Você está na página 1de 234

Copyright @2023 por Ariane Fonseca.

Capa: MRyu designer


Foto: Adobe Stock
Diagramação: Ariane Fonseca
Ilustrações: @luuhdraw / @mika_ilustra / @crislainy_arts
Revisão: Barbara Pinheiro
Análise crítica: Danielle Barreto, Elida da Silva, Letícia Loiola, Pollyana Fonseca e Ray Pereira
Esta obra segue as regras do Novo Acordo Ortográfico.
Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.
Todos os direitos reservados.
É proibido o armazenamento e/ou reprodução de qualquer parte desta obra através de quaisquer
meios sem o consentimento da autora.
A violação autoral é crime, previsto na lei nº 9.610/98, com aplicação legal pelo artigo 184 do
Código Penal.
Dedico este livro a todo leitor ciente que, na vida real, não existem mocinhos perfeitos como os
literários; mas no fundo do seu íntimo torce para encontrar alguém que vai enfrentar o mundo
por seu amor, surrando no ouvido “você é minha”!
ps: aqui você encontra mais um crush fictício cadelinha para aumentar o seu desejo.
Se é a primeira vez que você está lendo um livro meu, bem-vinda e espero que aprecie
muito a história de amor entre Cecília e Marcus.
Se você já conhece meu trabalho, quero dizer que este enredo, apesar da carga dramática
da protagonista, é uma versão mais leve da minha escrita. Não teremos grandes vilões, nem plots
complexos; embora seja viciada em escrever essas versões também.
A inspiração para a obra veio do filme Uma linda mulher, que eu amo de paixão. Aqui,
você vai encontrar um homem focado 100% no trabalho e uma prostituta dedicada à família,
percebendo que há muito mais na vida do que só a necessidade de sucesso ou pagar contas. Eles
são práticos no início, não querem relacionamento, e irão cair do cavalo como adoramos!
Estou torcendo para gostarem da aventura.
Com carinho,
Ari.
— O que acontece depois que ele sobe na torre e a salva?
— Ela o salva também.
Filme "Uma linda mulher”
SUMÁRIO
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Epílogo
Agradecimentos
Sobre mim
6 anos antes
Agradeço às centenas de leituras que tive nesses últimos anos, e aos comentários diários
que recebo para que eu comece uma nova história, mas vim avisar que irei parar de escrever.
Não tenho cabeça para fantasiar com personagens e seus “felizes para sempre” quando
a maioria esmagadora de nós vive em um eterno plot twist, em que as merdas não param de
acontecer.
Não vou mais conseguir ser hipócrita com a realidade – ela é dolorosa demais, minhas
caras.
A chance do pai que abandona o filho para seguir sua vida, voltar anos depois em busca
de redenção, é mínima.
O passado traumático muitas vezes se torna uma bola de neve sem solução; e ninguém
tem a fórmula mágica para curá-lo. Muito menos, com amor.
O vilão é de fato um vilão, e vai machucar você profundamente.
Os bad boys misteriosos continuam sendo babacas e deixam um rastro de dor para trás.
Espero que entendam minha decisão.
Adeus!
Atualmente
Nada é tão ruim que não possa piorar. À essa altura, eu já deveria ter me acostumado
com essa verdade, mas é impressionante como o destino consegue me surpreender com suas
merdas. Um dia. Um mínimo de 24 horas de paz, é pedir muito, se tratando da minha vida.
— Tem certeza que os sinais são apenas de embriaguez, Cilene? — Escondida atrás da
porta do armário, minha voz irritada sai baixa e entrecortada pelo esforço que o pulmão faz para
puxar ar.
Por sorte, há um burburinho agitado de fim de expediente ao meu redor e ninguém parece
notar minha agonia nos últimos minutos – desde que fiz essa droga de ligação, desesperada.
— Parece que sim. Ela está com a fala arrastada e não consegue andar em linha reta.
Vomitou duas vezes no quarto dela, e o cheiro estava forte de cachaça. Não houve aquela euforia
da cocaína. — Apoio o celular no meu ombro para liberar as mãos e enfio uma calça de moletom
pelas pernas, cobrindo a lingerie minúscula que estou usando. — Consegui convencê-la a tomar
um banho com muito custo, só que a Elisabete acordou com o barulho e corri para acalmá-la.
Não consegui limpar nada, estamos na sala pra eu ficar de olho nas duas.
Porra! Eu odeio muitas coisas nessa situação, no entanto, a pior delas é com certeza uma
criança de apenas cinco anos estar envolvida. A minha menininha não merece mais essa dor;
muito menos depois de tudo que já enfrentou e ainda terá que encarar pela frente.
— Não se preocupe com a bagunça. Eu estou saindo daqui a pouco e logo chego aí.
Ao desligar a chamada, jogo o aparelho na minha mochila, pego um par de tênis no
armário e coloco nos pés descalços sem sequer perder tempo com meias. Multitarefa, as mãos
ávidas alcançam uma camiseta larga também e, em instantes, estou apresentável para o mundo lá
fora. Em um dia normal, eu jamais iria para casa sem me limpar adequadamente, só que hoje não
é uma opção.
Cilene está há mais de uma hora resolvendo essa merda sozinha para não me atrapalhar
no trabalho. Mesmo que tenha transado com duas pessoas há pouco, e odeie me sentir tão suja,
não posso enrolar.
— É a Sofia? — Com o tom carregado de cautela, Laila se aproxima de onde estou;
falando baixo para não chamar atenção das outras garotas espalhadas pelo vestiário.
É claro que a minha amiga observadora não estaria no mar de burburinhos sem me notar.
Aposto que sabia que era Sofia pela minha expressão facial. Balanço a cabeça em concordância,
sentindo a garganta arranhar e a respiração novamente encontrar dificuldade para sair
corretamente pelo meu nariz.
— Eu posso ir com você, consigo me trocar rápi…
— Não precisa — corto-a antes de terminar a frase. — Ela bebeu muito, logo vai cair no
sono.
Laila fica em silêncio enquanto faço um rabo de cavalo baixo e tiro os cílios postiços. Ao
passar o lenço demaquilante na sombra dos olhos e depois no batom vermelho-sangue, com mais
força do que o necessário, seus dedos gentis tocam meu ombro.
— Sinto muito, de coração.
O incômodo na garganta se torna um bolo difícil de engolir. A vista embaçada é o sinal
da mudança da raiva dando lugar à tristeza. Toda vez que Sofia tem uma recaída, eu repito os
passos.
— A esperança é uma filha da puta. Pensei que… eu podia jurar que desta vez ia ser pra
valer e ao que parece ela está arrumando outro vício. — Encaro rapidamente seu rosto bonito,
com a maquiagem borrada do último cliente, e percebo o quanto sua preocupação é genuína pela
intensidade do seu olhar.
— Vamos passar por isso de novo, estarei com você; prometo. — Laila se aproxima
ainda mais e me puxa para um abraço lateral.
Antes que as lágrimas que estou segurando escorram pela minha bochecha, afasto-me do
seu corpo esguio e apanho a chave do carro na mochila. Apesar da fuga momentânea e de não
querer conversar neste momento, sei que realmente posso contar com ela.
É uma das poucas pessoas confiáveis que a vida me deu.
— Você pode ajeitar isso, por favor? — Pigarreio, desviando o foco de mim para a
bagunça que eu deixei no meu armário. Como forma de preservar minha mente, eu aprendi a ser
prática na marra. — Quero chegar em casa logo.
— Claro, vai lá. Me manda mensagem assim que puder pra avisar como estão as coisas.
Aceno com a cabeça e não enrolo mais. Apresso meus passos para não ser interrompida
pelos corredores enquanto alcanço o estacionamento subterrâneo privativo dos funcionários.
Com as luzes ligadas, a exposição do meu corpo – mesmo coberto e apenas para aqueles que
iniciam a limpeza do espaço – se torna incômodo demais.
O momento do dia de desligar a chave e voltar para a outra Cecília é sempre complicado.
Fingir uma personagem dentro destas paredes se tornou natural no decorrer dos anos; fora desta
bolha, porém, é assustador a maior parte do tempo.
Assim que entro no veículo, pego os óculos deixados no banco do carona e observo meu
reflexo no espelho retrovisor ao colocá-lo no rosto. Não tem grau, é apenas um acessório do
disfarce.
Chega a ser ridículo pensar que uma roupa larga, o cabelo preso e a cara limpa com uma
armação cafona pode mudar alguma coisa, mas estranhamente isso me dá uma sensação de
proteção.
Fora deste clube ou de casa, sempre estou assim. Tem funcionado bem; nunca me
reconheceram dessa forma.
Blindada pelo insulfilm do carro, acelero até subir à superfície e sigo pelas ruas
aproveitando que a essa hora da madrugada não há trânsito para me impedir de dirigir com
agilidade de Moema aos arredores do Parque Ibirapuera.
Quando estava procurando um lugar para alugar, queria que fosse próximo do trabalho
para poder ser rápida no caso de uma emergência; só que nesta região é tudo uma fortuna.
A família da Laila tem alguns imóveis investidos na cidade e ela fez questão que eu
ficasse em uma casa a quinze minutos de distância, por um preço abaixo do mercado. A rua é
tranquila, quase um refúgio do ritmo acelerado de São Paulo. Apesar de não ser um condomínio
fechado, é um local seguro e com bastante privacidade.
Eu ansiava evitar porteiros fofoqueiros e vizinhos curiosos. Permitir um mínimo contato
da Elisabete com a natureza foi a cereja do bolo para aceitar sua oferta generosa. A pequena ama
observar as árvores pela janela do seu quarto rosa e adora o quintal espaçoso com a cama elástica
para brincar.
Um sorriso tímido surge nos meus lábios ao lembrar a felicidade dela quando nos
mudamos. Forço meu cérebro a ficar pensando só nisso até chegar ao destino para não surtar.
Funciona por um tempo, mas logo que abro o portão da varanda e vejo a luz do abajur da
sala pelo reflexo da janela, o esforço se esvai completamente. À essa altura a raiva já se foi e a
tristeza se alojou no seu cantinho costumeiro do meu peito. Desligo o motor e pego a minha
mochila, fechando os olhos por um breve instante antes de descer.
Inspiro fundo com a testa encostada no volante ciente que, assim que Sofia aparecer no
meu campo de visão, a única coisa que vou sentir é vontade de colocá-la nos meus braços como
fazia quando éramos crianças e abafar sua dor com meu abraço. Mesmo que seja tão exaustivo, e
arranque mais um pedaço do meu coração, passar por todo tormento das suas recaídas de novo.
— Vamos, garota, você dá conta! — sussurro como um mantra, obrigando meu corpo a
agir.
Abro os olhos a contragosto e saio do veículo de uma vez, entrando na sala devagar ao
dar de cara com uma cena que acelera meus batimentos cardíacos. Sofia está esparramada no
sofá e Elisabete está no colo da Cilene, em uma poltrona improvisada ao lado do móvel. Um dos
bracinhos da criança paira esticado no ar para tocar os dedos da mãe.
Ambas estão dormindo tranquilas, como se nada tivesse acontecido.
— As duas não queriam se separar — a mulher explica baixo para não as acordar. — Sei
que você não gosta que fiquem juntas nesse estado, me descu…
— Tudo bem, eu entendo — interrompo-a com a voz embargada.
Deixo a mochila, as chaves e os óculos no aparador próximo à porta, vidrada na cena. A
cada passo que dou na direção delas, minha pulsação aumenta desenfreada. Mesmo bêbada,
minha irmã reconhece a filha e segura com delicadeza sua pele. Eu realmente odeio que a
Elisabete a presencie fora de si, mas como vou ficar brava com algo tão genuíno?
Não há um milímetro de dúvida em mim de que Sofia a ama com toda sua alma. Embora
não concorde com suas ações, as recaídas sempre estão ligadas à garotinha e à impotência que
sente para lidar com os problemas.
É por isso que posso ficar com raiva, só que não dura muito até mudar para tristeza e,
logo em seguida, determinação de ajudá-la mais uma vez.
Me agacho quando me aproximo da minha sobrinha e faço um carinho no topo do seu
cabelo, que está preso em um coque alto. Os dedos deslizam lentamente pelos cachos jogados
para cima, e depois seguem para a sua bochecha rechonchuda.
Ela é linda, parece um anjinho.
— Descanse, meu amor. Vai ficar tudo bem com a sua mamãe e com você também. —
Beijo a ponta do seu nariz, segurando novamente as lágrimas.
Preciso acreditar que estou falando a verdade. Preciso, senão… Balanço a cabeça,
afastando-me da pequena. Não há espaço para o senão. Alguém precisa ficar firme e aguentar
aqui. E esse alguém sou eu.
Vou dar conta como sempre dei.
— Pode levá-la para o quarto, eu cuido do resto. — Separo os dedos entrelaçados das
duas e apoio o braço de Elisabete nos ombros da Cilene. — Obrigada por tudo.
— Você sabe que pode contar comigo. — Antes de se levantar com a criança no colo, ela
busca meu olhar e me oferece um sorriso de conforto.
Aceno com a cabeça para o seu gesto em agradecimento. Assim como Laila, realmente
posso contar com a senhora simpática de cabelos tingidos de vermelho. Cilene era nossa vizinha
no antigo bairro que moramos, e sempre esteve presente.
Ela ajudou a enfrentar a barra quando meu pai foi embora aos dez anos.
Enxugou nossas lágrimas na morte da minha mãe, sete anos depois.
Não permitiu que a gente passasse fome ao ficarmos sozinhas no mundo.
E agora cuida das pessoas que mais amo enquanto estou fora.
A nossa rede de apoio em casa vem exclusivamente dela. Sua filha Débora reveza nos
turnos de 12 por 36 horas de noite; e durante o dia a cunhada Nanda nos auxilia com serviços
domésticos das sete à uma da tarde.
Toda vez que eu agradeço por “tudo”, é realmente tudo. Dinheiro nenhum no mundo é
capaz de pagar sua preocupação sincera com nosso bem-estar.
Cilene e seus parentes sabem como sustento a minha família e nunca disseram nenhuma
palavra depreciativa sobre a prostituição. Ela e sua filha respeitam tanto meu trabalho que já
aguentaram muitos perrengues de madrugada para não me preocuparem durante o expediente.
Meu celular fica no armário e consigo ver mensagens entre o intervalo de um cliente para
outro. Em raríssimas exceções, como uma emergência grave demais, elas entram em contato na
administração do clube para que eu seja comunicada. Isso só aconteceu uma vez em três anos e
meio que estou lá.
Quando vi o recado e liguei de volta hoje, tinha acabado de tirar as sandálias e estava me
preparando para entrar na ducha. Cansada do turno puxado já no fim, a última coisa que eu
esperava era descobrir que minha irmã fugiu de casa sem ser notada e apareceu horas depois,
bêbada.
Fazia meses que ela não sumia na calada da noite para buscar fuga na rua.
Durante o dia, Sofia não deu nenhum sinal que estava em uma crise nervosa, então, não
houve necessidade de entrar em vigilância. Cilene dormiu no quarto da Lis e só descobriu tarde
demais, ao escutar barulho de objetos caindo na varanda.
Se eu for bem sincera, houve indícios, sim. Eles estavam claros há três dias. Eu que não
quis ver; ávida em acreditar que seria diferente.
O silêncio por vezes é mais perigoso que a gritaria.
Fico em pé e acompanho com o olhar Elisabete ser levada de volta para o seu quarto.
Antes de fazer o mesmo com a minha irmã, vou até a área de serviços e pego os utensílios
necessários para limpar a sujeira que ela deixou para trás.
O cheiro nojento de vômito quase me faz vomitar também. Tento limpar o mais rápido
que eu consigo, aflita para afastar da memória os momentos que presenciei seu corpo em
abstinência repetir o ato.
Assim que o odor fica minimamente aceitável, guardo o que usei, lavo as mãos e vou
buscá-la no sofá. A estatura baixa igual a minha, e o corpo magro, facilitam a tarefa de erguê-la e
apoiar seu peso nos meus ombros.
Quando estou prestes a começar a andar, ela se remexe nervosa e quase nos derruba no
chão. Estava bom demais para ser verdade.
É claro que não seria tão fácil para mim.
— Não me… não me toque! — diz com a voz arrastada, dando um solavanco na minha
costela.
Encolho o tronco para frente, soltando um murmúrio pela cotovelada. Droga!
— Sou eu, Sofia! — aviso entredentes, me controlando para não falar alto. — Calma,
vamos para o quarto.
— C.e.c.i. É você, Ceci? — O tom e a dramaticidade aumentam enquanto briga para abrir
os olhos pesados.
Coloco a mão livre na altura da boca, pedindo silêncio ao mesmo tempo que a posiciono
ereta mais uma vez.
— Sim, sou eu. Você precisa ficar quieta, a Lis está dormindo. — Uso o apelido que a
pequena ama ser chamada. — Não podemos acordá-la.
— Minha irmã. Minha filha. — Noto o momento que lágrimas se acumulam nas suas
pálpebras, mas não tenho muito tempo para observá-las porque logo sou puxada para frente com
tudo.
Sofia enterra a cabeça no meu pescoço e me aperta forte, me permitindo sentir o seu
coração bater acelerado contra o peito.
— Des… desculpa. — A única palavra, novamente arrastada, me quebra.
Engulo em seco, quase cedendo ao choro que recusei tantas vezes desde que recebi a
ligação. Geralmente, ela fica agressiva quando está drogada, o álcool a deixou mais vulnerável.
Não que isso seja bom. Eu só a queria limpa, inteira.
— Vamos dar um jeito em tudo! — sussurro no seu ouvido, abraçando-a de volta.
A proximidade faz o cheiro dos seus cachos, ainda um pouco úmidos do banho que
Cilene deu, inundar meus sentidos, finalmente, conseguindo derrubar algumas lágrimas pelo meu
rosto. É xampu de cacau, que Sofia ama desde criança e ensinou Elisabete também a amar.
É o seu cheirinho, o da irmã que eu conhecia antes de tanta dor. A que um dia terei de
volta, saudável; assim como minha sobrinha.
Eu posso não acreditar mais no “felizes para sempre”, no entanto, farei todo possível para
que elas cheguem perto disso.
Aceno em negativa e tento abrir um sorriso educado para o garçom que me oferece mais
uma taça de Moët & Chandon, mas o gesto se torna um mover de lábios mecânico.
Eu não consigo disfarçar quando estou puto. E, no caso, já perdi a minha paciência há…
observo o relógio reluzente no meu pulso de novo e me remexo na cadeira, louco para ligar o
foda-se. Meu limite estourou exatas três horas e dezessete minutos atrás, quando esta festa
deveria ter encerrado.
— Sempre me surpreendo em como você é péssimo no quesito sociável. — A risada alta
de Felipe atrás da minha cabeça vem acompanhada das suas mãos apertando meus ombros.
Movo os músculos, afastando seu contato antes que amarrote meu terno. Sem cerimônia,
ele se senta na cadeira vazia ao lado, ocupada pela minha irmã que foi ao banheiro, e rouba uma
amora da panna cotta que ela estava comendo com os dedos sujos.
Toda vez que perguntam como nos tornamos melhores amigos, eu nem sei como
responder. Somos completamente opostos. Em tudo.
Ele é barulhento; eu silencioso.
Ele adora toque físico; eu apenas o necessário.
Ele ama ser inconveniente; eu sou reservado.
— Aliás, vocês dois, entram em uma disputa acirrada para descobrir quem é pior —
Felipe corrige seu comentário, rindo para Tereza acomodada à minha direita. — Levantem a
bunda dessas cadeiras e se misturem com a nata da sociedade. O prefeito já bebeu além da conta,
ótima oportunidade para estreitar laços.
Observo seu cabelo molhado de suor e a gravata solta no seu colarinho. Ele estava
provavelmente na pista de dança aproveitando a banda, que precisou esticar sua apresentação
muito além do nosso planejado por causa do ilustríssimo prefeito.
Meu olhar se move para a área de fumantes do salão sofisticado e encontra a figura
baixinha do homem grisalho, que deve estar no seu décimo cigarro tendo em vista o tempo que
está lá gargalhando, bebendo e fumando.
Uma cena irônica, aliás, na comemoração dos 70 anos de um dos hospitais mais
respeitáveis do país.
Na rodinha do bate-papo nocivo, meus pais e os da Tereza, junto com seu irmão mais
velho, fazem companhia a outros políticos convidados e assessores puxa-saco. Porra, se eu estou
sem paciência aqui; lá estaria a ponto de cometer um assassinato.
Definitivamente, não sirvo para fazer social.
— O que eu tinha que conversar já foi dito no início do evento, quando todos estavam
sóbrios e focados no objetivo do jantar — respondo baixo, apesar de não ter mais ninguém ao
redor. Os que restaram ou estão próximos ao palco ou na bajulação. — Agora a presença deles
só serve como um estorvo para a minha saída.
Queria ter ido embora no máximo às duas da manhã, junto com os demais membros da
comunidade médica que vieram prestigiar o aniversário e são muito cientes de que há um
expediente nos esperando daqui a pouco.
— Já aguentamos demais, aquela conversa não parece que acabará tão cedo. Vamos
apelar para a desculpa de que estou indisposta e você vai me levar pra casa — Tereza sugere
buscando meu olhar e um sorriso sincero surge no meu rosto.
Tudo que eu mais quero é a minha cama neste momento. Mesmo que seja para menos de
três horas de sono.
— Vamos! — concordo de prontidão. — Não vai soar deselegante com o salão quase
vazio, ainda temos a sua viagem para Portugal no início da tarde como outro pretexto para
reforçar que precisa descansar.
— Só idiota pra acreditar nessa historinha. — Felipe ri mais uma vez, pegando outra
amora. — Está estampado na cara de cu de vocês que não aguentam mais ficar aqui.
— Que diabo vocês beberam enquanto eu ia ao toalete para inserir cu na conversa? —
Nívea se aproxima da mesa e dá um tapa no braço do meu amigo ao perceber que ele está
comendo a sua sobremesa.
— Eles vão inventar uma história ruim pra ir embora, mas não fique triste, querida. Eu
vou adorar entretê-la enquanto esperamos o nobre prefeito se retirar do recinto.
— Quem vai adorar saber da sua oferta é a sua noiva, Siqueira — minha irmã rebate
irônica, fixando o foco na aliança dourada no dedo do seu ex-affair.
Felipe e eu estudamos na mesma turma de medicina; Nívea foi nossa caloura. Totalmente
contra minha vontade, os dois tiveram um envolvimento nessa época e até hoje meu amigo a
provoca.
— Pode apostar que ela vai mesmo. Se a coisa esquentar, posso até fazer uma chamada
de vídeo que o voyeurismo irá acordá-la em instantes.
— Meu Deus, ele realmente achou alguém igual? — Nívea comenta olhando para mim,
em um misto de descrença e diversão.
— Eu disse. É igualzinho.
Minha irmã estava trabalhando no projeto Médicos sem Fronteiras e retornou anteontem
para o Brasil, depois de dois anos fora. Tinha comentado com ela que Felipe vai se casar com
uma garota 16 anos mais nova e idêntica a ele no jeito livre de pensar.
A jovem não veio, porque é modelo fotográfica e viajou para o Rio Grande do Sul, onde
irá participar de um ensaio. Acho estranho toda essa modernidade dos casais de hoje em dia,
contudo, não estou exatamente em uma posição de julgar relacionamentos.
Tereza e eu estamos aqui como marido e mulher, casados no papel há 14 anos; só que há
dois sequer trocamos um beijo de verdade. No máximo, selinhos e toques sutis em público.
Nossa união é apenas de fachada.
Nem sempre foi assim, embora, também nunca tenha sido uma paixão avassaladora. Eu já
vivi isso uma vez e não acredito que se repita.
Quando nos conhecemos estávamos muito focados no trabalho e acabou sendo uma
aproximação natural que trouxe um salto gigante para nossa carreira. Tentamos fazer funcionar
na parte romântica, mas percebemos que nossa parceria era apenas isso: respeito, amizade e
companheirismo comercial.
— Mal chegou e já andou perguntando de mim para o seu irmão, querida? — Felipe não
perde a chance de perturbá-la. — Ficou com saudade, né? Admite que pensou em mim todos os
dias!
— Com uma rotina de 17 a 19 horas de trabalho, em um lugar sem nenhuma estrutura,
acha mesmo que eu perdia tempo pensando em você?
O foda-se não aguenta mais ser reprimido. Levanto da cadeira e estico a mão para Tereza,
ajudando-a ficar em pé.
— Agora que não tem plateia, essa conversa também não vai acabar tão cedo, e será tão
enfadonha quanto estar com os políticos. Vamos nos despedir logo, às dez quero estar no
hospital para a reunião do financeiro sobre o benefício aos funcionários.
Muito mais do que organizar um jantar caríssimo, eu prefiro valorizar os colaboradores
que ajudam no dia a dia a salvarmos vidas. O aumento salarial em comemoração ao aniversário
não está sendo bem-visto pelo comitê executivo e os acionistas. Querem contemplar apenas os
médicos, enquanto eu insisto na bonificação para toda equipe – especialmente, o pessoal da
enfermagem e da limpeza.
Ser o CEO não significa que posso implementar o que quero. Terei que ser bem
específico no relatório de impacto financeiro e projeção de lucro para dobrá-los na decisão.
Distraídos em um embate, minha irmã e Felipe nem reparam direito quando aviso que
estamos indo. Logo que entramos na área dos fumantes, o cheiro de cigarro inunda meu nariz;
junto com a risada alta dos presentes. Ao que parece, estão ostentando viagens e bens de luxo.
Típico.
— Senhoras e senhores, peço licença para avisá-los que precisamos nos retirar. Tereza
está com um pouco de tontura e dor de cabeça. Necessita repousar para melhorar, pois tem uma
viagem importante logo mais.
— Já? Que pena! — Repreendo a vontade insana de olhar no relógio e esclarecer ao
vereador que fez o comentário que horas são.
— Nos desculpe pela saída abrupta — minha esposa complementa, oferecendo um
sorriso gentil com a mão na têmpora para ajudar no teatro. — Estou realmente me sentindo
indisposta. Fiquem à vontade o quanto quiserem, foi uma honra recebê-los hoje.
Iniciamos os cumprimentos de despedida um por um; tendo maior atenção da minha mãe
que adora a nora e parece acreditar na nossa desculpa. O meu sogro, por outro lado, não
consegue disfarçar o semblante irritado em direção à filha.
Não comprou a encenação, com certeza.
É a família dela quem tem contatos influentes no meio político e eles prezam demais
pelas aparências – algo que os meus pais também aprenderam a valorizar devido à convivência.
Foi por causa desse jeito incisivo dos Matarazzo, sempre sufocando a Tereza mesmo
sendo uma mulher feita de 41 anos, é que eu sugeri que mantivéssemos o casamento de fachada;
pelo tempo que ela precisasse.
Eu sou a única pessoa para quem realmente se abre, e tinha ciência da pressão na época
da nossa conversa franca, por estar chegando à fase do climatério sem conseguir gerar um filho.
Os seus pais fizeram um inferno disso, não respeitando os três abortos espontâneos que sofremos
durante os últimos anos.
Fora a pressão por um herdeiro da união de duas famílias tradicionais da sociedade
paulistana, havia também a insistência em não reconhecer Tereza como a legítima diretora
executiva do grupo Futech – o que, fodidamente, continua se repetindo, apesar das suas
incessantes conquistas.
O seu irmão mais velho é quem ganha as glórias, mesmo sendo um ordinário
incompetente e preguiçoso. A única coisa que sabe fazer é fingir na frente dos outros.
A sua luta por reconhecimento me faz lembrar muito da minha bisavó, Emília, que leva o
nome do hospital. Formada na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, a primeira
escola pública de nível superior do Estado a permitir o ingresso de mulheres, a matriarca da
família Lobato teve que insistir muito para ganhar prestígio no setor.
As batalhas são diferentes; uma com a sociedade machista do século 20; e a outra com
uma família conservadora do século 21; só que a missão é a mesma: provar seu valor.
Ao contrário das suas colegas, que se formavam e no máximo conseguiam vaga como
voluntárias, minha bisavó aproveitou o fato de viver em um lar abastado para convencer seu pai
que era empresário a investir em uma clínica própria na cidade.
Tudo começou de forma pequena em 1922 até a compra de um hospital privado em
falência, no ano de 1953. Os Lobato foram chamados de loucos por apostar em um negócio
fadado ao fracasso, e hoje somos considerados um grupo de saúde visionário em toda América
Latina.
— Vejo você de novo no final do mês, rapaz! — O prefeito me puxa para um abraço
desajeitado, ao invés de aceitar minha mão estendida quando o cumprimento. Sua roupa fede
fumaça e álcool. — Estarei na reunião do Ministério da Educação para a liberação da faculdade.
Vou conseguir isso pra vocês, vamos juntos levar o nome desta cidade para outro patamar!
É claro que ele vai estar. E é claro que vai tentar levar vantagem dizendo que ajudou em
algo que não precisamos em nada da sua ajuda. O projeto da nossa faculdade já é sólido e muito
bem estruturado, a reunião é apenas uma formalidade.
— Estou confiante de que dará tudo certo. — Forço um sorriso de concordância à sua
oferta e me afasto dele, ajeitando o terno que amassou. — Tereza tomou a frente do projeto e
organizou muito bem a solicitação dos primeiros cursos de Medicina e TI para a área da saúde.
— Ninguém segura esse casal! — uma das assessoras enaltece e vários murmúrios
reafirmam nossa parceria de sucesso.
— Para continuarmos firmes e fortes, preciso ser um bom marido e cuidar da minha
esposa. — Aproveito a brecha e enlaço a sua cintura, deixando um beijo na lateral da sua cabeça.
— Com licença, precisamos mesmo ir. Obrigado pela presença, mais uma vez.
Antes que comecem outros falatórios, viro de costas e caminho com nossos corpos
colados, como se fôssemos um casal apaixonado e preocupado.
Para ser sincero, continuar casado não é totalmente altruísta; seria hipócrita se dissesse
isso. Somos bons juntos, profissionalmente falando. Além disso, a mídia especializada gosta de
nós e estamos sempre ganhando propaganda gratuita pelos nossos feitos.
Grande parte do salto que demos da inauguração do hospital Emília Lobato até hoje se
deve a minha parceria com a Tereza. Com a expertise da Futech em tecnologia, convenci minha
mãe a modernizar os atendimentos e apostar onde ninguém estava olhando uma década atrás.
O sucesso foi tamanho que fui elevado ao posto de CEO enquanto ganhávamos dezenas
de certificações internacionais e nos tornávamos referência em diversas áreas. Do lado dos
Matarazzo, a união rendeu um novo braço focado em saúde que levou a empresa para 16 países.
Enquanto ela quiser, não irei me opor em manter as aparências porque está cômodo para
mim assim. Somos discretos com casos extraconjugais, e só contamos a verdade para pessoas de
extrema confiança.
Se depender de uma escolha minha, essa realidade não vai mudar. Não tenho nenhuma
pretensão de assumir outra mulher a essa altura da vida.
A única coisa que me importa no momento é alcançar ainda mais sucesso profissional.
Remexo na cama, assustada, por causa do barulho estridente do despertador, e pisco para
que meus olhos se acostumem com a luminosidade do quarto. Estico o braço até a mesa de
cabeceira e apanho o celular, desacreditada de que já está na hora de levantar.
Merda, parece que eu adormeci há apenas cinco minutos.
Minha mente está tão esgotada que meu corpo nem se ligou que amanheceu. Geralmente,
tenho um relógio biológico dentro de mim e acordo antes do horário, mesmo deitando tarde.
— Já são oito horas? — A voz rouca ao meu lado me faz sentar na cama e desligar o
aparelho irritante.
Toda preguiça matinal, e o cansaço ainda evidente, perdem para o meu anseio em
conversar com Sofia antes de ir acordar minha pequena dorminhoca.
— Sim. — Coloco o celular de volta no móvel e tiro a touca de cetim que usei para
dormir.
Resolvi não ir para o meu quarto para ficar de olho na minha irmã, caso vomitasse de
novo. Depois que a deixei na cama, fiz uma trança frouxa para seu cabelo não amanhecer muito
danificado, tomei uma ducha rápida, mandei mensagem para a Laila e apaguei.
Apesar do nível de exaustão e de não acordar antes do despertador, se acontecesse algo ia
notar. Ocorre a mesma coisa com a Elisabete, adquiri uma espécie de alerta sobrenatural como as
mães costumam ter.
— Você está muito brava? — ela pergunta diante da minha resposta sucinta, evitando
olhar nos meus olhos enquanto se senta também.
Observo suas bochechas ganharem uma tonalidade rosada e os dedos esfregarem a
têmpora para cima e para baixo, provavelmente com uma dor de cabeça infernal da ressaca.
— Sabe muito bem que minha irritação não dura muito. — Pego a squeeze deixada na
mesinha de cabeceira, balanço, notando que tem um resto de água, e entrego na sua mão. — Só
que sua atitude não ficará por isso mesmo. Temos que tomar novas medidas.
— Foi só um des…
— Não ouse dizer essa palavra! — interrompo sua desculpa, séria.
Embora tenha me emocionado mais cedo com o cheiro do xampu de cacau, não irei
passar a mão na sua cabeça desta vez, acreditando ser apenas um deslize.
Minha irmã já tinha se alterado duas semanas atrás, quando comprou vodca escondido e
entornou metade da garrafa no meio da tarde, aproveitando que ficou sozinha em casa. Entendi
na época que foi um momento de desespero, só que fugir de madrugada eleva a situação a outro
patamar.
Sofia, de fato, pode estar começando a trocar um vício pelo outro depois de seis meses
limpa. A dependência do álcool é um passo muito próximo de fazê-la recair na dependência
química.
— Onde você estava e com quem?
A resposta não vem imediata. Ela toma um gole da água e aperta a têmpora de novo. Seu
rosto fica ainda mais rosado.
— Como saiu no meio da noite sem ser vista? — insisto.
— Eu esperei a Lis e a Cilene pegarem no sono, saí por volta da meia-noite. — Preciso
inclinar o corpo para ouvir a voz baixa. — Não estava com ninguém, caminhei sozinha até
aquele boteco, que tem perto do hortifruti que fazemos a feira semanal.
— Você foi a pé? São pelo menos vinte minutos andando! — Meu tom aumenta,
preocupação apertando meu peito só de imaginar tudo de ruim que poderia ter acontecido neste
trajeto.
Sofia acena com a cabeça, tomando mais um gole do líquido na squeeze.
— Depois de tudo que já passamos… você sabe, merda… sabe o perigo de estar tão
vulnerável. Quando pisou na calçada, tinha plena noção de que iria beber ou fazer coisa pior.
Por causa dessa vulnerabilidade, minha irmã quase foi estuprada três anos atrás. Entupida
de pó, ficou à mercê de qualquer um no meio da rua e foi arrastada até um beco.
O agressor chegou a tocar seu corpo e rasgar suas roupas de baixo. O fato só não foi
consumado porque, por milagre, uma viatura da polícia passou no nosso antigo bairro esquecido
por Deus e notou a atividade estranha.
Esse dia foi o estopim da nossa longa saga; a data que eu descobri que Sofia estava se
drogando há meses pelas minhas costas. Primeiro com maconha, depois ecstasy e, por fim, a
desgraça da cocaína.
— Me… me desculpa, Ceci, eu… eu tentei me controlar — confessa com a voz
embargada. Seus olhos ainda não olharam para os meus, arrependidos. — Só que toda vez que eu
buscava o equilíbrio a imagem da Lis tendo espasmos vinha na minha mente. Minha
menininha… — Ela inspira tão pesado que o som doloroso reverbera na minha pele, eriçando os
pelos. — Ela está piorando e não podemos fazer nada.
Droga, eu odeio essa tristeza dela tanto quanto odeio essa maldita condição!
Elisabete é diagnosticada com Huntington, uma doença degenerativa do sistema nervoso
central, cujos sintomas são causados pela morte acelerada das células de uma parte do cérebro.
Esse dano cerebral provoca alterações motoras no corpo; atrapalha as funções cognitivas
como pensamentos, julgamentos e memória; além de afetar o equilíbrio emocional do paciente.
Apesar de não ter cura, os primeiros sintomas costumam aparecer lenta e gradualmente
entre os 30 e 50 anos. Até essa fase, é possível viver uma vida normal sem sentir os efeitos
devastadores da doença. Só que há uma variante mais severa, e rara, que consegue se
desenvolver ainda na infância e adolescência; denominada DH Juvenil.
Para o meu desespero, essa versão diminui a expectativa de vida para cerca de dez anos
após a manifestação.
Minha sobrinha começou a demonstrar os sinais aos dois anos e tem piorado, desde
então. Há três dias, iniciou um sintoma característico da doença, que são movimentos
involuntários e rápidos tecnicamente chamados de coreia.
Sofia ficou em um silêncio absoluto depois que presenciou os primeiros espasmos da
filha. Eu deveria ter entendido essa quietude como um alerta, mesmo aguentando três dias dessa
vez. Na ocasião que ela bebeu no meio da tarde, Lis tinha esquecido por alguns segundos o nome
dos seus personagens preferidos – em um desenho que assiste, no mínimo, dez vezes por dia – e
minha irmã também ficou silenciosa.
Cada piora significativa no seu quadro gera um gatilho difícil de lidar.
— Eu também me sinto impotente, a cada piora meu coração parece ser esfaqueado mais
fundo — digo, tocando seu rosto até que olhe para mim. Uma lágrima desce e me faz engolir em
seco. Queria tanto que tudo fosse diferente. — E a dor vem duas vezes, por ela e por você. Sua
filha precisa da mãe bem para lutar. Eu preciso das duas bem na minha vida!
— Eu sei, quero isso… — O seu choro aumenta, assim como o aperto no meu peito. —
Me perdoa por não conseguir.
— Você vai conseguir! Vamos reiniciar o tratamento, estarei com você de novo quantas
vezes precisar.
— Eu só bebi duas vezes, não usei drogas em nenhuma dessas oportunidades, acha
mesmo que é necessário o tratamento? Somente a psicóloga não consegue me ajudar?
— Tenho certeza que é necessário, sim! — reforço, firme. — Se somente a terapia
regular estivesse ajudando, você não se renderia ao gatilho. Precisa de mais ajuda antes que se
torne um problema maior.
Além da vergonha que sente toda vez que precisa dar um passo para trás, Sofia odeia
tomar antidepressivos e ansiolíticos, que auxiliam no controle do vício, porque acha que a
deixam sonolenta e desanimada. O tratamento geralmente é feito combinando o uso de
medicamentos com psicoterapia individual e atividades em grupo.
Essa vai ser a terceira vez que recorremos a esse método, que é uma tentativa de conter os
danos antes de uma medida mais drástica como a internação. Já vivenciamos esse último por
duas vezes e é bem desgastante.
Começamos com o tratamento ambulatorial, houve uma internação de três meses porque
não funcionou, depois aconteceu uma recaída que iniciou outro tratamento e, por fim, diante de
uma nova recaída mais grave, optamos pela internação de seis meses.
Foi ela que gerou a esperança em mim porque minha irmã voltou aparentemente bem
melhor, e ficou limpa como nunca desde que descobrimos a dependência. Estava fazendo apenas
o acompanhamento online com uma terapeuta fora da clínica.
— Tudo bem, eu faço o que for preciso. Não quero que a minha menina tenha memórias
de mim como ontem, que não se orgulhe da mãe.
— Ela se orgulha! Te ama demais, e sabe que é amada. — Subo o contato para o topo do
cabelo trançado, acariciando os fios cacheados.
Como se sentisse que estamos falando dela, logo em seguida uma batida ecoa pelo quarto
e Nanda avisa do outro lado que minha sobrinha acordou e está agitada querendo nos ver.
A cunhada da Cilene é tão confiável quanto ela e sua filha trabalhando conosco. O
horário noturno começa às sete da noite e vai até às sete da manhã. Como Elisabete raramente
levanta sozinha, fico despreocupada em dormir mais um pouquinho mesmo com a troca de turno
entre as funcionárias.
— Está vendo como te ama? — Sorrio, conseguindo arrancar um sorriso fraco do rosto
da minha irmã também. — É um milagre essa criança levantar por livre e espontânea vontade.
Sofia enxuga rapidamente as lágrimas e se ajeita na cama enquanto autorizo a entrada.
Não demora dois segundos para uma miniatura de gente surgir correndo pelo quarto.
— Devagar, mocinha! — repreendo, preocupada com as perninhas apressadas.
Há mais ou menos um ano, a doença de Huntington deixou os movimentos da minha
sobrinha mais rígidos e os seus reflexos mais lentos, o que causa muitas quedas se não tomar
cuidado.
Elisabete obedece, no entanto, logo alcança a cama onde pula animada e agarra a mãe
pelo pescoço; dando um abraço gostoso. Eu amo vê-las juntas, são a cópia uma da outra
fisicamente com olhos pequenos, nariz curto e lábios finos. Elas puxaram os traços maternos da
família.
Eu, por sua vez, puxei os traços do traste do meu pai. A única semelhança em nós é o tom
da pele negra, os olhos e cabelos castanhos; além dos cachos – embora há anos eu use uma lace
loira com fios lisos por causa do trabalho.
— Você tá bem hoje, mamãe Luluca?
Volto a sorrir, sempre achando graça em como ela apelida as pessoas à sua volta com
referências de filmes, desenhos ou canais do Youtube que é viciada. Tirando eu, que há semanas
sigo firme sendo a Faísca, nova personagem da Disney, geralmente, não dura três dias até que
mude mais uma vez.
— Bem melhor agora, com esse abraço maravilhoso da minha princesa Lis.
A forma de tratamento a ela na sua presença é irrevogável; minha sobrinha se intitula
uma princesa pônei que governa Equestria, junto com suas amigas Celestia e Luna, do desenho
My little pony – o seu preferido de toda existência.
— E eu não ganho? — brinco, fazendo biquinho na sua direção, ao perceber que minha
irmã fica sem graça de relembrar seu estado alcoólico. — Assim tenho ciúme.
— Claro que ganha abrauço, titia Faísca.
A única hora do dia que é fácil sorrir é junto com essa garotinha incrível. Abro os braços
e ela pula em cima de mim, apertando suas mãozinhas pequenas na minha nuca.
Seguro suas pernas e a envolvo em volta da minha cintura, trazendo seu coração para
bater na altura do meu agitado na sua presença. Deixo um beijo na ponta do seu nariz, enquanto
ela responde empolgada à pergunta sobre o que fez ontem depois que saí, a fim de manter o
clima leve no quarto.
Lis tem algumas dificuldades na pronúncia e às vezes não encontra o jeito certo de se
expressar nem de construir as frases. Infelizmente, como é uma doença degenerativa cerebral,
não há um prognóstico de melhora em nenhum sintoma. Ao menos que aconteça um milagre e
encontrem uma cura nos próximos anos.
É o que mais desejo – mesmo com milagres sendo raros para mim.
— A conversa está boa, mas precisamos levantar, princesa Lis. Temos que tomar café,
fazer a lição e nos arrumarmos para a consulta na fono. — Eu a tiro do meu colo e começo a sair
da cama. — Não dá pra atrasar a volta hoje que é o dia do cabelo maluco na sua escolinha.
— Ninguém vai ter o bebelo mais lindo que o meu! — comenta, animada, já se
levantando também. — Mamãe Luluca, você vai com a gente na titia médica?
A pergunta termina no mesmo instante em que o braço se remexe para um lado e a
cabeça para o outro. Os olhos da Sofia imediatamente se fixam no espasmo e noto a dificuldade
para engolir a saliva.
— A mamãe está com dor de cabeça — intervenho pela minha irmã. — Precisa descansar
agora cedo, meu amor, porque também vamos sair para outro médico à tarde.
— Si… sim. — Ela pigarreia, passando a mão na garganta. — Mamãe vai se cuidar pra
de noite poder brincar muito com você depois que chegar da escolinha.
— Oubaaaaa!
Inocente, Elisabete vira as costas e caminha até a saída do quarto. Vai tagarelando em voz
alta, com a Nanda que já voltou para a cozinha, sobre seu café da manhã.
— Obrigada por cuidar tanto de nós. — Sofia fica de pé e me olha como se eu fosse uma
espécie de ser divino.
— Nossa família é a única coisa com sentido pra mim. Nunca vou soltar a mão de vocês.
— Dou a volta na cama e me aproximo dela, entrelaçando nossos dedos para reforçar minha
promessa.
De fato, sou sincera.
Sem elas no meu caminho, eu teria desistido há muitos anos. Os plot twists da minha vida
já colocaram um fim nos meus sonhos; também teriam posto um ponto final no restante da minha
história.
Termino de tomar a quarta xícara de café amargo e me despeço dos analistas financeiros
que estiveram comigo na última hora, seguindo logo depois pelo pequeno corredor da sala de
conferências até o meu escritório. A reunião sobre o aumento salarial dos funcionários foi ótima.
Finalizamos o novo relatório de impacto financeiro, atrelado com a projeção de lucros dos
próximos cinco anos, e agora espero conseguir estender o benefício a todos.
O Emília Lobato nunca esteve tão bem financeiramente. Nosso maior destaque tem sido
nas áreas de neurologia, pediatria, transplantes, oncologia e medicina fetal. Na contramão da
grande maioria dos hospitais privados do país, temos conquistado cada ano mais receita devido
ao nosso centro de referência em cirurgias robóticas e o trabalho inovador com inteligência
artificial.
Investimos um valor altíssimo em equipamentos, mas somos tão bons no que fazemos
que o retorno é garantido. Pacientes de fora do Brasil vêm nos procurar devido à taxa elevada de
sucesso em procedimentos considerados de risco.
— Bom dia, Júlia! — cumprimento a secretária assim que ela entra no meu campo de
visão. — Como está sua pequena hoje? Melhorou 100% da virose?
Por voltar do jantar no fim da madrugada, cheguei em cima da hora ao trabalho e fui
direto para o primeiro compromisso sem nem aparecer aqui. Se tem uma coisa que eu odeio são
atrasos, por minha causa ninguém fica esperando.
— Bom dia, doutor Marcus. — Ela se levanta da mesa sorridente, pegando o tablet
próximo ao seu computador. — Minha menina está bem melhor sim, obrigada por perguntar! Vai
até conseguir vir pra creche, graças a Deus. Fico mais despreocupada quando está aqui pertinho
de mim.
Júlia é novata na maternidade e passou a semana inteira ansiosa com o estado da sua filha
de dois anos.
Os benefícios mais elogiados pelos colaboradores são o atendimento gratuito que
oferecemos no nosso hospital para qualquer necessidade médica e a creche interna para filhos de
até três anos.
— Que bom, qualquer alteração no quadro, nos avise.
Diferente da minha mãe, que gostava de manter um distanciamento com os funcionários e
os pacientes, eu aprecio uma mínima ligação apesar de ser reservado – mesmo que de forma
rápida durante o expediente.
— A próxima reunião é daqui trinta minutos, certo? — Começo a caminhar e ela
confirma, me seguindo até a sala ampla e bem-iluminada à nossa frente.
A administração ocupa dois andares inteiros e, assim como o restante do prédio, possui
um projeto arquitetônico moderno, ecológico e pensado para estimular o bem-estar.
Toda fachada é construída com vidro reflexivo que nos permite ver a paisagem lá fora,
mantendo a privacidade aqui dentro. Fora a beleza, ele ainda auxilia na iluminação natural do
ambiente e é um isolante térmico que nos ajuda a economizar energia.
Me aproximo da janela e observo abaixo o pequeno parque que foi bancado por nós a fim
de oferecer uma vista calmante para onde olhar – muito além do trânsito caótico e das outras
construções ao redor.
O hospital nada tem a ver com o espaço decadente, e em falência, que minha bisavó
investiu em 1953. Adquirimos mais terras ao redor para ampliação e hoje temos quatro
pavilhões, com o prédio maior atingindo dez andares.
— De imediato, o senhor tem mais três compromissos — Júlia avisa, de olho no tablet na
sua mão. — Às onze e meia um encontro com a equipe de enfermagem, à uma com os novos
fornecedores do uniforme hospitalar e às três uma reserva para almoçar com os americanos que
vieram para a comemoração do aniversário.
Aceno com a cabeça em concordância e vou até a minha mesa. Estou ansioso para esse
almoço, ontem não conseguimos conversar direito. Anseio muito uma futura parceria com o
Chastain Park Memorial Hospital de Atlanta para oferecer a possibilidade de os alunos da nossa
faculdade fazerem uma parte do curso no exterior.
— Quando o senhor retornar da reserva no restaurante, a reunião será com os engenheiros
da filial de Manaus, sem prazo para término como foi pedido.
A cada quinze dias, eu me encontro com os responsáveis pela construção da nossa filial
no Norte do país. A reunião costuma ser longa porque obras têm imprevistos em qualquer setor,
infelizmente.
Crescemos tanto nos últimos anos, que além da sede na capital paulista, já temos
sucursais na Bahia, abrangendo os pacientes do Nordeste; no Paraná, para atender a demanda do
Sul; e em Goiânia, focando no Centro-Oeste.
Se o cronograma for seguido à risca, antes do início do segundo semestre do ano que
vem, teremos a unidade de Manaus. As filiais não são tão grandes como aqui, porém, possuem o
mesmo aparato tecnológico da sede.
— Perfeito, obrigado, Júlia. — Haja café amargo para tomar durante o dia, será uma
sexta-feira puxada para quem não dormiu quase nada. — A exposição dos 70 anos já foi aberta?
— Sim, doutor — ela confirma de prontidão. — Tanto na recepção como nos shoppings
da cidade. As medalhas de homenagem aos colaboradores mais antigos também chegaram para o
evento da semana que vem.
Nossa equipe de marketing preparou uma série de atividades para a comemoração do
aniversário durante todo mês. O jantar de ontem era o menos interessante de todos, embora eu
saiba que fazer a social seja importante.
— Aliás, foi ótimo lançar a exposição hoje. Vamos ganhar mídia espontânea por causa da
entrevista coletiva sobre a alta das gêmeas siamesas no mesmo local.
Tinha me esquecido completamente que seria hoje. Minha mãe se tornou a porta-voz
oficial, desde que se aposentou do cargo de CEO, e eu pude parar de exercer esse cargo que não
faço questão nenhuma.
Aproveito os holofotes com a Tereza, não desperdiço uma chance de levar o nome do
hospital, mas daí dizer que é algo que eu goste, são outros quinhentos. Minha mente prefere
resolver problemas a lidar com a imprensa.
— As gêmeas vão ficar no mesmo quarto de internação que estavam até a saída mais
tarde?
— Um minuto, senhor. — Enquanto Júlia confere no tablet, eu ligo o meu e abro o
aplicativo dos documentos que preciso assinar. Todo nosso processo é informatizado. — Vão
ficar sim, não há pedido para troca.
— Ótimo, vou despachar os documentos pendentes agora e no intervalo da próxima
reunião farei uma visita de despedida às meninas.
Não é necessariamente uma das minhas funções como diretor executivo, ainda mais em
um dia tão corrido, mas eu faço questão de acompanhar cada passo do hospital de perto.
Em especial, quando diz respeito aos pacientes.

Eu sinto falta de exercer a medicina. Principalmente, quando estou nos andares de


