas a bordo, nenhuma delas ciente do que acabou
de sobrevoar. Por uma fração de segundo, compartilhei o mesmo
pedaço de terra com aqueles estranhos, e agora eles estão a
quilômetros de distância.

Ao longe, ouço um estrondo, mas não é outro avião. É


claramente um motor e, pelo que posso dizer, não está muito bem
conservado. Eu olho para trás, vendo-o se aproximar.

Ele se aproxima cada vez mais, até eu saber que é meu melhor
amigo, Mickey Schultz. Não contei a ele que viria para cá, apenas
que a viagem foi um fracasso e meu pai agora me odeia mais do
que antes.
Mickey desce da velha caminhonete de seu pai e vem na minha
direção. Ele é alguns centímetros mais baixo que eu e mais
atarracado, o que o torna um ótimo jogador de futebol.

Ele acena para mim quando ele chega perto. Seus olhos estão
cansados e preocupados. — Esta não é a sua cena normal.

Eu concordo.

— Mas eu pensei que talvez você estivesse saindo do controle.


Eu tentei o vigia primeiro. Quando você não estava lá, eu descobri
que diabos, e tentei este lugar.

— Bingo, — eu falo inexpressivo.

Mickey se aproxima, levantando terra a cada passo lento.

— Não, — eu digo bruscamente, minha mão estendida. — É


perigoso. — Eu sei que isso é irônico, considerando que sou eu
quem está sentado na beirada com minhas pernas balançando.

Mickey me ignora. Ele se senta no chão a alguns metros de


distância, deslizando para frente até sentar como eu. Seus cachos
castanhos-loiros caem para baixo em sua testa e ele aperta os
olhos na luz do início da noite que brilha em seu rosto. — E agora?
— ele pergunta.

— Vim aqui para pensar, — explico, embora ele não


perguntasse. É mentira. Pode ser. Eu ainda não tenho certeza.
Quão certo é alguém quando toma a decisão?

Mickey cruza as mãos no colo e os encara. Calmamente, ele


diz: — Se você pular, eu pulo.
— Não é por isso…

Ele se repete. — Se você pular, eu pulo. — Desta vez, ele diz


isso com o rosto voltado para mim.

Eu balancei minha cabeça. Não quero ser visto como uma


pessoa que faria o que estive pensando. — Você entendeu errado,
cara. Eu...

— Se você pular, eu pulo. — Mais áspero, mais alto, mais


insistente, e ele avança lentamente pela borda do desfiladeiro,
fechando a distância entre nós até estarmos a menos de trinta
centímetros de distância. — Foda-se seu pai, Wyatt. Foda-se ele.
Foda-se ele por te machucar. Foda-se ele por agir como se seus
irmãos fossem mais importantes. Eles não são. É tão simples. Eles.
Não. São. Eu te amo, ok? — Ele estende a palma da mão em um
aperto de mão, mas não é isso que está pedindo. — Não me faça
dizer toda essa merda de novo. Porque eu direi.

Em algum lugar entre a tristeza em meu coração e o desespero


absoluto que cobre meu peito, uma pequena centelha surge, como
a chama de um isqueiro.

Eu coloco meu aperto no de Mickey, e ele usa a outra mão para


se firmar no chão e se afastar da beirada, olhando como um falcão
para ter certeza de que eu faço o mesmo. Ele faz isso até estarmos
a quinze metros de distância, como se estivesse com medo de me
deixar ir, com medo de que eu possa dar aquele salto, afinal.

Mickey se levanta e me puxa para ficar de pé. Ele me abraça


uma vez, rapidamente, um forte tapa nas minhas costas. Ele dirige
atrás de mim todo o caminho até o rancho, virando depois que eu
viro à direita sob a enorme placa da Hayden Cattle Company. Ele
acena para mim de sua janela aberta e desaparece de vista.
31

Estou tão aliviada que Wyatt não está zangado comigo, estou
quase flutuando. Ele ainda está dormindo e não tenho planos de
acordá-lo. Ele carrega fardos tão pesados sobre seus ombros
largos. Ele merece descansar.

Eu sou a única acordada agora, então pego meu café e vou


para a frente. Eu sabia que quando estava encomendando móveis
teria de incluir cadeiras e uma mesa para a varanda, e estou muito
feliz por ter feito isso. Acho que esse vai ser meu lugar favorito em
toda a casa. Exceto a banheira.

O sol da manhã é forte o suficiente para aquecer minha pele,


e uma leve brisa sopra através da grama alta. Levo meu café aos
lábios e, através da mancha de vapor, um lampejo vermelho.

O cardeal masculino avança pelo céu aberto, acomodando-se


em uma árvore. Sempre me surpreendeu como as penas vermelhas
são incongruentes com a paisagem do deserto. Como se, na
criação, Deus perguntasse ao pássaro se ele gostaria de se
misturar ao seu ambiente como a maioria dos pássaros faz, e o
cardeal recusou.

Eu vejo o macho perseguir uma fêmea, está colorida de um


marrom acinzentado. Ela pula de galho em galho, tornando sua
perseguição um pouco mais excitante, e então os dois voam para
longe. Estou assumindo que seus avanços foram aceitos. Cara
sortudo.

— Ei, você, — Wyatt murmura, saindo da porta da frente. Seu


cabelo está espetado em mechas perfeitamente adoráveis e, como
se tivesse lido minha mente, ele estende a mão e passa as mãos
pelos cabelos. Com um olho aberto, ele caminha em minha direção
e se acomoda na cadeira ao meu lado. Eu entrego a ele meu café
quase vazio e ele toma o último gole.

— Mais, — ele geme.

— Aposto que você precisa, — eu respondo. — Nós dois


fazemos. Vamos.

Ele se levanta e me segue, mas não sem antes me beijar. O


olhar em seus olhos é cativante. Ele parece mais leve, como se
durante a noite tivesse se livrado de um peso que carregava. E de
certa forma, ele fez.

Sirvo uma xícara de café fresco para cada um de nós. Wyatt


me lembra que ainda não temos comida, nada de substancial que
possamos fazer para Travis.

Travis.

Eu não posso acreditar que ele está realmente aqui. Comigo.


Morando na minha casa.

Ele leva mais de uma hora para acordar e eu uso esse tempo
para ir ao prédio do futuro trailer e medir os quartos para que eu
possa ordenar as camas.
Travis me encontra em um dos quartos, sentado no chão e
jogando sobre diferentes camas em um site. — Então este lugar vai
ser um acampamento, hein?

Eu olho para cima. — Sim.

— É um pouco pequeno para um acampamento de verão.

— Vai ser um tipo especial de acampamento.

— Como o que?

Eu coloco o telefone no bolso de trás. — Um acampamento de


terapia na selva.

— Terapia? Como fisioterapia?

— Mais como uma terapia emocional.

Travis cruza os braços e se recosta na parede ao lado da porta


aberta. Ele usa uma camisa branca indefinida e calça jeans preta.
— Um acampamento para crianças más.

— Não.

— Isso é o que parece.

— Não foi isso que eu disse. — Eu fico de pé e limpo minhas


mãos no assento da minha calça jeans, esperando que ele diga
mais.

— Você comprou este lugar e construiu tudo isso porque você


acha que eu sou um garoto mau que precisa do seu acampamento?
— Ele diz como se estivesse completamente desprovido de emoção,
mas vejo tudo nadando em seus olhos. Ele precisa muito ouvir que
não é a razão de tudo isso.

— Não, porque você não é uma criança má. Mas estou muito
feliz que você esteja aqui, porque acho que você poderia ser muito
útil neste lugar.

Ele inclina a cabeça. — Sim?

— Mm-hmm. Eu faço. Assim como Wyatt. Ele pode te ensinar


muito, também. Eu já aprendi muito com ele.

— Como ele sabe fazer as coisas por aqui?

Eu coloco a palma em seu ombro, guiando-o para longe da


parede e para fora da porta. Chegamos à porta no final do corredor
que leva ao exterior. — Eu não tenho absolutamente nenhuma
ideia, Trav. Ele é apenas uma pessoa que sabe das coisas.

Travis acena com a cabeça, e eu vejo minhas palavras


afundarem como manteiga em uma torrada quente. Minha mãe
tentou me dizer que adolescentes são difíceis, e talvez ela tenha
razão e a dificuldade esteja a caminho, mas ela não mencionou
como é gratificante vê-los crescer.

•••

Travis tenta pedir um milkshake de chocolate para


acompanhar o café da manhã. É onde devo traçar a linha.
— Eu sou legal, mas não sou tão legal, — eu digo, rindo com
o nosso servidor, Cherilyn, como ela reúne os nossos menus de
plástico.

— Eu sei que você não se lembra de mim, — Cherilyn diz para


Travis, — mas sua irmã mais velha costumava trazê-lo aqui às
sextas-feiras depois que as aulas terminavam. Você pediu um
sundae com cobertura de morango, e metade dele sempre
terminava em seu rosto e sua camisa.

Travis sorri timidamente. — É bom te ver de novo.

Cherilyn dá uma piscadela para ele antes de se afastar.

— Eu definitivamente não me lembro dela, — Travis murmura


e faz uma cara engraçada.

— Não se preocupe com isso, — diz Wyatt, puxando o canudo


de sua bebida e colocando-o em seu guardanapo. — Wes cresceu
nesta cidade e quando voltou do Exército também não se lembrava
dela.

Eu franzo a testa de brincadeira para ele. — Acho que tem


mais a ver com ele nunca ter vindo para a cidade depois que voltou
do que com uma memória falha.

— Graças a Deus por Dakota, — Wyatt diz, e acrescenta: — E


Tenley também. Meus dois irmãos são muito mais legais com
aquelas mulheres em suas vidas. — Wyatt esfrega discretamente
a mão na minha coxa. — Disseram que eu também sou.

Eu inclino meu ombro no dele. — Isso está certo?


— Todos os cowboys do rancho fizeram um comentário para
mim no mês passado. E todos os membros da minha família,
porque é claro que eles não conseguem tirar o nariz do meu
negócio.

— Até mesmo seu pai? — Assim que digo, gostaria de não ter
dito.

O rosto de Wyatt cai um pouco. — Não meu pai. Ele não me


conta quando eu digo coisas assim.

Ele muda de assunto depois disso, perguntando a Travis


quando é seu aniversário. Quando Travis responde, Wyatt me olha
com os olhos arregalados. — Faltam apenas dois meses.

— Então? — Eu pergunto, incerta de onde Wyatt está indo com


isso.

Wyatt dirige sua atenção para a mesa de fórmica em Travis. —


Você tem permissão de aprendiz?

— Para dirigir? — Travis pergunta.

— Não, para caminhar. — Wyatt sorri para Travis para deixá-


lo saber que está brincando, e Travis ri. — Sim, para dirigir.

Travis balança a cabeça. — Minha mãe nunca chegou a isso


quando chegou a hora, alguns meses atrás.

Wyatt bate a palma da mão na mesa e eu pulo. — Bem, o que


você me diz, Travis? Você quer aprender a dirigir um carro?
Meu estômago fica tenso. Travis… dirigir um carro? Isso não é
para pessoas mais velhas do que ele? Minha cabeça está presa em
uma época diferente quando ele era mais jovem, quando cada
queda trazia lágrimas e exigia beijos. Mas é claro que ele não é
mais um bebê. Uma olhada pela mesa me diz isso.

Travis nem olha para mim antes de responder com


entusiasmo. — Sim. Quando? De quem é o carro?

— Minha caminhonete, — Wyatt responde, recostando-se na


cabine e colocando o braço em volta dos meus ombros.

— Eu não sei, — eu digo, mordendo o lado do meu lábio


inferior. — Ele não deveria aprender em algo menor, como meu
carro?

— Claro, se você quiser, — Wyatt responde, encolhendo os


ombros. Ele sorri para Travis. — Ou, você pode aprender em uma
caminhonete HCC. Warner tem o melhor caminhão agora, nem me
faça começar com isso, mas você pode aprender na minha.

O lábio inferior de Travis mergulha de espanto. — Posso


aprender a dirigir em uma caminhonete HCC?

Wyatt acena com a cabeça, quase tão animado quanto Travis.


— Certo.

— Lembro-me de quando seu irmão costumava pegar Peyton


na escola em uma caminhonete enorme. Ela foi levantada e tinha
pneus enormes, e acho que era um golpe de força, e tinha... — Ele
continua, e estou quase perdida imediatamente. Eu tinha
esquecido completamente a velha obsessão de Travis por carros, a
maneira como ele estudava revistas de automóveis e memorizava
fatos, apontando veículos e tagarelando sem parar sempre que
íamos a qualquer lugar.

— Se você gosta de carros, espere até ver o velho Bronco de


Tenley. Totalmente restaurado, é lindo. Ela a chamou de Pearl e
tem — Wyatt interrompe, sua atenção atraída pela TV no canto
superior da parede mais próxima de nós. — Jo, — diz ele,
apontando para a tela.

Na parte inferior estão as palavras BREAKING NEWS seguidas


por um homem com cabelo perfeito demais segurando um
microfone e gesticulando com a mão livre. Em letras menores, é
mais difícil de ver, logo abaixo do título, Quatro mortos em
filmagens no acampamento de terapia para adolescentes.

Meu coração afunda ao mesmo tempo que meu estômago


embrulha, e eles se encontram de uma forma que nunca deveria
acontecer. Sinto-me doente, mas também vazia.

Meu primeiro pensamento é sobre as pessoas que morreram,


seguido de perto por um pensamento muito menos caridoso.

O que isto significa para mim?

Meus dentes cravam em meus dedos enquanto vejo o homem


continuar a falar. Sem som, só posso supor que ele está relatando
detalhes do tiroteio.

ECA. O tiroteio. Palavras tão horríveis.


Wyatt já pegou seu telefone e agora ele o empurra para mim.
A imagem utilizada no artigo é uma tela dividida. Metade é uma
foto aérea de um bosque, um lago e vários prédios pequenos. A
segunda imagem é de socorristas em torno de uma maca, um
lençol branco cobrindo a pessoa deitada sobre ela.

Choramingo com a visão, e Wyatt rapidamente estende a mão,


rolando para baixo para os detalhes. Eu os leio rapidamente,
incapaz de absorver muito agora.

— Era um trailer, — eu sussurro. Eu coloco minha mão sobre


minha boca para abafar minha vontade de soluçar. — Em Tucson.
Ele atirou em outro trailer e dois membros da equipe.

— Jo? — As mãos de Travis serpenteiam pela cabine. — Vai


ficar tudo bem. Isso não vai acontecer com você. Com Wildflower.

Tento sorrir para ele. Para aceitar seu conforto. — Obrigado,


Trav.

Cherilyn chega com pratos fumegantes. — Estes estão


quentes, — ela avisa, deslizando os pratos na nossa frente.

— Obrigada, — murmuro, olhando para a tela.

— É uma pena, não é? — Cherilyn diz, colocando sua luva de


forno no bolso da frente do avental. — Tão jovem. Tirou a própria
vida também. — Ela balança a cabeça e olha por cima da mesa. —
Eu já volto com aquele molho de pimenta verde que você ama,
Wyatt.
— Obrigado Senhora. — Wyatt acena para Cherilyn quando
ela volta. Ela sai novamente, e os sons dos garfos raspando os
pratos são a única interrupção em nosso cantinho silencioso.

— Você precisa comer, — Wyatt me lembra suavemente


quando minha comida permanece intocada. Nada cheira bem.
Nem o bacon, os ovos ou mesmo o pãozinho pegajoso de canela
que Travis pediu.

— Pessoas estão mortas. Em um acampamento de terapia


para adolescentes. Por causa de um campista. — Minha cabeça
balança lentamente enquanto meu cérebro tenta dar sentido a
uma situação sem sentido. — E se fosse o meu acampamento?

— Não é, — diz Wyatt, pegando o garfo da minha mão e


preparando uma mordida para mim. Ele me entrega e eu pego,
colocando mecanicamente a comida na minha boca.

— Certo, mas…

Wyatt balança a cabeça e aponta para o meu prato. — Cuide-


se, Jo. Coma. Tudo o mais pode acontecer em segundo lugar.

Ele tem razão. Eu faço o que ele sugere, me forçando a comer


alimentos que mal sinto quando normalmente amo. Travis não tem
certeza do que dizer ou fazer, então ele fica quieto.

Nós pagamos, e eu ouço Cherilyn dizer a Wyatt como ela está


emocionada por vê-lo tão contente. Ela chega a dizer a ele que está
esperando há muito tempo para vê-lo tão feliz e que ele merece isso
tanto quanto seus irmãos mais velhos.
Paramos no supermercado e depois passamos o resto do dia
no Wildflower. Eu perambulo pela casa principal, limpando e
guardando coisas em lugares que inevitavelmente mudarão
quando tudo estiver funcionando e refino meus processos. Eu faço
o meu melhor para não prestar muita atenção aos prédios onde os
campistas irão dormir.

Wyatt passa a tarde inteira ensinando Travis a dirigir. Ele até


pega duas grandes caixas de papelão vazias e as arma para ensiná-
lo a estacionar em paralelo, o que é uma façanha, porque eu não
acho que eu poderia estacionar em paralelo aquele monstro de
caminhão.

Travis está emocionado com a chance de passar um tempo


com Wyatt e ainda mais animado por sentir que sabe dirigir. —
Você apenas terá que estudar o manual e aprender todas as regras,
e então você pode fazer o teste para obter a licença.

No caminho de volta para seu quarto, Travis diz: — Não sei


como vocês se conheceram, mas estou feliz que tenham se
conhecido.

Ainda estou esperando que Travis se transforme neste


adolescente horrível de que minha mãe falou.

Eu sei que ela é muitas coisas, mas agora estou começando a


pensar que talvez minha mãe também seja uma mentirosa.
32

Quando meu telefone toca, estou segurando uma espátula


coberta de argamassa na mão. Estava esperando essa ligação,
então paro o que estou fazendo e atendo.

— Farley, o que você tem para mim? — Usando um dedo, eu


passo a ponta da espátula para juntar o excesso de argamassa e
aplico na lâmina, em seguida, espalho na parede nua da cozinha.

