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Copyright© FRANCIS LEONE

Todos os direitos reservados


Diagramação/ERICA QUEIROS
Revisão/PAMELA TORRES
Leitura crítica/ TACI ALBONICO
Capa/ T.L_DESIGNER E FRANCIS LEONE
Pesquisa editorial/FRAN MORAES

É proibida a reprodução total ou parcial desta obra de


qualquer forma ou quaisquer meios eletrônicos, mecânicos e
processo xerográfico, sem a permissão da autora (Lei9.610/98)

Essa é uma obra de ficção. Os nomes, lugares, e


acontecimentos descritos na obra são produto da imaginação da
autora. Qualquer semelhança com nomes acontecimentos reais é
mera coincidências.
Sumário
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Epílogo
PLAYLIST SPOTIFY
A noite fria caía sobre São Francisco como um manto de mau
presságio, e eu, encerrava mais um dia exaustivo, sobrecarregada da
papelada que poderia ser feita por outros, mas que deixaram sob minha
responsabilidade. Realizar meus sonhos nessa cidade parece cada dia mais
distante, devido as atribulações que transformaram minha vida pessoal e o
meu trabalho.
O escritório tornava-se cada vez mais solitário a cada hora que
passava, mas meu extenuante expediente se estendia, sugando energia do
meu corpo que clamava por descanso. Após finalizar todos os tópicos da
apresentação da campanha de amanhã, finalmente posso ir para casa, já me
vejo sob uma ducha morna e demorada revigorando cada centímetro de pele
exaurida dessa luz artificial. Afinal, nada como um bom banho relaxante
para pôr os pensamentos em ordem.
Ao entrar no elevador, lembro que sexta-feira será o aniversário da
minha filha e mesmo tendo planejado uma festa esse ano, estou
decepcionada comigo mesma por não conseguir fazer do jeito que eu
queria. Os acontecimentos recentes, roubaram meu tempo para a
organização, o dinheiro que pensei em investir e por último, não sei se
temos psicológico para comemorações…
Saindo do elevador, me despeço do segurança com um boa noite
sem graça e vou andando depressa para a saída lateral do estacionamento
subterrâneo. Um aperto em meu peito faz com que tenha pressa, uma pressa
sem explicação.
Chegando no pavimento inferior deserto, a iluminação baixa dá um
ar fantasmagórico com sombras dançantes que só existem na minha
imaginação. É um palco perfeito para a apreensão, apresso o passo, o eco
dos meus saltos cria uma sinfonia solitária. Cada passo ecoa como uma
batida nervosa, porque se alguém estiver escondido perceberá minha
presença.
O ar condensado do espaço subterrâneo parece sufocar, olho ao
redor buscando companhia, mas é em vão. O barulho ocasional de uma
buzina faz o meu coração disparar. Um ruído, antes imperceptível, torna-se
uma ameaça potencial na mente. Chegando ao meu veículo, trêmula de um
medo que nunca senti, procuro as chaves na pequena bolsa para desativar o
alarme. Devia ter procurado enquanto andava.
— Onde está você? Merda, onde enfiei esse controle? — amaldiçoo
até que por fim, consigo encontrar. Rapidamente desativo o alarme e entro
no carro. Suando bicas deixo sair o ar dos pulmões em alívio.
Não devia ter ficado até essa hora da noite no trabalho. O trajeto até
minha casa é um pouco longo, ainda bem que avisei dona Matilda, para
buscar Juliete na escolinha, pois iria me atrasar.
Minutos depois, estaciono em frente ao prédio onde moro. Achava
que a pior parte era no estacionamento das empresas Latarge, mas vejo que
a rua deserta é ainda mais assustadora.
Antes de sair do carro, dou uma conferida na bolsa para confirmar
sobre meu spray de pimenta. Ao sair, fecho o veículo olhando se há
movimentação na rua. Andando poucos metros até a entrada do prédio, um
zumbido distante de uma lâmpada defeituosa me distrai. O medo aumenta
quando noto a solidão da noite ao redor.
A chave do portão treme entre os dedos, um arrepio me alerta para
algo errado. Concentrada na tarefa de abrir o portão não percebo a ameaça
se materializar ao meu lado.
Das sombras, surge um homem grande, mascarado e meu coração
acelera. A voz baixa e ameaçadora me apavora.
— Passa a chave do carro!
Vasculho a bolsa atrapalhada e não encontro a chave.
— Vamos, vadia! Melhor obedecer se não quiser se machucar!
Ele agarra meus cabelos puxando forte, mas antes que o medo tome
conta, algo improvável acontece.
A mão no meu cabelo afrouxa o seu aperto e quando me viro em sua
direção, vejo meu herói salvador afastando o perigo e transformando o
potencial pesadelo em alívio, ao aplicar um mata leão no bandido, largando-
o desacordado no chão.
O choque da situação me faz verter as lágrimas como rios e meu
corpo começa a tremer violentamente dos pés à cabeça. A bolsa cai no chão
espalhando os objetos pessoais na calçada. Ele junta tudo de volta no lugar
e abre o portão com segurança.
— Ei, querida! Está tudo bem agora, já passou. Vou levar você para
dentro. Se acalme.
Meu salvador, me pega nos braços como se eu não pesasse nada.
Observo dois de seus seguranças se aproximando, ele os encara nervoso e
logo dispara ordens.
— Berth, dê um jeito nesse infeliz, leve para a delegacia que vou até
lá em seguida! Adam, você vem comigo.
Subimos o lance de escadas até minha porta, inspiro o perfume que
amo assim que escondo meu rosto em seu peito, ele me enche de boas
lembranças, os braços fortes me segurando e o calor de seu corpo começam
a acalmar meus nervos.
Jamais esperei vê-lo em uma circunstância como esta. Nossa relação
está tão fria e casual que ele aqui é surpreendente.
— Já estou melhor, posso abrir a porta — assim que me coloca no
chão ao seu lado, limpo o choro um pouco envergonhada.
Ele segura preocupado meu rosto entre as mãos:
— Você está ferida? Aquele merda te machucou, Liz?
— Não, graças a você. Obrigada!
— Onde está Juliete?
— No apartamento da dona Matilda. Falei com a ela antes de sair da
empresa.
Entramos em casa com ele nervoso me seguindo sem pedir
permissão se poderia ou não fazer essa escolta, começa a andar de um lado
para o outro na minha sala minúscula.
— Vou fazer um chá antes de buscar a Juju, preciso me acalmar.
Você quer um café? — Sei que deveria estar muito grata, mas por sua
atitude, já imagino que vem uma bronca das grandes.
— Quantas vezes conversamos sobre ficar nesse lugar? Não podem
morar aqui! E o que deu em você para ficar no trabalho até essa hora,
AnneLiz?
Seguro as lágrimas que ameaçam retornar, dentro de mim há um
conflito de sentimentos, bons e ruins, esse homem não pode saber a
verdade, infelizmente mentir é o que devo fazer. Respiro fundo tentando
manter o controle, definitivamente não vou mostrar vulnerabilidade nesse
momento. Preciso ser forte para não perder minha filha.
— Acho melhor ir para a sua casa. — As palavras não saem no tom
que pretendia. — Obrigada por sua ajuda, mas já estou bem, segura,
estou…
— Você não respondeu minha pergunta! Por que ficou até tarde na
empresa? Não esconda as coisas de mim!
Deixo uma risada furiosa no ar.
— Não é preocupação comigo, é ciúmes puro e simples. Fiquei
terminando a apresentação de amanhã, porque vou precisar sair mais cedo
para comprar um bolo no dia do aniversário da minha menina.
Vejo seu olhar suavizando ao se aproximar tentando um contato.
Estendo a mão impondo limites e digo friamente:
— Esse é mais um motivo de não estarmos juntos. Você não confia
em mim! — ele não se detém e segura minhas mãos.
— Você que é covarde. Pedi para confiar em mim, você confiou?
Desvio os olhos do seu rosto aflito. Não queria terminar, mas não
tive outra opção, usariam nossa relação contra mim.
— O que estava fazendo na minha rua? — aproveito para mudar de
assunto.
Ele se afasta rapidamente e disfarça pegando uma xícara na parte
mais alta do armário.
— Queria te ver, falar com você, e ... cheguei na hora certa, sua
ingrata! — Estreito o olhar, meu ex-namorado me segue na surdina, mas
não consegue mentir.
— Não sou ingrata! Você não tem mais que se sentir responsável por
mim!
— Sempre vou cuidar de vocês, AnneLiz. Não importa se
terminamos ou não, entenda isso! Vou deixar Adam vigiando o prédio até
resolver essa questão da sua segurança.
Sirvo o meu chá assim que fica pronto, de queixo erguido, encaro os
olhos castanhos. O fogo está ali, no olhar quente e intenso.
— Não adianta argumentar com você, né?
— Você sabe que não. Agora preciso ir à delegacia cuidar daquele
bandido. Você vai ficar bem?
— Vou, obrigada. Deixe a porta aberta, vou em seguida buscar
Juliete.
Com o aceno de sempre, ele sai. Bebo um gole de chá, sorrio
melancólica pela conversa dele com o segurança no corredor.
— Você fica de guarda até de manhã, mando um carro te buscar.
— Mas chefe, ainda nem fiz a pausa do jantar?
— Delivery, porra! Mas daqui você só sai se quiser outro emprego.
— Entendido!
— E mais uma coisa. Não ouse ficar de conversinha com a minha
mulher, se souber de qualquer coisa diferente além da sua guarda, vai se ver
comigo.
— Sim, senhor.
— E Adam? Pode pedir o jantar onde quiser, não se preocupe com
os custos, só não deixe ninguém entrar aqui.
— Obrigado, chefe.
Mandão e arrogante como sempre, escondendo o coração gigante de
homem justo. É uma pena não ser mais sua mulher. Deus sabe o quanto dói
constatar isso.
Se não fosse por ele, eu e Juliete estaríamos na pior. Jamais esperei
uma atitude dessas depois da forma que terminamos.
— Meu herói mandão...
A armadilha que o destino armou para nós dois essa noite foi cruel.
Vê-lo e conversar com ele é ainda pior. Será mesmo que minha sina é sofrer
calada sem poder amá-lo?
MUITO ANTES DO PRÓLOGO

Enquanto trabalhava concentrada diante a tela do computador, no


atual projeto de marketing da empresa, em minha sala, passei as horas do
dia planejando como chegar e pedir por uma dispensa ao meu supervisor.
Sabendo da antipatia do senhor Jason Anderson por mim, como sua
primeira resposta, já imagino um sonoro não. Mas, para minha filha, faço
qualquer coisa que puder, mesmo que para isso tenha que transpor o seu
mau humor rotineiro. Juliete é meu tesouro, jamais recuso algo ao meu
alcance para educá-la da melhor maneira. Quero criá-la com a inocência de
uma criança que possui uma família comum e não em um lar quase
desfeito. Juju será uma mulher de caráter e decência assim como fui
ensinada a ser.
Enquanto ando em direção a sua sala, penso em Juliete. Minha
menina é sonhadora, de alma bondosa e gentil, não tem noção alguma do
dilema que é o casamento dos pais. De como Daniel é verdadeiramente.
E quando o aniversário dele se aproximou, ela em toda sua doçura,
insistiu em fazer uma surpresa para o papai. Nunca peço nada ao meu
supervisor, mas hoje quero pegar Juju na escolinha para fazer esse agrado,
mais a ela do que ao meu marido. Ele definitivamente não é merecedor.
Chega por fim, a hora da verdade. Levanto, ajeito a minha roupa:
— Seja o que Deus quiser! — Faço o sinal da cruz e vou em direção
a sua sala. Com passos vacilantes, ergo minha mão trêmula até a maçaneta,
olho para frente e leio a placa dourada escrita ‘Jason Anderson’ com a
certeza de quanto pode ser duro o homem atrás dela, o que me faz soltar o
ar pesadamente antes de bater.
— Entre! — A voz pigarrenta é irritada do outro lado. Como sempre
está de péssimo humor.
Obedeço e fecho a porta ao entrar.
— Boa tarde, senhor Anderson. — Tento ser gentil o máximo que
posso.
— Fale logo, AnneLiz! Não vê que estou atolado de trabalho?
— Bom, gostaria de sair mais cedo para pegar Juliete no Jardim de
infância — o olhar que me é dirigido é fulminante... Merda! São só uns 40
minutos mais cedo,
mas para ele parece um dia inteiro perdido e se tratando de mim é
uma ofensa brutal a Jason.
— É aniversário do pai dela e queremos lhe fazer uma surpresa.
— Não entendo, ainda quer agradar aquele traste?
— É o pai dela, senhor, sabe como são as crianças, apegadas e
completamente inocentes aos problemas dos pais.
— Ok... — bufa voltando a conferir os relatórios sobre a mesa. —
Mas compense os minutos que sair hoje, portanto chegue mais cedo
amanhã.
Concordo a contragosto. Velho muquirana! Como se eu não fizesse
horas extras suficientes sem receber quando as vendas estão empacadas.
Ajeito a roupa, agradecendo de forma cordial e saio com um sorriso
engessado na minha cara. Se não precisasse tanto desse deste emprego, já o
teria mandado enfiar esse ego machista bem naquele lugar…
Às vezes maldigo minha própria sorte, com meu currículo poderia
almejar algo melhor, mas as coisas aconteceram de uma forma tão
inesperada, que foi melhor um salário garantido no fim do mês, do que o
sonho da graduação em uma carreira que não havia vagas no momento de
necessidade.
O que me resta é ser grata pelo emprego que me possibilita criar
minha menina. Minha doce Juliete!
De volta a minha mesa, desligo o notebook, pegando a bolsa e o
celular apressada em direção ao elevador.
Andando até o carro que pedi pelo aplicativo, vou remoendo a
situação de não ter conseguido comprar um carro para pelo menos trabalhar.
Não sobra nada para guardar no final do mês e aquele encosto do Daniel,
em vez de ajudar, tira de mim o pouco que consigo economizar.
Faço uma prece silenciosa dentro do veículo a caminho da escola,
rogando a Deus um futuro melhor para Juliete, um que ela seja bem
sucedida na carreira que escolher e que tenha sorte melhor com um homem
decente e gentil, se assim ela desejar.
Ao chegar na escolinha ainda espero alguns minutos até a porta da
frente se abrir e um pequeno exército de crianças aparecer com as
professoras liderando a fila.
A minha anjinha de cabelos loiros vem correndo ao meu encontro, e
como sempre, me presenteia com um abraço caloroso. Ganho um beijo
melado e um sorriso que aquece minha alma. Ela é a razão do meu viver,
minha única alegria. No final do dia, é só isso que desejo, seu sorriso
iluminado me trazendo paz.
— Então, Juju, como foi seu dia na escola? — pergunto segurando
sua pequenina mão enquanto caminhamos em direção a nossa casa.
Sua maneira de andar dando pulinhos para não pisar nas divisórias
da calçada me diverte.
— Desenhamos muitas borboletas, mamãe! A professora é muito
legal — Abre os braços mostrando o tamanho do ‘muitas’ dela.
Minha garotinha é bastante inteligente para a idade que tem, é de
raciocínio rápido e aprende as coisas de modo mais veloz que as crianças da
sua idade, é meu orgulho!
— Que maravilha!! Eram coloridas?
— De muitas, muitas cores, mamy! Um arco íris! — Sorri saltitando
ao meu lado, juntando uma flor murcha que alguém jogou fora.
— Filha, a margarida está morta!
— Acho que consigo salvar a ‘malgarida’, mãe!
Minha risada escapa sem querer.
Palavras novas ainda são um desafio para Juliete, apesar de ter cinco
anos.
— Vamos colocar dentro de um potinho com água.
— Potinho?
— É mãe, um vaso pequeno assim ó. — Faz um círculo com as duas
mãos.
— Certo, podemos fazer isso. — Não vou contrariar nem desanimar
minha pequena. A intenção de salvar a flor está evidente no modo
cuidadoso que a segura.
— E as borboletas, filha? Conte para a mamãe? Devem ter ficado
lindas, eu imagino.
— Sim. Fiz uma enorme de presente para o papai, será que ele vai
gostar?
Não demonstro minha tristeza quando ela se refere a ele.
Daniel é meu maior arrependimento, mas tento não me martirizar,
pois no namoro ele não revelou em nenhum momento sua verdadeira face e
depois, a gravidez acidental me fez aceitar seu pedido de casamento.
— Claro, quem não gostaria de uma borboleta desenhada pela flor
mais linda do nosso jardim? — Beijo seu rosto inspirando seu perfume de
rosas que me traz tanta serenidade.
— Queria um presente... Papel parece tão sem graça... — Faz um
beicinho lindo, mas visivelmente insegura com seu agrado ao pai.
— Não importa o valor do presente, ou do que ele é feito, importa é
quanto do nosso amor está depositado nele. — Seu sorriso volta a iluminar
seu rosto fazendo as bochechas ganharem um tom rosado contrastando com
seus cachos claros.
— Você fez a borboleta com amor, querida?
— Com todo o meu amor, mamãe.
— Então é só o que importa. E seu pai vai reconhecer isso. — Ai
daquele infeliz se desprezar o presente, não vou aceitar seu descaso com
Juliete
Seu sorriso doce e afável é tão reconfortante! E é só isso que
importa para mim.
— Que tal uma música? — Ela assente e iniciamos uma canção
sobre borboletas coloridas pelo caminho até chegar em casa.
As pessoas sorriem quando passam por nós. É difícil não se encantar
com sua personalidade esperta e simpática.
E como demonstra isso cantando e saltitando na calçada ao meu
lado. Vez ou outra cumprimenta um ‘oi’ com sorriso a quem passa ao nosso
lado. Minha serelepe!
Quando chegamos em casa, entramos em silêncio, sei que nesse
horário, Daniel costuma tirar um cochilo por gastar todo o pouco dinheiro
que nos resta na sua vida boêmia noturna. Juliete vai até a cozinha e se
apressa a encher um copo d’água para a margarida e a deixa na mesa,
explicando que é urgente salvar a flor antes de qualquer coisa.
Pé ante pé, pegamos o bolo que eu havia encomendado e deixado na
geladeira. Juju solícita abre a pequena mochila e me entrega o trabalho
colorido, então arrumo toda linda a figura de borboleta desenhada por ela e
vamos para o quarto.
À medida que nos aproximamos, desconfio dos sons abafados que
vem de lá de dentro. Parecem gemidos. Logo me lembro da televisão. Não
acredito que está de novo entocado ali vendo pornografia a essa hora do
dia!
— Segura aqui pra mamãe um pouco? — Entrego o bolo para minha
filha. Preciso desligar essa porcaria antes da pequena entrar.
— Não é uma surpresa, mamy? — ela quer cantar parabéns
enquanto adentra o quarto. Mas preciso protegê-la para seu próprio bem.
— Sim, querida. Mas vou ver se o papai está em casa primeiro ou
esqueceu a televisão ligada novamente...
— Papai anda caduco nesses últimos dias. — Acha graça e solta um
risinho inocente.
— Pois é, quando der o sinal você entra, ok?
— Tudo bem, mamãe — Uma das qualidades de Juju é sua
obediência. Vê-la ao meu lado, sorrindo esperando sua entrada triunfal, me
faz esquecer de quanto seu pai é um babaca machista e inútil.
Abro a porta devagar, espio o interior do quarto, meu choque é
tamanho ao ver que não é da televisão que emite os sons abafados que
escutei pela porta, que em um gesto de pura decepção, minha mão toca o
peito tentando consolar meu coração, sendo por fim, esmigalhado.
Daniel está na minha cama comprada com muito sacrifício por mim,
com uma jovem ruiva e voluptuosa, trepando sobre meus lençóis de
algodão. Usando meus travesseiros como encosto de vagabunda, enquanto
dou duro no trabalho pra sustentar essa casa.
Respiro fundo e nesse instante algo dentro de mim muda, como uma
virada de chave. Encaro com frieza a cena grotesca diante dos meus olhos,
mesmo o ódio dominando meu corpo. A vontade louca de avançar sobre ele
e esganar o infeliz é tanta que dou um passo, mas…
— Já posso entrar, mamãe? — ela se aproxima. Sua voz doce me
tira do estado de torpor e tapo seus lindos olhinhos inocentes.
Não surte! Não entre e quebre os dois, sua filha não pode ver isso,
se acalme!
— Juju, mandei você esperar lá fora! — Minha voz sai sussurrada,
mas não menos exaltada assim que me volto em sua direção.
— Mas, mamy... — Tapo a sua boca com cuidado para que não a
escutem e giro seu corpinho para que dê meia volta em direção ao corredor.
— Vá até a sala, querida. Espere a mamãe chamar você, ok? — ela
tenta protestar, mas percebe que falo sério demais para me questionar.
Quando ela faz o que peço, pego o meu celular do bolso com as
mãos trêmulas, mas segura do que preciso fazer agora. Pela fresta da
porta, filmo a cena bizarra que acontece entre os dois até o ponto em que
gemem feito animais, deleitando-se em um orgasmo. Daniel deita seu peso
sobre o corpo da amante e ainda sussurra baboseiras sobre a minha pessoa,
comparando os atributos da moça com os meus.
— Vamos ver quem é a palhaça agora...! — murmuro saindo de
mansinho do quarto e encontrando Juju sentada no sofá da sala balançando
as perninhas com tédio ainda com o bolo sobre o colo e a linda borboleta
em suas delicadas mãozinhas.
— Vem benzinho, vamos comer esse bolo em outro lugar… —
Pego o bolo das suas mãos e a conduzo para a rua.
Tento a todo custo manter as lágrimas presas dentro de mim. Meu
peito aperta em dor, minha menina não merece um pai como ele.
— O papai não vem com a gente? — sua expressão agora é de
tristeza.
— Ele vem mais tarde... — engolindo seco por mentir, sigo em
frente, não há outra saída agora.
Meu telefone toca, vejo na tela o nome da minha gerente, ao atender
ela me alerta que devo retornar para empresa imediatamente. O novo
presidente está de volta ao país da longa viagem à Europa e marcou uma
reunião de última hora exigindo a presença de todos os funcionários.
—- Merda! —- Xingo baixinho. —- Mais isso ainda!
—- O que foi, mamãe?
—- Nada querida, coisas do trabalho da mamãe.
Não costumo julgar as pessoas, mas está claro que esse presidente
milionário vindo da Europa, não conhece a realidade dos seus funcionários.
Mas, será que precisa mesmo tirar o sangue dos funcionários dessa
maneira? Não o conheço, mas pelo jeito não possui consideração alguma
pelos funcionários, se podem ou não ficar após o turno na empresa, se tem
algum compromisso importante ou se não podem retornar depois do
horário. Age como se sua palavra fosse lei suprema.
Deixa de reclamar AnneLiz! Você não é assim! Além do mais você
é a funcionária do mês, e é essencial estar presente nas reuniões! “Mas justo
hoje?!”
Luto com meu subconsciente dizendo que hoje não é um dia normal,
acabei de ser traída da forma mais vil. Sem outra opção, teclo uma
mensagem rápida para minha mãe, não dou muitos detalhes do ocorrido,
mas peço que fique com Juliete por algumas horas.
— Que tal lanchar com a vovó? Quem sabe ela mereça mais essa
borboleta que seu pai?
— Mas eu fiz de presente para o papai!
— Você faz outra, filha… — Em um impulso arranco a aliança do
meu dedo, jogando bem longe.
— Mamãe, aconteceu alguma coisa séria, não é?
— Infelizmente houve um probleminha e a mamãe vai precisar
voltar para o trabalho, e você vai me esperar na vovó. Quando eu chegar
vamos devorar esse bolo como duas formigas que somos. — Imito uma
formiguinha subindo pelo braço dela fazendo-a gargalhar.
Chamo outro carro enquanto sentamos no banco de concreto da
pracinha. Não demora nada até o veículo chegar e ir para a casa de minha
mãe. O motorista sob aviso, me espera para acompanhar Juliete até a porta e
deixá-la com a avó, que antecipando o ocorrido, disfarça e anima minha
menina com suas brincadeiras.
Volto correndo com lágrimas nos olhos para o carro. Não é a tristeza
rolando pelo rosto, mas sim o ódio de desperdiçar anos à uma criatura que
não valorizou e ainda foi ingrato ao me trair na própria casa onde vivemos.
Aquelas imagens passam feito um furacão pela minha mente.
Destruindo tudo pelo caminho. Por causa das lágrimas, do ódio e todo o
sentimento esmagando o peito, sem me dar conta, dou o endereço errado ao
motorista do aplicativo. Em consequência damos uma volta a mais para
encontrar um retorno até a entrada que conduz a empresa Latarge Ltda.
Apreensiva pego o elevador para a sala de reuniões atrasada.
Contando os andares e maldizendo minha sina. Para piorar, Jason
carrancudo me vê entrando à espreita e faz o favor de acabar com meu dia...
A cereja do bolo da tragédia!
— Dona AnneLiz, quanta honra termos a sua presença em nossa
humilde reunião... Vinte minutos atrasada, Oh, que profissionalismo!
— Todos os olhares se voltam para mim como se eu fosse um ladrão
irrompendo o ambiente.
— Desculpe, tive um problema doméstico...
— Não há desculpas para construir o sucesso de uma grande
empresa corporativa, dona AnneLiz — Respiro fundo tentando manter o
controle e a vontade de ir até o outro lado da sala e socar a cara ensebada,
puxa-saco filho da puta!
Já fiquei quieta tempo demais nessa vida, e hoje estão me testando
no limite. Chega de me calar!
— Não é uma desculpa que interrompa a construção da Latarge Ltda
no mercado, senhor. Além disso, tive um compromisso prévio ao qual pedi
permissão mais cedo para comparecer e o senhor concedeu... Ademais, essa
reunião foi marcada fora do cronograma de trabalho, ou seja, nos deve
desculpas por estar nos privando do nosso horário de folga, e ajustando o
expediente da forma que melhor lhe convém. — Cruzo os braços parecendo
valente. Mas no fundo eu preciso socar alguém.
Na falta de um saco de pancada, minha voz tem que sair!
Vejo olhares orgulhosos em minha direção. Também ouço risadinhas
baixas e murmúrios. Provavelmente amanhã estarei na rua. Ou quem sabe
ainda hoje.
Sebastian, que segundo a moça ao lado da minha cadeira disse ser
presidente recém apresentado, sorri largo com minha petulância. Talvez
esteja pensando quem é esse furacão que entrou pela porta.
Não pude deixar de reparar nos dentes perfeitos e maxilar forte, a
barba curta muito bem aparada é do tom do seu cabelo castanho escuro.
Seus olhos, no entanto, são como lâminas afiadas, como uma pedra ônix
brilhante e gelada. O sorriso lindo em questão não atingiu seus olhos.
Meu radar de perigo acendeu em potência máxima. Não é um velho
rabugento, mas certamente é um homem implacável. Droga! Comecei com
dois pés esquerdos, ou melhor, o corpo todo alocado à esquerda.
— Calma Jason. É só uma reunião de apresentação. Não creio que
dona AnneLiz tivesse intenção de se atrasar, não é mesmo? — Meu rosto
cora de imediato, devo estar vermelha como tomates maduros.
A voz é calma, porém grave e rouca. Um rouco sedutor.
Pare com isso AnneLiz! Pelo amor de Deus! Acabou de levar um
chifre, quer homem para quê?
— Claro senhor presidente, isso não vai mais se repetir.
— É ótimo ouvir isso. — Seus olhos gelados pousados em mim, não
piscam, são tanto de interesse como de curiosidade.
A reunião segue, sem querer me distrair, às vezes vejo o par de
olhos negros correr a sala e pousar em minha direção. Infelizmente ficarei
marcada com essa entrada triunfal na reunião, e o presidente onipotente das
empresas Latarge, não teve uma boa impressão sobre mim.
Se antes eu dava duro no meu posto de trabalho, agora terei que me
esforçar muito mais e ficar atenta para não cometer erros. É imprescindível,
pois o alto escalão estará com olhos de águia sobre essa humilde
funcionária. Não posso nem pensar no pior, perder o emprego no meu atual
momento está fora de questão.
Uma hora depois, finalizado o martírio da reunião, me dirijo à
minha mesa. Não tinha planos de retornar para o trabalho hoje, mas já que
estou aqui, vou finalizar aquele relatório de pesquisa de mercado que ficou
pendente mais cedo.
Trabalhar seria interessante para ocupar a cabeça em outras coisas
que não fosse uma vingança contra a traição de Daniel. E por falar nele… a
tela do celular avisa que chegou mensagem.
“Olá amor... que tal uma escapada num lugar bem aconchegante
para comemorar meu aniversário?”
— Babaca! — Num impulso ergo o braço na intuição de atirar o
telefone longe. Mas é caro e indispensável ao meu trabalho e o traidor não
vale tanto.
Preciso planejar meus próximos passos de maneira calculada. Daniel
jamais vai aceitar a separação se perceber qualquer ponta de receio ou
insegurança da minha parte. O conheço há anos, sei da sua falta de caráter e
do modo como manipula circunstâncias e fatos. E como usa a fraqueza das
pessoas a seu favor. Infelizmente, serei sua inimiga daqui em diante e posso
esperar absolutamente tudo daquele homem baixo e maldoso. Droga! Não
há um só dia na vida que não questione por que tomei aquela decisão. Foi o
pior erro da minha vida! Tenho certeza de que poderia ter dado tudo de
melhor para minha filha sem a presença daquele escroto em nossas vidas!
A mensagem de Daniel é tão repulsiva que não consigo imaginar
todas as vezes que aceitei entregar meu corpo a ele. Mesmo que não tivesse
percebido meu flagrante, é um disparate sem dimensões propor jantar fora,
ainda mais sexo, depois de se esbaldar com aquela vagabunda! Uma ofensa!
Que nojo! Sinto até uma ânsia subir pela garganta imaginando as falsas
palavras de “amor” que diria.
De súbito uma ideia genial passa pela minha cabeça, não tenho
certeza se conseguirei pôr em prática com êxito. Mas a executo
imediatamente.
“Sinto-me um pouco indisposta, que tal um jantar em casa mesmo?”
Tento ser tão fria quanto ele, embora não seja de minha natureza
agir de forma tão calculista assim. Pauso o dedo por um lapso de segundo
sobre o enviar na dúvida se conseguirei manter minha permanência na
mesma casa que aquele ser humano sozinha por muito tempo, sem fazer a
besteira de mandá-lo dessa, para uma vida melhor.
Poderia cortar fora aquele terceiro dedo mindinho que ele tem entre
as pernas. Não! Vou deixar ele levar chifres, porque aquela mulher não vai
se contentar com aquela porcaria.
Engolindo a náusea que ameaça surgir, aperto enviar com ódio
àquelas palavras. Poucos segundos depois, recebo a resposta. Um “ok” tão
frio quanto a cara de palhaça que imagino estar pendurada sobre meu
pescoço nesse instante.
— Como pude ter sido tão burra! Por que não fiz um escândalo? Por
que não dei uma boa lição naquele infeliz? — A imagem de Juju vem a
minha mente e lembro que por ela, tenho que manter o controle.
Coloco meus pensamentos no lugar e me consolo de que agi da
maneira mais sensata no momento. Será que a sensatez vai fazer a diferença
daqui pra frente? Ou só me transformará numa boboca que aceita todo o
tipo de humilhações de pessoas como Daniel?
Ligo para o setor jurídico da empresa e peço para falar com Gauss.
Ele é um dos melhores advogados da área e preciso saber exatamente como
proceder.
Quando me atende, faço um breve relato do que aconteceu banhado
a lágrimas de decepção e constrangimento.
— Baseado no que contou, AnneLiz, vou mandar um arquivo de
texto do qual vai imprimir, ler e assinar em conjunto com seu marido.
Assim que ambas as partes estiverem assinadas, você me devolve o
documento que entrarei na justiça com o pedido legal do divórcio. — Mais
calma, escuto atenta o passo a passo que teria que fazer.
— Você tem provas da traição?
— Sim, fiz uma filmagem deles na minha cama. — A vergonha é
tanta que se não fosse por Juliete, nem sei se conseguiria seguir em frente.
— Ótimo. Faça uma cópia pra que eu possa anexar ao processo,
outra pra você manter num lugar seguro e mais uma pra esfregar na cara
daquele imbecil. — Faz-se um silêncio do outro lado da linha... Isso não é
bom.
— Fizeram um acordo por escrito antes do casamento?
— Não.
— A casa está no seu nome?
— Acho que no dele também, cinquenta por cento cada.
— Bem, terão que entrar em um acordo com a divisão. E vai ter
uma audiência de guarda da sua filha. Então, prepare-se.
— Guarda? Como assim? Juju é minha filha! — Me desespero
sentada atrás da minha mesa.
— E dele também. Ambos têm o direito de recorrer ao pedido de
guarda. É de praxe, fique calma.
— Calma? Sou eu quem põe comida naquela casa, que compra
roupas para ela, mantém em dia as mensalidades do colégio e ainda,
algumas vezes, sustento o vício em jogo daquele traste! Como posso ficar
calma! — elevo o tom da minha voz sem perceber meu descontrole.
— Controle-se, AnneLiz. Eu sei o quanto é difícil, mas não é pra
mim que tem que dizer essas coisas. E muito menos nesse tom.
— Desculpe... Eu ... sei, desculpe. Estou nervosa e ... — minha
insegurança e desânimo afligem meu corpo. Sinto o peso de toneladas sobre
os ombros em decorrência da decisão que estou tomando. Mas que outra
opção tenho, meu Deus?
— Tudo bem, vou fazer o que me disse, obrigada. — me despeço e
encerro a ligação. Perder Juju para aquele traste?! Nem pensar! Ela não
pode ficar com um irresponsável como ele!
Esfrego os olhos em busca de alívio da enxaqueca terrível que me
assola. Sem mais demora, faço exatamente o que ele diz. Imprimo as folhas,
leio com atenção sobre os bens de partilha. Coisa que não abro mão, é da
minha mobília comprada com meu suor e lágrimas. Não vou facilitar para
aquele infeliz. Rabisco minha assinatura e visto uma armadura invisível
tentando me proteger da batalha que terei em casa.
O tempo entre sair do trabalho e o trajeto no carro, fico pensando se
vou dar conta de tudo. De ser corajosa ao enfrentá-lo, de criar uma filha
sem pai e o peso de um casamento fracassado.
Pago o motorista contando os míseros dólares que sobrou, daqui uns
dias vou trabalhar apenas para o táxi. Preciso mudar isso de alguma forma.
Quando chego em casa, fecho os olhos diante da porta de entrada
por alguns segundos. Incorporo minha personagem vitoriosa e entro
devagar sem expressão nenhuma no meu rosto. Estou fria como um iceberg
na Antártida.
Caminho a passos lentos até a sala de jantar e o vejo terminando de
arrumar a mesa e acendendo as velas no castiçal ao centro colocado sobre
minha toalha branca, presente de Natal da minha mãe. A mesa está
impecável, o perfume gostoso de carne assada desperta meu sentido, mas
não dou importância, pois minha vingança pessoal está à altura desse jantar.
Seu cabelo loiro está úmido, o mínimo era ter tomado um banho
depois de me botar um par de chifres, né seu escroto? Pergunto em
pensamento.
— Olá, querida! — Quase vomito com o sorriso que lança na minha
direção. — Onde está Juju?
— Com minha mãe, achei que precisávamos de um pouco de
privacidade para esse jantar... — Por fora sou uma muralha impenetrável.
Por dentro, uma montanha desabando.
— Que ideia genial, assim poderemos aproveitar melhor a noite!
— exclama vindo em minha direção.
— Precisamos conversar — Viro o rosto quando tenta se inclinar
para um beijo.
— Claro, teremos a noite toda... — Galanteios agora? Mas é muito
cínico!
— Pretendo ser breve... — Passo por ele de queixo erguido e
entrego a papelada do divórcio para que leia. O ar de espanto com as folhas
em sua mão, me diverte. — Já sabe que a casa é herança para Juliete! Quero
uma pensão bem favorável a tudo que ela precisa para ter uma vida
confortável e não verá mais nem um centavo do meu dinheiro!
Encho uma taça do vinho tinto que está sobre a mesa e entorno a
bebida de uma vez.
Seu semblante falsamente calmo se transforma numa máscara de
amargura. Seu orgulho desencadeia lufadas de ar audíveis feito um touro
em uma arena ao se preparar para enfrentar o toureiro.
— Mas que porra é essa? — Vira as páginas sem entender o que está
acontecendo.
— Não sabe ler, Daniel? — ele parece além de tudo, aturdido. — É
o preço por ter... — Não consigo dizer a palavra. — Uma tarde agradável
com a sua puta particular... — Tento esboçar um sorriso, mas diante da sua
cara de pau... minha careta deve demonstrar o grau de desprezo. — Eu
flagrei a sua foda da tarde com aquela vagabunda na minha cama! Na
minha cama, cacete! Na casa que eu sustento! Na porcaria do meu quarto!
— Está maluca, mulher?
— Não seja cínico, Daniel! — Jogo a taça no chão a espatifando em
mil pedaços. Pego meu celular e envio a cópia do vídeo para ele.
— Refresque sua memória, ‘querido’...
Assim que os gemidos do vídeo ressoam pela sala, ele tenta se
explicar. Mas, não há palavras em sua boca para expressar arrependimento
pelos seus atos. Endireito o corpo alinhando meu terninho e alcanço uma
caneta em minha bolsa para que assine os papéis. Controlo minha
respiração alterada e mantenho meu olhar neutro represando minhas
lágrimas.
— Se não quer que eu arruíne sua pobre reputação naquela
repartição de merda e afunde sua cara falsa no lixo, do qual você nunca
deveria ter saído, assine os papéis do divórcio! — tento ser firme, mesmo
por dentro prestes a explodir de dor.
Seis anos sendo passada para trás, seis anos de humilhação, agora
não mais!
— Isso não vai ficar assim, AnneLiz! Vou procurar meu advogado!
Tenho meus direitos! — assina com ódio e mãos trêmulas as linhas
marcadas e praticamente atira a papelada em meu rosto. — Me aguarde! Tá
ouvindo, sua sonsa! — berra pisando duro até o quarto para fazer suas
malas.
Quando quinze minutos depois a porta da rua se fecha atrás dele,
meu mundo desaba e me dou conta do tempo de vida desperdiçado.
São anos de convivência jogados no lixo. Tentando ajustar um
homem que nunca quis uma família. Não descobri o que ele queria. Quer
dizer, no início ele queria, depois que conseguiu só me desprezou. Era o
conforto? Um teto? Por que fui tão burra e não enxerguei a verdade?
Hoje à noite dei largada a uma batalha judicial ao qual sei que tanto
nós como Juliete sofreremos muito. Olho a casa vazia e deixo que a represa
de lágrimas que contive até esse momento se rompa. Meu peito aperta tanto
meu coração que preciso gritar para expelir o ar dos meus pulmões.
Sabia que terminar um relacionamento era difícil. E por tanto tempo
arrastei isso tentando lutar pelo relacionamento em nome da nossa menina.
Terminar diante de uma traição, roubou todo o meu chão.
Sinto-me uma inútil em pé no meio da sala de jantar vazia. E por
longos momentos me vejo como a mulher mais feia e indesejável do
mundo.
Ando a passos lentos até a mesa, olhando-a posta com um capricho
pouco visto, percebo que demonstra o quão falso foi o nosso
relacionamento até agora, e num impulso, agarro e puxo com força a toalha
deixando tudo que estava sobre ela vir ao chão. A garrafa de vinho
emporcalha o sofá em tom pastel, como a mancha horrenda da minha
desgraça.
Vou até o quarto, agarrando e amassando os lençóis com fúria e aos
berros, correndo porta afora os lançando na lixeira da frente. Mesmo com a
autoestima destruída vou começar uma vida nova, preciso juntar forças para
um recomeço. Minha filha precisa de mim forte e corajosa! Estufo o peito e
volto para dentro de casa esvaindo as lágrimas que ainda tenho para
chorar...
Mais tarde, depois da ira em meu peito ter se aplacado, envio uma
mensagem para minha mãe, avisando dos fatos e que preciso ficar essa
noite aqui. Preciso pensar no futuro e viver meu luto. Um ciclo que se
encerrou e Deus me ajude com um novo melhor!

No dia seguinte, quando o sol adentra a sala onde adormeci me


despertando das horas agitadas de sono, só me resta lavar o rosto e buscar
Juju. Decido pegar o metrô. Sei que meu rosto está inchado e terei que
contar algo a ela, mas é inevitável. Desço na estação que fica a uma quadra
da casa de mamãe, planejando como falar com a minha filha.
Assim que chego, ela como sempre me recebe de braços abertos e
sorriso largo. Não consigo esconder a tristeza de Juju...
— Você tá chorando, mamãe? — Ela passa seus dedinhos pela
lágrima teimosa que rola pelo meu rosto.
— Estou feliz por você ser a minha menina. Meu anjo. Meu guia
nesse caminho difícil que escolhi.
— Como assim? Que caminho é esse, mamy? — Como falar com
uma criança sobre problemas tão cruéis da vida adulta?
— Tirei o dia todo para passearmos juntas, aonde quer ir?
— Para casa, fiz outra borboleta para o papai. Olha como ficou
linda... — Uma cruzada de olhos com mamãe e a vejo suspirar.
Juliete desdobra o papel com o desenho. Não contenho a enxurrada
de lágrimas.
Minha bebê não tem culpa de estar no meio desse redemoinho de
dor. Abraço seu corpinho apertado soluçando baixinho na curva do seu
pescoço, aceno para minha mãe um adeus e continuo chorando sem
conseguir controlar enquanto vamos em direção a nossa casa. Assim que
entramos no metrô, Juliete fica no meu colo no assento. Olhares curiosos
para o meu rosto deixam-me desconfortável. Juliete adormece até
chegarmos na estação. Da estação pego um Uber. Ao entrarmos em casa, a
pergunta é inevitável.
— Onde está o papai? O que foi que aconteceu por aqui? — Ela
aponta com o dedinho para a marca de vinho no sofá que não consegui tirar.
— Amor... Papai... Bem... — inspiro longamente — Ele foi
embora...
— Por causa daquela pessoa que estava com ele no seu quarto? —
Meu coração gela.
Por mais que tentasse proteger minha garotinha, será que uma parte
daquela merda Juliete conseguiu ver? Desgraçado miserável!
— O que você viu, querida? Pode contar para a mamãe?
— A senhora tapou meus olhos, mas ouvi que não era a tv. Tinha
uma mulher com o papai. E ele falou que ela era linda. Mas você é a linda
dele, né?
— Sim, ele fez errado. Foi muito errado. — Inevitável derramar
algumas lágrimas.
— Ahh, mamãe... Não chore... Vou cuidar de você... — Me abraça
apertado. — Te amo muito e você é a mais linda!
— Não se preocupe comigo, bebê... — Tento me reerguer. — Você
ainda é muito pequena para entender essas coisas e cuidar dos adultos. Mas
preciso explicar uma coisa séria. Papai e mamãe não vão mais morar na
mesma casa, porque ele fez mal para nós, mentiu e enganou. Eu amo você
também mais que tudo no mundo! Não se preocupe, tudo vai ficar bem, nós
vamos ficar bem sozinhas. Entendeu, meu amor?
— Entendi mamy, e juro, vou procurar alguém grande e forte que
possa te proteger! E será uma pessoa bem poderosa, igual o Harry Potter!
Um que jamais vai fazer a senhora chorar como papai fez...
Abraço o meu pedacinho de gente, inspirando seu perfume floral,
enchendo-a de beijinhos.
Passamos o dia juntas, um piquenique no parque, porque ela ama
comer ao ar livre e seguimos para uma visita ao museu Crocker, finalizando
com um sorvete de chocolate no sweets.
Exaustas ao chegar em casa, o banho é rápido e nós duas
adormecemos como pedras.
A vontade quando o som do despertador berra na cabeceira da cama
pela manhã, é de me sufocar com os travesseiros. Mas, lembro que tenho
uma filha para criar sozinha agora. Bem, nunca tive ajuda daquela criatura
sem coração que dividia o teto comigo. Pulo de imediato, fazendo nosso
desjejum e levo minha menina até a escola.
Em seguida vou direto para o trabalho. Quem sabe não é hoje que
consigo aquela promoção que estão comentando na empresa. Liderar uma
campanha de vendas, seria uma ótima maneira de conseguir a grana extra
para dar entrada em um caro para nos locomover. A escola de Juliete não é
próxima da nossa casa, quando o tempo está ensolarado, andamos a pé duas
vezes na semana, um tempo a mais para ficarmos juntas. Porém, no resto
dos dias ou quando está chuvoso e muito frio, sempre chamo um carro de
aplicativo.
Mas temo que esse luxo não vou conseguir manter por muito tempo.
Descobri durante a manhã que o presidente Sebastian Latarge é um
homem muito rígido e, em alguns casos, ríspido com seus funcionários. E
como brinde, tive ainda que levar os relatórios da pesquisa de mercado em
sua sala.
— Bom dia, senhor Latarge, esses são os relatórios que o senhor
solicitou — falo assim que sou autorizada a entrar com um sorriso
comedido e forçado em meu rosto.
O perfume masculino amadeirado está por todo o lugar, e mesmo
sendo uma sala ampla, sua presença é imponente, acomodado atrás da mesa
de trabalho. O terno azul escuro se molda ao corpo como uma segunda pele.
A gravata vinho é alinhada assim que me vê.
Os cabelos pretos são brilhantes e penteados não com gel ou produto
especial, mas naturalmente alinhados na cabeça do homem. A barba curta e
aparada com cuidado, deixa o maxilar quadrado ainda mais bonito. Que
perfeição!
— Pedi esses relatórios ontem, senhora AnneLiz. Onde você estava
que não os trouxe? — Seu olhar intenso e gélido me fulmina de imediato. E
a voz calma e segura desprovida de sentimentos me faz estremecer.
— Tive um problema doméstico...
— Outra vez? Sua vida parece um pouco desorganizada demais para
o cargo que ocupa, senhora. — Encosta-se na cadeira giratória cruzando os
braços no peitoral avaliando minhas palavras.
— De agora em diante, Senhorita... Por favor... — ele parece
entender qual era o meu problema de ontem, já que no crachá deixa claro
que ainda sou senhora Rodriguez. Mas tenho orgulho do meu nome de
solteira. AnneLiz Colleman.
— Bom, tente ser mais organizada na empresa, não quero demitir
por justa causa uma pessoa com um currículo tão bom quanto o seu.
— Demitir? — alarmada me altero. — Não pode me demitir senhor!
Preciso desse emprego! Tenho uma filha pra criar... e nesse momento... por
favor senhor ... — Imploro com a voz acima do tom habitual pelo desespero
latente.
— Sua filha deve ter um pai para ajudá-la nas despesas, não tem? —
A vergonha me toma, mas disfarço erguendo o queixo para retribuir seu
olhar.
— Sim, ela tem — respondo resignada — prometo que nada do que
aconteceu ontem vai se repetir.
— Assim espero. Pois bem, me conte o que realmente aconteceu
para essa sua folga inusitada? — Suas mãos entrelaçam-se em dedos
grossos sobre a mesa.
Como se o que eu tivesse a dizer fosse algo tão importante que sua
concentração extrema é necessária. Sinto tanta intimidação pelo seu olhar
severo, que desisto de esconder os fatos. Logo a empresa toda vai saber. O
advogado não é de comentar, mas conheço a secretária e acredito que
aqueles papéis do divórcio não foram ocultos de seus olhos.
Respiro fundo, disposta a expor meu problema com esse estranho,
quando a porta é aberta de rompante e uma figura feminina passa por ela
como um furacão...O quadril arredondado da ruiva, combina com os seios
empinados. Impossível não reparar com esse vestido justo. Empertigada em
um salto altíssimo e vestido pink de grife deve ser mais caro que minha
casa... Meu ar some de vez!
— Você ... aqui? — pergunto enquanto ela me encara com um olhar
esnobe e desafiador.
— O que essa mulherzinha sem sal está fazendo na sua sala,
Sebastian? Que ousadia dessa sonsa!
— Alguém pode me explicar o que está acontecendo? — A voz
grave de Sebastian Latarge questiona, ao perceber o olhar de fúria trocado
entre nós duas.
Eu trabalho aqui, como não posso estar na sala do chefe?
A minha vontade é avançar nela e lhe aplicar um bom tabefe na cara
maquiada. Mas como chegou na ofensa, minha educação vai pro espaço!
Aponto-lhe o dedo em riste respondendo diretamente. Não é uma
disputa por macho, mas o mau-caratismo em desrespeitar um lar onde havia
uma criança.
— Essa vaca é a causa dos meus problemas domésticos!
O olhar de Ônix suaviza e um sorriso se abre no rosto do CEO,
como se já soubesse o que ela poderia ter aprontado e com voz serena e um
sinal de deboche a apresenta:
— Essa vaca … é a minha irmã!
Meu mundo gira depressa demais e quase vou ao chão.
Então é assim a minha demissão? Chamar a irmã do presidente da
empresa de vaca é uma justa causa na certa... Estou perdida!
O meu mundo ruiu diante da afirmação do Sr. Latarge sobre a
mulher postada na minha frente. Tudo o que eu menos precisava agora era
ter uma rival tão poderosa. Pois sabia que uma mulher como aquela, ainda
mais depois de chamá-la de vaca com todas as letras maiúsculas, faria de
tudo para se vingar do modo mais cruel possível.
— Bom dia, maninho! Vejo que seu dia está agitado hoje? — Seu
sorriso é puro veneno.
— Bom dia, Lili. O que aprontou agora? — Ele soa frio e nervoso,
seu maxilar barbado bem projetado retesa visivelmente.
— Eu?! — Se faz ofendida. — Nada!
— Então você pode explicar por que chamou minha irmã de vaca,
AnneLiz? — O tamborilar dos seus dedos na mesa me apavora, faz meu
sangue gelar e minha testa suar.
Como explicar a situação ridícula que me encontro sem ter minha
demissão assinada?
— Bom... — Não posso negar que estou chocada com essa situação.
— É que sua irmã...
As palavras não saem, mas a raiva me domina por entender o porquê
meu marido aceitou tão fácil assinar os papéis do divórcio. Ele tem uma
amante rica. Pior, irmã do meu chefe. Estufo o peito e decido colocar as
cartas na mesa. Preciso me libertar desse ciclo vicioso de submissão.
— Na realidade, senhor Latarge… — Começo com voz firme e
dureza em meu semblante o encarando. — Sua irmã estava na cama com
meu marido ontem à tarde, na minha casa.
Toneladas de peso parecem ter sumido de imediato dos meus
ombros. A sensação de bem-estar, mesmo depois de tanta humilhação que
me abate, flui dentro de mim como uma benção.
Estou de alma lavada e pronta para qualquer desafio que porventura
surja. E certamente as coisas estão apenas começando agora com a
revelação da amante de Daniel.
— Sério, Lili? Fez essa merda mesmo?
— Ele não é mais marido dela! Já estão separados faz tempo. — Ela
joga os braços para o alto fitando-o. — Ele iria pedir o divórcio a ela ontem
e seria um homem livre... — Se aproxima da mesa para se sentar diante do
irmão petrificado de terror.
— Nem se atreva a sentar. Quantas vezes já lhe disse para não se
envolver com homem casado, porra? Traição eu não admito!
— Por favor, Sebastian! Essa sonsa está aumentando o drama! —
Lili revira os olhos e me olha de cima abaixo. — Em quem vai acreditar?
Na sua irmãzinha ou nessa desconhecida? Acabei de dizer, já estavam
separados há tempos!
— Conheço bem a irmã que tenho. — Sebastian levanta e aponta a
direção onde estou parada no meio da sala luxuosa — No mínimo peça
desculpas a ela! — ordena irritado.
Ouço uma risada debochada e um resmungo evidente.
— Desculpas? Está maluco? Não vou pedir desculpas a essa
mulherzinha por dormir com o meu homem!
— Não vou aceitar uma relação dessas em nossa família, Lili!
Perdeu o juízo? — Deixo um sorriso amargo brotar em meus lábios.
Finalmente alguém que tem um senso de dignidade nessa família.
Porém o olhar frio do CEO em minha direção demonstra que
interpretou meu sorriso erroneamente. Endireito rapidamente minha postura
e tento não deixar que veja o quanto estou frágil por dentro com toda essa
situação e confronto.
— Quer saber, Sebastian? Já tenho idade para tomar decisões sobre
minha vida! Passar bem! — A vaca sai furiosa da sala batendo com força a
porta atrás de si.
Não espero para ouvir nenhum sermão de irmão raivoso. Junto os
papéis assinados e ando em direção a saída quando sou segurada pelo braço.
Senhor Latarge me faz encarar seus olhos gelados, despejando:
— Pode me explicar o que realmente aconteceu? — Sua voz calma
e fria, corta a minha alma, pois me faz sentir culpa das coisas que a irmã
dele fez.
— Foi exatamente como eu disse. Cheguei em casa e os flagrei na
minha cama! — tento me soltar, mas o aperto é firme. Seu perfume caro
está exalando próximo a mim como uma áurea de poder e dinheiro.
— Melhor ninguém saber disso, entendeu? — É firme e direto.
— Eu fui traída, humilhada e....
— Se preza pelo seu emprego, seja discreta, dona AnneLiz. — Me
solta de sua investida arrumando o nó da gravata.
— Sim senhor... Vou manter a minha vergonha recolhida na gaveta
dos humilhados. — Meus olhos marejam, mas de jeito nenhum esse
insensível vai ver minha fraqueza.
— AnneLiz, — suspira profundamente — me expressei mal, mas
entenda que o nome Latarge em um escândalo desses...
— Não se preocupe, prezo pelo meu emprego e preciso dele neste
momento, entendi muito bem a sua ordem, senhor Latarge.
Mesmo com o olhar intenso sobre mim, lhe dou meu desprezo e saio
da sala a passos firmes para enterrar minha vergonha em algum lugar longe
dali.
Antes de voltar a minha sala, passo pelo banheiro e lavo o rosto
alinhando o desastre da minha figura abalada e conto até mil. Ainda bem
que segurei as lágrimas, ninguém vai me ver chorar aqui dentro!
Recomponho-me da melhor maneira que posso e retorno para minha
mesa de trabalho. O pessoal se junta à minha volta para saber como o CEO
Sebastian é de perto. Por um segundo, penso em dizer a geleira insensível
que ele é. Do que adiantaria extravasar minha frustração do que houve há
minutos atrás? Daria apenas mais munição aos fofoqueiros do meu setor.
Séria e sucinta, apenas o descrevo um chefe como outro qualquer.
Alguns insistem em saber se eu já o conhecia, mas céus! De onde eu
poderia conhecer um homem como ele? As garotas estão afoitas falando da
sua beleza máscula, sua estatura e elegância.
Concordo mentalmente que é um homem incrivelmente bonito, mas
qualquer outro atrativo acaba ali. Controlada, aperto com força o lápis em
minha mão lembrando que por dentro, ele não é uma pessoa bonita.
— Ok, chega de fofocar e voltem ao trabalho! — meu supervisor
bate palmas espalhando o bolinho de gente na minha mesa. — Tenho uma
tarefa para você amanhã à noite, AnneLiz.
— Amanhã é sábado, senhor Anderson!
— Sim, eu sei, mas precisa ir a um coquetel importante.
— O que? Por favor, não tenho condições… — tento mirar a tela do
computador. Com um mantra interno para que volte às suas tarefas e me
deixe em paz.
— Não perguntei se tem condições. Estou apenas informando que
vai a um coquetel que faremos para os clientes serem apresentados ao
presidente.
— Coquetel? Droga! Não consigo ser sociável. Achei que a fofoca
já tivesse caído na sua mesa! — Reviro os olhos vendo seu sorriso de canto,
tripudiando minha desgraça. Jason Anderson é um porco!
— Que ganhou um belo par de chifres? Ah, sim, fiquei sabendo.
Mas, minha cara, isso era previsto. — A risada machista dele me abala. —
Use o seu melhor vestido, seu melhor perfume, faça uma boa maquiagem
nesse rosto de vítima e aproveite para dar o troco! É um trabalho, mas
poderá se divertir, senhorita AnneLiz. — A ênfase no Senhorita é outra
provocação.
— Sério? — Meu Deus, o que esse homem pensa que sou? As
outras pessoas também pensam isso de mim? Que triste sina!
— Querida, Daniel não te merece! Na verdade, nunca mereceu! Não
se faça de coitada, não combina nada com você. Você é uma mulher jovem,
vá caçar alguém que te faça feliz e que você possa fazer as unhas, pelo
menos, e não cuidar da casa para um inútil comer outra lá dentro. — Me
oferece um sorriso comedido enquanto flerta com a estagiária nova
trabalhando perto da impressora.
— Eu tenho uma filha...
— Ele também tem. Mas lembrou disso? AnneLiz, a vida não pede
perdão, ela ensina com pregos e dor. — Quebro ao meio o lápis que tenho
em minha mão. Verdade! Em nenhum momento ele se lembrou de Juliete.
— Ok. Farei o possível… — Não disfarço o desânimo e a voz
arrastada. Não sei se tenho coragem para tanto.
— Boa menina...
Sai transmitindo outras ordens pelo caminho aos empregados
entediados, enquanto dentro de mim, suas palavras retumbam feito eco em
uma caverna. Curar uma traição com outra é justificável? Não sei a
resposta, mas sei que se decidir faltar a esse coquetel estarei na rua e não
posso perder esse emprego agora.
Na noite seguinte, depois de pronta, deixo Juju na casa de sua vó
para esse maldito coquetel. Ela está um pouco abatida e febril, quis chutar o
balde e ficar com ela, mas minha mãe me lembrou de que tudo é uma arma
num processo de divórcio. E que estar desempregada pode render a perda
da guarda do meu anjo.
— Boa noite, meu bem. Pego você amanhã, ok? — Beijo seu
rostinho choroso devastada por deixá-la.
— Traz um doce pra mim? — pede matreira fazendo beicinho.
— Não sei se servem doces em festas de adultos, querida. Mas, se
não servirem, vamos ao café da tia Laurel comer aqueles que ela serve por
lá.
— Ooobbbaaa! — Um sorriso se ilumina em seu rosto. — Divirta-
se mamãe! — Me abraça apertado. — Vou ficar bem e me comportar.
— Eu sei que vai se comportar como a mocinha da mamãe. Tenho
muito orgulho de você, minha filha. Nunca esqueça que a mamãe te ama
muito.
— Nunca esqueço. Amo você, mamãe.
Cada vez que tenho que me separar de Juju, mesmo que seja por
algumas horas, o medo me abraça. Saber que aquele calhorda pode tirá-la
de mim suga toda a minha vitalidade e não existe maquiagem que cubra
essa dor.
Tentei fazer o máximo hoje para esconder o inchaço e as olheiras,
porém o aspecto ficou de longe mediano. Gosto de vermelho, por isso usei a
cor nos lábios. Achei exagero colocar um vestido tão ousado para um
coquetel de negócios, optei por um modelo tubinho preto.
O sinal do carro chamado no aplicativo me avisa que devo me
apressar ao sair. Passo o endereço ao motorista e tento relaxar. Afinal, não
pretendo demorar.
— Chegamos — O motorista anuncia.
— Você errou o endereço? — ele nega. E meu coração erra uma
batida.
Pleasure, é um lugar bem excêntrico para um encontro de negócios.
A boate é uma das mais requintadas da cidade. Claro que tem uma área vip
com bar e lounge para interações mais reservadas, porém, é a porcaria de
uma boate! Ou seja, música sexy, corpos se esfregando e se agarrando,
bebidas...
Uma receita perfeita para se perder o juízo e cometer muitas
loucuras que poderiam colocar toda uma carreira no lixo.
É fácil se deixar levar por essas distrações quando tudo o que se
quer é fugir da realidade pesada da vida. Mas aqui não há riscos, estou no
trabalho, portanto não vou dar motivo para falatório e muito menos
problemas. Afinal, uma batalha judicial me aguarda, que bela merda!
Cubro-me de uma falsa coragem e encaro como mais uma reunião
chata de negócios… Mas na entrada do local…
— AnneLiz! — Um arrepio súbito corrói até meus ossos ao ouvir a
voz rouca e fria me chamando. No meu interior clamo silenciosamente aos
céus...
“Qualquer pessoa meu Deus, menos o CEO Latarge”.
Mas é óbvio que iria encontrá-lo só não esperava tão cedo.
— Boa noite, senhor Latarge! — Tento ser gentil, meu sorriso sai
engessado e superficial.
— Sebastian, AnneLiz. Não estamos na empresa.
Seu olhar castanho escuro, percorre rapidamente meu corpo inteiro
com um magnetismo fora do normal. Droga! Sabia que era inapropriado
esse vestido. Não é decotado nem muito curto, porém agarra todas as curvas
que ganhei nesse último ano.
Não parecia tão ruim na loja quando experimentei a peça. Bem,
cinco quilos a menos fazia uma enorme diferença para os meus peitos e
quadril. Apesar de sempre desejar ter um pouco mais de peito.
Por que esse homem está me encarando dessa maneira? Ai, ai! Ele
me secando assim me subiu até um calor estranho e uma fisgadinha
diferente. Só com o olhar fiquei abalada, até meus mamilos endureceram,
disfarço e jogo os cabelos para frente a fim de esconder o farol aceso.
Tô sentindo coisas que nunca senti antes, só com essa encarada.
— Você está... Diferente... descontraída, fica muito bem de vestido
— O olhar escaneia discretamente meu colo, é um modelo com decote
redondo muito discreto. O que ele viu que o fez parar seus olhos em meu
pescoço?
— É muita gentileza. O senhor também está... Muito elegante.
A camisa branca tem o primeiro botão aberto e as mangas dobradas
revelando uma pequena parte dos antebraços, atraem meus olhos. Mãos
grandes com veias salientes certamente conduzem a braços fortes e
musculosos. Dizem que mãos grandes são base para o tamanho do… Pare
de pensar besteira, mulher!
Não entendo essa vestimenta despojada, mas posso ver a classe dos
tecidos. A calça de linho se ajusta perfeitamente às coxas volumosas,
combinando com seus ombros largos, é um belo espécime masculino. Não!
É um homem de tirar o fôlego de qualquer mulher. E meu chefe, cacete!
— AnneLiz, não me chame de senhor, aqui eu sou só Sebastian. E
por favor, me perdoe por ontem... Preciso me retratar com você, te intimidei
e não foi ético da minha parte.
— Não tem o que se desculpar, o senhor é o chefe. Tem todo direito
de me repreender. Afinal, ela é sua irmã. — Tento me conter para não
desabar na frente dele, esse assunto me é tão indigesto quanto um prato
gorduroso num almoço de verão escaldante.
— Eu sei quem Lili é...
— Olhe, são nossos melhores clientes! — Aponto cinco pessoas
conversando próximo ao bar. — Vou apresentá-los a você — seguro sua
mão por impulso para conduzi-lo até o grupo e uma corrente elétrica
percorre todo meu corpo.
Tenho impressão de que ele sentiu também, pois seu olhar surpreso
se conecta com o meu.
— AnneLiz, temos que conversar… — Sebastian tenta me frear,
cega de vergonha com um passo em falso esbarro num corpo feminino.
— AnneLiz?!
— Lili?!
O vestido dourado é bem menos recatado que o meu, e mais caro
certamente. Seu corpo escultural é bronzeado e perfeito. Parece quase
fabricado. A maquiagem pesada a faz parecer mais velha do que é, mas não
esconde os traços de boneca. O cabelo ruivo bem cuidado recai sobre um
ombro com ondas largas e aneladas.
Meu sangue gela ao ver Daniel segurando sua cintura com um copo
de bebida em suas mãos. O destino não pode ser tão cruel assim! Quero
fugir imediatamente, mas as pernas não ajudam. Ele dá um beijo na boca
dela nessa hora e sorri sarcástico para mim.
— Como vai, AnneLiz? — sua voz debochada é repulsiva.
— Lili, o que foi que te falei?! — Sebastian levanta o indicador para
ela em protesto.
— Calma meu irmão, tenho tanto direito de estar aqui no coquetel
da empresa Latarge quanto você. Afinal também tenho esse sobrenome, não
concorda? Além disso, a reunião fica naquelas dependências — Aponta
ardilosa a área vip reservada. — Aqui é para o público em geral, ou seja, eu
e meu namorado gato, leve a subalterna para longe de nós! — Guia meu ex-
marido para a pista de dança com um sorrisinho tripudiando de mim.
— Juro que não sabia que viriam, AnneLiz! — Sebastian parece
sincero.
— Tudo bem, vamos acabar logo com isso, confesso que meu
humor já era péssimo e não melhorou nada com esse encontro infeliz —
Continuo meu caminho até os clientes.
Um vulcão está prestes a explodir dentro de mim, mas tento com
todas as minhas forças o reprimir. Afinal, é trabalho apenas, e meu emprego
está em jogo.
Faço as apresentações ao CEO, troco algumas poucas palavras com
os colaboradores, mas a minha atenção é no casal interagindo sensualmente
na pista de dança.
Ele nunca me levava para dançar, dizia que eu não sabia e o fazia
passar vergonha.
Aliás, não gostava de sair comigo porque as minhas roupas
pareciam de uma mulher com o dobro da minha idade, apesar de criticar
quando queria vestir algo mais ousado. Ele nunca estava contente!
Observo seus corpos colados, suados, num mesmo ritmo. Ela agarra
seus cabelos loiros para beijá-lo, tão íntimos. Eu nunca tive isso em público
com ele. Daniel dizia que não gostava, que as pessoas olhariam.
Agora entendo que era vergonha de estar com uma mulher tão séria
e recatada.
Os olhares cúmplices que volta e meia procuram o meu em claro
sinal de provocação me enche de raiva. Aperto firme as mãos em punho
fechado e sinto as unhas fincadas na carne.
Sebastian, em determinado momento, inclina o meu queixo e tenta
me fazer olhar em seu rosto.
Entrega-me uma bebida que se multiplica em várias doses. Entre
uma apresentação e outra, alguns querem tirar fotos com o dono da empresa
e mais bebidas chegam.
— Cuidado com a bebida! — Sebastian sussurra quando pego outra
taça.
— Estou bem, não se preocupe — minto. Tô fervendo de ódio, isso
sim.
O vulcão em mim deixa a fumaça tingir meus olhos de fúria, esse é
o primeiro sinal da tragédia. O segundo são as palavras do meu supervisor
rondando minha mente. “Vingue-se, ache alguém para esfregar na cara
dele.”
E o terceiro?
É Sebastian tão sexy ter ficado insinuante de repente. Movo-me para
seu lado e sorrio aos clientes à nossa volta. A drink mimosa, construindo o
caminho de lava dentro de mim anunciando o prelúdio da erupção.
Quando a nossa música preferida é tocada pelo DJ anunciando que
foi um pedido de Daniel para celebrar o começo da sua nova relação... tal
qual Vesúvio ou Etna, não me importo, o vulcão de nome AnneLiz começa
a jorrar sua lava incandescente.
Quando Jason teve a brilhante ideia dessa festa para me inteirar dos
clientes, tinha achado ótima, desde que alguém experiente me
acompanhasse.
Ordenei que enviasse AnneLiz porque é nítida a implicância que
aquele fodido tem com relação a ela. Coloquei meu funcionário no lugar
dele, por que o chefe sou eu, por isso mando e exijo ser obedecido sempre
de prontidão e não aceito reclamação de subordinados quanto a isso. E ele
fez exatamente o que mandei.
O problema foi que a festa foi organizada antes de saber sobre os
fatos entre AnneLiz e minha irmã. E o pior foi Lili atrapalhar tudo trazendo
o arrombado do atual namorado para a festa. Porra! O cara é um merda!
Ontem compreendi o rosto inchado após o choro de AnneLiz, tudo
culpa do escroto e da desmiolada da minha irmã. E pelo que descobri é uma
funcionária exemplar, dedicada, sempre focada nas tarefas que fazem a
empresa crescer, além de linda e durona, como percebi em nossos
encontros. Tem uma filha como dependente no cadastro, uma garotinha de
cinco anos. Uma filha! Caralho! E o bosta faz uma coisa dessas com a
família?
Olho a bela mulher ao meu lado se fazendo de forte, mas está no
limite do seu controle vendo os dois se esfregando propositalmente
exibindo a paixão na pista de dança. AnneLiz tenta disfarçar, mas os copos
de bebida eliminados no momento que chegam à nossa mesa, me
preocupam.
— Bem, todos os clientes foram apresentados, é hora de ir para casa,
meu trabalho terminou — fala próxima ao meu ouvido pela música alta.
O hálito com aroma da bebida é gostoso.
O perfume é doce, não enjoativo, doce como morangos frescos que
instiga a querer morder para ver se o gosto é igual ao cheiro.
— Ainda não está liberada, AnneLiz. Você fica! — sei o motivo que
a faz querer ir, mas não deixo brecha para que proteste minha ordem.
O biquinho feito nos lábios pintados de vermelho é fascinante, quase
deixo escapar uma risada. Seria desrespeito rir pela situação desastrosa.
Mas não quero me despedir dela ainda, quero sua companhia, fora que ela
precisa se divertir e esquecer aquele escroto.
— Quero que vá para a pista de dança e aproveite, AnneLiz.
— Não creio que conseguiria essa proeza, senhor Sebastian.
— Acho que dançar vai liberar essa tensão que vejo em seu rosto
desde que te conheci.
Ela balança a cabeça descrente do que ouviu.
— Você jamais entenderia o que estou sentindo. Nenhuma mulher
trairia um homem como você! — a voz toma um tom melancólico.
Deixo um riso amargo brotar em meu rosto. Somos muito mais
parecidos do que ela imagina.
Mas a situação dela é ainda pior. Como não ficar tensa ao flagrar um
chifre na própria cama? Outro garçom se aproxima e ela vira um novo shot
de tequila.
— Quer saber? Vou mesmo. Todo mundo está me dando o mesmo
conselho desde ontem. Talvez seja melhor aceitar.
Seu rápido olhar para onde o ex-marido está aos beijos com Lili, me
deixa desconfortável. Por que ela se importa tanto com aquele idiota? Ele
nem é tão homem assim, um moleque branquelo de meia pataca, que age
dessa forma com a família não é homem que se preze, além disso ele não
merece um mulherão como AnneLiz.
Em um brusco movimento, ela se afasta do camarote no vestido
justo que realça seu corpo, indo em direção a multidão que dança na pista.
Não sou chegado a esse tipo de música pop, e muito menos correr
atrás de mulher, mas percebi que ela bebeu algumas boas doses de tequila,
acho melhor dar uma olhada se está tudo bem com ela.
Se estiver com alguém, supernormal já que descobri nas
investigações, que deu entrada ontem nos papéis do divórcio, talvez queira
uma diversão. Apenas estou preocupado com essa estranha que me pareceu
uma mulher decente e é minha funcionária. Apenas isso!
Termino o último gole do drink que pedi e vou à sua procura na
pista. Desvio de grupos e pares dançando. As luzes neon incomodam meus
olhos, pisco ao procurá-la, até a encontrar dançando próxima a um rapaz
ruivo, já o vi nas dependências da empresa só não lembro em que setor.
Ao me aproximar, somente ele percebe minha presença e se afasta.
Ela continua a rebolar ao som de Sam Smith. Os cabelos ondulados
selvagens caem sobre os ombros a deixando tão sexy de um modo
selvagem. Chama minha atenção a forma como se entrega à música,
movendo-se com graciosidade, como se cada nota fosse um convite para
dançar com ela.
Quando percebe que estou parado olhando, sorri aberto com um
brilho no olhar esverdeado. O batom vermelho é tão convidativo que
preciso de todo o meu controle para não a prensar na parede aqui mesmo e
provar o gosto que a boca dela têm. A quem eu quero enganar? Essa mulher
mexe comigo como nenhuma outra.
— Ei! Por que não está dançando? — pega minha mão e faz com
que me movimente como ela.
A canção “Greedy” começa a tocar e AnneLiz canta junto com a
cantora, visivelmente desinibida pelo álcool, e puta merda, ela e a música
tem razão, “essa merda não vai acabar bem”, porque o jeito que dança
alisando o comportado vestido preto é provocante demais para o meu juízo.
Me chama para dançar mais perto, e nossos corpos se encostam. Ela
faz com que eu queira acompanhar seus movimentos só para senti-la
próxima a mim. Quando gira de costas agarra meus braços para abraçar sua
cintura, tenho a nítida certeza que vou acabar perdendo o juízo. Unidos
dançamos sentindo o calor um do outro. O perfume de morango está por
toda parte e é delicioso. Meu rosto escova sua orelha e pescoço delgado,
tendo consciência que minha respiração está acelerando aos poucos sobre
sua pele. Ao pé do ouvido pergunto:
— Tive a impressão errada de que era tímida, AnneLiz.
— Sei que pareço tímida, mas essa noite exige que eu aproveite a
minha liberdade.
A música constrói seu ritmo sensual enquanto nos movemos
colados. Ela segura meus braços enlaçados e provoca, roçando o corpo no
meu. A bunda de encontro a minha virilha não é obra divina, é tentação.
Não quero ficar de pau duro correndo o risco de alguém ver uma cena
dessas.
— Suas curvas vão me fazer chorar se não parar de dançar assim.
Ela solta meus braços e afrouxa o enlace. Então AnneLiz muda a
posição e fica de frente, continuando a dançar.
— Dance comigo, assuma o controle! — diz com um olhar intenso.
É um desafio? Gosto de desafios. Sem hesitar agarro de volta a
cintura explorando cada pedacinho ao apertar firme.
— Qual conselho deram a você hoje?
A música “Diamonds” de Rihanna começa, envolvido pelos
movimentos provocantes, a conduzo para um canto mais discreto. Ela não
responde, enlaça meu pescoço e sorri.
— Vamos diga, pimentinha?
— Para dar o troco pelo chifre que levei.
Nessa hora puxo seu corpo, moendo meu quadril no dela para que
sinta o efeito que tem sobre mim. Com os rostos tão próximos, consigo
sentir seu hálito quente.
— Não pergunte, você sabe que tem permissão — murmura com um
sorrisinho travesso.
— Foda-se! — Devoro seus lábios como se fosse um manjar.
Tem gosto de morango e álcool, viciante e isso é muito perigoso,
mas não pretendo me afastar, não agora. Mesmo urgente o beijo encaixa
como nenhum outro e a maciez dos lábios entre as lambidas dá vontade de
morder, o que ela faz primeiro me fazendo rir.
Um pensamento rápido passa pela minha cabeça. Não podemos ficar
aqui, nos agarrando dessa maneira.
Afasto-me do beijo, e encaro seu rosto confuso, mas antes que
pergunte algo dou um selinho pegando sua mão a fim de sair rapidamente.
— Vem comigo, pimentinha!
Desviamos do movimento, saindo da danceteria em direção ao meu
carro.
Em segundos estamos nos beijando e amassando pelo caminho do
estacionamento.
Encontro meu Land Rover em meio a risadas, entramos nele.
— Você está bem? — AnneLiz para de rir se acomodando no banco
do carona.
— Claro que sim, não estou bêbada se é o que teme. Vou lembrar de
tudo amanhã, e na segunda-feira também.
Pego seu rosto entre as mãos e a encaro firme.
— O que acontecer fora do trabalho, fica fora da empresa Latarge.
— Entendi, é agora que você me ajuda na minha vingança?
Meu olhar suaviza vendo o dela endurecer com a expressão de
pimenta ardida. Não! Não vou permitir esfriar o que estava incendiando há
segundos.
Beijo-a ainda mais voraz do que dentro daquela danceteria. Suas
mãos afagam meus cabelos, puxando e guiando para ela. O amasso toma
proporções escaldantes e a temperatura dentro do veículo aumenta,
embaçando os vidros. Nossas respirações lutam para manter o fôlego,
minha camisa é aberta e me livro dela como se fosse um incômodo.
— Adorei você de vestido!
Abaixo o banco em que ela está e a vejo subir a peça, revelando as
coxas sedosas e perfeitas.
Por que ela não me deixa tirar o vestido? Mesmo sem sexo há
meses, não é desse jeito ansioso que costumo fazer as coisas. Tento ir
devagar, acariciar e beijar seu pescoço, mas AnneLiz atrapalhada tira a
calcinha e me puxa para cima dela.
— Calma, pimentinha! Me deixa cuidar de você como merece.
O sorriso dengoso confirma que entregou o controle para mim. Me
inclino e desço beijando suas coxas, lambendo a parte interna. Deslizo o
rosto cheirando e acariciando para então encontrar a boceta depilada, beijo
o volume dos lábios para provar seu gosto. Ao afastar as carnes, desfiro
uma lambida lenta e ouço um som baixo diferente. Continuo, mas alerta, e
quando ouço uma segunda vez identifico e me afasto atordoado. Um ronco?
— Puta merda! AnneLiz roncando?
Não é possível que perdi o jeito com as mulheres, ela dormiu
enquanto era chupada? Sou muito azarado, não é possível!
Observo a mulher ferrada no sono, a boca borrada entreaberta.
— AnneLiz? Ei, AnneLiz! — tento despertá-la, mas ela se encolhe e
ajeita o corpo no banco para dormir.
— Sai fora... Daniel, seu traidor! — murmura ela em meio ao sono
me confundindo com o ex.
Suspiro conformado, ajeito o vestido cobrindo seu corpo e visto
minha camisa.
É melhor levá-la para casa, talvez a bebida e o cansaço a derrubou,
não era pra ser. Foi melhor assim, como seria nossa relação profissional
depois de uma foda sem compromisso? Um desastre.
Ligo o carro e o GPS, aí me dou conta que não lembro onde
AnneLiz mora. Porra! Que caralho faço agora?
A luz do sol invadiu o quarto pela fresta da cortina sem pedir
permissão, fazendo-me fechar os olhos de imediato assim que acordei. Um
gemido escapa dos meus lábios enquanto tento compreender a intensidade
da dor que pulsa na minha cabeça. Ah, a clássica ressaca, companhia
indesejada que sempre chega sem aviso prévio.
Reabro os olhos lentamente, observando o teto como se pudesse
encontrar respostas para a minha condição matinal. A sensação de ter
exagerado nos drinks da noite anterior começa a se materializar.
Mas, esse não é o meu quarto. Onde estou? Onde vim parar, meu
Deus?
A boca seca e o gosto amargo são os únicos lembretes da noite de
ontem. Como saí daquela danceteria?
Tateio a mesa de cabeceira em busca de um analgésico, ansiosa para
libertar minha cabeça do aperto insistente.
— É isso que está procurando?
Pulo na cama de susto e puxo o lençol cobrindo meu corpo nu.
— Senhor ... Latarge?
— Bom dia, AnneLiz. Acho que já temos intimidade suficiente para
eliminar esse tratamento formal.
Olho ao redor apavorada com o coração na boca. A mão estendida
com a cartela de analgésicos e um copo d’água. Seu rosto impassível sem
nenhuma reação aparente me deixa muito envergonhada.
— Eu... Nós... Onde estou?
— Na minha suíte no hotel Sutter. Beba o analgésico, estou te
esperando para o café da manhã na sala, precisamos conversar.
Engulo o nó da garganta seca e pego a salvação da minha enxaqueca
vendo o homem me dar as costas.
Droga! Droga! Droga! Merda! O que foi que eu fiz?
Após beber o comprimido, levanto-me com cautela, como se cada
movimento desencadeasse uma sinfonia de marteladas no meu crânio. O
simples ato de ficar em pé se torna uma tarefa difícil. Lentamente ando até
o banheiro.
O espelho à minha frente revela os vestígios da noite anterior. O
batom vermelho, outrora uma obra-prima, agora é uma lembrança borrada
da minha falta de juízo. Não devia ter usado.
Preciso de um banho rápido para orientar meus pensamentos. Como
pude fazer essa loucura? Dar para o chefe, AnneLiz! O que sua filha vai
pensar se souber que a mãe é maluca dessa maneira?
O chuveiro quente é um bálsamo para a ressaca. Enquanto a água
escorre, uma reflexão dolorosa do que poderia ter sido uma noite perfeita se
mistura com o som das gotas batendo no chão do box. Era só ir para casa e
não beber tanto. Lembro de ver aquele traste e entornar uma dose atrás da
outra. Devo ter pulado sobre Sebastian e me oferecido, até ele não ter
escolha a não ser me trazer para cá. Que vergonha!
Com uma toalha ao redor do corpo e a esperança fracassada de que
o calor do chuveiro trouxesse redenção, enfrento o reflexo no espelho
novamente. Não acredito que fez essa besteira!
Visto-me com cuidado, tentando abafar as queixas do meu corpo
protestante.
Enquanto me preparo para enfrentar minha vergonha na mesa do
café, a promessa silenciosa de juízo no próximo evento que eu for ecoa em
minha mente.
Se é que haverá outro evento com a ilustre bêbada convidada.
Na sala adjacente da suíte, nervosa, vejo o meu chefe sorvendo um
gole de café.
— Acomode-se — diz ao afastar a cadeira ao seu lado.
Ainda bem que está entretido com a manteiga e a torrada e não olha
para o meu rosto.
— Preciso buscar minha filha na casa da avó, elas devem estar
preocupadas.
— Vinte minutos para o café não vai mudar a preocupação delas,
depois eu mesmo levo você até lá. — Dessa vez ele me encara firme.
Obedeço intimidada e me acomodo ao seu lado.
— Como gosta do seu café. Leite?
— Puro.
— Açúcar?
— Sim, quatro colheres, por favor.
Ele me encara antes de servir.
— O que foi?
— Não acha muito açúcar para começar o dia?
— Toma o seu café amargo?
— Sempre.
— Por quê?
— Não faço uso de substâncias que viciam. E açúcar é altamente
viciante.
Bebo um gole, sentindo o prazer do café preparado a meu gosto. O
estômago ronca, mas não tenho tempo de me concentrar nele.
— Senhor Sebastian, peço desculpas por qualquer coisa que eu
tenha feito ontem. Eu... Não costumo fazer esse tipo de coisa... Ir para a
cama de alguém que mal conheço. E... nunca houve outro além de meu ex...
Então peço por favor que não me demita por ontem à noite. Preciso muito
desse emprego, pelo menos até encontrar outro trabalho.
— Qual a última coisa que lembra daquele coquetel?
Ele prepara uma torrada com uma camada generosa de geleia e
coloca no meu prato.
— Lembro de estar dançando no meio de pessoas estranhas, tudo
apaga depois dessa cena. Infelizmente se eu beber um pouco demais não
demonstro a alteração, mas sofro as amnésias no dia seguinte, na festa do
meu casamento foi assim... Enfim. Desculpe pelos meus atos, não faria
nada do que fiz se estivesse normal.
— Não?
— Tenho certeza de que não faria.
Envergonhada, foco a atenção na refeição, mesmo sentindo seu
olhar em minha direção, ignoro a vontade de encará-lo e mordo o pão.
O silêncio acentuado pelo som da louça fina com os talheres me
deixa angustiada. Longos minutos se passam até ele falar:
— Não devia beber se tem lapsos de memória tão graves.
Principalmente em um evento do trabalho. Espero que não se repita.
— Claro, certamente, tem toda a razão.
Nervosa, não sei como agir nessa situação e me calo tomando o
café.
Meu chefe termina o dele e me encara firme.
— Não se preocupe, você não fez nada demais. Só bebeu além da
conta e eu ofereci uma carona, mas como adormeceu assim que se
acomodou no veículo, não quis despertar do seu sono para perguntar onde
morava.
Confusa, procuro sua expressão, mas ele desvia para seu café, como
se não tivesse falado nada.
— Não … transamos?
— Não.
— Mas como acordei nua? Onde você dormiu? Não vejo outra cama
aqui!
— Você mesma se despiu achando que estava na sua casa, quando
percebi o que fazia vim para a sala e dormi ali no sofá de três lugares. —
Aponta para o móvel no canto do cômodo.
— Eu ... Desculpe.
— Está se desculpando por ter tirado a roupa, por não termos ido
pra cama ou por não lembrar do que fez?
— Sei que é meu chefe e que cometi um erro em relação à bebida.
Não peço que entenda meus motivos, mas por favor, não seja cínico. Não
gosto disso! — nos encaramos por alguns segundos até eu quebrar o contato
e beber o último gole de café.
— Tem razão, foi rude e peço desculpas. — O tom debochado dá
lugar ao profissional gelado e distante. — Se puder não comentar na
empresa onde passou a noite, será melhor.
— Certamente, não se preocupe. É melhor eu ir agora.
— Eu levo você.
— Não se incomode. Afinal, a discrição pede que eu chegue em
casa em um táxi.
— Muito sensata. Agora preciso me despedir, tenho um
compromisso, mas pode terminar o seu desjejum antes de ir. Nos vemos na
segunda.
— Certo, obrigada por deixar que eu ficasse aqui.
Com um aceno e sem mais assunto se despede e sai.
Termino a refeição minutos depois e com minha pequena bolsa saio
e pego o primeiro elevador que vejo.
Inconformada, não paro de pensar em como essa situação é absurda.
Ainda mais com um homem tão sério feito ele. Oferecer carona a uma
funcionária que mal trocou algumas palavras? E se fui eu quem pediu e para
não me constranger ele contou outra versão? O que mais ele não contou
sobre ontem?
Ao chegar na casa da minha mãe e pagar o táxi, Juju vem correndo
me receber na porta.
— Mamãe, que bom que voltou cedo.
— Você está bem, minha princesa?
— Sim, estou melhor. Ajudei a vovó a fazer biscoitos, estão no
forno. Fiz um em forma de borboleta para você.
— Hum, ansiosa para provar! Onde está sua avó?
— Na cozinha.
Chegando lá, minha mãe tira o avental e vem me cumprimentar.
— Bom dia filha! Que bom que chegou. Já tomou café com sua
amiga? Se não, posso preparar a mesa.
— Amiga? — indago confusa.
— Sim, a que você disse ontem à noite, por mensagem que dormiria
lá por ser mais perto do evento.
Pego o meu celular na pequena bolsa e procuro as mensagens
enviadas. Uma e sete da manhã, tem um aviso simples e curto para a minha
mãe exatamente como ela falou. Não fui eu que escrevi isso.
— Sebastian!
— Quem? — pergunta ela.
— Não, nada. Recebi uma mensagem do meu chefe para não
esquecer os relatórios amanhã. Já tomei café na casa da minha amiga, não
se preocupe, mãe. Eu e Juju temos que ir para casa.
— Ah, mamãe, podemos esperar os biscoitos ficarem prontos, por
favor?
— Podemos, claro. Enquanto isso vou arrumar nossas bolsas.
— Eu fico com a vovó, quero ver como faz a cobertura.
— Tá bom, meu bem.
No quarto, dobrando as roupas de Juliete, medito em como
encontrar um jeito de perguntar sobre as coisas que meu chefe não me
contou. Por mais vergonhoso que seja, preciso saber a verdade sobre o que
fiz naquela maldita festa. Mais que isso, como realmente fui parar no quarto
de hotel do meu chefe.
Está decidido, amanhã cedo vou conversar com ele.
Assim que saí, liguei para o meu primo, assistente e secretário
pessoal Simba, perguntando se a corretora de imóveis aceitou mostrar as
casas hoje.
— Fez o que mandei?
— Claro que sim, chefinho. Ou acha que aquela metida aceitaria
trabalhar no domingo, mostrando mansões na orla de São Francisco, sem
uma comissão extra?
— Ótimo, quero que você nos acompanhe nas visitas.
— Sério? Estava me preparando para renovar meu bronzeado.
— Terá tempo para isso, pérola da Disney. Passo aí em meia hora,
esteja pronto.
Ouço a sua bufada na linha e desligo.
No trânsito, em direção a casa do meu primo, lembro de como ele
foi o único a me estender a mão quando fiquei sem rumo por causa daquela
cobra. Minha família inteira achou que mereci o que minha ex-noiva fez,
porque não ouvi quando foram contra o relacionamento.
Desde aquele dia a relação familiar teve uma drástica mudança para
mim. Rompi a sociedade com meu pai e despedi Lili da gerência da
empresa. As visitas que faço a eles são mera formalidade.
Kássio Latarge, ou como prefere ser chamado pelo nome alterado
nos registros, Simba, meu primo, é outro excluído da família.
Pela orientação sexual, meu tio hipócrita, o despediu da própria
empresa tecnológica e eu o acolhi. Está cursando faculdade de
administração e assim que se formar, ocupará a cadeira de vice-presidente
da minha empresa.
Por enquanto, aceitou ser meu secretário pessoal. Mudou-se da
Suíça junto comigo, quando falei que voltaria para a Califórnia. Prezo e
recompenso a lealdade e Simba é meu amigo leal.
Ao chegar em frente da casa, ele me aguarda na porta com seu
óculos de sol a postos.
— Me deve um domingo de praia, primo. Sei bem que não quer
ficar sozinho com mulher nenhuma e como sempre eu sou seu salvador.
Mas está me devendo.
— Pago minhas dívidas, não se preocupe.
Ao longo do dia, uma série de irritações se acumulou, começando
pelo perfume enjoativo da corretora, cujos peitos pareciam desafiar as leis
da física ao saltarem da camisa de botão propositalmente aberto.
A habilidade de Simba para questionar detalhes minuciosos sobre
cada mansão que visitávamos tornou-se a segunda fonte de desconforto. O
preço de sua presença não era apenas figurativo, mas literal. Não havia
outro jeito, minha escolha em trazê-lo foi uma medida consciente para
evitar mulheres como a senhorita Brown, com fama de se oferecer para os
clientes.
Uma faceta que esqueci temporariamente foi o pavor dele por
assombrações, revelado em suas constantes perguntas sobre a ficha corrida
dos moradores anteriores em todas as residências que a corretora nos
conduzia. O principal critério para adquirir uma propriedade,
aparentemente, era que nenhum infortúnio fatal tivesse ocorrido enquanto
alguém chamava a casa de lar.
Terminei o domingo com uma dor de cabeça enorme e uma
majestosa mansão com área de 700 metros quadrados, três andares, uma
vista deslumbrante para o oceano, amplos jardins e uma piscina infinita, na
praia exclusiva de Carbon Beach. Deveria estar satisfeito e animado, mas o
pior é que estava frustrado por não conseguir parar de pensar na pimentinha
da noite passada.

