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Capa: xmagnifiquedesignx
Imagens usadas: pt.pngtree
Revisão: Carina Barreira
Diagramação: Jennif
fer Alves
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.
São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de
qualquer parte desta obra através de qualquer meio — tangível ou
intangível — sem o consentimento escrito da autora.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela lei no
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Todos os direitos reservados.
Edição Digital | Criado no Brasil.
Uma obra de Jenniffer Alves
Será que o AMOR é capaz de curar uma mente atormentada pela injustiça?
Duas almas quebradas se conectam com apenas um olhar. Ela do lado de
fora e ele do outro lado das grades. O que poderia ser impossível, se torna
possível, quando novos sentimentos pulsam de corações traumatizados.
Laura esconde muito mais do que deixa transparecer. Reclusa sem suportar
ser tocada, vive sua vida entre lutas e recaídas, com a esperança de que um dia
possa se tornar uma pessoa normal. Tudo muda quando é designada a fazer uma
entrevista com o criminoso mais perigoso da Ucrânia.
Nada daria errado, afinal, ele estaria do outro lado, sem poder tocá-la e com
um vidro separando dois mundos completamente diferentes. Mas ao encarar seus
olhos, algo dentro de si muda.
Ruslan Rotam, preso aos 18 anos por uma série de assassinatos carrega
consigo muitos segredos e após 14 anos surge a primeira oportunidade de fuga.
Só há uma única pessoa que ele acredita ser capaz de ajudá-lo.
Duas vidas marcadas pela maldade. Duas almas solitárias. Um amor capaz
de superar qualquer trauma é forte o bastante para suportar uma série de
assassinatos que tem como culpado a única pessoa que ultrapassou as barreiras
impostas por um coração dilacerado?
AVISO:Esse livro pode despertar gatilhos emocionais
Sinopse
Nota da Autora
Aviso
Capítulo 01
Capítulo 02
Capítulo 03
Capítulo 04
Capítulo 05
Capítulo 06
Capítulo 07
Capítulo 08
Capítulo 09
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Capítulo 54
Capítulo 55
Capítulo 56
Capítulo 57
Capítulo 58
Capítulo 59
Capítulo 60
Capítulo 61
Capítulo 62
Capítulo 63
Capítulo 64
Capítulo 65
Capítulo 66
Capítulo 67
Capítulo 68
Capítulo 69
Capítulo 70
Capítulo 71
Capítulo 72
Capítulo 73
Epílogo
Agradecimentos
Talvez você goste
Dedico esse livro a todas as mulheres que tiveram seu coração e alma
dilacerada, mas que assim como a Laura, floresceram como uma rosa,
superando o insuperável e buscando seu final feliz.
Intensa Paixão é uma história que despertará em você uma
dor no coração, onde encontraremos dois personagens
traumatizados por seu passado, ambos carregam as consequências
de abusos e agressões. Então esteja preparado para lágrimas,
indignação e raiva, mas além de tudo, esteja preparado para se
apaixonar e se emocionar pela forçade cada um, pela determinação
e paixão de ambos.
Intensa Paixão é um livro delicado, algumas cenas poderão
despertar gatilhos emocionais, principalmente em mulheres que
passou pelo que Laura passou, mas narrado de forma cautelosa e
cuidadosa.
Essa história se passará em Kharkiv cidade da Ucrânia.
Tentei trazer o máximo de representatividade, citando aspectos
culturais, e alguns detalhes para que você mergulhe nessa trama.
Outro ponto a destacar, é que você encontrará muito “estás”
“soa-te bem” “como dizes?”. E muitas outras por se tratar de uma
expressão linguística e por Laura e nós sermos brasileiros, quis dar
um pouco de sotaque para os ucranianos.
Espero que goste da leitura, se emocione e que no fim leve
com você uma grande lição.
Lembre-se, esse livro é uma obra ficção e abordará abuso
tanto sexual, quanto psicológico, se por ventura sentir incômodo
com alguns relatos – que por sinal são inspirados em muitos fatos
reais – pare a leitura ou pule as lembranças.
Quero salientar que por mais que seja lindo – que para mim foi
uma loucura - a atitude da Laura, não faça isso na vida real. Existe
maldade por todos os lados, inclusive poderá bater na sua porta e
não virá como Ruslan de olhos verdes penetrantes. Sua vida é mais
importante que qualquer fetiche literário.