— Prepare-se, Hayden. É bom.

Já se passaram duas semanas desde que visitei Farley e estou


mais do que pronto para ouvir essas notícias. Equilibrando o
telefone entre a orelha e o ombro, digo: — Vai.

— Você tem certeza que esse cara Bennett já não toca uma
campainha?

Eu não gosto que ele esteja me dando uma vantagem, como se


estivesse jogando uma guloseima na minha frente e olhando para
ver se eu ataco. Eu coloco a espátula e pego a próxima folha de
ladrilho do metrô que Jo escolheu. Empurrando na argamassa, eu
bufo, — Eu não teria ido até você se ele tivesse vindo.

— Meu Deus, você tira toda a graça de tudo, — queixa-se


Farley.

— Fale, Farley.
— Bennett começa com 'B', certo?

Eu suspiro e pego outra folha de azulejo, ajustando-a na


anterior na parede. Vou mutilar esse garoto se ele não sair com
isso. — Farley, você gostaria do autógrafo de Tenley?

Ele tropeça na próxima frase. — Bem, sim, eu... uh...

— Diga o que você tem a dizer.

— O 'B' no Circle B é Bennett. O rancho pertencia a Cynthia e


Kenneth Bennett antes do título ser transferido para… — ele faz
uma pausa — … Tower Properties. Parece um fundo de
investimento imobiliário.

— Merda, — eu digo em voz baixa, olhando ao redor. Ninguém


me nota, ou meu palavrão. Eu entendo por que a família transferiu
a propriedade para um REIT, onde todas as suas propriedades
poderiam estar juntas, mas por que escolher Jo entre todos
aqueles compradores com bolsos muito mais fundos? Não parece
sinistro, apenas estranho.

Limpo o excesso de rejunte entre os ladrilhos. Estou fazendo


um trabalho péssimo. Preciso contar a Jo, é claro, mas o que
contar a ela fará? Eu não sei de nada. E ela tem tudo pendurado
neste rancho. Suas esperanças, seus sonhos, é como se toda a sua
vida dependesse da abertura de Wildflower. Sobre Travis vir morar
com ela.

— Tenho outra coisa para você, — diz Farley, com a voz cheia
de entusiasmo. — Eu ouvi sobre os netos da Sra. Calhoun
aparecendo na cidade para visitá-la. Eu os vi agindo como idiotas
no Merc um dia, então decidi cavar um pouco mais fundo.
Acontece que eles são ex-presidiários…

— Estou ciente. — Honestamente, para descobrir isso, bastou


uma pesquisa básica na Internet.

— Você sabe que a Sra. Calhoun é mãe de apenas um filho? E


aquele filho teve um filho? Tornar os irmãos Marks...

— Foda-se, — eu assobio. Eu largo a espátula no balde vazio


que estou usando para misturar a argamassa. — Esses filhos da
puta não são seus netos.

—Claro que não. Mas eles conheciam Dixon. Acontece que


eles trabalharam com ele antes de cumprir pena.

Trabalhar. Que palavra interessante para descrever a


preparação de metanfetamina.

Eu lavo minhas mãos rapidamente, espirrando água por todo


o balcão e secando minhas mãos na frente do meu jeans. — Você
é um gênio, Farley.

— Vou me certificar de lembrá-la disso na próxima vez que


você me chamar um nome.

— Espere, — eu instruo, segurando meu telefone ao meu lado.

Eu passo por Jo no meu caminho para a porta da frente. Ela


está falando com Scott. Ela olha para mim, perplexa quando
percebe meu estado. — O que está errado? — ela pergunta, os
olhos enrugando com preocupação.
— Tudo bem, — eu respondo, acenando para Scott e beijando
Jo rapidamente na boca. Vejo sua suspeita, mas não tenho tempo
para parar e explicar. Ela gostaria de vir comigo, e de jeito nenhum
eu permitiria, além disso, ela está mergulhada até os joelhos no
que está acontecendo em Wildflower. As adições e atualizações
estão tão perto da linha de chegada que não posso distraí-la agora.

— Scott, você pode arranjar alguém para rejuntar aquele


ladrilho? — Eu empurro atrás de mim em direção à cozinha. — Eu
tenho que decolar.

Scott não parece tão preocupado ou confuso quanto Jo. — Sim


claro.

— Eu te ligo mais tarde, — digo a Jo, beijando sua têmpora.

Quando saio, pressiono meu telefone de volta no ouvido.


Farley ainda está lá.

— Você está indo para lá? — ele pergunta.

— Sim, — eu resmungo enquanto me jogo na minha


caminhonete e engato a marcha à ré, navegando no mar de
caminhões.

— Tenho um mau pressentimento sobre esses caras, Wyatt.

— Não seja mole comigo agora.

— De verdade. Você pode ligar para seus irmãos ou algo


assim?
— Você não quer que eu passe aí e pegue você? — A adrenalina
me permite fazer piadas agora. Amo essa sensação, essa euforia
aguda. Wes recebe todo o crédito quando se trata de proteger
aqueles que ama, mas é a maneira como eu atuo também. Nossos
métodos nem são tão diferentes, mas o que ele faz é direto e visível.
Eu opero de forma mais sutil, um torpedo movendo-se sem ser
detectado nas profundezas.

Farley bufa. — Não, a menos que você queira um parceiro que


corra gritando para a floresta ao primeiro sinal de perigo.

Bato com a lateral do polegar no volante em rápida sucessão.


— Você parece uma responsabilidade.

— Eu seria. O que você vai fazer com Bennett?

Eu aperto a pele na ponta do meu nariz. — Não muito, por


agora. Parece que há ameaças maiores para lidar primeiro.

Alguém liga para Farley. A mãe dele, eu acho. Às vezes esqueço


que ele é um adolescente.

— Eu tenho que ir, — diz ele. — Ligue para seus irmãos, ok?

— Vou fazer.

Eu desligo, considerando meu telefone por um momento. Eu


realmente preciso ligar para Wes ou Warner? Eu não quero
precisar deles. Idealmente, eu salvaria o dia e eles descobririam
mais tarde, e me respeitariam de má vontade. Quero que eles
parem de me ver como o irmão caçula rebelde, o cara que vai e vem
quando quer.
Eu jogo meu telefone no porta-copo.

Eu posso fazer isso sozinho.

•••

Ninguém está em casa.

Não consigo pensar em um momento em que a Sra. Calhoun


não estivesse aqui, mas é porque eu sempre apareço em um
horário previamente combinado. Aparecer do nada assim significa
que eu deveria ter esperado encontrar uma casa vazia.

Bato mais uma vez, embora seu carro não esteja no lugar sob
a garagem coberta. Desço as escadas e dou a volta pela lateral da
casa. Com as mãos em concha contra as janelas, aperto os olhos
e tento espiar. O sol do meio dia torna difícil ver qualquer coisa
através das cortinas escuras nas janelas.

Eu não sei o que estou procurando de qualquer maneira.


Apenas alguma coisa. Um sinal do que os irmãos Marks estão
realmente fazendo aqui. Eu sei o que eles estão fazendo naquela
montanha, no antigo local de Dixon. Mas o que eles estão fazendo
aqui, com a avó dele?

Tento mais uma vez ver dentro da casa, bloqueando o sol de


diferentes ângulos ao redor da minha cabeça, e desisto. Estou me
afastando da janela quando isso acontece.
Uma força brusca, algo como um punho, pousa no meu lado.
— Ufa, — eu resmungo, o ar saindo da minha garganta. Eu giro,
os punhos levantados e ataco antes de ver o rosto do meu atacante.

Assim que me conecto, meu cérebro processa quem é, e não


há choque. Ricky.

Ele tropeça para trás, ao mesmo tempo que o corpo carnudo


de Chris me ataca. Juntos, voamos para dentro de casa, minhas
costas recebendo o impacto do contato. Eu uso a palma da minha
mão para apertar contra seu nariz em um movimento ascendente.
Ele grita e tropeça para trás, com as duas mãos no rosto. O sangue
já está escorrendo, gotas vermelhas brilhantes espremendo-se ao
redor das rachaduras em seus dedos.

Não tenho um segundo para me recuperar, porque Ricky está


vindo para mim agora. Seus punhos estão voando, e eu me abaixo.
Ele faz contato com a casa em vez do meu rosto. Não tenho tanta
sorte um momento depois, quando seu próximo soco acerta. A dor
ricocheteia em mim e pisco contra ela. Ele usa os segundos que
estou levando para absorver a dor a seu favor, me acertando mais
duas vezes. Minhas costas ainda estão pressionadas contra a casa,
não tenho a capacidade de me mover muito, mas faço o melhor
que posso. Um benefício de ter participado do meu quinhão de
lutas é que tenho experiência em sair do lado perdedor.

Em vez de proteger meu rosto ou dar um soco em seu rosto,


vou para um tiro barato, acertando meu joelho em sua virilha o
mais forte que posso. Quando ele está curvado e ofegante, coloco
meu cotovelo no meio de suas costas. Ele grita e cai, se
contorcendo no chão. Eu o chuto no estômago, não o mais forte
que posso, mas apenas o suficiente.

— Seu pedaço de merda patético, — murmuro, tropeçando


para longe dele. — Da próxima vez que você me quiser, venha para
mim pela frente, como um homem de merda.

— Foda-se, — ele cospe, rolando e lutando para se sentar.

— Foda-se, — eu respondo, de pé sobre ele. — Que porra você


está fazendo aqui? Você não é um Calhoun.

Ele se levanta do chão, ficando de joelhos. Eu adoraria bater


em seu peito e derrubá-lo de bunda, mas quero respostas.

Ele consegue se levantar. — Você fez algo com Dixon. Eu sei


disso. Falei com ele antes de morrer, e ele me contou sobre você e
sua família. Porra da realeza, — ele zomba.

— Dixon se colocou em uma cova quando começou a cozinhar


lá. Nada de bom vem da vida que ele levava. Você, mais do que
ninguém, sabe disso.

Ricky passa as costas da mão nos lábios e no nariz. — Você


age como se fosse melhor do que nós, mas não é. Há uma linha
tênue entre vilões e heróis, e seu sobrenome permite que você seja
um dos dois.

— Qualquer um pode ser qualquer um. É uma escolha.

O olhar de Ricky me contorna e eu o sigo. Chris está vindo em


nossa direção, a camisa manchada de vermelho, segurando um
pequeno revólver. Não está apontado para mim, mas segurado ao
lado dele, o cano apontando para baixo. Quando ele se aproxima,
ele aponta para mim.

— Eu farei isso, — diz ele a Ricky. Sua mão e sua voz tremem.

Eu dou a Ricky meu olhar mais longo e duro. — Eu chamei


meus irmãos no caminho para cá. Vá em frente e atire em mim,
mas eles vão te encontrar. E tudo o que você fizer comigo, eles
farão dez vezes pior com você. Linha tênue entre vilões e heróis,
certo?

Ricky desliza a língua entre o lábio inferior e os dentes. — Eu


farei um acordo com você. Você nos deixou cuidar de nossos
próprios negócios lá em cima e se certificar de que ninguém mais
nos dê atenção, e nós manteremos nossas mãos longe das
mulheres em sua vida. Seria uma verdadeira pena se a Sra.
Calhoun morrer durante o sono uma noite. Ou aquela sua linda
irmãzinha experimentar um pouco do que estamos vendendo. —
Ele sorri maliciosamente. — As coisas que ela faria por um golpe...
— Ele coloca a palma da mão em sua virilha e me atiro nele.

Minha testa encontra metal frio, e é tudo o que me impede de


envolver minhas mãos em torno de sua garganta. Ricky ri, tão
corajoso e ousado agora que tem seu irmão estúpido para apontar
uma arma para mim.

— Nós temos um acordo? — Ricky pergunta. Chris empurra a


arma contra minha pele.

Eu adoraria nada mais do que acabar com esses filhos da puta


agora, mas tenho que pensar no meu fim de jogo.
— Combinado, — eu digo.

Chris sorri estupidamente para Ricky. — Entre esse cara e


aquele policial, nós estamos…

Ricky o interrompe com um olhar feroz e Chris se cala. Ricky


se move para me contornar. No último momento, ele se inclina e
me dá um soco no estômago. — Só para ter certeza de que você se
lembra do nosso acordo, — diz ele. — Agora sai daqui.

Eu me levanto o máximo que posso, meu estômago latejando,


e caminho lentamente em direção à minha caminhonete. Os
irmãos seguem três metros atrás de mim. Eles me observam entrar
e me afastar.

Não me preocupo em me olhar no espelho. Eu já me vi


ensanguentado e quebrado antes.

É hora de fazer alguns planos.

Foda-se ser um herói.

Foda-se ser um vilão.

Eu sou um fora da lei.


33

Minha caminhonete balança fortemente quando o asfalto


muda abruptamente para uma estrada de terra, e eu resmungo
contra a onda de dor que ela libera em meu corpo.

Por ser um pedaço de merda magro e cheio de marcas, Ricky


pode dar um soco.

A fazenda aparece à distância. É grande e bonito, o guardião


dos segredos e o protetor de Haydens. Essa casa me traz tanto
conforto quanto dor. Assim como esta terra para a qual estou
dirigindo. É incrível como uma pessoa pode sentir amor e dor
simultaneamente, da mesma fonte.

Eu não sei quem vai me cumprimentar quando eu entrar


agora, mas estou esperando aquele velho olhar familiar, aquele
que tão claramente me diz como o início de um novo hematoma no
meu rosto não é mais uma surpresa.

Meus passos na escada da varanda da frente são pesados,


minhas pisadas estrondosas. Entro pela porta da frente
destrancada, então penso em como talvez seja a hora de
começarmos a trancá-la. Vivemos no meio do nada, as pessoas
estão sempre indo e vindo, mas as palavras de Ricky se perdem
em minha mente. As coisas que ela faria por um golpe.
Jessie sai do corredor como se meus pensamentos a tivesse
conjurado. A visão dela torce meu coração em dois. Ela é jovem,
inocente e ingênua, não importa o quanto brinquemos sobre ela
ser o caos em dois pés. Suas feições se contorcem de horror
quando ela me vê, e ela corre para o meu lado.

— Wyatt, o que aconteceu com você? — Ela envolve um braço


em volta das minhas costas, me apoiando como se eu não pudesse
andar, o que sou capaz mesmo que doa.

— Uma situação ruim, — eu respondo, cerrando os dentes


enquanto ela me guia para o banheiro fora de seu quarto. Ela me
abaixa para sentar no vaso sanitário fechado e se abaixa, tirando
meu cabelo dos meus olhos com ternura. Sua pulseira de trevo
está fria na minha pele e seus olhos contêm lágrimas. — Quem fez
isto para você?

— Não importa. — Quanto menos ela souber, melhor.

A raiva rasga seu olhar. — Que besteira, — diz ela com os


dentes cerrados. — Eu odeio como vocês todos tentam me proteger.
Eu não sou uma criança.

Ela se levanta e vai até o armário de remédios, vasculhando e


escolhendo várias coisas. Ataduras, pomada antibiótica, creme de
arnica. Ela molha uma toalha.

— Acho que você sempre será um bebê para nós, Calamidade.


Sinto muito pela sua sorte. — Eu assobio enquanto ela pressiona
a toalha na minha têmpora. Eu não tinha percebido que fui
atingido lá, mas a julgar pela dor, eu diria que foi uma boa. —
Apenas aceite sua posição na vida. Eu aceitei.

A ternura está de volta em seu rosto. Um lado de sua boca


sobe enquanto ela mantém o pano pressionado contra mim. —
Papai te ama, Wyatt.

— Eu não disse que não.

— Você não parece pensar assim.

— Ele me ama porque eu sou seu filho.

Ela remove a compressa, seus olhos circulando meu rosto


enquanto examina os danos. Eu levanto minha camisa, mostrando
a ela onde o primeiro soco caiu por trás. Maldito covarde.

Ela morde o lábio e pega o creme de arnica. Ela aperta um


pouco nos dedos e, o mais suavemente possível, esfrega sobre o
hematoma que floresce.

— Ele te ama porque você é você. — Seu olhar permanece fixo


no hematoma, como se sua vida dependesse de cobrir bem a pele
que logo ficará escura, traindo os sinais reveladores de um
ferimento. — Você deveria colocar gelo nisso.

No meu rosto, ela aplica uma pomada antibiótica. Quando me


olho no espelho, vejo porque. Arranhões, principalmente
superficiais, atingem meu queixo e bochecha como o pincel de um
pintor.

Eu olho para minha irmã pelo espelho. Eu sei que disse que a
vemos como um bebê, mas não é totalmente verdade. Ela é uma
mulher agora, por mais difícil que seja admitir. Ela tem as
características femininas da minha mãe, mas a personalidade de
Hayden. Um dia, ela será uma força a ser reconhecida.

— Fique fora da cidade por um tempo, — eu instruo, minha


voz grave. Quando ela começa a discutir, porque é da sua natureza
questionar tudo, repito minha instrução. — Estou falando sério.
Há pessoas na cidade que são más notícias. Não posso estar
preocupado com você agora, além de tudo o mais.

Ela cruza os braços e me encara com um olhar fixo. — Se você


não me disser qual é o perigo, vou entrar na primeira caminhonete
que encontrar, mesmo que seja a sua, e vou levar minha bunda
para a cidade.

Eu coloco minhas mãos no balcão e respiro fundo. — Por que


você tem que ser tão difícil?

— De volta para você, — ela rebate, dando-me um pequeno


aceno de cabeça extra, como se ela estivesse escrevendo um S com
a cabeça inteira.

A extensão do conhecimento de Jessie sobre Dixon e sua casa


de metanfetamina é igual ao conhecimento do público.
Publicamente, ele se explodiu. Fora dos livros, alguém pode ter se
certificado de que sua casa explodiu. Nada nunca foi esclarecido
para mim também, e aceitei a meia verdade de que tive
conhecimento. Contar a Jessie agora parece uma dança delicada.
— Você se lembra quando aquela casa de metanfetamina
explodiu? — Aponto na direção geral da montanha onde
aconteceu.

