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BURNT
1ª Edição
REVISÃO
Bárbara Pinheiro
CAPA
LA Criative
DIAGRAMAÇÃO DIGITAL
AK Diagramação
Agradecimentos
Spotify
Epígrafe
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Epílogo
Cartaaosleitores
Este livro não é um dark romance, porém, pode conter gatilhos.
Há violência física, psicológica e sexual. Caso não se sinta confortável com o
que é contado aqui, não leia.
Eu dedico este livro à Inaiã, por ter ficado ao meu lado na hora de
embarcar em uma nova jornada.
Ao Kodiak por ter sido a primeira pessoa que conheceu Regan e seu
passado obscuro.
Stev
no SPOTIFY
NEWSLESTTER
Pedi um amor e ele me deu um bolo mofado.
— Isso é amor.
— Talvez.
Lembrei que não sabia cozinhar e levei o bolo para a casa. Primeiro
tentei tirar tudo que se movia na cobertura, mas era impossível. Me contentei
em raspar o mofo, fechar os olhos e engolir uma garfada.
Vomitei.
Dormi com o estômago roncando e acordei com dor de barriga dos
infernos. Não saí de casa nos próximos três dias: sem amor, não tinha
vontade de tomar banho nem de escovar os cabelos. Não queria olhar o céu e
nem os olhos das pessoas. No quinto dia sem amor, não quis abrir as
pálpebras muito menos as janelas da casa.
estômago reclamou, mas não devolveu. O intestino resolveu não opinar. Fui
dormir indigesta e ao mesmo tempo aliviada. Pela manhã, as maquiagens do
banheiro voltaram a fazer sentido. As roupas no chão pediram para serem
penduradas. A maçaneta da porta pedia para ser girada e eu obedeci.
A cada passo, sentia o estômago revirar, mas também sentia que estava
viva. Segui na rua disfarçando uns arrotos enquanto olhava vitrines.
Ele não pareceu tão ruim quanto no dia anterior. Na verdade, olhando
de lado nem dava para ver a parte feia. Segui comendo o bolo, segui com o
estômago revirado e mais importante: segui com vontade de entrar no ônibus
e pagar minhas contas.
Preocupada, fui até ele pedir mais amor. O bolo que ele me entregou
estava coberto de moscas.
— Está fedendo demais — comentei.
— É o que eu tenho.
Não consegui colocar sobre a mesa da sala, já que atraía mais moscas.
Botei dentro do forno e cortei uma fatia: o cheiro era insuportável. Tapei o
nariz aproximei o garfo da boca, tentando não mastigar as moscas mortas.
Sabendo que não poderia ficar sem amor e nem me livrar de todos os insetos,
— Eu chamo de amor.
eu já não sentia mais gosto de nada. Tomei outra colherada à noite, para
garantir que iria ter vontade de tomar banho e sair com meus amigos.
A febre voltou.
A garganta inchou.
trazia um prato com uma espécie de massa branca. Leve, limpa, tinha cheiro
de primavera.
Natália Nodari
“Belo silêncio, bela dor
Nós somos apenas humanos
Estamos destinados a sonhar
Perdido em uma vida cheia de erros
Fazemos o que parece certo
E então caímos sem graça”
DEVIL ON MY SHOULDER, FAITH MARIE
Aprendi que, se algum homem levantasse a voz para mim, era para eu
ir embora. Mas quando aconteceu, eu não fui.
Quando Nicolas gritou comigo, até pensei em largar tudo, mas com
uma maestria sem fim, ele me convenceu de que a culpa era minha. Que me
amava demais e não queria que eu cometesse mais erros.
Ainda mais ali, com a arma contra a minha cabeça naquele beco escuro,
com o cheiro de suor exalando forte misturado ao odor do álcool e o calor do
corpo dele entre as minhas pernas.
O plano era sairmos para encontrar com um casal de amigos, mas ele
chegou completamente alterado. Se eu soubesse o final daquele dia, eu não
teria brigado, não teria descido do carro no meio da avenida. Não teria
provocado.
— Nicolas, por favor, não faça isso — pedi, dócil, esperando que ele
me atendesse, enquanto sentia o cano da Glock que ele tanto exibia pelas ruas
contra o meu couro cabeludo.
coragem, mesmo que revestida de medo, a dor de tê-lo dentro de mim, sem
cuidado e sem vontade.
gemidos dolorosos, mas Nicolas não parou. Cada pequeno protesto meu,
mesmo que fosse um soluço, fazia aquilo ser ainda mais prazeroso para ele.
Deve ter sido por isso que ele abaixou a arma, e eu chorei de alívio, conforme
sentia minha alma sair do corpo gota a gota, como se eu fosse um recipiente
quebrado, não conseguindo segurar o último gole de esperança, de força. Do
que restava de mim.
perguntando como eu podia ser violentada daquela forma pelo homem que
jurou que sempre cuidaria de mim.
Isso pareceu ser interessante demais para que ele me deixasse em paz.
Nicolas veio até mim e se abaixou, me encarando, curioso.
— Eu o quê?
Eu o amei tanto, dei tudo de mim, e mesmo ele levando mais que o
permitido, nada era suficiente.
Seu tom de voz era frio, como se tentasse me hipnotizar, como já havia feito
tantas vezes antes.
meu amor, prometo que não farei mais, se você for obediente. — E mordendo
meu lábio inferior, a ponto de sangrar, Nicolas me pegou pelo braço, com
tanta força que eu tinha certeza de que ficaria marcada, me colocando de pé,
ele suspirou. — Agora, vou te levar para casa. Você não pode aparecer assim
na frente dos nossos amigos.
Não sabia como ir embora, porque parecia que Nicolas havia pegado
tudo de bom em mim e queimado, junto de qualquer esperança de algo
melhor.
“Perseguido pelo Sol
Escapando da morte
Sonhos são uma maldição
Acorde, você está vivo”
DEVIL ON MY SHOULDER - FAITH MARIE
Desisti, porque sabia que não daria em nada, que eu poderia ser a
estatística do dia seguinte, estampada nos jornais como vítima de feminicídio.
como eu poderia sair daquilo já que, como se fosse mágico, Nicolas me fazia
esquecer de todos os problemas quando estávamos frente a frente.
— Helena? Está tudo bem? — Meu tom era alerta. Ela nunca tinha me
ligado tão tarde antes.
— Sarah, você está no trabalho? — Senti algo diferente em sua voz.
cama.
— Ah, olha, que se dane… Eu gosto muito de você para deixar isso
continuar a acontecer. Estamos aqui na rua do seu trabalho, naquele pub
irlandês do outro lado da rua, sabe?
— O O’Malley’s?
— Isso. E, Sarah, eu sinto muito, mas seria bom se você viesse ver com
seus próprios olhos o que Nicolas está aprontando… Eu não consigo ficar,
meu turno começa em quinze minutos, mas você deveria vir.
meu pai.
— Boa noite... — falei, baixo, precisando limpar a garganta por ver que
a voz estava embargada. — Pode seguir, sim. Quanto mais rápido, melhor.
— Oi?
Pisquei algumas vezes e fiz que sim com a cabeça, olhando para a
bolsinha azul-claro que ele indicou. “Vai ficar tudo bem” estava escrito do
lado de fora dela em uma letra divertida e eu quase ri, vendo que dentro
tinham alguns lenços, chocolate e aspirinas.
difícil. Eu sei que não é muita coisa, mas é minha forma de dizer que isso vai
passar.
passando por uma fase ruim, mas as palavras pareceram ficar presas na minha
garganta
— Às vezes, a vida bate na gente. Tem horas que tudo parece um beco
sem saída, mas nunca se esqueça de que a sorte sempre está ao nosso lado e
ela costuma sorrir para quem está disposto a acreditar.
Abri a porta do carro, pronta para descer, mas antes dei uma última
olhada no senhor à minha frente. Coloquei a mão em seu ombro e dei um
aperto leve.
— Obrigada por ser uma das últimas pessoas decentes neste mundo.
liguei.
Fiz aquilo por todos os anos de abuso, por todas as vezes em que saí
roxa de alguma discussão idiota. Fiz por todo o amor que dei, toda a fé que
depositei, toda a esperança que desperdicei, sabendo que nunca recuperaria
nada aquilo.
Nicolas tirou a garota de cima de seu colo, como se ela não fosse nada,
seus olhos escuros sobre os meus fizeram meu cérebro brilhar em vermelho,
avisando que eu tinha feito merda, mas eu não me importava.
Queria que ele me batesse, queria que fosse público dessa vez, porque
me veriam revidar como nunca.
A mão dele veio rápido, o soco atingiu meu peito e eu voei para trás,
caindo no chão, sabendo que aquela seria a última vez que ele me
machucaria.
— Sua louca! — ele gritou. — O que pensa que está fazendo? Quem
você pensa que é para vir aqui e me bater na frente de todo mundo? — O
olhar dele, cheio de raiva, fez com que alguns amigos se levantassem, mas
como o bando de covardes que eram, ninguém se meteu. Ninguém nunca se
metia.
— Louca? É isso que você acha que eu sou? — Tentei segurar o choro.
— Cansei disso, Nicolas. Cansei de ser tratada pior do que as putas com
quem você me trai! Cansei de ser babá de um homem escroto igual a você —
falei, me levantando, conforme esfregava onde ele havia me acertado.
Era incrível ver o quão podre ele era. A vergonha dele não era por ser
descoberto e, sim, por ter que passar por aquilo na frente dos amigos…
— E você acha que você é o quê? Nem para ser puta você serve. — O
tom cheio de maldade estava lá. — Você é fraca, triste e infeliz, Sarah. —
Aquilo doeu. — Você não merece que eu te ame. Se eu te traio, a culpa é sua.
É porque você não é mulher o suficiente para mim. — Ele deu um passo na
minha direção. — Agora, você acha que pode vir até aqui, me atrapalhar na
minha noite com os amigos e bater em mim, assim? Não...
E eu não tive medo. Pela primeira vez, em anos, eu não senti medo.
Não senti um pingo de dó. Queria que ele sentisse como era mexer com
alguém do tamanho dele, forte o bastante para devolver cada um dos tapas,
socos e chutes que ele já tinha me dado.
— Geralmente, eu sou muito pior com filhos da puta como você, mas
hoje é meu aniversário e não quero acabar preso por matar um covarde. — O
sotaque dele era forte e eu pensei em agradecer enquanto carregavam Nicolas
para longe.
Pádraig, o antigo dono do The Crow, e ele foi até os malditos trinta e três.
É, eu não fazia ideia do que estava fazendo com a porra da minha vida.
Um homem como eu, deveria comemorar chegar vivo nessa idade, mas
estava do outro lado do mundo, sozinho. Não tinha mais meus companheiros
ao meu lado, não tinha nenhum irmão aqui, além dos que vinham através do
dinheiro... Nesse país de merda não tinha nem a porra de uma cerveja
decente. Tudo o que eles conheciam era essa merda de suco de milho em
latas.
Suspirei, saudoso.
Achei que encontrar um pub irlandês naquela noite era parte dessa
sorte. Poder falar minha língua, com a chance de alguém entender e ter a
oportunidade de tomar um copo de uísque decente, era mais que o suficiente,
Não sei.
Não teria feito nada diferente, não teria me esquivado do que o destino
volta, sabendo que quase nenhuma daquelas pessoas sequer tinham pisado na
Irlanda e eu estava tentando me enganar, mais uma vez. Na verdade, olhando
para a cara deles com mais atenção, tinha certeza de que nenhum deles
aguentaria uma verdadeira briga de bar.
Foi automático.
Quando me vi, já estava lá, arrependido por não ter meu soco inglês no
bolso, batendo no desconhecido.
e tentei me recompor, desviando o olhar para o bar, sabendo que nunca mais
conseguiria tirar aqueles olhos da minha mente.
— Eu não ia permitir que ele te batesse... Pelo seu rosto, não parece ser
a primeira tentativa, certo? — A mão dele veio para erguer meu queixo de
forma tão natural que não me afastei. — Quer ir embora? Posso te dar uma
carona.
— Uma tequila. Deixa a garrafa por perto, por favor — pedi, ajeitando
o casaco que ainda estava úmido no corpo.
riu.
— Eu sei. Ele deve ter sido muito filho da puta pra você perder a mão e
vir até aqui confrontá-lo.
— E você? Costuma entrar em muitas brigas? Foi por causa disso que
ganhou esses dentes de ouro? — Tentei fugir do assunto, não queria ficar
mergulhada no que havia acabado de acontecer, e virei a segunda dose da
tequila, tomando cuidado de me servir sozinha dessa vez, já que a garrafa
estava perto.
— Meu Deus, como você consegue beber esse uísque ? — Meu corpo
— Ela me expulsou de casa quando viu. — Seu tom de voz era tão
relaxado, que nós dois caímos no riso.
sei o nome? — Minha fala era mais lenta e, aos poucos, fui me dando conta
do quão bonito ele era.
Sem esperar, tirei a mão da dele e me virei para o balcão, virando mais
uma dose de tequila
Não era inglês e parecia que eles brigavam, mas graças as risadas que
eles davam, entendi que estava tudo bem.
àquela noite.
tom sombrio.
— Você não está mal como eu, certo? — comentei, meio mole,
— Que bom, porque, se eu beijar você agora, pode ser que eu esqueça
pela manhã e você não, então... — Coloquei as mãos em volta de seu pescoço
e encarei seus olhos, confirmando o quão cinzentos eles eram. — Você se
apaixonará por mim para sempre, irlandês.
— Não sabe a merda que está dizendo, Sarah. — Desafiada por aquela
fala, encurtei nossa distância, ficando na ponta dos pés e, antes que ele
pudesse fugir, ainda com os olhos nos dele, coloquei as mãos em seu rosto e
o puxei para mim. Beijando Regan como tive vontade por toda aquela noite.
Houve alguma demora para ele reagir, mas logo nossas línguas se
tocaram e o gosto da bebida em sua boca invadiu a minha, fazendo todo o
meu ser queimar.
Droga.
fato, acordar.
Abri os olhos com dificuldade e olhei para baixo, devagar, por conta da
dor de cabeça e, por um segundo, não reagi, mas foi só me dar conta de que
estava de calcinha e sutiã, que levantei num pulo.
— Puta que pariu! — xinguei, com medo do que podia ter acontecido
na noite passada.
O mundo girou, minha cabeça doeu, meu corpo todo estava dolorido.
Me apoiei na mesa de cabeceira, para não ir de cara no chão, e cambaleei até
a janela, puxando a cortina para tapar a luz que entrava pela fresta dela,
depois de conferir o céu cinzento.
Ok, não houve transa, houve ressaca e pedaços de memória que me faltavam.
Eu estava inteira, tinha, mesmo, muito orgulho de ter enfrentado meu, agora,
ex-noivo, na noite passada… É… Não era tão ruim, mesmo que a dor de
cabeça forte me fizesse ver tudo escuro e minha boca tivesse um gosto
metálico horrível.
Sentei na cama, enquanto meu corpo entendia o que era para cima e
para baixo. Controlei os tremores e as ânsias de vômito e decidi que, para
começar bem o dia, eu precisava de um copo d’água e um analgésico dos
mais fortes.
Levantei, tateando até achar meu roupão, me vesti e fui como se fosse
uma senhorinha, encolhida e gemendo, até a porta do quarto. Foi nesse
momento, girando a maçaneta, que entendi que havia algo errado.
— Sabe, a Sarah sempre foi muito arteira na infância, teve uma vez
que, brincando com a filha da vizinha, ela se escondeu dentro da pia, acabou
dormindo lá e quando finalmente acordou, eu já tinha chamado a polícia e
tinham duas viaturas aqui na porta. — O som da risada inconfundível da
minha mãe preencheu o ar, acompanhada de outro riso, masculino, forte, e o
Respirei fundo algumas vezes, tomando coragem para lidar com meus
Achando que meu plano daria certo, girei a maçaneta e saí lentamente
da minha caverna, tentando não desmaiar por conta da claridade no resto da
casa, lembrando que, antes de falar um A, perto de qualquer pessoa,
Sem pensar duas vezes, peguei a escova e joguei na lixeira, lugar que o
dono dela deveria passar o resto da vida, se possível atolado em um monte de
papel sujo de cocô. Aquilo, por mais infantil que parecesse, me fez sorrir
enquanto escovava os dentes.
Infelizmente, a seriedade não durou muito, tudo por culpa da cena que
encontrei quando cheguei à cozinha.
Precisei de alguns segundos para minha ficha cair. Não era um sonho.
Realmente acontecia e aquele homem, que tinha surgido tão de repente como
um anjo da guarda, agora era um problema.
Regan era mais bonito do que a visão que gravei dele na minha mente.
O avental batia pouco abaixo de sua cintura já que ele era muito mais alto que
minha mãe. Suas costas eram cobertas de tatuagens, como eu já tinha
imaginado, e a prova de que o soco que ele havia dado em Nicolas devia estar
doendo até agora, era o tamanho daquele homem. Regan era forte, do tipo
que parece se dedicar ao corpo, criando músculos definidos.
parede, pensando no que falar. Não tinha nenhum texto pronto na minha
mente e, mesmo que a intenção de agradecê-lo e pedir para ir embora tivesse
caminhado comigo pelo corredor, naquele segundo, a bendita havia fugido e
se jogado dentro da privada.
Queria entender quem ele era, por que tinha ficado, por que tinha se
importado e enxergado algo de errado quando, por anos, ninguém, nem eu,
tinha feito aquilo.
presença ali.
— Acho que você bebeu demais noite passada, não é mesmo? — Não
neguei, mas também não me envergonhei. Eu era adulta e nada perfeita, um
escorregão vez ou outra ia acontecer, mesmo assim, quis me justificar, já que
minha mãe havia visto mais escorregões que o normal, nos últimos anos.
— Não precisa explicar, filha. Só que, você chegou aqui muito mal e
ele te carregou para dentro de casa, no colo, com o maior cuidado do mundo.
Parecia até aquela coisa de príncipe e princesa, sabe? — Me segurei para não
revirar os olhos. — É, pelo menos, foi o que pareceu, até você vomitar como
a menina do exorcista. Nele e em você.
— É por isso mesmo. — Rindo, ela entendeu o que quis dizer e não
negou.
Regan era bem bonito e muito bom de ser apreciado, eu não podia
negar, mas havia limite para tudo, inclusive, para aquela situação.
— Filha, Nicolas não vem aqui hoje? — minha mãe perguntou e, sem
tirar os olhos de Regan, que me encarou de imediato, parecendo esperar algo
de mim, respondi em alto e bom som:
— Terminei com Nicolas, ontem à noite, mãe. Ele não voltará aqui,
nunca mais.
A torrada que mordi estava temperadinha, mas algo nela fez o corte do
meu lábio arder e eu o toquei de leve, estranhando.
— Espero que não tenha exagerado na pimenta. Sua mãe disse que
você gostava, então usei.
— Bom, Regan foi muito gentil, mas agora fiquei curiosa. Se você
terminou com Nicolas ontem, como conheceu Regan? — mamãe perguntou,
como se as engrenagens de sua cabeça estivessem forçando além do limite
para encaixar as peças.
— Mas vocês não estavam no tal pub, que você me contou na noite
passada, Regan?
Encarei seus olhos cinzentos, sua barba bem desenhada, o meio sorriso
A conversa com Regan pareceu ficar mais leve depois daquilo e ele me
contou sobre como sua vida foi difícil, quase selvagem. Eu admiti que não
era fácil ser apenas minha mãe e eu, que meu pai não havia sido o melhor
exemplo de homem, mas que eu esperava que as coisas melhorassem depois
da faculdade.
mais um estágio ou vou esperar estar com a carteira da ordem na mão, para
tentar ser advogada júnior em algum escritório que me aceite. E vou
aproveitando para pegar mais turnos como bartender. Pelo menos, as contas
estão sendo pagas.
Minha surpresa foi olhar para a cadeira em que ela estava e encontrá-la
vazia.
Eu nunca mais deixaria Nicolas voltar para a minha vida. Nunca mais.
O calor dos dedos dele sobre minha pele causaram dentro de mim algo
que eu não sabia explicar. Era a sensação das amarras sendo soltas. De,
finalmente, erguer a cabeça e respirar ar puro em vez de continuar com a
cabeça dentro da caçamba de lixo, tentando acreditar que aquele cheiro era
normal.
— E mesmo que você não queira e não precise, pode contar comigo.
— Obrigada. — Pelo quê? Por me tratar como gente? Por ser gentil?
Por me enxergar? — Obrigada por tudo. — Foi o que consegui resumir.
— Prefiro você assim — ele comentou baixo, com a voz meio rouca.
— Sorrindo.
— Ní… reib on rudann, não foi nada — ela respondeu. — Falei certo?
— Quase, na verdade, errou por muito pouco, seria Ní raibh aon rud
ann. — A gentileza dele ao corrigi-la me deixou encantada.
— Ela arrasaria corações por toda Belfast, não tenho dúvidas — Regan
disse e tudo o que consegui fazer foi cair no riso junto deles.
