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SHATTERED SOULS

TRILOGIA AMORES EM JOGOS 3


COPYRIGHT © 2023 APRIL JONES
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Esta obra foi revisada conforme o Novo Acordo Ortográfico.
Estão proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de
qualquer parte desta obra, através de quaisquer meios ― tangível
ou intangível ― sem o devido consentimento. A violação dos direitos
autorais é crime estabelecido pela Lei nº 9.610/98 e punido pelo
artigo 184 do Código Penal.
Esta obra literária é uma ficção. Qualquer nome, lugar,
personagens e situações são produtos da imaginação do autor.
Qualquer semelhança com pessoas e acontecimentos reais é mera
coincidência.

Capa: Larissa Chagas (@lchagasdesign)


Diagramação: April Jones e L. Júpiter
Revisão e Leitura Crítica: Pigmateia
Leitura Beta: Loyce Mendes, Rayssa Martins, Marilia Góes,
Yasmin Costa, Jô Vidal, Ana Laura Maniá, Larissa Lago, Eduarda
Mota, Eduarda Klazer, Esther Hadassa, Amy Correia, Larissa
Baura, Manu, Karolyne Gonçalves.

Ilustração: Ilustraí

Shattered Souls
[Recurso Digital] / April Jones — 1ª Edição; 2023
1. Romance Contemporâneo 2. Literatura Brasileira 3. New
Adult 4. Ficção I. Título
NOTA DA AUTORA

Tive que escrever mais de três vezes essa parte.


Entretanto, continuou sendo impossível colocar tudo o que eu
queria nessa nota.
São quase três anos desde que a trilogia Amores em Jogo
nasceu.
Muitas pessoas chegaram nesse meio tempo e ainda é
surreal toda a proporção que o primeiro livro tomou.
Foram muitas noites pensando em desistir.
Uma chuva de incertezas.
Houve medo surgindo em meus pensamentos.
E não menos importante: as crises diárias que, sinceramente,
cogitei em dar um fim nesse mundo que me trouxe a vida.
Eles foram minha luz no fim do túnel.
Cada casal.
Cada personagem.
Eles são partes minhas que nunca imaginei que pudesse
existir.
Jamais pensei que pudesse me tornar uma leitora como a
Ana, que precisou dos livros para se reerguer dos seus traumas, no
momento mais difícil da sua vida. Abelhinha sempre vai ser a minha
garota, que gritou primeiro que todo mundo e foi a partir dela que eu
decidi colocar as palavras no papel. E escrevê-la mesmo não
sabendo de muito para seguir em frente, foi um desafio, mas ela
segurou minha mão e contou o que seu coração sentia nas noites
sombrias da Filadélfia, durante aqueles temidos dois anos sem o
seu Nathaniel.
Depois disso, outras vozes gritaram para serem ouvidas.
E ainda em Forever You, minha doce Stéfany – apenas com
quem merece – quis falar. Ela me contou os pesadelos que sofria
com a família, em especial, seu pai, o homem que a transformou em
alguém carregada de armaduras. Foi difícil entender o que
realmente queria em seu livro, foram tantas mudanças, incertezas
que eu simplesmente travei na sua história.
Ela merecia um certo cuidado a mais.
Sempre clamou por isso.
E eu atendi todos os seus desejos.
Porque suas dores se encaixavam com as minhas, e tocar em
um assunto tão delicado quanto o nosso foi, se tornou um empecilho
que custamos a desenvolver. Stéfany lutou para aprender a amar
alguém, conseguiu abandonar seus medos e descobriu que entregar
seu coração para a pessoa certa poderia valer a pena.
Eric valia a pena.
Stéfany conseguiu o seu final feliz.
Outrora, outras duas pessoas ainda seguem com seus
corações despedaçados.
Eles guardaram seus segredos em uma caixinha de Pandora
que, em algum momento iria ser aberta. E esse momento chegou.
Era impossível deixar de lado as lacunas que surgiram após
uma colisão de incidentes acontecerem em suas vidas anos atrás.
Hannah e Alex estão em desenvolvimento desde Forever
You, quando Alex disse que amava uma certa loira, mas ainda
assim, optou por magoá-la através de escolhas dolorosas.
Em mundos distintos, eles se encontram.
Eram pessoas certas na hora errada.
Todavia, eles merecem uma segunda chance para recuperar
um ao outro.
Alex me prometeu que lutaria.
Jurou que a porta do seu quarto do pânico iria ser aberta para
todos conhecerem a verdade, declarou que desistir não seria mais
uma opção, mas terá que lutar pelo coração da única garota que
ocupou o dele, por mais de seis anos.
Nessa história iremos conhecer a verdade por trás das
máscaras de mentiras.
O medo em perder alguém que tanto amamos.
A dor de se submeter a escolhas.
E, sem dúvidas, o quão doloroso é sobreviver em uma rede
familiar abusiva. Por isso, Alex pede que seja paciente com as suas
mentiras, ele consegue se dar tão bem com elas que se tornou algo
comum, mesmo que precise, em algum momento, colocar um ponto
final nisso.
Se tornou um vício.
Cabe a você embarcar novamente nessa cidade, que se
tornou abrigo para um certo grupo de amigos, que se transformaram
em uma família e, ao pegar outra vez a passagem de ida para
Boston e o ingresso de um jogo dos Crows Blues Legs, você não
terá mais escapatória se decidir voltar atrás.
Sua alma será arruinada.
E o seu coração, quebrado.
Assim como o meu foi.
Com amor,
April!
AVISO DE GATILHOS