Segunda feira de manhã meu humor está ainda pior.


Entro no escritório com a seriedade que meu cargo exige, mas logo
sou agraciado pelo caos organizado que é meu primo. Com seu terno de três
peças, ele entra feito um furacão, prepara um café na máquina e se acomoda
na cadeira em frente à minha mesa.
— Bom dia, chefinho mal-humorado! — saúda Simba com um
sorriso irreverente, seus olhos brilhando com a promessa de mais uma
jornada de absurdos. — Vai me contar o motivo do mau-humor ou preciso
implorar?
— Não estou de mau-humor. — Minha resposta é acompanhada de
um olhar de censura, mas isso não faz diferença alguma para ele.
Enquanto tento disfarçar me ocupando no notebook e e-mails dos
relatórios de vendas, ele começa seu monólogo matinal sobre os
acontecimentos do dia anterior. Como fui grosseiro com a senhorita Brown
e suas análises peculiares sobre o comportamento humano. Especialmente o
meu.
— Você precisa se soltar, Sebastian. — dispara, com uma expressão
teatral de preocupação. — Se continuar assim, vai acabar sendo o CEO
solteirão mais ranzinza do Vale do Silício.
À medida que ele desfia suas observações hilárias sobre o domingo,
não pude evitar um sorriso relutante. Simba sabe como encontrar o lado
humorístico mesmo quando o meu dia está péssimo.
— A propósito, seu encontro de sábado à noite parece ter sido um
sucesso, não é? — comenta, fazendo uma pausa dramática. — Vi as fotos
nas redes sociais, tinha uma mulher de bocão vermelho ao seu lado em cada
foto com os clientes.
A menção ao meu encontro com AnneLiz traz um sorriso
involuntário ao meu rosto.
A mente vaga para ela. As risadas, a dança sensual e a boca borrada
depois dos nossos beijos são agora lembranças suaves. O que me deixa duro
é a lembrança do gosto daquela mulher linda! Puta merda! Remexo o corpo
na cadeira estofada tentando uma posição melhor, arrumando minha virilha
sob a mesa. Ele, sempre atento aos detalhes, capta a mudança da minha
atitude calma.
— Ah, minhas suspeitas estão certas, o Sr. CEO foi flechado pelo
cupido! — exclama, fingindo choque. — Já estou preparando meu discurso
de padrinho para o casamento.
— Cale a boca, Simba! Era AnneLiz, nossa colaboradora do
marketing, foi escolhida para apresentar os clientes para mim. Apenas isso.
— Quem escolheu? O porco do Jason?
— Sim. Pedi para ele a pessoa mais competente do setor — minto,
não vou revelar que fui eu quem pediu por ela.
— Hum, competente, linda... Ela é solteira? — pergunta bebendo
seu café.
— Sei onde quer chegar, primo casamenteiro, e proíbo qualquer
intervenção na minha vida amorosa!
— A qual não existe! Desde que aquela... — uma erguida de
sobrancelha é suficiente para que ele não toque no nome de Samantha.
— Desde o fato há seis anos, você não se relaciona com ninguém.
No máximo umas garotas de uma noite para extravasar a tensão e só. Não
pode manter esse coração fechado, primo. Essa AnneLiz é uma excelente
candidata para trazer meu priminho divertido de volta.
A lembrança momentânea se dissipa quando recordo que ela não
lembra de nossa noite juntos.
— Ei, você está bem? — pergunta ao perceber a mudança na minha
expressão. — Parece que levou um balde de água fria.
— Acha que as pessoas podem ter amnésia alcoólica ou é desculpa
pra não lembrar dos arrependimentos? — pergunto, quase que para mim
mesmo.
— É claro que é possível, na faculdade tenho uma amiga que tem
essa amnésia. Ela criou até um blog para postarem os vídeos do que ela fez
durante a bebedeira, ela mesma é um meme ambulante, mas a mais popular
da universidade. Por que a pergunta? Teve uma dessas.
— Não, nada demais. Vá trabalhar, preciso dar início às
conferências desses relatórios.
Uma batida na porta interrompe nossa interação.
— Só um minuto, senhor Latarge está ocupado, aguarde por favor!
— Ele avisa de modo afetado.
Rolo os olhos, impaciente.
— Quando te chamei para ser meu assistente não era para você
abandonar o seu posto e ficar de fofoca na minha sala, Simba.
Ele ajeita seu blazer e joga o copo de café vazio na lixeira.
— Não é fofoca, é nossa reunião matinal. Para todos os fins, somos
empresários sérios.
— E nós somos!
— Foi o que eu falei, Sebastian. — Deixa um sorriso debochado e
vai até a porta.
— Pois não, senhorita. Tem hora marcada?
— Não, mas é um assunto urgente!
A voz da pimentinha me põe em alerta, arrumo a gravata interessado
no que estão falando na porta.
— Como é seu nome?
— AnneLiz Colleman.
— AnneLiz? — Sobre o ombro ele olha em minha direção com seu
previsível sorrisinho.
— Se for rápido, tenho certeza de que o chefe vai recebê-la.
— Serei breve.
Ele abre a porta e a fecha assim que ela entra.
Posicionado atrás dela a escaneia de cima abaixo e olha para mim
dando uma piscadela. Eu mais discretamente analiso a postura altiva da
minha funcionária.
Saia preta um pouco acima dos joelhos e blusa de seda branca com
mangas longas e decote v. Sapatos pretos discretos e os cabelos castanhos
semi presos. A maquiagem é leve, o batom suave não realça os lábios
carnudos, o que me faz recordar instantaneamente aquele vermelho que
usou no sábado e o gosto de morango do seu beijo. Meus pensamentos
começam a viajar para o corpo gostoso no assento do meu carro, lembro da
nossa noite. Não! Não é nossa noite, porra nenhuma!
— Poderíamos falar em particular por um momento, senhor
Latarge?
Entrelaço os dedos sobre a mesa e faço um sinal para Simba sair, ele
obedece após um bico teatral atrás de AnneLiz. A sós, ela começa:
— O que eu fiz sábado à noite? Preciso saber!
No fundo, a confusão sobre o que AnneLiz lembra ou não, mexe
comigo. Queria que recordasse dos beijos, que desse algum sinal de que eu
a afeto. Ela não se insinua para mim, por quê? Será que não a atraio?
— Não fez nada demais. Já disse o que houve.
— Você mentiu! — Mas que topetuda!
— Sente-se AnneLiz!
Bufando ela obedece, mas insiste na conversa.
— Por que mexeu no meu celular?
— Você mal conseguia falar, quando a coloquei na cama, murmurou
sua filha, sua mãe. Precisava avisar que estava bem. Só dizia ‘liga para
minha mãe’ o que eu podia fazer? Ligar e dizer: Olha, minha senhora, eu
não a conheço, mas sua filha bebeu e mandou avisar que está bem? Decidi
que uma mensagem era melhor para não ser acusado de sequestro por uma
mãe preocupada.
— Por que não me disse pela manhã?
— Se você não ficasse tão na defensiva como uma foragida, poderia
te contar.
Ela estreita o olhar esverdeado como duas fendas afiadas, os lábios
apertam visivelmente nervosa.
— Não, você não contaria. — É involuntário minha risada baixa. —
Conte-me o que exatamente aconteceu?
— De que adianta saber de coisas que não pode desfazer? Ou voltar
atrás?
— O que quer dizer?
Levanto-me e me apoio na mesa quase sentando sobre o tampo para
me aproximar, mas não totalmente. Suas bochechas coradas mexem com
meu corpo inteiro. É linda, e brava fica ainda mais. Depois de um orgasmo
é exatamente assim que gostaria de vê-la. Meu esforço em não ter uma
ereção descarada faz doer minhas bolas.
AnneLiz se levanta e me olha nos olhos sem desviar com uma
coragem e intensidade que quase me intimidam. Umedeço os lábios, doido
pra domar a atrevida.
— Nós ficamos, não é?
— Não exatamente.
— Eu me ofereci para passar a noite com você?
— Não exatamente — prendo o sorriso.
— Eu te beijei?
— Sim.
— Por que você mentiu que não transamos? Não seja covarde, me
conte. Não precisa ter medo de que eu queira algo com um homem como
você, não quero nada seu, só a verdade.
Eu? Covarde? Que mulher petulante em me desafiar desse jeito!
Tiro o meu blazer e volto a me acomodar na minha cadeira, olhando a tela
do notebook e dando apenas o desprezo. Não me quer? Também não te
quero!
— Você me provocou na pista de dança, te levei para o meu carro,
você tirou a calcinha e me puxou como uma desesperada para em seguida
roncar como se tivesse tomado um valium.
— Mas que merda! —- Não dou risada, mas a cara dela de espanto é
hilária.
— É, uma grande merda, porque você poderia ter a foda da sua vida
e adormeceu. Eu te faria lembrar como é ser bem comida. E veja bem, uma
oportunidade como aquela, não vai se repetir, um homem como eu não se
envolve com uma mulher como você, não foi o que acabou de dizer? —
Dessa vez desvio da tela e olho seu rosto, que está pálido como uma folha
de papel. AnneLiz engole seco com os olhos arregalados.
— Se era a verdade que queria, isso é tudo. O resto já lhe contei no
hotel, se me der licença, tenho páginas de relatórios financeiros para
conferir e você tem que começar a fazer jus ao seu salário.
Ela nem sequer se despede, vira as costas e sai pisando duro.
É bom mesmo que vá, pois se não sou homem para ela, AnneLiz
não é mulher para mim.
Ela deve ser outra Samantha ou pode ser ainda pior. E jurei não me
envolver com mulheres que vão me manipular com falso sentimento e
depois enganam e traem. Acabam com nossos sonhos sem qualquer
piedade. Vá para o inferno AnneLiz Colleman!
Saí daquela sala como se estivesse fugindo do diabo. Nunca fui tão
humilhada em toda minha vida. Não sou uma qualquer e muito menos o
tipo de mulher que se atira para cima de homens desconhecidos, ainda mais
meu chefe!
Antes de voltar para a minha sala, passo no banheiro e molho os
pulsos. Tô nervosa com toda essa situação. Merda! Não vou chorar, não
mesmo!
Será que fiz mesmo aquilo? Se ele mentiu antes pode muito bem ter
mentido sobre como peguei carona com ele.
Olho meu reflexo no espelho lembrando das palavras do arrogante.
“Um homem como eu não se envolve com uma mulher como você”
Claro que não! Se levei um chifre de um perdedor como Daniel,
quem sou eu para Sebastian Latarge? Sem graça, uma planta como meu ex
me chamava e além de tudo burra, AnneLiz! É isso que você é. Se jogou
pra cima dele, bem feito! E pior, dormiu no ato! Quem faz isso, meu deus!
Devo estar numa maré de azar muito grande mesmo!
Melhor voltar ao trabalho que é a coisa mais sensata a fazer. Ando
apressada e ao entrar na sala com as diversas repartições do meu setor, vejo
o supervisor entrando pela outra porta.
— Onde estava AnneLiz? — pergunta minha colega e amiga Mia,
no box ao lado.
— No banheiro.
— Está com piriri essa hora do expediente? Demorou hein!
— Um imprevisto apenas, o que está havendo que o tarado
carrancudo está no setor?
— Vai anunciar as regras da nova campanha, parece que vai surgir
uma promoção.
Animada presto atenção em Jason que limpa a garganta para iniciar
o discurso.
— Como todos sabem, o CEO Latarge é muito exigente, mas
também muito generoso.
— Puxa saco! — resmungo fazendo Mia rir.
— Ele colocou um novo cargo à disposição do setor de marketing,
pois vou receber maiores responsabilidades e quem subir vai assumir a
liderança das campanhas.
Uau! Preciso dessa grana, quero muito dar entrada em um carro para
levar Juju na escola e vir para o trabalho.
— Então deem o máximo de vocês nessa próxima semana nas
campanhas que assumirem, e vou avaliar diretamente com o senhor Latarge
quem ficará com o cargo.
— Ih! Babou! Nenhum dos dois vai com a minha cara — murmuro
desanimada.
— Não seja pessimista, AnneLiz. Ninguém nessa empresa pode
contestar sua competência, se alguém merece esse cargo, esse alguém é
você.
— Obrigada, amiga, mas ficarei longe das expectativas.
Assim que o supervisor termina o aviso, afundamos a cara no
trabalho, cada uma no seu notebook.
O sol brilha sobre São Francisco atraindo meu olhar para a paisagem
pelas vidraças do décimo andar. Ignoro a fantasia de um banho de mar para
mergulhar no trabalho, buscando esquecer o desastre que se abateu sobre
minha vida pessoal. Cada tecla pressionada é uma tentativa de afastar os
pensamentos ruins, principalmente do meu chefe arrogante.
No final do dia a coluna estala de tanto me manter sentada
analisando as estratégias para as campanhas em andamento.
No elevador solto o ar exalando cansada, mas longe de relaxar,
Mark, um colega chato, o qual está sempre de piadinhas de mau gosto, entra
junto na já claustrofóbica caixa de metal. Mais essa? Será que não mereço
um refresco, nunca?
— AnneLiz? Longo dia, hein?
— Nem fala, Mark. Hoje foi pesado e é apenas o início da semana.
—- dou a deixa que não quero papo com ele.
— Verdade. Que tal tomar um drink para relaxar? — safado não
perde tempo mesmo!
— Agradeço o convite, mas recuso.
— Ah, vamos lá? Fiquei sabendo que está solteira agora!
— Sim, mas não costumo sair para beber em plena segunda-feira.
Ele se posiciona mais próximo, invadindo meu espaço pessoal me
deixando desconfortável.
— Então, aceita uma carona, te levo para casa. — devia era
denunciá-lo no RH por assédio, isso sim.
— Não é boa ideia, melhor mantermos o relacionamento
profissional adequado.
A porta se abre e para a minha desgraça, o CEO arrogante entra,
com sua cara de péssimo humor e fica de costas para nós.
— Deixa disso, AnneLiz. É só uma carona, levo você e a deixo em
casa sã e salva — continua o chato.
Não posso destruir suas esperanças, pois será ainda pior, melhor
manter uma boa interação.
— Não quero ser rude, Mark. Mas preciso buscar Juliete na
escolinha e é fora do seu trajeto, um outro dia aceito sua carona, está bem?
— Ok, claro. Se precisar de mim é só avisar. Estou sempre
disponível para você.
Os suspiros do chefe mexendo no celular, me deixam curiosa. Com
quem será que está falando impaciente desse jeito?
Deve ter levado um fora. Não! Sebastian Latarge não leva toco de
ninguém, afinal o homem é a melhor foda de uma mulher, ele mesmo
esfregou na minha cara. Coloco a mão na boca para evitar um riso fora de
hora.
Será que ele é mesmo tão bom assim na cama? Não saberia dizer, já
que tenho apenas uma opção como comparação. Diferente de Daniel, nunca
o traí e ele foi meu primeiro namorado, e o único que me viu nua. Então é
impossível saber se meu chefe é tudo isso que fala. Aliás, nem estou
interessada no mal-humorado, e tenho certeza de que não o beijei, senão me
lembraria.
Mark sai no quinto andar dizendo que vai deixar uma pasta no
almoxarifado e eu fico com o mal-humorado, que dá um passo para o lado e
se apoia no espelho do elevador. Sinto seu olhar em mim, mas mantenho a
postura sem retribuir o gesto.
— Ele estava te importunando, AnneLiz?
— Quem? Mark? Não se preocupe, sei lidar com homens como ele.
— Ah, imagino que sim.
Nessa hora o encaro e ele desvia para o maldito celular.
— O que quer dizer? — Sebastian eleva os ombros.
— Nada, você mesma disse que sabe lidar com o cara.
Chego mais perto para que olhe no meu rosto.
— Olha só, sei que começamos com o pé esquerdo. Você é meu
chefe e eu não sou nada aqui, mas gostaria de manter um nível de contato
estritamente profissional. E quanto mais distante, melhor.
Ele solta um riso amargo, ao mesmo tempo que a porta do elevador
se abre.
— Além de petulante, é ingrata!
E sai a passos largos em direção a saída. Filho da puta, arrogante e
mal-educado! Ah, vai pro diabo que te carregue!
Saio da empresa e troco os sapatos antes de alcançar a fachada.
Preciso economizar no Uber, para chamar o carro apenas na escola da Juju.
Infelizmente, um calçado baixo é necessário para não ferir meus pés. A
caminhada dá uns cinco quilômetros.
Bem, o trajeto dará tempo de meditar em como conseguir aquela
promoção.

Até que enfim é sexta-feira. Olho a hora na tela do notebook, onze e


quarenta. Quase intervalo de almoço, nem acredito que a semana terminou.
Os dias se arrastaram, e a tensão cresceu como uma onda imparável.
Cada encontro com Sebastian foi um esbarrão carregado de eletricidade.
Conversas profissionais evoluíram para confrontos verbais, a linha tênue
entre chefe e funcionária desaparecendo a cada embate. Estamos mais para
cão e gato. Também pudera, o homem é insuportável. Cínico, frio e seco.
Decidi dividir meu desconforto com Mia, acabei contando o que
houve desde o coquetel.
Ela quase infartou de tanto rir. Entre risadas com ela, tive um certo
alívio na descontração e o desabafo foi um antídoto para conseguir aguentar
a semana.
Mas o destino continua a lançar seus desafios, e o desfecho dela,
ainda não ocorreu. Hoje no final da tarde será o anúncio da promoção. Até
o apetite sumiu pela apreensão.
Chegamos no refeitório e inspiro o perfume de carne.
— Bolo de carne? Qual é a data especial? — Pergunto ao me servir
no bufê.

