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Carvalho
Esta é uma obra de ficção.
Nomes, personagens, lugares
e acontecimentos descritos são
produtos de imaginação do
autor. Qualquer semelhança
com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera
coincidência.
Capa: Mirella Santana
Imagem: ©IgorVetushko
/depositphotos.
Revisão: Bárbara Pinheiro
Leitura Crítica: Danielle
Barreto
Todos os direitos reservados.
São proibidos o
armazenamento e/ou a
reprodução de qualquer parte
dessa obra, através de
quaisquer meios — tangível ou
intangível — sem o
consentimento da autora.
A violação dos direitos autorais
é crime estabelecido pela lei nº
9.610/98 e punido pelo artigo
184 do Código Penal.
Edição Digital ǀ Criado no
Brasil
1º Edição
Fevereiro de 2021
Sinopse
Nota da autora
Agradecimentos
Playlist
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Epílogo
Romeu e Letícia tornaram-se
arqui-inimigos no momento que seus
olhos se encontraram, mas entre uma
briga e outra, acabaram descobrindo que
tinham uma química perfeita.
Ele não estava procurando o
amor, na verdade, pensava que o
sentimento machucava as pessoas e por
isso se escondeu atrás de uma máscara
de rebeldia.
Ela queria se sentir amada
depois de tanta dor e abandono pelas
pessoas que deveriam acolhê-la.
Agora, eles precisam encontrar
uma maneira de provar que o que sentem
um pelo outro é mais forte do que
qualquer coisa, mesmo que um deles
esteja do outro lado do país e tenha feito
uma promessa que envolve partir o
coração de alguém.
Um amor para Romeu é um Spin-off
de Um amor de presente e não necessariamente
você precisa ler, mas esteja ciente de que aqui
você encontrará spoilers do referido livro. Os
personagens Leandro e Natasha, citados ao
longo da história são protagonistas do meu
conto Uma chance a mais, disponível na
antologia Música em contos 2, publicada em e-
book na Amazon.
Antes que embarque nesta viagem,
gostaria de lembrá-lo de avaliar a história no
Skoob, Amazon e compartilhe suas impressões
nas redes sociais marcando @eucryscarvalho.
Agradeço desde já, a sua opinião é muito
importante para mim.
Boa leitura!
Quero agradecer, acima de tudo, a
Deus, pelo dom maravilhoso; à minha família
por compreender que escrever é o que me
mantém viva; depois aos leitores, que se
permitiram conhecer a minha escrita,
mergulhando de cabeça nas histórias e
indicando por aí, aquecendo meu coração; os
ig’s parceiros que ajudam a espalhar a “palavra”
dos meus personagens pelo mundo;
especialmente às minhas amigas: Ari, Lucy,
Vall, Ray, Bah, Gisa, Pry e Tali, obrigada por me
ouvirem e sempre terem uma palavra de
incentivo quando estou a ponto de desistir.
Obrigada e até a próxima aventura!
Para ouvir a playlist de “Um amor
para Romeu” no Spotify, abra o app no seu
celular, selecione “buscar”, clique na câmera e
posicione sobre o code abaixo.
Ou clique aqui.
Romeu, 11 anos
— Quero o divórcio, Ariel!
Espero ter uma carreira nacional, você
quer me ver cantando em barzinhos e
abrindo shows locais a vida inteira? —
Ouvi mamãe gritar do quarto e me
encolhi ao lado de Ana Júlia, que
brincava tranquilamente com seus
bloquinhos coloridos no tapete de
atividades da sala. — Fiquei grávida
quando era apenas uma adolescente e
sinto que estou sendo puxada para o
buraco a cada ano que passamos neste
casamento sem amor.
Claro, eu sabia o significado de
cada uma dessas palavras. Meus pais
iam se separar, lembro quando, no ano
passado, os pais de Ivan, meu colega da
aula de música, se divorciaram e ele
ficou se gabando que agora teria duas
casas para morar.
Só que eu não vejo dessa forma,
papai e mamãe nunca foram aquele casal
super-romântico que vemos nos filmes,
no fundo, sempre soube que havia algo
errado com eles, pois discutiam muito,
mas nunca pensei que pudessem se
separar. Embora, nos últimos tempos as
brigas estivessem cada vez mais
frequentes, por mais que papai tentasse
evitar o conflito. Depois comecei a
reparar em como meus avós paternos se
tratavam, comecei a questionar o que era
realmente esse tal de amor.
— Não fala besteira, Carla. Nós
temos dois filhos para criar. — Meu pai
usa seu usual tom apaziguador, mas
parece tenso com o que a esposa acabou
de dizer. — Conseguiu muito bem
conciliar a carreira com a nossa vida
esses anos todos, qual o problema
agora?
Há uma pausa enorme que me faz
pensar se não é melhor ir até lá fingir
que a minha irmãzinha precisa de algo e
interromper esse conflito, então uma
resposta ríspida vem, assim que começo
a caminhar, sugerindo que devo ficar
quieto no meu canto.
— O problema? Ainda tem
coragem de me perguntar isso? — A
mágoa dela parece transbordar por
todos os lados.
Nosso apartamento é pequeno, a
porta do quarto deles está aberta e
consigo ouvir até a respiração pesada da
minha mãe, aposto como seu rosto deve
ter aquele tom vermelho de quando
apronto alguma coisa ou a desobedeço.
Essa discussão começou assim que o
papai chegou do trabalho, há poucos
minutos, e não entendi o real motivo
ainda, mas o que desencadeou tudo foi o
envelope amarelo que o Jairo,
empresário da minha mãe, trouxe mais
cedo.
— Você pode ser conformado
com essa vidinha de merda, tocando em
eventos ou lecionando para as crianças
na periferia, mas acha que eu me sinto
feliz cantando para um pequeno público,
quando o meu potencial poderia ser bem
mais explorado? — Fico intrigado, tinha
certeza de que minha mãe era contente
cantando, mesmo que reclamasse à beça
quando era contratada para se apresentar
em restaurantes chiques aqui da cidade.
— Não seja injusta comigo! —
A resposta controlada de papai ecoa,
deixando-me um pouco confuso sobre
qual lado escolher, já que mamãe parece
estar sofrendo do mesmo jeito. — Nunca
a impedi de fazer o que gosta, Carla.
Quer participar de grandes concursos e
mostrar seu talento para o mundo? Tudo
bem, vá, você sempre foi livre.
— Uma falsa liberdade, diga-se
de passagem. — Escuto, atento, seus
argumentos. — As coisas são muito
difíceis para mim, Ariel. Quando as
pessoas sabem que tenho dois filhos, já
me olham de cara feia e não querem me
contratar para shows mais relevantes,
com medo de eu furar com eles.
— Sinto muito, eu sei que
vivemos em uma sociedade machista e
com oportunidades desiguais para
homens e mulheres, mas não desconte
suas frustrações em mim. — Ele faz uma
pausa e depois continua: — Me esforço
ao máximo para não te sobrecarregar
com as crianças, porque sei que nós dois
somos os responsáveis por elas e não
apenas você.
— Mas me sinto sufocada, Ariel.
— A voz embargada pelo choro me
deixa com a sensação de que estou
perdendo a minha mãe. — Você se
contenta com pouco, já eu... quero alçar
voos maiores.
— Sou feliz tendo sonhos que
estão dentro do meu alcance, Carla, e
sempre soube disso.
— É tão triste. — Seu lamento
parece sincero. — Poderíamos ter um
futuro lindo, se nos mudássemos para
São Paulo. Pense nas oportunidades que
o Romeu poderia ter com todo aquele
talento e a Ana Júlia, imagine o leque de
opções que teríamos para ela.
— Achei que concordávamos em
criar as crianças perto dos meus pais e
numa cidade menos agitada. — Lembro-
me da fazenda dos meus avós no interior
que é o nosso refúgio nos feriados,
minha irmãzinha e eu amamos correr
pelo gramado verdinho e tomar banho de
cachoeira, mas mamãe sempre pareceu
emburrada quando estamos lá.
— Nunca quis que meus filhos
tivessem oportunidades limitadas. Tá
vendo, Ariel... Nossos sonhos são tão
divergentes, quero voar e você quer ter
os pés fincados no chão. — Seu tom é
pesaroso. — Não dá mais para continuar
assim, quero o divórcio, acho que é a
melhor solução.
— Está tentando dizer que
vamos nos separar, porque eu não quero
largar tudo que construímos aqui e me
mudar para uma cidade como São Paulo,
com duas crianças? — Meu pai parece
muito magoado com a decisão dela. —
Carla, em todo esse tempo apoiei seus
sonhos, sei o quanto é talentosa e a
incentivei a correr atrás da sua carreira.
Mas uma coisa é você fazer uma turnê
pelo país e eu ficar aqui, na segurança
da nossa casa com as crianças, outra
bem diferente é largar tudo isso, meu
trabalho, pegar nossos filhos e, sem
nenhum planejamento, desembestarmos
para uma cidade tão longe da nossa
família para tentar a sorte. O que você
tem na cabeça?
— Sabe que não é a única razão
para eu querer me separar. — Ouço um
soluço abafado que presumo ser da
mamãe. — Acha que Romeu com o
talento que tem, vai querer passar a vida
toda trancafiado nesta maldita cidade?
Ele tem onze anos, Ariel, e já conquistou
tanto... está na hora de dar o próximo
passo, um conservatório seria perfeito e
Jairo já disse várias vezes que tem
contatos que podem nos ajudar. Ele é
muito habilidoso, mas você o limita
demais.
Sinto um arrepio pelo corpo,
quero muito seguir carreira na música, é
algo que está enraizado como se
fôssemos uma coisa só, mas tenho medo
do quanto mamãe cria expectativas em
torno disso.
— Não vamos ter essa conversa
outra vez. — Ouço alguns xingamentos
vindos da mulher e me angustia ser uma
das razões dos frequentes
desentendimentos dos meus pais. — Por
favor, segure sua língua, as crianças
estão na sala.
— O Romeu vai se cansar dessa
orquestra de fundo de quintal, quando
perceber que pode ir mais longe. Ele
não tem um futuro nesta cidade idiota!
— Não é você quem decide,
aliás nenhum de nós pode fazer isso. —
Papai nunca me forçou escolher, apesar
de ser um ótimo músico, sempre
explicou que se eu fosse mesmo fazer
isso, tinha que vir do meu coração e não
por pressão de qualquer pessoa. — Ele
tem muita vida pela frente e o que
precisa fazer é estudar, ter amigos ou
qualquer coisa que os garotos normais
fazem.
— Acha que Mozart teria sido
considerado o maior nome da história da
música clássica, se os pais dele
tivessem deixado que ele vivesse como
um garoto “normal”? Com certeza, não.
— A determinação contida em cada
palavra me
deixa tenso.
— São casos diferentes e
vivemos tempos modernos, em que não
precisamos sacrificar a infância de uma
criança para que ela possa ser um
profissional de sucesso no futuro. —
Tenho uma pontada de orgulho do que
ele diz.
Meu pai frequentemente diz que
devo aproveitar a infância, enquanto
mamãe insiste que devo praticar até a
exaustão para ser um músico melhor.
Quando os meus dedos estão cheios de
calos, os ombros doendo e exaustos de
tanto manusear o arco, sei que ele tem
razão, mas jamais verbalizei isso, por
medo de magoar mamãe, que se dedica
demais para que tenha os melhores
professores, aprenda as mais diversas
técnicas, mesmo que para isso tenhamos
que, uma vez ao mês, passar de três a
seis horas na estrada até a cidade
vizinha.
— Não estou desperdiçando meu
tempo com esse garoto para ele se
apresentar em eventos dessa gente
petulante e juro que não vou aguentar
ver isso acontecer com ele, Ariel. Não
quero que Romeu seja um fracassado
como eu ou você, está me ouvindo? —
Parece haver muito mais que só rancor
em seus posicionamentos.
A compreensão do que ela disse
vai acontecendo aos poucos e sou
dominado por um sentimento de revolta
indescritível. Realmente acreditei que
ela era minha maior fã. Dedilhar as
notas no Cello e emocionar as pessoas é
uma das coisas que mais amo fazer na
vida, a música era uma parte muito
importante de mim.
Ouvindo essa conversa, me dou
conta de que sou um pouco como o
papai, que adora levar essa arte para
todas as classes sociais. Lógico que
sonho com grandes plateias, com
viagens e prêmios internacionais, só que
quero ir devagar e não acelerado como a
mamãe deseja.
A ambição desmedida dela pelo
meu sucesso parte meu coração de uma
forma inexplicável. O tempo todo me
orgulhei de ter o seu apoio, mesmo
quando ela me conduzia com mãos de
ferro no estudo das partituras, mamãe
sempre esteve nas primeiras filas em
todas as minhas apresentações com os
olhos brilhando, emocionada, e agora
tudo está confuso demais. Parece que, se
eu não tiver sucesso, serei um filho
menos amado e isso me incomoda muito.
— Não diga uma coisa dessas
nem brincando, Romeu é apenas uma
criança, não podemos exigir tanto dele.
— Papai retorna ao seu tom
apaziguador. — Vamos devagar com
isso!
— Tudo bem, Ariel, faça como
achar melhor, só não venha chorar
depois pelo leite derramado. — Ela
parece muito certa do que fala.
A discussão tomou um rumo
inesperado e mamãe percebe, então usa
um novo argumento para justificar o
motivo de querer o divórcio:
— Você nunca me amou, estou
cansada de ficar com migalhas. Tenho a
sensação de que até a música é mais
importante que eu na sua vida, nossos
filhos têm mais da sua atenção que eu —
reclama, ressentida. — Estou cansada
de ser sua sombra, de ter que cuidar
desta casa, das crianças, de tudo para
que a sua vida seja perfeita e você nunca
mover uma palha por mim.