internação e vejo a correria de médicos e enfermeiros; andando focados de um lado para o outro.
Entrei na universidade ainda com 17 anos e me formei com 23 na graduação. Com 28, era
especialista em neurocirurgia. Até o ano retrasado, eu ainda participava de algumas operações
mais complexas, só que tem ficado cada vez mais inviável pela quantidade necessária de horas
para tais procedimentos e a minha agenda apertada como CEO.
Apesar da saudade, aceitei tomar à frente da parte administrativa do Emília Lobato e não
me arrependo. Também gosto muito de fazer tudo isso funcionar com precisão e eficácia. É uma
atividade tão importante quanto usar o bisturi e para a qual me preparei com afinco mesmo
atuando como médico. Logo que terminei a residência de especialista, iniciei um curso de pós-
graduação na área de gestão hospitalar pensando nesse cargo.
Sem modéstia, eu sou foda no que faço.
— Boa tarde! — cumprimento os pais e as gêmeas logo que chego ao meu destino e me
apoio no batente da porta aberta. — Quer dizer que duas princesas sairão do castelo e serão
apresentadas hoje na corte?
— Plincesas!
— Plincesas linda!
O sorriso que me oferecem, maior que do safari feliz pintado na parede atrás delas, faz
um sincero estampar o meu rosto em resposta. Há um ano, eu tenho brincado com as duas sobre
isso, o esperado dia que estariam livres do castelo de vez para irem em busca das suas aventuras.
— As mais lindas de todo reino! — concordo, aproximando-me para fazer um carinho
nas bochechas rechonchudas.
Larissa e Luísa nasceram unidas pelo crânio, com grande parte do cérebro comprometida.
Era a versão mais grave e difícil da condição de saúde, com maior risco de morte para ambas,
mas que conseguimos reverter com o auxílio da tecnologia.
As gêmeas que hoje estão com dois anos e meio passaram por sete cirurgias, envolvendo
100 profissionais, e mais de 27 horas de trabalho apenas na operação final. Entre todos esses
processos e as semanas que estão em reabilitação, já se foram doze longos meses de internação.
A literatura médica mundial indica que, dentre os siameses operados, um em cada cinco
sobrevivem. Aqui, temos a honra de ostentar que esse índice chega a 60%.
— Doutor Marcus Lobato, é uma honra revê-lo antes da nossa partida. — O pai das
meninas toca meu ombro e me oferece um aperto de mão, emocionado. — Muito obrigado por
tudo que fizeram por nós e pela dedicação única do hospital com nossas filhas.
— Ninguém acreditava na chance de vida das duas, e vocês não desistiram contra as
infinitas probabilidades ruins. Nunca iremos esquecer! — a mãe endossa o agradecimento.
— Estou muito feliz que a Larissa e a Luísa estão bem, e que pudemos contribuir para
isso — digo de forma genuína. — A felicidade da nossa parte é tão grande quanto a de vocês
pelas preciosas vidas salvas.
Fico conversando com a família por um tempo e só não estendo a visita para outros
quartos no corredor, a fim de manter essa energia boa dos pacientes em recuperação, porque o
próximo compromisso começa em dez minutos.
Café nenhum é mais potente para despertar que a esperança nos olhos de quem passou
pelo pior e está dando a volta por cima.
Quando estou quase chegando próximo do elevador, escuto um falatório em uma das
salas de abastecimento de insumos. Qualquer um que passa ao redor consegue ouvir a
reprimenda em alto e bom tom.
— Engole esse choro, garota, lágrimas não vão resolver o erro que você cometeu. —
Reconheço a voz imediatamente, é do Telso, coordenador dos residentes. Que merda está
fazendo? — Imagina se isso acontece daqui a algumas horas, quando a recepção vai estar cheia
de jornalistas para a saída das gêmeas? Seria uma publicidade horrível ter um paciente de alta
com infarto na porta do hospital.
A frase “publicidade horrível”, como se a única coisa que importasse fosse a imagem do
hospital, me faz girar a maçaneta e entrar imediatamente na sala. Nem sequer fecharam para
garantir a segurança do espaço, que só pode ser acessado pela equipe interna.
— Abaixa esse tom agora! Todo mundo lá fora está ouvindo o show — exijo, sério.
Espremidos entre as prateleiras, estão dois residentes e o coordenador com a postura
rígida em clara irritação. Foco apenas no responsável dos estudantes por enquanto porque essa
atitude é inadmissível.
— Por que você está gritando dentro de uma sala de insumos, em uma área cheia de
pacientes e seus familiares? — volto a questionar, encarando-o.
— Peço desculpas, estou cansado do jantar de ontem e acabei me exaltando logo no
início do plantão. Não vai se repetir — ele desconversa, não querendo me dar mais detalhes.
Telso é uma pessoa complicada de lidar; um cuzão nas palavras de Felipe. É marido da
irmã mais velha da minha mãe, que nunca teve interesse na parte administrativa do hospital.
Minha mãe assumiu por anos sem nenhum problema, mas quando eu comecei a me
destacar e ela resolveu focar em outra área para me dar oportunidade, o homem cismou que a
minha prima também queria o posto.
Como regra criada pela minha bisavó, caso houvesse interesse de mais membros da
família pela gestão, entramos em uma disputa de experiência, análise de currículo e prática ativa
que acabou fazendo o comitê executivo e os acionistas me escolherem.
Ele acha até hoje que foi armação. Nossa relação nunca mais foi a mesma, inclusive, com
minha tia e minha prima influenciadas por sua postura.
— Não foi isso que eu perguntei, Telso. O que aconteceu para essa reprimenda? O
paciente que teve um infarto está bem?
— A paciente está sendo tratada pelo médico plantonista do andar, já está estável — ele
novamente despista.
Conheço muito bem a figura. Deve ter cometido um erro ainda mais grave e está tentando
se safar para não sujar a imagem do profissional exemplar que tenta passar em cada reunião do
conselho.
Me viro em direção aos residentes e, ao ver que a garota continua chorando, nervosa na
minha presença, foco diretamente no meu filho que está entre os presentes.
— Reporte o ocorrido, Noah.
Não gosto de colocá-lo em situações delicadas de hierarquia, mas nesse caso não tenho
escolha. Ele será o mais objetivo diante do curto tempo que tenho antes da próxima reunião.
— A paciente demonstrou vários quadros de ansiedade durante sua internação para tratar
uma apendicite. Esta manhã, na avaliação final da alta, reportou que estava muito empolgada
para ir embora. Tão animada que sentia uma queimação na altura do estômago e um pouco de
falta de ar — Noah explica de forma sucinta, encarando a todo momento meu rosto. — Devido
ao histórico de crises nervosas anteriores, não foi cogitado a hipótese de algo mais grave. Ela foi
medicada para a queimação e liberada.
— E por que vocês estão sendo repreendidos, se a única pessoa que pode dar alta é o
médico plantonista responsável? — Um profissional experiente com certeza ficaria atento ao fato
de que, a remoção do apêndice, pode favorecer ataques cardíacos em alguns grupos de pessoas.
Há uma breve pausa desta vez antes da resposta. Noah sabe que vai aguentar olhares
tortos depois por dedurar a equipe mesmo não sendo sua intenção.
— Nós dois estávamos responsáveis pelas avaliações esta manhã neste andar. O
coordenador nos explicava a importância de não deixar nenhum detalhe passar porque poderia
ter custado a vida da paciente.
Na prática, os residentes estavam fazendo o trabalho duro e o plantonista só assinando os
papéis. Bufo, visivelmente puto com a atitude que Telso tentou acobertar, e olho no relógio de
pulso para conferir as horas.
— Fique atento no seu celular a partir das duas e meia — aviso o coordenador. — Assim
que terminar minha reunião, irei chamar você e o plantonista deste setor para uma conversa
muito séria no meu escritório, antes de ir almoçar.
Residentes não podem tomar nenhuma atitude sem supervisão. Principalmente, os dos
primeiros anos da especialização.
— Ok — responde com aspereza. — Estaremos lá.
Aceno para todos e me retiro da sala de insumos, seguindo a direção do elevador com
pressa antes que me atrase. A fim de não chegar com raiva ao encontro com os novos
fornecedores, foco minha mente na postura firme do meu filho enquanto ajeito o terno na altura
do pescoço.
Ele será um bom médico, e se continuar se esforçando como faz desde a adolescência,
um excelente CEO do hospital no futuro.
Noah é o motivo pelo qual meus pais nunca surtaram por um herdeiro, como os da Tereza
fizeram ao saber dos abortos que sofremos. Queridinho da família Lobato, o garoto é fruto de um
relacionamento que tive dos 14 aos 20, com o primeiro e único amor intenso que tive.
Conheci sua mãe, Maria Isabel, na infância e nos tornamos melhores amigos desde então
por causa da ligação das nossas famílias. Não fosse um aneurisma cerebral no meio da nossa
história, eu não tenho dúvidas de que ainda estaríamos juntos.
O tipo de ligação que sentíamos era inexplicável, algo raro e único que qualquer outra
coisa além da morte não seria capaz de separar.
Eu demorei anos para me recuperar da sua perda, dividindo toda minha atenção com
Noah e os estudos. Depois que ele entrou na adolescência e virou um homem responsável,
Tereza surgiu no meu caminho e nossa obstinação na carreira fez o foco tornar um negócio
próspero em um império de respeito.
Talvez eu tenha mesmo me tornado um workaholic, como Felipe adora implicar, mas
pelo menos é um trabalho que salva centenas de vidas. Posso dar para muitas pessoas a
possibilidade que Maria Isabel não teve, há 24 anos, abandonando um bebê recém-nascido, um
homem que a amava e um futuro brilhante.
Vale a pena toda minha dedicação.
Larissa e Luísa são a prova viva disso. De infinitas probabilidades ruins, estão saindo
hoje desse castelo para uma vida cheia de aventuras.
Eu guardo pouquíssimas recordações do meu pai. Apesar de já ter dez anos de idade
quando nos abandonou para ficar com uma mulher mais jovem, não foi possível criar memórias
dignas de serem armazenadas porque antes disso não parava em casa.
Dentre as raras lembranças, eu consigo vê-lo certinho agachado no chão, usando um boné
preto com o logo da loja que vendia botijão de gás na nossa antiga rua. É do dia que instalou o
novo para-choque no seu caminhão com a frase “Se ferradura desse sorte, burro não puxava
carroça”.
Na época, eu ri e achei engraçado, mesmo sem entender direito, mas minha mãe ficou
puta com a afronta do seu marido caminhoneiro e cético. Ela era muito supersticiosa e enchia a
casa com objetos de crendices, como ferraduras com as pontas viradas para cima em todas as
portas.
Infelizmente, agora eu entendo o significado da frase e tenho que concordar com meu
progenitor – algo ainda mais raro de acontecer do que ter recordações dele. Se a superstição da
minha mãe nos trouxesse boa sorte, nossa família não viveria uma sucessão desenfreada de
infortúnios há anos. É capaz de ter provocado o efeito contrário, pois de grandes a pequenas
coisas, o destino não deixa passar a oportunidade de nos pisotear.
Afinal, com uma pessoa normal, qual seria a chance de o alternador do carro dar pane no
meio da rua justo na única semana do ano que está sem seguro? Provavelmente, nula. Comigo,
porém, não só acontece como é preciso trocar toda a peça gerando um gasto inesperado.
— O valor total ficou em R$ 3.858,29, contando o reboque, a peça nova e o conserto — a
atendente explica, virando a maquininha na minha direção para que eu efetue o pagamento.
Aproximo o celular para fazer a leitura do QR Code na tela e forço meu cérebro abrir um
sorriso simpático para a mulher, ao invés de um murmúrio mal-educado. Ela não tem culpa do
meu azar.
Eu pago a merda do seguro religiosamente todo mês e se precisei usar três vezes, foi
muito. Na semana passada, o contrato venceu e decidi não renovar porque estou na fase final da
contratação de um seguro de vida para respaldar a minha irmã e a minha sobrinha, caso aconteça
algo comigo. Na nova empresa, o combo dos dois vai ficar mais econômico e resolvi esperar
para fechar tudo junto.
Maldita hora que confiei que nada poderia acontecer em tão poucos dias!
Eu odeio quando esse tipo de imprevisto idiota ocorre e eu preciso mexer no dinheiro que
tenho aplicado. Como uma autônoma dependente do corpo para bancar as contas, não posso
perder as rédeas do orçamento porque é tudo muito incerto.
Algumas semanas, eu consigo fechar um programa atrás do outro, mas em outras o
movimento é mais lento… Isso sem contar quando eu fico gripada ou com a imunidade baixa e
não posso trabalhar – a Ishtar têm um controle enorme da qualidade do que é oferecido ao
cliente.
Em meses bons, faturo um valor considerável como prostituta. Porém, o meu custo de
vida também é enorme.
Se eu tivesse um emprego normal, como as pessoas de onde vim têm, jamais iria
conseguir cuidar da Elisabete e da Sofia. Nossas necessidades vão muito além de moradia, água,
luz, alimentação, vestimenta, telefone, internet e transporte.
O plano de saúde que eu pago para a minha sobrinha tratar uma doença pré-existente rara
é uma fortuna. Também arco com um diferenciado para a minha irmã, abrangendo a dependência
química devido às várias recaídas.
A escola da Lis é de alto padrão; está entre as melhores da cidade no quesito inclusão e
atende com competência as especificidades do seu quadro clínico. Não é nada barata. O aluguel
da nossa casa, mesmo sendo mais em conta por causa da Laila, ainda assim seria considerado um
absurdo para muitos trabalhadores.
Fora isso, tenho três funcionárias registradas para pagar e um empréstimo com juros
exorbitantes da época que atuava fora do clube e precisei realizar uma bateria de exames
particulares a fim de descobrir o diagnóstico da minha sobrinha.
O seguro de vida que estou finalizando será outra facada, mas é tão necessário como os
10% dos ganhos que invisto faça chuva ou faça sol. Não posso deixar as duas sem nenhum
respaldo financeiro. Com a má sorte que me rodeia, não duvidaria se um raio caísse na minha
cabeça a qualquer momento.
Se eu colocar na ponta do lápis, comigo mesma basicamente só gasto o que é necessário
para a minha função ser bem executada, como lingeries sensuais, joias, perfumes, cremes, itens
de maquiagem e produtos para cuidar da minha lace.
Não há um pingo de ostentação por vaidade fora do ofício ou por diversão, como muitos
dos meus colegas conseguem fazer com suas rendas elevadas.
Termino de efetivar o pagamento e, assim que a tela do celular volta para a área principal,
meus devaneios evaporam; espantada em como o tempo passou rápido.
— Merda, já são cinco horas — comento com Sofia; olhando para o mecânico à minha
frente. — Se não sairmos agora, vamos chegar atrasadas pra buscar a Lis às seis.
Os minutos correram, desde que fomos resgatadas pelo guincho e trazidas para cá. O
bairro é longe de onde moramos e da região que a Elisabete estuda, há uma chance grande de
ficarmos presas no trânsito da Marginal por causa do horário de pico.
— No máximo, mais cinco minutinhos e ficará pronto! — o homem avisa, realizando os
testes finais com o alternador novo.
— Por favor, moço, minha sobrinha fica inquieta quando atraso pra buscá-la. Vai tacar o
terror na escola.
Impaciente, fico vistoriando o trabalho alheio ao lado do veículo e logo ele é liberado. De
volta à estrada, não deixo de reparar que minha irmã está retraída e no seu modo silencioso;
apenas respondendo com movimentos de cabeça ou murmúrios monossilábicos.
Enquanto estava nervosa conversando com a equipe da oficina e preocupada com os
gastos do carro, ela ficou sentada em um banco mexendo no seu telefone. Não tivemos tempo de
discutir como foi seu retorno porque o carro parou de funcionar na esquina da clínica.
— Aconteceu alguma coisa pra você ficar tão calada?
Ajeito os óculos no nariz e pisco duas vezes, afastando o cansaço que está começando a
dar as caras. Não foi possível tirar uma soneca curta hoje à tarde; depois da madrugada exaustiva
e do dia corrido será uma tortura o turno da noite daqui a pouco.
Costumo cochilar pelo menos uma hora antes de buscar a Elisabete na escola para
renovar as energias, já que de manhã não é possível dormir muito devido aos afazeres diários
com minha sobrinha – ela tem pelo menos um compromisso relacionado à sua condição de saúde
de segunda a sábado.
— Não foi nada, não.
— Sofia! — repreendo, observando seu rosto com mais atenção. A boca está em uma
linha fina e os olhos opacos, focando em tudo e em nada ao mesmo tempo. Com certeza, algo
aconteceu. — O diálogo sincero faz parte de uma recuperação eficaz; fala comigo.
Seu olhar se desvia para a janela do carona por alguns segundos, em silêncio, mas em
seguida a sua voz ressoa rouca pelo veículo ciente de que irei insistir.
— Tinha uma mulher nova no grupo… fizemos uma atividade em dupla.
Hoje estava tendo oficina de arteterapia com outros pacientes e a coordenadora do
espaço, que nos recebeu para conversar sobre o interesse em retomar o tratamento, achou que
seria bom para a minha irmã relaxar com algo que sabe que adora. A pintura foi essencial na sua
última internação.
Embora sem conhecê-la em vida, Sofia e eu puxamos a veia artística da nossa falecida
avó. Mesmo que não escreva um parágrafo das minhas histórias há anos, elas nunca pararam de
rondar a minha mente.
— Vocês se desentenderam? Ela te disse alguma coisa que te deixou magoada? — sondo,
compartilhando a atenção com a direção e seu rosto.
— Uma das filhinhas dela morreu de câncer há um mês. A mulher estava limpa há seis
anos e teve uma overdose que quase a levou junto.
Aperto os dedos no volante, sentindo o coração disparar em uma velocidade
inversamente proporcional ao volume baixo do seu tom triste. Morte de criança sempre me
remete à Elisabete. E, toda vez que eu imagino a possibilidade da minha sobrinha partir, todos os
músculos do meu corpo se contraem de dor.
— Sinto muito. Imagino que deva ter pensado na Lis. É impossível não associar.
— Sim… — admite, cutucando a unha curta de tanto roer. — Não consigo parar de
pensar na fragilidade da vida dela, em como tudo pode mudar a qualquer momento. Pensei
também que estou me tratando à toa porque quando o pior acontecer, nada vai me trazer de volta.
Nem todo seu amor e paciência serão capazes de me salvar do luto, Ceci.
— Sofi, um dia de cada vez lembra?! — reforço o principal mandamento da reabilitação,
soltando uma mão do volante para tocar seus dedos frios. — Precisamos nos preocupar com o
hoje; e agora você tem uma filha incrível que está viva!
Lidar com a saúde mental abalada da minha irmã não é fácil. Precisarei reforçar seu
propósito constantemente porque sua determinação vai oscilar – como aconteceu nas outras
recaídas. Essa manhã ela se comprometeu e menos de dez horas depois, já está com dúvidas.
Dias bons e dias ruins nos aguardam.
Saber que pelo menos não é uma recaída da dependência química de novo me dá mais
ânimo para encarar a árdua caminhada. Sua fuga no álcool é recente e, segundo conversei com a
coordenadora da clínica, o prognóstico é bom porque estamos buscando ajuda cedo.
— Lis quer criar lindas memórias com você — continuo falando diante do seu silêncio.
— Aposto que está ansiosa pra chegar em casa e brincar com a mãe como você prometeu mais
cedo. Vamos focar nisso por enquanto, tudo bem?
Recordar o que disse à pequena de manhã a faz se remexer no banco do carona,
preocupada em não falhar. Isso é bom, Sofia tem que se manter motivada nas pequenas coisas.
— Eu vou… vou dar um jeito de cumprir o que prometi.
Assinto, confiante que irá conseguir. Ela se esforça ao máximo pela filha.
— O que acha de conectar a playlist de meditação no seu celular? — Pego um fone
largado no console ao meu lado e ponho no seu colo. — Aproveita que ficaremos um bom tempo
no trânsito; vai te ajudar a se concentrar no seu objetivo.
Conheço minha irmã e sei que não vai querer ficar conversando nesse estado. Antes
ocupar sua cabeça com algo útil, que a ajudou tanto quanto a pintura antes.
Sofia aceita e coloca o fone no ouvido, me oferecendo um sorriso fraco de
agradecimento. Não demora muito para encostar a cabeça no banco e iniciar os exercícios de
respiração, com os olhos fechados.
Puxo ar para os pulmões como ela, e ajeito minha postura para focar na direção. O
cansaço está aumentando; desta vez impulsionado pelo desgaste mental que é ainda maior que o
físico.
Por um momento, não consigo evitar de pensar como seria a minha vida se eu fosse uma
pessoa normal. Se não tivesse tanto azar, se tivesse um pai amoroso, se minha mãe estivesse
viva, se Sofia não tivesse se viciado, se minha sobrinha não tivesse uma doença rara, se não
precisasse me prostituir para viver…
Nós seríamos felizes? Estaríamos seguindo nossos antigos sonhos? Eu estaria tão
cansada?
Me forço a imaginar um futuro sem toda a carga que me rodeia, mas não sou capaz de
cogitar essa possibilidade de tão irreal que me soa.
A única coisa que meu cérebro assimila como uma possibilidade de mudança é a situação
atual da minha irmã. Eu poderia ter evitado todo esse sofrimento para nós se estivesse atenta aos
fatos debaixo do meu nariz, anos atrás.
Balanço a cabeça, espantando essa afirmação antes que traga mais memórias indesejadas.
Piso no acelerador forçando meu cérebro a apenas dirigir por um tempo, no entanto, não dá certo
o suficiente até chegar ao meu destino.
Flashes da tristeza com a morte da minha mãe e do meu desespero em assumir o sustento
da família inundam meu sistema e ganham a luta contra o bom senso de não mexer no que está
quieto.
Eu tinha 17 anos e uma responsabilidade enorme nas costas para não perder a guarda da
Sofia com apenas 14, na época. No papel, uma tia que morava no mesmo bairro era responsável
por nós até eu completar a maioridade, porém, a mulher tinha seus próprios problemas e nunca
aparecia. Cilene fez muito mais do que ela.
Mudei meu turno na escola para concluir o Ensino Médio à noite e arrumei um emprego
durante o dia no comércio a fim de pagar os boletos. Me desdobrei para Sofia não mudar muito a
sua rotina e estava a todo momento atenta para que o ambiente em que vivíamos não explorasse
seu luto de forma negativa.
Sempre estivemos rodeadas pelo tráfico na comunidade, só que nossa mãe nos manteve
focadas e sonhadoras por muitos anos; mesmo depois da partida do seu marido.
Foi ela quem me incentivou a ler e depois a criar minhas histórias. Para honrar sua
memória, eu tentei continuar após seu enterro e funcionou por um tempo, aos trancos e
barrancos, junto com a minha nova rotina corrida. Até que em uma sexta-feira quente de maio,
logo após meu aniversário de 18 anos, tudo mudou.
Cerro os dentes, notando o sangue ferver nas minhas veias. Toda vez que eu lembro
como fui trouxa e me deixei levar pelos romances que colocava em palavras, fico puta.
Naquele dia, foi inaugurado um projeto social voltado para atividades educativas e
culturais na esquina de casa. Eu estava retornando de um turno puxado de dez horas em pé,
vendendo eletrônicos pirateados da China, quando esbarrei com um garoto na calçada em frente
ao prédio em festa.
Nunca tinha visto um cara tão lindo.
Assim como nas melhores histórias, minha bolsa caiu no chão, ele se abaixou para me
ajudar, nossos dedos de tocaram e os olhares se conectaram. Porra, eu pensei que estava vivendo
meu clichê de amor à primeira vista.
Adolescente é um bicho muito idiota!
Se eu não tivesse babado no filho da puta, não teria inscrito minha irmã no projeto apenas
para vê-lo mais vezes. Não teria me arrumado de forma provocativa só para que me achasse
atraente. Não teria puxado assunto tantas vezes até que rolasse um beijo. Muito menos, o teria
levado para dentro da minha casa assim que as coisas esquentaram rapidamente em poucos dias
de aproximação.
O garoto rico só queria uma foda fácil com a pobretona; e eu, tola, achava que estava
apaixonada pela primeira vez.
Suas fugidas para ficar a sós comigo, acabaram trazendo seu melhor amigo para as nossas
vidas também. Sofia passou a conviver muito com Enzo sem eu fazer ideia que estavam
interessados um no outro, apesar de ele ser maior de idade; sem eu cogitar que se encontravam
durante o dia enquanto eu trabalhava; e sem eu jamais achar que iria apresentar minha irmã ao
mundo das drogas.
Pisco de novo, balançando a cabeça com mais força para espantar o cansaço e as
lembranças indesejadas. Tanto quanto não gosto de pensar no imprestável do meu pai, odeio
gastar minha mente com os covardes do Enzo e do cara que me entreguei.
Viro a esquina da escola da Elisabete e confiro as horas no painel do carro; focando no
agora. Não pegamos muito trânsito e atrasou apenas dez minutos, ainda não deu tempo da minha
sobrinha tacar fogo na escola com sua impaciência.
Estaciono próximo ao prédio e, ao perceber que Sofia pegou no sono com a meditação,
travo a porta e desço sozinha. Logo que apareço no portão e o segurança libera sua saída, um
sorriso enorme surge no rosto da pequena.
— Titia Faísca, eu ganhei! Eu ganhei docis! — comemora animada, mostrando o
saquinho colorido na sua mão. — Meu bebelo foi o mais lindo do desfile!
Todo mês a escola faz essa brincadeira com os alunos. Elisabete é competitiva e sempre
diz que ganhou, mas, na verdade, o mimo variado é para as crianças no geral.
Depois de esgotar todo o elenco de My little pony, ela passou a escolher penteados
relacionados a personagens rosa dos desenhos que assiste. Hoje, a escolhida foi a elefante Elly,
da turma do Pocoyo.
Fiz as orelhas com placa de EVA, coloquei em uma tiara e pintei o cabelo com spray da
sua cor preferida. Para a tromba, prendi um arame resistente no arco e moldei para ficar
empinado para frente, escondido entre os fios.
Passei bastante gel nos cachos e enrolei o cabelo para cobrir todo arame, deixando apenas
dois tufinhos nas pontas a fim de representar o nariz. A decoração completa ainda tem olhinhos e
sobrancelhas no seu couro cabeludo.
— Parabéns, princesa Lis! — Sorrio e me agacho para dar um abraço nela. — Como a
sua cabeleireira oficial, eu mereço metade desses doces, não?
— Não acho, titia! Metade é muito. — Um espasmo aparece no mesmo momento que faz
biquinho.
— O que eu ensinei pra você sobre dividir as suas coisas com os amiguinhos?
— Mas você não é amiguinha, titia Faísca — argumenta, me encarando com toda a sua
seriedade. — Amigouna adulta não precisa de muito doce. Isso é coisa de quiança.
Amplio minha risada, adorando a sua esperteza.
— Dois então, tudo bem? — negocio, me levantando e segurando a sua mão. — Um pra
mim e um pra mamãe.
— Tá… tá bom — a formiguinha concorda a contragosto.
— Combinado! Vamos embora então porque temos que lavar esse cabelo, secar e jantar.
A mamãe está ansiosa pra brincar com você depois que comer todaaaa a sua comida.
— Oubaaaaa! Eu vou comê tudinho pra brincar com ela.
— Isso aí, boa menina!
Saio andando com Lis e meu peito se aquece, fazendo a mente esquecer de vez todas as
memórias que me deixaram agitadas.
Eu me arrependo muito de não ter visto os sinais com a Sofia antes, contudo, não tem
como me arrepender da gravidez. Mesmo virando prostituta depois da descoberta, mesmo
bancando tudo sozinha porque o pai fingiu que não nos conhecia, mesmo com essa doença
maldita… é impossível se lamentar dessa pequena.
Se eu voltasse para aquela sexta-feira quente de maio, a única coisa que eu faria diferente
seria salvar minha irmã das drogas.
Eu adoro trabalhar no domingo. O setor administrativo permanece quase vazio, apenas
com poucos funcionários em escala, e consigo focar no que interessa sem ser interrompido por
excessivas ligações ou por pessoas querendo falar comigo a todo momento.
Hoje, o silêncio produtivo me permitiu zerar todos os e-mails atrasados da semana;
reavaliar uma dúzia de documentos que estavam com entraves burocráticos; aprovar o orçamento
para a nova fase das obras na filial de Manaus, de acordo com as mudanças que fizemos na
reunião de sexta; e finalizar a expansão do Instituto Maria Isabel Perroni de Pesquisas em
Neurociências.
Esse é um projeto pessoal para mim, inaugurado há cinco anos em uma ala anexa ao
hospital. Dedico meu tempo à iniciativa com prazer, em honra à memória da mãe do meu filho e
em favor da ciência. Muito além da investigação sobre aneurisma cerebral, temos conseguido
avanços interessantes usando inteligência artificial para acompanhar pacientes com distúrbios
neurológicos.
Outro motivo que me faz ter um carinho especial no instituto é porque ele consegue
atender de forma abrangente pacientes do SUS, em uma parceria nossa com o Ministério da
Saúde. Temos 560 pessoas em análise atualmente e pretendo ampliar para 700 até o final do ano.
— Já são nove e meia da noite, vai descansar, homem! — A reprimenda me faz levantar
a cabeça e encarar o rosto da minha irmã, encostada no batente da porta.
Estava tão concentrado que nem ouvi barulho dela chegando. Aos domingos, a secretária
está de folga e não fica anunciando cada ser humano que cruza a ala da diretoria executiva.
— Olha quem fala, como se você fosse um exemplo de profissional que sabe relaxar —
retruco, salvando o arquivo que terminei de editar.
— Touché!
Nívea ri e caminha na minha direção, sentando na cadeira à minha frente. Ela ainda está
de jaleco do plantão que terminou há meia hora e, pelas olheiras em evidência, não se acostumou
com o fuso-horário.
Tirando sua aversão a serviços administrativos, somos bem parecidos. Minha irmã
também é viciada em trabalho e ama o que faz. Não dá para negar que temos o mesmo sangue,
até porque fora essas semelhanças no jeito de ser, nossa aparência é idêntica.
Muitos dizem que Nívea é uma versão minha sem barba e com cabelo grande – um
cabelo pintado, diga-se de passagem, porque até mesmo a genética para o grisalho precoce ela
puxou.
— Você não precisava ter voltado a trabalhar tão cedo, mal deu pra desfazer as suas
malas da viagem — comento, abrindo a agenda para conferir os compromissos para a próxima
semana.
Eu gosto de saber com antecedência tudo que preciso fazer.
— Deus me livre aguentar mais julgamento da nossa mãe — ela reclama, cutucando as
folhas da planta que está em cima da minha mesa. — Estou aumentando meus plantões tanto pra
não a ouvir falando da minha ausência, como para fugir da sua ladainha desmotivacional. É só
me ver longe daqui pra criticar como eu fui uma má influência pra Paloma.
Dona Rita Lobato não queria que a filha tivesse se inscrito no Médicos sem Fronteiras.
Muito menos, que ficasse tanto tempo fora. O combinado, inicialmente, era apenas um ano no
programa, só que minha irmã se apaixonou na causa e não quis retornar.
Outro impasse recorrente de discussões, é que minha sobrinha concluiu o Ensino Médio e
resolveu tirar um ano sabático. Comprou um motorhome e está viajando o Brasil com duas
amigas.
Paloma não tem nenhum interesse em trabalhar na área de saúde, o que minha mãe acha
um cúmulo porque há décadas todos da família se envolvem de alguma forma nos negócios.
— Ela vai se acostumar com a ideia uma hora ou outra; ama a Paloma e aprenderá a
respeitar suas decisões.
— Vai aprender a respeitar decisões como respeita há 18 anos que resolvi ser mãe solo e
não me casei com o renomado advogado do hospital? — Nívea zomba, revirando os olhos. É um
ponto válido. O pai da minha sobrinha trabalha aqui, gosta da minha irmã, mas ela nunca quis
nada sério com ele. Dona Rita quase deserdou Nívea de desgosto, um exagero machista que
precisei intervir com veemência. — Eu vou aguentar isso até no dia do meu enterro, pode
apostar. O melhor a se fazer é entrar em todas as cirurgias possíveis e me entupir de serviço.
Serei mais útil e, com certeza, vou me estressar menos.
— Pior que nem tenho como argumentar. Sou exatamente igual. — Dou de ombros,
passando os olhos nos compromissos de segunda e terça-feira.
Nos últimos dois anos, desde que Tereza e eu resolvemos manter nosso relacionamento
de fachada, não me lembro de ter ficado um dia sequer ocioso – virei mais workaholic que de
costume. Tenho pavor de permanecer sem fazer nada e nem sei mais me divertir.
Durante a semana, acordo às cinco, faço exercícios na academia de casa e chego por volta
das oito aqui. Nunca saio antes das dez da noite. Aos fins de semana, no máximo reduzo umas
três horas dessa carga horária. Não tiro férias, não folgo e, sinceramente, se pudesse construía
um quarto para mim nos fundos do hospital para dormir por aqui mesmo.
Manter as aparências é uma bênção e uma maldição.
Acho um desperdício de produtividade cruzar a cidade todo santo dia com o motorista. A
casa onde moro atualmente foi escolhida pela minha esposa, logo que nos casamos ao final da
minha pós-graduação em gestão hospitalar. Localizada em um condomínio fechado, na divisa de
São Paulo com Guarulhos, fica perto da sede da empresa da sua família.
No começo, isso não me incomodou, agora acho uma merda. Ainda mais porque nunca
me identifiquei muito com o terreno enorme e luxuoso; que parece ainda maior com apenas uma
pessoa residindo nela a maior parte do tempo.
Tereza passa mais da metade do mês em viagens; e Noah tem seu próprio apartamento
desde que começou a universidade. Meu filho raramente aparece por lá, a maioria das vezes que
nos vemos fora daqui são em almoços ou jantares na casa dos meus pais.
— Pois é, pelo jeito, não temos salvação desse vício! — Nívea concorda, pegando o
celular quando apita com uma mensagem. A sua cara de puta deixa claro que não gosta do que
lê. — É a Vanessa. Essa mulher está me enchendo o saco desde sexta para reclamar que você
passou dos limites implicando com o pai dela por causa de um deslize com os residentes.
— A paciente podia ter morrido com o infarto. Foi muito mais que um deslize!
— Eu sei, você está certíssimo. — Minha irmã se levanta, guardando o telefone no bolso
do jaleco. — Ela ainda está aqui no hospital, saiu do plantão há pouco também. Vou embora
antes que me encontre pessoalmente. Vanessa acha que ainda somos próximas como éramos na
adolescência, sendo que mal temos assuntos em comum hoje em dia. Toda vez que conversa
comigo é para criticar que deveria estar no cargo de CEO.
— Eles estão cada dia mais intransigentes. Dava para sentir a raiva do Telso exalando
pela pele ao vir para a reunião com o médico plantonista. O idiota não assume seus erros. Quer
sempre sair como o certo.
— Continue ignorando sempre que possível e repreendendo quando necessário. Com o
tanto de melhorias e reconhecimento que o hospital ganha na sua gestão, ninguém vai te tirar
desse cargo tão cedo. — Assinto enquanto recebo um beijo na testa. Também acho impossível
que isso aconteça, não dou nenhum motivo para tal decisão. — Vê se não vai embora muito
tarde, viu?! Está ficando com rugas e linhas de expressão. Lembre-se que já é quase um idoso,
precisa dormir bem.
— Você é a pessoa mais hipócrita que conheço! — Sorrio, buscando seus olhos azuis
como os meus. — Sou apenas dois anos mais velho, e com certeza dormi melhor que você em
um acampamento improvisado na África.
— Faça o que eu digo, não faça o que eu faço. — Nívea sorri também e caminha até a
saída. — Boa noite, chefe. Até amanhã, em mais um dia de trabalho pesado.
Aceno em despedida e só então percebo que realmente senti a sua falta no tempo que
ficou fora. Com a correria do dia a dia, às vezes não nos damos conta como as pessoas são
importantes para nós.
Nívea e eu somos bons amigos; sei que posso contar com a minha irmã e ela comigo.
Volto a conferir a agenda porque realmente pretendo ir embora assim que terminar.
Desde o jantar não tenho conseguido descansar o suficiente. E, brincando ou não, de fato não sou
mais tão jovem. Aos 44 anos e com o tanto de responsabilidade nas minhas costas, se não me
cuidar, não chego longe.
Vejo as atividades até o próximo domingo e, quando estou prestes a desligar o
computador, o nome do Felipe chama a minha atenção em um compromisso na quarta-feira da
semana que vem.
Abro o arquivo do assunto e solto uma lufada de ar, incrédulo que ele marcou uma
despedida de solteiro com a secretária. E o pior: uma despedida em um clube badalado da cidade.
Começo a guardar minhas coisas e faço uma ligação para ele. No terceiro toque, meu
amigo atende com a voz arrastada. Como está de folga, é bem possível que tenha passado o dia
na farra com sua noiva que voltou do Rio Grande do Sul.
— Aposto que você usou todo seu charme pra convencer a minha secretária perder tempo
ocupando a noite de uma quarta-feira com sua despedida, mas saiba que nem fodendo eu vou.
— Ah, filho da puta! — esbraveja na linha, aumentando o tom. — Por que você já está
vendo os compromissos da semana que vem? Eu e Júlia planejamos tudo. Ia armar uma situação,
fingindo ser outra pessoa, pra te enganar em uma reunião externa.
— Felipe, há quantos anos somos amigos, caralho? Você sabe que eu controlo tudo, o
tempo inteiro. E sabe ainda mais que não tenho a mínima paciência pra festa. Não tinha quando
era jovem, muito menos agora.
— Não vamos para uma festa comum — ele tenta argumentar. — Tenho acesso VIP, a
despedida será em uma sala exclusiva justamente porque você é inimigo da diversão e ia fazer cu
doce de ficar no meio de desconhecidos.
— A sua capacidade de inserir cu nas frases é impressionante!
— Você não faz ideia de como adoro inserir coisas no cu.
— Porra, Felipe, não me dê imagens mentais disso! — Balanço a cabeça com força,
obrigando meu cérebro a não terminar a cena que começou a criar.
— A despedida vai ter garotas de programa. As mais gostosas e lindas desta cidade; o
local é seguro, eu garanto! — meu amigo continua vendendo a ideia, como se em sã consciência
eu fosse fazer sexo em um lugar assim; na frente de outras pessoas. — Há quanto tempo você
não fode uma mulher diferente? Pelo amor de Deus, vá gozar um pouco.
Tenho tido transas esporádicas desde o rompimento com Tereza. A maioria delas com
uma das nossas médicas, que é melhor amiga da minha irmã. A gente se conhece há anos e eu
confio na sua discrição.
Não temos nenhum interesse em relacionamento e apenas nos aliviamos ao sentir
necessidade fisiológica. Quase sempre acontece em motéis superdiscretos; jamais levo alguém
para casa.
Às vezes, quando viajo para fora do país em algum compromisso, também rola com
mulheres aleatórias que conheço no percurso. Por aqui, eu evito a todo custo qualquer brecha que
dê espaço para fofocas.
— Não vou nessa despedida, pode esquecer — reafirmo.
— Você é um padrinho de merda, o pior amigo que alguém poderia ter — ele apela para
o emocional, como se eu ligasse para esse tipo de drama embriagado.
— Boa noite! — desconverso, fechando a minha maleta e caminhando até a porta da sala.
— Ao contrário de você que está na boemia, eu tenho mais o que fazer. Vou sair agora do
hospital e aproveitar o trajeto pra terminar de ler um novo estudo publicado ontem sobre
nanotecnologia.
Felipe bufa, pronto para falar mais, porém, eu encerro a chamada antes que fique
retrucando o resto da noite.
Não estou nenhum pouco interessado em transar com prostitutas no meio de outras
pessoas. Sou reservado demais para fazer isso em um clube.
Ele não vai me convencer.
Termino de prender a meia-calça sete oitavos no espartilho branco de renda e calço o
scarpin da mesma cor. Quase pronta, giro o corpo de um lado para o outro, confirmando na visão
refletida no espelho do meu armário que está de acordo com o gosto do próximo cliente.
Sempre que é marcado com antecedência e eu conheço o contratante, faço o possível para
agradar desde a vestimenta.
O senhor baixinho e barrigudo, que irei me encontrar em instantes, vem quase toda terça-
feira, quando viaja de Minas Gerais para São Paulo a negócios da sua empresa agropecuária. Ele
nunca escolhe outra garota, o que para minha carteira é ótimo; tirando o fato que preciso
aguentar um velho no auge dos 78 anos que literalmente baba em cima de mim.
O homem beija com tanta saliva que chega a escorrer pelo meu queixo. Quando cisma de
me chupar, é um martírio fingir que estou excitada. Essa profissão me rende o dinheiro
necessário para cuidar da minha família, só que está longe de ser luxúria e diversão.
A maioria dos clientes não me atrai e sequer chega perto de me fazer gozar. Há raras
exceções.
Escuto barulho no vestiário e vejo que mais uma turma está descendo a fim de se trocar
para outro round. Entre eles, Laila e Miguel surgem no meu campo de visão conversando de
forma descontraída; sorridentes e molhados.
Os dois fazem um dos números mais elogiados do andar principal da Ishtar, usando um
jato de água no teto e muita sensualidade em uma espécie de banheira que fica no chão do palco.
— Está cheio lá em cima? — pergunto para a minha amiga, mesmo já sabendo a resposta.
Hoje também é dia das apresentações solo do Miguel, em que escolhe sortudas da plateia
para um lap dance memorável. A casa enche de mulheres ensandecidas pelo nosso deus nórdico.
O stripper é um loiro, de olhos azuis e cabelos longos na altura dos ombros, com 1,92 m de pura
gostosura.
Admito que é uma visão e tanto.
— Lotado! E no segundo andar?
— Cheio também, veio um grupo de deputados de Brasília acompanhados de
empresários.
A Ishtar tem três grandes ambientes; todos frequentados pela classe alta. O andar visível
para o público em geral contém uma área para balada e outra exclusiva para apresentações com
strippers. Não acontece nenhuma atividade sexual lá; apenas provocações.
O segundo e o terceiro são subterrâneos e focados no sexo; mas só tem acesso pessoas
VIPs, que já possuem um cadastro ou são trazidas como convidadas por membros associados.
Eu fico apenas no segundo por ser mais discreto com as salas privadas. O terceiro é quase
um surubão, bastante frequentado por adeptos de BDSM.
— Ahhh, políticos são tão chatos. — Laila faz uma careta, abrindo seu armário.
Concordo com a cabeça; sempre se acham superiores e nos tratam com arrogância. — Sorte que
tenho compromisso externo e não vou ficar. Hoje tem festa pra comemorar o aniversário da Hot
Immersive.
O nome do famoso site para adultos, focado no prazer feminino, me faz imediatamente
lembrar da produtora que trabalhei.
Passo um batom vermelho mate para finalizar a maquiagem que já tinha deixado pronta,
fingindo que não estou com calafrio na nuca – do tipo apavorante – só de pensar nisso.
Ao contrário da minha amiga, que ama ser prostituta e atriz pornô, eu tolero o primeiro e
odiava o segundo. Me arrependo amargamente do dia que aceitei participar de um filme erótico.
Se não fosse a Laila e seus pais, donos da Hot Immersive e sócios da Ishtar, eu nunca
teria me livrado desse meio e conseguido trabalho em um clube de luxo. O tipo de garota de
programa que eu fui no começo de carreira passa longe de ser o padrão daqui.
— Porra, que inveja! Queria poder ir embora cedo também — Miguel entra na conversa,
se aproximando de mim. Sua voz é bem-vinda para me afastar de lembranças que não quero ter;
muito menos na hora do trabalho. — Depois que terminar as apresentações do primeiro andar,
tenho um grupo de senhoras pra atender. Haja comprimidos.
Pelo pouco que sei do rapaz, é do meu time que trabalha por necessidade em prol da
família.
— Bem-vindo ao grupo das fodas ruins desta terça — brinco, enterrando de vez a
memória passageira. — O meu primeiro cliente foi um desastre e o segundo é certeza que vai
pelo mesmo caminho, pois já o conheço de longa data. Levando em conta que a sala principal
está cheia de políticos, até o final do expediente nada de bom me aguarda.
— Bora pro meu apê na saída? — o deus nórdico oferece, sorrindo enquanto guardo o
batom e ajeito a lace. O sorriso sacana dele deveria ser proibido, de tão obsceno. — A gente
compensa o dia ruim juntos.
Nós já transamos algumas vezes; a maioria com a Laila junto. De vez em quando fico
com funcionários daqui para ter um mínimo de orgasmos decentes. Foi bom – na verdade, mais
do que bom. Porém, estou cansada dos últimos dias puxados e a vontade de dormir é maior do
que um pau grande que sabe o que fazer.
— Olha, é tentadora a sua oferta, só que terei que deixar pra próxima.
— Quando estiver a fim, só me dar um toque. Será um prazer, Maia.
— Não tenho dúvidas disso, Leonis. — Assinto sorridente, usando seu apelido também.
Todos aqui usam um nome de guerra referente a uma estrela da constelação do seu signo.
O clube faz referência à mitologia mesopotâmica, em que Ishtar é considerada a primeira deusa
do amor no mundo; mas também chamada como a rainha do céu. Os 12 signos do zodíaco e suas
constelações formam o Cinto de Ishtar.
Eu fui batizada de Maia porque sou do signo de touro; Miguel é Leonis por ser de leão; e
Laila é chamada como Nunki, de sagitário. Os apelidos são escolhidos logo que entramos pela
dona da casa, a misteriosa empresária Antares Albuquerque.
Quase não a vejo por aqui, embora saiba que sempre está presente. O nome dela é
Antares mesmo, uma estrela do signo de escorpião.
— Tem certeza que não quer ir, amiga? — Laila pergunta baixinho, assim que Miguel
pega uma toalha e segue para a área dos chuveiros. — Você precisa relaxar um pouco.
— O melhor relaxamento pra mim ultimamente tem sido o sono. — Confiro meu celular
pela última vez nesse pequeno intervalo e fico aliviada por não ter nenhuma mensagem da
Cilene. — Além disso, o apê dele é longe, se Deus me livre acontece algum imprevisto com a
Lis ou a Sofia, demoro a chegar.
— A sua irmã ainda está desanimada e chorosa?
— Sim. — Suspiro fundo, fechando o armário. — A junção de TPM, seus novos
remédios e a amizade com a mãe em luto tem sido complicada.
Pouco mais de uma semana se passou, e a montanha-russa de emoções continua
alucinada. Ontem, Sofia chorou praticamente o dia inteiro, precisei inventar para a minha
sobrinha que a mãe estava escondida no quarto com gripe para não ficar assustada com seus
olhos inchados.
— Amanhã, temos um horário juntas, no rodízio da despedida de solteiro do Felipe e da
sua noiva. Pelo menos, será garantido alguns bons orgasmos pra você não ficar tão
sobrecarregada.
— Nossa, é verdade, tinha me esquecido disso.
Felipe é um cliente antigo da Ishtar, e está entre os raros que me fazem gozar. No início,
ele vinha sozinho ou com seus amigos. No último ano, é que passou a aparecer acompanhado de
uma linda loira.
— Você ficou até mais animadinha com a notícia — Laila ri, batendo no meu ombro.
A Bruna é supergente boa e torna as horas que passamos juntos muito prazerosas. Me
imaginar ajoelhada chupando seu homem enquanto ela se toca vai ser uma ótima imagem mental
para me fazer aguentar o velho que me espera.
— Pensar neles acabou de salvar meu próximo programa — digo divertida, dando um
beijo no seu rosto. — Preciso ir, boa festa pra você.
Despeço-me dela e saio do vestiário, seguindo pelo corredor iluminado em direção ao
elevador. Essa área é exclusiva para funcionários e nenhum cliente entra. Subo até o primeiro
andar subterrâneo, onde fico todos os dias, e passo pelo segurança vigiando o acesso com um
aceno de cumprimento.
A luz aqui já muda totalmente; bem mais baixa e avermelhada tornando o espaço sexy.
O clube é muito bonito e requintado; e não só nossos apelidos fazem alusão à deusa
Ishtar. Há painéis em 3D embutidos nas paredes, que mostram imagens em movimento das
estrelas e de fenômenos do universo.
Nesse setor, existem dois salões com sofás de couro espalhados nas laterais e acesso a um
bar ainda mais sofisticado que do andar principal. Um deles contém um tapete vermelho no chão,
destacando barras de pole dance para apresentações femininas; e outro um palco para shows
privados masculinos. Qualquer um com acesso a essa área VIP pode ficar neles, inclusive, tendo
relações em público.
Para pessoas que gostam de algo mais reservado, existem salas menores – algumas
menores que as outras. Agora, por exemplo, ficarei em uma com uma barra e uma cama de couro
redonda. Amanhã, para a despedida de solteiro do Felipe, ele reservou a que possui três barras,
três camas, dois sofás e várias poltronas.
Depende da necessidade do cliente e quantas pessoas estarão no local.
Atravesso o salão onde os políticos estão assistindo a cinco mulheres no pole dance, e
sigo direto para o meu destino. Logo que abro a porta e entro, encontro o senhor em pé,
servindo-se de vinho e de aperitivos que solicitou no bar.
— Boa noite, meu docinho — diz, todo meloso escancarando um sorriso que destaca seu
bigode ao me ver. — Estava com saudade de você.
— Boa noite, docinho — respondo animada, fingindo estar tão feliz quanto ele com a
visão. — Pronto para seus pedidos de hoje? Serão sempre uma ordem!
— Prontíssimo! — O velho se senta na cama de couro e aponta com a cabeça para o
chão; sem largar a taça de vinho. — Vamos começar com você abocanhando meu porrete com
essa boca gostosa.
Ah, droga, direto ao ponto! Não vou poder enrolar com danças e strip-tease para passar o
tempo. É, definitivamente, um péssimo dia.
Abro um sorriso malicioso, que promete oferecer uma noite inesquecível, e me viro para
fechar a porta fazendo um show à parte empinando minha bunda. Enquanto estou de costas, e ele
murmura em aprovação, respiro fundo e fecho os olhos por um segundo incorporando a mulher
que precisarei ser.
Depois de tanto tempo nessa função, pelo menos é fácil entrar no papel. Por Sofia e por
Lis… vamos lá, mais uma vez!
Ainda nem acredito que o aumento salarial para todos os funcionários foi aprovado!
Estou irritado pela enrolação da diretoria executiva e dos acionistas, mas ao mesmo tempo
aliviado que deu certo. Depois de uma reunião exaustiva, que atrasou meia hora para começar e
se estendeu duas além do horário planejado, consegui convencê-los de efetivar o benefício.
— Pode ir descansar, Jonas! — Bato no ombro do coordenador financeiro, caminhando
ao seu lado até a saída da sala.
Nós dois fomos os primeiros a chegar para a reunião e estamos sendo os últimos a ir
embora. Estava fechando com ele todos os detalhes para aplicar a remuneração extra ainda no
salário deste mês de aniversário do hospital.
— Posso ficar e adiantar a papelada para a efetivação, senhor.
— Isso pode ser feito amanhã cedo. Vá pra casa, estou vendo daqui que a sua esposa não
foi embora e está te esperando.
Jonas acompanha meu olhar e sorri ao ver a mulher, que também trabalha no setor
financeiro; bem à direita de onde estamos. Ao se despedir e seguir na sua direção, vou para o
lado oposto, onde fica meu escritório, até que avisto Felipe conversando com sua irmã caçula na
mesa dela.
Meu amigo é muito próximo dos enfermeiros e da equipe de limpeza, quero dar a notícia
em primeira mão para que comece a espalhar antes mesmo do anúncio oficial.
Desvio da rota na intenção de ir até os dois, porém, quando começo a me aproximar da
área de marketing, onde Laura é diretora, Felipe apressa o passo, sumindo de vista. Apesar de
não me encarar diretamente, tenho certeza que sabia da minha presença pela forma como a irmã
me encarou de canto de olho e disse algo antes da sua saída abrupta.
— O que foi isso? — pergunto baixo, assim que paro ao lado da sua mesa.
Laura se levanta para não chamarmos atenção e seguimos para um canto mais reservado.
Também temos intimidade. Eu frequentei muito a casa da sua família na época da faculdade, em
especial, quando a Maria Isabel morreu.
— Ele ainda tá puto, não quer conversar.
— Puto? — Franzo o cenho, sem entender.
— Você se esqueceu completamente, não é?
Forço o cérebro a recordar o que me esqueci e me lembro do compromisso apagado da
agenda, depois da ligação com meu amigo embriagado e dramático. Hoje é quarta-feira, dia da
sua despedida de solteiro.
— É por causa da despedida? Felipe sabe muito bem que odeio essas coisas. — Dou de
ombros. — Não deveria ficar puto com o óbvio.
— Não é só pela despedida. É porque ele queria que se divertisse, porque armou um
plano pra te convencer, porque contratou uma sala privada pra ser mais confortável pra você…
Apesar de não falar, meu irmão está mais magoado do que bravo. Ele tenta se aproximar o tempo
todo, quer te incluir na vida dele e te ajudar a viver um pouco, e você se afasta cada vez mais.
— Isso não é verdade — retruco, na defensiva.
— Não? — Ela arqueia a sobrancelha, desafiadora. — Você reparou que estão sem se
falar há mais de uma semana?
Porra, é verdade!
Troco o peso de uma perna para outra, incomodado com o fato de que realmente não falei
com ele nenhuma vez desde o domingo retrasado. No geral, é Felipe quem vem me atormentar.
Com a correria que ando tendo, eu nem tinha me dado conta da sua ausência.
— Eu… eu… — Pela primeira vez em anos, não sei o que dizer.
Caralho, a saliva desce pesada pela garganta.
— Ele não foi atrás pra ter ideia de quanto você ia demorar pra sentir sua falta… —
Mesmo sem precisar, ajeito a gravata no colarinho sentindo uma necessidade absurda de mover
as mãos. — Com todo respeito que tenho ao senhor como meu chefe, convenhamos que como
amigo tem deixado a desejar. Facilmente, poderia passar mais semanas sem notar.
Penso em negar mais uma vez, porém, sendo sincero não ia mesmo reparar. Ando tão
focado no trabalho que meus dias são planilhas, documentos e reuniões.
— Felipe é meio porra louca, inconveniente a maior parte do tempo, mas sei que te
considera como um irmão — ela continua a dizer, diante do meu silêncio desconfortável. — Ele
nunca esteve tão feliz como está agora, com a Bruna. E, quando estamos felizes, queremos
compartilhar essa alegria com quem amamos. Tem certeza que não pode mesmo ir na despedida?
Apesar de puto, não tenho dúvidas de que ficaria contente com a sua presença.
— Não é só pelo fato de não gostar de festas, a minha presença pode gerar um problema
enorme — tento ser racional e não me deixar levar pelo peso na consciência. — Tenho uma
reputação a zelar, e um clube com prostitutas não ajuda nessa missão.
Para piorar, Tereza segue viajando. Se uma fofoca assim espalhar, vai pegar ainda mais
mal pelo fato de aproveitar a saída da minha esposa para ir à farra. Meus pais e os pais dela,
fissurados em manter as aparências, irão me matar pela exposição.
— O clube é frequentado pela nata da sociedade, principalmente, no andar da despedida.
Ninguém está preocupado com o outro; só em curtir o momento. Para a sala privada, Felipe só
chamou os padrinhos e as madrinhas para a comemoração; pessoas de confiança que jamais
iriam espalhar fofoca.
— Ainda podem reconhecer meu carro, podem me ver andando pelos corredores…
De forma alguma, irei pedir para meu motorista me levar a um lugar assim.
— Primeiro, as salas privadas têm acesso direto no andar subterrâneo, como se fosse um
motel; ninguém vai te ver fora dela. Segundo, meu irmão acabou de deixar a chave do carro dele
aqui comigo, porque o meu quebrou de manhã e está no conserto. Estou terminando um relatório
importante e vou pra lá me encontrar com os demais daqui meia hora, mais ou menos — Laura
elenca, me observando de forma séria. — Tem mais alguma desculpa, Marcus, ou aceita ir
comigo? Eu te trago assim que quiser ir embora.
Porra, é uma péssima ideia, mas o peso na consciência está falando mais forte que o lado
racional. Fico em silêncio por alguns minutos, buscando outras justificativas, e nada parece o
suficiente.
— Vou com você — concordo, derrotado pela culpa.
— Ótimo! — ela comemora, sorridente. — Você pode se surpreender.
Duvido muito! Além de arriscado, provavelmente eu vou odiar cada minuto.

Eu já tinha ouvido falar deste lugar, mas nunca tinha passado nesta rua antes. A fachada
imponente é muito diferente do que imaginei. A construção mistura arquitetura moderna com a
clássica de um jeito elegante. Se eu não me engano, Ishtar é uma deusa equivalente à Afrodite,
para a cultura grega.
O prédio é todo pintado de branco, com referências mitológicas esculpidas em alto-relevo
nas paredes laterais. O núcleo central é ainda mais bonito, ostentando um letreiro com luzes de
néon vermelha e uma impressionante projeção em 3D do universo acima da porta ampla.
Se não soubesse, jamais imaginaria o que de fato rola aqui. Poderia ser confundido com
um museu, ou até mesmo um planetário.
— Confessa, você já está se surpreendendo — Laura comenta, divertida.
— Você vem muito aqui? — Ignoro sua provocação. Mas fato é que estou, sim, um
pouco impressionado com a estrutura do lugar.
— Felipe fez tanta propaganda que não resisti em conhecer. Há mais ou menos um ano
estou viciada, tenho meu próprio acesso VIP. — A irmã do meu amigo é tão liberal quanto ele.
Na verdade, toda a sua família é. Os seus pais vivem um relacionamento aberto há décadas. —
Pelo menos duas vezes no mês venho com minhas amigas.
Assinto, prestando atenção nos táxis que param com dezenas de pessoas bem-vestidas se
aglomerando na calçada. Quando Laura dá a volta e entra no estacionamento, segue até uma
catraca diferente bem no final do espaço coberto, que ela abre com um código no seu celular.
Descemos uma pequena rampa e em seguida temos acesso ao andar subterrâneo. Há seguranças
por todo lado, é bem-organizado e parece seguro.
— O primeiro andar também é de putaria? — pergunto, curioso.
— Não, lá é tudo limpo pra não chamar atenção da melhor parte escondida aqui.
Sei que, pela legislação, a prostituição em si não é crime no Brasil, sendo inclusive uma
atividade reconhecida pelo Ministério do Trabalho. Só que há punição para estabelecimento que
se favoreça de tal prática para lucrar.
Com o público que frequenta a Ishtar, ela deve estar muito bem resguardada de contatos
poderosos ajudando a burlar a lei. Lembro-me de um caso famoso na mídia recentemente, em
que o proprietário do luxuoso Bahamas Hotel Club foi condenado em primeira instância por
manter casa de prostituição, mas absolvido no Supremo Tribunal Federal.
Se tiver dinheiro envolvido, dá-se jeito para tudo neste país.
Laura para o carro dentro de uma espécie de garagem aberta, onde outros veículos estão
estacionados, e logo reconheço alguns dos amigos do Felipe e da sua noiva. Realmente, é
parecido com motéis nessa parte da privacidade.
— Assim que quiser ir embora, me avisa. — Descemos e noto que a acústica do local é
muito boa porque do lado de fora não estou escutando nada.
— Você sabe que não vou demorar, né?
— Veremos! — Ela ri, como se tivesse certeza de que vou sair transando com toda
mulher que aparecer na minha frente.
Isso nunca vai acontecer. No máximo, acho que aguento uns quarenta minutos fazendo a
social que tanto odeio.
Caminho ao seu lado e assim que passamos por uma porta, que novamente é aberta com
um código no celular, o barulho de música chega aos meus ouvidos. A luz dentro da sala é bem
baixa, e em um tom avermelhado mais misterioso.
— Não acredito no que estou vendo! — Felipe é o primeiro que entra no meu campo de
visão, e pela voz arrastada, já está animado. — Marcus Lobato, o pior amigo que existe,
padrinho de merda e homem mais chato que conheço, veio para a minha despedida?
— Não encha o saco dele, querido! — Bruna dá um tapa no braço do noivo, e se
aproxima para me cumprimentar. — Que bom que você veio, é importante demais pra nós.
Haja peso na consciência para me fazer estar aqui!
Dou um beijo no rosto da bela loira e, assim que se afasta, meu amigo pula no meu
pescoço, amassando toda a parte de cima do meu terno.
— Estou puto com você… puto pra caralho! Só que também estou feliz que, enfim, está
vendo outro cenário que não seja relacionado ao hospital e a sua casa.
Ia dizer que ele está sendo exagerado e dramático mais uma vez, porém, não tenho como
argumentar com a verdade. Não saio a não ser que seja a trabalho.
— E eu estou feliz porque você está feliz, cara. Não sou um amigo tão presente, mas
torço por você de verdade; é o irmão que nunca tive.
— Eu sei que aí no fundo você se importa. — Ele me encara, sorrindo meio embriagado.
Felipe não é de beber sempre, no entanto, quando decide é para realmente se divertir. — Como
seu melhor amigo, eu só quero te pedir pra viver um pouco do que realmente importa. Você é
podre de rico, um homem de sucesso inegável, e não aproveita nada.
— Vou tentar — prometo só para não criar caso no meio da sua festa. Nem sei mais ser
de outro jeito; já está intrínseco na minha pele o trabalho.
Contente com minha resposta, que pelo menos não foi uma negativa direta, Felipe me
puxa para uma poltrona de couro vazia, ao lado de uma mesa cheia de aperitivos sofisticados. Há
um sofá próximo, e ele se senta também junto com a Bruna.
Aceno para cumprimentar os demais, só que a maioria dos padrinhos está vidrada nas
mulheres seminuas dançando no pole dance e as madrinhas babando nos garçons sem camisa
abastecendo seus copos. Por sorte, ainda não tem ninguém fazendo sexo explícito.
Exibição pública não é meu forte; prefiro a privacidade de estar a dois para uma boa
transa.
Ajeito meu terno amassado assim que me acomodo e tento focar em uma conversa
supérflua, controlando o desejo insano de contar ao meu amigo sobre a aprovação do aumento
salarial para todos os funcionários.
Ele acabou de me dar um sermão sobre o hospital, vai me socar se falar disso no meio da
sua despedida de solteiro.
Os minutos vão passando e eu me apego na alegria do Felipe e à taça de vinho na minha
mão para aguentar mais um pouco. As prostitutas realmente são bonitas, mas não chegam a me
atrair de fato. São novas demais para o meu gosto maduro. Acho que a última vez que eu peguei
uma jovem ainda não tinha casado com a Tereza.
Quando espio o relógio e decido procurar Laura para avisar que deu para mim, a porta
principal se abre e quatro pessoas entram – duas mulheres e dois homens.
— Os noivos estão prontos para ordenar os seus pedidos e começar a diversão? Estamos
aqui para realizar cada um deles!
— Nunki, estava ansioso pra você chegar — Felipe diz eufórico, dá para notar que seus
olhos brilham em expectativa. — Você é a preferida do meu amor.
Droga, cadê a Laura? Temos que ir antes que as coisas esquentem por aqui. Passo o olho
entre os convidados, que ficam agitados com os novos visitantes, e a encontro em outro sofá no
canto mais afastado da sala; está se esfregando em cima de um dos padrinhos.
Inferno!
— Vem dançar aqui, linda — Bruna chama, apontando para o colo do seu noivo. —
Rebola gostoso nele e deixa o pau duro pra mim.
A tal Nunki abre um sorriso safado em aprovação ao pedido e imediatamente a luz fica
mais baixa. As mulheres que estavam no pole dance e os homens que serviam bebidas se
aproximam dos quatro que chegaram, tornando difícil eu levantar e sair. Todo foco está no casal
que comemora a despedida, logo, em mim perto deles.
Assim que uma nova música começa, e a garota remexe o quadril pela primeira vez, os
presentes gritam eufóricos, incentivando o show.
Por que mesmo eu resolvi ter crise de consciência justo hoje?
Passo a mão no rosto, incomodado com o barulho, e tento me concentrar no meu vinho.
Se eu ficar quieto, logo as pessoas dispersam e posso ir embora. Consigo me desligar por alguns
segundos, mas de repente sinto alguém atrás de mim. Antes que me dê conta do que vai fazer,
mãos negras descem pelos meus braços arranhando o tecido do terno.
— Você parece muito tenso — uma voz baixa fala no meu ouvido. Porra, o ar quente e o
tom rouco descem arrepiando a minha coluna. — Precisa relaxar um pouco.
Xingo mentalmente o Felipe, achando que é algo armado por ele, mas assim que observo
ao meu redor percebo que, além dos noivos, outros padrinhos e madrinhas também estão
recebendo a mesma atenção dos demais profissionais.
Aliás, eu podia ter me levantado. Ninguém está dando a mínima para a pessoa ao seu
lado; todos parecem hipnotizados. Que merda!
Abro a boca para dizer delicadamente que não quero nada disso, apesar do rompante do
meu corpo, só que a mulher vem para frente da poltrona e por um instante fico mudo. Seu sorriso
amplo, com lábios carnudos pintados de vermelho, me paralisa por inteiro. Ao invés de afastá-la,
meu olhar ganha vida própria sorvendo cada detalhe seu.
Ela também é jovem, porém, algo em seus olhos castanhos grandes e expressivos me atrai
como nenhuma outra tinha conseguido aqui. O rosto fino tem maçãs proeminentes; e o cabelo
loiro e liso bate na altura da cintura.
A garota veste uma lingerie amarela que realça a pele negra e parece ser feita
especialmente para suas curvas. E que curvas! Aprecio seios médios, uma cintura fina com
quadril largo, coxas bem grossas… caralho, ela não estava aqui antes, seria impossível não notar
a sua beleza.
Chego até seus pés em sandálias altíssimas e subo de novo parecendo um velho tarado
que nunca viu mulher antes. A peça ousada tem tiras por todo lado, que formam uma espécie de
grade, deixando pouco para a imaginação. Consigo enxergar perfeitamente a sua boceta marcada
e o bico dos seios. Por incrível que pareça, minha boca se enche de saliva querendo provar os
dois.
O que eu estou fazendo?
Balanço a cabeça, forçando minha mente sair do transe, mas a prostituta não facilita a
minha vida. Ela se vira de costas, anda um pouco para frente e começa a se remexer
acompanhando a melodia. Seu quadril e suas pernas estão ritmados enquanto as mãos sobem e
descem por caminhos diferentes. A direita vai da cintura até o cabelo e a esquerda da bunda para
a coxa.
Puta que pariu, que bunda gostosa!
Prendo a respiração quando a desconhecida se flexiona e desce rebolando até o chão.
Mostrando uma elasticidade invejável, se mantém agachada abrindo e fechando as pernas sem
perder o ritmo da melodia.
Quando sobe de novo, ela se vira para mim e volta a repetir o movimento. Porém, desta
vez, as pernas se fecham e abrem ao máximo me dando a visão perfeita da sua calcinha cavada.
— Garota! — A voz sai em sussurro grave; não sei se para impedir que continue ou
implorar que não pare.
Ela apenas sorri e volta a caminhar até onde estou como uma profissional que sabe muito
bem o que está fazendo. Ao alcançar a poltrona, encaixa uma das pernas bem no meio das
minhas, no vão pequeno que há ali, e leva as mãos no cabelo, requebrando a milímetros de
distância.
Não consigo desviar o olhar dela; é como a porra de um ímã. Minhas mãos comicham
para tocar o seu corpo. Para puxá-la para mim, apalpando sua bunda deliciosa.
Logo em seguida, para acabar de me matar de vez, se senta de costas no meu colo e
começa a se esfregar no meu pau ainda dançando. Seus movimentos são puro erotismo,
impossível manter apatia. Repreendo um gemido baixo, mas não resisto a segurar sua cintura,
apertando a carne macia com firmeza.
Não sei exatamente quanto tempo fica assim; só sei que minha respiração se agita e meus
dedos se tornam cada vez mais esfomeados da sua pele. Eu ajudo seu quadril a se remexer
fazendo a fricção ficar ainda maior no meu pau.
Quando percebe isso, ela se inclina para trás de um jeito muito sexy e me dá acesso ao
seu corpo. Enquanto uma das suas mãos acaricia o meu cabelo, a outra pega a minha que estava
na sua cintura e direciona no vão das suas pernas.
Caralho, que se foda!
Deixo-a me guiar, primeiro desbravando a coxa grossa e depois tocando sua calcinha
minúscula. Pressiono dois dedos na altura do seu clitóris e arfo ao descer um pouco mais e notar
o tecido úmido.
Antes que eu o afaste para o lado e me afunde ali, para sentir melhor o quanto está
molhada, a filha da puta sobe a carícia pelo umbigo, os seios e o pescoço. Minha pele parece
queimar em cada centímetro que conhece rápido demais para o meu gosto.
Eu queria mais.
Assim que chega perto da sua boca linda, a garota passa meus dedos no lábio inferior e
chupa o indicador como se estivesse sugando meu pau. Desgraçada! É o dedo que mais sentiu
sua umidade. Mesmo que eu saiba que não devo, me imagino fazendo isso no lugar dela.
Quando estou ficando fora de mim de tanto tesão, o celular toca e vibra no bolso da
minha calça. Por um segundo inacreditável, eu chego a desejar que não seja real essa interrupção,
mas o barulho continua.
Pisco, ainda meio atônito, e só realmente saio do transe que entrei no terceiro toque de
mensagem. Me remexo na poltrona e, com cuidado, tiro o meu dedo da sua boca e a afasto do
meu colo.
Na mesma hora, a pele quente sente falta do toque. Que droga eu estou fazendo?
A música diminui e a luz volta a aumentar um pouco. Reparo ao redor e outros celulares
também tocaram, os médicos presentes estão todos atentos na tela. Só pode ser o aplicativo
exclusivo do hospital que manda recados como o antigo pager fazia.
Pego o aparelho com rapidez e me levanto de prontidão ao ler o alerta de um código
vermelho, acionado para demandar o atendimento imediato em um grupo de pacientes com risco
de morte.
— Pelo jeito, foi um incêndio de grandes proporções — Felipe comenta, se levantando
também. O comunicado diz que 40 funcionários com queimaduras de alto grau, da fábrica de
móveis perto do Emília Lobato, estão sendo levados para tratamento com a gente. O número
pode aumentar. — Vamos pra lá agora; se eu tomar um banho gelado fico sóbrio o suficiente
para ajudar no básico, pelo menos.
— Não, pode ficar aqui aproveitando a sua despedida de solteiro — digo, olhando para os
outros médicos que também se aproximaram de mim. — Vocês todos, podem ficar. Temos
bastantes profissionais a quem recorrer; além de estarem aqui se divertindo, não quero arriscar
com o nível de álcool no sangue.
— Tem certeza, Marcus? — meu amigo pergunta.
— Absoluta, eu estou indo pra lá agora e já controlo a situação.
Laura aparece do meu lado e eu guardo o telefone no bolso, pronto para sair. Só que meu
cérebro assimila a presença da garota ainda perto e eu não consigo simplesmente ir embora sem
me despedir depois… depois disso que aconteceu entre nós.
— Boa noite, senhorita…
— Maia — ela completa, com um sorriso.
— Foi um prazer conhecê-la, Maia.
— O prazer foi meu, pena que não consegui te relaxar direito. Queria realizar todos os
seus desejos.
Sorrio também, sem saber o que dizer pela segunda vez no dia. Se não fosse o código
vermelho, talvez eu ficasse mais de quarenta minutos. Porra, se eu ficasse, não poderia mais
afirmar com toda certeza que não faria nada. Eu queria… merda! Eu queria transar com essa
prostituta.
O celular toca novamente e eu viro de costas, andando para longe dela antes de ser
sugado pelos seus olhos e sua boca. Neste momento, não interessa o que eu queria; ou que meu
pau está apertando a braguilha da calça.
O trabalho me chama, e ele sempre será prioridade na minha vida.
A gente sabe quando um cara fode bem pela pegada. E, esse, puta que pariu, eu tenho
certeza que não faria esforço para me levar ao orgasmo. O jeito que apertou minha cintura, ao
rebolar no seu pau, fez minha calcinha ficar ainda mais molhada do que estava.
É raríssimo, ouso dizer que talvez tenha sido a primeira vez aqui dentro do clube, que eu
fiquei excitada com apenas o olhar de alguém. A forma que me secou com seus olhos azuis
penetrantes, dos fios de cabelo até os pés, esquentou minha pele como fogo se alastrando com
gasolina.
Marcus. Eu ouvi o chamarem assim, combina com ele.
Acompanho-o de longe seguir apressado até a saída e faço a mesma checagem que
recebi. O cara, além de tudo, ainda é lindo! Deve ter mais de 1,80 m de altura; e o corpo definido
na medida certa – nem aqueles fortões de academia nem magro demais. Tem uma estrutura óssea
perfeita com ombros largos e pernas que parecem torneadas pela forma que a calça social as
abraça.
O mais surpreendente é que Marcus tem cabelo e barba grisalhos, só que não aparenta ter
mais do que 45 anos. Isso chutando alto. Pelo jeito que os outros médicos se aproximaram dele
aguardando alguma orientação, deve ser algum tipo de chefe. A sua postura exala poder, aposto
que tem um cargo muito alto.
Logo que entrei na sala privada, vi seu corpo tenso na poltrona parecendo achar uma
perda de tempo inestimável estar aqui. Quando Laila começou a dançar, Felipe me fitou sorrindo
e apontou para o amigo com a cabeça, pedindo para atendê-lo.
Não estava esperando que fosse relaxar com meu lap dance a julgar como seus ombros
enrijeceram ao aparecer atrás dele. Foi uma grata surpresa sua reação positiva; tanto que chego a
estar frustrada por precisar ir embora.
Eu queria de verdade ter atendido aos seus desejos hoje. Mesmo que esteja de costas, eu
ainda consigo sentir seus olhos na minha pele, queimando e atiçando as chamas. Nunca o tinha
visto aqui; e ele não parece do tipo que vai voltar. Perdi a chance de confirmar minha tese que
fode bem.
— Marcus vai controlar a situação no hospital. Bora continuar a festa, pessoal! — Felipe
sorri, enlaçando a noiva pela cintura.
A luz e a música obedecem a ordem do anfitrião; e eu me endireito pronta para continuar
o meu trabalho. Alguém me puxa pelo braço e me viro sorrindo para atender a outro cliente.
Retomo a dança, remexendo o quadril e passando as mãos pelo meu corpo, só que o olhar desse
homem não chega nem perto de me aquecer.
Um, dois, três… no quarto que eu me sento para o lap dance o corpo parece ter recebido
um choque de gelo; esfria totalmente. Não consigo aproveitar nada, e todos que estão na sala são
pessoas bem mais atraentes do que estou acostumada.
Puxo ar pelo nariz, buscando retomar o foco, e vou para o pole dance com mais duas
garotas a fim de enrolar e voltar no clima. Nessa rodada, como o objetivo é esquentar a
despedida de solteiro, dançamos fazendo strip-tease até ficarmos completamente nuas.
Vejo Laila chupando Bruna e Felipe dando um beijo grego na minha amiga; e essa é a
deixa para o restante dos convidados se esbaldar. Logo a sala vira uma grande suruba. Um cara
se aproxima da barra e abocanha meu seio direito, enquanto outro vai por trás e apalpa minha
bunda.
Transo com os dois ao mesmo tempo, consigo voltar para a personagem a ponto de
gemerem alto de tesão, mas eu mesma passo longe do orgasmo. E isso se repete, com outro
padrinho sentado no sofá próximo da porta, apesar do seu esforço em me agradar com um oral –
pena que pensa que a língua de britadeira no meu clitóris é excitante.
Quando está quase chegando perto das duas horas contratadas para o meu serviço,
finalmente, me aproximo dos noivos. Bruna está esparramada na cama redonda e me chama com
o dedo, pedindo silenciosamente que eu me posicione no meio das suas pernas esguias.
Sorrio, empolgada pela expectativa de gozar, e a obedeço. Assim que minha língua
atrevida a lambe pela primeira vez, ela agarra meu cabelo e fixa sua atenção no noivo. Felipe se
ajoelha ao meu lado com o pau ereto e faz movimentos firmes, para cima e para baixo,
incentivados pela bela visão da minha boca devorando o que é seu.
Não paro de chupar, explorando toda a sua intimidade, e vidrada na conexão dos dois.
Enquanto um entreabre os lábios, sedento de vontade de trocar de lugar comigo; a outra pende a
cabeça para o lado, entrelaçando os dedos com o noivo e esfregando a boceta no meu rosto cada
vez mais.
— Porra, que delícia vocês duas juntas! — Felipe elogia com a voz rouca carregada.
Lembro-me do tom grave do Marcus, me chamando de “garota”, e a devoro com ainda
mais fome; sentindo minha própria boceta pulsar. É a primeira reação real que tenho desde que
ele saiu desta sala mais cedo.
— Vem aqui colocar esse pau gostoso na minha boca, amor — Bruna pede no meio de
uma respiração entrecortada, apoiando o peso nos cotovelos para ficar em uma posição melhor
na cama.
Seu noivo abre um sorriso satisfeito e não perde tempo de preenchê-la até a garganta.
Empolgada para não perder o fio de excitação que voltou, continuo chupando, mas também
desço uma das mãos pelo meu corpo e começo a me tocar.
Mergulho a língua na sua intimidade e dois dedos na minha. O som do gemido deles é tão
gostoso que eu fico excitada de novo com o estímulo do som e do toque.
— Ah, eu estou quase! — A anfitriã geme, contorcendo a perna e arqueando o corpo para
cima.
— Seu orgasmo é sempre meu, minha putinha, não esquece! — Felipe toca no meu
ombro como um aviso para parar e Bruna solta um murmúrio pela interrupção ao mesmo tempo
que sorri em concordância.
Desde que a trouxe aqui pela primeira vez, é sempre assim: liberal para tudo, mas
ciumento com o orgasmo da amada.
Embora eu não acredite mais na balela de romances, nem que o amor seja para mim, não
significa que ninguém possa experimentar esse sentimento. Com algumas raras pessoas, ainda
funciona. E esse casal é prova disso.
Não sei o que será deles no futuro, porém, é inegável admitir a força do que vivem no
presente, mesmo que para muitos na sociedade o relacionamento possa soar superficial.
A conexão dos dois já até me inspirou em uma história ano passado; foi a primeira vez
que se tornou difícil enterrar a ideia na minha mente desde que decidi parar de escrever.
— Cavalga no meu homem, Maia, enquanto eu sento na cara dele! — Bruna orienta,
trocando de lugar com o Felipe na cama.
Quase vibro em comemoração, estou no ponto; doida para ser comida de verdade.
— Vou deixá-lo pronto pra esporrar na sua cara depois que nós duas gozarmos juntas.
— Ahhh, sim por favor! — concorda, maliciosa. — Quica bem gostoso e deixa ele
doidinho pra jorrar bastante leite em mim.
Tem pedidos que realmente são uma ordem para mim, muito além do slogan da Ishtar.
Sem pestanejar, pego uma camisinha no suporte que tem ao lado da cama e o protejo.
Sento de frente no seu colo, seguro seu pau e começo a roçar na minha boceta. Me esfrego no
comprimento sem penetrar, até arrancar um murmúrio sufocado dos seus lábios, que o faz se
inclinar para cima e puxar a minha cabeça na direção da sua.
Porra! O filho da mãe delicioso me beija com vontade, daquele jeito que tira o fôlego. Me
beija até experimentar o gosto da sua mulher em cada canto da minha boca.
Quando eu deslizo com tudo nele, até o fundo, Felipe ofega inebriado, volta a se deitar e
puxa a noiva para se posicionar no seu rosto. Ela fica de frente para mim com um sorriso
travesso e não perde tempo em apalpar meus seios enquanto cavalgo.
Os lábios ficam com inveja do contato e ela logo se inclina para chupá-los também. A
garota sempre se empolga na sucção, o que arranca um gemido verdadeiro de mim. Faço o
mesmo com ela, sem parar nenhum segundo de descer, subir, quicar e rebolar.
Nos transformamos em gemidos, suor e luxúria. Encaixamos tão bem juntos que os
outros sons são bloqueados e a minha visão só vê a cena à minha frente.
— Mete forte, amor… mete forte que eu quero gozar com a Maia… sei que você está no
limite também.
Felipe grunhe em resposta, incapaz de falar com a boceta da sua noiva afundada no seu
rosto, e me agarra pela cintura ao dar uma investida que arrepia os pelos do meu braço. Sei que
são seus dedos cravados na minha pele, mas de repente meu cérebro cria uma nova imagem
através da lembrança de outra pegada forte.
Meus sentidos se desbloqueiam, não ainda para a realidade da sala privada; e sim para
uma ilusão da minha mente.
Marcus surge tão vívido para mim que acelera meus batimentos cardíacos. Balanço a
cabeça para espantar essa visão distorcida, e acabo gerando uma nova imagem mental.
Ele me fodendo. Duro, gostoso, bem fundo.
Um frame, um vislumbre e… ah, merda!
Tão rápido quanto o momento que tivemos juntos no lap dance, meu corpo reage de
imediato e sinto um puxão no baixo ventre. Entreabro os lábios em busca de ar, e arranho o peito
abaixo de mim, quando o orgasmo vem com tudo em uma velocidade sem precedentes.
Minhas… minhas pernas ficam trêmulas. Minha respiração completamente… ofegante.
Com uma fantasia. A fantasia de um homem desconhecido que sequer beijei.
Meu Deus, o que foi isso?
Ontem mesmo, eu usei o Felipe e a Bruna para me deixarem excitada com um cliente; e
hoje que estou com eles imagino outro. Duas vezes. Inclusive, as únicas duas vezes que de fato
me senti com muito tesão.
Apesar de ser uma completa loucura, a adrenalina satisfeita correndo em minhas veias
não consegue se preocupar o suficiente com esse disparate. Ao invés disso, só consigo pensar o
que faríamos juntos se tivéssemos mais tempo.
Se fosse real.
A semana estava passando rápido, mas desde que recebi o aviso do incêndio, tenho a
impressão de que o tempo deu um salto enorme. Eu pisquei e já é sexta-feira à noite, estou
focado totalmente no trabalho ainda mais do que o normal. Pelo menos, nosso esforço de
atendimento está sendo válido. Dos 40 pacientes iniciais, o número saltou para 61 e só tivemos
cinco óbitos até o momento.
Caminho pelo corredor observando à distância todos os quartos deste andar da Unidade
de Terapia Intensiva, realocado exclusivamente para os queimados. Venho aqui e nas alas de
internação, onde os menos graves estão se recuperando, pelo menos duas vezes por dia conferir
de perto a evolução dos feridos.
— Conseguiu resolver o problema com a operadora do plano de saúde? — minha irmã
pergunta, andando ao meu lado na inspeção noturna.
— Sim, a fábrica de móveis vai arcar com todos os custos extras. — Por ser um plano
empresarial e mais limitado, a operadora está se negando a bancar alguns procedimentos devido
ao volume da demanda. — Eles fizeram questão de enviar os funcionários para cá porque, além
da proximidade para agilizar o socorro, sabiam do excelente atendimento que oferecemos.
Não que a preocupação com os colaboradores seja o verdadeiro motivo para tal
investimento. Na longa reunião que tive com os executivos da empresa hoje mais cedo, percebi
que estão mais interessados em usar o hospital para o marketing do “estamos oferecendo o
melhor a todos” do que por genuíno cuidado com sua equipe afetada.
Segundo Felipe comentou comigo, a mídia está noticiando em peso que a fábrica não
cumpria normas de segurança e que o motivo do incêndio foi uma falha no sistema elétrico. Isso,
porém, é uma preocupação para a polícia investigar. Estou feliz que, pelo menos, os feridos vão
receber o melhor depois de toda tragédia.
— Que bom que tudo foi resolvido logo porque os pacientes estão evoluindo muito bem
em dois dias com nosso acompanhamento em IA e a pele de tilápia.
Assinto e paro em frente a um dos quartos para olhar através da porta de vidro o homem
entubado do outro lado. Seu nome é João e teve 60% do corpo comprometido pelas chamas. Na
quarta-feira à noite, assim que Laura me deixou no hospital, ele também estava chegando de
ambulância totalmente desacreditado pelos paramédicos.
Observo a escama do peixe de água doce cobrindo toda a sua pele e os batimentos
cardíacos regulares no monitor ao seu lado. Vê-lo vivo e estável faz todo cansaço valer a pena; o
risco de morte dele era altíssimo.
Normalmente, é usado um creme com efeito de 24 horas para tratamento de queimaduras.
Todos os dias, é preciso trocar o curativo, tirar o creme, enxaguar a área queimada, colocar o
creme novamente e fazer um novo. Esse procedimento é muito doloroso e costuma demorar uma
semana para começar a surtir efeito.
A pele da tilápia, por outro lado, é imediata e reduz a dor sentida, pois precisa de menos
curativos. Os pesquisadores também constataram uma considerável redução do tempo de
cicatrização das lesões.
Esse método biotecnológico inovador foi descoberto no Brasil e está cada vez mais sendo
usado por outros países. A recuperação do tecido corporal se dá por causa do alto nível de
colágeno do peixe, que ainda protege o paciente de infecções externas e mantém a umidade da
ferida.
— Como está o estoque de pele? Acredita que precisaremos de um pedido extra?
Nívea ficou alguns meses trabalhando na assistência aos feridos, em uma zona de conflito
armado na Nigéria, e atendeu a muitos casos de queimaduras que não tinham a mesma
recuperação que nós conseguimos.
Quando ficou sabendo da gravidade do incêndio, ela quis ajudar mais efetivamente e eu a
deixei como a responsável da ocorrência. Não há pessoa melhor para cuidar destes pacientes.
— Está alto ainda, graças à compra regular que você tem feito. — Voltamos a andar pelo
corredor. — Somos o segundo hospital em São Paulo com mais estoque.
Sorrio, orgulhoso de ter acreditado na técnica desde o início e investido no
armazenamento. As tiras de pele podem ser guardadas em um congelador por cerca de dois anos.
Antes de serem utilizadas, são submetidas a um processo de limpeza em que se retira as escamas,
o tecido muscular, as toxinas e o odor característico do peixe.
— Boa noite, doutor Marcus e doutora Nívea — um grupo de residentes cumprimenta ao
passar ao nosso lado.
— Boa noite! — Aceno, observando o rosto de cada um. — Ótimo plantão, pessoal!
Vejo Noah no meio deles, mas meu filho se comporta profissionalmente como sempre e
apenas acena de volta de forma discreta. Eles foram remanejados para ajudar com os queimados
até segunda ordem, principalmente, no levantamento de dados para o programa de inteligência
artificial.
— Quais foram os principais feedbacks da análise de dados do último plantão? —
pergunto para a minha irmã, antes de encerrar nossa inspeção.
— Dez estão com monitoramento mais intensivo porque têm chances de o quadro evoluir
para choque hipovolêmico, sete apresentaram possibilidade de ter edema das vias aéreas e três
estão com risco elevado de sepse.
A tecnologia implantada no nosso hospital reduz o tempo de internação em até 20% e a
mortalidade em até 35%. Além de auxiliar na análise mais precisa de cada caso, a ferramenta
também consegue mostrar rapidamente todo o histórico do paciente e, a partir das informações
coletadas e monitoradas, emitir um alerta caso haja o mínimo risco para ele.
— Atenção total nesses pacientes com possibilidade de sepse, pode se tornar fatal rápido
demais.
— Sim, já estamos fazendo isso; fica tranquilo. Vai descansar um pouco, Marcus, sei que
só foi pra casa tomar banho e trocar de roupa nos últimos dois dias. Não deve ter dormido nem
quatro horas ao todo.
— De novo querendo dar lição que você não segue, Nívea? — provoco, rindo. — Você
está do mesmo jeito, e nem foi pra casa. Tomou banho e cochilou na área de descanso dos
médicos.
— Eu vou daqui a pouco! — Ela levanta as mãos à frente do corpo, em rendição. —
Agora que a situação está mais estável, devemos recuperar um pouco de energia. Médico exausto
é um perigo para os pacientes.
Assinto novamente, olhando no relógio de pulso e vendo que já são dez e vinte da noite.
Como CEO, eu não corro o risco de matar um paciente por causa do cansaço. Mas é fato
que diminui minha agilidade para trabalhar e resolver problemas. Preciso tomar um banho
decente e de pelo menos seis horas inteiras de sono.