— Ouvi ali na porta que o chefão vai almoçar com os pobres


mortais hoje.
— Hum, aquele nariz em pé servindo-se do humilde menu dos
subordinados? Essa cena quero assistir de camarote.
Mia serve-se das batatas gratinadas e da carne rindo da minha piada.
— Ai amiga, você pegou implicância com o homem, hein? — O
bom humor dela é o que me salva.
Nos acomodamos em uma mesa de frente para a porta. Levei a sério
a promessa de ver aquele arrogante almoçando bolo de carne e os
acompanhamentos simples do nosso menu.
— Você mal conversou com ele, eu sim já ouvi absurdos daquele
go... Homem, sou muito azarada.
— Nisso eu concordo, AnneLiz. Pois beijou aquele monumento e
não lembra como foi. Um puta azar!
— Cale a boca, abusada! Não repete isso! Nem sei se é verdade. —
reviro os olhos com a possibilidade de ter feito essa proeza.
— Por que ele inventaria?
Dou uma garfada generosa, provando o almoço e fazendo
murmúrios apreciando.
— Para me humilhar, só porque chamei a irmã dele de vaca. Tenho
certeza que é do tipo que brinca com as mulheres sem dó.
Mia bebe um gole do suco e cospe.
— Isso está amargo pra cacete!
Começo a rir com o guardanapo impedindo um desastre.
— Por causa dele.
— Como assim? — A cara confusa dela é ainda mais hilária.
— O tal monumento é tão mal-humorado daquele jeito porque não
come ou bebe nada doce.
— Ele falou isso?
— Sim, bem dessa forma: Não faço uso de substâncias que viciam e
açúcar é altamente viciante — imito sua voz grave enquanto Mia me olha
séria.
— Fica quieta que o homem está se aproximando — sussurra.
— Bom dia, senhoritas, vejo que o assunto está bem interessante!
— Bom dia — respondemos juntas.
Ele e o assistente cruzam pela nossa mesa e se acomodam em uma
perto das janelas, mas ele senta-se de frente para nós.
— Será que ele ouviu você imitando? — sussurra ela.
Meu rosto esquenta, preciso me controlar. Se não me comportar
serei demitida sem piedade.
Olho em direção a mesa que os dois se acomodaram e admiro sua
postura elegante. Hoje ele veste um terno marinho bem ajustado ao corpo, a
saliência dos músculos do braço chama a atenção. Deve malhar horrores.
Não é um homem enorme, mas é alto e tem um porte atlético visível sob os
ternos.
Vez ou outra encontro seu olhar intenso me estudando, mas logo
desvia assim como eu. Por que sou tentada a olhar para aquele arrogante?
Termino minha refeição sem muitas palavras com Mia. Ela aproveitou o
almoço para conferir um material na apostila online do curso de aeromoça
que está fazendo. E eu, apressada, me retiro do refeitório para não ficar
tentada a olhar para o nosso chefe.
Quando volto para o andar onde trabalho, me distraio com a
movimentação de homens vestidos com macacões de reforma. Nunca teve
nenhum problema nesse andar para a equipe consertar. O que será que está
acontecendo na sala do Senhor Melhor Foda?
Ah, talvez o arrogante mandou derrubar uma parede da sua sala.
Provavelmente não comporta tanto mau-humor e precisou aumentar a sala.
Vou em direção a minha mesa rindo sozinha dos meus pensamentos.
Aos poucos toda a equipe do marketing retorna para o trabalho e o
expediente continua.
Meia hora antes do horário fechar um burburinho na porta da sala,
confirma que é Jason para anunciar o resultado da promoção.
Todos os rostos curiosos e apreensivos prestam atenção no homem
de terno roxo. Roxo? Pelo amor de Deus!
— Então, como sabem, chegou a hora do felizardo ou felizarda
assumir a dianteira. Essa semana vimos muitos ótimos resultados. As
vendas aumentaram graças ao sucesso nas campanhas as quais vocês se
empenharam. Estão todos de parabéns. Confesso que foi difícil escolher,
mas nosso chefe teve papel decisivo na escolha. Conferiu cada resultado e
meta batida. E quem vai ser a responsável do setor é AnneLiz Colleman
Ó.meu.Deus.ó.meu.Deus!
Mia me abraça parabenizando, mas ainda não acredito. Olho para o
supervisor que se aproxima e estende a mão com um sorriso forçado e falso.
— Parabéns, AnneLiz. O setor é seu. Antes de sair precisa passar na
sala do CEO. Ele quer dar uma palavrinha com você. Boa sorte na nova
função. Não é fácil agradar o homem!
Engulo a apreensão e o misto de sentimentos que se debatem dentro
de mim. Aceito o cumprimento e ignoro a falsa cara de bonzinho,
guardando meus pertences na bolsa.
Até que enfim vou conseguir comprar um carro e levar minha filha
para escola com maior conforto. Vai sobrar a grana reserva para o Uber.
Nem acredito nisso!
Minutos antes do horário faço como Jason mandou e cruzo o saguão
do andar em direção a sala do chefão. Seu secretário não está na mesa,
diante da porta dupla aliso minha saia e o cabelo, meditando em não
retrucar Sebastian de forma alguma. O que provavelmente é meio
impossível.
Essa promoção é minha passagem de ida, se Deus quiser, para longe
dessa empresa. Vou montar meu negócio e trabalhar para mim e Juliete
apenas.
Respire AnneLiz, acalme-se e seja simpática, aceite as imposições
do homem. Fecho os olhos por um segundo e faço uma breve prece mental
“seja o que o universo quiser!”
Bato na porta e anuncio meu nome.
— Pode entrar, AnneLiz.
— Mandou me chamar, senhor Sebastian? — pergunto assim que
fecho a porta.
O vejo alinhar a gravata que está perfeitamente no lugar. Deve ser
um tique nervoso.
— Sim. Presumo que Jason anunciou sua promoção.
— Sim, senhor. E agradeço a oportunidade.
— Ótimo, segunda feira você pode trazer seus pertences e notebook
para cá.
Surpresa pisco os olhos tentando controlar minha boca.
— Aqui?
— Sim, mandei ajustar a sala adjacente para você. Trabalhará
diretamente comigo, algum problema com isso?
— Não, senhor.
Ele estreita o olhar me analisando, fazendo um arrepio correr na
minha coluna.
— O que houve com você? Parece um cordeirinho obediente! Essa
não é a AnneLiz que conheci. — Percebo o maldito deboche dele.
— Estou apenas surpresa com tantas mudanças, apenas isso. —-
Falo sucinta, também sei jogar o seu jogo.
— Certo, espero não se tornar uma puxa saco igual o Jason, com o
qual não consigo trocar nenhuma ideia. Seremos uma equipe você e eu, não
quero lidar com um robô que diz sim para tudo o que eu sugerir.
— Sim, senhor. Quer dizer, não senhor. Ah droga! Tô nervosa,
desculpe. É que essa promoção veio em ótima hora e não quero fazer nada
errado, ok.
Seus lábios segurando o riso me acalmam um pouco.
— Relaxe AnneLiz. Vá para casa descanse o fim de semana, na
segunda você olha a sala, se instala e se precisar de qualquer mudança fale
com o encarregado da reforma que ele providencia. Depois vamos ter
tempo de lidar com o setor de marketing e converso sobre o que tenho em
mente.
— Certo, farei isso. Obrigada.
— Mandarei fazer uma cópia da chave da sala na segunda. Agora vá
descansar, seu expediente já terminou.
— Ok — Não consigo prender o sorriso, ele é fofo quando quer,
mas esse jeito de encarar a gente ainda precisa mudar. É intimidante. —
Nos vemos na segunda, chefe.
— Até mais, pi... AnneLiz.
Saio da sala e me apoio na porta do lado de fora, soltando todo o ar
preso nos pulmões. Uau! Não sei por que fiquei afetada assim? Só porque
não brigamos pela primeira vez? Ou foi a voz descontraída e amistosa?
Parecia que ele queria me agradar, não! Tô vendo coisas onde não tem. Mas
que é estranho essa calmaria isso é. Minha mãe sempre diz, que a calmaria
vem antes da tempestade.
Sábado amanheceu com a promessa de um dia esplêndido. O sol já
se erguia no horizonte, pintando o céu com tons quentes de laranja e rosa,
aliás, demorei um pouco mais a observá-lo diante da janela enquanto bebia
uma xícara de café. O clima animado da primavera abraça a manhã, é a
trégua perfeita para minha mente que anseia por um descanso da rotina
estressante do escritório.
Depois de um banho demorado, escolho roupas despojadas,
afastando temporariamente o terno impecável que normalmente visto. Opto
por um conjunto de malha confortável, pronto para reiniciar a rotina da
corrida matinal que mantinha quando morava na Suíça.
Ainda permaneço no hotel, não tive a oportunidade de contratar um
designer de interiores para mobiliar a mansão que adquiri. Além disso, não
tenho pressa em me mudar. Embora a casa tenha a privacidade que aprecio,
estou focado em formar uma equipe que possa atender às minhas
necessidades. Prefiro pessoalmente escolher os funcionários que irão
trabalhar diretamente comigo. Por essa razão, não dei essa tarefa a Simba.
Após vestir-me, pego o fone de ouvido, peça essencial, uma
extensão de mim mesmo. Talvez as letras de um bom rock and roll me
façam esquecer o que, ou melhor, quem não sai da minha cabeça.
Ao sair pela porta da frente, a brisa suave carrega a essência do
oceano, misturando-se com os aromas frescos da natureza despertando.
Decido ir de carro até o parque Bluffs, para poupar energia já que
ando destreinado. O trajeto não leva mais que dez minutos, ao cruzar pela
guarita de segurança do lugar, estaciono e ligo os fones. Assim, envolto pela
atmosfera relaxante e pela batida constante do rock nos ouvidos, começo o
alongamento e a caminhada rápida, para logo em seguida a corrida
revigorante.
Fazendo a segunda volta pelo parque, observo como foi ampliado e
cuidado desde que eu frequentava há seis anos. A área verde preservada
ficou incrível com o plantio de novas sequoias. Hoje o movimento está
grande, vários esportistas fazendo exercícios, famílias passeando e em
piqueniques. Qual será a sensação de aproveitar o fim de semana com
pessoas que escolheu como família? Nunca tive isso, na infância meus pais
me colocaram em um colégio de tempo integral, para que não se
preocupassem e pudessem levantar seu império sem um pirralho dando
trabalho.
Talvez por isso, não me vejo sentado em uma toalha quadriculada,
tendo uma refeição ao ar livre com uma esposa e filhos. Não fui criado para
isso. Herdeiros? Já tive esse sonho. Talvez providencie um dia, mas nos
tempos modernos há inúmeras formas de fazer isso.
Na sexta volta completa pela pista de corrida, paro um momento
para descansar e beber água da garrafinha que trouxe comigo, quando um
estrago acontece.
Um pássaro resolve descarregar o número dois justamente na hora
que está sobrevoando sobre mim. Porra! Minha cabeça, camiseta e até o
tênis é emporcalhando de cocô de passarinho. Mas o que esse infeliz
comeu? Maldizendo minha sorte, jogo água na cabeça e ombros para tentar
lavar de alguma forma. As crianças que estavam no brinquedo de escorrega
param de brincar para rir da minha desgraça, me deixando ainda mais
irritado. Ah, ah, ah, seus pestinhas! Xingo em pensamento.
Puta merda! Não é possível uma coisa dessas.
Uma menina loirinha se aproxima e vejo que é a única que não está
gargalhando.
— Não dá bola pra eles, moço. Venha, vou mostrar onde tem um
chuveiro, é ali perto onde minha mãe está com a cesta de ‘piquepique’.
Olho seu rosto sério com seus cabelos em duas trancinhas e o
macacão jeans com uma borboleta cor de rosa bordada no tecido.
— Chuveiro?
— É. Colocaram um aqui no parque esse ano. Acho que sua água
terminou e essa sujeira toda só vai sair no banho.
Olho a garrafinha vazia na minha mão e a menina caminhando para
o tal chuveiro. Um calor dos infernos, suado, sujo de merda e louco para
voltar ao hotel e tomar o café da manhã, que alternativa tenho? Pior não vai
ficar, pelo menos não sujo meu carro.
— Ei espere! Por que está me ajudando? Sou um estranho.
A menina para de caminhar e olha para mim franzindo a testa e
encolhendo os olhinhos claros pelo sol.
— Minha mãe diz que devo ser gentil com as pessoas. Como é o seu
nome?
— Sebastian.
Dessa vez ela ri e segue caminhando, comigo a seguindo pelo
gramado.
— Qual é a graça?
— Seu nome não combina com você.
— Ah, não?
— Não, Sebastian é nome de velho. Você não é velho e agora não é
mais estranho.
— Muito espertinha. — Sorrio pelo jeito sem filtro da menina.
Ao chegarmos no tal chuveiro, é apenas uma ducha em uma
plataforma de concreto de dois por dois. Começo tirando o tênis um por um.
— E qual nome combina comigo?
A mãozinha no queixo pensando teatralmente me faz rir.
— Ainda não sei, mas por enquanto vou te chamar de Seba.
— Seba?
— Sim, e acho que precisa de um sabonete para lavar esse cabelo,
está fedendo, Seba. Espera que pergunto pra mamãe se ela trouxe um, ela
sempre traz um montão de coisas quando passeamos aqui.
Antes que eu agradeça ou pergunte o nome, a espertinha sai
correndo. Tiro a camiseta imunda, mas mantenho a bermuda, afinal não
estamos na praia, vou apenas lavar o mais grosso da sujeira. Lavo a
camiseta testando a temperatura da água, até que não é gelada. Coloco a
cabeça sob a ducha e deixo correr o jato, vendo a merda sair, só o cheiro é
terrível. Que azar do cacete! O que será que vai acontecer de pior se mal
começou o dia?
— Mamãe esse é o Seba, pode entregar o sabonete, viu como é um
humano e não um cachorro!
De costas só ouço a voz da menina e quando giro me deparo com os
olhos esbugalhados de AnneLiz.
— Você? — perguntamos juntos.
— Conhece ele, mamy?
Desligo o chuveiro por um instante e observo AnneLiz engolir em
seco sem palavras, seus olhos descem pelo meu corpo aí me dou conta que
estou apenas de bermuda e molhada.
— Trabalhamos juntos — respondo tentando disfarçar a surpresa.
— Ele é o meu chefe, filha, o dono da empresa Latarge. O que
houve, afinal?
— Já contei, mamãe. Um passarinho fez cocô em cima dele todo. O
cabelo estava imundo e fedido! Devia ser um passarão enorme.
AnneLiz em uma tentativa de segurar o riso, respira fundo, mas não
consegue e cai na gargalhada.
— Você adorou isso né, senhorita Colleman?
— Desculpe, tô imaginando a cena e não deu pra segurar.
— Pode, por favor, emprestar o sabonete que tem na mão?
— Ó, sim claro. — Ela me entrega rápido e pega a mão da filha. —
Nós vamos dar privacidade para você e não precisa devolver o sabonete.
— Como não, mãe? Vou lavar minhas mãos de que maneira antes de
comer?
— Fica quieta, filha. Ele precisa mais do sabonete do que nós. Vem!
As duas saem apressadas, de rabo de olho acompanho a direção.
Estão embaixo de uma árvore a uns bons cem metros de distância.
Quando penso que o sábado seria uma distração dos pensamentos
sobre minha funcionária, a própria de carne e osso e gostosura aparece.
Longos minutos se passam e quando termino de me lavar com o sabonete
com cheiro de morango, o cheiro de AnneLiz, a menina volta com uma
toalha não muito grande na mão.
— Minha mãe mandou uma toalha, acho que é pra não ficar
molhado e pegar um resfriado.
— Obrigado.
— Você vem comer com a gente?
— Foi ela que convidou?
A menina pensa um pouco e olha na direção da mãe.
— É, acho que ela disse isso também.
Tenho certeza de que não disse, mas não decepciono a garotinha tão
amável e simpática. Pra quem será que puxou?
— Convite aceito, senhorita...?
— Juliete, ... Mas pode me chamar de Juju.
— Certo Juju, assim que eu me secar e colocar o tênis vou até lá.
— Legal! — Sua empolgação é curiosa para mim.
Enquanto Juliete se afasta, fico pensando que a mãe não deve ter
dito que não nos damos bem, por que contaria? É uma criança, e tão
inocente para esse tipo de assunto.
Me enxugo na medida do possível e caminho até elas para devolver
o sabonete e a toalha. Conforme me aproximo, foco nos detalhes, AnneLiz
está com um vestido longo azul de tecido leve e alças finas o qual não havia
reparado. A curva dos seios faz minha imaginação viajar. Ela tem um colo
lindo, e o pescoço é algo que admiro nas mulheres. Como são elegantes nas
curvas e se movem com graça junto com os cabelos. Os dela hoje estão
presos em um rabo de cavalo, deixando os fios novos da nuca aparecerem.
A pele é perfeita, cremosa e lisa. Ela toda é perfeita.
— Seba, precisa tirar o tênis para sentar com a gente.
— Só vim agradecer e devolver a toalha e o sabonete, pequena.
— Minha mãe diz que é feio recusar convites, ainda mais para
comer.
— Juliete! Senhor Sebastian deve ter compromissos mais
importantes do que fazer piquenique no parque com duas estranhas. — Seu
olhar intenso me diz que é um aviso para não aceitar o convite.
— Mas nós não somos estranhas, mamãe! Ele já sabe o meu nome e
o seu também que eu sei.
AnneLiz ri abraçando e beijando a filha, o que me atordoa porque
nunca a vi despojada e... Com esse sorriso lindo e espontâneo de tirar o
fôlego. Mas só para contrariar a pimentinha, vou ficar.
— Tem toda a razão Juju, é uma ingratidão não aceitar o convite
para comer com vocês depois de toda a gentileza que fizeram por mim.
O sorriso largo da menina é tão doce que aquece o coração da gente.
Descalço os tênis outra vez e me acomodo no canto da toalha,
enquanto a pimentinha me estuda disfarçadamente ao tirar as guloseimas de
um cesto. Me dou conta que estou sentado sobre uma toalha xadrez
comendo ao ar livre pela primeira vez.
— Vocês sempre fazem esse tipo de programa em família? —
pergunto para quebrar o gelo.
— Só em ocasiões especiais — diz AnneLiz.
— E qual é a data especial que sou intruso?
— Mamy vai comprar um carro! E eu vou ganhar um cachorroooo!
— ergue a voz na palavra cachorro.
— Juju? Não precisa gritar, querida — repreende a empolgação da
filha. — Estamos comemorando a minha promoção, fazia tempo que Juliete
me pedia o piquenique.
Ela disfarçando que ficou envergonhada é uma graça.
— Faz muito bem em comemorar, seu novo cargo foi merecido.
Tenho certeza de que vai se sair bem.
— Assim espero.
— Foi você que deu o novo cargo para a minha mãe?
— Foi filha, ele é o chefe — responde ela antes que eu diga algo.
A pequena curiosa pisca os olhinhos azuis como a mãe faz quando
se surpreende com algo. Pega um prato e coloca um cupcake de chocolate e
me entrega.
— Você merece o bolinho maior! — O sorriso é genuíno, parece um
anjinho oferecendo presente de paz.
— Não, Juju, Sebastian não gosta de cupcake.
— Não?
— Ele não come nada doce.
A menina me encara como se tivesse crescido dois chifres na minha
testa.
— Você não gosta de doces? Nem de sorvete de morango?
Começo a rir pelas mãozinhas na cintura da garotinha apavorada.
— Eu disse que não como e não que não gosto, AnneLiz.
— Então precisa provar o ‘capipake’
— Cupcake, filha.
— É o... Bolinho de chocolate.
— Bem, com essa surpresa, vou até a torneira passar uma água nos
talheres e a xícara para servir seu café doce para acompanhar o bolinho de
chocolate.
— Está tentando me assustar?
— Longe de mim, só estou surpresa, pode ficar com Juliete?
— Claro, pode ir tranquila — ignoro o deboche descarado.
A garotinha simpática senta-se ao meu lado e olha do prato na
minha mão para o meu rosto.
— Pode comer Seba, é bem limpinho. Eu vi minha mãe fazer, é o
melhor ‘capipake’ do mundo.
Ela é muito fofa, uma criança encantadora, se eu tivesse filhos
gostaria que fossem amáveis como Juliete.
— Ela que fez?
— Sim, e se gostar pode comer mais de um. Mamãe fez um montão
assim ó.
Abre os bracinhos mostrando a quantidade. Dou uma mordida e uma
explosão de chocolate preenche minha boca me fazendo murmurar. Há
quanto tempo não como um desses e gostoso assim acho que nunca provei.
— Falei que era o melhor? — diz com um sorriso orgulhoso.
— Sua mãe fez bastante porque ela vende os bolinhos?
— Sim. Ela diz que é pra ajudar no táxi que pega para voltarmos da
escola quando ela me busca.
— Entendi — Mordo outra vez.
— Falando nisso — Juliete vasculha o bolsinho do macacão e tira
um papel dobrado. — Ontem fiz essa borboleta especial na escola para ela,
mas quero dar a você.
Espantado deixo o prato com meio cupcake sobre a toalha. E abro a
folha dobrada.
— Por que para mim?
— Porque você deu o cargo para mamãe e assim ela vai ganhar
mais, e vai conseguir assistir os filmes comigo até o fim.
Sem entender o que ela quer dizer admiro a borboleta cor de rosa em
rabiscos infantis, e olho para a garotinha que ansiosa espera um elogio.
— É linda, Juju. Obrigado, vou guardar com carinho, mas não
entendi porque ela não assiste os filmes com você, não vão ao cinema?
Juliete dá uma boa gargalhada.
— Não bobinho. É em casa, quando ela chega do trabalho depois do
jantar ela faz os bolinhos e quando vai assistir comigo antes de dormir, ela
sempre pega no sono primeiro. Está sempre muito cansada tadinha. Agora
que vai conseguir comprar um carro não vai precisar vender bolinhos pra
pagar o táxi, entendeu?
Mudo, é exatamente desse jeito que a menina me deixa. Será que o
salário de AnneLiz é tão baixo que não cobre essa despesa? Por que a
família não tem um carro popular, é tão em conta o valor? Estranho, preciso
avaliar seu salário.
— E depois nós vamos nos mudar para uma casa maior, porque
agora não posso ter um cachorro, eu amo cachorros, sabe? Você gosta de
Harry Potter, Seba?
— Eu... O que disse?
— Harry Potter? Você gosta dos filmes?
— Filha, por favor, não encha o Sebastian de assuntos e perguntas,
vai deixá-lo zonzo, calma, uma coisa por vez.
AnneLiz fala ao retornar de lavar os utensílios e serve um café de
uma garrafa térmica que retira da cesta. Me entrega com cuidado a xícara
fumegante.
— Cuidado está bem quente e... Adoçado.
— Tudo bem, AnneLiz, se não colocou veneno, açúcar não vai me
matar também. — ela tira a sapatilha e senta-se na toalha me encarando
séria.
Os pés são delicados, mas com personalidade igual a ela, pois as
unhas são esmaltadas de vermelho. São lindos!
— Engraçadinho. Vejo que provou o cupcake. É melhor maneirar no
açúcar, não quero ter a fama de te viciar em substâncias perigosas.
Com a xícara nos lábios, mantenho a língua quieta. Poderia dizer
que ela tem alto poder viciante e preciso urgentemente me afastar, porém
gosto de viver perigosamente.
— Pode baixar a guarda, não vou cair nas suas provocações. Sou
convidado de uma pessoa importante e ganhei presente.
Juliete que estava surrupiando um biscoito na cesta, olha para a mãe
e cora as bochechas.
— O que você fez, Juju?
— Só dei uma borboleta pra ele. Seba foi legal com você e eu fui
legal com ele.
AnneLiz segura a cintura da filha e olha em seus olhos.
— Não é certo você chamar o meu chefe de Seba, meu bem. O
nome dele é Sebastian Latarge.
A garotinha olha para mim visivelmente decepcionada.
— Tudo bem, Liz, você acabou de ganhar uma abreviação no seu
nome, se esse era o problema, né Juju?
Seu rosto se transforma em um sorriso de orelha a orelha, enquanto
a mãe franze o cenho para mim. Ela me detesta, eu sei, mas adoro provocá-
la.
— Posso chamar de Seba agora, né mamy?
— Pode querida! Agora vá brincar um pouco ali no escorrega. Você
me pediu a semana inteira por isso.
— Tá bom. Já volto.
Assim que ela sai AnneLiz me confronta:
— Não gosto que tire a minha autoridade com relação as regras para
Juliete.
— Por que está sendo tão implicante? Começamos com o pé
esquerdo, é verdade. Mas eu não sou minha irmã e nem aprovo as atitudes
dela. Sua filha não fez nada de errado ao abreviar meu nome. Apenas fiz
uma brincadeira com o seu, mas se isso te irrita, acabei de retirar, AnneLiz.
Seu olhar suaviza e os lábios apertam enquanto bebo o café.
— Desculpe, é que estou nervosa. Ontem à tardinha recebi o oficial
de justiça avisando que a audiência de divórcio foi marcada para a próxima
semana.
Ela abraça as pernas pensativa, não consigo tirar os olhos dos pés
delicados.
— Você tem um advogado? Posso indicar o meu.
— Já conversei com o advogado do estado, não posso pagar um
particular agora.
— Eu falo com ele a respeito dos custos.
— Faria isso por qualquer funcionária?
— O que quer dizer com isso, AnneLiz? — pergunto depois de um
longo suspiro.
— Esquece, não quero ser tratada diferente por qualquer motivo, as
fofocas sobre mim dentro da sua empresa já saturaram meu psicológico,
não preciso adicionar mais uma.
Controlo meu temperamento em retrucar, mas fico descontente em
como nossas conversas só evoluem para farpas.
— Certo, agradeço o café, mas preciso ir agora. Quer que as deixe
em casa?
— Não, obrigada pela oferta, mas vou deixar Juju brincar um pouco
mais.
— Como vão para casa?
— Vou pedir um carro se o sol estiver muito forte.
— Bem, até segunda-feira!
— Até!
Saio chateado e sem me despedir da minha benfeitora mirim. Mas
AnneLiz me tira do sério! Ô mulher orgulhosa! Não ofereci ajuda com
segundas intenções. É só uma maneira de compensar o que Lili fez com
essa família. Mas é melhor não me meter, senão nossa relação profissional
ficará insustentável.
O despertar hoje pela manhã carrega uma energia singular. Entre as
paredes do meu quarto, a expectativa paira no ar como uma melodia suave.
A escolha do look de trabalho ganha uma atenção extra, cada peça uma
declaração silenciosa de confiança para o novo cargo. É só por isso que me
vi em um ritual maior de preparação matinal, não tem nada a ver com meu
chefe arrogante e gostoso. Será? A quem você está enganando dona
Anneliz? Minha consciência não me perdoa.
Enquanto me olho no espelho, um sorriso desenha meu rosto, e os
pensamentos se perdem nas recordações do piquenique de sábado.
Sempre reconheci que Sebastian é um homem lindo, mas vê-lo sem
camiseta e com água escorrendo pelo corpo, foi um choque, quase infartei
na verdade.
O sol acariciava sua pele, e as gotículas em câmera lenta escorriam,
igualzinho um ator em um filme sensual faria. Seu físico perfeito,
casualmente revelado, é um detalhe difícil de esquecer, aqueles ombros
largos e o peitoral malhado, não eram nada perto do abdômen trincado. Não
pude controlar meus olhos que escanearam cada gominho, e quando
cheguei na bermuda molhada, nossa! Precisei recobrar o juízo e voltar para
a realidade.
E daí se não lembro que estive em seus braços. Difícil de engolir.
Como isso pode acontecer? Ah, sim, bebidas alcoólicas e minha amnésia
pileque. Pausa para uma anotação sobre isso, pra não cometer o mesmo
erro. Um desperdício, beijar aquele gostoso e não lembrar no dia seguinte.
Maldita tequila!
— Mãeeeee!
— O que foi, filha?
— Terminei, vem me limpar?
— Juju, temos que começar a ser mais independentes, você precisa
aprender a lidar com a ducha higiênica.
Dobro as mangas da camisa branca e vou até o banheiro ajudar
minha garotinha. Depois de lavarmos as mãos, coloco sua roupa e sentamos
para o café, apressadas conseguimos terminar em tempo recorde.
— Está muito bonita, mamy!
— Obrigada, querida.
— Vai ver o Seba hoje?
Surpresa por minha garotinha lembrar do meu chefe, disfarço
arrumando a lancheira na mochila cor de rosa.
— Claro, trabalho na empresa dele.
— Hum, manda um abraço para ele.
— Tá bom, agora me deixa amarrar o cadarço do seu tênis para não
nos atrasar.
Enquanto ajusto os detalhes com a mochila e minha bolsa, a
memória do sorriso descontraído de Sebastian não sai da minha cabeça.
Quando ele sorri, os olhos estreitam de um jeitinho tão fofo que nem parece
aquele empresário sério do trabalho.
Seu jeito comigo e Juliete naquele piquenique, ressurge como uma
tela viva diante dos meus olhos. Seu olhar, casual e acolhedor, não sai dos
meus pensamentos, amplificando a trilha sonora de antecipação para o dia à
frente. Na calçada esperando o carro que logo dobra a esquina de casa, tento
pensar em outras coisas.
O problema é que me concentrar no profissional é pensar no chefe, e
o homem sem camisa aparece na mente.
Oh, Deus! Me ajude!
Ao chegar na escolinha me despeço de Juju e dispenso o carro. Com
minha sapatilha, apresso o passo, não vou me atrasar para o meu primeiro
dia na sala do chefe.
Na entrada da empresa troco o calçado baixo pelo salto médio. Uma
olhadinha no espelho da bolsa e respiro fundo até minha respiração
normalizar. Um lencinho na testa e buço, secando o suor e estou
devidamente pronta para pegar o elevador para o décimo andar.
Chegando na recepção o assistente me saúda com um sorriso, meu
coração bate rápido, e meu estômago dança com a incerteza do que vai
acontecer.
— Bom dia, AnneLiz. Sebastian a aguarda para apresentar a nova
sala.
— Bom dia, obrigada.
Ele me conduz abrindo a porta e entrando comigo.
— Bom dia. — Tento ser o mais profissional e manter a calma
diante de Sebastian.
Esse homem mexe demais comigo, preciso me concentrar.
— Bom dia, AnneLiz. Simba, prepare um café para mim enquanto
levo nossa gerente de marketing à sala dela. — Ele fala de modo frio e
polido ao assistente, levantando da sua cadeira e se aproximando.
A palavra gerente traz uma mistura de emoções. Ao girar a
maçaneta da porta que divide nossas salas, revela um espaço que simboliza
não apenas a promoção, mas também uma proximidade inesperada com ele.
A sala é um ambiente à parte do escritório dele, separada com uma parede
fina com recortes de vidro. O ambiente é arejado, porém um pouco
incômodo ser observada o tempo todo pelo olhar felino. O janelão a minha
frente, deixa uma iluminação natural agradável entrar e proporciona uma
linda visão de São Francisco. Mas a pouca privacidade entre nós me
incomoda um bocado.
— Gostou do espaço? Sua cafeteira ainda não chegou, faltam o
aparador e uma poltrona que Simba encomendou quando pedi a ele para
organizar sua sala.
Evito olhar para seu rosto a fim de não lembrar daquela bermuda
encharcada e aquele volume magnífico que vi debaixo dela. O desgraçado
além de tudo é bem-dotado.
— Está perfeita, obrigada. É bem iluminada, gosto de admirar os
contornos da paisagem californiana, amei o janelão.
As paredes, agora testemunhas do meu avanço profissional, parecem
sussurrar desafios. O aroma de café fresco paira no ar, cortesia do meu novo
espaço compartilhado com o CEO.
— Fique à vontade para buscar café na minha sala até a sua cafeteira
chegar. Enviei por e-mail o que tenho em mente para o setor de marketing.
Peço que dê uma olhada e dê suas sugestões antes do almoço.
— Claro, será feito, chefe.
Um aceno e ele volta para a sua mesa.
Ando pelo espaço e aliso a escrivaninha. Sou a gerente! Nunca
imaginei chegar onde estou quando entrei nessa empresa. O plano era
simples, conseguir um pé de meia para montar um pequeno negócio de
confeitaria com minha filha. Mas sem querer fiquei envolvida até o pescoço
com o marketing de uma grande empresa.
Tiro o notebook da bolsa e o ligo. Ao me sentar na cadeira de couro,
a sensação de responsabilidade pesa nos ombros.
Estudo cada uma das implementações do meu chefe para o meu
setor, observo como ele é extremamente inteligente. Mas não muito prático
com a realidade dos funcionários. Coloco todas as observações em cada
uma das mudanças que ele pautou no e-mail e devolvo. Organizo todas as
campanhas em andamento por pastas e dou início ao planejamento da
semana. As horas passam rápido e quando percebo é hora da pausa do
almoço.
Quando saio pela porta, meu chefe não está mais na sua mesa. Do
lado de fora encontro o assistente preparando-se para sair.
— AnneLiz, Sebastian pediu que eu buscasse a cópia da chave da
sala que ele fez para você. Ele não volta à empresa à tarde, portanto é com
você o encerramento do expediente.
— Meu expediente encerra na hora normal de todos os funcionários,
não vou fazer nada diferente dos outros porque subi de cargo.
Ele põe a mão no meu ombro com um sorriso tranquilizador.
— Eu sei querida, foi modo de falar. Você fecha a sala ao sair hoje.
Não seja tão séria e nem leve ao pé da letra as coisas que eu falo, viu. Sou
seu colega de trabalho e sou novo na cidade, preciso de amigos. Vamos
almoçar juntos hoje, vou ficar na empresa para resolver umas coisas para o
chefe.
Sorrio pelo jeito leve de Simba e juntos seguimos para o refeitório
no terceiro andar. Mia ao me ver saindo do elevador vem apressada me
cumprimentar.
— Amiga, já sinto falta da minha companheira de mesa. Puxa,
colocaram o Mark do meu lado agora.
— Ih Mia, se prepare com um repertório de desculpas para os
convites. É um galinha!
— Os de hoje já esgotei.
— Mia, este é Simba, Simba esta é minha colega e amiga Mia Polit.
— Polonesa?
— Meu pai é polonês, mas nasci aqui.
— Muito prazer, Mia polonesa, eu sou Simba Latarge ao seu dispor.
Nós duas emudecemos e nos olhamos constrangidas, nenhuma de
nós sabia que o assistente era parente do CEO.
— Que foi meninas? É tão assustador assim almoçar com o primo
do chefe? Não me deixem constrangido e pisando em ovos, sou um cara
normal e, aliás, estou faminto. Com sua licença, vou me servir.
Seguimos logo atrás dele com Mia me acotovelando.
— Que gafe hein, AnneLiz. Como você não descobriu isso?
— Por certo devia perguntar: chefe, o moço bonito que veio com
você e é seu assistente, é seu parente?
— Mas você é a que conversou mais vezes com o CEO!
— Nem tanto.
— Até beijou ele, sua safada!
— Mas não me lembro, abusada!
— Obrigado pelo moço bonito. — Simba diz quando chego ao seu
lado para servir a salada.
— Você tem um ouvido bom, hein?
— Ouvido ótimo, sou músico nas horas vagas. — Seu sorriso de
lado é orgulhoso e bonito. — Toco guitarra em uma banda com alguns
amigos, não é profissional, mas nos divertimos.
Enquanto ele fala um pouco sobre isso para nós, escolhemos uma
mesa para três. Mia muito interessada faz perguntas sobre a banda. Muito
interessada na verdade.
Além de reparar na beleza do primo de Sebastian, do cabelo
castanho amarrado em um coque samurai, e o terno ajustado ao corpo
esbelto, reparo nos olhares furtivos dos funcionários, cochichos e risinhos
estranhos enquanto me olham.
— Mia!
A ruiva encantada com Simba nem responde.
— Mia!
— Oi, oi, oi. Estou aqui o que é?
— O que estão falando de mim na empresa?
— Não se preocupe com esses invejosos.
— Mia Polit! — Encaro seriamente intimando a responder.
— Que você subiu de cargo porque está dando para o chefe!
— Meu Deus!
Simba bebe um gole de suco e me olha curioso.
— Alguém lhe ajuda nas contas da casa, AnneLiz? — pergunta
dando uma garfada no purê.
— O quê?
— Suas contas, seus boletos, alguém paga para você?
— Não, sempre tomei conta de tudo sozinha.
— Então fodam-se! Dê um foda-se para essas pessoas que te julgam
por tudo. Faz muito bem para a pele, sabia?
Mia começa a rir fazendo sinal de positivo com o dedinho.
— Eu adorei você, cara! Me ajude a botar leveza nessa minha
amiga? — pondera.
— Ajudo se me contar a fofoca completa, adoro uma fofoca! —
responde ele cúmplice.
— Vocês dois estão de sacanagem porque não é de vocês que estão
falando!
— Amiga, deixa disso, aqui falam de todo mundo, do que não
fazemos e do que fizemos, como é seu caso que viram saindo de mãozinha
dada com o CEO de dentro da danceteria.
— Merda! — solto na raiva.
Simba com seu jeito dramático põe a mão no peito.
— Maldita hora que não fui naquele coquetel!
— Não está ajudando, Simba!
— Querida, não estou aqui para ajudar, estou aguardando os
detalhes, conta aí como foi a noite com meu primo. Lembro que ele tinha
uma fama de pegador na faculdade, eu era jovem e tal, mas lembro bem do
meu irmão contando.
— Eu não... — respiro longamente buscando as palavras...
— Ela não lembra, amnésia alcoólica! — explana Mia e desata a rir.
— Que puta azar! — completa Simba dando soquinho no punho da
ruiva e rindo com ela.
— Vocês dois parem com isso! Se não, vou trocar de mesa.
— Relaxa, AnneLiz. Não é o fim do mundo e você precisa encarar
de modo diferente. Está dando peso a algo que não tem. Eu e Mia vamos
entrar em uma missão de fazer você ser menos séria. Vamos em uma festa
no fim de semana e você vem com a gente.
— Nós vamos? — pergunta Mia.
— Sim, vamos. Minha ex-namorada do primeiro ano está de
aniversário e vai dar uma festa na mansão dela.
— Namorada? Você não é...? — pergunto.
— Gay? Sou também, mas me descobri bissexual. Desde que gosto
das duas frutas, bananau e maçãneta.
— O quê?
— Pau e boceta. Gosto de uma larancu, mas essa é autoexplicativa
né?
Mia perde o fôlego de tanto rir e não consigo segurar, Simba
também entra nas gargalhadas, chamando atenção do refeitório inteiro.
Assim que me acalmo das risadas decido comer, metade da pausa
passou rápido e preciso retornar ao trabalho.
— Então, essa amnésia alcoólica é sério mesmo? — pergunta Simba
agora sem o ar divertido.
Não sei o que devo entregar ao rapaz sentado à mesa, parecendo
descontraído, sendo ele tão próximo de Sebastian, será um teste? Ou
curiosidade genuína?
— Tenho esse problema, pelo menos nas vezes que bebi um pouco
além da conta. Na verdade foram poucas vezes, mas realmente é chato,
muito chato não lembrar. Uma hora estou bem e me divertindo, depois
acordo no dia seguinte com um lapso temporal na cabeça de quase doze
horas.
— Uau! É verdade mesmo, então você não lembra da noite com
meu primo.
— Não tive noite com ele coisa nenhuma!
— Como você sabe?
— Porque... Porque ele falou que adormeci no carro! — nervosa o
apetite que já era pouco, some de vez recebendo seu olhar duvidoso.
— Se ele disse, quem somos nós para duvidar, não é mesmo, Mia?
Minha melhor amiga da onça concorda rindo e desisto de vez do
almoço.
— Quer saber, vocês dois se acharam! Não vou almoçar com
pessoas que iguais aos outros estão me julgando por fatos que não sabem e
pior que acham que eu fiz. E meu cargo é legítimo! Não tenho nada com
Sebastian! — Em pé como se fosse um discurso, meu ímpeto em me
defender faz minha voz ser ouvida pelo refeitório inteiro.
Envergonhada desse rompante, pego o prato e saio, ainda ouvindo
os dois debochados me chamando com desculpas.
— Ei AnneLiz, pare com isso! Volte aqui, desculpe.
— Amiga, volta, termina o almoço.
Com que ânimo eu faria isso? Me pergunto na porta de saída, no
elevador amaldiçoo mais uma vez aquela noite de merda. Maldita noite que
bebi! Maldita! Eu queria lembrar, juro que queria!
O primeiro dia em minha nova função foi um desastre. Cinco
minutos de volta a minha sala, sentada em frente ao notebook, ouço a porta
fechar com violência.
Por que meu chefe retornou se Simba disse que ele não voltava à
tarde? E pior, pelas maldições que estou ouvindo do outro lado da parede,
algo muito sério aconteceu na sua pausa de almoço. Pelo visto, a tarde
promete uma montanha russa de emoções.
O convite para almoçar com a família sempre carrega uma mistura
de tensão. Justo hoje no primeiro dia de AnneLiz trabalhando comigo, o
velho Robert me mandou um e-mail.
A que ponto chegamos na distância que se estabeleceu na família
Latarge! Um convite por e-mail.
Saio da empresa um pouco mais cedo para a pausa do que de
costume.
— Berth, pegue o caminho menos movimentado, por favor! —
afrouxo a gravata, me acomodando no banco de trás do SUV.
O trajeto até a mansão dos meus pais é uma jornada por memórias
tumultuadas e sentimentos não resolvidos. O rugir do motor do carro,
misturado ao barulho das ruas de São Francisco no horário de pico, é o
cenário perfeito para a tempestade emocional que vou enfrentar.
Ligo para Simba a fim de avisá-lo que não volto à tarde. Vou
precisar é de uma sessão de massagem relaxante pela dor de cabeça que vou
ganhar.
— Alô, Simba?
— Fala!
— O chaveiro vai levar a chave cópia aí, entregue para AnneLiz,
ok?
— Certo, onde você está?
— Tô indo para o covil.
— Sério? O velho te chamou?
— É.
— Sabe quem quer você lá, né?
— Sempre soube que esse convite não é apenas um gesto amigável,
ela tá armando.
— Se precisar me liga, vou ficar por aqui e adiantar umas coisas.
— Ok! Um drink no meu hotel a noite e te conto a discussão.
— Combinado.
Desligo o celular e observo a paisagem pelo vidro, relembrando uma
época boa, onde eu tinha voz com meu pai e podíamos contar um com o
outro. Então mamãe ficou estéril pelo câncer e decidiram adotar uma
menina. Eu amei a garotinha quando chegou, a recebi como minha irmã, de
verdade, mas com o tempo percebi que ela é oca por dentro e o que a
preenche é ego, poder e ganância em todos os sentidos.
Meus pais nunca mais apoiaram minhas decisões depois que ela
aprendeu a manipulá-los. Sempre duvidaram das minhas escolhas, descobri
que tudo de errado que aconteceu no meu noivado com Samantha foi obra
de Lili. Pelo puro prazer de me destruir emocionalmente e perder a relação
de amor e confiança com meu pai.
E agora, esse novo namorado é só mais uma peça no jogo dela, que
ainda não descobri a finalidade.
Ao chegar na propriedade, a fachada elegante da mansão esconde a
tormenta que me espera. Respiro fundo para enfrentar o palco com o
confronto iminente. Meus pais, Robert e Margaret, me recebem no hall com
sorrisos calorosos, alheios as cordas com que Lili os movimenta sob a
superfície desse almoço.
— Como vai, meu filho? Tem que vir mais vezes nos visitar —
saúda minha mãe com um beijo no rosto.
— O trabalho toma muito meu tempo, mãe.
— Como está, Sebastian? Desde que voltou da Suíça nos falamos
somente na chegada, está ainda no hotel?
— Estou bem, e vocês?
Seguimos para a sala de jantar juntos em meio às explicações que
não mobiliei a casa que comprei.
— Oh! Maninho que bom que chegou! Pedi para Mary fazer seu
prato predileto.
A cobrinha se aproxima, tal qual judas com seu beijo casto na minha
bochecha.
A mesa posta, promete um encontro de sabores e, infelizmente, de
conflitos.
— Já está pronto, filha?
— Sim, já vão servir, estávamos aguardando o convidado ilustre.
Acomodo-me à mesa, mas não onde costumava sentar, ao lado
direito de meu pai. Esse lugar é dela agora.
— Domingo foi ontem, por que esse almoço especial?
— Queria muito ter organizado ontem, mas sua irmã não estava,
filho — explica dona Margareth.
A atmosfera tensa na sala de jantar da mansão não é aliviada pela
suntuosidade do banquete preparado para o almoço.
O menu refinado, cuidadosamente elaborado pelo chef particular da
família, chega. O aroma sofisticado dos pratos faz meu estômago roncar.
Devoro a entrada faminto: Creme de Aspargos com amêndoas
torradas.
— Como encontrou a empresa na sua chegada, Sebastian? — sonda
o velho Robert tentando soar displicente.
— Tudo em ordem, o senhor sabe que eu comandava da Suíça por
videoconferência. Encontrei o que esperava.
O prato principal de Lombo de Cordeiro ao Molho de Vinho Tinto é
posto na mesa me fazendo salivar.
— Seu avô sempre dizia: o olho do dono é que engorda o boi. É
bom você estar aqui e conferir pessoalmente.
Nada surpreendente os elogios, ele conhece minha competência,
mas tem coisa errada nesse puxa-saquismo.
— Está gostoso o risoto de cogumelos, maninho? Inspecionei
pessoalmente o ponto, porque sei que prefere al dente.
Aceno provando uma boa porção, vou comer bem, antes do bote que
está se armando entre garfadas. Os olhares trocados denunciam que é uma
armadilha.
— Lembro que tinha planos de uma filial mais ao norte do Estado,
ainda planeja? — pergunta ela.
— Deixei em suspenso até me inteirar totalmente dos clientes que
tenho por lá, mas ainda penso em expandir. Por quê?
— Porque sua irmã é uma empresária, agora! — diz meu pai
orgulhoso.
— Que ótima notícia! — limpo os cantos da boca com o guardanapo
de linho.
— Sim, entrei de sócia em uma empreiteira altamente conceituada.
Entrelaço as mãos sobre a mesa aguardando a conclusão.
— Eu e meu namorado criamos a Latarge Inova, e vamos abocanhar
boa parte das empresas em expansão e construir nosso império.
Encaro seu rosto de madeira polida, em total descrença. Mas
escolho dar corda para a cobra.
— Aproveitando o ensejo — meu pai limpa a garganta — Sei que é
um homem ocupado, Sebastian, mas queríamos convidá-lo pessoalmente
para um evento que estamos organizando aqui na mansão no próximo mês,
para apresentar o namorado de sua irmã aos nossos amigos.
— Então já sabem do namoro? — pergunto a eles.
— Sim, Daniel nos levou para jantar semana passada. Um príncipe!
— elogia minha mãe.
— Fomos naquele restaurante que você não gosta, Sebastian. Não
entendi porque o French Laundry não te agrada, é excelente! — ressalta
meu pai.
Lili com seu sorriso presunçoso estuda minhas reações.
— Porque é uma ostentação exagerada, pai. Você mesmo me
ensinou a dar valor ao trabalho e ao dinheiro de forma equilibrada, o que
aconteceu com o senhor?
— Concordo, mas foi meu genro quem fez questão de nos levar.
— Ele pagou? — duvido, ela deu a mesada gorda para o garotão.
— Claro né, maninho! Acha que faria uma gafe dessas com papai?
A gargalhada é automática, rio muito até perder as forças e precisar
de um gole de água da taça que mamãe me oferece.
— Estamos falando do mesmo Daniel? A barata branca? O cara que
se diz homem e abandona mulher e filha pequena?
— Sebastian! O que é isso? É o Daniel Rodriguez, o futuro noivo da
sua irmã, respeite!
Meus pais não estão surpresos e é isso que me decepciona.
— Vocês já sabiam que esse cara com quem Lili está se envolvendo
é um canalha que abandonou a família por ela? Estão de acordo com isso?
Mãe?
Dona Margareth aperta os lábios e desvia o olhar para o prato. Meu
pai toma a palavra visivelmente em defesa do miserável.
— Você está mal-informado como sempre, Sebastian. Ele nos
contou que se divorciou a pouco tempo, está difícil porque não quer separar
a filha da mãe, mesmo ela sendo relapsa, é a mãe.
— Sério? É isso que ele contou para vocês? Me conte, Lili, o que
mais o príncipe traidor inventou para eles?
— Sebastian! — o velho Robert ergue a voz.
— Tudo bem, pai. Eu avisei que meu irmão está cego pela ex-
mulher de Daniel e iria ficar contra mim. — A cara de choro é mais falsa
que nota de três dólares.
— Como é? AnneLiz não tem nada a ver com nossas questões
familiares — digo ao me levantar da mesa.
A refeição, que deveria ser um momento de união, torna-se um
campo de batalha.
— Já contei ao papai que você deu um cargo importante para aquela
mulher louca. E provavelmente esse almoço não ia adiantar. — As lágrimas
brilham no rosto dissimulado. — Eu sabia pai que nunca vou alcançar o
padrão de irmã perfeita para ele, Deus sabe como todos esses anos tento ser
a melhor.
Meu pai a abraça olhando de modo severo para mim.
— Você não aprende né, Sebastian? Vem uma aproveitadora te iludir
e você cai nas graças. Não bastou a Samantha?
Eles sempre souberam como cutucar minhas feridas. Mas dessa vez,
não vou me calar. Lili, com lágrimas nos olhos, vira-se para ele, me
pintando como o filho ingrato.
— Tudo bem, papai. Sei que ele é seu filho legítimo e sou a intrusa
aqui. É culpa daquela mulher. — Seu olhar vem para o meu — Você
sempre foi cego para perceber quem está ao seu lado, Sebastian, não vê que
AnneLiz só quer o que é conveniente para ela?
— Não admito que fale assim dela. Ela é uma profissional
competente, uma mulher decente e trabalhadora, diferente de você! É essa
verdade que não suporta!
Ela solta um riso em meio ao disfarce, mas retoma o papel de
ovelhinha inocente.
— Você nunca gostou de mim, sempre foi o preferido. Agora, com
essa mulher na jogada, nem se importa mais com a família. Ele a instalou
na própria sala, sabia disso pai?
Robert me encara com desprezo balançando a cabeça.
Decepcionado com meu pai por acreditar em tudo o que ela diz,
decido expor o que penso sobre essa cobra.
— Você tem problemas de múltiplas personalidades, não é possível
enganar as pessoas desse jeito se passando de inocente. Achei que tivesse
melhorado nesses anos que fiquei na Europa, mas você não passa de uma
cobra peçonhenta, invejosa do caralho! Sem caráter e sociopata!
Ela abraça meu pai e com voz doce mia para ele:
— Papai, você viu como ele me tratou? Ele nunca me aceitou aqui.
Tudo bem, me viro com a empreiteira.
Neste momento fecho os olhos e afrouxo ainda mais o nó da
gravata.
— O que é que esse teatro tem a ver com seu negócio com aquele
infame?
— Filho, modere o ímpeto, ofender o rapaz não vai ser bom para a
conversa — avisa minha mãe com a mão no meu ombro.
— Responda, Lili?
— Papai ia me ajudar com o investimento, vendendo as ações que
restaram da empresa Latarge Technology.
— A minha empresa, você quer dizer?
— Tenho trinta por cento dela, desfizemos a sociedade igualitária,
mas fiquei com as ações — responde meu pai com mágoa no olhar.
— Quanto quer? Pago e você joga no lixo dando para o genro de
ouro. Eu o investiguei, senhor Robert, e se um dia o senhor abrir os olhos,
venha falar comigo que lhe mostro o dossiê do tal príncipe de merda!
— Está blefando, Sebastian. — As lágrimas de Lili até secaram de
espanto. — Não cansa de me diminuir? — volta a atuar para o meu pai com
voz chorosa.
— Lágrimas não são argumentos, irmãzinha! — desdenho ao
provocá-la.
— Vou estudar um número e marco uma reunião com você,
Sebastian! E se não entrarmos em um acordo legítimo, penhoro a mansão,
porque um pai protege e apoia filhos que compartilham seus problemas,
filhos que escutam e aceitam nossos conselhos. Lili é um exemplo de filha,
sempre me ouviu. Ela sempre esteve presente e nunca nos trocou por um
relacionamento ou namorado, como você fez quando se envolveu na
faculdade com aquela mulher.
Bato palmas, aplaudindo.
— A melhor forma de lidar com pessoas falsas é não ser plateia do
teatro delas. Aproveitem o show, sua filha é uma atriz fenomenal. Escolheu
acreditar em uma manipuladora em vez do próprio filho.
Saio pisando duro, batendo a porta sem olhar para trás.
A última esperança de família acabou de ruir. A sensação de lar
mesmo pequena que havia aqui, teve um fim. Lili lançou aos poucos
sementes de dúvida sobre a minha relação com meus pais até criar raízes e
virarem árvores frondosas. Mestra na arte da manipulação, semeou com seu
veneno a desconfiança neles. Deixo a propriedade com um nó na garganta,
sabendo que as feridas emocionais são mais profundas do que imaginei.
Após essa catástrofe decidi voltar para a empresa, talvez enfiar a
cara no trabalho ajude com meus nervos. Berth sob meu comando acelera e
chega na Latarge o mais rápido possível. Pego o elevador pensando ainda
na discussão e as consequências dela. Ao chegar na recepção do décimo
andar, meu primo se surpreende ao me ver.
— Sebastian? O que... — sai de trás do balcão de mármore e se
aproxima. — O que está fazendo aqui descompensado desse jeito? — Tira a
minha gravata frouxa que eu nem percebi que deixei e a dobra colocando
em meu bolso.
— Quero que descubra qual é o espião que está repassando
informações da empresa para Lili? Descubra e me avise, eu mesmo quero
ter uma conversinha antes de demiti-lo.
— Como farei isso, primo? — cochicha ele.
— Contrate o Esteves. Mande se infiltrar aqui como um funcionário,
em poucos dias ele descobre.
Meu primo empalidece.
— O... o ex-militar, aquele seu conhecido que virou detetive?
— Simba, não teste minha paciência hoje com mais dissimulação.
Eu sei que vocês tiveram um caso a três quando ele namorava a Sharon. Me
avise assim que entrar em contato com ele!
— Ok. Farei isso. Foi tão ruim assim o almoço?
— Uma merda! — respondo ao me afastar e entrar na minha sala.
— Uma grande merda, aquela filha da puta, vai deixar meus pais na
miséria!
Depois que esbravejo lembro que não estou mais sozinho na minha
sala.
— Porra do caralho, Sebastian! — bato o punho na mesa tirando o
blazer com raiva.
Inspiro fundo sentindo a fragrância de morango, mesmo de costas
sei que ela está no lado de cá da sala. A simples divisória que nos separa
não escondeu o meu estado de espírito.
— Desculpe, AnneLiz. Ainda não me acostumei com você
dividindo a sala. — percebo seu olhar assustado.
— Eu que peço desculpas em invadir sua privacidade, se quiser
posso sair e dar uma volta. — ela se prontifica.
Creio que não foi uma boa ideia colocar sua mesa na sala ao lado. A
parede fina deixa todas as minhas reações audíveis.
— Não, eu que peço desculpas pelo meu nervosismo, é só que…. —
suspiro profundamente ao me sentar atrás da mesa e ligar o notebook.
— Dia ruim? Vou fazer um café para mim, posso fazer o seu se me
disser qual prefere? — gentil, vem até a cafeteira do outro lado do cômodo
já preparando as xícaras.
— Obrigado, o expresso 1.
Observo a bela mulher se movendo pela sala. A saia preta ajustada
cai tão bem no quadril desenhado. Gosto de ter uma visão como essa todos
os dias, nessa hora o arrependimento de trazê-la para trabalhar junto vai
para o espaço.
A quem eu quero enganar? AnneLiz me interessou desde o primeiro
olhar e sua voz tem o poder de me acalmar. Como pode?
O aroma do café logo preenche a sala toda, depois de pronto ela traz
a minha xícara fumegante e volta a fazer o dela.
— Quando se tem dias ruins ou algo nos incomoda, devemos rir, é o
conselho da minha filha. Posso tentar essa tática com você?
Bebo um gole do meu café amargo convidando-a com um gesto para
sentar na cadeira à minha frente.
— E como você pretende me fazer rir, AnneLiz?
Ao beber o dela ela lambe o lábio fazendo meu interesse aumentar.
É inevitável olhar seus lábios, eles me lembram o gostinho doce dos seus
beijos. Posso até sentir se me concentrar neles.
— Não sei, posso te contar algo constrangedor ou um pequeno
segredo inofensivo que nunca revelei a ninguém?
— Sou todo ouvidos.
Mais um gole de café para tomar coragem e com um sorrisinho que
me hipnotiza, a funcionária certinha me surpreende:
— Quando larguei o currículo aqui, há anos, eu menti. Quer dizer,
nada grave, só falei que tinha recém terminado o curso técnico em
marketing, mas faltavam seis meses para finalizar.
— A senhorita certinha mentiu para ser contratada? — pergunto
com cara ofendida, mas segurando o riso.
— Em minha defesa, terminei e em seguida iniciei a faculdade na
área, hoje sou completamente graduada, mas na época estava desesperada,
Juliete era bebê, e os gastos triplicaram quando ela nasceu.
— Perdoada. E a outra?
— Que outra?
— A outra coisa constrangedora? Quero ouvir.
— Ah, não! Acho que não tenho nada de constrangedor.
— Tem sim, se não tivesse não teria mencionado. — Me inclino
apoiando os cotovelos na mesa.
— Espertinho! Só se você revelar algo em troca?
Penso em algo inofensivo.
— Combinado!
— Tá... Ah meu Deus! Isso é vergonhoso! — cobre o rosto com as
mãos. — No primeiro dia de aula da faculdade de gastronomia...
— Gastronomia?
— Eu tranquei porque engravidei e preferi o técnico em marketing
porque havia mais vagas de emprego nessa área. — Seu semblante ganha
uma melancolia, mas logo disfarça e sorri.
— Certo, continue, o que aconteceu no primeiro dia?
— Era a apresentação da turma de nossos objetivos e sonhos. E
havia um pequeno palco com o microfone acoplado numa tribuna e cada
um ia até lá. Na minha vez, meu estômago decidiu fazer um solo
improvisado. Foi um daqueles momentos em que desejei que a terra se
abrisse e me engolisse. O pior é que tive que manter a compostura enquanto
todos riam. Tinha perdido a hora e não tomei café exatamente para não me
atrasar no primeiro dia. Depois daquilo, nunca mais subestimei a
importância de uma refeição leve antes de apresentações.
Seu rosto vermelho e envergonhado só aumenta meu divertimento e
começo a rir imaginando a cena.
— Tô imaginando você toda tensa, cuidadosamente preparada para
causar uma boa impressão aos colegas...
— E ao corpo docente, até o reitor gargalhou, acredita, Sebastian?
Foi um desastre.
Nossas risadas ecoam pela sala e precisamos beber um gole de
nossos cafés para ganhar um descanso.
— Agora é a sua vez!
— Ok, quando fico ansioso em situações de alta tensão no trabalho,
à espera de fechar um grande acordo, ou a resposta de algum cliente
importante para uma campanha, tenho uma pasta de vídeos de gatinhos
fofos na internet. É meu antídoto para a ansiedade.
— Uau! Por essa eu não esperava! O grande CEO do vale do silício
é fã de gatinhos fofos?
— Sou um fã de animais, confesso!
— Minha filha ama cães. Todos os anos desde que começou a falar
ela me pede um no aniversário.
— Por que você não dá um cãozinho para ela?
— É complicado, dei a desculpa que é pelo espaço limitado, mas
não é só isso. Ficamos fora o dia todo, pelo menos por enquanto, ela ainda
está no jardim de infância. Não é justo com o bichinho ficar o dia inteiro
sozinho dentro de casa, é crueldade.
— Tem razão.
— Não quero tirar as esperanças dela, então sempre empurro para o
próximo ano, até que ela tenha idade suficiente para entender os motivos
reais.
— Você está certa. — Encaro seu rosto que toma uma seriedade
abrupta.
— Melhor voltar para o trabalho, cumpri minha missão, fiz o meu
chefe rir.
— Cumpriu com louvor — ressalto vendo-a se dirigir para sua sala.
— AnneLiz?
— Sim? — Seu olhar se conecta ao meu.
— Obrigado. — Ela acena com seu sorriso hipnótico.
Vendo-a voltar para sua sala com um andar gracioso e me deixando
com uma paz de espírito temporária em meu peito, reflito:
Tô sentindo que vou me foder nessa! Trouxe a tentação para
trabalhar ao meu lado e tô cada vez mais envolvido.
Dois dias após aquela reunião desastrosa de família, o detetive ainda
não deu a resposta se aceita o trabalho, o que me deixa ansioso.
Após a pausa do almoço, assim que me acomodo para responder os
e-mails em minha sala, meu primo entra comendo uma maçã.
— Vim te atualizar sobre o detetive.
— Ei, cale a boca porra! Cuidado com os assuntos pessoais! Sabe
que tenho companhia do outro lado da parede. — repreendo em um tom
baixo mirando a sala de AnneLiz.
— Sua gerente de marketing não está na sala — seguro e exibido,
ele se acomoda na poltrona.
— Como? Não voltou do almoço?
— Minha amiga passou por mim na volta do banheiro somente para
deixar sua nécessaire de higiene pessoal, para correr até o andar dos
arquivos. Disse que quer se adiantar e buscar informações de um cliente
antigo.
— Amiga?
— Almoçamos juntos algumas vezes nessa última semana, sabe
como sou expansivo. Gosto dela, já virou minha amiga.
— AnneLiz é muito responsável, o cliente antigo é o Brenner,
conversamos hoje de manhã e ele quer fechar com a gente.
— Aquele chato! — revira os olhos, claro sinal de antipatia por ele.
— É ele mesmo. Então? Você ia contar sobre o Esteves,
desembucha!
— Já está contratado, começa amanhã.
— Assim que ele chegar, encaminhe o cara para a sala de reuniões.
Quero conversar com ele discretamente.
O abusado joga o miolo da maçã fora e se acomoda na cadeira em
frente à minha mesa.
— E aí, Sebastian, quanto a... você sabe, a minha amiga na sua sala?
Estão se adaptando bem?
— Como eu disse, ela é profissional e ética. Estou tentando manter
as coisas profissionais.
— “Profissionais”, é? — brinca arqueando uma sobrancelha.
— Não comece, Simba. Estamos aqui para discutir o detetive.
— Tudo bem, tudo bem. Só estou dizendo que às vezes as coisas
pessoais se misturam com o profissional, especialmente quando se trata de
sentimentos.
Encarando-o seriamente, levanto-me e preparo um café na máquina.
— Simba, precisa parar de tentar arrumar casos para mim. Sou bem
grandinho para escolher, não tem necessidade de empurrar alguém a cada
conversa, ainda mais nessas circunstâncias.
— Está solteiro há quase uma década, um pouco menos.
— Nunca me interessei por ninguém ao ponto de envolver
sentimentos.
— Porque você não se permite.
— Nesses anos nunca encontrei uma mulher que me atraísse além
do físico. Uma conversa apenas é suficiente para que eu decida se me
envolvo ou não. E o sexo às vezes é necessário para aliviar a tensão,
matemática simples.
— Mas agora você está atraído além do físico. Pensa que não notei
como olha para AnneLiz?
— Eu sou o chefe e não posso me dar ao luxo de me envolver com
funcionárias.
— Por favor, não deixe as coisas complicarem demais porque é o
CEO. Você é jovem, solteiro, ela é uma mulher linda, interessante e solteira.
Acho que está de mimimi porque está com medo ou porque ela não lembra
daquela noite com você. O que houve exatamente?
Minha atenção é fisgada e com minha xícara sento-me novamente.
— Ela falou que não lembra?
— A amiga gostosa falou em uma das pausas durante o almoço e ela
deixou escapar que não lembrava de ter te beijado. Senti uma decepção na
frase. Acho que ela quer lembrar.
— Mentiroso!
— Quando foi que eu menti pra você, primo? Não falo isso só para
você ficar com ela. Sabe como observo as pessoas, só finjo que não. E além
disso, sou o cara que só fala as verdades que você não quer ouvir, afinal,
não sou só seu assistente, sou seu primo e acima de tudo, seu conselheiro
sábio.
— Hum... Tá. — seguro o riso e bebo um gole do meu café amargo.
— Agora volte ao seu posto, rainha da fofoca. Tenho uma dúzia de e-mails
para responder.
Alisando seu terno ele vai em direção a porta, com um sorrisinho se
despede:
— Sebastian, devia dar uma lembrança decente à minha amiga
AnneLiz. Algo que a faça vê-lo com outros olhos.
Ao ficar sozinho na sala, enquanto aprecio o café, as palavras de
Simba não saem da minha cabeça pela próxima hora. E AnneLiz não
retorna da sala de arquivos.
Decido ir ao oitavo andar. Não falo nada para o enxerido quando
passo por ele na recepção. Dentro do elevador penso que estou sendo
levado a agir de forma impulsiva por meu primo. Mas antes que me
arrependa, a porta do elevador se abre no destino e o senhor de óculos atrás
do balcão sorri ao me ver.
— Senhor Latarge, em que posso ser útil?
— Boa tarde, estou procurando uma funcionária que veio até esse
andar, ela está lá dentro nos arquivos?
— Uma moça de cabelos castanhos ondulados e simpática?
— AnneLiz Colleman, essa mesmo.
— Ela ficou alguns minutos aqui e quando falou a data dos arquivos
que procurava, dei a chave do arquivo morto no andar debaixo.
— Obrigado, preciso dela com urgência, vou até lá, tenha um bom
dia.
— Igualmente, senhor.
Desço ensaiando o que dizer quando encontrá-la. Não tenho motivo
algum para ter vindo atrás dela. Me recuso a admitir em voz alta o que nem
a mim mesmo admito.
Nesse andar o corredor é repleto de portas, não é uma sala inteira
como no anterior. São divididas por ano com as informações de clientes
desde a fundação da empresa ainda quando era o antigo dono. É importante
manter esses arquivos, como lidamos com tecnologia, vendemos soluções
aos nossos clientes e isso precisa ficar documentado.
Na penúltima porta vejo que está aberta. Entro, observo pasta e
papéis espalhados sobre a escrivaninha na entrada. Caminho entre as
prateleiras e chamo pela mulher.
— AnneLiz!
Nada de resposta, ando por outro corredor de prateleiras e aumento
a voz.
— AnneLiz!
— Aqui! No fundo da ala do último corredor à direita.
Chegando na entrada vejo a pimentinha empoleirada na escada,
tentando alcançar uma caixa de arquivo.
— Sua maluca! Você pode cair e fraturar uma perna desse jeito!
Apresso o passo e seguro a escada impactado pela visão das pernas
torneadas. Elas atraem meu olhar subindo em câmera lenta até parar na
bunda arrebitada dentro da saia preta. Puta merda!
— Você é muito exagerado.
— Desça já daí, eu pego para você. Odeio altura. Não quero você
ferida.
— Se você odeia, como vai subir e pegar a caixa? Segure a escada
que estou quase lá.
— Teimosinha dos infernos — Afrouxo a gravata pelo calor e o
nervosismo de AnneLiz a quase dois metros do chão. — Vou segurar, mas
não vou olhar.
— Eu escutei o teimosinha, hein, chefe. Você tem acrofobia?
— Pare de conversar e se concentre no que está fazendo. Não tenho
acrofobia coisa nenhuma!
Ouço seu riso baixo, mas não olho para o alto.
— Não consegue nem olhar aqui para cima e não admite que tem
medo de altura? Precisa começar a admitir as coisas, Sebastian, sua vida
será mais fácil.
— Ha, ha, ha, sabichona!
— Peguei!
— Solta a caixa para descer!
— Vai estragar e espalhar todos os papéis.
— Não importa, deixe de ser teimosa e larga a caixa.
Pelo menos essa ordem ela obedece e o estrondo que o objeto faz ao
cair é alto. Uma bagunça de pastas com papéis se espalha ao meu lado.
Sinto a trepidação da escada conforme ela desce os degraus.
— Meus saltos estão escorregando para descer.
— Porra, AnneLiz! Está esperando o quê para tirar os sapatos? —
suspiro alto. — Que ideia de subir em uma escada de quase dois metros de
sapatos, sozinha em um andar! Poderia se acidentar e levar horas para ser
socorrida!
A escada trepida novamente, provavelmente ela está obedecendo.
— Vou chutá-los, ok. Não precisa desse discurso exagerado sobre
acidentes.
Um dos sapatos salta para longe e o outro cai na minha cabeça.
— Ai! Cuidado!
— Droga, desculpe! Foi sem querer, Sebastian.
Ela desce em tempo recorde e se vira tocando meu rosto e cabeça,
enjaulada entre meus braços segurando a escada.
— Onde foi que acertei o sapato? Me desculpe! — As duas mãos
pousadas no meu rosto fazem manter nosso olhar.
Estamos tão perto que o calor de nossos corpos se fundem.
— O salto pegou no lado da cabeça.
— Inclina, deixa eu tocar para ver se não cortou ou fez um galo.
Ao fazer isso involuntariamente fico mais perto do seu pescoço e o
perfume gostoso me envolve completamente.
— Seu perfume é tão bom! — murmuro enquanto seus dedos tocam
meu couro cabeludo.
— É minha loção de morango. Engraçado que a única coisa que
lembro daquele coquetel depois que bebi aquelas doses, é do seu perfume
também, Sebastian.
Voltamos a nos encarar e umedeço o lábio vendo os dela tão
próximos.
— Queria que você lembrasse de mais coisas, Liz.
— Eu também queria.
Essa confissão e a mão afagando agora minha nuca é suficiente para
agir. AnneLiz olha para mim com uma intensidade que desafia qualquer
racionalidade, por um segundo ou dez, nos beijamos com o olhar antes
mesmo de os lábios se tocarem.
É uma troca de cumplicidade que transcende qualquer conversa.
Posso sentir a eletricidade no ar.
Um momento de hesitação, como se o tempo parasse, e então,
finalmente, nossos lábios se encontram. É um beijo suave, diferente daquele
na danceteria, mas cheio de significado, um encontro de desejo contido e
emoções que se desdobram desde que nos conhecemos. O calor do
momento envolve-nos, e por um instante, o mundo exterior desaparece.
Tomo o meu tempo, sem pressa deixo que ela explore meus lábios e
relembre como o encaixe é perfeito. Confirmo a cada encontro de línguas
que seu sabor é altamente viciante.
No meio das prateleiras repletas de papéis e memórias corporativas,
encontramos um espaço só nosso, onde o desejo floresce a cada toque. Ela
faz o que fez da primeira vez, desfere uma mordidinha no meu lábio me
fazendo rir em sua boca.
— Ah, pimentinha! — sussurro.
— Oh Deus! Como eu pude esquecer esse beijo? — pergunta, se
aconchegando em meus braços, que agora enlaçam sua cintura.
A escada serve de apoio para nossos corpos espremidos um no
outro. Sinto cada parte dela moldando-se a mim. Prensada na escada pelo
meu corpo poderia possuí-la aqui mesmo. Certamente ela sentiu a dureza do
meu pau entre nós, porque se esfrega propositalmente enquanto a devoro.
— AnneLiz! — A voz de Simba nos assusta e me faz afastar rápido,
mas tento corrigir para não dar a impressão errada.
— Desculpe me afastar, não foi por causa... — Ela me corta,
visivelmente chateada.
— Fez bem, você é meu chefe e não se envolve com mulheres do
meu tipo.
— Não é isso, Liz.
— Ah, aí está você! — O intrometido aparece na ponta do corredor.
— Sebastian? ... Ah, merda! Não estou interrompendo nada, né?
— Claro que não — responde ela com seu sorriso franco já juntando
os papéis no chão.
— O que está fazendo aqui, Simba? — impaciente e irritado encaro-
o.
— Recebi as ligações que caíram por AnneLiz não atender e uma
delas era da escola da filha dela.
— Oh céus! Aconteceu alguma coisa com Juliete? — Em um
segundo a preocupação nubla seu rosto.
— A escola teve um probleminha de vazamento e pediram para os
pais buscarem as crianças meia hora antes.
— Posso sair mais cedo, senhor Sebastian? Eu compenso amanhã.
Odeio esse ar gelado e profissional, mas é o que somos no fim das
contas.
— Claro, só se preocupe com a Juju.
Ela acena e volta a ajuntar os papéis.
— Simba, ajude a senhorita AnneLiz a arrumar essa bagunça.
Preciso voltar para a sala.
— Deixa comigo.
Enquanto me afasto, um turbilhão de pensamentos invade minha
mente. O que deveria ter sido o ápice de uma conexão inesperada,
transformou-se em uma confusão de emoções. A sala de arquivos, antes
repleta de promessas, agora parecia impregnada com o desconforto daquele
momento mal-interpretado.
Só me assustei, não me afastei porque não queria que Simba me
visse com ela. Mas, infelizmente, foi isso que ela interpretou.
Caminhando pelos corredores da empresa, me questiono sobre como
as coisas puderam tomar esse rumo.
Vi uma mistura de irritação e vulnerabilidade em seu olhar,
contrastando com a imagem decidida que ela costuma projetar. Talvez eu
tenha subestimado a intensidade de seus sentimentos por mim. Será que ela
gosta de mim?
De volta a minha sala, perdido em meus pensamentos, sou
confrontado com a realidade de que, por mais que tente manter o controle,
alguns acontecimentos escapam ao meu domínio. A frieza repentina de
AnneLiz é uma delas, porra!
Observo sua sala vazia, tomei a decisão certa ao trazê-la para cá? O
quanto isso vai me custar?
Ah, pimentinha… um sorriso bobo se rompe da lembrança do beijo
naquela sala do arquivo. Furtivo, breve e cheio de promessas…
Passa-se mais uma hora até ela retornar, propositalmente na hora de
ir buscar a filha na escola. O que eu já previa, evitar um contato só prova
que baguncei seus sentimentos e desejou evitar uma conversa direta
comigo.
Simba entra com ela trazendo uma das caixas de arquivo. Vão direto
para a sala dela e quando ele retorna, minha paciência já foi pras cucuias.
— Sebastian...
— Saia agora! — falo entre dentes. Meu primo ergue as duas mãos
em rendição e some pela porta.
Rapidamente vou até a sala de AnneLiz, que está fechando a bolsa
pronta para sair.
— AnneLiz, queria conversar com você.
— Pode ser amanhã, chefe? Eu realmente preciso ir, prometo
compensar e dar o melhor de mim para estudar sobre esse cliente
importante. Trouxe os arquivos dos pedidos dele.
— Tudo bem, está dispensada — desisto conformado.
— Obrigada. Até amanhã.
— Até.
Ela escolheu lidar com a situação fugindo, forçar a barra será pior.
Assim que ela sai, decido encerrar meu expediente também.
Ao chegar no SUV, Berth está a postos. Saindo do estacionamento,
uma quadra depois da empresa, vejo AnneLiz sentada no banco da pracinha
e peço ao motorista para desacelerar.
— Berth, preciso ver o que aquela mulher vai fazer.
— Não é sua funcionária, senhor?
— Ela mesma. — Talvez tenha me enganado e é outra mentirosa.
Mas Simba não mentiria sobre a ligação da escola. Observo
AnneLiz trocar os sapatos por sapatilhas e amarrar o longo cabelo em um
rabo de cavalo. A bolsa usada a tiracolo é colocada na transversal do corpo.
Assim que termina o ritual ela começa a andar rápido.
— Siga ela!
— Não é melhor oferecer uma carona, Senhor?
— Duvido que ela aceitaria. Não deixe ela perceber que estamos
atrás dela.
Por mais ou menos um quilômetro de área movimentada ela mantém
o passo, porém ao se distanciar do centro, AnneLiz me surpreende ao
iniciar uma corrida.
— Berth, dê uma olhada no GPS qual escola ou jardim de infância é
a mais próxima.
— Tem uma Sunshine a quase cinco quilômetros, senhor.
— Puta merda!
— É para lá que a moça vai?
— Sim, ela vai buscar a filha.
Descobri porque AnneLiz todos esses anos não conseguiu comprar
um carro. Além de sustentar a casa e as despesas da filha, aquele infame é
viciado nos cassinos. Tirava toda a economia dela para pagar dívidas.
Quando ela chega na escolinha, estacionamos a uma distância
segura.
Admiro mãe e filha se abraçando, ela rodopia a menina e sorri
alegre, como se não estivesse exausta pelo trajeto de mais de cinco
quilômetros.
Juliete traz na mão um palito com uma borboleta de papel na ponta e
entrega para a mãe, ganhando um beijo de agradecimento. As duas sentam-
se no banco em frente à escola. Talvez esteja descansando para continuar o
trajeto, mas não vou permitir que continue a pé.
— Berth, vamos levá-las para casa.
— Olhe, senhor, um Uber está estacionando.
Então me recordo da conversa no piquenique. Juju me explicou tudo
e agora compreendo. Ela economiza para a filha não se cansar.
As duas embarcam no carro.
— Siga o carro, Berth!
Entendo agora o cansaço da mãe, a seriedade com que ela leva o
trabalho, sua vida e a responsabilidade diluída em cada tarefa que ela se
propõe. Uma mulher tão jovem, dando o melhor de si para a filha.
Uma coisa tenho que agradecer a cobra da minha irmã adotiva.
Livrou AnneLiz de um traste, filho da puta! E essa deusa está livre e
desimpedida para um novo relacionamento.
Chegando próximo a casa em que as duas entram, observo que é um
bom lugar, bairro bem localizado e a fachada apesar de simples é bem
cuidada. Ficamos uns minutos estacionados com a intenção de ver os
vizinhos e a movimentação na rua. Fico preocupado com as duas morando
sozinhas.
Quinze minutos depois, algo nos chama a atenção. Um carro
estaciona na nossa frente e começa a tirar fotos da casa. Um homem de
meia idade sai do veículo e disfarçadamente caminha uns passos para obter
um ângulo melhor para outra fotografia.
— Mas que merda é essa?
— Quer que eu interfira, senhor?
— Não! Ligue para o chefe de segurança da minha mansão, já tem
homens suficientes lá. Mande um pra cá, vigiando disfarçado, melhor, faça
turnos de dois, noite e dia.
— Agora mesmo, chefe!
Será que aquele infeliz está tramando algo? Certamente, agora com
minha irmã a tiracolo posso esperar tudo. Mas se ele pensa que vai se dar
bem, está muito enganado! Farei de tudo para proteger AnneLiz e Juliete de
qualquer plano sinistro que esteja armando contra elas.
— Estão te aguardando na sala de reuniões, chefe.
Simba anuncia o código que o detetive finalmente chegou. Sem
demora o acompanho e depois de cumprimentos, explico exatamente o que
está acontecendo.
— Esteves, precisamos agir com cautela. Suspeito que tenhamos um
espião na empresa, e minha irmã tem informações que só poderiam vir de
alguém de dentro.
— Entendi, senhor Latarge. Como devo proceder?
— Quero que se infiltre como um novo funcionário. Converse com
as pessoas, observe seus comportamentos. Precisamos identificar quem está
vazando informações.
— Entendido. Qual será minha cobertura? Meu disfarce?
Olho para Simba que não está nem aí para mim, analisa o ex-
namorado com olhos de águia.
— Você ficou grande — diz ele para o homem.
— Essa é sua maneira de dizer que engordei?
Meu primo deixa seu sorriso charmoso no ar. O desgraçado está
flertando na hora da reunião?
— Simba! Caralho! Deixa pra elogiar o cara depois.
Os dois riem como dois apaixonados. Não acredito nisso!
— Simba, meu primo, trabalha aqui. Ele sabe o melhor disfarce
nesse caso.
— Sei? — pergunta surpreso.
— Claro! Está tão interessado nessa reunião quanto abelha no mel.
Qual função Esteves poderia ocupar que dá acesso a todos os setores?
— Ah, sei lá. Encanador, eletricista, com esse físico até bombeiro.
Suspiro alto.
— Nos dê licença, princesa da Disney.
— Por quê?
— Porque o detetive precisa de concentração e você não está
ajudando.
Ele sai irritado batendo o pé e a porta atrás de si, não sem antes dar
uma piscadela provocante para Esteves.
Encaro o homem loiro sentado com a perna cruzada que deixa um
sorriso contido iluminar seu rosto. Pigarreio alto para chamar sua atenção e
quando a tenho, prossigo.
— Você vai assumir o papel de um novo estagiário, apresentando-se
como um profissional recém-formado em Ciências da Computação.
— Barbada! Odeio ternos e uniformes.
— Certo, pode vestir roupas casuais. Vou providenciar um laptop,
será parte integrante da equipe de tecnologia da informação. Seu objetivo é
mergulhar nas atividades diárias da empresa para observar de perto todo e
qualquer comportamento suspeito.
— Durante o expediente, posso interagir bastante com os colegas de
trabalho.
— Isso, pode participar de reuniões e até mesmo se envolver em
projetos menores, ganhando a confiança de seus colegas. Aproveite
momentos informais, como o intervalo para o café, para extrair informações
úteis sobre as dinâmicas internas da empresa.
— Fique tranquilo, minha presença discreta e habilidades sociais
são as principais ferramentas enquanto procuro o possível espião.
— Simba, pode te orientar e ajudar a não levantar suspeitas. Podem
contar a verdade sobre o passado se quiserem, isso torna tudo mais crível.
Mas tenha cuidado, especialmente porque minha irmã pode estar envolvida.
— Sem problemas, senhor. Farei o meu melhor para descobrirmos
esse dedo-duro.
— Ótimo. Nos falamos por e-mail, Simba te passará detalhes.
— Perfeito.
Satisfeito, me despeço com um aperto de mãos e volto ao trabalho
deixando que Simba assuma os detalhes.
A dinâmica entre mim e AnneLiz continua distante, o que me
chateia um bocado, mas prometi a mim mesmo não forçar a barra.
Ela preparou uma campanha de marketing excelente para o Brenner,
fiquei muito orgulhoso do seu trabalho essa semana.
Quase no fim do expediente Simba aparece.
— Sebastian, aquela decoradora que ligou semana passada está aí
fora. Quer uma palavrinha com você.
— Nem meia ela vai ter. Já tinha dispensado por telefone. Como ela
ficou sabendo que preciso mobiliar a casa?
— Certamente tem acordo com a corretora e uma informou a outra
da venda. Dinheiro em jogo, meu querido.
— Dispense, não estou interessado.
— Sebastian, vai morar no hotel até quando?
— Falei para dispensar.
— Okayyyy! — revira os olhos ao fechar a porta.
Tinha esquecido a competição na Califórnia sobre as mansões.
Quem vende a mais cara, quem decora melhor, quem ostenta mais, um
saco! A Suíça é um país com poder aquisitivo muito maior e não tem essas
merdas.
— Ninguém entende que não quero um decorador caro? — pergunto
para mim mesmo.
Uma limpada na garganta me faz tirar os olhos do computador.
— Desculpe, não queria ser enxerida, chefe. É impossível não ouvir
o que se passa aqui.
— Fale. — Entrelaço os dedos sobre a mesa observando o rosto
tímido de Anneliz.
Ela ruboriza quando toma a iniciativa de algo, é fofo.
— Por que não considera um decorador mais simples? Alguém que
entenda o que você gosta, mas sem o glamour excessivo. Assim, você terá
um espaço aconchegante e com sua personalidade, sem gastar fortunas.
Inicialmente cético, pondero a ideia e acabo concordando.
— Hmm, pode ser uma abordagem mais prática. Conhece alguém
que se encaixe nesse perfil?
AnneLiz sorri, já antecipando a solução:
— Tenho algumas opções em mente. Podemos procurar alguém que
traga elegância sem exageros. Afinal, a simplicidade muitas vezes é mais
sofisticada.
— Aceito sua ajuda se parar de me tratar com essa formalidade.
— Mas você é o meu chefe.
Encaro seu rosto e forço uma carranca.
— Tá bom, Sebastian.
— Ligue para o decorador que conhece e vamos para lá depois do
expediente.
— Eu não posso, tenho que buscar Juju, dar banho, jantar, e ser mãe.
Não dá pra fazer o que me der na telha.
— Por que não? Nós vamos buscá-la, ela vem conosco, fazemos o
lanche no caminho, depois deixo vocês em casa.
— Mas...
— Sem mas, vá ligar para o seu decorador.
O resto da tarde passa rápido, ao finalizar o expediente saímos
juntos. No elevador, AnneLiz se desconcerta com os olhares dos demais
funcionários para nós. Nunca saímos juntos, sempre um vai antes que o
outro. Sem combinação, apenas por ser.
No carro silêncio, ouço sua ligação para o decorador. Será que são
amigos, íntimos? Se for um ex-namorado, mando ele pastar.
Ao chegar na escola de Juju ela desce do veículo e espera na porta
do local.
A menina como sempre é amorosa na saudação para a mãe. É bonito
ver as duas de mãos dadas se aproximando do carro.
Quando abro a porta e mostro que sou eu, Juliete sorri.
— Mamãe? Seba? Por que você veio junto me buscar?
— Vou levar as duas em um passeio hoje.
Ela olha de mim para a mãe abraçada na mochila cor de rosa.
— Filha, eu e você vamos ajudar Sebastian a arrumar a casa dele.
— Puxa mamy! Tô tão cansada, posso olhar enquanto você arruma
tudo?
AnneLiz a pega nos braços enchendo de beijinhos fazendo-a
gargalhar. O som das duas rindo é tão gracioso que me faz sorrir. Elas
entram no veículo se acomodando ao meu lado, conversando enquanto
presto atenção ao diálogo.
— Nós não vamos limpar a casa de Sebastian, vamos ajudar a
escolher os móveis.
— Não tem nadinha lá dentro?
— Nadinha.
— E onde ele dorme?
— Ele está em um hotel. Mas quer ir para a sua casa, por isso vamos
ajudá-lo.
— Ah, legal! Sua casa é grande, Seba?
— Um pouco.
Anne olha para mim balançando a cabeça.
— Deve ser enorme, isso sim — provoca ela.
— Quantas pessoas moram lá? — A menina pergunta.
— Só eu vou morar.
— E por que você precisa de uma casa tão grande? E... e por que
você mora sozinho? Por que não tem móveis?
— Filha, por favor, uma pergunta de cada vez. Lembra como
mamãe ensinou a não deixar as pessoas desconfortáveis?
— Lembro. — Ela abraça a mochila e depois me encara curiosa. —
Seba, posso perguntar uma coisa?
— Certamente, espertinha.
— Por que você mora sozinho em uma casa grande?
Ela é a garotinha mais inteligente que conheci, com seu jeito doce é
impossível não responder.
— Bem, eu não tenho ninguém, além dos meus pais, eles tem a casa
deles e eu a minha. Cheguei de viagem faz pouco tempo e só agora
consegui parar pra escolher os móveis.
— Ah, entendi.
O resto do trajeto é interrompido apenas com alguma observação
peculiar da menina. Até Berth às vezes ri no banco da frente.
Quando o carro estaciona diante da mansão as duas perdem a fala.
Descem do veículo fascinadas
— Meu Deus! Olha isso, mamy! Parece o castelo de ‘Hoguard’!
Junto-me às duas paradas na fachada da mansão.
— Castelo do quê? — pergunto.
— Hogwarts, do Harry Potter! — sussurra AnneLiz.
— Ah sim. Você acha que parece a escola do Harry, Juju?
— É mais grande.
— Maior, filha.
— Foi isso que eu falei, mamy, bem mais maior.
— Vamos entrar, seu decorador está atrasado.
— Lennon é meio maluquinho, mas tem um olho excelente, apesar
da idade.
— Como assim?
— É um velho amigo do meu falecido pai. Eram inseparáveis, cresci
com sua presença lá em casa.
Desativo o alarme e abro as portas brancas duplas.
— Que idade tem esse decorador, AnneLiz?
— Não sei, uns cinquenta e poucos anos.
— Tô começando a me arrepender de te escutar.
— Você vai gostar dele, Sebastian. Ele é direto e profissional, muito
parecido com você.
— Isso foi um elogio? — encaro seu rosto risonho.
— Uau! — interrompe Juliete andando até o meio da sala. — Que
casa grandona! Aqui dá para ter uma dúzia de cachorrinhos, né mamãe?
— É filha, é uma casa linda.
— Você vai comprar cachorrinhos, Seba? Para morar com você?
— Pode apostar que vou.
Um carro esporte branco estaciona próximo o SUV e Anne vai
receber o vovô decorador.
— E eu posso brincar com eles? Quando vier visitar sua casa?
Inclino ao me agachar e poder olhar de igual para minha nova
amiguinha.
— Vocês duas podem vir a hora que quiserem para brincar com eles.
O sorriso aberto transmite tanta paz.
— Você é legal!
— Você também é muito legal.
— Seba, você é poderoso igual o Harry Potter?
Minha risada alta surpreende AnneLiz e o senhor de cabelos brancos
e um bronzeado exagerado entrando pela porta. Puta merda! É um velhinho,
tô fodido com a decoração que ela sugeriu.
— Sebastian, esse é John Lennon Smith.
Encaro de forma surpresa o homem, que estende a mão em um
cumprimento firme. AnneLiz começa a rir sem parar.
— Não me olhe com essa cara, rapaz! Meu pai era fã do cantor e
quis homenageá-lo. E você pare de rir, Aninha. Não atrapalhou meu
sossego na beira da piscina para me fazer atuar em seu circo!
Aí então ela ri mais ainda. Nunca vi minha funcionária rir tanto.
— Afinal qual é o motivo de tanta graça? — pergunto.
— Consegui a proeza de reunir em um mesmo lugar os dois homens
mais mandões que já conheci — fala sem fôlego com a mão na barriga.
— Eu não sou mandão! — falamos juntos eu e o velho.
— Vovô Lennon, você aqui? Veio ajudar a arrumar a casa do Seba?
O homem até então carrancudo vira uma manteiga com a
aproximação de Juju. Se agacha para abraçá-la.
— Ei, borboletinha, você veio com sua mãe? Agora eu fiquei feliz.
— Vim ajudar meu amigo com os móveis.
Lennon gargalha tirando um pequeno óculos do bolso. Com ele
devidamente nos olhos, observa ao redor para a ampla sala de entrada.
— Que bela estrutura você tem aqui, meu rapaz. Mas não tem hall
de entrada, acho uma falha para uma mansão desse porte.
— Tem outra entrada no outro lado, com hall.
— Oh! Maravilha. A vista é fascinante, tem muito verde na sua
propriedade.
— Gosto da natureza.
— Quantas cômodos?
— Tem seis quartos, sete banheiros, um estúdio de som completo,
sala de cinema, estúdio de arte, biblioteca, escritório, sala de jogos, de estar
e...
— Ok entendi. Tenho que analisar o pavimento superior e fazer
algumas anotações para o projeto de paisagismo.
— Fique à vontade.
O homem sobe a escada polida e me vejo sozinho na sala. Onde foi
todo mundo?
— Mamãe foi conhecer a cozinha, eu tô conhecendo a casinha
embaixo da escada.
A voz abafada de Juju me chama, encontro-a inspecionando o
cubículo debaixo da escadaria.
— Olha Seba, achei um caça borboleta!
Ela sai com uma rede presa em um cabo marchando para a porta da
frente.
— Avisa minha mãe que tô ali na frente caçando borboletas?
— Aviso, fique à vista, não tem perigos nem vizinhos, mas sua mãe
não vai gostar se não te ver.
— Tá bom.
Chegando na cozinha, fico parado na porta silencioso, admirando
AnneLiz de costas alisando a bancada de mármore.
— Ah, você está aí! Juliete está com o Lennon?
— Não, está ali no gramado caçando borboletas com uma rede que
achou.
— Melhor que ela se distraia do que te deixar desconfortável com
perguntas.
— Sua filha é adorável, Liz.
Seu olhar desvia da janela rápido quando ouve a abreviação do
nome.
— Sua casa é realmente linda.
— Mas você prefere a cozinha.
— É meu cômodo preferido — confessa com seu sorriso doce.
— Por que não volta para a profissão que ama?
— Eu amo o que faço, Sebastian.
— Pare de mentir para si mesma, você precisa do que faz, mas ama
a gastronomia.
— Confeitaria, na verdade. — disfarça desviando o olhar para o
basculante que dá para o jardim. — É complicado, agora não é o momento
de voltar a sonhar, Sebastian. Tenho prioridades.
— Um carro.
— Como sabe?
— Juju falou no piquenique. Olha, podemos ver um empréstimo
pela empresa para comprar o carro.
Ela se escora na bancada, visivelmente em dúvidas.
— Já falamos sobre eu receber tratamento especial, não é justo com
os outros funcionários.
Decido me aproximar para argumentar melhor circulando a ilha no
meio do espaço, para chegar até ela.
— Você precisa aceitar quando as pessoas querem fazer algo por
você.
— Não sou acostumada a isso. Sempre me virei desde que meu pai
faleceu. Mamãe era muito dependente dele e a aposentadoria mal dá pra ela
sobreviver. Aceitar privilégios me parece errado.
— Não é privilégio. É um empréstimo que a empresa disponibilizará
a uma funcionária exemplar, será descontado do seu salário mensalmente.
— Posso pensar?
— Pode.
— Então, posso perguntar qual é seu cômodo predileto?
Ela analisa minha reação encarando meu rosto até que eu desvie.
— Acabei de te deixar tímido? Sebastian Latarge, tímido?
— Não! Você me pega de surpresa com seu jeito, é difícil alguém
conseguir isso.
— Isso foi um elogio? — pergunta com um sorrisinho travesso.
Deixo escapar uma malícia no riso.
— Ainda não encontrei um elogio à sua altura, Liz.
Quando suas bochechas ganham cor, diminuo a distância e a prendo
entre mim e a bancada, mas dando espaço para fugir da minha análise.
— Agora eu te deixei tímida.
— Faz muito tempo que não recebo um elogio. — o olhar no meu
parece de alguém que esperei a vida toda aparecer.
— Não faz muito tempo ouvi um cara no elevador te convidando
para sair. É um elogio torto, mas é um elogio. Você deve ouvir elogios o
tempo todo.
— Quis dizer que faz anos que não sou elogiada por alguém que eu
deseje que o faça.
Meu peito infla como um pavão. Ela me deseja também. Chego
mais perto sentindo sua respiração acelerar contra minha boca. Quando ela
toca meu antebraço para ficar nas pontas dos pés, arrepia cada pelinho do
meu corpo.
— Eu faria bem mais que só elogiá-la, pimentinha — minha voz
torna-se rouca e baixa.
— O que ... o que mais você faria? — seu olhar pede o beijo quando
desce rapidamente para os meus lábios.
— Começaria beijando seu pezinho com unhas pintadas de
vermelho. Roçaria a barba pelas suas pernas lindas ao beijá-las inteiras.
Faria tudo sem pressa, apreciaria as melhores partes de uma forma que, para
cada uma delas, eu te daria um orgasmo antes de enterrar meu pau em
você.
— Oh! — ela arfa e lambe os próprios lábios.
— E quais seriam as melhores partes?
Toco seu seio sobre a blusa de seda, está tão rígido e pronto, que
minha ereção luta contra o tecido da minha calça. Ela crava as unhas no
meu braço e se encosta em mim. Belisco seu mamilo e AnneLiz fecha os
olhos.
— Por favor...
— Se eu te beijar, te proíbo de fugir de mim quando eu quiser
conversar, entendeu?
— Sim... — belisco outra vez e beijo seu pescoço para sussurrar no
ouvido.
— Peça por favor, outra vez!
— Por favor... Me beija, Sebastian!
Avanço em sua boca devorando seus lábios e tomando seus gemidos
baixos, enquanto encaixo uma das minhas pernas entre as dela e pressiono.
Em nenhum momento a agarro, apenas provoco seu mamilo enquanto a
beijo. Liz pendura-se no meu pescoço rebolando de encontro a minha perna,
me deixando louco. Quando eu tiver essa mulher nua, vou degustar cada
pedacinho dela. Vou deixá-la louca por mim assim como estou por ela.
— O que vocês estão fazendo?
A voz fininha vinda da porta é como um balde de água fria. Mesmo
a menina tendo apenas a visão das minhas costas, nos afastamos tão rápido
que quase tropeçamos em nossos pés.
— Filha? Sebastian estava...
— Perguntando se você gosta de pizza. E qual sabor prefere, porque
vamos fazer um lanche quando terminarmos aqui.
A menina saltita até a mãe.
— Verdade, mamy?
— Sim, querida. Está com fome?
— Tô com muita fome. Eu gosto de pizza de marguerita, Seba. Vou
perguntar ao vovô Lennon se ele já terminou pra gente ir logo.
— Não vá subir a escada.
Assim que a menina some pela porta, Liz põe as mãos na cabeça.
— Meu Deus! O que a gente fez?
Confuso, procurando entender o motivo da reação, pergunto:
— Nada. Foi só um beijo, sua filha viu apenas minhas costas, não
nossas bocas nos devorando. Por que essa aflição?
Descontrolada, ela agarra a gola da minha camisa.
— Não posso ser igual ao Daniel, não posso expor uma inocente a
cenas impróprias para a idade dela. Preciso proteger minha filha.
— Ei — seguro sua nuca para me encarar. — Juju viu a traição do
pai? — seus olhos rasos d’água respondem sem palavras.
Ao se afastar ela esconde o rosto e vira de costas, secando
rapidamente.
— Não sei o que exatamente ela viu naquele dia, tentei impedir, mas
algo ela viu e ouviu muito bem.
— Olhe para mim, AnneLiz.
Ela gira de braços cruzados na defensiva.
— Jamais vou desrespeitar sua filha ou você como aquele verme
fez. — Dou um passo e toco seu rosto secando uma lágrima que ameaça
rolar. — Mas nós dois vamos terminar o que começamos, pode apostar sua
vida nisso.
Seu olhar intenso no meu me diz que compreendeu.
— Ô mamãeeee! Vamos?
A voz de Juju no lado de fora nos separa, fico ainda uns segundos
arrumando a gola amassada da camisa para me juntar a elas.
Na porta da frente o vovô se despede de maneira profissional.
— Terei os projetos prontos no fim da semana — avisa. — Eu ligo
para marcar uma reunião.
— Perfeito, senhor Lennon. — Despeço-me do homem com um
aperto de mão. — E então meninas, prontas para a pizza?
— E fritas, Seba?
— Fritas, milkshake, refrigerante e o que mais quiser, Juju.
A menina de mãos dadas com a mãe sai pela porta enquanto aciono
o alarme e tranco a fechadura.
— É Natal, mamy?
Liz ri alto e me encara.
— Não filha, é só meu chefe sendo exagerado.
— Seba é legal igual ao Harry Potter.
Alcanço as duas com passos largos a caminho do SUV. Juju se
adianta para pegar uma florzinha um metro adiante.
— Qual é a questão com o Harry Potter? — pergunto de maneira
discreta a AnneLiz.
— É uma longa história, mas para resumir. É o personagem
predileto dela, Harry é o herói master de Juliete.
— Bem, minha nota com ela é alta então?
— Não a magoe ou chuto suas bolas. — Rindo dessa ameaça
entramos no carro, rumo ao lanche.
Acredito que hoje foi uma trégua nas nossas discussões, espero que
a paz perdure. Quero que as duas sejam felizes depois de tanta merda que
viveram. E farei o impossível para isso acontecer.
Cedo pela manhã, meu despertar é marcado pela ansiedade. Juliete,
ainda sonolenta, me questiona sobre o motivo de não ir à escola. Como
explicar que este é um dia diferente? Que é o dia de lutar por nosso lar.
— Por que não vou à escola hoje, mamãe?
— Hoje é um dia especial, querida. Mamãe tem que ir a um lugar
importante e você fica na vovó até eu voltar.
Somente Juliete se alimentou no café da manhã. Não pude fazer isso
ou corria o risco de colocar tudo para fora. E foi complicado, pois sempre
tão observadora, me bombardeou de perguntas sobre minha saúde.
— Não vai comer nada, mamãe?
— Já comi algo enquanto preparava o seu café — forcei um sorriso
sincero.
— Você sempre diz que o café da manhã é uma das refeições mais
importantes! Está doente?
— E é, querida. Mas, estou com pouca fome hoje.
— Tá de novo de dieta? — concordei e lhe roubei um beijo na
bochecha.
Tão inocente, quanto sofrimento poderá se abater sobre a minha
princesinha nos próximos dias? Tento ser forte e não desabar em lágrimas
diante dela.
O trajeto até a casa da minha mãe é pontuado pelo silêncio tenso no
carro. Juliete, ao meu lado, segura minha mão como se pressentisse a
importância do momento. O nervosismo cresce, mas não posso deixar que
ela perceba.
— Mamãe, por que você está tão séria?
— É um dia diferente, meu amor. Mas vai dar tudo certo.
— O que tem de tão diferente hoje, mamãe?
— É só assunto de gente grande que a mamãe tem que resolver.
— Vai dar tudo certo, mamy. Não se preocupe! — O sorriso dela me
aquece a alma. Será que ela desconfia de algo? Ou é só seu lado angelical
me passando coragem?
Chegamos em frente a casa no bairro sossegado onde morei na
infância e Juju se despede quando mamãe a busca na porta do veículo.
— Boa sorte filha. Tenha fé, vai tudo correr bem.
— Deus lhe ouça, mãe. — dou-lhe um abraço de despedida
querendo tanto voltar no tempo e desfazer todos os desencantos que sofri.
Quantas decisões erradas que tomei, hoje, faria tudo diferente,
principalmente com relação a Juju, meu bem mais precioso. Poderíamos ser
só nós duas e tudo bem, daríamos um jeito de sermos uma família feliz.
Porém, não adianta ficar parada no tempo, vendo ela e mamãe se afastarem
de mãos dadas e entre sorrisos, enxugo uma lágrima furtiva, entro no carro
e peço ao motorista que prossiga.
Mais uns vinte minutos no trânsito e o Uber estaciona diante do
prédio imponente do fórum. Com o coração batendo ensandecido na
garganta, entro no prédio do tribunal, o cenário da batalha que estou prestes
a travar com alguém que um dia pensei me amar. A sala de espera é um
palco de ansiedade. A chamada para a audiência é como um veredicto antes
mesmo de começar.
— Senhorita Colleman, é hora da audiência. — O advogado avisa.
Assim que nós nos acomodamos diante do juiz, a presença do meu
ex-marido, é uma sombra que paira sobre o ambiente.
— Senhoras e senhores, iniciaremos a audiência. Por favor,
apresentem seus argumentos — toma a palavra o juiz.
As palavras do juiz ressoam um tanto frias, imparciais, e a luta pela
nossa casa se inicia.
— Excelência, esta é uma batalha pela justiça. Meu cliente solicita
uma pensão da ex-esposa, posto que foi expulso da própria residência pela
mesma. A partilha de bens igualitária posto que eram unidos em
matrimônio pela lei civil do estado da Califórnia há cinco anos e oito
meses.
— O quê! — Furiosa, explodo em alta voz.
— Contenha-se, Sra. Colleman! — o juiz bate aquele maldito
martelo chamando minha atenção.
— Minha cliente não tem condições de arcar com essa despesa. Pois
o único objetivo da senhorita Colleman é o bem-estar da criança. A casa é o
porto seguro da pequena Juliete, filha da minha cliente e ela deseja criá-la
no lar onde vive, mas não sob o mesmo teto do ofensor — defende meu
advogado.
Meu advogado defende nossa causa com todos os argumentos
possíveis que reunimos, usa palavras firmes, apontando o quanto fui vítima
nessa dolorosa história, mas as mentiras proferidas pelo defensor de Daniel
me atingem como flechas.
— Bem-estar? Ela só quer tirar a casa e minha filha de mim. —
Daniel ironiza alterado.
— Doutor Bernard, acalme seu cliente. Ele ainda não tem
autorização para falar no meu tribunal. Vamos ouvir o depoimento da mãe,
sra. Colleman? Por favor, tem a palavra.
— A minha única prioridade, é com o bem-estar de minha filha,
saúde, educação e um lar seguro para que possa se desenvolver saudável
psicologicamente. E a melhor forma de protegê-la é em um ambiente
estável para ela. Ou seja, a nossa casa que tanto ama. As suas coisas. Os
móveis, que nos deram muitos momentos felizes. Por isso, rogo que antes
de tudo, se preze pelo bem-estar dessa doce criança, cujo maior desejo, é
permanecer onde sempre viveu. Ao meu lado. Ao qual o pai profanou com
outra mulher! — Tento não deixar transparecer a raiva que lateja por ver a
cara deslavada de Daniel.
Minhas palavras são comedidas, pensadas e repensadas para não
serem usadas como argumentos contra mim. Cada argumento é uma
tentativa de preservar um lar decente para a Juliete. Conto todos os fatos
ocorridos nos últimos meses do nosso casamento e meu advogado confirma
com as provas, inclusive do vídeo que fiz.
Mas o advogado dele é um dos mais famosos do país,
provavelmente a amante está pagando, porque ele não poderia arcar com os
honorários, Daniel só tem dívidas.
— Meu cliente se encontra atualmente desprovido de moradia,
tendo sido expulso de sua residência apenas com uma bagagem de
vestimentas. Não dispõe de recursos para hospedagem em hotéis, e sua
família reside em outro estado. E como a casa está penhorada ele precisa de
um lugar para morar para continuar trabalhando e quitando a dívida. Sua
ex-esposa com seu atual salário pode dispôr de recursos para arcar com os
custos de aluguel do Senhor Rodriguez até ele quitar a dívida.
Meu coração dá um salto, nervosa, pressionada e em desespero
levanto-me da cadeira.
— Penhorada? Você penhorou nossa casa? A moradia da sua filha?
Seguro firme minhas lágrimas, represando dentro do peito a dor.
— Senhorita Colleman, acalme-se — avisa meu advogado.
— Não é justo, a casa é o único bem que temos!
— Perdoe minha cliente, meritíssimo. — O advogado do estado que
me representa sussurra para mim: — Por favor, senhorita Colleman, não
dificulte o meu trabalho.
O diálogo na sala do tribunal é uma dança delicada entre as leis e as
emoções. E cada um de nós vocifera ofensas um contra o outro.
— Ordem! Ordem! Com a palavra a defesa da sra Colleman.
— Meritíssimo, o senhor Rodriguez possui um emprego registrado
no estado, e assim como ele, minha cliente precisará dispor de recursos para
a sua própria moradia com a filha. Sua solicitação é incoerente com a
situação financeira da minha cliente.
— Ele não está na rua, ele está morando com a amante. Me recuso a
pagar algo a esse desgraçado! Ele nunca pagou as prestações daquela casa.
Eu comprei e é minha, como pôde penhorá-la?
— A casa pertence a ambos, a escritura com seus nomes está em
minha posse. Meu cliente tem os mesmos direitos sobre o imóvel. Ele a
penhorou. Para quitar dívidas contraídas pelo casal. Além do mais, tenho
aqui uma procuração assinada pela senhorita Colleman autorizando a
penhora.
Informa o advogado do diabo, entregando a procuração ao meu
advogado, com o ar esnobe e arrogante.
— Essas dívidas não são minhas! Ele vai perder a casa da própria
filha? — arregalo os olhos observando o papel que meu advogado avalia.
— Eu não assinei isso! Não posso ter feito uma tolice dessas!
— Não vou perder, estou pagando as prestações para não ir a leilão.
Em breve quito a dívida e a recupero.
O sinal de um sorrisinho dança em seu rosto bem barbeado. As
roupas que está usando noto que são novas. Daniel parece ter ganhado na
loteria.
Após mais algumas deliberações entre os advogados o juiz é
categórico:
— Fique ciente, sr. Bernard, diante das circunstâncias e provas, o
pedido de pensão solicitado pelo seu cliente está indeferido. Consta dos
autos que os interessados casaram-se no Estado da Califórnia, Estados
Unidos da América, tendo sido a transcrição da certidão de seu casamento
lavrada pela Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e de Interdições
e Tutelas do Primeiro Subdistrito Sé, da Capital, no Livro E-889, fls. 583,
sob o nº 27.047. No entanto, ante a ausência de indicação na transcrição
acerca do regime de bens adotado, aplicam-se ao patrimônio do casal, na
inexistência de pacto antenupcial, as regras da “Common Law”, segundo as
quais cada cônjuge é considerado dono do bem de que seja titular. Ambos
têm direito a metade do imóvel. No que tange a penhora do imóvel assim
que seja recuperado pelo pagamento, o tribunal decide pela partilha
igualitária do bem. A audiência está encerrada.
— Não, espere! Essa procuração é falsa! — tento ainda relutar.
— Não reconhece sua assinatura nesse papel, sra Colleman? — o
juiz me indaga com frieza.
— Sim, é a minha assinatura, mas eu não fiz isso!
— Então prove, AnneLiz. — meu marido provoca com um sorriso
no rosto. — De momento, percebo que estou desarmada.
Isso é um golpe! Bem tramado pelas minhas costas, o olhar do meu
advogado pede prudência e eu resolvo me aquietar e aceitar a decisão do
juiz, por enquanto.
— Isso não vai ficar assim, eu prometo! — murmuro enquanto ele
levanta e vai saindo da sala.
Assim que chego perto da porta tento acertar o desgraçado com
minha bolsa, mas sou contida pelo advogado.
Ainda bem que o juiz já tinha saído da sala. Sento-me no banco em
frente ao edifício e choro por talvez mais de uma hora.
Ligo para a minha mãe e conto tudo, não posso contar dessa forma
cara a cara com Juliete ouvindo.
— Não sei o que fazer, mãe! — Ouço seu consolo, ela pede calma,
prudência. Enxugo as lágrimas que embasam meus olhos e me despeço
encerrando a ligação.
Decido passar pela minha casa antes de buscar Juju. Algo me diz
para fazer isso. Ao chegar lá há um aviso colado na porta de que a casa será
leiloada pelo banco em sete dias pelo atraso dos pagamentos. Ali mesmo na
porta desabo, desesperada por perder a casa, convulsionando em soluços.
Após me acalmar ligo outra vez para minha mãe.
— Perdi a casa, mãe! Será leiloada! Aquele merda destruiu tudo.
— Ó meu Deus! Filha! O que houve?
— Aquele mentiroso! Falou que estava com as prestações em dia!
— já começo apavorada.
— Você pode reabrir o caso? Quem sabe obrigar o leilão a ser
prorrogado? — A voz de minha mãe é de pânico.
— Sim, mãe. Mas quanto tempo isso vai levar? Até lá, já estaria na
rua. Levou semanas para sair a audiência do divórcio, a partilha dos bens,
até que eu consiga outra…
— Qual o prazo? Quanto tempo tem para sair?
— Uma semana.
— Não há mesmo um jeito de evitar?
— Não temos como levantar o dinheiro para tirar do penhor e quitar
a dívida.
— Fica aqui em casa até achar um outro lugar.
— Você já vive apertada desde que começou a costurar e instalou a
máquina na sala. Preciso alugar um lugar, qualquer um, sacrifico o cartão de
crédito, vai ter que dar. Mas onde?
— Espere, espere filha. Encontrei a Matilda, sua babá, lembra dela?
— Lembro, o que tem ela?
— Há uns vinte dias, a encontrei naquela feira de artesanato. Ela
está morando perto da escola da Juju. Disse que era um prédio com alguns
apartamentos. Talvez haja algo lá.
— Passe o número dela por mensagem, mãe. Preciso resolver isso
hoje. Não quero olhar para a cara daquele traste, e a dispensa do trabalho só
vale para esse dia. — vejo um fio de esperança.
Mamãe é rápida e para minha sorte dona Matilda é como uma
síndica do prédio. Converso com ela por telefone e conto resumidamente a
história. A senhorinha se compadece tanto da situação que toma a frente e
intermedia a locação com o proprietário, o problema é que faltam algumas
coisas na casa que eu não vou levar da minha, porque não tem espaço
suficiente.
Lembro-me da minha única amiga, Mia. Decido ligar para ela.
Horário de almoço, certamente vai atender.
— Alô, Mia?
— Ô criatura, eu estava preocupada! Como foi?
— Péssimas notícias. Daniel penhorou a casa. Mia!
— Ah não, caralho! Como ele fez isso?
— Ele tem uma procuração assinada por mim.
— Como assim, AnneLiz?
— Pelo visto, não deve ser só os beijos com o chefe que eu esqueço
quando bebo.
— Isso é crime!
— Eu sei amiga, mas não sei se posso dizer que sofro de amnésia
alcoólica diante de um juiz, ele poderia alegar que não tenho condições de
criar a Juliete sozinha. Como se eu fosse uma alcoólatra. — reviro os olhos
mesmo ela não me vendo. — Só Daniel e minha mãe sabem desse lapso de
memória. Aconteceu algumas vezes nas festas em família e ele se
aproveitou disso.
— E o que vai fazer agora?
— Não sei, mas assim que cheguei em casa me deparei com o aviso
que a casa vai ser leiloada pelo banco. — A voz que tento emitir sai falhada
e sofrida.
— Puta merda! Vai lá pra casa, dou um jeito com a minha colega de
quarto.
— Não dá amiga, tenho a Juju, bagagens, quero levar meus
pertences e eletrodomésticos pra ver se continuo fazendo os bolinhos pra
vender. E além disso, já arrumei um lugar.
— Que ótimo!
— Mas preciso de ajuda.
— Fala o que precisa, manda o endereço que dou um jeito depois do
trabalho.
— Só um colchão, Mia. Tá ótimo, se tiver pra emprestar, não tenho
como comprar agora e não vou levar aquele de casa. Já tinha pensado em
me desfazer depois do ocorrido. Não consegui dormir mais nele.
— Como vai levar as suas coisas?
— Vou colocar o que couber no porta malas do Uber, fique
tranquila.
— Não. Você precisa contratar transporte de mudanças, eu tenho o
número de um bem em conta.
— Infelizmente não dá, Mia. Tô a zero. Vou precisar até levar o que
tiver na geladeira.
— Tá, ok. Não faça nada até eu sair do trabalho. Me espere ali na
sua casa que vou providenciar.
— Amiga, não precisa.
— Cale a boca e deixe eu terminar meu almoço. Tenho ligações pra
fazer. Até depois.
— Até.
Ao desligar respiro profundamente, agora vem a pior parte. Chegar
na minha mãe e conversar com Juliete. Como explicar toda essa merda?
Decido ir andando para poder pensar com calma. Infelizmente, não
seguro as lágrimas constantes por saber que perdi a única herança que
deixaria para minha filha.
Se eu tivesse ouvido papai, não estaria nessa situação. Você nunca
foi com a cara do Daniel. Seu instinto, você falava. Fui tão ingênua!
Meia hora depois estou na porta da casa de mamãe. Juju vem me
abraçar preocupada.
— Você chorou de novo, né mamãe?
— Um pouquinho — disfarço.
— Foi o papai outra vez, vovó me contou.
Entro e me acomodo na poltrona e minha mãe traz um prato de
salada com um filé de frango grelhado.
— Come filha, sei que não comeu, eu e Juju conversamos e ela
contou que não tomou café. Já conversamos né, Juju?
— Sim. — Minha garotinha me olha e diz: — Fique tranquila,
mamãe. Vovó me falou que vamos morar em outro lugar, porque papai fez
algo feio e ficamos sem nossa casa.
Seguro tudo o que dá para segurar dentro de mim. Minha filha não
pode se preocupar comigo.
— Isso mesmo, sua avó falou certinho, querida. Vamos precisar sair
da nossa casa.
Dona Jordan vendo que estou a ponto de desabar guia Juliete para a
cozinha.
— Nós vamos terminar de lavar a louça e você coma tudo até
voltarmos.
— Não vou me molhar, mamy. Já volto!
— Tá bom, querida.
Obedeço e almoço entre lágrimas, mas dessa vez de medo. Se
Daniel conseguiu destruir o meu lar, quando eu lutar pela guarda, vou
perder a batalha também? Não vou aguentar perder minha menina, vou
fazer uma besteira, mas sem ela, não fico.
Na hora marcada, eu e Juliete esperamos ansiosas Mia em frente a
nossa casa, quando um caminhão baú gigante estaciona.
Ela desce da cabine com um sorriso nos lábios e dois homens que a
acompanham, já vão em direção ao baú e vêm logo atrás com pilhas de
caixas de papelão desmontadas nas mãos. Um deles, apesar das roupas
esportivas, eu reconheço, é Simba e o outro é um brutamontes loiro de um
metro e noventa e cassetada! Que homem grande!
— Olá, eu sou o Simba, como você se chama, princesa? — Se
apresenta a Juliete que igual a mim está surpresa, até de boca aberta.
— Simba, igual o rei leão?
— Igualzinho.
— O que vocês estão fazendo aqui? — os levo para dentro da casa,
já que o grandalhão tira a camisa de lenhador e amarra na cintura pronto
para trabalhar. A regata branca justa marcando todo o peitoral não deixa
nada para a imaginação.
— Viemos fazer a sua mudança, esse é Esteves. Trabalha com a
gente lá na empresa, mas ainda não foi apresentado a todo mundo.
— Satisfação, madame. — Retribuo o aperto de mão firme.
— Mia? Quer me explicar?
A ruiva se posiciona entre os dois senhores músculos com um
sorriso diferente. Faz tempo que não a vejo radiante assim. Seu olhar
apaixonado para os dois me surpreende.
Simba se afasta e começa a montar as caixas na sala.
— Não tem muito o que explicar. Estávamos almoçando quando
você ligou e não consegui esconder de Simba o que houve, desculpe.
— Em defesa da linda, não deixei ela em paz até contar o que a fez
perder a fome.
Linda? Oi? O que está havendo aqui? Será que? Não é possível!
— Então, podemos carregar tudo? — pergunta o loiro de sotaque
texano.
— Não tenho espaço para tudo, infelizmente as medidas que dona
Matilda me passou são metade desta casa.
— Não é problema, tem um guarda volumes alugado para você
deixar o que quiser lá. Não vai deixar nadinha para trás, querida! — explica
Simba todo sorridente, movimentando-se pelo espaço.
— Por que fez isso? — pergunto indignada. Vou dar trabalho para
estranhos, isso é tão humilhante.
— Não fui eu que fiz. — Com uma braçada de livros da estante, me
encara misterioso.
Antes que eu questione, Daniel entra pela porta escancarada com
seus óculos escuros e uma mala de viagem.
— Filho da puta! — resmungo baixo.
Com uma autoconfiança do próprio capeta, olha para todos de baixo
para cima, como se ele fosse o dono da casa.
— Posso saber o que está acontecendo aqui?
— Oi papai. — Juju se aproxima dele.
— Oi Juliete. — O único gesto para sua própria filha é um afago na
cabeça como se ela fosse um bichinho de rua.
Ela volta para o meu lado e pega minha mão.
Vou matar esse desgraçado!
Meu sangue ferve nesse momento, me seguro com tudo o que posso.
— A casa vai a leilão em sete dias! Como pôde? A casa que deveria
abrigar a nossa filha! — tento manter o tom de voz, mas o sangue fervendo
dentro de mim, dá um peso a mais nas palavras.
— Impossível, ela me mostrou os pagamentos, estava em dia com as
prestações. — reflete quase para si mesmo.
— Quem? Sua amante? Parece que você foi enganado assim como
fez comigo — com um sorriso debochado, provoco.
— Cale a boca, sua estúpida! — late ele tirando os óculos ao me
encarar com ódio. — Quem você pensa que é para falar assim da minha
namorada!
— Eu sou a mãe da sua filha, que você está deixando sem um lar
por causa de uma biscate! — Meu tom é alterado.
— Ei gente! Olha a Juliete aqui! — Mia intervém e a vergonha recai
sobre mim.
Minha garotinha está assustada com o rosto escondido no pescoço
de Mia que a pegou no colo.
— Que tal mostrar pra tia, onde é seu reinado, princesa? — Simba
olha para Esteves que entende o recado e cruza os braços observando meu
ex-marido de longe.
Mia já se foi rapidamente com Juliete para o quartinho dela.
— Por que eles estão brigando? — ainda escuto a doce voz do meu
anjo.
— Não estão brigando, querida, eles…
Enquanto eles se afastam, Esteves se aproxima com uma cara
carrancuda.
— Viu o que fez? Assustou Juliete! — Ando de um lado para outro
tentando me acalmar
— Acho que não é bem-vindo aqui, senhor. — Esteves parece um
cão de guarda.
— Tudo bem, Esteves, me resolvo por aqui. Pode ajudar Mia com
Juliete?
— Eu fico com ela, qualquer coisa a gente grita. — Simba avisa e o
faz se afastar.
— Eu não quero brigar, Daniel. Pelo menos, não agora.
— Está carregando minhas coisas? Você não é louca a esse ponto,
estamos casados há anos, os móveis são tão meus quanto seus. — Dou um
passo de queixo erguido e olho dentro dos seus olhos com o mesmo ódio
que me encara.
— Tenho todas as notas fiscais no meu nome. Enumere qual deles
você comprou? Responda, seu inútil? O que você colocou dentro dessa
casa? Vou levar tudo o que é meu.
Ele acha que tem direito às minhas coisas?
— Simba deixe apenas a cama e o colchão na casa, vamos sair
rápido. — falo alto e segura.
Ele volta a estante a poucos metros, colocando os objetos dentro da
caixa.
— Ah, agora que está solteira dá uma de durona. Pagando de
santinha! Acha que eu não sei que está trepando com o chefe?
A bofetada que acerto no rosto dele estala alto e arde minha mão.
Quando ele volta a si do que houve, se transforma em um bicho,
vociferando calúnias. Esteves e Simba aparecem, mas não dá tempo de
impedirem a fúria do homem descontrolado à minha frente.
— Sua vadia infame, merece uma boa surra! — exclama erguendo a
mão em punho, mas alguém surge rapidamente entrando apressado pela
porta aberta e agarra seu braço, torcendo atrás nas costas.
A voz de Sebastian é irreconhecível. Grave, rouca e furiosa. As
veias do pescoço do meu chefe parecem que vão explodir.
— Se encostar um dedo nela, ficará sem a mão. Agora nós dois
vamos ter uma conversinha, enquanto terminam de carregar tudo o que
AnneLiz quiser levar. Mas antes você pede desculpas a ela pela calúnia.
— Ai ai, meu braço! Vai quebrar!
— Se não pedir desculpas, quebro o outro e as pernas também — A
maneira entre dentes que meu chefe fala com Daniel é de dar medo.
— Agora, seu inseto!
— Ai! Tá, por favor! Eu peço. — Sebastian afrouxa um pouco, mas
não solta.
— Desculpa!
— Seja convincente, barata branca, ou será pior pra você. Não sou
homem de brincar!
Outra torcida no braço e um guincho de dor do meu ex-marido que
começa a ficar roxo de sofrimento.
— Desculpe, ... AnneLiz, falei besteira no calor do momento. Me
perdoe pela ofensa.
— Ótimo! Agora podemos ir. — Sebastian vai arrastando o inútil
imobilizado para a porta da frente.
A adrenalina vai diminuindo e as lágrimas vão jorrando sem
controle. Preciso ver minha filha! Aos tropeços de nervosismo corro para o
quarto.
Juju está quietinha com os olhos arregalados, entre as pernas de Mia
que está sentada na beira da cama.