— Nunca exigi nada disso,
sempre deixei bem claro que as crianças
eram responsabilidade nossa, tudo
dentro deste apartamento diz respeito a
nós dois e não apenas a mim e, quanto a
amor, você sempre soube a razão de
termos entrado neste casamento. —
Agora há muita mágoa nas falas de papai
também. — E se para você “mover uma
palha” significa que tenho de largar tudo
que já conquistamos e ir para uma
cidade estranha tentar a sorte, saiba que
não vai ter isso de mim, Carla.
— Você é só um frouxo que não
quer ficar longe do papai e da mamãe.
— A acusação vem sem pestanejar.
— Meus pais estão velhos e já
moro longe o suficiente para lhes causar
preocupação, agora se não dá a mínima
para os seus, isso não é problema meu.
— A impaciência dele é nítida agora. —
Quer me pintar de vilão? Pode fazer isso
para sua família e amigas, só segure sua
língua solta dentro desta casa, as
crianças estão ali na sala, ouvindo tudo,
elas não são culpadas das nossas
frustrações.
— Não quer ir porque aqui sua
vidinha é confortável, tem tudo na mão,
seus alunos naquela escola da periferia,
seus eventos nos fins de semana que
rendem um dinheiro para que viva
razoavelmente bem, seus pais a alguns
quilômetros de distância, a chata da sua
irmã ali do outro lado da cidade e sua
família de comercial de margarina te
espera aqui todos os dias. — Uma
gargalhada maldosa ecoa pela casa e
desconheço a mamãe por um momento,
nunca achei que ela fosse capaz de dizer
coisas tão feias. — Olha só para você,
um cara com tanto potencial sendo
desperdiçado neste fim de mundo. Tudo
vem fácil demais para você, eu não me
casei para partilhar sonhos tão
pequenos, já abri mão de coisas demais
e precisa pensar em mim ao menos uma
vez nessa sua maldita vida perfeita.
— Ao menos está se escutando?
Acha que não tive que fazer nenhum
sacrifício por esse casamento, pela
nossa família ou pela minha carreira? —
O homem fala mais alto que o normal,
me assustando, eu jamais o vi agir assim
em nenhuma discussão anterior.
— Se refere àquela namoradinha
da adolescência? Ela nunca ficaria com
um “banana” feito você. — Existe tanta
raiva no modo como ela fala, que desejo
por um momento ter os três anos de
Aninha para não saber o que tudo isso
significa. — É verdade que sempre
soube que não me amava, Ariel, mas
achei que ia conseguir te fazer me
enxergar, depois de tudo que fiz e faço
pelos nossos filhos, que quando
estivéssemos morando em uma cidade
decente você a esqueceria, mas isso
nunca vai acontecer, não é?
— Você está sendo cruel. — A
voz dele soa muito baixa.
— Quer saber, Ariel? Vá se
foder! — ela esbraveja e a garotinha ao
meu lado faz um biquinho de choro, mas
consigo distrai-la agitando um chocalho
que prende sua atenção facilmente.
O silêncio dos meus pais é
esquisito e me deixa com muito medo do
que virá a seguir. Aninha chama a minha
atenção para pegar uma peça que caiu
debaixo do sofá, nenhum deles parece
ter percebido que baixei o volume da
tevê quando a discussão começou.
Então, mamãe volta a falar, em um tom
mais brando:
— Preciso pensar na minha
felicidade, no sonho de ser uma cantora
reconhecida nacionalmente, enquanto
ainda sou jovem. — E é exatamente
neste momento que percebo que nunca
mais seremos uma família. — A melhor
solução é ir cada um para um lado,
assim você continua aqui com essa
vidinha e eu vou para São Paulo, me
dedicar à minha carreira.
— Já tem tudo decidido? Os
nossos filhos como ficam nessa história?
— As perguntas do meu pai são as
mesmas que me faço.
Como será a minha vida e de
Ana Júlia? E as minhas aulas de
música? Quem vai me levar para as
aulas mensais na cidade vizinha, com o
professor famoso que ela mesma pagou?
Em qual lugar morar? Sinto uma coisa
horrível no peito, engulo o nó em minha
garganta e passo as mãos pelos cabelos
castanhos-dourados da garotinha
distraída alheia ao fim eminente do
casamento dos nossos pais. Espero pela
resposta, que demora a vir.
— Não me olhe assim, não estou
abandonando as crianças e eles sempre
foram mais apegados a você do que a
mim. — A raiva começa a crescer por
cada célula do meu corpo enquanto ela
continua: — Nosso casamento foi um
erro e está mais do que na hora de
admitirmos isso. Acabou, Ariel! Eu
tenho um ótimo contrato com uma
gravadora, Jairo garante que as coisas
vão mudar depois que gravar esse single
e não posso mais adiar isso.
— Existe alguma chance de você
ficar conosco, Carla? — meu pai insiste,
em um tom que me faz querer abraçá-lo
apertado. — Nós podemos fazer isso
dar certo, Carlinha, pela nossa família,
pelos nossos filhos. Já fizemos isso uma
vez...
Tenho pena do meu pai, é quase
como ele se sentisse culpado por mamãe
ir embora.
— E deu errado, enfiamos os pés
pelas mãos e fiquei grávida do Romeu.
Nos casamos pela responsabilidade que
caiu em nosso colo, Ariel, e não por
amor. — Sua revelação tão crua, faz
meus olhos se encherem de lágrimas.
Sempre me orgulhei de ser a
razão para eles estarem juntos, mas
parece que me contaram uma história
fantasiosa.
— Nós tentamos, Carlinha. —
Ouço um longo suspiro, que acredito ser
do papai. — Eu só não quero abrir mão
da nossa família.
— Não precisa fazer isso, Ariel
— mamãe diz, com a voz embargada. —
Romeu e Ana Júlia continuam sendo
seus filhos e meus também... Sei que
sempre acabo falando o que não devo e
estou cansada de brigar por coisas que
eu acredito serem o melhor, mas você
discorda. Acha que não merecemos ser
felizes e voarmos livremente por aí?
— Sim, acho que sim. — A voz
dele sai arranhada, talvez porque assim
como eu, ainda está magoado por tudo
que ela disse.
— Vejo seus olhos tão opacos e
me sinto culpada por termos apagado o
brilho um do outro. — Deixo Ana
entretida com seus brinquedos e
caminho devagar na direção da porta
aberta, me sento ao lado dela, mesmo
correndo o risco de ficar de castigo
mais tarde, preciso escutar tudo que
conversarem. — Forcei a barra e, como
o homem íntegro que você sempre foi e
deixou o seu senso de responsabilidade
falar mais alto, nos casamos, mas nunca
consegui ter o seu coração e não é justo
com nenhum de nós.
— Eu fico com as crianças. — A
afirmação do papai me faz soltar a
respiração, devagar.
A possibilidade de ir embora
para outra cidade, longe dos meus
amigos, dos meus avós e do papai é
aterradora, não consigo sequer imaginar
uma coisa dessas.
— Tem certeza? — Fico com a
impressão de que há uma pontada de
alívio contida na pergunta dela.
— Até você se estabelecer, pelo
menos — ele continua, com a tristeza
nítida em sua voz. — É o tempo que se
adaptem a essa vida nova, sempre fui
bom em me virar com eles, acho que
você merece ao menos a chance de ter
seus sonhos realizados, Carla, e isso é o
mínimo que posso fazer depois de tantos
anos juntos.
Não consigo respirar direito,
parece que meus pais nunca se amaram
de verdade e só se casaram por minha
culpa, agora vão se separar. Abraço os
joelhos, encostando a testa neles,
começo a chorar, em desespero. Fecho
os olhos. Nem sei por quanto tempo fico
assim, mas quando percebo, estou sendo
carregado pelo papai até o meu quarto e
colocado na cama.
— A mamãe vai embora? —
sussurro, segurando a sua mão quando
ele arruma o cobertor em mim.
Sua resposta custa a sair, como
se estivesse tentando encontrar qualquer
desculpa, seus olhos parecem perdidos
em algum lugar muito distante.
— Sim — diz, por fim,
sentando-se na beirada do colchão,
passando os dedos pelos próprios
cabelos que caem sobre a testa.
— O que será da gente papai? —
indago, quando nossos olhares se
cruzam, ele parece tão perdido quanto
eu, seus olhos marejados o entregam.
— Vamos sobreviver a isso
juntos, pirralho, prometo! — garante,
bagunçando meus cabelos e acredito,
porque o meu pai sempre cumpre suas
promessas.
Letícia, 12 anos
Afundo no assento do carro,
evitando olhar para o banco do
motorista ou do passageiro, coloco os
fones, dou play na música e aumento o
volume no máximo, qualquer coisa é
melhor que ouvir o silêncio
constrangedor que se instala entre nós.
Escuto longe alguém dizer um “Vamos
para casa” e sou invadida por uma
sensação horrível de abandono.
Eu odeio ir para casa, aliás, não
suporto essa palavra. Houve um tempo
em que adorava, contudo, nos últimos
anos tem sido cada vez mais difícil fazer
isso.
Não sei se posso dizer que é
sorte, mas mamãe trabalhou muito bem
para me manter com a “mente ocupada”,
então, além da escola, tenho aulas de
natação, inglês, teatro e balé, além dos
encontros semanais nas tardes de quinta-
feira com a psicóloga. Ela acha que
todas essas coisas são capazes de me
distrair do momento que estamos
vivendo, só que não está funcionando.
Fecho os olhos, apertando minha
mochila contra o peito, hoje o dia foi
daqueles.
Sexta costumava ser o meu dia
preferido da semana, porque significava
que mamãe, tia Isis e eu assistiríamos a
algum filme melodramático e no
empanturraríamos de pizza com
refrigerante, sem pensar nos danos à
saúde, no que chamávamos de “noite das
meninas”. Agora é uma lembrança
constante de que estamos perdendo uma
parte muito importante nossa a cada dia
que passa.
Os olhos vão sendo inundados
pelas lágrimas com a simples
lembrança, não quero chorar na frente
desses dois. Na maior parte do tempo,
tenho uma horrível sensação de solidão
e rejeição, se estou em casa, não saio do
quarto; se estou fora dela, fico
deslocada e, às vezes, tenho vontade de
morar com a minha tia, porque na sua
companhia é o único lugar que me sinto
parte de algo. Já tive algumas amigas da
mesma faixa de idade que eu, mas com
todos os problemas que venho
enfrentando, a minha frequente falta de
humor junto às respostas ríspidas, todas
elas se afastaram de mim.
Sobrou uma única pessoa que me
aguenta — além da tia Isis, é claro! —,
Breno, que é um garoto muito esquisito,
segundo o meu pai, e destoa muito da
patricinha que aparento ser. O que no
fundo é apenas uma desculpa para o
preconceito velado dele pelo garoto de
pele preta e “trejeitos suspeitos”, como
ele mesmo diz de forma irônica. Não
devia me importar com sua opinião
irrelevante sobre a única companhia da
minha idade que tenho nos últimos
meses, mesmo assim, frequentemente
discutimos feio por suas piadinhas sem
graça sobre o meu amigo.
Voltando a Breno, ele é mais
velho que eu, um ano, tem treze anos e
nos conhecemos na academia de balé,
desde então, nos tornamos inseparáveis.
Pego meu celular no bolso da frente da
mochila e digito uma mensagem rápida.
“Conseguiu carona com o
Nando?” Ele acha que não sei o
verdadeiro motivo de estar enrolando
até tarde nos treinos.
“Obviamente. E você? A
Sararaca veio com seu pai?” Olho para
o banco do passageiro, exibindo um
sorrisinho de canto ao olhar para o
protótipo de Barbie conversando,
animada, com o meu pai.
“Por acaso, a Bruxa Má perderia
a oportunidade de deixar o meu dia
pior?” Solto um suspiro irritado,
agradecendo a música dos fones que
agora abafa totalmente a voz dos dois.
“Seu pai quer ser tão certinho,
mas faz uma cagada dessa com a dona
Adriana. Desculpa, amiga, não dá para
defender!” A frase é acompanhada de
vários emojis indicando raiva.
Não dá mesmo, olho para a mão
de papai pousada na perna da menina
que é mais velha que eu uns poucos anos
e sinto nojo. Como ele pode fazer isso e
achar que é normal?
“Você vai ao hospital à noite?”
O celular vibra, me fazendo desviar o
olhar.
“Vou sim, tia Isis passa lá em
casa às sete e vamos passar o fim de
semana juntas.” Lembro-me que ela tem
se esforçado demais para fazermos
coisas divertidas e fico esperando
ansiosa pelos dias longe do ambiente
tóxico que se tornou o lugar que antes
era o meu preferido do mundo.
“Vou te deixar em paz, nos
vemos na segunda. Beijokas.” Ele se
despede.
Olho pela janela, o mundo
parece tão feliz e cor-de-rosa, mas para
mim tudo é um enorme borrão em escala
de cinza, limpo a lágrima que escorre
antes que possa evitar. Minha mãe tem
câncer, está morrendo dia após dia em
uma cama de hospital, meu pai trouxe a
amante para nossa casa e as pessoas
continuam sorrindo. Qual o problema
com o Universo?