— Chegamos, doutor — o motorista avisa, parando o carro.


Olho pela janela e me surpreendo por já estar na frente de casa. Geralmente, eu uso o
tempo no trânsito para responder e-mails, ler artigos científicos novos ou organizar
apresentações que preciso fazer; só que não me desligo tanto a ponto de perder a noção de
localização.
Estou realmente cansado, meu cérebro está funcionando devagar.
— Obrigado, Jorge. — Desligo a tela do celular e pego a minha maleta no banco. — Bom
descanso, te espero amanhã às sete.
— Boa noite, senhor. Estarei aqui em ponto.
Saio do veículo e sigo pelo jardim enorme até a varanda. Desbloqueio a entrada com
minha digital e logo que entro a luz acende automaticamente. Estou com fome, porém, estou
ainda mais com vontade de tomar banho e dormir.
Desisto de ir até a cozinha esquentar algo e subo as escadas em direção ao meu quarto,
pedindo pelo aplicativo do meu celular para encher a banheira e deixar a água morna. Morar em
uma casa inteligente, planejada pela empresa da esposa, tem suas vantagens.
Por falar nela… quando estou chegando ao topo encontro com Tereza de robe, segurando
uma taça de vinho e uma garrafa pela metade.
Bons tempos que eu apreciava a bebida a fim de relaxar. Faz anos que só bebo em
programas sociais.
— Você não disse nada que ia voltar hoje, está tudo bem? — pergunto, parando na sua
frente e guardando o telefone no bolso.
— Está sim. Eu não te mandei mensagem porque imaginei que estaria na correria com a
questão do incêndio. A situação se estabilizou?
Conto para ela como as coisas estão e Tereza resume como foram os negócios em
Portugal. Fico contente por ter conseguido avançar na compra do terreno para a filial da Futech
na Europa. Será a primeira fora do Brasil; até então a empresa apenas exporta a tecnologia para
outros países.
— Consegui resolver tudo e ainda ficar dois dias com a Corinne — revela, empolgada.
Minha esposa se descobriu bissexual logo após nossa separação de fachada. Está saindo
sem compromisso há cerca de um ano com a arquiteta, que mora na França. Um dos motivos de
achar que nossa farsa ainda vai demorar muitos anos é porque ela não tem coragem de assumir
esse lado para a família conservadora.
— Pelo brilho nos seus olhos, foi uma excelente viagem. — É visível a mudança no seu
semblante do dia do aniversário do Emília Lobato para agora.
— Não poderia ser melhor: promissora no trabalho e quente na cama!
Observo o sorriso enorme que desponta no seu rosto e de repente não são os lábios finos
da Tereza que aparecem na minha frente. Uma boca carnuda, sorrindo da mesma forma leve,
vem à tona trazendo várias memórias da garota da Ishtar.
Toque no meu braço.
Olhar expressivo.
Curvas deliciosas.
Dança sensual.
Meu pau duro.
Maia.
Porra, ela, sim, foi muito quente e sequer chegamos a fazer algo.
A correria no trabalho nesses últimos dois dias não me possibilitou pensar em mais nada
além do hospital, mas por um instante ela volta tão vívida na minha memória que parece que é
quarta-feira à noite e eu acabei de chegar do clube.
— Marcus? — Sinto dedos no meu ombro.
— O quê? — Pisco, balançando a cabeça discretamente para afastar a lembrança
inoportuna. — Perdão, me dispersei por um momento.
— Que dispersão foi essa?! — Tereza brinca, aumentando o riso. — Sua pupila até
dilatou, você ficou em completo silêncio como se tivesse ido pra outro lugar.
Merda! Não tive como controlar, a garota surgiu tão inesperada na minha cabeça quanto
naquele dia, me pegando desprevenido por trás.
— A bebida está te fazendo ver coisas — desconverso, sem querer tocar nesse assunto.
Eu contei que fui à despedida de solteiro do Felipe sem maiores detalhes. — Aliás, eu estou lento
porque estou muito cansado. Preciso tomar um banho e dormir.
— Imagino que esteja exausto, vai sim. — Tereza não insiste no assunto, me conhece
bem. Eu aprecio ouvi-la contar sobre sua vida, só que não gosto de falar de mim fora o lado
profissional. Sempre foi assim desde que nos conhecemos. — Eu vou guardar essa garrafa e
pegar água pra me hidratar e não ficar com ressaca.
— Boa noite! Amanhã conversamos mais de manhã antes de sairmos para o trabalho.
Minha esposa desce a escada e eu continuo andando pelo corredor até alcançar o meu
quarto. No mesmo dia que resolvemos manter a relação apenas de fachada, eu me mudei para um
dos cômodos de hóspedes para termos privacidade.
Como as visitas são raras, principalmente nos últimos dois anos tanto por parte da minha
família como da dela, ninguém nunca desconfiou do nosso acordo. Os funcionários que
trabalham na parte interna da casa conhecem Tereza desde criança e são muito confiáveis; não
temos receio de vazar.
Entro no quarto, deixo a maleta na mesa próxima da janela e vou direto tomar banho. Não
demoro para me desfazer dos sapatos e das peças de roupa. Jogo sais de banho, na água morna
como pedi pelo aplicativo, e coloco meu celular na borda, caso toque com alguma emergência.
Eu nunca fico longe do meu telefone.
Assim que os músculos relaxam no porcelanato, e penso que vou conseguir um minuto de
paz, o sorriso da garota da Ishtar volta a ocupar minha mente. Porra, não é possível!
Tento afastar a lembrança mais uma vez, mas no silêncio do cômodo e sem ninguém por
perto, a filha da puta é insistente. Novamente sou inundado por uma enxurrada de memórias dela
e, para piorar, meu cérebro cogita o que poderia ter acontecido se eu tivesse ficado lá aquela
noite.
Ela continuaria rebolando no meu colo.
Eu percorreria cada centímetro do seu corpo com os dedos – bem devagar, como desejei.
Afastaria aquela calcinha minúscula e descobriria se estava mesmo tão molhada quanto
o tecido úmido sugeriu.
Inferno, eu tenho certeza que estava!
Fecho os olhos por um instante e desço uma mão pelo meu abdômen, alcançando o
membro duro que ficou agitado com a mera hipótese.
E se eu a fizesse gozar nos meus dedos?
E se eu substituísse os dedos pelo meu pau?
E se ela cavalgasse gostoso em mim?
Imaginá-la descendo e subindo de costas no meu colo faz minha respiração ficar ofegante
e meu corpo arquear contra a banheira. Tenho tara por bundas bonitas e aquela, porra, é perfeita
demais.
Eu queria muito apertar a carne macia. Eu queria deixar a marca da minha mão ali.
Quando sinto meus dedos pressionarem o pau e se movimentarem para cima e para baixo
com avidez, abro os olhos assustado e percebo o que estou fazendo. Caralho, isso está indo longe
demais.
— Preciso urgente foder! — Me afasto de imediato, forçando minha mente a focar de
novo.
Eu tenho 44 anos, não sou mais um adolescente que se masturba pensando em mulheres
aleatórias. Ou pior ainda, um velho que fantasia com ninfetas que podem ter metade da minha
idade, sendo que eu sequer gosto das tão jovens.
Deve fazer um mês desde a última vez que estive com Giovana, a amiga da Nívea. O
problema é com certeza falta de sexo. Sem pensar muito, pego meu celular com a mão molhada
mesmo e vou direto no aplicativo de mensagens.
Mando um recado para saber se ela está disponível nos próximos dias e fico aliviado por
aparecer online e responder que podemos nos ver amanhã.
Apenas um dia.
Em menos de 24 horas, eu gozo com uma mulher madura e gostosa, que também tem
uma bunda linda, e paro de pensar em bater punheta para uma prostituta.
Uma garota que nunca mais verei e não tem nada a ver comigo.
Viro o líquido fumegante da cafeteira na minha xícara e inspiro o cheiro gostoso que
invade minhas narinas. Assim que tomo o primeiro gole e começo a caminhar em direção à mesa
do café, a realidade se mistura com uma cena que surge na minha mente.
De repente, vislumbro um homem elegante de terno chegando ao seu escritório e a
secretária se apressando para entregar um Starbucks na sua mão enquanto resume dezenas de
compromissos do dia.
Marcus é o executivo que não consegue desviar os olhos da mulher. E eu sou a
funcionária que sorri discretamente como se não estivesse percebendo a secada.
Bufo, incrédula com mais um devaneio com esse cara. Isso está ficando estranho demais!
A primeira vez que eu o fantasiei durante um programa, fiquei mais desejosa que fosse
real do que intrigada; ao se repetir no dia seguinte com outro cliente, deixei rolar sem pensar
demais; mas agora fanficar roteiros é o cúmulo! Estou irritada com essa merda.
Não faz sentido nenhum essa inspiração aleatória, há muitos anos eu não me imagino
personagem de nada.
A situação piorou quando eu caí na cilada de comentar com a Laila o que estava
acontecendo e minha amiga jogou uma enxurrada de informações que não pedi no meu colo;
divertindo-se com a situação lamentável.
Ela o conhece, Marcus não é apenas um chefe qualquer. É o CEO do Hospital Emília
Lobato, um dos melhores do país. Como eu imaginei a primeira vez que o vi, de fato exala poder
e dinheiro.
— Princesa Lis, é pra comer, não pra ficar brincando com a colher! — Me sento ao seu
lado e coloco a cafeteira na mesa, ávida para me ocupar com ela e esquecer essa loucura.
Ficaremos só nós duas hoje no café. Sofia ainda está dormindo, Cilene já foi embora do
seu turno e Nanda está de folga dos serviços domésticos por ser domingo.
— Migau de aveia não é gostoso! — A pequena faz uma careta descontente. — Eu
prefiro comê cereal com leite e morango, titia Faísca.
Na consulta com a fonoaudióloga ontem, a médica pediu para começar a inserir
gradativamente alimentos mais pastosos na dieta da minha sobrinha. A habilidade de mastigar
alimentos sólidos deteriora-se bastante na doença de Huntington; ou seja, aumentam em número
e gravidade os incidentes com engasgos.
Na maioria dos casos, esse sintoma não aparece tão cedo, mas Lis já vivenciou algumas
vezes – a última, com o cereal do café da manhã. Não foi nada sério por enquanto, porém, a
médica achou melhor antecipar algo que viria acontecer de qualquer forma – principalmente para
não deixar a minha irmã nervosa com os engasgos.
Tudo que podemos evitar, a gente evita por ela também.
— Você não chegou a dar duas colheradas! — argumento, buscando seu olhar
desdenhoso. — Experimenta melhor, se realmente não gostar, a gente vê outras opções.
— Não quero otras! — retruca, fazendo bico. — Eu quero meu cereal. O cereal é mais
docinho e croucante.
— Podemos adoçar um pouco mais o mingau da próxima vez, sua formiga! — Sorrio,
fazendo cócegas na sua barriga e arrancando uma risada dela. — Mas precisamos nos acostumar
com essa textura dos alimentos e seguir as orientações das titias médicas pra você se sentir
melhor. Tá bom?
— Tá — concorda a contragosto, movendo o braço com um espasmo.
Desde que Lis passou a ter um mínimo de entendimento, eu contei a ela sobre sua doença
e como sua vida seria um pouco diferente da nossa e dos seus amigos. Minha sobrinha ainda não
tem consciência de quão grave sua condição é, então, no geral consegue se adaptar bem.
Pelo menos, por enquanto.
A doença tem progredido mais rápido com a proximidade do seu sexto ano de vida.
Quando desconfiamos que algo estava errado, Elisabete tinha uns picos de adrenalina e depois
ficava muito introspectiva; além da dificuldade de engatinhar e andar – toda hora caindo. Sofia e
eu nos apavoramos e gastei o que tinha e o que não tinha para pagar exames particulares a fim de
desvendar de uma vez por todas esses sintomas.
Foram meses de consultas e nenhuma resposta.
Depois dos três anos, ela teve a primeira convulsão e eu quase infartei de tanta
preocupação. O diagnóstico certeiro só veio por volta dos quatro. Como a DH Infantil é rara e
ninguém na nossa família tem, demoramos a descobrir que era genética do pai ausente.
Em breve, vai ficar mais difícil fazer a pequena entender tantas limitações.
A severidade dos movimentos involuntários, por exemplo, chegará a incapacitar Lis de
levar comida à boca. Essa dificuldade com a alimentação me causa pesadelos, pois muitos
pacientes morrem de pneumonia por broncoaspiração, resultante dos desvios de líquidos e
demais alimentos para os pulmões.
Por Deus, não dá nem para pensar nisso! Meu coração sufoca toda vez que vislumbra o
futuro que virá.
— Se você comer tudinho, além da hidratação no cabelo e de pintar suas unhas, no final
do dia eu também faço skincare em você — barganho, esfregando a mão vazia no peito e
voltando a procurar outra coisa para me concentrar.
— Oubaaaaa! — a vaidosa se anima, pegando uma colher generosa na tigela. — Eu
quero creminho no rosto e a máscaura geladinha. E também quero o roulinho macio.
— Combinado! Qual esmalte você vai escolher esta semana? — continuo puxando um
assunto leve, enquanto encho meu prato de ovos mexidos. — Vamos mudar do rosa um pouco?
— Não! — responde, categórica. — Rosinha é mais lindo.
— Tá bom. Vamos de rosa pela enésima vez.
Marcus é pensamento proibido; só que o futuro da minha sobrinha é ainda mais. Assim
como a reabilitação da minha irmã, temos que viver um dia de cada vez para não entrar em um
espiral de desespero.
Hoje, eu vou viver mimando muito essa pequena.

Meu trabalho na Ishtar acontece de terça a sábado. Escolhi o domingo e a segunda para
folgar porque são os dias com menos clientes no clube. Com a rotina corrida dos programas e
cuidados com a Lis, se não parar um pouco meu corpo realmente não aguenta.
Além da necessidade física de uma pausa, eu gosto de passar um tempo de qualidade com
a minha sobrinha. Estar presente todos os dias na sua rotina, é muito diferente de realmente criar
memórias afetivas ao seu lado.
Uma das formas que encontrei para isso é nosso dia de beleza. Como preciso tirar a lace
para hidratar meu cabelo natural e fazer as unhas, aproveito para cuidar dela também, que se
mostra cada dia mais vaidosa.
— Mais brilho, bouta bastante gliutter na minha unha.
— Assim, princesa Lis? — Passo mais uma camada do esmalte espalhafatoso e ela sorri,
balançando a cabeça com a touca em concordância.
Já lavei o nosso cabelo com xampu hidratante; separei em mechas para aplicar a máscara
capilar; e agora estamos esperando o produto agir por trinta minutos para enxaguar, selar com o
condicionador, tirar o excesso de água com a toalha de microfibra e finalizar.
Demora tanto para fazer todos os processos que costumamos passar a manhã inteira e o
início da tarde rindo e conversando.
Termino de pintar todas as suas unhas e vou tirar as cutículas das minhas enquanto ela
assiste My little pony. Elisabete sempre pede para fazer nosso dia de beleza no seu quarto a fim
de que a sua coleção de pelúcias assista da prateleira.
Me dá um pouco de dor de cabeça as paredes cor-de-rosa, a cortina rosa, a cama rosa e
uma dezena de brinquedos dessa mesma cor…, mas o que não aguentamos pelos sobrinhos, não
é mesmo?
Fiz questão de aprender esses cuidados básicos para evitar salões de beleza cheios de
gente fofoqueira. Na verdade, eu evito qualquer lugar com aglomerações de pessoas para não ser
reconhecida. Até mesmo os exercícios físicos que pratico diariamente faço no quintal de casa
para não ir à academia.
— Titia Faísca, na hora de terminar você pode fazer dedolizi em mim? — a pequena
pergunta, pausando o desenho em uma cena com a personagem Pinkie Pie que tem a crina
cacheada.
Geralmente, eu finalizo com o difusor sem fitagem para ser mais rápido. Não tenho
necessidade de definir muito porque eu faço a hidratação aos domingos e nas terças à tarde já
preciso colar novamente a lace para a Ishtar – outro processo demorado.
— Pra você ficar feliz, eu faço tudo, meu amor.
— Eu vou ficar mais feliz se você fizer no seu também, fica tão mais linda com “o bebelo
enroladinho, um monte de cauchinho na cachola, toin toin toin”.
Sorrio, observando a fofura que é Lis cantando a música de um comercial antigo da
Johnson's Baby. Eu repetia essa letra todo dia, quando ela era mais nova, nos momentos do
banho. Uma das memórias afetivas que ficou marcada na sua memória.
— Tá bom, eu faço! — Sou muito rendida e babona, meu Deus! Vou aumentar no
mínimo uma hora de trabalho só para agradá-la.
— Oubaaaaaa!
Elisabete odeia a lace loira e lisa. Mesmo quando era bem menor, já ficava irritada e
chorosa ao me ver com ela. Demorou para a minha sobrinha se acostumar e, assim que cresceu
um pouco, começou a questionar por que eu não podia manter os cachos e o cabelo castanho o
tempo inteiro.
Minha explicação que o trabalho exige outra aparência foi mais difícil de compreender
que ao falar da sua doença – ela acha um absurdo a minha escolha.
Sorrio de novo, me lembrando dos seus argumentos de que eu “deveria ir trabalhar
bonita, e não feia com esse neugócio na cabeça”.
A inocência das crianças é fascinante… ah se a vida fosse simples assim!
A verdade é que eu prefiro mil vezes o natural também, mas não uso mais em público por
causa da época que eu atuei na indústria de filmes pornô. Me tornei tão conhecida com os
cabelos volumosos e definidos que minha vida virou um inferno. Fiz tanta questão de alugar uma
casa porque já tive problema no prédio que eu fui criada com minha mãe. Meu rosto ficou
marcado demais.
Eu era importunada em todos os lugares que ia – e por ser atriz erótica as pessoas
achavam que tinham o direito de chegar em mim passando a mão e se aproveitando. Quando não
era isso, me tornava alvo dos xingamentos de mulheres – a maioria casada e inconformada com
os maridos viciados em vídeos adultos.
Não saio de jeito nenhum com os cachos mais; tudo por um pouco de paz e privacidade
com minha família. Quando surge um imprevisto nesses dois dias que estou sem a lace, ou
preciso ir com a minha sobrinha nos seus compromissos, coloco uma outra peruca loira que eu
tenho guardada, apenas de encaixar, para períodos curtos de tempo e sem grandes movimentos.
Meu lema é não chamar atenção além da Ishtar. Por isso, também uso cabelo sempre
preso, óculos sem grau, não me maquio e sempre estou de roupas largas fora de casa.
— Ceci, você pode pedir pelo iFood um analgésico, um remédio para dor de garganta e
uma máscara reforçada? — O som arrastado da voz da minha irmã espanta meus pensamentos e
me faz olhar para a porta.
Largo o alicate de cutículas na mesa e me levanto, assustada em como seu rosto está
abatido. Eu estranhei mesmo que Sofia estava dormindo demais; geralmente acorda cedo junto
comigo.
— Você está se sentindo muito mal?
— Mamãe Bela, o que você tem? — Outro dos seus apelidos, e eu continuo com o
mesmo.
— Não cheguem perto de mim! — Minha irmã cobre o nariz e a boca com o braço,
esticando uma mão à frente do corpo para nos afastar. — Não posso de jeito nenhum passar gripe
pra vocês. Lis pode ter alguma complicação, Ceci pode ficar sem trabalhar… não se aproximem!
— Calma, Sofi! — tento acalmá-la à distância para não se agitar demais. — Eu vou pedir
o que você solicitou, não precisa ficar nervosa. Estamos bem.
— Não esquece da máscara, eu vou ficar de máscara o tempo inteiro! — reforça, ansiosa,
ignorando o que eu falo. — Vou permanecer trancada no quarto para não espalhar o vírus.
Ela é oito ou oitenta. Toda vez que fica doente, se desespera com medo de nos prejudicar.
É fato que pegar uma gripe pode ser mais complexo para a Elisabete e me deixar por dias sem
nossa renda, só que a precaução se torna exagerada quando está assim.
Sofia adoeceu com certeza por causa da sua imunidade baixa. Minha irmã tem comido
muito pouco; ficou ainda mais desanimada desde ontem cedo na consulta com a fono e o pedido
para a filha ingerir alimentos pastosos.
— Tá bom, eu não vou esquecer. Mas enquanto eu peço, você precisa tomar um banho.
Vou preparar um café reforçado também.
— Não estou com fome…
— Você tem que se alimentar adequadamente para melhorar logo como deseja. Ok? —
Às vezes, é como se eu cuidasse de duas crianças. Preciso ser paciente.
Ela acena com a cabeça e sai rápido da porta, seguindo pelo corredor e voltando para o
seu quarto. Pego o meu celular no bolso e abro o aplicativo para fazer os pedidos na farmácia.
— A mamãe Bela vai ficar bem mesmo da gripi?
— Vai sim, princesa Lis, fica tranquila! — Me aproximo dela e faço um carinho no seu
rosto preocupado. — Pode voltar a assistir seu desenho, vou preparar um sucão de laranja,
beterraba e cenoura para dar um gás na sua imunidade. Logo volto pra lavarmos o cabelo. Você
quer um pouco também?
— Sem beurraba! Eca, ruim demais!
— Certo, farei um copo para você só com laranja e cenoura.
Finalizo o meu pedido e vou para a cozinha preparar o café da manhã da minha irmã. Se
a dor de garganta piorar e ela tiver febre, vou levá-la para tomar uma injeção no hospital a fim de
que os sintomas melhorem mais rápido. Da última vez que Sofia adoeceu dessa forma, ficou sete
dias largada na cama sem vontade nem de fazer a terapia online.
Pensar no hospital faz outra divagação se misturar à realidade. Imagino que sou uma
médica e recebo a visita do meu diretor no consultório. Nós já temos um caso escondido e ele
sempre inventa desculpas para me ver e roubar um beijo no meio do expediente.
— Porra, era só o que me faltava! — xingo em voz alta, dando um tapa na minha testa e
empurrando para longe essa imagem mental.
Com tanto problema real para resolver, a última coisa que eu preciso é me irritar com a
insistência desse homem atormentando minha cabeça.
Se com uma pegada forte eu estou assim, se tivesse realmente transado e o sexo fosse
tudo que imaginei, estava fodida.
Confiro as horas no meu relógio de pulso e entro no elevador, puto que vou ter que sair
do hospital em plena terça-feira à tarde e enfrentar trânsito para participar do almoço de
aniversário de um dos acionistas.
Eu estava sedento para arrumar uma desculpa e não ir, já que Tereza teve um imprevisto
na Futech e não conseguirá chegar a tempo, mas como bem lembrou a minha mãe há pouco,
antes de se dirigir ao mesmo compromisso com meu pai, ele será um dos principais investidores
da nossa faculdade assim que for aprovada. Preciso aguentar e fazer uma social.
O foda é que são duas e meia. Até eu chegar lá, interagir minimamente e voltar, já vai ter
escurecido. Hoje é certeza de que vou embora para casa de madrugada a fim de dar conta do que
ficará atrasado.
O elevador para no estacionamento subterrâneo exclusivo dos funcionários e assim que as
portas se abrem, eu dou de cara com Giovana. Ela está sozinha e eu também, por isso, seu sorriso
se amplia mais do que o casual que me oferece normalmente.
— Boa tarde, Marcus! — cumprimenta sem formalidade. — Como você está?
— Boa tarde! Bem, e você? Parabéns pela cirurgia, soube que foi ótima.
A médica tinha uma operação cardiovascular complexa hoje, em uma criança de 11 anos
– filha de uma influencer com milhares de seguidores. Ela tem feito uma propaganda gratuita
enorme do hospital, feliz com o atendimento.
— Obrigada. Foi ótima mesmo, começamos às seis e transcorreu sem nenhum imprevisto
por sete horas.
— Tenho um almoço do outro lado da cidade pra ir, quando eu voltar e for fazer a
inspeção noturna com os pacientes do incêndio, vou vê-la também.
— Vai sim que a pequena vai adorar, ela ficou chocada que você é o dono do hospital
porque imaginou um velho não um “homem tão bonito”. — A amiga da minha irmã
discretamente observa ao seu redor para confirmar que estamos a sós e diminui o tom de voz. —
Não há como negar o choque da menina, não é? Nosso CEO é um colírio para os olhos. Aliás,
quando estiver a fim de repetir a dose, só me mandar mensagem.
Assinto, sorrindo discretamente, e me despeço dela seguindo o caminho até a minha
vaga. É de se imaginar que Giovana esteja mais solta comigo. Quando nos encontramos no
sábado, eu estava com tanto tesão reprimido que fiquei muito mais tempo do que costumo no
motel. Peguei essa mulher de todas as formas possíveis, não contente com apenas um orgasmo.
Terminamos suados, exaustos e satisfeitos.
Foi bom, como sempre. Porém não adiantou muito para aplacar minha necessidade, visto
que foi só chegar em casa que voltei a pensar na ninfeta da Ishtar.
A filha da puta anda insistente na minha cabeça quando não estou trabalhando. Terei que
combinar novos encontros com a doutora em breve até isso passar.
— Acho que você está precisando de outra. — Felipe aparece do nada ao meu lado,
batendo no meu braço e rindo.
— O quê? — pergunto, sem entender. Geralmente, eu nunca entendo seus comentários
aleatórios de primeira.
— Pela sua cara de desinteresse, quando Gio se aproximou sutilmente e sussurrou algo, o
lance de vocês esfriou. A não ser que resolveu voltar a foder com a Tereza, vai precisar de outra
mulher pra não ficar com as bolas azuis.
— Porra, cara, por que você é tão idiota? — Ignoro seu comentário e continuo andando.
O estacionamento está praticamente vazio nesse horário, sem ninguém por perto para
ouvir seus disparates. Foi um azar enorme justo meu amigo sem noção presenciar a cena à
distância. Provavelmente, está aqui porque voltou do almoço; desde que conheceu Bruna sempre
está com ela em todos os momentos livres.
Outra pessoa, que não sabe o que há entre nós, não perceberia nada.
Será que eu pareci mesmo desinteressado? Agi normal, como todas as vezes que nos
encontramos em público.
— Eu tô mentindo? — Ele ri mais e me segue, adorando me irritar. — Devia ter
aproveitado minha despedida de solteiro melhor. A Maia com certeza ia fazer você usar bastante
esse cacete.
Maia.
Meus pés automaticamente desaceleram ao ouvir seu nome.
— Você gostou dela, não é? Fala a verdade! — Felipe me abraça pelo ombro e eu o
afasto, desamassando meu terno. Mesmo sem dizer uma palavra, meu amigo amplia o sorriso e
continua tagarelando. — Sabia que tinha gostado! Vou na Ishtar hoje com duas primas da Bruna
que chegaram na cidade para o casamento na sexta e não conseguiram vir antes para a despedida.
Bora? Eu marco horário pra vocês dois sozinhos.
Me imagino sentado em uma daquelas poltronas de couro vermelha, com a linda garota
dançando no meu pau sem ninguém por perto, e o meu corpo se anima, mais uma vez agindo
como um adolescente.
Que merda!
— Não vou transar com uma prostituta dentro de um clube de sexo que, sabe-se Deus,
como é higienizado — falo baixo e sério, voltando a caminhar no mesmo ritmo. — Você só
pensa com a cabeça de baixo; eu como médico e CEO de um hospital tão renomado, não ignoro
infecções sexualmente transmissíveis. A boate pode ser de luxo, mas as doenças não escolhem
classe social.
— Seu cérebro racional e analítico está inventando desculpas! — Ele me olha com
diversão, como se estivesse vendo um extraterrestre na sua frente. De fato, devo ser um dos
poucos homens a se preocupar com isso ao invés de só transar. — Antes você seria enfático ao
dizer que não iria e pronto. Agora você quer ir e quer trepar, só acha que não deve.
— Por que somos amigos mesmo? — Bufo, fingindo que ele não tem nenhum pouco de
razão na sua suposição. Estou desde semana passada tentando colocar juízo na minha cabeça. —
Você é um pé no meu saco!
— Se não fosse eu, sua vida monótona seria ainda mais insuportável — o convencido se
gaba, mostrando os dentes brancos. — Só pra você saber, a Ishtar tem um controle rigoroso de
limpeza e cuidado com os funcionários. Não é à toa que é tão procurada pelos maiores
empresários e políticos deste país.
Felipe conta que, ao se tornar um membro VIP do clube, os clientes recebem uma série
de informações internas sobre questões de privacidade e prevenção. Há segurança por toda parte
e não toleram qualquer tipo de importunação.
Segundo ele, no intervalo de todo programa, os funcionários descem para tomar banho e
se trocarem em um vestiário interno; além dos cômodos usados serem higienizados por um grupo
de limpeza que fica a postos durante todo o horário de funcionamento do local.
Como médico, fico aliviado ao saber que fazem tratamento de Profilaxia Pré-Exposição,
um preventivo para pessoas que não vivem com o HIV. A utilização diária de uma combinação
de dois medicamentos antirretrovirais reduz em mais de 90% as chances de se infectar quando
exposto ao vírus.
O remédio é disponibilizado para compra na rede privada, e também oferecido de forma
gratuita pelo SUS para pessoas em situação de vulnerabilidade ao HIV, como profissionais do
sexo.
— Eu de fato penso mais com a cabeça de baixo, só que não iria ignorar essas questões.
Todo mundo no clube faz acompanhamento regular de saúde, com testagem para o HIV e outras
ISTs. — Não sei por que ainda estou ouvindo o Felipe, não vou mudar de ideia. Podia
simplesmente acelerar o passo e chegar logo ao meu carro. — Se tiverem com imunidade baixa
ou qualquer ferida, nem podem entrar pra trabalhar. Fora isso, tem preservativos em todo canto.
É obrigatório o uso para relação vaginal ou anal.
— E oral? — A pergunta sai antes que eu controle minha boca. — Sífilis, gonorreia e
HPV podem ser adquiridas dessa forma e até mesmo pelo beijo.
Com a Giovana, que eu conheço e sempre faz os exames de rotina do hospital, eu não
tenho nenhum problema em beijar e praticar sexo oral – aliás, eu adoro chupar uma boceta. Mas
com uma prostituta? Jamais teria coragem!
— Como eu disse, eles verificam todo dia os funcionários, você sabe que é muito difícil a
transmissão se não tiver com uma ferida na boca. Se preferir, encapa o pau o tempo inteiro e não
beija. Bora, Marcus, vai ser divertido!
— Eu não vou lá de novo, pode esquecer. — Avisto meu carro e aceno para Jorge vir ao
meu encontro a fim de acabar logo com essa conversa. Estou perdendo tempo precioso aqui. —
Tenho pelo menos uma hora no trânsito pra chegar em um compromisso. Suponho que você
também tem mais o que fazer, fora importunar o seu chefe.
— Cara, você é muito chato. — Felipe ri mais uma vez, ignorando minha reprimenda. —
Lembra o que eu te falei quando você apareceu de surpresa na minha despedida? Eu só quero
que você viva um pouco; deixe de ser tão certinho, caralho. Comer uma prostituta não vai te
matar, não; você vai gostar ainda mais da Maia.
— Eu não vou, Felipe — reforço minha decisão, desviando do seu corpo para alcançar o
veículo que está quase parando ao seu lado.
— Veremos até quando vai durar essa relutância! — ele me provoca, brincalhão. — Te
conheço há muitos anos, algo me diz que a vontade está maior que o senso crítico. Quando
estiver a fim, é só me avisar que eu te levo com prazer.
Entro no carro e nem perco tempo de responder mais. Felipe está errado. Não há
curiosidade que me faça ceder. É uma escolha inegociável.
Parada no cantinho do portão, para não ficar no foco das pessoas ao redor, movo
discretamente os braços em círculos a fim de alongar os músculos enquanto espero a turma da
Lis ser liberada. Todo dia de recolocar a lace eu fico com uma dor dos infernos nos membros
superiores, tanto pelo trabalho de trançar os fios para esconder o volume como pelo cuidado em
colar firme o cabelo falso.
Logo minha sobrinha aparece conversando com uma amiguinha e vem sorridente na
minha direção. Essa escola vale cada centavo do alto investimento que eu faço, pois a pequena
sempre volta para casa feliz e cheia de histórias.
Um dos maiores medos que eu tinha é que ela fosse excluída por causa da sua condição
de saúde.
— Titia Faísca, a Lu Skye achou lindo as minhas unha rosinha com gliutter. —
Reconheço de cara a referência ao desenho Patrulha Canina. — Você podia pintar as dela
também? Seria muito legal se fosse lá em casa; faz tempo que ela não vai nos visitar.
— Precisamos pedir autorização para os papais da Lu, princesa Lis.
Sinceramente, eu odeio visita no meu único local de sossego, mas para agradá-la às vezes
eu abro algumas exceções. Antes ser lá, sob meu olhar atento, do que na casa de outras pessoas.
Não confio a sua supervisão a qualquer um.
— A minha mãe deixa, não é, mãe? — a menina responde empolgada, apontando para
alguém atrás de mim.
Viro a cabeça e sorrio de forma cordial para a mulher que me observa também sorrindo.
Por ser a mãe da melhor amiga da Elisabete, eu me aproximei dela um pouco mais do que o
distanciamento que costumo manter com os outros.
— Vamos ver com calma um dia que não atrapalhe a Cecília.
O pessoal que me vê fora da Ishtar, acha que sou programadora de computador e trabalho
de forma independente para variados clientes. O estereótipo de usar roupa larga e óculos ajuda a
criar essa personagem nerd totalmente diferente do meu verdadeiro emprego.
— É melhor esperar a sua mamãe melhorar da gripe primeiro, princesa Lis, assim que ela
estiver bem, combinamos.
Sofia está desde domingo enfurnada no quarto. O seu excesso de cuidado não deixa que
nós, ou qualquer outro, seja infectado, porém, com essa desculpa eu ganho uns dias para enrolar.
— Nossa, é melhor mesmo! — a mãe da Luana concorda comigo. — A Lu acabou de se
curar de uma virose, por isso nem veio ontem. O corpo está abatido ainda e propício a novas
infecções.
— Ahhh, eu queria que fosse na sexta, que é feriado.
— Eu também! — A amiga faz bico, juntando-se ao da minha sobrinha.
— Acho que no dia do feriado ainda não vai dar — explico, pegando na sua mão para
que a gente vá embora. — Combinamos assim que possível.
— Oportunidades não vão faltar, meninas, nada de ficarem tristes! Se não derem um
sorriso bem feliz, nem eu nem a Cecília, autorizamos mais. O que preferem?
— Tá bom, tá bom. Não vamos ficar tristis. — A espertinha abre um sorriso mais falso
que nota de três reais.
Dou risada da sua cara de pau e me despeço delas, avisando que em breve iremos marcar
a visita – embora, no fundo, rezando para esquecerem.
Assim que começo a andar com a Lis na direção oposta, onde o carro está estacionado, o
telefone toca no meu bolso. Solto da sua mão por um instante e paraliso ao ver na tela o nome da
Sofia.
Meu coração chega a parar um momento de receio, ela não costuma ligar. Será que…
será que caiu em tentação de novo?
Eu insisti para que viesse comigo ontem e hoje, não queria deixá-la sozinha em casa, no
entanto, a teimosa não quer ficar no mesmo espaço fechado nem com máscara.
— Não vai atende, titia Faísca? — Elisabete questiona, me vendo segurar o aparelho sem
reação.
— Sim, sim. — Pisco, observando novamente o nome. — Que tal pegar uma florzinha
pra levar pra mamãe enquanto eu atendo? Escolhe a mais linda de todas!
Aponto para o canteiro bem ao lado de onde estamos e ela bate palminhas, animada para
presenteá-la. Lis sempre percebe rápido quando é referente à sua mãe, não quero deixá-la
apreensiva seja lá qual for o motivo da ligação.
Engulo em seco logo que se afasta e aceito a chamada, receosa. Mal aperto o botão, a voz
da minha irmã invade meus ouvidos, agitada.
— Ceci, a febre voltou e está em 38,7 graus. — Nunca pensei que uma frase assim me
deixaria tão aliviada. Inspiro fundo, passando a mão no meu rabo de cavalo. Não é sobre álcool.
Não é sobre drogas. — Traz outra máscara mais reforçada, de tripla camada e feita de material
sintético. Traz outro teste de Covid também, é melhor garantir que não estou com essa merda.
Ontem eu comprei dois testes e os dois deram negativo. Todos em casa estão com as
vacinas em dia. O seu desespero cria sintomas que muitas vezes nem são reais, como paladar e
olfato prejudicados.
— Calma, Sofi! — falo baixo, dando uma olhada na minha sobrinha que observa o
canteiro atenta. — O que acha de irmos direto na farmácia fazer um teste?
Desde que cismou que pode ser Covid, nem na emergência ela quis ir tomar uma injeção
para a dor de garganta. Como os pacientes com suspeita ficam separados, tem medo de nós duas
sermos expostas.
— Não vou ficar no mesmo carro que a Lis, é perigoso.
— Posso ligar pra Cilene vir um pouco mais cedo e ficar com ela.
— Nesse horário de pico, nem que saia da sua casa agora, ela não chega aqui a tempo.
Depois não dá, não posso atrasar seu trabalho.
Respiro fundo, o medo de segundos atrás se transformando em impaciência. É difícil
lidar com esse seu lado neurótico.
— Lembra o que conversamos de manhã? Essa apreensão toda não deixa seu organismo
se recuperar. Bebe um antitérmico e vai tomar um banho frio, que eu chego aí em breve e a gente
decide.
Nenhuma resposta vem.
— Ok, Sofia? Preciso desligar, já estou com Lis pra ir embora. — Volto a dar uma olhada
nela e percebo que ainda não escolheu a flor.
— Ok — concorda sem ânimo.
Por enquanto, é o que basta. Talvez seja melhor fazer os pedidos pelo aplicativo mais
uma vez e amanhã cedo vamos à farmácia. Se sua neura persistir, agendo um médico no
consultório só para ter uma opinião profissional – mesmo que não adiante muito porque qualquer
exame precisa ser à parte. Nesse aspecto, o hospital seria bem melhor.
Assim que eu desligo a chamada e foco na minha sobrinha, meus batimentos cardíacos
saltam no peito.
Segundos. Milésimos de segundos.
Em um instante de distração, ela não está mais parada observando o canteiro e sim
correndo pela calçada de encontro a uma árvore ainda mais distante. Tudo acontece muito
rápido. Noto o momento que tenta se inclinar para pegar uma das flores cor-de-rosa caídas na
grama, só que seu corpinho frágil se desequilibra e tomba para o lado.
Perto demais do meio-fio.
Elisabete cai na ciclovia.
Com uma bicicleta passando.
— Lis! — grito a plenos pulmões, sentindo o coração ser esmagado com uma mão
invisível ao constatar que foi atingida.
A última vez… a última vez que senti um desespero tão grande foi quando recebi seu
prognóstico de expectativa de vida.
Disparo na sua direção com as pernas trêmulas, sem me importar em empurrar qualquer
pessoa que tenta se aglomerar ao seu redor. Não identifico rostos, nada me importa além da
minha sobrinha. Me jogo no chão ao seu lado e fico em pânico ao perceber que está desacordada.
— Alguém liga pra emergência. Urgente! Chamem uma ambulância! — peço alto, sem
condições de discar qualquer número.
Minhas mãos também estão tremendo. Meu corpo inteiro treme. Fico tão nervosa que não
consigo pensar racionalmente como estou acostumada.
Será que ela desmaiou como uma reação normal da sua doença? Será que foi por que
bateu a cabeça muito forte?
Meu Deus, eu imploro, não permita que nada grave aconteça com a minha sobrinha! Ela
não… ela não merece mais sofrimento. Não merece. Minha pequena. Não…
Meus olhos se enchem de lágrimas e pisco várias vezes para não começar a chorar e me
desesperar. Sinto que estou ficando com falta de ar, o peito muito apertado.
Preciso aguentar. Não posso surtar. Não posso! Ela precisa de mim.
— Princesa Lis, acorda, meu amor! — Toco com delicadeza no seu ombro, sem saber se
devo mexer nela ou se será pior. — Abre os olhos pra titia, por favor.
Nada. Ela não responde.
— Jorge, use os triângulos para sinalizar o acidente e evitar outras ocorrências. Por favor,
deem espaço! Perto da criança deve ficar apenas o responsável. — Ouço alguém falando
próximo de onde estou. — Eu sou médico, com licença.
Uma parte de mim sente alívio por ter um profissional da saúde aqui antes da chegada do
socorro, mas outra maior e mais assustada não consegue se mover. Acompanho letárgica ele se
ajoelhar ao meu lado para conferir a sua respiração – algo que eu deveria ter feito e travei – e
depois avaliar o seu pulso.
O homem também checa se há algum sangramento ou parte do corpo visivelmente
atingida. Vejo apenas os movimentos rápidos das suas mãos e da sua cabeça abaixada.
— Ela está respirando e externamente sem machucados, acredito que o desmaio seja mais
pelo susto do que pela queda. — Solto o ar devagar pela boca, internalizando a boa notícia para
me acalmar. — De qualquer forma, não a deixe mover o tronco e a cabeça, o socorro irá
confirmar o risco de algum trauma. Eu vou levantar as suas pernas para ajudar na oxigenação e
você deve…
A frase morre quando ele olha na minha direção para me orientar e eu de fato presto
atenção no médico.
— Maia?
Puta. Que. Pariu!
Não acredito no que estou vendo.
Marcus…
O Marcus da despedida de solteiro, dos meus devaneios irritantes dos últimos dias… está
bem na minha frente.
— Não me chama assim, por favor — sussurra, apreensiva.
A incredulidade de encontrá-la no meio da rua, em uma cidade com mais de 12 milhões
de habitantes, perde a luta interna contra a curiosidade da sua frase. Da momentânea falta de
reação, ajo semicerrando os olhos e tentando captar todas as nuances do seu rosto.
Ela está muito assustada por causa do acidente, mas agora também parece receosa
comigo pela forma como seus cílios se movem rápidos e a boca se fecha em uma linha fina.
Parece com medo de ser pega no flagra.
Considerando a roupa larga que está vestindo, muito diferente de como a conheci; o
cabelo preso, os óculos e a falta de maquiagem, as pessoas aqui não sabem o que faz para viver.
Porra, a garota é ainda mais linda ao natural do que montada para trabalhar. Que inferno!
— Eu vou levantar as pernas para ajudar na oxigenação — volto a dizer o que interrompi
pelo choque, tentando focar no que realmente importa no momento. — Segure os ombros dela
pra não se mover bruscamente.
Piscando para sair do transe, Maia – ou seja lá qual for o seu nome – assente ao pedido e
obedece. Segundos depois que as pernas são elevadas, a criança deitada no chão abre olhos
castanhos tão expressivos como da adulta ao seu lado.
— Ah, meu Deus! Que bom que você acordou, meu amor. — O seu suspiro audível é de
puro alívio.
Será que são mãe e filha? Claramente estavam saindo da escola pelo uniforme e a
mochila de rodinhas caída próxima do meio-fio. Desci tão concentrado, primeiro dando uma
olhada no ciclista pálido, que estava perto do meu carro com medo de ter machucado a criança; e
depois seguindo até ela, que não ouvi o que foi di…
— Titia Faísca?!
Antes de completar meu pensamento, a resposta vem.
Tia. Ela é sua sobrinha.
— Sim, sou eu, princesa Lis! — confirma emocionada, tocando no seu rosto com uma
mão enquanto a outra se fixa no ombro. — Estou aqui com você, vai ficar tudo bem. Só preciso
que fique parada um pouquinho. Você pode brincar de estátua comigo?
— Sim, eu vou ficar paradinha igual uma estáuta.
— Certo! — Maia abre um sorriso tão verdadeiro que faz meus olhos se fixarem como
ímãs na sua boca carnuda. Merda, de novo isso não! Desvio logo que percebo a secada. — Se
você ganhar, quando chegar em casa eu faço uma panela de brigadeiro pra você.
— Eu quero, eu quero!
— Não vou fazer você perder brigadeiro, isso seria um pecado! Mas preciso da sua ajuda
pra responder algumas perguntas e me mostrar os seus olhos. Isso não conta, né, titia? — Entro
na brincadeira, fitando-a de esguelha para não me perder na sua beleza.
— Não conta, pode fazer tudo o que ele pedir. — Há um tom de surpresa na sua voz pela
minha reação. — Ele é médico, vai te ajudar enquanto a ambulância não chega.
— Certo, titio Gota. O que pecisa?
— Gota? — Não consigo reprimir o sorriso pela forma fofa que pronuncia.
Foco nisso e ignoro a parte da sensação diferente que me toma por ser chamado de
“titio”. Sei lá, como se fosse… como se fosse certo.
— Ela apelida todo mundo que conhece com um personagem que adora.
— Ah, que legal! — Por isso, se referiu à Maia como Faísca logo que despertou. —
Muito criativo da sua parte.
— Obigada. Minha mamãe Bela sempre diz que sou criativa e inteligente. E linda!
— Ela não mentiu, você é mesmo tudo isso. — Sorrio de novo e pego meu celular,
acendendo a lanterna para avaliar seus reflexos pupilares e se há indício de algum dano cerebral
com a queda. — Acompanha meu dedo se mexendo, por favor.
Movo de um lado para o outro e analiso as pupilas. Como eu imaginei, a avaliação
improvisada mostra que aparentemente está tudo bem.
— Excelente, Lis.
— Princesa — ela me corrige e meu rosto se transforma em diversão. — Eu sou a
governante de Euquéstia.
— Certo, me desculpe, princesa Lis. — Ouço a risada abafada de Maia e me seguro para
não a encarar e vislumbrar mais um pouco como fica bonita sorrindo. — A sua cabeça está
doendo?
— Não.
— E sua coluna?
— Não também.
— Tem alguma parte do seu corpo que dói?
— Só o meu bumbum, bati ele muito forti no chão. — Logo que termina de explicar, noto
uma contração involuntária dos seus músculos, que começa no ombro e move todo seu braço de
forma desordenada.
A graça da sua resposta se perde na minha preocupação. Isso não é bom! Será que teve
algum dano neurológico imperceptível nessa primeira análise?
Levanto a lanterna do celular mais uma vez, ávido em investigar de novo seus reflexos
pupilares, no entanto, travo quando Maia toca na minha mão e me para. Fito o seu contato
inesperado, formigando a minha pele, e depois subo buscando seus olhos castanhos.
Por um momento, ficamos presos um no outro, com aquele magnetismo estranho e filho
da puta.
É a garota quem se afasta primeiro, tirando a mão da minha e disfarçando o olhar para o
chão.
— Minha sobrinha tem a doença de Huntington, o espasmo não é da queda.
O quê? Porra, não acredito!
Toda a estranheza de segundos atrás é esquecida pelo meu cérebro, que se concentra
totalmente nessa informação. A DH Infantil é rara e incurável. Lis é tão esperta e cheia de vida;
infelizmente talvez nem chegue à adolescência.
Olho para a menininha com um sorriso no rosto, mas no fundo estou pesaroso pelo
diagnóstico; sem conseguir refrear na minha mente todos os sintomas que já deve ter vivenciado
a essa altura e os que ainda virão.
É difícil imaginá-la daqui uns anos com alterações severas desse humor engraçado, falta
de interesse por tudo ao seu redor e até demência.
Os pensamentos só se afastam ao escutar o barulho da sirene da ambulância e o
burburinho das pessoas comemorando que ela será atendida e ficará bem. Ajeito meu terno e me
inclino para fitar seus belos olhos.
— Foi um prazer te conhecer, princesa Lis — digo sincero, tocando a ponta dos seus
cabelos cacheados. — Agora, outros titios vão cuidar de você e te levar para um check-up no
hospital. Logo, logo vai pra casa ganhar sua panela de brigadeiro por ter ficado quietinha.
— Humm, delícia! Vou comer tudinho. — Ela sorri, travessa. — Obigada por me ajudar,
titio Gota.
— Não foi nada, querida.
Os paramédicos se aproximam e eu me levanto para me apresentar, mas sou reconhecido
antes de dizer o meu nome. Resumo para eles a situação clínica que observei tanto com a criança
quanto com o ciclista, que ainda está um pouco assustado por ter se envolvido no acidente.
Enquanto ela é reavaliada e imobilizada, a sua tia também se levanta e é abordada por
uma senhora que toca seu braço, parecendo preocupada. Eu a tinha visto mais cedo quando
cheguei para o socorro.
— Cecília, se você precisar de qualquer coisa, nos comunique. A escola estará à sua
disposição.
Cecília.
Será que esse é seu nome verdadeiro? Ou outra invenção para não ser reconhecida?
Pelo jeito que a garota troca o peso de uma perna para outra e bate os dedos, parecendo
nervosa de repente, acho que é a primeira opção. Ela não queria que eu soubesse. Não deve
gostar de ter sua real identidade revelada.
— Obrigada, Márcia, acredito que tenha sido só um susto e amanhã mesmo essa pequena
arteira estará com vocês novamente.
— Vamos esperar ansiosamente por isso! — É o que também espero; toda complicação
do seu diagnóstico já é muito mais do que o tolerável para uma menininha tão pequena.
Assim que Lis começa a ser colocada na ambulância e as pessoas se dispersam, eu sinto
uma necessidade absurda de puxar assunto com a sua tia.
— Pena que o Emília Lobato seja tão longe, ela seria bem atendida lá — comento,
incapaz de controlar a minha boca.
Droga, eu odeio perder o domínio das minhas ações. Isso raramente acontece.
— Sim, é um excelente hospital — concorda, olhando para dezenas de lugares, menos
para mim. — Mas estamos acostumadas a ir em um aqui nas redondezas. Os médicos conhecem
seu histórico de saúde.
— Ótimo. — Também troco o peso da perna, como ela fez há pouco, me sentindo
estupidamente agitado. Que merda, é hora de ir embora. — Espero que Lis fique bem; o melhor
possível dentro das possibilidades.
Não falo abertamente, mas pela suavidade das minhas palavras, a garota percebe que meu
desejo é mais do que pela recuperação do acidente.
— Obrigada — agradece, com um sorriso contido. — Obrigada por nos ajudar também,
eu ia surtar até o socorro chegar.
— Imagina, não por isso.
— Vou indo lá… — Cecília aponta para a ambulância, inquieta. Há claramente um clima
esquisito no ar. — Adeus, Marcus.
Assinto e a observo se afastar apressada. Por algum motivo, o “adeus” fica preso na
minha garganta e não sai em resposta.
Para ser sincero, uma parte de mim – uma sem noção e inconsequente – espera que não
tenha sido a última vez que nos vimos.

Caralho, eu não devia ter permitido que meu cérebro desejasse ver Cecília mais uma vez.
Essa droga de pensamento está me atormentando há horas; parece que fundiu meus neurônios.
Não consegui trabalhar direito quando voltei para o hospital.
Não consegui dormir bem quando cheguei em casa.
Não estou conseguindo me concentrar esta manhã.
Isso é totalmente atípico e irritante; é como se meu corpo estivesse lutando contra o bom
senso da minha mente para me vencer pelo cansaço e me fazer ir àquele clube terminar o que
comecei.
Além do desejo físico de sexo, eu estou curioso para saber se a sua sobrinha ficou bem.
Verifico o último corredor dos pacientes queimados e me preparo para visitar a criança
operada pela Giovana. Ontem, eu estava tão disperso que simplesmente me esqueci dela quando
terminei a inspeção noturna.
— Que bicho te mordeu, cara? — Quase reviro os olhos ao perceber Felipe se
aproximando de mim com seu jeito brincalhão de sempre; nada bem-vindo no meu humor atual.
— Três enfermeiras passaram ao seu lado te cumprimentando e foram ignoradas completamente.
Você não é um exemplo de simpatia, mas pelo menos costumava ser educado.
Olho para trás, procurando as funcionárias que nem vi, no entanto, não há ninguém
próximo do elevador.
— A culpa é sua! — confesso baixo, irritado demais para ficar com a boca fechada.
— Minha? — O filho da puta ri, colocando a mão na frente do peito de forma teatral. —
O que eu fiz agora?
Aperto o botão do elevador a fim de sumir logo da sua frente antes que fale o que não
devo, mas para o meu azar, está vazio e o meu amigo vem atrás.
— Você sabe que não vou te deixar em paz enquanto não falar. — Maldita hora que me
esqueci como Felipe é curioso e insuportável quando quer. — Finalmente resolveu transar com a
sua secretária gostosa, ficou um clima ruim e agora me culpa?
— Claro que não! — Ele me sugere fazer isso desde que a mulher estava grávida, por
causa do aumento dos seus seios.
Júlia é linda, solteira e confiável tanto quanto a Giovana, porém, estamos juntos
praticamente o dia inteiro e a chance de chamarmos atenção seria maior.
Não quero correr nenhum risco de expor meu casamento falso.
— Então você…
— Eu vi a Maia ontem, voltando do compromisso que fui depois que nos encontramos no
estacionamento — corto sua frase antes que comece a listar um monte de absurdos que já me
propôs. — A sobrinha dela sofreu um pequeno acidente e eu socorri.
Prefiro usar o apelido porque não parece certo falar seu nome verdadeiro na frente dele,
já que se mostrou tão incomodada.
— Porra, que coincidência, cara — comenta surpreso. — Eu a conheço há três anos e
nunca nos esbarramos por aí. Isso é destino, hein?!
— Que destino, Felipe?! — Bufo, ignorando seu disparate.
— Teremos essa conversa outro dia. — Ele me dá um dos seus sorrisos presunçosos,
como se soubesse algo que ninguém mais sabe. — Agora a questão é: por que você está tão
irritado? Me deixa adivinhar: sua relutância não durou 24 horas e devo agendar um horário?
A porta do elevador se abre justamente quando sua risada aumenta. Algumas pessoas nos
olham curiosas e eu ofereço um aceno de cumprimento, saindo rápido do foco delas.
— Vai trabalhar, eu tenho muito o que fazer! — repreendo, baixo.
— Nem fodendo eu saio de perto de você até me responder. E tem que ser com
sinceridade, senão não vai se livrar de mim! — meu amigo provoca, sem parar de rir.
Felipe não vai me dar paz, conheço essa peste. As pessoas vão ficar olhando e eu vou
chamar uma atenção que odeio.
Se eu desconsiderar meu lado crítico por um momento, talvez seja melhor deixar
acontecer logo. É tudo uma questão de novidade passageira.
É isso.
Não será nada de mais. E, depois que matar a minha curiosidade, essa insistência de
pensar nela vai parar.
Se eu passar mais um dia sem me concentrar no trabalho, não sei do que sou capaz.
— Agende essa merda, eu vou! — solto as palavras no ar, antes que me arrependa. —
Mas ficarei sozinho em uma das salas. A hora que eu quiser sair, você me traz de volta. E não
leve mais ninguém fora a Bruna, não quero holofote desnecessário.
— Dois dias seguidos no paraíso, que semana maravilhosa pra mim! — Ele bate no meu
ombro, se gabando mais uma vez. — Vou agendar e te espero às dez no estacionamento. Você
não vai se arrepender, cara.
Tenho certeza que vou.
Vou me arrepender pra caralho assim que o orgasmo vier e eu constatar que é uma foda
como qualquer outra.
Estou me arriscando à toa, mas para tirar essa prostituta da minha cabeça, eu faço o que
for preciso.
Até ontem à tarde, eu não estava aguentando mais ver pônei na minha frente do tanto que
Lis repete esse desenho, dia após dia. Hoje estou fissurada na tela, achando lindo as conversas
dos bichos e a forma que conseguem arrancar uma risada sincera do rosto da minha sobrinha.
Ela poderia não estar aqui agora por causa de uma distração minha. Além de não a vigiar
como devia; não prestei nem para fazer os primeiros-socorros que aprendi anos atrás, logo que
recebi seu diagnóstico.
Recordar minhas falhas é como receber uma facada no meio do peito. Jamais conseguiria
me perdoar se algo grave tivesse acontecido. Solto ar pela boca e tento focar no seu sorriso feliz
a fim de não permitir que esses pensamentos se proliferem.
No momento, preciso aceitar a parte boa e esquecer o resto: o acidente foi superficial e os
médicos constataram que não houve nenhum dano.
— Titia Faísca, para de olhar pra mim e faz minha trainça direitinho. Assim vai ficar
torto.
Todo dia tenho que inventar moda no seu cabelo para ir à escola. Ela não se contenta
apenas com os lindos cachos soltos.
— Estou fazendo direito, não se preocupe. — Transpasso os fios com uma fita de cetim
rosa para deixar semipreso depois junto com um laço. — É que a titia te ama muito, e não
consegue ficar sem te admirar.
— Ahhh, eu também amo você, titia Faísca. Muito, muitão assim. — Ela abre os braços
pequenos o máximo que consegue arrancando um sorriso do meu rosto.
— Ceci, a Sofi vai comer normal hoje. — Nanda aparece na porta do quarto toda
contente, interrompendo nosso momento fofo por um bom motivo. — Fui perguntar se já podia
esquentar sua canja e ela avisou que estava se sentindo melhor e queria comida mesmo.
Minha irmã tem almoçado e jantado apenas canja de galinha nos últimos dias porque viu
na internet que o alimento acelera a produção de glóbulos brancos, tornando o sistema
imunológico eficiente.
— Que ótimo! Está ouvindo, princesa Lis? Logo a mamãe estará boazinha pra brincar
com você.
— Não vejo a hora, tô com saudade do abrauço dela.
Também não vejo a hora, esse seu estado neurótico me deixa ainda mais apreensiva que o
normal.
Logo cedo, tive que levá-la à farmácia para realizar o teste de Covid antes da consulta da
Elisabete no psicólogo. Para acabar com suas suspeitas de uma vez por todas, fizemos duas
modalidades que oferecem resultados rápidos.
Com tantas respostas negativas para o vírus, ela já está ficando menos paranoica. Aceitar
almoçar outra comida é prova disso. Espero que nos próximos dias saia do quarto e volte a
conviver conosco.
Não gosto de mentir, e muito menos omitir coisas dela referentes à sua própria filha, mas
achei melhor não contar sobre o acidente. Sofia ia se culpar profundamente por ter ligado na hora
de buscá-la na escola e isso poderia acarretar problemas com relação à sua dependência química.
Inventei uma desculpa que ficamos presas no trânsito para justificar o atraso, algo muito
comum na capital paulista, e pedi para Lis não comentar nada a fim de não preocupar sua mãe. A
pequena aceitou na hora minha sugestão e disse que faria tudo para que a Sofia melhorasse logo;
é muito lindo como cuida dela do seu jeitinho.
Nanda avisa que o almoço vai ser servido em no máximo quinze minutos e eu me apresso
para terminar o que estou fazendo. Quando finalizo a trança e calço seus sapatos, ao invés de
desligar a televisão, Lis acaba voltando para a tela inicial do aplicativo sem querer.
O cartaz de Elementos surge enorme bem na minha frente, e eu me lembro do Marcus,
para variar. Desde ontem, o infeliz gostoso está ainda mais insistente na minha cabeça; já pensei
em uns três roteiros novos só porque socorreu a minha sobrinha.
Fiquei muito incomodada por ele ter descoberto meu nome verdadeiro, e não sabia direito
como agir na sua presença fora da Ishtar, mas admito que me surpreendi com seu jeito atencioso
com a criança.
— Princesa Lis, por que você apelidou o titio de ontem como Gota? — pergunto baixo,
mesmo ciente que o quarto da Sofia é no final do corredor e não dá para ouvir nada.
Na hora, eu só consegui pensar que Gota é o par romântico da Faísca no filme da Disney.
Não ajudou em nada a diminuir minhas fanfics com esse homem.
— Por causa dos olhos azul, oras — responde naturalmente, como se fosse óbvio demais.
E pior que é. Eu que estou viajando!
Os olhos deles são muito parecidos – de um azul cristalino e hipnotizante. Reparei bem
ontem na claridade. Na verdade, todo o diretor executivo do Emília Lobato consegue ser ainda
mais lindo à luz do dia.
Pego o controle para desligar eu mesma a televisão e ir almoçar, antes que os devaneios
cresçam demais, porém sou barrada pelo toque do meu celular perto da porta. É o som de
notificação do aplicativo da Ishtar, onde vemos os agendamentos do dia.
Curiosa para saber o que vou enfrentar hoje, mando Lis ir na frente e assim que ligo o
aparelho o nome do Felipe salta na tela. É automática a aceleração dos meus batimentos
cardíacos. Não por causa do médico que eu vejo com frequência no clube, mas pela mera
possibilidade de rever seu amigo.
Felipe esteve ontem com a noiva e algumas mulheres na Ishtar; contrataram a Laila e o
Miguel para uma festinha particular pré-casamento. Ele não costuma ir dois dias seguidos e
muito menos marcar uma sala privada com apenas uma prostituta.
Será que desta vez está agendando para o Marcus? Será que o CEO está pensando em
mim como estou pensando nele e resolveu acabar logo com o fogo dessa química estranha entre
nós?
Porra, eu preciso urgente parar com essa merda!
É claro que não é o Marcus, não tem nada a ver com esse cara. A única trouxa perdendo
tempo com devaneios loucos e sem sentido sou eu.