— Filha — ela estende os bracinhos e a pego no colo. — Não queria


que tivesse ouvido essa briga. Mas agora está tudo bem, não precisa ter
medo.
— Eu ouvi gritos. Papai estava bravo. Pensei que ele ia te machucar,
mamy.
— Ele não ia, meu amor — a acalmo com um meio sorriso,
disfarçando a mentira.
Vi uma face de Daniel que nunca tinha visto. Ele me ofendeu na
frente dela. Só que eu fiz a mesma coisa.
— Você tá chorando de novo, mamãe?
— Mamãe ficou chateada, só isso.
— Mamy?
— O que foi, meu bem?
— Acho que fiz xixi na calça.
Essa confissão acaba comigo, a abraço apertado, sentando na cama,
devastada de culpa. Mia afaga minhas costas ouvindo meus soluços.
— Vou buscar um pouco de água. — Mia anuncia quando percebe
que precisamos de privacidade.
Sozinhas, tento me acalmar e desço meu bebê do colo.
— Está chorando porque eu fiz xixi na calça, mamãe?
O pavor fez seu organismo não segurar, imagino o medo da minha
menina. E logo me vêm em mente as sequelas que um trauma desses pode
deixar em uma criança. Preciso monitorar meus atos, minhas palavras, até
mesmo as ações diante dela nesse momento frágil e confuso que a
separação vai provocar.
— Não, filha. Tô chorando porque fiz algo errado e preciso pedir
desculpas a você.
— O que você fez? — pergunta limpando meu rosto com a manga
da blusinha.
— Eu não deveria ter discutido com seu pai na sua presença, mas
você sabe, às vezes, os adultos falam coisas que… Magoam um ao outro.
— Eu estava no meu quarto, mamãe. — Ela dá uma fungada e eu
acho graça da dedução inocente dela.
— Mesmo assim, brigar é feio. Não devemos sair por aí brigando
com as pessoas ou sendo grosseiras e mal educadas. — Céus, não pensei
que fosse tão difícil e vergonhoso reconhecer minhas atitudes impensadas
na hora da raiva para uma criança.
— Mas ele tratou você mal. Falou uma mentira, ele disse que falou,
foi mal-educado na frente das visitas, depois pediu desculpas eu ouvi.
— Eu sei, mas mesmo assim eu não devia ter levantado a voz. Você
me perdoa?
— Claro, mamãe! — ela beija a minha bochecha. — Você aceitou as
desculpas do papai?
— Claro. — minto pois não sei o que dizer.
Mia chega com a água, bebemos e nos acalmamos.
— Sebastian mandou os seguranças dele para ajudar, será bem
rápido agora. Acho melhor encaixotar as coisas de Juju agora.
— Tem razão, só vamos no banheiro uns minutinhos e voltamos
para ajudar, né filha?
Meia hora mais tarde estamos todos do lado de fora. Vejo meu chefe
organizando umas caixas em uma caminhonete enorme luxuosa branca e
peço explicação para Simba.
— Como foi que ele apareceu?
— Eu contei.
Estreito o olhar fazendo o trio rir. É um trio sim, minha amiga está
cheia de intimidade com os dois homens.
— Em minha defesa, eu precisei explicar porque precisava sair mais
cedo. Ele disse que ia atrás do guarda volumes e das camas de vocês. Aí ele
chegou na caminhonete dele, imagino que já passou na loja e as pegou
desmontadas.
Engulo seco observando o homem sobre a caçamba da caminhonete.
Sebastian me salvou de uma violência, e está me salvando de dormir no
chão.
— Disfarça que vai babar amiga — sussurra Mia.
— E você? O que tá rolando entre vocês?
— Nada demais. Impressão sua.
— Ok. Não é da minha conta e nem o momento, desculpe.
— Tá bom. Fiz um experimento que há muito tempo eu queria.
— Vocês... Sério?
Ela confirma com a cabeça.
— Puta merda, Mia! Os dois?
Olho para os rapazes sorrindo um para o outro. O primo de
Sebastian com um coque mal feito nos cabelos longos, parecendo um
samurai suado. E o loiro cheio de testosterona com seu corte militar e
bíceps mais grossos que minha perna.
Analiso minha melhor amiga baixinha, frágil e delicada olhando
para eles como se fossem dois sundaes de morango. Não! Não quero
imaginar essa cena agora, pelo amor de Deus!
— Vamos? — Sebastian se aproxima me tirando do transe.
— Onde?
— Você não vai junto com os móveis, AnneLiz?
— Ah, sim. Você vai nos levar?
— Lógico. Vem Juju, eu coloco você na caminhonete.
Minha filha nem me pergunta, aceita de pronto a mão estendida.
— Ele fica bem de pai, não acha? — comenta Mia.
— Ah, cala boca, salsicha.
— Não precisa ofender meu cabelo ruivo.
— Não te chamei por isso, chamei porque você é o recheio dos dois
pães ali.
Mia começa a rir tanto que chega a lacrimejar.
— Te vejo lá, piadista.
— Até.
Nos afastamos, eu para a caminhonete e ela para o caminhão com os
meninos. Não vi mais meu ex-marido, deve ter ido passear a mando de
Sebastian. Só peço que não tenha feito nada com ele que prejudique ainda
mais o processo de divórcio.
Ao entrar no veículo, vejo minha menina toda empolgada abrindo
um pacote laminado.
— Mamãe, ganhei um presente do Seba.
Ao ver meu olhar de censura ele se explica.
— Juliete é muito obediente, merece o presente.
Ao abrir o pacote, uma caixa transparente com um boneco do Harry
Potter aparece.
— Uau! Mãe, como ele sabia que era esse de roupa amarela que eu
queria? — O brilho intenso em seu olhar demonstra sua felicidade.
— Já agradeceu o seu amigo? — incentivo.
A felicidade dela acalma um pouco meu coração.
— Obrigada, Seba. Eu adorei o presente. — Sem ele esperar ela dá
um beijo melado no rosto dele, me fazendo rir.
— Sua barba coçou minha boca, mas tem cheiro bom — diz Juliete
depois de se sentar entre nós.
Disfarço o riso e vejo ele fazendo o mesmo.
— Pode ir devagar? É que Juliete precisaria usar o cinto com o
suporte para crianças.
— Ah, não sabia. Claro, vou devagar.
Depois de colocar no GPS do veículo o endereço, começamos a
pequena viagem. Juju adormece em seguida e a coloco em meu colo.
— O que você fez com o seu cunhado?
Sebastian me encara rapidamente. Observa Juliete, dá de ombros e
fala calmamente.
— Mandei ele dar uma volta com o rabo entre as pernas.
— Obrigada por ter chegado na hora certa.
— Ele já foi violento com você, Liz?
— Não, nunca nem sequer levantou a voz. Era como se eu não
valesse o esforço dele para qualquer ação dinâmica. Não sei o que eu era
para ele.
— Isso te deixa triste?
— Não. Não mais. Depois que Juliete nasceu, percebi que havia
cometido um erro. Não de tê-la, mas de ter escolhido um pai como ele.
Minha filha merece muito mais que aquilo.
— E você? — Não sei o que o olhar dele significa.
— Eu tenho ela. Não desejo mais nada.
— Juliete tem sorte de ter você. É a melhor mãe que ela podia
desejar.
— Obrigada — acaricio seu rostinho sereno velando seu sono.
Em poucos minutos estacionamos em frente ao prédio.
O caminhão chegou primeiro e o trio já conversa com dona Matilda
no portão de ferro.
Encaro meu chefe com receio de ver seu olhar de pena. Não é esse
sentimento que eu queria despertar nele, mas como impedir em uma
situação desastrosa dessas?
— Sinto muito pela casa.
— Por favor, não quero chorar mais.
Baixo o olhar e vejo uma lágrima rolar e cair na blusa. Ele também
enxerga, ao erguer meu queixo a seca gentilmente com o polegar.
— Não chore, AnneLiz.
— É melhor eu ir — não vou desmoronar diante desse homem.
Sebastian circula o veículo para abrir a porta para nós no momento
em que ajeito Juju no colo.
— Quer que a leve? Tem muitos lances de escada?
— Não, é o térreo e mais um andar apenas, não se preocupe.
— Quer que eu busque o jantar? O que vocês vão comer hoje?
— A geladeira estava repleta de comida, tinha feito a feira ontem e
tenho certeza que o trio encaixotou os alimentos. Juliete vai dormir até a
madrugada, eu me viro. Obrigada por tudo e amanhã veremos quanto eu te
devo das camas.
— Você não me deve nada. Vou esperar a entrega dos colchões aqui
embaixo, depois eu subo para montar.
— Não quero ser rude, mas um homem como você, nesse lugar?
Dona Matilda me enviou fotos. A kitnet é pequena, do tamanho da sua sala
e está toda desarrumada.
— Não me importo com isso, Liz. Não vou me sentir
desconfortável.
— Mas eu vou. Desculpe... Não queria que fosse assim.
— Entendo. — Não gosto desse olhar desapontado. — Vou esperar
e chamo o Simba pelo celular — conclui.
— Obrigada e boa noite.
— Boa noite.
Subo as escadas com um aperto no peito e nó na garganta. Porém, é
a melhor decisão. Este homem não é destinado a alguém como eu, um
milionário, viajado e meu chefe. Não desejo enfrentar mais
constrangimento do que já enfrentei hoje.
Vou encontrar meios para quitar minhas dívidas e garantir que nunca
mais precise recorrer a ele. Desta forma, ele não terá razões para visitar este
lugar e testemunhar o quão humilhante é para mim.
Queria dizer que é um novo ciclo, uma virada de chave. Mas a
situação financeira está longe de melhorar. Devo manter meu emprego,
cuidar dele para poder proteger minha filha. Esse é mais um motivo para
não me envolver com Sebastian.
Os dois dias sequenciais à mudança de AnneLiz foram um tormento.
Quando voltei para casa naquela noite, eu queria esmurrar algo, sair e bater
naquele miserável do ex-marido dela, quebrar a cara daquele infeliz. Nem
sei como consegui me controlar diante de todos.
Aquela lágrima que deixou escapar dentro do carro, me atingiu de
uma maneira tão dolorosa que precisei de todo o meu controle para não
abraçá-la, tentar de alguma forma consolar AnneLiz. Como um pai age
daquela forma na presença da filha? Como ofender e ameaçar a mulher que
dividiu um teto com ele durante seis anos? Nem que fossem algumas horas,
homem que bate em mulher não é homem, é criminoso!
Nessas quarenta e oito horas que se passaram houve uma mudança
considerável no seu relacionamento comigo. AnneLiz se mostrou esquiva e
distante, tentando fugir de conversas. Mas hoje não deixei escapar a
oportunidade de saber o porquê desse comportamento. Enquanto a levo para
casa, me concentro nas gotas de chuva batendo ritmadamente no para-brisa,
buscando uma brecha para conversar. Ela insistira que podia ir de metrô ou
Uber, mas algo dentro de mim recusava a ideia de deixá-la à mercê desse
mau tempo. Dispensei meu motorista Berth, para eu mesmo guiar.
— Dizem que vem um ciclone extratropical sobre o estado — Ela
diz depois de um trovão ressoar.
— É, estava vendo essa notícia mais cedo, tem medo de
tempestades?
— Posso afirmar que não é meu cenário favorito.
— Nem o meu.
O silêncio retorna por alguns quilômetros.
— Então, não tivemos tempo de falar sobre a adaptação à nova casa
nesses dois dias, como Juliete está?
AnneLiz pouco à vontade no banco do carona me analisa
timidamente com o olhar.
— Teve uma febrezinha noite passada, o emocional dela está
tentando se adaptar. — Ela sorri sem graça. — Juju faz muitas perguntas
das quais tento responder da melhor forma sem traumatizá-la ainda mais e...
— O que foi? — pergunto ao perceber que me encara de modo
estranho.
— Você está prestando atenção no que estou falando!
— Lógico, se eu perguntei sobre Juju é porque eu realmente quero
saber. Se fosse para puxar assunto, eu diria que o vermelho lhe cai muito
bem.
Ela desvia para a própria blusa e me olha de volta segurando um
sorriso tímido.
— Então? Continue, estava falando da minha amiguinha.
— É... Minha filha adorou o boneco do Harry, ela dormiu agarrada
com ele. Acho que foi por isso que dormiu umas boas horas naquela
primeira noite. Obrigada foi muita gentileza da sua parte.
— Imaginei que estivesse ouvindo os gritos que ouvi do lado de
fora, ela devia estar amedrontada.
— Ficou muito assustada. — Melancolia nubla seu rosto.
— Depois eu entrei e compliquei ainda mais torcendo o braço do pai
dela. Ela deve ter ouvido algo, não queria que me visse como o homem mau
que feriu seu pai.
— Você o feriu? — Seu tom é apenas curioso.
— Menos do que ele merecia.
O sorrisinho de satisfação me acalma.
— Então fiz uma ligação ao meu motorista enquanto vocês
carregavam os móveis e caixas, pedi que comprasse o Harry Potter mais
bonito que encontrasse.
AnneLiz fica sem jeito e se concentra na paisagem chuvosa do lado
de fora, distraída com a janela.
— Por que você faz isso? — pergunto.
— Faço o que?
— Economiza assunto, não diz o que realmente quer falar. Já
percebi você no refeitório com os colegas, conversa muito.
Seu olhar encontra o meu e me estuda de modo sério por alguns
segundos.
— É impressão sua.
— Não, não me engano com as pessoas. Não gosto que fuja de mim.
Por fim, estaciono diante do prédio e desligo o motor.
— Não tô fugindo — ela tenta abrir a porta.
— Você não vai sair desse carro se eu não quiser que você saia. —
Falo firme, mas não em tom de ameaça.
— O quê?
Apoio o braço no volante para melhor avaliar suas reações.
— Você não sai do meu carro! — Ela inspira profundamente. — Até
me falar porque foge, você não sai.
Suas mãos nervosas alisam a saia.
— Veja bem, Liz, tô tentando me aproximar, coisa que não faço por
uma mulher há anos. Essa é a segunda vez que me interesso por alguém,
então quero saber o motivo por ser rejeitado dessa forma?
— Não é isso! ... Olha só, você é meu chefe, não quero ter
problemas com meu emprego, eu tô numa fase horrível da minha vida,
tenho uma filha em formação vivendo um turbilhão.
Chateado, destravo a porta. Preciso me conformar com essa
resposta. Tenho meu orgulho, já fui sincero e acho melhor não insistir.
— Boa noite, AnneLiz. Pode ir. Vou esperar você abrir o portão em
segurança.
Com lábios apertados e testa crispada, acena um boa noite breve e
sai. Decepcionado, acompanho seus movimentos, não dou partida no motor
até que ela abra o portão de ferro e esteja segura. Mas porra! Parece que
emperrou e a chuva começa engrossar. De repente ela volta pisando duro e
abre a porta do veículo com cara amarrada.
— Tem duas coisas que preciso falar! — brava essa mulher me dá
um tesão do caralho. — Além de tudo o que já disse, você me intimida, me
deixa tímida, nervosa, coisa que eu não estou acostumada. Fico tentando
disfarçar tudo isso enquanto estou perto de você… — suspira longamente.
— Não sei como agir, Sebastian, essa é a verdade.
Os cabelos de Liz grudam na testa e ombros e a blusa vermelha
molda tão lindamente no corpo que não consigo parar de olhar para sua
figura perfeita molhada de chuva, molhadaaa! Porra!
— E a outra coisa que quer falar?
— Que vou fazer pizza de marguerita para o jantar, para animar
Juju. Senão se importar em jantar um pouco mais tarde, gostaria muito que
subisse e comesse com a gente. — O sorrisinho sem graça dá vontade de
gargalhar, mas me contenho.
Essa mulher vai me deixar maluco, em um minuto me dá um fora e
no outro me convida para jantar.
Saio do carro e aciono o alarme, não importa que pisei numa poça
d’água ao circular o veículo, nem os pingos gelados encharcando meus
cabelos e blazer. Paro na sua frente enquanto a chuva faz seu show.
— Aceito o convite, mas antes... — Os cílios molhados piscam
pelas gotas ao me encarar a centímetros dela, sem demora agarro sua nuca e
a beijo.
Nada de beijo suave, ou carinhoso, mostro a ela o quanto desejo
isso. Exploro sua boca chupando a língua com voracidade. Mordo o inferior
ouvindo o gemidinho quase inaudível. Liz se entrega ao beijo e me abraça,
colando nossos corpos. É como se a chuva lavasse toda a tensão e incerteza
que há entre nós.
— Agora podemos entrar — falo ao me afastar e tirar o blazer para
cobri-la.
Andamos rápido até o portão, enquanto ela abre sorri abanando a
cabeça.
— Não acredito que fiz isso.
— Está arrependida de se envolver com o chefe?
— Oh, meu Deus! Não fale desse jeito! Fico ainda mais culpada.
Abraço seu corpo por trás e beijo seu pescoço.
— Se apresse porque vamos pegar um resfriado.
Finalmente o ferrolho gira e entramos sob o coberto que leva as
escadas.
— Não pensou nisso quando me beijou embaixo desse toró de água.
— E correr o risco de você fugir outra vez?
— Bobo. — Dessa vez é ela quem me guia para seus lábios.
Subimos os dois lances de escada aos beijos. Porém, ao chegar
próximo aos dois apartamentos nos comportamos. Assim que toca a
campainha, uma senhora de cabelos claros e curtos abre.
— Meu Deus! Vocês estão encharcados!
— Oi dona Matilda, esse é Sebastian, meu chefe. Ele me deu carona
e o convidei para jantar. Juliete onde está?
— Está brincando com minha netinha.
Ouvindo a voz da mãe a menina aparece com a amiguinha.
— Mamãe! Seba! Vocês pegaram chuva?
— Oi Juju.
— Um pouquinho, querida. É melhor irmos para casa preparar o
jantar, mamãe precisa tirar essa roupa.
— Depois eu posso voltar e brincar mais um pouquinho?
— Não sei, meu bem. Se dona Matilda não for dormir cedo.
A senhora baixinha toma a palavra.
— É claro que ela pode vir. E você rapaz, precisa trocar essa roupa.
Tenho um conjunto de moletom do meu filho, pode usar enquanto coloco
esse seu traje na secadora. Sei que Anne não vai poder te ajudar nisso.
Olho para AnneLiz que me incentiva com o olhar. Entro no
apartamento simples da senhorinha enquanto Juju vai com a mãe.
— Pode tomar uma ducha morna, é bom se aquecer um pouco
depois desse banho de chuva gelada.
— Obrigado, a senhora é muito gentil.
— Que nada, se trata bem a Aninha já ganhou minha confiança. Vou
buscar a roupa e deixo ao seu alcance.
A tal Matilda me guia e me banho rapidamente, o conjunto de
moletom azul marinho caiu certinho. A mulher explica que o filho tem
minha estrutura física. Antes que eu saia ela me agradece.
— Obrigada pelo que fez por Anne. Juliete me contou como
defendeu a mãe. Nunca fui com a cara daquele Rodriguez. O pai da Anne,
que Deus o tenha, não gostava dele. Lembro bem que no dia do casamento
ele bebeu um pouquinho além e desabafou com a esposa, comigo presente
na mesa.
— A senhora sabe se alguma vez ele a machucou?
— Não, que eu saiba. Mas seu George dizia que a filha estava
perdendo a essência ao lado dele. A menina sempre foi alegre, gostava de
roupas bonitas, vestidos, maquiagem, dançar e aos poucos foi deixando de
usar e fazer o que gostava. Ele a fazia se sentir menos, criticava tudo. E
quando ela engravidou da Juliete fez com que Anne renegasse qualquer
desejo ou vontade de fazer algo por si mesma. Dizia que agora mãe, ela não
era mais uma mulher que podia fazer o que quisesse, ela era uma mãe de
família. Meu Deus, a menina tem só vinte e três anos!
— Como sabe de tudo isso? São parentes?
— Não, eu sempre fui amiga dos pais dela e por muitos anos babá
de Anne. Aquele traste foi o único namorado dela e quando engravidou, o
encostado deu um jeito de casar. Antes tivesse fugido. Mas George era bem
de vida na época, acho que ele pensou que Anne herdaria algo como filha
única. O câncer levou quase todo o patrimônio dele. Só restou a casa da
viúva e a pequena poupança que AnneLiz deu entrada na casa.
— Tudo vai se resolver. Aquele barata branca não vai incomodar,
vou garantir isso.
A vovozinha abre um sorriso me guiando para porta.
— Meu sexto sentido não me enganou, agora vá jantar. Não a deixe
esperando.
— Obrigado pelo banho e pelas roupas.
— Depois volte buscar seu terno.
— Ok.
Bato na porta da frente e Juju atende.
— Entra, Seba! Está atrasado.
— Ah, desculpe senhorita, precisei tomar um banho.
— Está bonito de moletom.
O aroma delicioso de manjericão está por toda a parte, até porque a
sala é conjugada com a cozinha. AnneLiz se aproxima, percebo que
também tomou banho. Está com uma blusa cinza e uma calça fina escura.
Me pego a pensar no que a mulher falou. Poucas vezes a vi com roupas
coloridas. Tudo é tão pálido e pastel. Hoje me surpreendi com a camisa
vermelha.
— Logo vai ficar pronto. Espero que não se importe de esperar no
sofá.
A melancolia do apartamento modesto fica evidente em seu rosto.
Noto seus olhos desviando-se rapidamente do ambiente, como se quisesse
esconder algo. A modéstia do local não combina com a graciosidade dela.
— Não é muito espaçoso, mas foi o que pude arrumar — murmura,
visivelmente envergonhada.
Tento disfarçar minha preocupação com um sorriso, mas o ambiente
sombrio e a escassez de espaço não me passam despercebidos. Ela merece
mais. Muito mais. Isso não está certo. AnneLiz não merece viver nessas
condições.
— A comida está cheirando muito bem — comento ao me acomodar
na poltrona de três lugares.
— É a pizza — diz Juliete batendo palminhas.
— Percebi que ama pizza, Juju.
— Amo, muito mesmo. E mamãe fez um montão, porque amanhã
é...
— Foi só a massa, deixei umas prontas pra facilitar. Aí guardo
assadas no congelador. Depois é só montar com os recheios. Na verdade,
cozinhar é uma terapia para mim.
— Ontem você precisava desestressar e fez comida?
— É meu jeito de coabitar com meus problemas e uma forma de não
ter um ataque de pânico — fala ao arrumar a mesa dando pouca importância
para o assunto.
Juju se aproxima e senta-se ao meu lado.
— Você gosta de pizza, Seba? Qual é sua preferida? É marguerita
também? Ou é outra?
— Julieteeee! — a mãe chama atenção enquanto acho graça da
pequena curiosa.
— Tá bommmm. Seba, posso perguntar uma coisa?
— Pode espertinha, o que quer saber?
— Você gosta da pizza de marguerita assim como eu?
— Gosto, mas tem uma que eu gosto mais.
— E qual é?
— Queijo picante. Tem que ter muita pimenta.
— Pimenta dói a língua, eca!
— Faz bem pro coração, sabia.
— É verdade, mamãe? Pimenta faz bem?
— Para adultos com moderação faz bem. Criança tem que ter
cuidado, melhor não experimentar.
— Eu nem queria mesmo! — Ela faz um bico para a mãe que a faz
rir.
— Venham jantar, crianças!
Juliete se empolga rindo ao ouvir a mãe me chamar de criança.
— Você não é criança — A risada se mistura a voz e provoca um
ronquinho anasalado.
Sentamos os três à mesa, AnneLiz coloca a forma com a pizza sobre
ela. Repleta de queijo, desenhada com tomate e manjericão. O visual e o
aroma estão fantásticos.
— Acho que nunca vi uma pizza mais bonita que essa!
— Exagerado! — Mas o sorriso orgulhoso me satisfaz.
— E mais deliciosa, eu duvido. Minha mãe é a melhor!
O afeto entre mãe e filha é tão evidente que deixa a gente feliz
somente pela possibilidade de testemunhar algo tão genuíno. Enquanto
partilhamos o jantar à luz suave da sala, Juliete continua a contar as
maravilhas do seu dia, expressando-se com a inocência cativante das
crianças.
Liz, com sua habilidade materna, responde a cada história com um
sorriso afetuoso.
Esse retrato de aconchego me deixa grato por ser parte de algo tão
autêntico e caloroso. Cada gesto permeado por risos e cumplicidade, me
fazem refletir sobre a simplicidade que compõem o tecido das relações
familiares e a diferença com relação a minha família.
A conversa flui de maneira descontraída, enquanto AnneLiz serve
mais um prato, percebo como o amor entre elas não é apenas palpável, mas
uma força que transforma cada refeição em um ritual especial.
— Mãe, posso brincar mais um pouquinho com Tiana? — pergunta
assim que termina a última garfada.
Liz me olha com uma expressão indecifrável.
— Vou perguntar por mensagem se dona Matilda vai dormir cedo.
— Obaa!
Ela tecla no celular, enquanto coloco os pratos na pia. Merda! Essa
cozinha é minúscula. Não é adequada para AnneLiz se divertir com as
iguarias, não mesmo!
Ouço as instruções dela para a filha que pode ficar uma hora no
apartamento em frente.
— Vai levar o Harry para brincar com Tiana?
— Não, mamy! O Harry é especial, não pode brincar com outras
pessoas, só comigo.
— Ah, ok!
— Seba, você vai estar aqui quando eu voltar?
— Claro que sim. Vou ajudar sua mãe a lavar a louça.
— Uau! Você é muito legal né, mãe?
— É sim, agora vamos que vou levar você ali, senão fica muito
tarde.
A menina dá um tchauzinho e sai. Sem as duas observo melhor o
pequeno espaço. Os móveis são bons e bem-cuidados, um desperdício em
um lugar como esse.
Porém, não tenho muito tempo para analisar as infiltrações e papel
de parede gasto, porque AnneLiz retorna e vai direto para a pia.
— O jantar estava perfeito, obrigado. — Ando uns passos até ela.
— Era só uma pizza, Sebastian.
— A melhor pizza que já comi em anos.
Ela estreita os olhos, mas seu jeito em prender o sorriso me diz que
gosta dos meus elogios.
— Onde está a toalha, vou ajudar a secar os pratos.
— Não, você é visita. Além do mais, você não é homem de
trabalhos domésticos.
Vou em busca da toalha de pratos fingindo indignação.
— Quem você acha que lavava e secava os pratos quando eu vivia
na Suíça?
— Você? Ah, fala sério!
— Então observe, sabichona.
O clima divertido segue até eu terminar a tarefa, sob seu olhar
debochado.
— Muito bom trabalho, estou impressionada!
— Só isso? — deixo a toalha de lado.
— Obrigada pela ajuda.
— Precisa melhorar isso, para cada louça um beijo, afinal eu estava
tão sem prática que fiquei exausto.
Ela se aproxima alisando meus ombros com um sorriso franco nos
lábios.
— Como você só mostrou esse lado fofo agora?
— Eu? Fofo? Não. — Agarro sua cintura a conduzindo até a
poltrona de três lugares. — Tenho péssimas intenções com você,
pimentinha. — Cubro seu corpo com o meu.
— Precisamos ficar atentos, Juju pode voltar a qualquer momento e
nos pegar de sacanagem no sofá.
— Não se preocupe, nada vai acontecer esta noite.
— Não? Você... Não quer? — pergunta com a insegurança nublando
o olhar.
Se eu quero? Eu a comeria na mesa do meu escritório, um dia vou
realizar isso.
— Pelo contrário, quero você desde que a vi. Mas sou um
cavalheiro e costumo degustar o que como.
Levo um tapinha no ombro.
— Sebastian! Que sem vergonha!
— Você perguntou se eu não te queria, apenas respondi. — Beijo
seu pescoço vagarosamente sussurrando ao ouvido: — Nós vamos foder,
Liz, e você vai me sentir a semana inteira. Porque eu não vou parar até me
saciar de você. — Agarro sua nuca para me encarar tomando seus lábios
com ganância. A voracidade é um caminho sem volta que ela corresponde
abrindo as pernas para me acomodar melhor.
Remexe o quadril sentindo a dureza do meu corpo por ela se
esfregando mais e mais. Seu calor, mesmo de roupas, me alucina. O
perfume bom de sua pele me envolve a ponto de querer mordê-la.
— Sebastian — suspira buscando fôlego enquanto traço seu pescoço
com beijos e chupões. — Temos que ir devagar.
Ela enfia as mãos por dentro do meu moletom e arranha minhas
costas. Fazendo com que eu friccione pressionando ainda mais o pau já
dolorido.
— Você não está ajudando nisso, Liz.
— É que está tão bom!
Não resisto a explorar sua pele por dentro da camiseta, a renda da
lingerie me impede de sentir o seio macio, mas o massageio mesmo assim
tirando gemidos deliciosos dela.
O mamilo durinho é um convite para o meu polegar que rodeia
ansioso imitando a vontade da minha língua em participar.
Ela me beija voraz, necessitada de alívio, me deixando fora de
controle.
— Diz que tá pronta pra mim, Liz. Diz que quer tanto quanto eu.
— Eu quero! Sebastian! Quero você!
De repente as vozes abafadas no corredor da senhorinha e Juliete
nos alerta da situação. Salto do sofá ajeitando o moletom e Liz baixa a
blusa, correndo os dedos por seu cabelo longo, melhorando as ondas
castanhas bagunçadas.
— Mãe, posso dormir com a Tiana? — diz a menina assim que abre
a porta. — Por que você está vermelha?
— Vermelha? — põe as duas mãos no rosto tentando disfarçar. —
Impressão sua, querida.
— Então, posso dormir na dona Matilda?
— Não, senhorita! Você não tem idade para dormir fora de casa.
— Trouxe sua roupa, rapaz. A secadora fez um bom trabalho porque
estava apenas úmida.
— Agradeço a gentileza, dona Matilda. Vou deixar as do seu filho
aqui. — Pego das suas mãos as roupas dobradas ainda mornas da secadora.
— Não se preocupe com isso, pode trazer outra hora. Vou me
recolher agora, boa noite para vocês.
Nos despedimos dela confirmando que a velhinha percebeu nosso
amasso. Juju emburrada permanece de braços cruzados na poltrona pequena
do canto da sala.
— Filha?
— Eu queria dormir lá. A gente ia fazer uma tenda de cobertor. — O
bico é muito engraçadinho.
— Outra hora eu faço uma tenda aqui para assistir filme, que tal?
— Hoje?
— Hoje não dá, filha. Nossos cobertores grandes estão nas caixas
ainda. Fim de semana eu providencio.
Meio contrariada a loirinha dá um meio sorriso.
— Você vai assistir o filme com a gente antes de ir, Seba?
Olho para Liz sem saber o que responder.
— Nós temos um ritual. Colocamos Harry Potter antes de dormir,
depois a levo para a cama.
— Posso ficar?
— Pode.
Juliete corre para o quarto e volta agarrada ao boneco do
personagem. Senta-se na poltrona e nos chama. Acabo me acomodando
entre as duas para assistir o bruxinho. Em cinco minutos de filme, sou o
único telespectador acordado. Os ronquinhos das duas apoiadas em mim,
me transportam para uma cena que nunca vivi antes. A experiência
transcende o rótulo de homem de negócios, recordando uma humanidade
que muitas vezes escondo dentro de mim.
Observo AnneLiz e Juliete acomodadas ao meu lado. É uma visão
única, um vislumbre do que significa realmente pertencer, não aos altos
escalões de uma empresa, mas a algo infinitamente mais valioso: uma
família.
Entre as respirações pesadas das belas adormecidas, descubro um
novo significado para a palavra “lar”.
Lar não é aonde, é com quem.
Com cuidado para não acordar a mãe, levo a filha até a porta que
acho que é o quarto delas. Me deparo com apenas a cama de casal montada,
sem espaço para a cama da menina que comprei dias atrás, AnneLiz está
dormindo com Juju.
Não é só isso. O guarda-roupas também não está montado. Caixas
empilhadas de móveis sem montar tomam uma parede, deixando o cômodo
quase claustrofóbico.
Preciso tirá-las desse lugar!
Acomodo a menina na cama cobrindo com o cobertor. Volto à sala e
desperto a mãe.
— Ei, desculpe, eu adormeci.
— Tudo bem, estou indo para casa. Tem certeza que aqui é seguro?
Vocês vão ficar bem?
— Claro que sim. Vou acompanhá-lo até lá embaixo e trancar o
portão.
— Nem pensar! Me dê a chave extra do portão, eu mesmo tranco e
devolvo amanhã.
Sem questionar ela desprende a chave do chaveiro e me acompanha
somente até a porta. Um beijo de boa noite depois, estou no carro a
caminho de casa.
É errado sentir vontade de levar as duas para morar na minha
mansão? Aqui não é seguro para elas e lá teriam todo o conforto e
segurança, além de que a cozinha é enorme. O forno a lenha teria utilidade.
Juju poderia ter uma dúzia de cãezinhos, um quarto só dela com uma
coleção de bonecos do Harry Potter.
Merda! Não! É muito cedo para pensar em propor isso a ela,
Sebastian, se acalme! Ou será que ela aceitaria?
No trajeto para o trabalho esta manhã, uma tensão toma conta dos
meus pensamentos. Ontem foi uma situação inesperada, sei que me
envolver com alguém nesta fase que estou enfrentando é complicado, mas
tô encantada demais com Sebastian para resistir.
Nunca senti por ninguém o que sinto perto dele. Ando sempre com
aquele friozinho bom no estômago, aquela ansiedade gostosa por estar na
sua presença e uma vontade louca de descobrir o que aquele homem pode
me proporcionar de prazer, porém, quase ser flagrada por Juliete, acendeu o
alerta de que preciso ter os pés no chão.
Somos de mundos totalmente diferentes, não sei realmente quais
suas intenções comigo, posso apenas ser mais uma diversão para ele, não
acredito que queira uma família já formada, uma filha que nem é dele!
Mas, o que faço com todos esses sentimentos confusos que
perturbam tanto minhas emoções? Já que não consigo decidir, o melhor a
fazer é ir com cuidado para evitar sofrimentos maiores no futuro.
Diante do prédio do meu trabalho, respiro fundo antes de entrar, não
é um dia comum hoje, nem um dia bom para tomar decisões precipitadas,
mesmo assim, o dever me chama.
Entro, dou um bom dia não muito animado ao porteiro e paro diante
ao elevador que vem do estacionamento apreensiva. Ao abrir as portas,
revela Sebastian em seu terno ajustado de grife com um sorriso satisfeito
por ter me encontrado tão cedo. Cabelos e barba alinhados e o perfume
cítrico maravilhoso que eu adoro. Por que será que de repente a temperatura
aqui dentro ficou tão quente?
Após um sorriso largo, sou puxada para dentro de encontro ao seu
peito, logo me lasca um beijo sem aviso enquanto as portas se fecham…
É uma pegada firme na nuca, gosto desse jeito, demonstra uma
propriedade sobre mim. Os lábios são exigentes, devorando de uma maneira
que parece que não me vê há dias. Desejo, fome e urgência que acelera meu
coração e me deixa mole. Sebastian não é calmo, não! É a dominância em
ação, sinto cada parte de seu corpo em contato com o meu. É uma loucura
porque quero me despir e transar com ele aqui mesmo. Merda! Estamos no
elevador!
Afasto-me ao ouvir o plin da chegada ao próximo andar. Toda
descompensada, agradeço mentalmente que ninguém subiu quando as
portas se abriram.
Ajeito os cabelos rapidamente.
— Sebastian, acho melhor manter a discrição aqui no trabalho. —
Sinto-me corar com a surpresa do beijo.
— Hum. O conto de fadas para você termina de manhã?
— Não é isso! É...
— Já entendi, não precisa explicar. Tem razão.
Merda! Merda! Merda!
Ele se ofendeu e justo hoje que é o dia que mais odeio na face da
terra. Será que só hoje não consigo manter a boca fechada? Pare de ser
precipitada, AnneLiz!
Meu aniversário nunca foi algo que eu celebrasse. A ideia de
enfrentar o dia que deveria ser de comemoração é na verdade um
camalhaço de recordações ruins e angustiantes.
Não contei a ele sobre essa data especial, e agora a culpa se aloja em
meu peito de ter sugerido não contar sobre nós na empresa.
Fico triste por ter sugerido o sigilo sobre nossa relação no trabalho,
mas sei o quanto isso pode me prejudicar durante o processo de guarda de
Juliete. O mundo é machista e ao assumir um relacionamento tão repentino
pode me custar muito. Sebastian não entende como é ser mulher e construir
degraus de reconhecimento por tudo o que fizemos sem ser vista como
“amante do chefe.”
O clima azedou, totalmente, e ao chegarmos no andar da nossa sala,
ele sai do elevador feito um foguete como se não quisesse mais
interagir com ninguém.
Quando passo por Simba no balcão da recepção, ele questiona
espantado:
— O que deu nele?
— Longa história, bom dia. — Deixo claro meu humor no sorriso
forçado, para que a conversa não se prolongue.
— Bom dia. Eu hein?! Pelo visto o dia vai ser daqueles!
Ao cruzar a porta do escritório, a sensação de que o magoei me fere.
A culpa também é por não ter partilhado esse pedaço de mim com
Sebastian, poderia ter contado ontem, mas as coisas aconteceram rápido
demais. E agora o genioso está bravinho porque pedi cautela no trabalho,
imagine quando descobrir que não contei sobre o meu aniversário? As
teorias vão se multiplicar.
— Trouxe suas roupas que você esqueceu — tento iniciar um
assunto.
— Pode deixar ali no puff cinza.
Ando até o pequeno banco de veludo. Concentro-me no trajeto e no
puff para acalmar meus nervos. É o único móvel da sala que não é clássico,
mesmo com uma cor sóbria, parece mais uma poltrona sem apoio para as
madames do século XVII se olharem no espelho da penteadeira. A
impressão é que Sebastian tem um apego pelo móvel. Inúmeras vezes o vi
acomodado nele, degustando um café.
— Sebastian, eu...
— Vamos agilizar os últimos detalhes da próxima apresentação dos
projetos para o Brenner? É bom que o velho gostou de você, assim
fechamos logo o contrato.
— Sim, senhor.
Vou para a minha sala puta da vida! Estraguei tudo! Mas não é ele
que será alvo de fofocas quando souberem do nosso caso.
Já posso ouvir as tagarelas: ‘Olha lá, disse que não estava dando pro
chefe, mas é uma mentirosa.’ ‘Falei que ganhou o cargo com a boceta.’
Isso é azar de aniversário, só pode!
A ansiedade, que começou como uma sutil inquietação, agora se
transformou em uma bola de neve com um toque de pretensão a causar um
desastre. E o que previa isso, era ver meu CEO frio igual uma pedra de gelo
a manhã toda. O que pode mais dar errado nesse dia? Retorno meus
pensamentos ao trabalho, porém eles flutuam entre as lembranças que a
data traz.
No horário de almoço quando saí, ele ficou trabalhando, sentado
diante sua imponente mesa, fingindo nem notar minha presença. No
refeitório, os três de sempre se juntam a mim na mesa. Mia, Simba e
Esteves. Com meu prato servido, faço preces silenciosas enquanto almoço
para que ninguém lembre do meu aniversário.
Ainda mais quando vejo meu chefe chateado entrar, se servir e
sentar sozinho na mesa perto da janela. Deveria sentar com ele, pedir
desculpas, embora ache que não deva nenhuma e explicar minha visão
sobre nosso relacionamento e meu súbito estado de mau humor, isso seria o
mínimo que uma mulher apaixonada faria. Mas e se ele não gostar? Foda-
se! Preciso expor meu ponto de vista sobre a situação. Quando enfim tomei
coragem, me levanto da cadeira para ir até lá, sou interrompida por Mark,
com um sorriso aberto e uma pequena caixa nas mãos com um balão atado
nela.
Puts! Nãoooo!
— A aniversariante mais linda dessa empresa merece uma
lembrancinha!
— Ah, amiga! Juro que me esqueci!
E a comoção é geral, Mark me puxa para um abraço que aceito com
um sorriso sem graça. E o coro de parabéns para você ecoa no refeitório. Só
quando me soltam dos abraços vejo meu chefe saindo apressado do
refeitório.
Desabo na cadeira sob as conversas paralelas. Odeio esse dia, odeio
com força!
— Você não vai abrir meu presente?
— Tenho certeza que vou adorar, Mark. Todos os anos você me
presenteia com uma caneta nova, pelas minhas que roubava no setor quando
trabalhávamos juntos.
Ouço Simba no telefone respondendo alguém com monossílabos.
Será que era Sebastian?
— Era o chefe? — tento não estar muito interessada, mas morrendo
de curiosidade por dentro.
— Era. Só avisando que não volta à tarde.
— Ah.
— E pediu para você ficar até às seis horas porque Brenner vai ligar
e ele quer que você converse com o velho.
— Tudo bem. Vou até minha sala, ligar para Matilda ficar com
Juliete para mim.
— Sim, vai lá.
Enquanto a tarde enfadonha se desenrolava, uma incerteza se
formava sobre a situação com Sebastian. Será que ele foi pra onde? Sei da
agenda dele, não tinha nenhuma reunião fora da empresa.
Ele saiu e nem sequer olhou para a nossa mesa. Será que consegui
deixar ele ainda mais chateado?
Cada vez que olho pelo janelão da minha sala, a tarde vai se
tornando mais escura e cinza. A meteorologia fez um novo alerta esta
manhã. Ventos vindo do mar, trarão novas tempestades. Tenho um pouco de
medo de tempestades.
E é exatamente o que ocorre, o clima fica sinistro. Não tem como
sair durante essa tempestade! A tardinha rapidamente anoitece, raios ao
longe riscam o céu e o vento sacode as plantas maiores como marionetes.
Como irei para casa, Deus do céu! Faltam quinze para as seis e todo mundo
já saiu.
Dona Matilda me envia mensagem que buscou Juliete na escolinha e
já estão lanchando, não é para me preocupar.
— Graças a Deus!
O som da porta da sala principal abrindo me assusta, vou até lá e
vejo meu chefe tirando o blazer molhado.
— Você voltou? — alívio é o que sinto ao vê-lo.
— Infelizmente vai ter que suportar minha companhia por alguns
minutos. O trânsito está inviável, precisei entrar no estacionamento.
De repente todas as luzes se apagam e os geradores começam a
funcionar deixando a iluminação de emergência fazer seu papel de deixar o
cenário a meia luz, muito mais assustador.
— O que... Houve! Meu Deus! Odeio tempestades!
— Calma, vou ligar para os seguranças no térreo e verificar.
Ele conversa alterado no telefone enquanto ando de um lado para o
outro. Cada estrondo de trovões do lado de fora, me assusta e escondo os
ouvidos com as mãos.
Lembro na infância que tinha ataques de pânico pelo medo de
tempestades. Na vida adulta nunca tive, é uma benção.
Quando Sebastian desliga o telefone, afrouxa a gravata e a tira
jogando sobre a mesa.
— E então? — Minha voz aflita denuncia meu medo com a
tempestade que assola a cidade lá fora.
— Uma árvore antiga caiu em frente à saída do estacionamento,
derrubou o poste de energia. Ninguém sai ou entra na empresa de carro.
Estamos ilhados aqui sem previsão de partir.
— Não posso passar a noite aqui!
Seu riso debochado não me passa despercebido.
— Claro que não! Boa sorte para ir embaixo dessa tempestade com
meia Califórnia no breu.
— Por que está sendo tão escroto?
— Não tenho culpa se a defesa civil mandou ficar onde está.
— Cínico!
— Mentirosa!
Dou três passos e paro diante dele furiosa.
— Do que me chamou?
— Mentirosa, disse que queria manter a discrição no trabalho, mas
fez um monte de pizza e convidou o pessoal para uma festinha na sua casa.
Inclusive não me contou do seu aniversário para que eu não fosse. É mais
fácil ficar com Mark lá, né?
Estalo um tapa na cara de Sebastian que o surpreende. Ele caminha
para trás com a mão na bochecha.
— Você é louco! Mimado, arrogante, riquinho de merda! Julga as
pessoas sem saber, igual a todo mundo aqui! — Na hora da raiva, nem me
passou na cabeça a ordem da sua hierarquia na empresa. Pois meu pânico é
com relação a minha filha que está em casa.
— Você me estapeou?
— É, eu te estapeei pra você calar a boca! Quem você acha que eu
sou pra me insultar dessa maneira?
— Eu vi o assanhamento no refeitório!
— Machista!
Ele se aproxima, mas não recuo um passo sequer.
— Não sou machista!
— Não é? O que você viu lá?
— Eu vi ele te presenteando, te abraçando. Você estava até em pé de
tão empolgada, tão íntimos. Lembro muito bem do elevador, aquela vez a
carona que ele ofereceu.
— Puta merda! Você é muito burro!
Chacoalho a cabeça sem acreditar, viro de costas preferindo olhar os
raios riscando o céu pela vidraça do que a cara de pau.
— Você me chamou de burro, AnneLiz?
A voz próxima a mim, me diz que ele diminuiu a distância e vai me
esganar. Giro para olhar os olhos castanhos furiosos.
— Você é burro ou cego. Eu estava em pé porque ia naquele
momento almoçar com você na sua mesa e tentar expor minha visão sobre
tudo o que está acontecendo e principalmente, falar sobre meu aniversário.
Ontem aconteceu tudo muito rápido, é claro que ia chamar você para jantar
conosco, mas justo naquele maldito momento, Mark apareceu e relembrou
todo mundo do pior dia do ano. Meu aniversário.
— É bem plausível agora essa desculpa, AnneLiz — debocha
cruzando os braços.
— Acredite no que quiser! — Dou a volta em direção a minha sala.
Penso em me retirar, mas desisto no meio do caminho quando um trovão
ecoa parecendo sacudir o edifício.
— Não tenho motivos para me justificar, mas farei, porque sou boba
e me apaixonei pelo homem errado. — Ando até meu chefe calmamente e
olho bem para seu rosto barbado. O nariz inflando de raiva e lindo pra
cacete, todo arrogante e cheio de si. Parece que irritado fica ainda mais
gostoso!
— Entrei aqui nessa empresa há quase seis anos, já era casada, e
ouvi incontáveis cantadas de colegas e chefes, inclusive de Mark. Aprendi a
manobrar e recusar todas as investidas de cor e salteado. Apesar de não ser
apaixonada pelo meu ex-marido, fui fiel, em troca levei um par de chifres.
Acha que agora que me apaixonei pela primeira vez, faria uma festa sem te
convidar com o intuito de te trair? Com minha filha em casa? Te pergunto
novamente, Sebastian Latarge, quem você pensa que eu sou? Minha maior
preocupação é estar aqui, presa com você ao invés de estar em casa com
minha filha a protegendo.
Pensei que ouviria uma desculpa. Mas o idiota ainda provoca e
parece adorar quando fico brava.
— Está preocupada só com sua filha? Tenho certeza que ela está
sendo bem cuidada pela senhorinha sua vizinha. — dá uma risada da minha
cara de ódio. — Agora, seja sincera. Você está apaixonada por quem,
AnneLiz? — a postura me analisando, deixa meus olhos marejados.
— Por você, seu trouxa! — baixo a guarda. Ele tem razão, Juliete
está bem e nós dois precisamos nos acertar.
— O que mais eu sou? — ele diminui a distância a cada resposta
que dou.
— Arrogante!
— O que mais?
— Burro! Cego!
Quando chega na minha frente, encosta o nariz no meu.
— Esqueceu de uma coisa.
— O que? — minha voz não passa de um sussurro vacilante.
— Ciumento pra caralho!
— É?
Sebastian me abraça e beija minha boca violentamente. De uma
forma tão possessiva que tira meu fôlego, depois beija meu queixo,
mordisca e lambe, voltando a beliscar meus lábios de modo faminto, com
uma propriedade de quem é dono de cada pedacinho do meu corpo. É um
beijo que me deixa tonta, mole, rendida, totalmente derretida pelo homem.
— Nunca mais aquele Mark filho da puta, vai tocar em você, nem
oferecer uma água sequer, nem carona, nem sorrisinhos. Muito menos te
presentear. Mulher minha só eu posso mimar.
— Mulher sua? — pergunto vaidosa confortavelmente na jaula de
seus braços.
— Sim. E não aceito ser discreto, porra nenhuma! Você vai sair
daqui de mãos dadas comigo! Porque você é minha mulher.
— Sebastian! As pessoas vão falar que sou uma vadia que dá pro
chefe.
— Calúnia! Você não me deu ainda.
— Bobo. Você entendeu. Tirei a vaga de alguém porque me envolvi
com o CEO. É assim que vão falar.
— Demito quem ousar falar da minha namorada. Demito todo
mundo.
Começo a rir muito e ele aproveita para beijar meu pescoço.
— Sei que não é desse jeito, mas não vou deixar dúvidas que o que
temos é sério e não um casinho. Todos sabem o quanto você é uma
profissional excelente, falam porque tem boca.
— E se usarem nossa relação contra mim no processo de divórcio?
— A intensidade e segurança de seu olhar me agradam.
— Não vou permitir que isso aconteça, em primeiro lugar você será
representada pelo melhor advogado do país, o meu advogado. Não se
preocupe agora.
Aceito seu conforto com um meio sorriso.
— Fiquei chateado de manhã quando falou sobre sermos discretos, e
acabei vendo coisas onde não tinha.
— Percebi, mas você não me deixou explicar. É horrível ser alvo de
fofocas e ainda mais se duvidarem da minha competência em relação ao
meu cargo, foi só por isso que pedi para ir devagar.
— Meu primo tinha razão, há muito tempo não me envolvo com
ninguém e agora que encontrei você, não quero ir devagar, não me peça
isso, Liz. Nós vamos dar um jeito, confie em mim!
Afago seu rosto me sentindo uma deusa por essa confissão, mas
tenho medo de tudo o que pode acarretar essa relação.
— Comprei presentes e algumas coisas, por isso fiquei o resto da
tarde fora.
— Sebastian, não precisava disso. Essa data não significa nada de
bom para mim.
Ele me conduz para o puff cinza, senta-se comigo em seu colo e me
abraça.
— Por que a data do seu aniversário não é um dia feliz, pimentinha?
— Porque foi a data do meu casamento.
Ele franze a testa sem compreender meu desgosto.
— Eu nunca tive intenção de casar antes da graduação.
— Gastronomia.
— É. Mas em um passeio conheci Daniel. Tinha completado dezoito
anos fazia pouco tempo e curiosa me deixei levar. No início ele era gentil,
conseguiu me envolver. Meus pais não aprovavam um namoro sério tão
jovem. Queriam que eu aproveitasse a vida. Acho que um pouco de rebeldia
fez com que eu teimasse no relacionamento. Até que em um descuido,
engravidei. Meus pais não ligariam se eu não casasse, descobri muito tempo
depois. Mas Daniel colocou na minha cabeça que era o certo a fazer. Dar
um lar para o bebê, deixar meus pais felizes, então aceitei o casamento.
— Porra! Por que ele insistiu se você não estava disposta.
— Até hoje eu não sei. Ele não tem família aqui, nem vínculo. Dizia
na época que morava na fraternidade da universidade. Nem sei se tudo não
passou de invenção. Trancou a faculdade meses após o casamento. Meu pai
economizou para me ajudar a comprar a casa, mas já estava casada e como
Daniel trabalhava e ajudava nas despesas assinamos nós dois a compra.
Meu pai ficou possesso, disse que devia ter feito um acordo pré-nupcial.
— Seu pai era um homem inteligente.
— Era, via longe e não se enganava com as pessoas.
— Seu ex não trabalhava na firma que está? Engenharia civil, né?
— Não. Nunca parou muito tempo em um emprego. O atual até que
está durando. Com o tempo cobrei que precisava de mais ajuda, ele dava
desculpas. Colocava migalhas nas despesas, até que precisei deixar o
emprego de meio período e correr atrás de algo que sustentasse a casa e o
bebê. Não podia pedir ajuda aos meus pais. Os gastos com o tratamento do
câncer foram exorbitantes. Logo papai faleceu. Precisei trancar a faculdade
por falta de grana. Busquei um cursinho técnico para poder trabalhar em
algo que pudesse sustentar a casa.
— Porra! Que filho da puta esse cara! Imagino como foi difícil pra
você.
— Foi tudo ao mesmo tempo, o nascimento de Juliete, a morte do
meu pai, as contas chegando, Daniel se esquivando. Mas sempre com
promessas de que ia melhorar, que me amava. Mas não vivíamos mais
como um casal há tempos. Por isso na data do meu aniversário, lembro que
não devia ter me casado, recordo que escolhi a data justamente porque era
uma data feliz.
— Você não deve associar o seu aniversário com a sua escolha.
Quando lembranças ruins tentarem te afetar, procure recordar memórias
felizes anteriores. Quando você festejava essa data com alegria.
— É muito difícil. Parece que os tristes superam os felizes.
— Bem precisamos mudar isso imediatamente.
— Como vai fazer isso, Sebastian?
— Festejando com você. A tempestade já passou, podemos ir até
sua casa e chamar as pessoas para comemorar. Melhor, vamos buscar Juliete
e vamos fazer uma festa íntima na minha casa.
— Pare. — Abraço o homem tentando acalmar sua empolgação,
mas acabo achando graça da animação dele. — Você nem tem móveis lá!
— Quem disse? O velhinho dos Beatles mandou entregar a primeira
remessa. Tem um jogo de poltronas e tapetes, duas mesas com as
respectivas cadeiras. O que mais precisamos?
O meu CEO beija um selinho rápido, pega o celular do bolso e liga
para alguém. Pelo assunto e voz é o chefe de segurança que está no térreo.
— Ok Paul, então vá até meu carro, pegue todas as caixas e sacolas
que estão no porta malas. Traga até o décimo andar, pode chamar um
homem com você, pare no quinto andar na sala da enfermaria e traga a
maleta de emergência escrita PDE. Obrigado. Sim, estou na sala da
presidência.
Assim que desliga suspira alto.
— O que está acontecendo?
— A defesa civil não pode liberar a quadra do prédio. Estão se
mobilizando para reparar o estrago, mas postes foram prejudicados, caíram
levando outras árvores que precisam ser removidas. Teve fios rompidos e a
rua estava eletrificada até desligarem na central. Tem uma equipe
trabalhando na retirada das árvores. Previsão de normalidade apenas
amanhã cedo.
— Nós vamos passar a noite aqui?
— É a única alternativa.
— Preciso ligar para Matilda, minha filha não dorme tranquila sem
mim.
— Calma, não mostre nervosismo. Use meu telefone, quero
perguntar a ela se precisa de algo. Se a tempestade afetou de alguma forma
a residência de vocês.
Digito rapidamente o número dela:
— Alô, dona Matilda, sou eu, Anne. Estou ilhada no prédio da
Latarge, uma árvore caiu e fez um estrago na rede elétrica, não posso sair
daqui esta noite.
— Oh! Meu Deus! Você está bem?
— Sim, fique tranquila. Tô preocupada com Juliete, ela vai ter que
passar a noite com a senhora. Não tenho outra solução.
— Claro. Nem precisa se preocupar, nós vamos ficar bem, mas você
está sozinha no edifício?
— Não. Tem os seguranças e Sebastian que não podem sair sob o
mesmo motivo. Posso falar com Juju?
— Ah, que bom que tem companhia. — Juju sua mãe quer falar com
você. — Alô, mamãe?
— Filha, meu amor, a mamãe não pode ir para casa hoje à noite,
porque a tempestade derrubou uma árvore e não consigo sair. Você vai
precisar dormir com a dona Matilda ali na casa dela. Eu volto de manhã
cedinho quando os bombeiros retirarem a árvore.
— Mas é seu aniversário, mamãe! Eu fiz um desenho de presente
para você.
— Estou ansiosa para ver o meu presente. — Saio do colo de
Sebastian para secar o rosto emocionada. — Mas vai passar rapidinho, você
vai dormir umas horas e quando acordar estarei aí com você.
— Promete?
— Prometo.
— Quem tá aí com você, mãe? É o Seba?
— É o Seba.
Ele faz sinal que quer conversar com ela.
— Querida, ele quer conversar um pouco. Te amo, filha.
— Te amo, mamy.
Ele pega o telefone com um sorriso aberto. Me aproximo para ouvir
o que minha menina irá conversar com ele.
— Oi espertinha!
— Oi Seba! Você tá junto com a minha mãe aí?
— Sim, estamos bem, só não podemos sair do prédio.
— Sabe que minha mamãe fica triste no dia do aniversário dela,
toda vez é assim, mas eu sempre cuido dela. Você pode cuidar hoje à noite
para mim?
Oh, meu Deus! Sempre tentei disfarçar como esse dia me abala, mas
Juju percebeu e nunca falou sobre isso.
— Sim eu vou cuidar da sua mãe, não se preocupe.
— Seba, se você não cuidar bem dela, nós não seremos mais
amigos.
Sebastian ri, mas esconde a boca tentando suprimir a graça e não
deixar Juliete chateada.
— Jamais vou perder sua amizade, espertinha. Posso contar um
segredo?
— Pode, o que é?
— Comprei presentes para a sua mãe.
— Verdade? Mais de um? O que é?
— Amanhã cedo ela mostra para você, vamos tomar um café de
aniversário com ela, o que acha?
— Café de aniversário?
— É, com torta, docinhos e tudo o que temos direito.
— Eu quero!
— Juju, agora preciso conversar um pouco com dona Matilda, tudo
bem?
— Ok, boa noite, Seba, até amanhã.
— Até amanhã, espertinha.
— Alô. — Assim que Matilda o atende me afasto.
Sebastian me surpreende a cada dia. É inevitável perceber que a
maneira que se importa e trata minha filha é bem melhor que o próprio pai
dela. Tem um instinto protetor de cuidado conosco que nunca vi igual.
— Tem certeza que não houve nenhum dano no prédio? Tem energia
elétrica aí? — ele anda de um lado para o outro concentrado na conversa.
— Sim, sei que é um bairro de localização mais alta, ótimo que está tudo
bem. Se precisar de qualquer coisa esse telefone é o meu particular. Pode
ligar que mando um homem da minha confiança até aí. Certo. Para a
senhora também, boa noite.
O homem preocupado, responsável, sempre com a solução nas mãos
me agrada de uma forma tão avassaladora, que sinto vontade de ser dele
muito mais por esse motivo do que pela aparência, que é estonteante.
Macho gostoso! Como tive essa sorte? Ainda não acredito! Ando até ele e o
agarro pelo colarinho, lascando um beijo repleto de agradecimento.
— O que foi isso? — pergunta quando me afasto.
— Você é um homem surpreendente, Sebastian Latarge.
O sorriso convencido é interrompido por batidas na porta. Pulo de
susto, porque ainda estamos sob as luzes fracas dos geradores. Ele vai até lá
abrindo e permitindo a passagem dos três homens de terno. Cada um deles
trazendo caixas e sacolas nas mãos e uma maleta de metal.
Quando ficamos a sós outra vez é inevitável a curiosidade.
— O que é tudo isso, Sebastian?
— Nosso jantar, seus presentes, a festa e nossa cama.
Meu olhar é uma bola de ping pong do rosto dele para a montanha
de caixas deixadas sobre o tapete.
— Você planejou tudo de propósito para me sequestrar nesse
prédio?
— Como eu planejaria o seu sequestro? Teria que haver uma ótima
parceria com São Pedro para organizar a tempestade e te prender aqui
comigo.
Estreito o olhar analisando a cara de pau.
— E toda essa preparação para passarmos a noite? E a ordem para
que eu ficasse meia hora após o expediente? Aliás, Brenner não ligou. —
Cruzo os braços aguardando a explicação do abusado.
— Pare com isso, pimentinha. Já temos os limões, faremos uma
limonada. Ele se aproxima e ajeita uma mecha do meu cabelo atrás da
orelha.
— Realmente pedi para você ficar porque queria entregar o seu
presente de aniversário. Mas jamais imaginei que passaríamos a noite na
empresa.
— E aquela caixa térmica com o jantar?
— Eu ia me convidar para ir até sua casa. De um jeito ou de outro
iríamos comemorar essa data importante juntos. Estava tudo no meu carro.
— As mãos grandes alisam minha cintura e me puxam para perto. Os beijos
carinhosos no meu pescoço bambeiam as pernas.
Esse homem usa armas desleais. Beijos no pescoço é meu ponto
fraco, ele já percebeu como me dobrar.
— Vamos jantar e começar logo a comemoração? Temos poucas
horas de luz, o gerador logo vai desligar e quero estar juntinho com você
nessa hora. — A voz rouca e baixa no ouvido, arrepia cada pelinho que eu
não tenho.
Oh, meu Deus! Eu vou transar hoje? Quando foi mesmo que fiz
depilação? Ah, está em dia. Lembro de sábado passado os berros que dei
com a cera torturante.
— Hum, okay! Estou mesmo curiosa para ver o que são todas as
caixas.
— Me ajude a colocá-las sobre a mesa.
Juntos organizamos a refeição e nos sentamos nas cadeiras
estofadas. Ele providenciou comida mexicana, chinesa e uma massa
italiana, alegando que ainda não sabia o que eu preferia. Para harmonizar
com o spaghetti, um vinho branco. Cada uma das caixas térmicas
preservaram a temperatura perfeita.
— E aquelas caixas? — aponto para as quatro que sobraram.
— Uma é a sobremesa. A pequena torta que escolhi para nós. E os
seus presentes.
— Açúcar me agrada, mas o excesso de presentes é o que me
preocupa. Somente um eu aceito, o menos extravagante. Por que se a fofoca
se espalha pela empresa, não vou me sentir bem, Sebastian — explico
enquanto degusto um camarão repleto de molho shoyu.
— Deixo você escolher, mas com algumas condições — responde,
devorando um taco mergulhado em molho picante, que arde meus olhos só
de ver.
Desconfiada, olho em direção a poltrona onde estão. Uma grande
oitenta centímetros de largura e comprimento, mais ou menos, uma média
um pouco menor que uma caixa de sapatos, e uma pequena do tamanho de
um estojo. Todas brancas com um laço de cetim vermelho.
— Quais condições? — levanto-me com ele imitando a atitude.
— Fique onde está! Primeiro vou preparar o champanhe e a torta,
verificar a maleta com os itens de emergência para passar a noite e...
— Sebastian! Por favor, vai me matar de curiosidade desse jeito.
Vou escolher um e abrir, ponto final.
— Depois eu é que sou o mandão!
Seu jeito divertido me impedindo de chegar até as caixas me faz rir.
— Pode sentir o peso de cada uma, mas não pode chacoalhar. O que
você escolher não tem recusa. Essas são as condições.
Olho para as caixas outra vez e para o seu rosto que não me diz
absolutamente nada.
— Combinado.
Ele me dá passagem analisando meus movimentos com aquela
intensidade que me intimida. Pego a caixa menor delas, é pesada,
provavelmente é uma joia. Não vou aceitar. Deixo de lado e sinto o peso da
média, que é muito mais leve. Talvez seja um lenço bonito ou uma lingerie,
será que ele se atreveria? Seu olhar plácido e natural me desconcerta. Ao
pegar a grande, quase não consigo segurar. Apoio de volta na poltrona.
Escolho a média, é melhor neste início de relação um presente modesto. Até
para eu retribuir no aniversário dele será melhor.
— Escolho a caixa média.
— Tem certeza? Eu comprei os três para você, pensando em você,
Liz.
Chego mais perto e pouso um beijo singelo nos lábios.
— Obrigada, fico muito feliz e lisonjeada que pensou em mim. Mas
não me sentiria bem com joias caras ou esse objeto pesado que nem
imagino o que é.
Ele sorri de lado misterioso e senta-se na poltrona.
— Abra o seu presente, AnneLiz.
Desato o laço e abro a caixa para ficar ainda mais confusa. Dentro
dela uma outra pequena caixa.
— Você me enganou?
— Lembre-se, não tem devolução.
Ao abrir a pequena, quase caio mortinha de espanto. A chave e um
controle de alarme.
— Isso é...?
— Um carro. Um Nissan.
— Sebastian! Meu Deus do céu! Você tá maluco?
Puxando-me para o colo, me faz olhar para ele. Meu coração parece
que vai pular pela boca.
— Por que maluco? Porque quero que minha namorada esteja
segura? Não faça cinco quilômetros a pé para buscar a filha na escola? Que
economize para conseguir pagar um táxi ou Uber para o trabalho?
— É um carro, você me presenteou com um veículo? Oh, céus!
Quanto vale?
— Liz, posso fazer isso, posso te dar até três deles.
— Você está igual aquele CEO do filme cinquenta tons.
A gargalhada dele é contagiante.
— Não curto sadismo, mas mandei fazer um quarto especial para
nós lá na mansão. Quando soube que você tinha uma filha, garanti a nossa
privacidade, caso você durma na casa nova do namorado.
Seus braços me enlaçam com mais força fazendo meu peito colar no
dele. Seu hálito quente em meus lábios me distrai. Tento me concentrar no
assunto e não na boca carnuda tão próxima.
— Você planejou tudo desde quando? Como sabe que a escola de
Juliete fica a cinco quilômetros daqui, Sebastian? Não minta para mim.
— Nunca menti para você, marrentinha.
— Mas omitiu coisas, quero saber tudo! Se vamos ficar juntos é
justo.
Ele segura firme minha nuca, e mordisca minha boca. A dele está
fervendo pela pimenta que degustou no jantar, deixando o beijo ainda mais
gostoso.
— Nós vamos ficar juntos. Porque desde o momento que te beijei
naquela danceteria, você é minha, Liz. Tentei negar para mim mesmo, lutei
contra o desejo que queima dentro de mim quando estou perto de você, mas
perdi a batalha.
Que homem intenso! Decidido!
Ao retribuir o beijo, deixo-me levar pelo momento agarrando seus
cabelos enquanto me guia pela nuca para me devorar. Quero ser dele, quero
ser cuidada uma vez na vida, estar segura e amada por alguém de verdade.
Além de ser desejada e mimada por um homem lindo e sedutor como
Sebastian, sua autoconfiança me atrai de um jeito sem igual.
— Me conte a verdade, meu príncipe mandão.
— Apelido é golpe baixo.
— Conte-me.
— Quando te vi pela primeira vez, seu jeito corajoso de se impor me
atraiu instantaneamente. Mesmo séria, expressou sua opinião naquela
reunião. Depois comecei a investigar, seu currículo primeiro, sua ficha
completa depois. O fato de ver você correndo até a escola de Juju foi
coincidência. Estava saindo do estacionamento e a vi trocando os sapatos,
apenas quis descobrir onde ia. E o motivo de ainda não ter um carro
também foi alvo da investigação. Baixei a ficha do seu ex, sei todas as
encrencas daquele inseto.
Perplexa com a naturalidade das investigações engulo seco. Ele tem
poder para fazer tudo isso, eu sei, mas ser alvo disso é um pouco assustador.
— E aquela noite que não lembro?
Ele fecha os olhos e sorri.
— Você não esquece aquilo, né?
— O que eu fiz? Sei que ‘perdi a foda da minha vida’ — imito sua
voz o fazendo rir. — Mas preciso da dignidade da consciência, por favor.
Por um instante penso que não vai revelar nada, mas em seguida
afaga meu rosto com carinho.
— Você dançou para mim na danceteria, me provocou e eu aceitei.
Nos beijamos lá dentro, mas eu estava louco com você se esfregando de um
jeito irresistível, então fomos para o meu carro no estacionamento. Cheguei
a ficar sem camisa, você tirou a calcinha mesmo eu tentando ir devagar...
— Oh, não! Sebastian! — escondo o rosto com a mão.
Tenho certeza que estou vermelha de vergonha.
— Então, quis provar seu gosto...
— Não... Não diga que ...
— Quando comecei a te chupar ouvi um ronco.
— Puta merda! Não é possível!
Arregalo os olhos encarando o homem que segura o riso, mas
quando o meu escapa o dele se junta a mim.
— Fiquei puto da cara, Liz. Sem camisa, de pau duro, uma mulher
linda e pronta, porque segundos antes você estava conversando
normalmente. Se eu percebesse que você estava mal, juro que não
continuaria.
— Eu sei, Sebastian. Me conheço. Parece que não bebi nada, mas se
eu parar de falar, adormeço.
— Imagina depois de tudo ter que tomar um banho gelado e tocar
uma para poder dormir, com você nua no quarto ao lado?
— Tadinho de você.
— É debochada.
Enlaço seu pescoço beijando sua boca para murmurar um pedido.
— Ainda dá para compensar? — Ouço um rosnadinho sexy. — Se
eu pedir para ir com calma, faz muito tempo que eu não... Eu e ele não...
— Shh. — Ele me impede de continuar com um dedo nos lábios. —
Não precisa pedir cuidado e calma. Não tenho pressa, te quero devagar, aos
poucos, temos a noite inteira só para começar.
Oh Deus! Acho que a calcinha molhou somente com essa promessa
e olhar intenso.
— Não tem curiosidade para olhar os outros presentes antes da luz
apagar? Depois teremos apenas nossos celulares para pontos de iluminação.
— Mesmo com o presentão que ganhei, confesso que estou
morrendo de curiosidade.
— Abra-os então. — Seu olhar castanho me observa com um brilho
travesso.
Ando direto para a caixa maior abrindo em segundos para ficar mais
uma vez de queixo caído. Dentro dela tem dezenas de conjuntos de
lingeries, de todas as cores, ousados, com pedras que devem ser preciosas,
sedas, rendas e ligas. Modelos luxuosos que nem sequer sonhei.
Hipnotizada, não consigo evitar um suspiro.
— Vermelho. — Encaro o mandão com um sorrisinho arrogante
adornando o rosto barbado. — Quero te ver somente de lingerie vermelha e
saltos. Vou arrumar nossa cama enquanto veste para mim.
O nervosismo ameaça transparecer, será que ele vai gostar do meu
corpo? Ainda sou jovem, mas a maternidade trouxe mudanças
significativas. Não sou hipócrita pra não pensar nos meus peitos imperfeitos
e estrias no quadril.
— O que está pensando, Liz?
— Que não abri o outro presente.
— Você vai gostar desse.
Abro a caixa do tamanho de um estojo, é de metal para me enganar
no peso. A risada que solto é tão alta que o surpreende.
— Um estojo de canetas, Sebastian?
— É, aquele Mark não te presenteou com uma caneta? Pois jogue-a
fora! Comprei o jogo de canetas mais caro da loja e mandei personalizar
com o seu nome.
— Não é uma disputa sobre o tamanho do pau, meu príncipe.
— É sim, e o meu é maior que o dele.
— Não vou conseguir saber se é verdade, não pretendo ver o dele.
— Não vai mesmo. — Sou envolvida em um abraço demorado. Ele
cheira meu pescoço me arrepiando toda. — Vai ficar com todos os
presentes, não vai, pimentinha?
— Vou, você jogou baixo, mas vou me cobrar.
— Não me maltrate, ainda tenho uma penalidade para cobrar em
troca daquele tapa.
— Você mereceu.
Ele dá um tapinha na minha bunda.
— Vá vestir a lingerie, vou preparar nosso quarto improvisado.
Ele leva a pesada caixa para a minha sala conjugada e me deixa
sozinha para escolher as peças.
Não tem espelho de corpo inteiro, mas sei que as marcas da
maternidade e as curvas ganhadas contam histórias, são cicatrizes, vestígios
visíveis do que sou. É inevitável a insegurança se instalando feito uma
sombra teimosa. Meu corpo, moldado pela maternidade, carrega um medo
silencioso de não ser mais suficiente para um homem como ele.
Fui casada por anos, mas não sou uma mulher experiente. Tive
apenas um namorado, apenas um homem me viu nua e me tocou. Não sei
como agradar outra pessoa na cama. Essa realidade me assusta. Lembro das
palavras de Daniel comparando a amante a mim cutucando minha
autoestima agora diante dessa caixa.
Essa noite com Sebastian aconteceu sem um planejamento e a
incerteza de ser aceita completamente me pegou de jeito. Aprendi a amar
cada pedacinho de mim por causa da minha filha, mas agora, diante do
olhar dele, sinto-me frágil e vulnerável.
Será que ele enxergará a beleza nas marcas que a vida deixou em
mim?
Escolho um dos conjuntos vermelhos com renda e bojo sem alças. A
calcinha não é fio dental, mas é toda em tecido transparente. Assim que
termino de me vestir volto para a sala.
Sebastian está de costas distraído com a pequena torta e o
champanhe que retirou da caixa térmica. No chão colocou de lado as
cadeiras acolchoadas de cima do tapete e estendeu uma manta sobre dois
sacos de dormir impermeáveis, parece até um colchão compacto. Deveria
ser o que havia na maleta de emergência.
— Pensei que não comesse açúcar — aviso sobre meu retorno,
provocando-o ao vê-lo chupar o dedo lambuzado da cobertura de chocolate
do bolo.
O homem olha vagarosamente dos meus pés, subindo até chegar no
meu rosto. É um olhar que aquece meu corpo inteiro, não sei definir, só sei
que ninguém olhou para mim dessa maneira. Com um desejo estampado no
olhar feito uma labareda incendiando tudo.
Tô fodida, tô caidinha por esse homem.
Sebastian passa a língua pelo lábio inferior, movendo-se em minha
direção. Um sinal de sorriso satisfeito aparece em seu rosto. Em nenhum
momento desvia o olhar, ele me diz sem usar palavras que vai me devorar
inteirinha. Preciso respirar pela boca de tanta ansiedade vendo o predador
se aproximar, o fôlego parece escasso e meu coração trepida como uma
locomotiva.
— Depois que te conheci quebrei todas as promessas que fiz a mim
mesmo.
Em um impulso de timidez cubro os seios com vergonha de serem
pequenos. Gentilmente ele afasta minhas mãos admirando-os com desejo.
— Você está um pecado nessa lingerie. Cada centímetro do meu
corpo está ardendo pela vontade incontrolável de ter você, mas lembrei que
não cantei os parabéns, nem servi o bolo para a aniversariante.
Diante de mim, me estende a mão como se me convidasse para
dançar.
Há quanto tempo não fico tímida? Não lembro, mas ele consegue
me deixar assim.
Sebastian me incentiva a sentar sobre a mesa de mogno maciço,
com o corpo entre minhas pernas, pega um talher com uma pequena porção
da torta de chocolate ao nosso lado e me faz provar.
— Hum, delicioso! Eu adoro chocolate.
— Percebi aquele dia no parque. Seus muffins eram tão perfeitos
que só alguém que ama faria algo tão gostoso.
— Está tentando me ganhar elogiando minha comida?
— Está funcionando? — o sorriso safado me encanta.
Dificilmente vejo Sebastian tão descontraído e natural.
— Você sabe que sou péssima nesse jogo de paquera.
— Está indo muito bem. — Ele suja o dedo de cobertura e passa no
meu ombro para chupar. — Aliás, parabéns pra você ... Parabéns pra você,
... — o beijo se estende pelo ombro enquanto canta baixinho e chega ao
meu pescoço — ...parabéns querida Liz, parabéns pra você. — Finaliza na
minha boca.
— Obrigada por tudo o que preparou, você é um cavalheiro. Mas
uma coisa que estou notando é que você está muito vestido e eu seminua.
Sebastian não responde, apenas inclina-se e me segura com firmeza
pela cintura, beija com tanta intensidade que quase me deixa sem fôlego.
Seus olhos escuros tornam-se Ônix em chamas quando moldo meu corpo de
encontro ao seus músculos, abraçando-o com desejo. A pele arrepia inteira
com as mãos grandes passeando por ela. Apertando e agarrando com
propriedade enquanto beija e lambe meu ponto fraco, o pescoço.
Deslizo as mãos pela lapela da camisa onde o primeiro botão está
aberto e abro os outros um a um. Seus lábios sensuais tomam os meus com
uma fome avassaladora, mas suas mãos acariciam minhas coxas suave e
demoradamente, diferente do que a língua cálida e exigente faz com a
minha. O calor se espalha pelas extremidades como pólvora.
Estou a sua mercê, passiva às mãos e corpo másculo que agora sem
a camisa, está fervendo me incendiando a cada mínimo toque. Ele é
malhado, a pele é macia e lisa fazendo com que o toque lentamente para
senti-la. De súbito seus braços me suspendem como se eu não pesasse nada,
me carregando até a cama improvisada no chão.
Sinto as costas musculosas sob meus dedos ao deslizar por ela,
arranho sua pele no momento que a boca atrevida escorrega pelo meu colo
deixando um rastro de fogo até os seios. Ele mordisca meus mamilos
eriçados sobre o sutiã me deixando doida.
— Sebastian! — murmuro baixo, puxando seus cabelos ao sentir as
taças do sutiã soltando do meu corpo.
Sua mão é rápida ao desprender a peça revelando os seios ao seu bel
prazer. Por segundos, os contempla fascinado lambendo os próprios lábios.
— Porra, Liz! Queria ir devagar, mas você tá acabando com meu
controle! — murmura antes de afogar-se nos seios.
Os junta lambendo-os com avidez. Ouço meu próprio gemido baixo.
Ao olhar seu rosto o vejo sorrir sensual satisfeito com o prazer que me
proporciona.
As mordidinhas no meu mamilo são a doce tortura mais prazerosa
que senti. Beija meu ventre deslizando, deliciando-se com as curvas do meu
quadril. Antes de tirar minha calcinha, abre o cinto e a própria calça, tirando
a carteira do bolso antes de se livrar dela.
A luz é fraca, mas consigo ver nitidamente o volume do pau, a
cabeça inchada despontando pela cueca branca, como se não conseguisse
ser contida por ela.
Quando penso que vai ficar nu ou retornar de onde parou, Sebastian
tira os dois sapatos dos meus pés. Beijando meus dedos, cada um deles e
massageando-os.
— Vermelho, adoro vermelho em você, em qualquer parte.
Vaidosa, sorrio porque também amo essa cor. Os beijos na
panturrilha subindo vagarosos pelas pernas me fazem fechar os olhos, é
uma delícia esse carinho demorado.
— Essa pele sedosa com cheirinho de morango merece ser coberta
de ouro, joias e as mais belas sedas, para exaltar sua beleza.
Esse homem não existe. Será que mereço tudo isso?
— Vou te dar um orgasmo todas as manhãs que acordarmos na
mesma cama.
Uau! Que fisgada boa essa promessa provocou.
— Sebastian! — arqueio o corpo quando ele tira finalmente a última
peça que me cobre e aperta minha bunda com um sorrisinho safado.
Abrindo minhas pernas, gentilmente assopra beijando a parte interna
da minha coxa. Provoca com beijos suaves em todos os lugares, menos
onde preciso de alívio.
No momento que ele beija meu clitóris, o corpo responde no mesmo
instante. Sinto o calor e aperto gostoso em meu ventre, como se eu estivesse
presa e fosse enfim libertada. Rebolo querendo mais.
— Oh, meu Deus!
Ele aprofunda a carícia, mergulhando a língua com maestria. Ela
entra em mim, possuindo-me de uma forma tão completa, que não tinha
percebido até esse momento como ansiava por isso.
Em seguida enfia um dedo enquanto me venera com a boca. Sem
nenhuma inibição, começo a gemer descontrolada, delirando de prazer,
desejando saciar uma necessidade que nunca senti.
O ritmo das lambidas aumenta, me deixando completamente
entregue à luxúria. Com o intuito de me alucinar, Sebastian alterna os
movimentos da língua chupando e lambendo, como se assim pudesse
controlar o deleite que reverbera pelo meu corpo e nubla minha mente.
— Por favor! Por favor! — imploro irreconhecível.
Ele sabe usar a boca e os dedos com destreza para enlouquecer de
prazer uma mulher, pareço flutuar numa tempestade de emoções e êxtase.
Ondas de prazer se formam e ganham força em meu íntimo a cada
toque dele e quando a excitação chega em um nível inimaginável, ele
incrementa com mais um dedo tocando algo dentro de mim me levando ao
limite, eliminando qualquer pensamento racional e restando apenas o desejo
por ele.
Sebastian mantém o ritmo, mas com o polegar substitui a língua
com mais pressão e sobe para olhar em meus olhos.
— Quero admirar seu rosto gozando em meus dedos, pimentinha.
Goze para mim!
Rebolo sob os dedos habilidosos, sendo levada à escalas de
sensações físicas poderosas, quando, enfim, o clímax me carrega para o
orgasmo avassalador. É quase uma perda de consciência por alguns míseros
segundos. Só há Sebastian por toda a parte, seu cheiro, seu gosto e toque,
sua voz elogiando que sou linda é um plus que me leva a loucura.
Ainda estremecendo devido aos intensos espasmos, ele me agarra
apertando minha bunda me fazendo ronronar como uma gata no cio.
— Eu quero ver você… tocar você — peço sentindo os beijos e
mordidas no meu maxilar.
Sem se distrair da tarefa ele guia a minha mão até seu pau.
Não percebi o momento que ele tirou a cueca ou se está apenas
abaixada, só sei que não consigo fechar a minha mão em torno da grossura
de Sebastian. Está úmido e quente pulsando na minha palma. De tanta
vontade de retribuir o maravilhoso prazer que esse homem me deu, começo
a masturbá-lo.
— Não faça isso, abusada! — meu pulso é agarrado firme assim
como minha nuca. — Sem pressa Liz, eu dou as cartas hoje! E de jeito
nenhum vou gozar na sua mão.
Nessa hora os geradores apagam. O que me distrai da vergonha em
tomar a iniciativa nas carícias.
— Preciso encontrar minha carteira e o celular, precisamos de luz,
preciso da iluminação para ver você, pimentinha.
Ele se afasta e fico perdida no breu da sala, esparramada na cama
improvisada ainda recuperando o fôlego.
— Não enxergo nadinha.
— Achei a carteira — avisa, sua voz está próxima. Acho que tenho
preservativo aqui, meu primo deixou um no meu carro quando emprestei
para ele.
Ouço o pacote sendo rasgado.
— Filho da puta, vou acabar com aquele debochado.
— O que foi? O que está acontecendo?
É uma merda não ter nada de iluminação! Queria ver porque ele
ficou chateado de repente.
— Não costumo ter sexo casual por aí, não levo proteção pra todo o
lugar. Carro, carteira, nada disso. Meu primo usa meu carro de vez em
quando, na última vez deixou um preservativo e eu guardei.
— Ainda bem, né!
— É, mas a camisinha brilha no escuro!
— O quê?
— Simba e suas brincadeiras de mau gosto, porra! — Sebastian
perdeu o humor.
A situação é muito inusitada para não ficar curiosa, fico em pé
tateando ao seguir sua voz.
— Onde você tá?
— Aqui. — Ele agarra minha cintura.
— Não fique chateado, coloca, eu quero ver.
— Você vai rir.
— Está com medo de brochar porque vou rir?
Sebastian espalma minha bunda com uma das mãos e aperta.
Pressiona sua ereção contra mim e sussurra no meu ouvido:
— Eu nunca vou brochar com você, mulher. Nem quando eu me
tornar um velho decrépito. Você não tá entendendo o quanto eu te desejo! O
quanto meu corpo clama pelo seu cada vez que eu te vejo circulando com
suas roupas comportadas.
Uau! Acho que minha boceta molhou um pouco mais.
— Então por que você tem receio que eu dê risada do pau vaga-
lume?
— Olha aí, já começou a fazer graça. Você perdeu o clima.
Meu pé esbarra no celular e me agacho para pegar.
— Achei seu celular. E não perdi nada, quero ver esse pau brilhando
no escuro antes de me comer.
Sebastian liga a tela e sua cara de mau dá vontade de rir. Me entrega
o aparelho e vira de costas
— Senta lá no puff que vou te mostrar como não brocho mesmo
você tirando onda com a minha cara.
— Sebastian, pare com isso! Apenas estou curiosa.
Conformada, sento-me no móvel cinza, é baixo e duro. A impressão
de que é fofo é totalmente diferente quando sentamos nele. O homem nu,
uns metros à frente, de costas é apenas um vulto na escuridão da sala.
Aponto a lanterna ligada para as costas largas e vou descendo para a bunda.
Oh, senhor! Que bunda esculpida por Deus!
— Está olhando minha bunda, sua tarada?
— Tô, é linda. Mas vou desligar o celular para ver seu vaga-lume.
— Puta merda! Queria que a nossa primeira vez juntos fosse perfeita
e não piada.
— E por que você acha que não está sendo per... — ele se vira
devidamente protegido pelo preservativo iluminando o pau feito uma tocha
verde.
Derrubo o celular que cai com a tela pra baixo. A sala entra na
escuridão total deixando a cena ainda mais engraçada.
Escondo rápido a boca com a mão para tentar suprimir a gargalhada.
Sebastian vem em minha direção com passos lentos, o pau nem se move de
tão duro, é para o lado esquerdo, grosso, imponente, é um sabre de luz
poderoso, mas nem por isso consigo segurar a risada.
— Você tá rindo, não tá?
A gargalhada escapa entre meus pedidos de desculpas. Sebastian em
silêncio, espera o meu surto de riso acabar. Nada do pau amolecer, graças a
Deus. Quero fazer esse homem sentir prazer como ele me fez ir às nuvens.
— Porra, Liz! O que eu faço com você?
— Não é minha culpa, vem cá, meu príncipe mandão. Deixa eu ver
de perto esse sabre de luz.
— Sério? — Sua voz parece menos tensa. Acho que ele gostou do
apelidinho cinematográfico.
Quando ele chega próximo, puxo o quadril e pouso beijos suaves em
seu abdômen. Ouço um silvo me deixando animada, com lambidas tímidas
procuro aumentar os beijos com a língua demorada sobre sua pele, até sentir
a mão afundando em meus cabelos. Ele é lisinho, sem pelos. Não tenho
parâmetros suficientes para corpos masculinos que toquei, mas ele é
maravilhoso. Ouço o som de uns grunhidos roucos e sensuais quando passo
a língua na base do pau onde não tem a proteção.
Oh! Céus! Sebastian geme! É tão excitante esse tom rouco. Acho
que vou gozar só ouvindo os sons e palavrões baixos desse homem. Nunca
ouvi gemidos assim na cama, Daniel era um… não vou lembrar daquele
otário com esse Adônis nu, todinho meu. A temperatura da sala aumenta
sem o ar condicionado ligado.
De repente ele puxa meus cabelos para encará-lo. Pouco enxergo
das suas feições.
— Não me chupa, Liz! Hoje não!
— Por quê?
— Porque quando você fizer, quero ver nitidamente sua boca
engolindo meu pau e seu olhar conectado ao meu quando eu gozar nela.
Hum, adoro quando ele exige as coisas dessa forma.
Sebastian se ajoelha e posiciona-se entre minhas pernas. Vira a tela
do celular para cima, possibilitando um pouco da luz do aparelho no chão
iluminar nossos rostos. Guia meu quadril para a borda do assento e volta a
me incendiar com seus beijos deliciosos. Percorre o caminho da boca,
queixo e pescoço até meus seios com lambidas e chupadas vagarosas. Toma
seu tempo, entre olhares famintos, língua afoita e o pau deslizando,
esfregando entre os lábios molhados da minha boceta, mas sem penetrar.
Quase em um colapso sensorial, meu pulso acelera e a respiração
torna-se rápida.
No vai e vem, cada vez fico mais e mais encharcada, fazendo meus
gemidos ecoarem pela sala.
Agarro seus ombros e me apoio para trás trazendo o corpo grande
comigo. Mordo-lhe o lábio inferior tirando um sorrisinho maroto.
— Sebastian, por que você me tortura desse jeito? — entre gemidos
e o fôlego entrecortado estamos por um fio de entrar em combustão
espontânea.
— Porque quando eu entrar nessa bocetinha dos deuses, vou gozar
em minutos. Quero aproveitar o máximo que eu puder.
— Preciso … agora, me fode, por favor!
Noto que ele adora quando imploro, pois ao meu pedido oferece-me
um sorrisinho sacana. A grossura desliza lentamente para dentro de mim.
Oh! Deus, oh puta merda! É impossível resistir ao revirar os olhos
de prazer.
É tão grosso, o sinto me alargando de um jeito bom, um jeito que faz
meu corpo inteiro formigar, algo tão intenso que nunca imaginei que
existisse. Ele agarra meus cabelos com as duas mãos.
— Porra, Liz. Vou durar segundos... É muito pouco... — cada
sentença é dita enquanto o sinto entrando e saindo de dentro do meu sexo,
aumentando o ritmo pouco a pouco. — Desejei sentir você apertando meu
cacete... Mas não imaginei que seria tão viciante...
Enquanto estoca cada vez mais rápido, cada vez mais forte, com
vontade e urgência, Sebastian desliza uma mão espalmada pela minha
coluna, acaricia as curvas da cintura e segura minha coxa, apertando-a
contra si. Enlaço seu quadril com as pernas.
— Sebastiaann...
Abraço seu corpo enquanto permito ser carregada pelo orgasmo. Os
espasmos são violentos, sacudindo minhas pernas e consumindo meu
fôlego.
— Diz que quer ser minha, Liz?
— Ah... Quero! Quero ser sua!
Ele amplifica meu deleite ao se aninhar em meu pescoço com a boca
pertinho da orelha, respirando ruidosamente, gozando junto comigo, me faz
flutuar nas ondas do clímax.
O nosso suor misturando-se no ápice do prazer, as respirações
acalmando-se no mesmo ritmo. Juro que ficaria assim para sempre,
envolvida pelo corpo quente e gostoso do homem por quem me apaixonei.
— Minha Liz. — Ouço seu sussurro ofegante entre os gemidos
roucos indecifráveis.
— Se eu disser que tô molinha e não consigo sair daqui, você
acredita? — A voz suave e satisfeita revela ao me abraçar apertando-me
contra seu corpo e acariciando minhas costas.
Essa mulher quase acabou comigo, nunca fui tão rápido mesmo me
esforçando para durar mais, foi impossível.
Beijo seu pescoço suado, sorrindo ainda dentro dela.
— Se me der alguns segundos, te carrego para o banheiro. Tomamos
uma ducha rápida e nos deitamos para descansar.
— Banho gelado é um extintor poderoso para o nosso fogo.
— Prometo compensar com uma banheira de hidromassagem da
próxima vez.
— Hum, espero que não demore.
— Gosto dessa ansiedade — sinal que ela adorou assim como eu.
Imagino quando a tiver na minha cama, vou adorá-la por horas,
quero adormecer com seu corpo sobre o meu.
Seus dedos deslizam suavemente pela minha barba e pescoço em
uma carícia amorosa.
— Sua barba tem meu cheiro.
— Minha nova loção favorita, seu gozo na minha barba.
— Você fala cada coisa!
— Não deve ficar tímida comigo, somos um casal agora.
Os olhos esverdeados brilham diferente quando Liz ouve algo que a
agrade ou um elogio. Parece uma aprovação sem palavras.
Mesmo amando essa conversa aconchegado ao corpo de AnneLiz,
me afasto e dou um nó no preservativo usado para irmos ao banho.
Pego minha namorada no colo e carrego até o meu banheiro. Na
ducha gelada entre gritinhos e risadas nos banhamos em tempo recorde. As
dezenas de toalhas de rosto do armário são suficientes para nos enxugar.
Tateando no escuro, Liz chega no saco de dormir antes que eu,
reclamando do frio. Deixo as garrafinhas com água no chão ao nosso lado.
— Não abri o champanhe, talvez ainda esteja em uma temperatura
boa para beber. Você quer?
— Não, Sebastian, água está ótimo. — Pego uma das garrafinhas.
Após isso fecho os dois sacos em um, transformando em uma
acomodação de casal.
— Você está tremendo! — abraço seu corpo para aquecê-la.
— Acho que foi a primeira vez que tomei um banho gelado na vida.
— Logo vamos nos aquecer.
— Posso perguntar uma coisa, Sebastian?
Acomodo minha namorada em meu peito aproveitando a maciez de
seu corpo junto ao meu.
— Pergunte.
— Quem foi a primeira?
— Primeira?
— É, você me disse ontem que eu era a segunda mulher por quem
você se interessava.
— Hum, eu disse?
— É apenas uma curiosidade. Você sabe muita coisa sobre mim e eu
não sei nada sobre você. Como um homem como você ainda está solteiro?
Quer dizer, você é bonito, interessante, bem sucedido, deve chover garotas
querendo sua atenção. O que essa primeira mulher fez que o traumatizou
para relacionamentos?
Deixo um sorriso torto, Liz é muito inteligente e sacou algo que
nunca comentei.
Além de linda é observadora e consegue tirar qualquer coisa de
mim.
— Me apaixonei por uma garota na faculdade. Era alguns anos mais
velha, até noivamos, mas ela não nutria o mesmo sentimento que eu, ela
buscava um homem diferente. Não deu certo e terminamos antes de marcar
a data. Risquei Samantha da minha vida e nunca mais a vi.
— Parece que essa mulher te marcou de alguma forma dolorosa.
Suspiro fundo, não quero continuar a falar sobre aquela cobra.
— Eu era jovem, e uma decepção naquela idade foi difícil de
superar, mas foi necessário para crescer.
AnneLiz segura meu rosto entre as mãos.
— Você é um homem incrível, meu príncipe mandão. Tenho sorte
de ter encontrado você.
— O que fez com minha namorada durona? Onde está a minha
bravinha?
— Bobo! — os beijos agora são amorosos, delicados e carregados
de sentimento. — Você conseguiu reviver em mim, coisas que achei que
tinham morrido, Sebastian.
Nos posicionamos de frente um para o outro.
— Você é muito jovem para ter coisas para reviver aqui dentro. —
toco sua pele no lugar do coração.
— Um dia vou conseguir contar, mas hoje quero que saiba que foi o
melhor aniversário da minha vida. Nunca vivi o que vivi esta noite, sempre
vou lembrar dessa data com carinho, graças a você.
O sorriso no meu rosto é largo e contente, se ela soubesse como me
fez feliz ouvir isso, ela repetiria até pegarmos no sono.
O que eu mais quero é ser responsável por boas lembranças a ela.
— Você é linda. Por fora e por dentro.
— Não quero ficar tímida com seus elogios, melhor dormirmos.
— Vai se acostumar com meus elogios, tenho certeza porque não
vou parar.
Um beijo de boa noite se transforma em vários, até estarmos loucos
de vontade de transar outra vez. Mas decidimos não continuar pela falta de
proteção e para evitar uma nova ducha gelada.