Eu não podia negar, ele era simpático também. E parecia que a lista de
coisas boas a falar daquele homem só crescia.
— Adorei conhecer as duas, mas acho que está na minha hora. Tenho
que resolver umas pendências do trabalho — ele falou, depois de olhar seu
celular.
— Mas já? Não quer esperar a chuva passar um pouco, antes de ir? É
perigoso dirigir por aí, com esse tempo. — Quis rir por me sentir tão
constrangida. Nunca tinha visto minha mãe ter ficado preocupada daquele
jeito antes com alguém que não fosse da família.
As últimas semanas não foram fáceis, não tive cabeça para estudar
como precisava, e esperava que reler meus resumos e fazer mais um deles
pudesse me salvar.
— Ele tem razão, mãe. Eu realmente preciso estudar e Regan tem uma
vida para cuidar. Fique aqui, que vou levá-lo ao portão — disse, já fechando
melhor meu roupão, vendo minha mãe se despedir do visitante inusitado com
abraços e beijos, além de algo sussurrado no ouvido.
sorrindo.
— Espero que não tenha sido a única. — A fala direta fez minhas
bochechas arderem e eu lambi os lábios, não respondendo.
— Esse é mesmo seu carro? — Ele olhou da BMW para mim, confuso,
e confirmou com a cabeça. — Tem alguma vaga para vendedora nos seus
negócios? Advogar não vai me dar isso. — Ele riu.
Aceitei.
improvável.
E, sem dizer mais nada, ele acabou com a distância entre nós, me
A surpresa fez meu corpo esquentar dos pés até onde a boca dele
tocava, no alto da minha testa, de forma protetora e cuidadosa.
— Vai dar tudo certo — ela disse, antes de fechar a porta de novo e
voltar para a TV.
gritar minha liberdade, aquele foi o motivo de eu ter vestido o jeans justo que
marcava bem minhas curvas e a camiseta mais decotada. Não era nada de
mais, mas só por ver aquelas roupas na pilha que eu havia feito de roupas
proibidas, a sensação de vesti-las foi de respeito por mim.
Abri a foto do contato só para ter certeza e precisei admitir que estava
encantada demais por ele. Regan estava vestido em um terno justo, sentado
em uma poltrona com um charuto na boca. Ele parecia quase um mafioso,
sorrindo com os dentes dourados, assim como seus anéis, brilhando em volta
do copo que ele segurava.
Achei uma boa resposta e enviei, pronta para deixar para lá e colocar o
celular no bolso, quando vi o ruivo ficar on-line.
Droga.
“Por quê?”
“Porque aí vou saber se te convido para beber para
comemorar ou para lamentar.”
Não consegui evitar e abri um sorriso, feliz por ninguém poder me ver.
“Tenho um palpite.”
Fiquei alguns minutos sem digitar, pensando em como ele poderia fazer
aquilo e ele mandou logo em seguida.
“Perfeito.”
São Paulo tinha um trânsito caótico e, como se fosse uma prova de que
tudo podia piorar, com a chuva tudo se intensificava. Mesmo assim, no
caminho de casa, nada foi capaz de abalar meu bom humor. Pelo menos, eu
pensei que não fosse, até ficar preso no semáforo da maldita subida da
Avenida Doutor Arnaldo, a minutos do meu apartamento.
era, talvez, a prova de que minha vida precisava ser mais do que aquilo.
Talvez, aquela fosse a hora de seguir com o meu plano de chegar até o
próximo aniversário com vida.
Billy era um velho amigo das docas. Dois anos mais velho que eu, foi
criado na Escócia até seus doze, e apesar de odiar escoceses acima de —
quase — tudo, ele vinha sendo um bom cliente há tempos.
Consegui seu número novo graças ao seu último passeio. Brand é um velho
amigo.— A voz era aguda, de fala atrapalhada junto do sotaque escocês forte,
o que denunciava que ele estava começando a ficar bêbado.
— É que o GPS neste inferno de país não funciona direito, sabe como
é… Brand, o cara do bar? Ele falou sobre estar aposentado do I.R.A., não
achei que a rádio patroa de vocês estava ligada ainda. — Debochando, inflei
o peito e perguntei: — Do que você precisa?
— Eles vão pagar bem? Porque, caso contrário, não tenho nada a ver
com isso.
Dei uma última tragada no cigarro e segui lentamente pelo caos na rua,
conseguindo entrar no inferno cheio de buzinas que era a Avenida Paulista
naquele minuto, conforme aumentava um pouco o volume do rádio do carro,
afinal de contas, aquele não era o tipo de assunto que eu gostaria que alguém
pudesse ouvir.
Velhos hábitos nunca morriam.
— Vou fingir que não ouvi isso em consideração à nossa bela amizade.
— Em mais uma pausa dele, como se estivesse ao seu lado, sabia que ele
estava bebendo. — Ainda temos uma caixa fechada de M4 que sobrou do
último carregamento? Pega ela e pode pegar quantas caixas de 5.56 x 45 você
conseguir. Esses colombianos nunca foram bons de mira, vai ajudar em algo.
— Contando que você está em um país onde a libra está 6 para 1, acho
que cinco mil libras estão de bom tamanho. — A única parte chata de tratar
com Billy era essa. Ele era ganancioso demais, era por isso que quase
ninguém mais o atendia.
de novo. Ninguém faria o trabalho sujo para Billy com a mesma segurança
que eu, e eu não ia dar para trás na negociação do pagamento.
— Trinta mil libras parece um valor justo para mim — Billy disse,
sério, parecendo se forçar a ficar sóbrio naquele minuto.
metido a inteligente que queria torrar os bens antes do divórcio, e para minha
sorte ele havia acabado de pagar uma daquelas decoradoras chiques que havia
deixado o apartamento todo mobiliado e pronto para um homem morar.
Depois da boa foda, acho que o pagamento dela rir da cara do ex foi o
suficiente. Mas, mesmo com a quantidade de mulheres que entraram naquela
casa, nenhuma delas me fez ter vontade de proteger como a menina da noite
passada.
Vender armas não era o trabalho mais digno do mundo, mas foi o que a
vida me trouxe e sempre fui do tipo que faz o serviço direito. Ainda mais em
um ramo que só crescia.
A confusão nos olhos de Sarah quando entrou pela porta do pub deveria
ter sido meu alerta. Protegê-la, vê-la tentando se soltar das amarras com as
quais viveu presa, despertou algo em mim que eu gostaria muito de entender
para controlar, mas não dava. Não quando, de olhos fechados e tocando no
meu pau, eu pensava em seu rosto, seus olhos nos meus e sua boca macia
contra a minha.
“Vou balançar seu mundo, ruivo” — a voz dela naquela frase pareceu
tomar conta de mim e, me apoiando contra a parede, com o jato d’água
caindo sobre mim, gozei como a porra de um adolescente.
Eu precisava de mais dela. Queria entender sua vida, suas lutas, suas
motivações. Queria adentrar no mundo dela e descobrir mais.
De fato, a última coisa que eu esperava era ter problemas com o dono
do bar fofoqueiro, e o jeito mais claro de dar o recado de que não queria meu
nome circulando por aí era sendo direto.
O plano não era ser agressivo, mas sim ter um terreno neutro para
quando fosse necessário e assim que terminei o cigarro, forcei a entrada no
lugar e a porta se abriu. A surpresa pelo que vi foi bem escondida pela minha
expressão fechada.
— Olha aí, se não é o Lobo em pessoa — Thomas disse, assim que
entrei pelas portas do pub.
aparência selvagem graças ao seu cabelo escuro com laterais raspadas, tão
comprido quanto sua barba que ia até o peito, fazia qualquer pessoa que
cruzasse seu caminho se encolher.
Usando roupas de cor escura e uma camisa aberta, com suas correntes
de ouro à mostra enquanto fumava um charuto no balcão do bar, Thomas me
deu mais informações do que gostaria.
Ele também devia conhecer Brand, e Billy tinha feito seu trabalho mais
rápido do que eu, já que o garoto do transporte estava ali.
— Olha só o que a maré trouxe para nós. — Meu tom de voz amigável
foi o que o fez relaxar e se erguer para me abraçar brevemente.
— Noite passada, ele fez uma pequena festa aqui. — Seu tom não era
ofensivo.
— Você não viu esse homem brigar de verdade, seja lá de quem ele
tenha quebrado a cara por aqui. Se tivesse visto, entenderia o motivo pelo
qual os britânicos o chamam de Cão Louco.
— E isso é um problema?
— Nenhum. Meus irmãos do I.R.A. que passam pela cidade sempre são
bem-vindos — ele disse, com os olhos nos meus, enquanto erguia o copo
cheio de RedBreast para levar até a boca. — O que me perturbou um pouco é
que, noite passada, depois de você sair daqui com a menina, o namorado dela
apareceu aqui.
— Ex. — Senti necessidade de corrigir.
— Que seja. O ex apareceu por aqui, armado, querendo saber quem era
você.
— Que nunca tinha te visto, nem mais gordo ou mais magro e bastou.
Aquilo ali é o típico cão que ladra e não morde.
— Então ele não será louco de se meter com o Cão Louco aqui —
Thomas disse, como se aquela fosse uma verdade universal.
precisa? Espero que leve aquele carregamento antigo de M4, não queria ter
que passar aquilo aos milicianos, tô de saco cheio de puxar carga para eles —
o capitão desabafou.
— Não. E aprenda, eu não faço negócio com esse tipo de gente e você
Era Sarah.
— É a mulher que te envolveu na briga, ontem?
— Ela não fez isso, eu que me meti. E cuida da sua vida. — Empurrei a
querendo crer que a felicidade dentro de mim era só porque poderia fazer
uma boa ação e não porque poderia ver aqueles olhos novamente, guardei o
celular no bolso, satisfeito por conseguir o que queria.
— Acho que também já deu para mim por hoje… Tenho compromisso
mais tarde.
— Não encare tanto. Perdi a perna para a merda de uma mina. E ainda
bem que foi só a perna. O pagamento pelo meu bom serviço foi o bastante
para eu vir para esta terra de ninguém e montar um canto meu. Não é o
trabalho mais fácil do mundo, mas há paz e a chance de eu morrer sem minha
mulher ou filhos saberem o que aconteceu é bem menor.
— Só queria que ficasse de olho naquele cara. Ele não vai deixar a
garota em paz, nem você.
— Estou falando sério. Aquele não é o tipo de homem que joga limpo.
E eu espero que você esteja preparado, assim como a garota. Ela parecia ser
legal.
verdade e ainda tenho meus bons contatos. Sabe como é, irmãos são bem-
vindos, desertores… Não.
— E agora que já tem sua resposta, imagino que não queira me ter
como inimigo.
— Não. Não quero, Lobo. Mas cuidado, porque nem todos os que você
vai encontrar por aqui serão tão gentis e discretos como eu. Eu só fiz algumas
ligações, mas outros homens podem achar que você é uma ameaça e sua
cabeça pode valer alguma coisa nas mãos certas.
— Minha cabeça vai ficar sobre meu pescoço por um bom tempo.
Mesmo que o meu melhor, nesse caso, despertasse a pior parte de mim.
— Ei, garoto — chamei, de dentro do carro, quando vi Danny parado
na esquina perto do pub.
No final das contas, aquela primeira prova não foi tão péssima quanto
achei que seria. E a ideia de me esconder na biblioteca, até a hora de
começar, me deu chance de evitar qualquer um que quisesse me encontrar,
incluindo Helena, porém, isso não a impediu de me pegar saindo da sala.
— Nicolas foi atrás de você e do cara que bateu nele no bar, ontem —
ela soltou, antes de dar a primeira tragada em seu cigarro e eu senti meu chão
sumir.
— Como? Ele foi atrás de mim? O que ele queria? — Minha voz quase
falhou, mas me esforcei para ficar bem. Não queria fraquejar, não quando
tudo parecia que iria melhorar.
— É óbvio que ele queria assustar o cara. Ele e a trupe dos babacas do
meu batalhão foram junto com ele e não paravam de falar disso hoje de
manhã, então sei dos detalhes cortados. Mas, mais do que nunca, minha
vontade de dar um tiro naquele maldito em alguma operação e fingir que foi
sem querer só cresce. Então, agora que não precisa mais esconder, o que é
que Nicolas já te fez?
— Ele vai dizer que eu sou louca. — Antes que eu pudesse me dar
conta, senti meu rosto molhado graças às pequenas lágrimas que se
acumulavam nos meus olhos.
medida protetiva, só para me causar medo. Eu não quero ser refém. Vou
ignorá-lo, dizer que acabou, conversar com a mãe dele e ver o que ela pode
fazer para me ajudar, mas não vou até a delegacia. Nicolas me… — as
palavras sumiram, eu não queria dizer em voz alta —... machucou muito, e eu
— Não.
— Não, mas…
— Não tem mais, nem mas, Sarah. Nós precisamos fazer algo. — O
jeito firme de Helena junto da força de seu olhar sobre mim me fez ter medo
dela também.
Eu não queria ser forçada a me expor tanto, não queria correr mais
riscos.
Só queria abrir os olhos na manhã seguinte e fingir que aquela parte da minha
vida nunca existiu. Fingir que fiquei em coma por oito longos anos e, por
milagre, levantei, falei, andei e segui com minha vida.
— Pode. Mas pensa nisso direito, tá? Não é como todo mundo diz.
Nicolas precisa ser parado e a única forma disso é pela lei.
— Regan está vindo, por favor, não fale nada sobre Nicolas — falei,
me virando rápido para Helena, com medo de como ela poderia reagir.
— Você está saindo com ele? — O tom de indignação fez sua voz ficar
mais aguda, enquanto eu limpava os olhos e tentava parecer normal.
— Ei, irlandês — falei, fingindo que eu não o tinha visto antes. — Foi
— Olá, você deve ser o cara que salvou Sarah noite passada, não? —
Ela esticou a mão na direção dele e ele a pegou com firmeza, depois de
encará-la.
começava pelo meu corpo, pensando no que Nicolas poderia fazer com quem
estava próximo a mim.
Eu não consegui me mover, mas, por sorte, ele não chegou a me tocar,
já que o ruivo afastou sua mão com um tapa.
— Ela não vai com você — meu protetor disse, em alto e bom som.
— Eu disse que ela não vai. Sarah não vai fazer nada que não queira e,
pelo que eu saiba, ela não quer ir com você.
— Tente. Todo mundo sabe que você dá pro chefe, acha mesmo que
todo o batalhão ao meu lado vai te trazer algo de bom? Anda logo, Sarah.
Porra, amor… Olha o que você está me obrigando a fazer!
Regan o empurrou, mexeu em sua arma como quem sabia o que estava
fazendo, e retirou a munição, antes de devolver para Helena.
Meu corpo todo ficou pesado, como se fosse feito de concreto e eu não
consegui me mover, nem mesmo para me afastar da briga. Com os olhos
arregalados, assisti a expressão de Regan mudar. Sua feição se fechou, seus
olhos ficaram mais escuros e, no segundo seguinte, eu o vi desistir de ser
bonzinho.
Nicolas caiu, gemendo, e não se moveu a não ser para cobrir o rosto.
Assustada e com medo, sem entender o que acontecia, não tive medo quando
Regan me abraçou pelos ombros e me levou até seu carro, mesmo que a
plateia que se formou perto de nós parecesse muito interessada em mim.
fazer de novo e de novo. Seu ex precisava de alguém para dar um basta nisso.
Eu queria dizer que era sorte tê-lo encontrado. Queria agradecê-lo por
ter me enxergado e ter feito algo, indo contra aquela velha história que em
briga de marido e mulher, ninguém mete a colher, mas nada bastaria.
Regan tinha razão. Não havia remédio ou santo que fizesse Nicolas
mudar, a não ser encontrar com alguém que o fizesse sentir na pele um pouco
do que ele fazia comigo.
dele.
— Se eu vomitar como ela, dentro do seu carro, acho que você não vai
achar nada disso. — Ele estava perto o bastante para que eu visse sua íris
brilhar.
— O máximo que vou fazer é ligar para o seu chefe e dizer que não
está bem para trabalhar. Vou deixar o carro para lavar, te colocar em um Uber
e te levar de novo para casa. — Sua voz foi abaixando o tom e, na pouca luz,
sendo tão cuidada, eu não resisti.
sóbria.
— É que essa situação toda não acabou ainda, e eu não sei nem como
começou. Não sei quando os apelidos carinhosos viraram xingamentos, as
— Será? Será que no próximo surto, ele não vai invadir minha casa?
Me machucar, machucar minha mãe? E se ele for atrás de você? Se você
acabar se machucando, só por estar perto de mim… — Me desesperei um
Aquela promessa, por menor que fosse, por mais insignificante que
pudesse parecer, fez algo como a luz no fim do túnel se acender.
— Que bom que descansou. Será que você consegue ir até o mercado
para mim? Tenho uma encomenda de doces para terminar e estou esperando
o motoboy aparecer, para levar aquela que já está pronta.
— Já, está ali na mesa de centro, junto do cartão — ela disse, indo em
— Eu vou, mãe…
Antes que dona Fátima desse de louca, virei meu café e, com o pedaço
de pão com queijo na mão, coloquei a lista e o cartão no bolso do jeans,
A caminhada até o mercado não era longa, mas por algum motivo,
assim que atravessei o rua, os pelos da minha nuca se arrepiaram e eu tive
certeza de que algo errado estava acontecendo. Olhei em volta e não vi nada
Ouvi-o gritar, mas não consegui entender se era meu nome, se era uma
ordem ou um palavrão. Eu corri, como nunca, a ponto dos meus pés arderem,
do pulmão parecer queimar, do corpo esquentar do suor molhar minha
camiseta, e não parei até estar dentro do banheiro feminino do mercado,
trancada em uma das baías, sentada no vaso e com as mãos contra a porta,
querendo ter certeza de que estava segura, mesmo que minha mente gritasse
comigo.
“Ele vai entrar, ele vai te pegar, vai ser pior que antes.”
Era terrível que algo dentro do meu coração ainda acreditasse que ele
podia mudar, que ainda resistisse com uma pontinha de esperança que, a
possibilidade de ele voltar a ser o cara fantástico que me fez cair de amores a
ponto de não saber como seria respirar sem ele ao lado, ainda existisse.
— Pronto — avisei.
— Estou perto. Meu GPS diz que em quinze minutos chego aí, mas
aposto com você que consigo na metade do tempo, o que acha?
— Levar minha mãe para jantar, Regan? Ela te ama, você sabe disso,
não?
— E eu estou propositalmente querendo me aproveitar disso, para que
ela repita para você durante o próximo mês o quanto eu sou legal.
para sair.
— Eu não sabia disso. Sua mãe acha que há algo acontecendo entre
nós, Sarah? — Parei por um segundo, encarando a tela do telefone.
calma e macia.
— Homem, você não sabe pelo que está pedindo. — Encostei a cabeça
na lateral da baia e abracei o corpo. — Tem ideia de que, em menos de um
mês, você já me salvou algumas vezes de um ex louco? E que entrou na
minha vida feito um meteoro?
— É, você não está errada, mas acho que fiquei tentado pela sua
proposta.
— Não é justo.
— Se houver uma terceira, prometo dar motivos para que seja a última.
— Ela vai ficar bem — ele disse, para alguém atrás de mim, mas eu
nem me preocupei de conferir quem era. Só me aninhei ainda mais contra ele,
aspirando o perfume masculino forte junto do cheiro dos seus cigarros,
agradecendo por Deus ter colocado um anjo controverso no meu caminho.
e se ofereceu para pagar, mas não brigou ou forçou nada quando eu neguei.
Era gentileza e não uma ordem, e eu não soube ser imune a isso.
Percebendo que eu não queria conversar muito, ele colocou sua música
agitada e eu só consegui ficar quietinha contra o banco, observando Regan
enquanto ele me levava para casa.
— Não precisa ser assim, viver com medo. Se quiser, posso vir te
buscar e te levar para a faculdade ou para o trabalho. Não me custa nada.
para cima com alguma retaliação? E se sobrar para você? Eu sei que você é
forte e sabe se cuidar, mas não é justo que eu te coloque em risco, só porque
você é gentil comigo.
Como se fosse algo natural, Regan levou meus dedos até seu rosto e os
beijou, um a um, conforme me fitava de forma tão intensa, que era possível
— Desça, antes que eu acabe com a imagem de bom moço que você
tem de mim.
Ele era bonito. Muito bonito. E era gentil, educado, aparentemente rico
e parecia interessado… Regan era, de fato, o pacote perfeito. E eu morria de
— Quem é?
— Dona Fátima, sou eu, o Nicolas. — O olhar que troquei com minha
mãe naquele segundo, cheio de cumplicidade, medo e pavor, fez com que ela
respondesse do melhor jeito possível.
estava dura, sem acreditar no que minha mãe dizia. — Então, se não quer que
eu ligue para sua mãe ou para a polícia, é melhor deixar as coisas como estão.