É o Marcus!
Puta merda, é ele sentado na única cama de couro redonda da pequena sala privada,
segurando uma taça de vinho pela metade. Engulo em seco quando se vira na minha direção e me
observa com intensidade.
Não posso ficar paralisada na porta como uma idiota emocionada.
Preciso entrar, interagir e transar com esse cara.
Ah, meu Deus, eu vou transar com ele depois de tantos devaneios loucos!
— Que prazer revê-lo! — Abro um sorriso que deveria ser malicioso, porém, acho que
soa forçado pelo meu nervosismo.
Fecho a porta, mas ainda me mantenho um pouco distante.
— Boa noite, Ce… Maia! — Marcus se corrige antes de me chamar pelo nome de
batismo. — É um prazer revê-la também. Ficou tudo bem… digo, com a sua sobrinha?
— Sim, não foi nada grave. — Meu sorriso se amplia, menos mecânico, no entanto, eu
fico sem saber como reagir à sua pergunta gentil no meio de um programa.
— Que bom!
É melhor não misturar as coisas e não dar corda para o assunto. Um momentâneo silêncio
paira sobre nós; fazendo a música ambiente parecer mais alta do que está. Não sou a única
desconfortável, é nítido na sua voz e na sua postura que está hesitante. Talvez um pouco
arrependido de ter vindo.
Nossos olhares se encontram mais uma vez, e logo se desviam para outra coisa. Marcus
apela para a bebida e eu para o chão.
Merda! Nem parece que sou uma garota de programa e ele um homem experiente que já
deve ter ficado com dezenas de mulheres. Não dá para manter essa atmosfera estranha entre nós,
até porque o CEO do Emília Lobato está pagando caro pela hora comigo.
— Finalmente, vou poder ajudá-lo a relaxar. — Obrigo minha voz a sair firme e caminho
de forma sexy até a barra de pole dance à sua frente. Se eu enrolar um pouco, como faço com
muitos clientes, talvez o clima melhore. — Posso sugerir começarmos por aqui hoje, enquanto
você pensa nos seus pedidos para a noite?
— Sim… — Marcus pigarreia, tomando um gole do vinho. — Sim, claro.
Forço um sorriso provocante e aciono um controle na parede a fim de mudar a luz e
trocar a música. A playlist nesta área já é pensada previamente para as danças acrobáticas com a
ajuda do aparelho.
O tom do vermelho costumeiro aumenta ao meu redor e na caixa de som, Envolver da
Anitta, se espalha pelo cômodo. Droga, justo essa música?! Além dos movimentos serem mais
ousados, com apresentação na barra e no chão, a letra é bem sugestiva para nós. Inferno, estou
perdendo tempo de novo; paralisada igual a uma idiota.
Antes que me atrapalhe toda na coreografia, paro de pensar e me movo em círculos em
volta do pole dance acariciando o metal com as mãos e as pernas. Minhas passadas são firmes e
meu olhar fixo no homem sentado na cama, enquanto a cantora expressa o que vem me
atormentando há dias.
Me diga como vamos fazer
Se você me deseja e eu também te desejo
Faz um tempo que quero te devorar
Me diga o que você vai fazer
Na última palavra, o ritmo da música acelera e eu apoio as duas mãos na barra para subir,
tomar impulso e girar no ar com as coxas bem abertas para que Marcus tenha um vislumbre do
que lhe espera. O movimento termina comigo de cabeça para baixo no apoio, deslizando
sensualmente até o centro.
Quando o refrão toca pela primeira vez, minhas pernas se esticam ao máximo para
alcançar as extremidades da barra; me deixando completamente exposta como se meu corpo
formasse um “C” no aparelho.
E não vá se envolver
Sei que vamos nos pegar e você vai voltar
Rebolando gostoso contra a parede
Eu sou um caso que precisa ser resolvido
Mas não vá se envolver
Rodopio nessa posição, com os dois braços levantados no ar, mostrando toda minha
elasticidade e equilíbrio. Percebo durante o movimento que Marcus larga a taça de vinho na
mesa ao seu lado e fica completamente vidrado em mim.
Depois de quatro voltas, retorno ao chão e aproveito a batida da música para dançar na
barra de forma provocante. Minha pelve e meu tronco se mexem ritmados para frente e para trás,
e o quadril não para de requebrar.
Noto a respiração dele acelerar e minha pele formiga em resposta à sua reação. Droga,
está funcionando rápido demais minha tática! Geralmente, eu danço umas quatro músicas para
esquentar o clima.
Rebolo até o chão grudada no mastro, abro e fecho as pernas seguindo a melodia, e
depois volto a tomar impulso para subir no pole dance. Vou escalando até o topo, sem perder a
sincronia e a sensualidade, e faço uma série de acrobacias no ar.
Na última vez que o refrão se repete, permito meu corpo ceder contra a barra até ficar
ajoelhada. Giro minha cabeça, para o cabelo esvoaçar no ar, e deslizo no assoalho com a missão
de me deitar completamente.
A coreografia fica mais intensa assim que sinto o piso gelado tocar minha pele.
Os movimentos no chão são quase a imitação de um ato sexual, como se Marcus
estivesse de voyeur assistindo a uma trepada. Ergo o quadril, desço em uma investida rápida,
rebolo, fricciono minha pelve no assoalho… repito de forma lenta. Tudo isso sem desviar do seu
olhar, o que deixa a minha pele quente porque o CEO nem pisca.
Quando a sequência de bruços termina, viro de frente, me apoiando apenas em um braço,
arqueio o corpo para cima e faço a mesma coreografia com o ar; só que desta vez permitindo que
meus dedos percorram meu corpo e entrem na minha calcinha.
— Porra, garota!
Sua voz carregada de desejo faz meu pulso acelerar e minha mente se lembrar da
sensação deliciosa de ter suas mãos fortes na minha pele. Já não há mais nenhum resquício de
clima estranho, somente meu ventre se contraindo de expectativa e o volume da sua calça
aumentando no meu campo de visão.
— Você me deixou toda molhada só com seu olhar — admito, enfiando dois dedos
dentro de mim.
Eu costumo falar o que os clientes gostam de ouvir; quase 99% das vezes é mentira, mas
não neste caso. De novo, o filho da puta conseguiu me excitar com quase nada.
— Vem aqui! — ele manda, rouco.
Como o desejo de quem paga é uma ordem, paro de me tocar, levanto sem terminar o
resto da música e caminho na sua direção em passadas sensuais. Marcus me observa como se
arrancasse a lingerie rosa que estou usando com a fome estampada nos seus olhos azuis
cintilantes.
Mal o alcanço na cama, outra determinação sexy ressoa nos meus ouvidos.
— Afasta essa calcinha para o lado. — Obedeço prontamente e ele passa a língua pela
boca quando a boceta depilada surge no seu campo de visão; nua pela primeira vez. — Me
mostra agora como está molhada, se toca pra mim!
Mordo o lábio inferior e sorrio, gostando mais do que deveria do seu pedido. Estou
acostumada com clientes afoitos, ou em serem tocados primeiro ou em virem para cima de mim
com tudo; nunca um solicitou que eu me masturbasse na sua frente de cara.
— Está vendo a umidade? — provoco, separando os grandes lábios, e inclinando o corpo
no ângulo do seu rosto. Marcus balança a cabeça em concordância e noto sua garganta se mover.
— É por sua causa!
Quase confesso que o desgraçado me deixa melada há dias, porém, me calo fazendo
movimentos circulares na extensão da minha intimidade e depois penetrando dois dedos bem
fundo.
Sem desviar a atenção de mim, ele desfivela o cinto e se levanta o suficiente para abaixar
a calça social com a cueca junto até o meio da coxa. Ignoro as batidas erráticas no meu peito e
continuo me tocando.
— Estamos quites… — Senta de novo e segura a base, me mostrando uma ereção de
respeito. — Estou duro só de observar como você é gostosa.
Puta que pariu!
É claro que o filho da mãe teria um pau lindo estilo 3G – grande, grosso e gostoso. Os
pelos aparados, as veias marcadas na pele e a cabeça rosada me deixam sedenta para cair de
boca.
— Que delícia esse cacete duro só pra mim! — o elogio vem, mais uma vez, sincero.
Tiro os dedos encharcados do meu centro e espalho pela vagina, pressionando o clitóris
assim que ele também começa a se masturbar. O ar fica mais pesado na sala, com nossas
respirações ofegantes e olhares fixos na parte íntima do outro.
— Meu primeiro pedido desta noite é que você goze assim — avisa arfante, apertando a
base do seu membro e subindo rápido até a glande.
Desvio a atenção para o seu rosto porque esse tom rouco me deixa rendida. Marcus
também me olha, intenso para variar.
— Vou gozar imaginando que seu pau grande está me comendo bem forte. — Arqueio o
tronco, murmurando com o prazer que percorre minha corrente sanguínea, ao ver um sorriso
sacana surgir nos seus lábios.
— Isso com certeza vai acontecer em breve, na hora que eu te pegar de quatro pra
apreciar a vista desse rabo enorme rebolando no meu pau. Por enquanto, vou ficar te vendo se
contorcer de tesão, depois vou te fazer ter outro orgasmo com a minha boca.
Três orgasmos em um programa? Porra, pior que eu não duvido nenhum segundo da sua
capacidade porque estou quase chegando lá apenas pela forma que me fita e fala comigo.
Marcus nem me tocou ainda!
Uso minha palma para continuar gerando um atrito no clitóris quando os dedos entram na
boceta quente mais uma vez. Estoco em um ritmo cadenciado, acompanhando seus próprios
movimentos.
— Cavalga na sua mão, isso! Você é uma delícia, garota.
Nossa, delícia é essa cena bem diante dos meus olhos. Ele ainda vestido, elegante de
terno, batendo uma enquanto me masturbo.
Encontro a posição perfeita e meu ventre volta a se contrair, mais forte do que antes;
fazendo meus dedos serem espremidos pela pulsação. Marcus me manda gozar e obedeço, me
esfregando sem pudor contra minha palma, aumentando a velocidade da fricção. Muito antes do
que eu previ quando abri a porta desta sala, meu corpo cede, explodindo em um orgasmo
surpreendente, e um gemido verdadeiro ecoa alto pelo cômodo.
Droga, não devia ser tão bom!
Com o coração acelerado pela adrenalina, puxo ar aos pulmões e fecho os olhos por um
instante a fim de me recuperar. Felipe e Bruna vão perder feio o posto dos meus clientes
favoritos.
Escuto barulho ao meu lado e percebo que Marcus está de pé, se livrou dos sapatos e está
fazendo o mesmo com a calça. Busco seu olhar e perco o fôlego de novo ao enxergar como suas
pupilas estão dilatadas, ofuscando o azul.
— Deita naquela cama agora! — ordena com um tom mais grave e profundo, causando um
arrepio na minha nuca. — Eu preciso de mais dos seus gemidos, urgente; seu corpo se
entregando ao orgasmo é a coisa mais sexy que já vi na vida.
Puta que pariu, estou ferrada!
O tempo verbal que usei há pouco não é o correto.
Felipe e Bruna já perderam. Mesmo que hoje seja a única vez que vamos ficar juntos,
Marcus é o meu novo cliente favorito.
Minhas mãos ávidas se livram do paletó e da camisa, enquanto os olhos acompanham
vidrados Cecília me obedecer e se deitar na cama. Assim que o cabelo loiro esparrama no couro
e ela sorri para mim, safada, mordendo o lábio inferior, meus batimentos cardíacos disparam no
peito de novo.
Que garota linda do caralho! A sua imagem do alto, com a lingerie minúscula
enaltecendo cada curva da sua pele negra, é ainda mais memorável.
— Eu sou todinha sua, Marcus! Pode fazer o que quiser.
Porra, nunca a irresponsabilidade me atiçou tanto!
Eu queria beijar a boca dessa infeliz deliciosa.
Queria chupar seus dedos que ainda estão melados da sua excitação.
Queria, mais do que tudo, enfiar minha língua dentro da sua boceta.
Mas não posso me levar pela insensatez, mesmo que ela saiba exatamente como me
deixar louco. Não estou acostumado com mulheres tão ousadas na sedução e, puta merda, não
sabia que iria gostar tanto.
Cheguei aqui achando que foi um erro, quando a vi entrando, imaginei que era uma
burrada enorme, e agora estou lamentando cada minuto que se vai.
Coloco as minhas roupas na mesa próxima, sem me preocupar muito se vão amassar ou
não desta vez, e apanho uma cartela de camisinha masculina e outra de feminina, sabor morango,
que está em um suporte ao lado.
Completamente nu, meu peito se enche de adrenalina com a atenção que recebe dos seus
olhos castanhos. Cecília também gosta do que vê e não disfarça a aprovação elogiando meu
físico.
Jogo os preservativos na cama e me ajoelho na beirada, matando um pouco de uma das
minhas vontades de forma segura. Levanto sua perna, contorno a tira da sandália de salto
altíssimo com os dedos, e a beijo na altura do tornozelo.
Minha boca vai subindo sem pressa, intercalando novos beijos molhados, lambidas e
mordidas de leve na sua pele cheirosa; enquanto a mão também não perde tempo de explorar
apalpando cada centímetro desbravado.
— Isso é tão gostoso! — ela confessa, entregue ao meu toque.
Chego ao vão das suas coxas grossas, desço a perna e me inclino. Cecília se arreganha
para mim, dando espaço para me acomodar. Roço minha barba por fazer na área mais sensível,
adorando seus sussurros que se misturam com a respiração ofegante, e fazem meu pau já duro
pulsar de desejo por ela.
— Esse som… garota, eu poderia facilmente me viciar nos seus gemidos! — admito
mordiscando a sua pele, inebriado.
Não sei se é algum truque que usa com os clientes, mas é um som que sai dela e vibra em
mim. Alto como no orgasmo, ou baixinho como agora, traz uma mistura quente de luxúria com
choramingo.
Inferno, é gostoso demais, assim como ver seu corpo enrijecer com a chegada do clímax
e depois estremecer, satisfeito.
Me abaixo mais, até o tecido rosa indecente, e passo o nariz nos resquícios do seu gozo.
O aroma de tesão faz minha boca salivar com vontade de afastar a calcinha para o lado de novo e
chupá-la.
Se eu fizer isso agora, não vou usar a camisinha. Preciso experimentar mais dela para
abafar esse ímpeto imprudente primeiro.
Aperto firme seu quadril e me obrigo a continuar os beijos. Esfomeado por causa do seu
cheiro, subo pela lateral da sua virilha mais rápido, passo pela cintura fina, mordendo sua barriga
lisa e chego aos seios com a respiração entrecortada.
Com a ponta da língua, acompanho o decote delicado da peça e afundo meu rosto no
centro. Sedento por tirar a lingerie, deslizo minha mão livre pelo seu busto, rodeio meus dedos
no seu pescoço e a puxo para cima junto comigo.
A nova posição faz meu pau ficar próximo da sua boceta coberta, tornando o roçar no
tecido um martírio. Fora nossas bocas, perto demais uma da outra para o meu juízo. Nós dois
suspiramos, trocando uma respiração quente a milímetros de distância.
Cecília me olha como se quisesse ser beijada.
E eu, porra, queria demais atender ao seu desejo que também é o meu.
Solto seu pescoço e passo o indicador no seu lábio carnudo. A atitude espontânea quase
dá merda porque aumenta nosso tesão, mas sou salvo pelo gongo por causa do brilho reluzente
da minha aliança.
A atenção da garota pausa por um instante no anel, como se só agora tivesse dado conta
desse detalhe. De repente, ela parece incomodada e eu também fico por achar que sou casado de
verdade e estou sendo infiel.
O relacionamento de fachada comicha na minha garganta para ser dito em voz alta, só
que eu sei que não posso falar nada. Nem preciso, pois nosso contato vai acabar hoje e não nos
veremos mais.
É melhor ela achar que sou um babaca como as dezenas de clientes traidores que passam
por este clube.
Volto para o meu foco antes que nosso tempo acabe e desvio a atenção para o seu busto.
Desabotoo o fecho do sutiã e tiro o tecido devagar pelos seus ombros, apreciando os mamilos em
um tom de marrom-claro despontarem na minha visão.
Livre da peça, uso minhas duas mãos para apalparem seus seios com firmeza e fazê-la
deitar de novo. Cecília arfa quando o corpo choca no couro da cama e eu me inclino direto em
um deles.
Abocanho com fome, despejando todo meu desejo da sua boca e da sua boceta no peito
durinho. Ela arqueia o tronco, se contorcendo de tesão, e eu aproveito para mordiscar o bico
intumescido e lamber a aréola como se fosse meu passatempo preferido.
Facilmente poderia se tornar.
— Ah, Marcus! — Cecília geme, afundando as unhas no meu cabelo para eu não parar.
— Mama gostoso na sua putinha, vai!
Caralho, o pronome possessivo nunca foi tão bem-vindo.
Obedeço ao seu pedido e mamo forte, ecoando um maldito barulho sexy de sucção pela
sala. Alterno entre um e outro, chupando incansavelmente até que fico sem fôlego na sua pele.
Me afasto a contragosto e pego as cartelas de preservativo para abrir dois envelopes com
o dente enquanto acalmo minha respiração. Assim como necessito provocar seu clitóris com
minha língua, eu preciso sentir esses lábios carnudos em torno do meu pau antes de ir embora
deste clube.
Não vou ter paz sem isso, e é essencial que não saia com pendências daqui porque não
irei voltar.
— Me chupa enquanto eu te chupo! — Entrego primeiro a camisinha feminina na sua
mão e me deito assim que ela se senta. — Te prometi uma coisa antes e eu pretendo cumprir.
Os olhos da Cecília brilham de expectativa por mais um orgasmo e eu sorrio quando se
livra da calcinha rapidamente e insere a proteção no canal vaginal. Pretendia fazer isso também,
mas estou evitando aumentar minha tentação.
É uma visão e tanto contemplá-la nua, com apenas os saltos enormes nos pés.
Assim que ela se acomoda na minha cara, entrego o preservativo masculino e toda minha
atenção vai para o tamanho do seu traseiro diante dos meus olhos. Porra, meus dedos ganham
vida própria e acariciam a pele, fincando as unhas curtas na carne macia e apertando até ficar
marcado.
— Que rabão gostoso! — A voz sai quase como um rosnado e precede uma mordida forte
que traz outro gemido dela à tona.
Para comprovar como gostou, Cecília encapa meu pau mais duro do que antes e segura a
base para não deixar o plástico escapar. Sinto sua boca quente ao descer no meu cacete, mesmo
com a proteção, e a filha da puta engole até o final; subindo em seguida com movimentos
circulares da sua língua.
Sabia que seria delicioso, como tudo nessa maldita.
Ainda mais motivado em fazê-la gozar de novo, ergo sua bunda e me encaixo no seu
centro, abrindo bem as coxas para me dar espaço. O cheiro da sua excitação me invade
imediatamente e lambo a vulva inchada para não ser dominado por ele.
Com o gosto seguro de morango nos lábios, foco em devorá-la na missão de lhe arrancar
novos sussurros e respirações ofegantes. Beijo com ainda mais afinco do que fiz no seu corpo.
Chupo com mais vontade que mamei no seu peito. Enfio minha língua bem fundo na sua boceta.
Um gemido rouco escapa dentro do seu canal quando sou surpreendido com Cecília
batendo meu cacete no seu rosto delicado.
— Mais! — exijo, dando um tapa estalado na sua bunda. — Taca meu pau duro na sua
cara.
Ela bate. De novo. E de novo. Depois, abocanha me masturbando com os dedos finos ao
mesmo tempo que seus lábios me engolem.
Isso é bom demais, merda.
Ela é boa demais!
Em resposta, ataco alcançando seu clitóris e me dedicando ao pontinho inchado. Cecília
se esfrega na minha boca, rebolando para aumentar a fricção, e eu aumento a pressão da minha
língua levando-a à beira do ápice.
— Marcus…
— Goza, sua puta! — ordeno com a voz abafada, entre um respiro e outro na sua boceta.
Cecília aperta meu pau, acelerando os movimentos para cima e para baixo.
— Vem junto comi…
— Eu mandei você gozar — corto sua frase, ofegante. — Agora!
É quase imediata sua obediência para o meu completo delírio. Assim que volto a sugar
seu clitóris, ela se desmancha em cima de mim, inebriada, com aquele gemido viciante e as
pernas trêmulas ao meu redor.
Quase gozo junto, no entanto, mais uma vez me vem uma vontade incontrolável de
repetir esse feito. Dizem que “quanto maior o esforço, maior a recompensa”, então, eu quero
receber a minha com o cacete enterrado na sua boceta encharcada.
Em um movimento rápido, seguro sua bunda e a levanto do meu rosto, saindo de baixo
dela com pressa. Descarto as duas camisinhas usadas e abro outra, me protegendo para o round
final.
— Fica de quatro pra mim! — Minha voz está tão grave que quase não a reconheço.
— Com todo prazer! Estou louca pra ser comida por esse pau grande e grosso.
Essa boca safada é uma perdição!
Logo que ergue o quadril e se oferece, virando a cabeça para me encarar com os olhos
tomados de luxúria, perco o resto de controle. Sem novas preliminares, a pego por trás com
rispidez e me enterro tão fundo que quase urro de prazer.
Nós dois gememos.
Cerros os dentes, fechando os olhos por um segundo para desacelerar a pressão que sobe
fervilhando pela minha virilha. Entro e saio devagar, para me ajustar dentro dela, e um murmúrio
reverbera na minha garganta ao ser engolido.
Cecília aperta meu membro da base até a glande segurando meus movimentos e depois
soltando rápido. Nem tenho tempo de ficar tonto, pois logo passa a sugar lentamente como se
estivesse em um boquete.
A sua boceta está me chupando!
Porra, como eu vou conseguir esquecer que hoje existiu? Será um problema para pensar
daqui a alguns minutos, quando nossa hora acabar.
Neste instante, a única coisa que consigo me concentrar é em como suas paredes internas
latejam contra meu pau. Não há mais o que me faça segurar o furor de meter pra valer. Dou um
novo tapa estalado na sua bunda, afundo os dedos na pele suave e acelero as investidas.
A visão do seu corpo esguio sob meu domínio faz a adrenalina correr mais rápido pelas
minhas veias, tornando o momento mais intenso do que já é. Meus batimentos cardíacos
disparam na mesma velocidade que meu pau mete firme contra ela.
Ciente de que não vou aguentar muito, roço meus dedos na linha da sua coluna e me
inclino até alcançar sua nuca. Não me passa despercebido a forma como seus pelos do braço
arrepiam se apoiando na cama.
Pego um punhado do cabelo e a puxo para cima, forçando seu corpo vir na minha direção.
— Meu último desejo é te dar um terceiro orgasmo e fazer sua boceta lembrar de mim o
resto da semana. Não importa quantos clientes atender quando eu for embora! — aviso em um
sussurro próximo do seu ouvido antes de soltar seu cabelo e descer a mão para o seu centro.
Esfrego seu clitóris e aumento o ritmo das estocadas até perder a capacidade de raciocinar,
sendo intoxicado pelo som do encontro frenético dos nossos corpos batendo um no outro com
avidez.
Alucinados de tesão, nós dois cedemos e explodimos juntos em um gemido que ecoa pelo
quarto e pelo meu peito, contraindo todos meus músculos. Meus batimentos aceleraram quando a
porra incha a camisinha deixando todo meu corpo ciente do orgasmo.
Puta que pariu!
Eu estava errado quando conversei com Felipe sobre minha decisão de vir aqui. Não há um
milímetro sequer de arrependimento pela minha escolha e, com certeza, não foi uma foda como
outra qualquer.
Uma química assim no sexo, tão explosiva e quente, eu nunca senti antes nem mesmo
com a mãe do Noah.
Algo me diz que não será tão simples como pensei tirar essa prostituta da minha cabeça.
Eu já sabia que ele fodia bem pela pegada, e tinha certeza de que não faria esforço para
me levar ao orgasmo, mas, porra, três vezes foi… quente e delicioso demais. Suspiro, sentindo
minha pele esquentar novamente apenas com a mera lembrança do que fizemos.
Ficaria fácil mais tempo naquela sala, sem rezar inconscientemente para as horas voarem.
Será que ele me daria um quarto orgasmo? Droga, aposto que daria.
Foi a primeira vez aqui dentro que eu esqueci que estava trabalhando e apenas curti. De
olhos fechados, podia imaginar que era qualquer outro lugar. Até com a camisinha no oral,
Marcus conseguiu me levar ao ápice, coisa que poucos alcançam com a língua enfiada na minha
boceta sem um plástico como barreira.
Apesar de ser o correto, é raro algum cliente usar preservativo durante todo o tempo que
está comigo. No geral eu ia agradecer mentalmente a segurança extra ao rigoroso controle da
Ishtar - já que estive em lugares e com pessoas no passado que colocaram minha saúde
gravemente em risco -, mas com Marcus eu queria mais.
Eu ansiei cair de boca no seu pau, quis que ele sentisse o gosto da minha excitação e,
principalmente, desejei muito beijá-lo.
Acredito que ele se resguardou por questões de saúde.
— Você está com cara de bem comida, amiga. Daquelas que se banqueteou com gosto.
— Laila aparece do nada ao meu lado e eu me sobressalto próximo do armário. — Eita, foi tão
bom assim que tava sonhando acordada e até assustou? Quem é? Tá aqui ainda? A minha última
foi um desastre. Preciso urgente trepar direito.
— Ele disse que já ia embora — apresso-me em responder, de repente me sentindo
incomodada de imaginá-los se pegando.
Merda, isso não é bom! Definitivamente, não é.
— O cliente era o Marcus, ele veio com o Felipe de novo — volto a falar, não querendo
alimentar esse sentimento tolo de exclusividade.
O empresário rico e bem-afeiçoado não é o senhor baixinho e barrigudo que vem de
Minas só para me comer. Marcus tem muitas outras opções que, com certeza, vai explorar, agora
que se rendeu a Ishtar.
Na verdade, espero que faça exatamente isso. Não preciso, e não vou, dar munição para a
minha mente fértil.
— O seu Marcus? O CEO que fica alugando um triplex na sua cabeça?
— Que meu, mulher? Está louca?! — Franzo o cenho, fazendo uma careta ao negar
veemente sua afirmação. — Agora que eu matei a curiosidade, essa merda vai passar e tudo
voltará ao normal. Na próxima vez que estiver por aqui, aproveite que ele é uma delícia.
— Nem você acredita no que está falando. — Ela ri, abrindo o seu armário perto do meu.
— Será que você vai ser uma nova versão da Julia Roberts em Uma linda mulher? Ceci do céu!
Já quero um livro e um filme dessa história.
— Você tá fumando maconha de novo com os clientes? — repreendo, séria. — Já falei
pra parar com essa merda.
Me preocupo com a Laila como se fosse minha irmã também. Foi assim que Sofia
começou.
— Não é brisa; são fatos, amiga! — ela responde e observo bem seus olhos para tentar
captar a mentira. Parecem sinceros e não estão vermelhos. — Você não para de pensar nele, o
velho gostoso voltou aqui só pra te pegar… estou shippando esse casal! Vai que se apaixonam,
ele te banca e você pode largar essa vida que nunca gostou?!
— Primeiro, Deus me livre ser bancada por homem e viver a dependência emocional que
minha mãe tinha com meu pai. — Faço o sinal da cruz, afastando essa possibilidade da minha
vida. Depois o macho me larga e eu fico perdida, sem saber o que fazer. — Segundo, ele tem
uma aliança bem brilhante no dedo. É casado e sem-vergonha como todos os comprometidos que
passam por aqui. Não nos procuram para romance, somos a marmita no final do dia. Terceiro,
supondo que eu quisesse, o que não quero de jeito nenhum; na vida real um cara como ele jamais
assumiria uma prostituta, nem que fosse solteiro.
— Não é verda…
— Claro que é verdade! — corto a conversa, pegando uma toalha limpa para tomar
banho. Estou perdendo tempo e ainda tenho dois clientes agendados. — A única coisa que eu
preciso shippar é o dinheiro caindo na minha conta.
Não tem romance na minha história, nem nunca terá! Aprendi essa lição há anos e estou
muito bem sem me iludir com fantasias que só são uma possibilidade na ficção.
Eu tenho que parar de pensar merda porque ando atraindo demais as loucuras que passam
na minha cabeça. Comentei mentalmente sobre fantasias que só são uma possibilidade na ficção
noite passada e meu cérebro resolveu criar um enredo sobre um CEO que tem um caso secreto
com uma garota de programa.
Ou seja, Marcus e eu vivendo juntos o que a filha da puta da Laila deu ideia e eu sei que
jamais será possível na realidade. Até agora, eu nunca tinha pensado numa história com minha
profissão. Algo me diz que estou realmente fodida e isso vai piorar o que já estava ruim.
Remexo na cama, tentando esquecer essa droga e me concentrar no cochilo da tarde para
não estar morta de cansaço à noite, mas depois de longos minutos amassando o lençol sem
dormir, eu desisto e pego meu celular.
Decido verificar como andam os investimentos novos que apliquei semana passada para
ocupar o tempo com algo útil antes de ir buscar a Elisabete na escola, e acabo cometendo um
erro ainda mais fatal. Uma vez que desbloqueio a tela, arrasto sem querer a mão para o lado e
aparece o aplicativo de atualização de notícias. A primeira, para meu completo azar, é a de uma
autora nacional que teve seu livro transformado em filme pela Netflix.
Assim que vejo no subtítulo que ela começou a escrever no Wattpad, a mesma plataforma
que eu usava antes, me bate uma vontade incontrolável de abrir o site e conferir como está minha
página.
Há anos, eu não vejo nada referente a isso. Um dia depois que eu escrevi a despedida no
canal, aceitei o convite de uma cafetina do bairro que tentava me recrutar desde a morte da
minha mãe e fui ganhar dinheiro para arcar com a gravidez inesperada da Sofia.
Vender eletrônicos pirateados da China não ia conseguir sustentar mais uma boca e arcar
com todas as despesas que estavam nas minhas costas. Entrei em uma espiral de trabalho e
preocupações adultas tão insana que nunca mais me permiti dar vazão a esse lado sonhador e
ingênuo.
Antes que eu jogue o aparelho longe e me levante para procurar outra coisa para fazer,
meus dedos ávidos abrem o navegador e digitam o endereço. Uma foto antiga minha de cabeça
baixa, digitando no computador velho de casa, aparece no meu campo de visão trazendo uma
onda de nostalgia.
Foi a minha mãe quem o comprou com muito custo para que pudéssemos estudar e eu
escrever minhas histórias.
Rolo o dedo pela tela e vejo os cinco livros concluídos que criei na adolescência e
permanecem disponíveis de forma gratuita. Eu devia ter desativado o canal de vez, mas a
verdade é que não tive coragem de me desfazer de tudo dessa forma.
Meu coração acelera e eu me sento na cama ao perceber que eles deram um salto
gigantesco de visualizações mesmo sem novas atualizações na página. Eu parei de escrever, mas
as pessoas não pararam de me ler.
O mural de recados do canal está lotado de mensagens me pedindo para voltar – inclusive
tem algumas do mês passado. Fico tão surpresa que passo quase uma hora lendo cada uma delas
com uma empolgação que não é sensato permitir que retorne à superfície.
A cada texto de desconhecidos me motivando a continuar dando vida a personagens
fictícios, o enredo com Marcus vai criando mais forma dentro de mim misturando fatos
verdadeiros que aconteceram entre nós com ficção.
Muita ficção de sexo, meu Deus!
Na sua casa, no seu carro, no seu escritório do hospital… do jeito que ele é certinho, acho
que nunca fez nada obsceno no local de trabalho nem mesmo com a esposa. Se bem que, se a
traiu comigo, tudo é possível. Não é tão santo como parece.
Eu não cheguei a escrever nenhum livro erótico antes; não porque era puritana e virgem
na época, mas porque o que fazia sucesso na plataforma eram romances mais fofos. Hoje em dia,
eu sei que o mercado se expandiu e há muitas obras de conteúdo adulto. Marcus e eu pegaríamos
fogo em um romance nesse estilo, não tenho dúvidas.
Imagina se eu voltasse seis anos depois com uma reviravolta dessas? Meus leitores fiéis
também cresceram e aposto que iam adorar.
— Para com isso, não ouse! — xingo em voz alta, impedindo que o pensamento ganhe
força.
Não vou voltar a escrever! É perda de tempo e eu não tenho esse luxo disponível para
tolices juvenis.
— Está falando sozinha? — Sofia aparece na porta do quarto, me olhando curiosa.
— O aparelho está travando, fiquei irritada — minto, me levantando da cama e jogando o
celular longe no colchão. — A terapia online foi boa?
Mudar de assunto é minha estratégia preferida atualmente para afastar devaneios
inconvenientes.
— Foi sim, ficamos meia hora a mais do tanto que conversamos. Estou me sentindo
melhor.
— Fico feliz, Sofi! Depois do feriado, retornaremos para o tratamento presencial na
clínica e irá se sentir ainda melhor.
Hoje foi o primeiro dia da semana que minha irmã está realmente disposta. Parou de usar
a máscara e está até saindo do quarto; almoçamos juntas com a Lis mais cedo.
Isso sim é algo importante do qual devo gastar meu tempo e energia. Preciso dar um jeito
de esquecer de vez esse homem e essa vontade repentina de voltar a escrever.
Nada de bom pode sair de nenhum dos dois.
— Você parece irritada de novo, está tudo bem? — Miguel pergunta enquanto passamos
pela entrada dos funcionários para mais um turno de trabalho.
Nos encontramos no estacionamento e, fora um “boa noite” meio desanimado, não puxei
conversa, mesmo caminhando ao seu lado no pequeno trajeto.
— Estou cansada, esses últimos dias estão sendo desgastantes.
Há cinco dias, para ser exata, não paro de brigar com a porra da minha mente a fim de
esquecer o livro erótico com Marcus. Olhar aquele site foi uma burrice sem tamanho. A ideia
está sendo muito mais insistente do que as outras, motivada pela lembrança do sexo incrível que
tivemos semana passada e os recados deixados pelos meus antigos leitores.
Para piorar, ficar de folga em casa não ajudou a sufocar essas asneiras. Nem mesmo
minha sobrinha tem conseguido me deixar focada. Essa falta de controle dos meus pensamentos
me traz um mau humor dos infernos.
— Se quiser, eu posso te ajudar a desestressar mais uma vez. Que tal amanhã, depois do
expediente? — É impossível negar algo quando esse deus nórdico sorri assim, tão sacana.
Na sexta passada, quando eu percebi que minha missão de focar em outra coisa não seria
tão simples, aceitei sair com ele para espairecer. Gozamos gostoso, foi ótimo, mas quando
terminou, Marcus continuou atormentando minha cabeça.
— Toparia fácil hoje mesmo. — Sorrio, ajeitando a mochila nas costas.
— Porra, não me tenta, gata. Hoje não posso, nem vou descer para o subterrâneo depois
das apresentações solo de strip-tease no salão principal. Amanhã minha vó tem um almoço
importante no restaurante dela e eu prometi madrugar lá pra ajudá-la com os preparativos.
— Ahhh, é um ótimo motivo. Está perdoado! — Meu sorriso se amplia, eu adorei
descobrir na última vez que estivemos juntos que Miguel realmente trabalha para ajudar a
família.
Ele derrubou sem querer um porta-retratos, ao entrarmos afoitos no apartamento, e
acabou me contando ao perceber que o clima deu uma esfriada pelo seu susto de estragar a
imagem.
Os seus pais e sua irmãzinha morreram em um acidente de carro e ele foi criado pelos
avós. Os senhorzinhos têm um restaurante pequeno e familiar na zona leste de São Paulo que
está cheio de dívidas, mas é o grande amor deles. O famoso Leonis, que dança perfeitamente e
leva as clientes da Ishtar à loucura, faz de tudo para que os dois não percam o legado que
construíram.
Conversamos mais um pouco para deixar combinado nosso encontro e assim que
chegamos ao vestiário cada um vai para um lado se arrumar. Quando estou separando a
maquiagem para o primeiro round, meu celular toca com uma notificação do aplicativo do clube.
Pego para conferir despretensiosamente e quase engasgo ao ver o nome do Felipe
agendando um horário para hoje ainda.
Ele está em lua de mel, me contou semana passada que ia para Cancún com a Bruna. É
impossível que tenha se casado no sábado e em plena terça-feira já voltou para casa.
Isso… isso significa que não é o Felipe, e sim Marcus de novo.
Não consigo refrear como meu coração acelera de ansiedade por vê-lo mais uma vez. O
infeliz é gostoso demais e, de fato, conseguiu fazer a minha boceta se lembrar do seu pau a
semana inteira – tanto com os clientes como com o Miguel.
Merda! A empolgação é tanta que bate até uma vontade de desmarcar com o stripper a
fim de ficar mais tempo com a sensação de preenchimento dele em mim.
Não ouse ser idiota, garota! Vá terminar de se arrumar, atenda aos primeiros clientes,
fique com Marcus profissionalmente e amanhã curta a sua válvula de escape segura.
Brigo com a minha mente, repetindo as palavras, até espantar o CEO intrometido da
minha cabeça – pelo menos por enquanto. Ele não vai ser exclusivo meu aqui dentro, e eu muito
menos oferecerei qualquer tipo de exclusividade a ele.

Inspiro fundo antes de entrar na sala, tentando acalmar as batidas erráticas no meu peito.
Os dois clientes que eu atendi antes do Marcus foram um desastre, sorte que são novos por aqui e
não têm com o que comparar a minha performance.
Nenhum deles reclamou, pelo contrário, mas eu sei que não dei meu melhor. Estava
dispersa, não vesti o papel de puta que levanta o ego de macho e tampouco consegui fingir
muitos gemidos.
Cogitei apelar para o que vem acontecendo sempre, pensando nos dotes do CEO do
Emília Lobato, no entanto, a ansiedade de encontrá-lo prejudicou minha concentração.
Ele atrapalha ele mesmo. Inferno, até nisso o desgraçado me atormenta a vida!
Decidida a resolver logo essa espera torturante, paro de me acalmar e entro de uma vez.
Sobressalto-me quando quase nos esbarramos perto da porta; ao invés de estar sentado comendo
ou bebendo algo, Marcus zanza próximo do local da minha entrada.
Será que eu me atrasei e ele está impaciente? Não é possível, fico controlando certinho o
horário.
Abro a boca para dizer algo provocativo, antes que o clima fique esquisito como na
semana passada, mas pulo essa etapa quando nossos olhares se encontram. Minha nossa, sinto
um frio na boca do estômago no mesmo instante.
Hoje ele já está focadíssimo no que veio fazer aqui. Suas pupilas se expandem e sua
respiração fica alterada assim que me vê.
Será que sua impaciência é de ansiedade assim como eu?
Engulo em seco ao sentir seus olhos deslizarem pelo meu corpo, desde meu rosto
assustado pela nossa quase trombada; até a lingerie dourada estilo body, com um decote enorme
abaixo do meu umbigo, e os pés em um salto plataforma número 20. Minha pele esquenta
imediatamente, adorando a sua atenção.
É impressionante como esse homem consegue me excitar com sua secada.
— Porra, garota, que merda de feitiço você tem?
Oito palavras.
São as únicas coisas ditas antes de Marcus vir para cima de mim. Não há desconforto ou
calma desta vez e, por Deus, eu me surpreendo e gosto da mesma forma da sua impetuosidade.
Não é de jeito nenhum como os outros clientes apressados. Ele sabe o que faz.
Uma das suas mãos aperta a minha cintura e a outra agarra a minha bunda, apalpando
com força enquanto sua boca castiga o meu pescoço e a minha orelha. O som do seu ofegar
necessitado é afrodisíaco. Instintivamente, meu corpo começa a se esfregar no seu terno e meus
dedos avançam para seu cabelo grisalho.
Marcus desce os beijos e lambidas pelo meu busto e passa a língua no decote da lingerie;
enchendo sua mão com o volume do outro seio que não está recebendo a atenção dos seus lábios.
Gemo baixinho, entregue ao seu toque; sentindo os pelos da minha nuca se arrepiarem ao
ter sua unha curta arranhando minhas costas nuas.
— Preciso de você agora! — o maldito gostoso arfa, me empurrando até a barra do pole
dance atrás de nós. — Meu pau está dolorido há dias, desde que saí daqui.
Ah, merda! Meus batimentos disparam mais uma vez.
— E você realmente deixou minha boceta pensando nele a semana inteira — admito por
impulso, ignorando o bom senso. — Mal entrei nesta sala e já estou molhada pra você, sedenta
pra ser fodida de novo.
Nenhum de nós fala mais nada.
Apenas agimos afoitos, como duas pessoas com uma química surreal.
Marcus desfivela o cinto e abaixa a calça com a cueca só o suficiente para uma rapidinha.
O filho da puta está mesmo ereto e pulsante. Estico o braço e apanho um preservativo do suporte
próximo do pole dance, vestindo-o em tempo recorde.
Minha respiração acelera quando ele afasta a calcinha do body para o lado e confere se
também disse a verdade. Dois dos seus dedos compridos se lambuzam da minha excitação,
entrando com tudo em mim, e depois provocam o clitóris.
Sem perder muito tempo com preliminares, engancho um dos braços no seu ombro, ergo
uma das pernas para cima e pego seu pau para encaixar na minha entrada. Ele está tão duro, e eu
tão encharcada, que o membro desliza fácil para dentro, sendo engolido pela minha boceta
gulosa.
Tomando o controle da situação, Marcus volta a agarrar minha bunda e mantém a perna
levantada, metendo duro e rápido. Como estou na sua altura por causa do salto, aproveito para
chupar seu pescoço e morder seu queixo enquanto meus dedos bagunçam o seu cabelo.
Nossos olhares se encontram e o desejo absurdo de beijar a sua boca volta com tudo;
sinto que ele também quer pela forma que fita meus lábios, só que ainda é um limite não
transponível na sua cabeça por algum motivo.
Quando desvia o foco para a junção dos nossos corpos se batendo, eu respeito a decisão e
faço as técnicas de pompoarismo que percebi que adorou da última vez. Na chupitada, contraio
meu canal vaginal e solto devagar, o fazendo gemer de forma grave perto do meu ouvido.
Marcus acelera as investidas em resposta e meu corpo começa a bater com força contra a
barra. Solto seu ombro e seu cabelo e estico as duas mãos para cima, me apoiando no metal.
Com um impulso para frente, enlaço a sua cintura com a perna que estava levantada e a
penetração vai ainda mais fundo.
— Puta, gostosa do caralho! — ele elogia, dando um tapa forte na minha bunda, antes de
me ajudar a ficar encaixada na sua cintura com as duas pernas.
Mantenho o apoio na barra para auxiliar suas arremetidas e ele sobe uma das mãos para
contornar meu pescoço, pressionando minha cabeça para trás. A privação controlada de ar e o
ritmo alucinante das estocadas faz meu peito subir e descer freneticamente.
Nossa… eu…
— Marcus… — tento avisar o frenesi que se forma dentro de mim.
Não vou aguentar muito. Ele sempre… o filho da puta sempre consegue meu orgasmo
rápido.
— Vem, Cecília! — ele me chama pelo nome de batismo e eu não o corrijo desta vez.
Merda, parece tão certo. — Goza comigo!
Soltando meu pescoço, Marcus apoia as duas mãos no meu quadril e se move violento
contra mim. Vou de encontro na mesma velocidade, apoiada na barra, até o orgasmo explodir no
meu ventre e ecoar em um grito que escapa dos meus lábios.
Meu corpo ainda está tremulando quando Marcus também chega lá, fazendo a sensação
de prazer se prolongar pela minha corrente sanguínea.
Ah, Senhor, por que ele tinha que ser tão bom?
Ofegantes demais pelo esforço, demoramos um pouco para recuperar o ar. Marcus apoia
a cabeça no meu busto, sem me colocar no chão, e eu abaixo as mãos da barra para me segurar
em seus ombros.
Um silêncio reconfortante paira sobre a sala por alguns instantes.
— Você intoxica meus instintos, não dá pra lutar contra essa química insana. — Sua voz
sai baixa e ainda entrecortada quando chega aos meus ouvidos. Mordo a bochecha controlando
meus batimentos para não dispararem mais do que estão. — Como diz o ditado “se não pode
vencer o inimigo, junte-se a ele”.
— Isso quer dizer que você… — me corrijo antes de falar errado. Não importa se vai
voltar, e sim que se tornará um cliente. — Que terei um novo cliente fixo?
— Um visitante, até passar essa loucura — responde sem se mover do lugar. Também
não me mexo, com medo até de respirar de forma exagerada. — Sinceramente, se não fosse um
imprevisto no hospital na quinta, que tomou dois dias, e depois o casamento do Felipe sábado, eu
teria voltado bem antes. Quando descobri que você não trabalhava domingo e segunda, tentei
levar como um sinal divino pra ficar na minha, mas, porra, você é insistente, garota. No
momento que meu pai cancelou um jantar que teríamos hoje com acionistas, eu pedi para o
Felipe marcar o horário antes que ficasse com as bolas azuis.
— Logo vai passar, você vai ver! — digo mais para mim do que para ele mesmo.
Geralmente, eu ficaria muito feliz e iria vender meu peixe se um cliente me falasse isso.
O Marcus? Perigoso demais.
Se já estava difícil esquecer esse homem antes, agora se tornará um sacrifício.
O cérebro é o maior órgão sexual que existe. Boa parte da “química” do orgasmo se dá na
mente, que é responsável pela liberação de ocitocina, serotonina e dopamina na nossa corrente
sanguínea. Juntos, esses neurotransmissores nos trazem uma sensação poderosa de bem-estar,
prazer e relaxamento.
O problema é que a recompensa experimentada também pode causar dependência,
dependendo da intensidade e com quem o ato acontece. Quando nos damos conta, replicar a
mesma satisfação três, quatro, cinco vezes não é o suficiente… queremos cada vez mais e temos
dificuldade em resgatar o ponto de equilíbrio.
Eu confesso que perdi o meu controle há cerca de dois meses. Embora tenha ciência dos
perigos que corro ao ceder a uma prostituta, dentro de um clube lotado, finjo ignorância e toda
semana retorno à Ishtar com a desculpa de que “será só mais uma vez; logo isso passa”.
Porra, não está passando!
Na semana retrasada, fui atrás da Cecília duas vezes a fim de compensar o tempo perdido
porque iria viajar e passar mais de sete dias fora. Já foram onze encontros ao todo, e um saldo
preocupante de vícios na sua bunda gostosa, sua boca carnuda e sua pele macia.
E o pior nem é isso! Aquela feiticeira desgraçada nubla meu bom senso e me deixa com
uma vontade surreal de ser inconsequente.
Toda vez que a vejo minha boca quer borrar o seu batom.
Quero chupar sua boceta sem um plástico atrapalhando.
Anseio por sua língua lambendo meu pau.
É preciso uma força de vontade sobre-humana para retomar os sentidos e não me deixar
levar. A única vez que fui inconsequente em toda minha vida, foi quando engravidei a Maria
Isabel ainda jovem.
Não é do meu feitio arriscar nada, mas com Cecília eu só tenho vontade de me jogar e
aproveitar momentaneamente tudo que ela pode me oferecer.
— Senhor Marcus, está quase na hora da reunião com o pessoal do instituto de pesquisas
em neurociências. Eles já estão entrando na sala. — Merda, eu estou distraído de novo.
— Ok, obrigado, Júlia.
Minha secretária nunca precisou ficar me lembrando dos compromissos durante o dia, só
que hoje reforçou a agenda duas vezes porque logo cedo eu me esqueci de uma reunião e quase
me atrasei.
Odeio quando isso acontece, só mostra o quão perigoso está ficando meu vício.
Parece que meu corpo se acostumou com pelo menos uma dose semanal daquela mulher.
Se não é reabastecido, começa a me atormentar até eu o obedecer.
Foi essa insistência que me fez ceder a primeira vez, me levou lá de novo uma semana
depois propondo “deixar rolar” e até me convenceu a criar a minha própria entrada VIP no
terceiro encontro.
Felipe tirou muito sarro da minha cara quando pedi para intermediar minha liberação. Eu
não queria depender dele para agendar horários com a Cecília, muito menos que soubesse que
estou indo lá com tanta frequência. Sempre contrato a sala privada, aproveito a minha hora e vou
embora sem me encontrar com mais ninguém.
Levanto da cadeira e pego meu celular, seguindo na direção da sala de reunião para
conversar com os pesquisadores. Confiro todas as pautas de novo no aparelho, a fim de não
cometer nenhuma gafe, no entanto, ao invés de desligar assim que termino de passar o olho, os
meus dedos coçam para marcar logo um horário para amanhã.
Para o desgosto do meu pau saudoso, a garota não trabalhou ontem, quando retornei à
cidade, e nem vai para o clube hoje.
Se eu fizer isso logo, pode ser que minha cabeça entenda que já está garantida nossa
visita e dê uma folga para que eu possa me concentrar no trabalho – o que realmente importa ao
invés da minha satisfação sexual.
Ciente que brigar com a mente não tem funcionado, faço a marcação para o primeiro
horário disponível. Quando estou prestes a guardar o celular e entrar na sala de reunião, uma
mensagem aparece no aplicativo acelerando as batidas no meu peito pelo susto.
Nunca conversamos por aqui, eu nem sabia que tinha essa possibilidade.
Pensei que tinha enjoado de mim.
Não cheguei a falar para a Cecília que viajaria para os Estados Unidos, se comentou tão
rápido, será que fica ansiosa como eu para nossos encontros?
Caralho, esse comportamento juvenil de suposições e expectativa é outra coisa que me
deixa puto. Nem pareço eu mesmo quando se refere a essa garota; há muitos anos não sinto nada
disso.
Quero ignorar a mensagem e entrar logo na reunião, do qual já vejo pela janela de vidro
várias pessoas me esperando, porém, não resisto à vontade de responder.
Eu bem que queria, mas você não me ajuda nessa missão. Estou meio que enfeitiçado
por seu corpo, além de impaciente por esperar mais um dia pra te ver.
Os pontinhos de digitação surgem imediatamente, me prendendo no diálogo online.
rs Admito que você se tornou meu cliente favorito (espero que Felipe e Bruna não leiam isso).
Hoje é a primeira vez, desde que entrei no clube, que queria trabalhar na segunda.
A empolgação por perceber que está, sim, ansiosa tanto quanto eu, fica ofuscada pela
lembrança de que Cecília esteve várias vezes com meu melhor amigo.
Eu tento omitir do meu cérebro, sempre que entro na Ishtar, o fato de que estou pagando
pela sua companhia e que ela transa com vários em uma única noite. Não tenho preconceito com
garotas de programa; só não faz meu estilo dar dinheiro em troca de sexo nem dividir tanta
atenção.
Não deveria me importar, mas sinto um incômodo pinicar minha pele por saber que
Felipe era seu favorito antes de mim. Sei lá… essa informação provoca um desejo de ser melhor
que ele; ser melhor que qualquer outro e permanecer no seu top 1.
— Com licença, senhor. Está tudo bem? Precisa de alguma coisa? — Um dos
pesquisadores vem até mim, percebendo que estou parado perto da porta sem entrar.
Será que estou dando bandeira de alguma forma com minhas expressões? Merda, estou
caindo cada vez mais nesse poço sem fundo.
— Está tudo bem, sim. Me dê um momento que já entro pra iniciar nossa reunião.
Assim que ele sorri e acena em concordância, voltando para o seu lugar, eu tolamente
retorno à atenção para o celular e escrevo uma mensagem sem pensar demais nas consequências.
Continuar no top 1. Continuar no top 1.
Você está livre hoje à noite? Poderíamos nos encontrar em um motel.
Digita. Para. Digita. Para.
Minha respiração acelera junto com a expectativa da sua resposta.
Não devia ter… no meio do meu arrependimento, a resposta surge na tela e espanta todas
as minhas dúvidas.
Tem um evento na escola da Lis esta noite e ela vai se apresentar, não posso faltar. Mas às
três da tarde a minha irmã tem horário em uma clínica aí na região do hospital e ficarei
cerca de uma hora e meia livre…
Uma hora e meia livre.
Na região do hospital.
Eu preciso trabalhar, não saio durante o expediente para diversão, jamais. Minha mente
grita para que eu mantenha o bom senso e não faça isso, só que meu corpo ansioso vence a
batalha mais uma vez.
São quase duas horas agora, consigo terminar a reunião até ela chegar e sair para o meu
almoço. Não tenho nada marcado na agenda para esse horário, não será assim tão imprudente da
minha parte.
Passo para Cecília o endereço de um motel próximo, que já fui com a Giovana, e aviso
que logo a informo sobre o quarto; antes que pense demais e me arrependa do impulso de novo.
Se bem que já paguei a língua com gosto na suposição do Felipe.
O anseio pela explosão de ocitocina, serotonina e dopamina no meu organismo não está
me permitindo lamentar minhas escolhas por muito tempo.

Desço do carro às pressas quando vejo que o de Cecília já está na garagem privada do
motel, no quarto que deixei pago online para evitar qualquer contato com a portaria. Pelo relógio,
confirmo que estou dezessete minutos atrasado, mesmo que não seja por minha culpa. Saí do
hospital a tempo, mas peguei um trânsito ferrado três quadras daqui.
Avisei pelo aplicativo da Ishtar que estava chegando e ela não respondeu. Pensei que
estava atrasada também e não tinha visto ainda a mensagem.
Assim que passo pela porta do quarto, sua imagem entra no meu campo de visão andando
de um lado para o outro com as mãos agitadas. Cecília está vestida com roupas largas, mantém o
cabelo preso e os óculos grandes no rosto como a vi no dia do atropelamento da sua sobrinha.
— Oi! — cumprimento à distância com um sorriso e só então ela parece notar minha
presença.
— Oi! — responde de volta sem sorrir e sua mão se agita ainda mais.
Será que está nervosa? Arrependida do programa no meio do dia?
Desta vez, o arrependimento do impulso não veio para mim. Apesar de sair no meio do
expediente, não estou desconfortável porque já conheço este lugar e estamos com muito mais
privacidade que no clube.
A vontade de transar com ela é maior.
— Está tudo bem? — questiono, caminhando na sua direção.
Cecília não responde de imediato, parece cogitar se fala a verdade ou não.
— Faz anos que não atendo nenhum cliente fora da Ishtar, é esquisito estar... assim. —
Aponta para o quarto amplo e depois para si mesma. — Quando falei com você mais cedo,
estava na correria e não raciocinei direito o aceite do convite. Não dava pra vir arrumada a essa
hora, estou com a minha irmã em tratamento em uma clínica de reabi...
A garota arregala os olhos e interrompe a frase no instante que percebe que falou demais;
está definitivamente nervosa. Sei que não deveria puxar assunto pessoal, mas não resisto. Há
semanas, tenho curiosidade de descobrir mais sobre quem é além do clube.
Fora respostas curtas quando pergunto da saúde da Lis, nunca diz mais nada.
— Em primeiro lugar, você está bonita assim, Cecília — confesso e seus cílios piscam
três vezes. É estranho chamá-la de Maia e o garota parece impessoal demais às vezes. Como não
me corrige há semanas, prefiro seu nome de batismo. — Em segundo, sua irmã está melhor? O
tratamento de vícios é muito desgastante.
— Sofia é uma boa garota! — Cecília a defende, como se sentisse necessidade de não me
deixar pensar mal da irmã. Eu jamais faria isso, a dependência química é uma enfermidade
também. — Está melhorando aos poucos, a doença da filha é um gatilho enorme para suas crises.
— Sinto muito, imagino que seja difícil lidar com um diagnóstico tão severo. Ainda mais
com alguém alegre e cheio de vida como a Lis.
— É difícil demais. — Ela suspira e esfrega a mão no rosto. Fica ainda mais nítido para
mim como Cecília dá valor à sua família. — A cada sintoma novo, entro em desespero interno
com medo pela minha sobrinha e pela minha irmã ao mesmo tempo.
— São os sintomas novos que a fazem recair?
Não há uma resposta em palavras desta vez, Cecília apenas balança a cabeça em
concordância. Acabou o momento conversa pessoal pelo jeito, infelizmente. Essa garota é tão
surpreendente que me dá vontade de saber muito mais.
Se Lis participasse do programa do instituto, talvez ajudasse com isso. Poderíamos prever
de forma mais certeira a evolução do quadro. Na reunião de hoje, foram confirmadas a abertura
de trinta novas vagas para esta semana.
Será que seria uma boa ideia misturar as coisas? Provavelmente não, mas é uma questão
para eu pensar depois.
— Bom, como os minutos estão passando e logo tenho que retornar, é melhor a gente
começar. — Ela muda para o lado profissional, afastando de vez a possibilidade de estender o
assunto. Vai até a mesa de cabeceira ao lado da cama e tira os óculos. — Já que não se
incomodou com a roupa, precisarei... — Há uma nova pausa, seus olhos desviam de mim para o
chão. — Preciso tirar minha peruca, ela não é de cola como a que uso durante a semana de
expediente na Ishtar. Pode cair ou estragar no ato.
— Não tem problema, Cecília. Pode tirar à vontade.
Reparo nos longos fios loiros e o tom parece um pouco diferente. Não está tão baixo
como normalmente também, aparece mais volume no rabo de cavalo. Eu tinha imaginado que o
loiro não é natural, mas pensei que tivesse pintado os fios. Já o puxei várias vezes durante nossas
transas na Ishtar e é muito firme.
Fico observando-a se livrar da peruca sem pretensão, mostrando cabelos castanhos presos
em uma trança frouxa, no entanto, meus batimentos aceleram quando Cecília solta os fios e
cachos perfeitos caem nas suas costas.
Caralho, ela consegue ficar ainda mais deslumbrante assim!
— Por que você os esconde? — Sem perceber, estou na sua frente, infiltrando meus
dedos nos fios encaracolados. Sinto a textura e levo uma mecha ao meu nariz. São macios e
cheirosos. — Você é incrivelmente linda dessa forma.
Cecília solta um suspiro pela declaração inesperada e meus olhos vão de imediato para
seus lábios levemente entreabertos. Há um momentâneo silêncio no quarto e nenhum de nós dois
consegue se afastar.
Desço minha mão para o seu rosto e acaricio sua bochecha com o polegar. Dou mais um
passo perigoso na sua direção, perto o suficiente para sentir a respiração quente que escapa dela
me atingir.
De repente todas as minhas preocupações com segurança não fazem mais sentido.
De repente tudo que eu mais quero é ser inconsequente.
Preciso beijar essa garota... preciso de tudo nela.
Merda, foda-se!
Em um ímpeto forte demais para ser contido, corto a distância dos nossos lábios e abro
minha boca para recebê-la. Cecília arfa, assustada, já que estamos há semanas nos vendo sem
esse contato, mas logo se recupera.
Quando a sua língua se encontra com a minha, cada célula do meu corpo sente o impacto.
Qualquer resquício de sanidade se esvai e eu só quero me jogar de um avião a
quilômetros de altura a fim de aproveitar a adrenalina de voar.
Minha frequência cardíaca dispara e as mãos se tornam urgentes em segurá-la firme,
como se a qualquer momento fosse tirada de mim. Nos tornamos uma bagunça de saliva e
desejo.
De murmúrios e luxúria.
Fôlego e vício.
Meus dedos voltam para o seu cabelo, puxando os fios com ânsia, e a outra mão desce até
a base da sua coluna para apertar sua bunda. As dela fincam no meu ombro, arranhando meu
braço com suas unhas compridas à medida que o tesão se intensifica.
Não paramos o duelo das nossas línguas; não paro de me aprofundar nela.
Ao ficar sem ar, afasto-me apenas o tempo suficiente para mordiscar seu lábio e puxá-lo
entre meus dentes. Trocamos respirações entrecortadas e gemidos baixos antes de começar tudo
de novo.
Meu pau lateja contra a braguilha e eu decido ligar o foda-se com gosto. Jogo Cecília na
cama, sem parar de beijá-la, e vou por cima dela; pouco me fodendo se o terno vai amassar no
meio do expediente.
Sua beleza cegou todo meu juízo de vez.
Arranco sua camiseta larga com pressa e desço pelo seu corpo lambendo e beijando a
pele. Quando alcanço seu quadril, a calça de moletom também é arrancada com rapidez, junto
com a calcinha, deixando-a apenas de sutiã.
Faminto, seguro suas coxas e as abro para mim, não pensando duas vezes antes de passar
minha língua de baixo a cima na sua boceta peladinha.
— Marcus! — Pelo som arrastado da sua voz, seguido de um sussurro ofegante, Cecília
aprovou muito minha imprudência.
Porra, eu também!
O gosto dela é saboroso, como imaginei, o que me faz ter vontade de enfiar meu rosto
inteiro aqui para aproveitar o banquete.
É exatamente o que faço.
— Quero sentir seu gozo na minha boca — aviso entre suas coxas. — Esfrega essa
boceta gostosa na minha cara.
Chupo Cecília com vontade e ela avança nos fios do meu cabelo, fazendo exatamente o
que eu pedi. Alterno rápido e devagar. Forte e suave. Beijo, lambo, sugo tudo dela. Degusto sem
parar, sentindo meu pau inchar de tão duro.
Estico um dos meus braços para que a mão entre por baixo do sutiã e alcanço seu seio.
Belisco o mamilo intumescido e apalpo o volume, afoito. A outra mão garante que seu quadril
fique exatamente onde está, com os dedos cravados na carne.
Subir o olhar e vê-la com a coluna curvada para cima, as unhas vermelhas bagunçando o
lençol da cama e a cabeça pendida para trás quase me faz gozar.
— Não pare! — implora, ofegante. — Sua putinha está quase... quase lá.
Alcanço seu clitóris e minha boca se dedica apenas a ele, metendo dois dedos no seu
centro quente e úmido. Não paro de jeito nenhum até notar seu corpo enrijecer e depois
estremecer todo bem diante dos meus olhos.
Não há visão mais perfeita do que Cecília vulnerável, trêmula de desejo, linda pra
caralho!
Antes de terminar de se recuperar, ela senta na cama e vem para cima de mim com a
pupila dilatada e o peito agitado. Nossos lábios se encontram em um beijo quente, como se
quisesse experimentar cada gota da sua excitação que ficou na minha boca.
Com meu coração disparado, permito que me guie até nós dois ficarmos em pé do lado de
fora da cama. Quando consegue o que quer, a feiticeira gostosa para de me beijar e ajoelha no
chão, sem desviar os olhos de mim.
Inferno!
Seus cabelos cacheados, o rosto delicado e seu corpo vestido com apenas uma peça de
roupa criam uma fotografia mental na minha cabeça que eu tenho certeza de que não serei capaz
de esquecer.
— Há semanas eu sonho com isso, posso? — pergunta com uma falsa inocência. Seu
sorriso safado acaba comigo.
— Você quer mamar no meu cacete e tomar leite, sua puta? — Desfivelo o cinto e abaixo
a calça com a cueca até o meio das coxas.
Cecília amplia o sorriso, assentindo, e passa a língua na glande bem devagar. As mãos
habilidosas seguram na base e começam a se movimentar no mesmo ritmo da sua boca. Desce
rápido, sobe em círculos. O calor e a umidade são uma perdição!
Solto o ar devagar, tentando me controlar para não acabar esporrando tão cedo, e pego
um punhado dos seus cachos entre meus dedos.
Ela me chupa como se estivesse lambendo seu sorvete preferido, lambuza meu pau de
saliva. O martírio piora quando passa a ponta dos dedos no nervo entre meus testículos e me
estimula com a palma da mão ali.
Atrevida, Cecília se agacha mais sem desviar o contato dos meus olhos e abocanha as
bolas com maestria, subindo a língua por todo comprimento logo em seguida.
— Você é a melhor, que delícia, porra! — elogio, necessitado.
Para comprovar como de fato é um espetáculo, a desgraçada enfia meu cacete inteiro na
boca até o fundo. Sinto a cabeça tocar a sua garganta e seus olhos lacrimejarem pelo esforço.
Deixo um gemido rouco escapar e não resisto a foder seus lábios carnudos. Enterro uma,
duas, três... na sétima, que ela aguenta tudo me encarando safada, o jato de porra jorra na sua
boca.
— Toma tudinho, sua puta! — ordeno, fora de mim, infiltrando meus dedos ainda mais
fundo no seu cabelo. — Cada gota!
Como sempre, ela me obedece.
Como sempre, eu me rendo um pouco mais. Torço para que o tempo não passe tão rápido
e eu possa me recuperar para mais um round antes de precisarmos ir embora.
Eu poderia ficar horas, dias, merda, mais longos meses, desbravando cada centímetro
dessa garota.
— Titia Faísca, eu pensei bem e acho que meu bolo de aniuvesário tinha que ter seis
andar pra comemorar que vou fazer seis aninhos.
— Seis andares? Meu Deus, minha filha, é muita coisa! Seus amiguinhos não conseguem
comer tanto bolo.
— Consegue sim, mamãe Dora. Se sobrar, é maravriloso, a gente traz pra casa e come
por dias chocolatinho com morango.
Sorrio e separo as louças do café que acabamos de tomar para levar até a cozinha.
Elisabete vem atrás, toda serelepe. Ela acordou animada para organizar sua festinha. Está falando
sem parar disso desde que abriu os olhos.
Eu até gostaria de preparar um evento maior aqui em casa ou em um salão, mas isso
significaria interagir demais com os pais e responsáveis. Não quero esse holofote. Lis já se
acostumou a comemorar na escola e adora estar com a gente, os amiguinhos e as professoras.
— Formiguinha, lembra o que a titia nutri disse na última consulta? Vamos maneirar no
doce para você se sentir mais disposta — aviso e minha sobrinha faz bico, cruzando os braços na
altura do peito.
— Ahhhh, ia ficar tão bonito meu bolinho de seis andar.
— Posso mandar fazer um andar, com enfeite de seis torres, como se fosse o castelo da
princesa Lis. O que acha?
— Um castelo? Eu quero, eu quero! — Ela pula na minha frente e eu faço sinal com a
cabeça para que pare antes que se machuque. — Vai ficar mais que bonito, titia Faísca.
— Vai, sim! — prometo, no fundo tão ansiosa quanto ela para comemorar mais um ano
da sua vida. Com essa doença maldita, toda conquista é de fato uma festa.
O telefone vibra com uma nova notificação quando estou colocando as xícaras na pia e eu
quase quebro as porcelanas por deixar escorregar da minha mão. Afoita por imaginar quem possa
ser, pego o aparelho no bolso às pressas e vou direto no aplicativo da Ishtar.
É ele.
Tento reprimir, porém, um sorriso escapa nos meus lábios com a lembrança de ontem.
Marcus me beijou.
Marcus me chupou como se fosse morrer se não enfiasse sua língua dentro de mim.
Marcus me chamou de linda; eu pude prestigiar seus olhos brilhando ao me ver sem
peruca.