Pela manhã ao despertar a claridade da aurora ilumina a sala.


Pelo celular confirmo com os seguranças que a árvore foi retirada,
mas a energia ainda não foi restaurada.
Desperto minha Liz que resmunga para acordar. Os beijos que
escolhi distribuir em seu pescoço cumprem o papel.
— Vamos dorminhoca, temos que tomar nosso café da manhã com
Juliete, esqueceu?
— Eu acho que não tô totalmente desperta, talvez um pouco mais de
beijos funcione.
— Hum, espertinha! Sabia que Juju tinha a quem puxar.
Após beijos, risadas e roupas colocadas, descemos para o
estacionamento. Levamos um tempo considerável pelas escadas. Ao
chegarmos nos carros, seu sorriso radiante ao conhecer seu presente novo
me fascina. Circula ao redor do Nissan alisando a lataria.
— Você é louco e sabe disso, né?
— Não discutiremos isso outra vez. Aliás, sabe dirigir?
— Meu pai me ensinou na adolescência, eu tirei a licença aos
dezessete se quer saber.
— Ok, retiro a pergunta. Vamos esperar os seguranças, pedi para
eles trazerem as caixas. Berth está vindo para levar o meu carro.
— Pode dirigir o Nissan.
— Não. Hoje vou de carona com você.
Minutos depois estamos na avenida rumo a casa de AnneLiz.
Admiro minha mulher dirigindo, tão concentrada e séria. Confesso que
tenho um tesão nela quando está no modo, garota poderosa do escritório.
— Por que está me olhando desse jeito? Estou dirigindo rápido
demais?
— Não. Estava admirando você. Como fica fantástica atrás do
volante.
— Pare! Não me desconcentra com seus elogios. Não tem medo de
estar de carona com alguém que não dirige há mais de cinco anos?
— Tudo isso? Vá devagar, por favor. Não quero morrer agora no
início de namoro.
A abusada ri alto, mas diminui a velocidade.
— Confesso que estou com pressa para ver, Juju. Mas não vou pôr
em risco meu presente de aniversário.
— Ah, é não deve estragar o carro.
— Não bobinho. Você é meu presente de aniversário, Sebastian.
Pego sua mão e beijo, me sentindo o homem mais feliz do mundo.
Amo a sinceridade nas palavras dela.
AnneLiz olha para mim, seus olhos transmitindo uma mistura de
vulnerabilidade e sinceridade quando fala sobre a filha. Ela respira fundo
antes de compartilhar:
— Desculpe mesmo pela velocidade. Esta é apenas a segunda vez
que durmo longe da Juliete. Sei que parece bobo, mas sinto uma falta
imensa dela.
Seu lado sensível, me faz admirá-la ainda mais. Respeitando esse
momento delicado, entrelaço meus dedos nos dela.
— Entendo, Liz. A Juliete é sua filha, a sua pessoa especial nesse
mundo, e eu aprecio que compartilhe isso comigo. Logo chegaremos no seu
prédio.
AnneLiz sorri, agradecida pela compreensão, enquanto continuamos
nosso trajeto.
Ao chegar, ansiosa, ela sai do veículo antes que eu, mas me espera
no portão assim que percebe que se adiantou.
Não solta minha mão quando aperta a campainha do apartamento
em frente ao dela. Observo-a apreensiva à espera da filha na porta da
senhorinha.
Ao vê-la, a pequena Juliete corre animada em direção à mãe, que a
abraça carinhosamente.
— Mamy, bom dia! Posso dar feliz aniversário hoje? Já passou, mas
dá tempo?
— Pode, meu amor. — Minha namorada se inclina para olhar nos
olhos da filha.
Juju afaga seu rosto alinhando seus cabelos castanhos com carinho.
— Feliz aniversário, muitos anos de vida. Que papai do céu te
abençoe com muita alegria, mamãe.
— Obrigada, querida. Senti tantas saudades, você dormiu bem?
— Sim, e você? Tem cama lá no seu trabalho, mamy? Onde Seba
dormiu? Lá também?
Liz cruza o olhar apreensivo com o meu e me agacho para conversar
com Juliete.
— Bom dia, espertinha. Não tem cama no nosso trabalho, mas eu
consegui dois sacos de dormir. Sabe aqueles de acampamento onde as
pessoas entram dentro?
— Sei, já vi um filme do pateta, onde ele deitava, se fechava dentro
de um saco e roncava. É esse?
— Sim, filha. Nós dormimos nos sacos.
— Roncaram também?
Liz ri relaxando um pouco a tensão.
— Sebastian roncou um pouquinho. — A abusada brinca piscando
um olho ao fazer charme.
— Pronta para levar sua mãe para o café da manhã de aniversário?
— Pronta! Mas mãe, não posso ir de pijama!
— Claro que não, vamos entrar e colocar um vestido bonito.
— Oba!
Ao entrar na casa delas, Juju corre para o quarto falando sobre a
borboleta que desenhou e precisa buscar.
Agarro a cintura da minha namorada assim que ficamos sozinhos na
sala.
— Vai me dar a honra de lhe ver de vestido hoje? — sussurro em
seu ouvido, plantando um beijo doce em seu pescoço.
— Gosta de me ver de vestido? — seu rosto vaidoso fica corado.
— Na verdade, prefiro te ver sem nada, mas vestidos te deixam
ainda mais irresistível.
AnneLiz me beija entusiasmada.
— Você está beijando minha mãe?
Nos afastamos rápido ao ouvir a voz e ver o rostinho surpreso de
boca aberta. AnneLiz alisa a saia visivelmente envergonhada.
— Querida, eu e Sebastian... Como posso dizer... Nós...
A garotinha se aproxima olhando de um para o outro.
— Ah, mamy! Eu sei, você gosta dele. Entendi. Você gosta da
minha mamãe, Seba?
— Gosto — falo no automático. — Eu posso pedir sua permissão
para ser namorado da sua mãe?
Os olhinhos piscam rápido voltando-se para a mãe que apreensiva,
expressa um sorriso nervoso.
— Eu também gosto dele, mamy. Vai ficar feliz se eu dizer sim?
O sorriso muda totalmente ao abraçar a pequena gênia de cabelos
dourados.
— Vou ficar muito feliz.
— Então eu deixo.
Ao olhar para meu rosto, Juju me chama para perto. Me agacho
outra vez e ela coloca a mão no meu ombro.
— A partir de hoje você é o Harry Potter da minha mãe, mas não
pode fazer ela chorar igual o meu pai. Combinado?
— Justo, combinado.
— Muito bem, mocinha. Agora vamos colocar um vestido bonito?
— Mas não encontrei a borboleta que desenhei pra você!
— Depois do café com a barriguinha cheia a gente procura. Sua
borboleta não vai voar, né?
Juju gargalha uma risada gostosa enquanto vai para o quarto com a
mãe. Acomodado agora na poltrona da pequena sala, teclo algumas
mensagens para Simba convidando ele e a namorada que é melhor amiga de
Liz para nos encontrar na cafeteria. Quando as meninas retornam já prontas,
elogio as duas. Mãe e filha de vestidos cor de rosa. O de AnneLiz um tom
um pouco mais fechado, acima dos joelhos.
Nos cabelos da filha uma fita prendendo o rabo de cavalo,
mostrando o carinho materno em cada detalhe. No corredor do prédio,
Juliete, toda animada, faz uma careta brincalhona e diz:
— Onde estão os presentes que você ganhou, mamãe?
— Estão lá embaixo.
— E o que é?
— Roupas, canetas e um carro.
— Como? Você precisa fazer um curso de namorado, Seba. Isso não
é presente bom para uma namorada.
— Juliete! — AnneLiz reprova.
— Eu sou novo nesse cargo, então me diz Juju, quais são os
presentes certos?
— Flores, chocolate e balão de coração. Roupas é para quem está de
castigo e espera brinquedo. Canetas? Mamãe não vai pra escola. E carro?
Mamãe não brinca de carrinho.
O riso é geral, até chegarmos no portão ainda rindo da pequena sabe
tudo.
— Vamos em um carro só, prefiro que você dirija. — AnneLiz avisa
entregando a chave para mim.
— Filha, este carro é nosso, Sebastian me deu como presente de
aniversário.
Juju olha para mim, para o carro e para a mãe. Depois olha para o
Nissan outra vez e vai até o meio fio tocando a porta com a mãozinha.
— É de verdade?
— Sim, meu bem.
— E é nosso?
— É.
— Posso te dar um abraço, Seba?
Agachado outra vez recebo os bracinhos que me seguram e apertam.
— Obrigada por ser legal, Seba. E por dar presentes grandes. No seu
aníver preciso planejar o que dar para você.
— Aceito uma borboleta grandona.
— Mamãe, ele gosta dos meus desenhos, não é legal? Vou fazer uma
borboleta azul grandona para o seu aniversário. — A fala empolgada nos
arranca sorrisos.
— Ele é nosso Harry Potter, filha.
A menina dá um sorriso aberto tão caloroso que contagia. Dentro do
carro o clima é animado com ela falando sobre os doces que espera provar
na confeitaria.
— Mãe, você tá de mão dada com o Seba! Isso significa que ele é
quase um... padrasto? — observa a espertinha quando descemos do veículo
no nosso destino.
AnneLiz, sem perder o humor, responde com uma risada contida:
— Quase, Juliete, quase. Estamos avaliando ele por enquanto.
— Podemos chamar de "namo teste", então!
Seguimos para a confeitaria com Juliete entre nós, espalhando
alegria com suas observações inocentes, enquanto me delicio com o
privilégio de compartilhar esses momentos leves e descontraídos ao lado
delas.
Adentramos o lugar, recebidos pelo aroma do café fresco que se
mistura harmoniosamente com o doce cheiro de confeitos. A nossa mesa ao
fundo do estabelecimento está decorada com elegância, exibindo uma
variedade de doces que fazem os olhos de Juliete brilharem.
Quando Juju vê o balão de coração vermelho pendurado na cadeira
destinada à mãe, dá um gritinho eufórico.
— Quando foi que mandou preparar isso, Sebastian?
— Fiz algumas ligações quando acordei hoje cedo, nada demais.
— Esse lugar é de tirar o fôlego, nunca vim aqui.
AnneLiz, com um sorriso encantador, faz o pedido do café ao barista
enquanto a menina examina os doces. Me aproximo dela e brinco:
— E aí, espertinha, qual é o doce que vai conquistar o seu coração
hoje?
Ela me olha com um olhar travesso e responde:
— Seba, esse é o lugar onde todos os doces conquistam o coração
de todo mundo! O meu está derretidinho!
Fofinha a menina bate palminhas e a provocação de AnneLiz não
demora a chegar:
— Lembre-se de que não pode deixar o açúcar viciá-lo.
Com um olhar divertido, respondo:
— Decidi que não vou mais resistir à tentação. A nenhuma delas. E
afinal, é o seu dia especial, Liz.
Mia e Simba chegam com os ramalhetes de rosas, um que pedi para
presenteá-la e o outro por conta deles.
Após as felicitações nos acomodamos na mesa reservada de seis
lugares.
— Como vocês dois não estão trabalhando?
— Os eletricistas estão revendo a fiação do edifício, nosso chefe
decretou folga pela manhã. E nos convidou para vir. — Mia responde.
— E Esteves? — AnneLiz continua.
— Ficou na empresa com o pessoal de TI e disse que ia ajudar na
instalação dos monitores novos que foram trocados. — Dessa vez é meu
primo que explica e cruza o olhar comigo.
Provavelmente o detetive vai aproveitar para sondar sobre o espião
da empresa. Sinto alguém que me cutuca na perna embaixo da mesa. Olho
para ver Juliete agachada com um docinho de chocolate nas mãos.
— Agora está completo o curso, dá pra mamãe — sussurra de uma
forma que só ela acha que ninguém ouviu.
Pego o docinho da bandejinha fofa das mãozinhas sorrindo pelo
jeito da espertinha.
— AnneLiz, esse presente é especial para a minha aniversariante
favorita.
— Agora beija ela antes que prove o doce e mele a boca de
chocolate! Você não come açúcar, Seba. Lembra? — a garotinha sopra nada
discreta no meu ouvido, fazendo todos rirem.
Obedeço a menina em meio aos risos na mesa. Um beijo casto como
promessa de mais beijos depois.
Juju bate palmas e começa a cantar os parabéns. Outros clientes da
confeitaria endossam o coro da canção.
AnneLiz é só sorrisos, nunca a vi radiante dessa maneira, o que me
deixa emocionado. Simba ao me olhar dá uma piscadela. Sei que adorou
nos ver juntos.
— Mamy, agora Seba passou no teste. Acertou todos os presentes.
— Filha, ele já tinha passado, lembra do outro presente grande.
— Eu sei, mas agora é oficial. Balão de coração, flores e chocolate
tem que ganhar o diploma de namorado.
— Eu concordo — afirmo.
— Qual o outro presente? — Mia pergunta.
Juju se acomodando na cadeira toma a palavra.
— Mamãe disse que ganhou roupas, mas eu não vi ainda.
O rosto da minha namorada fica vermelho como pimenta. Mia sorri
maliciosa entendendo o teor das roupas.
— Ganhou um ‘Nissa’ pra me levar para escola.
— Um Nissa? — a amiga pergunta.
— Sebastian me deu um carro, acredita nessa loucura? — AnneLiz
responde.
— É aquele Nissan Versa estacionado ali na frente? — meu primo
curioso continua a conversa.
— Esse mesmo. — Bebo meu café sem erguer o olhar.
Sei perfeitamente que ele vai mexer comigo sobre o grau de
sentimentos que tenho por Liz.
— Sebastian é um homem muito generoso com quem ele ama. Veja
por mim, o primo predileto, mais amado e leal que ele tem. Quando meu pai
me expulsou de casa ele mandou a passagem para a Suíça imediatamente.
Arranjou emprego para mim e bancou meus cursos até me restabelecer.
— Você já me pagou tudo, Simba. Pare com isso.
— A questão não é a grana ou a dívida que tenho com você. É o
amor. Sou seu parente mais lindo, inteligente e simpático, além de
conselheiro particular. Você me ama, esse é o fato.
— Palhaço!
Ele cai na gargalhada, mas as meninas se olham, talvez achem que
tô indo rápido demais. Mas foda-se, já tenho quase trinta anos, tenho idade
suficiente para fazer o que quiser, porra!
— E deu também canetas, mamy me contou — revela Juju
devorando um macarron.
— Canetas? — pergunta Simba.
— Uma caixa de canetas — AnneLiz confirma com um semblante
vaidoso. — Meu ciumentinho mandou jogar fora a que ganhei de Mark.
Simba e Mia começam a rir muito, enquanto minha namorada me
abraça notando como fiquei quieto com essa revelação.
— Quem é Mark? — pergunta Juju.
— Ele é um rapaz que trabalha com a gente, tem uma cara de sapo e
uma careca fedorenta — respondo para a minha amiguinha provocando
risadas ainda mais altas.
— Eca, sapos são nojentos!
Concordo com Juliete exagerando os defeitos do cara.
— Sebastian! Pare com esse ciúmes! Não quero nada com Mark,
você é meu namorado.
Um beijo no cantinho da minha boca faz com que a abrace e desvie
minha intenção de difamar a imagem de Mark para a minha enteada.
— Eu vivi para ver meu primo rendido dessa maneira. Oh Deus!
Obrigado por isso! — Ele olha para o céu agradecendo em uma prece.
Mais risadas ecoam na mesa e a festa improvisada matinal termina
perto das dez. Apesar da insistência de AnneLiz para ficar para o almoço
em sua casa, o dever me chamou. O expediente foi suspenso a tarde, pela
vistoria dos bombeiros no prédio da Latarge e era importante fazer uma
reunião com eles.
Tenho certeza que ninguém vai estragar meu humor hoje, as coisas
apesar de não planejadas me agradaram muito. Há quanto tempo não me
sinto feliz desse jeito?
O trajeto da minha mesa até o refeitório nunca foi tão difícil. O fato
de estar namorando Sebastian há algumas semanas, contribuiu para isso.
Mantemos nossa relação discreta na empresa, mas não escondemos
que estamos juntos. E desde os primeiros dias no trabalho foi um turbilhão
de rumores. Os sussurros começaram no momento em que entrei pela porta
da empresa, como se as paredes tivessem ouvidos sensíveis. Cada olhar
parecia conspirar contra mim. Olhares de julgamento e sussurros se
tornaram parte do meu cotidiano.
A hora do almoço é a pior, as olhadas indiscretas e os sorrisos
maliciosos me incomodam. Ao longo dos dias, as fofocas se multiplicaram,
ganhando proporções que eu nunca imaginaria.
Meu namorado sempre diz para levantar a cabeça e seguir em frente.
E ele tem razão, não estamos fazendo nada errado. Somos solteiros e a
única coisa que me importa é como isso afetará meu relacionamento com
Sebastian, com minha carreira na empresa se eu decidir ficar aqui, e claro,
no processo da guarda de Juliete.
O que me preocupa mesmo é a opinião dela sobre mim. Imagina no
futuro falarem para ela que sua mãe só tinha o emprego e subiu de cargo,
porque era amante do chefe. Meu Deus!
Meus pensamentos não estão em ordem, tô chateada demais!
Hoje estou almoçando sozinha. Mia voltou das suas semanas de
férias e estava atolada de trabalho quando passei no setor antes da pausa.
Sebastian foi a um almoço com um cliente importante e, mesmo tentando
focar na refeição, a sombra das fofocas pairam sobre mim. E como se as
vozes invadissem meu cérebro, todas ao mesmo tempo para me condenar.
Desanimada, ergo o olhar do meu prato e sinto um alívio gigante ao
ver Mia entrando apressada para o almoço.
— Ufa, consegui terminar e pude almoçar com você, minha amiga
— diz ao chegar próxima à minha mesa enquanto se serve de salada.
— Não sabe o alívio que é ter companhia na pausa — respondo
assim que ela se acomoda ao meu lado.
— As fofocas continuam?
— Diga você! Eu só vejo os olhares maliciosos e risos, mas não
consigo ouvir o que falam.
— Você não devia se importar. Falam de mim também, sabia? Que
eu sou uma depravada por estar em um relacionamento a três e no início foi
difícil ouvir. Mas quando eu chego em casa, esqueço tudo isso. — Suspira
apaixonada. — Sou mimada, cuidada e comida por dois grandes gostosos.
Acha que falam da gente por quê, AnneLiz? Porque estamos bem, porque
não estamos reclamando de estar solteiras, ou choramingando por não
termos ninguém igual a elas. Você deve relaxar e curtir ao máximo o seu
namorado.
— Tenho que aprender a não me importar com o que as pessoas
falam, mas é tão difícil.
— Mas essa melancolia que vejo em seu olhar não é só pelas
fofocas da empresa.
— Não. Hoje é a primeira noite que Juliete vai para a casa do pai. —
brinco com o garfo na comida do prato. — Até que se prove o contrário,
que Daniel não é o santo que demonstra nas audiências, sou obrigada a
dividir a guarda.
— Ôh, amiga, não sabia.
— Eu tô preocupada e sei que essa angústia só vai passar quando ela
voltar para casa amanhã.
— Ele ia buscar ela na escolinha?
— Sim. Tive conversas sérias com ela nesses últimos dias. Juju é
inteligente e entendeu como será, mas não sei até onde compreende toda
essa situação. — desisto do almoço e deixo as costas repousarem no
encosto da cadeira com desânimo.
— Já pensou em levar Juju a uma psicóloga?
— Sim, inclusive já marquei uma consulta para conhecer a
profissional que escolhi.
— Isso é ótimo. Assim, você também mantém as preocupações com
equilíbrio.
— Preciso também de uma orientação profissional para me atender.
Toda essa situação me tirou o sono, talvez precise de um calmante para
descansar.
— Precisa se divertir um pouco, isso sim. O que vai fazer hoje?
— Sebastian me convidou para jantar. — Essa revelação deixa um
sorriso pintar meus lábios.
— Hum, a noite será quente, então? Bora escolher um look para
você depois do trabalho?
— Não sei se é necessária uma roupa nova.
— O quê? Você vai jantar com um homem lindo, se exibir com ele,
namorar, precisa surpreendê-lo. Além disso, podemos fofocar uma horinha
mais sossegada. Essa pausa passa tão rápido! E eu quero os detalhes
secretos desse namoro. — Ela levanta e eu acompanho.
— Que detalhes secretos? — pergunto enquanto saímos do
refeitório.
— Aqueles inconfessáveis, sórdidos, papo de amigas, tamanho,
desempenho, ah, amiga, essas coisas! — fala ela com um sorrisinho
travesso.
— Ah, ok, mas você vai ter que contar os seus detalhes secretos se
quiser saber o meu.
— Nisso eu levo vantagem, Anne, tenho dois detalhes secretos pra
explanar para você — sussurra dentro do elevador, arrancando uma boa
risada de mim.
— Combinado, depois do expediente vamos... Às compras! —
falamos juntas em referência ao filme ‘As branquelas.’
Aí mesmo que a gargalhada estoura, atrapalhando as conversas
paralelas.