Ela acena com a cabeça. — Foi em todos os noticiários.

— Há alguns caras na cidade que eram... amigos de Dixon.


Associados, tanto faz. Eles estão com problemas em suas mentes
e mencionaram você especificamente.

Seus olhos se arregalam e me apresso a dizer: — Só por causa


do seu sobrenome. Sua relação comigo. Com os Hayden. Eles
acham que tivemos algo a ver com a explosão.

Ela se apoia no batente da porta. — Isso está certo?

Eu fico olhando para ela pelo espelho. Sua resposta calma a


essa informação pode ser a coisa mais preocupante que aconteceu
hoje. — Sim, — eu respondo, meu tom duro. — Portanto, fique em
casa.

— OK. — Ela acena com a cabeça.

No final do corredor, ouvimos o som de botas no piso de


madeira. Jessie estica o pescoço para olhar na direção do som. —
Oi, pai, — ela diz, me olhando com os olhos arregalados antes de
sair correndo.

Eu me viro, inclinando minha metade inferior contra a


penteadeira. Meu pai aparece na porta. Ele olha meu rosto, seus
olhos percorrendo o resto do meu corpo. Sei que ele não consegue
ver através das minhas roupas, mas neste momento acho possível
que seus olhos sejam capazes de tais coisas.

— O que diabos aconteceu com você? — ele pergunta.

— Como se você se importasse, porra, — murmuro, passando


por ele e pelo corredor. Eu mantive meu filtro no lugar por tanto
tempo, e estou quase terminando.

— Não se afaste de mim, garoto. Não na minha própria maldita


casa.

Isso, eu posso dar a ele. Eu nunca deixei ninguém se afastar


de mim em minha casa também.

Eu paro, girando lentamente. Um olhar duro e severo torce os


lábios do meu pai, e ele ajusta sua postura. Eu sinto isso
borbulhar na superfície, os anos de descontentamento um com o
outro, os sentimentos de mágoa que se transformaram em raiva e
ressentimento.

É muito apropriado que estejamos finalmente tendo esse


impasse bem no centro da propriedade.

— Você nunca vai dizer o que fica preso aí na sua cabeça, ou


todos nós vamos ver você piscar e adivinhar por que você se
distancia desta família?

Risos, curtos, zombeteiros e incrédulos, gotejam da minha


garganta. Um som que indica tão claramente o quão incorreta eu
acredito ser sua interpretação. — Para um homem que se orgulha
de assumir responsabilidades na vida, você com certeza escolhe
pelo que é responsável.

— Diga o que pensa, filho. Não tenho o dia todo para fazer essa
dança com você. Ou diga o que quer que seja ou dê o fora, seja lá
o que for.

Tenho o mesmo tamanho que meu pai, mas sua presença é


dominante, até arrogante, fazendo-o parecer maior. Meu primeiro
instinto é me encolher, me esquivar e cobrir minhas feridas como
faço há anos. Mas então eu imagino Jo e penso no homem que
estou tentando me tornar, e de repente quase me sinto mal por ele.
— Deve ser um inferno não gostar do seu próprio filho.

O único movimento em seu rosto é o enrijecimento da pele ao


redor dos olhos. — Que diabos você está falando?

Eu balancei minha cabeça. — Você não precisa de uma


explicação, pai. Você tem vivido essa vida comigo por trinta e dois
anos. Você sabe muito bem do que estou falando.

Agora ele fica animado, uma estátua ganhando vida. Sua


cabeça balança e seus punhos se fecham ao lado do corpo. Seus
lábios se apertam em uma linha severa. Antes que ele possa dizer
mais, eu continuo. — Você odeia que eu não sou mais como Wes e
Warner. Eu sei o que você pensa de mim. Eu sou emocional. Eu
sou macio. — Eu coloquei ênfase na palavra, fazendo-a soar como
se fosse terrível ser descrito como tal. — Você não valoriza o
coração.

— Seus irmãos têm muito coração, e…


— Certo. Para as coisas que você tem coração. Mas e eu?
Lembra o que aconteceu quando você me levou para caçar?

Seu aceno é quase imperceptível.

— Você e mamãe queriam uma menina, você queria tanto uma


que continuou tentando depois de Wes. Três tentativas, todos
meninos, e eu só posso imaginar o quão decepcionado vocês se
sentiram. Você continuou tentando. Quantos abortos a mamãe
teve depois de mim? Três? Quatro? — Meus antebraços tremem,
meus olhos se enchem de lágrimas quentes e desejo que não esteja
acontecendo. Quero ser impassível e distante, como o cowboy na
minha frente, mas não é assim que eu atuo. — Sempre senti sua
decepção comigo, mas naquele dia, quando não consegui me
obrigar a matar aquele cervo, vi em seus olhos. Que pílula amarga
deve ter sido, ter que continuar sendo um pai para uma criança de
quem você não gostou. Para alguém de quem ainda não gosta.

— Você entendeu errado, Wyatt. — Sua cabeça balança para


frente e para trás lentamente. Ele levanta a mão como se quisesse
me tocar, me confortar, mas o simples fato é que ele não sabe
como.

— Eu ouvi você, dois anos atrás, após seu ataque cardíaco.


Você disse à mamãe que eu sou como seu irmão. Você o
desprezava.

Sua cabeça cai, seu queixo contra o peito. — Eu não sei o que
dizer, Wyatt.
— Não há nada que você possa dizer, pai. Às vezes, há
circunstâncias que não podem ser consertadas. Dói que não pode
ser curado. — Eu gesticulo entre nossos peitos. — Esta é uma
delas.

Meu telefone toca e é Jo. Eu atendo, e tudo que posso ouvir é


um choro histérico.

— Respire, Jo, — eu instruo, tentando interromper seu arfar e


ofegar. — Eu não consigo entender você.

— Tra-Travis, — ela gagueja. Ela puxa uma respiração


instável. — Ele estava brincando com fogos de artifício. Não sei
onde os conseguiu. Mas... mas um campo pegou fogo.

— Merda, — eu assobio, passando a mão pelo meu cabelo. —


E agora?

— Ele está com problemas. Não sei quanto. Mas fica pior,
Wyatt. As pessoas estão dizendo que meu rancho vai trazer
problemas para a cidade. Eles estão tendo uma reunião municipal
de emergência pela manhã.

— Para fazer o que?

Jo engasga com um soluço. — Para falar sobre o encerramento


do projeto.

— Como eles podem fazer isso? — Por alguma razão, eu olho


para meu pai, que ainda está parado ali esperando, como se ele
pudesse tornar tudo melhor. Vestígios da infância, de uma época
em que os pais podem curar todos os males.
— Não sei, — lamenta Jo.

— Tente manter a calma, Jo. Onde você está?

Ela me diz que está na Wildflower e eu digo que já vou lá.

— O que está errado? — meu pai pergunta assim que eu


desligo.

— O irmão mais novo de Jo acidentalmente incendiou um


campo com fogos de artifício e agora a cidade está realizando uma
reunião de emergência. Aparentemente, as pessoas estão
começando a pensar que o rancho dela trará problemas para a
cidade.

Ele concorda. — As pessoas têm falado. Aquele tiroteio em…

— Aquele tiroteio não aconteceu aqui, — eu o interrompi. —


Alguém provavelmente foi assaltado ontem em uma cidade grande
a caminho de pegar um café. Isso não impediu que todos no país
tomassem café esta manhã. Isso é besteira.

Ele me considera por um longo momento, então se afasta. —


É melhor você ir até ela então. Ela parecia muito chateada.

Eu passo por ele, esquecendo toda a nossa conversa. Por


enquanto, estou deixando de lado os irmãos Marks também.
Enquanto eles puderem seguir em frente em direção ao que estão
tentando realizar, eles não incomodarão ninguém. Por mais que eu
odeie isso, terei que deixá-los continuar com seus planos por um
tempo, até que eu possa formar um plano meu.

Jo é meu foco agora.


•••

Os trabalhadores ainda estão aqui, terminando a instalação


das portas do celeiro que dão para a lavanderia. Eu aceno meu olá
e corro pela casa, para o quarto de Jo. Bato duas vezes e entro. Ela
está sentada de pernas cruzadas em cima da cama feita, as mãos
cruzadas no colo e olhando pela janela.

— Ei, — eu digo baixinho, dando a volta na cama. Eu me sento


ao lado dela, mas ela não olha para cima. Ela parece tão... triste.
Seus cílios estão molhados, evidência de lágrimas recentes.

— Eu cheguei tão longe, — ela sussurra. Seus lábios tremem.


— Como tudo pode desaparecer agora?

— Não vai, — eu insisto, embora não saiba do que estou


falando. Não tenho ideia se uma cidade pode impedir um projeto.
Especialmente um tão avançado quanto este. As dependências
foram concluídas. A casa principal está habitável. Tudo o que resta
são os retoques finais.

— Talvez eu possa mudar o foco. Torná-lo mais um


acampamento tradicional. Talvez…

— É isso que você quer?

— Não.

— Então foda-se, — eu digo. — Não se acomode. Você vai


comparecer àquela reunião e vai entrar lá como se não estivesse
com medo, mesmo que esteja apavorada. Você vai contar a eles
sobre o que é esse acampamento e o que você representa. Ninguém
vai dizer o que você pode ou não fazer.

Usando o dedo indicador da mão direita, ela arrasta a ponta


do dedo para cima e para baixo em cada dedo da mão esquerda.
— E se eles estiverem certos? E se eu não puder cuidar dessas
crianças?

— Eles não estão certos, Jo. Ninguém pode dizer se você é ou


não capaz disso.

Finalmente, ela olha para mim, suas bochechas coradas com


sua angústia, arcos de sol entrando pela janela e iluminando-a.
Seus olhos se arregalam, uma expressão de horror em seu rosto.
— O que diabos aconteceu com o seu rosto?

Por um breve segundo, fico confuso e então me lembro. Tanta


coisa aconteceu desde esta manhã que eu já empurrei os irmãos
Marks de minha mente. Em um esforço para evitar aumentar a
preocupação de Jo, digo a ela que conversei com os netos da sra.
Calhoun, mas deixei de fora o fato de que eles não são realmente
seus netos.

Jo faz uma carícia sobre meu couro cabeludo, tomando


cuidado para não tocar em minhas feridas. — Sobre o que vocês
discutiram?

— Não importa. — Eu balanço minha cabeça, e isso faz meu


rosto latejar. Preciso de uma compressa fria, mas duvido que Jo
as tenha estocado em seu freezer. — Diga-me o que aconteceu com
Travis. Como ele conseguiu fogos de artifício?
— Fomos até a cidade buscar suprimentos. Ele queria dar uma
volta, então eu disse que ele poderia me encontrar no parque em
uma hora. Eu estava no Merc quando vi fumaça. Maia e eu
corremos para fora, ao mesmo tempo Travis estava correndo em
minha direção com dois policiais o perseguindo. Eles o agarraram
e o empurraram contra a parede, e eu continuei gritando: 'Ele é
uma criança'.

Ela começa a chorar novamente. — Eles o levaram para a


delegacia e eu o segui. O xerife Monroe disse que não podiam
liberá-lo para mim porque não sou seus pais. Então, corri de volta
para cá, peguei um documento e levei para a delegacia. E eles o
liberaram para mim.

— Que documento?

Jo estende a mão para sua mesa de cabeceira, onde está um


pedaço de papel com três dobras. Ela o abre, seus olhos percorrem
a página, e o passa para mim. De repente, parece que todo o ar da
sala sumiu.

A certidão de nascimento de Travis.

Nome do pai deixado em branco.

Nome da mãe. Josephine Shelton.


34

Meu décimo quinto aniversário foi ontem.

E estou grávida. Feliz aniversário para mim.

Não entendo como isso está realmente acontecendo. Ou como


é tudo minha culpa, como eles disseram.

Ezra me disse que o que estávamos fazendo não era grande


coisa. Ele disse que se só colocasse um pouco, ainda éramos
tecnicamente virgens.

Presumi que ele sabia do que estava falando, porque eu


definitivamente não sabia. Minha mãe nunca me disse uma
palavra sobre sexo. Eu fiz uma pergunta a ela uma vez, e ela me
disse para não ser uma garota asquerosa. Foi a primeira e última
vez que perguntei a ela sobre isso. Tudo o que aprendi foi recolhido
por sussurros de outras crianças.

Como eu saberia que poderia engravidar pela primeira vez?


Minha única vez?

E então Ezra, tão ousado quando puxou minha saia e baixou


as calças, chorou com o pai no dia seguinte. Ele disse que eu
mostrei meus seios a ele e o tentei.
O que realmente aconteceu foi que ele levantou minha camisa
e perdeu a cabeça, me tocando freneticamente. Nada do que ele fez
foi bom. Eu estava feliz por me sentir desejada.

Seu pai veio à nossa casinha, com o rosto vermelho. Dois


outros homens estavam de cada lado dele, como se eu
representasse uma ameaça. Como se minhas artimanhas
femininas fossem tão poderosas que eu pudesse derrubar
qualquer homem com um simples olhar. Ou talvez eles pensaram
que eu iria tirar minha blusa, meus seios os hipnotizando como
um encantador de serpentes. Eles devem ter acreditado que havia
poder nos números.

Eles ordenaram que minha mãe e eu saíssemos. Eles nos


deram três semanas para encontrar um novo lugar para morar,
em algum lugar longe dos Redentores de Deus.

Eu descobri que estava grávida na semana passada, e minha


mãe me forçou a contar a Ezra e seu pai. Eu não queria, mas ela
disse que eu não precisava aumentar meus pecados escondendo
uma criança de seu pai.

Ezra se encolheu atrás de seu pai enquanto eu recebia a


chicotada verbal. De acordo com nosso distinto líder da igreja, eu
era uma prostituta e carregava a descendência de Satanás em meu
estômago. A criança crescendo em meu abdômen não pertencia a
Esdras, porque Esdras havia sido assumido pelo diabo, portanto a
criança não era dele.

Eu rio. Uma risada real, honesta. Minha mãe me deu um tapa.


Foi a última vez que vi Ezra.

•••

Encontramos trabalho a cerca de uma hora de distância,


limpando um motel. A proprietária, uma mulher mais velha
chamada Taffy (— Like Laffy, — ela brincou), teve muita pena de
nós. Ela nos deixou morar em um dos quartos por quase nada.
Não contamos a ela imediatamente que eu estava grávida, e isso
não ficou óbvio por mais alguns meses.

Quando ficou claro, ela sentou minha mãe e eu e perguntou-


nos se tínhamos seguro médico. Dissemos que não, o que tenho
certeza de que ela esperava. Ela disse que a irmã era enfermeira
aposentada do trabalho de parto e que quando chegasse a minha
hora, ela viria me ajudar.

Eu estava arrumando a cama quando a primeira dor me


atingiu. A essa altura, já tinha ido à biblioteca e lido tudo o que
pude sobre o que esperar. Mas nada poderia ter me preparado para
isso na vida real. A dor queimou-me, dividindo-me em duas, voltei
mancando para o nosso quarto e liguei para Taffy na recepção.

Donna, irmã de Taffy, chegou em seguida. Ela me explicou o


que iria acontecer e sentiu pena do bebê. A essa altura, a dor era
constante e ela me disse para empurrar. Minha mãe estava
sentada perto, tão estoica como sempre. Acho que ela queria ser
feliz, superar todas as suas outras emoções sobre a minha gravidez
e deleitar-se com uma nova vida. Talvez ela tenha feito isso por
dentro.

Travis nasceu às 2h08 da tarde de uma quarta-feira. Seu


cabelo era loiro e seus olhos eram azuis, assim como os meus. Ele
não se parecia nem um pouco com o pai.

Depois de três meses no hotel, minha mãe decidiu que era


hora de seguir em frente. Taffy ficou triste por nos ver partir. Ela
me deu um cobertor que tinha tricotado para Travis e um pequeno
frasco de esmalte que ainda tinha o adesivo de um dólar na lateral.
— Toda garota merece se sentir bonita, — ela disse.

Nós nos estabelecemos em Sierra Grande, Arizona, um lugar


onde minha mãe tinha estado uma vez e disse que era o lugar mais
lindo que ela lembrava de ter visitado. Não concordei com a
avaliação dela, pelo menos não no início. Era quase tudo deserto,
até que a elevação mais alta começou e se transformou em
pinheiros e choupos. As pessoas eram tão simpáticas, tão
acolhedoras, que todo o lugar começou a ficar lindo, e eu entendi
o que ela queria dizer.

Minha mãe foi para a escola à noite, ganhando seu diploma de


enfermeira prática depois de ser inspirada pela irmã de Taffy. Ela
trabalhou nos fins de semana, o dia todo sábado e domingo, em
um restaurante na cidade vizinha. Eu fui para a escola durante o
dia e passei o resto do meu tempo cuidando de Travis.

Minha mãe disse às pessoas que Travis é filho dela, e eu não


discuto. Ela tem vergonha de mim e eu tenho vergonha de mim
mesma. Quando Travis completou um ano, dei o consentimento
por escrito da autoridade legal sobre ele para minha mãe. Só quero
dar a Travis o melhor, e parece que essa é a única maneira. E,
egoisticamente, também quero uma vida. Eu quero a chance de
ser como meus colegas de escola. Quero rir e conversar com meus
amigos, comprar comida no refeitório em vez de desembrulhar um
sanduíche de queijo de aparência triste enquanto me escondo no
banheiro das meninas todos os dias.

Eu amo o Travis ferozmente, mas ele também me apavora.


Quando minha mãe decide que vai voltar para a igreja, eu
argumento contra isso. Mas eu sei, no fundo, que Travis ficará
melhor lá. Se ela for embora e eu insistir em manter Travis comigo,
sua qualidade de vida piorará. Não posso mantê-lo aqui comigo,
tentando pagar as contas enquanto concordo com a escola e um
emprego. Quando eu pagar uma babá, não terei nada para
alimentá-lo, vesti-lo e pagar o aluguel. Tenho que admitir que a
melhor opção do meu filho não me inclui. Meu coração parece
despedaçado.