Preciso falar com você, se puder me passa seu telefone, por favor. Não poderei mais ir no
horário marcado esta noite. É sobre a Lis.

A decepção por não o ver esta noite e poder repetir tudo conflita dentro de mim com a
curiosidade. O que será que ele quer falar sobre a minha sobrinha?
Franzo o cenho, sem imaginar o que pode ser. Nunca passei meu telefone pessoal para
nenhum cliente; muito menos conversei sobre Elisabete como fizemos. Será que deveria quebrar
mais essa regra?
Acho fofo que sempre que nos vemos ele pergunta da criança.
Embora tenha aceitado que é menos desgastante deixar rolar de uma vez até esfriar esse
fogo entre nós, ainda fico incomodada em como consegue distrair e convencer minha mente tão
fácil. O homem bonito de cabelos grisalhos está colecionando um monte de primeiras vezes
comigo.
Eu falei sobre a dependência química da minha irmã e compartilhei sobre a doença da Lis
durante um programa! Mal falo disso com Cilene, Débora e Nanda.
Mostrei meu cabelo natural para o Marcus depois de anos me escondendo dos outros!
Pela sua cara de choque, sequer imagina que eu fui atriz pornô; não me reconheceu.
Estranhamente me senti confortável sem a peruca, eu estava surtando com isso e com a roupa
inadequada antes dele chegar. Quando aceitei ir para um motel, não pensei em nada desses
detalhes; agi como uma garota normal querendo o crush, não como uma profissional do sexo.
Ontem, quando vi sua marcação de horário, foi automático enviar uma mensagem para
interagir. Me arrependi no segundo seguinte, contudo, não o suficiente ao notar que ele deu corda
e deixou entender que estava com saudade.
Merda, a contragosto admito que também fiquei. Do sexo, da conexão, da química
explosiva e diferente…
Não menti ao dizer que jamais quis trabalhar nas folgas e ontem desejei, por um
momento, que fosse para o clube. Os seus dias sumidos me deixaram tão agitada que eu não
aguentei a vontade de bisbilhotar um pouco as suas redes sociais – até então, estava me
proibindo veemente disso.
Não encontrei nada com seu nome, no entanto, a página do Emília Lobato mostrou que
foi aos Estados Unidos com a esposa participar de um congresso de tecnologia voltado para a
área da saúde. Também visitaram um hospital que fará intercâmbio na faculdade que estão
construindo. A sua mulher é bonita, sofisticada e elegante. Muito diferente de mim.
Por que será que vai atrás de uma prostituta, se aparentemente se dão tão bem e
combinam tanto? Será que não se amam mais e estão naquele limbo de amizade que alguns
casais vivem? Será que continua a me procurar por que eu mexo com ele, de alguma forma?
Uma imagem mental minha ao lado do Marcus, trocando de lugar com ela, começa a
surgir na minha mente fanfiqueira com a lembrança dos stories publicados, mas logo a
repreendo.
Não seja ingênua e burra de novo, Cecília!
Homens são todos iguais, os únicos que prestam são os literários. Ele me procura apenas
porque quer uma trepada diferente. Por isso, é melhor manter distância e continuar não
investigando nada sobre sua vida. Nossa única relação é de uma transação comercial.
— Titia Faísca? Titia? Titia? Escuta eu! — A voz alta da Lis me traz de volta para a
realidade.
Pisco e olho para baixo, com uma pequena emburrada me encarando no meio de um
espasmo. Caramba, me distraí tanto que não ouvi uma palavra do que quer que tenha dito antes.
Eu não devia ter voltado a ler de jeito nenhum nos últimos dois meses. Queria diminuir
um pouco o desespero para escrever uma história com Marcus, mas além de não resolver o
problema por completo, ainda arrumou outro empecilho: fico divagando comparações entre
pessoas reais e personagens.
Baixei o aplicativo do Kindle no meu celular e tenho devorado todos os livros de CEO
que aparecem na minha frente. Por sorte – ou azar – há muitos disponíveis na plataforma. Dou
preferência para histórias que possuem garotas de programa envolvidas, assim, apaga um pouco
meu fogo.
— Não precisa ficar ansiosa para a festinha, meu amor, é só no final do mês. Temos
tempo de sobra! — Passo a mão livre no seu cabelo, abrindo um sorriso para disfarçar meu ato
falho. — Agora estou ocupada, depois que voltarmos da titia pediatra, podemos montar um
cronograma de atividades igual ano passado. Tá bom?
— Tá bom, fazer o quê… — Emburra de novo, imediatista como sempre.
— Sofi, você pode arrumar o cabelo da Lis e calçar a sandália nela? — Olho para minha
irmã, que está guardando os itens que usamos na geladeira. Nanda foi ao mercado comprar
produtos de limpeza para lavar a cama elástica da pequena. — Preciso resolver uma coisa aqui
rapidinho.
— Sim, claro. Está tudo bem? Você parece agitada.
Eu não pareço: estou muito agitada! Há semanas, para ser sincera. Anda difícil disfarçar.
— Está sim, fica tranquila. — Não contei para a minha irmã sobre o Marcus; não só
porque não sabe do acidente com a filha, mas também devido ao fato de que nunca comento nada
sobre os clientes.
Foi-se o tempo em que éramos grudadas dessa forma e compartilhávamos segredos uma
com a outra. Hoje em dia, estamos mais para mãe e filha, como mais velha e provedora eu me
sinto uma matriarca da família.
Sofia pega Lis pela mão e some da cozinha para arrumá-la antes que a gente se atrase
para a consulta de rotina. Respondo enviando meu contato de telefone a fim de descobrir logo o
que precisa contar. Se ignorar, não terei paz de qualquer forma.
Menos de um minuto depois, um número desconhecido de celular vibra na tela. Inspiro
fundo, acalmando o peito que se expande ansioso, e atendo no terceiro toque.
— Cecília, é o Marcus. Bom dia!
Inferno, sua voz grave causa um arrepio na minha nuca a quilômetros de distância. De
repente é como se estivesse de novo naquele motel ouvindo suas provocações no meu ouvido.
Ainda mal posso acreditar que concordei quando ele sugeriu de nos encontrarmos fora da
Ishtar. Tentei controlar meus dedos, não digitar o que minha cabeça pedia, e perdi feio para a
vontade de vê-lo.
Foi outra primeira vez com ele. Desde que comecei no clube, não fiz nenhum programa
além daquelas paredes.
Quase disse para o Marcus que não ia aceitar o dinheiro, como se tivesse sido um
encontro casual entre duas pessoas normais. Não posso me esquecer um segundo sequer que sou
apenas um desejo carnal e comprável para ele. Nada mais. Assim como também é para mim uma
fonte de renda.
— Bom dia! Está tudo bem? — Encosto na pia e apoio o pé direito na perna esquerda,
focando na conversa antes que minha mente domine com suas loucuras.
— Desculpe pedir seu telefone, é que surgiu uma oportunidade aqui no nosso instituto de
neurociências e eu queria ver com você se há interesse em inscrever a Lis nas nossas pesquisas.
Acabamos de abrir novas vagas e elas costumam esgotar em horas pela alta demanda. — Minha
boca se entreabre, surpresa com o rumo da conversa. Eu jamais imaginei que seria algo assim. Já
ouvi falar do instituto vinculado ao hospital Emília Lobato; é muito bem-conceituado. —
Usamos inteligência artificial para mapear o cérebro dos pacientes, e acompanhar a evolução de
várias doenças que atingem o sistema nervoso central, enquanto estudamos formas de colaborar
com tratamentos.
— Esses mapeamentos são invasivos? — pergunto, muito tentada a saber mais, mesmo
ciente de que não deveria misturar o meu trabalho com o tratamento da minha sobrinha.
— Não! São zero invasivos. Não temos nenhum paciente com a DH Infantil ainda, mas
há sete com a doença na fase adulta sendo acompanhados. Conversei com os pesquisadores
agora cedo e eles ficaram animados com a análise do cérebro de uma criança com essa condição
de saúde. — Ele intermediou pessoalmente? Não viaja, não é nada de mais. Nada de mais! —
Podemos ajudar a prever com antecedência quando e quais sintomas vão surgir. Assim, talvez
ajude a sua irmã a lidar melhor com a evolução da doença.
Cedo o peso do corpo contra a pia, agora de fato boquiaberta com sua ligação.
Sofi…
Se ela soubesse antes exatamente como e quando o quadro da filha vai ficar, poderia
ajudar muito a psicóloga a trabalhar com suas emoções.
— Nossa… eu… — Fico um momento em silêncio, sem saber o que dizer.
Ao mesmo tempo que quero muito aceitar essa oferta imediatamente, tenho medo de criar
um clima estranho entre nós. Eu não gosto de me sentir em dívida com ninguém.
Muito menos, com clientes.
— Olha, eu sei que pode soar uma péssima ideia. Acredite, eu também pensei muito antes
de te oferecer essa oportunidade. — Ele diminui o tom de voz, reforçando meu receio de
misturar as coisas. Nosso caso secreto não pode sequer ser ouvido por terceiros. — Apesar do
instituto ser no mesmo terreno que o hospital, é um órgão independente. Podemos manter
distância e, quando pararmos de nos ver, eu jamais vou interferir na vaga da Lis. Você tem
minha palavra quanto a isso.
Não o conheço há muito tempo, no entanto, pelo pouco que convivemos, Marcus não me
parece do tipo que ia oferecer algo e depois tomar de volta apenas por capricho. Pelas notícias
que li dele recentemente, o seu diferencial como CEO é ser também um médico dedicado com os
pacientes.
Talvez funcione… talvez seja muito bom tanto para a Lis como para a Sofia.
Será que devo aceitar?
— Confesso que estou temerosa e animada na mesma proporção. Posso conversar com a
minha irmã? — pergunto e ele confirma no mesmo instante. — Temos uma consulta com a
pediatra que acompanha a minha sobrinha desde bebê, daqui a pouco. Também gostaria de falar
com ela. Independente da pesquisa, não quero interferir no tratamento que já vem sendo feito.
— Fique tranquila quanto a isso, a pesquisa do instituto é como se fosse um bônus extra
ao que já vem sendo feito. Não é minha intenção vender o hospital pra você e te convencer a
mudar o tratamento pra cá. Podemos, inclusive, enviar para a médica da Lis tudo que formos
detectando.
— Seria ótimo! — digo, esperançosa. — Imagino que seja muito concorrido as vagas,
significa demais pra mim que tenha pensado na minha sobrinha.
— Ela é uma garotinha especial. — Sorrio mesmo que não possa ver, pois é verdade. —
Converse tranquilo com a sua irmã e a médica. Vou segurar a vaga até tomar uma decisão. — Há
uma pequena pausa na chamada, antes da sua voz grave voltar a me arrepiar a nuca. — Se quiser
vir conhecer o instituto, amanhã cedo eu posso fazer um tour com vocês nas instalações. Agora
que tem meu número, é só mandar uma mensagem e combinamos.
Ele deve ter pausado a fala para pensar se era uma boa ideia se oferecer para um tour. É
uma boa ideia? Definitivamente, não parece.
— Ok. Muito obrigada, de verdade.
— Não por isso, Cecília. — Eu amo quando ele fala meu nome de batismo, a sonoridade
fica tão leve e gostosa de ouvir. — Se der certo, espero que ajude a sua família.
Isso seria algo que um mocinho literário com certeza faria pela mocinha. Antes que eu
solte um suspiro idiota, desencosto da pia e ajeito a postura.
— Desculpe, preciso ir. Vou conversar com as duas e te aviso.
— Também preciso ir, vou entrar em uma reunião daqui a pouco. — Escuto barulho de
passadas, deve ter saído de onde estava. — Até mais! Fico no aguardo.
— Até!
Desligo o telefone tão rápido quanto atendi, como se o aparelho estivesse me queimando
de um jeito ruim. Não deveria ser tão fácil conversar com ele…
Ceder para o desejo é uma coisa. Até mesmo criar fantasias com Marcus para um livro
erótico é tolerável. Agora dar abertura para essas conversas fora do contexto sexual é uma linha
grave demais para se cruzar. Se eu aceitar mesmo a sua oferta, preciso me policiar em dobro.
Gostar de falar com ele pode ser tornar o maior erro da minha vida.
E olha que de burradas, eu entendo bem.
A porra da minha garganta engole em seco ao avistar ao longe Cecília parada na recepção
do instituto, observando curiosa o televisor na parede que mostra os principais resultados que
alcançamos com nossas pesquisas.
Eu já reparei que o seu nariz balança quando está concentrada em algo; e o polegar
cutuca o mindinho se está ansiosa. Exatamente o que faz neste momento, indetectável sob o
olhar apressado dos demais ao seu redor. Nem sei se ela mesmo percebe o que está fazendo.
Talvez a garota decidida dentro da Ishtar esteja tão inquieta quanto eu por encontrar um
cliente nessas circunstâncias.
Cecília veste de novo uma calça de moletom e uma camiseta larga, além de usar aqueles
óculos grandes que camuflam seus olhos expressivos. Agora que sei como é o seu cabelo natural,
apesar de enxergar o loiro liso preso em um rabo de cavalo, minha mente imagina os lindos
cachos castanhos caindo nas suas costas.
A essa altura deveria ter me acostumado com sua beleza, mas ela sempre consegue me
surpreender até quando tenta se esconder.
Lis está na sua frente, protegida pelas mãos da tia que abraçam os seus ombros, e há uma
outra jovem ao seu lado muito parecida com a criança. Com certeza, a irmã. Sofia também está
concentrada na tela e a julgar pelo sorriso discreto surgindo na lateral da sua boca, gostou dos
dados.
Eu realmente acho que nosso trabalho de mapeamento com inteligência artificial pode
ajudá-la a receber melhor o desenvolvimento da doença da filha.
Fora que, na conversa com os pesquisadores ontem, eles ficaram animados por ter a
primeira criança com DH no estudo; podemos aprimorar nossas pesquisas no cérebro infantil e
talvez, em um futuro próximo, colaborar com tratamentos mais eficazes para a Huntington.
— Titio Gota! — Lis é a primeira a me ver para o desespero da Cecília.
A garota vira na minha direção com os olhos arregalados, preocupada que o comentário
da sobrinha denuncie sua mentira. Quando me avisou ontem no final da tarde que Sofia ficou
empolgada e gostaria muito de conhecer o instituto, pediu para que eu não comentasse do
acidente, porque achou melhor não contar à irmã com medo de ativar um gatilho.
Segundo seu plano, nós nos conhecemos por intermédio da sua amiga Laila – a Nunki da
Ishtar – que tem pais influentes e sempre a ajudou. Não costumo gostar de mentiras, justamente
por situações como essa, porém, neste caso, além de preservar a saúde mental de uma pessoa,
também protege minha privacidade.
Quanto menos pessoas souberem do nosso caso, melhor. Cecília disse para a irmã que
nunca tivemos nada e é de fato uma relação profissional.
— Me desculpe. — Ela sorri para mim de forma forçada, deslizando a mão pelo braço da
sobrinha como um alerta para a pequena. Deve ter combinado tudo antes, mas criança é criança.
— Ontem mostrei uma foto sua pra ela ao contar da novidade, minha sobrinha dá apelido pra
todo mundo e disse que seus olhos parecem muito com o do personagem da Disney.
— Tudo bem, achei muito legal! — Abro um sorriso sincero para a menininha, piscando
escondido com o lado do rosto que está fora da visão da Sofia. — É um prazer te conhecer!
— O pazer é meu. — A pequena rapidamente se recompõe da sua falha, estica a mão e
me cumprimenta. — Pode me chamar de princesa Lis.
— Princesa Lis, acho que você vai adorar o nosso instituto!
— Se ele for bom pra minha mamãe Dora ficar calma, vai ser pra mim também.
Como não gostar dela? Lis é muito fofa e esperta!
Emocionada com a resposta da filha, Sofia se inclina e deixa um beijo no topo da sua
cabeça. Um espasmo balança seu bracinho no mesmo instante. Cecília permanece parada, com os
olhos marejados e fixos na interação das duas.
A cada dia mais me impressiono com suas camadas fora da Ishtar. A sua família é,
indiscutivelmente, importante para ela.
Assim que levanta de novo, eu cumprimento Sofia e me apresento. Por causa de uma
reunião que tenho em quarenta minutos, convido-as a me acompanharem e começo a mostrar o
local.
Passo pelo primeiro andar da recepção e seguimos de elevador para o segundo, onde fica
uma parte dos equipamentos tecnológicos que ajudam no mapeamento.
— Esta ala é focada na análise em si dos pacientes. Exceto por essas duas salas. —
Aponto para os dois espaços logo na entrada. — Uma delas é para os adultos aguardarem seus
acompanhantes ou esperarem ser chamados e a outra é uma brinquedoteca para os pacientes
infantis brincarem. A área dos adultos acabou se tornando uma terapia em grupo onde trocam
figurinhas como cuidadores ou portadores dos mais diversos distúrbios neurológicos. Eles já
chegaram até organizar eventos de conscientização e vaquinha para apoio do tratamento de
pessoas que não tinham condições financeiras. Recebemos muitos pacientes do SUS nesse
projeto.
— Aí, mamãe Dora e titia Faísca, vocês podem fazer amiguinhos enquanto me esperam.
— Com certeza, meu amor! — Sofia sorri para a pequena.
— Que legal que vocês atendem o SUS também! — Cecília olha para mim por um
momento. — A pediatra da Lis foi só elogios ontem quando comentamos da possibilidade de
ingressar nas pesquisas do instituto. Ela também atende em hospital público e disse que dois
irmãos, pacientes dela, foram encaminhados pra cá ano passado a fim de monitorar um
aneurisma cerebral.
— Dois irmãos no ano passado? Deve ser o Diogo e o Dênis Moreira. Monitoramos por
seis meses o desenrolar do aneurisma e, quando se tornou perigoso um rompimento, como o que
levou a mãe deles à morte, realizamos a cirurgia com sucesso.
— São esses nomes mesmo que a médica citou — Cecília comenta, parecendo pasma. Do
mesmo jeito que me surpreendo com ela; às vezes também pode se admirar com algumas das
minhas atitudes. — Você se recorda de todos os pacientes do hospital?
— Infelizmente, não. — Como o instituto é um projeto pessoal para mim, ainda mais
com relação ao aneurisma, eu sempre fico a par de tudo. — Mas tenho uma boa memória pra
grande parte.
Dou uma risada e ela suaviza o semblante, sorrindo também. Merda, odeio que sua boca
mexa tanto comigo.
Queria beijá-la de novo. Aqui mesmo, se eu pudesse.
Apesar de ter ficado com Cecília na segunda-feira à tarde, não havia retirado minha
reserva para ontem à noite. Se não fosse meu pai marcar um jantar de última hora com o prefeito,
eu com certeza teria ido ao clube para sentir o gosto dos seus lábios e da sua boceta novamente.
Talvez esta noite eu remarque. Ou no máximo amanhã. Talvez eu queira vê-la mais vezes
durante o dia também, com os belos cachos à mostra.
Agora que entrei na chuva, vou me esbaldar e me permitir molhar até quando puder.
— O titio Gota ganhou! — A voz empolgada da Lis me tira dos devaneios. Pisco e olho
para baixo, sem entender o que disse. Ela está apontando o dedo para mim. — A titia Faísca
piscô primeiro, você ganhou!
Caralho, será que nós dois viajamos por um segundo um no outro?
A risadinha da Sofia é a prova que vacilamos feio; logo no primeiro dia aqui dentro. Fito
Cecília de esguelha e ela está com a bochecha corada de vergonha, cutucando o dedo mindinho
sem parar.
Que beleza!
— Agora temos que continuar o tour. Na próxima vez que nos vermos, se você realmente
se inscrever no projeto, eu brinco com você também; duvido ganhar de mim! — Entro na onda
para amenizar um pouco a situação enquanto apresso o passo.
— Eu sou boa de copentição, se prepara!
Aceno com a cabeça, oferecendo um sorriso rápido, e engato novamente em explicar os
espaços. Por sorte, Sofia fica tão impressionada em quão detalhada é a análise de dados por
nossos sistemas que o clima não chega a ficar estranho.
— Os pacientes do instituto são consultados uma vez por semana para que possamos
oferecer informações mais precisas do andamento do quadro. Qualquer alteração no organismo é
captada pelo programa que envia um alerta para os pesquisadores. Esse é Tobias, o coordenador
dessa área. — Toco no ombro do médico e ele se aproxima cordialmente, cumprimentando a
todos com um aceno. — E essa é a princesa Lis, de quem te falei ontem.
— Princesa Lis, é um prazer conhecê-la!
— Titio Utônio, vocês são muito inteligente. Eu quero vir aqui ter minha mente
escaneada nos computador.
— Utônio é o cientista do desenho “As meninas SuperPoderosas” — Cecília explica
sorrindo, e de repente me dá vontade de socar a cara do Tobias que corresponde escancarando
seus dentes brancos e secando sua boca.
— Adorei o apelido, tenho certeza que vamos nos dar muito bem se você participar do
projeto. Queremos muito ajudá-la!
O pesquisador segue conosco, explicando mais tecnicamente como funciona o trabalho, e
eu discretamente fico do lado da Cecília, impedindo-o de se aproximar muito.
Quando chegamos ao último andar, percebo os olhos da garota da Ishtar brilharem de
empolgação. Se ainda não tinha decidido se iria mesmo aceitar meu convite, tenho certeza que
bateu o martelo aqui.
Há dezenas de laboratórios por todos os lados, com estudiosos dando tudo de si para
encontrar tratamentos mais eficazes para as doenças que estudamos, embasados pelos dados
coletados com a IA.
— Nossa linha de pesquisa mais forte é a terapia celular para o tratamento de doenças do
sistema nervoso.
— Terapia celular é o tratamento com células-tronco, certo? — Cecília pergunta para
Tobias.
— Isso mesmo! Temos muitos estudos promissores. O que está mais avançado no
momento é uma espécie de curativo feito com células-tronco que pode reduzir sequelas de um
AVC. A técnica, testada com sucesso em cobaias, ajuda a evitar a morte de neurônios na região
atingida pelo derrame.
— Que incrível! — Sofia comenta, empolgada.
— Pretendemos iniciar em breve um estudo específico com as células-tronco para a
doença de Huntington — digo e o sorriso da Cecília se expande. — Inclusive, semana passada
estive nos Estados Unidos e conversei a respeito com o hospital que faz parceria conosco. Será
um trio junto com eles; além da DH, também Parkinson e Alzheimer.
Continuamos conversando por mais um tempo sobre a terapia celular e, assim que Tobias
se afasta um pouco para mostrar para Lis a sala onde ficam as nossas cobaias, Sofia se aproxima
de mim.
— Eu gostei muito do instituto, a vaga está mesmo de pé? Acho que será uma excelente
oportunidade pra minha filha. Ceci e eu já tínhamos gostado antes de vir aqui por causa das
pesquisas que fizemos e dos excelentes comentários da pediatra, mas agora vendo de perto, não
tem como negar.
— Está sim, claro!
— Quais os próximos passos? O que precisamos fazer? — Cecília pergunta, se
aproximando também.
Faço um esforço enorme para me concentrar na conversa séria e não no cheiro gostoso do
seu perfume. Ela está perto demais.
— Vocês podem preencher o formulário de adesão hoje ainda. Aí será marcado, para os
próximos dias, uma entrevista mais ampla para nos trazer todo histórico médico da Lis. Em 75%
dos casos de DH juvenil a mutação é herdada do pai, com ela foi assim?
— Sim. — A resposta seca da Sofia já acende um alerta na minha cabeça de que não se
dão bem.
— Ele já teve algum sintoma? Gostaríamos de recebê-lo aqui, se possível. Como a DH é
hereditária, sempre abrimos oportunidade para o genitor também fazer o acompanhamento se
tiver interesse.
Cada filho com um dos pais afetado tem uma chance em duas, ou seja 50%, de herdar o
gene. As pessoas que carregam o gene irão desenvolver a DH inevitavelmente em algum
momento da vida, a não ser que morram de outra causa antes do aparecimento dos sintomas.
— A gente pode não envolver o pai da Lis, por favor? — Cecília fala baixo, observando
ao redor para conferir que a sobrinha está longe. — Ele abandonou a minha irmã ainda grávida,
negou que a filha era dele e bloqueou qualquer contato nosso. Nunca fiz questão de esfregar um
exame de DNA na sua cara porque não preciso de migalhas de um babaca. Quando descobrimos
a doença e soubemos que é genética, eu engoli meu orgulho e tentei avisar um dos seus amigos
que era próximo de mim. Resultado? Tive que ouvir um monte de merda. Não quero mais
nenhuma aproximação com esses idiotas, eu dou conta de ajudar minha família.
Meu peito infla ao ouvi-la falar com orgulho da Lis e da Sofia. Cecília é uma adorável
caixinha de surpresas: forte, corajosa e determinada.
— Sinto muito por isso — digo, sincero. Que filho da puta! — Ele está perdendo a
oportunidade de ser pai de uma garotinha incrível.
— Está mesmo — Sofia endossa, séria. — E também está perdendo a chance de
descobrir uma doença severa com antecedência. Pelo que sei, se não for mais uma das suas
mentiras, é filho adotivo. Os pais não terão sintomas, quando aparecer nele, vai ser pego de
surpresa.
— Será uma consequência que terá que lidar pelas escolhas que fez na vida. Se vocês
preferem não envolver o pai, nós entendemos e iremos seguir sem a sua participação.
— Obrigada por entender, Marcus.
— Não precisa agradecer. — Olho para Cecília e logo desvio para Sofia a fim de não me
perder de novo na sua íris castanha tão penetrante. — Lis é nossa prioridade! Espero que, em
breve, possamos fazer mais do que apenas acompanhar a evolução do seu quadro.
E espero mesmo!
Apesar de só ver a criança duas vezes, algo no cuidado da sua tia com ela me faz ter
vontade de lutar pela sua cura. Geralmente, eu tenho esse instinto protetor com os pacientes do
hospital, mas não tão forte assim.
Da última vez… foi com Maria Isabel e o seu aneurisma cerebral.
Acho que não vou conseguir me manter tão distante, como disse para Cecília que ficaria
quando a convidei para o instituto. Merda, será que dá para jogar a culpa na ocitocina, serotonina
e dopamina para esse desejo também?
Finjo que estou mexendo no celular, mas, na verdade, meu foco está na conversa da Sofia
com Rodrigo, um pai solo que também vem todo sábado no instituto acompanhar a sua filhinha
de quatro anos que tem a Síndrome de Rett.
Eles estão falando sobre as dificuldades que passaram até a descoberta de um
diagnóstico; e minha irmã chega a compartilhar que os médicos desconfiaram da síndrome por
causa da diminuição da mobilidade, fraqueza muscular e rigidez da Lis no início dos sintomas.
Nunca a vi se abrir assim com alguém sobre a doença da filha; essa é a terceira semana
que engatam um papo logo que entramos na sala de espera.
Depois da visita com Marcus nas instalações do instituto, o processo foi super-rápido.
Fizemos a entrevista mais específica em uma sexta e no dia seguinte Lis foi chamada para as
primeiras consultas. Imagino que o CEO do Emília Lobato tenha mexido seus pauzinhos para
acelerar o atendimento.
Apesar do receio com essa aproximação entre nós fora do sexo, não poderia estar mais
feliz pelos resultados. Em menos de um mês, minha irmã ficou mais calma e tem sorrido como
há anos não vejo. Algo me diz que Rodrigo também tem grande culpa no último fato.
O cara parece ser decente. Sofia não se envolve com ninguém desde o idiota do Enzo.
Transar um pouco pode lhe fazer ainda melhor. Não sou contra isso, desde que preserve seu
coração.
Continuo bisbilhotando o assunto alheio por cerca de mais uma hora até que avisto Lis
vindo na nossa direção, segurando a mão do Marcus em um bate-papo acalorado e cheio de risos.
Traidores, meus batimentos cardíacos disparam como se eu não tivesse pensado há pouco sobre a
importância de cuidar desse órgão.
Droga, eu sempre odiei hipocrisia!
O filho da puta gostoso tem um poder enorme de burlar meus sentidos. Eu penso algo, e
quando dou por mim, estou fazendo o contrário. Não tenho como controlar.
Hoje pode ser por surpresa. É isso. Estou surpresa!
Geralmente, ele vem nos dar um “oi” no nosso horário com a desculpa de brincar com a
Lis quem pisca primeiro. Tenho ignorado nossa conversa de que seria melhor manter um
distanciamento aqui dentro. Minha sobrinha gosta da sua presença, não quero atrapalhar isso.
Ao chegarmos esta manhã, ele não estava e imaginei que ainda não tivesse voltado da
viagem que precisou fazer para Manaus, onde está sendo construída mais uma filial do hospital.
Temos nos visto às segundas no motel perto da clínica da Sofia; e às quintas na Ishtar.
Não é sensato continuar aceitando fazer programa fora do clube, mas não consigo evitar. Eu
adoro o jeito que ele me olha sem a lace. Nosso sexo fica ainda mais quente e intenso do que o
normal. Esta semana ele cancelou o segundo encontro por causa do compromisso fora; pelo que
entendi deu algum problema na obra.
— Lis terminou a avaliação semanal. — Cutuco minha irmã e ela olha na mesma direção
que eu.
Os dois estão vindo a passos de tartaruga pelo corredor, a conversa deve estar boa.
A escuto se despedindo do Rodrigo, no entanto, agora meu foco já não é mais na Sofia.
Embora eu tente não ceder, meus olhos ficam vidrados no terno alinhado, no cabelo grisalho e
nos olhos azuis tão hipnotizantes de Marcus.
É impressionante como me acostumei rápido com sua presença e sinto falta se a gente
não se vê com frequência.
De segunda a sábado já são muitos dias, estou louca para que ele diga que vai na Ishtar
hoje. Felipe já não é mais inspiração para os meus programas há semanas, nem mesmo o Miguel
consegue ser minha válvula de escape do trabalho. Só esse infeliz ocupa minha mente.
Sinceramente, não estou pensando mais em quanto tempo isso vai demorar para passar a
fim de não surtar. Um dia de cada vez. A Cecília do futuro que lide com as consequências da
insanidade da sua versão do passado.
Levanto antes da minha irmã e vou ao encontro dos dois. Assim que me aproximo, escuto
que estão conversando sobre My little pony. Coitado do Marcus, se der corda para esse assunto,
vai ficar por horas ouvindo Lis tagarelar.
— Então quer dizer que não tem nenhum boneco pônei de Equestria da cor da sua pele
pra vender?
— Não tem, acredita?! Nenhum marrom lindo, com cauchinhos toin toin toin. Todos que
estavam à venda, já ganhei de Natal, aniuvesário, Páscoa…
— Estão perdendo de ter o pônei mais bonito. — Ele sorri para ela e levanta a cabeça ao
perceber minha presença.
A forma que seu sorriso se expande e seu olhar se demora na minha boca, faz meu
coração disparar de novo.
— Oi! — digo baixinho, correspondendo a risada.
— Olá, Cecília. — Golpe baixo, que desgraçado!
— Titia Faísca, você não vai acreditar no que o titio Gota me contou enquanto me
buscava na sala dos computador. — Só não nos perdemos um no outro porque Elisabete entra na
minha frente e fica puxando minha camiseta. — Ele tem um sítio de verdade, igual a Emília e a
Narizinho. Tem até um pônei vivo lá. Um que galopa, tem quirna e tudo mais.
— Que legal, princesa Lis!
— A gente podia ter um também, né? Talvez o filhote do titio Gota? — Não me passa
despercebido que ela continua o chamando pelo mesmo apelido semanas depois. Isso é raro. —
Não custava nada colocar no nosso quintal, eu posso doar minha cama eulástica pra sobrar
espaço.
— Já tivemos essa conversa umas cinquenta vezes, meu amor. Não tem como manter um
pônei no nosso quintal.
— Ahhh, mas… — ela tenta argumentar, emburrada.
— É verdade, princesa Lis — Marcus intervém, passando a mão no seu cabelo. — Um
sítio é um espaço adequado para animais, na sua casa ele ficaria preso. Você não quer que o
pônei fique infeliz, certo?
— Não quero. — Apesar de concordar, seu bico fica ainda maior.
— Não fica triste, não! Quem sabe, quando você crescer, vira uma veterinária e cuida de
vários pôneis? Ou ainda tem seu próprio sítio?
A firmeza da sua voz quanto ao futuro da minha sobrinha me faz trocar o peso de uma
perna para outra duas vezes seguidas. Tudo que eu mais quero é que Elisabete chegue à fase
adulta.
— Nós vamos trabalhar pra você melhorar, não é, titia Faísca? — ele pergunta para mim
e balanço a cabeça com convicção. Farei tudo que tiver ao meu alcance. — Aí vai depender de
você. Talvez quando crescer nem goste mais de pôneis.
— Quem não vai mais gostar de pôneis? — Sofia entra na conversa, rindo e se inclinando
para beijar o topo da cabeça da filha. — Se for essa baixinha aqui, duvido muito.
— O titio Gota tá viajano! Eu vou amar sempre, terei cinco sítio pra abrigar toda
Equeustria.
Enquanto a pequena repete tudo que me disse para a mãe, seguimos caminhando em
direção à saída. Sofia e Elisabete ficam na frente e nós dois um pouco para trás.
— Será que você e sua irmã se importam se eu der um pônei de pelúcia pra Lis? —
Marcus questiona baixo para não ser ouvido. — Ano passado, fizemos uma ação de Dia das
Crianças aqui e mandamos confeccionar o mascote do hospital para presentear os pacientes
mirins. Eu tenho o contato da empresa, acho que eles conseguem fazer do tom da pele dela e com
cachos.
Fico por um momento sem palavras para responder, perdida na imensidão dos seus olhos
azuis. Lis vai… nossa! Ela vai enlouquecer de felicidade com um presente desses.
— Seria incrível, mas não precisa se…
— Tudo bem por vocês? Eu quero fazer isso! — me corta antes que eu termine a frase.
— Tenho certeza que Sofia não vai se importar; eu também não.
— Ótimo, vou providenciar. Lis me disse que seu aniversário será na quarta-feira que
vem. Farei o possível pra ficar pronto a tempo, no máximo até o final da próxima semana.
Começo o ritual de agradecê-lo pelo gesto, no entanto, ele me corta de novo dizendo que
não é nada de mais. Não bastasse sua atitude fazer meu coração bater mais forte pela terceira vez
só hoje, Marcus resolve se aproximar disfarçadamente até que seus dedos resvalam sutilmente
nos meus em uma carícia discreta.
Minha respiração fica presa no peito e meu estômago borbulha como se um bando de
borboletas resolvesse alçar voo ao mesmo tempo. Igualzinho acontece com várias personagens
de livros que eu já li; e achava uma descrição exagerada.
Nunca tinha me sentido assim antes.
— Passei aqui no hospital rapidinho pra resolver algumas coisas, mas de tarde terei que
viajar novamente. — Sua voz baixa perto do meu rosto faz um arrepio subir pela minha nuca.
Meus Deus, estou fodida com gosto! — Minha mãe ficou gripada e preciso substituí-la como
professor convidado em um simpósio no Sul. Só volto na segunda à noite.
— Ah, ok. — Ao mesmo tempo que é estranho ter Marcus dando satisfação para mim,
fico inquieta que iremos demorar a nos ver mais uma vez.
Nossos olhares se fixam por um momento e sinto que ele quer dizer mais alguma coisa,
porém, nos aproximamos do elevador e o CEO se cala. Nós quatro entramos juntos com outras
três pessoas já presentes.
Chegamos à recepção, nos despedimos com Lis falando de novo que queria ter um pônei
e assim que Marcus vira as costas, minha irmã me cutuca no braço, dando uma risadinha
travessa.
— Você pode negar o quanto quiser, nem fodendo nunca tiveram nada.
— Olha essa boca, Sofia! — repreendo, fazendo sinal de silêncio com o dedo indicador
enquanto observo ao redor para ver se ninguém ouviu.
Por sorte, minha sobrinha também está dispersa em um monólogo com o ar.
— E ainda digo mais: o bonitão gosta de você, e você gosta dele.
— Não fale asneiras, garota! Não tem nada a ver.
— Se iluda o quanto quiser com essa negação. — Minha irmã aumenta o riso, dando de
ombros. — Eu tinha percebido desde o primeiro dia; só que hoje ficou ainda mais claro vendo
vocês interagindo à distância. O jeito que olham e sorriem um para o outro não é de uma relação
profissional.
Bufo, ignorando seus comentários e pegando na mão da Lis para irmos embora logo. A
cada alerta do meu cérebro que ela pode estar certa, os passos ficam mais rápidos.
Não gosto dele.
Não posso gostar dele.
Inferno, eu acho que já é tarde demais.
— Marcus, você está me ouvindo?
A voz alta da minha mãe me faz desviar a atenção do cair da noite, pela janela de vidro
da sua sala, e voltar a observá-la atrás da sua mesa. Estávamos conversando sobre como foi o
simpósio e me distraí totalmente pensando que é segunda-feira e Cecília não vai estar na Ishtar.
— Me desculpe. O que a senhora disse? Estou com a cabeça cheia. — Cheia de desejo
em uma certa garota viciante…
Cheguei de viagem e vim direto para o hospital resolver algumas pendências atrasadas,
no entanto, a verdade é que eu queria mesmo era vê-la esta noite. Se estivesse no clube, mesmo
lotado de trabalho, eu iria lá.
— Eu perguntei se alguém lamentou minha ausência no simpósio.
— Ah sim, claro. — Caminho até o frigobar próximo de onde estou e pego uma garrafa
de água gelada. Seu sorriso amplo não nega a alegria de ser lembrada. — Várias pessoas
lamentaram; e também mandaram desejos de melhoras.
Na verdade, devem ter sido umas três, mas se eu disser isso, ela vai ficar cismada. Dona
Rita preza muito por sua imagem e não gosta de perder os holofotes. Tanto é que saiu do cargo
de CEO e logo engatou como líder da área de comunicação. Se não tivesse ficado com febre e
realmente indisposta, teria ido doente mesmo para o evento.
— Saiu uma cobertura ótima na mídia do Sul sobre a sua presença — ela se gaba,
orgulhosa. — Esse fim de semana estivemos em alta evidência! Além de você, ainda teve uma
matéria no Fantástico sobre o desenrolar das investigações do incêndio na fábrica de móveis e
enalteceram que a única coisa que andou nesses meses foi a recuperação dos pacientes com o
tratamento de pele de tilápia. A sua irmã também ganhou três páginas inteiras na Medical
Magazine pra falar da experiência no Médicos sem Fronteiras.
— Já foi publicado? Que legal, pensei que seria na edição do mês que vem.
— Adiantaram a pauta pra aproveitar a onda de um vídeo que viralizou na internet com o
trabalho de médicos voluntários na guerra do Oriente Médio. Pelo menos pra alguma coisa esse
tempo todo que sua irmã ficou fora foi útil, não costumam destacar brasileiros nessa revista. É
uma ótima vitrine para o Emília Lobato!
— A vitrine não é do hospital, mãe, e sim do belo trabalho que a Nívea fez. Ela é o
motivo do orgulho, ela que salvou dezenas de vidas, não tem nada mais útil que isso!
— Ah, você me entendeu, Marcus. Não crie caso. Só estou dizendo que, além de todos
que ajudou, agora também está sendo útil para o negócio da sua família.
Viro a água garganta abaixo para não retrucar, estou sem paciência para arrumar uma
discussão a essa hora da noite. Eu sou workaholic como ela, porém, nunca deixei de valorizar o
verdadeiro motivo pelo qual trabalho.
— Preciso voltar para a minha sala, quero alinhar uns assuntos com a Júlia antes dela ir
embora. Boa noite, mãe! — Começo a me virar em direção à porta e sou barrado por sua voz
exaltada mais uma vez.
— Calma aí, não terminei de me atualizar. Os engenheiros resolveram de vez o problema
com a licença ambiental da obra em Manaus depois que você veio embora? Não podemos ser
mencionados em portais de notícia de novo com esse tipo de mídia negativa.
— Está resolvido! — respondo sucinto.
— A Tereza volta amanhã mesmo de Portugal, não é? — Aceno com a cabeça, tomando
mais um gole de água. — Não a deixe esquecer que teremos uma entrada ao vivo no jornal do
meio-dia, na quarta, sobre a chegada do novo robô com a tecnologia Da Vinci para as cirurgias.
Os telespectadores gostam de vocês juntos, depois viraliza bem.
— Mãe, quando esquecemos algum compromisso?
— Nunca, mas é sempre bom reforçar — diz enquanto digita algo no seu computador.
Seu olhar alterna da tela para mim parado em pé perto da porta. — Aliás, corte seu cabelo e
apare sua barba na sexta à tarde. Seu tio Telso conseguiu, através de um contato próximo,
agendar para sábado de manhã um horário com o fotógrafo mais renomado do Brasil. Vamos
atualizar nosso banco de imagens.
— Ok. Mais alguma coisa? Preciso mesmo ir, antes que dê o horário da Júlia.
— Se ela for embora, ligue e peça pra voltar, oras. Você dá muito mole para os
funcionários, meu filho. — Haja paciência que não tenho no momento. Olho sério para ela, que
dá de ombros como se não tivesse dito nada de mais. — Vai! Pode ir, não aguento esse
semblante julgador. Tenho compromissos pra finalizar aqui também.
Eu julgador? Sem comentários.
Antes que volte a falar, eu me despeço novamente e apresso o passo até meu escritório.
Resolvo os itens mais urgentes com a secretária, assino documentos e leio alguns e-mails.
Poderia render mais, no entanto, minha concentração oscila entre os compromissos do
hospital e a boceta melada que eu gostaria de chupar esta noite. A abstinência daquela garota é
foda, já passei por essa fase várias vezes e nunca dá certo lutar contra.
— Que cara de cu é essa para o computador? — Felipe entra na sala de supetão, se
sentando sem ser convidado na cadeira em frente da minha mesa.
Ao invés de implicar com sua mania de inserir a palavra em todo contexto possível,
lembro da delícia que é comer o cu da Cecília. Eu tenho uma tara enorme na sua bunda, adoro
pegá-la por trás em qualquer buraco.
Se ela estivesse trabalhando hoje…
— Pensou no cu da Maia, fala a verdade!? — Ele ri, diminuindo o tom para ninguém
ouvir. — Você é muito transparente nas suas feições, cara. Mas também, não tiro sua razão. O
rabo daquela menina deveria ser patrimônio nacional, é um espetáculo!
— Cala a boca, Felipe! — xingo, não sei se mais irritado com seu comentário indelicado
ou com o fato dele conhecer o corpo dela tão bem.
— Você me trouxe cada lembrança agora… — o filho da puta provoca, rindo ainda mais.
— Vou marcar o primeiro horário de amanhã pra matar a saudade, a Bruna adora aquela bunda
gostosa também!
— Porra, o que você veio fazer aqui? Estou ocupado!
— Ocupado, viajando na frente do computador? — Se eu der um soco no nariz do Felipe,
será que chama muito a atenção dos outros funcionários? Ele sabe me enfurecer como poucos. —
Não me olha com essa cara, como se quisesse me matar. Não sou eu que estou com ciúme de
uma prostituta.
Eu sei que Cecília é uma profissional do sexo – eu mesmo já me referi a ela várias vezes
dessa forma –, mas ouvir da sua boca soa como uma ofensa e me deixa ainda mais impaciente.
— Se você não tem nada de útil pra dizer, cai fora. Pra variar, está me atrapalhando.
— Você tá putinho e nem negou o ciúme, meu Deus, é mais sério do que imaginei! —
Não estou com ciúme, só não gosto de pensar nela com outros. Muito menos, meu amigo. — Até
que enfim você me escutou e está vivendo um pouco. Mesmo que pareça loucura se apaixonar
por uma garota de programa, se joga sem medo, cara!
— Que apaixonar, Felipe! Não exagera, isso não tem nada a ver — nego apressado, nem
querendo cogitar essa possibilidade.
— Só isso que é exagero de tudo que eu disse? Não minta pra si mesmo! — A sua risada
sarcástica comicha meus dedos para um soco no meio do seu estômago também.
Antes que continue seu discurso, sou salvo pelo aplicativo do hospital que manda um
alerta para conferir um dos seus pacientes no pós-cirúrgico. Felipe se levanta na mesma hora,
porém, não perde a oportunidade de me provocar mais um pouco antes de voltar ao trabalho.
— Cara, você tá gamado. Foi assim que eu comecei e hoje sou um rendido.
— Vá logo embora, antes que eu perca o resto da minha paciência que tá pequena hoje.
— Só se vive uma vez — afirma já na porta, se divertindo às custas da minha irritação.
— Aproveite tudo que quiser sem passar vontade.
Quando ele finalmente sai, a droga da sua frase fica reverberando na minha mente. Mais
uma hora se passa e eu não consigo responder nem meia dúzia de e-mails de tão disperso.
Filho da puta, desgraçado!
“Só se vive uma vez, aproveite tudo que quiser sem passar vontade.”
Tereza está viajando, a casa está vazia… e se eu convidasse Cecília para passar a noite
comigo? Teríamos tempo de qualidade para transar sem hora marcada para ir embora.
É uma ideia burra, imprudente e louca, mas pego o celular mesmo assim e abro o
aplicativo de mensagens.

Que tal um programa diferente hoje?


Eu pago pela noite inteira pra você ficar em casa comigo. Não tem ninguém lá.

Seja sensata, diga não.


Diga não.
Por favor, não alimente minha insanidade.

Coloco minha mão debaixo do travesseiro para conter a vontade de afastar os cachos que
caem na lateral do seu rosto. Acordei faz uns dez minutos e simplesmente não consigo desviar os
olhos da Cecília dormindo ao meu lado.
Ainda mal posso acreditar que ela aceitou vir e, muito menos, que eu convidei e fui até
buscá-la na porta da sua casa.
Começamos a noite parecendo arrependidos da loucura, com receio de uma exposição
indesejada no condomínio; e depois desconfortáveis aqui dentro desse espaço enorme que vivo
com outra pessoa, mas no final das contas, foi memorável.
Trepamos na mesa da sala de estar.
No sofá da sala.
Nesta cama.
E na banheira automática da minha suíte.
Beijei até ficar sem fôlego várias vezes.
Chupei e fui chupado de novo, e de novo, com a imprudência mais gostosa que já fiz.
Podia ter ficado só no sexo, no entanto, acabou sendo muito mais do que isso.
Nós também jantamos juntos sua comida preferida que pedi online.
Bebemos duas garrafas de vinho – algo que eu não fazia em casa há anos.
E conversamos de superficialidades a assuntos pessoais nunca antes tocados.
Eu não pude travar minhas perguntas e, por sorte, ela respondeu boa parte enquanto
estava no modo falante. Cecília me contou do abandono do seu pai na infância e que nunca mais
o viu, desde então; da morte da mãe em um acidente de trânsito na adolescência; e de como se
sentiu tendo que assumir a responsabilidade da casa tão jovem.
Meu peito se agita de novo, reafirmando o respeito e a admiração que só aumentam a
cada vez que conheço mais dela.
Por pouco, também não me abri – outra coisa que há anos não acontece. Se Cecília
tivesse me enchido de questões, como eu fiz, é bem provável que eu falasse mais do que devia.
De novo, ficou nítido seu desconforto com meu casamento – tanto pela aliança como ao
entrar no quarto que acha que é meu e de Tereza – e desta vez eu estive à beira de contar a
verdade. Para ser sincero, estou incomodado com isso desde que transamos a primeira vez na
Ishtar. Com Giovana e outras mulheres não parecia tão errado quanto com essa garota.
Percebo que ela está despertando e desvio o olhar para o teto, esfregando o rosto como se
também estivesse acordando só agora.
— Bom dia! — A rouquidão da voz vai direto para o meu pau.
Nunca fui tão tarado em toda minha vida, qualquer mínimo detalhe dela me atiça,
independente do tanto que meu cacete foi usado nas últimas horas.
Viro na sua direção e fico contente de enxergar nos seus olhos castanhos, enquanto
boceja e alonga os ombros, que ainda está na mesma sintonia que dormiu. Pensei que o clima
poderia se tornar esquisito de novo por acordar ao meu lado.
Da minha parte, eu fiquei confortável até demais.
— Bom dia! — respondo de volta, sorrindo. — Dormiu bem?
— Melhor do que esperava, eu apaguei. — Com tantos orgasmos, não é de se estranhar.
Eu também apaguei.
Cecília estica o braço e pega o seu celular que ficou na mesa de cabeceira. Ao confirmar
as horas e conferir se tem alguma mensagem nova – acredito que da pessoa que ficou de olho na
Lis e na sua irmã – ela se senta na cama.
— Aconteceu algo? — não resisto a perguntar e me sento também.
— Não, tudo tranquilo. Só que eu preciso ir embora, consegue me levar daqui a pouco?
— Balanço a cabeça, assentindo. Dispensei o motorista ontem para não dar bandeira nem com
ele. — O dia será corrido para mim, tenho que ir com a minha sobrinha no fisioterapeuta agora
cedo, preciso terminar os preparativos do aniversário dela na escolinha amanhã e colar a lace
para o expediente da semana na Ishtar.
— Falando no aniversário da pequena, eu já fiz o pedido do boneco de pelúcia.
Infelizmente, não fica pronto a tempo, nem para entregar na visita do instituto, sábado, mas à
tarde será entregue pra mim.
— Ela vai amar! — Cecília amplia o sorriso, me fazendo focar nos seus lábios. Queria
beijá-la de novo, antes de ir embora. — Muito obrigada por isso, Marcus.
— Eu já disse que não precisa agradecer — reforço e tomo coragem para falar outra coisa
que estou pensando desde que conversei com Lis sobre pôneis. Parece íntimo demais, só que não
sai da minha cabeça. Isso, sim, a pequena ia amar. Posso imaginar seus pulos de felicidade. —
Será que seria esquisito para vocês se eu levasse a sua sobrinha para conhecer o pônei do meu
sítio? É perto da capital, no máximo uma hora e meia, no fim de semana que não tem trânsito.
Você e Sofia podem ir junto, claro. Faz anos que não vou lá, mas o lugar é bonito é bem-
cuidado.
Cecília fica um instante em silêncio, me encarando fixamente. Certeza que está
ponderando todos os motivos para não aceitar pela forma como seus cílios balançam e a garganta
se move.
— E os funcionários? Não vão ficar comentando que você está com duas garotas e uma
criança que não são da sua família? — Ela não nega de imediato. Internamente, eu sorrio feliz
por isso.
— Eu peço para o caseiro deixar tudo arrumado e me dar privacidade. Ninguém vai
desconfiar de nada, ele sabe que sou bem reservado e gosto de ficar na minha.
— E você não é ocupado demais pra isso? Não quero atrapalhar seu trabalho...
— Preciso de uma folga, já tenho mais horas extras naquele hospital que todos os
funcionários juntos — brinco para tornar mais leve o assunto. — Podemos ir neste domingo, se
quiser, aí fica como outro presente para comemorar o aniversário da Lis.
Um silêncio mais curto precede seu aceite.
— Certo — concorda, mesmo soando receosa. — Vou falar com a Sofia, tenho certeza
que vai adorar. Faz um tempão que não passeamos também.
— Combinado!
Nossos olhares se encontram daquele jeito magnético e tudo que fica no meu foco é a
forma que mordisca o lábio.
— Que horas você precisa estar em casa? — questiono, me aproximando dela na cama.
— Umas oito — diz em um murmúrio arfante. — É a hora que costumo acordar.
É o horário que também tenho que estar no hospital. Confiro meu relógio de pulso e vejo
se dá para abusar um pouco mais.
— Se a gente for rápido, conseguimos começar o dia com altas doses de ocitocina,
serotonina e dopamina no organismo, antes de tomar um banho e tomar café pra sair. Que tal?
Cecília me responde vindo para o meu colo, com aquele sorriso sacana que adoro. Suas
pernas ficam uma de cada lado do meu corpo e as mãos se apoiam na minha nuca. Enlaço sua
cintura, trazendo-a para perto de mim, e apanho uma mecha dos seus cachos entre meus dedos.
Quando nossos lábios se unem, a minha intenção é beijá-la a fim de esquentar o clima, e
depois virá-la no colchão para ficar pronta para o meu pau com minha boca na sua boceta; mas
nem precisamos dessa preliminar.
O beijo incendeia tanto que em minutos nós dois estamos ofegantes. Engulo cada curva
da sua boca até que seu corpo pega fogo e começa a se esfregar contra o meu. A calcinha de
renda preta roça na minha cueca fazendo minha ereção doer de tão pulsante.
Desço uma mão para a sua bunda e aperto o traseiro gostoso, dando um tapa forte que
ecoa pelo quarto. Cecília fricciona ainda mais, gemendo dentro da minha boca.
— Eu queria te comer de quatro, mas acabei de mudar de ideia. Preciso de você
cavalgando no meu pau! — sussurro no seu ouvido, com a respiração acelerada, enquanto minha
língua busca seu pescoço.
— Eu vou montar tão gostoso que você vai trabalhar o dia inteiro pensando em mim!
Como se eu já não fizesse isso há semanas.
— Conto com isso!
Ela sorri, aceitando o desafio, e se afasta apenas para se livrar da calcinha e tirar a minha
cueca. Abro a gaveta da mesa de cabeceira e apanho um preservativo, puxando-a para o calor dos
meus braços logo que estou protegido.
Peguei várias cartelas do hospital ontem antes de buscá-la. Aqui em casa se tiver em
algum cômodo, está vencido por falta de uso.
Confiro se está mesmo pronta e murmuro em aprovação ao perceber que está melada com
nosso beijo. Porra, eu nunca mais vou conseguir parar de beijá-la enquanto isso durar.
É bom demais... uma conexão diferente.
Cecília me empurra para o colchão e volta a se encaixar no meu colo. Quando segura
meu pau em riste e desce devagar pelo comprimento, engulo em seco com a visão do seu cabelo
caindo na frente do rosto, e o corpo se movendo em um vaivém cadenciado.
— Linda! — o elogio escapa mais urgente do que pretendia.
Ela apoia as mãos no meu peito, acelerando meu coração com outro sorriso, e começa a
tortura. Alternando entre quicar e rebolar, a garota me deixa ofegante sabendo exatamente como
enlouquecer um homem.
O rabo empinado, aumentando a velocidade, coça a minha mão para outro tapa. Não
passo vontade e dou logo dois, subindo meus dedos para o seu pescoço. Vou de encontro a ela e
beijo seus lábios mais uma vez – um vício impossível de controlar desde que experimentei.
Quando já estamos no limite, seguro seus dois braços e os levo para trás, fazendo seu
corpo cair em cima de mim. Avanço com a boca no seu pescoço e assumo as estocadas.
Inebriada e gemendo alto meu nome, Cecília rebola sem parar, impulsionando ainda mais
meus instintos.
Soco rápido e forte.
Devoro seu pescoço e sua boceta úmida que me estrangula.
Assim que a percebo jogar a cabeça para cima, me dando uma visão fodida dos seus
lábios entreabertos e entregues, sei que está no limite como eu.
— Goza, linda. Goza comigo!
— Marcus...
A voz suave e baixinha, sufocada pelo seu tesão, revira meu estômago e me faz dar uma
última estocada ainda mais funda, levando nós dois a estremecermos com a força do orgasmo.
É tão intenso que demoramos para recuperar o fôlego, assim como aconteceu no dia que
transamos na barra de pole dance da Ishtar.
Solto seu braço, e apoio sua cabeça no meu peito, acariciando seus cachos até nossas
respirações normalizarem.
Minutos depois, quando Cecília corta o contato e avisa que vai tomar um banho para ir
adiantando nossa partida, eu sinto um vazio sufocante no peito. Me livro da camisinha, sento na
beirada da cama, mas não consigo desviar os olhos dela pegando roupas limpas na mochila que
ficou no meu quarto, da mesma forma que aconteceu logo que despertei esta manhã.
Eu não queria encerrar essas horas incríveis que passamos juntos.
Não queria, principalmente, que voltasse para a sua realidade diária e fosse lidar com
outros clientes.
— Marcus?
— Oi, desculpa. — Percebo que está falando comigo quando aumenta o tom de voz. Me
desconcentrei totalmente observando sua beleza. — Não escutei o que disse.
Ela franze o cenho, me fitando como se conseguisse ler tudo que está passando na minha
cabeça.
— Está tudo bem? Você ficou quieto.
Porra, não!
Estou com ciúme de você.
Não quero que vá embora.
Estou me apaixonando por uma garota de programa 20 anos mais jovem.
— Cansei! — minto para disfarçar, sorrindo e colocando a mão atrás da nuca. — Estou
velho demais pra aguentar o pique de uma novinha. Tivemos muitos rounds seguidos.
Merda!
O insuportável do Felipe estava certo, mais uma vez: estou com ciúme dela, sim; e estou
me apaixonando por essa garota. Não adianta negar. Devia ter desconfiado do poder dessa
conexão quando Cecília passou a ser a única pessoa que eu não ligo que amasse meu terno.
Sinceramente, não sei o que fazer com essa informação. No fim das contas, não muda o
fato de que ela ainda é uma prostituta e eu um homem casado.
Não tem como dar certo, tem?
Saio do carro de cabeça baixa, andando apressada pela calçada para não ser vista pelos
vizinhos como fiz ontem à noite. Assim que estou segura do lado de dentro de casa, encosto no
portão e fecho os olhos por um instante, inspirando e expirando fundo.
Minha nossa, as últimas horas foram uma loucura!
Desde aceitar o seu convite para dormir no local que mora com a esposa, até concordar
em sair novamente em um roteiro inesperado no domingo, tudo é uma insanidade imensa.
Foi ainda mais intenso do que todas as outras vezes que estivemos juntos. Até natural, eu
diria; como se fôssemos um casal normal. A conversa com Marcus flui fácil demais; mesmo que
eu tente me policiar para manter distância além do sexo, não consigo me conter por inteira.
Respondi todas as suas perguntas e precisei brigar com minha mente para não o
questionar também; ávida por saber por que a casa é tão impessoal, como é a relação com a sua
família, se gosta da sua vida, onde está sua mulher…
Essa parte da infidelidade está sendo mais desconfortável do que gostaria de admitir. A
grande maioria dos meus clientes trai sua companheira e eu preciso transar, com a aliança deles
brilhando no dedo, sem pensar muito a respeito.
Agora a do Marcus… é inquietante. Talvez porque a imagem que eu criei dele na minha
cabeça não combine com essa postura de traidor, que curte às escondidas sem a mulher saber.
O lado bom é que me ajuda a manter os pés no chão. Sendo igual aos outros, posso me
dar um chacoalho sempre que tenho vontade, por exemplo, de não cobrar pelos programas fora
da Ishtar.
Todas as vezes que nos encontramos no motel perto do hospital, e agora na sua casa, foi
um martírio recordar que continuamos em uma transação comercial.
— Tá tudo certo aí? — Abro os olhos assustada e vejo Sofia risonha, me observando pela
janela da sala.
Merda, estou dando muito mole. Ontem, ela me viu olhando para o celular como uma
idiota diante da mensagem do Marcus. Apesar de ter dito que ia sair com Miguel, tenho certeza
de que não acreditou em mim de tão embasbacada que fiquei antes de aceitar.
Miguel é fácil de lidar e nunca me deixou paralisada. Já Marcus é uma incógnita
desafiadora e preocupante que minha irmã esperta sacou rápido demais que mexe comigo.
— Tudo certo — disfarço, desencostando do portão e voltando a andar como se não
estivesse eufórica por dentro. — Você deixou a Lis arrumada como eu pedi por mensagem? Só
vou tomar um banho rápido e já vou sair pra não atrasar a fisioterapia.
— Sim, ela tomou café e está esperando no sofá assistindo desenho. A noite foi boa com
Miguel? — cutuca mais um pouco, enaltecendo o nome de propósito para me fazer contar a
fofoca direito.
Não vou admitir que saí com o CEO do Emília Lobato, tornará isso real e eu não quero
exposição para o nosso caso. Porque é isso que é: um caso passageiro que logo terá fim. Marcus
é casado, vivemos em mundos totalmente diferentes e é impossível qualquer coisa além disso.
Reforçando que não quero nada além disso; embora não tenha como negar que eu gosto
da sua companhia.
Vou ter que inventar uma história para contar do nosso passeio domingo sem ser suspeito
demais. Sei lá, vou dizer que ele visita o sítio todo fim de semana e perguntou se podia levar a
Lis para ver o pônei.
— Foi ótima! — Sigo pela varanda para entrar logo e me arrumar. — Você não tem
sessão de terapia online agora? Ao invés de fuxicar a minha vida, vá para o seu quarto e não se
atrase à toa.
— Estou indo, mentirosa! — Ela ri e eu reviro os olhos.
Apesar da insistência no assunto, estou feliz que esteja mais leve e brincalhona. É a
reação normal de irmãos implicar um com outro, afinal, somos jovens e temos quase a mesma
idade.
Prefiro mil vezes aguentar esse tipo de chatice do que morrer de preocupação se irá recair
mais uma vez na dependência.
Espero que o acompanhamento no instituto a deixe cada dia mais firme na sua
caminhada. Independente de quanto tempo meu caso dure, jamais vou me esquecer do que
Marcus fez.
Seu gesto pode significar um futuro muito diferente para a minha família do que estava
conformada.
Remexo de um lado para o outro na cadeira de espera da recepção, sem conseguir me
concentrar na história que estou lendo pelo celular. Merda! Se ocupada a minha mente fervilha o
tempo inteiro; ociosa, como diria a minha mãe, é oficina para o diabo.
Eu cedi com muito custo para a leitura e estava ajudando até então apagar meu fogo de
escrita, mas depois de toda bagagem que vivi essa noite, as ideias estão borbulhando na minha
cabeça e implorando para saírem em palavras. Já comecei dois livros diferentes e não passei do
prólogo.
Marcus vem toda hora com seus olhos lindos.
O beijo gostoso.
Os dedos firmes na minha bunda.
O sussurro rouco no meu ouvido…
Observo meus dedos ansiosos batendo contra a capinha do aparelho, e a vontade de dar
vida ao meu enredo da prostituta em um caso secreto com o CEO aumenta perigosamente.
Escritor que não publica seus textos não é considerado escritor. E se eu jogasse umas
frases aqui e ali, no bloco de notas do celular mesmo, só para ter paz? Não vou mostrar para
ninguém, nem passar perto da minha página no Wattpad.
— Não faça isso, se preserve, garota! — o anjo bom aconselha no meu ouvido.
— Não vai ser nada de mais, conte logo essa história! — o mau contradiz do outro lado.
O diálogo parece tão real que até imagino as asas e o rabinho vermelho.
— Puta que pariu! A que ponto cheguei? A minha imaginação está fértil demais.
— Falou comigo? — a mulher na minha frente pergunta, achando que estou puxando
conversa.
— Pensei alto aqui, me desculpe. — Faço sinal com a mão e dou um sorriso fraco,
voltando a encarar a tela do aparelho.
Meu coração acelera em expectativa e parece que o sangue corre mais rápido nas minhas
veias, tomando uma decisão.
Ah, que se foda!
Eu vou deixar extravasar e, assim que colocar o ponto final, apago tudo. Abro o bloco de
notas sem pensar muito no que escolhi fazer e as palavras saem como um vulcão em erupção;
ávidas para serem escritas.
“Nada é tão ruim que não possa piorar. À essa altura, eu já deveria ter me acostumado
com essa verdade, mas é impressionante como o destino consegue me surpreender com suas
merdas. Um dia. Um mínimo de 24 horas de paz é pedir muito se tratando da minha vida.”
Não era a minha intenção inicial, porém, o texto começa a ficar pessoal demais; quase um
reflexo da minha vida. Adiciono uma personagem secundária com dependência química, coloco
uma criança fofa com a doença de Huntington… Até mesmo os meus amigos Laila e Miguel
entram no enredo dando força para o núcleo da mocinha.
A sessão de fisioterapia acaba e eu não paro de escrever até chegar ao estacionamento.
Volto para casa e continuo digitando enquanto ajudo minha sobrinha com a tarefa do dia.
Não paro na hora do almoço, nem quando volto da escola da Lis.
Fico tão imersa no bloco de notas que perco a noção do tempo e esqueço que preciso
colar minha lace e buscar os docinhos que encomendei para a festa de amanhã.
No final da tarde, estou correndo igual uma louca para compensar meus deslizes e não
atrapalhar a realidade.
Meu Deus, acho que cometi um erro! Acordei um monstro e tenho medo de não ter forças
para enterrá-lo de novo.
Confiro as horas no meu relógio de pulso e percebo que já passaram vinte e cinco
minutos do novo prazo estipulado pelo fotógrafo. Impaciente com tanto atraso, levanto da minha
cadeira e decido ir à sala da minha mãe descobrir qual a desculpa da vez.
As fotos deveriam ter sido tiradas ontem de manhã, mas ele disse que teve problemas
com um job na sexta-feira e precisou cancelar. Sua remarcação está atrapalhando meus planos,
queria ter pegado a estrada com Cecília, Lis e Sofia desde cedo para aproveitar o dia.
Atravesso o setor da diretoria e logo que chego ao meu destino noto que vários acionistas
estão conversando com meu pai na salinha anexa ao escritório da minha mãe. Todos vieram para
a sessão de fotos. Telso, minha tia e minha prima também estão no meio. Ele está tentando
ganhar pontos arrumando esse fotógrafo famoso, no entanto, comigo só conseguiu irritação.
Odeio falta de profissionalismo; não importa que seja o melhor profissional do mercado
no quesito técnico, nada justifica deixar o cliente esperando.
Cumprimento todos com um bom dia formal e sigo direto para a dona Rita, que está
trabalhando no seu computador como eu estava instantes atrás.
— O fotógrafo deu satisfação? — Volto a olhar no relógio para me atualizar da demora.
— Ele está atrasado vinte e nove minutos.
— Deve estar chegando já, meu fi…
— Deve estar é muito vago, mãe — interrompo, querendo ser prático para resolver de
uma vez. — Ligue e confirme, por favor, sua localização. Eu tenho um compromisso e não posso
esperar.
— Pode ir resolver suas questões! Assim que ele chegar, eu mando te avisar. Se estiver
ocupado, vamos adiantando as nossas fotos por aqui. Sua irmã e o Noah estão de plantão, fiquei
de avisá-los também.
— Meu compromisso não é no hospital. Quando eu sair, não irei voltar hoje. Vou tirar o
resto do dia off.
A frase a choca tanto que dona Rita para de mexer no teclado e foca só em mim, com
seus olhos azuis tão claros quanto os meus. Para ser sincero, é uma novidade e tanto mesmo.
Faz anos que não faço nada além de trabalhar.
— Aonde você vai?
— É pessoal, mãe — desconverso, falando baixo para tentar não chamar a atenção dos
demais presentes na salinha ao lado.
— A Tereza já voltou do Espírito Santo?
— Não, ela vai precisar ficar até terça de manhã na filial da Futech.
O seu irmão incompetente saiu para viajar com a namorada para as Maldivas e deixou um
monte de pendência importante sem resolução. O lado bom é que ela está mostrando como é
eficaz na gerência de crises.
— Pessoal com quem, então, se todas as outras pessoas do seu círculo estão aqui?
Mães sendo mães, não importa se tenho 44 anos nas costas e nenhum motivo para lhe dar
satisfação.
— Vou ajudar a realizar o desejo de uma das crianças atendidas no nosso instituto —
resolvo dizer por cima a fim de que não crie suposições na sua cabeça. A última coisa que eu
preciso é que minha mãe desconfie que estou com outra mulher. Ela ia surtar pelo escândalo
envolvendo o sobrenome Lobato. — Ligue para o fotógrafo, por favor. Estamos perde…
— Eu estou ligando, vou conferir onde está. — É a minha vez de ser interrompido por
Telso.
Pelo jeito, minha tentativa de falar baixo não funcionou e ele estava escutando a nossa
conversa. Não ligo muito para isso no momento porque o que realmente importa é saber que
horas vou poder ir embora.
Quem me viu, quem me vê.
Ignoro o alerta da minha mente e foco no toque da chamada que vai para a sétima batida
sem nenhuma resposta.
— Esse cara vai nos enrolar mais uma vez com seu estrelismo — comento, puto.
— Ele está mandando uma mensagem aqui — Telso avisa, se aproximando da mesa da
minha mãe. — Disse que o seu celular está com problema, viu a chamada, mas não consegue
atender. Falou que perto do hotel que está hospedado teve um acidente e ficaram presos no
trânsito. Deve chegar em uma hora, mais ou menos.
— Isso aí é conversinha; com certeza acabou de acordar. Até a sua equipe montar o
equipamento e começar de fato o trabalho, vai ser supertarde.
— Você pode fazer caridade outro dia, Marcus — dona Rita sugere, me olhando como se
fosse óbvio a escolha que eu preciso fazer. — Cancele seu compromisso, não vamos conseguir
outro horário com esse fotógrafo. A agenda dele é muito disputada, já vai embora de São Paulo
amanhã.
— Eu não vou cancelar com uma criança cheia de expectativa por causa de algumas
fotos, mãe. Tenho certeza que conseguimos outro profissional durante a semana para atualizar
apenas as minhas imagens. Bom dia pra vocês, estou indo.
Ela ainda tenta me convencer, no entanto, não cedo ao seu pedido. Decidido a pegar a
estrada o quanto antes, saio da sala a passos largos deixando uma inconformada e um curioso
para trás.
Meu lado discreto, que evita burburinhos, não gostou da decisão. Mas pelo sorriso da Lis
– e da sua linda tia – vale a pena o desgaste.