No final do expediente, minha melhor amiga me esperava na saída


para o estacionamento.
E eu às voltas com Daniel no telefone enquanto íamos até o carro.
— Eu preparei uma mochila extra com tudo o que Juju precisa. O
pijama, as pantufas, não deixe ela ficar descalça pela casa. Sabe como ela se
resfria com facilidade.
— Eu sei, AnneLiz! Sou o pai dela, cacete!
— E antes de dormir ela sempre toma um copo de leite morno com
chocolate. Mas não exagere com doces, Daniel. Você sabe como ela é uma
formiga e pode prejudicar sua saúde. É apenas uma sobremesa leve após o
jantar.
— AnneLiz, você continua um porre! Bendita hora que me separei.
— Vou ignorar seus comentários ofensivos pelo bem de nossa filha.
— Quer saber? Vai a merda, sua sonsa! Eu sei cuidar da minha
filha!
Desliga o telefone na minha cara, tiro o aparelho da orelha olhando
para a tela sem acreditar. Encaro Mia parada ao meu lado do lado de fora do
carro.
— Ele desligou na minha cara! Acredita? E ainda me mandou a
merda! Estava falando dos cuidados com Juju. Em nenhum momento o
ofendi. Cada dia me surpreende mais conhecer a verdadeira face do meu ex-
marido.
— Você sabe que não tem nada a ver com Juliete a implicância dele,
né? — Mia observa assim que embarcamos no carro e ela ata o cinto.
— Como não? Até disse que sou um porre! — Jogo as mãos para
alto num gesto de irritação.
— Anne, ele tá muito mordido. Imagina jogar fora uma mulher
como você, achando que ninguém ia pegar e chegar o Senhor Melhor Foda
e te ajunta, te joga na parede e te chama de minha lagartixa?
— Palhaça! — rimos muito até lacrimejar.
Dirigimos por uns dez minutos, pegamos a Market street
cantarolando ao som de Beyoncé. Estacionamos perto das melhores lojas de
moda feminina, mas que trabalham com outlet. Não estou em condições de
gastar muita grana em um vestido.
Dentro da loja, Mia é uma águia em garimpar modelos atraentes.
— O que você acha deste para o jantar com o Sebastian? — segura
um cabide com um modelo vermelho ousado e sexy.
É um midi modelo envelope com uma fenda, e com uma manga
apenas.
— Vermelho? Não sei, Mia. Eu gosto dessa cor, mas será que é
adequado para uma mulher como eu?
— Como assim?
— Sou mãe, você sabe. Não devo chamar atenção.
Mia olha para mim como se eu fosse um ET.
— Quem colocou uma porcaria dessas na sua cabeça?
Meio constrangida vasculho outro modelo na arara.
— Daniel dizia que não era adequado para uma mulher casada e
com filhos, usar coisas chamativas e ousadas.
— Aquele porco fez lavagem cerebral em você. Vou escolher vários
modelos e você, senhorita dona AnneLiz, vai provar todos.
— Ok — sem argumentos, pego o vermelho das mãos dela indo ao
provador.
Ao prová-lo noto que veste muito bem. Quando saio, minha amiga
dá um gritinho eufórico, olhando atentamente.
— Uhu, Anne, ele é incrível! O chefão vai ficar babando. Vermelho
é a cor da paixão, não é?
— Espero que sim... — suspiro alto — Estou nervosa com a Juliete
indo dormir na casa do pai, desculpe não estar com a empolgação no seu
nível. Como será que ela está?
— Relaxa, amiga. Sei que isso é novo para você, mas ele vai querer
mimar a filha, até pra roubar a preferência dela, então não se preocupe.
— Deus lhe ouça! Espero que tenha razão... — dou um giro diante
ao espelho apertando a gordurinha aparente das costas. — Mas, mudando
de assunto, e você? Como estão as coisas com os caras?
— Ah — com um sorriso malicioso. — Você sabe, normal de início
de namoro.
— Normal? São dois! Pelo amor de Deus! — Mia ri e abana a
cabeça. — É sério o relacionamento de vocês?
— Quero manter as coisas leves, sabe? Mas da minha parte é sério.
Gosto dos dois.
— Você faz bem. Leveza é a chave. Afinal, com a quantidade de
dramas na vida, é bom ter um relacionamento de conforto — falo ao entrar
no provador e trocar por um vestido pink.
— E o Sebastian é dramático? — seu olhar analítico inspeciona o
novo modelo, sinalizando negativamente.
— Não, não é isso. É só que... Preciso ter cuidado, Mia. Estou no
meio de um processo judicial. Por mais que eu queira muito essa relação
com Sebastian, Daniel pode usar essa relação contra mim.
— Achei que era só pelo fato da hierarquia.
— É também, ele é o CEO, e eu sou sua funcionária. Às vezes, sinto
que estou em um filme ou algo do tipo. — Sorrio encabulada.
— Filmes são bons! Pode ser tipo “50 Tons de cinza”, e você é a
protagonista, Anastácia. — Ela faz um gesto de chicotada e ri.
— Se ao menos fosse tão simples. — Analiso meu reflexo no
espelho. — Mas a realidade não é um conto de fadas moderno.
Entro no provador e provo um preto, porém o mais justo de todos,
pareço buscar o ar com dificuldade.
— Já disse que precisa levar a vida menos a sério. E usar o
vermelho, esses outros que provou, não fazem justiça ao seu corpo.
— Hum... — murmuro ao admirar a peça agarrando cada parte do
meu corpo. Vulgar demais, esse não!
— E você não me contou se o chefe é realmente o ‘Senhor Melhor
Foda’? — sonda com um sorrisinho displicente.
Suspiro profundamente entrando no provador.
— Não vai conseguir fugir da minha pergunta.
— Ah, Mia! — Sinto até um calor ao lembrar, começo a vestir
minhas roupas normais. — Ele é sim o Senhor Melhor Foda, quer dizer...
Nunca senti o que senti com ele. Sebastian não tem pressa, parece querer
aproveitar ao máximo das preliminares, quando chega na hora H, tô subindo
pelas paredes. Com Daniel era rápido, mecânico, nem sei se aquilo era
sexo! Lembro que às vezes sentia arder, não dava tempo de ficar molhada,
não me estimulava. Lembro que Sebastian contou que na noite do meu
pileque, quando ficamos a primeira vez, eu tirei a calcinha no carro e puxei
ele pra cima de mim.
— A bebida te solta mesmo né?
— Não, criatura! Era o que eu conhecia, tira a roupa, enfia e pronto.
Sebastian está me mostrando o que é sentir prazer de verdade. Cada vez que
ele me pega, me deixa louca, literalmente reviro os olhos de prazer somente
com a língua. Quando aquele ... — sussurro — pau entra, minha filha... É
algo de outro mundo!
— Uau! E é grande? A varinha de condão? O dito cujo?
— Miaaaa? — coloco a cabeça para fora do provador.
— O quê? Falou até agora da foda das galáxias, poxa! Curiosidade
foi a mil, oras. — Safada, a ruiva dá uma piscadela.
Voltando a me esconder no cubículo, devolvo a bola pra ela:
— E os seus?
— Eu perguntei primeiro, Anne! Não vale!
— Tá... Sebastian não tem o pau exagerado no comprimento, que,
aliás, é perfeito e não cutuca meu útero, mas a grossura, amigaaaa... É de
delirar.
— U.A.U que revelação hein, Anne! Sortuda!
Saio do provador separando a peça vermelha das outras.
— Olha quem fala! Com dois a disposição e me considera sortuda.
Posso perguntar uma coisa, Mia?
— Pode.
— Os dois se pegam também ou só pegam você?
— Que graça teria se não se pegassem? Você já assistiu pornô gay?
— Não, nunca.
— Nãoooo? Você não sabe o que está perdendo. É fogo nas
calcinhas. Esteves é bruto e Simba safado. Obrigado Deus, tua serva
agradece! — faz uma prece com as mãos olhando para o céu.
— Mia! Fala baixo, olha as tias ali na outra arara nos condenando
com o olhar!
— Olha a minha preocupação, AnneLiz! Pare de se importar com os
outros, no fim é só você quem vai viver o momento ou não. Somos nós as
sortudas, fodam-se elas!
— Você anda muito rebelde, Mia Salsichinha.
Minha amiga segura a risada seguindo junto comigo para o caixa.
— Não estou segura do vestido vermelho — sussurro próxima ao
balcão de pagamento.
— Se der mais um pio vou pagar pelo vestido! — murmura entre
dentes sorrindo amarelo a funcionária.
Pago a compra, e ao sairmos da loja meu telefone toca, e me afasto
um pouco para atender Sebastian.
— Oi.
— Oi, já chegou em casa? Onde você está?
— Eu e Mia passamos em uma loja depois do expediente.
— Hum... Fiquei preocupado, visto que não mandou mensagem
quando chegou. Sabe que acho o seu bairro muito afastado do centro e
perigoso.
— Foi mal. A empolgação pra comprar um vestido para o nosso
encontro me distraiu.
Ouço uma limpada de garganta do outro lado da linha.
— Vestido? Queria ter sabido desse plano, eu levaria você nas
melhores lojas de São Francisco.
— Sebastian, sabe como não tenho poder aquisitivo para esse tipo
de butique, e antes que fale, Sr. Grey, não vou aceitar mais presentes. O
carro já valeu pela vida inteira de gastos comigo.
A gargalhada rouca do outro lado da linha me surpreende.
— Vamos ver, senhorita Colleman!
— Que horas devo ficar pronta?
— Te pego às oito.
— Até mais tarde, senhor mandão!
— Até, pimentinha.
— É bonitinho, você falando toda fofa no telefone.
— Ai que susto, Mia — coloco a mão no peito olhando para trás
onde a pestinha se aproxima sorrindo. — Não estava falando fofa.
— Ah, senhor mandão é?
Começo a rir do tom malicioso dela que me dá um empurrãozinho
com o ombro no meu a caminho do estacionamento.
— Vamos abusada, tenho que te deixar em casa antes de voltar para
a minha e me preparar.
— Tá bom, mas segunda-feira quero detalhes. Obrigada por topar
esse programa, vejo que está um pouco menos preocupada.
— Talvez você tenha razão, Daniel vai mimar Juju e cuidar muito
bem dela para que fique do seu lado da história.
— Não tem medo, amiga? Que ela prefira passar tempo com ele e
não com você?
Destravo o alarme do Nissan.
— Não! Minha garotinha é muito inteligente. Pode ser gentil e ver o
bem nas pessoas, mas ela sabe que o pai agiu errado com a gente.
— Tenho orgulho dela e você deve sentir muito mais, Juliete é um
anjo colocado por Deus aqui entre nós pra nos ensinar.
Emocionada observo minha melhor amiga colocando o cinto.
— Obrigada pelas lindas palavras, minha Juju é mesmo um anjo.
Jamais poderia haver uma filha melhor. Tenho muito orgulho dela.
Seguimos para a casa de Mia, mas não consigo parar de pensar em
Juliete. Uma sensação ruim, algo dentro de mim me diz que minha menina
não está feliz.
Ligo duas vezes para Daniel e cai na caixa de mensagem.
— Pra quem está ligando, Anne?
— Tô tentando falar com Juju, quero só confirmar que está tudo
bem, mas Daniel não me atende.
Dou meu telefone para ela pedindo que ligue para não me distrair no
volante.
Mia tenta ligar um par de vezes, olhando receosa em minha direção
cada vez que a ligação cai na caixa de mensagem. Ao olhar a tela ela avisa:
— Chegou uma mensagem do pai de Juju.
— Pode ler!
— É uma selfie. Ele e Juju comendo pipoca no sofá.
Ela vira a tela e não consigo ler a legenda da foto.
— O que está escrito?
— Sessão de cinema, não enche a porra do meu saco, sonsa!
— Filho da puta! — bufo. — Pelo menos Juliete está bem.
— Sim amiga, agora vai mais devagar, por favor. Se acalme!
— Ok, ok, desculpe. — sorrio sem graça tentando acalmá-la.
Sinto-me um pouco mais confiante em usar o vestido vermelho,
preciso voltar a usar o que eu gosto e não ficar presa naquele
relacionamento que não me fazia bem. Acorda Anne, você está namorando
um homem de verdade agora!
Enquanto o carro cortava a noite rumo à casa de AnneLiz, cada
quilômetro percorrido parecia uma eternidade. O som do rádio cantava uma
música romântica, uma trilha sonora para acalmar meus pensamentos
inquietos. Minha mão percorria os fios do cabelo, um gesto nervoso que
traía minha ansiedade.
Esse encontro promete ser especial, uma chance rara de
compartilhar momentos a sós com ela. Desde aquela noite de tempestade no
prédio da Latarge, nossos momentos juntos foram poucos e breves, sempre
interrompidos pela presença adorável, mas inevitável, de Juliete. Porém,
essa noite será diferente, e eu mal posso conter minha excitação. Quando
relembro nossa noite, aquela lingerie vermelha e aquele corpo delicado,
minhas calças começam a apertar.
Mesmo com a sombra de preocupação de que Liz não esteja no
clima para um encontro, vou me esforçar ao máximo para deixá-la feliz e
distrair um pouco da falta de Juju.
Enquanto o horizonte se tinge com as luzes da cidade ao crepúsculo,
uma sensação de expectativa preenche o ar. É como se o universo
conspirasse para tornar essa noite inesquecível.
Respiro fundo, tentando acalmar os nervos e me concentro no
momento presente. Lembro-me da conversa mais cedo sobre o vestido de
AnneLiz, e um sorriso involuntário ilumina meu rosto. Aquela deusa de
vestido vai testar o meu controle!
Finalmente, cheguei ao destino. Estaciono o carro em frente ao
prédio, sentindo o coração bater descompassado no peito. Envio mensagem
que estou subindo, mas ela avisa que está pronta e vai descer. Pego as rosas
vermelhas que comprei, esperando diante do portão como se fosse um
adolescente no primeiro encontro. Porra! Sebastian, você está
irreconhecível!
O som dos saltos finos no azulejo do corredor se aproximando cada
vez mais e seus pés revelando pouco a pouco a silhueta pelos degraus, me
faz ajeitar a postura e aguardar minha namorada.
AnneLiz desce as escadas do prédio com uma elegância que me
deixa completamente hipnotizado. Seu vestido vermelho um pouco abaixo
dos joelhos tem uma fenda sensual, revelando uma parte da coxa cremosa.
Em cima é de um ombro só deixando o outro descoberto. Como essa cor a
deixa deslumbrante! É de tirar o fôlego!
Conforme chega mais perto descendo os últimos degraus, o tecido
abraça suas curvas de maneira tão perfeita que parece ter sido feito sob
medida para ela. A seda desliza suavemente sobre sua pele, enquanto molda
todo o conjunto do corpo gostoso com uma sensualidade natural.
Seus cabelos caem em ondas perfeitamente arrumadas sobre os
ombros. A maquiagem discreta é realçada no batom vermelho, deixando os
lábios parecendo um morango suculento. Combinado ao perfume sutil,
parece a minha sobremesa dos deuses.
— Oi Sebastian.
Um sorriso enigmático brinca em seus lábios, revelando a ansiedade
contida que ela tenta disfarçar.
Ao alcançar o portão e abri-lo, AnneLiz para por um momento, seus
olhos encontrando os meus. Nesse instante, o mundo ao nosso redor parece
desaparecer, deixando apenas nós dois imersos numa cena digna de um
conto de fadas.
— Sebastian? Está me ouvindo?
— Oi... — Limpo a garganta. — Liz, comprei flores para você. —
Com o ramalhete em uma mão ainda concentrado na bela mulher não me
dou conta da falta de reação em oferecer as flores.
— Você pretende me dar essas rosas? Por que está me olhando
assim? Não gostou? Posso trocar a roupa.
De súbito agarro sua cintura colando nossos corpos, inspirando o
perfume de morango. AnneLiz arfa em meus braços, me encarando
surpresa. A respiração rápida contra meu rosto me diz que está afetada pelo
meu gesto brusco.
— Queria beijar seus lábios para expressar o quanto adorei vê-la
nesse vestido, mas não quero privar as pessoas da visão da mulher
estonteante que estará ao meu lado no jantar. Não é justo danificar essa obra
de arte antes que todos possam apreciá-la plenamente.
O sorriso lento com o qual me brinda é ainda mais tentador.
— Não sorri desse jeito, pimentinha. Ou mando a etiqueta pra puta
que pariu e te levo diretamente para a minha mansão, e vamos estrear todos
os cômodos dela.
— Como você consegue ser tão cavalheiro e tão tarado ao mesmo
tempo?
É minha vez de sorrir malicioso, ao invés de estragar sua
maquiagem, beijo seu pescoço com murmúrios de tesão no seu ouvido.
— Sua culpa, Liz. Você é irresistível de um jeito que eu não sei
explicar.
— Meu Deus! Sebastian! Será que conseguimos nos comportar até
chegarmos em casa?
Afasto-me lentamente e entrego as flores.
— Prometo me esforçar. Aqui estão as flores para a mulher mais
linda que já conheci. E você nunca deve trocar de roupa porque alguém não
gostou dela, você precisa se sentir bem e gostar, não os outros.
— Obrigada pela gentileza, modo cavalheiro ativado.
— Prometo ativar o modo tarado só depois do jantar — concluo
com uma piscadela.
Abro a porta do carro para que entre e dou a volta assumindo o
volante.
Enquanto seguimos para o restaurante, a atmosfera no carro é uma
sinfonia de antecipação. Uma trilha sonora de ‘Coldplay’ preenche o
espaço, harmonizando-se com as luzes da cidade que deslizam diante de
nós. No trajeto conversamos amenidades.
— Juliete deu notícias?
— Consegui saber dela durante o dia. — Sua voz soa melancólica.
— Por que isso não soa bem?
— Porque Daniel tornou-se um homem intratável. Não há conversa
normal com ele, só ouço ofensas.
Aperto o maxilar, trincando os dentes.
— Não perde a oportunidade de me chamar de nomes… desculpe,
não quero reclamar. Vamos mudar de assunto? Que tal adiantar os detalhes
do restaurante?
Meio contrariado, ainda espumando de raiva do inseto, tento relatar
como é o restaurante.
Escolhi um sofisticado, envolto em uma aura de intimidade e
romance.
— Quero um clima especial para uma noite perfeita com você, o
restaurante é intimista e exclusivo para casais.
— Hum, adorei isso!
— Você está linda nesse vestido. Adoro quando usa vermelho e
realça essa boca para mim. Me faz fantasiar tanto.
— Pretende me contar essas fantasias?
Pego sua mão e beijo com carinho.
— Pretendo realizar!
Seu sorriso meio tímido me anima. Amo provocá-la.
Ao chegarmos, deixo o carro com o manobrista.
Vejo que agradei na escolha, pois Anneliz suspira ao admirar a
fachada imponente, com grandes portas de madeira escura ladeadas por
lanternas de ferro forjado, emanando uma luz amarelada suave e
convidativa.
Desfilamos sobre o tapete vermelho desenrolado do interior para a
entrada convidando os visitantes a entrarem, como se fosse um espetáculo
de gala.
— Vou saber comer neste lugar? Precisava disso, Sebastian?
— Fique tranquila, não é difícil. E reservei uma mesa discreta no
terraço para ficarmos à vontade.
À entrada, luzes do mesmo tom da entrada iluminam o caminho,
enquanto conhecemos o ambiente acolhedor, envolvidos pelo aroma
reconfortante de especiarias e a melodia suave de música ao vivo.
Ao meu lado, AnneLiz irradia uma beleza magnética em seu vestido
vermelho, capturando olhares e roubando suspiros.
Aos homens, lanço meu olhar de posse disfarçadamente, enquanto a
recepcionista nos conduz até o pavimento superior.
A mesa que reservei oferece uma vista panorâmica do jardim,
iluminado por luzes estratégicas. A decoração é requintada, com uma
lâmpada LED vintage imitando luz de velas sobre cada mesa.
— Aqui é lindo! — exclama aceitando a gentileza de afastar sua
cadeira para sentar.
— Sabia que ia gostar. Quando pesquisei os melhores lugares para
um encontro, esse estava no topo da lista.
— Nunca tinha vindo aqui?
— Não, na época que morava em São Francisco, esse restaurante
não existia.
Ao nos acomodarmos, percebo um brilho de aprovação nos olhos de
AnneLiz, indicando seu encanto com a escolha.
Nosso garçom nos recebe com um sorriso cortês e nos apresenta um
menu repleto de opções deliciosas. Escolhemos nosso jantar com a
companhia de um vinho branco, com baixo teor etílico.
Enquanto aguardamos nossos pratos, nos envolvemos em uma
conversa animada, compartilhando risos e trocando olhares cúmplices. Com
o ambiente agradável o jantar passa rápido.
— Gosto muito de frutos do mar, adorei a escolha do lugar —
ressalta AnneLiz com seu sorriso estonteante.
— Espere para ver a sobremesa. Li uma ótima crítica sobre a lobster
tail daqui. Falaram que é a mais gostosa da Califórnia.
— Eu amo, mas não faço muito porque Juliete não curte muito
ricota. Se eu recheasse com chocolate, aí ela mudaria de ideia.
— Você também é apaixonada por chocolate, não negue.
— Verdade, mas não exagero para não viciar em substâncias
perigosas.
— Safada! Você não esquece daquele café da manhã.
— Jamais vou esquecer.
A sobremesa chega e os murmúrios dela ao degustar são excitantes.
Fazem-me lembrar dos seus melodiosos gemidos quando lhe dou prazer.
Instantaneamente preciso arrumar a frente da calça sob a mesa. Ela tem esse
poder sobre mim.
No final da sobremesa, uma presença inesperada interrompe nossa
tranquilidade.
— Oh! Sebastian, há quanto tempo?
Essa voz? Não! Caralho! Essa mulher não! Puta Merda!
Uma enxurrada de memórias que não queria relembrar me inundam
nesse momento. Até meu corpo paralisa.
Ela se aproxima de nossa mesa, com uma roupa elegante e um
sorriso forçado nos lábios, exalando uma aura de falsidade.
Porra! Que cara de pau! Não é possível depois de tantos anos, justo
hoje, caralho!
Reconheço-a imediatamente como Samantha, minha ex-noiva, cuja
traição quase destruiu minha fé no amor.
— Olá, Samantha. Não esperava encontrá-la aqui. — Minha voz,
apesar de soar tediosa, arranha minha garganta pela raiva.
Essa miserável vai estragar meu encontro perfeito com minha
namorada!
Cruzo o olhar com Liz que rapidamente lembra do nome que falei
algumas semanas atrás.
— Verdade, meu marido Clayton, não costuma me trazer a esse
restaurante, prefiro massas a frutos do mar, você sabe. — Ela olha para Liz
demoradamente e volta seu olhar venenoso para mim. — Não vai me
apresentar a sua amiga?
— Minha namorada, AnneLiz Colleman, esta é Samantha Reyes,
uma velha conhecida. — Visivelmente enojado da mulher ardilosa, conecto
meu olhar com Liz, que bebericando um gole de vinho sorri largo para a
outra.
Samantha faz um cumprimento superficial, seus olhos cintilando
com um brilho de inveja disfarçada.
— Velha conhecida? Não precisa disfarçar para ela, afinal fomos...
— Noivos? — Completo. — Ainda bem que erros como aquele é
fácil de consertar. Faz quanto tempo mesmo? Oito, nove anos? Ainda não
esqueceu aquilo? — Encaro AnneLiz ignorando a mulher. — Contei sobre
aquela fase da minha vida, querida? Não lembro. — Ela ajeita o cabelo de
modo elegante e esboça um sorriso convencido a Samantha.
— Sim, contou alguma coisa quando questionei seu passado no
início do nosso namoro. — Ela volta-se para a mulher. — Inclusive, fico
feliz que seu relacionamento ainda mantém a chama da paixão para jantares
à luz de velas. Posso perceber como é mimada pelo seu esposo, assim como
eu, não é Sebastian? — Aceno com um sorriso satisfeito.
Que tesão! Essa mulher mostrando sua posse sobre mim vai me
levar ao delírio.
A loira, surpresa com a coragem de AnneLiz, tenta argumentar, mas
a pimentinha vendo a tensão no meu rosto, com graça, assume o controle da
situação com sua habitual determinação.
— É uma pena estarmos de saída, se tivéssemos mais tempo
poderíamos degustar um vinho juntos, adoraria conhecer seu marido. — Ela
desvia da mulher e me olha apaixonada, estendendo a mão sobre a mesa.
Beijo cada dedo delicado. — Mas Sebastian é tão romântico! Preparou uma
noite incrível para nós. Fazia tempo que não tínhamos uma noite inteira só
nossa.
— Merecemos muito mais que uma noite. Vou pedir a conta, estou
ansioso para ficarmos a sós. — Sorrio e sinalizo a um garçom a conta sem
olhar para a mulher parada diante da nossa mesa.
— Foi um prazer conhecê-la, senhora Reyes, se nos der licença. —
Educada dispensa a loira.
— Cl...- claro, o prazer foi todo meu. Vou voltar para a minha mesa.
Quando finalmente Samantha se retira, sinto um peso sendo
levantado de meus ombros, agradecendo silenciosamente a presença segura
e inteligente de AnneLiz ao meu lado.
O rapaz chega com a comanda e depois de acertar, já em pé, a puxo
para um beijo de tirar o fôlego.
Não tem nada a ver em fazer ciúmes para a outra, é simplesmente a
admiração enorme e paixão por essa mulher linda e fascinante, que não
permitiu que Samantha tirasse o brilho da nossa noite especial.
À medida que saímos do restaurante e entramos no carro, percebo
AnneLiz quieta. Talvez esteja sentindo falta de Juju, portanto dou um tempo
antes de perguntar algo. Mas o longo silêncio começa a me incomodar.
Quase chegando na minha casa, arrisco começar um assunto.
— O que houve? Espero que aquele incidente no final do jantar não
seja o motivo do seu silêncio.
Nenhum olhar, nem movimentação corporal dela a mim.
— Por que me beijou?
— Como assim? Sempre te beijo, queria ter te beijado quando te vi,
mas não quis borrar sua maquiagem.
— Não foi para deixar Samantha enciumada?
Quando finalmente olha nos meus olhos o que vejo neles, me
preocupa. Um misto de desconfiança e decepção.
— Não!
— Ok, achei que nossa relação era séria. Sei que saí há pouco de um
casamento falido, mas não vou mais ser usada por ninguém, Sebastian.
— O que você tá falando?
— Melhor me levar para minha casa.
Mas nem fodendo que vou perder minha mulher por causa daquela
desgraçada!
Sempre que Sebastian fica chateado ou nervoso, se fecha em pensamentos, não é diferente
agora que pedi para me levar para casa.
Não ouso olhar para ele.
Posso estar sendo infantil, mas o que vi naquele jantar foi um homem afetado pela presença
da ex-noiva. E aquele beijo indiscreto, ou melhor, totalmente cinematográfico para que ela visse, foi
com a intenção de atingi-la. Não sou boba e nem uma foda reserva para passar o tempo enquanto
reatam.
Acabamos de passar o retorno e ele passa reto, continua acelerando o carro como se eu não
tivesse pedido para voltar.
— Por que não me leva para casa? Vai me sequestrar? Me obrigar a ficar com você? —
tento mostrar indignação no tom de voz, mas só sai decepção.
Nesse momento o encaro. Seu rosto impassível não demonstra nada.
— Não vou obrigar você a nada, AnneLiz. Vamos apenas conversar, acho que mereço uma
chance de lutar por você.
Suspiro fundo quando desliga o motor em frente a sua mansão.
A tensão dentro do veículo é palpável. Gostaria muito que a noite fosse diferente, mas
finalmente descobri o que Sebastian queria comigo. Passar o tempo.
— Não a beijei para deixar Samantha enciumada. Te beijei porque...
Sebastian mexe na gola da camisa de modo nervoso.
— Por que? — impaciente, recuso-me a ficar em silêncio.
— Você, AnneLiz, reviveu o que achei que aquela mulher tinha matado.
Respiro longamente antes de encará-lo.
— Pensei que nunca mais iria confiar em alguém outra vez, me apaixonar, sentir a
necessidade de estar perto a todo o momento. Beijei você porque me senti o homem mais importante
do mundo quando mostrou a seriedade da nossa relação, defendendo diante daquela cobra.
Encaro seu semblante sério com um misto de sentimentos, sem conseguir falar pela sua
confissão que parece ser tão difícil, mas um fio de medo de estar sendo usada ainda persiste.
— Não vou mentir para você, fui perdidamente apaixonado por ela na faculdade. E aquele
sentimento quase me destruiu.
Ele fecha os olhos ao apoiar a cabeça no encosto do banco, parecendo buscar memórias
antigas e angustiantes.
— Eu era jovem e me apaixonei de um jeito, que muito tempo depois descobri que foi
estrategicamente planejado para acontecer.
— Como assim? Não entendo! — meu interesse dobra ao perceber que é um segredo do
passado.
— Ela era bolsista, mais velha. A conheci como tímida, solitária e desprotegida. Não
frequentava os mesmos lugares que eu e minha família foi contra desde o início.
— Ela não era rica, não era da mesma classe social?
— Não era, mas nunca me importei com isso. Anos depois noivamos, dei tudo o que pude
para ela, a transformei em uma princesa. Meses seguintes, Samantha em um suposto descuido
engravidou, meu pai ficou possesso porque não havia me formado.
Sebastian busca meu olhar, massageia as têmporas visivelmente desconfortável.
— Brigamos feio. Rompi relações com minha família por ela. Saí de casa e fomos morar
juntos. Perto da formatura eu estava empolgado porque seria pai. — O meio sorriso é dolorido. —
Sempre sonhei em ser pai, sabe? Mesmo jovem via famílias passeando, unidos e desejava ter a
minha. Talvez pelo fato de ter sido criado praticamente em colégios internos, eu era carente desse
tipo de afeto. — Meneia a cabeça em desânimo. — Montei um quarto de princesa para a bebê,
acredita? Mas logo após minha formatura, comecei a receber ligações anônimas e dicas que ela me
traía. Cansado de desconfiar e percebendo certas atitudes suspeitas, fui atrás de uma das denúncias e
confirmei. — Sua boca transforma-se numa linha dura.
— Oh, meu Deus! — exclamo sem querer.
Como alguém pode trair um homem como ele?
— O pior não foi isso. Descobri que o bebê não era meu. Foi tudo uma farsa! Ela era
amante do pai do bebê fazia tempos, estava aguardando o homem largar a esposa. Lili orquestrou
cada passo até o fim da relação com Samantha.
— Como? Sua irmã? Por que ela fez isso? — Engolindo seco atordoada.
— Ela é adotiva, Liz. Mas não é por isso que não nos damos bem. Não entendo porque ela
interferiu na minha família, deve ser por puro prazer. É uma sociopata. Ela sempre quis ser a única
filha. Fez tudo para acabar com a relação que eu tinha com meus pais, e conseguiu. Manipula os dois
para que acreditem que não os amo, que os troquei por uma biscate, que a rejeito e odeio
gratuitamente.
— Nossa! Nunca imaginei uma coisa dessas, Sebastian. Naquele dia na sua sala não
aparentou o ódio dela a você.
— Não, ela nunca mostra isso em público. É dissimulada. Tenho vergonha de admitir, mas
eu era um fraco. Depois de ser traído e enganado, caí em uma depressão profunda. Simba cuidou de
mim, até me convencer a ir embora do país.
Compreendo o desconforto em falar, Sebastian é tão seguro, às vezes até arrogante com as
pessoas. Um modo de afastá-las para não se apegar. E contar que foi traído, não deve ser fácil.
— Com metade das ações da Latarge consegui me virar, busquei tratamento e retomei o
trabalho de longe. Jurei para mim mesmo que nunca mais me apaixonaria novamente, nunca mais
queria sentir o sonho de ter uma família se despedaçando outra vez.
As mãos inquietas no meu colo são uma distração para não tocá-lo. Quero consolar meu
Sebastian!
— Nunca mais a tinha encontrado, foi uma surpresa que me pegou totalmente
desprevenido. Não senti absolutamente nada ao vê-la. Senti medo que ela estragasse minha vida outra
vez, me separasse de você e quando tomou as rédeas da situação eu só queria te carregar para longe,
te abraçar e proteger do mal. O beijo naquele momento foi a maneira de demonstrar minha gratidão
por ter te encontrado.
É sincero, sinto no fundo da alma que ele está dizendo a verdade. Seus olhos não mentem.
— Sinto muito por tudo o que passou, não tinha ideia de algo assim.
— Não me olhe com pena, Liz. É por isso que prefiro não falar do passado.
Minha postura no banco do carro muda, já estou praticamente de frente para ele, que
esfrega o rosto de modo cansado.
— Não tô com pena, Sebastian. Tô com raiva! Se eu soubesse disso antes, eu teria
arranhado a cara daquela loira platinada de araque!
A expressão fechada suaviza e ele esboça um sorriso pelo meu jeito inflamado de me
expressar.
— Como ela pôde fazer isso com você? — fecho as mãos em punho de fúria pelo que ele
passou. — Um homem tão...
Em um segundo sou agarrada e levada ao seu peito em um abraço apertado, com beijos no
meu pescoço.
— Obrigado, Liz. Obrigado por ser assim. Nunca mude!
Engraçado como vamos de tristes a bravos, depois felizes tudo em questão de minutos.
— Você contribui para essa mudança que sinto em mim, Sebastian. A verdadeira AnneLiz
ressurge a cada dia por você — digo ao afagar seu rosto com carinho.
Ele beija minha palma e dedos, estende os beijos para o pulso e sobe pelo braço, até
encontrar meus lábios.
— Você também faz isso comigo, pimentinha. — O olhar apaixonado me derrete. — Agora
me diz, ainda quer ir para sua casa? Não quero que vá embora.
— Bobo! Claro que não! — pouso um beijo em seus lábios.
Aos sorrisos saímos do carro em direção a mansão. Enquanto ele destrava os alarmes
decido saber mais
— Sua irmã, aquele dia no escritório parecia bem à vontade na sua sala. — O amargo na
minha voz é nítido.
— Sim, ela faz isso. Quando cheguei da Suíça, ela foi com meus pais me buscar no
aeroporto, cheia de sorrisos e falsidade. Para evitar me indispor ainda mais com eles, aceitei a
recepção falsa. Mas descobri que estava apenas tentando uma aproximação, a fim de conseguir
benefícios financeiros em uma nova empresa que está montando com seu ex-marido.
Fecho os olhos com a compreensão dos fatos. Entramos na casa luxuosa e a primeira coisa
a fazer é tirar meus sapatos. Meus pés doloridos agradecem.
— Eles vão dar um golpe, Daniel não tem recursos nem conhecimento para gerir um
negócio próprio. Desconfio que forjou até o diploma. Nunca conheci um colega de trabalho, não sei o
que ele é naquela repartição civil. — Sento-me na poltrona branca que circula a sala inteira.
— Engenheiro ele não é. Ele nunca se formou.
— Não?
— Daniel Rodriguez é um golpista. Ainda estou investigando outros detalhes. Espero que
eu consiga impedir que destruam a reputação dos meus pais no processo.
Surpresa com essa revelação, penso em Juliete. Ela não pode ter convivência com um
homem como ele, o que eu vou fazer?
— Tenho medo por Juju.
— Não se preocupe, Liz. Vou proteger vocês duas, confie em mim.
Sebastian tira os sapatos também e vendo que massageio os meus, toma a iniciativa.
— Deixa que eu faço isso.
Quando as mãos quentes tocam meus pés, massageando e acariciando, deixo escapar
murmúrios de satisfação.
— Você sabe como agradar as pessoas, Sebastian. Essa massagem é deliciosa.
— É só você que eu quero agradar. — Beija meus dedos e o peito do pé, o problema é que
a barba faz cócegas e começo a gargalhar.
— Faz cócegas... Por favor pare! — falo quase sem fôlego de tanto rir.
É uma pena o que era para ser romântico, um lindo homem beijando meu pé, vira uma cena
cômica com as cócegas me levando às lágrimas de tanto rir.
— Senhor! Precisa de algo? — A voz estranha vindo do outro extremo do cômodo me faz
pular de susto no sofá, quase chutando Sebastian, que acha graça da situação.
— Wendell? Ainda acordado?
O senhor magro e calvo, vestindo um uniforme azul marinho bem alinhado faz uma
reverência e se aproxima. Envergonhada pela descontração, alinho meus cabelos e permaneço
sentada bem ereta.
— Faço o mesmo horário da equipe, senhor.
Sebastian nem aí com a seriedade do homem pega meus sapatos do chão.
— Antes de dispensá-lo quero apresentar minha namorada. AnneLiz Colleman será
presença constante na casa e o que ela solicitar deve atender como se fosse eu mesmo.
— Sim, senhor. Madame, é uma satisfação conhecê-la e atendê-la da melhor maneira
possível. — O homem igual um robô inclina-se em cumprimento como se eu fosse uma rainha.
— O-obrigada Wendell, é um prazer conhecê-lo também.
O que é isso?
Olho para o meu namorado que esboça um leve sorrisinho.
— Wendell, dê folga a equipe amanhã, você também está dispensado.
O senhorzinho esbugalha os olhos como se o patrão o tivesse ofendido.
— Mas senhor, nós folgamos no domingo!
— Acabei de estender a folga para o fim de semana todo. Não se preocupe, Wendell,
aproveite para conhecer um pouco mais a cidade — rebate com um largo sorriso.
— Obrigado, senhor Latarge, com a vossa licença, tenham uma boa noite. — Com a
bendita reverência ele se retira.
Espero uma distância razoável do mordomo.
— O que é esse homem? Parece um mordomo da era vitoriana que assistimos nos filmes —
pergunto baixinho.
— Exatamente, é um mordomo inglês que contratei, assim como toda a equipe é de
Londres. Um amigo me recomendou seus serviços. Agora vamos subir, quero mostrar o que preparei
para nós. — No momento que fico em pé, ele me alcança os sapatos e me pega nos braços.
Até minha bolsinha de mão ele lembra de pegar.
— Sebastian! Posso andar, não precisa me carregar escada acima, são dois lances com
dezenas de degraus.
— Por este motivo, seus pés estão doloridos, não posso permitir que se machuque ainda
mais. — Seu rosto sério me diz que esse é o real motivo e não a fofura dele a qual não consegue mais
esconder.
Ao terminar o trajeto da escadaria para o andar superior, seguimos por uma corredor largo e
acarpetado. Aqui em cima é tudo claro também, as paredes e o teto impecável, tudo harmônico com
poucos objetos de decoração, mas de excelente gosto. Alguns quadros com pinturas modernas, vasos
e esculturas em pontos estratégicos.
— O que você fez? — pergunto ao ver pétalas de rosas vermelhas em frente a uma porta
larga de madeira escovada branca.
— Você vai ver. — Imediatamente sou colocada no chão.
Ele não para de me surpreender e eu de me perguntar será que mereço ser tratada dessa
forma? Parece um conto de fadas perfeito, será que tudo vai se desfazer a meia noite?
Sebastian abre a porta e revela um quarto digno de cinema.
— Essa é a minha suíte, mandei preparar e ajudei nos toques principais para a nossa noite.
Provavelmente a equipe de funcionários sabe do que se trata a ‘nossa noite’ ignoro a
vergonha querendo se instalar e a empurro para longe.
O quarto imenso, quase maior que minha casa, está decorado com toques de vermelho. O
mobiliário é elegante e luxuoso, com uma cama king-size adornada com lençóis de seda branca. Ao
redor da cama, velas perfumadas em tons de vermelho e dourado espalham seu brilho suave, criando
pontos de luz dançantes que adicionam o toque romântico para nós.
Pétalas vermelhas espalhadas pelo chão sobre o carpete branco até chegar na cama, que
também está enfeitada com elas.
Ando pelo espaço admirando cada detalhe cuidadosamente planejado para essa atmosfera
de paixão e sedução. Atraída pela mesa para dois, estrategicamente posicionada ao fundo perto da
janela. Sobre a ela, um arranjo de rosas vermelhas frescas em um vaso de cristal exalando uma
fragrância doce e envolvente, enquanto taças de champanhe geladas aguardam para brindar à noite
especial que está por vir.
— Não precisava de tanto esforço para conquistar uma mulher que já está apaixonada por
você.
Sebastian afaga meus braços se posicionando atrás de mim enquanto admiro o baldinho de
gelo transparente com morangos cortados e montados em um cubo de gelo em formato de uma rosa.
— Quero manter essa mulher apaixonada tanto quanto eu puder — sussurra ao beijar
delicadamente meu pescoço, pousando a língua ardente sobre minha pele, arrepiando meu corpo
inteiro.
Pequenos detalhes adicionam um toque de sensualidade ao espaço, como uma bandeja de
frutas exóticas e chocolates finos dispostos artisticamente ao lado. O aroma sedutor de incenso de
sândalo paira no ar, despertando meus sentidos e aumentando a antecipação do que está por vir.
Vou ter uma noite inteira com esse homem, oh, Deus!
No canto da suíte, um espaço sem portas, apenas uma ducha e uma extravagante banheira
de hidromassagem revestida de mármore, pronta para eu ser mimada por ele dentro dela.
— Adorei tudo, se depender dessa noite vou ficar apaixonada pelo resto da vida!
— Não brinque com isso, pimentinha!
Sebastian prepara as taças com a rosa de gelo na minha. Pega a garrafa de champanhe rosé
nas mãos e estoura, servindo a bebida borbulhante.
Fico derretida e encantada admirando a rosinha de gelo flutuar no líquido rosa, uma
delicadeza fascinante. Incrível! Nunca recebi um agrado como este.
Bebo um pequeno gole, lambendo os lábios pelo gostinho delicioso.
— Não devo exagerar, quero me lembrar de tudo amanhã.
Sebastian acaricia meu rosto bebendo da sua taça.
— Pode beber, não se preocupe, é fraquinho, não vai ter problema.
Bebemos e nos beijamos ao mesmo tempo, misturando e aproveitando os nossos sabores e
o do champanhe.
— Todas as bebidas escolhi as mais suaves, porque não quero que esqueça no dia seguinte
e nem se prive de beber o que gosta por medo de esquecer — O brilho em seu olhar é tão atraente, e a
pegada firme ao me puxar para colar em seu corpo é irresistível.
Espalmo seu peitoral acariciando, abrindo o primeiro botão da camisa, ouvindo sua
respiração mudar. Suas mãos apertam minha cintura e descem agarrando minha bunda, me deixando
louca com a firmeza com que pega.
— Você além de tudo, é um homem muito preocupado comigo, senhor Sebastian.
O sorriso de lado é sexy, perigoso e sedutor.
— Muito! Muito preocupado, muito apaixonado, muito tudo. Eu quero você, Liz, na minha
cama, na banheira, em todos os lugares dessa casa, não sabe o quanto esperei por isso.
Uau, ele não está de brincadeira. Só essa resposta já me deixou prontinha para ficar nua.
Minha boca é atacada com voracidade, é um beijo de posse e desejo que só com ele
experimentei. Comanda e guia a urgência e as provocações como se fizesse amor com minha língua.
É tão perfeito o encaixe que ficaria beijando a noite inteira.
Tiro sua camisa com pressa, não quero esperar por isso. Mas Sebastian é exigente com o
tempo. Abre o zíper das costas do meu vestido em uma lentidão torturante sem desprender os lábios
dos meus. A câmera lenta do gesto é acentuada pelo toque delicado da ponta do dedo.
Quando a pele quente da mão toca minha, afagando suavemente em círculos, já estou
completamente molhada, maluquinha.
— Quero que faça algo para mim, hoje.
— O quê? — minha voz sai falhada.
Sebastian se afasta um passo e começa a se despir. Fico sem saber como agir parada ainda
de vestido.
— Quero ver como se dá prazer.
— C -como disse?
— Quero que se toque para mim, Liz. Comece se despindo e vá para a cama.
Hesitante e tímida, demoro alguns segundos para obedecer, baixando o único ombro do
vestido, admirando ele tirar a calça e a cueca.
Cada centímetro de pele descoberta é um teste para o meu controle.
Sebastian não é um homem bombado, forjado na academia, mas é todo proporcional. Tem
músculos aparentes, gominhos, bíceps salientes, porém sem exagero, é perfeito para mim.
Quando está totalmente nu, não se move, somente me olha como se eu fosse o seu jantar. O
pau em pé, duro e orgulhoso, a cabeça rosada atrai meu olhar como um ímã. Sinto a ansiedade pela
sensação gostosa dele entrando, abrindo caminho para dentro de mim.
— Adorei que estava sem sutiã todo esse tempo.
Deixo um sorriso escapar pelo olhar de desejo.
— O tecido marcaria a peça se eu usasse. E eles são tão pequenos que quase não aparecem.
— Eles são perfeitos. — Seu olhar desvia para eles e ele lambe os lábios descaradamente.
— Tire a calcinha, me deixe ver essa boceta deliciosa.
Engulo seco, o coração pulsando na garganta. Nunca fiz isso, meu Deus! Me despir sozinha
em pé para ser observada antes de... melhor tirar ele também tirou sem timidez.
Sebastian senta-se no degrau de mármore que conduz a banheira, com seu olhar castanho
quente, percorre meu corpo inteiro e acompanha meus movimentos ao tirar a calcinha.
— Você não tem noção de como é linda!
A vontade é de esconder os seios e o púbis, sinto-me tão exposta em pé nua, diante dele.
— Quer esconder de mim? Invés disso os toque, acaricie seus seios para o seu homem, Liz!
— A voz rouca ordenando é quase uma carícia indecente.
Sebastian agarra o próprio pau e leva a mão até a base me hipnotizando com os
movimentos. A mão segura firme a grossura repleta de veias. Lisinho, rosado, duro feito uma rocha.
Quando noto estou massageando meus mamilos rígidos sob seu olhar intenso. Deslizando as mãos
como ele faria.
O resultado é arrasador, ele acompanha minhas mãos mordendo o lábio enquanto aperta o
pau soltando um gemido baixo.
— Sente-se na beira da cama e mostre o que é meu! Quero ver como está molhada para
mim.
U.A.U!
Obedeço a voz baixa e segura, um tom cada vez mais rouco, quase um rosnado.
Assim que me acomodo no colchão ele já está em pé, acariciando a si mesmo lentamente. É
tão excitante vê-lo, que não consigo me mover. A boca enche de água pelo desejo de provar, sentir a
textura da pele, testar a temperatura e o gostinho, nesse tempo juntos ainda não consegui chupar esse
monumento.
— O que vai me dar esta noite? O que vai esfregar na minha cara? Vai Liz, me mostre essa
bocetinha doce!
A temperatura do quarto parece triplicar, a sensação é de uma fornalha ardente que me
queima de dentro para fora.
Abro as pernas e lentamente deslizo os dedos entre os lábios encharcados, num gesto
erótico que jamais me vi fazer. Estou tão molhada que escorregam facilmente e ao olhar para
Sebastian o vejo segurar as bolas, vidrado no vai e vem da minha mão.
— Puta merda, mulher! Você é a coisa mais gostosa que já tive o prazer de possuir.
Não sei se é a frase, seu olhar de luxúria, o pau gotejando o líquido transparente, a
atmosfera, ou meu eu da adolescência cheio de hormônios, mas nessa hora incorporo uma deusa
faminta desinibida que quer o prazer a todo o custo. Exploro a umidade da boceta dedilhando
lentamente. Quero esse homem louco, fazendo o que quiser comigo.
— Tá molhada para mim? — pergunta ao dar um passo em minha direção.
A cabeça se esconde na sua mão e aparece novamente conforme se masturba com os
movimentos de vai e vêm, me encarando como um predador.
— Tô!
— Caralho, Liz! Olha o que faz comigo? — noto uma gotinha brilhante na fenda do pau, e
lambo os lábios.
— Eu quero, Sebastian! Ah... — esse gemido e voz chorosa não são meus, pelo amor de
Deus!
Ele obedece andando até próximo a cama.
— O que você quer? Por Deus, não pare o que está fazendo — fala se punhetando,
enquanto fricciono o clitóris inchado construindo um orgasmo que vai acabar comigo.
— Quero você! — Solto um miado entre a respiração acelerada.
— Onde você me quer, pimentinha? Diga!
Ameaço fechar os olhos ao sentir os arrepios e formigamento nos dedos dos pés.
— Olhe para mim! Onde?
Estendo a mão e toco sua coxa puxando seu quadril para perto, admirando o jeito que se
masturba, fazendo ele me oferecer somente com meu olhar mendicante. Ele toca a ponta do pau nos
meus lábios, brinca esfregando a cabeça úmida no meu queixo e lábios.
— Ah… mulher, você é meu fim!
Lambo a ponta circulando a língua, sentindo o gosto levemente salgado. Ao ouvir os silvos
dele, encaro o homem vidrado na minha mão trabalhando com velocidade, buscando o alívio que
necessito.
— Porra! — Exclama segurando meus cabelos em um rabo para melhor me ver engolir seu
pau, chupando como nunca me vi chupar.
Mesmo a grossura sendo anormal, consigo ir até a metade, saindo e chupando a cabeça
salgadinha do pré gozo. Ele grunhe com alguns palavrões no caminho deixando tudo ainda melhor.
— Olhe nos meus olhos, Liz! Olhe como me faz sentir! Goze olhando para mim, preciso
ver.
Meus dedos deslizam mais e mais, escorrendo a lubrificação trazendo o prazer destruidor
arrasando completamente comigo. Quando as pernas estremecem, não consigo mais me concentrar
em chupar o pau. Afasto-me gemendo em delírio de uma forma que nunca fiz.
Fecho por um segundo os olhos e tenho a impressão que ele está me chupando. Ao abrir,
confirmo ao vê-lo ajoelhado esfregando os lábios e língua na minha boceta. Agarro seus cabelos e o
guio para que me chupe mais, rebolando na cara do homem que se deixa ser usado ao meu bel prazer.
A boceta pulsa exigindo ser preenchida e Sebastian pressentindo isso, enfia dois dedos
dentro de mim. É um orgasmo longo pois a sensibilidade nela é tanta que eu não quero que ele pare.
— Não para, Sebastian, não para…
Ele chupa com tanta vontade que ouço os sons dos seus lábios nas minhas dobras. A língua
persiste até o gozo terminar e eu cair de costas no colchão, respirando sofregamente.
— Oh, Deus!... Fui pro céu!
Sebastian se junta a mim, beijando-me com a barba úmida.
— Você... tem ... meu cheiro! — murmuro tomando fôlego.
— Adoro seu cheiro em mim, Liz.
— Você não gozou ainda, né?
— Não — responde com um sorriso largo.
— Desculpe, preciso mudar isso!
— Senta nele, toma esse caralho e me destrói.
Nem espero uma segunda ordem. Em um movimento rápido subo nele e encaixo. O pau
fervendo vai deslizando pouco a pouco para dentro, me alargando e conseguindo seu espaço.
Vejo Sebastian revirar os olhos e arquear o corpo, me fazendo sorrir.
Consigo dar prazer a ele, sou suficiente para esse homem lindo! Isso me enche de
entusiasmo e autoestima. Era o gás que eu precisava para me soltar, não sei se estou fazendo direito,
afinal só fazia a posição normal de papai e mamãe, então preciso ir com cuidado para não estragar o
momento.
Suas mãos apertam minha bunda com posse e firmeza. Ele se ergue comigo encaixada e
senta-se segurando minha cintura.
— Não aguento só olhar... Preciso te lamber inteirinha enquanto toma meu pau!
Começa a chupar meu seio em um ritmo urgente e sensual, enquanto rebolo cada vez mais
veloz. É tão bom sentir essa liberdade e buscar o prazer com alguém que me entende, parece que
conhece mais meu corpo do que eu mesma.
Sebastian está em todas as partes, acariciando, agarrando, lambendo, mordiscando, levo até
uns tapinhas na bunda que só me deixam mais louca por ele. Será que vou gozar uma segunda vez? É
o paraíso.
— Você me deixa maluco, AnneLiz!
Remexo mais e mais ao ouvir essa afirmação ao pé do ouvido em meio a sua respiração
entrecortada. Seus beijos afoitos me dizem que ele está prestes a explodir em prazer abaixo de mim.
— Liz, amor, posso gozar dentro?
Recordo nesse momento que estamos sem proteção alguma, pisco os olhos surpresa por
não ter sequer cogitado.
— Pode!
Sempre tomei pílula desde que Juliete nasceu. Vejo meu namorado relaxar com a permissão
e me enlaçar com seus braços fortes. É maravilhoso estar segura nos colo de quem se gosta, é bem
mais que sexo. É algo que nunca senti. Essa sensação é de pertencer a alguém de fato. Ele me tem,
dando prazer a ele, encarando seu rosto em êxtase. Sinto a onda do clímax me carregar junto com seu
orgasmo, gemendo alto seu nome.
— Ah, Sebastian!
— Amo você, minha Liz — murmura aninhado em meu pescoço enquanto o líquido morno
me inunda.
Não sei o que dizer, digo também? Eu sou louca por ele, mas é amor? Não sei definir...
Antes de qualquer reação, ainda empalada pela grossura, os dois tomando fôlego, ouvimos
o som do meu telefone.
— Quem pode querer falar comigo a essa hora?
— Ainda é cedo, deve ser apenas meia noite.
Sebastian me segura sobre ele, distribuindo beijos doces no meu pescoço, colo e ombros.
Ah Deus! Gostaria de ficar assim para sempre, nua, preenchida e mimada por ele.
— Preciso atender, querido! Não para de tocar deve ser algo importante.
Subitamente lembro do pai de Juliete. Pulo rápido de cima de Sebastian, a porra escorrendo
pelas pernas e a apreensão nas alturas.
— Pode ser algo com minha filha! — exclamo correndo até a bolsinha sobre o aparador.
Pego o celular atrapalhada com as mãos trêmulas, atendendo o mais rápido possível.
— Alô!
A voz alterada do meu ex-marido do outro lado da linha faz bambear minhas pernas e me
seguro no móvel.
Amparo AnneLiz que aflita responde monossílabos ao telefone. Faço com que se sente no
colchão. Quando ela desliga, está tremendo dos pés à cabeça, pálida e com lágrimas rolando
copiosamente pelo rosto.
— O que houve? — tento ser sutil, mas a aflição em seu rosto me preocupa.
— É pra buscar Juliete agora!
— Ela se machucou? Ela está bem?
— Ele disse que ela teve um surto psicótico e quebrou o quarto inteiro. Que eu...
— O que mais ele disse?
Ela se levanta em choque procurando as roupas.
— Preciso ir.
— AnneLiz! — Agarro seus braços para que me escute.
— Eu vou com você, mas precisamos nos banhar, não podemos chegar lá com cheiro de
sexo. Você precisa estar apresentável e não transtornada assim.
— Ele disse que enlouqueci Juliete, que sou uma mãe irresponsável e louca... E que eu não
posso ficar com ela. Vai entrar com o pedido de guarda integral para interná-la.
— Ele está mexendo com seu psicológico para te desestabilizar, não tem nexo nenhum essa
ameaça. Se acalme, em cinco minutos estaremos prontos. — Não a deixo retrucar.
Carrego-a no colo até a ducha e nos lavo enquanto ela ainda soluça aos prantos. Ao sair, de
maneira prática a enxugo e corro para o closet trazendo os pacotes que comprei.
— Liz, providenciei mudas de roupas reserva para você e Juliete quando viessem para cá.
Vou ajudá-la a vestir a camiseta e a calça de malha.
Ela aceita ajuda para vesti-la sem emitir uma única palavra.
Desde que saiu do banho está em silêncio, só confirma o que eu peço por gestos. Está em
choque e apavorada! Eu vou matar aquele filho da puta com minhas próprias mãos.
Assim que estamos prontos, saímos. Com a localização enviada pelo escroto no celular,
aciono o GPS e ligo para Bert, meu homem de confiança, ficar a postos e nos encontrar lá.
Ao chegar no endereço enviado, percebo o nível de moradia que o inseto está vivendo.
Provavelmente Lili está bancando e está no local.
Berth e o outro segurança estacionam na traseira do nosso veículo.
Quando AnneLiz, apressada, desce do veículo, corro e seguro seu braço.
— Escute-me, não retruque, não caia nas provocações. Isso não está cheirando bem, pode
ser uma situação criada para produzir provas contra você. Não perca o controle, pegue Juliete e volte
para o carro! Entendeu, Liz?
— Sim.
— Adam, me siga. Berth, aguarde aqui elas retornarem.
— Sim chefe!
Seguimos para a porta da casa luxuosa e minha namorada angustiada toca a campainha sem
parar.
O bosta abre a porta com um maldito sorriso debochado.
— Demorou hein! Para uma mãe que diz estar preocupada com a filha, deveria atender o
telefone.
— Onde está minha filha?
— Mamy, mamy, você veio me buscar?
A garotinha com os olhos e nariz vermelhos do choro, aparece de dentro da sala correndo
para os braços da mãe.
Meu alívio em ver que ela está bem é enorme. Liz me olha com lágrimas no olhar:
— Você pega as coisas dela?
— Pode ir para o carro, amor. Logo alcanço vocês.
Seguindo o plano ela dá meia volta sem olhar para trás.
— Ei, sua sonsa! Me deve explicações, acha que é só pegar a menina mal educada e sair?
Meu sangue ferve, mas não vou perder o controle como eles imaginam.
— Adam! Sabe o que fazer.
Em um segundo o segurança que veio comigo, pinta com spray a câmera da entrada da área
externa.
— Não vai me convidar para entrar?
— Você não é bem-vindo aqui, seu riquinho metido a besta! Não vai entrar na minha casa,
pode me bater de novo se quiser.
Deixo um riso divertido tripudiando do idiota.
— Eu te bater? Nunca bati em você, por que eu faria algo assim? Não foi a você que eu
perguntei, foi para Lili. — Ergo a voz, chamando a cobra. — Então, irmãzinha sociopata, não vai
convidar seu querido irmão para conhecer o seu muquifo?
O infeliz olha para dentro da casa arregalando os olhos em surpresa.
Ouço ela aplaudindo e surgindo de dentro de uma porta. Entramos, eu e o segurança
fechando a porta atrás de nós.
— Adam! — ordeno, e ele ágil inspeciona a sala em busca de câmeras e vai até ela
revistando, confisca seu celular e me alcança.
— O que é isso, seu bruto? Sebastian? Eu ia parabenizar sua inteligência, mas está
colocando os pés pelas mãos. Esse celular vale uma fortuna, me devolva!
Revisto o inseto que não se move e pego seu celular também. Mergulho os dois aparelhos
dentro de um vaso com água usado para manter flores naturais no canto da sala.
— Diga para esse merda me soltar! — exclama o inseto como uma mosca varejeira
barulhenta, sendo imobilizado pelo braço.
— Deve estar maluco, Daniel! Ninguém está segurando você. Adam está garantindo sua
segurança, pode tropeçar e cair, devido ao seu nervosismo — A minha voz é controlada e calma com
todo o sangue frio que possuo, mas a vontade é de apertar o pescoço dele até os olhos saírem das
órbitas.
— Não estou nervoso! — se altera.
Dou um falso sorriso para a cobra que me analisa perto do corredor.
— Podemos falar um instante? Pode me ajudar a pegar as coisas de Juliete? — mostro
cordialidade para conseguir ver o quarto de Juju de perto.
— Depois de ter destruído meu celular novo?
— Deixe de ser mimada. Reclama que nunca conversamos, hoje estou disposto a te ouvir.
— Claro, irmãozinho. Pedindo desse jeito, você consegue qualquer coisa de mim.
Ela desfila, jogando o quadril de uma forma estranha. Essa mulher tem um problema na
cabeça, não é possível!
Entramos no quarto rosa e vejo que está totalmente bagunçado, abajur quebrado no canto
do quarto, livros no chão. Almofadas espalhadas, o vidro de xampu e até o sabonete atirados perto da
cama. Cadeira jogadas de pernas para o ar. Alguns poucos brinquedos de montar espalhados.
Algo que não condiz com a personalidade da doce Juju.
Ao encontrar uma aranha no chão perto da cama, piso e limpo o sapato no tapete.
— Como pode ver, a menina é desequilibrada igual a mãe. Está na hora de parar de brincar
de casinha com aquela maluca, Sebastian. — destila o veneno com voz afiada. — Você é um homem
tão inteligente, instruído, experiente, CEO de uma grande empresa, precisa de uma mulher culta e de
classe ao seu lado.
Pego a mochila de cima da cômoda e coloco as canetas espalhadas e roupas que Juliete
deixou sobre a cama.
— O que você fez com a menina? — pergunto com a maior calma do mundo.
— Eu? Absolutamente nada, sabe como amo crianças. — A cara deslavada me dá nojo. E a
voz doce e falsa dá vontade de pular e esganar a desgraçada.
— Onde está o Harry Potter?
— Quê? Está doido também? A loucura é contagiosa, cuidado!
Com três passos rápidos, acabo com a pose arrogante da infame, encurralando-a no canto
do cômodo.
— Não brinque comigo, sua dissimulada! Tô pouco me fodendo com sua relação com esse
mané, mas se colocar essas mãos sujas em Juliete ou na minha mulher, eu acabo com você sem
deixar rastros!
Ela ri igual uma hiena histérica!
— Uau, minha mulher? A putinha suburbana te fisgou? Já?
Prendo seu pescoço com uma mão, porém com cuidado para não deixar marcas.
— Você se acha esperta, mas não é páreo para mim. Acha que não sei que quer provas
contra AnneLiz para a guarda da filha? Queria filmar algo hoje, não queria? Tudo o que planejar,
estarei sempre um passo à frente, não se meta comigo, sua louca ou não terá tempo de se arrepender!
Estará a sete palmos comendo grama pela raiz!
Solto seu pescoço indo até o banheiro encontrando o boneco sobre a pia.
— V-você me trouxe aqui para me ameaçar? — tossindo e segurando o pescoço. — Não
era para conversar e fazer as pazes, como fui idiota!
Igono os choramingos da voz irritante, fechando a mochila ao cruzar por ela. É muito
burra, esse quarto seria o único a não ter câmera ou escuta. Não daria brecha para eles.
— Sebastian? — chama quando alcanço a porta.
Com desprezo lanço um último olhar sobre o ombro:
— Ela não é mulher para você!
Ao chegar de volta na sala faço sinal para Adam se afastar. Chego perto do ouvido pra não
correr riscos. O estremecimento é visível, isso é bom. Sinal que lembra da última vez que
conversamos sozinhos.
— Pra mim você é um merda, mas vou dar um conselho mesmo assim. Não vai na onda da
maluca da Lili, porque o fim dela não será bonito e você vai junto com ela. Deixe AnneLiz em paz
para o seu próprio bem, porque agora ela está comigo. E eu tô ansioso para colocar minhas mãos em
você, seu inútil!
Saio da casa com Adam no meu encalço.
— Leve de volta o carro para casa, vou pedir para Berth dirigir o nosso.
— Sim senhor.
Entro, me acomodando no banco de trás, ordenando Berth a dar partida no veículo.
— Aqui espertinha, trouxe o seu Harry.
— Obrigada. — Não gosto dessa voz fraquinha e amedrontada, é doloroso ver essa tristeza.
Juju está no colo da mãe, quieta e pelos rostos as duas choraram juntas. Abraço AnneLiz
que se aconchega em meu peito.
— O que vocês precisam que eu faça?
— Acho que devemos ir pra nossa casa, ele ...não deu banho, nem comida para ela — diz
com voz embargada, fazendo meu peito doer.
— Não, eu quero cuidar de vocês, nós vamos pedir comida, e ficarão esse fim de semana lá
em casa.
O silêncio dela confirma que aceitou.
— Você entrou no quarto da Juju?
— Entrei.
— Ela não contou porque bagunçou o quarto e não me importa, não acredito no que Daniel
falou. Juliete é uma ótima filha.
— Tenho certeza que é — beijo o topo de sua cabeça.
Após alguns minutos a voz doce e triste de Juju quebra o silêncio.
— Aranha.
— O que disse, filha?
— Tinha uma aranha feia lá.
Liz cruza o olhar comigo antes de continuar a conversa com a menina
— Foi por isso que bagunçou o quarto?
Ela se encolhe no colo da mãe, amedrontada em falar.
— Pode contar para nós, querida.
— Ela ia me picar mãe, eu pedi ajuda, mas a namorada do papai trancou a porta, fiquei
sozinha com medo. Tenho medo de aranhas, mamy. Tentei jogar coisas nela, mas ela não morreu.
A mãe suspira profundamente.
— Eu matei a aranha, espertinha. Pisei nela com força — explico tentando consolar.
Ela funga e tenta esboçar um sorrisinho.
AnneLiz me olha e sussurra que Juju tem fobia de aranhas.
— Eu matei quando busquei a mochila e o Harry, Juju não mentiu.
Ganho um selinho rápido, que acalma um pouco minha angústia.
Como podem tratar uma criança dessa forma? Preciso tomar providências com relação a
segurança delas. Por ora, encher a barriguinha de Juliete é prioridade.
Pego meu celular e peço delivery de todos os restaurantes da redondeza. De tudo um
pouco. Mando uma mensagem para Adam que vá em uma loja vinte e quatro horas e compre pijamas
temáticos infantis da idade de Juju e o que mais ele achar divertido do Harry Potter.
Foda-se eu vou mimar a minha amiguinha. Já amo a filha como amo a mãe. E se posso
deixá-la feliz, vou fazer isso sem pensar.
Ainda não admito que a maltrataram, mas por agora o melhor a fazer é resolver a situação e
acalmar as duas. Aproveito que ainda estamos no trânsito e envio mensagem ao meu advogado,
marcando uma reunião para segunda-feira.
Ao chegar em casa, peço a Berth para receber as entregas e deixá-las na sala de jantar.
— Já jantou, Berth?
— Sim senhor.
— Se quiser fazer um lanche, pedi comida suficiente para todos nós. Estaremos na sala de
jantar.
— Obrigado, senhor Latarge.
Andando até a porta da frente, me ofereço para carregar Juliete, pois noto o cansaço da
minha namorada. A garotinha colabora estendendo os bracinhos para mim.
— Nós vamos jantar? — pergunta.
— Sim, nós vamos. Está com fome?
Ela confirma com um aceno.
— O que tem no jantar?
— Tem um montão de coisas, é uma surpresa!
Ao abrir a porta da mansão noto minha namorada se segurando para não desabar no choro.
Imagino como o coração deve estar apertado em saber que maltrataram sua filha e não a
alimentaram.
— Agora você, sua mamãe e o Harry vão escolher os lugares na mesa de jantar, enquanto
eu vou buscar os pratos e talheres.
Devolvo a garotinha para a mãe e apresso-me até a cozinha.
Berth chega com a primeira entrega do delivery. As saladas e as sopas cremosas. Levo até a
mesa e instruo AnneLiz a abrir os pacotes para servir a menina. Sabia que não deveria pedir somente
fast food, então caprichei na variedade. Peixes, arroz, grelhados, além das fritas que ela gosta,
bolinhos de vegetais e de queijo e molhos especiais. As últimas sacolas são os pijamas e bonecos do
Harry que Adam trouxe.
Juliete parece um pouco mais animada, alimenta-se bem e às vezes dá um sorriso para a
mãe.
Após o jantar acompanho as duas até o andar superior com as sacolas, mostro a AnneLiz os
quartos que já tinha destinado a elas quando mobiliei a casa. Guio até o banheiro duplo para maior
comodidade e mostro onde estão os objetos de higiene e as toalhas.
Retorno ao primeiro andar para dispensar Berth que ajudou a guardar as sobras.
— A equipe está a postos na guarita, vá descansar, Berth.
— Se precisar de qualquer coisa é só ligar, chefe.
— Ligarei. Obrigado.
De volta ao segundo piso um tempo depois de trancar a casa, vejo as duas saindo do
banheiro de mãos dadas.
Juliete vestida com um pijama de coelhinho rosa. Uma graça. Penso que irão direto
descansar, mas Juju me chama da porta do quarto.
— Seba?
— Oi espertinha!
— Será que tem aranha no quarto? — Os olhinhos receosos me encaram sem piscar.
— Tenho certeza que não tem, mas para garantir quer que eu olhe os cantinhos?
— Quero.
Liz com a mão no peito segurando a própria respiração, acompanha nós dois entrarmos de
mãos dadas no cômodo.
Ligo a lanterna do meu celular, mesmo com a iluminação do quarto e a limpeza impecável,
ilumino cada canto junto com Juliete ao meu lado. Verificando que não há perigos.
O melhor agradecimento do mundo no fim da inspeção, é seu sorrisinho ao olhar para a
mãe.
— Ufa, mamy! Aqui podemos dormir.
— Sim querida, mas antes precisa agradecer seu amigo por todos os presentes.
Fico na altura da menina para receber o beijo melado.
— Obrigado Seba. Pelo pijama, pela escova de dentes cor de rosa. Pelo jantar com bolinhos
de queijo e batata frita e por matar as aranhas.
— Não precisa agradecer, você é minha melhor amiga. Merece!
Ao ouvir isso ela se joga nos meus braços e abraça apertado.
— Você também é meu melhor amigo, depois do Harry. Pode ser?
— Pode. — Com meu melhor sorriso. — Agora vá descansar, sua mãe vai te colocar na
cama. Tenha uma boa noite.
— Boa noite.
AnneLiz guia a filha para a cama king, acomodando-a sob os lençóis. Canta uma estrofe de
uma cantiga e logo a garotinha cai no sono, exausta da agitação.
Aguardo na soleira da porta para dar um boa noite oficial para minha namorada. Satisfeito
por estarem seguras aqui comigo.
Liz se aproxima falando baixinho:
— Ela adorou o quarto que você destinou a ela, só está muito impressionada com o que
houve. É melhor dormir comigo.
— Claro, fez bem.
— Desculpe estragar a noite que você planejou, Sebastian.
Abraço AnneLiz trazendo-a para meu peito.
— Nenhuma de vocês estragou nada. Eu agradeço por aceitar a hospedagem nesse fim de
semana.
— Amanhã precisamos ir, Juju tem a primeira consulta com a psicóloga na segunda-feira
de manhã. Aliás, preciso de umas horas de folga.
Ergo seu rosto para me encarar.
— Mando Berth buscar suas roupas, vou levar vocês na consulta. — Liz pisca os olhos
repetidamente. — Por segurança, é melhor assim.
Meu rosto é afagado com carinho e ganho um beijo doce nos lábios, e mais um, depois
outro.
— Por segurança acho melhor você dormir com a gente — fala entre os beijos.
Sem reação pela surpresa, afasto-me de seus lábios ao encarar seu rosto buscando um sinal
de brincadeira ou algo assim.
— Desculpe, eu não sabia que não queria, eu só... — tenta se afastar envergonhada.
— Eu quero, é que não esperava esse pedido. Eu posso mesmo? Quer dizer... você quer que
eu durma com vocês.
— Quero.
— Vou escovar os dentes e colocar um pijama decente, uma roupa de adulto, essa camiseta
não é adequada se Juliete acordar de madrugada e ver o amigo Seba abraçado a sua mãe com essas
roupas.
Ela esconde a boca segurando a risada.
— Pare com isso, Sebastian! Ela não vai acordar, e além disso, não precisa de terno black
tie para dormir com a gente — fala divertida.
— Preciso de um pijama de pai, Liz. Uma roupa séria, já volto.
Saio atordoado em direção ao closet, vasculhando na gaveta de roupas de dormir se há algo
semelhante aqueles pijamas de seda que meu pai usava.
Nada! Nenhum! E se eu pedisse para Adam comprar? Não, porra! Tá parecendo uma
patricinha de Beverly Hills, Sebastian!
Arrumo a postura e vou ao banheiro escovar os dentes. Dou uma olhada na barba para ver
se está bom e volto para o quarto delas.
Liz já desligou a luz, apenas a claridade da janela ilumina suavemente o cômodo. Deitada
no meio da cama aguardando, ergue o lençol para que eu me acomode ao seu lado. O silêncio do
quarto é quebrado apenas pelo ronquinho de Juliete ferrada no sono, agarrada ao Harry Potter no
outro lado da mãe.
— O que aconteceu com o pijama de pai? — sussurra com um sorrisinho maroto.
— Não achei, não tenho um. Preciso comprar.
Ela me abraça deixando beijos no meu rosto até chegar na boca. Beijos singelos e
inofensivos.
— Sempre exagerado. Sou grata por tudo o que fez hoje por nós. Obrigada, Sebastian.
— É tão mais fácil quando você permite que eu cuide de vocês. Porque eu quero, e posso, e
além disso...
— Amo você, príncipe mandão. Quero que não tenha dúvidas de que eu te amo.
Nessa hora meu coração dá um salto dentro do peito, não concluo o que estava dizendo
porque meu sorriso não deixa falar nada.
Liz afaga meu rosto brincando com a barba.
— Isso tudo é novo para mim, mas eu não falei somente para retribuir quando se declarou
mais cedo... É o que eu sinto aqui dentro. — Pousa a mão no próprio lado do peito onde está o
coração.
— Eu acredito, não precisa falar mais nada, querida. — Coloco a minha mão sobre a dela.
— Agora vamos descansar porque amanhã temos um dia cheio.
— Temos?
— Sim, preciso da ajuda de vocês duas para escolher uma última coisa para essa casa.
— Ok, senhor misterioso.
Mais um beijo singelo e ela se volta para a filha, não antes de pegar meu braço e abraçá-la
para ficar de conchinha.
Não é só para ela que isso tudo é novo, para mim também.
Agora mais maduro vejo a diferença de sentimentos que eu nutri por Samantha na
juventude, e agora com a pimentinha. Isso é amor verdadeiro, e quero sentir para sempre.
Despertei pela manhã sem Sebastian ao meu lado, mas mesmo assim, passar a noite
aconchegada em seus braços foi incrível, ainda mais tendo minha filha comigo.
Juju se espreguiça desajeitadamente, esticando o corpinho como faz todas as manhãs.
— Bom dia, dorminhoca.
— Bom dia, mamy.
— Dormiu bem, querida?
— Dormi, você dormiu a noite toda comigo?
— Sim. Estava esperando você acordar para tomar um café. Vamos lavar as remelinhas?
Juju ri pelas cosquinhas que faço nela.
— Não tenho remelinhas, mamãe! Sou limpinha.
— Tá bom, mas precisa escovar os dentes.
Saímos as duas até o banheiro, fazemos a higiene rápida e descemos a escada. No meio
dela já sinto o aroma de café fresco despertando os sentidos.
— Sebastian?
— Aqui, preparei o café na cozinha. Venham para cá!
Ao chegar na porta o vejo deixar uma frigideira de lado, para nos dar bom dia. Se aproxima
com um beijo gentil e um em Juliete.
— Bom dia, meninas! Prontas para o café da manhã?
Admiro de boca aberta a mesa farta na ilha no meio da cozinha equipada.
— Que horas você acordou para preparar tudo isso? — ansiosa para me aproximar da mesa
não consigo tirar os olhos das guloseimas.
— Uma hora atrás, muita coisa estava semi pronta na geladeira. — Afasta a banqueta para
mim e põe Juliete na outra ao meu lado.
— Quantas pessoas vão tomar café com a gente? — pergunta minha filha.
— Só nos três, querida.
— Uau, Seba é maluquinho, né mamy?
Caímos na risada. Eu e ele muito mais por vê-la fazendo graça e animada como sempre.
— Ele é um maluquinho fofo.
— Vou pegar os cafés de vocês, sirvam-se à vontade — diz o meu fofo.
Ainda fico alguns segundos admirando o belo homem com roupas despojadas, lidando na
cozinha.
— Mamãe, posso comer uma panqueca com chocolate?
— Pode, mas antes uma frutinha, tá bom?
— Combinado.
Sebastian preparou um café da manhã digno de um verdadeiro desjejum digno da realeza.
Juju demora a escolher uma fruta da bandeja, indecisa entre os morangos suculentos, a fatia
de melão dourado ou o kiwi maduro.
Ele volta com os cafés e senta-se ao meu lado.
— Precisava de tudo isso? — esse homem está amarrando meu coração, estômago e todo o
resto a ele.
— Para as duas garotas da minha vida? Claro que precisava. — aproveito que Juju está
entretida com o kiwi e beijo seus lábios de forma um pouco mais demorada.
Parece que tem um gostinho ainda melhor em saber que esse homem me ama.
De volta a refeição, deixo de lado os pães frescos, croissants amanteigados, geleias
artesanais e manteiga cremosa, para provar o omelete recheado com vegetais. Está tão lindo com
fatias de abacate e tomates cereja que não dá vontade de estragar.
— Quer um pouco de suco de laranja, filha?
— Quero. Eu vi um rolinho Simon, posso comer?
— Rolinho Simon? — pergunta Sebastian com sua fatia de torrada com queijo.
— Cinnamon. — o tempero da refeição é a risada gostosa que poucas vezes ouvi de
Sebastian. — Filha, você está na metade da panqueca, o rolinho não vai fugir. Precisa comer uma
coisa de cada vez.
— Tá bomm. Mas pode colocar o rolinho no meu prato?
— Se você terminar a panqueca e perceber que está de barriguinha cheia?
— Aí eu devolvo o rolinho.
— Não é educado devolver algo que tocamos para outros comerem. Vou colocar em um
prato separado aqui na sua frente, mas só vai tocar se realmente comer, entendeu?
— Sim.
Faço tudo o que eu disse com o olhar atento do meu namorado. Não é porque estamos
longe de casa que não vou ensinar Juliete a se comportar à mesa.
Volto a desfrutar de cada bocado do meu omelete, com algumas perguntas hilárias da
minha menina. No final, somos expulsas da cozinha para nos vestir adequadamente para o tal passeio
misterioso.
Durante o café Sebastian pediu a Berth para ir ao meu apartamento, buscar roupas. Queria
ter acompanhado o homem, mas ele garantiu que o segurança é de confiança.
Acabou que trouxe mais roupas do que era necessário. Devidamente vestidos, saímos os
três na caminhonete branca dele. O tal segurança nos seguiu no outro veículo.
Sem ideia de onde ele está nos levando, cantarolo a música do rádio, ‘Used To Be Young’
da Miley Cyrus. Relembro minha juventude se tivesse conhecido Sebastian naquela época, minha
vida seria diferente? Não, acho que ele nem olharia para mim. Às vezes parece que fazem décadas
que completei dezoito anos, mas nem cheguei aos vinte e cinco.
— No que está pensando? — pergunta pegando minha mão e entrelaçando os dedos nos
meus.
— No mistério desse passeio.
— Logo vamos chegar, pimentinha.
— Do que você chamou minha mãe? — A voz no banco de trás expressa a habitual
curiosidade.
Segurando o riso, dou uma olhadinha para Sebastian, quero ver o abusado explicar.
— É um apelido fofo, Juju. Que a gente chama para pessoas especiais.
— Igual a espertinha?
— Isso mesmo, igual espertinha, porque você é esperta.
— E minha mamãe é uma pimenta?
Não seguro a risada acompanhando os dois na conversa.
— Sim, às vezes ela é uma pimentinha.
— Mas pimenta arde, Seba!
— Mas eu gosto muito de pimenta.
— Ahhh. Entendi. Uau! O que é aquilo?
Olho para a fachada do estabelecimento onde Sebastian está estacionando o veículo. Um
abrigo de animais para adoção. Uma placa enorme com a cara de um cão pintada está pendurada na
entrada. Encaro seu rosto iluminado por um sorriso gigante.
— O que você aprontou, Sebastian?
— Ainda nada, mas vamos escolher um filhote para nós.
— Como assim, nós? Onde vou colocar um cachorro?
— Será meu e da Juju. Vai ficar lá em casa. Não vai ficar sozinho o dia todo, e tem muito
espaço.
— Eu vou ganhar um cachorro? De verdade? Um peludinho? Mamãe, vou ganhar?
Vejo minha menina empolgadíssima no banco de trás, com as mãos espalmadas no vidro
parecendo olhar uma vitrine de chocolates.
— Filha, ele vai ficar na casa do Sebastian, pois é maior.
— Tá, mas eu vou brincar com ele todos os dias, né mamy?
Encaro o meu namorado ardiloso com o mesmo sorriso sem vergonha no rosto. Ele
planejou tudo.
— Sebastian? Qual a resposta que dou a ela agora?
— Sim, espertinha, todo dia você vai brincar com ele — estreito o olhar pronta para
retrucar, mas ele me beija. — Relaxa amor, vamos dar um jeito.
— Eiii, nós não vamos sair desse carro? Os cachorrinhos estão me esperando!
— Claro, claro! — respondo já abrindo a porta.
Juliete no chão saltita, acho que vai passar mal de tanta euforia.
Entramos no estabelecimento, e após uma breve conversa com o recepcionista, somos
conduzidos por um corredor largo que dá acesso a uma sala enorme com algumas baias separadas
com cães para adoção. De todos os tipos, raças e tamanhos. Um som de latidos ensurdecedor ao
notarem presença humana ecoa no pavilhão.
Juliete se solta da minha mão me assustando.
— Filha, por favor, não passe a mão em nenhum. Você é estranha e eles podem morder.
O funcionário que nos guia explica como é feito o processo, e qual a situação dos cães.
Andamos uns cinco minutos até minha filha parar diante de uma baia. Dentro dela dois filhotes fofos,
um todo preto e um marrom.
— Esses dois foram encontrados no centro. A mãe foi atropelada e eles estavam sozinhos
ao lado do corpo. Já estão vacinados e vermifugados. Seria bom não separá-los porque choram muito
longe um do outro — explica o rapaz.
Juju olha para Sebastian parecendo o gato do Shrek. Mas antes que eu a censure, ele se
abaixa ao seu lado.
— Gostou de qual?
— Eu não sei! São dois fofinhos, né mãe?
Olha para mim com um sorrisinho amarelo de quem apronta depois se desculpa.
— Nós gostamos deles, vamos levar os dois! — ele aperta a mão do homem e dá uma
piscadela para mim.
Juliete pula igual uma pipoca. Agarra as pernas do amigo Seba e agradece.
— Meu Deus do céu! O que faço com vocês?
Voltamos para a recepção a fim de aguardar a preparação dos cães. Sebastian compra tudo
o que precisa para a comodidade deles, com a supervisão de Juliete, opinando como a patroa. Não
consigo deixar de sorrir admirando os dois escolhendo coleiras, potes, camas, ração, brinquedos e
todas as outras coisas.
Os cães chegam nas caixas de passeio, então seguimos para o carro. O segurança se
aproxima:
— Senhor Latarge. Tive um imprevisto, preciso buscar minha filha na casa da minha ex-
mulher e ver com a minha mãe, se pode ficar com ela. Posso me ausentar por uns quarenta minutos?
— Pode Berth. Mas traga sua menina para passar o dia na mansão com você, é o seu turno,
né?
— Sim senhor.
— Então, Juliete vai adorar a companhia.
— Certo, obrigado. Volto logo — responde o homem com um sorriso raro.
Seguimos para casa, mas o silêncio no banco de trás me desconcerta.
— Algum problema, Juliete?
— Estou muito concentrada para escolher os nomes deles, mamy.
— Quer ajuda, filha?
— Acho que dou conta. — A mão no queixo parece uma adulta meditando.
Chegamos na mansão com Juju ainda em silêncio. Sebastian leva os filhotes para a
garagem e solta os dois. Minha menina senta-se no chão e os bichinhos vão até ela lambendo as suas
mãos. As gargalhadas melodiosas preenchem a garagem e nos fazem rir.
— Filha, acho justo Sebastian escolher o nome de um deles e você escolher o outro.
— Tá.
Sebastian pega o cãozinho preto no colo e afaga.
— Mas se eu não gostar, a gente troca né? — diz a abusada encarando nós dois.
— Juju, não seja egoísta!
— O que é ‘egolista’?
— Egoísta é a pessoa que só pensa em si mesmo e nas próprias necessidades e se coloca,
na maioria das vezes, em primeiro lugar, desconsiderando os outros, mesmo que os magoe.
— Você ficou magoado, Seba? — pergunta abraçada ao cãozinho marrom.
— Não, espertinha. Dessa vez não, mas sua mamãe tem razão.
— Tá bom, pode escolher eu deixo.
Sebastian animado segura o filhote que tenta sem sucesso lamber seu rosto.
— Esse filhotinho vai se chamar Severus.
A boca de Juju forma um ‘O’ ao olhar para mim. Seu sorrisinho de felicidade é um
bálsamo para meu coração de mãe.
— O professor do Harry? O ‘Speipi’?
— Sim filha, o pretinho é o Severus Snape.
Ela observa o marronzinho no colo e acaricia a pelagem curta.
— Esse vai ser o Bicuço.
— Bicuço? — pergunta Sebastian deixando Severus no chão junto de Juju.
— É o grilo que machucou o braço do Draco.
— Grifo, filha!
— É, grifo. Mas ele foi ofendido. Draco ofendeu ele por isso o Bicuço não gostou.
— Entendi, preciso ver esse filme — diz Sebastian interessado.
— Podemos ver hoje a noite antes de dormir.
— Combinado.
— Era melhor que o cachorrinho fosse cinza, pra combinar com o Bicuço. Ele é cinzento,
sabia? — Juliete sempre me surpreende nas analogias.
O segurança chega com a filha da idade da minha menina. Nada parecida com o pai. Ele é
loiro de cílios claros e a menina morena de cabelos cacheados, uma fofura.
— Como se chama? — pergunto.
— Lívia Mary Stone.
— Gosta de cães, Lívia?
— Tenho um pouco de medo.
Juju se aproxima com um sorriso faceiro.
— Oi, eu sou Juliete Colleman Rodriguez. Não precisa ter medo, eles são filhotes. Vem
comigo que vou mostrar pra você.
Pega a mão da menina a guiando até os bichinhos.
Enquanto meu namorado conversa com Berth, vou até a cozinha e preparo uma bandeja
com frutas picadas e garfinhos para as meninas. Ao retornar a garagem Sebastian espalhou jornais e
incentivou as meninas a ensinarem os filhotes a fazer xixi neles.
— Meninas, trouxe um lanchinho, mas devem usar os garfos porque suas mãos estão sujas
de cachorros.
— Certo, mamy.
— Berth vai dar uma olhadinha em vocês, Sebastian e eu vamos preparar o almoço.
Ele me encara apertando os olhos como geralmente eu faço.
— Vamos? ... É, nós vamos. Já chamamos vocês. Eu dispensei a equipe hoje, Berth. Segure
as pontas aí.
— Pode deixar, chefe.
Deixamos os três brincando na garagem.
Só quando começo a arrastar Sebastian escada acima, ele se dá conta da minha intenção.
— E o almoço, safadinha? — chegamos na porta do quarto.
— Você vai pedir delivery depois. Elas vão se entreter com as frutas e os cães. Isso vai nos
dar uns ... quarenta minutos.
Puxo sua camiseta pela cabeça, jogando do outro lado do cômodo. Acaricio seus ombros,
enquanto ele beija meu pescoço.
— Não precisava tanta explicação, só dizer que estava com saudades.
Essa provocação vem acompanhada de um apertão na minha bunda.
— Tô com saudades, meu mandão.
Arranho suas costas ouvindo-o puxar o ar entre os lábios.
— Não consegui esquecer você se tocando para mim ontem a noite, pimentinha.
Ele agarra minha nuca e devora meus lábios. Com agilidade me despe em tempo recorde.
Ergue meu corpo e me senta sobre a cômoda. Do outro lado da parede um espelho pendurado do
chão ao teto mostra nosso reflexo.
Sebastian tira a calça junto com a cueca, a bunda esculpida é tão linda que não consigo
parar de olhar.
Agarro seus cabelos recebendo beijos e mordidinhas nos meus lábios. Sua mão toca minha
boceta, suave e delicada, mas é suficiente para me fazer circular as pernas ao redor do seu quadril.
— Delícia de boceta molhada!
Os dedos não penetram só deslizam cada vez mais rápido me fazendo gemer baixo. Os
beijos descem percorrendo o colo e os seios. Admiro pelo espelho as costas largas e as minhas pernas
enroscadas nele. É uma visão e tanto, é tão erótico olhar. Enquanto beija meu ventre, Sebastian me
incentiva a nos observar. Ele fez de propósito me colocar sobre esse móvel? É muito safado!
— Está vendo como é gostosa, Liz?
Acaricio seus cabelos, ele me encara de baixo para cima com um olhar predador,
desferindo beijos e lambidas na minha pele, chegando na entrada da minha boceta.
— Você não presta, mandão!
— E você adora, pimentinha! — Seu sorriso malicioso me deixa desinibida, desejada, me
sentindo uma deusa.
Começa a me chupar olhando dentro dos meus olhos, me hipnotizando com os cílios
longos e escuros e seu olhar castanho quente.
— Quero que olhe enquanto te dou um orgasmo. Vou devorar essa bocetinha suculenta e
beber seu prazer!
— Ah, Deus! ... Sebastian! — gemo quando ele intensifica os movimentos da língua
molhada, na medida certa ele aumenta a intensidade.
Os fios do seu cabelo entremeados em meus dedos, é só um plus nas sensações
maravilhosas que esse homem provoca em mim. O corpo pegando fogo e a pulsação acelerada.
Ele faz um show para o meu delírio, ajoelhado com uma perna um pouco de lado, admiro
uma de suas mãos acariciando o pau enquanto me chupa a valer. Não dá pra ter a visão completa,
mas só a parcial da grossura, as costas largas, minhas mãos em seus cabelos guiando-o na minha
entrada molhada, me faz revirar os olhos de prazer. É sexy, lindo, é um poder tão grande ter esse
homem aos meus pés, que me deixa maluca.
— Se ...bas...tian... eu vou gozar!
Ele não para, retesa a língua e encaixa dando batidinhas no clitóris trazendo o orgasmo à
borda. Descobri que amo sexo oral, nunca senti ondas de prazer tão potentes que sacodem meu corpo
inteiro, me deixam ansiosa por mais, por tudo dele, gosto, mãos, cheiro, pele na pele.
Sebastian me viciou nele! Um vício que não quero me curar.
Inconscientemente no clímax, o puxo pelos cabelos e o beijo, guiando com a outra mão a
grossura para entrar em mim. Preciso dele como o ar para respirar, a boceta pulsando, como um
segundo coração, necessitando o encaixe gostoso que só ele tem.
Quando afunda inteiro dentro de mim, parece aliviar uma fome de décadas. É o pau
perfeito, o encaixe perfeito! A sensibilidade da parede vaginal é tanta que lacrimejo de prazer.
Sebastian geme, estocando com tanta vontade que me ergue um pouco ao me segurar pela
bunda, fazendo o móvel trepidar de encontro à parede.
— Puta merda! Mulher, você vai acabar comigo!
Encaixo a cabeça em seu pescoço, conseguindo a visão do espelho. O reflexo do meu
namorado, estocando, fodendo, suado, vigoroso, gostoso pra caralho!
Nessa hora gozo outra vez, junto com ele, em gemidos altos, tremores e falta de fôlego. Um
êxtase sem igual.
Nos apoiamos exaustos em um abraço cálido. Suados e saciados.
— Você... Tem... Uma bunda... Espetacular! — murmuro assim que recupero um pouco a
lucidez.
A risada rouca de encontro a minha pele é a melhor recompensa que posso ter.
— A próxima vez, eu quero admirar você enquanto te como.
— Vou adorar.
A mão espalmada em meu seio, acaricia o bico.
— Amo seu corpo, queria ter tempo ilimitado para apreciá-lo.
— Um dia nós teremos.
— Sim, agora precisamos de uma ducha e pedir o delivery. Estamos estourando os quarenta
minutos.
— Nem percebi, estava tão bom.
— A noite podemos escapar por meia hora no quarto ao lado — O sorriso lento convida. —
Conseguimos administrar bem o tempo, dará certo se você não fizer tanto barulho.
— Hum... Como se você não fizesse.
— É extremamente difícil ser silencioso com tudo isso ao meu dispor. — Com sua ajuda
desço do móvel, indo em direção ao banheiro.
— Bobo! Vamos, meu estômago começou a roncar.
— Seu desejo é uma ordem, senhorita Colleman.
Passar esse fim de semana com AnneLiz e Juliete, aumentou ainda mais a vontade de trazê-
las para morar aqui. Mas não posso me precipitar antes de saber se aquele inseto vai mover uma ação,
para tomar a guarda da pequena Juju. Jamais quero prejudicar Liz em qualquer coisa, pelo contrário,
quero ajudá-la no que for possível.
Estamos no carro indo para a consulta de Juliete. A menina está inquieta no banco de trás,
mas minha namorada ao meu lado está muito calma.
— Mamãe?
— Oi filha.
— Por que mesmo eu preciso ir na “xicóloga”?
— Psicóloga é uma pessoa que ouve quando conversamos. Escuta nossos problemas
quando precisamos contar a alguém.
— Mas você me escuta também, né mamy?
— Sim.
— E o Seba também me escuta, né Seba?
— Sim, espertinha.
— Filha, todos nós enfrentamos problemas e existe um profissional chamado psicólogo,
que os escuta e através de conversas pode nos ajudar e ensinar a resolvê-los.
— Vai me ensinar? É uma profe ou uma médica?
Seguro o riso no volante, Juju é muito esperta.
— Psicólogos são diferentes dos professores ou dos médicos. Nas consultas, você pode
brincar, desenhar e conversar sobre tudo o que quiser com ela.
— Vou ficar sozinha lá dentro?
AnneLiz se posiciona olhando para trás do seu banco.
— Às vezes as psicólogas querem conhecer as crianças sozinhas. Mamãe já conversou com
ela, gostei muito. Mas se quiser posso ficar com você na primeira vez.
— Sim, por favor.
— Ok.
Fico surpreso com a segurança com que ela explicou e acalmou a menina. Liz mostra
autoridade com respeito e carinho, entende a filha e sempre explica as dúvidas com a verdade de
maneira fácil para que ela se acalme. É uma mãe excepcional! Cada dia mais, minha admiração pela
mulher incrível e responsável aumenta.
Ao estacionar na vaga do estacionamento, Juju permanece pensativa. Desce do veículo com
a mãe e não larga o boneco do Harry que fez questão de trazer consigo. Pede colo, visivelmente
amedrontada. Tenho vontade de abraçar e proteger a menina, mas sei que é apenas o medo do
desconhecido e ela vai perceber isso quando tiver a primeira sessão.
Entramos na clínica juntos, depois de se apresentar na recepção aguardamos na sala de
espera, bem iluminada e arejada. O ar condicionado mantém a temperatura agradável. As poltronas
marfim são aconchegantes e na tv, o programa do momento é desenho animado.
— Você falou que já fez entrevista com a psicóloga, gostou da profissional? — pergunto a
Liz acomodada ao meu lado.
Juju se diverte com a televisão.
— Gostei muito da dra. Cristina, é especialista em psicologia infantil, a escolhi porque usa
mais a ludoterapia associada ao tratamento.
— Interessante, e Juju é tão sensível, acho importante essa abordagem.
— Exatamente, brincando ajuda a criança a entender o mundo e seu lugar nele. É onde elas
são livres para expressar seus sentimentos e emoções mais profundas. Foi assim que ela me explicou.
— Vai ser ótimo, amor. Juliete vai gostar.
Olho as portas fechadas com as placas douradas em cada uma. A da doutora me chama
atenção.
— Dra. Maria Cristina, esse nome não é americano.
— Não. A doutora me explicou que sua mãe é brasileira.
— Entendi.
A porta do consultório se abre e a psicóloga aparece.
— Juliete Rodriguez — chama.
Seguimos os três para a porta.
A psicóloga estende a mão cumprimentando a mim e AnneLiz. Com seu habitual jaleco
branco, sorriso largo e um cachecol listrado vermelho e amarelo, com um leão bordado na ponta.
Juju que estava agarrada à perna da mãe aponta o dedinho para a mulher.
— Bom dia, essa deve ser a Juliete.
— Olá doutora. — Cumprimenta a psicóloga, filha — incentiva tentando acalmar a
menina.
— Oi.
— Vamos entrar?
— Eu espero vocês aqui — pronto para voltar à poltrona, Juliete segura minha mão.
— O Seba pode entrar também? Ele é meu amigo. — A doutora olha pra mim e para Liz.
— É que ele mata as aranhas! — insiste com voz doce.
AnneLiz e a doutora acham graça.
— Pode, você deve ser o Sebastian, namorado de AnneLiz.
— Sim.
— Pode acompanhar as meninas. Entre.
Juju entra ainda de mãos dadas comigo, admira a sala repleta de objetos temáticos do Harry
Potter com surpresa. Enquanto nos acomodamos nas cadeiras diante da mesa da profissional, a
curiosinha pergunta para a psicóloga:
— Você tá usando o cachecol do Harry?
— Sim, você gosta dele?
— Gosto muito. Harry é legal.
— É muito legal.
Juju sentada entre nós, sussurra daquele jeitinho nada discreto.
— Ela gosta do Harry, mamy!
Liz beija o topo da cabeça da filha mostrando alívio pela tranquilidade de Juju.
— O que tem naquela porta?
Aponta para uma porta aberta, atrás da mesa no fundo da sala, com um cortinado bordô
dividido ao meio e um brasão feito de cartolina escrito Hogwarts, colado na parede ao lado.
— É uma mini escola de magia, quer ir até lá conhecer, Juliete? Você pode brincar com
qualquer coisa que gostar.
Juju olha para a mãe que sorri animando a menina. Corajosa ela vai até a porta e entra.
Ouvimos as exclamações divertidas dela.
— Uau! Tem tantas canetas coloridas!
— Então, houve algo novo, mãe? — A psicóloga pergunta.
— Sim, Juliete foi para a casa do pai e aconteceram eventos traumáticos.
— Pode relatar brevemente?
— Meu ex-marido não cuidou dela, não a alimentou e nem banhou. A deixou trancada no
quarto e Juju disse que tinha uma aranha lá dentro, se assustou e bagunçou tudo para tentar matá-la.
— Existia mesmo essa aranha ou acha que foi fruto da imaginação do medo?
— Sim havia — falo. — Eu fui lá para pegar a mochila dela, quando fomos buscar a
Juliete. Ela realmente viu uma aranha e eu a matei.
— Hum, obrigada por terem avisado desse fato novo.
Ela anota as informações em uma ficha que deve ser especial da paciente.
— E depois do fato? Como foi?
— Nós fomos para casa, depois de alimentada e pronta para dormir ela perguntou a
Sebastian se poderia inspecionar o quarto. Juju tem fobia de aranhas.
A psicóloga olha para mim e anota mais algumas coisas, em seguida conversa com Liz de
forma consoladora.
— Inspecionamos o quarto juntos, quis que ela confiasse na segurança da casa, para poder
descansar.
— Fez muito bem, senhor Sebastian. — A mulher é muito simpática e amável, tenho
certeza que Juliete está em ótimas mãos.
— Sua filha é muito sensível e isso é maravilhoso, — Sua atenção volta-se para Liz. —
Mas também exige mais cuidados, e ter procurado ajuda demonstra o quanto a senhora está
preocupada. Nós vamos trabalhar em conjunto, vai dar tudo certo.
— Obrigada por isso, doutora Cristina. Adorei que usou elementos do personagem favorito
dela.
— Sim, anotei direitinho tudo o que poderia deixá-la calma e aberta para conversar. Nossa
entrevista semana passada foi essencial para saber mais sobre sua filha. Agora, se quiserem tomar um
café, vou conversar com Juliete.
— Certo, voltamos em quarenta minutos.
— Perfeito.
Saímos do consultório aliviados, com um pouco de insistência consigo levá-la para uma
cafeteria em frente a clínica.
O lugar é aconchegante do tipo de estabelecimento familiar. Decoração vintage com sofás
booths e profissionais gentis.
Nos acomodamos no sofá de couro em uma mesa do fundo do estabelecimento, peço dois
cafés e um pedaço de torta de chocolate para AnneLiz.
Aceito uma pequena prova do doce para deixá-la feliz. Tudo para que ela passe por esse dia
da maneira mais suave possível.
— Admiro muito a forma que cria sua filha, você é uma mãe incrível, deixe a tensão de
lado. As coisas vão se ajeitar e vocês ficarão bem.
— Estou preocupada que Daniel entre com o pedido de guarda definitiva.
Pouso minha mão sobre a dela sentindo como está fria, AnneLiz está mais apreensiva do
que eu supunha.
— Marquei uma reunião para hoje a tarde com meu advogado particular. Ele vai atender
todas as suas dúvidas e vamos nos adiantar sobre um possível processo.
— Sebastian...
— Não! Você vai permitir que eu ajude. Quer ver nossa menina nas mãos da Lili? Sei que
não quer.
Liz pisca os olhos repetidamente.
— Nossa?
— Foi uma expressão, mas se estamos juntos e vamos ser um casal, vou cuidar das duas.
Eu amo Juliete como se fosse minha, não admito que a maltratem ou a você.
O rompante de um beijo é bem-vindo, não é um selinho ou delicado. Liz segura meu rosto
e beija com vontade e o sabor dela e do chocolate é tentador demais para resistir.
Quando buscamos fôlego ela sussurra em meu ouvido:
— Seu jeito protetor e possessivo me acende como uma fogueira, é errado?
Afago seu rosto e beijo seu pescoço, demorando-me ali.
— Não é errado, só o lugar é. Se estivéssemos em casa, resolveríamos isso rapidinho. Você
vai me deixar cuidar das coisas para você?
AnneLiz crava as unhas na minha coxa por baixo da mesa enquanto converso ao pé do
ouvido com os beijos suaves que sei que ela adora.
— Sim, vou deixar — murmura.
— Você é minha, e é assim que deve ser. — A mão toca minha ereção me fazendo morder
seu pescoço.
— Pelo amor de Deus! É melhor pararmos, estamos em público.
— Você acaba com meu juízo, AnneLiz! — não reconheço minha voz que parece um
rosnado de tão rouca, afasto-me e bebo um gole do meu café para acalmar a vontade dela.
— Devemos nos comportar melhor, estávamos em um assunto sério e em um instante já
parecemos dois coelhos no cio — reflete com as bochechas coradas.
— Não é vergonha o que sentimos e nem a atração irresistível que é recíproca. Somos
namorados apaixonados em início de relação e não temos tantas oportunidades para viver isso, é
natural.
— Nunca senti essa necessidade louca de ficar grudada em alguém, para mim é novidade.
— Talvez se morássemos mais perto seria mais fácil.
A torta de chocolate perde todo o interesse, Liz estreita o olhar daquele jeito tentando me
intimidar, seguro o riso, porque adoro vê-la tentar.
— O que quer dizer?
— Não é surpresa para você a minha opinião sobre aquele bairro que vivem.
— Mas é o que posso pagar no momento.
— Poderia deixar que eu colocasse vocês em outra moradia mais espaçosa e perto da
minha.
— Pagar meu aluguel? Sebastian! — pisca os olhos como uma lâmpada em meia fase.
— Ou poderiam vir para a minha casa, tem espaço de sobra para nós três.
AnneLiz afasta o prato com o doce.
— Olha, às vezes me assusto com você, estamos juntos há quase dois meses apenas. Isso é
sério?
— Pra mim é muito sério.
— Não. Eu quis dizer essa proposta?
— É bem séria. Liz, não tô arriscando o meu coração por um caso de alguns meses. Eu
quero uma família com você, é isso que essa proposta significa.
— Quero ser sincera, fico muito feliz que tenha o mesmo pensamento que eu, mas entenda
que essa pressa pode se voltar contra nós. Principalmente na guerra que meu ex quer travar na guarda
da Juliete.
— Disse que aceitaria minha ajuda.
— Nos meus termos, Sebastian!
— Tá bom, primeiro vamos conversar com o advogado. Vamos tirar todas as dúvidas sobre
o que podemos ou não fazer, que não prejudique a decisão da lei sobre a guarda.
— Sim, isso eu aceito.
— Mas continuo não gostando do lugar onde moram, não é digno de vocês. Isso eu preciso
deixar claro.
Minha namorada perde a paciência quando franze o cenho e aperta os lábios.
— Sei que não sou da sua classe social, não sou digna de um homem como você...
— Não termine! — Pego sua mão e entrelaço nossos dedos, como um casal que somos.
Ergo seu queixo e faço olhar nos meus olhos.
— Não me importa sua classe social. Nunca me importou, não mude as palavras que usei.
Você não daria o melhor que pudesse para Juliete se tivesse condições?
— Sim, é o que estou fazendo.
— E não pensa como me sinto ao vê-la sair da sua casa boa, um bairro ótimo e mudar para
um local perigoso, sabendo que eu posso mudar isso?
Seu olhar suaviza e ela afaga meu rosto.
— Entendo, só peço um tempo, não agora, Sebastian.
— Assim que tudo acabar vocês duas vão pra minha casa.
O alarme do telefone avisa que os quarenta minutos se esgotaram.
— Melhor irmos buscar Juliete.
Acerto a conta e voltamos para a clínica. Sei que Liz fugiu do assunto, mas pelo menos
agora ela sabe da minha intenção e planos para nós. Estou disposto a enfrentar qualquer desafio, seja
qual for o custo para ter minha mulher comigo.
— Sebastian contou que semana passada foi com vocês até a sessão da psicóloga infantil,
tô feliz de ver meu primo tão envolvido e feliz.
Ajeito meu terninho de saia e blazer nervosamente aguardando a comitiva chegar no
saguão do décimo andar. Diante do balcão de mármore, Simba tenta me distrair pra que me acalme.
— Sebastian me assusta com sua intensidade, ele quer tudo para ontem, não sou assim.
— Mas deveria ser, Anne. A vida é muito curta para deixar para depois. Vocês se gostam,
por que não viverem isso ao máximo?
Mordo o lábio sem reconhecer se é nervosismo pela reunião que vou presidir sozinha pela
primeira vez, ou para medir minha resposta a Simba.
A verdade é que adoro quando Sebastian é sincero e diz o que quer, que me quer por perto,
que deseja morar comigo e Juliete, mas também me assusta um bocado que tudo seja precipitado e
ele se arrependa.
Meus pés começam a adormecer pelo tempo em pé, aguardando ansiosamente a chegada
dos representantes da empresa alemã.
Quando meu chefe deu essa tarefa de apresentar o plano de marketing sozinha pela
primeira vez a um cliente importante, fiquei preocupada com meu desempenho. Vesti e me arrumei
impecavelmente, meu cabelo perfeitamente preso em um coque e coloquei meu melhor sorriso
acolhedor no rosto.
— Aí vem eles, deixei a sala de reuniões pronta para você. Vai lá chefe, é seu show.
Assim que o grupo chega, me aproximo com confiança e os cumprimento calorosamente,
apresentando-me e dando as boas-vindas.
Conduzo os representantes até a sala de reuniões, onde a mesa grande e elegante está
disposta com papéis e laptops ligados para a apresentação.
Durante o tempo que se acomodam cada um em seus lugares, converso animadamente com
o senhor Robert Klein, um homem alto e ruivo, cabelos curtos e olhar de águia. Sua secretária
Shenya e o supervisor de vendas das empresas Kroer. Pergunto-lhes sobre a viagem mostrando
interesse genuíno em conhecer mais sobre eles e sua empresa.
Começo as apresentações formais, destacando as qualidades da equipe da Latarge e os
benefícios dos serviços oferecidos. Falo com clareza e convicção, demonstrando profundo
conhecimento sobre o assunto e transmitindo confiança sobre como vamos conduzir a campanha de
apresentação e propaganda dos produtos Kroer.
Eles gostam do material mostrado e fazem muitas perguntas. Como são fornecedores de
produtos orgânicos explico detalhes com paciência e simpatia sobre a abordagem que escolhemos
para conquistar os clientes que não costumam consumir produtos orgânicos. Minha postura é firme e
segura, mas ao mesmo tempo, demonstro na expressão facial e gestos empatia e receptividade.
Ao final da reunião, convido-os para conhecer a empresa e almoçar comigo, onde
supervisionei pessoalmente a preparação de uma refeição especial para eles. Essa ideia sugeri a
Sebastian que adorou e me apoiou a colocar em prática esse plano.
Os clientes agradeceram a hospitalidade, elogiaram a minha competência e o
profissionalismo, deixando claro que estavam impressionados com a Latarge e ansiosos para dar
continuidade à parceria. E ao aceitarem o convite para esse almoço é a prova de como ficaram
animados.
Sorri satisfeita, sentindo-me realizada por ter conseguido fechar um grande contrato
sozinha. Ao visitar o setor de marketing, convoco Mia, a qual deixei como líder do setor, para se
juntar a nós na visita e posteriormente no almoço no refeitório. Ela me alcança na frente da fila,
andando pelo corredor que leva a sala de conferências.
— E aí não tivemos tempo de conversar essa semana, alguma novidade sobre o inseto do
seu ex?
— Não Mia, está tudo muito quieto. É isso que me apavora — sussurro ao seu lado.
— Deixe de ser pessimista, Anne!
Balanço a cabeça em uma forma de voltar ao foco no trabalho. Entramos na sala de
conferência ouvindo os murmúrios de elogios sobre a modernidade da decoração.
Mostro a equipe onde nossos principais clientes estão situados, apontando no mural de
parede inteira onde há um mapa mundi em tamanho gigante.
Explano um pouco sobre o trabalho que prestamos a Brenner e o cultivo das tulipas. Um
ótimo exemplo de confiança nas empresas Latarge. Em como nesta sala presidimos as reuniões por
videoconferência com os clientes na parte mais distante do mundo. Impressionados perguntam sobre
os intérpretes e qual o número de profissionais na área. Esses alemães são um pouco curiosos para o
meu gosto!
Por fim, nos direcionamos ao refeitório. Confesso que os eventos de hoje abriram meu
apetite. A reunião foi um sucesso, eles adoraram a apresentação e eu me saí muito bem! Quase saltito
igual a Juju quando está feliz.
O refeitório foi organizado com mesas maiores, assim a comitiva do cliente está reunida na
mesa preparada para eles. Robert Klein, a secretária e o supervisor de vendas da empresa visitante,
acomodam-se ao meu lado e frente. Mia como meu braço direito, fiz questão que sentasse conosco.
A conversa é animada e quase no final da refeição, meu celular emite o som de mensagem.
Ao abri-la, meu chefe ordena que eu passe na sala de arquivos para analisar um material, antes de
retornar do almoço.
“— AnneLiz, encontrei algo ontem à noite pertinente ao próximo trabalho, preciso que
pegue para mim na sala do arquivo morto. Abra discretamente, é confidencial.”
Quando Clico no dito material de visualização única, a foto quase provoca a minha queda
da cadeira. O suco desce atravessado na garganta, e a tosse violenta assusta a mesa toda. Mia dá
tapinhas nas minhas costas, apavorada com a situação. Guardo rapidamente o celular no bolso da
calça.
— Vamos tomar água na cozinha! — Mia sugere e a sigo tossindo. — O que houve, Anne?
Recebeu uma notícia ruim?
Sinalizo que não e ao chegar na cozinha. Minha melhor amiga alcança um copo de água,
bebo um pequeno gole, tentando recuperar um pouco da voz.
— O suco... A acidez ... do suco de laranja, Mia.
— Ok, já vai passar.
Não vou contar que o miserável do meu chefe e namorado, enviou um nude na hora do
trabalho.
Aquele pedaço de mau caminho tirou uma selfie na sua sala de estar, posando apenas de
camiseta preta, com aquele pau duro, cheio de veias, depiladinho e orgulhoso. Enviou justo agora,
mas o que ele tem na cabeça? Puta que pariu!
Depois de me recompor, volto à mesa me desculpando do incidente do engasgo. Algumas
palavras trocadas e me despeço dos clientes e de Mia, alegando um novo compromisso.
Antes de seguir para o andar da sala de arquivos vou ao toalete fazer a higiene bucal. Ao
passar pelo balcão de Simba ele está voltando do seu intervalo.
— Simba, sabe do chefe? Ele já retornou da pausa?
— Almoçamos juntos, mas ele comentou que precisava passar em um lugar antes de voltar
para a empresa.
— Hum, ok.
— Como foi com a comitiva Kroer?
— Tudo perfeito. Fecharam o contrato conosco.
Ele se aproxima e me abraça feliz ao me parabenizar.
— Anne, parabéns pela conquista. Agora entendo porque Sebastian estava calmo e
contente no almoço. Disse que hoje a empresa fecharia um contrato importante. Ele tinha certeza do
seu sucesso!
— Verdade?
— Ele parece durão, mas está derretendo por você. Os elogios ao seu profissionalismo dão
inveja. Fico muito feliz de vê-lo assim apaixonado e voltando a ser o homem que conheci quando eu
era um rapaz.
— Não me deixe tímida! — sorrio envergonhada.
Sebastian é um príncipe, um príncipe safado é verdade. Mas amo ele desse jeitinho.
— Vou me apressar para voltar ao trabalho, ainda tenho umas coisas para deixar prontas
quando ele chegar.
— Certo, vou aproveitar e passar no marketing para ver minha ruivinha.
Apresso-me no banheiro e envio mensagem para Sebastian, confirmando se devo mesmo
descer até a sala no andar de baixo.
— Você me deixou em maus lençóis naquele almoço, abusado!
Nenhuma resposta.
— O que preciso buscar no arquivo? Era sério ou brincadeira para enviar o nude?
— ...
O sinal de digitando aparece me deixando ansiosa.
— Desça lá, vai saber o que pegar quando entrar na sala de arquivos.
Rolo a tela para cima na esperança de ainda ver aquela foto, mas visualização única não dá
pra ter replay. É uma pena!
Ele estava tão quente naquela selfie. Apoiado em uma almofada vermelha, as coxas
escancaradas exibindo aquela obra de arte. Quando recordo, meu corpo esquenta instantaneamente.
Tô com saudades, fazem três dias que não conseguimos ficar a sós. Contando com a última
vez no carro na frente do meu prédio, não dá pra matar a vontade somente com aqueles amassos e
passadas de mão.
Eu e Sebastian precisamos de uma cama e uma tarde inteira nus. Apenas isso.
Vai AnneLiz, deixa de pensar em sacanagem! Você viveu sem sexo decente por muito tempo
naquele casamento falido, agora parece uma tarada em abstinência!
Retorno para o saguão e pego no balcão de Simba a cópia da chave da sala. Deixamos uma
ali, pois ultimamente estamos buscando informações de clientes antigos quase toda a semana.
Já dentro do elevador, admiro meu rosto frustrado no espelho. Por que estou desse jeito?
Acabei de fechar um contrato milionário sozinha. Só por que não consigo um tempo de qualidade
com meu namorado na cama? Palhaça! Você tem responsabilidades. Você tem uma filha, não pode
deixá-la na vizinha pra trepar! Não é certo!
Sei que ele tem necessidades, homem sempre tem mais necessidade de sexo. Será que não
é melhor deixá-lo livre para não levar chifre outra vez?
Mas eu amo ele, caramba!
Olho os números do painel diminuindo, meditando que preciso conversar com Sebastian.
Depois que retornar para nossa sala vou tentar explicar a situação. Talvez seja por esse motivo que
ele queira que eu me mude pra sua casa. É mais fácil escapar no meio da noite para o quarto dele, do
que viver namorando no carro na saída do expediente. Um homem como ele deve estar cansado de
namorar uma mulher complicada feito eu.
Saio do elevador no meu destino, pisando duro, não quero abrir mão de Sebastian! Nós
precisamos dar um jeito. Como Mia sempre diz: “Preciso dar um chá de boceta no meu homem!”
MEIA HORA ANTES