Minha mãe vai embora, levando Travis com ela. Quando ela
retorna, um ano depois, após ser recusada pelo culto,
continuamos a farsa. Não corrijo as pessoas quando presumem
que Travis é filho dela e meu irmão mais novo. Ela já me disse
muitas vezes o que as pessoas vão pensar de mim, como vão olhar
para mim, como nunca terei outro encontro na minha vida, se as
pessoas souberem a verdade.

É incrível como uma simples mentira pode se tornar uma


montanha e como essa montanha pode se tornar intransponível.
35

Wyatt não está totalmente errado.

Tive um irmão que pensei ser um covarde, mais obstinado do


que o que é sustentável em uma fazenda como o HCC. Ele
choramingava, mentia para sair do trabalho e não aguentava se
alguém criticasse alguma coisa que ele fizesse ou deixasse de fazer.

Eu disse que Wyatt é como ele, e é uma pena que ele me ouviu.
Especialmente porque ele não ouviu o que eu disse depois, uma
vez que Juliette e eu fomos para o nosso quarto. A conversa
continuou naquela noite, depois que ela continuou me dando dor
por não ter pegado leve o suficiente depois do meu ataque cardíaco.

Ela ficou na pia, escovando os dentes, enquanto eu tomava


banho. Eu disse a ela o resto dos meus pensamentos, finalmente
conseguindo as palavras que achei evasivas antes. — Meu irmão
não era de todo ruim. Antes de todas essas qualidades que eu
odiava ficarem realmente ruins, elas começaram boas quando
estavam com moderação. Ele gostava de falar para se safar das
situações. Ele era criativo e tinha um talento especial para ver o
caráter de alguém. Mais da metade das malditas vezes, ele usaria
essa visão para fazer as pessoas fazerem o que ele queria. —
Juliette me entregou uma toalha quando desliguei a água.

— Wyatt faz toda essa merda. Mas a diferença real entre eles
é que meu irmão não tinha a capacidade de ver além de si mesmo.
Ele era tão egoísta quanto criativo, e o rancho é um lugar onde
todos dependem uns dos outros. Somos todos peças móveis, e
quando um de nós não faz o nosso trabalho, tem efeitos a jusante.
Wyatt pode ir e vir como quiser, e ele com certeza não dá a mesma
quantidade de trabalho que seus irmãos, mas ele faz os trabalhos
que sabe que deve fazer. Aquele garoto nunca me deixou chapado
e seco. Nunca. — Termino de me enxugar e coloco meu pijama. —
Eu gostaria que ele estivesse à altura da tarefa de assumir o HCC,
porque acho que ele seria muito bom nisso.

Juliette esfregou o resto de seu hidratante na testa e tocou


meu ombro. — Veja desta forma. Você deveria estar grato por
nossos três meninos não estarem se apropriando deste lugar, ou
eles estariam lutando até a morte em nosso jardim da frente.

Juliette estava certa naquela noite, e Wyatt está errado agora.


Ele parou na minha frente alguns minutos atrás, pouco antes de
voar para fora daqui como se sua cauda estivesse pegando fogo.

Vou até o carrinho do bar ao lado da mesa da sala de jantar e


sirvo um dedo de uísque. Atrás de mim, ouço os sons do meu pai
vindo pelo corredor. O cara nunca conseguiu se aproximar de
ninguém, ele fala mais alto que um maldito boi.

— Por que você está chorando no seu uísque? — ele pergunta,


olhando para mim quando ele chega perto o suficiente para
realmente me ver.

— Problemas de família, — murmuro, girando o líquido âmbar


queimado antes de tomar um gole.
— O que, eu não sou da família? — Ele aponta para um
segundo vidro de pedras no carrinho, me dizendo para fazer um
para ele. Isso deve ser divertido. Ele tem muito pouca tolerância
ao álcool.

Com um copo em cada mão, sento-me à mesa e deslizo seu


uísque pela madeira. Ele se acomoda em sua cadeira e me olha
com expectativa.

— Wyatt e eu resolvemos isso.

— Finalmente.

Eu me inclino para trás em minha cadeira e olho para meu


pai. — O que você quer dizer com 'finalmente'?

— É uma coisa muito boa você ser um rancheiro e não um


professor de inglês como Warner. A palavra 'finalmente' significa...

— Corta essa merda, pai.

Ele ri, seu rosto enrugando como papel de seda amassado. —


Os sentimentos de Wyatt estão feridos há muito tempo. Você é a
única pessoa nesta casa que não vê isso. Bem, você e Wes, embora
ele não seja tão cego quanto você.

Eu me sinto como um pai de merda agora. — Sempre achei


que ele era mimado. Ele era o bebê da família, antes de Jessie, e
era tratado como tal. Nunca imaginei que ele pensasse... — Minhas
palavras caem e imagino o rosto do meu filho, os olhos se enchendo
de lágrimas, como ele desnudou sua alma. Isso exigiu o tipo de
bravura que a maioria dos homens não possui para estar disposto
a enfrentar honestamente o que o machucou. Deus sabe que
nunca gostei, e também nunca terei a chance, porque a pessoa que
me machucou está morta e não pode me ouvir dizer a ele que acho
que o que ele fez foi besteira.

— Pensou o que? — Meu pai inclina a cabeça para o lado,


ouvindo atentamente.

— Ele acha que estou desapontado com ele.

—Você não está?

— Não, — eu digo, alto demais. — Não, — eu repito, mais suave


dessa vez. — Ele acha que estamos desapontados com ele desde o
dia em que ele nasceu. É verdade que queríamos uma menina,
mas... — eu balanço minha cabeça e franzo a testa, sentindo
minhas próprias rugas se aprofundarem — … a primeira vez que
você vê seu filho, é, não importa se eles são o primeiro ou o décimo.
Você os ama com a força de todo o seu rebanho. Incluindo cada
um daqueles touros obstinados. — Eu me movo para fora para
minha terra. — Wyatt pode não entender até que ele tenha seus
próprios filhos. Como posso dizer a ele o quanto eu o amo se ele
tem recebido uma mensagem diferente em toda a sua vida?

— É essa a mensagem que você está enviando?

— Não de propósito.

— Você já pensou que seus sentimentos sobre seu irmão


obscureceram a maneira como você criou Wyatt?
— Cristo, pai, — murmuro, drenando o resto do meu uísque.
— É bom saber que você não está preocupado em magoar meus
sentimentos.

Ele resmunga. — Eu não tenho tempo para me preocupar com


bobagens como essa. Eu poderia morrer dormindo esta noite.

— Assim como qualquer um de nós.

— Bem, então, é melhor você começar a dizer a Wyatt o que


você precisa dizer.

Ele tem razão. Exceto que o tempo para falar já se foi há muito
e não sou muito de falar, de qualquer maneira.

Homens reais agem.


36

Ele me abraçou depois que mostrei a certidão de nascimento.


Wyatt me envolveu em seus braços sem precisar ouvir mais nada
da minha história. Ele beijou minha cabeça e disse: — Eu te amo.

Não era a reação que eu esperava e não tinha certeza se podia


confiar nela. Ele estava sendo muito bom. Muito complacente. Ele
não deveria fugir, as botas batendo no chão em sua pressa? Isso é
o que minha mãe sempre me disse que aconteceria. Estou crescida
o suficiente agora para saber que suas palavras não têm mais
peso, mas é incrível como os erros de um pai podem ser pesados.

Eu disse tudo a Wyatt. Cada último detalhe. Seus braços se


apertaram, os músculos se contraíram, quando repeti o que o pai
de Ezra disse sobre mim. Isso me fez sorrir. Wyatt, meu defensor.

— Eu entendo se você olhar para mim de forma diferente


agora, — digo a ele, tocando a ponta da colcha. Como ele poderia
não fazer?

Wyatt aperta um olho e inclina a cabeça para o lado, fingindo


me estudar. — Nah, desculpe. Você é a mesma pessoa que sempre
foi, com uma exceção.

Minha mão para. — E o que seria isso?

— Você não é tão perfeita como sempre pensei que fosse. É um


alívio.
Minha boca se abre em surpresa. Não sei o que pensei que ele
diria, mas não foi isso. — Hum, obrigada?

Ele sorri. — Estou sete tons de fodido. É bom saber que você
tem pelo menos um tom.

Eu permito uma pequena risada até que me lembro de como


era a aparência de Travis quando me viu segurando sua certidão
de nascimento perto do rosto do xerife. Tudo dentro de mim cai
um centímetro. — Travis sabe.

— O que ele disse?

— Ele não quer falar comigo. Ele entrou em seu quarto quando
chegamos aqui e eu não o vi desde então. — Não tenho certeza do
que devo fazer agora. Ele nunca ficou bravo comigo. Essa honra
sempre foi para a mulher que ele pensava ser sua mãe.

Wyatt esfrega minhas costas. — Você se importaria se eu


falasse com ele?

Eu coloco uma perna em meu corpo e descanso meu queixo


no meu joelho. — Depende. Você vai ensiná-lo a melhor maneira
de furtar?

Sua mão ainda está nas minhas costas, tremendo com sua
risada estrondosa. — Só se você quiser.

Um canto da minha boca se levanta em um sorriso. Eu


procuro seu rosto. A ligeira barba por fazer, a azeitona da pele, os
olhos tão castanhos com manchas de topázio. Mesmo agora, no
mais triste dos estados, ele faz meu coração parecer que pode voar.
— Talvez você possa ensiná-lo outra hora.

Wyatt acena com a cabeça uma vez, piscando. Ele se levanta


da cama, mas em vez de se afastar como eu esperava, ele se vira e
se inclina, colocando uma mão em cada lado meu. Seu rosto está
a centímetros do meu. Com os olhos fixos nos meus, ele diz: —
Adoro tudo o que foi necessário para torná-la quem você é. —
Então ele me beija, rápido, mas tão docemente, e seus lábios têm
o gosto de uma promessa.

Ele se afasta, mas antes que ele possa ir muito longe, eu


seguro sua bochecha. — O mesmo, Wyatt. Eu não gosto que você
tenha se machucado, mas não posso negar o quanto amo a pessoa
que o forçou a se tornar.

Ele vira o rosto na minha palma, segurando minha mão no


lugar e pressionando seus lábios na minha pele. — Agora eu sei
oficialmente que sou um fora da lei.

— Por que isso?

— Josephine Shelton, eu acredito que roubei seu coração.

Eu faço um som barulhento e divertido com meu nariz. —


Brega.

Wyatt sorri. — Tão brega. Mas você ama isso.

Meu coração bate forte. — Não há como negar isso.

Wyatt libera minha mão e eu solto sua bochecha. — Vou falar


com Travis.
Um pouco dessa sensação de vibração acalma-se. — Por favor,
certifique-se de que ele sabe o quanto eu o amo. — Um soluço fica
preso na minha garganta e eu forço minhas próximas palavras. —
Eu pensei que estava fazendo a melhor escolha para ele naquela
época. E estive meio viva desde então.

— Vou falar um pouco com ele, Jo. Eu prometo. — Ele olha ao


redor da sala. — Você deveria sair daqui. Vá dar uma caminhada
e limpe sua mente. Eu odeio pensar em você sentada aqui triste.

Aceno em concordância. — Vou começar na lista que a nova


pessoa de marketing me enviou. Ela quer fotos do rancho. — Eu
vejo Wyatt sair do meu quarto. Quando ele começou seu serviço
comunitário aqui, eu presumi que ele era inerentemente bom em
consertar as coisas. Nunca imaginei que ele aplicaria suas
habilidades ao meu relacionamento com meu filho.
37

Não é uma merda que eu saiba exatamente como Travis está


se sentindo agora?

Sentindo-se indesejado por um dos pais? Confere.

Sentindo que deve haver uma falha que o tornou


desagradável? Confere.

Estou fazendo algumas suposições aqui, mas acho que são


uma aposta segura. Também estou supondo que Travis fica
chocado com o fato de as duas mulheres mais importantes de sua
vida estarem mentindo para ele desde o dia em que ele nasceu.
Nesse sentimento, ele está sozinho. Não consigo sentir empatia.

Meus nós dos dedos atingem a porta de madeira sólida duas


vezes, e eu digo, — É Wyatt.

Alguns segundos depois, a porta se abre. Travis já está se


retirando para sua cama, mas é o convite que eu esperava receber
agora.

— Ei, amigo, — eu começo, fechando a porta atrás de mim.


Pego a cadeira da mesa e a puxo, virando-a e sentando ao
contrário. — Como tá indo?

Travis me encara. — O que aconteceu com você?

Merda. Certo. — Às vezes, defender alguém fica confuso.


Ele assente, movendo a cabeça lentamente, com uma
expressão contemplativa. Acho que ele gosta da ideia de defender
alguém. Não me surpreende, dado o que Jo está tentando fazer
com este rancho.

Travis se ajeita na cama, tentando cruzar as pernas, mas elas


são longas e desengonçadas e ele desiste. Ele acaba se jogando na
cama e encostando as costas na parede. — Jo mandou você aqui?

— Mais ou menos, — eu admito. — Eu me ofereci para vir aqui.


E ela parecia agradecida.

— Ela é minha mãe.

— Sim. — Minha mente está maravilhada com isso também,


mas eu tenho que empurrar isso por agora. Esse garoto precisa de
mim.

Ele está quieto, puxando um fio solto na bainha de sua


camisa. — Eu sempre achei estranho a idade da minha mãe. Muito
mais velha do que as mães dos meus amigos. — Ele bufa um som
que é partes iguais de descrença e repulsa. — Acontece que ela é
minha avó. — Ele balança a cabeça.

— Às vezes, as pessoas que te amam fazem algumas coisas de


merda. — Eu corro minha unha do polegar em uma coceira no meu
queixo. — O melhor que posso dizer é que algumas dessas merdas
vem de boas intenções. Jo tinha quinze anos quando você nasceu.
Essa é a mesma idade que você tem agora.
— É nisso que fico pensando. Ela deve ter ficado tão
assustada. Ela deve ter me odiado. — Ele esfrega a palma das mãos
nos olhos, tentando se livrar da umidade.

— Ela não fez isso. Ela te amava.

Seu lábio inferior treme. — Então por que ela deixou minha
ma…— Travis fecha os olhos com força, depois os reabre. — Por
que ela deixou minha avó me levar?

— Você estava certo quando disse que ela estava com medo.
Ela também tinha acabado de sair de uma situação muito ruim e
teve algum trauma por causa disso. — Não sei o quanto Travis
sabe sobre a igreja e todo o drama que aconteceu lá, então deixo
essa parte de fora. — Você tem todo o direito de estar chateado,
Travis. Sério. Mas talvez com o tempo, você começará a ver que Jo
fez uma escolha difícil em uma situação quase impossível. Ela
quebrou o próprio coração quando deixou sua avó ficar com a
tutela. A dor que ela sentiu ao fazer isso não significava nada para
ela quando se tratava do que era melhor para você.

Travis desvia o olhar. Ele é um garoto de quinze anos, quanto


disso ele pode esperar entender? Posso dizer que ele é um garoto
sensível, mas ainda é um adolescente. Hormônios em fúria,
confusão e egoísmo reinam supremos. Lembro-me com bastante
clareza.

Uma memória bate em mim. Meu pai, durante o tempo em que


a família Bennett estava reduzindo os preços de toda a indústria
de carne bovina do Arizona, e as coisas não pareciam boas para o
HCC. Ele vendeu sua coleção de revólveres Colt folheados a níquel
e cabo de pérola antigos para manter nossa família à tona. Seu avô
os tinha dado a ele e, em seu leito de morte, ofegou um último
desejo de que ele os mantivesse nas mãos de um Hayden. Nunca
pensei nisso naquela época, mas ele vendeu seus bens mais
valiosos para garantir que sua família não ficasse sem.

A memória não apaga toda a dor, mas é motivo para pensar.


Sacrifícios que um pai faz por seus filhos, as maneiras como eles
voluntariamente partem seus próprios corações, como beber água
apenas para manter seus filhos secos.

Eu me senti indesejado e não amado por meu pai durante a


maior parte da minha vida, mas quanto disso era eu internalizando
seus erros? Eu os peguei e os coloquei, me protegendo da dor que
ele causou, e usei isso para alimentar o fogo raivoso dentro de
mim.

Até Jo.

Ela é a razão de eu me sentar e começar a avaliar o que tenho


feito. Ser forçado a ajudá-la aqui no Wildflower é a melhor coisa
que já me aconteceu. Eu não estava sendo poético quando disse a
ela que amo tudo o que foi necessário para torná-la quem ela é. Eu
nunca diria uma palavra que não quisesse dizer quando se
tratasse de Jo. Deixando de lado os modos selvagens e o
comportamento desesperado, Jo leva o melhor de mim.

Travis se mexe, inclinando a cabeça para que a parte de trás


dela toque a parede. — Não sei como olhar para ela agora.
Eu fungo, pensando. — Eu diria que é como qualquer coisa
difícil. Só é novo na primeira vez que você faz, e fica mais fácil a
partir daí.

— Faz sentido quanto mais eu penso sobre isso. Ela sempre


foi muito protetora comigo. Ela me visitava muito, ela me levava
para fazer compras quando ela vinha. Ela perguntava se eu
precisava de alguma coisa e minha… — ele engole — … vovó agia
irritada. Eu pensei que ela era apenas uma irmã mais velha
incrível. Faz mais sentido para mim agora. — Travis suspira
profundamente. — O que acontece a partir daqui? Ela é minha
mãe agora?

— Você vai ter que falar com ela sobre isso.

— Quem tem a custódia? — Ele faz uma careta. — E por que


alguém precisa ter a minha custódia? Tenho quinze anos. Não sou
um bebê. Em alguns anos, serei um adulto.

Não estou prestes a discutir com uma criança que anseia pela
mesma independência que eu. — Legalmente, você precisa de um
guardião, embora esteja muito perto de ser um adulto. — Três anos
é muito longe, mas tenho a sensação de que Travis precisa de um
pequeno impulso, e longe de ser eu quem o nega. — Talvez você
devesse ir encontrar Jo e falar com ela.