Xingando, falando que eu era uma vagabunda igual minha mãe, ouvi a
porta do carro batendo e ele saiu cantando pneu.
— Ah, Sarah, nem precisa dizer nada. Eu sou velha, não sou cega nem
burra. Acha que eu não sei das coisas? Tem uma semana que você não vê
esse menino e tem uma semana que não te vejo se escondendo. Tinha coisa
errada, não tinha? — ela falou, vindo em minha direção, me abraçar.
Sabe lá Deus que horas eu levantei, mas estava em pé, me encolhendo
contra os braços da minha mãe, agradecendo por ela ser tão incrível.
Não pude deixar de rir, mas aquele era o jeito da minha mãe me dar
colo e me consolar.
— E você foi. Olha que bom, você não engravidou, não permaneceu.
Eu ainda aturei a bebedeira do seu pai, por uns anos, por sua causa, mas
quando descobri que podia ser uma mãe melhor sem precisar dele, coloquei o
safado para fora e criei, com muito orgulho, uma mulher decente e forte.
Você não vai viver na sombra de homem nenhum, ainda mais homem safado.
— Mãe, eu te amo. — Aquela frase era uma raridade nos últimos anos,
e tão surpresa por ouvir aquilo, ela me abraçou mais forte, ficando quieta e
sorrindo.
O pensamento sobre Nicolas ter ido até a porta da minha casa e tentado
Será que era mais um pedido de desculpas? Será que ele tentaria ser
Tinha vontade de pegar o telefone e ligar para ele, pedir para ter uma
última conversa, tentar seguir como adulta, mas, como das últimas vezes em
que eu cogitei terminar, eu sabia que, mesmo eu estando firme na minha
decisão, ele tentaria me manipular, tentaria me fazer esquecer e faria amor
comigo de um jeito tão apaixonado que bagunçaria minha mente.
Não.
— Abra. Combina com seus olhos. — Foi tudo o que ele disse e, com
as mãos trêmulas, obedeci.
A corrente dourada era grossa, mas muito bonita. Na verdade, não era
tão masculina quanto achei que seria por ser algo dele.
graça, ele pegou a corrente da minha mão e, ficando atrás de mim, colocou a
joia no meu pescoço.
— Uau. — Foi tudo o que consegui dizer ao ver meu reflexo no vidro
escuro do carro. — Obrigada. — Não consegui segurar o sorriso ao encará-lo.
pulou da minha boca, antes de eu pensar por que estava fazendo aquilo.
— Não… Mas vai precisar ter paciência. O bar costuma ficar cheio e
minhas amigas vão depenar você. Esse vai ser seu tormento, além de que, eu
não acredito que você possa gostar da música que toca lá — reconsiderei. —
Na verdade, te levar para o meu trabalho pode fazer com que você odeie
ainda mais o meu país — falei, vendo Regan abrir a porta do passageiro para
mim.
— Eu não odeio o seu país — ele, disse antes de fechar a porta e ir para
volante.
Regan, mas pelo nível da tensão, acreditava que era muito dinheiro envolvido
para ele ficar tão bravo.
— Essa língua que vocês falaram… Não é irlandês, é? Parece ser muito
difícil.
— Ah, é gaélico irlandês. Lá, alguns de nós aprendem a falar junto com
o inglês, assim não deixamos a cultura local morrer, mas garanto que o
português é muito mais difícil.
— Mas você fala muito bem. Troca uma ou outra letra, e seu sotaque
carregado deixa tudo mais charmoso. — Desviei o olhar quando o vi sorrir de
canto. — Mas você fala e entende muito bem.
— Eu não tenho toda essa história legal para contar sobre mim ou
minha família.
onde eu fico. — Me dobrando para acabar com a distância entre nós, dei um
beijo na bochecha dele, tão demorado quanto o que ele tinha dado na minha
mais cedo e sussurrei: — Te vejo depois.
Pulei para fora do carro com o coração disparado, não sabendo o quão
certo era deixar o pequeno e frágil sentimento que crescia por Regan tomar
forma e criar raízes.
Eu não estava pronta para mais problemas, nem para enfiar alguém nos
meus, mas parecia que ele não se importava com isso. Eu só não sabia dizer
se era algo positivo…
O vestiário da Squat não era um camarim cinco estrelas, mas era limpo
e seguro. Sendo inteiro branco, com baias onde podíamos ter o mínimo de
privacidade e dicas de drinks espalhadas pelas paredes, o lugar era familiar
para mim.
uma das meninas que dividia o balcão comigo, Luana, entrou falando,
escandalosa em seu anúncio:
da noite.
fazendo biquinho.
— Então…
— Beijo? Uma vez? Sarah, em que mundo você vive, minha filha? —
— Mas que tipo de amiga você acha que eu sou? — Manu fingiu estar
— Meu recado não foi para você — falei baixinho, mas sabendo que
Luana ouviria.
dinheiro. Bom o bastante para pagar as contas, coisa que o estágio não fazia.
Além de ter encontrado uma família. Meus chefes eram legais, o pessoal do
andar de baixo era ok, e minhas parceiras de trabalho faziam meus dias muito
melhores.
— Algum vício?
— Cigarros.
— Religião?
Saindo de trás do balcão, peguei Regan pela mão e desci com ele pelas
escadas na direção da pista de dança, mas, no último segundo, ele me guiou
dos dele:
Nicolas sacou sua arma e, se não fosse por Regan me puxar para o
chão, talvez eu tivesse sido atingida por um dos tiros que Nicolas disparou
contra o vidro.
— Sarah, você está bem? — A voz de Regan perto do meu ouvido era
Depois de ver meu machucado e concluir que devia ter sido feito por
algum pedaço de vidro que voou, vendo minha aflição e meu medo, Regan
me abraçou.
— Eu vi, Sarah. Você não está louca, mas aqui não é lugar para você
agora. Vamos encontrar alguém que trabalhe aqui e eu vou te levar para casa.
Coloquei Sarah dentro do carro e a levei para casa, mas ela não abriu a
boca. Parecia em choque, em uma espécie de transe que não queria ceder e,
por isso, me contive.
Trouxe um copo d’água até ela, mas quando não houve nenhuma
mesura dela erguer a mão, deixei o copo sobre a mesa de centro.
Com medo de deixá-la muito tempo sozinha, fui até o meu quarto o
mais rápido que pude, me livrei da camisa suja e, depois de pegar a caixa de
primeiros socorros que mantinha no armário do banheiro, voltei para a sala.
Ela estava do mesmo jeito que a deixei. O olhar fixo nas mãos,
parecendo segurar a vontade de chorar, completamente perdida.
Lentamente, eu me aproximei e sentei na mesa de centro, curvando o
corpo para frente e levando as mãos para os botões da camisa dela. Encarei
seus olhos perdidos, mas não houve nenhuma reação, nem quando desabotoei
os primeiros botões e vi o contorno de seus seios surgindo sob a camisa, ou
quando, já vendo o sutiã preto, liberei o ombro do tecido para poder ver o
machucado.
Era um corte grande, mas não tão profundo, tanto que o sangramento já
havia parado. Respirei fundo e a encarei naquela situação. O ex era policial,
era um problema para mim e eu deveria manter distância depois de descobrir
aquela informação, mas havia mais. Eu não podia ignorar que parecia certo
de que Sarah tivesse cruzado meu caminho com uma missão: a de me fazer
enxergar que a vida podia ser muito mais do que o que eu tinha. E mesmo
que minha mente gritasse para mandá-la embora e parar de brincar com fogo,
mesmo que soubesse que, graças àquela pequena criatura sentada no meu
sofá, eu poderia mandar todo o meu trabalho para o inferno, não tinha a
mínima intenção de fazê-lo.
Ficaria ao lado de Sarah o tempo que ela quisesse, que precisasse. Era
instintivo, algo mais forte do que eu.
mesa.
— Ótimo momento para conhecer sua casa. — Sorri ao ver que ela
tentava voltar ao normal com seu tom irônico.
a conhece, sabe como ela é… — Sarah deu uma risada fraca e colocou a mão
sobre a minha, enquanto olhava em meus olhos e aproximava o rosto do meu.
— Obrigada, de novo, por me salvar.
dilatadas e sua boca entreaberta, resolvi mudar o rumo das coisas. Não queria
me aproveitar da fragilidade do momento.
— Mas o que você quer fazer? Seu ex fez algo público… Mais gente
deve tê-lo visto, não?
— Você não pode mudar toda sua vida só para fugir dele.
Antes que ela esperasse, sabendo que ia contra ao que prometi a ela e
ao que pretendia seguir, minha mão escorregou para a nuca de Sarah e eu
juntei meu rosto ao seu com facilidade. Ela não me afastou. Na verdade, veio
mais para frente e colocou a mão sobre meu rosto, conforme seus lábios
roçaram nos meus. Eu esperei, mas ela não. Sarah entreabriu a boca e minha
língua se entrelaçou a dela de forma intensa, provando o gosto doce que
acabaria se tornando meu mais novo vício, me deixando tão aceso que podia
apostar que corria fogo em minhas veias, e ela também pareceu entrar em
combustão, como se guardasse aquela vontade dentro de si há mais tempo do
que deveria.
língua brincou com a minha, para, em seguida, Sarah mordiscar meu lábio
inferior.
Ela segurou meus ombros com força, eu subi as mãos para desabotoar o
restante de sua camisa e continuei a beijar seu colo, vendo a pele ficar
avermelhada graças a minha boca e a minha barba.
Estava prestes a descer com a boca para o seu seio, com o pau duro
como rocha, pronto para levar aquilo a outro nível, quando ela, de repente,
parou.
Pousei as mãos no quadril dela, quando percebi que ela queria sair de
cima de mim e a mantive ali por alguns minutos, em silêncio, sentindo o
carinho dela em meus ombros e a boca contra minha cabeça.
— Você me fodeu. — Era para ser uma piada, mas ela não entendeu
desse jeito e se afastou para me olhar. Seus olhos pareciam preocupados, mas
ela relaxou logo que viu meu meio sorriso. — Mas tem razão, não é hora. Eu
não devia ter…
meu peito com a ponta dos dedos. — Era para eu ter saído com ele e com os
amigos, aquela noite. Na verdade, eu achei que era um encontro a dois, um
jantar, algo do tipo, mas me enganei. Tinha me arrumado, comprado um
vestido novo, mas… — Ela suspirou e seu peito tremeu. — Ele brigou
comigo no meio do caminho, reclamando do tamanho do vestido, eu desci do
carro no meio da rua, ele foi atrás de mim e me forçou a…
— Sarah? — Meu ódio ferveu nas veias. Todo o tesão sumiu.
Eu o queria morto, e o queria morto assim que ela terminasse de dizer aquelas
palavras.
chegando lá… Você sabe. E aí, eu me sentia culpada por pensar mal dele,
afinal de contas, eu tinha gostado, não? Foi só aquele dia, só daquela vez, que
eu entendi que ele me estuprava. Ele não pararia, não era algo nosso, era dele,
para ele, eu querendo ou não, eu gostando ou não.
Era uma promessa à dona dos olhos verdes, e eu a abracei, trazendo seu
rosto contra o meu peito, aguentando todo o choro dela, segurando toda sua
dor, querendo que fosse possível senti-la no seu lugar.
Sarah para cama e tê-la aninhada em mim sobre os lençóis, a única coisa que
me segurou quieto foi a expressão serena em seu rosto enquanto dormia. Se
não fosse por isso, se eu não tivesse passado parte da madrugada olhando
para seu rosto, mexendo em seu cabelo e zelando seu sono, teria ido atrás do
policial.
está pronto, forte, do jeito que você parece gostar. — Como se fosse a dona
da minha cozinha, ela me olhou sobre o ombro, quando não viu eu me mover
e disse: — Sente, eu já vou terminar aqui.
— Espero que tenha acertado. Não sou tão boa na cozinha quanto minha mãe,
mas acho que sei fazer ovos mexidos decentes.
— Sobre como você foi gentil ontem à noite, e sobre eu pedir as contas
do meu emprego…
— Eu sei, mas acho que até ele seguir o caminho dele, essa é a forma
que consigo seguir o meu.
Eu não tinha o que falar. Era a vida dela, as escolhas dela, e se ela se
sentia melhor daquela forma, quem era eu para dizer algo diferente? Aliás,
quem era eu para falar alguma merda sobre fingir que estava tudo bem,
— Eu gostei da sua casa — ela disse, dando mais uma olhada em volta
e eu me levantei para ajudá-la. — É aberta, limpa, bonita. É a casa do tipo de
pessoa que sabe o que quer. — Coloquei a louça suja na pia e me virei para
encará-la.
— É.
— Não sei.
— Não?
aqui?
— Você.
Eu não resisti, apertando meu corpo contra o dela, conforme sua boca
ficava mais exigente e subindo minhas mãos por suas costas por baixo da
camisa, tocando a pele macia, apertando a carne firme, completamente louco
para levá-la ao limite.
A visão de Deus não devia ser nada comparado a ver aquela mulher
gozando.
Ela acabaria comigo tão rápido que, se eu não soubesse de toda sua
história, poderia dizer que eu era só mais um dos brinquedos dela, vítima dos
seus olhos demoníacos. E que merda eu fiz ao abrir os olhos e olhar para
baixo para encará-los, antes de puxá-la para mais um beijo.
— Regan... — A ouvi chamar meu nome com a voz baixa e rouca, mas
não parei.
Mordisquei seu lábio inferior e senti suas mãos fazendo pressão no meu
peito. Imediatamente, eu parei, com a respiração levemente descompassada,
fechei os olhos por um segundo e engoli seco, antes de encará-la.
— Tenho. — Ela demorou alguns segundos para dizer e seu tom era
pesaroso. — Olhe a merda que aconteceu aqui ontem. — Seus olhos estavam
fixos na fachada. — Vai ser melhor assim. E, se você quiser ir, eu vou de
— Eu prometo que vou tentar não demorar. — Sarah parecia ter medo
de me incomodar.
Acompanhei com os olhos ela entrar pela porta da casa noturna e olhei
em volta, antes de ligar para Billy. As chamadas perdidas dele já estavam me
dando nos nervos.
— Eu vou dizer uma vez só, e é bom ter lavado seus ouvidos direito.
Pare de me perturbar, Billy. Eu não vou trabalhar com você de novo.
Billy me deu trabalho com pagamento pela última vez, além de que, eu
precisaria movimentar minha carga, já que parecia que uma denúncia estava
fazendo a polícia abrir containers aleatoriamente. Seria muita falta de sorte se
os meus fossem abertos, mas se tinha uma coisa que eu sabia era que não
devia dar chance ao azar.
preocupado, além de que, todo mundo ficaria feliz com o pagamento daquilo,
incluindo ele, que ganharia uma pequena comissão.
Terminei meu cigarro e mais outro, antes que Sarah voltasse a aparecer.
Um homem da minha idade veio com ela até a porta, a abraçou, trocou
sorrisos e depois de se despedir, fechou a porta. Ela respirou fundo, com o
direção.
— Você vai ficar bem. — Acariciei o rosto dela e coloquei uma mecha
voltar. Perguntaram se eu não queria me despedir das meninas esta noite, mas
não acho que eu seja capaz. Me sinto fraca e boba, mas ainda acho que estou
fazendo o certo.
— Não é porque você está saindo do trabalho, que nunca mais vai ver
suas amigas. Espere um tempo, tenha certeza do que está fazendo, e se você
se arrepender, pelo jeito que vi, você terá seu emprego de volta num piscar de
olhos.
Sem poder discutir, esperei Sarah colocar seu cinto de segurança, liguei
o som e parti para a casa dela.
— Se eu dissesse que sou seu amigo, acho que ficaria faltando algo. —
Suspirando, enquanto via a mesma questão em seus olhos, me encostei no
banco. — É meio óbvio que eu não ligo se nos conhecemos há uma semana
ou há dez anos. Gosto de você, Sarah. — Fui direto e ajeitei a postura quando
— Não disse isso, mas não é só isso que eu quero. A prova disso é o
que aconteceu na minha cozinha, hoje cedo, e acredito que por você
corresponder, talvez queira a mesma coisa, mas só vou saber se dizer.
— Eu gosto de você, seria mentira dizer que não penso em como seria
virar completamente a página, mas há algo que… — Merda, aquela era a
hora em que ela diria que não queria nada.
Engoli meu orgulho, travando a mandíbula e esperei.
— O que há? Eu não tenho problema nenhum com seu ex louco. Posso
dar um jeito nele. — Estava pouco me fodendo de ele ser policial ou não.
— Então tome seu tempo e depois me ligue. Meu número não vai
mudar, até que você me mande uma mensagem dizendo o que quer fazer. —
Tentei não demonstrar o quanto aquela decisão dela me afetava.
Parecendo não muito certa do que fazia, ela concordou com a cabeça,
mas parou no último segundo, antes de descer, e me olhou sobre o ombro.
— Eu gosto de você também. — Ela não precisava me convencer de
nada, mas parecia determinada a me fazer entender que havia uma chance.
— Eu sei. Mas é bom que você tenha certeza do que quer, porque eu já
te avisei, não sou o cavalheiro que você imagina. Estar ao meu lado pode ser
mais difícil do que parece, Sarah, mas sempre será uma escolha sua.
E era verdade. Eu não podia exigir mais dela do que ela podia dar.
Também não queria uma escrava e, sim, alguém real, até porque, na hora em
que ela soubesse da verdade, teria que escolher entre o certo e o que, de fato,
queria.
e da sua vida.
“E estou com tanto medo
Que todos os meus piores medos
Me seguiram até aqui, estou com raiva de mim mesmo
Eu tento manter minha cabeça erguida, minha cabeça erguida
Eu tento me impedir de me sentir assim
Estou cansado e estou fodido, nessa parada de descanso
É só na minha cabeça, mas não vai mudar”
DEAD POET SOCIETY - AMERICAN BLOOD
que a fila não estava grande para fazer pedidos, fui até o fundo do salão,
escolhi uma boa poltrona e larguei minha bolsa lá, antes de voltar ao balcão
para fazer meu pedido e, menos de dez minutos depois, lá estava eu, com o
mocca que eu costumava pedir quando mais nova, bem doce, afundada na
poltrona que não fazia parte do mobiliário antigo, olhando para a rua cinzenta
e gelada.
Suspirei profundamente, enquanto o líquido docinho me aquecia o
peito e quis chorar.
Ele era mais velho, tinha uma moto, vivia na porta do meu colégio e
tinha acabado de entrar na polícia. Eu não era da parte mais popular do
colégio, ele vivia rodeado pelas garotas mais conhecidas e bonitas, mas um
dia olhou para mim e sorriu. E não era um sorriso qualquer. Era predador,
intenso, sexy, e me fez prisioneira por oito anos depois de fingir quase me
atropelar.
que tinha me feito cair de amores por aquele idiota, se eu, olhando tudo de
longe, não conseguia reconhecer nada do que eu gostava além de atitudes e
palavras doces que eram feitas para me dominar.
Era completamente diferente com Regan. Nós nos conhecemos com ele
O problema era que, mesmo com tudo, eu ainda sentia as raízes podres
do relacionamento tóxico e problemático enroladas em volta do meu coração
e não seria justo deixar uma semente tão boa quanto o meu amor por Regan,
crescer em um solo tão podre.
Eu deveria.
Alguma hora, eu realmente deveria, mas ainda não me sentia pronta.
— O ex, eu não tenho ideia, faz algum tempo que não o vejo, graças a
Deus. Sobre o deus celta, eu pedi um pouco de distância, para decidir o que
fazer, as coisas estavam indo muito rápidas…
celular da orelha e olhar em volta para ver se alguém mais tinha ouvido.
que Regan não vai ser algo bobinho ou passageiro. Ele me olha como se eu
fosse especial.
— Eu não quero estragar tudo. Ando uma bagunça, ainda tem isso do
meu noivado ter acabado e Nicolas parecer louco. É um risco que não posso
fazer outras pessoas correrem por mim. — Incluindo elas.
— Então larga de ser boba, resolve logo sua vida, ou o que vai
— Ok, pode até ser, mas tome cuidado e faça só o que quiser fazer,
certo?
Mal sabiam minhas amigas que tinham me dado uma vontade louca de
mudar tudo, de cuidar de mim e, se fosse para ser, me arriscar.
O que eu falaria?
Eu estava linda. Meu cabelo, que era escovado todo santo dia, agora
parecia livre.
assumir a forma do meu cabelo, e a cor vinho-escuro nos fios fez o favor de
contrastar com a minha pele e intensificar o tom dos meus olhos.
Olhos que, por um tempo, eu odiei por ser herança do meu pai.
Era por amor e por querer agradá-lo que deixei que minha vida, meu
Na minha pele.
Num ímpeto que não sabia de onde havia saído, saí do banheiro,
batendo a porta, e me enfiei no quarto, pegando tudo e qualquer coisa de
daquela fogueira. Quase nem pisquei, assistindo, pouco a pouco, àquela parte
dolorida e feia do meu coração morrer.