Foi propício esse almoço com Simba e Esteves, assim posso saber do andamento das
investigações.
Devidamente acomodados na mesa do fundo do restaurante em frente a empresa, seguimos
discutindo a demora nos resultados da investigação e os detalhes das medidas de segurança já
implementadas.
— Achei que descobriria mais rápido quem é o espião, Esteves? — pergunto ao meu
detetive.
— Estou reunindo provas, mas já descartei as mulheres, pela única imagem que consegui,
sua irmã se encontra regularmente com um homem.
— Hum, seria o mais provável. Seduzir um trouxa é especialidade dela. Quero que não se
refira mais a ela como minha irmã. Não desejo associar nenhum tipo de relação com aquela cobra.
— Mas ela no papel tem seu sobrenome! — comenta Simba. — E se você não lembra ela
quer apresentar o namorado para os amigos do seu pai na semana que vem, provavelmente vai
mandar convite para a festa
— Ela não é louca a esse ponto.
Simba arqueia uma sobrancelha como sempre faz quando dúvida de algo.
— E as escutas, aquelas que pedi para os veículos, foram instaladas?
Entre uma garfada e outra, Esteves explica sobre os microfones instalados nos carros da
empresa, incluindo o meu próprio veículo e nos escritórios.
Meu primo, intrigado, questiona sobre a legalidade dessas medidas, enquanto o detetive
explica os aspectos legais e técnicos da instalação dos dispositivos.
— É uma medida necessária, Simba — explico enquanto corto um pedaço de carne. —
Além dessa investigação, com a quantidade de informações sensíveis que manuseamos diariamente,
precisamos garantir que nossa segurança esteja sempre um passo à frente.
— Você desconfia dos seus seguranças, Sebastian? — continua ele.
— Só confio na Anne e em vocês dois, em mais ninguém. — Tranquilo e confiante,
demonstro que estou disposto a fazer o que for necessário para proteger a empresa e meus
funcionários.
Esteves segue com entusiasmo falando sobre o funcionamento dos dispositivos de escuta
instalados nos carros. Ele pega um pequeno aparelho do bolso, discreto o suficiente para passar
despercebido, que capta conversas dentro do veículo.
— Esses dispositivos são incrivelmente sensíveis — começa com um sorriso satisfeito. —
Eles podem captar até mesmo sussurros e conversas em tom baixo, garantindo que não percam
nenhum detalhe importante. Instalei por fora dos veículos também, assim quando estiverem parados
as conversas ao redor do carro em um raio de um metro serão gravadas.
Assenti, indicando que entendo o potencial dessas tecnologias.
— É perfeito, além de nos dar uma vantagem em termos de segurança, também podemos
usá-los para monitorar conversas suspeitas que possam mostrar quem procuramos.
— Exatamente.
— Vou deixar vocês dois com os assuntos sérios e vou voltar para a empresa, quero ver a
linda antes do expediente recomeçar.
Esteves dá um meio sorriso a ele que devolve um olhar de falsa inocência.
— O que? Vocês ficaram em casa o dia inteiro no sábado enquanto eu assistia as aulas
extras do semestre.
— Não falei nada, Simba. — Seu olhar para o loiro estreita.
— Vai voltar para a empresa à tarde, Sebastian?
— Sim, preciso apenas passar em um lugar antes e volto, avise Liz para mim.
— Ok, até mais — com um selinho no namorado, meu primo nos deixa a sós.
— Voltando ao assunto chefe, acrescento que os dispositivos também podem ser úteis em
situações de emergência, fornecendo evidências cruciais em caso de incidentes.
— Muito bem, Esteves. Você consegue guardar as gravações em um local seguro?
— Não se preocupe com isso, passo por email a senha da nuvem que estão salvas. Um dia
após serem gravadas, as recupero e lanço no arquivo.
— Ótimo. Vou acertar a conta, fique a vontade para terminar o seu almoço. Preciso ir.
— Obrigado pelo almoço.
— No próximo vocês pagam. — Afasto-me rindo.
— Combinado chefe.
Ao pagar a conta saio do estabelecimento e entro na farmácia ao lado para pegar o que eu
preciso. Sem demora estou de volta a empresa. Pego o elevador direto para a sala do arquivo morto.
A brincadeira com a selfie espero que tenha surtido efeito.
Tô louco para ficar sozinho com ela em um lugar discreto, pelo menos uma hora tranquilos,
sem interrupção.
Quero comemorar o contrato que Liz fechou em grande estilo. Simba mandou uma
mensagem rápida no WhatsApp avisando do sucesso dela, mas eu sabia que minha namorada
conseguiria conquistar os clientes alemães.
Na saída do elevador ao chegar no andar de destino, meu telefone sinaliza mensagem.
— Você me deixou em maus lençóis naquele almoço, abusado!
Será que pergunto o que achou da foto que fiz para ela? Antes que digite ela escreve outra:
— O que preciso buscar no arquivo? Era sério ou brincadeira para enviar o nude?
Melhor escrever como se eu não estivesse aqui.
— Desça lá, vai saber o que pegar quando entrar na sala de arquivos.
Espero a pimentinha com a porta trancada por dentro, quero aumentar a surpresa.
Minutos depois de responder a mensagem, ouço o som dos saltos frenéticos no corredor em
um eco.
Sentado sobre a mesinha disposta na entrada da sala ao lado da porta, afrouxou a gravata
tirando a peça ao ouvir a chave girar e destrancar a fechadura.
— Oh! Droga! Sebastian! Que susto! — exclama quando abre e me vê.
— Entra e tranca a porta, amor.
Liz é rápida em obedecer, observo com mais tempo como se vestiu para o dia de hoje.
Quase não nos vimos por causa da apresentação.
A saia preta reta acima do joelhos a deixa mais séria do que é, e o blazer da mesma cor,
profissional demais. Por esse motivo, quando a deixo nua, vou ao delírio apenas com a visão do
corpo lindo, porque só eu tenho a honra de admirar sua verdadeira essência.
Ela se aproxima o suficiente para enlaçá-la pela cintura e puxar seu corpo entre minhas
pernas.
— Parabéns pelo contrato com os alemães. Sabia que não havia melhor pessoa para
conseguir o negócio.
Esperei a manhã toda por esse sorriso vaidoso e olhar brilhante.
— Quer dizer que estamos escondidos como dois adolescentes para uma comemoração no
meio do expediente?
Desço as duas mãos da cintura e agarro sua bunda com firmeza, fazendo-a arfar.
— É isso mesmo, quero dar a recompensa para a funcionária mais aplicada da empresa.
Nossas vozes soam baixas e desejosas, um convite para o que virá a seguir.
— E qual seria a recompensa? — a pergunta dita de queixo erguido é bem o que eu
imaginava da minha atrevida.
Agarro um punhado de cabelo da nuca e puxo um pouco sua cabeça para trás a fim de
expôr seu pescoço delgado.
Antes de beijar e lamber a pele de seu pescoço, sussurro no seu ouvido:
— Um orgasmo tão intenso que vai precisar de folga no trabalho!
Liz agarra meus braços com força fechando os olhos ao sentir as mordidas no pescoço.
Como pode essa mulher ter esse gostinho de morango, parece um licor irresistível da fruta, e cada
vez que provo não consigo parar.
— Sebastian, não está pensando em...?
— Trepar gostoso na sala de arquivos, por uma hora inteira com minha namorada? Pode
apostar.
Meu cabelo é puxado para que a encare.
— Estamos no horário de trabalho! — fala com falsa indignação se aninhando ainda mais
em meus braços.
— E morrendo de saudades. Só nós dois temos as cópias da chave desta sala e o mais
importante, você não pegou o que mandei buscar!
Nada me deixa mais rendido quando a pimentinha começa a mordiscar meu lábio
alternando com lambidinhas marotas.
— E o que é que preciso pegar, senhor mandão?
Agarro uma de suas mãos e coloco sobre minha ereção dolorida.
— Pegue!
— Está tão duro!
— Somente com seu cheiro fiquei assim, e quando senti o gosto de sua pele, tô explodindo
aqui e de jeito nenhum vou sujar minha calça.
Ataco seus lábios assim que a safada aperta meu pau. Enquanto a devoro, seu blazer é a
primeira peça descartada, depois as mãos delicadas e ansiosas abrem minha camisa. São carícias
ansiosas demais para não gemer. Agindo como se tivesse um cronômetro e o tempo estivesse
acabando, seguimos o amasso com puxões de cabelo e mordidas afoitas.
— Vamos ... para os fundos, se alguém vier até a sala ao lado vai nos ouvir — aviso com o
pouco fôlego que me resta, já guiando minha namorada para o último corredor de prateleiras de
arquivos.
Ao chegarmos próximo a escada de madeira a qual tivemos o beijo da outra vez, Liz se
apoia nela e a prendo com meu corpo, voltando a exigir seus lábios. Minha camisa é a próxima a ir ao
chão.
— Desde que vi aquela foto, fiquei maluca para estar assim com você!
O sorriso no meu rosto é inevitável ao livrá-la da blusa puxando-a pela cabeça em um
golpe rápido.
— Estava pensando em você naquele momento da foto!
Liz, com uma pressa enorme, abre meu cinto e a calça, mas antes que esqueça, tiro a cartela
dos preservativos e penduro na escada.
— Por mais que eu ame ver minha porra escorrer pelas suas pernas, hoje não podemos nos
dar ao luxo — comento assim que ela olha interrogativamente para os pacotes laminados, já que não
usamos normalmente.
— Amo sua praticidade! — elogia com um sorrisinho dengoso me ajudando a baixar as
calças.
Abro o sutiã para dar atenção aos peitos lindos, que imploram pela minha boca. Mal a
renda os revela, mato minha vontade chupando um por um faminto. A textura dos mamilos rosados
durinhos me instiga a sugar com força.
Liz arqueia o corpo pedindo por mais intensidade.
— Oh Deus! Sebastian! Adoro isso…
— Porra! E eu amo esses peitos!
Ergo a saia e a enrolo em sua cintura ao tocar entre as pernas sobre a calcinha quase gozo
por notar o quanto está molhada. Liz arranha meus ombros me fazendo desviar dos seios e voltar a
devorar seus lábios.
— Puta merda, Liz! Preciso encapar o pau agora!
Abro um dos preservativos na velocidade recorde. É muito tesão e saudade demais para
seguir com as preliminares.
— Com a vontade que tô, tenho medo de ser demais pra você.
A abusada vira de costas e empina a bunda com a calcinha preta fio dental enfiada de um
jeito, que perco o fôlego. Ao olhar para a obra de arte sinto um choque violento na cabeça do pau.
E ela não dá trégua, olha por cima do ombro da forma que me olhou na danceteria na
primeira vez que ficamos. Faminta e safada, com a diferença que não tem um pingo de álcool em seu
sistema.
— Dê o seu melhor, mandão!
— Está me provocando? — puxo seu cabelo guiando sua boca para a minha ao afastar a
calcinha para o lado.
Enfio um dedo dentro dela apreciando escorrer o mel grunhindo em seus lábios.
— Por ...favor, por favor... — implora baixinho rebolando em busca de alívio.
— Merecia um castigo por me provocar, mas nem eu mesmo aguento te fazer esperar,
molhada desse jeito, caralho! — murmuro em seu ouvido enquanto a fodo com meus dedos.
— Ah, não tortur...
Antes de terminar a frase enterro o pau inteiro nela, puta que pariu! A penetração é algo
que sinto em minha medula, um calor percorrendo minha coluna como pedras quentes. Deslizo tão
fácil, mas ao mesmo tempo, a bocetinha aperta em pulsos, mastigando, que preciso morder sua nuca.
Queria sentir pele com pele, pois Liz está ardendo em luxúria, rebolando de encontro às
estocadas.
A escada nos aguenta fazendo o papel de terceira participante enquanto me ajuda a prensar
o corpo quente da minha mulher.
Vejo que segura firme na madeira enquanto soco com vontade. Os sons dos nossos corpos
se chocando provocando eco na sala fechada, só aumentam nosso prazer.
— Ontem quando tirou a selfie... Depois tocou uma, pensando em mim?
Surpreso de uma ótima maneira com sua pergunta esbaforida, entro no jogo, mesmo
sabendo que estou no limite e vou gozar a qualquer momento. Agarro suas mãos que seguram os
lados da escada com força prendendo-as no lugar e acelero, afundando o pau no veludo quente.
— Minha pimentinha safada!
— Fala, Sebastian! Ah...! — choraminga tão docemente que não tem como resistir.
Mordo o lóbulo da orelha dela metendo como um louco.
— Precisei de duas punhetas pra aliviar meu tesão por você ontem a noite.
Sua cabeça pende para trás apoiando em meu ombro e desacelero fodendo em movimentos
longos e lentos, com a intenção de aproveitar um pouco mais.
— Geme para mim, Liz! Deixe-me ouvir você?
Ela puxa meus cabelos arfando e gemendo baixo.
— Vou gozar tão forte nessa bocetinha gostosa, só pra ouvir meu nome quando me levar
pro céu.
Acelero pouco a pouco, no meu tempo, aproveitando ao máximo a minha mulher.
— Mais rápido, Sebastian, mais... Tô quase...
Nos segundos seguintes começo a sentir o aperto do seu sexo me ordenhando, o
formigamento tomando meu corpo como uma fera feroz. O pau parece inchar ainda mais ao ouvi-la
gemer meu nome em êxtase.
— Oh, Sebastian...
Absorvo seu orgasmo encontrando o meu próprio. Bombeio dentro dela até meu
esgotamento. O prazer é tão agudo que é quase um tipo de dor.
Liz amolece em meus braços, mas não posso sucumbir à fraqueza das minhas pernas. Ergo-
a no colo e a carrego para o fim do corredor onde uma cadeira executiva aguarda seu uso.
Sento-me exausto, com minha mulher agarrada a mim, respirando no espaço do meu
pescoço. Foder em pé é bonito nos filmes, mas precisa estar em ótima forma. Eu e Liz estamos mais
para algo demorado, sem pressa e em uma cama. Coisa que está difícil de acontecer nesse namoro.
Descarto com um nó o preservativo e abraço seu corpo suado, beijando sua testa e nariz até
ela encontrar meus lábios com os seus.
— Seria maravilhoso uma cama agora, não foi tanta acrobacia para acabar comigo desse
jeito.
— Foi a adrenalina, sabe aquele ditado que ‘onde há vontade, há um jeito’? Então, nós
estávamos loucos por isso e essa intensidade nos derrubou.
Acaricio de modo suave sua coluna, correndo os dedos sobre sua pele, a fazendo arrepiar.
— Ainda temos meia hora, talvez essa cadeira seja uma melhor opção.
— Concordo, mas não quero essa saia no meio do caminho, nem essa calcinha participando
da próxima.
Ouvimos um alarme de celular que reconheço ser o meu.
— Não vai atender?
— Deixe tocar, se for importante vai ligar mais tarde, agora estou extremamente ocupado,
me preparando para ver minha mulher indo buscar o preservativo perto da escada.
Liz levanta preguiçosamente e deixa cair a saia enrolada na cintura.
— Tira a calcinha para mim?
— Você gosta muito de olhar, né?
— Não sabe o quanto! — sorrio com malícia.
No momento que ela gira e vejo o fio dental melado saindo lentamente, com Liz
coreografando para mim a calcinha deslizando até o chão, meu pau parece ter sido inflado com um
compressor de ar.
Meu amor desfila até a escada de madeira apoiada na prateleira e se inclina com a bunda
para o alto para pegar o preservativo no chão. Cada dia está perdendo a timidez sobre seu corpo,
mostrando realmente a mulher sedutora que é e isso me deixa maluco.
Quando retorna, para na minha frente olhando meu pau duro e lambendo os lábios, a safada
está querendo me enlouquecer.
— O que deseja agora, senhor mandão? — voz doce e submissa provocando uma fisgada
na cabeça do pau.
Forço uma cara de mau, acomodando-me melhor na cadeira, ao abrir um pouco mais as
pernas para o que está por vir.
— Ajoelha e me chupa!
Obediente ela coloca-se entre minhas pernas, segura-o com as duas mãos e lambe a ponta
como um sorvete, me fazendo pular da cadeira.
— Olha pra mim enquanto me engole.
É esforçada e apesar de não comportá-lo inteiro na boca, faz umas coisas com a língua que
reviram meus olhos de prazer. Arranha minhas coxas arrepiando meu corpo inteiro tanto com as
unhas, quanto com seu olhar guloso.
Agarro seus cabelos castanhos fazendo um rabo para melhor apreciar. Soltando silvos de
prazer pego o pacote laminado, o abro e mostro para ela, que rapidamente cobre meu pau com ela.
— Vem cá, amor.
Ajudo Liz a me montar, mas não penetro.
— Eu fiz direitinho? — pergunta manhosa.
Guio minha mulher para um beijo, chupando sua língua vorazmente.
— Fez com perfeição, só que não queria terminar nessa boca linda.
O olhar brilha pelo elogio, com entusiasmo ela puxa meus cabelos para mais beijos com as
mordidinhas que eu adoro. Quando ela senta no meu caralho, tudo o que penso é tê-la assim para
sempre. É como se tudo fizesse sentido, apenas quando estou com AnneLiz. Pode ser obsessão
minha, mas foda-se!
— Quero isso para sempre, quero você para sempre.
Ela acelera rebolando sobre mim olhando nos meus olhos.
— Amo você, Sebastian. Quero ser sua para sempre.
O calor dessa declaração explode o sangue nas minhas veias rugindo no espaço entre os
batimentos cardíacos. Depois de ouvir essas palavras foi somente sentir, beijar, gemer e possuir até
gozarmos juntos bebendo nossos próprios gemidos aos beijos.
Após esse tempo namorando, ao nos vestir, meu telefone toca novamente.
Para minha surpresa é o nome da minha mãe piscando na tela.
Dona Margareth não costuma me ligar, o que será que pode ter acontecido?
Dentro do carro de Sebastian sinto o coração acelerado enquanto o veículo segue em
direção à casa dos seus pais. Aquela ligação da mãe dele no meio da semana, era para nos convidar
para jantar no sábado, e aqui estamos indo para a forca. A princípio meu namorado recusou, mas sua
mãe insistiu dizendo que Lili mandou convidar como o início de uma trégua e apresentar a namorada
do irmão para seus pais. Isso não me cheira bem!
Olho pela janela, perdida em meus pensamentos, tentando me preparar para o que virá pela
frente. Sebastian no banco ao meu lado, percebe a tensão e coloca a mão sobre a minha, um gesto que
me conforta.
— Está tudo bem, Liz. Vai correr tudo bem. — O timbre seguro não consegue tirar essa
sensação de aperto no peito.
Mas para não deixá-lo preocupado, lanço um sorrisinho agradecida pelo gesto de apoio.
— Espero que sim. Só estou um pouco nervosa. Não sei como será esse jantar.
— Não se preocupe. Estaremos juntos nisso. E se algo sair do controle, saímos juntos
também. — Responde com um semblante tranquilizador.
Suspiro, tentando manter a calma com as palavras reconfortantes. Ainda assim, a apreensão
persiste, misturada com uma ponta de expectativa pelo que a noite reserva.
Nossa chegada à casa dos pais dele é marcada por uma recepção extravagante, que já
demonstra um ambiente tenso. Ao entrarmos na propriedade, fomos recebidos por uma exibição de
ostentação: carros de luxo alinhados na entrada, manobristas com um uniformes completos, até de
luvas! Meu Deus! Parece um evento de gala! Eu e Sebastian não viemos preparados para isso!
Estamos vestidos com roupas sociais para um jantar especial apenas, não um evento desse porte.
Cruzamos a porta da frente em silêncio, ouvindo o burburinho dos convidados ao notar
nossa entrada. Admiro a mansão belamente decorada. Os garçons circulam com taças de champanhe
e convidados elegantemente vestidos. A atmosfera é de riqueza e status, algo que contrasta com a
simplicidade dos locais que costumo frequentar.
Seus pais vêm em nossa direção assim que chegamos às colunas de mármore da entrada do
grande salão.
— Isso é uma casa, Sebastian? Parece um teatro para receber grandes shows.
— Estou surpreso com essa decoração dourada e luxuosa, não pensei que seria um evento
tão grandioso. E todas essas pessoas?
Sua mãe se achega com um sorriso comedido, vestida com um longo marfim.
— Porra, mamãe disse que seria íntimo, algo para você conhecê-los.
— Bem, sinto lhe informar que você foi enganado.
Enquanto Sebastian tenta disfarçar seu desconforto, sinto-me cada vez mais deslocada.
— Pai, mãe, por que uma festa desse porte para a visita de AnneLiz? Sabe como sou
avesso a badalações. AnneLiz esses são meus pais, Robert e Margaret.
Seu Robert acena um boa noite sem estender a mão para mim, o que me incomoda de
chegada.
— Essa festa deixei sua irmã organizar, afinal convidei alguns ilustres amigos para
conhecer meu genro. Não tem nada a ver com vocês.
— Robert? — condena minha mãe.
— Mas é verdade, Margareth!
— Entendi, o convite não tinha nada a ver com paz, né mãe?
Ela se aproxima com seu visual impecável, toca o rosto do filho com carinho.
— Não filho, eu queria conhecer AnneLiz, seu pai está chateado porque o senador seu
amigo não pôde comparecer. — Pega as minhas mãos me oferecendo um sorriso gentil, parece
sincera. — Como vai, filha? É um grande prazer conhecê-la.
— Igualmente, Sra Latarge — retribuo.
A cobra da irmã, usando um vestido dourado, se aproxima e sinto o corpo de Sebastian
tenso, sua mão entrelaçada na minha aperta com considerável força.
— Bem-vindos, que bom que vieram. — Lili tem a coragem beijar sua bochecha com um
sorriso largo e afetado, mas ele não se move. — AnneLiz, você está linda, adorei o vestido.
Engancha um braço no seu pai sorrindo igual o coringa ao matar a própria mãe.
— Não fazem um casal perfeito, papai? Já cumprimentou sua nora?
— Sim, já fomos apresentados.
O homem mal olhou para mim e quando o fez foi com desprezo no olhar, me fez sentir um
cachorro sarnento neste lugar.
— E onde está minha enteada, achei que iria vê-la esta noite?
— Juliete ficou com a babá, eventos noturnos não são para ela.
— Nós vamos buscar uma bebida, com licença. — Meu namorado é inteligente ao se
retirar e me guiar para o outro lado do salão.
— Não devia ter acompanhado você nesse jantar — confesso desanimada.
Sebastian pega duas taças e me alcança uma.
— Vamos jantar e sair, não se preocupe. Não daremos margem para conversa.
Vemos ao longe Daniel entrosado nas rodinhas dos ricaços, como se fosse um deles. Rindo
e bebendo com seu traje de gala. A ânsia de vômito bate na garganta.
Sebastian amaldiçoa baixo, com um palavrão ao ver meu ex-marido, que finge que não nos
viu, mas se exibe feito um pavão.
Um garçom desfila com uma bandeja com torradinhas belamente enfeitadas com um patê,
meu estômago ronca de fome.
— Foie Gras, senhor?
— Não! — Quando vou pegar, ele me impede. — Obrigado, ela também não quer.
Quando o homem de uniforme se afasta, reclamo desanimada.
— Não sabia que não era para comer antes do jantar.
— Não é isso, amor. Sabe o que era aquela comida? Fígado de pato.
Vejo que ele está nervoso e o deixo continuar.
— O foie gras é o orgão doente de um ganso ou pato, engordado de maneira forçada, várias
vezes por dia, com um tubo de metal enfiado na garganta até o estômago. Para obrigar o seu corpo a
produzir o fígado gordo para fazer o patê, a ave tem de engolir em somente alguns segundos uma tal
quantidade de milho, que o fígado acaba por atingir praticamente dez vezes o seu tamanho normal, e
desenvolve uma doença chamada esteatose hepática.
— Meu Deus! Que horror! Como você sabe disso?
Seu riso é triste e melancólico.
— Meu próprio pai abominava crueldade com os animais e me ensinou várias coisas que a
elite exalta e normaliza. Eu era muito jovem quando ele me explicou e disse que nunca entraria em
nossas recepções esse tipo de alimento.
— E hoje?
— Não reconheço mais meu pai, AnneLiz. — Quando me encara noto a profunda tristeza
dessa sentença em seu olhar. Algo que raramente vejo em Sebastian.
Circulamos um pouco mais pelo salão, Sebastian me apresenta alguns casais conhecidos,
sempre atencioso, referindo-se a mim como namorada. Algumas senhoras me elogiam e ele sorri
orgulhoso.
Mas aqui não é meu lugar, as conversas em volta são sobre negócios, viagens e eventos de
alto padrão, temas que não fazem parte do meu cotidiano. Algumas pessoas me olham de modo
estranho, não consigo identificar o motivo. As mulheres jovens esnobes mal me dão atenção e alguns
homens parecem uns tarados, me comendo com os olhos. Meu vestido não é ousado, é um longo
preto de alças finas, simples e discreto.
Lili, se delicia com a situação, lançando olhares de superioridade na minha direção sempre
que pode.
— Fiquei sabendo que o jantar teve um pequeno atraso, vou buscar algo suave para você
beber e um whisky para mim, me espere naquela porta larga em arco, está vendo?
— Estou, é bonito o gesso ao redor formando desenhos de folhas.
— É a saída para o jardim. Quero mostrar a você o lado de fora como é lindo. — Uma
piscadela marota me diz que Sebastian não vai se comportar nesse jantar.
Ando alguns passos em linha reta desviando dos casais conversando e bebendo, um respiro
bem-vindo dessa ostentação e exibição as quais odiei conhecer.
Observo que do outro lado da porta há uma área externa com estátuas de pedra esculpida
nos quatro cantos, mulheres gregas com jarros nas mãos. A imagem tediosa delas combina com a
minha, espero não ter muito desses eventos para acompanhar Sebastian.
Inspiro o perfume floral que a brisa traz. Deve ser das floreiras com violetas brancas que
fazem o papel de mureta para o gramado aparado. O clima está agradável, o ar fresco acaricia meu
rosto, a noite está linda com o céu repleto de estrelas.
— Vejo que está curiosa sobre o jardim.
O homem de smoking e cabelos grisalhos para ao meu lado na grande porta. Sua voz não
tem mais a antipatia inicial, é baixa e calma. Sozinhos admirando o jardim, talvez ele seja mais
simpático.
— É lindo aqui.
Olho seu perfil com o peito estufado, orgulhoso da sua própria posição.
— Realmente, essa mansão herdei do meu pai, que herdou do pai dele. Foi construída no
século XVII. Meu pai dizia que era de um príncipe, mas eu nunca acreditei.
— Sua casa é linda e o evento de hoje é digno de príncipes, senhor Robert.
— Meu filho é um príncipe, Sebastian vai herdar isso tudo. Mas não pode se casar com
vagabundas golpistas que se vendem por dinheiro.
— O quê? — Nessa hora ele me encara com nojo no olhar, desprezo profundo na maneira
que olha meu corpo de cima abaixo.
— Entendo que goste dessa vida, Daniel me explicou, mas com meu filho você não vai
ficar. Ele merece uma menina de classe, se for virgem melhor ainda. Não pode desfilar com
prostitutas no meio dos meus amigos. As pessoas já estão comentando, acha correto?
— Eu não sou prostituta muito menos golpista, trabalho na empresa do seu filho!
— Sei que tem vergonha de admitir o vício em depravação, seu ex-marido nos
confidenciou e acredite, ele sente muito por isso. Mas para o seu próprio bem, entenda, é melhor se
afastar de Sebastian ou vou interferir e você não sabe do que sou capaz.
Meus olhos ardem tentando segurar as lágrimas, nada do que eu disser vai mudar o que
pensam de mim. Olho para trás, em direção ao salão repleto de figurões e mulheres com vestido de
gala e tudo começa a fazer sentido. Daniel deturpou minha imagem como pessoa de bem e mãe.
Pintou um retrato de uma mulher que não sou eu. A garganta seca no esforço de segurar o choro, o
peito aperta angustiado.
— O que está acontecendo aqui? — Sebastian se aproxima.
— Faça um favor de tirar essa puta daqui pirralho!
As taças das mãos do meu namorado, vão ao chão quando ele agarra o pescoço do próprio
pai prensando o velho na parede.
— Está louco, pai? Acha que vai ofender minha mulher e não vou fazer nada? Pode me
desprezar o quanto quiser, mas ela não!
As lágrimas irrompem dos meus olhos, vendo o alvoroço e tensão do salão inteiro
acompanhando a briga.
— Sebastian, ele não tem culpa! — exclamo. — Inventaram que sou uma prostituta, uma
bandida.
— O quê? — ele solta o pescoço do homem, mas já é tarde para impedir o escândalo.
Senhor Robert tosse apoiando-se na parede em busca de fôlego, enquanto a mãe de
Sebastian ampara o marido. Meu namorado como um touro furioso procurando com o olhar o
responsável pelos boatos.
— Vá para o carro, AnneLiz!
— Vem comigo? Vamos embora daqui, por favor! — imploro.
Sebastian segura meu rosto e mesmo furioso fala calmamente.
— Você vai me esperar no carro, Berth está do lado de fora e vai ficar com você até eu sair
daqui. E não vou embora até não esfolar aquele inseto.
— Sebastian, isso não pode acontecer, o processo!
— Confie em mim, Liz. Nada vai prejudicar a guarda de Juliete. Sei o que estou fazendo.
Vá!
Apressada, cruzo o salão a passos largos sem olhar para trás, secando as lágrimas que
teimam em rolar. Ao sair, o motorista de Sebastian vem ao meu encontro.
— O que houve, senhorita?
— Onde está o carro? Sebastian mandou que eu esperasse lá.
— Venha comigo, senhorita Anneliz.
Andamos juntos até o SUV, ele abre a porta de trás e eu entro, mas de repente a voz afetada
de Lili chama minha atenção.
— Berth, por favor, corra! Sebastian precisa de você lá dentro, está em uma briga com
Daniel!
— Não! — grito, mas já é tarde, o pobre motorista já partiu correndo e ela entra sentando-
se ao meu lado no banco de trás.
— Tão bobinhos esses homens, né Anne? — Astuta sorri de um jeito que me dá medo,
ajeitando os cachos do cabelo sobre o ombro.
— O que você quer?
— Nossa! Que deselegante! Vim aqui assistir o show com você e me recebe com pedras?
— Não vou ficar ouvindo besteiras e ofensas suas. — Ao abrir a porta para sair, ouço um
click.
— Não ouse se mover, sonsa! — a voz não parece a mesma afetada e irritante de antes. É
baixa e perigosa.
— Feche a porta e faça o que eu disser.
Empunhada na mão repleta de jóias finas, um mini revólver, quase se esconde em sua
palma.
— O que está fazendo com uma arma, Lili. Por favor guarde isso!
— Não se engane pelo tamanho, essa switch gun fará um estrago em você se eu disparar
bem aqui na sua costela.
Ela encosta o cano minúsculo no lado do meu corpo, me fazendo estremecer.
— Se a bala acertar o fígado ou baço, as chances de chegar ao hospital mais próximo viva,
são de trinta por cento. Vai arriscar?
— Não, tudo bem. Por favor, não vou me mexer! — suplico.
— Ótimo, assim que eu gosto. — O sorriso divertido não me engana ao afastar o pequeno
revólver.
Tensa, fico imóvel no banco quando ela pega o celular da pequena bolsa dourada, clica na
tela e a gravação em tempo real da festa aparece.
— Olhe como está animado por lá — observa concentrada.
Sebastian agarra o colarinho de Daniel desviando de um soco que meu ex-marido tenta
acertar.
— Ele não é lindo? Combina comigo, forte, intenso, e quando fica nervoso esse homem me
dá um tesão do caralho! Sebastian e eu fomos feitos da mesma matéria.
Pisco os olhos em choque, não pelo vídeo do meu namorado brigando com Daniel,
destruindo a decoração do salão de festas. Lili está encantada com o irmão?
Ela se aproxima compartilhando o celular para eu acompanhar a briga.
— O quê? Achou que eu estava falando do palerma do seu ex-marido? Me poupe Anne!
Não preciso dizer que já cansei dele, né? Tô falando do Sebastian, do macho gostoso que quando fica
bravo vira uma fera descontrolada. O único defeito que tem é que ele não percebeu que a mulher
perfeita para ele, sou eu.
— Você é doente! — deixo escapar. Mas a louca cai na gargalhada.
— Ele é meu irmão adotivo, sua idiota!
— Sei disso, mas ainda assim foram criados como irmãos, é errado querer algo com seu
irmão adotivo, Lili.
— Nunca o vi como irmão. Desde que cheguei nessa casa me encantei com ele. Sebastian
era gentil comigo, ficou tão feliz de ter ganhado uma irmã. Amava a atenção que ele me dava. — seu
olhar vaga para o nada como se cavasse memórias antigas. — Mas com o tempo foi me deixando de
lado, foi me esquecendo, pela escola, faculdade, garotas, e isso me enfureceu de um jeito que precisei
quebrá-lo de alguma forma.
— Samantha...
— Ele contou?
Aceno sentindo o sangue gelar ao vê-la com um olhar parado, olhar de quem é surtado de
verdade. Balança o pequeno revólver na outra mão como se fosse um brinquedo.
— Sebastian ainda não endureceu aquele coração mole. Preciso dar um jeito! — fala
baixinho para si mesma.
A garota é psicótica e isso me apavora ao máximo. Sou um alvo aqui.
— Você vai terminar com ele hoje a noite! E vai pedir demissão amanhã, não, não, vai
pedir para sair da sala dele. Fique na empresa e o despreze, quero vê-lo sofrer um pouco, antes de
consolá-lo.
— Eu o amo, Lili e ele também, não quer vê-lo feliz?
— Mentira! — subitamente a arma é apontada para a minha cabeça.
Minha glândula adrenal está em alerta máximo, quem pode me culpar?
— Ele não te ama. É ilusão, é só você terminar que ele esquece rapidinho e você vai fazer
isso! Porque Sebastian é meu! Entendeu sonsinha? Ele só vai ser feliz comigo!
— Sim... Sim entendi — gaguejo fechando os olhos com o metal pressionando meu couro
cabeludo.
— E para garantir que não vai contar da nossa conversinha, eu não uso esse vídeo no
processo de guarda pela ranhentinha. Se você contar para ele, vou manipular seu ex para colocar a
menina em um colégio interno. Você poderá vê-la, talvez na formatura, quem sabe.
— Não! Não, eu juro! Vou terminar, me dê um tempo para encontrar outro emprego e eu
sumo da Latarge. Sumo da vida de Sebastian, mas não faça nada com minha filha. — respondo com
lágrimas banhando meu rosto como represas incontidas.
— Melhor assim, não se preocupe. Te dou duas semanas para sair de lá, enquanto isso vou
monitorar a distância que vai manter de Sebastian. Porque eu tenho ouvidos em todo o lugar naquela
empresa, não se engane eu vou saber se você não obedecer. Se for a polícia, eu sei onde a Juju estuda,
dona Mary a diretora, é uma conhecida querida. Posso fazer um passeio com sua filha, e em um
passeio acontecem acidentes, você sabe como é...
— Por favor Lili, eu entendi. Farei tudo o que quiser!
— Ai, amiga! Sinto tanto que não seremos da mesma família. Você é tão fofa! — sorri com
a falsa simpatia macabra. — Agora preciso ir, o show lá dentro já terminou e papai precisa de mim
para resolver as consequências da festinha. Pobre velhinho, tão ingênuo! — A risada é tão diabólica
que não parece humana.
Calmamente ela guarda o celular e a arma dentro da bolsa de mão.
Quando Lili se afasta e fecha a porta, respiro aliviada. Mas sinto o chão se abrir sob meus
pés. Meu coração dispara e uma sensação de desespero toma conta de mim. Tento buscar por uma
saída, mas todas as opções se esgotaram. Respiro fundo, tentando controlar a ansiedade que cresce
dentro do peito, sentindo o nó se formar na garganta, vendo Sebastian surgir na porta dupla da
entrada da mansão e caminhar em direção ao carro.
Não queria que as ameaças fossem verdade, mas de nada adianta não querer. É impossível
ignorar as consequências se eu não obedecer. Aquela mulher é uma louca obsessiva! E eu estou no
caminho dela, não posso fazer minha filha sofrer por causa disso, não posso perdê-la.
Sebastian entra no carro com a roupa suja de sangue, a mão machucada e inchada, bufando
feito um animal. Pego seu rosto entre as mãos para ver se está ferido.
— Você está bem?
— Estou, agora já passou. Depois do nariz quebrado ele vai te deixar em paz. E você?
— Estou bem.
Sebastian percebe a mudança no meu comportamento quando me encolho no banco
olhando para fora pela janela, enquanto o motorista manobra o veículo na propriedade diante da
mansão.
— O que foi, Liz? Por que está chorando?
Tento sorrir, disfarçar as lágrimas, mas meus olhos traem a angústia que sinto.
— Está tudo bem. Só meu estado de nervos. — Minto, desviando o olhar.
Mas por dentro, sei que terei que enfrentar uma das decisões mais difíceis da minha vida.
Terminar o relacionamento com o único homem que amei para proteger meu bem mais precioso.
Ele me enlaça, levando-me ao seu peito. Serão os últimos momentos para sentir seu cheiro
e proteção, por isso abraço seu corpo como um bote salva vidas, uma pequena ilusão de alguns
minutos de que poderia viver feliz com ele.
Preciso segurar o choro agora, ele não deve desconfiar do que está em jogo, ou só Deus
sabe o que aquela mulher pode fazer a Juju.
Quando Berth estaciona em frente ao meu prédio, Sebastian me acompanha até o portão.
Queria tê-lo beijado dentro do carro, seria o último beijo para guardar na memória.
— O que está acontecendo? Você não disse uma palavra no trajeto até aqui. Está chateada
porque dei uma surra em Daniel?
— Não! Não é nada disso! — suspiro profundamente buscando a coragem para dizer as
palavras. — É só que não posso mais fazer isso.
— O quê? Como é? Do que está falando? Olhe para mim! Por que não olha nos meus
olhos?
Ele se aproxima buscando um contato, mas estendo a mão impedindo.
— O nosso namoro acabou, Sebastian!
— Pare com isso, Liz!
— Me escuta, Sebastian! Eu avisei que minha vida era complicada, tô no meio de uma
briga judicial, o que aconteceu hoje será usado no tribunal, pode contar a favor de Daniel.
— Já conversamos com meu advogado, confia, Liz. Ele não vai permitir que nossa relação
interfira no processo.
— Não quero um homem descontrolado como você, perto de Juliete!
Dói profundamente dizer isso a ele, pois sei que estava me defendendo contra aquele
miserável. Sebastian jamais nos faria mal, mas não vejo outra saída a não ser contar essa mentira para
terminar. Ele engole em seco, claramente impactado com minha decisão.
— Jamais machucaria vocês, AnneLiz. — A voz decepcionada argumenta.
— É melhor eu subir, vou providenciar outro trabalho. Só preciso de uns dias para me
organizar.
Nesse momento ele consegue segurar firme meus braços com decepção no olhar.
— O que houve, Liz? Você não vai sair de perto de mim! Você dizia que me amava, e
agora?
Escondo o rosto com as mãos tentando segurar o choro, mas sem sucesso, afasto-me dos
seus braços e abro o portão.
— Você está com medo do quê? — pergunta às minhas costas.
— De perder minha filha — murmuro em um fio de voz.
— Eu disse para confiar. Seu medo me fode, me apaixonei pela sua coragem e agora você
se acovarda?
Poderia contar da chantagem, mas ele ficaria tão furioso com a irmã que poderia colocar
tudo a perder. Lili descontaria em Juliete e só de imaginar isso minhas mãos tremem de pavor.
— Boa noite, Sebastian.
Tranco o ferrolho atrás de mim, sem olhar para ele outra vez. Não vou suportar, posso não
resistir se ver a decepção no rosto do homem que eu amo.
Subo as escadas derrotada, assim que ouço o motor do carro arrancar, deixo o choro me
vencer.
As lágrimas vêm e não param, embaçando a visão ao terminar os lances de escada. Todos
esses anos mantendo o coração seguro e agora ele foi quebrado como um espelho, mil pequenas
rachaduras até que se estilhaçou completamente.
Não posso pedir para ninguém me consolar, porque teria que confessar o motivo. E
pensar... que sempre acreditei ser uma pessoa forte.
Chorarei hoje, porque sei que amanhã o encontrarei e terei de voltar para um mundo onde
sentirei falta de Sebastian como uma louca, onde as coisas que deveriam ter sido ditas não podem ser,
e o que poderia ter sido, nunca será.
Entro em meu carro, furioso e confuso. O motor ronca suavemente enquanto me acomodo
no banco, perdido em pensamentos. A mente está um turbilhão, tento entender o que deu errado com
AnneLiz, pois não entra na minha cabeça as coisas que ela me disse, não faz sentido nossa relação
desmoronar assim! Amanhã vou conversar melhor com ela.
— O que diabos aconteceu? — questiono em voz alta para mim mesmo.
— Sinto muito, senhor. Parece que a noite não correu como o esperado.
— Longe disso, Berth, acabei de ter o coração partido, acho que ainda estou em choque! —
respondo ao tirar o blazer e jogar no banco ao meu lado.
— Senhorita AnneLiz terminou o namoro por causa da briga na mansão, senhor?
— Não sei o que pensar, ela disse que não é por isso. Ela falou algo para você quando veio
para o carro, como ela estava?
— Estava nervosa, mas não trocamos nenhuma palavra. Quando sua irmã me avisou da
briga lá dentro, eu corri para ajudar.
— O quê? — berro indignado, o que faz meu motorista frear bruscamente.
— Pare o carro e me explica essa merda!
— Calma, senhor! Estamos perto de um retorno, vou estacionar — seu olhar amedrontado
no espelho retrovisor só aumenta meu desespero.
— Deixou AnneLiz sozinha com minha irmã, porra?
— Eu... Eu não sabia que ela era perigosa, achei que o problema era somente o ex-marido.
Ao estacionar, saio do carro como uma jamanta desgovernada, andando no acostamento de
um lado para o outro.
Berth desembarca do veículo, visivelmente preocupado.
— Chefe, juro por Deus que o senhor não me falou sobre sua irmã.
— Como você, meu segurança pessoal, nunca soube da cobra que tenta me dar o bote há
anos?
— Nunca, o senhor é sempre discreto com sua vida pessoal. Depois que começou a
namorar a senhorita Anneliz, qualquer problema sempre leva Adam pelo porte físico maior, e o
maluco é um túmulo. Não conversa sobre trabalho.
Esfrego o rosto na tentativa de me acalmar.
— Ok Bert, eu acredito. Mas se você estiver mentindo pra mim, não sei o que sou capaz de
fazer. Não admito traição!
— Juro pela minha filha, chefe, o que precisar de mim eu posso ajudar. Tenho alguns
contatos na lei e no submundo também, o que precisa?
— AnneLiz está apavorada, tenho certeza que aquela desgraçada a ameaçou. Preciso saber
como agir, estou no escuro, entende?
— Se ao menos soubéssemos o que falaram... — pensa alto meu motorista, me dando a
resposta.
— Eu sei como, liga o carro, agora! Já te passo a localização de onde vamos.
Entramos no veículo às pressas, pego meu celular acionando Esteves.
— Atende, caralho!
Depois de duas tentativas ouço um alô sonolento do outro lado.
— Esteves, precisamos falar!
— Aqui é o Simba. Sebastian é você?
— Coloque o Esteves no telefone!
— Ele foi descansar, está com um resfriado do cacete. Sabe que horas são?
— É questão de vida ou morte porra! Acorde-o! Passo na sua casa em dez minutos.
Desligo a chamada avisando Berth para ir até a casa de Simba. Olho pela janela, as luzes da
cidade passando lentamente, como essa noite maldita que não termina nunca. Tento acalmar meu
coração que vai ficar tudo bem, mas o instinto me diz que essa tragédia está longe do fim.
Meu motorista conseguiu pegar os atalhos longe do centro até chegar em Lombard Street.
Ao estacionar na frente da casa do meu primo, os dois me aguardam na entrada. A vizinhança está
sossegada, passa da uma da manhã, portanto não fazemos alarde ao descer do carro.
— Vamos entrar!
— Se é referente a investigação não dá, linda está dormindo com a gente hoje.
— Preciso ouvir as escutas do carro, agora! O que é necessário? — pergunto a Esteves.
— Claro, mas preciso do cabo OTG para conectar e transferir as gravações direto para o
celular, está na minha casa — responde o grandão.
— Entrem no SUV!
— Isso é sangue na sua camisa? — pergunta meu primo de olhos arregalados.
— Entra logo, eu conto no caminho!
O trajeto até a casa de Esteves no outro lado da cidade foi para atualizar os dois dos
eventos da festa. Simba queria de todo jeito que o levasse até AnneLiz, está tão triste que é como se
ele tivesse terminado o namoro e não eu.
Quando estacionamos, Esteves desce primeiro, com o transmissor de gravação, espirrando
como um louco devido ao resfriado.
— Vamos todos entrar, vou fazer um chá para ele enquanto escutamos a gravação — avisa
meu primo.
A casa do homem não parece habitada, a fachada dá impressão daqueles imóveis de
anúncios de vendas. Fechada, tudo no lugar, nova em folha, só falta a plaquinha de ‘vende-se’.
Entramos todos com os nervos à flor da pele. Ele se apressa para dentro de um quarto,
Berth senta-se na banqueta do bar, Simba some por outra porta que deve ser a cozinha.
O que me resta é o nervosismo, caminho pela sala que mais parece uma recepção de hotel,
poucos móveis e objetos, tudo milimetricamente no lugar, novo, sem uso. A decoração clara e
simples, deixa tudo impessoal demais, vazia, mas o que eu queria? Esteves é ex -militar, está se
fodendo para a rotina doméstica, o homem é quase um ciborg.
Isso me assusta, não quero me tornar um homem frio igual a ele, sem ninguém para se
envolver. Está de namoro com meu primo, mas até onde é sério?
Sigo até a janela olhando a noite, buscando uma distração, até ele retornar com o tal cabo
OTG.
Esteves acomoda-se no sofá preto, pluga no celular e mexe no aplicativo que instalou.
Coloca o celular sobre a mesinha de centro passando adiante as conversas do dia. Não consigo
relaxar sentando-me igual a eles.
Simba retorna com o chá e uma garrafa de whisky. Serve um copo da bebida e bebe um
gole, me oferecendo a seguir. Dou um trago longo, molhando a garganta seca, sentindo o ardor bem-
vindo do álcool.
Quando a voz de Lili é ouvida, todos nós nos reunimos ao redor do celular, como se
estivéssemos velando um defunto, ouvindo atentamente a gravação da conversa entre ela e AnneLiz.
A tensão no ar é palpável, com a voz da desgraçada soando clara e ameaçadora.
— Deus do céu! Ela ameaçou Anne com uma arma? — exclama meu primo com a mão no
peito.
Bebo outro gole para acalmar o pavor. O coração batendo na garganta, noto a mão trêmula
segurando o copo. Aquela psicopata poderia ter ferido minha mulher e eu não estava lá para protegê-
la! Porra do caralho!
“Você vai terminar com ele hoje a noite! E vai pedir demissão amanhã, não, não, vai pedir
para sair da sala dele. Fique na empresa e o despreze, quero vê-lo sofrer um pouco, antes de consolá-
lo.” — A voz da nojenta continua.
Cerro os punhos de raiva, meus olhos faíscam de indignação. Simba perplexo, sem palavras
para expressar algo sobre a gravidade da situação. Berth, com o semblante sério, mantém o foco no
celular trincando os dentes, como se pudesse esmurrá-lo. Quando seu olhar me encara reflete uma
preocupação visível. Confio nele, é um homem de bem.
— Isso é inaceitável! Como ela ousa fazer uma monstruosidade dessas? Precisamos agir
rápido, Simba. Vamos ao encontro dela agora mesmo! — exclamo.
Berth me impede de deixar a sala segurando meus braços.
— Não chefe, precisamos de sangue frio e estratégia!
— Calma, primo. Temos de pensar com cuidado. Se confrontarmos Lili diretamente,
podemos colocar Anne e Juliete em mais perigo. Precisamos de um plano. Tev? Quer por favor falar
alguma coisa? — se altera, com o namorado quieto ouvindo a gravação.
— Se vocês calarem a boca, eu consigo pensar! — diz Esteves massageando as têmporas.
Tomo uma longa respiração, tentando controlar a raiva. Sei que todos têm razão, mas a
ideia de esperar enquanto Liz e a filha estão em perigo, me deixa ainda mais furioso.
“Porque eu tenho ouvidos em todo o lugar naquela empresa, não se engane, eu vou saber se
você não obedecer.” — As ameaças continuam, e neste momento Esteves se levanta do sofá se
aproximando de onde estou visivelmente irritado.
— Estávamos procurando um espião, mas é muito mais que isso, chefe! Essa mulher
implantou escutas na empresa. Merda! Não me perdoo por não ter cogitado isso!
Tudo fica claro e justificado, Liz não teve outra alternativa.
Sirvo mais um copo de whisky, bebendo em um golpe rápido. A descoberta dos atos de
Lili, me deixou em chamas. Sinto o sangue ferver nas veias.
— Como ela foi capaz? — murmuro para mim mesmo, abrindo mais um botão da camisa.
— Pelo menos agora temos certeza que a obsessão dela não é poder, nem dinheiro. É você,
primo! Lembra que lhe fiz essa pergunta anos atrás?
— Não lembro disso, Simba!
— Bem, o término não é porque AnneLiz não te ama, não deve sofrer por esse motivo —
conclui.
— Mas a que preço ela terminou, caralho! Cale a boca pelo amor de Deus. Imagino como
ela deve estar apavorada pela filha. Preciso vê-la!
— Não! — responde Esteves. — Precisa se afastar dela até resolvermos a questão das
escutas, e pôr em prática o plano.
Ando outra vez, pisando duro pela sala, alinhando meus cabelos como se esse gesto fizesse
meu cérebro funcionar com um plano efetivo.
— O que tem em mente, Esteves? — rendo-me aos homens que um dia serviram esse país.
Devem saber agir em momentos de tensão.
— Primeiro identificar onde é seguro conversar dentro da empresa. Onde estão exatamente
as escutas.
— Não vai retirá-las? — pergunto aflito.
— Ele vai usá-las contra ela — rebate meu motorista dando uma olhada cúmplice a
Esteves.
— Isso mesmo! Você era militar assim como eu, não era?
— Sim, soldado do 160º Regimento de Aviação das Operações Especiais Navy Seals.
— Ainda tem conexão com alguém deles? Minha aposentadoria não foi suave — revela o
loiro.
— Tenho, o que precisa?
— Dois homens de confiança, a princípio. Armas talvez se as coisas piorarem.
— Feito, preciso fazer algumas ligações.
Berth se afasta com o celular, já trabalhando pela ajuda.
— Senhor Latarge, vou verificar hoje a empresa. Precisa agir normalmente para que ela
não desconfie. Nada de tentar contato com sua ex-namorada, se essa psicopata colocou escutas nas
salas, tem pessoas ajudando. Monitorando se realmente terminaram. E na empresa não é seguro
conversar, mesmo depois da varredura que eu fizer.
— Não posso ficar longe agora que sei da verdade!
— Deve ficar, para protegê-la, primo.
— Preciso encontrar provas contra Lili, algum crime que tenha cometido, fiquei dez anos
fora do país, aquela mulher não deve ter sido cuidadosa a vida toda.
— Nós vamos achar alguma coisa para ir até a polícia, essa gravação não será suficiente.
Enquanto isso faça o que falei — Esteves reafirma seriamente.
Simba senta-se ao lado do namorado, oferecendo o chá quando o outro volta a espirrar.
— Não podemos ir à polícia, Tev! Ouviu a noiva do Chuck ameaçando Anne. Se formos,
ela vai saber.
— Tem razão, mas vamos reunir provas contra ela, até conseguir uma medida protetiva
para AnneLiz. Sua namorada deveria tirar a filha daquela escola. Lili está comprando pessoas pelo
que deu a entender.
Esfrego o rosto tentando acordar, isso só pode ser um maldito pesadelo.
— Simba, amanhã chegue mais cedo e providencie uma sala nova para AnneLiz. Não
posso vê-la porque a chance de não resistir é enorme. Vou acabar estragando tudo, contarei a verdade
e aí o plano já era.
— Claro, farei isso.
— Você também precisa se cuidar com essa boca grande, Simba! — Esteves comanda. —
Na empresa, nenhum pio. Não ponha em risco o plano! Nem a Mia pode saber — Meu primo
comprime os lábios, desgostoso da situação.
— Está desconfiado da nossa mulher, Esteves?
— Todos são suspeitos, Lili sabe todos os passos de AnneLiz, é alguém próximo ao nosso
círculo.
— Foda-se você! Minha linda não faria algo assim. Você e esse jeito desconfiado um dia
vai te fazer cair do cavalo.
— Parem com isso! Agora não é o momento!
Quanto tempo, Esteves? Quantos dias preciso ficar sem falar a verdade para minha mulher?
— indago chateado.
— Acredito que em uma semana teremos resultados.
— Puta merda! Sete dias é demais!
Sei que preciso agir com calma, mas a ideia de alguém ameaçar minhas meninas e eu não
poder protegê-las é insuportável.
— Calma, primo! Vá para casa, tente descansar. Nossa semana será difícil.
Deixo os dois que avisam que tem o próprio carro na garagem e voltarão para a casa de
Simba em seguida.
Com sangue nos olhos, sigo com Berth para minha mansão.
Não descansarei até colocar aquela psicopata atrás das grades e garantir a segurança das
pessoas que eu amo, custe o que custar.
Acomodado em meu escritório na mansão, decidi trabalhar de casa hoje. Os eventos dessa
semana estão repercutindo na minha concentração. Dois dias se passaram desde o nosso término e
ver AnneLiz de longe acabou comigo.
Imerso em meus pensamentos não consigo me concentrar no trabalho. Decidi um home
office hoje, os acontecimentos da semana deixaram inviável a minha presença na empresa. Os dias
seguiram um tanto agitados desde nosso término e manter a distância de AnneLiz acabou comigo.
Ontem a noite foi desesperador, aquele susto quase me fez estragar o plano.
Mas quando recebi uma ligação do meu chefe de segurança, avisando que o homem que
deixei de plantão cuidando a quadra do prédio da Liz, havia deixado o posto por um falso aviso.
Percebi que tinha armação para pegarem ela. Fui pessoalmente até lá e evitei o pior. Não aguento
mais ficar distante dessa maneira.
Uma batida na porta desvia meus pensamentos em AnneLiz.
— Sim, Wendell.
— Senhor, peço perdão por interromper seu trabalho, mas tem visitas. Tomei a liberdade de
direcioná-los a sala da adega... Temo que os ânimos estão um pouco alterados.
— Visitas? Ânimos alterados? Afinal quem é, Wendell? — questiono acompanhando-o
pelo corredor em direção a sala.
Os mordomos ingleses tem esse ar dramático que ainda não me acostumei.
— É um homem de cabelos longos presos e uma jovem ruiva. O rapaz diz que é seu
parente — responde um tanto apreensivo com seu olhar curioso e ampliado.
— Não se preocupe, Wendell, Simba é meu primo. Disse que os ânimos estavam alterados?
— Não costumo comentar, mas quando abri a porta os dois estavam discutindo.
— Ah, certo. Vou ver qual é o assunto, pode ir — dispenso-o ao chegar na porta da sala.
Meus visitantes estão muito próximos, nariz a nariz, quase uma encarada de lutadores de
MMA, mas Simba estampa aquele sorrisinho de flerte e ela de costas para mim com as mãos na
cintura.
— Ah, aí está ele! — fala o abusado ao me ver.
— Boa tarde, o que houve?
No balcão polido, pego um whisky preparando os copos.
— Nós é que perguntamos. Viemos saber notícias de Anne. Na realidade vim lhe entregar
uma encomenda que chegou hoje, e como você não vem a empresa, não pude ignorar o aviso de
‘urgente’ no pacote. Linda se enfiou comigo no carro e não teve jeito. Explique por favor o que
houve ontem, se não minha namorada terá uma síncope — pega o copo de whisky que ofereço e
senta-se no sofá de couro.
A garota visivelmente envergonhada com as bochechas coradas gagueja ao perguntar.
— S-sabe o que é, senhor Latarge...
— Me chame de Sebastian, Mia. Sente-se. Quer um whisky?
Ela balança a cabeça positivamente, muito rápido, de maneira nervosa. Pega o copo
virando em um gole só, tossindo comicamente enquanto meu primo dá tapinhas nas suas costas.
— Calma, Linda! Não é assim que se bebe bebidas fortes!
Simba recua com as mãos para o alto ao ver o olhar severo da ruiva em sua direção.
— Sebastian, estou preocupada com Anne! Ninguém me diz nada, estou proibida de
perguntar coisas a ela referente a vocês. E os meus namorados ficam de conversinha paralela pelos
cantos e dizem que é algo que não posso saber. Por isso vim junto com Simba. Como está minha
amiga?
— Elas estão bem, por enquanto. Deixei meu segurança pessoal, Adam lá no prédio.
— O assaltante tinha algo a ver com Lili ou foi uma infeliz coincidência do local onde ela
mora? — meu primo preocupado pergunta.
— Na delegacia o bandido afirmou que era apenas um assalto para poder vender e financiar
seu vício em fentanil.
A amiga claramente impactada, esbugalha os olhos.
— Então ela foi realmente assaltada ontem a noite? Ela não atende minhas chamadas.
— Não foi, porque cheguei e impedi no momento da tentativa do meliante.
— Falei, você não acreditou — ressalta Simba entediado sorvendo um gole.
— Mas como eu disse, elas estão bem, já fui em busca de uma nova moradia para elas,
ainda não comentei porque preciso conversar com Esteves e saber como andam as investigações. Não
aguento mais segredos com AnneLiz.
— É por isso que está calmo desse jeito? Achei que te encontraria surtando. — comenta.
— Que segredos? Vocês terminaram mesmo? — a garota questiona surpresa.
— Não, só que ela ainda não sabe disso. Ninguém sabe. Só os seus namorados, meu
motorista e agora você. As pessoas precisam acreditar que estamos afastados.
— Como assim?
Levo um tempo explicando em detalhes tudo o que aconteceu, dando intervalos para ela
processar todas as informações.
Noto como meu primo é atencioso com ela, o bastardo está realmente apaixonado pela
ruiva. Após os surtos dela e os nossos avisos para manter a discrição por causa do plano contra Lili,
lembro da encomenda que ele trouxe.
— Sim, está aqui. — Me entrega apalpando o papel.
O envelope pardo que ele me entrega, pelo tato, não é papel o conteúdo. Ao abrir o pacote
me surpreendo. Tem um dispositivo de escuta parecido com o que Esteves colocou nos veículos, um
chip de celular e um pen drive.
— Quem enviou isso?
— Uma garota, disse que uma senhora pagou para entregar em mãos a você ou a mim.
Sabia nosso primeiro nome, mas não soube descrever as características da idosa. Disse que usava
uma echarpe em volta da cabeça e óculos escuros.
— Estranho. Vamos ao meu escritório, preciso conectar esse pen drive.
Seguimos para o outro cômodo mais apreensivos do que curiosos.
— E se for um vírus destrutivo com o objetivo de destruir seu sistema de segurança?
— Não viria acompanhado de escutas.
Ao conectar o dispositivo uma pasta é aberta, dentro dela arquivos desorganizados, como
se quem preparou esse material não tivesse experiência com esse tipo de coisa. A lista é grande,
vídeos, documentos e links. Quando clico no primeiro vídeo levo um choque.
— Mãe? — exclamo aflito ao ver sua imagem em baixa resolução.
Sem a habitual maquiagem, de camisola e cabelos desgrenhados. Sua fala é sussurrada,
amedrontada. E frequentemente olha para o lado, parece estar em um dos banheiros da mansão.
“— Filho, sei que está longe, mas essa gravação é documental e ficará guardada até eu
conseguir lhe entregar. Sua irmã não é uma pessoa boa, descobri que é uma criminosa. E quando a
confrontei ela me ameaçou. Está me dando calmantes, mas eu descobri e não estou tomando.” —
Busco nas propriedades a data do arquivo, e engolindo seco ao perceber que eu ainda morava na
Suíça.
— Chame o Esteves aqui. Precisamos acionar a polícia!
Mia faz a ligação e Simba ainda em choque, senta-se ao meu lado diante do laptop. Os
vídeos são uma sequência de denúncias da minha mãe que fazem com que eu me esforce para segurar
as lágrimas, ela não era manipulada, mas sim ameaçada!
Mamãe vive um cárcere disfarçado sob coação e chantagem com ameaças a minha vida e a
de papai. Diz que os telefones e a mansão estão totalmente grampeados, incluindo as redes de
internet. Fala que conseguiu destruir a câmera de um dos banheiros de pouco uso da mansão, um que
Lili não daria tanta falta e portanto as gravações são poucas e curtas. É acompanhada por seguranças
da própria psicopata, homens estranhos que tem sotaques estrangeiros que ela não reconhece.
Disse que o dinheiro que financia tudo é de uma organização criminosa a qual ela faz parte.
Papai não sabe, contou que está doente, fazendo tratamento para os lapsos de memória que
começaram a surgir. Lili o manipula e ele não acredita em nada do que mamãe tentou avisar.
Clico na sequência de vídeos e noto que ela os gravou ao longo do último ano. No mais
recente, expressou o quanto estava feliz que eu havia retornado da Europa. Revelou que reuniu o
máximo de provas que conseguiu, apesar de poucas.
O transmissor que mandou, tem duzentas horas de gravação da biblioteca, onde Lili atende
as ligações sobre seus negócios escusos e pagamentos ilícitos que envia e recebe.
Como não reparei nas vezes que a encontrei junto com a família? Mamãe devia estar
apavorada em manter o disfarce na frente da psicopata. Será que tentou me enviar sinais e eu não
percebi. Merda! Devia ter prestado atenção em minha mãe.
Continuando a ver os pequenos vídeos, o sangue gela quando ela diz que AnneLiz e a
menina estão em perigo, pois Lili pretende matá-las. Que todos próximos a mim estão em perigo.
— Esteves está a caminho, Sebastian — avisa a ruiva.
— Simba faça uma cópia de tudo e sobe para a nuvem, onde está Berth? — levanto-me em
busca do meu motorista.
— Wendell? Chame Berth — berro impaciente correndo até a sala.
— Sim senhor.
Apreensivo, faço uma chamada para Liz, que não atende.
— Atende o celular, caralho!
Antes do mordomo obedecer, Berth aparece pálido na porta da frente e quase caio para trás.
— Chefe, Adam foi ferido!
— AnneLiz! Meu Deus! Não!
Simba e Mia se juntam a mim me amparando no sofá, a fraqueza nas pernas me faz sentar.
— Não, senhor Latarge. Elas não foram feridas, a polícia está no local. Adam as protegeu
por isso o agressor o atacou. Senhorita AnneLiz chamou a emergência e a vizinha a polícia, o
bandido também se feriu, mas conseguiu fugir.
Respiro aliviado, pronto para ir até elas. Instruo meu primo a juntar as provas para entregar
a polícia quando chegarmos lá. Mia avisa Esteves do novo ponto de encontro.
— Simba, preciso tirar minha mãe daquela casa, mas com esse atentado contra Liz, recorro
a você por ajuda, não vou dar conta.
— Não se preocupe, entrego as provas ao investigador responsável da ocorrência na casa
de Anne e vou explicar a situação para salvar tia Margareth. — A mão em meu ombro como consolo
me acalma parcialmente.
— Obrigado por isso.
Nossa comitiva segue em alta velocidade. Eu e Berth no meu carro e Simba com Mia no
deles.
— Acelera porra! Berth precisa ir mais rápido!
— Calma, chefe. Um acidente no caminho não vai ajudar — acalma preocupado.
Após dez minutos, em frente ao prédio, a ansiedade em vê-las acelera meu coração. Simba
e Mia nos acompanham até o portão do prédio. Alguns policiais estão na calçada com dona Matilda
cercando-os por ali, quando me vê, acena.
— Olá, que bom que está aqui!
— AnneLiz está lá em cima?
— Sim, o detetive está pegando seu depoimento.
— Ninguém sobe enquanto o detetive não termina com a cena e as vítimas, são da família?
— indaga um dos policiais.
— Sou o noivo! E vou subir!
Nenhum policial vai me impedir de ver as minhas meninas! E na minha cabeça já estou
noivo!
Em meio minuto apareço na porta aberta do apartamento de Liz. Dois policiais e um outro
homem não fardado, o detetive encarregado do caso, se distraem do trabalho ao me ver.
— Seba! — Espertinha sai do colo da mãe no sofá e corre para mim.
Pego minha amiguinha no colo, feliz pelo beijo melado na bochecha.
— Como você está?
— Tô bem, eu não vi nada, estava no banho. Agora eu tomo banho sozinha, sabia?
— Uau! Parabéns!
— Quem é o senhor? — o inspetor questiona.
— Ele é o namorado da minha mamãe.
— Ah, ok.
Sua atenção volta-se para Liz que ainda se detém na nossa interação na porta da sala.
— Então senhorita Colleman, agradecemos pelo seu tempo, fique na cidade para qualquer
esclarecimento que for necessário. Vou deixar meu cartão, pode ligar para esse número em caso de
emergência.
— Claro, obrigada detetive Foster. Ligarei, certamente.
Ela os acompanha e fecha a porta assim que saem.
— O que faz aqui? Veio dar outro sermão?
— Não! Vim buscar as minhas meninas.
— Nós vamos pra onde? — Juju animada suaviza um pouco a carranca de Liz.
— Para minha casa.
— Oba! Vou ver o Severus e o Bicuço — desço Juliete dos meus braços que corre feliz
para o quarto, falando em arrumar sua mochila.
— Sebastian...
— Espera, me deixe falar, sente aqui! — a guio ao sofá sentando mais perto do que ela
planejava. — Como você está? — Ao tocar seu rosto, seus olhos se fecham.
— Foi o maior susto da minha vida. — Ao se afastar, suspira profundamente. — Mas agora
já passou.
— A polícia vai atrás de Lili, Simba deve ter entregue as provas que recebi mais cedo.
— Como disse?
— Eu sei de tudo. Das ameaças que ela fez a você no carro.
Liz volta a sentar atordoada.
— C-como?
— Escutas, mandei colocar no SUV. Estou investigando um espião na empresa.
Seguro suas mãos massageando a fim de aquecê-las.
— Mamãe enviou provas contra Lili que a colocarão na cadeia.
— Sua mãe?
— Sim, teremos tempo de conversar. Vá arrumar sua mala.
Acenando afirmativamente de modo nervoso, ela se afasta para o quarto. Nossos amigos
chegam entrando porta adentro sem cerimônia.
— Onde ela está? — a ansiedade na voz de Mia é visível.
— Foi preparar as malas.
— Vou ajudá-la.
Quando ficamos a sós, ando pela pequena sala apreensivo.
— O que houve? Anne está bem? — pergunta Simba preocupado.
— Não sei! Não entendo porque estamos distantes agora que as coisas foram esclarecidas.
— Ei, primo! Anne está em choque, é natural. E quando ela voltar a si, você estará ao seu
lado.
— Tem certeza? — Curioso, desconfio da sua voz segura. — Como sabe disso?
— CSI Los Angeles, é minha série preferida.
— Porra, Simba! Tô falando sério?
— Eu também. Você vai lembrar de mim, espero que não na hora da reconciliação.
— Ah, cala boca!
A risada baixa dessa vez não me consola, nem diminui minha preocupação. Não sei por
que tô desse jeito, Liz me ama. Ou não? Que merda, odeio me sentir assim!
— Tio Simbaaa!
— Oi fofura do tio! — os dois se abraçam e ele ganha um beijo melado igual ao que dá em
mim.
Desde quando a espertinha é tão íntima dele?
Limpo a garganta interrompendo as brincadeiras de cócegas.
— Onde está Esteves?
— Chegou quando conversava com os policiais. Contei sobre sua mãe, e Esteves ficou
conversando com o detetive Foster, um velho conhecido dele, para garantir que o mandado de prisão
seja espedido logo e busquem seus pais.
— Melhor, mamãe precisa sair de lá, mesmo que meu pai não esteja de acordo. Vou ligar
para Foster mais tarde.
As meninas retornam do quarto com duas malas, busco um sinal de lágrimas ou qualquer
coisa emotiva no rosto de Liz. Nada. Nadinha.
Descemos os lances de escada em silêncio, só Juliete contando para Simba que sonhou com
um ninho de borboletas. Borboletas tem casulo, mas nenhum de nós a corrige. E lógico que meu
primo está encantado com suas perguntas entusiasmadas.
— Tio Tevis! — Ao chegarmos no portão, Juju vê Esteves escorado no carro.
Ah! Fala sério! Eles também são amigos?
O homenzarrão se aproxima pegando a espertinha no colo e a rodopia, tirando uma
gargalhada gostosa que conheço bem. Pelo menos Juliete não está em choque e não corre o risco de
se traumatizar pela tentativa fracassada de Lili em fazer-lhes mal.
— Eles vão com a gente, tudo bem Sebastian? — Liz pergunta quando abro a porta do
SUV e coloco Juju no banco de trás. — Não quero que o pior aconteça com meus amigos por minha
causa.
— Você não tem culpa, Liz.
— Por favor — vendo seu rosto aflito, concordo.
— Claro, a casa é enorme e eles são mais que amigos, são família. Vou convidá-los pelo
telefone para ficarem conosco.
No trajeto até chegar a mansão, nenhuma palavra, e minha preocupação aumenta de
maneira estratosférica.
Os acontecimentos que se sucedem são perturbadores. AnneLiz age de forma robótica,
demonstrando impaciência ao tentar descer rápido do carro, teimosia ao insistir em carregar a mala e
mãos trêmulas. Mesmo estando próxima a nós, sua preocupação com Juju parece exagerada.
— Tem certeza que está bem? — pergunto ao entrar em casa.
— Já disse que estou bem! — voz seca e cortante.
Não, ela não está bem. Merda!
Wendell nos recepciona, prestativo e polido como sempre.
— Por favor, Wendell, prepare o aposento do meu primo, Mia e Esteves. O das meninas já
está pronto, não está?
— Sim, troquei a roupa de cama hoje cedo.
— Vocês vão dormir os três juntos? — ninguém imaginou que Juliete iria perguntar uma
coisa dessas.
— Éééé... — Mia tenta explicar de alguma forma, mas vendo AnneLiz apática subindo as
escadas, desiste.
— Vem Juju, vou subir com você para guardar sua mochila.
— Mamy! Me espera!
Nada, nenhum movimento em atender a filha. Mia e Juju sobem as escadas atrás dela.
Com os olhares atentos dos dois homens sobre mim, ligo para meu médico particular.
Explico que minha namorada está em choque e precisa de uma avaliação aqui em casa. O dilema é
que ele está fora da cidade e diz que seu retorno vai demorar algumas horas.
— O que faço agora? — busco um conselho do meu primo depois de encerrar a chamada.
— Se me permite falar, chefe — Esteves com seu ar sério intervém na resposta de Simba.
— AnneLiz está em choque traumático. Vi alguns casos no exército. Você deve ser e agir de forma
direta porque ela vai precisar de orientações. Por esta razão, é muito importante que você permaneça
calmo. Transpareça essa calma para ela. Se concentre no agora e faça com que ela tente expressar
seus sentimentos. Mas não force. Evite deixá-la ainda mais nervosa.
— Cara, a cabeça dela tá muito ferrada. Percebeu que não reage nem com a própria filha?
— argumenta meu primo claramente assustado com a falta de reação de Liz.
— Nem fala porra! Confesso que tô desesperado. Mas o médico virá o mais rápido
possível. — esfrego o rosto aflito andando de um lado para o outro na sala.
— Ótimo, é necessário que ele a avalie — ressalta Esteves, analítico.
— A dificuldade é fazê-la perceber que precisa ver o médico.
— Acompanhe sua namorada de perto até o doutor chegar, é importante garantir que ela
possa recuperar normalmente a sua capacidade de interagir e assuma atitudes assertivas de
responsabilidade nesse processo. Fazê-la se sentir segura, relaxada e confortável, é essencial neste
momento.
Mia e Juliete apontam no topo da escada numa conversa empolgante.
— Podem distrair Juju enquanto cuido de AnneLiz? Peçam para Wendell providenciar tudo
o que ela quiser. Vocês também devem estar com fome.
— Tô verde de fome!
— Você sempre está com fome, Simba — comenta o namorado.
— Nisso eu concordo — rebate o abusado com uma piscadela.
Juju desce o último degrau em um pulinho teatral.
— Seba, tem que buscar a mamy, chamei, mas ela quer terminar de guardar as roupas.
— Vou lá ajudar sua mãe. Você vai ficar bem com esses malucos?
Minha espertinha dá uma risada divertida.
— Eles são legais. Onde estão meus peludinhos?
— Estão nas casinhas deles, peça pro tio Simba buscá-los.
Ainda ouço a algazarra dos quatro quando chego no andar superior.
Mesmo com a porta do quarto aberta, respeito à privacidade ao bater.
— Posso entrar? Precisa de ajuda com as roupas?
— Estou bem — resposta automática, sem emoção, talvez ela nem perceba que é uma
pergunta.
Sinto a frustração profunda me agarrar, como se cada osso do meu corpo estivesse sendo
corroído. A vontade de sacudi-la e fazê-la voltar a si é imensa, mas me forço a agir calmamente.
— É um novo mantra?
— O quê?
Observo as mãos lutando para ajustar uma blusa em um dos cabides. Dou um passo com
cuidado e termino a tarefa, guardado no armário.
— Ficar repetindo que está tudo bem, não faz o fato se tornar verdadeiro. Está tudo bem
ficar emotiva, ou chorar pelo que aconteceu. Quer conversar um pouco? Ajuda a aliviar a tensão.
Ela cede sentando-se na cama com o olhar perdido.
— Tinha sangue.
— Imagino que sim. — ao seu lado seguro sua mão.
— Ouvi uma briga do lado de fora no corredor, quando abri a porta, Adam estava escorado
na parede com a mão na barriga. Foi horrível!
— Está tudo bem, agora. Vocês estão seguras.
Uma lágrima tímida rola pelo rosto, em seguida outra, e mais uma.
— Ele ia me matar, Sebastian!
Quando começa a soluçar aos prantos, a abraço apertado.
— Minha filha seria morta! Onde ela está? Onde está Juliete? — contenho seu ímpeto em
levantar.
— Ei, ei, fique calma, meu amor, Juliete está fazendo um lanche na cozinha com Mia e os
tios babões.
AnneLiz aninha-se em meu pescoço e chora por vários minutos, suas lágrimas molhando
minha pele partem meu coração. Envolvo os braços como um porto seguro na intenção de consolá-la.
— Fiquei apavorada! — conta em meio aos soluços. — Não quero nunca mais viver
aquilo.
— Ninguém fará mal a vocês, não vou permitir.
Beijo sua testa afagando o rosto úmido. Nunca a vi chorar compulsivamente dessa maneira,
talvez a tragédia de hoje tenha a capacidade de romper a barreira da vulnerabilidade que ela tanto
esconde das pessoas ao redor.
— Precisa se alimentar e descansar, chamei meu médico para te avaliar. Quem sabe
prescrever um relaxante para uma noite reparadora de sono, hein?
Um murmúrio afirmativo é o suficiente para carregá-la até meu quarto. Seu corpo em meus
braços ainda treme com a adrenalina da descarga emocional. Ao chegar, preparo uma banheira com
água morna e espuma perfumada.
Tiro suas roupas e a conduzo à banheira.
— A água está boa? Prefere mais quente?
— Está perfeita, obrigada.
Com cuidado meticuloso, lavo seus cabelos, massageando seu couro cabeludo com
movimentos firmes e reconfortantes. A água envolvendo seu corpo tenso e meus gestos cuidadosos,
claramente a relaxam. Tenho certeza que vai acalmar um pouco sua mente agitada. Às vezes ela
deixa escapar uns gemidos pelo deleite do banho. Em cada toque suave tento imprimir o amor e
segurança que ela precisa.
Após o banho, ajudo minha mulher a se enxugar e secar os cabelos, seu cansaço é nítido.
— Sei que ainda é cedo, mas deve descansar um pouco. Vou buscar uma refeição para
você, enquanto repousa.
Liz concorda, se acomodando embaixo dos meus lençóis. Não sou hipócrita para não
pensar que aqui é o lugar dela.
Antes que me afaste da cama, ela me segura pela mão.
— Você me perdoa por ter dito que não queria que ficasse perto de Juliete? Eu não acho
você descontrolado, só não sabia o que dizer pra você se afastar da gente.
Ergo seu queixo na intenção que enxergue a verdade no que vou dizer:
— Não vou mentir, naquela hora magoou, mas durou pouco. Quando descobri o que a
cobra tinha feito a você, entendi perfeitamente. Não se preocupe mais com isso. Agora acabou.
— O seu segurança está bem?
— Sim, Berth me atualizou por mensagem que Adam está no quarto em recuperação. O
ferimento não atingiu órgãos internos, foi apenas um corte profundo.
— Graças a Deus! Pode chamar Juliete aqui quando trouxer o lanche?
— Claro. — Beijo sua testa, mas Liz guia-me para seus lábios. Um beijo carinhoso de
afeto selando nossa paz.
— Amo você, mandão.
É uma injeção de ânimo, pareço um carro que vai de zero a cem em um segundo. Um
sorriso bobo dança em meu rosto.
— Amo você, meu amor. Estou feliz que está aqui comigo.
— Eu também.
— Vou descer e já retorno.
Estou quase igual a Juliete saltitando ao descer a escada. Na cozinha, os hóspedes ainda
estão aproveitando a mesa farta. Wendell por ali tentando conter os cães e Juju, que tenta alimentá-
los com bolinhos de queijo.
— Sua cara melhorou — analisa meu primo um pouco mais animado. — Como Anne está?
— Conseguiu desabafar, chorou um pouco e está descansando.
— Ela precisa de algo? Posso subir e ajudar. — Mia preocupada se prontifica.
— Não, acabei de ajudá-la a tomar um banho, vou preparar um lanche. Logo o Dr. Mills
vai chegar.
Juliete se aproxima com os cães ao seu lado abanando o rabo.
— Você falou com a minha mamãe?
— Falei, e agora vou preparar um lanchinho para ela, que tal me ajudar e depois subir e
levar as guloseimas?
— Sim, eu ajudo, Seba. Mamy gosta de chá de frutas vermelhas. Tem?
— Tem, acho que tem.
— Se não tiver, Juju, tio Sebastian vai comprar uma caixa desse sabor — debocha meu
primo com um sorrisinho maroto.
— Seba não é meu tio — a pose séria da garotinha com as mãos na cintura o desafia.
Puxou a mãe, corajosa e atrevida.
— Oras, você chama eu e Esteves de tio.
— Mas Seba é mais — o rostinho faceiro com a frestinha charmosa nos dois dentes da
frente é uma graça. — Ele é meu melhor amigo, depois do Harry Potter. Seba é mais que tio.
Todos os três fazem um coro de ‘ahs’ me deixando envaidecido. É o melhor elogio do
mundo.
— Precisa lavar as mãos para ajudar seu melhor amigo, Juju — avisa Mia guiando a
espertinha até a pia.
Após terminarmos de preparar o lanche subimos com a bandeja, deixando o trio, que
aproveitou para conhecer onde vão dormir.
Entramos silenciosos, pois percebo que AnneLiz está descansando. Também pudera, a
adrenalina de hoje a deixou exausta. Repouso a bandeja na mesinha de cabeceira e começo a esfriar o
chá.
Juliete com aquele jeito de sussurrar alto, indiscreta como ela só, pergunta:
— Mamy está dormindo? Podemos acordar ela? Por que ela dormiu antes de lanchar?
— Podemos acordar sim, sua mamy precisa se alimentar.
— Ela não pode ficar fraquinha, né Seba? — Mantenho meu semblante sério, mas a
vontade de rir dos cochichos da garotinha é enorme.
— Não pode.
Juliete sobe na minha cama, gentil e carinhosa dá um beijo na bochecha da mãe. Acaricia
seus cabelos com ternura.
— Mamy... Maaaamy! Acorda! Seba trouxe comida. — Agora o sussurro se transformou
em uma voz cuidadosa, como se não quisesse realmente acordar a mãe.
Liz desperta e sorri ao ver a filha perto, agarra a menina e cheira o pescocinho, tirando
gargalhadas em gorgolejos.
— Aiii mãe! Faz cócegas.
— Como você está, minha princesa?
— Tô bem! Eu ajudei o Seba a preparar o lanchinho.
Seu olhar para mim pede aprovação.
— É a melhor ajudante que já tive.
— Uau! Deve estar delicioso!
Deixo a xícara na mesinha para ajudar Liz a se acomodar sentada apoiada nas almofadas.
Juju desce da cama igual um filhote de gato, descobrindo ambientes novos. Vai até a mesa
no fundo do quarto inspecionando a janela atrás dela.
Ajeito a bandeja no colo para Liz se alimentar, e recebo um sorrisinho feliz como
agradecimento.
— Filha, não mexe em nada. Aqui é o quarto do dono da casa.
Juju gira rapidamente ao ouvir essa frase.
— E quem é ele?
— Ué, o Sebastian é o dono da casa!
— Ah! O Seba. É que aqui é tão grande que parece outra casa. Nós vamos dormir aqui?
Liz que estava pronta para dar uma grande mordida no crepe salgado, para o movimento no
meio do caminho. O olhar piscando daquele jeitinho que amo, quando está desprevenida com alguma
coisa.
— Calma, deixa que eu conduza a conversa — aviso baixinho.
— Se quiser pode dormir com a gente. Não podemos tirar sua mamãe do conforto. Olha só
como ela está feliz nessa cama enorme!
Juliete retorna próximo a nós.
— Eu queria muito, mas não sei se vou poder dormir aqui — A maneira séria com que fala
é hilária.
Segurando o riso, cruzo os braços no peito.
— Podemos saber por que não pode dormir aqui?
— Porque já me convidaram para dormir na cabana de cobertores.
— E onde é isso? — Uma AnneLiz interessada entra na conversa, provando o chá de frutas
vermelhas docinho que preparei.
— Lá na sala de tv. — Ao me encarar dá um sorrisinho sapeca. — Nós vamos assistir um
filme novo.
— Hum. Deixa eu adivinhar. Ideia do tio Simba?
— É, tio Simba é maluquinho, mas é legal. — O sorriso franco deixa a mãe emocionada,
com o olhar marejado.
— Você está feliz, filha?
— Muito, mamy! Eu adoro dormir aqui na casa do Seba.
Nossos olhares conversam sobre um assunto que já foi tratado em uma cafeteria há pouco
tempo.
— E qual filme vão assistir?
— Harry Potter e o Prisioneiro de ‘Aslaban’.
— Juliete, você já assistiu esse filme umas vinte vezes, como você diz que é novo?
— Tio Tevis, tio Simba e tia Mia não viram, então é novo para eles.
Nossas risadas são interrompidas pelo trio, que liderados por Mia, se empertigam na porta
do quarto.
— Oi, a gente ouviu risadas e queríamos ver como você está.
— Estou bem, Mia. Entrem.
— Já que estão aqui, vou aproveitar e fazer uma ligação importante. E doutor Mills já deve
estar chegando.
— Pode ir, Sebastian, nós ficamos com as meninas.
De volta ao primeiro piso, aciono o detetive Foster para saber como estão as investigações.
Ele me tranquiliza sobre meus pais, que estão seguros em uma base da polícia dando os
depoimentos necessários. Que agilizou um mandado de prisão para Lili, com base nas provas obtidas,
mas infelizmente quando a polícia chegou à mansão dos meus pais, Lili já havia escapado. As
autoridades estão em uma busca intensiva pelo estado.
Daniel também está sendo caçado por fraudes, falsidade ideológica, conspiração, ameaça, e
cúmplice do atentado contra AnneLiz e Juliete.
Bem, pelo menos a justiça será feita!
Assim que encerro a chamada, Esteves desce a escada agitado.
— O que foi, homem? — intrigado dou-lhe total atenção.
— Acabei de receber as imagens que solicitei análise. Meu amigo hacker fez sua mágica
com a foto com o reflexo no rosto. Temos nosso espião com a prova.
— Quem é esse bastardo?
— Jason Anderson!
— Eu sabia que aquele cara era mau caráter. Porra! Amanhã mesmo ele terá o que merece!
Nenhuma empresa nos cinquenta e oito condados da Califórnia vai aceitá-lo como funcionário. E eu
mesmo vou garantir isso!
— Falou com Foster? — ele não disfarça a apreensão.
— Falei, estão com meus pais. Reunindo seus depoimentos.
— E a bandida?
— Foragida.
Esteves acomoda-se no sofá, claramente aflito.
— Puta Madre! Aquela mulher solta é um pesadelo. Mia e Simba podem ficar aqui por uns
dias? Sua segurança é alto padrão e me sinto mais seguro com eles aqui.
— E você? Pode ficar também.
— Eu me viro, sempre me virei. Mas aqueles dois não tem maldade, são alvos fáceis e não
quero perdê-los, entende?
— Entendo. Quer dizer, entendo do amor, mas esse negócio a três não conseguiria. Não
consigo dividir.
Esteves deixa um sorriso raro aparecer no rosto severo.
— Não é divisão, chefe, é soma. Pela primeira vez na vida acho que encontrei meu lugar.
Servi uma década no exército traçando planos para uma vida na carreira militar. Mas não era aquilo
que eu precisava. Meu eu combativo precisava de paz, e só com eles encontrei isso. Não com um,
mas com os dois.
— Uau! Os brutos também amam!
A risada dele é leve e autêntica, talvez essa proximidade dos últimos tempos, serviram para
conhecer o verdadeiro Esteves Medina. Tão protetor e leal aos seus quanto eu.
— Agora que descobriu o espião, o trabalho terminou. O que pensa em fazer?
— Ainda não sei.
— Já pensou em trabalhar com segurança privada? — animado com a possibilidade de
contratar um amedrontador ex-militar, perito em armas, de dois metros de altura, jogo minhas cartas.
— Não sei, preferia algo mais tranquilo. Por quê?
— Em breve formarei uma família, as meninas vão precisar do melhor ex- militar da
Califórnia para ser seu guarda costas. Quem melhor que você para proteger Juliete?
— Apelou, hein chefe! Juliete derrete qualquer coração de gelo.
Sou esperto, sabia que ele não pensa na carreira de segurança, mas por quem tem afeto ele
toparia.
— Vamos à sala da adega, com uma boa bebida podemos negociar um ótimo salário.
Antes que nos afastemos da sala de estar, Wendell aparece.
— Senhor Latarge, o doutor Richard Mills acaba de passar pela guarita.
— Ah, sim! O médico, caralho! Não terminamos esse assunto aínda, Esteves. Amanhã
voltamos a conversar.
— Combinado, chefe.
Desperto lentamente, os raios de sol da manhã filtrando-se pela janela entreaberta, pintando
padrões de luz dourada sobre os lençóis macios. Me viro delicadamente, sentindo o calor
reconfortante do corpo de Sebastian ao meu lado, sua respiração tranquila e ritmada.
Os primeiros pensamentos da manhã trazem a consciência da presença dele ao meu lado, e
um sorriso involuntário se forma em meus lábios. Admiro a tranquilidade em seu rosto enquanto
dorme, cada traço iluminado pela luz suave da manhã.
Com cuidado para não acordá-lo, me encosto levemente, permitindo-me absorver o
momento. Observo os seus detalhes, desde a curva do queixo até a intensidade dos cílios escuros que
repousam sobre as bochechas. Cada pequeno detalhe parece mais profundo e significativo neste
instante de quietude.
A sensação de estar aqui, nesta cama luxuosa, ao lado desse homem que me encanta e
intriga, é como um sonho que se tornou realidade. Sinto-me grata por compartilhar este momento
com ele.
Me aconchego um pouco mais perto, sentindo-me envolvida pelo seu cheiro bom que me
traz a sensação de lar. Permito-me fechar os olhos por um instante, absorvendo a sensação de paz e
contentamento que me abraça.
— Se não parar de se esfregar desse jeito, pimentinha. Vamos pular o café da manhã e
vamos aparecer lá embaixo somente para o almoço.
— Você estava acordado?
— Estava, o que você pretendia fazer?
— Nada demais, eu estava te cheirando, agradecendo a Deus, o universo, a força superior,
por ter trazido você para mim.
O sorriso do CEO que um dia achei tão arrogante, é tão doce e lindo que poderia ficar
assim para sempre.
— Você é incrível, AnneLiz Colleman, você tem um poder de fazer com que eu queira
acordar cedo, somente para mostrar ao mundo como estou feliz com você.
— Awnn você é romântico! O que mais eu posso querer?
— Quero te pedir uma coisa hoje.
— O quê? — tento sondar seu rosto para descobrir seu plano.
Porque Sebastian Latarge sempre tem planos, é ardiloso de um modo disfarçado.
— Quero que saia de casa com Juliete!
— Como assim? — Ainda meio sonolenta não compreendo.
— Saia de casa com sua filha para que eu possa preparar a festa de aniversário dela.
— Ah, sim, achei que era ... — com os olhos arregalados a ficha cai. — Oh! Meu Deus! O
aniversário de Juju. Eu esqueci de parabenizá-la assim que desperte de manhã.
Em um pulo estou fora da cama, tirando uma risada ruidosa de Sebastian.
— Você acha que Juliete está acordada a uma hora dessas? São sete e meia da manhã! Eles
foram dormir muito tarde ontem. À uma da madrugada senti cheiro de pipoca.
Atrapalhada vestindo o robe, exclamo:
— Céus! Aquele trio estragou minha menina. A rotina dela vai para o ralo desse jeito.
— Pare de ser tão rígida, volte para a cama, quero te instruir sobre o plano.
— Que plano? — pisco os olhos repetidamente surpresa com ele.
— A festa temática surpresa do Harry que pretendo fazer.
Com um suspiro de felicidade, volto para os seus braços na cama king.
— Você vai levá-la para comprar um vestido e voltarão prontas, de roupa nova.
— Sebastian, é perigoso! Não esqueça que apesar de Lili ter sido presa ontem, Daniel ainda
está por aí.
— Ele não vai se atrever a chegar perto de vocês e além disso o novo segurança é uma
muralha impenetrável.
— Novo segurança?
— Claro, para a futura Sra Latarge e minha enteada. — Sebastian sabe como me ganhar,
quando me trata como ‘minha’ faço tudo o que ele quer.
— Quem é?
— Esteves Medina, vulgo tio Tevis.
O jeito ciumento que fala tio Tevis não passa despercebido por mim. Sebastian tem ciúmes
até de quem Juju apelida.
— Voltando ao assunto importante. Parem em uma confeitaria para disfarçar, mas não
exagerem nos doces. Aqui terá muito mais. Leve meu cartão ilimitado e divirtam-se.
Com um beijo doce me esfrego totalmente nele. Cada vez que esse homem me manda fazer
algo ou toma a iniciativa, me deixa louca.
— Vai me dar um cartão de crédito sem limite, para passar o dia fora...?
— A manhã apenas.
— Com bônus de “pare em uma confeitaria?”
— Formiga, Formiga! Não exagere, o açúcar faz mal à saúde.
Entre brincadeiras e carinho, ficamos mais meia hora na cama. Depois de explicar
direitinho seu plano, sinto-me pronta para começar o dia ao lado desse homem que me faz sentir viva
de uma maneira que nunca antes experimentei.