Travis se inclina mais perto da ponta da cama, olhando pela


janela. — Você sabe onde ela está?

— Em algum lugar da propriedade. Ela está tirando fotos para


a mulher que contratou para fazer o marketing.
Travis desliza sobre o edredom, colocando os pés no chão. Ele
começa a se levantar, mas faz uma pausa. — Ela comprou este
lugar para mim?

Tecnicamente, a resposta é sim, mas não sei se uma criança


precisa ter esse conhecimento e a pressão que pode acompanhá-
lo, então dou de ombros. — Este rancho tem sido um sonho dela
há muito tempo. Tenho certeza que ter você aqui com ela faz parte
disso.

Ele se levanta e vai para a porta. Sei que não descobri onde ele
conseguiu esses fogos de artifício, então pergunto.

— Alguns caras na cidade. Eles disseram que compraram


muitos e não precisavam deles. Eu não sabia que eram ilegais,
juro. Se eu soubesse o que eles podiam fazer, os teria jogado fora.

Já sei a resposta para minha próxima pergunta, mas pergunto


assim mesmo. — Um era mais alto do que o outro? Um pouco
parecidos? Um pouco mal vestidos?

— Eu acho? Eu não notei muito sobre eles. Eles pareciam


legais o suficiente. O mais alto me disse que seu nome era Ricky,
e ele apertou minha mão e me disse para ter certeza de que eu me
lembrasse dele.

Foda-se. Assim como Dixon, abrindo o caminho pela cidade,


tentando encontrar o solitário, sendo amigável com uma criança
que eles acham que podem eventualmente se transformar em um
cliente. Carne fresca.

Eu concordo. — Obrigado, Travis.


Ele continua saindo de seu quarto, e eu coloco a cadeira de
volta onde ela pertence.

Eu acho que fui bem, no que diz respeito a coração para


coração. É uma coisa assustadora ter os sentimentos de uma
criança na palma da mão. Me faz olhar para meus pais de maneira
diferente. Principalmente meu pai.

Também me dá um renovado senso de propósito. Esses idiotas


não vão foder com minha família e, no que me diz respeito, isso
inclui Travis.

Eu vou acabar com eles.


38

Algumas pessoas aprendem as lições da maneira mais difícil,


e eu sou uma delas.

Quando Wyatt me disse para ficar fora da cidade por um


tempo, isso apenas despertou meu interesse.

Eu queria saber quem bateu no meu irmão. E não demorou


muito para encontrá-los também. Coloquei um vestido de verão,
sentei minha bunda em um banco na rua mais movimentada de
Sierra Grande, e como uma mariposa para uma maldita chama,
aqueles idiotas apareceram.

Agora estou desejando que minha curiosidade tivesse ficado


parada. Esses homens são pessoas terríveis. E eles não aceitam a
rejeição educada. Honestamente, estou com medo de usar minha
comunicação direta indelicada.

O mais alto, Ricky, tem dentes escurecendo nas bordas


externas. Ele se senta muito perto de mim, seu joelho pressionado
no meu. O outro, não me lembro o nome dele, mantém um espaço
entre nós, claramente se submetendo a Ricky.

— Eu gostaria que você nos dissesse seu nome, querida. — O


dedo de Ricky corre ao longo do meu antebraço, sua unha irregular
arranhando minha pele. Um arrepio me percorre.
— Sim, bem, acho que gosto de fazer os homens trabalharem
um pouco mais por mim. — Começo a me levantar, mas Ricky
agarra meu braço, discretamente me segurando. A menos que eu
queira fazer um grande alarido com isso, o que estou tentada a
fazer, preciso ficar parada.

— Eu preciso ir. Estou encontrando um amigo. — Enfrento um


olhar em seu rosto. Meu estômago se revira com seu hálito azedo.

— Você parece assustada, — ele diz, adotando um tom


condescendente. — Não se preocupe, eu já sei quem você é. Faço
questão de conhecer todos os membros da família das pessoas que
vêm contra mim. Irmãos, irmãs, avós. Sobrinhos e sobrinhas. —
Ele se inclina ainda mais perto e eu sinto o gosto da bile na base
da minha garganta. — Cada um deles. — Ele me solta de repente
e se levanta. O outro também, e ambos olham para mim.

— Veremos você por aí, Jessie, — ele pisca para mim, e eles
vão embora.

Espero que eles se distanciem o suficiente, em seguida, sigo


para o meu carro com o telefone na mão. Assim que estou em
segurança no banco do motorista, aperto o botão de bloqueio e
disco.

— Jessie? — Ele parece surpreso. Eu não ligo para ele com


frequência.

— Wyatt foi espancado hoje cedo, e…

— Por quem? — Wes ruge.


Eu digo a ele o nome que peguei e tudo o mais que foi dito para
mim. — Nós temos um problema, Wes. Um problema muito real.

— Não por muito tempo, não. Venha direto para minha casa.
Estou ligando para o Warner.

Eu desligo e aponto meu carro na direção da casa do meu


irmão mais velho. Não tenho ideia do que vai acontecer, mas estou
dentro.
39

Jo dorme profundamente ao meu lado. Adoraria deitar aqui ao


lado dela e estar aqui quando ela acordar, observando aqueles
olhos azuis piscarem e se juntarem ao mundo desperto, mas tenho
merda a fazer. Vidas para arruinar.

Deixo um bilhete para ela, prometendo que voltarei a tempo


de levá-la à reunião municipal esta manhã e escorrego da cama.
No caminho para a cidade, paro para tomar um café e comer um
burrito, depois continuo para o meu destino.

A loja de esportes abre cedo para acomodar todos os


madrugadores e suas várias atividades. Pesca, acampamento,
caminhadas. Rapel.

No meu caminho para fora da casa da Sra. Calhoun ontem,


reparei no comprimento da corda grossa na parte de trás da
caminhonete de Ricky, junto com os arreios e eslingas, todos ainda
em suas embalagens.

Eu nunca teria imaginado que qualquer um desses idiotas


fosse entusiasta de atividades ao ar livre de qualquer tipo, mas
você não vai me pegar olhando na boca de um cavalo de presente.
E essa descoberta é tão boa quanto receber um presente amarrado
com um grande laço vermelho.
Só preciso de um pouco de informação e sei exatamente como
obtê-la.

— Drew Dunbar, — eu digo, minha voz crescendo na loja vazia.


Abriu há cerca de quatro minutos e sou o primeiro cliente.

Drew, o gerente e natural de Sierra Grande, sai do corredor.


Ele está segurando uma caixa de barras de substituição de refeição
que provavelmente tem gosto de bunda, e uma expressão que grita
o quão infeliz ele está em me ver. No colégio, ele era uma doninha,
sempre dizendo merdas idiotas para as meninas e vendo o que
poderia fazer. Ele foi longe demais uma vez e eu parei com isso.
Ele nunca superou isso.

Drew carrega as barras na prateleira. —Saiu cedo hoje, não


foi, Wyatt? Ou ainda não dormiu?

— Você é engraçado. — Eu bebo meu café. — Sabe o que mais


é engraçado? Eu vi dois pares de sapatos na cabine do banheiro
masculino há alguns meses no Chute. Eu estava mijando e
ouvindo os sons de pessoas que estavam se divertindo muito.
Fiquei um pouco curioso, então, depois de sair do banheiro, fiquei
de olho na porta para ver quem sairia. A ruivinha saiu poucos
minutos depois, e você escapuliu alguns minutos depois. O
engraçado é que eu lembrei-me de sua esposa ser uma morena.

— Você não viu merda nenhuma, — Drew rosna, jogando o


resto das barras na prateleira.

Dou uma mordida no meu burrito e mastigo. — Grace, não é?


O nome da sua esposa? É Grace, certo?
Sua mandíbula aperta e ele joga a caixa no chão. — Que porra
você quer?

— Eu quero saber quem vendeu alguns de seus equipamentos


de rapel recentemente.

— Como diabos eu vou saber? Tenho vários funcionários.

Dou outra mordida, usando a ponta do polegar para tirar as


migalhas do canto da boca. — Grace trabalha no banco, certo?
Achei que a reconheci da última vez que entrei lá.

— Você é um idiota de merda, — Drew sibila.

Amasso o papel com o qual meu café da manhã veio


embrulhado e jogo na caixa a seus pés. — Pode ser. Mas não muda
nada. Quem vendeu aquele equipamento de rapel?

Drew caminha atrás do balcão do caixa e pega o telefone,


pressionando dois botões. Ele olha para mim, olhos piscando para
longe quando ele encontra o meu olhar.

— Venha aqui, — ele late ao telefone.

A porta nos fundos da loja se abre e um homem mais velho e


corpulento sai. A preocupação enruga seu rosto. Ele olha para
Drew, que acena com a mão para mim.

— Esse cara quer saber quem comprou equipamento de rapel


recentemente.
Eu sorrio para o funcionário. Ele retribui o gesto, seus lábios
tremendo. O coitado pensa que fez algo errado, tudo porque Drew
está furioso por eu saber seu segredo.

— Senhor, — eu digo, oferecendo minha mão. Ele sacode. —


Já sei quem comprou o equipamento. Você pode me contar sobre
os planos de usá-lo?

Ele olha para Drew, que murmura: — Apenas diga a ele.

Eu tenho que me impedir de revirar os olhos. Eles estão agindo


como se estivessem lidando com informações confidenciais. — Só
preciso saber porque não consigo alcançá-los e não sei para onde
eles foram, — explico.

— Eles disseram que iriam experimentar o Devil's Canyon


hoje. Eu disse a eles que era mais adequado para escaladores mais
avançados e eles me disseram que sabiam o que estavam fazendo.
Eu os avisei que havia muita chuva na região alta e que esperava
que o desfiladeiro começasse a encher assim que a água da chuva
descesse. Não sei se eles me levaram a sério. — Ele me olha com
preocupação. — Eles são amigos seus?

— Algo parecido. — Eu aperto sua mão novamente. —


Obrigado pela informação. — Viro-me para sair, levantando a mão
no ar e dizendo por cima do ombro: — Diga oi para Grace por mim.

Atrás de mim ouço o som de uma caixa sendo chutada. Eu


entro na minha caminhonete e dirijo de volta para Wildflower,
como prometido. Assim que a reunião da cidade terminar, farei
uma visita a um certo cânion.
40

É estranho com Travis esta manhã, mesmo depois de nossa


conversa de ontem.

Quando ele veio me encontrar, eu estava tirando fotos do chalé


dos campistas. Eu ouvi o som de passos se aproximando,
esperando que fosse Wyatt. Fiquei chocada quando vi meu filho
vindo em minha direção.

Meu filho. Agora que ele sabe, quero pegar um megafone e


gritar. Eu sei melhor, entretanto. Eu tenho que pisar levemente.
Uma tremenda traição, nas minhas mãos e da minha mãe. As duas
pessoas em quem ele mais confia.

Travis me fez uma pergunta. Você é minha mãe agora?

Queria responder dizendo que nunca deixei de ser sua mãe,


mas a verdade é que deixei. Desisti da chance de levá-lo no seu
primeiro dia de jardim de infância, de beijar seus inchaços e
hematomas, de inscrevê-lo na Liga Infantil.

Eu tinha meus motivos, e eles também eram bons. Sua


proteção e segurança estavam em primeiro lugar, e eu não poderia
ter feito isso sozinha. Eu expliquei tudo para ele. Ele ficou quieto,
mas ouviu. E sou grata por isso.
Não tentei abraçá-lo, embora estivesse morrendo de vontade
de ter. Ele terá que vir até mim em seu próprio tempo, e eu apenas
estarei aqui esperando quando isso acontecer.

Ele está sentado à mesa da cozinha agora, comendo uma tigela


de cereal. Quando ele entrou na cozinha e me viu, disse: — Oi, Jo,
— e hesitou em meu nome. Meu palpite é que é apenas o começo
da estranheza.

A reunião municipal é em uma hora. Meus nervos já estão à


flor da pele, deixando-me pouco espaço para ficar ainda mais
doente com a reunião. Só estou tomando café esta manhã, com
medo de que o que quer eu coma volte no chão da prefeitura.

Wyatt entra pela porta da frente. Como prometido, ele voltou


no tempo. Ele entra, o couro flexível de suas botas brilhando à luz
do sol que entra pelas janelas. Ele usa uma camisa de botão
branca bem passada, jeans limpos e um verdadeiro chapéu de
cowboy.

Ele entra na cozinha. Ele não me beija, porém, olhando para


Travis como se ele não tivesse certeza de como me cumprimentar.
Travis pergunta a Wyatt por que ele está vestido. Não contei a ele
sobre a reunião. Aconteceu muita coisa ao mesmo tempo e não
quero que ele se sinta mal.

— Uh, — Wyatt começa, olhando para mim. — Há um, uh...

— Uma reunião, — eu digo, meio sorrindo para Wyatt. — Uma


reunião municipal esta manhã.
— Por que? — As sobrancelhas de Travis se juntam de forma
suspeita, sua colher carregada suspensa no ar.

Minhas mãos apertam minha xícara de café. Minha primeira


inclinação é emburrecer isso, protegê-lo da verdade. Mas tenho a
sensação de que essa é a última coisa de que ele precisa agora. É
mais importante que eu seja honesta com ele.

— Depois do incidente com o foguete, algumas pessoas não


têm certeza se meu rancho vai beneficiar a cidade, afinal. Então,
eles estão fazendo uma reunião para discutir isso.

O leite e o cereal voltam para a tigela. — Eles podem prejudicar


seu rancho? — ele pergunta. — Prejudicar seus sonhos, quero
dizer?

— Eles poderiam fazer uma votação. Declarar que é inseguro.


Encontre uma maneira de impedi-lo. Dizer que meus prédios não
são seguros. O inspetor vem esta semana para aprovar a
propriedade. E mesmo que eles não possam torná-la legal, eu
realmente quero trazer um negócio para Sierra Grande quando
todo mundo odeia?

— Inferno, sim, — diz Wyatt, ao mesmo tempo que Travis diz:


— Sim, você faz.

— Não é sobre o que todo mundo pensa, Jo. É sobre o que você
quer. — Wyatt se aproxima, tirando o cabelo do meu rosto. —
Desta vez, você consegue o que quer. Não o que você acha que é
melhor para outra pessoa. — Ele abaixa a cabeça, me olhando de
forma significativa.
— Certo, — eu sussurro, sabendo que Travis está na mesa
ouvindo.

— Vou com você, — declara Travis. Ele se levanta e coloca a


tigela na pia.

— Travis, eu não sei. Você pode não…

Travis balança a cabeça. — Você não estaria nessa confusão


se não fosse por mim. Eu sabia que aqueles fogos de artifício não
eram uma boa ideia, mas não me importei. E eu realmente sinto
muito, Jo. — Ele tropeça no meu nome.

— Eu sei. Está tudo bem, Trav. Todo mundo faz escolhas


ruins. — Eu não sei disso.

— É melhor irmos. — Wyatt olha para seu telefone. — Eu sou


totalmente a favor de ignorar as regras da sociedade educada, mas
esta pode não ser uma reunião para a qual você deveria estar
atrasada.

Wyatt nos leva em sua caminhonete. Eu me concentro em


respirar fundo e uniformemente e tento não chorar enquanto vejo
Wildflower ficar menor no meu espelho lateral.

•••

A reunião está sendo realizada na sala à direita. É um quarto


básico, indefinido. Cadeiras dobráveis brancas foram colocadas
em fileiras organizadas. As pessoas ficam conversando e, quando
entramos, a conversa se torna um murmúrio. Na frente da sala
está o prefeito Cruz, seu cabelo grisalho penteado para trás. Ele
fala com seu assistente administrativo, Adam, gesticulando
rapidamente com as mãos, enquanto os dedos de Adam voam pela
tela do telefone como se ele estivesse tomando notas no ritmo das
palavras do prefeito.

Wyatt coloca uma mão firme na parte inferior das minhas


costas. Sinto-me desconfortável com minhas calças e blusa. Não
uso essas roupas desde meu último turno no Orchard.

Wyatt leva a mim e a Travis para as cadeiras no fundo da sala.


— Dessa forma, você pode ficar de olho na sala, — diz ele baixinho.
— Você fica sabendo quem está fazendo o que.

Eu olho para ele e sinto uma necessidade irresistível de jogar


meus braços em volta dele. Não é a hora nem o lugar para isso,
então me contento com um sorriso agradecido e um aperto de mão.
Wyatt deve entender, porque me lança um olhar cheio de carinho.

O prefeito Cruz vai até o centro na frente da sala, onde um


pódio foi colocado. Ele desliga o microfone e estou feliz com isso.
Sua voz crescendo neste pequeno espaço teria tornado tudo isso
um pouco mais difícil.

— Bom dia, pessoal. Obrigado por terem vindo. — Ele bate


palmas, depois as espalha em um gesto de boas-vindas. — Tem
havido alguma preocupação na cidade recentemente e estamos
aqui para conversar sobre isso.
Meu estômago rola. Alguns olhares disparam em minha
direção.

O prefeito continua. — A intenção de uma reunião na


prefeitura é proporcionar um espaço aberto para a discussão.
Nossas opiniões podem divergir, mas lembrem-se que, acima de
tudo, somos vizinhos. Amigos. Desrespeitos de qualquer natureza
não serão tolerados —Ele faz uma pausa para dar uma olhada
paternal ao redor da sala. — Quem gostaria de começar?

Na primeira fila está Waylon Guthrie, seus oitenta e tantos


anos de vida tornando o processo lento. — Eu vou primeiro.

O prefeito Cruz estende a mão. — A palavra é sua, Waylon.

Waylon se vira para olhar a multidão. — Não há muitos de


vocês tão velhos quanto eu aqui, então talvez não se lembrem do
Circle B como eu. Mas, deixe-me garantir, ele nunca foi feito para
abrigar delinquentes. Isso costumava ser um rancho respeitável, e
é uma pena vê-lo sendo transformado em um asilo.

— Dá um tempo, Waylon, — grita Wyatt. — Você não pode…

O prefeito o interrompe. — Não é sua vez de falar, Wyatt.