Entro com o carro na garagem da casa da Cecília e o portão logo se fecha atrás de mim.
Mandei mensagem que já estava indo buscá-las e ela me pediu para esperar do lado de dentro a
fim de não chamar a atenção dos vizinhos.
Somos muito parecidos no quesito discrição.
Até me surpreendo que esteja sem a peruca loira e vestindo uma roupa mais justa. Para os
outros pode não ser nada de mais, mas para mim que já a viu se esconder atrás de moletons e
camisetas largas fora de quatro paredes, é sinal de que se sente confortável na minha presença.
Gosto disso.
Gosto ainda mais que esteja com os cachos à mostra.
— Você disse ontem que viria por volta das 10h30 e não estamos prontas — Cecília
comenta parecendo preocupada, assim que saio do veículo com o presente da Lis nas mãos. —
Me desculpa te fazer esperar, resolvi fazer uma hidratação simples achando que daria tempo.
Preciso terminar de arrumar a minha sobrinha, que inventou um penteado complexo de última
hora, e secar o meu cabelo úmido.
— Não tem problema, eu espero. — Odeio atrasos, porém, neste caso
surpreendentemente de fato não me incomoda. — Vim antes porque o fotógrafo não apareceu de
novo. Não ia ficar esperando a sua boa vontade de trabalhar.
— Nossa! Você quer remarcar? Não tem problema, a Lis enten…
— Não! — corto-a antes de terminar a frase. — Não é nada sério, essas fotos podem ser
feitas outro dia. Ontem, durante a sua consulta no instituto, a pequena estava muito animada e
ansiosa.
Para corroborar o quão empolgada está, Lis aparece na garagem correndo e a tia precisa
repreendê-la para não cair. Ela vem direto na minha direção, com um sorriso enorme no rosto.
— Titio Gota, que bom que já chegô! Eu quero ir logo no seu sítio ver o pônei vivo.
Vamos, vamos ino!
Imagina se eu cancelasse? A menininha ficaria muito decepcionada. Não se deve nunca
prometer algo para uma criança e não cumprir.
— Bom dia, princesa Lis. — Sorrio da sua animação e do penteado no seu cabelo que
está pela metade. — Nós vamos sair daqui a pouco. Primeiro, quero te dar um presente. E depois,
você, a titia e a mamãe precisam terminar de se arrumar.
— Presente? Eu quero! É esse saco aí?! — Estica as mãos, balançando os dedinhos no ar
com o foco fixo no embrulho que eu seguro. — Me dá, me dá ele!
— Olha a educação, menina! — Cecília adverte novamente. — Diminui essa potência
dos 440 volts.
Sei que não deveria, mas acabo aumentando o riso ao perceber o bico que Lis faz para a
tia. Ela é muito fofa!
— Aqui, espero que goste! — Entrego o saco na sua mão e ela esquece o conselho de
segundos atrás, abrindo o plástico, eufórica.
— Ahhhhhhhhh! — Lis grita, com os olhos castanhos cintilando brilho, ao ver a cabeça
do pônei personalizado.
Cecília me mandou uma foto dela e o fabricante conseguiu fazer a crina bem parecida
com seu cabelo na cor e no formato. Ao tirar toda pelúcia, seu sorriso se amplia chegando a ser
ofuscante de tanta felicidade. Meu coração acelera com a cena.
— É igual eu, tem a pele marrom e cauchinhos. — Ela aperta o brinquedo contra o peito
durante um espasmo. — Eu amei, amei muito muitão, titio Gota.
Balanço para trás, ao sentir o seu corpo se chocar contra o meu, oferecendo um abraço
tão apertado quanto o que deu na pelúcia. Eu me ajoelho no chão e retribuo o carinho, ficando
com os batimentos ainda mais acelerados ao perceber a forma como Cecília está nos olhando.
É como se eu fosse um super-herói que acabou de salvar a humanidade.
— Obrigada — ela sussurra, sorrindo.
Caralho, eu faria qualquer coisa para ter mais desses seus sorrisos. São exuberantemente
perfeitos.
— Disponha — sussurro de volta, louco de vontade de me levantar e beijá-la aqui no
meio da sua garagem.
Acho que ela percebe meu desejo e quer o mesmo porque desvia o olhar para o chão e
bate palma, chamando a atenção da sobrinha.
— Bom, para o seu dia ficar ainda mais feliz, temos que terminar esse penteado e secar o
meu cabelo. A mamãe foi tomar banho e vai ficar pronta antes da gente.
— A mamãe Tiana lavou o bebelo ontem, ela tá mais adiantada por isso — Lis fofoca, se
afastando do meu abraço. — Agora ela sempre lava antes do dia da beleza meu e da titia Faísca.
Acho que é pra ficar bonita na conversa com o titio Sapo.
— Sapo? — Rio, adorando os apelidos que ela arruma.
— Do filme A princesa e o sapo.
— É um dos acompanhantes lá do instituto, que leva a filha com Síndrome de Rett para
tratamento — Cecília explica. Eu sei quem é; um rapaz muito gente boa. Está conosco há três
anos. — Minha irmã e ele estão se tornando bons amigos.
Algo no sorriso discreto que surge no canto dos seus lábios me diz que é mais do que um
amigo e que ela está feliz pela irmã melhorar. Fico muito contente por contribuir com isso de
alguma forma.
— Eu sei como a gente pode empata e ir logo para o sítio — a pequena sugere animada
de novo e eu me levanto do chão. — Titio Gota seca o cabelo da titia Faísca enquanto ela
termina meu penteado. Que tal?
— Não precisa, até parece, eu termino o seu rapidinho…
— Eu posso secar, sim. — As palavras saem da minha boca sem nem pensar direito.
Nunca fiz isso com mulher nenhuma, nem mesmo a Maria Isabel na adolescência. Mas
algo em ficar mexendo nos seus cachos me dá vontade de aceitar.
— Obaaaa, então vamos. — Lis segura a minha mão e me puxa para dentro da sua casa.
Só na sala já consigo notar que aqui parece muito mais um lar do que onde moro. O
espaço é aconchegante e com uma decoração que parece com a dona: discreta e calorosa.
— Não precisar ir na onda da Lis, não, Marcus — Cecília cochicha atrás de mim, agitada.
— Se você não se importar, por mim não tem nenhum problema. — Viro a cabeça para
olhar nos seus olhos. — Assim saímos o quanto antes.
Ela me fita por um momento, parecendo estar em um conflito interior enorme, no
entanto, acaba balançando a cabeça em concordância. Lis e eu ficamos sentados no sofá,
conversando sobre suas expectativas para o passeio; e Cecília some por um corredor, voltando
em seguida com uma maleta de produtos e um secador diferente que tem um acessório grande na
boca.
Após deixar a maleta no chão e ligar o secador atrás do sofá, a garota da Ishtar para na
minha frente instruindo como devo proceder.
— É só pegar os fios por mechas e encaixar no difusor assim. — Ela liga o aparelho e
coloca um pouco de cabelo dentro do acessório. — Você seca de baixo para cima, levantando-o
até bem próximo da raiz. Quando perceber que está seco, desliga, separa outra mecha e começa
de novo.
— Não corre o risco de eu danificar o seu cabelo, né?
— Não, eu acabei de passar um creme de proteção térmica. Não mexa nesses botões aqui.
— Ela mostra os reguladores do aparelho. — Deve manter o tempo todo na temperatura e
velocidade médias.
— Certo, eu acho que entendi.
Cecília entrega o aparelho na minha mão e joga uma almofada no chão, orientando Lis
sentar na sua frente enquanto se encaixa no meio das minhas pernas. Ficamos em uma espécie de
escadinha comigo mais alto no sofá e as duas embaixo.
No início, ajo mecânico, um pouco tenso de fazer algo errado; porém, ao perceber que
deu certo, passo a curtir a atividade. É gostoso tocar os fios macios e cheirosos; e mais ainda
acompanhar a cabeça dela se inclinar para o lado todas as vezes que, de propósito, resvalo os
dedos na sua nuca. Acabo sorrindo sozinho como um idiota; só essa garota tem esse poder sobre
mim.
Mantemos um silêncio confortável quando o secador está ligado porque o barulho dele é
alto e reverbera pela sala; e conversamos sobre aleatoriedades nos momentos que desligo para
arrumar outra mecha.
— Tá terminando aí, titia Faísca? O vapô do difusor tá deixando a sala quente!
— Estou quase, meu amor. Espera só um pouquinho, o calor já estava antes.
— Tem uma pequena cachoeira dentro do perímetro do sítio. Se quiserem levar roupa de
banho pra dar um mergulho e refrescar, fiquem à vontade.
— Você vai nadar de terno?
— Não, princesa Lis. — Sorrio, colocando o aparelho no sofá para separar mais uma
parte do cabelo. — Estou vestido assim porque tinha um compromisso no hospital antes de vir
aqui. Tenho um armário de peças no sítio.
— Ah, bom. Ia ser esquissito nadar de terno. — Noto seu braço se mover com um
espasmo do alto, quase derrubando a pelúcia que não saiu da sua mão desde que entreguei o
presente. — Titia Faísca, você pode pega meu maiô rosa de bolinhas. Mas acho que prefiro ver o
pônei vivo durante toda visita. Água eu tenho aqui em casa na minha piscininha de pláustico.
É impossível não gostar dessa criança, ela é muito divertida.
— Vou colocar na nossa mochila, caso dê vontade de entrar. O dia é seu, vai poder curtir
como quiser!
— Está sendo o melhor aniuvesário de toda minha vida! Quero fazer seis anos de novo
ano que vem.
Cecília e eu rimos do seu comentário inocente. Continuo fazendo minha tarefa com um
sentimento de completude no peito. Assim como fiquei contente por ajudar a Sofia de alguma
forma, o sentimento retoma por participar da alegria de Lis.
Pelo pouco que as conheço, sei que essa família merece ser muito feliz.
Quando termina o penteado um tempo depois, a garota que me desarma cada vez mais
agradece a minha ajuda e pega o secador. O cabelo dela está quase pronto também. Cecília tira o
acessório do topo e levanta os fios para cima, finalizando com o jato de ar quente por alguns
minutos diretamente na raiz.
O resultado fica incrível, com cachos volumosos enaltecendo seu rosto delicado.
— Toda vez você precisa fazer tudo isso no cabelo? — pergunto curioso, sem conseguir
desviar a atenção das suas mãos amassando os fios com um óleo que pegou da maleta no chão.
— Na verdade, hoje está sendo na pressa. Quando faço tudo que é preciso, Lis e eu
ficamos por horas no dia de beleza. Cabelo cacheado dá muito trabalho!
— Mas é muito mais lindo de bonito! — a pequena se mete na conversa, balançando seus
fios enroladinhos. — Nem se compara com aquela peruca loira sem graça.
— Ela fica bonita com a peruca — respondo para Lis, sem parar de observar sua tia. —
Só que preciso concordar: os cachos a deixam ainda mais deslumbrante. Eu amo o seu cabelo
natural.
Cecília corresponde meu olhar e, puta que pariu, se eu já não tivesse admitido em
pensamento que estou me apaixonando por essa garota, ficaria óbvio neste instante. Todo meu
corpo parece se concentrar na rapidez que meu coração bombeia sangue pela corrente sanguínea.
A essa altura da vida, eu nunca imaginei que esse órgão esquecido seria capaz de reviver
com tanta força.
Como eu vou fazê-lo adormecer mais uma vez, quando a aventura acabar?
Faz cerca de quatro horas que minha sobrinha não larga do pé do seu “pônei vivo”. Há
outros animais no sítio, como cavalos, galinhas e vacas, mas o seu único interesse é no bichinho
de um metro de altura, pelagem preta e manchas brancas.
Marcus pediu o almoço pelo iFood mais cedo e tivemos que colocar a mesa da varanda
em uma árvore próxima do estábulo para que o animal não saísse do seu foco. Ver como está
feliz enche meu peito de felicidade também; tem sido um dia incrível como há anos não
tínhamos em família.
A nossa rotina é tão corrida que grande parte do meu tempo se passa no trabalho ou em
médicos com ela e com Sofia. A mudança de ares é mais bem-vinda do que eu imaginei que
seria; me sinto leve e com a energia renovada.
O espaço é enorme e lindo, tem que ser muito rico para manter um lugar com essa
estrutura só para visitas esporádicas.
— Pode me soltar, titio Gota — Lis barganha com Marcus novamente, tentando cavalgar
sozinha. — Quantas vezes tenho que dizê que já tenho seis anos?
— E quantas vezes preciso responder que, se eu me afasto, fico com saudade de você?
Rio da cara brava da pequena e do sorriso do homem ao seu lado. O animal é dócil e não
acelerou nenhuma vez sequer, porém, o CEO do Emília Lobato passou a última hora dando
círculos no campo aberto a fim de garantir que ela não caia.
A única parte complicada desse passeio é quem nos trouxe nele.
Desde que chegou em casa para me buscar, uma série de coisas que faz tem disparado
minha frequência cardíaca sem aviso prévio. Primeiro foi o presente para Lis, depois se oferecer
para secar o meu cabelo e dizer que sou deslumbrante com cachos… aqui no sítio piorou
drasticamente.
Estou até com medo que ele seja capaz de ouvir o som que retumba pelos meus ouvidos
de tão alto.
Passar o domingo ao seu lado está comichando meus dedos para escrever. Em qualquer
mínimo tempo vago durante esta semana, estive com o telefone na mão. Já concluí 14 capítulos,
nem no meu ápice criativo durante a adolescência fiz tanto. Está fluindo muito rápido a história,
que se tornou basicamente uma descrição do que tenho vivido com ele.
— Gente, vocês precisam ir na cachoeira! — A voz de Sofia ecoa atrás de mim e eu me
viro para olhá-la. Enquanto brincamos com a pequena viciada que não quis largar o pônei, minha
irmã foi fazer um tour pelo terreno. — É gelado em um primeiro momento, só que depois fica
delicioso. Princesa Lis, a água é verdinha e cristalina. Dá para ver as pedras no fundo. Você vai
adorar!
— Vamos um pouquinho, meu amor? — convido, abanando o rosto. — Estamos torrando
nesse sol há um tempão, com um calor infernal.
— Pra isso você me entopiu de potretor. Não quero ir nadar, quero meu pônei vivo!
Não há nada que tire essa menina de perto desse bicho hoje. Prevejo que a hora de ir
embora será uma luta.
— Vai você com o Marcus então, Ceci. Eu fico vigiando a Lis — Sofia sugere, com um
sorrisinho malicioso. Faço careta para ela não começar com suas gracinhas.
Hoje a minha irmã está mais convicta do que nunca de que estou transando com ele.
Primeiro a enxerida ficou surpresa que eu fiz hidratação no meu cabelo e decidi sair na rua sem
peruca. Mesmo reafirmando que Marcus me conhecia por intermédio da Laila há anos e não
haveria ninguém por perto além de nós, não adiantou.
A cereja do bolo foi quando viu o cara milionário secando meu cabelo no meio da nossa
sala. Contar que foi ideia da sua filha para “empatar” nosso tempo e vir logo para cá não fez nem
cócegas na sua certeza.
— Olha, não é uma má ideia. Está quente pra caramba mesmo.
Inferno! Pensei que iria negar de imediato já que é tão discreto. Além de apaixonante
com suas atitudes do dia, logo nada confiável para o meu bom senso estragado, o filho da puta
está mais lindo com o cabelo cortado, a barba aparada e as roupas leves.
Não vai prestar ficarmos sozinhos no meio do mato…
— Vá logo colocar um biquíni! — Minha irmã bate no meu ombro, me empurrando na
direção da casa onde guardamos nossas coisas. — A água está realmente uma delícia; aproveita
que daqui a pouco escurece e teremos que voltar.
Eu deveria ser forte e inventar uma desculpa agora, mas não tenho forças para isso. Será
mais um problema para a Cecília do futuro resolver no momento oportuno.
Vou me trocar e, assim que retorno, Marcus e eu seguimos por uma trilha curta na direção
da cachoeira. A paisagem se torna exuberante, com árvores altas e cheias de folhagens por todo
lado.
Como aconteceu na sua casa, na segunda-feira, inicialmente o clima fica esquisito e parece
que ambos nos arrependemos da decisão, só que não demora muito para uma conversa supérflua
fluir puxando outras mais pessoais.
Falar com esse homem é sempre arriscado. Começo contida e termino me abrindo com
assuntos que mal me permito pensar.
— Uau! — interrompo um comentário sobre o tratamento da Lis para apreciar a beleza
do local quando chegamos no destino.
— Incrível, né?
— Incrível é até pouco pra descrever.
Abro um sorriso enorme, guardando na memória cada detalhe que alcança meus olhos. Se
estava sentindo paz antes, a sensação duplica apenas em ver algo tão bonito.
— Concordo. — O tom baixo me faz virar a cabeça para o lado e perceber que Marcus
está olhando diretamente para mim.
Sinto minha bochecha esquentar e eu dou um sorriso forçado, brigando com o meu
cérebro para acreditar que não foi uma indireta.
A paisagem é incrível!
Sofia não exagerou ao dizer que a água era de um verde cristalino e dava para ver o
fundo. A cascata é pequena, mas emoldurada por rochas enormes que formam um semicírculo
perfeito.
Para espantar qualquer desentendido e focar no que importa, tiro a camiseta e o short que
vesti, amarro o cabelo em um coque alto para não molhar e entro logo na cachoeira a fim de me
refrescar. O primeiro contato arrepia os pelos do meu braço pelo choque gelado, no entanto, ao
me mover até a altura dos seios começa a ficar gostoso.
Marcus não perde tempo, tira a camisa também e vem logo atrás de mim apenas de
bermuda. Por causa da nossa diferença de tamanho, para ele está bem mais raso onde eu escolhi
ficar.
— Minha nossa, acho que vou dar uma de Lis e bater o pé pra não ir embora deste lugar.
Como você ficou tanto tempo sem vir aqui?
— Eu comprei este terreno quando tinha 20 anos — Marcus conta, com um sorriso que
parece saudoso.
— Meu Deus! 20? — O nível de riqueza dele é maior do que eu imaginava. — Se
arrependeu? Não é sua vibe a natureza?
— Não é isso, é só que…
Há uma pausa longa na sua resposta que me faz fitar o seu rosto. Com certeza, há algo
neste lugar que traz lembranças para ele. Fico louca para questionar, mas me calo.
— Eu comprei o sítio porque a minha namorada da adolescência amava este lugar. —
Mantenho a postura neutra, só que internamente é impossível fingir que não fico feliz por ter
algo pessoal dele também. — Tinha sido da sua família na infância e repassaram para outro
comprador antes que eu recuperasse. Quando ela morreu, pouco tempo depois, perdeu a graça
pra mim.
— Nossa, eu sinto muito — digo sincera, apesar do incômodo que comicha a minha pele
por ter ciência dessa garota. O que soa ridículo, levando em conta que Marcus é casado com
outra mulher. — Fico muito sentida com pessoas que morrem jovens. Lis e Sofia já me tiraram
muito o sono com essa preocupação.
— É triste mesmo, ainda mais deixando um bebê pra trás. Tivemos um filho antes da sua
partida; hoje ele tem a sua idade. — Tento controlar minha surpresa e não demonstrar nenhuma
reação. Quando Laila jogou um monte de informações em mim, podia jurar que o seu único
herdeiro era do casamento com Tereza. Não fiquei fuxicando sobre isso. — O instituto foi uma
forma que encontrei de homenageá-la, a primeira doença que estudamos foi o aneurisma
cerebral.
Caramba! Marcus é de fato surpreendente. A cada nova descoberta, só consigo ficar mais
admirada por sua personalidade.
— Foi um gesto extraordinário que tem ajudado centenas de pessoas. Não sou muito
religiosa, mas aposto que onde quer que esteja, essa jovem ficou orgulhosa do homem que se
tornou.
— Eu gosto de pensar que sim. — Ele sorri fraco e meu peito se enche de adrenalina;
desejoso em fazê-lo enxergar o que vejo.
— Tenha certeza que sim! Em poucas semanas, tivemos um avanço enorme em casa. Se
minha irmã fica bem, automaticamente minha sobrinha vive mais tranquila; independente que
ainda não tenha uma cura pra sua doença. Isso sem contar o peso que diminuiu nas minhas
costas. Acredite, eu venho carregando um fardo fatigante há anos.
Marcus se aproxima de mim na água e a forma calorosa que me encara faz as borboletas
alçarem voo pela segunda vez no meu estômago. Viver essa sensação é muito melhor do que ler
nos livros.
Seu olhar não é de um jeito sexual, ao contrário. É de uma forma… uma forma carinhosa.
— Posso perguntar uma coisa? — Não deveria, porém, me vejo assentindo ao seu pedido.
— Se for indelicado ou não quiser responder, não tem problema. Eu vou entender. — Aceno
mais uma vez, concordando de forma silenciosa. Bom senso? Avisei que está estragado lá atrás.
— Você começou a se pro… a trabalhar nessa área por causa da doença da Lis e a situação de
dependência da sua irmã?
Pessoal demais.
Uma conversa que não deveria ter com clientes de jeito nenhum.
Penso em mudar de assunto, focar no lado da transação comercial, só que como sempre a
vontade de me abrir com ele nubla meu juízo.
— Foi antes, com 19 anos. Quando ela ficou grávida, já não tinha condição de sustentar
uma pessoa, muito menos um bebê. Comecei em um bordel barato no meu bairro e foi piorando
à medida que os sintomas da Lis surgiram e gastamos uma fortuna com exames. A Ishtar hoje é o
céu pra mim, tendo em vista os lugares que frequentei e o que tive que aguentar.
— Muito ruim assim? — O seu semblante parece tão preocupado ao perguntar que, de
novo, a resposta vem fácil.
— Muito! — admito, encarando a água para desviar do seu olhar. — Eu fui atriz pornô por
um tempo, a pior época da minha vida. Viralizei com uma produtora de merda e meu rosto ficou
reconhecido demais. Por isso, passei a usar a lace loira e a me camuflar fora da Ishtar. Tenho
pavor que alguém faça associação entre essa época e o que sou agora. Não tinha paz em nenhum
lugar que eu ia.
Um dos maiores arrependimentos da minha vida foi ter clicado em um anúncio online
para fazer um vídeo sensual, valendo uma quantia enorme para mim na época. Foi de forma
“inocente” que me vi cada dia mais afundada na merda.
— Porra, não acredito que te infernizavam desse jeito. — O seu tom aumenta, sério, e o
seu corpo chega ainda mais perto do meu.
— Inferno é eufemismo. Fui humilhada pela produtora, por homens que assistiam, por suas
esposas enciumadas… — Não tenho dúvidas que Laila salvou a minha vida conseguindo me tirar
desse meio. — Se tivesse continuado, eu teria acabado como a Sofia mais cedo ou mais tarde. Só
que não haveria ninguém pra lutar por mim e a essa hora estaríamos nós duas debaixo da terra,
com a Lis em um orfanato.
Por mais que me doa verbalizar essas palavras, não é exagero. Eu estava surtando com a
exposição e com o tratamento que recebia. O ápice para meu descontrole foi a produtora inventar
de gravar um filme em que a protagonista sofria um estupro coletivo.
Claro, eu neguei na mesma hora; mas minha negativa não só foi ignorada, como os filhos
da puta batizaram a minha bebida e deixaram a cena “realista”, me violentando de verdade – ao
vivo e em cores.
Quando eu vi a filmagem, vomitei de nojo de mim e do que estava me prestando a fazer.
Tentei cair fora, voltar para o bordel barato do meu bairro, no entanto, o contrato tinha uma
cláusula de ruptura altíssima e os desgraçados sabiam apelar para o meu emocional fodido.
Essa realidade só mudou em uma das festas de aniversário da Hot Immersive. Os donos da
produtora conseguiram se infiltrar no evento e me obrigaram a ir junto devido ao meu sucesso,
porém, ainda estava muito mal e acabamos discutindo porque “eu não sorria o suficiente para as
pessoas”. Um deles, alcoolizado, perdeu a paciência e partiu para a agressão física.
A filha dos anfitriões presenciou tudo e se tornou minha protetora, desde então. Embora
petulante, a produtora meia-boca não tinha peito para bater de frente com personalidades tão
influentes do meio.
Os pais da Laila já foram atores pornô de renome, e ficaram ainda mais famosos como
empresários, por investir em produções elaboradas com foco nas mulheres. A maior parte dos
vídeos da Hot Immersive é feita internamente e há um controle rígido de qualidade. Por
exemplo, é o único site brasileiro que oferece remuneração adequada para o elenco, só contrata
profissionais maiores de idade, e não aceita conteúdos que fazem apologia a crimes.
— Se você tivesse outra forma de cuidar da sua família financeiramente, teria entrado
nesse mundo?
— Se fosse algo que dependesse de mim, e eu conseguisse bancar tudo que está nas minhas
costas, jamais! — respondo, sincera.
Diferente da Laila, nunca vi glamour nenhum em estar nesse meio e adoraria ter outra
carreira. Comigo foi pura necessidade, e para ela uma escolha natural devido ao negócio familiar
lucrativo e a sua criação liberal. Eles fazem funcionar à sua maneira; a única regra dos seus pais
é não estar presente na produção e nas filmagens da filha.
Ficamos em silêncio por um momento, apenas curtindo o frescor da água. Percebo pelo
canto de olho que Marcus está um pouco agitado, como se também quisesse compartilhar algo.
Quase quebro uma das poucas regras que ainda estou cumprindo até agora, e engato uma
série de perguntas sobre ele, mas sua voz ressoa pelo ar antes que eu tenha oportunidade de falar.
— Se eu te contar algo importante que teremos que deixar aqui nesta cachoeira, você me
conta também?
— Eu diria que já contei muita coisa hoje e nos últimos encontros, mas vai... tá bom.
Você começa!
— Eu não estou traindo a minha esposa com você. Tereza e eu só somos casados no
papel, há dois anos — afirma com pressa, como se quisesse apagar as palavras com o vento. —
Aquele quarto que ficamos na minha casa não é nosso; apenas meu. A gente não tem nenhum
contato físico, fora pequenos gestos em público. Somos amigos e fizemos um acordo que nos
beneficia comercialmente, por causa das nossas empresas e do status que conquistamos juntos.
Os pais dela e os meus nem imaginam isso.
Fico tão chocada com a informação que nem sei o que dizer. Por dentro, meu sangue
corre mais rápido pelas veias, enaltecendo que gostei mais do que deveria dessa informação.
Ele não é um infiel babaca, como muitos clientes que atendo na Ishtar.
— É a sua vez, precisa me contar algo! — Percebo seu tom ansioso, acho que realmente
ele não pretendia me falar essa informação por respeito à Tereza e ao que combinaram.
— Eu já sonhei em ser escritora, tive vários livros publicados online na adolescência. —
Uso a sua técnica e falo rápido, sem pensar demais. — Passei seis anos sufocando esse lado
criativo, mas esta semana não resisti e comecei a escrever de novo. Tenho metade da história no
meu celular.
— Caralho, Cecília, que incrível! — elogia com admiração. — Você pretende voltar a
escrever? Vai publicar?
— Nenhum um, muito menos o outro — aviso, diminuindo seu sorriso. — Até porque é
uma história em que nós dois somos os protagonistas. Uma prostituta em um caso secreto com o
CEO.
— Nós dois? — Tento captar algum sinal de que ficou incomodado ou bravo com isso,
mas Marcus continua me observando com o que parece orgulho pelo brilho nos seus olhos.
— Fica tranquilo, o nosso segredo ficará em páginas nunca publicadas.
— Minha única preocupação no momento é se, pelo menos eu, vou poder ler. Tenho
certeza que está surpreendente.
— Prefiro manter só pra mim. Estou fazendo pra passar a vontade e jogarei fora depois.
— Isso é um desperdício! — comenta, cortando qualquer pequena distância que havia
entre nós. — Me responde só uma coisa, no livro você descreve, tipo, tudo? Estilo Cinquenta
tons de cinza?
— Você conhece Cinquenta tons de cinza? — Sorrio e noto seus olhos focarem nos meus
lábios.
— Qualquer ser humano que está na Terra ouviu pelo menos falar.
— O meu é um erótico bem detalhista também, nada de “e se amaram a noite toda” —
confesso, ampliando a risada.
— Uma cena de sexo na cachoeira seria bom para o livro, não acha? — o filho da puta
provoca, enlaçando a minha cintura.
Estamos aqui há horas e nenhuma alma viva apareceu. Sofia e a Lis com certeza não vão
sair de perto do pônei; é segura a nossa exibição pública.
— Ótima ideia, eu posso treinar a descrição de ação em ambiente inusitado.
— Pois então, use e abuse da sua cobaia. Eu prometo executar um bom papel.
Ele sempre executa o melhor papel!
Apoio a minha mão no seu ombro e Marcus sobe a sua livre para a minha nuca, puxando
levemente para trás a fim de facilitar que se incline e morda do meu queixo até o lábio inferior.
Mordo o seu também e tomo a iniciativa de iniciar o beijo, avançando sem pudor com a
minha língua para a nossa dança fervorosa. É instantâneo o choque de adrenalina que sobe pelas
minhas veias, incendiando minha corrente sanguínea em um passe de mágica.
Viramos uma mistura excitante de respirações entrecortadas e saliva. O som da água se
movimentando mais rápido à mercê dos nossos corpos afoitos só deixa o clima ainda melhor.
Marcus desce a mão da minha cintura para a bunda e me aperta contra si, permitindo que
eu sinta a sua ereção já evidente. Sempre disseram que a água fria diminuía o tamanho do
documento, mas é claro que a regra não se aplica ao CEO gostoso do Emília Lobato.
Perto demais da minha intimidade, ele contorna o biquíni e se infiltra no tecido para me
masturbar. Dois dos seus dedos deslizam facilmente pelas minhas paredes internas já molhadas,
enquanto a sua língua continua me dominando e os dentes me castigando.
Roço meus seios no seu torso nu e rebolo contra a sua mão, buscando o melhor ângulo
para o meu prazer. Marcus responde indo mais fundo e ainda mais rápido, intercalando me foder
com seus dedos e provocar o meu clitóris.
Ofego na sua boca, mesmo que não me permita sair do ataque da sua língua, sentindo um
puxão subir pela minha virilha. Ao perceber que cumpriu seu objetivo de me deixar necessitada,
Marcus me puxa para o seu colo como se eu não pesasse nada e começa a me arrastar mais para
o fundo.
— No canto direito... — ele diz em um arfar, beijando meu pescoço enquanto caminha.
— Uma das rochas grandes que formam a queda da cachoeira tem bastante pedra no entorno...
será nosso... apoio.
Murmuro uma concordância, focada demais na sua língua me lambendo. A água cobre
bastante do Marcus pelo caminho que segue, mas ele não deixa que passe dos meus ombros e
molhe meu cabelo.
Quando paramos, percebo que as pedras que mencionou formam uma espécie de escada,
onde é possível sair um pouco da água. Subimos até liberar metade das suas coxas e ele me apoia
na parede alta da rocha principal.
— Você estava com um preservativo no bolso da bermuda esse tempo inteiro? — Sorrio
ao vê-lo pegar o pacote e abaixar a roupa apenas o suficiente para se movimentar.
— Você me transformou em um velho tarado; quero estar sempre prevenido — comenta
rindo, sem parar de mover as mãos.
Assim que está protegido e pronto, volto a ser pega no seu colo.
— Você vai ter uma imagem linda pra descrever no seu livro enquanto meu pau está
enterrado na sua boceta — sussurra no meu ouvido, eriçando os pelos do meu braço. — Repare
ao redor!
Olho para frente, realmente focada desta vez, e... meu Deus! Consegue ser ainda mais
fascinante do que achei quando cheguei.
Há um conjunto de montanhas ao fundo na lateral esquerda, embelezadas por um céu
azul sem nenhuma nuvem. A posição ainda oferece uma visão periférica incrível da cascata
caindo e de dezenas de arbustos verdinhos que emolduram a paisagem.
— Nossa, Mar...
A minha frase morre no meio ao ter o biquíni colocado às pressas para o lado e ser
preenchida por ele. Duro e fundo. Marcus engole meu gemido, voltando a me beijar, e a visão
fica turva com suas estocadas firmes que me chacoalham contra seu corpo e me fazem ser
imprensada contra a rocha.
Agarro seu cabelo, mantendo o equilíbrio com a ajuda dos seus ombros, enquanto minhas
pernas batem contra a água respingando gotas para todo lado.
— Mais... mais forte! — comento, ofegante e inebriada, dentro da sua boca. Cheia de
tesão.
Novamente perco a fala com sua arremetida e o corpo pesado que vem para cima de mim.
Seu membro desliza fácil pela minha umidade, entrando até suas bolas chocarem contra minha
pelve. Mal consigo manter um pensamento lógico.
— Contemple a paisagem, Cecília — Marcus ordena, mordiscando meu lábio antes de se
afastar do meu rosto. — Ela é tão incrivelmente sem descrição como você.
Borboletas, malditas borboletas, surgem dentro de mim. Meu peito infla com seu
comentário esquentando minha pele de um jeito diferente de apenas luxúria.
Ele... isso... nós...
Um grunhido escapa da minha boca assim que sinto Marcus bombear uma estocada que
parece alcançar o meu âmago de tão profunda. Meus batimentos cardíacos explodem em um
ritmo cadenciado junto com as arremetidas que vêm em seguida.
Quando o orgasmo chega, meu grito reverbera através dos arbustos e uma revoada de
pássaros voa no céu, como se estivesse apenas esperando o momento perfeito para aparecer.
Me sinto como eles, voando livre como nunca.
Mesmo que esse passeio maravilhoso tenha prazo de validade.
Olho para trás sem parar de caminhar, sentindo um incômodo estranho. Avisto um grupo
de enfermeiros, alguns residentes e Telso focado em uma ficha que está na sua mão.
Aparentemente nada de errado. O pior é que não é a primeira vez esta semana. Por vários
momentos, me senti dessa forma, como se algo estivesse fora do lugar. Ou alguém estivesse me
vigiando.
Resolvendo deixar para lá por enquanto, porque tenho algo mais importante agora, ignoro
a impressão e continuo andando na direção do instituto. Cecília, Sofia e Lis já devem ter chegado
e quero ter um tempinho para conversarmos antes da pequena iniciar sua consulta da semana.
Assim que entro no prédio e as vejo na recepção, aguardando o horário para subirem,
todo incômodo que sentia dá lugar a um formigamento que começa na minha mão e vai subindo
pela minha pele até encher meu pulmão de ar.
— Titio Gota, olha você aí! — A criança vem de encontro a mim e me abraça pelo
quadril.
Me inclino para receber o carinho de forma adequada, sem conseguir segurar o sorriso
que nasce no meu rosto.
— Como passou a semana, princesa Lis?
— Passei boazinha. E o meu pônei vivo, está bem? — Eu definitivamente perdi uma
posição importante no seu ranking de prioridades.
— Falei com o pessoal que trabalha lá no sítio ontem, eu sabia que você ia querer saber
dele. Me mandaram uma foto atualizada, olha só! — Pego meu celular no bolso da calça e
mostro o bicho pastando no campo sem nenhuma preocupação.
Lis tira o aparelho da minha mão e abraça a tela, de novo com olhinhos brilhantes de
contemplação e o semblante radiante.
Isso não tem preço.
— Ele está lindo de bonito, já tô morrenu de saudade.
— Qualquer dia desses, podemos ir lá de novo pra você não ficar com tanta saudade —
repito o que disse na hora que voltamos no domingo passado.
Lis até chorou não querendo sair de perto do pônei.
— Não fala isso mais não, ela vai nos atazanar com essa frase. Passou a semana
inteirinha perguntando quanto tempo era “qualquer dia desses” — Cecília entra na conversa,
bem-humorada, me fitando daquele jeito que paralisa o ambiente ao redor.
Não consigo mais ficar ao seu lado e não me lembrar de tudo que compartilhamos nas
nossas últimas conversas. Saber o que sei a torna ainda mais bela, o que poderia ser considerado
humanamente impossível.
Depois de domingo, nos encontramos na segunda no motel e na quinta na Ishtar. Todos
os momentos íntimos e profundos; dificultando a tarefa do meu coração em se controlar.
Confesso que está sendo muito bom me abrir com ela, além de ouvir.
Contar sobre meu casamento de fachada foi como tirar um peso dos ombros, ainda me
pego pensando na forma que seus olhos brilharam no momento, como se estivesse aliviada em
saber.
Também me surpreendi por falar tão abertamente da Maria Isabel, costuma ser um
assunto difícil para mim. Com Tereza, demorei mais de um ano de relacionamento para ter
vontade de conversar e ela convivia com Noah na mesma casa.
— Sofia Santos — a recepcionista interrompe antes de nos perdermos entre olhares mais
uma vez. — Sua filha já pode subir.
Me preparo para acompanhá-las e conversar mais um pouco, no entanto, minhas pernas
paralisam no lugar ao avistar ao longe Telso, Noah e outros três residentes atravessando o
corredor que dá acesso ao instituto.
Agorinha vi o marido da minha tia trabalhando no hospital. O que veio fazer aqui?
De repente, me sinto incomodado de novo. Não confio no Telso e muito menos gosto
dele no mesmo ambiente delas.
— Vão indo, na saída eu reencontro com vocês— instruo, desviando o foco para o
elevador. — Vou precisar conferir uma questão agora.
— Volta mesmo, hein, titio Gota. Quero ver mais um pouco o poneizinho. — A pequena
entrega o celular na minha mão e eu sorrio, confortando-a.
— Já, já estou de volta. Pode deixar!
Acompanho as três, garantindo que vão sair da recepção rápido, e aceno para Cecília e
Sofia, tentando ser o mais normal possível. Acho que nenhuma delas percebe meu desconforto;
às vezes eu estou mesmo com pressa e não posso ficar muito tempo.
Assim que a porta se fecha e somem da minha visão, eu me viro apressado e sigo rumo à
saída do prédio como se nada tivesse acontecido. Nos encontramos logo na entrada e eu paro
para que dê tempo das meninas se dispersarem lá em cima.
— Bom dia, doutor Marcus! — É o marido da minha tia quem cumprimenta primeiro,
seguido dos demais.
— Bom dia! — Olho para todos com um sorriso contido. — Por que vocês estão aqui no
instituto?
Normalmente, temos equipes bem distintas que não se misturam.
— A sua mãe estreitou laços com a equipe de jornalistas da Medical Magazine, que
entrevistou a sua irmã, e armou um espacinho para o hospital em uma matéria que será capa
daqui a dois meses sobre os melhores programas de residência das Américas — Telso explica,
me encarando de uma forma inconveniente como se avaliasse cada reação que eu tenho à notícia.
— Para melhorar ainda mais nossa imagem, ela me pediu que refizesse o cronograma dos
residentes e inserisse um rodízio diário aqui no instituto como um braço social do nosso
programa. Hoje está sendo o primeiro dia.
— Ela decidiu tudo isso sem me comunicar? Está mudando o cronograma dos residentes
pra aparecer na mídia? — Franzo o cenho, achando essa história incomum.
Dona Rita não está de muita conversa comigo esta semana. Desde domingo, quando fui
embora e não fiquei para as fotos, tem se mantido mais quieta. Porém não costuma tomar
nenhuma atitude fora da comunicação sem meu aval.
— Bom, eu cumpro ordens, doutor Marcus. É melhor fazer essas perguntas a sua mãe.
Com licença, preciso conversar com o coordenador responsável e liberar o pessoal para iniciar os
trabalhos.
Fito Noah, tentando captar alguma coisa nas suas feições, porém, meu filho também
parece me observar com um olhar avaliador. Isso está muito atípico.
O grupo segue seu caminho e eu chego a entrar no hospital com a intenção de ir à sala da
minha mãe. O problema é que a sensação de que algo está errado aumenta a cada passo, me
deixando angustiado. É forte e insistente, sem nenhuma explicação médica plausível. Meu peito
dói como se soubesse que Cecília precisa de mim.
Puta que pariu, foda-se que não faz sentido!
Dou meia-volta e caminho apressado até o instituto. Ao chegar à recepção e notar que os
dois elevadores estão em uso, eu subo pela escada mesmo o mais rápido possível, fingindo
sorrisos calmos e acenos para quem passa ao meu lado.
Vou direto à sala de espera dos acompanhantes e nem ela nem sua irmã estão lá. Permito
que meus instintos me guiem e decido verificar o setor que Lis é atendida. Talvez tenham ido
deixá-la lá e ficaram pelo caminho. Dito e feito. Vejo Cecília no meio do corredor sendo
segurada pelo braço com brusquidão por Noah. Sofia está ao lado, aos prantos e parecendo
desnorteada.
Apesar desta ala ser mais reservada, porque é para atendimento apenas de crianças, há
pessoas a uma certa distância observando a cena com curiosidade. Merda! Sigo em disparada
tentando entender que porra está acontecendo e perco a noção de discrição ao chegar mais perto
e escutar o que estão falando.
— Responde de uma vez! — meu filho exige baixo, mais nervoso do que nunca o vi. —
O que você está fazendo aqui, sua puta?
— Tira a mão dela agora, Noah! — ordeno, mais alto do que deveria, empurrando o
garoto para o lado.
Meu filho se desequilibra e bate o tronco na parede próxima. Eu seguro o braço da
Cecília que estava sendo pressionado com cuidado, me aproximando do seu corpo com uma
necessidade pungente. Seus olhos estão assustados, e antes que possa perguntar se está bem, as
próximas palavras a deixam atônita e boquiaberta.
— Não é o que você está pensando, pai. Essa garota…
— Pai? — A sua voz ressoa sussurrada e chocada, me fazendo ignorar qualquer coisa que
sai da boca do Noah. — Você é pai dele?
Pisco, ainda mais confuso. Não faço ideia do que houve. Será que meu filho já foi cliente
da Cecília alguma vez?
— Espera aí, vocês dois se conhecem? — Noah volta a chegar perto dela e eu o encaro,
bravo. — Porra, não é possível! Ela é a garota que tem uma irmã e uma sobrinha por quem você
anda obcecado? Quando a vó Rita me pediu ontem pra me aproximar de uma criança que você
está ajudando, nunca…
— Sua vó pediu pra se aproximar da Lis? — Dou um passo na sua direção, enxergando
tudo cinza. — Você vai me contar exatamente o que está acontecendo!
— Estava bom demais pra ser verdade. É claro que daria errado, sempre dá errado.
Sempre.
— Calma. Respira fundo! — Desisto de exigir uma resposta do meu filho agora ao
escutar o choro da Sofia aumentar e sua irmã tentar consolá-la nitidamente abalada.
Cecília está pálida e seu polegar bate freneticamente contra o dedo mindinho. Com uma
olhada rápida ao redor, percebo que estamos chamando ainda mais atenção. As poucas pessoas
do início aumentaram e estão se mexendo inquietas, querendo ouvir algo.
Ciente de como já sofreu com exposição indesejada, e para evitar que Lis veja sem querer
qualquer coisa caso apareça no corredor, eu foco em um grupo de enfermeiras que está na sala
mais próxima e peço com um aceno de mão para liberarem o local.
Enquanto vão deixando o espaço livre, apoio as costas das duas e as direciono para lá às
pressas. Quando estou dentro e quase fechando a porta, Noah entra também.
— Volta para o hospital — mando, ríspido. — Depois eu falo com você!
— Não, pai, espera! — Ele segura no meu braço, novamente nervoso. — Você precisa
me ouvir antes que ela conte mentiras a meu respeito e tente te enganar.
— Você é muito cara de pau, como sempre está preocupado só com o seu rabo. Aposto
que seu pai não faz ideia do filhinho que tem.
— Cala a boca, Cecília!
— Abaixa esse tom e tenha respeito com ela! — exijo, fechando a porta para evitar atiçar
ainda mais a curiosidade das pessoas próximas.
Aponto com a cabeça para a janela e todos seguimos para o lado oposto da sala. Quanto
mais longe da porta, menos chances de alguém ouvir o teor da conversa.
— Como você o conhece? — pergunto olhando para Cecília.
— Ela é uma mentirosa, pai! Vai dar ouvidos a uma garota de programa e atriz pornô ao
invés do seu próprio filho? A vagabunda tentou me dar o golpe e, quando não conseguiu nada,
usou a irmã pra enrolar o meu melhor amigo.
— Eu dar o golpe, seu desgraçado idiota?! — Os olhos dela se enchem de lágrimas.
Enxergo raiva e tristeza duelando na sua íris.
— Não vou repetir, porra! — Desvio a atenção para o meu filho, dando um tranco no seu
peito com a mão. — Controle sua boca e não interrompa quando eu estiver falando com outra
pessoa.
Cecília esfrega as têmporas, como se estivesse com muita dor de cabeça, e olha para o
teto, inspirando fundo. Toco mais uma vez no seu braço, preocupado com ela.
Ninguém fala nada por alguns segundos.
— Esse tal melhor amigo do seu filho é o pai da Lis — Sofia quebra o silêncio, com a
voz trêmula de choro. Ela já percebeu que a sua irmã não está em condições de falar e não quer
deixar passar a oportunidade de esclarecer as coisas.
— Como vocês se conheceram? — pergunto olhando para ela, mas sem parar de tocar a
Cecília.
— Em um projeto social no bairro que morávamos. Noah passou a frequentar nossa casa
com o Enzo praticamente todos os dias. — Eu me lembro dessa época; meu filho se inscreveu
para conseguir créditos no intercâmbio americano. — No começo, era só de noite, depois que
terminavam o trabalho na ONG e Ceci chegava do serviço. Mas com o tempo, os dois passaram
a ir de dia para usar escondido as drogas que compravam de traficantes da área.
— O quê? — Encaro Noah, perplexo.
— É mentira, pai. Eu nunca usei drogas! — nega apressado, a pupila dilatada.
Mesmo que eu não acreditasse em Sofia – e eu acredito –, a resposta estaria estampada no
seu desespero.
— Usava e não era pouco! Aposto que ainda usa com aquele imbecil.
Agora, pensando bem, eu sei quem é esse menino. Não tinha ligado o nome à pessoa.
Noah vivia grudado com o rapaz para tudo quanto é lado; queria muito que ele trabalhasse no
Emília Lobato, mas pegou várias DPs na universidade e ainda não se formou.
— Para de enganar meu pai, Sofia! Ele me conhece, eu sou um médico dedicado. Vivi
anos para os estudos e agora pra este hospital. Não iria arriscar minha própria saúde e dos
pacientes, jamais.
— Lembra quando a minha irmã disse que tentou avisar um dos amigos do pai da Lis
sobre o diagnóstico de Huntington? — Aceno com a cabeça, olhando da garota chorosa para
Cecília imóvel perto de mim. Ela não abriu mais a boca e não deixou nenhuma lágrima cair. —
Foi para o seu filho, “médico dedicado”, que contou e foi ignorada achando que era mais uma
tentativa de golpe. Ao invés de considerar a doença, Noah humilhou a minha irmã mostrando
vários vídeos pornôs que ela tinha participado para nos sustentar, desde que fui abandonada com
um bebê e um vício que ele ajudou a alimentar.
Meus batimentos se alteram, por um motivo bem diferente do que vem acelerando nos
últimos tempos, e trazem um gosto amargo de decepção para a minha boca. A versão que eu
conhecia do meu filho e essa são totalmente antagônicas.
Como se eu vivesse com uma ilusão.
— Eu tinha 15 anos! — Sofia toca seu peito, desabafando com a respiração entrecortada.
— Seu filho sabia que eu era menor de idade e não fez nada pra impedir o amigo de me enrolar
e me levar pra cama sem a minha irmã fazer ideia de nada! Quando contamos da gravidez, os
dois nos acusaram de interesseiras e foram embora viver suas vidas como se nunca tivéssemos
estado nelas.
Porra! Eu não consigo nem imaginar como foi difícil para duas jovens sem apoio lidarem
com tudo isso sozinhas. Quero dizer como sinto muito, e declarar a decepção ao saber que meu
próprio filho participou desse passado triste, porém, sou impedido pela porta da sala que se abre
com rispidez.
Minha mãe entra com meu pai e o Telso a tiracolo. O ar no ambiente fica
automaticamente mais denso pela forma que ela me fuzila com o olhar. Encaro-a com a mesma
irritação, me lembrando do que Noah disse sobre a avó pedir para se aproximar da Lis.
Ainda há muito nessa história para esclarecer e não vou sossegar até descobrir cada
detalhe.
— Que merda deu na sua cabeça, Marcus? — A senhora elegante que entrou na sala está
com o semblante fechado e a postura rígida. Afasto meu braço do contato de Marcus para evitar
mais confusão. — Todo prédio está fofocando sobre uma briga entre você e o seu filho, no meio
do corredor, por causa de mulher.
Cerro os dentes enquanto ela se aproxima de nós perto da janela, obrigando minha mente
a se acalmar e não me deixar chorar. Me recuso a derramar mais uma lágrima que seja por algo
que o idiota do Noah fez.
Ainda mal posso acreditar na filha da putice do destino que me fez gostar do pai do único
garoto que eu já tinha me apaixonado – e me decepcionado profundamente – na vida.
A semelhança física entre eles fica tão óbvia agora que não sei como não pensei nisso
antes. Talvez inconscientemente meu corpo sempre tenha percebido e, por isso, se sentiu
envolvido pelo homem mais velho.
Se eu tivesse pesquisado direito a vida do Marcus, assim que Laila me contou quem ele
era, teria colocado um ponto final nessa aproximação meses atrás.
Antes de me permitir gostar tanto dele.
Antes de deixá-lo fazer parte da vida da minha sobrinha e da minha irmã.
Burra. Burra. Burra!
É claro que nada seria fácil para mim; novamente me iludi e vou recolher os cacos
sozinha. Será um caminho ainda mais árduo desta vez porque Sofia e Lis estavam finalmente
felizes e voltaremos à estaca zero.
— Isso só aconteceu porque você mandou residentes aqui sem me consultar e queria
botar o seu neto pra espionar uma criança — Marcus responde, impaciente. Saber que a senhora
é sua mãe só piora meu incômodo em estar nesta sala. — Por que fez isso?
— Eu não nasci ontem, sabia que tinha algo errado desde domingo passado quando você
foi embora às pressas do hospital. Investiguei o que anda fazendo e descobri suas visitas todo
sábado no instituto, na presença de uma criança e duas garotas que poderiam ser suas filhas. Isso
sem contar várias saídas suspeitas durante a semana, que estava tentando averiguar sem chamar
atenção demais. — Meu peito se comprime e eu preciso morder o lábio com força para o choro
não vencer minha luta. O rumo da conversa segue ladeira abaixo. — Inventei, sim, uma história
sobre a matéria na Medical Magazine pra justificar a mudança dos residentes. Mandei, sim, o
Noah se aproximar da criança pra descobrir a ligação de vocês. Estava rezando pra estar errada,
pra você realmente só estar ajudando uma menininha doente, porque jamais faria algo assim com
a Tereza e com o nome da nossa família, mas pelo showzinho de hoje, alguma coisa tem!
— É por isso que eu passei a porra da semana inteira incomodado. Você não tinha o
direito de invadir minha privacidade dessa forma, mãe — Marcus xinga, mais bravo. — O que
eu faço ou deixo de fazer é problema meu, já sou um homem de 44 anos.
— É claro que eu tinha o direito, se vai respingar na imagem da nossa família! No legado
que demoramos anos pra construir!
— Vó, é muito pior do que pensa — o idiota se mete, me fazendo tremer de ódio. Desde
o momento que me viu, sua única preocupação é virar o jogo com medo da sua imagem ser
manchada. Sofia se aproxima de mim e entrelaça nossos dedos. — Antes mesmo que eu
chegasse na sala que a criança está em consulta, reconheci as garotas que estavam indo para o
local de espera dos acompanhantes. São duas picaretas mentirosas, inclusive, Cecília já fez
vários filmes pornôs. Pelo jeito que estão cheios de intimidade, tenho certeza que meu pai está
traindo a Tereza com essa garota de programa. Talvez até pegando as duas irmãs!
— Meu Deus do céu! — A senhora cambaleia para trás e os outros dois homens que
entraram com ela a seguram pelas costas. — O seu casamento é uma base sólida para tudo que
este hospital se tornou. Como você vai lidar com os pais da Tereza? Imaginou tudo que a
imprensa vai dizer sobre a sua traição com uma atriz pornô?
Puta que pariu, eu quero sair daqui.
O caos se instaura de vez quando Marcus se vira na direção do filho e tenta segurá-lo
pelo colarinho do jaleco. O senhor que parece mais velho entra na frente para impedi-lo de
conseguir.
— Ao invés de desrespeitá-las pela enésima vez e falar merdas que não sabe, por que não
começa contando o que elas disseram a seu respeito, Noah?
— Cale-se, Marcus! — Pela autoridade, deve ser o seu pai. — Seja o homem que diz ser
e assuma você suas merdas. Não é hora de ficar arrumando problema paralelo diante da
gravidade de ter trazido prostitutas, amantes, o que seja para dentro do nosso bem mais precioso.
Você acaba de colocar o hospital, a sua família, a sua carreira e o seu casamento em risco por
nada.
Nada.
Eu sou um nada que pode ferrar a vida do Marcus em todos os aspectos.
Eu preciso ir embora.
— Tire essas garotas daqui o quanto antes, Telso — a sua mãe orienta, com as mãos
trêmulas como as minhas no peito. — As paredes têm ouvidos e estamos nos expondo demais.
Não quero nem pensar no que pode acontecer se essa fofoca de briga entre pai e filho se espalhar
além do instituto, se um desses absurdos cair na mídia e descobrirem quem essas garotas
realmente são…
— Nem pense em colocar as mãos nelas! — O CEO do Emília Lobato volta para perto de
mim e impede o tal Telso de se aproximar. — Lis está sendo acompanhada e não vai…
— É melhor a gente ir… — concordo com a voz embargada, e ele imediatamente se vira
para olhar nos meus olhos. — Essas pessoas estão certas. Tem muita coisa em jogo pra você e
também pra nós. A última coisa que eu quero é virar alvo de fofocas.
Engulo em seco com a forma compreensiva que me encara e parece ler a minha alma com
seus olhos azuis cristalinos. As lágrimas voltam com tudo e, desta vez, não consigo reprimi-las a
tempo.
— Cecília… — Ele levanta a mão para me tocar, mas imploro com o olhar para não fazer
isso e dar mais munição para a sua família.
Eu só quero paz, quero minha privacidade de volta sem ninguém me reconhecer.
— Por favor… — sussurro para que só Marcus e minha irmã ao lado ouçam. — Não
posso lidar com isso de novo!
— Mas, e a evolução da Lis, a melhora da Sofia, a gente…
— Com a minha sobrinha e a minha irmã, eu me viro, como sempre… — O restante da
frase fica preso na minha garganta, em uma briga da minha mente e do meu coração para colocá-
la para fora. Mais uma lágrima escorre pela minha bochecha. — Sobre a gente, no fundo
sabíamos que uma hora teria que acabar, e essa é a hora antes do pior acontecer.
— Anda logo com isso, Marcus! — a sua mãe volta a pedir, exasperada. — Você sabe o
que precisa fazer. Seu casamento e o hospital são a prioridade.
Balanço a cabeça assentindo para a decisão e aperto a mão da Sofia, pedindo
silenciosamente que nos tire daqui. Sozinha, não sou capaz de me mover do lugar. Quando ela dá
o primeiro passo, eu só me deixo levar como o rio pela correnteza.
Não olho para trás.
Não olho mais para ele.
Meu coração se quebra, pela segunda vez.
E dói incomparavelmente mais do que da primeira.
— Deixe-as irem sozinhas! — Seguro o braço de Telso antes que se atreva a segui-las.
O marido da minha tia olha para minha mãe a fim de confirmar a ordem e, para evitar
mais conflitos, dona Rita concorda. Tiro minha mão dele com brusquidão e foco na porta por
onde Cecília vai embora a passos largos sem olhar para mim.
Porra! Preciso fazer uma força sobre-humana para controlar meus músculos das pernas
que insistem em enviar um comando para o cérebro querendo ir atrás dela. Na verdade, todo meu
corpo, principalmente meu coração acelerado, não quer aceitar suas últimas palavras e anseia por
conversar.
Só que agora não é o melhor momento. Eu sei disso!
Cecília precisa ficar sozinha com a irmã e a sobrinha para digerir tudo que reviveu; e eu
tenho que resolver assuntos importantes antes de falar com ela de novo.
Independentemente de qualquer coisa que queira fazer, mesmo que colocar um fim no
que tivemos seja seu desejo – e não tenho como negar que é a escolha mais sensata para ambos
–, fica claro para mim as decisões que me cabem.
Tenho que garantir que Lis vai continuar fazendo seu acompanhamento em paz sem
nenhuma interferência. Eu não vou permitir que Cecília carregue o peso do mundo nas costas de
novo por ações de terceiros.
Necessito esclarecer tudo que descobri sobre meu filho. Sinto como se não o conhecesse
mais.
Também preciso ter uma conversa séria com Tereza o quanto antes. Entendo o lado dela
e suas questões de família, porém, cansei dessa merda de aparências. Fiquei muito puto da minha
mãe atrelar o meu casamento à sobrevivência do hospital. Dei duro demais, trabalhando igual a
um filho da puta, de domingo a domingo, para ser reduzido a status social – o que acham ou
deixam de achar sobre meus atos.
Os pais dela não podem fazer nada para prejudicar o Emília Lobato, todos os
equipamentos tecnológicos foram adquiridos com o preço de mercado, temos contratos; ninguém
aqui levou no amadorismo por ser uma relação familiar.
Assim como não tem nada que a gente faça que os prejudique a continuar exportando
mundo afora. Tivemos uma relação mútua de ajuda no início, mas agora ambas têm total
condição de progredirem sozinhas sem um laço matrimonial.
Fora que carregar o rótulo de “traidor” e “amante” me incomoda, assim como a questão
da aliança me deixava inquieto com Cecília. Nós não fizemos nada de errado, somos dois
solteiros em um relacionamento como milhares de pessoas por aí.
Não quero que meus pais tornem isso algo sujo.
— Noah, venha comigo agora! — Começo pelo item que tenho melhor acesso no
momento. — Você vai fazer um exame toxicológico completo neste instante.
O teste de larga janela de detecção é capaz de identificar o consumo de drogas em um
período de tempo mais longo que os tradicionais exames de urina e sangue – pode ultrapassar 90
dias.
Se ele ainda está usando qualquer coisa, eu vou saber e agir imediatamente.
— Pai, você não pode estar acreditando no que elas disseram — ele se desespera de novo,
dilatando a pupila e bagunçando o cabelo com as mãos. — É mentira, eu não uso drogas!
— Que absurdo é esse? — minha mãe se intromete, abraçando-o pelos ombros. — É
claro que meu neto não usa drogas. Essa acusação não tem o menor cabimento.
— As duas inventaram essa história no desespero e…
— Noah, não me faça perder a paciência de novo — alerto, rude, impedindo-o de
continuar a frase. — Você não vai mudar o que eu acredito com esse papinho de coitado. Vai
fazer o exame e vai chamar o seu amigo Enzo aqui no hospital! Eu mesmo vou contar a ele o
diagnóstico seríssimo que você levou na brincadeira. Caso Sofia autorize, será um prazer
oferecer o teste de DNA pra comprovar a paternidade também. Está mais do que na hora de
vocês dois arcarem com as consequências do que fizeram.
Se os exames de controle no hospital fossem feitos pelos familiares, assim como
exigimos dos funcionários, eu já teria descoberto há muito tempo sobre as drogas. Vou mudar
essa regra, estipulada por minha mãe e que nunca havia pensado a respeito antes, assim que
possível.
Ser um Lobato não significa ser um profissional perfeito.
— Drogas? Diagnóstico? DNA? Consequências? — meu pai repete, chocado. — O que
de fato está acontecendo?
Repito tudo que descobri e deixo os presentes na sala ainda mais perplexos. Dona Rita e
Noah seguem em negação, Telso apenas observa boquiaberto as informações e o meu pai fica em
silêncio por longos minutos.
— Eu já disse pra pararmos de falar sobre esse caso, as paredes têm ouvidos! — minha
mãe reforça em um tom baixo. — Vamos voltar pra nossa rotina e seguir o dia sem chamar mais
atenção. Nada de exame, nada de conversa com amigo sobre mentiras. Pare de cutucar vespeiro!
— Ele vai fazer! — retruco, decidido. — Não estou pedindo sua opinião; ele é minha
responsabilidade.
— É idiotice…
— Deixe-o fazer o exame, Rita! — meu pai concorda comigo para o desespero dela. —
Se está falando a verdade, não tem nada a esconder. Fora que, se o amigo dele tem Huntington,
também tem o direito da informação. Podemos comprovar facilmente o que está sendo dito com
a ciência.
— Vamos expor nosso neto para os funcionários e trazer erros de adolescentes à tona!
Isso pode vazar e…
— Mãe, você está se escutando? — Bufo, sem nenhuma paciência para suas neuroses
superficiais. — Eu estou preocupado com a saúde do Noah e com suas atitudes, ele pode estar
atendendo pacientes, drogado; e você só liga pra imagem da família e do hospital. Me poupe, a
vida dele e de terceiros está em jogo! Não tente me impedir que aí, sim, terá um show aqui
dentro.
Antes que a gente comece uma discussão acalorada, puxo Noah pelo braço e começo a
caminhar na direção da saída. Cientes de que estou no meu limite, ninguém mais tenta me
impedir.
Meu filho, com o mínimo de bom senso que lhe resta, fica quieto e apenas me acompanha
sem a necessidade de arrastá-lo. Sigo do instituto direto para a área dos laboratórios do hospital.
No caminho, ligo para Felipe me encontrar lá porque o chefe responsável foi seu
padrinho de casamento e, inclusive, esteve na despedida de solteiro da Ishtar. Explico tudo para o
meu amigo resumidamente e peço que interceda pelo máximo de agilidade e discrição possível.
Apesar de estar puto com minha mãe, e não concordar com a sua obsessão pela imagem
perfeita, prezo pela privacidade do meu filho e não desejo que uma exposição indesejada piore
seu caso.
Se ele estiver viciado em drogas, tomarei as medidas cabíveis sem alarde pelo seu próprio
bem.
Noah faz a coleta do fio de cabelo para o teste e, em seguida, vamos para o meu escritório
esperar Enzo chegar. Ficamos o tempo todo na minha sala e não permito que ninguém se
intrometa – nem mesmo a minha irmã para quem eu também conto o que houve e sei que me
apoia.
É um momento apenas de pai e filho.
A minha preocupação com ele aumenta à medida que as horas vão passando e Noah
muda o comportamento da negação para a apatia. O garoto fica em completo silêncio o resto da
tarde até ao ser xingado pelo amigo que nunca tinha ouvido falar da possibilidade de uma
doença. Embora na Lis tenha se manifestado na infância, a do Enzo provavelmente será dentro
do esperado, entre 30 a 50 anos.
Meu filho tomou muitas atitudes imaturas e irresponsáveis, e não consigo parar de pensar
onde eu estava que não vi nenhum sinal disso.
Quando dá quatro da tarde, o resultado que em média sai em 48 horas fica pronto,
evidenciando minha agonia. É muito pior do que cogitei! O laudo toxicológico aponta um uso
alto de maconha e cocaína, além de uma anfetamina prescrita para ajudar na memória e
concentração de pacientes com TDAH.
Noah provavelmente está se automedicando com doses do remédio, sem ter a condição de
saúde, apenas para manter a fachada de “médico dedicado” e ninguém desconfiar da sua
dependência.
— Eu preciso que você converse comigo, filho. — Me aproximo dele, parado próximo da
janela de vidro da sala, sem esboçar reação à minha descoberta. — Não quero brigar agora; só
quero te ajudar.
Tenho muitas coisas a dizer e repreender, principalmente sua forma de tratamento com as
irmãs no passado e no presente, porém, não vai adiantar cobrá-lo dos seus erros neste momento.
A minha raiva deu lugar ao cuidado. A melhor coisa que posso fazer é tentar ouvi-lo e acolhê-lo
primeiro, assim como Cecília sempre faz pela Sofia.
A dependência química é uma doença e precisa ser tratada pela família com o mesmo
zelo que qualquer outra enfermidade.
— Agora você quer conversar? — indaga baixo, sem desviar os olhos da paisagem à sua
frente.
— Como assim, Noah? — Toco no seu ombro com delicadeza, fazendo-o focar em mim.
— Eu sempre estive disponível pra você.
— Esteve? — pergunta, irônico. — Tem certeza? Você está há 12 anos parado no
tempo, se realmente acha isso. A última vez que me ouviu, eu ainda era um moleque.
Doze anos? Não é possível que ele se sinta assim, nós conversamos sempre. Eu estive
presente na sua vida.
— A minha visão da nossa relação é diferente da sua, eu preciso que você coloque pra
fora o que está sentindo pra eu tentar entender. Por que você acha que eu não te ouço há 12 anos?
Nada, ele fica quieto e desvia o olhar para a janela mais uma vez.
— Por favor, Noah — tento de novo, paciente. — Converse comigo, eu estou aqui agora
e quero te ouvir.
Meu filho não me responde de imediato, demora alguns segundos para me fitar. A tristeza
cintila nos seus olhos azuis; fica nítido também pelos ombros caídos e a boca em linha fina. Me
dói o peito enxergar essa sua confusão de sentimentos, mas é melhor do que a mentira e a apatia.
Pelo menos, tenho uma reação verdadeira agora.
— Na infância, eu tive um pai que era presente e podia contar. De repente, entrei na
adolescência e você me abandonou! Achou que eu já era responsável o suficiente e simplesmente
foi viver a sua vida. — O tom de mágoa é inconfundível, junto com um pouco de raiva e diria até
saudosismo. — Na fase em que mais somos instáveis, você colocou um peso enorme nas minhas
costas de “bom menino” e me deixou me virando sozinho.
Suas palavras pesam no meu peito e me fazem encostar na janela diante do baque. Eu, de
fato, era muito próximo dele na infância, com medo de sentir falta da mãe. Depois que percebi
que se tornou responsável, relaxei nas minhas obrigações como pai.
— Sabe o que é mais irônico? — Ele ri, sem nenhum humor. — Você jogou na cara da
minha vó que ela só liga pra imagem, mas você só pensa em trabalho! Se afundou no desejo de
modernizar o hospital e se tornar o CEO, que eu virei um mero detalhe. Dezenas de vezes eu te
procurei pra gente conversar, quando algo estava difícil na escola, com os amigos, até mesmo
garotas; e minha resposta era sempre “estou ocupado, mais tarde a gente se fala, tenho uma
reunião agora”… Se eu não tinha ninguém para me ouvir dentro de casa, onde acha que
encontrei?
— Quando você usou drogas pela primeira vez, filho? — A pergunta sai baixa, meu
corpo ainda amortizando o remorso por ter sido tão ausente sem sequer notar.
— Usei maconha pela primeira vez com 15, quando você cancelou pelo terceiro ano
seguido nossa viagem anual de aniversário, e eu acabei saindo pra uma festa com Enzo.
— Eu cancelei três anos consecutivos? — Não consigo lembrar o motivo. Era uma
tradição nossa, em todo aniversário, viajar juntos para um lugar que ele escolhesse.
Noah novamente ri, sem humor.
— Nunca mais fomos, desde que eu completei 12! — Minha boca se entreabre e minha
mente tenta se lembrar, sem sucesso, como nunca me dei conta que a tradição parou. — Te disse,
você parou de se importar comigo e foi só piorando no decorrer dos anos. Me tornei alguém que
apenas vê em almoços de fim de semana ou acena discretamente nos corredores do hospital.
Estou mais para um troféu, que pode exibir por aí ostentando que criou sozinho; do que, de fato,
um filho.
Um soco no meu estômago doeria menos do que seu desabafo. Caralho! Eu não tinha
percebido até agora o impacto das minhas atitudes. Não tinha reparado que há anos não vejo o
meu filho como ele merece ser visto.
Sei de cor vários documentos e informações do hospital, mas se tiver que responder do
que Noah gosta, quem são as pessoas do seu círculo social ou do que tem medo hoje em dia, não
teria noção das respostas.
— Me perdoa, filho. — Puxo-o para um abraço e o aperto firme contra o meu peito. Os
meus batimentos estão tão fortes que ecoam nele. — Nunca foi minha intenção te machucar, eu
amo você! Sinto muito que não tenha sido um bom pai, eu quero mudar isso. Quero fazer
diferente a partir de agora. Por favor, me permita reaproximar e te ajudar.
Por longos segundos, abraço Noah em silêncio sem nenhuma resposta dele, nem
retribuição do contato. Quando uma das suas mãos toca minhas costas com receio, o que parece
uma eternidade depois, suspiro fundo com os olhos cheios de água.
É toda resposta que preciso.
Estamos em uma relação frágil, mas ela ainda está viva. Tem reparo e eu farei de tudo
para consertar.