É impossível acreditar em uma
felicidade real, quando se espera a
qualquer momento uma notícia
comunicando a morte da pessoa mais
importante da sua vida. Não consigo
pensar positivo e ver uma luz no fim do
túnel, tudo que vejo é tristeza e nada
além disso.
Nós duas aproveitamos muito
cada um dos momentos que passamos
juntas, fizemos coisas bobas, como
tomar banho de chuva, guerra de
travesseiros, brincamos e rimos
bastante, mas não achei que isso
significava que ela seria consumida por
uma doença cruel, mesmo sendo tão
jovem. No começo, quando soube sobre
a doença, eu acreditava que haveria uma
cura milagrosa e realmente aconteceu,
só que durou apenas dois anos e agora já
perdi todas as minhas esperanças.
Mamãe é o meu mundo, todas as
escolhas que já fiz foram influenciadas
por ela, em vários momentos durante o
dia me pego pensando em como será
viver em um mundo onde seus sorrisos,
afagos e canções de ninar serão apenas
uma linda lembrança. Não consigo
sequer aceitar essa possibilidade.
Chegamos em casa e
rapidamente corro para o quarto,
ignorando a pergunta do meu pai sobre
qualquer coisa aleatória, já passaram
alguns minutos das seis da tarde, não
tenho muito tempo para me arrumar e
preciso correr. Durante o banho, choro
bastante, porque nunca sei se haverá
uma conversa no dia seguinte, nunca sei
se vou ver o seu rosto pálido novamente,
ouvir sua voz fraca e apertar sua mão
tão magra. Deveria ter alguma lei
sobrenatural para impedir que as mães
ficassem doentes ou morressem antes
dos filhos.
Letícia
— Não acho justo isso! —
Breno reclama, enquanto andamos pelo
shopping lotado de gente.
— O que não acha justo? —
Ergo a sobrancelha, fingindo não ter
compreendido sua revolta. — O fato de
eu ter um ficante fofo ou o de as pessoas
não poderem saber que estamos “juntos”
há meses ou... tudo isso é porque eu
tenho alguém, enquanto meu melhor
amigo continua solteiro?
Quando fiquei com Romeu pela
primeira vez, há quase seis meses, não
achei que as coisas entre nós fossem
durar tanto tempo, muito menos que
continuariam tão intensas como naquela
primeira noite, até porque precisaríamos
esconder tanto do pai dele quanto da
minha tia e nunca gostei muito da ideia
de omitir algo dela, só que convivendo
com Ariel, acabei concordando que ele
poderia não aceitar muito bem isso.
— Você é uma péssima amiga e
eu te odeio por isso. — Ele empurra
meu ombro com o seu.
— Odeia nada. — Enlaço seu
braço quando paramos para olhar a
vitrine de uma loja chique. — Não
consegue viver sem mim e só está com
ciúme porque tenho passado mais tempo
com Romeu do que contigo, prometo que
vou te arrumar um carinha decente... Que
saiba valorizar a pessoa incrível que
você é.
— Não força, Lety. — Ele ri,
apertando o meu nariz. — Me conta,
você e o bad boy delicinha finalmente
transaram?
Encaro-o, sentindo o rosto
queimar de vergonha, existem momentos
em que eu gostaria que meu amigo fosse
mais discreto.
— Breno! — ralho.
— O quê? Em algum momento
isso vai acontecer e você vai perder
esse cabaço. — Sua resposta me deixa
ainda mais vermelha.
— Não vou conversar isso com
você — digo, chateada, e ele passa o
braço pelos meus ombros.
— Queridinha, é uma coisa
natural que vai acontecer cedo ou tarde
e torço para que seja o mais breve
possível. — Breno ignora o fato de eu
não querer falar sobre o assunto. —
Vocês são adolescentes, os hormônios
estão à flor da pele, uma coisa leva a
outra... Vai dizer que nunca rolou nem
uma “mão naquilo ou aquilo na mão”?
Romeu e eu temos uma química
incrível, se dependesse só de mim,
estaríamos transando feito coelhos há
muito tempo, mas o meu bad boy tem um
autocontrole invejável, junto com o
medo de decepcionar tanto Ariel quanto
tia Isis. Já conversamos sobre isso e
concordamos que vai acontecer no
momento que for melhor para nós dois.
Até lá, temos que segurar esse fogo.
— Ninguém é de ferro, né,
Breno? — sacio sua curiosidade, o
fazendo rir.
— Essa é minha garota — ele
tira onda. — Essa carinha de santa, para
cima de mim, não cola, sabia que ia te
corromper cedo ou tarde.
— O Romeu não precisou me
corromper.
— Ah é, você aprendeu a ser
safada comigo. — Sua fala escandalosa
faz com que as pessoas à nossa volta se
virem para olhar e finjo não perceber.
— Se eu fosse você, já estaria dando
para ele há tempos, seu namoradinho é
um gostoso.
— Ei, mais respeito e ele não é
meu namorado. — Cutuco sua costela.
— Isso é só uma questão de
interpretação. — Ele dá de ombros. —
Quando acontecer, quero saber de tudo.
— Não viemos para falar sobre
a minha vida sexual inexistente. —
Reviro os olhos e desvio o foco da
conversa. — Ao que me consta, você
disse que iríamos escolher o meu
presente de aniversário.
— Que chata! — Breno reclama,
quando paro na frente de uma loja de
artigos geek. — E aí, já pensou no que
quer fazer no seu aniversário, semana
que vem?
Confesso que ainda não pensei
em nada, tia Isis quer dar uma festa para
comemorar a chegada dos meus 17 anos,
Ana Júlia está empolgadíssima criando
uma playlist maluca e Romeu... bem, ele
acha que eu preciso fazer o que me
deixa feliz.
Por enquanto, o plano de ser
arqui-inimigos declarados tem dado
certo, ao menos as pessoas parecem
acreditar, apesar de que não estou tão
certa sobre Aninha acreditar em toda a
nossa encenação, com todas aquelas
piadinhas bobas e brigas sem pé nem
cabeça por conta de coisíssima
nenhuma.
— Ainda não sei... — mordo o
lábio, respondendo finalmente à
pergunta de Breno. — Decidiu
participar do concurso de dança no fim
do ano?
— Com certeza e acho que
deveria tentar também — ele diz, me
olhando cheio de expectativas.
Não participo de competições
desde que mamãe faleceu, mas nos
últimos meses tenho cogitado cada vez
mais a ideia, já que, como Romeu disse
outro dia, ninguém pode me impedir de
ser feliz fazendo o que gosto. Porém
ainda tenho medo.
— Acho que ainda não é o
momento, Breno — digo, com
sinceridade, então ele para e me faz
encará-lo.
— Dançar está no seu sangue,
não importa o quanto tente negar, isso
está estampado no seu rosto. — Ele me
conhece o suficiente para saber como
me sinto quando estou no palco. —
Quando você dança, Lety, todo mundo
deixa o que está fazendo apenas para
admirar. Seus olhos brilham, sua pele
reluz e os movimentos do seu corpo
contam histórias cativantes.
— Diz isso porque é meu amigo.
— Não, falo isso porque você é
a melhor dançarina que conheço e não
queria que desperdiçasse o seu talento
por medo de enfrentar o desconhecido.
— Às vezes, Breno parece ser muito
mais velho do que seus 18 anos recém-
completados. — Tenho certeza de que
aquele seu peguete bad boy concorda
comigo. O jeito que ele te olha quando
está dançando chega dar um negócio na
gente.
Romeu adora me ver dançar, só
por isso às vezes permito que me veja
praticar com Breno ou sozinha, por
chamadas de vídeo, no início ele morria
de ciúme do meu melhor amigo, mas
agora já entendeu que o lance entre nós é
apenas amizade e que gostamos
exatamente da mesma coisa. No geral,
eles se dão bem e gosto disso, porque
ambos são importantes para mim, de
modos diferentes.
— Você é tão infantil — retruco,
quando voltamos a caminhar. — Eu
quero muito dançar, fazer o que gosto,
mas agora preciso focar nas provas do
vestibular.
— Lety, pare de inventar
desculpas. Tenho certeza de que
consegue estudar e equilibrar as duas
coisas. Quem sabe, essa não seja a sua
chance de mostrar a si mesma que não é
tarde para voltar a sonhar com os palcos
e todo o glamour. — Ele faz um gesto
engraçado com as mãos. — Talento,
você tem de sobra, e podemos ensaiar
juntos, seremos imbatíveis.
— Vou pensar, prometo — digo,
apenas para que ele esqueça o assunto.
Talvez não esteja pronta para
enfrentar os palcos sem minha mãe na
primeira fila para me aplaudir, além
disso, passei tempo demais ouvindo do
meu pai que dançar não me levaria a
nenhum lugar e outras tantas baboseiras
que nem devem ser mencionadas. Não
aguentava mais viver naquela casa que
lembrava tanto a minha mãe, porque não
restava mais nada dela ali para me
agarrar e, apesar dos esforços de tia
Isis, eu me sentia um fardo tanto para
meu pai quanto para ela.
Quando Breno me convidou para
assistir a uma apresentação de dança
contemporânea, anos atrás, eu estava a
um passo de entrar em depressão, foi
como receber uma descarga de energia e
aquilo, de certa forma, me trouxe de
volta, de repente eu queria ser mais do
que a garota que brigava o tempo todo
com o pai e a madrasta.
Agora, sou livre para escolher o que
quiser, quem sabe, participar desse
concurso não seja um sinal divino para
que eu possa lutar pelos meus sonhos
por mim mesma?
Letícia
— Eu não entendo o que eu fiz
de errado — digo, encarando o homem.
— Pare de ser cínica, garota. —
A voz do meu pai me causa um tremor
pelo corpo. — Sabe que nunca gostei
dessa baboseira de dança, só deixei
continuar com essa bobagem porque a
Isis pagava suas aulas e me enchia o
saco. Sempre soube que sua tia era uma
perdida, olha só no que ela está te
transformando.
— A tia Isis não é uma perdida
— retruco, afrontosa, e ele avança na
minha direção.
— Ah, não? Por que acha que
ela nunca se casou? — Seu tom irado
me aterroriza, mas não baixo a cabeça.
— Nenhum homem que se preze vai
querer uma mulher que não se dá ao
respeito, Letícia. Olha as roupas que
você estava usando nesse vídeo, eu não
criei filha para tá se exibindo como um
pedaço de carne por aí.
— Quem é você para falar em
respeito? — disparo, cheia de mágoas.
— Nunca respeitou a minha mãe,
colocou sua amante dentro de casa
antes mesmo que ela tivesse morrido.
Sua resposta foi um tapa
certeiro no meu rosto.
— Vai aprender a me respeitar e
não questionar minhas ordens, por bem
ou por mal. — Ele segura meus
cabelos, forçando-me a olhá-lo.
— Eu te odeio! — cuspo as
palavras.
Seu olhar muda de uma hora
para outra e só consigo ver o monstro
dentro dele sobressaindo.
— Não precisa me amar, apenas
respeitar minha autoridade como seu
pai. — Ele me solta em um solavanco,
perco o equilíbrio e caio batendo as
costelas na quina da mesa de centro. —
Você nunca mais vai pisar naquele
antro de gente sem o que fazer e pode
esquecer aquela sua tia sem-vergonha.
As palavras são acompanhadas
de chutes no mesmo local onde bati na
mesinha e neste momento tudo que
desejo é que a morte seja rápida,
porque não aguento mais estar em um
mundo onde esse homem horrível é
quem deve ditar as regras da minha
vida.
— Lety, calma. — Ouço a voz
distante de tia Isis. — Foi só um
pesadelo, eu estou aqui com você,
ninguém pode mais te machucar.
Respira, meu amor...
Abro os olhos reconhecendo o
quarto que ocupo no apartamento dela,
puxo o ar lentamente recobrando aos
poucos os sentidos. Seis meses se
passaram desde aquela noite terrível,
mas vez ou outra tenho pesadelos com o
que passei. Mãos suaves massageiam-
me as costas.
— Está tudo bem — ela
sussurra. — Estou aqui com você.
— Desculpe! — Passo as mãos
no rosto encharcado de lágrimas.
— Precisa voltar para a terapia,
Lety. — Tia Isis me encara, preocupada.
— Esses pesadelos não são normais,
você parecia tão bem nos últimos meses,
feliz e rindo à toa olhando para tela
desse celular.
— Eu não sei o que aconteceu,
tia. — Arrumo os cabelos em um coque.
— Talvez seja porque fiquei pensando
no Wallace antes de dormir, mas eu
estou bem. Juro!
— Não tenho tanta certeza —
diz, segurando meu queixo. — Saiba que
eu estou aqui e pode contar comigo para
qualquer coisa, devo isso à sua mãe.
Abraço-a em resposta, se existe
alguém neste mundo capaz de fazer
absolutamente qualquer coisa por mim, é
essa mulher. Ela se deita ao meu lado na
cama e ficamos abraçadas em silêncio
até que me acalme completamente.
— Então vai me falar quem é
esse garoto que está te deixando nas
nuvens? — Sua pergunta me pega de
surpresa.
— O quê?
— Acha que nasci ontem,
garota? — Ela me dá um beliscão no
braço. — Já tive a sua idade e fiquei
assim por um cara que, por acaso,
voltou para minha vida recentemente.
— É complicado, tia —
respondo, mordendo o lábio.
— Ah, os amores adolescentes.
— A mulher suspira rindo. — Se esse
garoto não quer te assumir, foge
enquanto é tempo, Lety.
— Não é isso, é que...
— Você está apaixonada por ele
— afirma, empolgada, e enfio a cara no
travesseiro. — É pior do que pensei.