— Minha filha! O que é que você está fazendo? — Minha mãe surgiu,
aflita ao meu lado, me abraçando.
Naquelas semanas, eu fiz várias entrevistas, mas toda vez que meu
celular tocava com alguma resposta delas, meu coração disparava e o
minha.
— Você deveria mandar algo — minha mãe disse, quando passou atrás
— E vai esperar até ficar virgem de novo? Deus é pai. — Ela bufou,
indignada.
— Mãe nada, quando botei seu pai para fora da minha vida, eu fui
gandaiar.
— Eu sei, nem parece minha filha, mas, de todo jeito, acho que Regan
não é homem de se jogar fora, e você merece alguém que te trate igual ele
trata. Inclusive, já disse para ele que comecei a rezar uma novena para que
vocês fiquem juntos.
— Mãe! Como assim? — Meu queixo foi no chão e cobri o rosto com
as mãos, tamanha a minha vergonha. Que merda minha mãe estava fazendo?
no que minha mãe vinha falando com Regan nas minhas costas.
Dormi com o coração mais leve ao pensar que, se ele não me mandava
mensagens, era porque tinha uma informante muito dedicada.
Foi tão automático, tão sem pensar, que assim que ele atendeu do outro
lado, eu fiquei sem saber o que falar.
— E você não é.
— Quase organizada.
— Isso significa que quero fazer as coisas direito. Que tal um encontro?
Se você ainda estiver interessado...
besteira, desliguei.
— Eu não quero — falei, mas ele ignorou e ergueu dois dedos e sorriu
para a mulher, que me ignorou e foi agradá-lo.
Era universal. Todo mundo fazia o que ele queria, no final das contas.
Nicolas não adoçou seu café, mas deu um gole, me olhando como se
aquilo fosse algo comum e quando colocou a xícara de volta ao pires, me
encarou.
— Eu não vou te fazer mal, Sarah. O café está limpo, pode tomar. —
Seu tom de autoridade surgiu.
— Estou.
— E por que você não pode ser a minha Sarah? A boa e gentil, a
mulher com quem eu planejei formar minha família?
— Porque eu não sou uma peça no seu jogo de tabuleiros, Nicolas. Eu
não amo mais você.
— Mentira. — Seu tom de voz era uma bronca, uma repreensão, e seus
olhos me encararam, como se eu fosse o próprio demônio.
— Eu caí. Não ter você, está acabando comigo, estou sem controle.
quando ele tentou colocar as suas sobre as minhas. — Eu não quero mais
você. Acabou. Viva sua vida de festas, sexo, drogas e sei lá mais o que você
gosta. Eu descobri, depois desses anos todos, que não te conheço. Ou melhor,
conheço sua pior parte e nunca mais quero voltar a conviver com ela.
— Mas deveria. Eu não quero mais nada seu, não quero nem lembrar
que você existe, então, se você ainda gosta, pelo menos, um pouco de mim,
supere e siga em frente, porque eu estou fazendo exatamente isso.
cafeteria o mais rápido possível, sabendo que ele não poderia vir atrás de
mim, já que deveria pagar os malditos cafés.
Escapulir para o metrô foi fácil, o difícil foi lidar com a imagem de
Nicolas completamente destruído e me dar conta de que, mesmo que aquilo
mexesse um pouquinho comigo, não era verdade, nunca funcionaria.
Ele era um bom ator, sempre foi, e eu era a plateia para a qual ele pedia
aplausos. Porém, daquela vez, se dependesse de mim, ele atuaria para um
vale profundo, tendo o retorno das palavras vazias de volta na imensidão da
— Está tudo bem? Ouvi uma história, mas você não me contou nada…
— De que você arranjou uma briga de bar por causa de uma garota.
Isso explicaria muita coisa, mas achei que fôssemos amigos e que me
contaria quando algo assim acontecesse, já que eu nunca te vi com mulher
nenhuma.
— Que deve ter acabado com você quebrando os dentes dele, aposto.
— Danny riu.
— Quase — admiti.
uma área mais afastada da cidade. Era comum deixarem carros abertos em
ruas mais desertas em bairros mais pobres. Os donos queriam se livrar dos
carros e ganhar o dinheiro do seguro, então eu considerava que meu trabalho
ali era fácil.
— E não há como?
Ele sabia da minha resposta e, por isso, quando uma música que
gostávamos tocou no rádio, ele aumentou o som e ficamos em silêncio
Meu estoque não era muito alto e, me livrando de parte dele, como
pretendia fazer aquela noite, o risco de a polícia me pegar era mínimo.
— E quais as chances? Quem vai vir aqui, no meio deste matagal, atrás
da gente?
Precisei de três tiros para fazer o estrago necessário e esperava que a carga
tivesse explodido junto dos carros.
Estava tão frio, que o ar que saía da minha boca fazia fumaça e meu
corpo parecia congelar, enquanto tremia, mas a raiva que sentia aquecia tudo
internamente.
— Tire logo essas roupas ou vai ficar doente — ordenei, ficando pelado
logo de uma vez, já colocando as roupas roubadas do varal.
— O que faremos?
— Que maldito?
— O ex da Sarah.
certeza de que a merda era programada, ainda mais quando o capitão não me
atendeu de volta.
— Eu nunca ando com o celular nessas ocasiões. Mas estou bem vivo,
e nada preso, como pode ver. — Me aproximei dele, tirando o copo de uísque
de sua mão e virando em seguida. — Que merda aconteceu para você não ir?
— Tenho um contato fiel na polícia. Já puxei carga daqui até o Rio para
ele. É um cara safado, mas que paga em dinheiro vivo e não faz perguntas.
Levei um carregamento para ele, na semana passada, e ele sabia que eu
estaria por aqui para buscar mercadoria. Foi uma sorte danada ele avisar.
Eu não era o bom moço, o correto, então não tinha peso moral nenhum
sobre meus atos, mas ele… Se descobrissem, se ele fosse pego… Não pude
deixar de sorrir, sabendo que aquele era o coringa do meu baralho.
seu bem-estar.
E foi por isso que, sem pensar, perdi a conta de quantos carros eu
acabei pegando emprestado no modo ilegal, só para poder segui-la, sem que
ela desconfiasse, só para ter certeza de que estava tudo bem com a dona dos
olhos verdes que dominava minha mente dia e noite.
Sarah não me viu nenhuma vez, mas eu a vi todo santo dia daquelas
semanas.
Aparentemente, estava a salvo, até que ela desceu e lá estava ele, bem
atrás, pronto para abordá-la. Encostei o carro como dava e desci, rápido o
bastante para pegá-lo antes dele virar a esquina junto dela.
muita atenção.
— Ei, desgraçado, você não vai conseguir me afastar dela. Ela ainda
me ama, alguma hora, cedo ou tarde, ela vai voltar para mim e eu vou te
prender.
não teria mais chance, abri a nova foto dela no aplicativo de mensagens e vi
seu nome surgir na minha tela.
— Ah, acho que é hora de seguir em frente, não é? E por que não com
alguém tão legal, quanto Regan? — Tentei não ser evasiva. Eu não era o tipo
que saía por aí soltando fogos e anunciando para o mundo todo os meus
sentimentos. Nunca havia sido daquele jeito, na verdade, era bem o contrário.
— Minha filha, honre o sangue quente que sua mãe lhe deu. Beije
muito, aproveite, vá viver. — Ela beijou o topo da minha cabeça. — E nada
como seguir em frente com um colírio daqueles.
— Não duvido. — Ela riu, eu também, e por isso a tensão nos meus
nervos ficou um pouquinho mais leve, mas só durou um minuto, já que a
campainha tocou e eu soube quem era de imediato.
alergia a camarão, o que fazia aquele lugar nunca nem mesmo fazer parte das
opções.
puxar a cadeira ao meu lado, em vez de ir para longe para ficar de frente para
mim.
Gostei daquilo.
Ainda mais por sentir toda a tensão no ar que fez toda minha pele
formigar na viagem de carro até ali.
— É selvagem. Você ficou ainda mais bonita e eu achei que isso fosse
impossível. — Não consegui responder, desviando o olhar e sorrindo
abertamente.
Eu não fazia ideia, mas era bom, ainda mais porque era ele.
Ele parecia realmente se importar com aquele fato e eu não pude evitar
encarar os olhos cinzentos do irlandês, enquanto levava a mão para o
pingente.
Ele não me respondeu, mas sorriu abertamente, antes que o garçom nos
entregasse o cardápio.
— E como você está? Sua mãe? — ele perguntou, assim que o garçom
— Nunca mais o vi. Acho que ele superou, pelo menos, eu espero que
sim… Mas e você? Ainda bebendo muito café, uísque e cerveja ruim? —
Tentei levar a conversa por outro caminho. — Como vai o trabalho?
— Bom, eu ainda não comecei, mas acho que vai ser demais. O
escritório é grande, tenho possibilidade de crescer e, mesmo que precise
suportar seis meses de trabalho mal remunerado, acredito que eu vá conseguir
me encontrar. — Como ele não me interrompeu, continuei: — Sabe, é
estranho — comecei a mexer na minha taça de gin tônica —, algum tempo
atrás eu quase acreditei que colocaria meu diploma na parede e esqueceria
dessa vida. Nicolas me fazia acreditar que para ser uma boa mulher, eu
precisaria largar tudo para dar atenção à casa e a família. E mesmo que lá no
fundo eu não concordasse, comecei a pensar que aquele era meu destino, até
porque ainda não sei o que quero fazer.
— Você com uma arma na mão seria interessante. — O olhar dele não
era nada parecido com o de Nicolas quando eu comentei aquela ideia.
até que eu me sinta segura. Sabe como é, sabendo como é a polícia por baixo
dos panos, não me fez muito confiante.
gole no gin. — Mas sobre falar no meu ex, é que ele faz parte da história do
meu passado. Mas eu juro, por tudo o que é mais sagrado, que meu futuro
está livre.
nós ríamos das histórias que ele contava sobre o porto e seus amigos da
adolescência.
A vida sobre a qual ele contava era tão diferente da que vivia agora,
que era até estranho analisar que o garoto que viveu entre as docas, comendo
resto das pescarias e sendo um ímã de confusão tivesse dado tão certo.
— Sendo sincero? Uma merda. — Ele riu, sem graça, então ajeitou a
postura e me encarou. — Mesmo com toda a diferença de idade, com a
rapidez com que você entrou na minha vida, além das circunstâncias, eu não
mudaria nada, Sarah. E é por isso que não quero sair daqui sem uma resposta.
— Seu olhar no meu brilhou, meu peito se aqueceu e eu tentei não sorrir.
Queria ser firme, séria, já que aquele seria um grande passo. — Você disse
que faria eu me apaixonar por você, que balançaria meu mundo, e eu fui um
idiota por duvidar disso, mas não há um segundo desde que te conheci que
seus olhos fiquem longe dos meus pensamentos. E desde que te beijei, parece
que fui amaldiçoado. Eu sonho com você acordado, Sarah. — Ele era tão real
que eu mal podia acreditar no que ouvia. — Eu, homem feito, pareço um
adolescente. Se essa não era sua intenção. Se você não quer que isso se
prolongue, sua última chance é agora. Peça a conta, eu te levarei para casa e
vou sufocar isso com alguns litros de uísque. — Ele esperou, mas como eu
não disse nada, continuou: — Mas se, por acaso, você sentir algo parecido,
ou que eu mereça uma chance, eu juro, vou te levar para a minha casa e seria
inapropriado demais eu dizer o que pretendo fazer em voz alta.
E eu queria mais. Queria ver se nós dois seríamos tão bons juntos
quanto parecia. Queria que ele, que parecia tão perfeito, fosse o meu
recomeço, a minha virada de página.
— A conta, por favor. — E, assim que ele saiu de perto, falei para
Regan: — Pronto. Agora é a hora de ir para sua casa.
Foi como se alguém tivesse soprado vida nele. O sorriso que surgiu em
seu rosto era o maior que eu já havia o visto dar e não me segurei, sorrindo
também.
— Nós combinamos.
A tensão que senti entre nós por todo o caminho ficou completamente
insuportável no elevador. Precisei evitar encarar Regan e prestei atenção nos
números do visor, não ignorando o fato de que ele me encarava o tempo todo.
inevitavelmente, medo.
E se eu não fosse boa e, por isso, Nicolas tinha ido procurar na rua? E
se meu corpo tivesse algo errado? E se eu desistisse no meio do caminho e
quisesse ir embora? A vontade de me sabotar estava lá o tempo todo, mas fui
firme em, mesmo com medo, não deixar ela tomar conta.
cheiro me acalmasse, Regan pegou minhas mãos com gentileza, levou até seu
rosto e perguntou, com a voz baixa, dócil:
— Não quer continuar com isso para mim? Não sou muito bom com
botões.
Aquela parte era piada, mas quando suas mãos colocaram a minha
sobre seu peito, não consegui me concentrar em mais nada além de abrir sua
camisa com toda a calma do mundo, não deixando de tocá-lo no processo,
parando a cada vez que Regan respirava mais profundamente e quando meu
olhar escapava das minhas mãos para conferir o volume marcando sua calça.
Seu hálito bateu em meu rosto quando ele riu e eu salivei, cheia de
vontade de provar o gosto que teria sua boca naquele segundo. Minhas pernas
quase bambearam quando ele esfregou com cuidado o polegar no meu lábio
inferior e, quando ele falou, toda e qualquer insegurança ficou para trás.
Regan tinha pequenas cicatrizes por baixo dos desenhos e pude senti-
las em relevo quando o envolvi, acariciando suas costas, puxando-o contra
mim, para ser completamente tomada pelo calor do seu corpo.
Por sua vez, Regan envolveu meu cabelo em sua mão, me juntando a
Por um segundo, eu achei que ele fosse me jogar no sofá e que faríamos
tudo ali mesmo, mas, para a minha surpresa, andou comigo até seu quarto e
me colocou no chão com cuidado. Suas mãos vieram para o meu rosto,
parecendo ter dificuldade para me afastar um pouco e, já com a respiração
começando a ficar mais intensa, sorri, sem graça, ao encará-lo.
— Porra... — ele disse, olhando nos meus olhos. Não parecia ser um
xingamento ruim.
— O que foi?
Não levou dez segundos até eu estar nua, só com a calcinha escolhida a
dedo para aquele momento, e minha vontade foi a de me cobrir. Fechei os
olhos, erguendo as mãos para tapar os seios, mas ele segurou meus braços no
caminho e suspirou.
— Você é perfeita.
Olhei para baixo, vendo a cabeça ruiva descendo por meu púbis e
fechei os olhos, engolindo a vontade de gemer quando Regan desceu suas
mãos para minha bunda, apertou e, segurando minhas coxas por trás, afastou
minhas pernas.
dando um beijo casto sobre meus lábios. Também tentei me reprimir quando
sua língua deslizou entre a fenda, provando de mim, provocando algo que
pensei que nunca mais sentiria.
e ele não teve pudor nenhum de me encaixar sobre sua boca, com meus lábios
abertos, completamente entregue e desprotegida.
seus olhos fixos em mim, parecendo hipnotizado por minhas reações. Não
tive tempo de pensar em como me sentia por tamanha atenção, já que,
parecendo querer saber o que mais conseguiria de mim, sua língua começou
com movimentos regulares sobre aquele ponto específico e eu perdi a força
nos pés. O formigamento engraçado tomou conta dos meus pés e pernas e eu
ri quando vacilei. Mesmo assim, ele não parou.
O ruivo guiou meu corpo para sentar na beirada da cama, afastou ainda
mais meus joelhos e continuou me beijando entre as pernas, fazendo aquela
sensação se espalhar pelo meu corpo. O formigamento ganhou espaço nas
minhas coxas e eu tremi, gemendo baixinho, sentindo a língua dele me dar
uma pequena folga só para me provar de novo.
com uma das mãos e inclinei o corpo, enquanto com a outra acariciei e
baguncei ainda mais o cabelo de Regan, tentando manter o contato visual,
apreciando a cena dele fechar os olhos ao me sugar de novo. Ele me provava
como se eu fosse uma iguaria, e era capaz de eu acreditar, tamanha a
satisfação no olhar dele quando abriu os olhos de novo.
bastante para que eu sentisse meu cheiro nele, disse, olhando nos meus olhos:
Não aguentei, deitei a cabeça para trás, fugindo do beijo de Regan, com
a boca entreaberta enquanto tentava buscar ar e ele desceu beijando meu
pescoço, colo e finalmente os seios.
Meu corpo todo parecia uma grande zona erógena e qualquer lugar que
Regan encostava, mesmo que minimamente, me fazia pulsar de desejo.
dele, sem entender porra nenhuma, consegui erguer o rosto, puxando o dele
para me olhar nos olhos, pronta para pedir, mas bem nessa hora, mais um
dedo seu deslizou para dentro de mim sem dificuldade, e os movimentos no
meu clitóris ficaram mais intensos.
Não houve nenhum protesto, mesmo que eu nunca tivesse feito aquilo,
já que Nicolas achava sexo oral sujo demais. Quando seus dedos tocaram
minha língua e eu os suguei, o homem rosnou e me beijou naquela sua
selvageria contida, fazendo-me acreditar que, se acabasse só por ali, aquela
Era visível que Regan se esforçava para não me forçar a nada, mas eu
sentia o volume dentro das suas calças explodindo de vontade, e não esperei
para libertá-lo.
Abri o botão e o zíper de sua calça, ainda com a boca na sua, e ele
sorriu entre o beijo, parecendo realmente feliz por eu não mudar de ideia.
Regan se afastou pouca coisa para poder ficar sem o resto das roupas e foi
inevitável não prestar atenção em seu corpo.
Eu até pensei em dizer que continuava com meus remédios e não havia
necessidade, mas era nossa primeira transa e, se até com Nicolas,
Não usar camisinha não era um ato de amor como Nicolas tentou me
convencer, por anos. Não usar camisinha sem saber o histórico médico do seu
parceiro era burrice.
Sua boca não veio para a minha, mas sim para os meus seios, beijando-
os, sugando os mamilos, mordiscando a pele arrepiada e me deixando de
novo acesa. Foi então que me surpreendi, pronta para encaixá-lo em mim,
Regan me segurou bruscamente e eu o olhei, sem entender.
— Eu sei. É por isso que não vou parar. — Ele meneou com a cabeça e
suspirou.
— Estou fodido. — A risada dele foi baixa, mas as mãos vieram para a
minha cintura e, quando ele me deixou ajustá-lo na minha entrada, juntou
nossos corpos, olhando nos meus olhos e disse: — Agora é para sempre. —
Em uma estocada só, Regan me invadiu e eu precisei me segurar na cabeceira
da cama, conforme gemia alto, sem nenhuma vergonha de ser vista daquela
forma.
dele e me deitou na cama de barriga para cima. Ele me puxou para um beijo e
se encaixou ao meu lado, erguendo minha perna e segurando minha coxa para
cima, voltou para dentro de mim, escorregando sem dificuldade e, pela
primeira vez, Regan me fodeu.
Como se não bastasse, depois de massagear meus seios, sua mão livre
tremendo e pulsando, sem saber que era capaz de sentir aquilo, ele gemeu no
meu ouvido. Rouco, bruto, forte. E gozou dentro de mim.
E, sem eu saber se ria ou chorava, aceitei o beijo dele, que não tinha
nenhuma gota a menos do desejo de antes.
“Me diga mais, me diga algo que eu não sei
Poderíamos chegar perto de ter tudo?
Se você vai desperdiçar meu tempo
Vamos desperdiçar ele direito
…
Essa é você, esse sou eu, isso é tudo que precisamos
É verdade? Minha fé está abalada, mas eu ainda acredito”
LEWIS CAPALDI, HOLD ME WHILE YOU WAIT
Com o passar dos anos, aprendi que o que não podia mudar não me
afetaria, e o que estava ficando ruim precisava da minha mente sã para
resolver, mas foi só abrir os olhos às cinco da manhã e vê-la adormecida,
com o rosto sereno sobre o meu peito, que meu sono foi para o espaço.
controlasse, poderia muito bem acordá-la para mais, mas ela precisava
descansar.
Desci a mão que a abraçava por sua pele macia, dedilhando suas costas
até a bunda perfeita e então voltando até seu ombro descoberto e, por horas,
fiquei ali, em silêncio, aspirando o perfume do seu cabelo, analisando seu
rosto durante o sono, tentando me convencer de que aquilo era realidade e
mudava tudo.
possível.
O plano inicial era acabar com o estoque que o capitão havia reposto da
última vez e dar um jeito de sumir. Se ela topasse, eu arrastaria as coisas até o
final da faculdade dela e a levaria para um no sabático. Era o tempo que
precisava para deixar Danny bem e fingir minha morte para quem
interessava.
O lençol descobriu parte dos seus seios, mas ela não pareceu
preocupada.
Ela não respondeu, mas fez que sim com a cabeça e se encolheu na
cama.