— A palavra não pertence àquele lunático, — rebate Wyatt,


não tão alto quanto antes, mas com volume suficiente para as
pessoas ao nosso redor ouvirem. Ele ganha algumas carrancas e
risadas dispersas.
Waylon lança um olhar sujo em nossa direção, mas as chances
são justas de que ele não possa nos ver muito bem, e ele
definitivamente não ouviu Wyatt.

— Vamos falar sobre o campo que queimou ontem? — Uma


mulher de cinquenta e poucos anos na terceira fila se levanta.
Waylon se senta. A mulher é uma recém chegada à cidade, uma
das muitas pessoas que vieram por aqui escapando da extensa
Phoenix para o ritmo lento da vida de uma cidade pequena. E não
estou dizendo que ela não pode ter uma opinião, mas... não vale a
pena para mim.

— Acho que é aí que a discussão deve ser focada. — Sua testa


se enruga e seus lábios se apertam. — Não precisamos imaginar
problemas futuros quando tivemos um que nos foi apresentado
ontem. — Ela está usando uma viseira branca, do tipo que alguém
usa quando está jogando tênis. Isso me irrita mais do que deveria.

— No meu country club em Phoenix, tínhamos um grupo de


meninos entrando sorrateiramente no campo de golfe à noite com
tacos de golfe e fazendo buracos no campo. Esses meninos foram
capturados e punidos, e acho que o mesmo deveria ser feito com
aquele encrenqueiro que começou um incêndio ontem. Ouvi dizer
que ele está na cidade para cuidar daquele rancho e quem sabe o
que fará a seguir.

Acho que nunca senti uma fúria assim. Ela flui para a ponta
dos meus dedos, enrolando-os em punhos. Meu corpo parece que
está sobre rodas, como se eu pudesse rolar sobre qualquer pessoa
e qualquer coisa agora.
De repente, estou de pé. Minha boca está aberta e sons estão
saindo e eu não acho que meu cérebro deu o sinal para falar ou se
mover. Parece instintivo, esta chamada para proteger meu filhote.

— Qual o seu nome? — Eu pergunto à mulher. Ela salta ao


som da minha voz.

— Clarissa Hastings.

— Clarissa, sou Josephine Shelton e...

Ela me interrompe para dizer: — Prazer em conhecê-la, — com


uma voz melosa. Ela é tão falsa quanto as unhas compridas em
seus dedos.

— Eu não posso dizer o mesmo de você.

Ela engasga e recua. Eu continuo. — Aquele 'encrenqueiro',


como você tão rudemente o chamou, é meu filho. — Eu ouço, a
respiração chocada ao redor da sala. Sei que é ousado fazer uma
declaração tão publicamente, mas agora que ele sabe que é meu,
quero que todos saibam também. — Ele não está aqui para atender
ao rancho. Ele vai trabalhar nisso comigo. Eu sou a dona da
Wildflower. E não há nada de errado com o meu rancho.

O dono da loja de rações se levanta. — Você está atraindo


problemas para esta cidade.

— Sim.

— Exatamente.

— É isso que eu penso!


Não sei quem está dizendo tudo, mas as palavras voam pelo ar
como chamas.

— Você está errado. — A declaração é feita por uma voz


profunda e rouca. Baixo, mas de longo alcance. Uma voz que,
quando quer, rasteja até sua garganta, envolvendo-se em sua
caixa de voz e reprimindo sua capacidade de falar.

Beau Hayden.

Ele está a apenas alguns metros de distância. Nunca o vi


entrar. Seus braços estão cruzados, sua postura é ampla. Ele se
inclina ligeiramente para trás, erguendo o queixo e olhando para a
multidão. Seu olhar permanece impassível, como se não houvesse
uma chance no inferno que qualquer uma das pessoas sentadas
lá pudesse solicitar uma única emoção dele.

— Vocês. — Ele aponta um dedo rígido para Waylon primeiro.


— Se você está tão preocupado com esta cidade que abriga
delinquentes, deve colocar uma placa de venda no seu jardim e
seguir em frente, porque você é tão delinquente quanto eles.

Antes que Waylon possa responder, Beau olha para outra


pessoa. Um homem da mesma idade que ele, alguém que não
conheço. — E você. Você precisa ser lembrado do que fez no verão
após o último ano?

O homem ri desconfortavelmente. — Agora, Beau, eu não vejo


porque…

— Cale a boca, — Beau instrui. — Você acabou de falar.


Um homem diferente fala. — Beau, você não pode
simplesmente entrar aqui e…

Beau o interrompe também. — Nem comece comigo ou vou


colocar sua merda à mostra, Griffin.

Eu olho para Wyatt, seus olhos estão tão arregalados quanto


os meus. Aposto que não há ninguém nesta sala que não esteja se
perguntando o que diabos Beau Hayden tem sobre Griffin, um
fazendeiro que está por aí há quase tanto tempo quanto os Hayden.

Ele olha para fora, nivelando cada pessoa com seu olhar de
pedra. — Nenhum de vocês deveria estar andando por aí agindo
como se fosse alto e poderoso, porque nenhum de vocês está acima
de qualquer reprovação. Eu incluído. Então, como você pode
sentar aqui e dizer tudo o que tem? Vocês andam agindo como se
soubessem, mas não. Vocês acham que Wildflower trará
problemas — os olhos de Beau se voltam para Clarissa, a arrogante
mulher de Phoenix, e ela se encolhe — mas os problemas já estão
aqui. Uma mulher caminhou entre vocês por um longo tempo, e
nenhum de vocês viu os hematomas nela. Vocês com certeza
conseguiram fofocar sobre ela, não foi? Que tal aqueles dois recém
chegados que afirmam ser netos da Sra. Calhoun? Eles estão
vasculhando a cidade em busca de clientes em potencial.

— Clientes para que? — Xerife Monroe pergunta, se


levantando.

— Drogas, Monroe. — Beau refreou um pouco seu tom. Ele e


o xerife são antigos, ou assim eu ouvi, e ele provavelmente precisa
manter as coisas amigáveis entre eles. — Não quero ouvir mais
nenhuma maldita palavra sobre Wildflower de nenhum de vocês.
O que aconteceu em Tucson foi terrível, mas não aconteceu aqui.
Coisas ruins acontecem em todos os lugares, esteja você ciente
delas ou não — seu olhar pisca para Wyatt, que acena para seu
pai — mas você ainda está vivendo sua vida. Desde que eu vim
aqui, alguém em algum lugar morreu em um acidente de carro,
mas cada um de vocês vai voltar para casa em seu carro depois
desta reunião. Um tiroteio em Tucson não garante um tiroteio
aqui. O que sabemos é que existem crianças que valem a pena por
aí que receberam uma mão de merda, e sua mão só vai ficar pior
quanto mais ninguém chegar dar uma chance a eles. Que
vergonha para todos vocês que estão tentando isolar esta cidade.
Você pode perder algo realmente bom porque está muito ocupado
girando a cabeça. — Beau mantém os olhos em Wyatt por um longo
momento. Algo se passa entre eles, mas não posso dizer ao certo o
que é.

Alguém tosse. Outra pessoa se ajusta em seu assento. O


prefeito Cruz volta ao pódio.

— Obrigado, Beau. — Ele acena para Beau, ainda de pé no


fundo da sala. — Alguém tem mais alguma coisa a acrescentar?

Nem uma única mão levanta.

— Como prefeito, decidi deixar de lado as preocupações da


cidade em um esforço para continuar os planos para o Rancho
Wildflower. Se ficar claro que há um problema no futuro, nos
reuniremos novamente.
Os nervos no meu estômago derretem. Wyatt pega minha mão
e Travis pega a outra.

O prefeito Cruz ainda está falando. — Obrigado a todos por


participarem hoje e se preocuparem com Sierra Grande o
suficiente para abrir um diálogo confortável. Parte do que nos
torna grandes é sermos honestos e acredito que somos mais fortes
por causa disso.

— Ele está tentando ser reeleito? — Wyatt sussurra em meu


ouvido. Sorrio.

Todos saem, deixando-nos sozinhos. Travis olha para mim.


Acho que ele se sente mal pelo que causou, mas ainda está com
muita raiva de mim. Deve ser muito confuso para ele.

— Eu realmente sinto muito, Jo.

— Eu sei que você sente, Trav. Eu realmente sinto muito


também. E sei que vai demorar muito para você confiar em mim
novamente.

Travis acena com a cabeça, então se levanta e sai, deixando


Wyatt e eu sozinhos. Wyatt segura minhas bochechas, inclinando-
se para frente e pressionando a ponta de seu nariz no meu. — Você
fez isso, baby. Você defendeu a si mesma. E seu rancho. E seu
filho.

Sua voz transborda de orgulho irrestrito.

— Você acreditou em mim.


— Sempre. — Ele pressiona um beijo suave e rápido em meus
lábios. — Vamos sair daqui.
41

Meu pai está esperando ao lado da minha caminhonete


quando saímos da prefeitura. Ele tem um braço apoiado na porta
traseira, o polegar acariciando o queixo enquanto o esfrega para
frente e para trás.

Aperto a mão de Jo. — Você se importaria de nos dar um


segundo?

Ela me dá um sorriso aliviado e estou emocionado em ver que


seus fardos diminuíram esta manhã. — Pode apostar, — ela
responde. — Travis e eu vamos pegar algo de Marigolds.

Marigolds fica a poucos passos daqui, então ela não terá que
ir muito longe. — Obrigado, — eu digo, beijando sua têmpora.

Ela vai embora, Travis a reboque. Eu continuo com meu pai.

Eu paro ao lado da caçamba da minha caminhonete,


perpendicular a ele, e descanso meus antebraços na beirada. —
Oi, — eu digo. Minha voz está rouca, mas não porque estou
chateado. Estou tão confuso. Ainda assim, sei o suficiente para
agradecê-lo pelo que ele fez lá. Eu mantenho meus olhos na sujeira
e no feno presos nos cantos da caçamba. — Obrigado por tudo o
que você disse na reunião. Você deve realmente acreditar no
rancho de Jo.
— Não, filho. Eu não. — Meu olhar assustado encontra seus
olhos firmes.

— Mas você disse…

Sua cabeça balança, olhos enrugados nos cantos. — Eu sei o


que eu disse. Tudo isso era verdade. — Ele muda de posição,
refletindo minha postura. — O rancho de Jo apresentará novas
pessoas à cidade, boas e más. Da mesma forma que o restaurante
de Dakota atraiu visitantes, e a presença de Tenley atraiu todos os
tipos de pessoas. Acho que as preocupações dos habitantes da
cidade são válidas. Você sempre teve um dom de ver mais
profundamente nas pessoas e uma maior capacidade de deixá-las
ser humanas. — A pele entre as sobrancelhas se enruga. — Seus
dons dados por Deus são diferentes dos seus irmãos, Wyatt, mas
eles não são menos valiosos. Se você diz que o rancho de Jo é certo
para esta cidade, então eu acredito, porque eu acredito em você.
Simples assim.

Nunca me faltou palavras, mas agora elas me escapam. A


próxima pergunta do meu pai me deixa ainda mais louco.

— Posso te abraçar?

Eu fico olhando para ele. — Você quer me abraçar? — Eu


aponto para mim mesmo. — Em público?

Ele encolhe os ombros, mais por desconforto do que


indiferença. Minha reação o deixa inquieto, posso dizer. Ele tosse.
— Sou um homem velho agora, não preciso mais me preocupar
tanto com a minha imagem de durão. — Seu sorriso é torto. —
Esse é o trabalho de Wes agora.

Minha risada move meus ombros. — Sim, velho. Você pode me


abraçar.

Não vou dizer que não é estranho. Já se passaram anos desde


que abracei meu pai. Sua palma bate nas minhas costas duas
vezes, não muito forte, e quando ele dá um passo para trás, ele diz:
— Eu te amo, filho.

Eu quebro o contato visual e olho para minhas botas. O súbito


derramamento de emoção é quase demais para mim, como uma
sobremesa que é doce demais. — Eu também te amo, pai.

— Sabe, eu pensei todo esse tempo que você estava se fodendo


e ignorando o HCC. Mas eu tenho perguntado por aí e descobri que
você tem uma participação nos acontecimentos desta cidade. Você
pode ter sido um pouco selvagem quando você era mais jovem, mas
as pessoas por aqui só têm coisas boas a dizer sobre você agora.
— Sua voz engrossa. — Warner me contou o que você tem feito
pela Sra. Calhoun. Você é um bom homem, Wyatt. Estou
orgulhoso de você.

Eu engulo o choque. — Obrigado, pai. Agradeço isso.

— Já que estou falando tudo isso — seus lábios se curvam


com a palavra — posso muito bem dizer que acho que Jo é boa
para você. Sempre gostei dela. — Ele aperta os olhos para o sol
caindo sobre nós. — Não tenho certeza de como ela tem um filho,
no entanto.
— Talvez ela lhe diga algum dia. Não é…

— Wyatt. — A voz enérgica do xerife Monroe interrompe. —


Acabei de receber uma ligação sobre dois idiotas fazendo rapel no
Devil's Canyon. Alguma coisa saiu do lugar e eles caíram. Para a
sorte deles, a água da chuva das terras altas chegou mais cedo.
Apenas não o suficiente.

Quando a água flui livremente, ela pode ser alta o suficiente


para amortecer a queda. Uma pessoa ainda pode morrer, mas não
com certeza total. A água dá a eles uma chance que de outra forma
não teriam e, se tiverem sorte, serão carregados rio abaixo e
rastejarão para algum lugar além do cânion, onde é mais raso e o
terreno é mais ameno.

A falta de água da chuva significa que eles caíram sobre as


rochas cobertas pelo equivalente a um colchão de prisão. Talvez a
natureza interveio e cuidou dos irmãos Marks para mim.

Eu cruzo meus braços. — Por que você está me contando? —


Não tenho nada a ver com o assunto.

— Você conhece este lugar de trás para a frente. Se houver


outra maneira de entrarmos naquele desfiladeiro além de
helicóptero, eu preciso saber. A chuva forte do país está vindo em
nossa direção agora, e eu não quero colocar meus homens em
perigo, se houver uma abordagem melhor. Preciso da sua ajuda.

Eu me impedi de dizer a ele que as pessoas que ele está


resgatando não valem a pena colocar homens bons em risco. Todos
deveriam ir para casa, abrir uma cerveja e assistir à tempestade
da segurança de suas varandas.

Mas nunca tive uma chance como essa, nunca fui tão
importante para ninguém além de Jo. E ter meu pai como público
torna tudo muito mais doce.

— Vamos, — digo ao xerife. — Há uma pequena prateleira no


lado norte do cânion que pode ser acessada com uma curta
caminhada. Você terá que colher no meio de uma tonelada de pera
espinhosa, então certifique-se de que todos cobrem a pele ou eles
vão se arrepender.

Eu olho para meu pai. Ele acena para eu ir. Estou quase no
carro do xerife quando Jo chama meu nome.

— Wyatt, o que está acontecendo? — Ela pergunta, correndo


os últimos metros para me alcançar. Atrás dela, Travis segura
duas sacolas marrons e parece não ter certeza se deveria se
preocupar.

— Há um resgate no desfiladeiro em que o xerife precisa da


minha ajuda. Está tudo bem.

O alívio cai como uma cortina sobre o rosto de Jo. — Graças a


Deus, — ela respira.

— Wyatt, vamos em frente, — chama o xerife Monroe de seu


SUV da polícia.

Beijo Jo, curto, mas cheio de paixão. — Eu amo você.

— Eu amo você.
Ela dá um passo para trás até estar na linha de Travis. Com o
sol do meio-dia em seus rostos, eles são muito parecidos. Se ele
tivesse crescido aqui, se a mãe de Jo não o tivesse levado embora,
seu segredo não teria permanecido secreto por muito tempo. As
farpas têm uma maneira de se soltar da pele.

Nós aceleramos. O xerife Monroe acende as luzes e olha para


mim no banco do passageiro. — Aposto que você nunca esteve
neste assento antes. Você está acostumado a estar lá atrás. — Ele
inclina a cabeça para o banco de trás.

Eu solto uma risada e ajusto o visor para bloquear um pouco


de sol. À distância, o céu está escuro. — Tem aquela chuva de que
você falou.

O xerife espia por cima do volante e pisa no acelerador.

Sinto-me obrigado a dizer a ele quem ele está correndo para


salvar. — Você conhece aqueles caras de quem meu pai estava
falando na reunião na prefeitura? Aqueles que procuram clientes?
É quem você vai salvar agora.

A única maneira de saber que ele me ouviu é um pequeno tique


na mandíbula. — Você está dizendo que eu deveria cancelar o
resgate?

— Não foi isso que eu disse.

— O que você está dizendo?

— Que talvez as pessoas que você vai salvar não valham muito
a pena salvar.
— Eu sei que você gosta de fazer as coisas do seu jeito, Wyatt,
mas eu sou um homem da lei. Eu acredito na justiça assim como
você, mas do tipo que atua no sistema judicial.

Eu bufo minha descrença. — Claro, xerife. Claro.

Seus dedos estalando chamam minha atenção. Ele segura a


mão próxima ao queixo e aponta para a pequena câmera presa em
sua camisa. — O sistema judicial existe para remover o peso da
responsabilidade dos cidadãos.

Eu aceno uma vez. — Claro, xerife. Claro.

— O que você acha que eles estavam fazendo lá fora? Não


parece um hobby típico para caras assim.

Eu encolho os ombros. — Foda-se se eu sei. Talvez eles


estivessem procurando um bom esconderijo.

Ele acena com a cabeça, considerando. Depois de um


momento, o xerife muda de assunto, perguntando: — Como Jo
acabou com um filho que nenhum de nós conhecia?

— Você vai ter que perguntar a ela.

— Nah, tudo bem. Não é da minha conta. — Ele tira a poeira


do topo do painel. — Espero que você me agradeça em seu
casamento. Pelo que vejo, você e Jo estão juntos por cortesia
minha.

Eu sorrio. — Como você acha que isso é problema seu?