Como ele é? Não me mata de
curiosidade, sua tia já está velha.
— Uma idosa bem gata, por
sinal. — Tento fugir da sua pergunta.
— Pode me contar tudo, eu exijo
saber como os adolescentes namoram
hoje em dia. — Ela se arruma na cama
de modo que fiquemos deitadas uma de
frente para a outra.
— Ele é fofo, gatinho, meio
nerd, adora me ver dançar e faz com que
eu me sinta nas nuvens. — Tenho
consciência do quão bobo isso soa, mas
é minha tia e não ligo. — E sim, estou
apaixonada.
— Gente, o que aconteceu com a
garotinha fofa que adorava brincar de
bonecas comigo?
— Cresci, tia. — Mordo o lábio,
rindo.
— E vocês estão namorando?
— Não, só ficando há uns meses.
— Tomo o cuidado de não revelar
muito. — É muito cedo para namorar.
— Ai, meu Deus. Ai. Meu. Deus
— ela dá gritinhos eufóricos. — Garota,
eu não tenho maturidade para isso. Eu
conheço esse carinha fofo?
— Ih, não sei, tia — minto.
— Sua danadinha. — Tia Isis
cutuca minha costela. — Não faça nada
que possa se arrepender depois. Vocês
já... — Ela arregala os olhos e faz um
gesto sugestivo.
— NÃO! — digo, alto demais e
ela ri. — Ah, tia, eu não vou falar essas
coisas com a senhora.
— Vai, sim — Ela começa a me
fazer cócegas. — Eu sou sua tia e tenho
direitos, só me prometa que vai tomar
cuidado, Lety? Não quero que sofra e se
esse menino fizer qualquer coisa que te
magoe, precisa me contar, que eu faço
questão de quebrar a cara dele
pessoalmente.
— Que exagero! — reclamo.
— Vai tomar cuidado? —
indaga, arqueando a sobrancelha. — E
quando digo isso, me refiro a tudo,
inclusive, aquela coisinha que você não
quer me contar. Vou marcar uma consulta
com a minha ginecologista, melhor
prevenir do que remediar.
— Tia!
— O quê? Minha filha, já tive a
sua idade e tinha um fogo no rabo que só
vendo. — Rimos juntas, cresci ouvindo
mamãe contar histórias das maluquices
que ela aprontava.
— Vou tomar cuidado, tia.
Prometo.
— Fico mais aliviada. — Ela
arruma uma mecha de cabelo atrás da
minha orelha. — Você é a coisa mais
preciosa que tenho nesta vida.
Fico emocionada com suas
palavras, nunca me senti tão segura
como nos últimos meses morando com a
tia Isis. Sinto uma pontada de culpa por
não contar sobre Romeu, mas tenho
certeza de que a hora certa vai chegar.
Ariel
Ainda não consigo acreditar que
Romeu precisou de menos de uma
semana para quebrar a confiança que
depositei nele. Olho o seu rosto
arrebentado através do retrovisor,
tentando entender por que continua
sendo esse adolescente rebelde, quando
eu pensei que as coisas estavam
mudando.
Recebi uma ligação no início da
madrugada, informando que meu filho e
sua namorada foram parar na delegacia,
depois de uma batida da polícia em uma
festa clandestina cheia de menores,
bebidas alcoólicas e... drogas. É difícil
para um pai assimilar isso.
Depois de eles ouvirem um
sermão do delegado, passamos no
pronto-socorro para tratar os ferimentos
de ambos, aparentemente, nada grave.
Só que ver Letícia tão vulnerável me
lembra de quando ela esteve na minha
casa a primeira vez, ela parece um
bichinho acuado agarrada ao braço de
Romeu, que tem um olhar carregado de
culpa.
A garota tem um hematoma
horroroso no rosto, os olhos inchados
pelo choro, o sangue seco em sua blusa
branca, denunciam o ferimento na
costela que precisou ser costurado,
aperto as mãos no volante, tentando
aplacar a raiva que estou sentindo.
Meu filho tem um rasgo no
supercílio, que também precisou ser
suturado, o lábio cortado, o olho direito
está roxo e sabe-se lá Deus onde mais
está ferido. A impressão que tenho é
que ele entrou em uma briga com um
touro bravo, mas enquanto esperávamos
a enfermeira fazer os curativos nele,
Letícia contou que ele fez isso para
defendê-la de Leon, pedi tanto para esse
garoto idiota se afastar e olha só o
resultado. Em vinte e quatro horas,
Romeu, quase zerou a lista de coisas que
pedi para não fazer, tudo bem que não
esperávamos que dois adolescentes com
hormônios à flor da pele não transassem,
já tivemos a idade deles e sabemos
perfeitamente como são essas coisas.
Mas a Ana Júlia tem nove anos, imagina
se ela pega esses dois em uma situação
comprometedora, eu não quero nem
pensar nisso.
Fiz vista grossa para a
embalagem de camisinha que encontrei
no terraço, porque a minha noiva
prometeu que conversaria com a
sobrinha. Letícia é uma boa garota, mas
todo mundo faz bobagem quando está
apaixonado e o que aconteceu aqui está
tão óbvio que me dá vergonha de ter
confiado em Romeu.
Espero uma justificativa ou
qualquer desculpa esfarrapada, mas não
vem nenhuma. São quatro da manhã
quando estaciono o carro na garagem do
prédio, descemos em silêncio e subimos
as escadas até o nosso andar.
— Ah, meu Deus! Até que enfim
vocês chegaram. — Isis abraça a
sobrinha assim que abrimos a porta, sem
esconder o pavor ao ver o estado da
garota. — Você está bem, Lety?
Machucou em mais algum lugar? O que
estavam fazendo nessa festa a essa hora?
— Está tudo bem, tia — a garota
responde, exausta, quando minha noiva a
leva para o nosso quarto.
Romeu se senta no sofá como se
esperasse pela nossa conversa, balanço
a cabeça irritado e meu celular começa
a tocar, atendo porque preciso
tranquilizar a pessoa do outro lado, mas
faço um sinal para que meu filho me
espere.
— Já estamos em casa, Carlinha
— informo, indo até o outro cômodo.
— Como ele está? — Sua voz
parece aflita. — Como foi no hospital?
Ele se machucou muito?
— O rosto dele está quase todo
arrebentado, ao menos agora os
ferimentos estão limpos, não sei se
quero mesmo saber onde mais ele se
machucou. Mas a garota... Ela... Ela...
— Massageio a têmpora sem conseguir
continuar, a culpa me corroendo por
dentro. — Ele colocou a Letícia em
perigo! Estou cansado, Carla, faço o
impossível por esse garoto, hoje foi
demais para mim.
— Eu tenho minha parcela de
culpa nisso também, Ariel — ela diz,
fungando. — Sou uma péssima, mãe.
— Não se culpe sozinha, nós
dois erramos muito com ele — digo,
balançando a cabeça, me sentindo um
pai horrível.
Há um momento de silêncio,
porque nós dois sabemos que dizemos a
verdade.
— Ele vai ficar bem, ok?! Se
acalme, Carla, daqui a pouco as
crianças vão estar aí com você. — Vou
até a cozinha, pegando uma jarra de água
e colocando no copo. — O Romeu não
volta para cá depois do fim de semana.
Não posso permitir que esse garoto faça
merda com a própria via e ainda leve
Letícia junto. Ela acabou de ficar livre
de um problemão com o pai e só tem a
Isis, não é justo.
— Tem certeza de que quer
fazer isso, Ariel? — Carla parece não
acreditar na decisão que tomei no
momento que descobri onde eles
estavam.
— Absoluta, preciso desligar —
digo, colocando a jarra da geladeira. —
Quando os colocar no avião, te mando
mensagem.
Desligo o celular, apoio as duas
mãos na bancada da pia, respirando
profundamente, preciso deixar o meu
lado pai bonzinho, descolado e
compreensivo, para agir como a
situação pede agora. Bebo a água e
volto para sala, com a missão mais
difícil que eu já tive depois que me
tornei responsável por duas crianças.
— Vai me mandar para casa da
mamãe? — Romeu pergunta, assim que
me sento ao seu lado.
— Você sabia que isso
aconteceria, cedo ou tarde, filho. — Me
arrumo no sofá. — Ou achou que eu ia
continuar passando a mão na sua cabeça,
a cada merda que você fizesse? Levou a
Letícia para aquela festa e olha só como
ela está agora.
Passo as duas mãos pelo rosto,
tentando me acalmar.
— Mas, pai, eu só...
— Não quero ouvir explicações,
só precisava que me escutasse uma vez
na vida, Romeu! — Ele encara os
sapatos. — Quantas vezes eu te falei
para se afastar desse garoto, que é esse
tipo de amizade que te leva para o
buraco?
— Muitas — responde, cheio de
culpa, mas não vou aliviar.
— Sei que parece radical
demais — o vejo revirar os olhos —,
mas um dia vai agradecer por ter feito
isso, a Lety chegou aqui com a cabeça
bagunçada, tendo que assimilar todos os
problemas pessoais e acabou se
envolvendo com você. O mínimo que
deveria fazer era não causar mais
problemas a ela. Não posso permitir que
faça isso, que brinque com os
sentimentos ou que a carregue para esse
mundinho problemático em que você
vive.
— Não fiz isso... — Ele enfia os
dedos nos cabelos nervosamente. —
Será que é tão difícil entender isso, pai?
Foi ela quem me salvou.
Balanço a cabeça ao ouvir seus
argumentos que só provam o quanto essa
relação começou pelos motivos errados.
— Filho, em um relacionamento
ninguém tem que salvar ninguém. —
Coço a testa, tentando passar a ideia da
forma mais objetiva possível. — Uma
relação amorosa deve ser baseada em
companheirismo. Nem você nem a
Letícia estão em condições de salvar um
ao outro, porque estão cheios de
questões internas que foram mal
resolvidas.
Paro por um momento e o
encaro, ele precisa entender os motivos
para que eu tenha tomado uma decisão
tão extrema.
— Entenda que está indo para a
casa da sua mãe, porque antes de
qualquer coisa você e a Letícia
precisam compreender que um não
precisa “salvar” o outro de nada —
explico, sob seu olhar desolado.
— Eu gosto dela de verdade,
pai... Antes eu pensava que o amor
machucava as pessoas, mas depois dela,
percebi que não, que amar pode ser
bom. — Sua voz soa trêmula ao revelar
algo tão íntimo.
Embora esteja muito tentado a
acreditar, as evidências de que esse
garoto não entende o significado dessa
palavra estão por toda parte.
— Você ainda não conhece o
amor direito, meu filho. — O encaro,
mas ele desvia o olhar. — Letícia é uma
garota bonita, já tive a sua idade e sei
como essas coisas funcionam. Os
hormônios ficam à flor da pele e a gente
confunde amor com desejo, com paixão.
Nenhum dos dois está preparado para
um sentimento tão profundo quanto esse.
— O senhor não pode dizer isso
sem saber o que sentimos de verdade —
retruca, passando a ponta do dedo no
curativo do supercílio.
— Então me explique, Romeu.
— Coloco os pés em cima da mesa de
centro. — Quando começaram a “ficar”,
como vocês dizem, ela não estava
fragilizada, carente de afeto e de
carinho, depois de ter passado coisa
horríveis nas mãos daquele pai imbecil?
Como imaginei, ele não
responde.
— Esse lance entre vocês não
tem como dar certo, são de mundos
diferentes e essa paixonite vai passar.
— O garoto parece não assimilar tudo
que estou dizendo. —Olha para você,
Romeu. Um adolescente revoltado com
o mundo, com raiva da sua mãe, não
consegue seguir regras simples. Veja
para o que arrastou ela hoje, acha que a
Lety merece isso, depois de todas as
coisas ruins que já viveu?
— Não queria que as coisas
fossem assim — diz, num fio de voz,
passando as duas mãos pelo rosto como
se estivesse cansado de tudo.
— Isso não impediu que
acontecesse. Você não fez nada para
impedir — digo, tocando seu joelho. —
Sei que tem um coração enorme
escondido no meio dessa revolta toda.
Apesar de eu ter acreditado por um
momento que tinha descongelado, não
foi isso que aconteceu.
— A gente conversou, pai — ele
diz, tentando justificar alguma coisa. —
Você nos deu permissão para continuar
namorando.
— Porque entendi errado o que
estava rolando entre vocês. Acabou de
me confirmar isso ao dizer que ela o
salvou. Agora já não posso deixar que
sigam com isso e sei que vão acabar se
machucando em algum momento. — A
verdade é que nunca sequer cogitei que
Romeu fosse para longe de mim. —
Quando imaginei morar junto com Isis,
não fazia a menor ideia de que você
estava com a sobrinha dela e depois
achei que realmente havia mudado, só
que agora descubro que tudo não passa
de uma farsa.
Não consigo esconder a
decepção no meu rosto e Romeu parece
magoado comigo.
— Sinto muito que pense isso de
mim, pai.
— Quer que eu pense o quê?
Ontem vocês transaram no terraço. — O
garoto fica pálido ao escutar a
revelação. — Imagina se a sua irmã
chega lá em um momento desses, você
foi irresponsável de inúmeras formas
nessas últimas vinte e quatro horas,
Romeu, e estou exausto de passar a mão
na sua cabeça.
— Nós tivemos cuidado, pai —
garante, mas a essa altura já não me
importo mais.