Não consegui evitar sorrir ao ver aquela cena. Poderia ser rotina.
Dentre todas as coisas da minha vida, a missão mais fácil foi satisfazer
aquela mulher.
Era difícil acreditar que o idiota do ex não fazia nem aquilo.
Não querendo azedar o dia logo cedo por falar daquela peste, terminei
os ovos com ela abraçada a mim e me virei para vê-la. Tentei me conter para
não ficar duro quando ela se afastou, mas não deu. A visão dela usando só
minha camisa para cobrir o corpo, se debruçando sobre a mesa e levando uma
uva tão verde quanto seus olhos me tirou o juízo.
Rocei a barba por sua pele, mordiscando e beijando até sua bunda.
Parei para admirar aquela perfeição e notei que Sarah me olhava sobre
o ombro, interessada no que eu faria. Dei-lhe um tapa fraco e depois mais um
beijo, antes de me erguer e puxá-la para mim. Grudei o corpo dela no meu,
mostrando o quanto ela mexia comigo. Abraçando-a por trás, segurei em seu
queixo e a beijei a boca com carinho, mas cheio de desejo. Sarah gemeu
quando rocei o pau na bunda dela e eu a abracei com mais força.
— Por mim, você ficaria aqui pelas próximas duas semanas, para
compensar a falta que fez. — Ergui uma das mãos para acariciar a bochecha
dela e a vi sorrir. Seu olhar alternava entre meus olhos e minha boca.
— Achei que tudo isso era sobre sexo e me levar para a cama. — O
tom de piada em sua voz não me convenceu a mudar de ideia, ainda mais,
depois da noite passada.
— O sexo foi só para você ter uma amostra dos meus dotes. — Ela
sorriu de canto. — Eu quero mais do que isso. Não quero ser seu casinho, sua
boa foda amiga. Quero que me apresente como seu namorado para a sua mãe
dessa vez. Quero algo sério com você. Um compromisso.
— Regan… — ela ia começar a falar, mas seu tom de voz foi como um
— Não, eu é quem errei. Precisava ter sido decente. Aqui vocês têm o
costume do pedido, não é? E talvez, seja muito cedo. Você acabou de
terminar um relacionamento.
— Regan, cala a boca. — O tom dela não era uma bronca, mas me fez
virar para encará-la.
Ela ficou quieta, esperando algo de mim, mas eu não sabia exatamente
o que dizer.
— Sarah Müller — soprei o nome dela, trazendo seu corpo para mais
perto —, meu presente — coloquei uma das mãos no seu rosto, aproximando
do meu —, quer ser minha namorada? — O sorriso em sua boca ao ouvir
minha pergunta sob o som d’água caindo foi divertido.
— Convença-me.
Coloquei seu corpo quente e macio contra a parede, sugando seu lábio,
mordiscando seu queixo, pronto para ter uma overdose dela, porém, Sarah foi
mais rápida. Tirou minhas mãos do seu corpo, colocando-as contra a parede e
encaixou a boca no meu pescoço. A mordida leve dela ali me tirou do eixo e
meu pau endureceu. Ela descia, explorando meu corpo com as mãos e com a
boca, me deixando mais excitado, não conseguindo tirar os olhos dela, que
parecia à vontade demais para se importar com um espectador tão vidrado.
mesmo caminho pelo qual segui nela na noite anterior, mordisquei a ponta da
língua, sabendo que precisaria de um esforço monstruoso para me conter.
Dito e feito.
até que ela, comigo em sua boca, forçou a língua na minha uretra e depois
sugou.
Tudo parecia tenso, só esperando o momento certo para vir abaixo, mas
Sarah não parecia satisfeita em me fazer quase perder o juízo. Ela queria
tudo, então sua outra mão foi acariciar minhas bolas. Com cuidado no
começo, enquanto os movimentos de vai e vem continuavam sobre o meu pau
com a mão e com a boca, e sem nenhuma ressalva da minha parte, Sarah
encheu a mão em uma massagem intensa, que me fez dobrar o corpo para
frente, gemendo baixo, enquanto um “isso” escapou da minha boca.
Aguentei até onde dava, mas não demorou muito até eu me afastar e
colocá-la de pé.
Virei Sarah de costas na parede e trouxe seu quadril para mim. A água
quente bateu na suas costas quando ela empinou a bunda e eu a encarei por
um instante, tendo um segundo de noção para ver se ela me impediria de
meter sem nada entre nós.
Eu não era idiota, sempre usava camisinha, até porque, até ali eu só
tinha tido fodas casuais. Se não queria morrer na bala, também não queria
morrer com o pau fodido.
E na troca de olhares com ela, eu soube que não era para parar.
Segurei Sarah, apoiando uma das mãos em seu ventre, enquanto a outra
direcionava meu pau na sua boceta e quase gozei só por senti-la tão molhada.
Os gemidos mais altos eram por mais, e quando desci uma das mãos
dos seus seios para tocar o clitóris sensível, ela se desesperou. Encontrei o
ritmo certo, devagar, conforme continuava com a mesma intensidade das
estocadas e quando os dois se alinharam, Sarah amoleceu nos meus braços,
Com cuidado, soltei seu corpo quando percebi que ela estava bem o
bastante para não acabar caindo e a ouvi rir. Ergui o rosto, estranhando, e a
virei de frente para mim.
Seu rosto estava molhado, mas não pela água do chuveiro. De novo,
como na noite passada, ela havia chorado.
— Eu te machuquei? — perguntei, procurando algum lugar que
pudesse ter apertado com mais força do que podia, mas ela moveu a cabeça
— Não posso prometer nada. — Abracei sua cintura e acariciei sua pele
molhada, beijando o topo de sua cabeça. — Agora que começamos, não há
nada que me faça parar. Sempre vou querer você.
— Vai ficar pior ainda, mês que vem. Vamos dividir um apê — Manu
disse, conformada.
amada? Ouviu que Sarah está NAMORANDO com o ruivo gostosão? Meu
Deus, eu quero saber TUDO! Vocês transaram? Ele é bom mesmo? —
Precisei afastar o telefone e fui conferir no corredor se minha mãe não estava
por perto.
— Dá pra tentar ser mais discreta? Minha mãe ainda não sabe.
— Cala a boca, Luana. Não tá vendo que ela não quer contar? O cara
agora é namorado dela!
— É, tem razão, né? Desculpa, amiga, não queria saber do pau do seu
namorado.
acreditei que depois da transa, ele me deixaria ir embora e tudo bem, mas não
foi assim. Na verdade, acho que nunca tive tanto carinho e nunca fui tão
cuidada por alguém como por ele. E não só naquele momento, sabe? Em
tudo. O tempo todo que estamos juntos, ou quando não, ele me manda
mensagem, liga, manda foto e eu não preciso pedir. É estranho ter tido a
experiência péssima e, de repente, ter alguém que se dedica de verdade.
— É bom pra você ver como é alguém que realmente faz questão. Que
realmente quer a gente bem — Manu disse e Luana concordou.
que as coisas ficariam bem. — Porque — olhei pela cortina, vendo que
alguém havia estacionado na porta de casa —, eu gosto mais dele do que
consigo colocar em palavras.
era ele, girei a chave e abri o trinco tão rapidamente que, assim que o vi, parei
no lugar.
Regan não esperou por convite, passou o braço pela minha cintura, me
puxando para perto e disse, antes dos lábios tocarem os meus:
portão?
Assim que ela sumiu das nossas vistas, Regan colocou as mãos no meu
rosto e beijou a pontinha do meu queixo.
— Estou apaixonado pela sua filha e, por sorte, parece que ela sente o
mesmo. — Quase engasguei, mas me mantive o mais serena possível, ainda
mais quando o olhar dele veio sobre mim. Não era a expressão brincalhona
— Sarah, o que tem a dizer? — Seria muito engraçado ver minha mãe,
que sempre me deixou ser dona das minhas decisões, fingindo ser o tipo de
mãe superprotetora.
E baixinho, eu admiti:
Fitei seus olhos com atenção, vendo a diferença das cores em suas íris,
do tom claríssimo que ora parecia um azul muito claro ou um verde
desbotado, então as nuances cinzentas, que dominavam quase todo canto.
Ele relaxou.
— Eu gosto disso.
— Bom, já basta a nossa diferença de idade, não quero que pense que
vida, tem?
perto da minha, me olhando daquele jeito, causou algo tão louco dentro de
mim, que me senti em combustão. Todo o meu corpo queimava de
necessidade dele.
Mas, pensando no que ele havia dito, e sabendo como minha mãe era,
— Então, depois, quero saber como seria sua versão não delicada.
últimos tempos, Nicolas não me tocava, e quando eu queria algo, ele nunca
reagia, e com isso eu fui parando de me arrumar. Não tinha vontade nenhuma
de ficar bonita, nem para ele nem para mim. A sensação era horrível, mas
agora, tudo parecia fazer muito tempo.
— Uau, que legal! — ela disse, só para ele, e eu quis rir. — Bom,
temos essas cervejas em promoção hoje e… — Depois de um caminhão de
informações direcionadas a ele, Regan fez questão de se dobrar na minha
direção e perguntar:
— O que foi?
— Acho que, com tudo o que conheço de você nesse pouco tempo, não
há nada que me conte que faça com que eu vá embora. Pelo menos, acho que
não há nada do que você possa falar que vá me assustar facilmente —
confessei.
— O que você costuma fazer nas suas férias? — ele perguntou do nada
e eu já estava com um pedaço do hambúrguer na boca.
— É.
— Acho que para qualquer lugar. Eu gosto de mato, de ver o sol se pôr,
— O que é?
Uma garota de calças justas e decote avantajado estava ali, com Nicolas
abraçado ao seu pescoço. Ambos sorrindo, como se a piada fosse muito boa e
nós não tivéssemos entendido.
— Por quê? Seu namoradinho não tá feliz ao saber que está com o meu
resto?
Eu não segurei Regan, mas Nicolas era esperto o bastante para se
afastar, rindo como se fôssemos idiotas.
Demorou pelo menos dez minutos para que ele falasse algo.
— Eu também.
— Está tudo bem, nós vamos resolver isso juntos. — Repeti aquela
frase pelo menos dez vezes, antes de ele se erguer, respirar fundo e me
encarar.
E, se dando por vencido, depois de ver que eu iria com ele, se encostou
contra o capô do carro e fumou três cigarros, um atrás do outro, preso em
algo na sua mente que eu não quis saber o que era.
Depois de passar em casa e avisar minha mãe que dormiria fora, peguei
Sarah vagabunda.
apartamento.
Foi só lá que notei que, por todo o caminho, ninguém disse nada.
de mim. E devia ser uma merda ver que todo o esforço ia por água abaixo só
pela aparição do ex tóxico e problemático.
O olhar de Regan desceu dos meus olhos para minha boca, então para o
meu colo e em seguida para os meus seios.
estômago.
Eu rezava para aquela sensação nunca mudar, já que estava claro que
eu havia me viciado no amor de Regan. Tão brutalmente, de um jeito tão
intenso, que só de tê-lo no mesmo ambiente, ou uma simples troca de olhares
à distância, sabia que poderia colocar fogo em uma cidade inteira se não o
tivesse comigo, em mim, logo de uma vez.
Seu vício em mim era ainda mais doentio, e eu gostava muito, tanto que
quando ele me ergueu, fiquei com os saltos sobre o sofá e o ajudei a erguer
meu vestido, prendendo-o na cintura conforme ele me puxava, encaixando
seu rosto entre minhas pernas.
calcinha para o lado, Regan me abriu e tomou meu clitóris em sua boca.
O vai e vem quente e intenso me fez rebolar contra seu rosto. Eu queria
tudo e mais, e com ele não era um problema. Regan me fazia sentir a mulher
mais bonita, mais atraente e poderosa do mundo todo, e aquilo me dava a
segurança necessária para me soltar e fazer o que desse vontade, como a surra
de boceta que eu estava prestes a dar nele.
suas mãos e, finalmente, depois de arrancar o vestido como dava por cima da
cabeça, voltei para o seu colo, abrindo suas calças com impaciência e uma
pressa desesperada.
— Calma o caralho. — Ele riu, deitando a cabeça para trás, e foi bem
nesse segundo que eu consegui o que queria.
Seu pau parecia agradecido por eu tê-lo colocado para tomar um ar. A
cabeça vermelha e brilhante denunciava o tesão de Regan. As veias saltadas
encheram minha boca d’água, e eu não o esperei tomar uma atitude.
Afastando minha calcinha para o lado, ergui os quadris e sentei nele de uma
vez. O gemido que escapou da minha boca foi compartilhado por Regan e, de
repente, ele também não queria nada calmo.
Comecei a cavalgar sobre ele, movendo os quadris com auxílio das
suas mãos, que me apertavam sem dó, forçando meu corpo para frente e para
trás conforme sua boca voltava ao meu colo, beijando cada parte minha que
conseguia alcançar.
com todo o apoio que precisava para acabar com ele ali. E, agarrada ao seu
pescoço, encarando os olhos cinzentos ansiosos e rendidos, me libertei da
última gota de insegurança sobre o que podia ou não fazer e sentei nele em
um ritmo intenso e rápido, o levando até o talo dentro de mim, para tirá-lo
de dentro de mim. Regan agarrou minhas coxas e, sem tirar os olhos do nosso
encaixe, me fodeu forte.
Tapei o rosto com a almofada, sabendo que não teria para aonde fugir e
gritei quando ele se forçou até o fundo.
— Dói. — Não era mentira. Ardia tê-lo, e toda vez que tocava fundo
incomodava um pouco.
sorrir.
Ele veio e obedecendo ao meu pedido, não parou por nenhum segundo,
até que o ritmo se manteve e, com minhas pernas nos seus ombros e seu pau
dentro de mim, eu não avisei e o agarrei, gozando tão brutalmente, que ele
não teve escapatória.
Sua mão subiu até meu rosto e ele, com a fala atrapalhada pela
respiração entrecortada, disse.
escritório em casa.
— É porque ninguém mais quer trabalhar com ele. Estão dizendo por aí
que Gavilha é um traidor, então boa parte dos outros vendedores não está a
fim de arranjar problema vendendo para ele.
— Não se preocupe com isso. Além de que, vou exigir um bom frete.
“Sei que ficamos grudados no final de semana, mas a aula de hoje é uma
“Isso é um convite?”
“Entenda como quiser.”
Fazia pouco mais de um mês que estávamos juntos e Sarah já tinha sua
escova de dentes no meu banheiro, uma gaveta com roupas suas e era normal
dormir, pelo menos duas vezes na semana, em casa. Era o tipo de coisa que
eu nunca havia permitido ninguém fazer antes, mas com ela, meio que só
aconteceu. Sem pretensão, sem ser forçado e, pela primeira vez em toda a
minha vida, eu entendia o que era viver e não sobreviver.
— Estou sabendo que não tem deixado o Thomas em paz. Você precisa
parar com isso, antes que perca toda e qualquer chance de uma entrega
decente na sua vida — comentei, tragando de novo.
Billy aproveitou o momento de silêncio para recomeçar a falar, mas o
interrompi.
— Escute. Serei breve o bastante para que você faça seu monólogo
depois que eu desligar. Ninguém mais quer te atender porque você não tem
honra, William — chamá-lo pelo nome tinha um peso diferente. — Você já
perturbou o capitão o bastante para saber o que temos de mercadoria, mas só
Está bem.
— Ah, tem mais uma coisa — falei. — Pare de ligar para mim ou para
o capitão. Quando precisarmos falar com você, nós ligaremos. Se for urgente,
mande mensagem.
Não demorou muito para o celular tocar com a mensagem dele sobre o
que queria, para quando precisava. Demorei um pouco mais fazendo cálculos,
tratando sobre prazos e como funcionaria a entrega, já que era muita
mercadoria mesmo e, quando Billy fechou sem chorar o preço, me senti
liberto.
preferi terminar minha bebida com calma e, quando saí do escritório, o sol já
havia sumido por completo e as luzes estavam todas acesas e, ao contrário do
que pensei, não havia som de chuveiro ligado.
— Ah, é uma dessas engomadinhas. Eu não sei muito sobre ela, sei que
faz uma faculdade mais cara que a minha e ama ficar falando merda. Nomes
— Então, não acho que você deva se preocupar. Se seus chefes forem
justos, e interesseiros, o que quase todo chefe é, no final, eles vão escolher
quem produz mais e se sai melhor e não quem tem o pai ou a mãe certos —
falei, massageando o peito do pé dela, vendo Sarah fechar os olhos, enquanto
relaxava. Sua boca entreabriu por um segundo, antes de ela sorrir.
— É mesmo?
Levantei-me, sabendo que ela abriu os olhos para ver aonde eu ia, e
indo até o bar, servi uma taça de vinho branco que ela pareceu gostar um dia
desses.
— E isso não tem nada a ver com o fato de você estar sendo levemente
mimada, não é?
— Nem de eu gostar ainda mais de você por descobrir essa nova
habilidade.
— Sarah?
— E suas amigas?
— Claro.
— O quê?
— Obrigada por não me prender.
nos lábios, sabendo que ela confiava em mim o bastante para adormecer
daquela forma, que tive completa certeza de que eu a amava.
Nós nunca mais havíamos falado sobre aquilo, desde nossa primeira e
única foda-pós-briga-falsa, mas se ela quisesse saber, se me perguntasse
naquele segundo, eu diria: sim, eu te amo e faria de tudo por você.
“Mantenha suas confissões
Porque, querida, eu não sou santo
Estamos brincando com fogo
Mas eu gosto desse jogo
E eu conheço seus demônios
Eu os conheço pelo nome”
IN FLAMES, DIGITAL DAGGERS
— Vocês vão sair hoje? — minha mãe perguntou, enquanto tirava mais
uma fornada de bolinhos do forno. Sentei de um jeito pouco confortável na
cadeira, enquanto a assistia desenformar cada um deles perfeitamente para
poder esfriar e rechear, mas não me aguentei, roubando um deles, quentinho,
já colocando na boca.
— Desculpa, é que eu amo esses bolinhos e você quase nunca faz para
mim — apelei e consegui um olhar carinhoso, antes de ela dar de ombros e se
concentrar nos que haviam sobrado. — E, até agora, Regan não disse nada.
Na verdade, até disse, que vai trabalhar até tarde. Esses dias têm sido mais
intensos, notei que ele anda trabalhando mais e resolvi dar uma folga.
— Ah, você sabe… Estamos juntos não tem nem três meses e eu já
tenho até digital na porta da casa dele.
— É, mas ele é bem normal, sabe? Não tem nenhuma frescura. Regan
nasceu mais pobre do que a gente, mãe.
— Uma vez só? — Neguei com a cabeça, não sabendo se ria. — Então,
é só trabalho mesmo, e tem razão. Talvez seja melhor deixar ele resolver logo
os perrengues dele. Inclusive, você podia ficar em casa este final de semana e
me ajudar com as entregas, né?
amigo, vou dando uns beijos nos velhos lá do encontro da boa idade.
— Deus me livre!
— Que bom, que é bom na hora que entra, mas na hora da criança sair,
não é bom, não.
Quando parei para mandar mensagem para ele, depois que o professor
passou a lista de chamada, Helena me chamou.
Olhei em volta, vendo todo mundo indo e pensei não ter motivos para
negar.
— Sério? Uau, que legal. E fico feliz daquele idiota finalmente parar de
te perturbar. Comigo tem sido… diferente. — Ela não parecia feliz.
— Diferente?
— Eu namoro com meu chefe, mas nós não assumimos nada, porque é
uma merda no trabalho, e Nicolas fez tanto inferno, que decidi pedir
transferência — ela lamentou. — Vai ser bom, eu acho. Vou poder ter paz no
— Sério? Se a mudança vai ser boa pra você, eu fico feliz. Também foi
complicado pedir as contas na Squat, mas eu precisava… Até porque, depois
— Regan está aqui. Veio me buscar para dormir na casa dele, e esta
semana ele tem trabalhado demais, então acho que preciso dar uma
assistência. — Ela sorriu, pegando o copo que eu devolvia para ela, me
observando enquanto eu abaixava para pegar minha mochila. Quando fiz o
movimento para baixo, o pingente do meu colar se projetou para frente e
conforme me ergui, Helena levou a mão até ele, sem cerimônia.
— Ele é irlandês, né? Sei que essa coisa do trevo é comum para eles e
tudo mais, mas há algumas semanas, pegamos um carregamento de armas
cheias desse símbolo. — Ela acariciou o trevo e eu fiquei um pouco receosa
pela desconfiança que vi em seus olhos.
— Claro! — A abracei e beijei sua bochecha, pronta para ir, quando ela
me segurou pelos braços e olhou nos meus olhos de um jeito bem profundo.
— Só uma última coisa. Eu estou muito feliz por ver você assim.
— Assim como?