Fecho a porta do quarto de visitas e dou de cara com Tereza encostada no batente do seu,
segurando uma taça de vinho na mão e ostentando um semblante preocupado.
— Ele dormiu?
— Sim. — Passo a mão no cabelo, me sentindo exausto. — Tomou banho, um relaxante
muscular e apagou. Foi um longo dia!
Depois que Noah se abriu comigo, o trouxe para casa e continuamos conversando sobre o
que podemos fazer. Tereza estava se arrumando para uma reunião fora e acabou cancelando para
ficar conosco. Ela sempre gostou muito do meu filho, embora tão focada quanto eu no trabalho.
Ele confessou que está tomando de quatro a cinco comprimidos de Ritalina por dia a fim
de aguentar o tranco da residência e da dependência.
Devido ao nível do seu vício, e da mistura de tantos agentes diferentes, sugeri que a
melhor opção é se afastar para um período de tratamento intensivo. Noah aceitou sem alarde.
Isso me fez constatar que, apesar de tudo, meu filho sempre quis minha validação. Ele precisa
que eu tenha orgulho dele e volte a enxergá-lo como antes dos 12 anos.
É por isso que se tornou um ótimo aluno.
É por isso que está sendo exemplar na residência.
É por isso que toma remédios para camuflar sua dependência e suas falhas.
Embora não seja pelo motivo certo, com a vontade genuína de mudar, neste momento,
vou me agarrar ao seu aceite. Entrei em contato com o dono de uma clínica conceituada no Rio
de Janeiro, do qual o irmão eu operei em uma cirurgia de alto risco, anos atrás, e Noah será
recebido com discrição na segunda-feira.
Apesar de ter ciência que é um longo caminho, e que pode haver recaídas no futuro, estou
confiante nesse primeiro passo.
— Aproveitando que estamos a sós, eu também gostaria de falar algo com você. — Me
aproximo dela e entramos juntos no seu quarto.
Estou realmente cansado, porém, sinto que já perdi muito tempo deixando a vida
acontecer e não posso esperar mais para tomar decisões importantes.
— O que houve? — Tereza deixa a taça de vinho na mesa de cabeceira e se senta ao meu
lado na cama. — Tem mais alguma coisa pra me contar?
Assinto para a sua pergunta e explico sobre o caso que tive com a Cecília; do início até a
descoberta pelos meus pais hoje de manhã. Tereza escuta quieta, no entanto, noto pelo seu
semblante que se espanta algumas vezes.
Entendo que a forma como me arrisquei e me envolvi não parece o Marcus metódico que
ela conhece há anos.
— Ter a minha intimidade investigada sem meu consentimento e ser acusado de traidor já
é motivo suficiente para me deixar insatisfeito. Mas o que realmente me pegou foi minha mãe
reduzir todo nosso trabalho de anos a um casamento. Você e eu demos muito duro na carreira pra
sermos rotulados a isso. — De repente, todo tempo que passei acomodado com essa situação me
desce amargo pela boca. Eu não deveria permanecer com alguém por esse motivo. — Já faz dois
anos que resolvemos terminar, eu quis manter a fachada pra te ajudar com os seus pais e pra me
beneficiar com relação às nossas empresas; só que agora acho que precisamos divulgar essa
decisão. Preferiria que contássemos a verdade sobre a data da separação, contudo, se você não se
sentir à vontade, apenas avisamos que a partir de agora permaneceremos amigos.
— Eu entendo; confesso que tenho sentido essa necessidade também.
Inspiro fundo, aliviado que Tereza pense da mesma forma. Não queria magoá-la com
meu pedido; somos amigos e desejo muito que seja feliz. Isso inclui ter paz com seus familiares.
— Sua mudança de pensamento é pela Corinne?
Há meses, eu pensei que a gente levaria essa mentira adiante pelo resto da vida. Não tinha
perspectivas de nada e estava cômodo com os benefícios. Do outro lado, imaginava que Tereza
não teria coragem de expor sua bissexualidade no meio machista que vive.
— Sim. Discutimos essa semana por videochamada; ela me disse que se sente como um
segredo sujo; algo descartável que é usado escondido porque tenho vergonha.
Cecília volta à minha mente de novo; fazendo meu corpo repulsar a possibilidade de ela
se sentir assim em relação a nós. Apesar de nos encontrarmos em segredo todo esse tempo, eu
não tenho vergonha do que ela é nem do que vivemos.
A minha insistência em negar o interesse que despertou em mim desde o início, foi
porque isso quebrava minha rotina; bagunçava tudo que estava habituado. Eu não queria dar o
braço a torcer.
Fiquei, sim, preocupado como o fato da transmissão de doenças, do local e da
exposição… nunca com vergonha dela como pessoa.
Tanto é que, quando me contou na cachoeira do sítio, que era escritora e depois de muito
tempo estava inspirada escrevendo uma história sobre nós dois; eu fiquei com vontade que não
fosse um segredo.
Eu quis que ela pudesse publicar e retomar o seu sonho, independente da exposição do
meu nome junto.
— Você tem vergonha da Corinne?
— Jamais! — Tereza nega de imediato. — Eu só tenho medo. Muito medo de ser eu
mesma. Passei tanto tempo lutando para me provar boa nos negócios, e me moldar ao que
esperam de mim, que não sei ser diferente.
— Se tem algo que o dia de hoje me ensinou, é dar valor às pessoas que amamos. O
trabalho, o sucesso, o status… todas as coisas supérfluas da vida não são capazes de nos fazer
realmente felizes. Não espere ser tarde demais pra assumir Corinne. — Tereza engole em seco,
com os olhos lacrimejantes. — Chegar ao topo da Futech não vai trazer a alegria que espera.
Acredite, eu sei porque estou em uma condição de poder e estava apenas sobrevivendo.
A verdade é que, depois da morte da Maria Isabel, não fui feliz no quesito afetivo. A
forma que encontrei para sufocar o luto foi primeiro me dedicar ao Noah e, quando ele cresceu,
transferi esse foco para o trabalho com a ajuda da Tereza.
— O conselho também vale pra você. Sei que não é apenas Noah que você quer valorizar
— ela compartilha, segurando minha mão. — Nunca te vi tão espontâneo e leve, como ao me
contar o seu caso com a Cecília.
Acho que a única vez que me senti vivo nos últimos 24 anos, sem me ancorar em algo ou
alguém, foi com Cecília. Ela não foi uma obrigação ou uma válvula de escape; foi uma escolha
natural, algo que eu quis ter cada dia mais.
— Eu me apaixonei por ela. — Um sorriso nasce no meu rosto por assumir em voz alta.
— Ainda vamos conversar sobre nós dois, mas pelo que vi nos seus olhos essa manhã, ficar
comigo não é mais uma opção. Cecília já sofreu muito com exposição indesejada e foge de
qualquer coisa que a leve de volta para esse pesadelo. O pavor no seu semblante… — Balanço a
cabeça, não querendo me lembrar das suas lágrimas tão tristes. — Ela jamais ficará em paz, com
medo de a qualquer momento sermos expostos, agora que minha família sabe e não apoia.
Não tenho dúvidas que vai doer me afastar dela, porém, se for para a sua paz, eu não vou
insistir. A única coisa que não irei abrir mão é de convencê-la a permanecer com o
acompanhamento da Lis no instituto. Nem que seja em um horário diferenciado fora do
expediente, com uma equipe reduzida e de extrema confiança; nem que eu precise nunca mais
pisar lá presencialmente.
— Se não fosse esse medo de exposição, você a assumiria mesmo contra a vontade da
sua família e a opinião da sociedade? Não iriam aceitar bem um executivo influente e uma garota
de programa, assim como no meu caso, duas mulheres que se gostam.
— Sim! — A resposta vem tão forte e rápida, que preenche meu peito de adrenalina.
Mesmo sabendo que já se envolveu com meu filho no passado.
Mesmo que eu tenha ciúme do Felipe e de todos os clientes que a tocam.
Até mesmo se ela não parasse de trabalhar na Ishtar.
Durante o tempo que estivemos juntos, pude comprovar como é batalhadora e faz de tudo
para cuidar da sua família pelo próprio esforço. É uma qualidade admirável! Cecília jamais iria
aceitar ser bancada por mim, e sei que é muito difícil arrumar outro emprego que arque os gastos
com duas pessoas doentes.
Eu a conheci como garota de programa; eu a aceitaria dessa forma até quando precisasse
estar lá, independente se o resto do mundo achasse isso inaceitável.
Sobressalto-me na cama ao ter meu pensamento interrompido pelo toque estridente do
celular. Pego o aparelho no bolso e vejo o nome da Nívea na tela.
— Marcus, não queria te dizer isso por telefone, mas está saindo fora de controle rápido
demais — diz exasperada assim que atendo a chamada. — Vazaram fotos suas com Noah e a
Cecília no hospital!
— Porra, não acredito! — Levanto da cama, esfregando a mão livre no rosto. — Onde? O
que disseram?
— Foi publicado em uma conta famosa do Instagram só de fofocas. Todo dia fazem live
contando barracos e o assunto da vez é vocês. Estão no ar ainda falando. — Olho no relógio de
pulso e percebo que faz meia hora desde a revelação. Inferno! — Fizeram também um post no
feed, que já foi replicado por outras dezenas de contas menores. Olha o link que te mandei na
mensagem.
Coloco o telefone no viva-voz e confiro o link que minha irmã enviou. Puta que pariu!
Aparece uma montagem com duas fotos – a primeira eu empurrando Noah e a outra, eu
segurando o braço da Cecília.
Em negrito e caixa alta, a manchete diz “Escândalo na família Lobato: pai e filho brigam
dentro do hospital mais renomado do país por causa de atriz pornô”.
O post tem 2,9 mil comentários e 327 mil curtidas. Isso porque só se passaram trinta
minutos!
— Meu Deus, não acredito que descobriram! — Tereza comenta ao meu lado, tão aflita
quanto eu.
Passo para a foto anexa ao post e fico puto ao ver que ampliaram o rosto da Cecília com a
peruca loira e colocaram ao lado de uma imagem dela de cachos na época que fazia filmes
adultos.
No texto, afirmam que Noah se envolveu com ela no passado e que eu era a aposta do
presente.
— A equipe de monitoramento de comunicação captou a publicação há quinze minutos e
imediatamente acionou o jurídico para tentar barrar a notícia. Só que como viralizou muito
rápido, é quase impossível controlar. A mãe e eu acabamos de descobrir, estava com ela.
A minha última preocupação no momento são os surtos da minha mãe com esse furo.
— Quem será que faria isso? — Tereza especula. — Os pacientes ou a própria equipe do
hospital?
Caralho! Também quero saber como descobriram tanta coisa tão rápido. As paredes
podem sim ter ouvidos, só que as nossas são bem grossas e ninguém ficou gritando aos quatro
ventos. Não dava para escutar toda conversa, a não ser que estivesse…
— O Telso escutou tudo de camarote dentro da sala — afirmo, entredentes, lembrando de
ter ficado incomodado duas vezes com ele antes de aparecer com meus pais. — Aquele filho da
puta nunca engoliu que eu fui escolhido o CEO ao invés da sua filha. Estava o tempo inteiro na
espreita, caçando meus erros. Mesmo que o instituto estivesse cheio de gente, e realmente alguns
viram a discussão, não daria pra ter ouvido tudo isso de informação. Pensa comigo: se fosse um
funcionário, paciente ou acompanhante, essa fofoca teria vazado logo cedo. Horas se passaram,
ele agiu de forma calculada. Procurou um veículo grande e deu tudo mastigado pra me foder.
— Droga, Marcus, faz muito sentido — minha irmã concorda comigo. — Eu o vi várias
vezes com nossos pais esta semana. Ficaram de conversinha na sala da mãe. Ele podia estar
ajudando os dois a te vigiar.
Lembro-me de domingo passado, quando eu fui embora dispensando as fotos que
arrumou, e a raiva ganha força pela minha corrente sanguínea. É isso mesmo que aconteceu!
Aposto que colocou merda na cabeça da minha mãe; e se voluntariou para fuxicar minha vida
com prazer.
Desgraçado, expôs a Cecília por ganância!
— Tenta descobrir qualquer coisa que ligue ele a atividades suspeitas essa tarde, Nívea
— peço, saindo do quarto com Tereza atrás de mim. — Eu tenho que resolver uma questão
importante agora e depois volto a falar com você.
Desligo o aparelho e desço as escadas correndo para pegar a chave do carro no aparador
da sala.
— Você fica de olho no Noah pra mim, por favor?
— Claro — Tereza confirma, ofegante por me acompanhar. — Você vai atrás da sua
garota?
“Minha garota.” Sim, porra, é tudo que eu mais quero que Cecília seja!
Não apenas a “minha putinha” na cama.
— A merda está feita, o pior pesadelo dela está acontecendo de novo. Não vou deixá-la
passar por isso sozinha!
Agora que a exposição é inevitável, lutar por ela também será.
Piranha destruidora de lares, vai acabar com a carreira do dr. Marcus.
Vergonha alheia demais! Uma vagabunda interesseira e dois idiotas que só pensam com o
pau.
Nunca mais vou nesse hospital, que baixaria promíscua!
A Cecília morava no meu bairro, puta desde novinha. Ela já chupou meu pau por 50 conto.

Porra, há quanto tempo não via essa vadia! Melhor atriz pornô do Brasil. Vou maratonar os
vídeos tudo de novo. Já tô com o pau babando.
O cara tem uma mulher linda em casa e sai pra comer uma que dá igual chuchu na cerca.
Inclusive, para o seu próprio filho. Que nojo, nunca vou querer ser atendida nesse hospital.
Não sei por que os homens estão pirando aqui nos comentários. Preta feia, sou muito mais a
esposa branquinha.
Amante é coisa do diabo, essa pecadora vai queimar no fogo do inferno!

A cada comentário que eu leio na postagem feita pelo canal de fofoca, mais lágrimas
escorrem como cascata pelas minhas bochechas. Choro pela minha exposição, pela Lis e a Sofia
estarem sendo mostradas junto e também pela repercussão negativa com o nome do Marcus.
Eu não queria que isso tivesse acontecido; ele não merecia ter sua carreira abalada por um
escândalo dessa proporção.
O pranto intensifica ao pensar nele, sem que eu consiga parar. Não dá para acreditar que
fui jogada do céu ao inferno em questões de horas.
Minha respiração está lenta e meus músculos sem força, como se eu tivesse passado anos
nadando uma maratona, para finalmente avistar a costa, e acabar morrendo afogada na praia.
Tudo que eu fiz para me esconder foi em vão.
Tudo que eu vivi nos últimos meses acabou.
Tudo que minha irmã e minha sobrinha melhoraram será perdido.
— Já mandei largar esse celular, Cecília! — Laila entra no meu quarto e arranca o
aparelho da minha mão, jogando-o longe na cama e entregando o chá de camomila que foi fazer
no lugar. — O que as pessoas dizem sobre você não representa nada do que você é!
Piranha, vagabunda, promíscua, puta, vadia, pecadora… os xingamentos se repetem em
looping pelo meu cérebro, duelando com as palavras da minha amiga, e ganhando de lavada a
disputa.
Ainda bem que a Sofia ficou com muita dor de cabeça no início da noite e acabou
pegando no sono junto com a soneca da Lis. Já era para ter acordado a pequena uma hora atrás,
porém, não quero que me vejam assim e sofram por minha causa.
Eu preciso colocar para fora agora… mas depois… depois eu vou dar um jeito de ficar
bem por elas.
— A publicação já bateu um milhão de curtidas e sete mil comentários — comento
fungando, incapaz de reagir ainda. — O assunto está nos trending topics do Twitter e em dezenas
de outros portais de fofoca. Pra piorar, aquela produtora filha da puta, colocou meus vídeos
antigos na capa do site deles pra aproveitar o hype. Daqui a pouco esses filmes vão subir como
da última vez.
— Na Hot Immersive não vão citar seu nome ou fazer referência desse caso, amiga, eu
juro! Já falei com meu pai e ele colocou a equipe de conteúdo pra monitorar as postagens de
todos os membros.
Desde que me salvou, Laila garantiu que nenhum vídeo meu fosse postado nele. Sua mãe
até tentou entrar com uma ação para retirar o conteúdo de outros provedores também; pena que
não deu certo. A grande maioria dos sites pornôs é uma terra sem lei.
— Obrigada. — Meu ombro sobe e desce em um soluço profundo. Há muito tempo eu
não ficava tão abalada assim. Eu não sou mais frágil. Preciso reagir logo. — Não só por hoje.
— Eu estarei sempre aqui por você, Ceci. — Ela afaga minhas costas e me ajuda tomar
um pouco do chá.
Foi Laila quem ficou sabendo do vazamento primeiro. Minha amiga avisou no clube e
cancelou todos os seus compromissos para me acudir, antes que eu saísse na rua para o trabalho.
Hoje é um péssimo dia para ser vista em público.
Esta semana, semana que vem, talvez até os próximos meses se tornem um caos… Por
enquanto, só estão mencionando meu nome com relação ao trabalho de atriz pornô; Deus sabe o
que mais vão revelar e fazer alarde.
Apesar de muita gente ter ciência de que prostitutas frequentam a Ishtar e conseguem
clientes lá, Antares não gosta de holofotes da imprensa no seu negócio para não mostrar demais
o quão organizado e estruturado aquele lugar é.
Muitos olhos significam muito mais dinheiro gasto por ela para abafar sua atividade
ilícita nos andares subterrâneos.
Estou pensando seriamente em ficar off alguns dias. O que eu tenho guardado e investido
vai segurar as pontas até a poeira baixar. Só de pensar em ouvir esses comentários que estava
lendo pessoalmente sinto um tremor apavorante pelo corpo.
— Quem vai levar a Lis na escola e nos médicos? — pergunto em voz alta, agoniada, ao
pensar nessa possibilidade; já que ficar off significa me trancar nesta casa para tudo. — Como a
Sofia vai para o tratamento? E se hostilizarem as duas também, como estão fazendo comigo? E
se minha irmã recair na dependência de tanta pressão?
— Ei, respira! — Minha amiga puxa o ar pelo nariz, me incentivando a fazer o mesmo.
— A gente vai dar um jeito pra tudo, no seu tempo.
— Eles podem descobrir o meu endereço e acampar aqui na porta de casa… — Minha
respiração fica curta e eu me esforço para controlar o nervosismo. — Meu Deus, vai ser um
inferno ainda maior!
— Calma, Ceci! Vou dormir com você e chamar dois amigos meus seguranças pra vigiar
sua rua. Qualquer sinalização de paparazzo, nós saímos daqui e eu te levo pra…
— Ceci, o moço da foto tá lá no portão! — Cilene aparece esbaforida no quarto,
interrompendo Laila e me encarando com os olhos arregalados.
— O quê? O Marcus? — Me movo tão brusca na cama que derrubo quase metade do chá
na minha camiseta. — O que ele disse? O que você falou? Você deixou ele entrar?
Minha respiração dá um pico de aceleração ainda maior, no mesmo ritmo que meu
coração.
— Ele disse que está tentando falar com você no telefone e não conseguiu. — Tateio a
mão no colchão até achar o aparelho que Laila jogou longe. — Não deixei ele entrar ainda,
atendi pelo interfone da cozinha e vim direto aqui te perguntar o que fazer.
Encontro o celular e, antes de desbloquear, já vejo a notificação de duas ligações
perdidas. Não ouvi nada porque estava no silencioso. Vou direto para o aplicativo de mensagens
e tem outras três lá sem visualização.

Estou estacionado aqui na frente da sua casa, me deixa entrar.

Por favor, me responde. Preciso falar com você.


Eu não vou embora enquanto não te ver. Nem que seja por um minuto.

“Eu não vou embora.” Engulo em seco, levantando da cama e passando a mão no cabelo
sem parar.
Faz sete minutos desde que mandou a primeira mensagem, deve ter sido segundos depois
que Laila pegou o aparelho da minha mão. Isso é um sinal do universo! Quanto mais contato a
gente tiver agora, pior vai ser para ele.
Entra no seu carro e sai da rua o quanto antes, Marcus. Algum vizinho pode
Minha amiga arranca o celular da minha mão de novo, antes que eu possa terminar a
frase e enviar. Eu nem tinha percebido que ela estava ao meu lado de olho na tela.
— Ele veio até aqui, para de querer aguentar tudo sozinha e escuta o que o cara tem pra te
falar. Vocês dois estão envolvidos e podem resolver melhor juntos.
— Não tem essa de “juntos”, Laila! Vai ser muito pior se mais fotos nossas proliferarem
na internet.
— Eu não vou tirar foto de vocês, nem a Cilene, nem a Sofia e a Lis no meio do sono. Ele
corre mais risco lá fora do que aqui dentro, pelo que li, não vai desistir fácil. Troca essa blusa
molhada de chá que eu tô indo abrir o portão. Se precisar, depois eu levo ele embora e o carro
fica aqui até a poeira baixar.
— Não faça isso, não… — Antes que eu possa alcançá-la, Cilene entra na minha frente e
me segura pelo ombro impedindo a minha passagem.
— Ceci, a voz dele está desesperada — ela confessa e eu paro de me mexer, com os
batimentos cardíacos mais uma vez dando um pico. — Pela câmera do interfone também pude
ver como seu semblante está agoniado. Deixa o moço entrar, você já aguentou tantas vezes as
coisas sozinha. Se ele quer ajudar, permita, minha filha.
“Minha filha”; o modo carinhoso me quebra.
Sei que Sofia e eu somos mesmo como filhas para ela. Cilene sempre esteve do nosso
lado e fez mais por nós que muitas pessoas da própria família.
— Tá bom, eu vou ouvir o que ele tem a dizer — concordo apenas para que não fique
preocupada.
Se Marcus me ver minimamente apresentável, pode acreditar nas minhas palavras e ouvir
o meu conselho. Pelo pouco que conheci esta manhã, os pais dele vão tornar a sua vida um
inferno se insistir em me ajudar.
A melhor coisa que podemos fazer no momento é manter distância e não dar força aos
boatos de que estamos juntos.
Cilene sorri, contente com a minha resposta, e sai me deixando sozinha. Antes que
Marcus apareça, eu arranco minha blusa de qualquer jeito e corro para a suíte do quarto a fim de
lavar o meu rosto. Meus olhos estão vermelhos e com olheiras fundas por ter chorado demais;
seco com a toalha e passo com o dedo mesmo um pouco de corretivo para disfarçar.
Não funciona muito, mas é melhor do que nada. Sigo para o guarda-roupa e só tenho
tempo de enfiar uma outra camiseta seca pelos braços, e alcançar meus óculos, quando ouço uma
batida na porta aberta.
De costas, fecho os olhos por um instante e puxo ar aos pulmões. Não importa o que ele
disser, eu preciso respirar fundo e controlar o choro.
Você vai ficar bem. Ele vai ficar bem!
Coloco os óculos para ajudar a esconder minha real situação e me viro na sua direção.
Quase falho no primeiro instante porque, assim que me vê, ele praticamente corre até mim com
as feições realmente preocupadas.
— Desculpa por ter demorado. — Marcus se aproxima em uma velocidade surpreendente
e infiltra seus dedos no meu rosto. Preciso me segurar ao máximo para não apoiar a cabeça na
sua mão e permitir o carinho. Bato o mindinho contra o polegar, tentando me manter sã fora do
seu campo de visão. — Eu queria estar ao seu lado assim que soube do vazamento, só que estava
em casa e demorei a porra de uma eternidade pra cruzar a cidade. Acelerei o máximo que pude.
Ele já estava na sua casa e veio aqui? É realmente uma distância longa; bem mais do que
o percurso até o hospital.
— Você não… — Pigarreio para a minha voz rouca sair mais limpa. — Você não
precisava ter vindo. É muito arriscado, Marcus. Se algum vizinho te reconhecesse, se algum
paparazzo aparecesse…
— É claro que eu precisava, Cecília! — O jeito firme que ele fala o meu nome… Nossa,
eu nunca vou me acostumar. — Nós dois estamos naquelas fotos, são de nós dois que estão
falando… não vou deixar você sozinha sendo acusada de um monte de merda sem fazer nada.
— Eu vou ficar bem… isso vai passar com o tempo, já passou uma vez. — Desvio o foco
para o chão, me afastando um pouco do seu toque. Quando ele está perto demais eu não consigo
pensar direito. — Você precisa negar os boatos de que traiu a sua esposa; diga que nem sabia o
que eu fazia e que só estava ajudando a Lis com o tratamento. Tenho certeza que a equipe de
comunicação do hospital consegue pensar uma desculpa bem convincente pra você e o Noah se
desentenderem. O que você decidir falar, eu vou apoiar.
— O que eu decidir?
— O que sabiamente você decidir. Sabe o que precisa fazer — repito as palavras que sua
mãe disse.
Marcus dá um passo para frente e volta a me tocar, agora no braço. Mordo a bochecha,
sem saber como reagir à sua presença aqui. Eu não estava esperando isso; eu não queria que ele
viesse. Você queria! Balanço a cabeça para o lado, afastando o pensamento intruso.
— Eu sei exatamente o que preciso fazer. O que eu quero fazer! — “Eu quero.” Ele fala
com tanta convicção que a frase ecoa no meu peito. — Você tinha muito medo da exposição, eu
entendo isso e estava disposto a respeitar o seu distanciamento. Mas agora tudo mudou, e eu não
quero mais te dar espaço.
— Marcus… — Seu nome sai em um sussurro engasgado quando ele toca meus dedos
que estão se movendo inconscientemente para me acalmar.
— Eu quero estar ao seu lado para sempre, segurar a sua mão e garantir que pode contar
comigo. — Ele tira os meus óculos e coloca na penteadeira que está ao seu lado. Pisco duas
vezes, afastando desesperadamente as lágrimas que começam a se juntar. — Eu quero que você
saiba que não precisa fingir pra mim que está tudo bem. Eu vejo muito além do que você tenta
esconder; e eu gosto muito dessa visão. Quero mais dela, por muito mais tempo, independente do
que as pessoas disserem sobre nós.
— Isso é loucura, você não está pensando direito! Se a gente continuar se vendo, as
pessoas não vão parar de falar; vão criar cada vez mais fofoca. Vai atrapalhar a sua carreira, o
seu casamento, a sua mãe vai surtar…
— Eu estava conversando com a Tereza antes de saber do vazamento. Nós dois
decidimos que é hora de dar um fim nessa farsa. Eu ia parar mesmo que você não quisesse mais
continuar me vendo com medo de ser exposta. — Abro e fecho a boca, não conseguindo achar
palavras para comentar sobre isso. Internamente, meu sangue corre mais rápido e bombeia com
força o coração. Sinto o impacto no meu peito. Eu não podia gostar tanto dessa notícia. — Com
relação ao que as pessoas vão falar ou a minha família vai achar, foda-se, Cecília! Nenhum
comentário vai me fazer parar de querer você.
— Mas eu já me relacionei com seu filho, você vai ficar bem com isso? — Tento fazê-lo
retomar o juízo.
Eu preciso que ele seja sensato, porque estou prestes a deixar de ser.
— Me preocupo mais com a forma inconsequente que tratou você e a Sofia no passado.
O fato de terem se envolvido em si, não me faz parar de querer você.
Não é possível! Troco o peso da perna de um lado para o outro, puxando ar.
— Meu trabalho… não posso parar de ser garota de programa. Mesmo ficando off alguns
dias, uma hora eu vou voltar! — Mais uma tentativa aflita. — Eu preciso do dinheiro, nunca vou
aceitar ser bancada por homem nenhum. Como vai ser lidar com os clientes? Seu amigo é meu
cliente…
— Se o Felipe marcar hora a partir de agora, eu mato ele! Com os demais, vou dar um
jeito de lidar com meu ciúme. — Meu Deus! Ele sente ciúme de mim? — Já pensei em tudo que
possa imaginar e nada me fez parar de te querer. Será um prazer reafirmar isso a noite inteira, se
precisar continuar arrumando desculpas.
— Por que…— Mal consigo formular a pergunta.
Na minha cabeça, não faz sentido ele me querer tanto assim. Como seu pai disse, eu não
sou nada.
Não sou ninguém.
Somos completamente diferentes.
Me querer no sexo é uma coisa, agora para enfrentar todo esse caos ao meu lado? Não
tem sentido nenhum!
— Porque me permitir envolver com você foi como encontrar a saída de um labirinto
depois de tentativas muito, muito longas. A sensação de alívio e felicidade que isso traz são raras
demais pra serem ignoradas, Cecília. — Marcus se aproxima ainda mais de mim, me fazendo
sentir a respiração quente da sua boca no meu rosto. — Eu não quero que você seja o meu
segredo ou meu caso secreto; eu quero que você aceite ser a minha garota!
— Você não pode vir aqui e me dizer tudo isso, merda! — Dou um soco leve no seu
peito, que automaticamente abre as comportas do choro de novo. — Eu não sou o tipo certo de
garota pra você; não me faz acreditar que sou…
— Como não é? Você precisa se enxergar com meus olhos. A Lis está certa em te chamar
de Faísca. Você chegou na minha vida como uma pequena chama e incendiou tudo! A luz dentro
de você me fez sentir vivo como há anos não me sentia. Tudo que eu quero agora é fazer parte
desse fogo ardente.
— Mas na vida real, fogo e água não se misturam igual no filme da Disney, Marcus —
explico aos prantos, fazendo referência ao apelido que a minha sobrinha deu a ele. — Ou apaga
ou evapora. Não tem como dar certo essa junção.
— Você já ouviu falar da gota do Príncipe Rupert ou lágrima de vidro? — Balanço a
cabeça em negativa e ele pega o celular no seu bolso, acessando o aplicativo do Youtube. — Ela
é formada quando se derrete vidro no fogo muito quente, e depois se joga à mistura
incandescente em água fria. Veja isso!
Ele me mostra a tela e observo uma gota pequena, com uma cauda longa, muito
semelhante a um girino.
— Se eu te disser que esse objeto suporta até 20 toneladas de pressão e não quebra com
uma bala calibre 38, você acreditaria?
— Nunca, é impossível! A gota é muito pequena.
Marcus dá play no vídeo e eu pisco várias vezes, limpando as lágrimas acumuladas nos
meus olhos para enxergar melhor e acreditar no que estou vendo. A gota é testada com um
martelo, com uma prensa hidráulica e com uma arma na sua parte arredondada e simplesmente
não quebra de jeito nenhum.
— Meu Deus, como? Como ela aguenta?
— Quando o vidro quente é mergulhado na água gelada, acontece um resfriamento de
fora para dentro, formando uma casca endurecida em torno de um núcleo líquido. Esse processo
cria uma compressão, que gera uma quantidade incrível de tensão na gota dando a ela sua força e
resistência. — Marcus levanta meu queixo delicadamente com o indicador e o polegar e me faz
desviar a atenção do celular para os seus olhos. Minha respiração acelera e sinto um frio na boca
do estômago pela intensidade que enxergo na sua íris azul. — Você disse que a água e o fogo
não se misturam, e que não tem como dar certo essa junção, mas quando trabalham em conjunto,
podem criar coisas incríveis que ninguém acredita ser possível. Nós dois podemos ser essa
lágrima de vidro.
— Nunca ninguém me disse algo tão bonito — confesso, atônita.
Meus batimentos disparam em uma velocidade alucinante e todo meu corpo se aquece
com um calor desconhecido e poderoso.
— Não será um discurso da boca pra fora, eu prometo — ele garante, acariciando minha
pele. — Você sempre quer carregar o peso de tudo… me deixa dividir esse fardo. Seria assim tão
ruim pelo menos tentar?
Porra, não! Esse é o problema.
Se eu for sincera, nunca foi ruim, por isso, desde a primeira vez minha mente permitiu
que ele entrasse. Devagarinho, insistente, tão profundamente.
Inspiro fundo, esperando meu peito estufar e esvaziar; criando coragem para dizer a
resposta mais arriscada que já dei a alguém. Eu não faço ideia do que vai acontecer, do quanto
isso pode ser insano, mas…
— Tá bom — as palavras saem trêmulas e sussurradas da minha boca.
— Tá? — Marcus busca meu olhar para confirmar.
Assinto com a cabeça e ele abre um sorriso lindo que culmina no seu corpo se inclinando
para a frente. As borboletas voam, minha mão fica suada, os batimentos disparam… é como uma
árvore de Natal dentro de mim acendendo todas as melhores reações ao mesmo tempo.
Sinto sua respiração quente ainda mais forte, se misturando com a minha, e quando me
beija ainda rindo, eu sorrio também em pura felicidade.
Sempre foi a cena que eu mais amei em todos os livros de romance que eu já li porque
me deixava com uma sensação indescritível de conexão. Não apenas carnal; de alma, de encaixe
certo.
Agora eu tenho isso com Marcus, o clichê literário que eu jamais pensei que fosse um dia
se tornar real para mim.
Sorrio com o bico que Lis faz quando a sua mãe pede para que ela entregue meu celular.
A pequena tirou uma soneca longa e agora está ligada nos 440 volts, como diz Cecília. Há horas
conversa com a foto do pônei sem parar: já mostrou a casa, sua coleção de pelúcia, contou piada,
colocou na mesa para jantar…
— Volta depois e me traz mais, titio Gota. Um buqui de trinta tá bom.
— Trinta fotos do pônei? — Sofia olha para a filha, arqueando a sobrancelha. — Os
funcionários têm serviço pra fazer, não podem parar pra isso.
— Só 27, então. — Solto uma gargalhada, que chega a tremer meu tronco inteiro de tão
sincera.
Essa criança é uma figura!
— Pode deixar, vou pedir o seu book completo com fotos e vídeos.
— Oubaaa!
— Mas em troca, você precisa ir lá escovar os dentes e deitar pra tentar dormir. — Olho
no relógio e mostro a tela para ela. — Já são duas horas da manhã, você está acordada desde às
nove da noite. Se fechar os olhinhos, o sono vem de novo!
Lis franze o cenho e me observa, como se ponderasse se vale a pena ou não a pechincha
que fiz.
— Tá bom, mas manda 28. Vou ter que tentar muito pra dormi. Eu tô eulétrica.
Amplio a risada, balançando a cabeça em concordância.
— Combinado! — Me inclino para pegar o telefone e receber o abraço que sela nosso
acordo.
Além de estar muito feliz por resolver as coisas com a Cecília, também estou aliviado de
não precisar me afastar da Lis. Ela se tornou tão importante para mim quanto a sua tia.
Não vejo a hora de poder contar que estamos juntos e me tornar ainda mais presente nesta
casa. Cecília prefere esperar até que tudo seja minimamente resolvido. Criança não tem controle
da língua e ela quer evitar mais burburinho. Apenas sua irmã, Laila e a funcionária Cilene estão
cientes da decisão que tomamos por enquanto.
Puta que pariu! Eu tenho vontade de beijá-la de novo só de lembrar a avalanche de
adrenalina que se espalhou por cada pedaço do meu corpo com o seu sim.
Saber que as pessoas mais próximas dela ficaram contentes com a sua escolha e apoiam
nossa relação tornou tudo ainda melhor.
— Vamos indo lá escovar os dentes pra cumprir o acordo. Eu vou dormir com você hoje.
— Laila pega na mão da Lis, piscando para a amiga a fim de nos dar privacidade na despedida.
A maior torcedora com certeza é ela; até me comparou com o ator Richard Gere em Uma
linda mulher. Segundo sua opinião, estou honrando o legado dos “velhos ricos apaixonantes”.
— Eu tenho que ir até na porta pra ele voltar e trazer meu buqui.
— Qualquer um pode levar a visita na porta, princesa Lis. Deixa a titia Faísca — Sofia
sugere divertida, segurando a outra mão da filha.
— Não, tem que ser eu! — insiste, fechando o semblante durante um espasmo. —
Quando aprendemos sobre supretições na aula, a titia Ariel disse que quem mais quer o retorno
que leva.
— Eu duvido que seja você! — Laila comenta baixinho e Cecília dá uma cotovelada na
sua costela.
Nós três sorrimos e meus olhos automaticamente se fixam nos seus lábios. Merda, eu
queria mesmo beijá-la mais uma vez esta noite.
— Vai, titio Gota. Vai pra voltar rápido! — A pequena se desvencilha de quem a segura e
puxa meu terno na direção da saída.
Seguimos juntos da sala até a garagem, onde meu carro está estacionado. Por sorte,
nenhum paparazzo seguiu a casa ainda. Está tranquilo na rua, segundo os seguranças amigos da
Laila.
Tenho certeza de que não terei essa sorte; por ser o lado “influente” na história vão vir
em peso em cima de mim.
Em conversa com a Cecília, combinamos de ignorar a imprensa e não dar nenhuma
declaração hoje até a Tereza conseguir falar com seus pais. Os dois estão em uma viagem de
trabalho na Argentina e voltarão no final da tarde.
Liguei para a minha ex-esposa mais cedo, a fim de me atualizar sobre Noah, e ela contou
que recebeu centenas de ligações e mensagens deles. Só respondeu uma, avisando que explicará
tudo pessoalmente. Também estou com a caixa lotada do seu pai, furioso.
Não queria pressioná-la a contar tão rápido, no entanto, a própria Tereza me confidenciou
que é melhor abrir o jogo de uma vez antes que perca a coragem. Acho que vai falar da sua
bissexualidade e de Corinne.
Amanhã ou no máximo terça, espero ter dado satisfação para a minha família também e
feito um comunicado oficial na mídia. Faço questão de deixar claro, em alto e bom som, que
estou com Cecília e nada vai mudar isso.
Enquanto aguardo essa questão, minha prioridade será provar o envolvimento do Telso
no vazamento. Não vou deixá-lo impune nem fodendo! Nívea encontrou imagens suspeitas da
minha prima e do seu pai no estacionamento do hospital, trinta minutos depois que eu apareço
saindo do instituto com Noah.
Achamos que ele deu para ela as fotos e pediu que procurasse um meio de comunicação
de grande alcance.
Minha irmã está neste momento em casa com Tereza ajudando encontrar provas para essa
tese. A Futech vendeu uma tecnologia de modernização dos semáforos para a prefeitura e tem
acesso em vídeo de muitas vias da cidade. Se a gente conseguir encontrar qualquer pista nova,
será fundamental para tirá-lo de vez do Emília Lobato.
Não vou conseguir ficar no mesmo ambiente que esse filho da puta.
— O titio vai ficar cheio de coisas pra resolver nas próximas horas… — Viro um pouco
de lado assim que chego próximo do veículo e coloco um dos meus braços atrás do corpo.
Cecília está perto e eu tateio até resvalar na sua mão. — No máximo amanhã à noite eu passo
aqui pra trazer o seu book.
— Só de noite? — Sorrio do seu bico e, principalmente, porque minha garota aproveita a
deixa para entrelaçar nossos dedos.
Foda-se que pareço um adolescente com o coração acelerado por causa de um toque.
É o toque dela!
— Será menos de um dia. Tá melhor do que esperar a semana inteira como antes, e me
ver só no instituto. Não é mesmo? — Acaricio a pele de Cecília com o polegar, constatando que
essa mulher consegue fazer um rebuliço no meu peito com pequenas e grandes coisas.
— É… — Lis coloca o indicador na bochecha, com cara sapeca de quem está fazendo
contas mentalmente. — Eu vou ganhar cinco dias de luco, né, titia Faísca? Fiz as conta
direitinho?
— Oi? — Cecília solta minha mão de supetão e sai de trás de mim, não estava nem
prestando atenção na conversa.
— Ela perguntou das contas. Se eu voltar amanhã e não sábado, ganha cinco dias de lucro
na espera. — Me viro para ela e sorrio ainda mais ao perceber sua bochecha com tons
avermelhados.
— Ah, sim. Está certinho, princesa Lis. São cinco dias — responde apressada, mordendo
o canto da boca ao corresponder meu sorriso.
Lis tagarela algo sobre virar um gênio da matemática, mas confesso, agora sou eu que
não consigo prestar atenção em uma palavra. Com os olhos fixos na minha garota, a única coisa
que se passa na minha mente é que eu sou a porra do homem mais sortudo deste mundo.

— É o Marcus e o filho, estão dentro do carro! — alguém grita do lado de fora,


apontando para nós no banco de trás.
— Não desacelera que eles aproveitam, Jorge, segue direto para o estacionamento dos
funcionários! — oriento o motorista, quando vários fotógrafos e jornalistas de fofoca se
aglomeram na calçada, eufóricos.
Na porta do condomínio também tinha um monte, alguns ficaram de vigia de madrugada
e tive o azar de encontrar logo que cheguei da casa de Cecília. Esse povo parece abutre, um deles
quase pulou em cima do carro querendo uma exclusiva.
Por causa do sucesso estrondoso de visualizações da publicação oficial, que esta manhã
alcançou três milhões de curtidas, agora todo mundo anseia em ser o próximo a dar uma
atualização sobre o assunto.
Noah esfrega a mão na calça jeans, ansioso, e eu coloco a minha por cima em apoio.
— Calma, logo aparece outra fofoca mais atrativa e eles nos esquecem.
Sei que não é tão simples assim, e que vai demorar um tempo até realmente ficarmos em
paz, contudo, neste momento meu filho não precisa ouvir isso.
Contei sobre o vazamento, assim que acordou bem cedinho, e Noah está mexido, desde
então. Nem quis deixá-lo sozinho em casa, com medo de buscar alívio nas drogas. Passar uma
temporada na clínica do Rio de Janeiro será providencial a partir de amanhã.
Conversamos ainda sobre a minha decisão de assumir Cecília e o verdadeiro
relacionamento que tinha com Tereza. Ele ficou surpreso, mas não disse nada negativo.
Cecília também foi atualizada enquanto estive com ela. Está sabendo sobre a internação e
o meu peso na consciência em descobrir que tive uma parcela importante no seu comportamento.
Ciente da dificuldade em lidar com uma pessoa dependente, compreendeu e apoiou minha
atitude.
Há muitas rusgas entre os dois. Não sei se um dia chegarão a se dar bem; mas se houver
um mínimo respeito, vamos dar um jeito de fazer funcionar.
Não vou me afastar dela, tampouco quero me manter distante dele de novo.
Jorge tem um pouco de dificuldade de desviar da multidão, no entanto, logo conseguimos
entrar. O motorista estaciona na minha vaga e subimos direto para o andar da diretoria, na sala da
minha mãe.
Eu liguei no meio do caminho e pedi que estivesse me esperando com urgência junto do
meu pai e do Telso.
— Noah, fica no escritório do Marcus — minha irmã sugere, caminhando ao nosso lado.
— É melhor não se desgastar à toa.
— É verdade, meu filho. Você não precisa de mais dor de cabeça.
Não vai ser bonito. Nenhum pouco.
Nívea, Tereza e eu estamos até agora sem dormir porque trabalhamos duro para provar a
participação daquele desgraçado na publicação das fotos. Assim que tivemos confirmação do
detalhe que dá um xeque-mate no seu plano, viemos para cá e minha ex foi se encontrar com os
pais.
Não vai ser bonito para ela também, infelizmente. A sua família vive em uma bolha de
perfeição e status dez vezes pior do que dona Rita.
Noah obedece sem falar nada e eu mando mensagem para a minha secretária ficar
discretamente de olho nele na minha ausência.
— Tenta manter a calma você também — Nívea aconselha ao entrarmos no corredor que
leva ao nosso destino.
Ela com certeza percebeu como meus músculos estão ficando tensos a cada passada e a
respiração mais curta de raiva.
— Não posso prometer. Minha mão está comichando para dar um soco no meio do nariz
do Telso desde ontem.
— Pior que, se der, será bem feito — confessa, pegando o tablet que salvamos cópias
das provas na sua bolsa. — Ele foi muito baixo por pura ganância.
Se tivesse sido só comigo, eu não estaria tão irracional. O que mais faz minhas veias
pulsarem é por ter colocado Cecília no meio dessa confusão.
Passamos pela secretária, com um aceno não muito simpático desta vez, e a primeira
pessoa que entra no meu campo de visão é o filho da puta.
— Como você está, Marcus? — Ele finge preocupação, acionando seu lado ator de
quinta. — Sinto muitíssimo por todo esse ataque virtual, não posso nem imaginar como ficou
abalado.
Fecho os punhos na lateral do corpo, com dificuldade de me acalmar antes mesmo de
abrir a boca.
— Espero que você tenha vindo aqui com uma ideia muito boa pra reverter esse
escândalo! — minha mãe comenta, nem tentando disfarçar como está puta comigo.
— Na verdade, eu vim trazer mais um escândalo pra você lidar — ironizo, me
aproximando da sua mesa.
— Você só pode estar de brincadeira com a minha cara, Marcus. Cadê o meu filho? Esse
homem na minha frente, eu não reconheço!
— Esse homem na sua frente nunca esteve tão bem consigo mesmo, nos últimos 24 anos.
Mas esse não é o assunto que eu quero falar no momento. — Mudo o foco para o Telso e é
impossível não notar minhas feições hostis. — O que eu quero falar é de como meu querido tio
expôs a própria família na mídia por pura ambição.
— Que absurdo! — retruca de imediato. — Eu jamais faria algo assim, estive ao lado de
vocês o dia inteiro. Tentei conter os ânimos! Fiz de tudo pra evitar burburinhos logo que percebi
o que estava acontecendo no instituto.
Suas mãos se movem muito rápido, e a voz está acelerada. Telso foi pego de surpresa. É
tão presunçoso que não achou que pedi sua presença aqui porque havia descoberto algo.
— Que história é essa, Marcus? Como assim, por ambição?
Ignoro a minha mãe e continuo olhando para o meu tio.
— Sabe por que eu fui escolhido o diretor executivo pelos acionistas e a sua filha não? —
Ele cerra a mandíbula, e fica claro pela sua postura ereta que está bufando de ódio sem entender
aonde vou chegar. — A resposta é porque eu sou mais inteligente que vocês dois, sei que ela
seria uma laranja para seus mandos e desmandos.
— Está tão desesperado assim pra mudar o foco dos seus erros que veio apelar dessa
forma? Acha que me ofende jogando na cara que você é o CEO, e não a minha filha? — Tenta se
safar me colocando no foco. Coitado, nem imagina o show que virá! — Sinceramente, tenho
mais o que fazer do que ficar ouvindo asneiras sem prova nenhuma. Isso é muito baixo, Marcus.
Olha quem fala de baixaria!
Telso tenta passar por nós e fugir do embate, só que minha irmã o impede, ostentando um
sorriso debochado no rosto.
— Quem disse que não temos provas? — Nívea estica o braço e eu pego o tablet.
Balanço o aparelho no ar e o filho da puta congela na hora, com o rosto pálido ao
perceber quão sérias são minhas acusações. Desbloqueio a tela e procuro a pasta na área de
trabalho, onde estão armazenados os vídeos que conseguimos por ordem dos acontecimentos.
Todos se aproximam de mim para conferir o que vou mostrar.
— Vamos começar por esse. — Dou o play nas imagens de segurança do instituto que
mostram Telso acompanhando à distância o início da confusão entre Noah e as meninas. Pela
surpresa no seu rosto, acho que nem imaginava que se conheciam. Foi uma grande coincidência
mesmo. — Repare agora o momento em que nosso ilustríssimo chefe dos residentes, que
conhece muito bem todo prédio, sai de onde estava e vai calculadamente para um ponto cego da
câmera. É justo quando eu chego e empurro meu filho. O ângulo exato das fotos publicadas pelo
canal de fofoca.
— Telso, você não pode…
— É claro que não, Rita! — ele nega. — Isso é totalmente suposição da cabeça do seu
filho.
— Vamos para o próximo, aprende comigo como preparar uma suposição muito bem
fundamentada — provoco, só para ver seu olhar de fúria queimar em mim.
O novo vídeo está editado em duas telas. Um mostra o horário que saí do instituto com
Noah e o outro o horário que Telso se encontrou com a filha no estacionamento.
Foram apenas trinta minutos de diferença.
— Minha prima saiu de um plantão exaustivo na sexta à noite, eu conferi sua agenda e foi
cheio de problemas, mas brotou aqui no hospital logo cedo no sábado, perto da hora da confusão,
para falar com o pai sem sequer descer do carro. Um pouco suspeito, não acha?
— Ela estava… estava com pressa. Teve um… um problema com a… com a mãe e veio
desabafar. Pode confirmar com as duas, Rita! Chama elas aqui, se quiser.
Até a Lis com seis anos consegue identificar mentira nesse homem. Não presta nem para
pensar rápido com firmeza, sem gaguejar.
— E esses três outros vídeos na pasta, são do quê? — meu pai pergunta, sério, ignorando
a enrolação do Telso.
Ele já foi convencido. Minha mãe ainda está olhando para a tela sem reação.
Explico sobre as câmeras nos semáforos, implantados com a tecnologia da Futech, e
como Tereza conseguiu rastrear o carro da minha prima até a área da casa dos meus tios.
— A Tereza está falando com você depois de tudo? Te ajudou ainda?
É claro que dona Rita ia ficar mais surpresa com isso do que com a verdade estampada na
sua cara. Nem respondo. Passo para o penúltimo, que mostra o trajeto do veículo no final do dia.
— Minha prima ficou o dia inteiro em casa, provavelmente caçando contato de um canal
com muita influência que fizesse um estrago com a informação. Quando achou, saiu de novo e
foi pessoalmente intermediar. Observe que parou no seu bairro, em uma área que tem vários
bancos, e depois segue para o centro da cidade.
— Isso é uma invasão de privacidade inadmissível! — Quase rio da sua insistência em
manter a pose e tentar reverter o jogo. — Minha filha tem o direito de sair de casa, andar de
carro… parar na quadra que tem vários bancos não lhe dá um atestado de culpa.
— Você tem razão, Telso, isso não dá. Agora esse outro carimba e certifica a sua filha da
putice.
Quando conseguimos identificar essa manhã a área que minha prima estacionou, Nívea
foi pessoalmente ao local prestar atenção nos comércios próximos. Sabíamos que era no
perímetro porque o carro não aparecia no semáforo seguinte, nem nos das ruas laterais com
acesso.
Demorou quase duas horas para achar, no entanto, com uma foto dela na mão, fingindo
um desaparecimento, todos os comerciantes foram atenciosos.
A cafeteria que a garota entrou tinha câmeras também e entregaram de bom grado a
filmagem.
— Não… não pode ser!
— Porra, a sua sobrinha entregou um envelope e um pen drive na mão de um
desconhecido às escondidas. Não tem como arrumar desculpa pra isso, Rita!
— Exatamente, pai. Não tem desculpa! Telso tirou as fotos, ligou pra vocês como se
estivesse preocupado com a confusão e inventou que estavam fazendo fofoca pra assustar —
retomo todos os pontos a fim de desenhar para a minha mãe. — As pessoas ao redor podiam até
perceber os ânimos exaltados, mas não dava para ouvir nada naquela distância ao ponto de
criarem boatos. Muito menos, dentro da sala fechada. Demos a história de bandeja para esse
desgraçado ganancioso usar contra mim. Aposto que mandou a filha entregar dinheiro vivo e as
fotos pessoalmente pra não ser rastreada de forma online. Só não contava, como eu disse, que
sou mais inteligente do que ele.
Acredito que o pagamento tenha sido um incentivo para o veículo insistir no assunto de
várias formas até emplacar, por isso fizeram live junto com o post no feed.
— Seu filho da puta, arrogante! — Meu tio, finalmente, perde a pose.
— Eu que sou o arrogante? — Sorrio, deixando o tablet em cima da mesa e endireitando
a postura para encará-lo melhor. — Você não tem um pingo de caráter, está há anos insistindo
em uma implicância comigo só porque não sabe perder. Você e sua filha nunca vão tomar o meu
lugar, Telso. Aliás, nem vão ocupar qualquer outro cargo nesta empresa.
— Foda-se, estou cansado dessa merda que não sabe me valorizar! — O idiota não aceita
ficar por baixo. — Pode ter certeza que farei muito bom uso do meu tempo livre, vou começar
hoje mesmo batendo punheta com os vídeos da sua atriz pornô de estimação. Quem sabe até
marco um horário, aposto que chupa gostoso com aquela boca de puta.
Um segundo.
No exato instante que as palavras saem da sua maldita boca, o meu corpo reage como um
animal selvagem furioso. Estufo o peito, fecho o punho, cerro os dentes e avanço.
O soco acerta tão forte o nariz do Telso que ele cambaleia para trás e cai no chão
imediatamente; gritando de dor com o vermelho-vivo inundado a sua cara.
— Da próxima vez que você falar dela, ou sequer pensar em prejudicá-la, eu esqueço a
porra do meu juramento médico e acabo com você! — vocifero, ofegante, com a vista turva e
trêmula. — Um nariz quebrado será o menor dos seus problemas.
Nunca vou me calar quando faltarem com o respeito à Cecília. Não importa que eu tenha
que repetir mil vezes, ou até mesmo brigar como agora. Independente se ela gostasse de se
prostituir por diversão, ninguém tem esse direito.
No seu caso, todas as decisões que tomou pela família, me tocam profundamente, me
fazendo um fã protetor da sua trajetória.
Eu tenho um orgulho enorme de quem ela é.
Respondo à mensagem de Cilene, garantindo que está tudo bem aqui em casa, e ameaço
não responder mais até o final das suas férias. Já que não estou trabalhando, resolvi dar a folga
merecida que ela, a filha e a cunhada sempre enrolavam para aceitar porque queriam me ajudar.
Só falta a abençoada aprender a curtir sem tanta preocupação com a gente.
Encosto na pia da cozinha, enquanto espero a pipoca estourar no micro-ondas, e resolvo
dar uma espiadinha nas fofocas também. Laila e Marcus não gostam que eu fique vendo, porque
o hate mexe muito comigo, mas não estou conseguindo resistir.
Ainda mais agora que não leio apenas xingamentos.
Desde o anúncio sobre o nosso envolvimento na terça-feira passada, houve uma
reviravolta surpreendente na exposição do caso por causa do seu discurso. Antes de ver as
novidades, procuro o trecho do vídeo que viralizou o dobro da primeira publicação para assistir
de novo.
Até já decorei a fala, vi uma centena de vezes. É impossível não sorrir logo no início ao
perceber os olhos do Marcus cintilarem para a câmera e a sua voz suavizar ao tocar no meu
nome.
Nunca imaginei que um dia alguém me assumiria, muito menos para o Brasil inteiro com
tanta convicção.
“Cecília vai muito além do estigma de atriz pornô e prostituta que vocês a rotularam.
Ela é uma das pessoas mais incríveis que já conheci, dona de um coração enorme e de um
caráter sem igual. Se soubessem um terço da sua história, jamais teriam coragem de apedrejá-
la. Nós estamos, sim, em um relacionamento do qual estou muito feliz. A opinião agressiva e sem
fundamento de ninguém será capaz de mudar o que sinto.”
Suas palavras misteriosas sobre minha história atiçaram os canais de fofoca e, em menos
de uma semana, descobriram que meu pai me abandonou na infância, que minha mãe morreu,
que Sofia virou mãe solo na adolescência, que a minha sobrinha tem uma doença rara, que minha
irmã é dependente química e até que eu fui violentada pela produtora que trabalhei duas vezes.
Esse último tópico, inclusive, abriu uma discussão enorme nas redes sociais sobre o lado
ruim da indústria pornográfica.
No início, eu fiquei apavorada com esse novo rumo de investigação, principalmente por
expor a vida da Sofia e da Lis, só que é inegável que humanizou a minha imagem. Quando eu
tiver coragem de sair na rua, talvez seja um pouco menos ruim.
Talvez algumas pessoas falem comigo com respeito.
Os dois assuntos novos mais preocupantes foram a revelação que Noah usa drogas desde
que nos conhecemos e está em uma clínica de reabilitação – fiquei mexida só porque Marcus se
chateou muito – e também sobre minha relação com a Ishtar. Laila me contou que Antares
contratou uma empresa especializada em gerenciamento de crise e estão instigando em massa nas
redes sociais os tópicos que me humanizam para tirar o foco do clube.
Ela está adorando a quantidade absurda de vendas de ingressos para o primeiro andar;
contudo, não quer holofote sobre como exatamente as garotas de programa trabalham no espaço.
Acho que vou ter que esperar bem mais do que cogitei para voltar. Sou muito grata à
Ishtar por ter me propiciado um local seguro para trabalhar e não quero prejudicá-los.
O apito do micro-ondas, avisando que a pipoca está pronta, me faz desencostar da pia e ir
pegá-la sem largar do aparelho. No final do vídeo viralizado do Marcus, ainda aparece Tereza
dando apoio a nós dois.
A ex-esposa não tinha nenhuma obrigação de se expor na mídia, mas fez questão de
esclarecer o casamento de conveniência há dois anos; e até compartilhou que está em um
relacionamento esse tempo todo com uma francesa.
Marcus me disse que a conversa dela com a família foi muito pior do que imaginava, com
agressão física e expulsão da empresa que dedicou toda a sua carreira. Foi por isso, inclusive,
que não fizeram o pronunciamento na segunda-feira como ele queria inicialmente. Tereza estava
muito mal e tomando decisões importantes para a sua vida, como se mudar para a Europa.
Mesmo sem conhecê-la pessoalmente, gostei muito dela e espero que seja feliz na nova
caminhada.
Deixo o saco de pipoca no balcão da cozinha e vou pegar uma vasilha no armário. Meus
dedos curiosos saem da publicação antiga e clicam no perfil do canal para ver as novidades do
dia.
Passo o olho nas duas primeiras postagens, referentes a outros assuntos, enquanto
também pego quatro copos com a mão livre. Quase derrubo as louças no chão de susto ao ver do
que se trata o próximo destaque.
Meus batimentos cardíacos disparam de imediato com a imagem do meu antigo perfil do
Wattpad. Confiro os primeiros comentários com os olhos um pouco semicerrados; o receio do
que vão dizer sobre isso percorrendo minhas veias, mas novamente tenho um pico de aceleração
no peito.
Deixo os copos no balcão e abro um sorriso enorme, trazendo o aparelho mais perto do
meu rosto para garantir que estou lendo direito.