Aprecie a leitura com moderação, okay?
Um beijo e boa leitura!
Acordo assustada e suada depois de mais um pesadelo, a
cada dia que passa, mais recorrentes eles se tornam. Olho para o
lado quando o despertador toca, são cinco da manhã, e está um frio
de -11ºC. Me aconchego debaixo das cobertas querendo
permanecer no meu pequeno apartamento, o que é impossível
quando tenho que trabalhar.
Solto um suspiro e me levanto, sentindo os pelos dos meus
braços eriçarem. Ando na escuridão até achar o receptor da luz e a
ligo. Engulo em seco antes de me virar e olhar pelo cômodo. Fecho
as mãos em punho quando meus batimentos aceleram enquanto
caminho pelo apartamento, certifico-me de que não há ninguém. Ao
me sentir segura, ligo a tv e vou me arrumar para o trabalho de logo
mais.
Todos os dias sigo a mesma rotina – acordo, ligo todas as
luzes, deixo a tv falando sozinha e vou me arrumar – às vezes me
sinto patética por fazer isso, mas enquanto não tenho a certeza de
que estou sozinha, não consigo fazer nada. São anos com os
mesmos tormentos, o medo parece aumentar de tamanho conforme
o tempo se passa e meus pesadelos me torturam de maneira
insuportável.
Apanho minha bolsa depois de estar pronta e olho para tv, o
jornal AS da manhã - o mesmo em que trabalho - está falando sobre
a crise econômica em que estamos passando. Por esse motivo,
Kharkiv sofre pelo crescimento da criminalidade por conta da
pobreza e falta de oportunidades. Pessoas cada vez mais jovens se
tornam bandidos e traficantes, o único jeito que encontram de
ganhar dinheiro.
Sobressalto de susto ao escutar um estrondo de porta
batendo, gritos vem logo em seguida, meu vizinho bêbado acabou
de chegar em casa depois de uma longa noite de bebedeira e não
foi muito bem recebido pela esposa. Paro de prestar atenção na
briga e volto para tv, que agora falasobre o presídioColony 100, um
lugar para criminosos de alta periculosidade e reincidentes.
Sem querer mais ver, troco de canal deixando no de desenhos
animados e saio de casa, trancando todas as janelas e a porta. A tv
permanece ligada, olho pelo corredor vazio e escuro, aqui vivem
pessoas de classe baixa, por isso é normal esbarrar com bêbados,
ladrões e até mesmo prostitutas. Infelizmente foi o único lugar que
encontrei onde meu salário de colunista consegue cobrir.
Coloco as mãos nos bolsos do casaco e saio do prédio, a
estrutura é muito antiga, dando um ar estranho devido à falta de
manutenção. O vento gelado bate em meu rosto, estremeço de frio.
O céu está nublado e garoa, deixando o ar úmido e nada atrativo.
Um carro estaciona rente à calçada, analiso com atenção,
achando estranho um veículo de luxo em um lugar tão pobre.
Balanço a cabeça quando a motorista desce e me olha com um
sorriso escancarado.
— Tu gostaste? — Pergunta, se aproximando.
— É seu? — Arqueio uma sobrancelha, Gana ergue as mãos e
gira, rindo.
— Eu ganhei! — Seus olhos astutos me encaram, brilhantes.
— Sério?
— Creio que sim... — Ela franze a testa, se divertindo com
minha incredulidade. Meus olhos descem por seu corpo curvilíneo,e
me pergunto como ela consegue usar essas “minis” roupas em um
frio insuportável.
— Me conte a história — peço, ela tira seus cabelos
avermelhados do rosto e coloca as mãos no peito.
— Sabes o quanto sou esforçada,certo? Pois bem, há mais ou
menos uns dois meses venho investindo em um cliente rico, ele
gostou dos meus serviços e começou a me presentear, até que
ontem apareceu com esse carro.
— Ele te deu? — Gana assente, cheia de entusiasmo.
— O que achas? — Analiso o Audi A3 de luxo prata.
— Bonito, mas... não é perigoso deixá-lo aqui? — Ela
comprime os lábios, olhando desanimada para seu carro. — Não
temos garagem e... se você vender, poderá encontrar um lugar
melhor para morar.