— Todo mundo ama o amor, Wyatt. Você verá. As pessoas vão
cuidar de todos os seus negócios agora.

As palavras do xerife me fazem pensar sobre o conceito de


casamento. Eu nunca vi isso por mim mesmo. Nunca vi mulher e
filhos, como meus irmãos. Presumi que sempre seria o tio
divertido. Até Jo.

Ela me faz ver caminhos diferentes quando tudo o que vi antes


eram bloqueios de estradas. Com Jo, o mundo inteiro está ao meu
alcance. Ela me faz melhor, simplesmente por existir.

O xerife pega a curva acidentada para Devil's Canyon, e eu


concentro meus pensamentos no que estamos planejando fazer.

•••

O pelotão de busca e resgate do condado chega segundos atrás


de nós. Seis pessoas descem do SUV preto, todas vestindo
camisetas vermelhas e enfiando os braços em mochilas que
prendem com grampos na frente do peito.

Todos são voluntários e altamente organizados. Antecedentes


em ambientes militares, de segurança e médicos os qualificaram
para esta equipe, mas é realmente seu desejo de fazer o bem neste
mundo que torna isso possível.
Sei disso porque examinei os requisitos uma vez, pensando
que parecia algo no qual estaria interessado. Acontece que tenho
o desejo, mas não a experiência.

O xerife Monroe salta e começa a vociferar ordens. Eu chego


mais perto da borda e espio. Com certeza, lá embaixo estão as
formas propensas de Ricky e Chris Marks. Ainda presos em seus
arreios, eles estão deitados de costas. Desta distância, não posso
determinar seus ferimentos.

— Wyatt, — grita o xerife. — Mostre ao busca e o resgate onde


você acha que eles podem entrar. E se apresse, a tempestade não
vai parar por nossa causa.

Corro para o grupo com as camisas vermelhas e o SAR


estampado no peito. Após um breve aceno de reconhecimento,
começo a explicar onde acho que podemos entrar no canyon sem
fazer rapel ou precisar de um helicóptero. — Há um ponto do outro
lado, quase como uma trilha de caminhada, mas vocês devem ter
cuidado porque ele cai rapidamente. Mas se vocês ficarem
pressionados contra a parede do cânion, pode segui-lo e leva a uma
espécie de prateleira sobre a metade do caminho. Será muito mais
fácil e seguro resgatar de lá em vez daqui.

— Entendi, — diz um homem grande e barbudo. — Mostre-


nos onde começa.

Como um, corremos para o local. Como eu disse ao xerife, não


é facilmente acessível. O cacto de pera espinhosa cresce entre nós
e o local onde começa o pequeno mergulho no cânion.
Eu olho as camisetas do SAR. — Vocês tem mais para vestir
do que isso?

Sem responder, cada pessoa tira uma camisa de mangas


compridas e luvas de sua mochila e as veste. O barbudo faz um
sinal com a mão e eles se alinham. Ele os leva até o cacto, e eles
seguem seu caminho. Não é denso como a selva, mas não é
agradável de andar, mesmo com uma capa protegendo a pele.

Tudo isso para dois caras que estão reconstruindo um


laboratório de metanfetamina e escolhendo clientes em potencial.
Sem falar em aproveitar-se da doença mental de uma mulher idosa.

Quando o SAR puxar Ricky e Chris para fora, posso


simplesmente colocá-los de volta.

A uma distância não muito longa, um raio quebra o céu. Eu


volto para o xerife e digo a ele que a equipe está descendo. A forma
como o canyon está situado, com os recessos e sulcos, é difícil ver
a equipe.

— Quem pediu ajuda? — Eu pergunto, só agora percebendo


que não sei nenhum detalhe do que realmente aconteceu.

— Um daqueles garotos lá embaixo. Sorte como o inferno um


deles foi capaz de alcançar o telefone.

— Você sabe como eles caíram?

— O melhor que posso dizer é que eles ancoraram em volta


daquela árvore — ele aponta para um cipreste calvo maduro e de
troncos grossos, muito parecido com os que estão atrás da casa de
Jo — o que parece uma ideia perfeitamente boa. O mosquetão de
trava ainda está no lugar, também. Mas a corda está faltando, o
que me leva a acreditar que eles cometeram um erro ao amarrar o
nó.

Não sei nada sobre rapel, então aceno para tudo o que ele diz
e aceito como um fato. Um policial que não reconheço se aproxima,
aumentando o volume do rádio para que o xerife ouça. O zumbido
de uma voz estala.

— Conseguimos chegar à plataforma, mas a água está subindo


rapidamente. Não há nada para ancorar aqui, então vamos fazer
uma escalada livre.

— Não, — late o xerife. — É muito perigoso. Vou chamar o


helicóptero.

— Podemos alcançá-los, xerife.

— Eu disse não, — ele berra. — Volte para cima.

Uma rachadura. Um tremor. Crescendo, rugindo, o som


parecia um enxame de abelhas. Nós olhamos, congelados,
enquanto a água jorra da boca do cânion.

— Movam-se, movam-se, mo…-, A instrução distorcida


perfura a cacofonia, então para. Deito-me de bruços e rastejo até
a borda do desfiladeiro. A cada dois segundos, vejo a cor vermelha,
um movimento rápido e fugaz, enquanto a equipe luta para escalar
a parede do cânion íngreme. Eu me afasto e me levanto, minha
camisa coberta de poeira laranja queimada. Tudo dentro de mim
está paralisado, minha respiração presa na minha garganta,
enquanto espero a primeira pessoa subir a pequena trilha para a
qual eu os conduzi.

E então eles fazem. Um por um, eles aparecem e eu conto cada


pessoa. Depois das quatro, há um intervalo e meu estômago dá
um nó. Segundos que parecem horas passam e, finalmente, uma
quinta pessoa aparece, suportando o peso da sexta. Eles fazem o
seu caminho de volta através do cacto, e as equipes de emergência
que estavam esperando pelo resgate voltam sua atenção para eles.

O xerife perscruta o desfiladeiro e depois olha para trás, para


os muitos que se reuniram para salvar alguns. — O resgate tornou-
se uma recuperação, — anuncia, com voz neutra.

Cabeças penduradas, tristeza automática, para aqueles que


não sabem para quem estavam trabalhando para salvar. O xerife
encontra meu olhar e me dá um aceno minúsculo e imperceptível.

Preciso ver por mim mesmo, então caminho até onde o xerife
estava. A água, poderosa o suficiente para levantar caminhões em
uma enchente, levantou facilmente os corpos quebrados, mas
vivos, dos irmãos Marks e engoliu o que restava de vida. Agora os
dois estão deitados de bruços, imóveis, exceto pelo fluxo da água.
O que entrou com tanta força ferveu ao encontrar uma saída para
fora da fenda no final do cânion. Este fluirá continuamente,
eventualmente alimentando o rio que passa perto da casa recém
reconstruída de Warner e Tenley.

— É chamado de Devil's Canyon por um motivo, — ouço o


xerife dizendo. Ele está falando com o homem barbudo, a pessoa
que assumi ser o líder do SAR. A pessoa que foi ajudada a sair da
trilha parece estar bem. Um médico se curva sobre eles,
envolvendo seu tornozelo.

Enfio minhas mãos no bolso e olho uma última vez para os


corpos sem vida abaixo de mim. Eles estavam se preparando para
causar estragos em Sierra Grande, e não consigo me sentir muito
chateado com a morte deles. Eu diria que foi poético, que foi seu
próprio erro que acabou com suas vidas.

Eu olho para baixo, faço uma rápida oração agradecendo a


Deus por cuidar das pessoas do seu próprio jeito e me viro para ir
embora. O sol está quase acabando, as nuvens cinzentas o
bloqueando, mas há uma lasca de um raio passando no lugar
exato no chão por onde meu olhar passa. É tudo de que preciso
para vê-lo deitado ali.

Curvando-me, tiro a poeira da ponta da minha bota. Mas,


claro, não estou limpando nada. Meus dedos se fecham sobre o
metal frio, colocando-o em minhas mãos.

Sem que ninguém percebesse, coloco a pulseira de ouro com


o pingente de trevo verde de quatro folhas no bolso.
42

O xerife me levou de volta para minha caminhonete e foi até a


delegacia esperar o fim da tempestade. Na volta, ele explicou que
o helicóptero ficaria bem na chuva, mas não havia necessidade de
subir contra raios e trovões. Principalmente quando a situação não
era mais de vida ou morte. Quando a tempestade passar, o que
não vai demorar muito de acordo com o radar, eles vão resgatar os
corpos.

— Teremos que notificar os parentes próximos. Pobre Sra.


Calhoun, — ele murmurou.

— Uh, sim. Você não precisa se preocupar com isso. — Fiz


uma pausa quando saí de seu SUV, minha mão estendida acima
da minha cabeça para evitar que a chuva atingisse meus olhos.

— Por que isso?

— Eles estavam mentindo. Eles não eram parentes. Eles


conheciam Dixon e estavam se aproveitando de sua capacidade
mental diminuída.

O xerife me estuda. — E você sabe disso como?

Eu encolho os ombros. Não estou pronto para compartilhar


meus segredos, então digo: — Eu tenho meus caminhos.
O xerife sorri. — Você já considerou uma carreira na aplicação
da lei?

Eu balancei minha cabeça. — Eu prefiro dobrar a lei, não


aplicá-la.

O xerife bufa uma risada. — Wyatt Hayden. — Ele balança a


cabeça e diz meu nome como se fosse engraçado. — Você é um
filho da puta. — Ele fala com carinho, então eu sei que ele fala isso
como um elogio.

— Eu vou ter certeza de dizer a minha mãe que você disse. —


Eu pisco e fecho a porta, mantendo minha cabeça baixa enquanto
a chuva começa um pouco mais forte.

Ligo para Jo e ela me diz que ela e Travis estão na casa de


Warner e Tenley. Não é o que estou esperando ouvir, e ela explica
que Tenley ligou e convidou todos.

Quando eu chego, todos estão na casa. Eu ouço música


country, algo antigo e comovente, o tipo favorito de Tenley.
Também é de Wes, não que ele jamais admitisse.

Subo os degraus da varanda da frente e paro, uma mão na


casa, enquanto tiro minhas botas. Eles ficaram enlameados pra
caramba depois de andarem na chuva. Parece que todos os meus
irmãos tiveram a mesma ideia. As botas estão alinhadas em uma
fileira, então eu pego a minha e as coloco ao lado de Wes, usando
meu pé para deslizar o dele para a direita para abrir espaço para
o meu. Quando eu faço isso, um pedaço de terra de terracota suja
o chão. Eu pego uma de suas botas e a viro, em seguida, corro a
ponta do meu dedo indicador na parte inferior. Repito o
movimento, desta vez na frente da minha camisa, onde uma poeira
de cor semelhante descolora o tecido.

— Aí está você. — A voz de Jo interrompe meus pensamentos.


— O que você está fazendo?

— Nada, — murmuro, as peças do quebra cabeça encaixando.


Eu coloco a bota de Wes de volta no lugar e fico de pé. Jo faz uma
careta para minha camisa. — Talvez você possa pegar uma camisa
emprestada de Warner?

— Boa decisão. — Eu desabotoo minha camisa e me afasto,


sacudindo-a. Warner mantém a casa limpa, ele provavelmente
curtiria minha pele por trazer toda aquela poeira vermelha. Não
está frio lá fora, mas entre a chuva e o vento, minha pele fica
arrepiada.

— Como foi tudo? — Jo pergunta. Sua cabeça inclina-se para


o lado, seus olhos têm um lindo tom de azul do qual não consigo
me cansar.

— Eles não foram capazes de fazer o resgate, — eu respondo.


Jo engasga e sua mão chega à boca.

— Eu sei que parece terrível, mas não é. Eles eram o tipo de


pessoa que machucava os outros. Eles deram aqueles fogos de
artifício para Travis e foram embora sem dar a mínima. Aqueles
fogos de artifício poderiam ter explodido seus dedos, mas não se
importaram. — Eu não preciso mais ficar bravo. A ameaça acabou,
mas a indignação ainda persiste. — Eles eram os mesmos caras
que estavam tentando trazer a metanfetamina de volta depois que
Dixon morreu, e eles também não são netos da Sra. Calhoun.

Jo fecha os olhos com força e balança a cabeça rapidamente


para a frente e para trás. — Como você sabe disso?

— Eu tenho um cara, um gênio da computação. E um hacker.


Ele me ajuda com informações em troca de eu nunca contar a
Tenley que ele é quem roubou e estava vendendo suas calcinhas
online.

Jo engasga novamente. — Wyatt, — ela sibila. — Você deveria


contar a ela.

— Claro que não. Esse é o meu vale refeição. Eu nunca teria


sabido sobre os irmãos Marks ou Sawyer Bennett. — O trovão
ribomba no céu quando digo seu nome, fazendo com que pareça
mais sinistro do que o necessário.

Seus olhos se estreitam. — E quanto a Sawyer Bennett?

— Circle B, como em B-ennett. A família dele era proprietária.

Suas mãos correm pelo cabelo, recolhendo-o sobre um ombro.


— Eu não entendo. Por que eles venderiam para mim e então
concordariam em investir nela?

— Isso, — digo, esfregando os antebraços, — é algo que não


sei.

— Eu vou perguntar a ele.


— Você pode segurar isso? Eu gostaria de reunir mais
informações antes de mostrarmos nossa mão.

— Estamos jogando um jogo?

Eu encolho os ombros. — Quem sabe?

Jo esfrega as têmporas com dois dedos. — Isso foi muito para


um dia.

Coloco meu braço em volta do ombro dela, imaginando a água


correndo para o Devil's Canyon. — Sem brincadeiras.

Entramos e ainda estou sem camisa. Wes e Warner fazem cara


feia para mim. Para irritá-los ainda mais, flexiono os músculos do
peito e faço aquela coisa de fazê-los estourar um de cada vez.
Dakota finge me chamar, e Wes murmura, — Fodido Cristo, — e
levanta as mãos.

Warner me traz uma camisa e a joga em mim. — Não é esse


tipo de festa, irmãozinho.

Jessie está sentada em uma banqueta do bar, os cotovelos


apoiados na ilha da cozinha. Eu me aproximo e me sento ao lado
dela. — Você está quieta, — eu digo, pegando um punhado de uvas
de uma bandeja de frutas.

— Estou bem, — ela responde, pegando uma uva da minha


palma e jogando-a na boca.

— Você tem certeza disso?


Ela acena com a cabeça. Eu coloco a mão no bolso e coloco a
pulseira no balcão, usando um dedo para deslizar até ela. — Está
faltando alguma coisa?

Seu olhar se arregala e sua mão voa para a boca. Eu olho para
cima para encontrar os olhos de Warner em nós. Quando ele vê a
pulseira no balcão, ele desvia o olhar.

Jo vem por trás de mim, deslizando as mãos sobre meus


ombros e me abraçando por trás. Eu alcanço e agarro seus
antebraços. — Onde está Travis? — Eu pergunto.

— Na sala de estar jogando videogame com Peyton e Charlie.

— É melhor ele estar sentado na extremidade oposta do sofá


de Peyton, — Warner rosna.

— Vou me certificar de que ele saiba melhor, — promete Jo.

Eu chego perto de Jo, guiando-a no meu colo. — Faça com que


ele saiba que um dia eles serão primos.

O movimento na cozinha se acalma. Tenley, a única pessoa


que ainda está fazendo algo, se levanta com uma assadeira que
acabou de puxar de um armário e faz um barulho ao colocá-la no
fogão. — O que é que foi isso? — ela pergunta.

— Eu não sei por que alguns de vocês estão parecendo


surpresos. Eu seria um idiota se deixasse esta escapar. — Eu
seguro a nuca de Jo. Minhas próximas palavras são destinadas
apenas a ela. — Passei muito tempo me sentindo uma pessoa que
não estava certa. Nada nesta vida parecia se encaixar. E então você
apareceu, e eu entendi porque. Um carro não funciona sem óleo, e
é isso que você é na minha vida. Você é o que eu preciso para fazer
todo o resto funcionar. Eu poderia viver sem você se eu precisasse,
mas caramba, eu não quero. Eu quero você e Travis. — Seus olhos
começaram a brilhar, a umidade caindo em seus cílios, e eu
ofereço a ela um sorriso que posso sentir em meu coração. — Você
quer ser minha esposa, Josephine?

As lágrimas escorrem agora e ela ri sem acreditar. — Sim, —


ela sussurra. Ao nosso redor, meus irmãos e seus entes queridos
explodiram em aplausos. Eu beijo Jo, longa e fortemente, e então
o beijo se aprofunda, e todos ao nosso redor gemem. Dakota diz:
— Arranjem um quarto, — e Tenley brinca: — Vamos mantê-lo PG.

Ao meu lado, vejo Jessie segurando seu telefone. — Você está


gravando?

Ela pressiona um botão e coloca o telefone de volta no bolso.


— Um dia você vai me agradecer por isso.

Tenley tira a comida do forno e diz a todos para comermos. Ela


fez a caçarola de tater tot da minha mãe e estou feliz por ela ter
feito tanto, porque de repente estou faminto. Warner leva três
pratos para a sala de estar para Peyton, Travis e Charlie, e Dakota
separa pedaços de tater tot e deixa Colt fazer o possível para pegá-
los de sua palma achatada.

Enquanto comemos, pego a mão de Jo e a seguro. — Que tipo


de anel você quer?
— O tipo que não se importa com o trabalho duro, — ela
responde.

Beijo o espaço em seu dedo onde logo estará um anel. Quando


terminamos de comer, Jo e eu vamos encontrar Travis. Dizemos a
ele que eu propus e sua única resposta é, "legal". Acho que o vejo
batendo os dedos contra a perna de empolgação, mas é difícil saber
o que isso realmente significa.

Jo me dá uma olhada de lado no caminho para fora da sala.

— Legal, — eu murmuro, e ela ri.

Jo fica na cozinha ajudando Dakota a limpar, enquanto Tenley


diz que vai alimentar Lyla. Ao contrário de Dakota, Tenley se sente
menos confortável amamentando quando e onde quer que seja.