— Imagino que sim, porque
encontrei a embalagem da camisinha
jogada no chão, isso nem vem ao caso
mais. — Coço a cabeça, impaciente. —
Você a colocou em perigo hoje. Olha só
o estado dela, Romeu! Que garantias
tenho de que não vai continuar fazendo
isso? Se eu não tomar uma atitude
drástica agora, talvez as coisas piorem,
não quero correr esse risco. Vá arrumar
as suas coisas, essa viagem é só de ida,
até que eu tenha certeza de que posso
confiar no meu filho outra vez.
— O senhor está exagerando,
por favor, isso não vai mais acontecer.
— Agora ele suplica, com os olhos
cheios de lágrimas. — Me deixa ficar,
sabe o quanto me machuca ter que morar
com a minha mãe, depois de tudo que
passamos — implora, chateado, e eu
entendo o seu desespero, só que não
pretendo voltar atrás. Aperto a ponte do
nariz.
— Lamento, mas você irá viver
com a Carla por um tempo — afirmo
categoricamente, como se o meu coração
não estivesse em frangalhos após essa
decisão. — Eu tentei te ajudar de
verdade, nem ao psicólogo está indo
mais...
— Mas, pai, eu não preciso —
ele argumenta.
— Não é você quem decide.
Parou de ir por conta própria, sua mãe
pagando as sessões todo mês e você
mentindo para gente, Romeu. —
Descobri isso esta semana, depois que
ligaram do consultório querendo saber o
que havia acontecido para o meu filho
faltar às últimas cinco sessões. — Não
pode sair decidindo as coisas sem ao
menos me comunicar.
— Desculpe — o garoto diz,
cabisbaixo.
— Agora não há mais nada o que
fazer em relação a isso. — Dou de
ombros, continuando em um tom que o
deixa desconfortável: — Vai esquecer
essa paixonite pela Letícia e deixar que
ela seja feliz como merece, está me
ouvindo?
— Nem faz ideia do que está me
pedindo — resmunga, chateado, mas ao
contrário do que pensa, estou fazendo
isso para protegê-lo de se sentir culpado
quando acabar com os sonhos dela.
— Arrume suas coisas —
ordeno, sentindo um nó em minha
garganta quando o garoto se levanta. —
Só mais um pedido... — digo e ele
assente. — Prometa que vai superar
isso, que vai convencer a Lety de que
não existe qualquer possibilidade de
vocês ficarem juntos em um futuro
próximo.
Romeu balança a cabeça e fecha
os olhos, como se não acreditasse no
que acabou de ouvir.
— É a coisa certa a se fazer, vai
ser melhor para todos nós. Não quero
ver nenhum dos dois sofrendo, ela já
passou por coisas demais, meu filho, e
não acho que seja certo vocês
namorarem nessas circunstâncias.
Promete que vai esquecê-la?
— Não me peça o impossível,
pai. — Sua voz está carregada de rancor
e culpa. — Já está nos fazendo sofrer.
Sabe, não acredito que logo o senhor,
está me pedindo para fazer isso. Eu a
amo.
Ele parece desolado, já me senti
assim uma vez, mas as circunstâncias
eram totalmente diferentes e apesar das
decisões erradas que tomei, eu não era
um perigo para a garota que eu amava.
— Se realmente ama essa garota,
prometa que vai se afastar e não vai dar
esperanças a ela. — Nos encaramos e
quase posso me enxergar nele. — É o
melhor a fazer nesse momento.
Aguardo um novo argumento,
mas ele me surpreende soltando a
respiração devagar, falando as palavras
que eu queria ouvir:
— Prometo! — Ele me dá as
costas e some pelo corredor, deixando-
me com uma sensação pesada de culpa.
Romeu
“Por que você não responde a
porra das mensagens?” Ouço mais uma
vez o áudio de Lety com o meu coração
doendo.
Faz uma semana que arrumei as
minhas coisas e segui a ordem do papai,
sem me despedir, sem olhar para trás e
sem dizer à Letícia que ela é tudo que
importa para mim nesse momento.
Releio todo o histórico de
mensagens da semana, começaram no
sábado com um “Está tudo bem, mô?
Não consegui acordar para me despedir
de vocês”; passando por um “Sei que
está chateado com tudo que aconteceu,
mas fica bem, viu?!”; no domingo, para
um impaciente “Seu pai disse que você
decidiu ficar na sua mãe, por que não me
contou nada, Romeu?”; na segunda as
que se seguiram foram adquirindo um
tom magoado, conforme os dias
passaram.
Para cumprir a promessa
ridícula que fiz ao meu pai, preciso
ignorar a vontade de responder cada
uma de suas perguntas ou ligar para ela
e dizer que não é verdade que escolhi
ficar aqui, só estou fazendo isso porque
fui um completo idiota a minha
adolescência inteira e agora preciso
provar que realmente a mereço, mas nem
sei por onde começar a fazer isso.
Não consigo esquecer a
sensação de culpa que me invadiu
quando me dei conta de que ela estava
machucada por minha causa, que se não
tivéssemos ido até lá, Lety estaria bem,
nunca vou me perdoar por tê-la
colocado em perigo.
Quando digo que não me
despedi, isso não envolve o momento
antes de irmos para o aeroporto, que
fiquei olhando-a dormir, sentindo que o
meu coração estava sendo esmagado
quando deslizei os dedos pelo hematoma
em seu rosto, sentindo a culpa me
consumir. Ninguém precisa saber disso.
Letícia tem problemas demais,
um pai tóxico e mesmo que isso parta o
seu coração — e o meu — agora, sei
que a última coisa que ela precisa é de
um namorado inconsequente com um
passado mal resolvido.
— Romeu, você precisa comer,
sair um pouco e tomar um ar. — Ouço a
voz de mamãe do outro lado da porta do
quarto acompanhada de uma batida leve.
— Não pode ficar desse jeito para
sempre, meu filho!
A última coisa que quero hoje é
conversar com ela, mas infelizmente a
ilustre Carla Cardoso não está disposta
a facilitar a minha vida e falta muito
pouco para que me vença pelo cansaço.
Coloco os fones nos ouvidos, aumento o
volume para que a faixa de Inverno
abafe qualquer ruido externo.
Passo a manhã inteira nesse
limbo como tenho feito desde que
cheguei aqui, sinto falta da minha casa,
das pessoas que moram nela, das coisas
que deixei na pressa... Quanto a
faculdade, ao que parece, meus pais têm
tudo resolvido, sem precisarem da
minha opinião, isso me irrita para
cacete, inclusive, foi o motivo para uma
discussão anteontem.
Saio do quarto no meio da tarde,
vou até a cozinha, roubo uma fatia de
torta de frango, outra de bolo de
chocolate na geladeira e me esgueiro até
a sala de tevê para procurar alguma
coisa que me distraia dessa merda que
estou vivendo, entretanto, acabo
cochilando do meio do filme que
escolhi.
Sonhei que voltava para casa e
Letícia não estava mais lá, eu a tinha
perdido para sempre. Acordei assustado
com uma sensação horrível, como se o
meu coração tivesse sido arrancado do
peito, sento-me no sofá e dou de cara
com mamãe sentada na poltrona de
frente para mim.
Não há um fio de cabelo fora do
lugar, ela é a imagem da perfeição e não
lembra em nada aquela mãe louca que
corria o dia inteiro para lá e para cá em
nosso apartamento.
— Pelo menos comeu alguma
coisa. — Ela indica o prato no braço do
sofá, puxando a poltrona mais para perto
de mim. — Amor não enche barriga,
Romeu. O que acha que está fazendo? Eu
te dei espaço, juro que estou tentando
ser compreensiva com tudo que passou
nos últimos dias, mas já não sei mais o
que fazer para te ajudar.
— É só me mandar de volta para
casa. — Inclino para trás, até bater a
cabeça no sofá, apertando os olhos com
o indicador e o polegar.
— Aqui é a sua casa agora e é
bom se acostumar com isso. — Seu tom
é impaciente.
— Não, a minha casa é onde o
meu pai e a Aninha estão. — Deixo que
a raiva fale por mim. — Você nos
deixou e já é tarde, não adianta querer
ser a mãe perfeita.
Ela engole em seco, endireitando
a coluna e me encarando.
— Olha, Romeu, sei que não
gosta de estar aqui e que tem todos os
motivos do universo para me odiar, mas
sou sua mãe e exijo que me respeite
como tal. — Faz muito tempo que a ouvi
falar comigo dessa forma. — Vou te
dizer como as coisas vão funcionar a
partir de agora, você precisa entender
que está na hora de deixar o nosso
passado para trás e seguir em frente.
— É muito fácil dizer isso... —
inicio meu argumento, arrumando a
postura.
— Eu ainda não terminei — a
mulher me interrompe, antes que conclua
o pensamento. — Já tivemos essa
conversa meses atrás e expliquei os
meus motivos para o que fiz, sabe o
quanto me arrependo da forma como
conduzi tudo. Estou cansada de ouvir
suas grosserias e ficar calada me
culpando, se vamos morar juntos, a
partir de agora é bom que comecemos a
nos tratar de forma civilizada.
— Ok! — Levanto as mãos. —
Existe alguma alternativa?
— Não, não existe. — Ela apoia
os cotovelos nos joelhos e me encara
séria demais. — É meu filho e por mais
que ache que sou um monstro, eu te amo
e só quero uma chance para provar que
posso ser uma mãe melhor, mais
presente na sua vida. Quem sabe essa
não seja uma oportunidade que o
universo está nos dando para resolver as
nossas diferenças?!
— Esse universo é mesmo um
filho da puta! — Bufo, irritado, jogando
algumas almofadas no chão.
— Olha a boca! — repreende,
me fitando como se calculasse suas
próximas palavras. — Na adolescência,
os problemas parecem maiores do que
realmente são, os amores juvenis vêm e
vão, Romeu, e isso acontece para que
consigamos lidar com as dificuldades da
vida adulta e quanto mais cedo você
entender isso, menos bobagens vai
cometer.
— Talvez eu tenha herdado de
você esse talento para fazer besteira —
digo, puxando os fios do meu topete.
— Pode ser que sim. — Ela dá
um sorriso sem graça.
— Não acho que o que sinto por
Letícia é passageiro — digo, cansado de
ouvir os adultos dizerem a mesma coisa
o tempo todo.
Mamãe massageia a têmpora,
fecha os olhos por um momento e
quando os abre posso ver um pouco de
compreensão neles.
— Aquela garota é incrível, sei
que sim — diz, segurando a minha mão.
— Conversei com ela por poucos
momentos e puder entender o que viu
nela, mas o seu pai está certo. Ao
menos, por enquanto, vocês precisam
organizar a bagunça aqui dentro, Romeu.
— Ela toca minha testa com o indicador.
— Sei o quanto isso pode ser difícil,
mas há momentos em que precisamos
nos afastar das pessoas que amamos ou
acabamos as machucando ainda mais.
Entende?
Seus olhos brilham quando
encontram os meus e entendo que está
falando sobre si mesma.
— Foi isso que você fez? —
pergunto, curioso. — Se afastou para
não nos machucar?
— A forma que fiz foi errada,
filho. — Ela passa a mão direita pelos
meus cabelos.
— Acha que foi certo o que o
papai pediu para mim? — Ergo a
sobrancelha. — Ele pediu para que eu
quebrasse o coração da garota que eu
amo e tudo bem para vocês?
— Não posso julgar o seu pai,
eu quebrei o coração de todos vocês. —
Há muita culpa em seu rosto. — Mas
acredito que o Ariel fez isso para
protegê-los, se ele está errado ou não,
só o tempo vai dizer. — Ela tem um
olhar tão doce, que quebra um pouco a
minha resistência. — Só quero que saiba
que estou aqui para te ajudar a passar
por isso, filho.
— E onde você estava antes? —
As palavras não soam como planejei,
saem mais como uma cobrança de um
garotinho carente do amor de sua mãe.
— Me perdoa? — Ela acaricia
meu rosto timidamente. — Se vamos
morar juntos agora, acho que podemos
tentar fazer isso dar certo. Não estou
pedindo para esquecer, só que me dê
uma chance para fazer diferente.
Fito-a por um longo momento e
uma lembrança da conversa com Letícia
na fazenda da vovó me invade com tudo.
“Olha para mim, eu daria
qualquer coisa para que, ao invés de
ter morrido, minha mãe tivesse apenas
feito algumas escolhas equivocadas e
ainda tivesse tempo de perdoá-la por
isso.”
Eu passei tempo demais me
alimentando dessa raiva descabida. Será
que fazia mesmo sentido esse ódio todo?
“Não quero que se sinta assim,
quando as pessoas que te amam estão
tentando se aproximar, ao contrário do
que acontece comigo.”
Era bem verdade que mamãe
estava tentado, mesmo que eu me
recusasse a enxergar. Acabo rindo da
recordação, é inegável que mesmo com
um país inteiro nos separando, Letícia
ainda consegue me fazer bem.
Outra parte do nosso papo vem à
mente e balanço a cabeça, tentando
espantá-la, mas é meio impossível.
“— Pare de desviar do assunto
e prometa que não vai mais ser um
babaca com sua mãe.
— Tudo bem.
— Tudo bem o que, Romeu? —
Ela ergue a sobrancelha.
— Vou tentar agir de forma
mais decente com a minha mãe.”
Ah, droga! Tenho feito muitas
promessas complicadas ultimamente. A
mulher pigarreia trazendo-me de volta à
realidade. Preciso começar por algum
lugar e quem sabe dar uma chance à
mamãe não seja um bom primeiro
passo?
— E então, acha que podemos
fazer isso? — Ela ergue a sobrancelha.