— Tu queres que eu venda o xoxo? — Seus olhos
esbugalham, dou de ombros, porque é uma opção a se pensar, pelo
menos eu faria isso.
— Creio que nomeou o carro de xoxo, então não pretende
vender?
— Não pensei nisto — diz um pouco decepcionada. — É meu
primeiro carro...
— Ele te deu os documentos? — Gana inclina a cabeça para o
lado, seus olhos claros se fixam nos meus.
— Não, achas que é necessário? — Faço uma careta, não sei
porque ainda me surpreendo com a ingenuidade de Gana, coloco
sempre a culpa na falta de estudos e da pobreza que a levou a se
prostituir.
— Como vai provar que o carro é seu?
— Acho que deixei esse detalhe passar.
— Se seu cliente te deu esse carro de verdade, ele deve te
entregar os documentos em seu nome, provando que é proprietária
do veículo, ou então quando menos esperar, ele irá tomar seu carro
e você não poderá fazer nada. — Ajeito minha boina, sentindo raiva
de ver Gana ser enganada outra vez.
— Oh, é muita informação,mas não te preocupes, Yevhen não
faria isso comigo.
— Tem certeza?
— Sim! — Gana sorri e estende a chave. — Passarei o dia
dormindo, não poderei vigiar o carro enquanto ficar aqui fora, por
isso quero que tu o leve contigo, assim poderei ficar tranquila. —
Ergo as sobrancelhas. — Confio-te, somos amigas.
— Okay! — Pego a chave com a mão enluvada, Gana solta
um pulinho animado, fazendo barulho com seu salto alto.
— Sei que xoxo estará protegido no estacionamento do jornal,
confio em ti também. — Assinto de leve. — Adeus Laura, bom
trabalho.
— Descansa — me despeço, assistindo-a andar em direção ao
nosso prédio, a polpa da sua bunda está exposta, já que seu short é
um cinto e não consegue cobrir.
Volto a olhar para o carro um pouco alegre por me livrar da
superlotação dos ônibus, é sempre exaustivo. Me acomodo no
banco, ligo o ar quentinho e suspiro.
Conheço Gana desde que me mudei, acho que sou a única
que conversou com ela sem a julgar. As moradoras daqui não
gostam nem um pouco dela, primeiro por ser muito linda, e segundo
por ser prostituta. Acreditam que Gana é um perigo para seus
maridos, apesar de ela nunca ter paquerado nenhum dos
moradores, receio fica impregnado cada vez que o nome dela é
citado.
Nossa amizade cresceu de forma natural, Gana respeitando
meu espaço, sabendo que nunca poderá chegar tão perto, e eu sua
escolha de vida. Cada uma de nós tem um passado que nos
assombra, deixando os outros verem apenas o que queremos. Por
esse motivo que acredito que houve essa ligação entre nós.
Estaciono o xoxo numa das vagas, inspiro fundo criando
coragem para enfrentar o frio e saio do carro, ando apressada em
direção ao prédio da AS jornalismo.
Dou bom dia ao segurança e entro no elevador, alguns dos
meus colegas de trabalho entram comigo, aceno com a cabeça de
leve por não ser muito íntima deles. Quando chego na minha
cabine, tiro meu casaco, luvas e a boina, ligo o computador e olho
em volta.
— Estás bem? — Encaro Aksinya, que acabou de chegar.
— Estou e você?
— Parece que não descansei nada, sinto-me esgotada. —
Reclama. — Você terminou seu artigo?
— Quase!
— Pareceste eu... — Murmura, se jogando na cadeira. —
Andry deveria nos dar um aumento, somos escravas deste lugar.
— Sabes que este é um pedido em vão. — Yaroslav se
intromete quando chega, seus olhos escuros se encontram com os
meus. — Andry prefere morrer do que nos dar aumento.
— Somos escravos... — Ela choraminga, ligando seu
computador, Yaroslav ri baixinho, indo para seu lugar de trabalho.
— Não posso reclamar, poderia estar pior. — Digo, borrifando
álcool na minha mesa.
— Ou estaríamos melhores. — Retruca Justik, meu colega de
cabine.
— Bom dia Justik, espero que tenhas aproveitado tua festa.—
Alfineta Aksinya, lançando um olhar nada amigável em sua direção.
— Festa? — Justik se faz de desentendido, ignorando-a.