Ele suspirou, ajeitou o carro para tirá-lo da vaga e disse num tom que
Eu ainda não entendia como aquilo funcionava. Era só estar perto dele
que a necessidade de o ter junto de mim virava algo alucinante. Chegava a
doer, caso eu mantivesse distância física quando estava com Regan e senti
isso no momento em que ele desceu do carro na garagem, soltando minha
coxa. Foi como se aquele pedaço meu congelasse sem sua mão sobre a pele.
Foi bom reparar que não me tocar também o incomodava e logo que as
portas metálicas se abriram, Regan entrou primeiro, apertou o botão do seu
andar e, assim que eu entrei, me girou em seus braços e me abraçou, juntando
o corpo em minhas costas, com os braços sobre os meus.
As portas se fecharam.
— Alguma hora será que isso vai diminuir? — ele perguntou, com a
boca contra o meu pescoço, com o sopro fazendo cócegas naquela área.
— Não faço nem ideia. — O tom irônico na minha voz me custou uma
mordida.
inferior para não fazer nenhum som indevido. De repente, o som das portas
abrindo me fizeram abrir os olhos, e Regan que não parou por nenhum
segundo o que fazia, me fez andar para fora ainda com o corpo colado no
meu, não parando nem mesmo quando comecei a rir.
— Preciso abrir a porta — falei, entre o riso, com as mãos presas pelas
suas.
Meu corpo todo, cada pequeno pedaço, cada célula minúscula, exigia
Regan.
Levando-me até o balcão do bar que era mais próximo, Regan me
apoiou sobre a superfície de madeira e subiu as mãos pelo meu corpo, já
camisa.
Queria Regan sobre o meu corpo, em meu coração, sob minhas veias.
Queria ficar tão junto dele a ponto de não saber onde um terminava e o
outro começava, e parecendo querer aquilo também, senti quando sua mão se
entrelaçou aos cabelos da minha nuca e ele puxou com aquela brutalidade
contida que eu tanto gostava.
Forçando-me a olhar para cima, Regan puxou meu rosto para o dele e
me encarou tão intensamente, que pensei não ser capaz de desviar o olhar
nunca mais, caso ele não quisesse me libertar. Havia ali um desejo que nunca
havia visto antes, que nunca sonhei encontrar, e era todo sobre mim.
Com a mão livre, o ruivo acariciou a linha da minha mandíbula e
encaixando meu rosto em sua mão, esfregou o polegar no meu lábio inferior,
Sua boca na minha era exigente, suas mãos pelo meu corpo sabiam o
que queriam provocar e ele já conhecia bem o bastante o terreno.
E ele desceu, largando minha boca para beijar meu queixo, garganta e
colo, como eu havia feito com ele, antes de soltar meu sutiã e me obrigar a
erguer a cabeça e inclinar o corpo enquanto dava atenção aos meus seios.
Tentei relaxar só um pouco, mas foi impossível, ainda mais quando sua
mão livre seguiu o caminho de dentro das minhas coxas e, invadindo o jeans
larguinho que eu usava, esfregou meu sexo úmido e pulsante.
Voltei e beijar sua boca, brincando com sua língua ao prendê-la entre
meus dentes de leve e perdi completamente o controle quando, tarde demais,
percebi que ele teria sucesso com o que fazia entre minhas pernas.
Sem tirar os olhos dos meus, Regan me ajeitou com as coxas sobre seu
— Ah, sim. Sarah, meu nome é Edna. Sou assistente social do hospital
Santa Ana. Estou ligando porque você é o contato de emergência do senhor
Nicolas Soares, está certo?
então, sem esperar mais, encaixou a boca em mim, sem nenhuma intenção de
parar, lambendo em um ritmo gostoso demais para me fazer conseguir fingir
normalidade.
relacionada a nós.
manter no lugar.
E, quando pensei que nada mais pudesse fazer aquilo mais intenso, os
Os gemidos foram aos poucos sendo contidos com a mordida forte que
dei no lábio inferior e, enquanto sentia os beijos de Regan ainda entre minhas
pernas, com a língua substituindo os dedos dentro de mim, recobrei um
pouco do controle e abri os olhos.
boca dele.
Ele era quente e tinha o meu cheiro espalhado por todo seu rosto.
Puxando minha boca para a sua, ele bebeu tudo o que havia em mim e
me beijou, indócil.
Eu sorri, sabendo que não havia nada no mundo naquele momento que
eu gostasse mais do que Regan com meu cheiro, completamente louco por
mim.
Sua boca pelo meu corpo, suas mãos na minha cintura, seu pau dentro
de mim. Não havia mistura melhor e conforme o ritmo aumentava, mais
entregue, mais dele, eu me sentia.
Eu poderia, fácil, morrer por Regan, assim como eu sabia que ele
estava pronto, desde que colocou os olhos nos meus, para morrer por mim.
Com seu rosto contra o meu peito, vi que ele sorria. Sua respiração
estava tão sem controle quanto a minha, e nossos corpos suados e ainda
juntos, não tinham um começo ou um fim.
— Nunca de você.
pensando no quão bizarra era aquela ligação. Se Regan, por acaso, sumisse da
minha vida naquele minuto, eu não sobreviveria, era um fato. Encontrá-lo foi
como acordar de um pesadelo, ou então, depois de viver perdida, finalmente
achar um norte.
Era por isso que eu tiraria meu coração para dar a ele, mesmo sabendo
que ainda existiam algumas raízes podres na carne.
Aquilo doeu.
bem, que deixei meu namorado adormecido e saí com a chave de seu carro.
Era por mim, mas por ele também, que eu iria até Nicolas daquela vez,
finalmente limpar as últimas ervas daninhas dentro do meu coração.
— Eu sabia que você viria — ele disse, quando abriu os olhos.
— Ah, Sarah, eu não posso mais. Não posso mais viver sem você. —
Nicolas esticou a mão na minha direção, mas dei um passo para trás e me
abracei.
— Eu não vim por você. — Minha voz saiu mais fria do que eu
esperava e os olhos dele entregaram que aquilo era uma surpresa. — Só estou
aqui para confirmar, mais uma vez, que você é uma decepção para a sua mãe.
Mas foi bom descobrir que você usa drogas e sei lá mais o que, isso mostra
que eu não te conheço.
acabou, mesmo. Que vou até seu chefe ou em qualquer outro canto que
impacte sua vida o bastante, se você não deixar a mim e aos que eu amo em
paz.
— Mas, Sarah, eu estou dizendo a verdade. Ele não presta! Ele está
Querendo sorrir, mesmo com lágrimas saindo dos meus olhos, sabe lá
Deus o motivo, eu dei as costas a Nicolas ali, e eu esperava que fosse para
Acordei com o vento frio batendo nas minhas costas e abri os olhos,
pronto para cobrir Sarah, mas ela não estava lá. Ao meu lado só havia um
espaço vago e frio, eu levantei em um pulo.
— Boa noite.
Eu só fingi que não tinha ouvido, mas sabia que tinha coisa errada.
Idiota, por pensar, ao vê-la reagir daquele jeito, que Sarah não se importava
mais com o ex.
Com uma raiva sem tamanho crescendo no peito, virei um copo inteiro
da bebida quente e tornei a enchê-lo, me sentando no sofá em frente à porta,
Meu peito ardeu, minha garganta secou. O medo que tinha de Sarah
virar e dizer que não me queria mais parecia pronto para me bater na cara,
mas antes que isso acontecesse, ela suspirou profundamente e girou, ficando
de frente para mim.
magoado e ela notou, erguendo os ombros e respirando fundo, mais uma vez,
antes de vir em minha direção.
— Sabe aquela ligação de mais cedo? Era sobre Nicolas. Parece que ele
se drogou e quase teve uma overdose… — Ela moveu o peso de um pé para o
— O quê? — ela perguntou, mas sabia que ela tinha entendido muito
bem a pergunta, tanto que respondeu depois de alguns segundos. — Não
mais.
Não consegui dormir aquela noite, mas não me movi quando ela veio se
enfiando sob as cobertas e me abraçando por trás.
Levantei com cuidado, tirando as mãos dela do meu peito com a maior
delicadeza possível, porque não queria acordá-la, mas falhei na missão.
Assim que me ergui, ela se sentou e minha tentativa de fugir antes que ela
quisesse conversar deu errado.
odiando? Sem saber para onde você tinha ido… Fiquei preocupado. Um
pouco menos quando liguei na portaria e descobri que tinha saído com meu
carro. Se alguma merda acontecesse, pelo menos, estaria segura, já que é
blindado, mesmo assim, mesmo quando acho que consegui te afastar… —
estava nas últimas mesmo, então achei que fosse decente da minha parte
deixar o garoto ter um tempo com o velho, mesmo que me fodesse.
— Por que eu tentaria voltar para o passado, quando tenho tudo o que
quero bem aqui? Eu amo você, Regan. — Era a segunda vez que ela dizia
aquilo, sem nenhuma gracinha por trás. — Não foi minha intenção te deixar
preocupado. Na verdade, eu fui até lá só para poder dizer essas palavras sem
o peso de nenhuma sombra sobre elas. — Colocando as mãos sobre o meu
rosto, puxando-me para baixo, para si, Sarah disse, encarando meu olhos com
as esmeraldas vivas que tinha dentro dos seus: — Eu te amo, Regan. E não há
absolutamente nada que possa ficar entre nós.
Ouvir aquelas três palavras saindo dela com tanta determinação fez o
impossível comigo. Era como se eu fosse um corpo seco, esquecido entre as
Ela não me seguiu, o que foi bom, já que eu precisava colocar minha
arma no coldre e a jaqueta por cima.
fazendo com que ela risse. Parei depois de girá-la nos meus braços e ela
acariciou meu rosto, tocando a testa na minha.
Era bom que o dia fosse sossegado, ou o homem que cruzasse meu
caminho se arrependeria amargamente de me afastar dela por mais tempo que
o necessário.
trânsito.
Eu precisava descobrir até que ponto da milícia ele estava metido. Qual
o grau de comprometimento dos seus amigos em querer vingá-lo. Qual as
consequências de fazê-lo acordar com os peixes… Por sorte, eu conhecia
alguém que poderia me dar algumas informações que eu precisava.
Levei meu carro até a parte de descarga do porto e esperei até o fiscal,
que tinha uma renda extra mensal bem grande, me autorizar a descarregar
onde alguns dos marujos me esperavam, prontos para pegar toda a carga que
— Eu vou voltar, mas estou meio sem tempo e preciso falar com você.
— Então, Lobo. Eu trago tudo o que você precisa e mais uma nova
remessa. — Ele se afastou e apoiou os braços no parapeito. — Estão felizes
com você. — Era mais uma informação do que uma comemoração.
— Quem é ela?
— Brincadeira vai ser quando o pai dela fizer das suas bolas o novo
peso de porta dele. Que seja, antes de eu ir, o que você pode me contar mais
sobre o miliciano que te avisou daquele dia?
— Nada…
Fiz mais uma viagem e cheguei ao porto quando a noite começava a dar
as caras.
— Oi, baby. — Não queria dizer o nome dela em voz alta, ainda mais
perto de alguém envolvido tão diretamente ao I.R.A.
— Você sabe que meus casos não envolvem sentimentos, não é? Essa
ainda é a mulher pela qual você arranjou briga no bar?
— Você deveria ser mais esperto… Nosso mundo não foi feito para
qualquer um.
dei alguns passos para trás e segui para uma ducha rápida.
Será que eu havia feito algo de errado? Será que o assunto antes de eu
chegar era sobre algo que ela não queria me contar? Os questionamentos
passaram por mim como uma tempestade de poeira, deixando pequenos
— Regan, que bom que voltou — uma das meninas disse, a de cabelo
ao seu lado.
Com Sarah ao meu lado, parecendo realmente fazer esforço para não
tocar em mim, levamos as duas até a porta e quando elas saíram, foi como se
o peso de mil pedras viessem sobre mim.
Queria chegar perto dela, abraçá-la, entender o que acontecia, mas era
como se houvesse uma parede entre nós que não me deixava seguir.
— Eu sou uma idiota, mas você? Você é ainda pior! — Ela finalmente
se virou completamente para mim e eu não respondi, só esperei. — Eu
Ela andou até mim, os passos firmes, pesados, e parou bem na minha
frente, com uma distância de meio metro de mim. Seus olhos pareciam conter
uma fúria descabida. E apesar de ela parecer chateada, eu não encontrava isso
ali, mesmo que não tivesse tanta certeza.
Respirei fundo, olhando para o chão, para o segredo sujo que escondia
dela e fechei os olhos, antes de dizer qualquer coisa.
Respirei fundo mais uma vez, tentando domar aquele sentimento novo,
Por que é que eu tinha a merda de um alvo para o azar bem nas costas?
Eram tantos barris naquela varanda, que pensei que pegar só um litro da
bebida cara e importada de Regan não seria problema. Acontece que, a última
coisa que encontrei ali foi algo em estado líquido.
E antes que eu pudesse correr dali, que pudesse fugir daquela situação
toda, o interfone tocou.
Decidida a digerir tudo aquilo, levantei num pulo, tapei como dava o
barril e corri para atender ao interfone e deixar minhas amigas subirem.
encolhida, esperando.
Esperava que ele fosse dar para trás, e estava pronta para acertar seu
rosto com a mão cheia, antes de ir embora, mas suas palavras me prenderam
no lugar.
Aquilo era algo que eu sabia que ele não queria me contar.
— Eu já te contei que nunca mais vi minha mãe. Soube por uma carta
ao meu pai que ela morreu alguns anos depois de eu sair de casa. — Ele
tragou seu cigarro e tentou me ler, mas sem sucesso, continuou: — Aos
dezesseis, eu trabalhava com meu pai nas docas quando ele morreu. Fiquei
órfão, sem dinheiro, sem casa nem nada. Não tinha nenhuma escolha certa
que eu pudesse fazer naquele momento. Cheguei a roubar comida, dormia em
qualquer lugar que desse e trabalhei como um filho da puta para tentar me
manter, mas menor de idade, ninguém queria me pagar muito. Até que, pela
primeira vez na vida, a sorte me sorriu.
Engoli parte do meu ódio a seco ouvindo o tom de voz de Regan. Era
como se, conforme ele contava, eu conseguisse enxergar uma versão mais
nova e completamente diferente do homem que estava ali na minha frente. Se
eu tivesse desesperada como ele, será que teria ido pelo mesmo caminho?
quando isso aconteceu, eles começaram a revidar. Mais uma vez, o meu
tamanho me colocou em destaque, e eu era bom de briga, então me
colocaram como soldado. No meio da guerra que dominava as docas,
atacamos chineses e britânicos. — Um sorriso rápido surgiu em seu rosto e
percebi que ele também revivia aquilo enquanto me contava. —
Conquistamos territórios para nossos navios, com o tempo abrimos espaço
píer por píer nas docas. Era um tempo onde a gente só podia andar com facas
e porretes, por causa da polícia, e foi durante esse período que ganhei o
apelido de Lobo de Belfast.
— Eu não me orgulho disso hoje, mas diziam que depois que eu saía do
combate, os corpos que eu deixava pareciam ter sido dilacerados por uma
alcateia.
— Continue. Quero saber tudo. — Minha voz saiu mais baixa do que
eu gostaria.
— Um tempo depois, os russos resolveram contra-atacar em nossa
casa. Um grupo armado invadiu Belfast e matou boa parte dos meus colegas.
Eu estava por lá, mas como era um rosto conhecido, fui levado junto dos
outros sobreviventes. — O ruivo parou de novo, escolhendo as palavras,
como se doesse colocar aquilo para fora e disse: — Viramos cães de briga. —
Meu coração doeu. — Eles apostavam no vencedor e nos colocavam para
Não entrava na minha cabeça que ele, o cara que tinha me salvado e
vinha sendo um belo projeto de príncipe encantado, tivesse aquele histórico.
Simplesmente não encaixava.
do Sul, até que Denan morreu. Ele não estava nem perto dos quarenta quando
isso aconteceu e quando o filho dele assumiu, me trocou de cargo. Eu gostei,
assim parei de viver como cigano e pude voltar à minha terra. Como
negociador, decidi fazer faculdade, melhorar meu currículo, saber mais sobre
o que eu vendia e isso durou até que a Interpol...
tudo. Foi um massacre, mas consegui fugir, depois de matar dois agentes.
— Minha cabeça está a prêmio por aí, depois disso. Consegui vir para o
Olhei para Regan, parecendo acabado por me contar tudo aquilo, para
as armas no chão, para a quantidade absurda de barris ali, naquela área, com
mais armas dentro e, de repente, quis fugir.
Saí, pisando forte em direção à porta, mas ele foi mais rápido.
sozinho e que não valia a pena deixar ninguém entrar e mudar tudo, mas… —
Com receio, seus dedos tocaram minha bochecha. — Você fez isso. Você é
minha liberdade, Sarah. É meu presente. O que sinto por você, o que quero
com você, não é brincadeira de criança, nem passageiro.
— Por você, eu vou mudar tudo. Vou sair dessa vida e recomeçar. O
plano é acabar esse trabalho, zerar o que tenho, e recomeçar. Com você, se
você me escolher assim como te escolhi. — Tendo certeza de que eu tinha
escutado todo o seu discurso desesperado, ele me soltou e eu suspirei,
notando que passei os últimos segundos sem respirar.
Meu coração batia rápido demais, meu corpo parecia febril, a vontade
de chorar de novo estava lá, mas tudo o que fiz foi limpar a garganta e dar um
Qual era a próxima piada que o universo vinha preparando para mim?
Deveria ser fácil considerar a regra moral e ser o tipo de garota correta,
mas quando o coração escolhia, a única alternativa possível e cabível, era
quebrar aquela merda de medida e seguir com as minhas crenças e intuições.
denunciá-lo. Regan me queria acima daquela vida e estava pronto para deixar
tudo para trás só porque cruzei seu caminho. Esse tipo de sacrifício devia ser
válido, ainda mais porque vi com meus próprios olhos o policial vilão e o
traficante mocinho.
Na ficção, eu poderia até ser uma idiota, mas, na realidade, não havia
bem e mal completamente separados. Yin e Yang estavam aí para comprovar.
Nem mesmo eu era uma santa, mesmo tendo passeado com o diabo no
passado.
cozinha marcou 1h23 da manhã, passei por ele e fui direto para o escritório,
abrindo a porta de supetão, encontrando Regan com as mãos no rosto,
falando baixo no idioma que eu não entendia nada.
Suas mãos faziam minha pele esquentar, seu cheiro me fazia quase
tonta e o coração só faltava explodir tamanha a rapidez com que batia. Minha
boca salivava tamanha a vontade de beijá-lo e eu poderia passar o resto da
vida em silêncio, só encarando seus olhos, sabendo que aquele tipo de ligação
era tão rara que, nem que eu procurasse pelo mundo todo como ele já havia
feito, encontraria algo do tipo.
— Então, isso basta. — Minhas palavras foram como fogo sobre gelo.
Até ali, eu tinha minhas dúvidas se eu o amava mais do que ele a mim,
mas naquele segundo, tive certeza de que a briga para definir a extensão
daquele sentimento seria mortal.
Sua felicidade tinha um gosto diferente em sua língua, e ele me
dominou sem trabalho algum, se erguendo comigo no colo para me apoiar na
apelaria tanto.
— Ou odeia você.
Eu duvidava muito.
“Porque os dias vêm e vão
Mas meus sentimentos por você são para sempre”
FOREVER, PAPA ROUCH
— Já era esperado, acho que ele está mais aliviado do que outra
coisa… Enfim, ele vai me mandar mensagem, com o endereço do local do
enterro.
— Eu vou com você — ela disse, antes que eu fazer a pergunta e não
pude evitar me sentir feliz, mesmo que o momento não fosse o ideal.
naquela semana.
— Já que você dirigiu, como uma ladra, no meio da noite, eu acho que
pedindo permissão, não teremos problemas. — Roubei dois chicletes de
menta do pacote dela e suspirei. — Não lembro qual a última vez que tentei
parar de fumar.
— Eu imagino que não, desculpe rir disso, mas um mês? Acha que vai
conseguir parar depois disso? — As sobrancelhas se juntaram e ela me
encarou com os óculos escuros na ponta do nariz, exibindo os olhos verdes
que eu tanto adorava.
— Se Deus fez o milagre de fazer você ficar, por que não faria o
milagre da vontade de fumar sumir?
— Vou. Mas não é tão difícil assim para mim. Eu só fumava quando
estava muito nervosa, ou quando tinha certeza de que ninguém — eu sabia
quem era esse ninguém — poderia me dar broncas por causa do cheiro. Eu
não considero ter um vício.
— Você não tem nenhum vício? Nada que queira o tempo todo?
— Não é mais um segredo que amo você. — O jeito como ela falou
aquilo, tão natural, me fez tirar os olhos da rua e encará-la.