A tempestade continua lá fora, não tão feroz quanto no dia em


que Jo e eu nos abrigamos em seu rancho antes de ficarmos
juntos, mas perto disso. Saio pela porta da frente e encontro Wes,
Warner e Jessie sentados na varanda. Colt se senta no colo de Wes,
todo o seu corpo caído para trás contra ele. Eu me aproximo e
entrego uma cerveja a cada um, hesitando quando chego até
Jessie.

Ela o tira de mim e me lança um olhar desafiador. — Eu vou


fazer vinte e um em breve, idiota.

Pisco para ela e me sento no última espaço vago, que por acaso
é entre Warner e Jessie. Eu me pergunto se eles fizeram isso de
propósito? Estamos sentados em nossa ordem de nascimento.
O raio aparece, e o trovão que se segue soa como o estalo de
um chicote. — Bela tempestade, — comenta Wes, seu tornozelo
cruzado sobre o joelho oposto.

— Claro que é, — diz Warner, dando um gole em sua cerveja.


Eu sinto seu olhar na lateral do meu rosto. — Ouvi dizer que você
foi chamado para ajudar a resgatar algumas pessoas do Devil's
Canyon. Como foi isso?

— Eles se afogaram quando um monte de água do rio encheu


o desfiladeiro.

Ninguém fala, e então Wes pergunta: — Eles sabem como


caíram?

— O xerife acredita que sua técnica de nó é a culpada.

Estamos quietos de novo, assistindo a tempestade da


segurança da varanda da frente com uma cerveja em nossas mãos.
A chuva diminui, as nuvens se abrem e um arco-íris brilha no céu.
Eu ouço Dakota e Jo rindo na casa. Wes e eu olhamos um para o
outro e me pergunto se ele está pensando a mesma coisa que eu.

Ele fez isso. Eu fiz isso.

Longe daquele lugar onde passei tanto da minha vida, vivendo


com raiva e vergonha e tristeza que direcionavam meus
pensamentos e ações. Ainda sou uma pessoa que pensa que as
regras são flexíveis e prefere que a justiça seja feita de maneiras
não convencionais, mas o tornado dentro de mim se foi. Jo ajudou
a reprimi-lo e, esta manhã, meu pai o eliminou.
Esta minha família não é perfeita, cada um de nós tem suas
feridas e cicatrizes, mas elas são minhas. E hoje, eles apareceram
no Devil's Canyon e me mostraram que sou deles.

Quando é hora de se separar, eu surpreendo o inferno fora


deles ao abraçá-los. — Papai me abraçou hoje, então esteja pronto
quando você o ver da próxima vez. Pode ser a sua vez.

Jessie diz: — Papai me abraça o tempo todo, — e recebe um


olhar feio de nós três.

— Oh, a propósito. — Eu paro ao lado da fila de botas do lado


de fora da porta da frente. — Obrigado por sujar a sola dos sapatos
com sujeira vermelha. Não se esqueça de lavá-los.

Ninguém diz uma palavra e nunca mais falamos sobre isso.


EPÍLOGO

O balcão da cozinha está cheio de mantimentos. Acho que


comprei tudo o que um adolescente faminto poderia desejar.
Estamos sozinhos esta noite. Jo, em um esforço para ser
tradicional, insistiu que passássemos a noite antes de nosso
casamento separados um do outro. Eu argumentei, mas ela
conseguiu o que queria. Ela saiu há cerca de uma hora com uma
mala e um beijo de despedida. Eu disse a ela para dizer a Shelby
que eu disse olá.

Então agora somos só eu e Travis quando ele voltar da escola.


Eu tinha ligado para Tenley mais cedo para obter conselhos. Ela é
a única madrasta que conheço. Ela disse que não é a mesma coisa,
porque Peyton e Charlie ainda estão com a mãe, e Travis nunca
teve pai.

O que me fez pensar. O que meu pai fez por mim que eu teria
perdido se tivesse sido criado por uma mãe solteira?

Foi assim que acabei com uma caminhonete cheia de coisas.


Nós vamos grelhar. Acampamento. Atirar. Jogar uma bola de
futebol. Todas as coisas que meu pai fez conosco.

Travis entra em Wildflower vinte minutos depois e coloca suas


chaves no gancho que Jo tem na parede da cozinha. Ele está
dirigindo há pouco tempo e Jo parece que está engolindo os nervos
toda vez que ele sai, mas era importante para mim ter certeza de
que ele tinha uma maneira de se locomover. Depois de tudo que
ele passou, quero mantê-lo na mesma linha do tempo que seus
colegas. A caminhonete foi um presente da família Hayden, uma
coisa velha e surrada que cada garoto Hayden dirigia quando
chegava a hora. Mas não Jessie. Ela comprou um carro novinho
em folha, é claro.

— Espero que você esteja com fome, — digo a Travis, tirando


os bifes da embalagem. Eu os coloquei de lado para permitir que
voltassem à temperatura ambiente.

Travis olha a comida. Ele pega um saco de batatas fritas e o


abre. — Faminto, — diz ele, empurrando um punhado.

— Então, olhe, — eu digo, saindo da cozinha e indo para a sala


de estar. Jo fez um trabalho incrível de decoração. Tudo é caloroso
e convidativo. Estantes com livros de todos os gêneros, cadeiras
estofadas nas quais as crianças podem se sentar e se perder em
uma história. Sawyer encontrou mapas antigos da época em que
Wildflower era o Circle B e operava como um rancho. Agora eles
estão emoldurados nas paredes, ao lado de uma grande placa que
diz: O mundo precisa de você.

No que diz respeito a Sawyer, não acho que ele seja uma
ameaça. Eu o confrontei sobre o que eu aprendi, e ele me disse que
tinha vindo à cidade para vender o rancho e ficou porque ele
perdeu sua esposa e estar aqui o lembrou de uma época em que
ele era criança e se sentia verdadeiramente feliz. Se essa merda
não deixa um homem emocional, ele é um robô. Ele também disse
que escolheu Jo para comprar o rancho porque ela tinha o melhor
plano para isso. Eu o deixei sozinho depois disso.

Pego duas das minhas compras do sofá. — Na minha última


noite como homem solteiro, tenho alguns pedidos e preciso de um
ala. Você está pronto para a tarefa?

As sobrancelhas de Travis se erguem. — Uma arma BB?

— Presumi que você nunca atirou antes, e é um bom lugar


para começar.

Ele concorda. — OK. Sim. — Ele está tentando jogar com


calma, mas há emoção escondida em sua indiferença.

— Além disso, — eu levanto a segunda caixa, — eu quero


acampar.

Com isso, ele faz uma careta. — Eu nunca acampei antes.

— Há uma primeira vez para tudo. Pegue uma caixa e me siga.

Não demora muito para colocar todas as nossas coisas de volta


e situá-las. A barraca é um pouco mais complicada do que eu
esperava, provavelmente porque eles não são pelo menos quatro
de nós montando-a como quando eu era criança.

— Tem certeza de que não quer Wes e Warner aqui para serem
seus aliados? — Travis luta para enfiar a estaca no chão.

Eu resmungo enquanto enfio minha estaca na terra dura. —


Dane-se esses idiotas.
Travis ri e passa a mão na testa. Terminamos o trabalho e,
mais tarde, quando observamos as chamas da fogueira subindo
para o céu noturno, entrego a ele algo que trabalhei muito para
tirar de casa.

— Uma vara de pescar? — ele gira para frente e para trás.

— Você já pescou alguma vez?

— Não. — Ele finge lançar. Eu sorrio. Sua técnica é tão ruim


quanto a minha quando comecei. É pra isso que eu estou aqui.
Para ensiná-lo. Não apenas sobre como pescar, mas para mostrar
a ele a beleza de estar ao ar livre. Cultivando a arte da paciência.
A apreciação pela natureza. Todas as lições inestimáveis ensinadas
para mim.

— Travis, — eu começo, tentando descobrir como dizer tudo


em que estive pensando. — Eu quero que você saiba que não estou
apenas casando com sua mãe. Você também faz parte disso. Um
pacote. Eu entendo que tudo isso tem sido muito para você, e as
coisas não têm sido simples. Quero que saiba que podemos ser tão
família quanto você quiser. — Eu cruzo meus tornozelos, minhas
mãos enfiadas nos bolsos do meu moletom. — Eu estarei lá para
você em qualquer posição que você permitir, e eu não vou te
decepcionar. Nunca.

Os olhos de Travis estão focados no fogo. Eu não o culpo. Não


conheço nenhum adolescente que responda com entusiasmo a
declarações emocionais. Mas então ele olha para mim. A luz do
fogo salta no brilho de seus olhos.
— Eu quero que você me adote. Eu sei que serei um adulto em
alguns anos, mas — Travis levanta os ombros até as orelhas e as
abaixa — Eu quero sentir que pertenço a alguém. Como se eu
tivesse pais.

Eu me estico e coloco minha mão em seu ombro. Um aperto.


Dois tapinhas. — Seria uma honra, Travis.

Ele pode ou não ver a lágrima rolando pela minha bochecha.


Eu não faço nenhum movimento para enxugá-la. Além de ensiná-
lo a pescar e atirar, vou mostrar a ele que não há problema em
homens terem emoções. Vou pegar todas as coisas boas que meu
pai me ensinou e adicionar a isso.

•••

— Você está deslumbrante, querida. — Minha mãe coloca as


mãos em cada lado do meu rosto e beija minha testa. Eu sorrio o
melhor que posso e aceito o amor que ela está tentando me
mostrar. Anos de dor não podem ser substituídos por suas
desculpas, mas o fato de que ela devolveu a custódia de Travis para
mim sem lutar foi um grande passo na direção certa.

Meu vestido de noiva é de cetim marfim, com sobreposição de


renda. Não achei que fosse optar por algo tão feminino, mas
quando Tenley o trouxe para mim durante o fim de semana do
vestido de casamento das nossas meninas em Phoenix, eu a diverti
experimentando. Então eu me apaixonei por isso.

Mas não tão apaixonada quanto estou por Wyatt. Aquele


homem uma vez me deixou louca, e ainda faz agora, mas de uma
maneira totalmente diferente.

Dakota chega e me diz que está tudo pronto. Colt chuta as


pernas dele para se soltar de seus braços, mas ela o segura com
força. Seu aparelho auditivo atrás da orelha quase não se nota, e
sua perda de audição não o impediu de se tornar uma criança
obstinada.

Dou uma última olhada no espelho. Travis se adianta,


estendendo o braço dobrado em minha direção. Ele vai me
acompanhar até o altar.

Meu filho. Quando se trata dele, sinto muito arrependimento.


Só posso esperar que o tempo nos cure, que formemos novas
memórias e as usemos como nossa base. Como minha própria
mãe, o pedido de desculpas não substitui a dor, mas enquanto
passarmos todos os dias tentando, um dia chegaremos lá.

A música começa e essa é a minha deixa. Eu ando em direção


à capela onde Dakota e Wes se casaram, e Warner e Tenley. Deve
dar sorte seguir aqueles dois casais.

Luzes de fadas são tecidas nas guirlandas de flores que


envolvem as colunas da capela. Um longo corredor branco se
estende para fora das portas abertas e desce os degraus. Velas
tremulam em candelabros altos de cada lado. Dakota decora da
mesma maneira que ela vive a vida. Com muito amor.

— Você está pronta, mãe? — Travis pergunta. Ele está me


chamando de mãe há alguns meses. Eu não disse nada quando ele
começou, temendo que isso o fizesse parar. Cada vez que ele diz
isso, é como se meu coração recebesse um pequeno abraço.

— Vamos fazê-lo.

Dakota contratou um quarteto de cordas para a cerimônia, e


ela dá o sinal para eles começarem a tocar minha marcha nupcial.
As primeiras notas enchem o ar e a pequena multidão se vira.
Todos os olhos estão em mim, mas só há um lugar para o meu
olhar.

Wyatt, no final do corredor. Wyatt, com seu cabelo escuro


penteado para trás, tão bonito em seu smoking. O homem em
torno do qual meu coração gravitou durante anos, que tinha seus
próprios demônios para matar antes que pudesse me amar.

Estou no meio do caminho, a meio caminho dele, quando ele


enxuga uma lágrima do rosto. Isso incita a minha própria. Não
posso acreditar na jornada que tivemos que seguir antes de sermos
dados um ao outro.

Chegamos ao fim do corredor e, quando o pastor pergunta


quem está me entregando, Travis diz: — Estou entregando minha
mãe, — e beija minha bochecha, e faço de tudo para não
desmoronar.
Wyatt e eu prometemos amar um ao outro durante tudo, para
honrar e cuidar um do outro. Trocamos anéis, dizemos que sim, e
ele me beija de uma forma que é apropriada para o público em
questão, mas promete mais depois.

Mais tarde, depois de fotos e coquetéis, Wyatt me leva até as


nogueiras, além do ponto onde as luzes chegam. A comida será
servida em breve, por isso não temos mais do que alguns minutos,
mas aproveitamos ao máximo.

— Você está tão bonita esta noite, Jo, — Wyatt sussurra contra
a minha pele.

Eu rio. Já bebi duas taças de champanhe. — Você já disse isso


vinte vezes, marido.

— Esteja preparada para ouvir mais vinte anos, — ele rosna


em meu ouvido, arrastando os dentes ao longo da borda externa.

Eu faço um som incoerente. — Me leve para casa.

— Acho que sentiriam nossa falta.

— Tudo bem, podemos ficar.

Ele ri e me beija sem sentido, até que tenho certeza de que


meus lábios estão machucados. Quando voltamos à festa, Shelby
me lança um olhar astuto. Ela mexe no meu cabelo. — Você
literalmente tem casca de árvore de noz pecã em seu cabelo.

— Oopsie, — eu canto.
Ela ri. — Você nem mesmo está bêbada o suficiente para estar
agindo assim.

— Bêbada de amor, — eu a lembro. Dois braços me envolvem


por trás. Eu olho para baixo e vejo a aliança de casamento cinza
bronze recém-nomeada de Wyatt em seu dedo.

Shelby olha para ele. — Eu tenho algo interessante para te


contar.

— Oh sim? — Sua voz profunda cai sobre mim. — O que é


isso?

— Seu amigo Dan Howard foi demitido da polícia ontem.


Alguém anonimamente enviou ao xerife fotos de Dan tendo uma
festa e tanto.

— Espero que tenha valido a pena, — responde Wyatt.

— Acontece que você não sabe nada sobre isso, não é?

— Você está me perguntando em uma posição oficial?

— Não.

— Então... — Wyatt prolonga. — Não. Eu não sei nada sobre


isso.

Shelby levanta as mãos e vai embora.

Eu me viro e deslizo minhas mãos em seu pescoço. — O que


você fez?
— Dan estava junto com os irmãos Marks. Não posso
confirmar, mas tenho certeza de que ele estava olhando para o
outro lado em troca de uma parte dos lucros. Então, criei uma
maneira de Dan desabafar um pouco em algumas cidades, aí eu
me certifiquei de que alguém tirasse fotos disso.

Isso nem me surpreende. Isso é o que Wyatt faz.

— Que tipo de festa foi? — Eu pergunto por curiosidade.

— Prostitutas e cocaína, — diz ele com naturalidade.

Tento não demonstrar meu choque. — Hum, bem. Acho que


Shelby estava certa. Que festa.

Wyatt levanta minha mão e a beija. Eu faço melhor e o beijo


na boca. O resto da noite é um borrão. Eu danço com todos os
homens Hayden, incluindo vovô. Nós rimos. Comemos, bebemos,
estamos tão alegres quanto podemos, o que é bom porque amanhã
tenho que voltar logo ao trabalho. O Wildflower Ranch não
funciona sozinho e todos os campistas chegam na próxima
semana. Estamos lotados e com pessoal completo. Passei muitas
noites acordada e preocupada em não conseguir atrair um
psicólogo para a pequena cidade de Sierra Grande, e então, como
um milagre, aconteceu. Certo dia, sentei-me em Marigolds
tomando café e uma mulher entrou. Ela veio direto para mim,
alisou a saia azul marinho bem passada e deslizou o currículo
sobre a mesa.

Sara Schultz. Psicóloga com foco em saúde familiar e


comportamental. Eu não fazia ideia. Eu a contratei na hora.
Eu precisava dela desesperadamente, pois essa era minha
única posição vazia, e ela precisava de mim também. Com Mickey
concluindo a reabilitação de controlando a raiva, ela precisava
sustentar sua família.

Wyatt me leva de volta ao rancho em sua caminhonete


decorada com latas. Ele para assim que estamos longe o suficiente
do Orchard e os arranca da caminhonete e os joga na caçamba.
Em todo o caminho para casa, nós os ouvimos rolando. Travis vai
para casa com Beau e Juliette esta noite.

Já que só temos esta noite sozinhos, estou planejando torná-


la boa. Tenley me deu a lingerie mais linda no meu chá de panela,
e estou usando-a por baixo do vestido.

Wyatt aprecia isso, mas não por muito tempo. Ele me devora
no segundo que tiro meu vestido.

Depois, ele prepara um banho para nós, desta vez com água
corrente de verdade. Meu coração incha quando o vejo testando a
temperatura da água. Ele entra primeiro e eu afundo depois dele,
me acomodando entre suas pernas. Ele esfrega sabonete nas
palmas das mãos e lava meus braços e seios, massageando meus
ombros e a parte superior das costas. — Você é perfeita, Jo. Eu te
amo.

Eu me inclino para trás nele, saboreando a sensação de seu


peito quente na minha nuca. Quando eu era mais jovem, não
esperava muito da minha vida porque me disseram que não.
Quando eu era mais velha, não esperava muito porque não achava
que merecia.
Então Wyatt apareceu e me ensinou como lutar por mim
mesma. Por minhas esperanças e sonhos.

Usei o que aprendi e lutei por ele.

Eu me inclino para trás e olho para meu marido. — Você é


uma pessoa que vale a pena amar, Wyatt. E eu vou me certificar
de que você nunca se esqueça disso.

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