— Tudo bem, podemos — digo,
por fim, e mamãe se joga
desajeitadamente em meus braços. —
Vamos com calma...
— Desculpe — diz, tentando
mascarar a felicidade em seu rosto.
Não estou muito convencido de
que isso vai dar certo, mas não custa
nada tentar.
Enquanto comemos,
conversamos um pouco, Ana Júlia conta
sobre o sucesso no campeonato de
caratê que participou há um mês e
ganhou medalha de bronze, aproveita
para reclamar da minha ausência e
perdoa a mamãe, porque lhe mandou
flores e uma caixa de chocolates
importados. Tagarela um pouco sobre os
preparativos para a festa de casamento
de papai e Isis, que será em algum
momento no ano que vem, depois o
assunto gira em torno da próxima turnê
de mamãe e por fim chega a mim.
— Bom, eu acho que o Romeu
deveria voltar a tocar — minha irmã
declara, entre uma garfada e outra. —
Andei assistindo a uns vídeos daquele
canal que a mamãe reativou e você era
muito bom.
— Ah, sabe que também acho
isso. — Mamãe parece despretensiosa,
mas sei que está tramando alguma coisa.
— Que devia aproveitar que o seu pai
mandou o Cello que demos no seu
aniversário ano passado e treinar um
pouco, ver se ainda sente aquela euforia
quando o arco toca as cordas.
Não pretendo fazer isso, apesar
de ter aberto o case elegante e o
admirado algumas vezes desde que o
recebi. O instrumento foi fabricado
especialmente para mim por um luthier
[1]
muito habilidoso e tenho certeza de
que o som dele deve ser divino, só que
não tenho coragem de testá-lo.
— Esquece, mãe. — Dou de
ombros, como se a ideia dela fosse
absurda.
— Você estudou música a
infância inteira, Romeu. — A mulher me
encara, esperançosa. — Tocou em uma
orquestra...
— Fundo de quintal —
completo, lembrando-me de algo que ela
disse ao meu pai certa vez.
— Talvez eu tenha exagerado um
pouco — explica, fazendo uma careta.
— Você era muito bom, filho, duvido
que esses anos que passaram foram
capazes de apagar todo o seu talento.
Acho que deveria repensar isso, sei lá...
entrar em um conservatório ou tocar em
uma banda, só acredito que não deveria
desperdiçar esse talento todo que tem.
Desde que passamos a morar
juntos, esse assunto surge vez ou outra,
mamãe inclusive tem deixado panfletos
de conservatórios de música espalhados
pela casa, como uma forma de me fazer
voltar à razão, mas isso não vai
acontecer.
— Vocês não conhecem nada
sobre arte — retruco, colocando uma
generosa fatia de pudim no meu prato.
— Muito menos sobre música.
— Ah, é? — Ana Júlia me olha,
curiosa.
A pirralha sabe que, apesar de
não tocar um Cello — tecnicamente —
há anos, nunca perdi a conexão com esse
universo e estou sempre mergulhado em
livros, partituras ou vendo vídeos de
aperfeiçoamento. Sempre estudei coisas
relacionadas aos artistas que mais se
destacam no meio ou fico ouvindo-os
tocar por horas pelos meus fones,
enquanto finjo ser outra coisa.
— Caso tenha esquecido —
minha mãe usa um tom ofendido —, sou
uma cantora indicada ao Emmy
internacional, então devo entender
alguma coisa sobre o assunto.
— É diferente de tocar —
argumento, sentindo um incômodo
terrível.
— E como é ser músico? — a
garota insiste, fazendo-me fuzilá-la com
os olhos. — Ué, Romeu, só quero saber.
— Não sei explicar, porque não
sou mais um músico. — Tento encerrar o
assunto entre uma colherada e outra da
sobremesa.
— Estive pensando em uma
coisa — nossa mãe começa, cautelosa, e
sei que não vou curtir muito a ideia. —
Conversei com Natasha, semana passada
— meu coração dispara —, eles vêm
visitar a dona Manuela e Leandro
decidiu de última hora com o agente
deles fazer algumas apresentações, achei
que você gostaria de assistir.
Fico olhando-a sem dizer nada
por alguns minutos, Leandro é um dos
músicos mais talentosos da atualidade e
sou muito fã do seu trabalho, apesar do
meu aparente desinteresse pelo que
mamãe acaba de falar. É uma oferta
tentadora demais, sei o que pretende
com isso e não quero lhe dar
esperanças. Quando eu tocava, dizia que
um dia seria tão bom no Cello quanto
ele, mas isso é um sonho bobo que já
passou.
— Obrigado, mas não tenho
interesse! — A resposta soa grossa
demais e me arrependo. — Estou
atolado de trabalhos da faculdade neste
semestre, não posso ir — remendo, me
concentrando na sobremesa.
— Mas eu nem disse quando vai
ser, Romeu! — Ela parece desapontada.
— Achei que fosse gostar, você era tão
fã deles.
— As coisas mudam... — Tento
convencer tanto a mulher quando a mim
mesmo de que não gosto mais dessa
dupla, mas sou um péssimo mentiroso.
A ideia de poder vê-los
novamente é tentadora, mas ainda assim
não quero dar esse gostinho à mamãe.
Apesar de estarmos bem agora, lembro-
me muito bem de como era ambiciosa
quando se tratava da minha carreira, de
como me senti quando ela decidiu se
divorciar do meu pai. Foi essa ambição
dela pelo estrelato que destruiu nossa
família e o relacionamento que
tínhamos.
Na época, cheguei a cogitar que
a música dela era mais importante do
que eu ou Ana Júlia para ela, então
deixar de tocar e perseguir o sucesso foi
o meu ato de protesto, minha maneira de
falar que meu pai estava certo e ela
errada.
— Você poderia convidar a Lety
para ir também — minha irmã sugere,
em uma inocência que não me convence.
— Tenho certeza de que ela vai adorar,
esses dias ela estava dançando no
terraço ao som da Natasha e do Leandro.
Ela vai gostar!
A revelação me pega
desprevenido, porque fui eu quem
apresentei a dupla à Letícia e sei que
pensa em mim quando os escuta tocar.
— Esquece a patricinha, pirralha
— digo, tentando bloquear a imagem de
Lety dançando no vídeo que vi agora há
pouco.
— Gostei dessa ideia, Aninha!
— mamãe se intromete, olhando
diretamente para mim e faço uma careta,
coçando a cabeça. — Então, o motivo
do seu mau humor diário nos últimos
meses também é fã dos meus amigos?
— Não inventa, mãe, já sei o que
está pensando. — Ela é capaz de
recorrer a qualquer artifício para me
fazer ir a esse show. — O meu pai nunca
permitiria.
— O que você acha, Ana Júlia?
— pergunta, virando-se para a minha
irmã, ignorando o que acabei de falar.
— Se conversar com a tia Isis,
consegue convencer o papai fácil, fácil.
— A garota fica empolgada, mas nem
me animo.
— Nem pensem nisso! — Tento
encerrar o assunto, mas minha mãe pega
o celular.
— Vou falar com a Isis — diz,
como se estivesse digitando alguma
coisa. — Não custa nada tentar, se ela
aceitar, você vai ao show com a Lety?
— Eles são namorados, né,
mamãe, dã. — Aninha coloca a mão na
testa e faz uma careta engraçada.
— Letícia é minha ex-namorada
— digo, impaciente, colocando a colher
sobre o prato, fazendo uma pausa e
depois emendo, me levantando da
cadeira e virando para minha mãe: —
Não era você que estava me dizendo
agora há pouco sobre paciência, dentre
outras coisas?
— Só estou usando artilharia
pesada para te fazer enxergar que a
música é sua vida. — Ela pisca,
fingindo inocência e balanço a cabeça.
— Papai nunca permitiria isso e,
de qualquer forma, eu não vou à essa
apresentação, é a minha palavra final —
finalizo, sem olhá-la.
— Mas mudou de ideia e vai ao
aniversário da Letícia no mês que vem,
né? — A garota enfia outra conversa no
meio, deixando-me ainda mais tenso.
Que grande droga! Por que é
que de repente todo mundo decidiu que
vai se meter na minha vida?
Letícia
— Então, acha que o Romeu vem
para sua festa, no sábado? — Breno
especula, enquanto nos alongamos para
começar o treino.
— Deus me livre! — digo
rapidamente. — Não quero aquele
garoto idiota estragando a minha noite.
— Mora com o pai e a irmã
dele, se lembra disso? — ele refresca a
minha memória. — Apesar de ter ido
embora do nada, sabe que o carinha
pode aparecer quando quiser,
independentemente de você querer ou
não?
— Infelizmente — bufo, irritada
com a possibilidade —, mas se ele não
veio para assistir ao campeonato da
irmã, acha mesmo que virá para o meu
aniversário? Eu não sou importante para
ele.
— Acho que é sim... — meu
amigo insiste, mas eu não alimento essa
esperança.
No tempo em que ficamos juntos,
achei realmente que as coisas entre nós
seriam diferentes, queria acreditar que o
Romeu que eu conhecia era o
verdadeiro, o que se preocupava
comigo, que me beijava como se eu
fosse a coisa mais importante do mundo.
Só que a partida dele, depois do
incidente da festa, provou que ele não
pensava o mesmo, a sua falta de
respostas nos últimos meses me faz
acreditar que as coisas entre nós não
passaram de um capricho de um garoto
acostumado a ter todas as garotas que
queria.
Quando Ariel e tia Isis
decidiram morar juntos e contamos
sobre o nosso namoro, não pensei que
tudo daria tão errado. Amar alguém nos
deixa vulneráveis e propensos a fazer
bobagens, foi isso que aconteceu, eu
aceitei ir à festa porque não queria que
Romeu ficasse se sentindo culpado.
Mentimos para o pai dele e minha tia,
depois tudo acabou daquele jeito.
Eu devia saber que alguma coisa
estava errada quando acordei no dia
seguinte e ele tinha ido passar o fim de
semana com a mãe, mesmo depois de
tudo que passamos à noite e do seu rosto
arrebentado. Demorei dias para entender
que aquela noite havia sido o nosso fim.
Ariel parecia diferente, ele se
sentia responsável pelo que aconteceu,
estava estampado na sua cara quando
Ana Júlia chegou sozinha da casa de
Carla e nos sentamos à mesa para o
jantar.
“Romeu decidiu ficar com a
Carla por um tempo.” Anunciou,
tirando o meu chão e tia Isis parecia
concordar com o noivo, aquilo não
podia ser real. O meu namorado não ia
me deixar do dia para noite para morar
com uma mãe que ele nem se dava bem,
tinha que ter algo errado, mas apesar de
todas as inúmeras tentativas de falar
com o garoto, eu nunca soube a
verdadeira razão por trás dessa decisão
idiota.
Nada fazia sentido e mesmo que
Romeu tivesse sido obrigado a se
afastar, acho que eu merecia uma
explicação, mas isso nunca aconteceu e
no lugar dos sentimentos bons que sentia
por ele, começaram a transbordar mágoa
e raiva por não ter confiado em mim
para contar o que estava acontecendo.
Quase enlouqueci criando mil
teorias nos últimos meses e, por fim,
decidi fingir que não me importo mais
com qualquer coisa que venha dele.
— Vocês formavam um casal tão
fofo! — meu amigo diz, piscando
teatralmente e colocando a mão sobre o
coração. — Não consigo entender como
é que duas pessoas com uma química tão
boa acabaram assim, ou melhor, não
acabaram. Isso é inadmissível!
— Acontece, a vida nem sempre
é justa, caro amigo, e os homens são
idiotas, sem ofensas — retruco,
segurando a barra e olhando-o através
do espelho. — Nós dois sabemos que
ele está fugindo de mim, eu só queria
saber a razão, mas ele é imbecil o
suficiente para não responder minhas
mensagens.
— Amiga, eu ainda acho que o
Ariel mandou o garoto para longe.
Aquela noite foi horrorosa e depois de
conhecer o tal do Leon, com toda aquela
agressividade, acho até que o pai dele
fez bem — meu amigo insiste nessa
teoria e concordo parcialmente com sua
opinião, mas nunca vou entender por que
Romeu não fala comigo. — Sei lá,
talvez o se ex só precise de um tempo
para digerir tudo, vamos combinar que
ele é um bad boy e eles são
imprevisíveis.
— Já se passaram quatro meses,
já deu tempo de digerir. Ei...— Dou-lhe
um tapa no braço. — De que lado você
está?
— Do seu, só que o Romeu é um
gostoso e não posso evitar passar pano
para ele. — Breno ri descaradamente.
— Não fica com ciúme, tá?!
— Não estou com ciúme, é
melhor aceitar logo que acabou e partir
para outra — digo, em uma falsa
convicção.
— Sacanagem isso, viu! A forma
que você se ilude é diferente. — Ele
balança a cabeça rindo e muda de
assunto. — Me conta, por que aceitou
que fizessem essa festa, ainda estou
meio perdido aqui.
Explico os detalhes de como
cedi para tia Isis e Ana Júlia, as duas
estão superempolgadas com o meu
aniversário, mas depois que da morte de
mamãe passei a não gostar de
comemorar, porque não fazia o menor
sentido fazer isso sem ela, desde o ano
passado essas duas conseguem me
ludibriar e acabam me convencendo a
festejar.
Meu aniversário foi ontem, só
que meio de semana é complicado para
gente, então decidimos que sábado será
ideal para o que as duas planejaram.
Apesar da culpa que Ariel parece
carregar sempre e dos meus problemas
com Romeu, morar com eles é quase
como ter uma família normal, com um
pai preocupado, uma mãe amorosa, uma
irmã que sempre te faz rir.