— Há quatro anos, eu precisei tomar uns pontos por uma briga que me
meti. Encontrei com Danny berrando com os médicos e parei para prestar
atenção. O convênio do pai dele não cobria alguma coisa que ele precisava
com urgência. — Lembrei-me da cena como se estivesse vendo tudo aquilo
— Danny está nos meus planos. Vou deixar um bom dinheiro para que
ele se mantenha e conversar com alguns contatos. Ele merece uma vida
decente. Tem só vinte anos, se der sorte como eu, ainda tem muito chão pela
frente. — Olhei para ela, esperando que a tensão da outra noite voltasse, ou
que, de repente, ela se desse conta de que estava ao lado de um maldito
bandido.
— O que foi? — ela perguntou, quando notou meu olhar.
Ainda acho que entrei em coma desde a hora em que você descobriu tudo.
Que isso aqui é uma realidade alternativa, ou então que você vai abrir a porta
e sair correndo, me odiando, porque, você sabe… — soprei —... eu não sou
bom.
— É mesmo?
— Me explique, então…
deveriam ser boas e não são. Sou quase uma especialista na hora de
classificar o bom e o mau, e você, irlandês, pode até ter sido o vilão, alguma
hora, durante os últimos anos, mas no fundo, Regan, você não é mau. — Seus
olhos semicerrados, aborrecidos, me fitaram, esperando que eu fosse retrucar.
primeira mão de terra sobre o caixão, e então esperou os coveiros fazerem sua
parte.
— Não, é que, vê-lo assim, me faz imaginar quando será minha vez.
Minha mãe e eu somos sozinhas no mundo, e eu sei que se a vida seguir seu
curso, um dia serei eu a enterrá-la.
— Tenho certeza de que dona Fátima vai viver muito, e que quando
partir, se Deus for justo, vai haver uma ala só para ela no céu. — Beijei a
testa dela e a ouvi rir.
o meu garoto de confiança foi até sua moto, colocou o capacete e partiu.
— Você é o único item que não se encaixa nessa lista — respondi, com
a voz mais baixa e ela me olhou, desconfiada.
— Por quê?
vida, e como se respirar dependesse daquilo, mantive uma mão firme na sua
nuca, mantendo seu rosto perto do meu, enquanto o cheiro e o gosto de menta
da sua boca se misturava com o da minha.
O aviso de Danny não me pareceu perigoso, até notar que, mesmo com
Sarah na pista da direita, não correndo com tudo o que o carro podia dar, uma
moto e um outro carro, com potência o bastante para passar por nós,
— Mas o tanque está com três quartos. — Ela olhou, confusa. — Quer
ir ao banheiro?
— Pare ali e, por tudo o que é mais sagrado, não desligue o carro. —
Meu tom sério fez o vinco entre as sobrancelhas dela aparecer.
parecendo incomodada.
— E Sarah?
— Bom… Pelo que estou vendo, hoje vai ser dia de testar minha
mulher e meu carro. Até depois.
Esperei um pouco para ver qual era a dele, mas não demorou até que
ele erguesse a viseira do capacete e falasse algo com Sarah. Ele sorria e fez
sinal com a mão para que ela abaixasse o vidro.
Felizmente, ela não fez e eu não esperei mais nenhum segundo para
agir.
Sem correr, mantendo a boa postura de quem não tinha medo, caminhei
direto para o carro. Os olhos do motoqueiro encontraram os meus e,
mostrando a arma no coldre, ele deu um passo para trás. Eu não parei por aí,
era arriscado demais não deixar clara a minha ameaça. Coloquei a mão sobre
ela, já encaixando o dedo no gatilho, pronto para mandar o desgraçado se
afastar do carro, mas antes que pudesse esticar completamente o braço, o
estampido alto tomou conta do ar, os gritos dos civis inocentes também
ganharam força junto com o berro que Sarah deu, olhando em volta e me
achando ali, apoiado com as mãos no vidro da janela.
— Regan, caralho, não! — Ela tentou me puxar com a mão livre, mas
era tarde demais. Eu já estava com metade do corpo para fora da janela,
tentando mirar decentemente no carro que nos seguia, conforme ouvia o som
do motor da moto rasgando o vento para vir ao nosso alcance.
— Sarah, amor, diminui — pedi, mas foi como falar com o vento. —
Sarah…
Quando percebi que ela não me ouviu, coloquei a mão sobre as suas
— Eu não tenho coração para isso, eu não consigo lidar com isso… —
repetindo aquilo e tremendo como se estivéssemos congelando, Sarah
precisou de ajuda para desgrudar as mãos do volante e me encarou, batendo
os dentes, antes de começar a chorar. — Você levou um tiro. — Sua voz era
um sopro.
Olhei para ver minha jaqueta arruinada, onde senti queimar, e o sangue
manchava o tecido.
— Regan, eles podiam ter matado você. Podiam ter matado nós dois…
sei. Eu acredito. Mas até lá, e se você se machucar ainda mais e eu não puder
fazer nada? — As mãos trêmulas no meu rosto me puxaram para que ela
pudesse tocar sua boca macia na minha, antes de dizer as palavras mais
absurdas do mundo: — Eu não quero ser fraca, quero aprender a te proteger
também.
— Esta aqui, é a sua nova melhor amiga para a vida toda — disse,
ignorando sua queixa e entregando a pequena maleta preta para Sarah. Ela
olhou, sem entender, e me obriguei a explicar: — Uma Beretta M9,
fabricação italiana.
Todo o poder que Sarah já exercia sobre mim triplicava quando via
que, por minha causa, ela estava ali, querendo aprender a se defender, a ser
apta para me defender também. Nada do tipo princesa precisando ser salva.
— É claro que era, aquilo é um lixo de plástico. Isso, sim — dei ênfase
ao objeto em sua mão —, é uma arma de verdade.
— Vamos, segure firme, com as duas mãos, mas sempre com o dedo
fora do gatilho — pedi e a vi obedecer.
fazia.
que o comum, suas mãos também e eu acariciei seus dedos, antes de encostar
a boca na base do seu pescoço.
— Amor, relaxa.
— Logo você também vai estar. — Ela meneou com a cabeça, mas não
me afastou. — Agora, ajeite a postura. Não precisa ficar com os ombros
tensos assim, relaxe e respire fundo. — Com cuidado, desci as mãos por seu
corpo, me demorando em cada pedaço dela, até chegar abaixo dos seios,
sentindo os ossos das costelas ali.
Ela pisou direito e falou, com o tom de voz mais provocativo que
podia:
— Assim, professor?
Ela sabia que me tinha nas mãos, mas dois jogavam aquele jogo.
— Talvez assim… — Movi uma das mãos para a parte interna de sua
coxa e apertei com os dedos, roçando no ponto quente entre suas pernas,
fazendo com que afastasse um pouco os pés. Ela suspirou, mas fingi não ver.
— Ok, agora olha para essa alavanca ao lado do seu dedão, essa é a trava da
arma. Solte-a.
frente com alguma violência. Sarah não se moveu, nem largou a pistola, o
que foi bom.
— E depois?
— Calma. Se fosse fácil, todo mundo podia ter uma dessas em casa.
Quando a arma veio com violência para trás, suas mãos a puxaram de
volta para o lugar. Mesmo assim, o tiro foi longe, pior que o primeiro.
E, mais uma vez, ela apontou para a garrafa verde. Sua respiração
parecia pesada, e quando ela apertou lentamente o gatilho, consegui ouvir o
mecanismo de metal em sua mão trabalhando. Quando o terceiro disparo
veio, pude ouvir o estilhaçar do vidro contra o chão e virei para conferir.
— Você viu isso? — ela gritou, animada, ainda com a arma apontada
para as garrafas.
Segurando o sorriso sem muito sucesso, bati palmas e depois coloquei a
mão na cintura, fazendo cara de preocupado.
— O que foi?
— Isso porque não me viu com meus dentes de ouro, ainda. — Rindo
de mim, ela voltou a mirar nas garrafas, me fazendo ter certeza de que, não
importava onde minha vida estava antes, depois de Sarah, nada nunca mais
seria o mesmo. Nada mais teria o mesmo valor.
Ficaríamos juntos.
“Quando as luzes se apagaram, eles não sabem o que ouviram
Risque o fósforo, aumente o som, dando amor ao mundo
Levantaremos as mãos, brilhando até o céu
Porque nós temos o fogo”
BURN, ELLIE GOLDING
E ali, sentada com ele e Danny num pub animado perto do meu antigo
trabalho, me dei conta do quão normal eu me sentia, mesmo após ter passado
por uma situação consideravelmente traumática. Era uma noite comum com o
parceiro do meu namorado e eu me vi realmente afeiçoada ao rapaz que,
saber que ele só tinha o pai, até então. Regan era o mais próximo que ele
tinha de uma família e apertava meu coração imaginá-lo sozinho. Mais do
que ninguém, eu sabia o que era ter toda a base familiar em uma única pessoa
e eu não conseguia me imaginar em um mundo onde minha mãe não
existisse.
Era verdade que, depois de tanta coisa, eu tinha Regan, mas não era a
mesma coisa.
— Olha, eu até penso em estudar, em alguma hora que a vida der uma
Sorri com aquela resposta, vendo, pela primeira vez na noite, um garoto
de vinte anos. Eu sempre quis fazer Direito, mas tive muitos amigos que, com
vinte anos, também não sabiam o que fazer e, particularmente, achava injusto
que uma decisão para o resto da vida tivesse que ser tomada em um momento
em que ainda estávamos descobrindo quem éramos. Porém, ali, sabendo que
Danny ficaria sozinho e sem trabalho em breve, eu torcia muito para que ele
encontrasse seu próprio caminho e que sua jornada não fosse tão solitária.
melhor forma que pude atrás de alguns outros clientes do pub, bêbados
demais para me notarem, e agucei meus ouvidos, tentando pescar algo da
conversa.
— Gosto dela. E ainda não entendi como, depois de te ver em ação, ela
não saiu correndo. Tipo, você matou dois caras na frente dela. — Danny deu
de ombros, como se aquilo fosse algo nada normal para alguém como eu.
— Achei que ela fosse fugir ou me tratar diferente, depois daquilo, mas
— Nem eu. Ela realmente não tem nenhuma prima? — o mais novo
brincou e Regan riu.
— Sabe o que é foda? Ela poderia só fechar os olhos para tudo, mas
não. Sarah comprou meu mundo sem apontar o dedo. Está disposta a atirar
em alguém por mim…
molhadas, foi nocauteado — Danny disse, zombando, mas Regan não parecia
nenhum pouco abalado.
Voltei para o banheiro e não pensei duas vezes antes de lavar meu
rosto, encarando meu reflexo no espelho, enquanto tentava processar minhas
próprias emoções tão conflitantes. E o peso no peito não era gerado por medo
ou culpa e, sim, pela a ausência dessas duas emoções. Eu não tinha medo de
Regan, ele era meu porto seguro e eu sabia que faria qualquer coisa por ele,
assim como também não sentia culpa por amá-lo, mesmo com tudo o que eu
sabia sobre ele. Regan havia matado duas pessoas na minha frente, mas eram
duas pessoas que não pensariam duas vezes antes de nos matar. Era nós dois
ou eles e eu estava bem feliz por não ser nossos corpos em uma vala qualquer
na cidade.
Com essa nova perspectiva, acabei relaxando, sabendo que ele estava
disposto a mudar de vida exatamente para não ter que fazer mais algo tão vil.
Independentemente do que ele já havia feito, Regan era bom e não havia um
pingo de dúvida sobre isso.
Eu o amava acima da linha moral. Era certo? Não. Me sentia doente por
pensar sentir algo daquele nível, mas nada que acontecesse poderia mudar
aquele fato.
Era impressionante como ele era bonito e, sem dúvida alguma, meu.
um beijo no rosto.
— E então — suspirei, tentando fingir que não tinha noção do que eles
haviam conversado —, qual o assunto? — perguntei, para me enturmar,
evitando olhar muito para Regan e não entregar o quão abalada por ele eu
estava.
Eu não era nenhuma donzela, mas achava que tinha encontrado o meu
príncipe, no final das contas.
Estar com ele me trazia algumas felicidades que eu nem achei que
fariam sentido algum dia, como por exemplo, ter saído de vestido. Regan só
Ele parecia não se importar também, descendo a boca por meu pescoço,
beijando e provando minha pele com devoção, me fazendo perder o controle
e gemer mais alto, quando meus seios foram massageados por suas mãos e
atacados por sua boca faminta, me fazendo tremer em seus braços firmes.
responsável por aquilo. Algo em minha postura deve ter entregado meu
constrangimento a ele, porque, logo em seguida, Regan estava vendo a
mesma coisa que eu e foi difícil não gemer quando ele, depois de se livrar das
calças e da cueca, sem nenhum aviso prévio, apertou minha bunda e me
forçou mais em seu colo, com a clara intenção de ter outra parte sua molhada
por minha causa.
tanto desleixada, sorri com a boca na dele e mordisquei seu lábio inferior,
conforme tentava acertar o ritmo da minha mão sobre seu pau, mas Regan me
fez perder o rumo, puxando meu rosto com uma das mãos ainda mais para o
seu, beijando-me de forma selvagem, intensa, correspondendo todo o meu
desespero por ele.
dedos sobre meu clitóris, a ponto de me fazer puxar o ar entre os dentes, não
demorando para satisfazer o desejo tão intenso que gritava dentro de mim.
Rompi nosso beijo para gemer, jogando minha cabeça para trás,
movendo os quadris contra sua mão, quase perdendo minhas forças quando
segurei seu pau. Brinquei com ele, esfregando a glande molhada contra toda
minha extensão algumas vezes e o encaixei na entrada, deslizando sobre todo
seu comprimento, abrigando-o no meu calor. Foi inevitável não gemer junto
dele quando o senti por completo e logo suas mãos no meu quadril me
ajustaram em seu colo. Eu mal tive tempo de pensar. Regan me moveu como
bem queria, descendo um pouco mais o corpo no sofá e, assim que teve maior
firmeza nas pernas e espaço para se movimentar, começou a investir contra
mim. Saindo e entrando devagar, analisando meu rosto e cada uma das
minhas reações, parecendo feliz por eu apertá-lo, tanto nos ombros quanto
seu pau, conforme ele me preenchia por inteiro, antes de sair me fazendo
gemer baixinho.
Abri os olhos para encará-lo bem abaixo de mim e não neguei quando
uma das mãos veio para o meu pescoço. Regan acariciou minha pele, até que
seu polegar desenhou meu lábio inferior. Mordisquei seu dedo e o chupei,
apoiando as mãos em seu abdômen antes de impor meu ritmo sobre ele.
Descendo e subindo mais rápido do que ele fazia antes, eu o dominei e ele
deixou, mas durou pouco. Com Regan me abraçando e escorregando para o
chão comigo em seus braços, arranquei a única peça de roupa que sobrava em
seu corpo, e com os joelhos no chão, com o peito contra o dele, o encarei por
um segundo. Completamente imóvel, tenso, só o som das nossas respirações
Não queria que acabasse e toda vez que Regan tentava acelerar as
coisas, eu diminuía o ritmo, mudava o movimento com o quadril, o apertava
completamente parada sobre ele e o levei ao limite dessa forma. Me
castigando, o ruivo dos braços desenhados me ergueu, como se eu fosse uma
boneca de pano, e me levou para cima da mesa de centro.
Caí sobre ela, deitada de barriga para cima, e não tive tempo de me
ajeitar.
Vindo sobre mim, ele ergueu minhas pernas ao redor do seu quadril e
se enterrou de uma vez na minha boceta escorregadia. E eu, tão molhada, não
pude resistir. Ele deslizou devagar dentro de mim algumas vezes, cheirando
meu pescoço, roçando a barba, a boca e os dentes por meu colo e encaixou as
mãos por baixo das minhas omoplatas, subindo com os dedos até meus
ombros, travando meu corpo no lugar.
Prendi minhas pernas o mais alto que podia ao redor do corpo dele e
conforme ele colocou seu plano em ação, eu engasguei com meus gemidos.
Regan realmente me fodeu e levou junto dele qualquer capacidade de
raciocínio existente no meu ser.
Abri a boca em um grito mudo quando meu corpo todo formigou. Era
Sorri, feliz por ele estar comprometido a acabar com aquilo tanto
quanto eu, pois a sensação era de que o perigo sempre estava à espreita de
nós dois, esperando uma oportunidade para acabar com nosso futuro.
teto.
Regan me olhava como se tentasse dizer que não, mas sua boca me deu
outra coisa.
— O mais seguro seria você ficar, seguir sua vida, até eu poder voltar.
Seria demais pedir para você largar tudo e ir comigo, mas alguma hora eu
vou acabar não resistindo e vou implorar para pular comigo dentro de um
avião e desaparecer também. — Ele deu um meio sorriso, mas não foi
realmente feliz. — É egoísta, eu sei.
mundo.
— Sarah, eu não sou o mocinho, você sabe, não? E se eu for pego, você
será cúmplice. Você é inteligente o bastante para saber disso.
— Eu sei.
agora.
não pensou na possibilidade de encontrar alguém por aí, caso eu precise ficar
longe?
Eu a faria a mulher mais feliz do mundo, por todo o tempo que ela me
quisesse.
E para, finalmente, fechar aquilo, peguei o número de telefone de alguém
para quem eu não vendia há um bom tempo e liguei.
— Ah, gringo. — Senti o sorriso na sua voz. — Achei que não quisesse
fazer mais negócios comigo. Você sumiu.
— Hoje?
— Já fiz negócio com você e sei para quem você trabalha, gringo. É só
aquela conferida esperta. — Ele riu, tentando descontrair o clima, mas não
precisei fingir boas maneiras.
— Amanhã, você sabe onde. Nem preciso dizer que não é para aparecer
de uniforme, não é?
Não queria estragar tudo o que já tinha planejado com dona Fátima, que
parecia achar tudo bem eu querer pedir a mão de sua filha tão cedo. A
verdade é que eu adorava a mulher tanto quanto ela parecia gostar de mim,
inclusive, agradeci quando o buquê de flores que mandei para Sarah chegou
exatamente meia-noite, na porta de sua casa.
aquela mulher de olhos irresistíveis era algo vital. Amá-la era fácil como
respirar, e fazia minhas decisões para aquela manhã tão fáceis quanto.
— O que é?
Ele pegou a maleta, desconfiado, virou para entrar em casa, mas parou
e me olhou sobre o ombro.
— Ainda pretendo viver muito. — Não era mentira. — Agora, vai logo.
— Bem.
— Mas?
— Com uma garota onze anos mais nova? Casando em, sei lá, três
meses juntos? É, talvez eu espere um pouco. — Foi a vez de ele debochar.
— Não se preocupe, vai chegar sua hora de cuspir para cima e cair na
testa. — E, calando a boca dele, aumentei o som, deixando a voz da mulher
— Dinheiro não tem cara. — Era uma lição dura, mas que aprendi
cedo. —Vamos lá.
Desci do carro e analisei os homens em pé ali. Dois deles, eu não
conhecia. Já Mesquita não havia mudado nada. Os olhos e cabelos escuros,
meu trabalho.
Meu material era bom, ele sabia, e eu o deixei testar as armas sem
munição.
— Eles não fariam isso. Eles têm medo, e gostam do status de negociar
Estranhei pela hora, mas assim que vi o nome de Sarah na tela, não
pensei duas vezes em atender.
— Para com isso, Nicolas. Pelo amor de Deus! — ela chorava.
— Esquece a merda do preço. Ele cai na metade, você ainda leva uma
caixa de metralhadoras que tenho lá no fundo.
— E os voos?
— Continuam no esquema.
— Ok, polícia federal vai dar um trabalho, mas eu me viro. — Ele deu
de ombros enquanto se aproximava. — O que mais você quer?
— Quero um dos seus. Nicolas Soares, força tática.
nervoso.
— Hoje.
Eram tantas rosas vermelhas, que eu não conseguia contar e sabia que
presentes como aqueles não eram nada baratos, mas pela primeira vez eu não
me senti culpada. Eu merecia aquele tipo de atenção. Merecia ser bem
cuidada e ter alguém que não se importaria de me dar um presente daquele,
mesmo sabendo que não seria eterno.
— Mãe, é óbvio que, se não for uma viagem de casal, eu vou te levar.
— E eu esperava que, na hora em que Regan fosse seguir com o plano, eu
pudesse incluir minha mãe nele quando fosse seguro.
— Olha só, quem diria, viagem de casal decente, hein, minha filha? O
outro lá mal te levava para praia, não fazia um nada no seu aniversário, agora
esse manda flores, planeja surpresa…
desde que ele apareceu, você parece gente de verdade. Antes, mesmo eu
tentando brincar, tentando me aproximar, você não me deixava participar de
nada. Dessa vez, me sinto próxima. Me sinto parte da sua vida. É por isso que
ando tão feliz e te incentivo, não tem coisa pior na vida de uma mãe do que
ver o filho se afundar, se afastar, e não conseguir fazer nada. — Ela parou do
meu lado para dizer isso e eu vi seus olhos redondinhos enchendo d’água.
— Ela suspirou
— Ah, fica quieta. Depois que usar as lingeries que comprei, você vai
me agradecer.