Balanço a cabeça, esses dois ficam o tempo todo se cutucando, só
estão em paz quando a boca de ambos está grudada uma na outra.
— E lá vamos nós! — Resmunga Yaroslav, olho para ele e
reviro os olhos, ele retribui o gesto com diversão.
Me desligo total quando focoem terminar o artigo sobre a mais
nova marca de cosméticos que chegou na Ucrânia. Escrever é uma
das minhas paixões, a sensação de estar colocando as palavras no
papel é gratificante, me ajuda a esquecer do mundo lá fora e dos
meus tormentos.
— Laura? — Ergo meus olhos. — Pode ajudar-me? — Os
cabelos loiros de Aksinya estão presos em um coque bagunçado,
seu rosto está um pouco contorcido de frustração.
— Com o quê?
— Com meu artigo, você leria para dizer-me se está aceitável?
— Me envie, Aksinya! — Sorrindo, ela volta ao seu trabalho,
recebo seu e-mail e começo a analisar seu artigo, que por sinal está
maravilhoso ao relatar com perfeição a negligência que os asilos
estão sofrendo. Foram dias de árdua pesquisa, coletando
informações para chegar ao máximo de perfeição.
— Como estás? — Pergunta Justik, por cima da minha cabine.
— Ótimo como sempre. — Respondo, erguendo o polegar em
sinal de positivo para ela.
— Hum... — Murmura, voltando para seu lugar.
— Obrigada, Laura! — Ela agradece, olho para minha mesa e
encaro a foto da minha mãe, meu peito aperta de saudades, queria
poder estar ao seu lado agora, lhe abraçando.
Muitas vezes ao longo de todos os dias me pergunto o que eu
fiz de errado, ela deveria estar ao meu lado, afinal, sou sua filha,
mas não foi bem assim. Ela preferiu viver no inferno, se iludindo
com a mentira e colocando toda a culpa em mim. Eu queria apenas
que ela me defendesse, me protegesse, evitando que minha
inocência fosse arrancada de forma monstruosa.
Limpo a garganta, evitando que as emoções tomem conta de
mim, não sou mais aquela menininha de antes, agora sou uma
mulher e capaz de fazer minhas próprias escolhas, sejam as mais
duras. Sou dona de mim e nada me fará mal, a não ser ele...
— Laura? — Sobressalto ao ser arrancada do devaneio. —
Andry deseja vê-la. — Informa Ekaterina, secretária do meu chefe,
assinto já me levantando.
— Boa sorte! — Yaroslav deseja, nunca é bom ser chamado
por ele, pois quando não é bronca, é mais trabalho.
Ekaterina abre a porta para mim, entro no escritório um pouco
nervosa e me sento na cadeira à sua frente. Andrey, um homem
alto, pouco acima do peso e olhos escuros, me encara com cuidado,
avaliando-me com atenção. Ele coloca as mãos entrelaçadas em
cima da mesa de forma tranquila, deixando-me mais nervosa.
— Laura, precisarei de você. — Como disse, vir aqui é sair
sobrecarregado de mais trabalho. — Zhdana teve que se ausentar,
acabou deixando seu trabalho pela metade e como você é uma das
melhores colunistas website que tenho, escolhi você para substituí-
la.
— Posso recusar? — Ele fica me encarando sem dizer nada
por alguns segundos.
— Se quiser ser demitida, acredito que sim. — Aperto meus
lábios e assinto.
— Como será?
— Zhdana conseguiu uma entrevista exclusiva no Colony 100.
— Enrijeço. — Ela iria entrevistar Ruslan Rotam, parte do artigo
dela está pronto e assim você saberá o que deverá ser feito.
— Quem é Ruslan Rotam? Um dos guardas do presídio? —
Pergunto, nervosa.
Andry fica me olhando, começo a balançar minha perna
esquerda, seu olhar me diz que não é um guarda, que é um homem
muito além disso, meu medo se torna realidade quando meu chefe
revela a verdade.
— Ruslan Rotam é considerado um serial Killer, Laura. —
Choque espalha por meu corpo, não irei conseguir fazer essa
entrevista, não quando tenho medo de... — O que há de errado? —
Andry pergunta, mas não consigo me mexer. — Laura?
— É... — Limpo a garganta, tentando controlar meus nervos.
— Eu não posso...
— Não te preocupes, ao seu lado estará os guardas, ele não
lhe fará mal.