Isso não quer dizer que esqueci
mamãe, apenas estou conseguindo
conviver melhor com a sua ausência. Já
o meu pai, só sei notícias através das
redes sociais da Sara, ao que parece
eles andam se divertindo bastante. Não
nos vimos mais depois audiência de
emancipação, e acho que é melhor
assim. Às vezes, fico pensando se ele
acredita que os nossos laços sanguíneos
deixaram de existir depois daquele dia,
tia Isis diz que eu não devia me importar
com isso, mas é inevitável.
Voltei para as sessões semanais
com a psicóloga e estou, aos poucos,
aprendendo a lidar com essa rejeição e
todo o caos emocional que tem sido a
minha vida nos últimos meses, devo
acrescentar que essa última parte está
indo a passos de tartaruga.
Enquanto bailamos pelo estúdio,
a ideia de que Romeu pode aparecer no
fim de semana fica me rondando. Não o
vejo há meses, desde que foi morar com
Carla. O filho da mãe não respondeu a
nenhuma das mensagens que lhe mandei
e estou cada vez mais convencida de que
o que aconteceu entre nós foi apenas um
passatempo para ele.
Tem dias que sou invadida por
uma saudade de quem éramos até aquela
maldita noite, quando ele passou a fingir
que eu não existo. Sinto sua falta, dos
conselhos divertidos, do modo como me
fazia rir de bobagens, da forma como me
beijava e de como ele me tocava.
Em casa, o assunto Romeu é
quase proibido e tia Isis tenta me
incentivar a fazer coisas que gosto para
não ficar me lembrando dele o tempo
todo, ela acha que foi melhor assim, que
seu enteado é muito intenso em suas
atitudes e que precisava passar esse
tempo com a mãe, eu continuo achando
que ele é medroso que foge quando as
coisas se complicam.
Algumas noites, quando estou no
terraço olhando as estrelas, me sinto
culpada por ter concordado em irmos
àquela festa, mesmo sabendo que Ariel
não gostava de Leon, então me lembro
de sua indiferença e só sinto raiva de
continuar querendo uma explicação para
o nosso fim.
No aniversário dele fiquei muito
emotiva, pensando que talvez estivesse
triste por estar longe da família e
mandei uma mensagem, acreditando que
teria uma resposta, mas não foi isso que
aconteceu e aquilo doeu mais que
qualquer coisa que ele pudesse ter me
feito. Passei um tempão chorando e
ouvindo músicas que me faziam lembrar
de um tempo que eu não queria esquecer.
Descarrego as energias negativas
dançando com Breno ao som de
Apologize One Republic, a coreografia
que estamos ensaiando há semanas para
uma apresentação em dupla, conversa
com a letra da música que fala sobre um
casal que apenas se machuca o tempo
todo e acredita que talvez seja tarde
demais para as desculpas. Meu amigo
que a escolheu, apenas concordei,
porque tudo que eu queria era focar em
algo que não fosse meu ex babaca e suas
mentiras.
Terminamos o treino, vou para o
vestiário tomar um banho, trocar de
roupa e ir para casa. Estou prestes a sair
quando ouço o barulho de algo caindo
no chão, viro-me para ver do que se
trata, é uma pulseira que carrego
comigo, embora me recuse a usá-la,
ainda não consigo desapegar.
Sinto as lágrimas quentes
empossando em meus olhos, quase
posso ouvir a voz dele falando sobre o
significado de cada berloque, quando
deslizo os dedos sobre eles.
“As sapatilhas são óbvias,
representam o seu amor pela dança.
Essas três estrelas são para você se
lembrar sempre do nosso primeiro
beijo e o arco-íris é para que acredite
que sempre haverá uma esperança para
os dias tempestuosos.”
Mentiroso! Não existe nenhuma
esperança para os dias ruins, eles só
ficam piores.
“Querida filha,
Feliz aniversário!
Se está lendo esta carta, é
porque as coisas não saíram como o
planejado, sinto muito por não estar aí
nessa data tão importante. Mal consigo
acreditar que finalmente atingiu a
maioridade, parece que foi ontem que
peguei nos braços pela primeira vez
aquele pacotinho fofo e chorão que me
exigia tanta atenção.
Quero que saiba que foi o
melhor presente que Deus poderia me
dar e aonde quer que eu vá, sempre
estarei do seu lado mesmo que não seja
fisicamente. Tenho certeza de que se
tornou uma linda mulher,
provavelmente uma ótima bailarina,
embora acredite que seu talento será
mais aproveitado na dança
contemporânea, mas isso é algo que só
irá perceber com o tempo.
Espero que você tenha
conseguido seguir em frente depois que
eu parti. Que consiga se livrar da
toxidade do seu pai e não se sinta um
fardo, como tenho notado em suas
últimas visitas. Ele não faz ideia da
filha incrível que tem e isso é problema
dele.
A essa altura já deve ter se
apaixonado algumas vezes, ter o
coração partido é necessário para a
nossa evolução. Aproveite cada minuto,
chore, ame, beije e viva todas as
experiências como se o mundo fosse
acabar amanhã, porque para algumas
pessoas ele realmente acaba.
Como não terei a oportunidade
de te dar conselhos amorosos
pessoalmente, quero deixar alguns bem
importantes nesta carta. Antes de
entrar em um relacionamento sério ou
algo parecido, gostaria que soubesse
que toda mulher merece ser amada por
inteiro, merece alguém que saiba
valorizá-la por quem é embaixo de
todas as suas camadas, ande ao seu
lado e seja antes de qualquer coisa, um
amigo com quem você possa contar
sempre.
Que essa pessoa demonstre com
ações o quanto é importante para ela,
alguém que não a coloque em uma
gaiola de ouro como seu pai fez
comigo, então o meu conselho é que só
entregue seu coração para quem provar
merecê-lo.
Desejo que seja feliz, minha
filha! Eu te amo do tamanho do
universo.
Com amor,
Mamãe.”
Romeu
Seis meses depois
Abro os olhos, tentando me
acostumar com a claridade, o cérebro
demora processar o ambiente até
lembrar que estou no quarto do hotel. A
garota de pé na janela vestindo uma das
minhas camisas sorri para mim ao notar
que estou acordado e não consigo
acreditar que ela realmente está aqui.
— Bom dia, Sr. Bad Boy
gostoso. — A voz dela ainda está
sonolenta.
— Uau! Acordei no paraíso, é
isso mesmo? — Passo as mãos pelo
rosto, inclinando-o para o lado, tentando
ver um pouco mais do bumbum durinho
quando ela se espreguiça, o tecido da
camisa sobe e acaricio a minha ereção
matinal.
— Depende da sua concepção de
paraíso, Romeu! — A mulher caminha
até a cama, engatinhando sobre ela e une
nossos lábios em um beijo. — Dormiu
bem?
— De jeito nenhum. — Faço
uma careta. — Sonhei que tinha uma
dançarina gostosa roncando no meu
ouvido. Foi horrível!
Ela ri mordendo, meu lábio
inferior.
— Não quero saber de
dançarinas gostosas nos sonhos do meu
namorado — reclama e a envolvo entre
meus braços. — E eu não ronco!
— Ronca, sim, nunca te
contaram isso, patricinha? — Aperto seu
nariz e beijo seus lábios. — Está nervosa
para apresentação hoje?
— Demais... — Letícia diz,
fazendo círculos no meu peito nu.
Fito seus olhos, que hoje
parecem duas esmeraldas e percebo o
medo escondido lá dentro.
— Vai dar tudo certo, lindinha
— a encorajo, depositando um beijo em
sua testa. — Você é boa no que faz, esse
medo é normal. Tenho certeza de que
essa apresentação vai ser um sucesso.
Breno convenceu Lety de que
precisava voltar aos palcos e neste fim
de semana eles foram convidados para
uma apresentação em um festival de
dança importante de Joinville. Minha
namorada é perfeccionista demais
quando se trata de dança e não a julgo,
ao longo dos últimos meses ela e o
amigo ensaiaram incansavelmente para
que tudo saísse perfeito.
— Faz muito tempo desde que
participei de algo assim, Romeu — ela
diz, pensativa. — Não sei se acredito
em você, Breno e Sandra, afinal, gostam
de tudo que eu faço.
— A gente tem razão. — Pisco
faceiro, brincando com uma mecha do
seu cabelo. — Fique sabendo que a sua
família vem em peso ver a apresentação,
até a vovó vem. Todo mundo acredita
em você, vai arrasar, tenho certeza.
Quando anunciamos nosso
namoro, há cinco meses, foi uma
comoção só e desde então a nossa vida
mudou um pouco. Letícia decidiu
investir na carreira de dançarina, abriu
mão do concurso público e veio para
São Paulo morar com o melhor amigo,
há três meses.
Com a minha agenda de trabalho
intensa e sua maratona de ensaios, nos
vemos muito pouco, entretanto,
aproveitamos cada pequeno espaço de
tempo para estarmos juntos. Ainda
somos muito jovens, precisamos
aproveitar as oportunidades
profissionais que surgem e isso não
precisa ser um impedimento para que o
nosso relacionamento evolua.
O Stranger Trio agora se
prepara para uma turnê internacional,
depois de todo o sucesso nas redes
sociais com os nossos shows de estreia,
nem nos meus sonhos mais distantes eu
conseguiria prever esse futuro e sou
extremamente grato por tudo que temos
conquistado.
— Ah, eu falei para tia Isis que
não precisavam vir. — Lety faz uma
careta. — A Gabi está tão novinha para
essas viagens.
— Acha mesmo que eles vão
perder esse momento? — Ergo a
sobrancelha, rindo. — Nem a tia Ari
resistiu, e olha que ela nem foi à minha
estreia.
— Ela teve seus motivos, mô. —
Ela sai em defesa da tia preferida. —
Ari foi a mais da metade dos shows que
vocês fizeram nos últimos meses, nem o
Breno fez isso, o Ivan faz questão de
lembrá-lo sempre.
Esse dois são um caso à parte,
meu melhor amigo e o dela assumiram o
namoro publicamente, graças aos céus,
porque eu não aguentava mais guardar
esse segredo. A história deles era meio
complicada feito a nossa, mas os dois
haviam contornado tudo e foram os
grandes responsáveis pela minha volta
com Letícia, já que descobrimos outro
dia que foram eles dois que armaram
todo um plano mirabolante para trazer a
patricinha ao nosso show de estreia
— Vou começar a anotar as suas
idas às nossas apresentações também —
brinco, cutucando sua costela. — Já
mencionei que você está uma coisinha
gostosa com essa camisa?
— Ainda não, mas sou toda
ouvidos. — Letícia inclina a cabeça
para me olhar, beijo seus lábios,
girando-a para o lado e seu corpo ficar
embaixo do meu.
Prendo suas mãos acima da
cabeça, beijo seu pescoço, mordo o
lóbulo de sua orelha, abro os botões da
camisa em seu corpo, roço a palma da
mão pelos bicos dos seios arrebitados,
depois seguro, abocanhando e
chupando-o.
— Ah, Romeu... A gente não...
Ah... — Ela arfa, perdendo-se em seu
argumento.
— O que a gente não pode,
patricinha? — Mordisco o bico e chupo,
apertando-o levemente, ela enlaça as
pernas em mim, esfregando a virilha na
ereção em busca de alívio. — Tá me
dizendo que eu não posso te chupar até
gozar na minha boca, é isso?
— Ah... Isso você... pode. —
Sua voz carregada de tesão me incentiva
a continuar.
Letícia e eu somos como fogo e
gasolina quando estamos juntos, não
conseguimos manter as mãos longe um
do outro. Deslizo o nariz pelo seu
pescoço, deixando a pele arrepiada,
termino de abrir os botões da camisa
desajeitadamente, aperto seu bumbum
enquanto beijo seus lábios
demoradamente, deslizando a língua
para dentro de sua boca, explorando seu
gosto.
Desço devagar até o colo,
deixando chupadas por onde passo,
dedico um tempo aos seios, lambendo,
chupando, mordiscando e fazendo-a
gemer em resposta. Enfio as mãos entre
suas coxas e aperto a renda encharcada
da calcinha, afasto o tecido para o lado
deslizo os dedos pela carne macia
sentindo o pau latejar dentro do short.
Beijo a pele da barriga, traçando
o caminho até a virilha, inspiro seu
cheiro carregado de tesão, que é como
uma droga para mim. Seguro as laterais
da lingerie branca, tirando-a do
caminho, beijo a lateral da coxa e ela se
inclina, abrindo-se toda.
Sou incapaz de manter qualquer
compostura diante dessa boceta
depilada e molhada, caio de boca,
sentindo seu gosto, deslizando a língua,
sugando os lábios, circulando o clitóris
com o polegar e me deliciando com seus
gemidos de prazer, enquanto segura os
seios, mordendo a boca.
— Ahhhhhhh... Romeu...
Ahhhhh... — murmura, se inclinando
para mim, enfiando as mãos em meus
cabelos, esfregando-se na minha cara.
Seguro sua bunda, me banqueteio
em sua boceta ouvindo seus gemidos,
gritinhos, sussurros e palavras
desconexas. O seu gosto é a melhor
coisa que já provei e me deixa maluco,
querendo dar tudo a essa mulher, sinto o
seu corpo estremecer anunciando o
orgasmo, enfio dois dedos dentro dela,
estimulando-a ainda mais.
— Isso... Romeuuuu... Issooo...
— Letícia desaba, sussurrando meu
nome.