— Abaixa essa merda — minha mãe mandou, mas ele não obedeceu.
— Cala boca, velha desgraçada. Sarah, olha pra mim. — Eu até tentei,
mas tudo parecia um pesadelo no qual eu não tinha controle nenhum. — Eu
não estou brincando, caralho. Ou você vem comigo ou eu atiro na sua mãe.
ficasse quieta, mas nem meu olhar desesperado ajudou. — Se você não
tivesse esse negócio apontado para nós, eu juro por Deus, menino, eu te daria
uma surra!
minha mãe ficava para trás, sendo acudida pelas poucas pessoas que
assistiram à cena.
— Você ficou louco? — eu gritei para ele. — Minha mãe pode estar
morrendo, Nicolas!
— Drogado? Por quê? Você pode dar para porra de um traficante, mas
não pode trepar com um drogado? — Ele chegava a salivar conforme falava e
eu me encolhi, com medo. — Responde, porra! Por que é que você me
deixou? Pra ficar com um merda de um traficante?
— Para com isso, Nicolas. Pelo amor de Deus! — O meu choro de ódio
e de medo tomou conta de mim, pesando meu peito, fazendo minha voz
falhar. E, sem nenhum som em volta de nós, ele ouviu quando Regan chamou
meu nome. Ouvir sua voz me trouxe um sentimento dolorido ao peito.
Tentei me defender, bati nele de volta, mas ele veio para cima, pronto
para me parar.
— Nicolas, para! Para! — eu implorei, mas não adiantou.
— O que você vai fazer, se eles não te derem o que você quer? —
Danny colocou em palavras o que eu estava pensando há meia hora.
Eu sabia onde era o mercado que Sarah ia com a mãe e parti direto para
lá, tão rápido quanto pude e, assim que entrei pela porta de entrada, o grito de
dona Fátima me pegou em cheio.
tranquila, nós vamos achá-la e ele vai pagar. — Com a própria vida.
— É bom mesmo!
— Então, vá para casa, cuide dessa cabeça. Prometo que te ligo quando
tiver novidades.
o colar eu que havia dado para Sarah. — Ele jogou isso no chão, antes de
levá-la.
Levei dona Fátima até sua casa, examinei a coronhada em sua cabeça e,
depois de tentar fazê-la ir ao médico inutilmente, saí para o quintal onde
Danny fumava.
— Tem certeza?
E eu fiz meu carro praticamente voar sobre a cidade, até chegar àquele
maldito endereço.
— Ele tá pronto?
ele está, é esse cara aqui. — Batendo no meu braço, ele e os outros saíram,
me deixando sozinho naquele quarto pequeno, mal cheiroso e apertado, com
apenas uma luz amarela no teto e o cara que faria a informação que eu
precisava pular no meu colo.
Bom... — Tirei a faca do bolsa e brinquei com ela entre os dedos, mostrando
habilidade. — Você pode usar limão e água sanitária para tirar o cheiro
metálico de sangue. Desinfetante para o cheiro das vísceras, aguarrás para o
cheiro de cérebro… — Meu tom de voz foi ficando cada vez mais baixo e
meus olhos se fixaram no dele. — Mas o cheiro da morte? Esse é impossível.
Ele impregna nas paredes, no teto… Até na maldita fundação.
— O que você quer? Que eu conte onde Nicolas levou aquela
vagabunda? — Eu não o esperei continuar, fechei a mão em punho e acertei
sua mandíbula com toda minha força. Dois dentes pularam de sua boca junto
da cuspida cheia de sangue e ele riu. — Do que adianta? Se você não for me
matar, os desgraçados lá embaixo vão.
— Não. Mas você não vai salvá-la, só vai até lá para morrer com a puta
da noiva dele.
e você… Ah, Freitas. Achei que o amigo burro não fosse você.
casado, não é? Bonita essa aliança. — Cortei a carne do dedo dele em cima e
embaixo do anel. — Você tem filhos? Posso começar por eles, depois sua
mulher, seus pais… — Ele moveu a cabeça, negando. — É! — Sorri. — Essa
me parece uma boa ordem. Depois, vou dar cada uma das pessoas que você
ama para o meu cachorro comer, e vamos assistir, juntos. E, no final, quando
eu cansar de te ouvir chorar e implorar para morrer, te largo no meio do nada
para definhar. Sem conseguir beber, comer, falar ou andar. O que você acha?
— Não…
— Está vendo isso? É uma faca para matar ovelhas. Já matou uma
ovelha antes? Elas tem um couro duro. A carne também, acho que é por conta
de toda a lã… É tão boa, que corta roupa como se fosse manteiga. — E, sem
— Isso pode acabar agora, Freitas — falei, como se fosse seu amigo.
— Não posso trair meu irmão, eu já fodi muito com ele — ele disse,
entredentes, e minha paciência diminuiu.
— É uma pena.
Voltando a faca em seu peito, tracei cinco linhas, uma mais profunda
— Freitas, você é fiel, mas não vejo Nicolas pagando por isso. Seu
Tateei seu rosto e, mesmo com ele tentando fugir, segurei a ponta de
seu nariz com os dedos e encaixei a faca entre suas sobrancelhas, com a
lâmina para baixo.
— Eu não sei onde ele está — ele choramingou, mas eu sabia que era
mentira.
— Última chance. Será disso para pior. E eu não vou parar. Nunca. —
Não havia resquício de tom amigável na minha voz.
— Onde?
parcela.
dele.
Batendo com o vidro contra a têmpora do homem amarrado, precisei de seis
golpes, antes que ela se estilhaçasse, assim como o crânio dele.
Quando abri a porta, fui direto para a pia do banheiro em frente lavar a
mão e vi um garoto novo, não mais que quatorze anos, entrar no cômodo
onde eu estava.
caminho pelo qual eu entrei, apressado, já que eu tinha um lugar para ir.
“Pensei que não poderia respirar sem você
Eu estou inalando
Você pensou que eu não poderia ver sem você
Visão perfeita
Você pensou que eu não poderia durar sem você
Mas estou durando
Você pensou que eu morreria sem você
Mas eu estou vivendo
Pensei que eu iria falhar sem você
SURVIVOR, 2WEI
Não sei dizer se a primeira coisa que eu percebi ao acordar foi a dor de
cabeça ou o gosto de sangue em minha boca, mas independente disso, antes
mesmo de abrir os olhos, eu sabia que estava vivendo um verdadeiro
pesadelo. O cheiro de estábulo sujo fez uma ânsia subir por minha garganta.
Abri os olhos, pronta para levantar, mas não consegui e, assim que me dei
conta que meu braço estava preso em um cano na parede, eu hiperventilei.
cuspir na mão para ver se conseguia alguma ajuda na hora de deslizar para
fora da argola de ferro, mas nada funcionou.
Minha cabeça tentava a todo custo encontrar uma solução, mas todas
elas eram falhas. Pela porta aberta, por onde entrava luz, eu conseguia ver um
bom matagal a uma distância que conseguiria cobrir a pé, mas para conseguir
isso, eu precisava me soltar. Tentei mais vezes, inutilmente, até me machucar.
Rezava para alguém me encontrar, para Regan chegar, para que Nicolas
bobeasse, ou que fosse iluminado por uma aura divina e me deixasse ir.
silencioso, intenso e desolador, ainda pela dor que sentia no pulso, na mão,
vendo a pele toda arranhada, vermelha de tanto eu forçar.
Ele sorria, como se aquilo fosse normal, e largou o doce sobre a mesa.
As velas com o número dois e quatro deixavam óbvio que aquilo era para
mim.
— Ah, meu amor. Você é tão linda. — Sua mão ergueu no ar, louca
para me tocar. — Por que é que você me faz te machucar assim? — Seu tom
chateado o fez parecer um garoto, mas nada mudou. Ele me culpava, como de
costume, pelas próprias ações. — Sarah, Sarah, Sarah — ele cantou meu
nome, enquanto escorregava na minha direção, encurtando a distância, até
que senti sua mão suja e quente no meu rosto. Pensei em me afastar, mas tive
medo de ele me bater de novo, então encarei o chão, tentando controlar a
respiração.
Como não me movi, Nicolas tomou aquilo como convite. Seus dedos
avançaram e logo sua mão toda estava tocando minha bochecha, mas era
demais para suportar. Seu toque embrulhava meu estômago, seu cheiro me
fazia querer vomitar. Me encolhi, tentando escapar de seu toque e vi a
expressão em seu rosto mudar.
O cheiro dele tinha algo a mais, e olhando rápido para seu rosto, soube
que ele estava alterado, e fosse lá o que ele havia usado, junto da sua mente
perturbada, tinha certeza de que ele seria mais perigoso do que qualquer vez
antes.
sempre.
sentia dono de uma mulher que não queria mais o relacionamento, os dois
acabavam mortos.
O pânico fez minha voz sair embargada e aflita, mesmo que eu tentasse
me controlar ao máximo. Precisava ganhar tempo.
— Que loucura é essa, Nicolas? Por que você me trouxe até aqui?
— Loucura? Não tem loucura nenhuma, Sarah. Só meu amor por você,
princesa. — Ele sorriu ainda mais. — Se em vida você não me quis… — ele
começou a dizer e sem conseguir me controlar, comecei a repetir baixinho
vários nãos. — Vamos ficar juntos para sempre do outro lado. Não é uma boa
ideia? Assim, ninguém pode te roubar de mim. Ninguém pode te enfeitiçar e
te levar embora. Você vai ser para sempre minha.
Apertando meu queixo, ele se levantou e andou para perto da porta. Por
um segundo, eu acreditei que ele iria embora, mas ele não fez. Só acendeu a
luz, porque lá fora começava a escurecer, e voltou. Tirou do bolso um
cigarro, sentou em um banquinho de madeira perto de mim e, depois de
acendê-lo, me encarou.
Mas estava com uma fumante no colo quando te peguei no flagra, não
é, desgraçado?
— Nem dessas roupas. Amor, por que é que você voltou a usar essas
roupas? — ele perguntou, olhando para mim e precisei olhar para baixo, para
entender o que havia de errado com a baby look com gola V e a calça jeans.
— Ele exibiu você, exibiu seu corpo para quem quisesse ver… Droga, Sarah,
agora todo mundo viu, todo mundo sabe. — Nicolas começou a chorar.
— Todo mundo sabe o quê? — Não entendi o que aquelas roupas tão
comuns tinham de errado.
— Todo mundo vai querer você! Eu não posso! Não posso deixar! —
Descontrolado, Nicolas se levantou e começou a socar a madeira de uma
coluna, até eu ver manchas de sangue nela. Para finalizar, ele chutou um latão
meio vazio e o cheiro de gasolina atingiu meu nariz em cheio. O líquido se
espalhou, mas ele não pareceu ligar.
Encolhi-me, não querendo ser o próximo ponto para ele descontar sua
raiva e ele se sentou de novo, parecendo não ligar para a mão sangrando.
Limpou o rosto, afastou os cabelos para trás e tragou profundamente,
soltando a fumaça em silêncio, curtindo o momento.
— Pronto. Estou mais calmo. Minha mãe disse que você foi embora
porque eu sou explosivo, é verdade, Sarah? — Ele me encarou, querendo
uma resposta.
— Às vezes… — respondi, tão baixo, que não tinha ideia se ele tinha
conseguido me ouvir.
— Mas eu disse que ela estava errada. Você foi enfeitiçada, não foi?
Aquela noite, o gringo desgraçado fez alguma coisa com você.
— Sopre as velas, meu amor — ele pediu, com os olhos cheios d’água.
— Sopre, ande.
— Eu sempre amei você ser tão obediente, sabia? Agora, vou te deixar
aqui e vou buscar seu presente. Qualquer coisa, pode gritar. Só eu vou te
ouvir. — Parecendo radiante, ele saiu pela porta, me deixando para trás,
pronta para liberar o choro preso na garganta, aliviada por ainda ter algum
tempo.
Mais uma vez, tentei me livrar das algemas. E dessa vez eu realmente
considerei quebrar a mão. O que era uma mão perto da minha vida? Tentei
alcançar um tijolo largado de canto para me ajudar no processo e, depois de
quase cinco minutos tentando puxá-lo, consegui. Quase chorei de felicidade,
mas não me permiti ter uma folga. Ajoelhei, puxei a camiseta para a boca
para travar o grito que daria e, com a mão aberta contra o chão, respirei fundo
e desci o tijolo sobre o trapézio, querendo quebrar aquela parte da mão.
Não tive força o bastante, mas doeu. Respirei fundo, engolindo o grito e
tentei de novo. E me frustrando a cada uma das tentativas, me machucando
ainda mais, ouvi o assobio descontraído do lado de fora e me encolhi,
escondendo o tijolo atrás de mim.
um daqueles protetores de roupa na mão. — Ah, você vai ficar tão linda.
Merda.
Minha mão estava muito machucada, ele ia ver que eu tentei fugir.
meu rosto.
Nicolas não pareceu notar minha mão ferrada. Soltou a algema do meu
pulso e a minha primeiro reação foi puxar o braço contra o peito, sentindo a
Nunca mais ia deixar Nicolas ter esse tipo de poder sobre mim.
— Assim, não!
— Vai dizer que não quer me agradar? Que não quer me deixar louco?
Ah, eu sou louco por você de qualquer forma, de qualquer jeito, em qualquer
lugar. — As mãos dele começaram a vasculhar meu corpo, com brutalidade.
Sua boca no meu pescoço só fez meu ódio crescer e, sem pensar duas vezes,
eu o empurrei.
— Não! Você não vai tocar em mim! — gritei e o vi arregalar os olhos,
não acreditando que eu o afastava.
Ele não me xingou nem disse nada, só veio para cima de mim como fez
um bilhão de outras vezes. De mão aberta e fechada, do jeito mais desleixado
possível, e eu não fiquei quieta. Aproveitei da certeza dele de que eu não
reagiria por medo e dei um belo chute em sua canela. Ele se curvou, eu não
E, mesmo comigo parada, ele correu até mim e me agarrou por trás,
com força. Eu gritei. Era a minha última tentativa, já que a sorte não parecia
estar ao meu lado.
estamos e não tem nenhum vizinho por perto. — Me arrastando de volta, ele
me colocou sentada em uma cadeira velha e me algemou ali, encarando meus
olhos com uma diversão insana dentro dos seus, enquanto sussurrava suas
palavras seguintes: — Somos apenas eu e você aqui, amor, do jeitinho que
tem que ser. E já que você não quer o meu presente, tenho um outro pra você.
estou respirando”
UP DOWN, BOY EPIC
Eu mal consegui prestar atenção no caminho por onde seguia. Minha
fúria me cegava e, por saber que eu estava correndo contra o tempo, toda a
Vendo o idiota sair de cima dela, notei que a arma já estava em punho.
parceiro não foi tão ágil e o vi cair. Mesmo no chão, Danny atirou, e foi então
que a merda do pandemônio começou.
Bastou uma faísca para o fogo surgir, e ele se alastrou em uma rapidez
absurda.
bateu com a própria arma contra o peito, então, em um ato de loucura, rindo
enquanto via Danny recuar para sair dali, Nicolas pegou o galão de gasolina
que estava perto dele e jogou em si mesmo e em Sarah. — Venha, gringo!
Venha queimar com a gente! — ele me intimou, e eu precisei controlar a
vontade de sair de atirando.
Ele não esperava meu ataque e sua arma caiu, assim que caímos no
chão.
Nicolas parecia drogado e, com certeza, aquela merda no seu sistema o
ajudava a resistir à dor, porque eu tinha certeza de que meu primeiro soco em
sua cara havia quebrado seu nariz, mas nem mesmo isso o fez parar de lutar.
Havia algo de errado e logo enxerguei o que era. Em sua coxa direita
havia uma estaca de madeira atravessada. Como eu não havia visto aquilo
direito antes?
chutei para ela a arma que havia caído próximo de nós, afastando qualquer
chance de Nicolas conseguir nos machucar ainda mais.
Quando a segunda atingiu sua cabeça, ele já não estava mais ali para
sentir.
Corri para ela, não aguentando o calor em volta de nós, mas encarei
seus olhos cansados e não vi medo neles.
uma faca, já que parecia que qualquer tiro colocaria aquele lugar abaixo com
uma simples faísca.
Até pensei que poderia impedir que algo pior acontecesse, mas meus
olhos se arregalaram quando eu vi tudo pegando fogo.
com qualquer chance de alguém sair de dentro daquele lugar com vida.
Meus olhos arderam e eu não sabia se era pelo fogo, pela fumaça, ou
por me dar conta de que perdia a única família que tinha restado. Meu único
amigo foi consumido pelo fogo junto de sua mulher e o desespero apertou
Meu silêncio pareceu responder a sua pergunta, mas minha vontade era
atirar na cara de merda dele, ainda mais quando o homem se abaixou para dar
dois tapinhas em meu ombro, como se se importasse com a minha perda.
— Acho que é você quem vai fazer minha entrega agora, não?
Ele tomou meu silêncio como uma certeza e seguiu seu protocolo.
— ele falou para o homem que parecia ser da perícia. — Se não encontrar
corpo nenhum, a gente coloca um indigente lá do necrotério no lugar.
importando com aquilo. Era bom sentir aquela dor, ajudava a desviar o foco
da vontade de chorar.
Foi só então que meus olhos se focaram na maleta que Regan havia me
entregado aquela manhã.
maleta com uma rapidez absurda, mas não havia nada além de papel ali
dentro. Papel que valia uma pequena fortuna, mas ainda assim, papel.
realmente me chamou atenção foi a carta sobre as notas com meu nome no
verso.
principalmente quando o texto estava finalizado com “até algum dia” e não
um adeus.
nevava, não pareciam ser tão insuportáveis como o de São Paulo, mas com
certeza isso estava mais ligado com a animação que eu sentia por estar
conhecendo a neve do que qualquer outra coisa. E o melhor disso tudo era
que quando o frio começava a ser chato demais, Regan e eu partíamos para
algum lugar quente, com praias paradisíacas iguais às que eu via nos filmes.
empoleirado ao meu lado, tive certeza de que aquele era um sinal divino.
esvaziar, doeu, mais do que todas as vezes em que eu pensei em minha mãe.
Eu quis ligar, quis dizer que estava tudo bem. Quis aparecer do nada,
mas ainda não era a hora. Não era seguro, e eu não a colocaria em risco,
mesmo que às vezes, admitisse para mim que tinha medo de ver minha mãe
Era verdade, tudo realmente ficaria bem. Não tinha por que não ficar.
Confiante nas palavras do meu marido, vi o momento propício para me
aproximar de minha mãe, selando rapidamente os lábios de Regan, para ter
alguma coragem antes de sair sozinha do carro. Entrei em passos lentos na
igreja, vendo minha mãe ajoelhada na primeira fileira, ainda rezando pela
minha alma.
O cabelo curto continuava o mesmo, mas ela parecia ter envelhecido
dez anos em um.
Doeu saber que eu era a causa, mas tudo ficaria bem. Tudo seria
resolvido.
Meu coração batia tão alto e minhas mãos suavam tanto, que quase, por
um segundo, me vi caindo sobre os joelhos, chorando feito criança.
Levou muito mais que um minuto para ela ter coragem de virar para,
finalmente, ter certeza de que não estava ouvindo vozes do além.
Minha visão ficou disforme graças às lágrimas, mas não havia sensação
mais acalentadora do que estar nos braços da minha mãe de novo.
— Eu sei que você deve estar me odiando por não ter falado nada, mas
não podíamos, mãe. Não era seguro — expliquei, antes mesmo de ela
perguntar. — E eu juro que vou te contar tudinho, mas primeiro preciso que
me perdoe.
graça.
— Para qualquer lugar aonde você queira ir. Nós prometemos, não? —
falei, soltando-a só um pouquinho para limpar meus olhos, não conseguindo
desviar meus olhar do dela por nenhum segundo.
Sarah reflete boa parte das mulheres que me procuram nas redes sociais
para contar suas dores, e que melhor oportunidade eu teria de mostrar que é
possível, sim, sair do pesadelo de um relacionamento abusivo do que
contando a história dela? Eu tive minha parcela de relacionamento tóxico, e
sua saúde física e mental e não se coloque à venda por migalhas de um amor
doentio.
Se você já enfrentou isso e saiu viva, queria dizer que tenho muito
orgulho de você e que é só o começo de uma jornada de descobrimento
interno incrível. Parabéns pela sua força e pela sua decisão de salvar a pessoa
mais importante do mundo: você. Que Sarah, assim como London de Mar
Aberto e Giovanna da Dark Hand nos ensinaram, te mostre que ninguém está
a salvo de passar por isso, que mulher nenhuma deve, gosta ou merece
apanhar. Que, por mais difícil que uma pessoa seja, ela precisa ser respeitada
pelo parceiro.
Amar e ser amada é simples, leve, e eu levei muito tempo para entender
que não dói. Hoje, eu rezo para que todas as mulheres fodas em
relacionamentos bostas descubram isso.
[1]
Fodidos trinta e cinco.