Saímos de casa com a animação típica de uma mãe e filha em busca de um vestido
especial. Juliete pula de empolgação ao meu lado, suas pequenas mãos segurando as minhas com
firmeza.
Chegamos ao shopping e logo nos perdemos em meio às lojas, cada uma mais colorida e
cheia de vida que a outra. Juliete corre de um lado para o outro, examinando cada detalhe com os
olhos curiosos de uma criança. Eu a sigo de perto, maravilhada com sua energia contagiante.
Encontramos a seção de vestidos infantis e ela se encanta com um vestido dourado com
apliques de borboletas do mesmo tom. Animada, corre para o provador, ansiosa para experimentar
sua nova roupa. Enquanto ajudo a se trocar, não paro de sorrir ao vê-la tão feliz.
Impossível não ficar com o de borboleta, não teve outra proposta, Juliete não quis provar
outro vestido. É o dourado com borboletas douradas.
Quando saímos da loja, Juju radiante, gira em seu vestido novo como uma verdadeira
princesa. Sinto-me grata por momentos como esse, onde ter a pessoa mais importante da sua vida ao
seu lado, faz qualquer momento ser especial.
A exibida quando chega do lado de fora da loja, ao ver Esteves, dá um giro em seus pés e
exclama:
— Olha tio Tevis, veja como estou bonita! Sou quase uma fada borboleta!
Com todo o cuidado para não amassar o vestido, Juju nem encosta o bumbum no assento,
explicando que vai estragar antes de mostrar para o Seba.
Durante o trajeto de volta para a mansão, minha garotinha pergunta pelo pai, me
surpreendendo, já que nunca falamos sobre ele.
— Papai vai me dar os parabéns hoje, mamy?
— Acho que não, filha.
— Por quê?
— Porque papai fez coisas erradas e vai ficar de castigo por algum tempo, não vai poder
ver você.
— Hum, quanto tempo mamãe?
— Eu não sei, meu amor, mas é bastante tempo.
— Seba pode ser meu papai ‘sutitutu’? Só até papai sair do castigo.
Observo minha pequena com o coração apertado. Como gostaria de tê-la protegido melhor
dessa carência de pai que ela tem. Ter escolhido um ser humano melhor para gerar um filho comigo.
Abraço meu pedacinho de gente e beijo o topo da cabeça.
— É que eu gosto muito dele, Seba é legal!
— Vai ter que perguntar para ele, querida.
— Tá bom.
Esteves, mesmo discreto no banco da frente, certamente escutou a conversa. Será que vai
contar para Sebastian? O que ele vai pensar sobre isso?
Um bip soa na bolsa, indicando uma mensagem. Deve ser o mandão no celular ansioso pela
nossa chegada.
Ao abrir é ele mesmo, mas para avisar da notícia de que meu ex-marido faleceu em um
acidente de carro durante uma perseguição policial, meu coração para por um instante. A notícia é
chocante e inesperada, não por algum sentimento que eu tinha por ele, mas por Juju.
Não posso me deixar abalar neste momento. Minha doçura está ao meu lado no banco de
trás, prestes a ter sua primeira festa de aniversário. Preciso ser forte por ela. Respiro fundo, tentando
encontrar a sensatez necessária para lidar com a situação da melhor maneira possível.
Decido guardar essa notícia para mim por enquanto, para não estragar a festa dela.
Sebastian escreveu que o que eu decidir será feito.
Juju não merece ter seu dia especial manchado por tragédias. A festa é para ser um
momento de alegria e celebração, e farei de tudo para que assim seja. Amanhã com calma e
serenidade encontro uma maneira de contar a verdade a ela.
O SUV estaciona diante da mansão, abstraio a notícia que recebi para me concentrar na
minha menina. Vejo ao longe carros estacionados um pouco afastados da entrada. Todos os
convidados estão lá dentro nos aguardando.
Sebastian convidou poucas pessoas, virão apenas os mais chegados. A sua mãe, mas o pai
ainda envergonhado por tudo que fez não quis comparecer.
Perguntou sobre alguns nomes de coleguinhas de Juliete, aos quais ela fala mais, junto com
esses, os seus pais os acompanharão. A Doutora Cristina também foi convidada com o noivo Jaxon.
Os tios babões, Simba e Esteves, Mia, minha mãe, que encantada com o futuro genro
quando o conheceu, atendeu prontamente ao seu chamado para ajudar previamente em alguns
detalhes na decoração da mesa.
Juju anda saltitando com seu vestido dourado na entrada da mansão. Dessa vez vamos
entrar pelo lado leste, onde tem o hall e o salão de festas. Subitamente ela para na porta e me encara
dramática.
— Mamy, como pudemos esquecer o bolo? Você disse que nós iríamos comer bolo e
comprar um bem grande para trazer no carro.
— Que pena! Nós esquecemos e agora filha, vamos tirar nossas roupas novas e ligar para a
confeitaria. Talvez eles tenham um ainda e nos mandem.
Decepcionada e tristinha ela vira de costas para mim e seca o rosto.
— E... E se eles não tiverem um bolo pra mim, do jeitinho que eu quero?
— E como você quer o bolo, meu amor?
— Ah, eu não sei. Talvez borboletinhas penduradas. Um bem grande cor de Rosa —
responde amuada. — Talvez se a gente fizesse um bolinho do meu gosto igual das outras vezes? Pode
ser com moranguinhos...
Enquanto detalha o bolo com uma infinidade de exigências malucas, algum reflexo de
velas chama a atenção dela pela porta vidrada da entrada da mansão.
— Mamy? Tem fantasma na casa do Seba!
— Fantasma, filha? Como assim?
— Tem umas velinhas acesas flutuando lá dentro.
Juju agarra minhas pernas assim que finjo destrancar a porta.
Ao abri-la, um tapete vermelho se estende pelo corredor principal do hall, levando até o
imenso salão de festas
— Surpresaaaaa! Feliz aniversário, Juju!
Um coro de vozes ensaiadas exclama, deixando nós duas em choque total.
Luzes suaves iluminam o ambiente, criando uma atmosfera mágica e acolhedora. Nas
paredes, grandes banners das casas de Hogwarts pendem, cortinados pesados presos às vidraças
escondem a claridade do dia, enquanto velas flutuantes feitas de lâmpadas led, fingem as verdadeiras.
— Mamy? É pra mim?
— Acho que é filha. Tem outra Juliete aqui de aniversário?
— Não! — minha menina ri de alegria, por ser essa doçura que é, solta a risada gostosa que
me traz tanta paz.
Emocionada, me inclino e a enlaço em um abraço apertado.
— Feliz aniversário, filha! Minha querida Juliete, hoje é um dia muito especial, pois
celebramos mais um ano da sua vida cheia de luz e alegria. Quero que saiba o quanto você é amada e
o quanto ilumina cada momento ao nosso lado. Você é meu maior presente é minha maior alegria.
Que a magia de Hogwarts esteja sempre em seu coração, assim como o amor e o carinho que sinto
por você, minha pequena bruxinha. Parabéns pelo seu dia, meu amor.
— Amo você, mamy!
Todos se aproximam querendo um abraço e sorriso da aniversariante, enquanto me afasto
um pouco para admirar o capricho com que meu namorado preparou isso tudo.
No centro do salão, uma mesa longa está coberta por um tecido escarlate, repleta de
comidas e doces inspirados no mundo mágico de Harry Potter. Há tortas de abóbora, sapos de
chocolate, e balas em formato de varinhas mágicas.
Ao redor, costurando a parede, cadeiras estofadas em veludo vermelho convidam as
pessoas a se sentarem e desfrutarem da festa. O teto encantado é uma obra-prima, imitando o céu
noturno com estrelas brilhantes e até mesmo algumas nuvens passageiras.
Juliete, ao admirar tudo, não sabe o que olhar primeiro, não consegue conter a alegria. Seus
olhos brilham enquanto ela percorre o espaço de um lado para o outro, admirando cada detalhe com
entusiasmo. Para mim, é emocionante ver sua empolgação e saber que essa festa será inesquecível
para ela.
Sebastian se aproxima ao meu lado e me abraça, observando tudo com um sorriso radiante.
Seus olhos encontram os meus, e nessa hora, sem dizer uma palavra, entendemos o quanto esse
momento significa para nós. É mais do que uma festa; é a celebração do amor, da família e da magia
que encontramos juntos.
— Não vou perguntar se você gostou, Juju está muito feliz. E você fica radiante quando ela
está feliz.
— Você vai me fazer chorar de emoção.
— Não vai chorar não. Agora é hora da entrada do bolo e acompanhar a aniversariante para
fazer o pedido — o sorriso largo pede um beijo, o que atendo de imediato.
Em seguida guio Juliete para o local de destaque, entre nós dois atrás da mesa. Sebastian
providenciou até um mini palco para que ela soprasse as seis velinhas.
A emoção dela é tamanha quando Wendell entra no salão, vestido de Dumbledore
conduzindo o bolo cor de rosa sobre um carrinho de metal, adornado de ferro retorcido imitando a
planta Hera, enrolado nas pernas do carrinho.
Juju solta uma exclamação eufórica.
— Oh! Mamy! É o bolo de aniversário do Harry, aquele cor de rosa!
Seco uma lágrima tímida que ameaça rolar. Sebastian realizou o sonho da minha menina.
Olho para o belo homem e meu coração transborda de gratidão e amor.
Ao admirar Juju, cujos olhos brilham de admiração, sinto uma onda de emoção
incontrolável. Agora, tenho a certeza de que esse alguém ao meu lado não só me ama, mas também
ama minha pequena como se fosse sua própria.
É uma sensação indescritível de proteção e segurança, saber que encontrei um lar no
coração de Sebastian. É o fim de uma jornada difícil, marcada por desafios e incertezas, mas também
é o começo de uma nova vida, cheia de amor, cuidado e felicidade.
— Precisa fazer os três pedidos, Juju! — incentiva Sebastian ao seu lado.
— Três? Aumentou? Posso pedir outro cachorro?
Todos se divertem com a inocência dela.
— Aumentou sim, depois dos cinco aumenta e você não pode falar. Os três desejos são
para fazer no pensamento enquanto sopra as velinhas! — explica ele sussurrando alto.
— Ah, entendi!
Começa o coro do ‘parabéns’ outra vez e as velinhas são acesas. Juliete fecha os olhos
mentalizando os três desejos e assopra. Em meio a algazarra de felicidades, Juju chama Sebastian
para fofocar em seu ouvido.
Queria muito saber se o que ela disse é o desejo que ele seja o pai dela, ou talvez seja o
cachorro que ela pediu anteriormente, só sei que ele olha diretamente para mim.
O bolo é cortado e servido, todos aproveitam a festa, brincando com os brinquedos que
meu namorado providenciou no salão. Até os adultos entraram nas brincadeiras.
Sentados lado a lado degustando um doce, decido perguntar, porque a curiosidade é
gigante.
— O que foi que Juliete fofocou em seu ouvido?
O sorriso tímido me surpreende, ele nunca me deu esse sorriso.
— Confessou um dos pedidos.
— O que ela pediu? Fala! Por que esse mistério?
Sebastian encosta os lábios em meu ouvido, roça o nariz na pele sensível abaixo dele.
— Juliete quer um irmãozinho.
— Mentira, ela não pediu isso!
O sorriso tímido outra vez me faz beijá-lo.
— Não. Esse é o meu pedido. Eu sabia que meu coração não era meu no dia que eu te
conheci, foi naquele instante que meu mundo inteiro ganhou vida. Casa comigo e me dê a honra de
ser o pai de todos os seus filhos?
O bom planejador executa seu plano com maestria. Rápido e ágil se ajoelha, tira uma
caixinha do bolso e me oferece o anel de diamantes.
É tão emocionante que não consigo responder, a voz embarga e os cílios úmidos de
lágrimas felizes, tiram meu fôlego, é preciso inspirar várias vezes para os pulmões se encherem de ar.
— Sim, eu aceito.
Um beijo apaixonado confirma a resposta. O som das palmas ecoando no salão interrompe
o momento.
Juju aparece correndo de algum lugar e pega minha mão inspecionando a jóia.
— Você deu esse anel para a minha mamãe?
— Sim, foi um pedido de casamento, para vir morar comigo.
— Eu vou vir junto, né Seba?
— Lógico que sim.
— Mas você não fez o pedido para mim!
Os olhos cristalinos olham seriamente para ele e para mim. A princípio achei que era uma
brincadeira, mas Juliete quer um pedido também.
— É verdade, me perdoe.
Sebastian recebe de Simba uma caixinha achatada e retangular. E ao abri-la, Juju toca o
dedinho delicadamente na pulseira de ouro, com medo de estragar a jóia.
— Uau! Esse é o pomo de ouro do Harry? Por que tem letrinhas nela?
— A letra do seu nome está na bolinha dourada e a letra do meu e da sua mãe está nas
asinhas de prata.
— Por quê?
— Porque sem a bolinha as asas não tem onde se unir. Você é a peça mais importante de
nós três e juntos, voaremos além do infinito. — Ele prende a pulseirinha no pulso dela que sorri
encantada. — Juliete, você quer vir morar aqui para sempre?
— Quero muito! — minha filha se joga nos braços dele e abraça tanto que os nós dos
dedinhos ficam brancos.
Essa cena derruba qualquer resistência em segurar o choro. Não tem maquiagem que
aguente ver esses dois juntos. Seco as lágrimas refletindo sobre a vida.
Às vezes, ela nos surpreende com presentes que nunca imaginamos receber.
Sebastian sempre quis ser pai, mesmo que o mundo parecesse conspirar contra esse desejo.
Ele ansiava por ser aquela figura paterna, transmitir ensinamentos, amor e segurança a alguém que
pudesse chamar de filha.
Por outro lado, minha menina sempre desejou que o pai fosse presente, que a cuidasse,
protegesse e a amasse incondicionalmente. Duas almas que, em mundos separados, ansiavam pelo
mesmo encontro, o encontro que mudaria não apenas suas vidas, mas a minha também.
Quando finalmente se cruzaram, foi como se o universo tivesse conspirado a favor de
ambos, unindo-os em um laço indissolúvel de amor e afeto.
A paternidade não se resume apenas a laços de sangue, mas sim aos laços de amor que se
constroem ao longo da vida, e que, muitas vezes, a família que escolhemos é tão ou mais valiosa do
que aquela que o destino nos proporciona.
Tenho sorte por fazer parte desse encontro, e sinto no fundo do meu coração que agora
seremos felizes.
1 ANO DEPOIS

A manhã nasceu radiante, convidando-nos para um piquenique em família. AnneLiz estava


animada com a ideia, e Juliete, como sempre, estava cheia de energia, pronta para explorar a
natureza. Preparamos nossa cesta com todo carinho, incluindo sanduíches frescos, frutas suculentas e
uma variedade de petiscos deliciosos. Pegamos o carro e seguimos em direção ao local escolhido, um
parque tranquilo nos arredores da cidade.
Mas algo nesse dia me perturbava.
Liz está diferente, apesar de que faz alguns dias que a noto dessa forma, mas hoje em
especial ela e Juliete estão de segredinhos.
Acrescente isso ao meu primo, sua esposa e seu marido, que também estão agindo
estranhos perto delas nessa última semana.
Chegando no nosso destino, encontramos um local perfeito, com uma árvore frondosa que
nos protegerá desse calor abrasador com sua sombra e uma vista deslumbrante para um riacho
sereno. Juju corre para o balanço e nós ficamos com a arrumação.
Estendemos uma grande manta quadriculada sobre a grama verde e começamos a montar
nosso acampamento improvisado. Enquanto ajudava minha esposa a arrumar os quitutes, os sons de
risadas e conversas animadas se aproximavam.
Além de nós três, outros membros da família também se juntaram a nós. O trio que está
agindo de modo estranho, chega fazendo alarde.
— Por que mesmo nós estamos no meio do mato? — ouço Simba atrás de mim.
Mas a resposta não vem como imagino, apenas um grunhido de dor como se ele tivesse
levado uma cotovelada de alguém.
— Bom dia, pra vocês também.
— Bom dia, primo ranzinza. Tinha esquecido da comemoração da papelada do registro, foi
mal.
— Papéis são só importantes para a lei, pra nós, somos uma família desde o primeiro dia
em que decidimos morar juntos. Vocês dois podiam buscar umas nozes já que chegaram animados, vi
uma nogueira quando cheguei, Liz comentou que gosta. Se eu não estivesse descansando um mamão
para a minha filha, eu mesmo iria.
— Ah, sim! Com o medo de altura que você tem, Sebastian? — debocha o cabeludo
abusado.
— Nem merece uma resposta.
— Uma corrida até a nogueira? — propõe ele a Esteves que já tira a camisa, exibindo o
físico exagerado.
— Valendo o quê?
— Ah, você sabe muito bem o quê.
Os dois disparam na corrida como se estivessem fugindo do diabo.
— Como você aguenta eles? — brinco com Mia.
— A pergunta não é essa, vida. — amo essa mulher me chamando de vida.
— O que eles apostaram, Mia?
A ruiva fica vermelha igual a um pimentão.
— Não! Esquece! Não precisa responder. — Liz entende que é sacanagem e continua na
tarefa da preparação dos alimentos.
— Como Juju recebeu a troca de sobrenome? — A amiga inteligente, desvia do assunto,.
— Sebastian queria adotá-la e Juju queria um pai. Trabalhando em conjunto esse último
ano, nós e a psicóloga dela, conseguimos explicar todas as fases desde a morte do pai e as
consequências dos atos ruins dele. Explicamos que a falta de amor era o motivo dele agir da maneira
que agia com ela, Juju entendeu que ela não tinha nenhuma culpa com relação a isso. Dessa forma ela
pôde escolher se queria ou não continuar usando o sobrenome do falecido pai. Ela escolheu o
Sebastian, escolheu Latarge sem pensar duas vezes.
— Sua filha é surpreendente, Anne.
— Meu orgulho.
— Nosso orgulho, amor — corrijo.
Agora eu sou o pai. Quem sabe um dia ela consiga me chamar de papai. Serei o homem
mais feliz do mundo.
— E vocês, não vão ter filhos?
— Os meninos estão insistindo, mas a coisa da tabela que querem implementar não me
atrai.
— Tabela? — Eu e Liz perguntamos juntos sem nem imaginar o que é a tabela dos
malucos.
— É uma tabela que eles inventaram para saber os dias que cada vai estar comigo. —
Revira os olhos — Porque se formos tentar eles querem saber quem é o pai, não por ciúmes..., ah eu
não sei o porquê que querem saber. Para mim não importa, gostaria de fazer normalmente como a
gente faz, nós três, vem o filho e acabou. Ninguém sabe quem é o pai, os dois são e pronto. Não faria
nem o teste de DNA.
— Homem é complicado! — AnneLiz observa.
— Se você acha complicado um, imagina eu com dois, amiga?
— Eu não sou complicado, meu amor
— Não é, mas eu quis consolar minha amiga. — sopra um beijo para garantir.
— Vou buscar Juliete para comer uma fruta, achei que se alimentou pouco no desjejum.
— Juju fica ansiosa nos dias de piquenique até chegar no local ela não come, espera para
ver daqui a alguns minutos!
— Juliete, filha! Vem lanchar. — Grito para que ela escute.
Como ela não vem, decido ir até o brinquedo onde está. Ando alguns metros até o balanço
de corda. Testo puxando com força, para ver se está bem presa e é segura.
— Espertinha, por que não tira essa camiseta de mangas longas? Você tem outra por baixo?
— Tenho. Mas mamãe disse para não tirar agora, não é hora.
Muito estranho, qual o motivo desse mistério? Vou ter que descobrir.
— Que tal irmos lá e pedir para sua mãe se podemos tirar a sua camiseta, aí você fica mais
a vontade para brincar. Vai fazer muito calor durante o dia.
Juntos eu e ela retornamos até a nossa árvore, os rapazes chegam em seguida, com as
blusas repletas de nozes.
— Liz, por que Juliete não pode tirar a camiseta de manga longa? Ela disse que tem outra
por baixo, se for pelos insetos eu trouxe o repelente...
— Não é por isso, amor. Juliete teve uma ideia, mas falei que no verão era complicado de
executá-la por muito tempo. Pode tirar a camiseta, filha.
Sem entender nada, ajudo a garotinha puxando a peça pela cabeça, só quando leio o que diz
a estampa de baixo é que me dou conta do que é.
PROMOVIDA A IRMÃ MAIS VELHA
Caio sentando de bunda no chão, totalmente em choque.
— Papai! Você está bem?
É muita emoção em um dia só.
— Mamy, você tinha razão, devíamos ter contado semana passada quando você descobriu.
Os rapazes me ajudam a me equilibrar em pé, segurando meus braços. Juju oferece uma
garrafinha de água. Liz se aproxima tocando meu rosto.
— Você está bem, Sebastian?
— Você está grávida? De um bebê nosso? Meu filho?
— Pai, é melhor uma pergunta de cada vez. Não é educado, mamy sempre diz isso para
mim.
Todos caem na risada, menos eu, emocionado com tanta novidade.
Pego minha espertinha no colo, segurando a emoção firmemente represada no peito.
— Você me chamou de ... pai?
— É, você é meu pai, certo?
Engolindo o nó na garganta, o peito estufa de orgulho.
— Sou, e eu amo você, filha!
Juliete me abraça com seu beijo melado na minha bochecha.
— Amo você, papai.
À nossa volta, todos estão emocionados, até Esteves que normalmente não demonstra nada,
seca um olho disfarçadamente.
— Agora nós dois vamos escolher o nome do meu irmãozinho. — sussurra daquela
maneira nada discreta no meu ouvido.
— Que tal Sirius?
Dou a ideia com uma piscadela para AnneLiz, que prontamente me repreende:
— Sebastian Latarge, não inventa!
— Vem cá, pimentinha, quero um abraço triplo da minha família.
Quando nos juntamos os três em pé abraçados, sugiro que nos fotografem:
— Qualquer um dos três aí parados, podem por favor tirar uma fotografia? Depois me
enviem pelo WhatsApp, quero mandar fazer um quadro desse momento histórico. A família Latarge
reunida no seu primeiro piquenique juntos. Acho que será nosso primeiro cartão de natal, o que
acham meninas?
— Legal, mas falta nossos peludinhos na foto, pai.
— Ih, é verdade! Para o catão de natal faremos outra fotografia com Severus e Bicuço.
— É isso aí!
É incrível como essas duas vidas transformaram minha existência, enchendo meus dias de
amor e significado. A sensação de gratidão e paz abraça minha alma, sabendo que momentos como
esse são os verdadeiros presentes na vida.
Imagino nosso futuro, repleto de momentos felizes em família, de risadas e brincadeiras.
Prometo a mim mesmo ser o melhor pai que posso ser, dedicando-me a proteger e cuidar de nossos
filhos com todo o amor do mundo.
Com um sorriso nos lábios e o coração transbordando de felicidade, posamos para a foto.
Esse sorriso largo nunca mais sairá do meu rosto, estando junto com os tesouros que a vida me deu.
Amarei minhas meninas para sempre.

Fim
AGRADECIMENTOS

A você leitor, que tirou um tempinho para ler essa obra, agradeço de
coração o interesse. Espero que tenha gostado e se divertido com o que leu.
Ficarei ainda mais feliz se puder deixar uma avaliação na plataforma, é
muito importante para que novos leitores possam se interessar e vir a
conhecer minha escrita.
Agradeço às minhas meninas do GP do whatsapp, sempre me
apoiando e surtando com minhas loucuras. Minhas betas e revisoras. Minha
amiga e colega nessa carreira louca, que me consola e apoia, Érica Queirós.
Vocês são minha força quando penso em desistir.
A minha equipe maravilhosa:
Taci, Pam, Cris C, NayMess, Tati B, Fran Moraes, Sou grata por
tudo.
Instagram: https://www.instagram.com/autorafrancisleone/
Twitter: @FrantasticaS2
Tik Tok: FrancisLeone Autora
Facebook: Francis Leone Autora
Tiziano
Romance DARK + Tabu + Stalker Romance + Mafia
Tiziano DiMateo
Vida e a morte travam uma luta constante em meu destino, uma rede de sonhos e enigmas
interligados que quase me levaram à loucura. Selena, é meu desejo proibido. Foi a única razão que
manteve minha sanidade. Mas nosso amor caiu em uma armadilha, cortesia irônica e cruel do
destino. Ninguém sabe a verdade que me levou a tomar as decisões que tomei. Apesar disso, o
sentimento profundo nunca se perdeu, pois é impossível separar duas pessoas destinadas a ficarem
juntas. Ela está prestes a descobrir que sou um homem determinado a conquistar seu amor e me
redimir do passado. Em um mundo de sombras e incertezas, desejo ser a luz que a ilumina, mesmo
que seja uma luz tardia, e que tenha que enfrentar o mundo e nossos demônios para alcançar esse
amor.
Selena Malpucci
Tiziano, aquele cujo nome significa honra, foi uma estrela brilhante que deixou uma marca eterna em
minha alma. Seu nome ecoa em minha mente, e cada momento que compartilhamos permanece
gravado em minha memória como uma constelação reluzente em um céu noturno opaco. Ele foi o
desvio da monotonia, uma chama que me aqueceu quando tudo parecia frio. Anos se passaram nos
quais o destino interferiu em nosso caminho e agora ele retorna, ultrapassando as fronteiras do
passado e do presente, implorando por uma segunda chance. Ele deseja ser meu herói, um príncipe
encantado montado em um cavalo branco. Mas, a vida não é um conto de fadas, uma lição que
aprendi da maneira mais difícil, pois o próprio foi meu professor. Sei que o encanto pode ser
traiçoeiro se me deixar envolver por ele outra vez.
ALERTA DE GATILHOS
PROIBIDA PARA MENORES DE 18 ANOS
Abuso físico explícito
Tortura física explícita
Abuso psicológico
Tentativa de suicídio
Transtorno de borderline
Crises de TPT
Incesto (vilōes)
A autora não se responsabiliza por reações desagradáveis durante a leitura.
Romance hot + fast burn + garota plus size + CEO Dominador
"UM DUELO QUE OS LEVARÁ DIRETAMENTE PARA A
CAMA."
NOS BRAÇOS DE VÊNUS
Stela Salvage é uma jovem de temperamento forte, além de
inteligente é um tanto teimosa. Vivendo em Los Angeles após uma
turbulenta juventude de baixa autoestima, foi apresentada a um clube não
convencional. Se encantou com o submundo do prazer e se tornou uma
Dominatrix. A famosa atração do clube Volcano.
Luke Taylor é o bilionário mais discreto do mundo dos cassinos.
Um CEO frio e implacável. Seja nos negócios ou na vida pessoal, nunca
ouviu a palavra 'Não'. Um homem, com sua vida sob rígido controle.
Em uma noite, depois de um dia extenuante, o que Luke mais quer é
relaxar. Então, decide visitar um luxuoso clube com práticas BDSM e nele
seu mundo entra em um colapso total.
Naquela noite, ele é rejeitado pela única mulher que de fato
capturou seu indomável coração. A rejeição é aceita como um desafio ao
poderoso CEO. Uma batalha é travada, onde a sedução e o desejo de
dominar são as armas empregadas. Mas o que Luke não sabe é que esse
duelo pode pôr em risco a chance de viver um sentimento maravilhoso e
desconhecido de tudo o que já viveu.
Conteúdo adulto indicado para maiores de 18 anos. Contém
cenas de sexo explícito descritivo, palavras cruas e obscenas. Pode
conter gatilhos pelo enredo com BDSM.
VOLCANO
Sete noites, seis casais. Prazeres inimagináveis.
Um clube de elite misterioso estampa os mais diversificados
cenários para realizar seus desejos livres de culpa.
Dentre eles, um chefe misterioso oferece à seu subordinado uma
noite de prazer em troca de um vantajoso presente.
Um sádico desperta desejos de submissão em uma masoquista,
enquanto um perigoso consigliere mafioso é alvo de uma rival obsessiva.
Um adorador de pés tem seu anseio atendido por uma dama
exigente, e um casal encerra seu relacionamento em meio a ciúmes.
Uma paixão avassaladora se descortina em uma excitante caçada
pelos jardins.
Cada noite, uma nova chance de descobrir até que ponto se está
disposto a ceder, aprender, render-se e aceitar seu desejo mais decadente.
E você, até onde estaria disposto a ir para desfrutar de todas as suas
fantasias e realizar seus mais luxuriosos segredos sexuais?
Alerta de gatilhos –
PROIBIDA PARA MENORES DE 18 ANOS
Violência física consentida
Ofensas preconceituosas e de cunho pejorativo cenas de sexo
explícito descritivas em detalhes
A autora não se responsabiliza por reações desagradáveis durante a
leitura.
Um Amor Além do Horizonte
Zayn e Laura são corações sedentos por encontrar a paz do
amor em um porto seguro.
Zayn Tariff vive uma vida glamourosa, com os holofotes da fama sobre si
e sua carreira. Mulheres belíssimas caem aos seus pés, mas falta algo,
alguém especial que ame a simplicidade como ele.
Laura De E. acreditava ter encontrado sua alma gêmea, abandonou a
carreira para viver seu conto de fadas. Às vésperas do Dia dos Namorados,
descobre que seu príncipe encantado é na verdade um sapo. Entre a
decepção e a decisão de recomeçar, Laura toma as rédeas do seu destino,
retoma a carreira de modelo e embarca em uma viagem à Turquia,
realizando seu sonho de infância de passear em um balão de ar quente.
O destino decide brincar de cupido e entrelaçar essas vidas distintas em um
emocionante encontro. Entre paisagens exuberantes, surpresas inesperadas e
uma doce jornada pelos caminhos da paixão, Zayn e Laura descobrem que
são as metades que faltavam um ao outro.
Mas o que fazer se vivem em continentes diferentes?
Você acredita em amor à primeira vista? Em príncipes encantados? Se sim,
mergulhe nessa paixão que vai arrebatar seu coração, revelando o lado mais
sutil e profundo que a vida tem para demonstrar o amor.

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