Vê-la gozando é uma cena
extremamente erótica da qual nunca vou
me cansar, bebo cada gota do seu prazer,
embriagando-me com o sabor
afrodisíaco enquanto ela sorri em
êxtase.
— Você ainda vai me matar, Sr.
Bad Boy gostoso... — diz, deslizando os
dedos pelos meus cabelos.
Letícia
— A dupla que vou chamar
agora tem uma química incrível. —
Ouço o apresentador, que em seguida faz
uma pausa dramática. — O palco é de
vocês, vêm pra cá, Breno e Letícia!
Solto a respiração devagar,
Breno segura a minha mão, sussurrando
um “vamos arrasar”, coloco um sorriso
no rosto, ignoro o meu coração batendo
loucamente no peito e entramos ao som
dos aplausos da plateia. Enquanto nos
posicionamos no centro do palco,
identifico a família de Ariel na segunda
fileira de cadeiras, com sorrisos
orgulhosos, não localizo Romeu e sinto
uma pontada de frustração.
Essa apresentação é muito
importante para mim, pois marca o
início de um novo ciclo e sinto que
finalmente estou seguindo os conselhos
de mamãe. Hoje, mais do que qualquer
outro dia, sinto sua presença, quantas
vezes sonhamos juntas esse momento e
ela não está aqui para dividi-lo comigo.
Sinto um nó se formar na
garganta, os olhos ardem quando as
luzes se apagam. Breno e eu ficamos de
costas um para o outro, a introdução de
Lovely começa baixinho e vai
aumentando. Um foco de luz paira sobre
nós, minhas mãos estão suadas, sinto um
frio na barriga.
Apesar de ter ensaiado
incansavelmente nos últimos meses,
ainda me sinto insegura. Será que as
pessoas vão gostar? Será se consigo
fazer tudo certo até o final? Por que o
meu namorado não está aqui, quando ele
prometeu que estaria ao meu lado? É um
momento importante, poxa!
O som grave do Cello começa,
com a luz focando na gente não consigo
ver quem está tocando. Damos início à
coreografia, me curvo para trás com
nossos corpos em sincronia e após
alguns movimentos, corremos pelo palco
como se fugíssemos um do outro, não
consigo me concentrar direito com
tantos questionamentos na minha cabeça.
Inspiro profundamente, tentando me
acalmar.
“Não importa o que o seu pai
ou qualquer outra pessoa diga, você é
forte e capaz de conquistar tudo o que
desejar.” As palavras de mamãe, em
nossa última conversa, surgem dando-
me um estalo.
— Eu consigo! — sussurro para
mim mesma.
Vou fazer isso por mim, por
mamãe, por tia Isis e por todas as
pessoas que estão ali embaixo
esperando que eu dê o meu melhor.
Ando de costas até o centro,
incorporando a garota assustada que a
melodia representa e um novo foco de
luz se acende na parte oposta a nós,
revelando o músico com o Cello, me
concentro nos movimentos e quando dou
um salto, reconheço quem é a pessoa
tocando de forma tão expressiva.
Romeu, ele está no palco conosco.
Noto o sorrisinho de canto em
seus lábios ao deslizar o arco sobre as
cordas do instrumento e quase posso
ouvir suas palavras sussurradas um
pouco antes de nos despedirmos mais
cedo: “confie em você mesma,
patricinha, se preparou a vida toda
para esse momento”.
Minha família está aqui, as
pessoas que se importam realmente
comigo vieram para me dar forças e é
nisto que vou focar. Eu consigo! Volto a
me concentrar enquanto giro nos braços
de Breno, fazemos movimentos
espelhados, saltos, nos entregando de
corpo e alma à interpretação que mistura
balé clássico e hip-hop.
Torno-me a garota da letra, que
se esconde em seu casulo sem encontrar
uma saída depois de ter o seu coração
partido, mas que deseja se sentir viva de
algum modo e por isso vaga pelo mundo,
procurando sempre por um lugar melhor.
Breno é o rapaz que a partiu e tenta
colar seus pedacinhos, contudo, o
coração dela permanece em um vazio
que ninguém é capaz de preencher.
Aos poucos, ela vai percebendo,
enquanto luta seus conflitos internos, que
precisa alimentar a esperança de que um
dia ela conseguirá ser feliz, mesmo que
demore. Nas notas finais, repetimos os
movimentos iniciais como se
estivéssemos em um looping e
finalizamos frente a frente, nos olhando
como se houvesse alguma solução para
o dilema do casal que interpretamos.
Estou suada e ofegante quando as
luzes se apagam, Breno segura a minha
mão direita e Romeu entrelaça os dedos
na esquerda, assim que tudo fica claro
outra vez. A plateia nos aplaude de pé,
dá para ver nos olhos das pessoas que
conseguimos passar tudo que
imaginávamos.
— Você estava maravilhosa
naquele palco, patricinha! — meu
namorado elogia, passando os braços
em meu ombro ao caminharmos até os
bastidores e depois sussurra: — Acho
que te amo um pouquinho mais, depois
dessa apresentação.
— Bobo! — Dou um tapa em seu
peito. — Obrigada, por estar lá comigo.
Foi muito importante.
— Mas olha, e eu que dancei
contigo? — Breno ergue a sobrancelha
em uma ceninha bem típica de ciúme. —
Eu vim antes desse projeto de bad boy
fake que você chama de namorado.
— Uou... Eu tô bem aqui. —
Romeu finge estar ofendido. — Essa
garota é minha, aceita que dói menos!
— Ah, sem brigas. — Puxo o
braço do meu amigo para que se
aproxime um pouco mais. — Tem
Letícia para todo mundo. — Dou um
beijo na bochecha de cada um deles. —
Eu amo vocês, de maneiras bem
diferentes. Obrigada por não desistirem
de mim!
— Jamais — eles dizem juntos,
me envolvendo em um abraço esquisito.
— O mundo é seu, amiga! —
Breno diz, emocionado, tocando meu
rosto quando nos afastamos.
Eu nunca achei que me sentiria
tão feliz fazendo o que gosto e tendo o
apoio de gente que me ama,
independentemente da profissão que
escolhi exercer ou da roupa que estou
vestindo. Isso é libertador!
Letícia
Sete anos depois
“Só entregue seu coração para
quem provar merecê-lo.” Lembro-me
das palavras da carta de minha mãe
quando fiz dezoito anos, enquanto olho
para o homem de joelhos à minha frente,
exibindo um elegante anel de brilhantes.
— Você quer se casar comigo,
patricinha? — Romeu repete a pergunta,
como se eu não tivesse escutado da
primeira vez.
Suspiro, abrindo um sorriso, é
quase meia-noite e estamos na varanda
de um hotel em Gramado, oficialmente
de férias, após uma temporada intensa
de trabalho. Nós moramos juntos há
cinco anos, nossa vida não poderia estar
mais perfeita e sem sombra de dúvidas
Romeu já provou inúmeras vezes que
merece o meu coração.
— Não sou mais um adolescente
flexível e se puder responder de uma
vez, ficaria muito grato — ele reclama,
fazendo uma careta.
— Eu aceito, Romeu —
respondo, finalmente, acariciando seu
rosto. — É claro que vou me casar com
você.
Ele coloca o anel exuberante
beijando o dorso de minha mão, como
os mocinhos dos filmes de época, se
bem que os seus trajes nada tem a ver
com um. De camisa branca e moletom
cinza, o meu — agora — noivo está
igualmente perfeito.
— Por um momento, achei que
estava me dispensando — ele sussurra,
me agarrando pela cintura, encostando a
testa na minha. — Você é a coisa mais
importante que tenho na vida, patricinha,
e quero passar o resto da minha vida ao
seu lado — afirma, encostando os lábios
nos meus. — Mesmo que você adore
roubar as minhas camisas.
Acabo rindo de sua gracinha.
— É que eu adoro acordar e
dormir com o seu cheiro, mô —
justifico, colocando a mão sobre seu
ombro, é um costume que adquiri ao
longo dos anos, quando as nossas
agendas estavam tão lotadas, que mal
conseguíamos passar uma ou duas noites
juntos.
— Prometo que vamos organizar
direito esses compromissos e ter mais
tempo para nós. — Romeu beija meus
lábios calorosamente, enfiando a língua
na minha boca e deixando-me com as
pernas bambas.
— Ei, vá com calma, estamos em
uma sacada com vista para a cidade —
o lembro e Romeu sai me puxando
quarto adentro, fechando a porta da
varanda com o pé.
— Vai mesmo se casar comigo?
— ele diz, já com as mãos nos botões da
minha camisa.
— Óbvio que sim. — Mordo seu
lábio inferior, enfiando as mãos por
baixo da sua camisa. — Acha que eu
não deveria?
— Ah, penso que deveria, sim.
— Romeu desliza o tecido da camisa
pelo meu braço, beijando meu ombro
deixando-me apenas com a calcinha
preta rendada. — Eu sou um gato,
músico, beijo bem, bom de cama, te
levo às nuvens sempre e...
— E muito modesto —
completo, rindo.
Tiro a sua camiseta, deslizando
as mãos pelos músculos de sua barriga,
encostando o nariz em seu pescoço,
enquanto ele massageia meus seios,
beliscando os bicos.
— Mas... eu te amo, mesmo
assim — sussurro, vendo sua pele ficar
arrepiada.
— Que bom... — Fecho a mão
no volume do seu moletom, fazendo-o
praguejar. — Ai, porra! Por que você
faz isso comigo?
Ignoro sua pergunta fingindo
inocência e beijo o pescoço, mordo o
lóbulo de sua orelha, deslizo a mão pelo
tórax, beijando a pele, suas mãos
pressionam a minha bunda e deslizam
pelas minhas costas, se infiltrando nos
meus cabelos.
— Ah, eu bem que mereço essa
boca no meu pau depois de colocar esse
anel magnífico no seu dedo. — Adoro
quando seu lado safado surge. — Não
acha, patricinha?
Coloco um dedo na sua boca,
enquanto enfio a mão dentro da sua
calça, acariciando o membro grosso,
fazendo-o emitir um xingamento.
— Você fala demais e vai ser
punido por isso. — Ajoelho-me em sua
frente, abaixando a sua calça, salivando
ao ver o pau saltar quase batendo em
meu rosto, o masturbo com a mão e ele
inclina a cabeça para trás, soltando um
gemido.
— Caralho! Pode me punir do
jeito que quiser, patricinha gostosa —
diz, com a voz carregada de tesão.
Abocanho o membro com os
olhos grudados nos dele, coloco o que
consigo dentro da boca, massageio suas
bolas, chupo-o devagar, aumentando o
ritmo aos poucos, ouvindo-o gemer.
Lambo o pau grosso, sugo a glande
rosada, seu gosto me invadindo e sinto
minha calcinha molhada. Volto a chupá-
lo gostoso, em um ritmo que o leva à
beira da insanidade.
— Que boquinha deliciosa, Lety
— ele rosna, um pouco antes de perder
o controle. — Ahhhh... Letíciaaa...
Romeu goza em minha boca e
engulo tudo, limpo o canto dos lábios,
lhe exibindo um sorriso quando fico de
pé, o homem me puxa para si, devorando
meus lábios ainda com o seu gosto, a
língua dançando junto à minha de uma
maneira obscena.
Caímos no colchão, com ele por
cima beijando meu pescoço,
abocanhando meus seios, esfregando o
pau entre minhas pernas, voltando a me
beijar e repetindo tudo em um ritmo
quase selvagem.
Ele se livra da calcinha,
afastando-se por um momento para
vestir seu membro com o preservativo,
então volta abrindo minhas pernas,
massageando a carne molhada e se
inclinando para me chupar.
— Romeu! — sussurro seu
nome, puxando seus cabelos e ele
interrompe o que está fazendo, como se
lembrasse de algo mais importante.
Sua boca devora a minha e emito
um grunhido ao senti-lo deslizando para
dentro de mim, estocando em um ritmo
que começa lento e aos poucos vai se
tornando uma dança insaciável.
— Você gosta, não é, sua safada?
— A voz sexy me deixa ainda mais
excitada.
— Adoro... — Empurro-o para o
lado, sem desfazer a nossa conexão. —
Mas agora eu vou me sentar nesse pau e
gozar do meu jeito, entendeu, Romeu?
Ele ri, apertando meu seio.
— Isso, patricinha, goza para
mim, goza — O homem apoia as mãos
na minha cintura, enquanto cavalgo em
busca de prazer.
Esfrego, sento, rebolo, subo e
desço em seu pau, fazendo uma
coreografia obscena que nos leva a um
mundo só nosso. Cheio de sensações
indescritíveis, gemidos e sussurros.
— Assim eu não vou aguentar,
Lety — Romeu diz, quando apoio as
mãos em seu peito.
Intensifico os movimentos, estou
quase tocando as estrelas.
— Ahhhhhhh, Romeuuu. —
Desabamos juntos, queimando como
sempre, ofegantes, com o coração
batendo desenfreado.
Encosto a cabeça em seu peito,
esperando o mundo ao nosso redor parar
de girar, seus dedos traçam linhas
imaginárias nas minhas costas, observo
o anel em meu anelar esquerdo e só
consigo pensar em uma coisa, esse cara
incrível vai ser meu marido muito em
breve. Eu devo ser a pessoa mais
sortuda deste mundo.
— Amo você, patricinha —
Romeu diz, depois de algum tempo. —
Prometo que vou te fazer feliz como
merece.
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[1]
profissional especializado na construção e
no reparo de instrumentos de corda com caixa
de ressonância (guitarra, violino etc.), mas não
daqueles dotados de teclado.