Nossa, estou surpresa com a qualidade do texto. Ela escreve muito bem!
Viciante, meu Deus. Devorei o primeiro livro inteiro em duas horas.
AAAA, eu não acredito que ela é a dona desse perfil. Os livros são simplesmente
PERFEITOS. Estou há anos implorando no mural dela para retomar as histórias.

Ela podia escrever a sua história de amor com o dr. Marcus, imagina o sucesso disso. Eu
compraria com certeza!
PETIÇÃO AGORA pra essa mulher escrever um livro dela com o médico gostosão.

Rolo para baixo e cada vez mais aparecem elogios, menções de surpresa ou pedidos para
que eu escreva o livro da nossa história. Imagina se souberem que já tenho quase finalizado?
Com mais tempo livre e menos correria nessa última semana, aproveitei para dar
andamento no texto e ocupar a minha mente. Modéstia à parte, está ficando lindo.
— Você não vai acreditar no que Marcus e Lis estão fazendo… — Sofia aparece na
cozinha, sorridente, só que logo fecha o semblante e corre na minha direção. — O que foi, Ceci?
Divulgaram alguma coisa ruim?
Pisco, prestando atenção nela, e só então percebo as lágrimas caindo no meu rosto.
— Não, é que… — Choro e sorrio, emocionada. Nem sei explicar o que estou sentindo.
— Descobriram que eu escrevia e estão elogiando os livros. Fiquei surpresa, só isso.
— Ah, minha irmã! — Sofia me abraça pelo ombro e me aperta contra si. — Você
merece tanto ser reconhecida pelo seu talento na escrita. Quem sabe isso te motiva a voltar a
publicar, seu sonho merece uma chance!
Ela ficou muito feliz quando contei que estou rascunhando um enredo com Marcus,
porém, tem me enchido o saco para não deixar apenas escondido. A tarefa de me azucrinar com
esse assunto também é do próprio CEO que me inspira; todos os dias me pede para ler e
incentiva que eu reative minha página.
— Eu estou realizada em escrever pra mim mesma. Já foi um grande passo.
— E por que não pode ficar mais realizada? — pergunta, segurando meu rosto para
encará-la. — Você se acostumou com pouco, Ceci. Sempre preocupada comigo e com a Lis, e
renunciando a si mesma. Não tenho palavras para agradecer tudo que fez por nós, só que está na
hora de olhar mais pra você.
— Não me faça chorar mais, Sofi! — ralho, lutando contra as lágrimas.
— Você também é importante, pensa com carinho nisso!
Balanço a cabeça em concordância, sem conseguir falar nada, e voltamos a nos abraçar.
Poucos meses atrás, eu nunca imaginei que estaria nessa posição de ser consolada por ela,
ouvindo conselhos.
Confesso que traz uma sensação de paz imensurável.
No fundo, bem no fundo, eu estava cansada de carregar o fardo de ser uma espécie de
mãezona. Prefiro muito mais ter Sofia como a minha irmã, confidente e apoiadora mútua.
— Bora limpar esse rosto aí porque a pipoca vai esfriar e você precisa ver uma coisa
antes da gente ir pra sala! — Ela se afasta e me ajuda a secar as lágrimas que voltaram a descer.
Hoje, pelo menos, é só de alegria.
— Você chegou falando do Marcus e da Lis. O que estão aprontando agora?
Ele tem vindo aqui todos os dias à noite, mesmo que enfrente um expediente difícil, com
o falatório das pessoas que são contra a gente; e precise encarar problemas familiares.
Ficamos uma grande parte do tempo juntos, mas Marcus nunca deixa Lis de lado.
Anteontem, minha sobrinha inventou que ele precisava fazer uma maratona de My little pony e
agora toda família senta no sofá para assistir junto pelo menos dois episódios diários, como uma
espécie de sessão cinema. A pequena amou quando contamos que estamos namorando.
— Lembra daquele tutu rosa que você comprou pra eu usar na apresentação de Dia das
Mães, ano passado? — Assinto, voltando a sorrir só de imaginar a cena. — Saí do banho, passei
no corredor e vi o Marcus vestindo pra fazer um show com a Lis.
Mentira! Cara… ele é surreal.
Peço para Sofia terminar de arrumar as coisas e levar para a sala, e corro pelo corredor
para não perder essa cena. Quando alcanço o quarto da minha sobrinha, a gargalhada ressoa
gostosa pelo meu corpo.
Marcus está de terno, com o tutu preso um pouco acima do seu joelho porque é o máximo
que cabe. Minha irmã é muito mais magra que ele. Por causa dos movimentos limitados, está
dando voltas bem devagar, parado no mesmo lugar, só com as mãos em movimento.
— Não ria de mim, Cecília! — repreende, rindo junto. — Estou ficando mais tonto que
um paciente com labirintite.
A minha risada aumenta e Lis me olha de cara feia.
— Silêncio, patleia. Tá atrapalhando meu show. Senta no seu lugar.
— Desculpa, desculpa. Vou ficar quietinha! — Sigo para a sua cama, onde ela aponta o
meu lugar, e me sento junto com as pelúcias que estão assistindo.
O celular do Marcus está apoiado em um deles, com a tela ligada, para que a foto do
pônei do sítio também acompanhe a apresentação.
— Posição primeira, titio Gota, atenta no que ensinei!
Lis afasta os braços, dobra um pouco os cotovelos e mantém um ângulo arredondado com
as mãos na altura do umbigo; o seu aluno dedicado repete.
— Isso, vai pra segunda!
Agora, os braços ficam abertos e afastados, ao lado do corpo, sem que a altura ultrapasse
os ombros. Ela ama balé, está inscrita em um curso inclusivo que trabalha com suas limitações
há dois anos.
Totalmente comovida, fico observando a interação deles até a quinta posição com um
suspiro nos lábios e mais uma experiência única que pensei ser exclusiva dos livros.
O coração quentinho existe!
Só isso explica o calor manso que parece fazer um afago no meu peito.
É ele, eu não tenho dúvidas.
No que depender de mim, não largo esse homem jamais.

4 meses depois
De mãos dadas com a Lis, caminho até a entrada do instituto tentando não surtar com os
olhares das pessoas para mim. São olhares normais como antes do vazamento; estão sorrindo,
me cumprimentando. Respira, não pira!
Inspiro devagar, seguro um pouco, e solto.
Hoje estou mais cismada do que o normal porque é a primeira vez, em muitos anos, que
estou usando um vestido em público. A peça é de um vermelho simples, com alcinha por causa
do calor, e um pouco acima do joelho. Milhares de mulheres se vestem igual no dia a dia, porém,
a maioria não tem o meu passado.
Estou tentando melhorar esse medo de assumir a Cecília real que escondi dentro de mim
e quebrar algumas das paredes que construí, só que ainda é difícil. Com a ajuda da terapia, tenho
vencido uma etapa por vez.
É irônico que sempre tenha incentivado a minha irmã e a minha sobrinha a cuidarem da
mente e, eu mesma, nunca cogitar cuidar da minha.
A primeira mudança que fiz após o início das sessões foi dar o braço a torcer para o
orgulho que eu tinha de não aceitar pensão do Enzo. Lis tem direitos e ele precisa aprender a
arcar com as consequências dos seus atos.
Quando a sua família adotiva nos procurou, muito afetivos e preocupados, aliás, diferente
dele, incentivei Sofia fazer o teste de paternidade e aceitar a grana. Enzo não tem nenhum
contato com a Lis – e, sinceramente, damos graças a Deus a isso; só que às vezes os avós
aparecem em casa para visitá-la. São pessoas boas, que estão tentando reparar os erros do filho.
A segunda melhoria que eu senti foi na vontade de voltar a sair de casa. Depois da
publicação das fotos e os primeiros xingamentos, demorei três semanas para pisar do lado de fora
da garagem. Laila levou Lis na escola, Sofia nos médicos… uma amiga maravilhosa como
sempre.
Foi para uma apresentação da minha sobrinha que eu fiz a reaparição, porém, não se
tornou um hábito como um passe de mágica. Um comentário negativo, em dez positivos, me fez
focar na parte ruim e travar.
Isso se repetiu de novo, de novo, e de novo até eu ser capaz de filtrar apenas o que me
edifica e excluir o que me destrói.
No começo, não tirei a lace e ainda optava pelas roupas largas para me camuflar.
Somente no mês passado, depois de muitas sessões com a psicóloga, tive coragem de assumir os
cachos de vez. Essa decisão veio junto com a de voltar a usar peças comuns e abandonar os
óculos sem grau.
Estava nos looks básicos até agora, mas achei esse vestido tão bonito na minha pele negra
que não resisti a comprar.
Espero que tenha sido uma boa ideia e não me traga gatilhos.
Apesar da situação estar muito melhor do que prevíamos, não é perfeita. Marcus passa
por algumas hostilidades no trabalho, tanto por pacientes, como acionistas e fornecedores; até
sua própria família. A mãe dele não consegue aceitar de jeito nenhum sua escolha. Da minha
parte, sofro assédio de homens e alguns comentários depreciativos ainda têm o poder de me
afetar.
— Com licença, Cecília, posso falar com você um minutinho? — Sobressalto-me com
um toque no meu braço.
Olho para o lado e encontro uma mulher por volta dos 30 anos sorrindo.
— Sim, pois não? — respondo, tentando sorrir também, e solto a mão da Lis.
Com um aceno de cabeça, peço silenciosamente para a minha irmã seguir e esperar na
recepção. Já vivenciei casos em que a pessoa se aproxima neutra e depois começa as ofensas.
Não gosto que Lis ouça merda, nem Sofia se altere.
Ela não teve mais nenhuma recaída desde que a filha começou a se tratar aqui no
instituto. Outro fator que tem a deixado focada e animada é que está saindo com Rodrigo. Estou
torcendo muito pelos dois e espero que deem tão certo como eu e o meu CEO.
— Sei que veio para o tratamento da sua sobrinha, não quero atrapalhar. Eu também
estou aqui esperando ser chamada pra acompanhar um ente querido. — Seus olhos transparecem
sinceridade, acho que não é nada ruim. — Só queria te dizer que eu li o seu livro e morri de
chorar. Mulher, que história de amor mais linda! Eu espero que um dia encontre alguém pra
dividir a vida comigo dessa forma.
Solto o peso dos ombros, que nem notei estarem tensos, e relaxo no meio de um sorriso
sincero.
— Obrigada, eu fico muito feliz que você gostou.
Queria poder demonstrar para leitores que me abordam, exatamente o quanto me deixam
em êxtase, só que eu não sei reagir a esses elogios. Ainda parece surreal demais que estou me
tornando uma escritora profissional.
Surreal que meu sonho de menina voltou mais vivo do que nunca e está virando
realidade!
Continuo conversando com a mulher sobre os pontos que mais a emocionaram, e um
filme passa na minha cabeça desses últimos quatro meses.
Dois dias depois que descobriram que eu escrevia no Wattpad, uma grande editora entrou
em contato comigo querendo preparar as obras que eu tinha na plataforma para serem lançadas.
Minha primeira reação foi dizer não, cheia de medo; porém, a insistência do Marcus, da
Sofia e da Laila me dobrou.
Aceitei fazer uma videochamada para conversar com os editores e, ao contar que estava
na reta final da minha própria história de amor, ficaram eufóricos para começar por essa.
Faz 33 dias que Nosso segredo: O caso secreto do CEO é top 1 dos e-books mais
vendidos da Amazon. Também se tornou recorde de vendas em todas as livrarias e teve,
inclusive, seus direitos audiovisuais comprados. Milhares de internautas estão comentando nas
redes sociais que será uma nova versão de Uma linda mulher.
A maior parte do enredo é baseada em fatos reais, só mudei a questão da Ishtar. Narrei
que nos conhecemos em uma despedida de solteiro privada, sem mencionar o ambiente, e que
depois mantive contato como garota de programa em motéis.
Fiquei com medo de citar o Emília Lobato e nossos nomes reais também, para não
prejudicar o Marcus, mas ele fez questão de manter a história o mais próxima possível do que
vivemos.
O dinheiro que estou ganhando é tão alto com toda essa repercussão que, se continuar
assim, nunca mais vou precisar me prostituir. Isso me deixa aliviada, porque apesar de precisar,
não sei como teria coragem de transar com outro cara depois de assumir meus sentimentos.
É muito diferente agora, minha cabeça e meu coração não iam se desligar do Marcus.
— Seu boy tá vindo aí — a leitora comenta empolgada, olhando para um ponto atrás de
mim. — Minha Nossa Senhora, o jeito que está te olhando… é como se você fosse o sol que
ilumina a vida dele.
Pisco, meio atônita com suas palavras, e me viro para enxergá-lo. Meu fôlego fica preso
na garganta pela forma que sou escaneada das sandálias vermelhas baixas, demoradamente, até o
topo da minha cabeça.
Marcus caminha firme e rápido como se, realmente, eu fosse um astro poderoso atraindo-
o para o meu campo magnético.
É o vestido!
Ele, com certeza, aprovou a mudança no guarda-roupa.
— Vou indo, Cecília! — a leitora volta a falar, agitada, tocando no meu braço. Sua voz
parece a minha quando leio um livro de romance e vou contar para outra pessoa shippando
loucamente o casal. — Não precisa se virar pra despedir. Não corte esse contato, aí socorro,
vocês são muito lindos.
Sinceramente, eu não consigo desviar nem se eu quisesse; nossos olhares estão presos um
no outro. Apenas movo a cabeça em sinal de concordância, com o coração acelerado a cada
passo que dá na minha direção.
— Amor, você está linda.
Não sei o que me deixa mais zonza.
Marcus me chamar de “amor” pela primeira vez ou as suas mãos se apoiarem com
naturalidade na base da minha coluna e na minha nuca.
Ele não…
Meu Deus!
Entreabro os lábios, puxando ar para os pulmões, e o bendito aproveita para se inclinar e
me beijar.
Na boca.
Na frente de todo mundo.
O CEO do hospital!
Não é um beijo tempestuoso como estamos acostumados a trocar um com o outro, é lento
e carinhoso. E isso faz meu peito se agitar ainda mais.
— Titio Gota, você já beija a titia Faísca em casa. — Lis aparece puxando meu vestido e
nos afastamos, sorrindo. — Não precisa de mais, precisa dar minhas fotos do corte de quirna do
poneizinho.
— Elisabete Santos! — Sofia aparece atrás dela, puxando a menina pelo braço. — Eu
pisco um minuto e você sai correndo. Não pode correr, minha filha, nem atrapalhar a titia e o
titio quando estão juntos.
— Mas então não posso falar nunca, eles sempre tão juntos. — Minha sobrinha fecha a
cara, emburrada.
— Juntos se beijando, princesa Lis. Não pode atrapalhar o casal em momentos de amor.
— Mas é por uma boa causa, o meu momento de amor com o poneizinho.
Ciente de que essa discussão com alguém argumentativo como a Lis não vai ter fim,
Marcus intervém a favor da pequena.
— Eu peguei as fotos do corte novo da crina do pônei, fizeram agora há pouco lá no sítio.
Vou mandar para o celular da sua mãe, tá bom? — Marcus sempre dá o seu próprio telefone para
ela brincar. Às vezes, por horas, quando está em casa.
Será que está com pressa e precisa ir logo? Olho para ele para tentar entender o que
houve e percebo sua mão baixa, cobrindo bem na altura da sua virilha.
Ele está de pau duro!
— Por que o da mamã...
— O titio Gota esqueceu na sala dele — Sofia inventa, rindo, ao notar onde está o meu
foco. Puta merda! — A titia Faísca vai lá ajudar a procurar e já voltam.
Abro a boca para dizer que não vou ao hospital chamar ainda mais atenção, porém,
Marcus pega a minha mão com a sua livre e começa a me puxar.
— É uma ótima ideia, vou achar e passar as fotos logo, logo. Te vejo na saída, princesa
Lis.
E assim, sem mais nem menos, anda a passos largos em direção à saída da ala que separa
o instituto do hospital. Nunca ele foi tão apressado com a minha sobrinha desde que conheceu a
pequena.
— Tudo isso por causa do vestido? — pergunto, atônita. — Homem, é só um tecido; não
acho que...
— Não é só o vestido, Cecília, apesar de você estar linda pra caralho — ele me
interrompe falando baixo, sem parar de caminhar. Ignoro por um momento o frenesi no meu
peito para prestar atenção na sua justificativa. — É você se permitir ser uma garota de novo;
jovem e cheia de vida. Usar essa peça é um salto enorme na sua evolução. Você ser livre do seu
passado, me excita mais do que tudo.
Não tem como contradizer algo assim. Ele... ele sempre me desarma.
Só que eu me preocupo muito de entrar no hospital; várias pessoas da direção não nos
veem com bons olhos ainda – e acho que nunca verão. O instituto é tolerável agora, depois de
muita terapia, lá é desconhecido demais.
Marcus teve que lutar com os acionistas e a própria mãe para permanecer no cargo.
Queriam substituí-lo por causa do escândalo, foram necessárias longas reuniões para ele provar o
seu valor muito além de fofocas na internet.
— E se eu ficar zanzando e prejudicar você? — A pergunta sai em voz alta.
— Você tem o direito de ir e vir onde bem quiser. Além disso, está mais do que na hora
de se acostumarem em nos ver juntos em todos os ambientes, inclusive, o meu trabalho. —
Marcus entrelaça nossos dedos, me oferecendo um sorriso bonito. — Você nunca foi na minha
sala, de repente estou muito tentado em te mostrar.
— De repente, né? Justo hoje? — Olho para a sua mão, ainda parada de forma discreta na
frente do corpo, e acabo rindo.
— Especialmente hoje. — Ele pisca para mim. — Por favor, vamos lá!
Como diz não para esse homem?
— Tá bom, mas não vamos fazer nada, viu? — alerto, enquanto entramos no pavilhão
que já é área do hospital. — No máximo, mais uns beijinhos, depois você respira fundo, abaixa
essa barraca armada e voltamos.
— Com certeza. — Algo no seu sorriso de lado não me convence muito. — Jamais fiz
nada aqui dentro, eu sempre levei o trabalho à risca e certinho demais.
Dessa parte, eu acredito.
Continuamos caminhando até o andar da sua sala e, toda vez que alguém nos observa
mais intensamente, Marcus faz um carinho com seu polegar na minha pele. Os dedos tão
calorosos sobre os meus não permitem que eu fique ansiosa demais.
Se comentam algo, sinceramente, eu também não escuto porque ele vai conversando sem
parar durante todo trajeto.
— Quando você estiver mais à vontade, eu faço um tour pra conhecer tudo com calma.
Por enquanto, meu canto é o suficiente. — Marcus segue por uma sala menor, que está vazia sem
a secretária, e depois abre a porta de outra que é espaçosa, discreta e elegante.
Não me passa despercebido que ele tranca antes de seguir atrás de mim.
— Achei a sua cara! — Sorrio, observando dezenas de troféus e quadros de honra
exibidos em uma das paredes.
Parece com a sala de um executivo dedicado ao trabalho, estudioso e sério.
— É a sala antiga que eu tinha desde a época de chefe de cirurgia. Minha mãe
permaneceu com a que era do cargo de CEO. Não faço questão de um lugar enorme e luxuoso
demais.
No fim das contas, somos bem mais parecidos do que imaginei no início.
— Muito bonita, a vista também é incrível aqui do alto. — Observo pela janela de vidro a
imensidão do azul do céu, de outros prédios e pessoas minúsculas passando na rua.
— O melhor de tudo é que esses vidros são reflexivos; a gente vê, mas ninguém lá fora
consegue nos enxergar aqui.
Arfo quando Marcus para atrás de mim e desce os dedos pela lateral da minha cintura,
apalpando a minha bunda logo em seguida.
— Você disse que nunca fez nada aqui dentro, todo certinho e tal... — Viro na sua
direção, afastando sua mão boba. — Não vamos mudar isso, eu avisei que no máximo uns
beijinhos.
— Primeiro, eu usei o verbo no passado. Estou em processo de melhorar meu vício em
ser workaholic. Todo executivo normal já pegou alguém no escritório, preciso seguir a cartilha.
— Sorrio da sua cara de pau e ele faz o mesmo, voltando a tocar minha bunda. Pior que nem
posso negar, pelo menos nos livros, sempre há pegação nos bastidores empresariais. — Segundo,
e mais importante, um beijo nunca é apenas um beijo com a gente. Eu ainda estou duro por te ver
toda linda e vim falando com você de um monte de aleatoriedades o caminho inteiro. Se te beijar
aqui dentro, não vou parar até te comer na minha mesa. Confesso que já até sonhei com isso;
seria uma lembrança e tanto para a minha rotina.
Para provar suas palavras, Marcus pega a minha mão e coloca em cima da sua calça.
Umedeço os lábios, não resistindo em apalpar sua ereção. Olho dele para a mesa e, confesso, se
torna uma opção tentadora demais.
— O que você sonhou? — instigo, tomando a decisão safada.
Nenhum medo ou receio meu é maior que o desejo por Marcus.
— Que eu te chupava, mordia sua bunda e te pegava por trás, com você apoiada na mesa
— conta, cortando ainda mais nossa distância. — Você tinha que gemer bem baixinho porque
minha secretária estava do lado de fora com vários acionistas.
Ainda bem que a segunda parte não tem como acontecer; a secretária nem está ali.
— Lembra quando você me ajudou na cachoeira e entrou no papel? — pergunto e ele
balança a cabeça em concordância, divertido. — Bom, acho que agora eu posso te ajudar. Deus
me livre você ficar aguado por sonho, não é?
— Concordo plenamente, estamos aqui já. Não custa nada tornar o pobre sonho uma
realidade.
Sorrio nos seus lábios quando Marcus segura meu rosto e vem me beijar. Como ele disse,
um beijo nunca é apenas um beijo com a gente, e por mais que estivéssemos em tom de
brincadeira, logo o clima fica denso.
Quente demais.
Sou empurrada até a mesa e virada de costas com tudo no tampão. Afasto como dá os
principais objetos para não correr o risco de quebrar e me apoio com uma mão em cada lado do
seu computador.
Escuto o barulho do Marcus tirando seu paletó e, em seguida, se ajoelhando atrás de mim
para embolar o vestido na minha cintura.
— Vamos tirar isso aqui também e guardar no meu bolso. — A calcinha escorrega pelas
minhas pernas e olho para trás a tempo de vê-lo inspirando meu cheiro no seu nariz.
— Você quer que eu fique sem calcinha o resto do tempo que estiver aqui? — questiono,
adorando ver sua pupila se dilatar por minha causa.
— Não! Já basta um monte de marmanjo ficar babando na minha mulher. — “Minha
mulher.” Ah, Deus, hoje ele já me chamou de duas coisas novas. — Eu tirei pra facilitar isso...
Sem dizer mais nada, ele pega o meu quadril para me deixar bem curvada para si e dá
uma mordida forte na minha bunda. Cerro os dentes para não chiar de dor, sentindo a carne
latejar; tenho certeza que ficou marcado.
Antes que eu possa me recuperar, sou invadida por dois dos seus dedos que começam a
deslizar para dentro de mim. Marcus pega toda lubrificação e espalha pela minha intimidade.
O arrepio na minha nuca aumenta ao abrir as bandas da minha bunda, abaixar a cabeça e
enfiar a cara no meu centro. Uma de suas mãos finca no meu traseiro para me deixar no lugar e a
outra acaricia a minha coxa, me fazendo murmurar sussurros ofegantes.
Seu rosto todo é usado para me dar prazer, respirando rápido e roçando nos lugares
certos. Mordo a bochecha para segurar o gemido quando a carícia se intensifica e ele sobe para o
ânus.
Marcus foca em penetrar o orifício com a língua e me faz arquear o corpo na mesa,
arranhando o móvel para não fazer barulho.
— Você gosta da minha boca no seu cu, né, minha putinha safada? — Concordo com a
cabeça, inebriada. — Prometo que de noite eu te faço gozar só assim, agora meu pau precisa te
comer!
— Vem, estou pronta pra você encher minha boceta de porra.
Desde que passamos a ser exclusivos um do outro, paramos de usar camisinha. E, nossa,
é indescritível como eu amo sentir meu homem inchar dentro de mim.
Ciente de que ele também ama essa sensação de me marcar, Marcus não perde tempo e se
levanta, desfivelando o cinto e abaixando a calça social. Seguro as laterais da mesa à medida que
aumenta a intensidade das estocadas; seus dedos afundam na carne da minha bunda ajudando no
movimento de entrar e sair.
Sobressalto-me na mesa com o barulho de alguém tentando abrir a porta. Marcus percebe
também, mas não para de meter.
— Ele não costuma trancar, com certeza deve estar pelo hospital ou no instituto ainda. —
Escuto uma voz feminina.
— Ah, tudo bem. — É o Noah, puta merda! — Avisa que eu não vou poder almoçar
com ele, por favor. Me colocaram pra auxiliar na primeira cirurgia depois da volta da
reabilitação, ficarei horas em operação.
— É o seu filho e a sua secretária ali fora — sussurro, tentando me afastar. — É melhor
pa...
Mordo a bochecha com força quando o filho da puta dá uma estocada profunda, subindo
os dedos pela minha coluna. Sem diminuir a velocidade, Marcus inclina seu peso sobre mim e
tira o cabelo das minhas costas. Um arrepio percorre todo meu corpo quando ele lambe minha
nuca e sussurra no meu ouvido:
— É só ficar quietinha, eu não vou parar até fazer o meu amor gozar gostoso comigo.
— Você me chamou duas vezes de amor hoje — comento, amolecendo o corpo para o
seu toque; toda rendida.
De repente, nenhum barulho externo importa; só o volume alto do meu coração batendo
rápido por ele.
— É o que você é. Pensei que já tivesse deixado claro isso, muitas vezes.
Mais duas estocadas, eu arfo, me inclinando sobre a mesa.
— Você demonstra sempre, mas não tinha dito as palavras — sussurro de volta,
rebolando contra o seu pau.
Eu também não externei, apesar de sentir esse amor todos os dias nos últimos meses. No
fundo, bem no fundo, algo em mim ainda duvidava que fosse realmente dar certo.
— Eu te amo, eu te amo, eu te amo! — A sua respiração quente e entrecortada falando
isso no meu ouvido quase me faz chorar de emoção e êxtase ao mesmo tempo. — Não haverá
mais nenhum dia, pelo resto dos dias que estivermos juntos, que eu não vá te deixar isso bem
claro com gestos e palavras. Na cama, na vida, em tudo... eu amo você, Cecília.
— Eu também te amo — confesso, sentindo uma lágrima escorrer pelo meu rosto. — De
todo meu coração!
Com mais uma arremetida profunda, entrego-me ao ápice, fechando os olhos tamanha a
intensidade que me acomete. Minha pele arrepia e meu corpo inteiro parece pulsar junto com ele.
A sensação se amplifica ainda mais ao notar seu líquido quente me invadir.
Eu estava errada sobre finais felizes.
Eles existem, e eu sou merecedora dessa felicidade.
2 anos depois
Confiro as horas no relógio de pulso e olho impaciente para o painel do elevador, que
parece não subir nunca. Merda! Talvez não tenha sido uma boa ideia sair para comprar um
presente para a minha mulher, tão próximo do horário do seu compromisso. Logo eu que odeio
atrasos, serei o responsável pelo nosso em um dos dias mais importantes da sua vida.
Pelo menos, tive a inteligência de me arrumar primeiro antes. Será um problema a menos
agora.
Assim que chego à cobertura, salto para fora às pressas até nosso apartamento. Mal abro
a porta, sou tomado pela sua visão exuberante zanzando de um lado para o outro na sala, com um
telefone na mão.
— Graças a Deus, ele chegou aqui! Valeu, obrigada. — A ouço falar para alguém na
linha, desligar a chamada e vir na minha direção.
Não consigo reagir e fico parado com metade do corpo para o lado de fora.
Uau!
Faz quase três anos desde que a vi pela primeira vez e Cecília ainda tem o poder de me
deixar atônito com a sua beleza. Acho que isso nunca vai mudar. Ela é o melhor check-up para o
meu coração; sempre contribuindo para o órgão trabalhar a pleno vapor.
— O que aconteceu que você sumiu? — pergunta em um misto de preocupação e
ansiedade, colocando o telefone no aparador próximo à porta. — Estamos atrasados e você quase
me causou um infarto!
A cada passo mais perto, meus olhos ganham vida própria apreciando o longo vestido
amarelo-dourado, no estilo sereia; largo na altura dos pés e mais justo à medida que abraça as
curvas do seu corpo pecaminoso.
— Porra, você está formidável!
Fico preso na imagem do seu busto nu, com o tecido caindo de forma graciosa pelos
ombros. O decote… caralho! É de um V profundo que me hipnotiza para seus seios.
Se tivéssemos cinco minutinhos…
— Parafrasear Richard Gere agora não vai limpar a sua barra, bonitão — Cecília
repreende, buscando meu olhar para focar no seu rosto. Sorrio porque parece que foi de
propósito, mas saiu naturalmente. — Não tem graça! Você disse que precisava resolver uma
questão rápida e sumiu! Deixou o celular pra trás, foi sem o motorista… estava surtando aqui.
Ando tão diferente nos últimos tempos que esqueci completamente do meu telefone.
Antes, jamais ficaria sem ele, aproveitando cada minuto livre para responder e-mails ou ler
documentos importantes.
Como vamos para o evento com uma limusine que contratei, deixei Jorge de folga e não
quis chamá-lo de volta para algo que pensei ser simples.
— Me desculpa, amor — digo sincero, ajeitando a postura para entrar. — Demorei
porque saí pra comprar um novo colar pra você. Pensei que seria rápido, tem várias joalherias
aqui em torno da área do hospital, só que não estava achando o que queria e perdi a noção do
tempo indo mais longe.
— Colar, Marcus? — Ela aponta o dedo para o pescoço, mostrando a gargantilha
brilhante que está usando. — Você mandou fazer essa joia caríssima, exclusivamente para o
evento. Não preciso de outra!
É verdade.
Eu encomendei uma cópia da gargantilha de diamantes, mostrada no filme Uma linda
mulher, de uma designer de joias americana. Seu vestido desta noite também é inspirado no
mesmo modelo usado pela personagem; em uma forma de homenagear os fãs do seu trabalho.
É inegável que a comparação ajudou muito em todo sucesso que Cecília tem feito nos
últimos anos. A gente gosta da analogia, se diverte com mensagens online e comentários
presencialmente sempre que nos param. Só que, enquanto a observava arrumar o cabelo mais
cedo, fiquei me lembrando do apelido que Lis a chamava.
De repente, ao invés de uma joia extravagante, me veio uma vontade imensa de
presenteá-la com algo que a represente melhor.
— Sei que não precisava, mas acho que essa é mais a sua cara. — Passo finalmente pela
porta e estico as mãos, abrindo a caixinha aveludada que estava segurando.
Em um primeiro momento, seus olhos observam o movimento com certo desdém, como
se duvidasse que era necessário perder tempo com isso. No entanto, assim, que o pingente entra
no seu campo de visão, é instantâneo a mudança.
Seus cílios tremem, vidrados na imagem, e sua boca se entreabre em um suspiro que faz
meu coração acelerar de novo, junto com o movimento do seu peito que estufa de surpresa.
— Ah, merda, agora você está desculpado — ela comenta com a voz embargada e os
olhos cheios de lágrimas. — Desculpado por hoje e por todos os seus possíveis erros futuros.
Que coisa mais linda, amor!
Meus lábios se expandem, em resposta à sua reação, e eu tiro o colar da caixa enquanto
ela se livra da pesada gargantilha de diamantes do seu pescoço. A peça nova é muito mais leve;
apenas um cordão longo de ouro com uma delicada pedra de citrino no centro, lapidada no
formato de uma chama de fogo.
— Esse presente é um lembrete para nunca se esquecer do poder que possui — enalteço,
deixando a caixinha no aparador e dando a volta atrás do seu corpo. Afasto seus cachos para o
lado com delicadeza e me inclino para sussurrar no seu ouvido. — Você sempre será uma
pequena “Faísca”, que só precisa acreditar em si para espalhar a sua chama por onde quiser. Esta
noite prova que pode ir muito longe, basta se permitir.
— Ah, Marcus, eu te amo tanto — Cecília declara, emocionada, fungando em um choro
de felicidade. — Obrigada por acreditar em mim. Você é um dos principais combustíveis que
ajuda meu calor a se expandir.
— E vou continuar sendo — juro, convicto, passando o colar pelo seu busto para prender
o fecho. — Seremos, pra sempre, você e eu. Contra o mundo, se for preciso! Eu amo você.
Termino de colocar o colar, deixo um beijo carinhoso na sua nuca e me viro para
observá-la com ele. Minha linda garota está segurando o pingente entre os dedos; rindo e
chorando ao mesmo tempo. Eu amo quando aciono essa sensação de plenitude nela.
Ficou realmente lindo; uma peça especial, delicada e discreta como ela.
— Eu nunca mais vou tirar do meu pescoço! — confessa, radiante. — É perfeito, o
melhor presente que você já me deu. Não chega aos pés das outras joias, perfumes, bolsas,
carros, viagens… nada!
— Nada? — brinco, provocante. Enlaço Cecília pela cintura e uma das minhas mãos
desce automaticamente para a base da sua coluna. É sempre assim, meu maior vício. — Nem
mesmo a viagem que fizemos para a Grécia, mês passado? Se eu me lembro bem, você gritou
bem alto, no meio de um orgasmo, que nada ia superar aquilo.
Finco meus dedos na carne macia da sua bunda, amassando o tecido do vestido, e trago-a
mais perto de mim. Nossa respiração fica ofegante com o baque dos nossos corpos e eu tenho
certeza de que minha bela esposa se lembra da mesma cena que inunda minha mente.
Nós dois nus na areia da praia deserta, apreciando um pôr do sol paradisíaco enquanto
eu como seu rabo gostoso; rápido e fundo.
— Essa… — Cecília geme baixinho quando desço meus lábios pelo seu rosto molhado e
mordisco sua orelha; apalpando seu traseiro com ainda mais vontade. — Essa viagem fica como
o melhor presente de mesversário de casamento. Sem dúvidas, não dá pra ganhar disso.
— Não duvide das minhas habilidades em mimar a minha mulher. — Sorrio na sua nuca,
passando a língua pela pele cheirosa. — Fechei ontem o destino da nossa próxima comemoração
e, acredite, vai ser melhor.
Sim, me tornei o cara brega que celebra cada mês na presença da pessoa amada, igual
vários pais têm feito nos aniversários dos seus bebês. Sem pular nenhuma data, viajamos pelo
menos um fim de semana a fim de sair da rotina e curtir juntos.
Mês passado, nos hospedamos em uma ilha grega particular, que aluguei exclusivamente
para nós. O próximo destino será uma cabana de luxo no deserto de Lahbab, em Dubai, que
marca nossos dezoito meses como marido e mulher. A experiência promete um dos céus
estrelados mais incríveis do planeta. Estou ansioso para fazer Cecília, literalmente, ver estrelas
enquanto a faço gozar.
— Vou contar os minutos para as próximas duas semanas, então… confio em você!
— Pode confiar! — Subo a mão que está na sua cintura, até a curva dos seus seios, e
passo o dedo indicador por todo detalhe do decote. — Falando em minutos, amor… que tal se
atrasar só mais cinco? Eu queria tanto te foder agora… tanto!
— Marcus, não me tente… — murmura rouca, rendida ao meu toque. — Seda amassa
muito fácil, você já está fazendo um estrago com essa mão pesada na minha bunda.
— Prometo que eu vou me comportar. — Diminuo o aperto no seu traseiro e arranho
minha barba no seu rosto. — Por favor, linda. Aposto que está molhada, vai ser rápido. Eu te
apoio ali na parede e meto com jeitinho.
— Droga, amor, é muito golpe baixo me fazer imaginar a cena. — Ela amolece o corpo e
eu sorrio; vai ceder. — Tá bom, mas você precisa me comer…
— Ah, que bonito! — Nós dois nos sobressaltamos com a voz alta da Laila ecoando pela
sala. — Eu dirigindo igual uma idiota neste bairro à toa e você aqui querendo dar uma rapidinha
com o marido sumido…
— Meu Deus, amiga, desculpa, esqueci de você! — Solto um muxoxo quando perco a
chance e Cecília se afasta dos meus braços. Haja imagem de crânio aberto na minha cabeça agora
para conseguir diminuir esse pau duro. — Ele chegou faz uns quinze minutos, me distraí com um
presente que me deu e esqueci de te avisar pra parar a busca.
— Eu sei bem o que você estava prestes a dar! — Laila ralha, mas acaba rindo. — Sua
mulher é exagerada demais, Marcus, pensou que tinha se envolvido em um acidente, sofrido um
mal súbito e até sido sequestrado…
— Meu Deus, só desgraça! — Sorrio, repetindo a imagem mental da pele sendo cortada
para alcançar a massa de tecido mole e esponjoso.
— Você nunca some assim sem se comunicar, eu fiquei apavorada! — Estava tão imerso
na procura da pedra preciosa no formato certo que nem pensei em pedir o telefone de alguém
emprestado. — Liguei para todos os nossos amigos. O desespero foi tanto que cheguei a falar
com Noah, era com ele que estava na linha quando chegou. A próxima opção era a sua mãe.
— Até a dona Rita? — Amplio a risada, sabendo que seria um esforço enorme para
Cecília fazer isso.
Meus pais ainda não conseguem engolir nosso relacionamento. Quando nos encontramos,
sempre em eventos do hospital, há apenas cumprimentos cordiais à distância.
Nós conversamos, não me afastei deles, porém, não somos tão próximos como antes.
Com meu filho, a relação da Cecília também é neutra, embora ele tenha pedido perdão
pelo que fez e eu acredite que, realmente, foi sincero. Noah frequenta bastante a minha casa
atualmente, só que os dois não têm muito assunto; assim como acontece com Sofia. Eu respeito e
entendo o lado delas. Aceitar o perdão não significa esquecer.
Para mim, já significa muito que, mesmo sem morrer de amores, minha esposa sempre
esteve ao meu lado e me apoiou com relação à sua dependência química. Foram três internações,
em pouco mais de dois anos, e só na última pelos motivos certos.
Faz seis meses que Noah está limpo e nossa relação está voltando a ser o que era antes.
— Pra você ver o nível do desespero. — Laila revira os olhos, se aproximando da amiga
para arrumar o vestido que eu amassei. Em pensar que eu poderia estar socando o meu quadril
nessa bunda, bem ali apoiado na parede… massa encefálica, massa encefálica, massa encefálica.
— Quando a equipe de cabelo e maquiagem terminou de arrumá-la, desci junto pra dar uma
volta nas redondezas antes que a bonita infartasse aqui. Achei que daria em algo? Não! Mas o
que não fazemos pela best…
— Estou te devendo uma, pode pensar em algo bem cabuloso! — Cecília a abraça pelo
ombro, sorridente.
— Ah, pode ter certeza que vou! — avisa, sorrindo também. — É horrível dirigir com
saltos tão altos.
O toque de uma chamada interrompe o momento entre amigas. Mais perto do aparador,
pego o aparelho da minha mulher e vejo o nome da sua irmã na tela.
— Cadê você? — Sofia fala tão alto, assim que é atendida, que escuto à distância. —
Chegamos faz uns quarenta minutos já. Está lotado!
— Nos atrasamos aqui, Sofi. Estou saindo do apê em instantes…
— Saindo? Por Deus, sua sobrinha está me deixando louca de tanto perguntar que horas
vai sentar lá na frente pra assistir você contar…
— Marcus chegou agora há pouco — Cecília corta a irmã, enfatizando meu nome e me
observando de esguelha. — Diz pra ela esperar só mais um pouquinho.
Era para todos terem vindo para a cobertura com a gente essa manhã a fim de irmos
juntos de limusine para o evento. Só que como um dos pôneis novos que dei de presente para a
Lis teve filhote, nada no mundo fez a menina arredar o pé do sítio.
Nossa residência oficial agora é lá.
Reformei o espaço e construí duas casas no terreno. Eu e Cecília estamos em uma; e
Sofia, Lis, Rodrigo e a filha dele em outra. Minha cunhada se casou no começo do ano e
queríamos muito manter a ligação próxima entre nós. Foi então que surgiu a ideia da mudança. O
contato com a natureza é ótimo para duas crianças adoentadas; além da localização nos dar uma
privacidade que não tem preço.
Para não atrapalhar a rotina de trabalho e tratamentos na capital, comprei um helicóptero
e todos os dias viajamos até o heliponto do hospital. Este apê está pertinho do Emília Lobato e
nos serve de apoio sempre que necessário. Rodrigo também manteve a sua antiga casa como
facilitadora da estadia aqui.
Como Sofia nunca mais teve uma recaída, assumiu os cuidados integrais da filha e é ela
quem anda de um lado para o outro levando a médicos e à escola. Minha esposa geralmente fica
no sítio, se inspirando com o ar puro, para escrever seus novos livros.
Via de regra, eu trabalho de segunda a sexta no máximo até às sete, e no sábado até às
quatro da tarde – com muito mais flexibilidade que antes. Se precisar sair para ficar com a minha
família, não penso duas vezes e isso não atrapalhou em nada o desenvolvimento do hospital que
segue destaque na América Latina.
Inclusive, o sucesso da história contada no livro e na telinha aumentou consideravelmente
a procura pelo Emília Lobato. As pessoas ficaram curiosas com nosso trabalho, que é destacado
no enredo como exemplar.
Assim que Cecília desliga a chamada, de fato pegamos a estrada para não atrasar mais.
Com o trânsito livre, em vinte minutos estacionamos na frente do luxuoso teatro que está
recebendo o maior prêmio do cinema nacional.
O burburinho com nossa presença é imediato. Logo que pisamos no tapete vermelho,
dezenas de repórteres e fotógrafos se aglomeram a fim de registrar o momento e perguntar das
expectativas para levar o troféu mais cobiçado da noite. Cecília já tem garantido o prêmio de
maior audiência, porém, há uma grande chance de levar também a estatueta de melhor filme de
ficção.
Se de fato se concretizar, e estou torcendo muito para isso, será um feito inédito ter uma
história de romance erótico, baseada em livro, sendo consagrada nessa premiação tradicional.
Enlaço a cintura da minha linda mulher e desfilo com ela pelo espaço esbanjando todo
meu orgulho pelo seu talento. Está realmente lotado e só conseguimos chegar ao auditório
quando anunciam que a cerimônia será iniciada.
A área reservada para nossos convidados é bem próxima da porta de entrada, então, logo
conseguimos identificar Laila que veio na frente, Sofia e sua tropa; além de Nívea, Noah, Felipe,
Bruna, Cilene, Débora, Nanda e Miguel, um stripper bonitão da Ishtar que nunca consegui ir com
a cara porque aparece na história da minha mulher como seu alívio sexual na época em que
trabalhava como garota de programa.
Ainda bem que ela nunca mais precisou se prostituir, porque eu me descubro a cada dia
mais ciumento. Acho que ia enlouquecer se transasse com outros.
Tereza e Corinne também estão presentes, vieram da França só para acompanhar a
premiação. Aceno para as duas, muito contente de ver que minha ex-esposa está realizada na
vida pessoal e profissional. Ela se casou e foi contratada como diretora de inovação pela maior
concorrente da Futech na Europa.
— Tia Ceci, você ve… veio de carro… carroça? — Lis se aproxima de nós, emburrada,
movendo os braços e as pernas em movimentos involuntários. Seu rostinho se contorce em dois
tiques seguidos. — Que demora!
— Perdão, meu amor. Demorei porque o tio Marcus foi comprar um presente pra mim.
Olha que lindo! — Ela se abaixa e mostra o pingente para a sobrinha.
— Uma… uma faís… faísca? — Lis confirma, desmanchando a carranca e abrindo um
sorriso. — É linda, tia. Com… combina com vo… você.
— Sim, será meu amuleto da sorte a partir de agora! Faísca foi um apelido que eu amei e
sempre vou guardar no coração.
Com quase nove anos, nossa pequena não tem mais a mania de inventar apelidos com
personagens para todos que conhece. É uma pena, eu amava. Seus gostos mudaram bastante,
exceto, a paixão pelos pôneis de verdade. Mas o importante é que está se desenvolvendo bem, na
medida do possível – tudo que queremos é que cresça cada vez mais e viva todas as fases da sua
vida.
Os sintomas da doença de Huntington progrediram, contudo, mais controlados por causa
do trabalho que temos feito no instituto. Nossa maior conquista foi conseguir manter sua
memória em bom estado. Praticamente se estabilizou; Lis esquece apenas às vezes, como antes.
Com os espasmos não teve jeito, eles ficaram mais fortes e acompanhados de tiques no
rosto, principalmente na boca, por causa da dificuldade de engolir que também afeta sua fala. Ela
não costuma mais errar palavras, porém, a pronúncia fica complicada.
Houve ainda aumento da irritabilidade, seguida de picos de desânimo profundo. A
pequena está tomando remédios para depressão a fim de aliviar esses sintomas psíquicos que são
comuns da doença.
Daqui a três meses e cinco dias, teremos um novo marco no seu tratamento que torço
para ser o último. Quando iniciamos as pesquisas de terapia celular para a DH, junto com o
hospital americano que é nosso parceiro, eu fiquei muito próximo do CEO de lá e pude relatar
minha experiência pessoal com um familiar enfrentando a enfermidade.
Seu melhor amigo é dono da maior rede farmacêutica no país, que investe há anos em
pesquisas com células-tronco para pacientes com Huntington, e ele prometeu que se
conseguissem algum avanço primeiro – o que sempre foi o mais provável pela diferença de
tempo de pesquisa – iria me ajudar a inserir Lis nos ensaios clínicos.
Por meio de manipulação genética, a farmacêutica foi capaz de remover do DNA a
sequência responsável pela degeneração dos neurônios e substituí-la por outra. Caso o
experimento, realizado em um organismo de laboratório e em animais, também tenha uma
resposta positiva com humanos, será a maior esperança atual da ciência para a cura da DH.
No mínimo, acredito que pode aumentar a expectativa de vida da Lis, atualmente,
estimada em menos de quatro anos.
— Boa noite, senhoras e senhores! — A voz grave do apresentador no palco do auditório
me tira dos devaneios e traz de volta ao presente. — Por favor, dirijam-se aos seus lugares
porque vamos entrar no ar em cinco minutos.
— Ai, meu Deus, agora está mesmo na hora! — Minha esposa bate o mindinho contra o
polegar, esfregando a barriga.
Ela já ganhou prêmios literários e sempre fica nervosa. Hoje, imagino que a ansiedade
seja ainda maior, pois consagra seu dom de contar histórias em outro patamar.
— Nossa, até… até que enfim! — Lis murmura, balançando os dois braços em um
espasmo. — Eu não ve… vejo a hora da no… notícia! O tio Marcus vai…
— Todos vamos ficar muito emocionados, com certeza! — Sofia corta a filha,
entregando-a no meu colo. Devido aos espasmos mais constantes, sua caminhada está lenta e
pode causar queda em um ambiente lotado.
A direção do filme liberou dois lugares, junto com a equipe, para a Cecília levar
acompanhantes que possam assistir à revelação mais perto do palco. O auditório é enorme e
cheio de repartições, onde estamos agora é bem distante.
Nos despedimos dos demais, que desejam boa sorte eufóricos, e caminhamos juntos até a
segunda fileira da frente, onde o diretor nos recebe, caloroso. Ele se tornou um amigo da família,
pois a produção de um filme é longa e Cecília foi muito presente na preparação, nos sets de
filmagem e na fase de edição. Sempre que possível, a acompanhava.
Assim que nos acomodamos, o apresentador avisa que entrarão ao vivo e o cerimonial
começa. O evento tem transmissão pela TV aberta e pelas redes sociais, o que logo anunciam
estar com recorde de audiência também. Nunca tantas pessoas acompanharam online o resultado.
— O fandom de Nosso segredo: O caso secreto do CEO está em peso na live! — o
apresentador mostra alguns comentários no telão ao fundo do palco e sorri na nossa direção. —
Um filme indiscutivelmente amado pela opinião popular, que levou 13 milhões de espectadores
ao cinema em uma época que as pessoas preferem assistir streamings, no sossego das suas casas.
É um feito louvável!
Percebo os olhos da Cecília se encherem de lágrimas, emocionada com as palavras, e
entrelaço nossos dedos me inclinando para deixar um beijo no topo da sua cabeça.
O cerimonial segue premiando várias obras e quando, finalmente, chega o momento da
revelação dos vencedores de melhor filme de ficção, sua mão começa a suar na minha. Aperto-a
com mais firmeza e ajeito a postura na cadeira, com meu coração palpitando contra o peito assim
que novos apresentadores entram no palco e fazem suspense para abrir o envelope.
— E o prêmio de melhor filme de ficção vai para… — Ela merece tanto. Por favor. Por
favor. — Nosso segredo: O caso secreto do CEO!
Porra, ela ganhou!
Ela ganhou!
Levanto da cadeira em um salto, pego Lis no colo e agarro Cecília em um abraço triplo
apertado, enquanto o público presente ovaciona a vitória em palmas e assobios. Seu corpo está
trêmulo sobre o meu.
— Você é foda, amor! — elogio e ela me fita reluzente, acariciando minha barba grisalha
com carinho em meio às lágrimas. Seco o seu rosto como dá e deixo um selinho nos seus lábios
que tanto venero. — Vai lá aproveitar o seu momento de brilhar porque merece demais essa
conquista.
— Para… parabéns, titia Faí… Faísca! — Lis usa o apelido antigo, trazendo ainda mais
pranto para o rosto da minha esposa.
— Amo vocês — sussurra com a voz embargada, antes de ser roubada dos meus braços
pela equipe do filme que também quer parabenizá-la.
Trocamos cumprimentos e eu acompanho à distância ela subir ao palco ao lado do
diretor. Volto a colocar Lis no seu lugar e me sento para ouvir o agradecimento dele e depois o
seu.
Quando a luz é direcionada para si, e o microfone entregue na sua mão, perco o fôlego
por um momento. Ela é linda demais!
— Nesses últimos anos, acho que vocês perceberam que eu não sou muito de falar em
público. Me expresso melhor com as mãos e através de personagens. — Cecília só o faz quando
realmente é necessário e de forma sucinta; prefere atender aos fãs um a um do que subir em um
palco ou dar entrevistas. — Também devem ter notado que, apesar de toda exposição da minha
história no livro e no filme, no dia a dia, pouco falo da minha vida. Hoje abrirei uma exceção.
Nenhum de nós mantém canais pessoais nas redes sociais. Já recebemos centenas de
convites para participar de programas e matérias a fim de revelar mais sobre nossa rotina, como
uma espécie de continuação da história, mas preferimos deixar nosso “final feliz” no particular.
— Sou profundamente grata à minha família, aos meus amigos, a cada fã e profissional
que me ajudou a chegar até aqui, no entanto, peço licença para um agradecimento especial. —
Um sorriso se expande no meu rosto e não consigo desviar os olhos dela quando me encara
diretamente do alto. — Marcus, nada disso seria possível sem você. E não digo apenas com
relação à nossa história de amor que acabou de ser consagrada em uma grande premiação. Tão
importante quanto foi o meu amor-próprio, que floresceu com raízes profundas, depois que te
conheci. Por muitos anos, eu vivi em função de outras pessoas. Não me arrependo disso um
minuto sequer, porque minha irmã e minha sobrinha são tudo para mim, só que eu também
precisava ser algo. Foi com você que me redescobri muito além de uma garota de programa ou
de alguém que faz tudo pela família.
Engulo em seco, sentindo meu sangue correr mais rápido pelas veias. Com ela, eu me
redescobri um homem muito além do trabalho e da carreira.
Descobri que podia ser feliz de verdade.
— Desde que você apareceu na mídia e me assumiu para o Brasil inteiro, apesar de tudo
que poderia perder com isso, eu tenho vontade de fazer o mesmo e me declarar para você de cara
limpa, fora de um livro ou filme. Eu queria agradecer publicamente por me enxergar e me ajudar
a olhar no espelho. Agradecer por me ensinar e me encorajar todos os dias — confessa entre
risos e lágrimas, segurando o pingente de chama de fogo entre os dedos. — Há uma semana,
surgiu a oportunidade e eu sabia que esta noite seria perfeita para isso. Confirmei a importância
de colocar pra fora quando você chegou em casa me dando este colar.
Uma semana? Noite perfeita?
Me movo na cadeira, inquieto, não entendendo muito bem o que quer dizer. Meu peito,
porém, se aquece como se já soubesse o que está por vir.
Cecília conta à plateia sobre os apelidos que Lis nos deu e a comparação que eu fiz sobre
o experimento químico da gota do Príncipe Rupert. Ela também compartilha porque nos
atrasamos para o evento.
— No dia que eu planejava te lembrar o poder de uma faísca, você fez o mesmo por mim.
Nossas almas têm uma conexão que precisa ser mostrada para que ninguém duvide do amor. Por
mais que pareça inalcançável ou fantasioso, como eu achava que era, ele existe! Não está apenas
nos livros, nos filmes ou em personalidades que acompanhamos à distância. O amor existe a um
suspiro de distância. Está por aí na fila de um banco, no meio da balada ou até mesmo na
despedida de solteiro do seu melhor amigo. — Minha esposa desce a mão livre pelo corpo e
apoia na altura da barriga. Fixo o foco nos seus dedos, acariciando a pele por cima do vestido, e
meu coração dispara, preenchendo meu corpo inteiro de uma energia visceral. Puta que pariu!
Ela… nós. — Você estava certo, Marcus! Água e fogo podem se unir. Enquanto esses elementos
se fundiam, nosso amor, uma vez considerado sujo e errado, se tornou esperança para milhares
de pessoas. Agora, temos uma criação incrível juntos, que em breve vai se transformar em uma
palpável lágrima de vidro!
— Vamos ter um… um filho?! — sussurro rouco e uma lágrima quente escorre pelo meu
rosto quando Cecília balança a cabeça em concordância, aos prantos no palco.
— Sim, meu amor. Vamos ter um filho!
Eu vou ter um filho com a mulher da minha vida!
Vou ter a chance de corrigir os erros que cometi com Noah junto da mulher da minha
vida!
O público entra em frenesi de novo assim que ela anuncia; e Lis quase cai da cadeira do
tanto que pula, eufórica.
Quero segurá-la para não se machucar. Quero me levantar e me unir aos outros que estão
em pé aplaudindo, mas meu corpo permanece congelado no lugar olhando incessantemente para
Cecília.
Sorrimos um para o outro, como se mais ninguém estivesse aqui dentro.
Para mim, de fato, só existe ela agora.
Eu achei que o tipo de ligação que eu sentia com Maria Isabel era única e que jamais
sentiria aquilo de novo. Não quero desmerecer o que tivemos; nós vivemos uma bonita história
de amor.
Só que isso… Cecília e eu. É diferente!
É um turbilhão de sentimentos ao mesmo tempo; com a capacidade de criar um universo
inteiro, em constante expansão, dentro de mim a cada dia.
Nunca houve nada igual. Não tem razão específica, simplesmente é. Como se eu tivesse
nascido para amá-la, mesmo chegando a esta Terra vinte anos antes.
E, porra, não importa a nossa diferença de idade. Eu vou cumprir essa missão até o
último suspiro da minha vida!
FIM
Que alegria chegar ao final deste livro sem tanto desgaste emocional! Quem me
acompanha há algum tempo, sabe que eu passei por um período difícil com crises de ansiedade
que fizeram o prazer de escrever se tornar um martírio.
Procurei ajuda psicológica este ano e foi a melhor decisão que eu tomei. Resolvi tudo em
um passe de mágica? Com certeza, não! Ainda sofri bastante no processo, porém, agora eu tenho
conseguido me acalmar melhor e seguir em frente focada em resolver o problema – não me
afundar mais nele.
Por causa desse avanço incrível para a minha saúde mental, e que está me possibilitando
continuar fazendo o que amo, meu primeiro agradecimento é para a minha psicóloga Tatielli
Bento Gonçalves.
Tati, obrigada de coração por cada conselho e incentivo para deixar a “Cassandra” no seu
devido lugar.
Por terem sido tão pacientes com a esposa e a mãe ausente, também agradeço ao meu
marido Ednelson Prado e aos meus filhos Arthur e Matheus. Sem o apoio de vocês, a minha
carreira não seria possível.
Obrigada ainda às minhas betas maravilhosas Danielle Barreto, Ray Pereira, Letícia
Loiola, Elida da Silva e Pollyana Fonseca – amo vocês e sou muito grata por deixarem essa
história tão especial.
À minha revisora, Barbara Pinheiro, quero dizer: glória a Deus, estamos vencendo! rs
Essa foi a primeira vez desde que comecei a escrever que não a enlouqueci tanto – só um
pouquinho. Obrigada pela amizade e profissionalismo.
Por fim, e não menos importante, agradeço o carinho das parceiras e das leitoras incríveis
que fazem parte do grupo Lindezas da Ari no WhatsApp e as que me acompanham pelas redes
sociais. Obrigada por serem as melhores leitoras que um escritor poderia ter.
Se você gostou dessa história, não deixe de me mandar mensagem no instagram
@arianefonseca. Estou muito tentada a criar uma série com personagens secundários que
trabalham na Ishtar. Laila seria a próxima, seguida de Miguel e Antares. Que tal?
Meu nome é Ariane Fonseca, mas pode me chamar de Ari. Moro em Ubatuba (SP), com
dois filhos e o marido. Tenho 34 anos, sou formada em Jornalismo e pós-graduada em Gestão da
Comunicação em Mídias Digitais. Apaixonada por livros desde criança, decidi em 2017 criar
minhas próprias histórias no Wattpad.
Quero convidá-los a conhecer outras obras minhas, todas são recheadas de emoção, amor,
sensualidade e reviravoltas de deixar o coração quentinho.
Livros na Amazon
- Infinito enquanto dure
- Não te darei meu coração (spin-off de Infinito enquanto dure)
- Transcendente: Pra você guardei o amor
- Inspire | Série Sentidos 1
- Veja | Série Sentidos 2
- Ouça | Série Sentidos 3
- Prove | Série Sentidos 4
- Toque | Série Sentidos 5
- Experimento
- Libertos (spin-off de Experimento)
- The best game
- A fúria do lobo | Cartel Loágar 1
- Nas asas da águia | Cartel Loágar 2
- Enquanto houver sol
- Game over: Play again?
Novelas na Amazon
Minha lista de desejos
Cupido estagiário
Contos na Amazon
Não tenha medo
Sem ar
Saiba mais
Site: www.autoraarianefonseca.com.br
Instagram: www.instagram.com/arianefonseca
Twitter: www.twitter.com/arianefbooks

Você também pode gostar