— Não é isso... — Umedeço os lábios, penteio meus cabelos
castanhos e desvio do olhar preocupado do meu chefe.
— A entrevista é amanhã, sei que é fora da sua zona de
conforto, mas será uma experiência nova. — Ele coloca um pen
drive em cima da mesa. — Aqui estão todas as informações que
necessitas, confio em ti.
— Certo! — Murmuro sem dizer mais nada, pego o maldito pen
drivecom as mãos trêmulas e saio. Preciso desse emprego e sei o
quanto Andry pode ser frio ao decidir que não quer mais alguém
trabalhando com ele.
Vou direto para o banheiro, jogo água em meu rosto me
acalmando... me controlando. Só de imaginar aqueles guardas me
olhando, aqueles detentos esfomeadospor carne nova... estremeço,
limpando minha mente dessas imagens sujas que me assombram.
Me encaro através do espelho, meus olhos azuis estão
espantados, estou pálida e apavorada, não sei se terei coragem de
enfrentar algo assim, sei que alguma coisa vai acontecer, não é de
hoje que tenho esse pressentimento. Algo ruim se aproxima, estou
com medo e sozinha, não sei se serei capaz de lidar com tudo mais
uma vez.
Fecho meus olhos, inspiro fundo acalmando as batidas
incontroladas do meu coração, tentando colocar meus sentimentos
em ordem. Preciso me preparar para o que vier, sei que serei capaz
de enfrentar mais esse obstáculo... Sou forte, independente do que
tenha passado, eu vou conseguir vencer mais esse desafio que
colocará à prova as muralhas que construí a minha volta.
Volto para minha cabine depois de meia hora tentando me
acalmar, meus batimentos continuam acelerados e minhas mãos
geladas. Pela forma que meus colegas estão me olhando, é
provável que eu esteja pálida também.
— Estás bem? — Pergunta Aksinya com a testa franzida.
— Sim. — Respondo me sentando e encarando o pen drive.
— Não é o que parece. — Olho para Justik. — Chefe lhe deu
mais trabalho?
— Andry me deu o artigo da Zhdana, disse que ela teve que se
ausentar.
— Creio que tenha sido demitida. — Yaroslav fala, enrugo
meus lábios.
— Mas qual será a reportagem que tu deves fazer?— Aksinya
cruza os braços, curiosa para saber.
— Entrevistar Ruslan Rotam. — Eles ficam mudos, assombro
transluz seus olhos, acho engraçado a reação deles.
— Sério? — Assinto para Justik, ele passa as mãos em seus
cabelos loiros.
— Pelo visto vocês sabem quem é.
— Sem dúvidas! — Murmura Akinya, rodando a caneta em
seus dedos.
— Me expliquem.
— Como já deve ter descoberto, Ruslan é considerado um
serial Killer, ele matou mais de 20 mulheres há 14 anos atrás. —
Justik conta, ele arrasta uma cadeira e se senta mais próximo,
evitando me tocar. — As motivações foram fúteis, nada que
justificasse assassinar uma pessoa, acredito que ele gostava de
perseguir e matar de forma violenta essas moças. Ele tinha um
padrão, mulheres lindas era um deles, sempre deixando os rostos
delas desfigurados. — Engulo em seco, digito seu nome no google e
sua foto estampa minha tela, fazendo meu coração saltar
.
— Então o condenaram? — Pergunto sem desgrudar meus
olhos do garoto à minha frente.
— Pena perpétua e foiconsiderado o homem mais perigoso da
Ucrânia. — Yaroslav diz.
— Terei que entrevistá-lo amanhã... — Murmuro para ninguém
em específico. — Estarei à frente de um assassino de mulheres...
— Não penses demasiado nisso. — Aksinya tenta me acalmar.
— Vai dar tudo certo!
— Ele estará com guardas, algemado e dentro de uma cela,
vão manter a distância porque Ruslan é perigoso. — Diz Yaroslav.
— Você já fez alguma entrevista assim? — Pergunto a ele por
ser o colunista mais antigo daqui.
— Quando entrei, trabalhei ao lado de uma jornalista criminal,
vi muitas cenas de crimes, fazer entrevista com criminosos é normal
na rotina de quem trabalha nessa área. — Ele me lança um sorriso
tranquilizador, voltando para sua cabine.
Inspiro fundo,plugo o pen driveno computador e começo a ler
o artigo incompleto feito por Zhadana. Nele estão todas as
informações referentes ao passado de Ruslan, sua idade, as
mulheres que assassinou, fotos das cenas do crime, sua famíliae
muito mais do que sou capaz de suportar.
Passo o dia pesquisando sobre ele, tentando entender o que o
levou a assassinar brutalmente essas mulheres que tinham famílias,
namorados e até filhos. Ruslan se declarou inocente de todas as
acusações, assisto o vídeodo seu julgamento, o desespero é visível
em sua expressão, ele era apenas um garoto cheio de vida.
Sinto meu peito apertar quando ele chora de angústia ao ser
sentenciado à pena máxima. De acordo com as leis Ucranianas, a
prisão perpétua é de fato “perpétua”, os prisioneiros nunca mais
saem, ficam trancafiados até morrer. A Ucrânia não revê esses
casos depois da sentença final, as chances de condicional é zero.
Fico encarando seus olhos, pesquiso mais sobre ele, mas nada
encontro, apenas fotografias de 14 anos atrás.
Estaciono o xoxo em frente à entrada do meu prédio,
reparando olhares de moradores suspeitos em minha direção. Gana
terá que tomar muito cuidado em relação a esse carro para não ser
roubada. Espero alguns minutos, olho para o lado quando ela bate
na janela.
— Estou contente por ter cuidado do xoxo. — Diz quando
desço e lhe entrego a chave.
— Peça os documentos, Gana.
— Pode deixar — fala entrando no carro.
Se ela estiver mesmo com o pensamento de deixar xoxo
comigo durante o dia, sendo que ela trabalha a noite toda, será uma
boa alternativa para evitar que fique estacionado aqui por muito
tempo.
Me despeço e entro, quando chego no meu apartamento, colo
os ouvidos na porta, prendo a respiração e aguço minha audição.
Ao fundo, com um som abafado ouço conversas, músicas e
barulhos, suspiro fundo e abro a porta, olhando direto para a tv
ligada, nela está passando o desenho de Tom e Jerry.
Tranco a porta e caminho pelo meu apartamento, olhando por
debaixo da cama, dentro do banheiro, em todos os lugares onde
uma pessoa possa se esconder. Meu estômago ronca de fome, tiro
o casaco, minhas botas e vou para cozinha preparar um sanduíche
sem conseguir tirar o dia de hoje da cabeça.
De todas as formas que tento me acalmar, fico ainda mais
nervosa. Entrevistar um criminoso é me colocar perto do meu
passado. Calafrio percorre meu corpo, sento-me no sofá e observo
Tom implicar com Jerry. Apesar deles se odiarem na maior parte do
episódio, no fundo existe uma paixão platônica entre eles.
Às vezes sinto falta de ter alguém ao meu lado, que possa me
entender, mas o fato de sempre estar sozinha é que não confio em
ninguém, sinto como se a qualquer momento irão me fazer mal. Eu
tento me aproximar ou deixar que se aproximem, entretanto, o medo
de ser ferida é maior que eu, por isso opto em permanecer sozinha.
Meu coração aquece quando o desenho Coragem, o cão
covarde começa a passar. É um dos meus preferidos. Em meio ao
medo e assombro das coisas bizarras que acontecem na sua vida,
Coragem luta com unhas e dentes para proteger sua dona.
Meu maior sonho é que um dia eu possa ser protegida assim
como Muriel é. Ela não fazideia da sorte que tem por ter alguém ao
seu lado que está disposto a morrer por você. Me imagino dentro do
desenho, agora sou a Muriel e não a Laura, porque só assim
consigo me sentir amada e cuidada por alguém que nunca irá existir.
tivemos que passar até chegar aqui, e esse não é o nosso fim, mas
[5]
Borsch é uma “sopa” de vegetais de beterraba como ingrediente
principal. Os Ucranianos não se referem a borsch apenas como sopa, mas como
uma das mais importantes entre as refeições.
[6]
Kompot é uma bebida não alcoólica originária da Rússia, mas popular
na Europa de Leste, que se prepara cozendo frutos, frescos ou secos, em um
grande volume de água.
[7]
É um bolinho de massa feita de água, sal e trigo, recheado com carne,
purê de batata e muitos outros. É um prato muito comum no dia a dia Ucraniano