Como Shattered Souls é um livro carregado por diversas


temáticas complexas, desde já deixo claro que a história é
recomendada para maiores de dezoito anos.
Traumas são difíceis de serem expostos para qualquer
pessoa, então, sinto que devo alertar aos leitores que ansiavam por
esse livro, desde que estava em outro site.
Alex e Hannah são personagens reais.
Vocês conheceram as verdadeiras facetas que
desenvolveram enquanto cresciam ao lado de suas famílias. O amor
se tornou abusivo e conviver com mães narcisistas fez com que
crateras de medo surgissem na validação do ser humano e, por
isso, é necessário compreensão.
Não é fácil deixar de lado tudo o que foi ensinado, desde que
ainda se é uma criança. Ou quando a violência sempre esteve
presente em sua vida de um modo amedrontador, o pavor suga
suas escolhas e o deixa encurralado.
Por isso, nesse momento, deixarei claro os temas
apresentados no decorrer deste livro:
Cenas de sexo explícito, violência doméstica e infantil,
consumo indevido de drogas ilícitas altamente perigosas,
narcisismo, abuso psicológico, bullying, pensamentos e
ideologias suicidas, negligência e abandono parental, menção a
estrupo, depressão pós-parto, relacionamento abusivo (não
entre os protagonistas), e por fim, ataques de pânico.
Apesar disso, sempre irei prezar pela sua saúde mental. Não
deixe ela de lado apenas por uma história, mas, caso queira seguir
com a leitura, é por sua responsabilidade.
No mais, boa leitura!
Ouça a playlist de SHATTERED SOULS
no Spotify, escaneando o código abaixo:
O amor vai chegar
E quando o amor chegar
O amor vai te abraçar
O amor vai dizer o seu nome
E você vai derreter
Só que às vezes
O amor vai te machucar mas
O amor nunca faz por mal
O amor não faz jogos
Porque o amor sabe que a vida já é difícil o bastante
— Rupi Kaur, Outros Jeitos de Usar a Boca
Aos que ainda lutam enquanto perdidos.
E imploram por um alívio no coração, porque a dor é
impertinente.
Esse é para o garoto que não desistiu de viver.
E para a garota que não precisa mais ouvir a validação da
mãe.

Apenas viva.
A guerra acabou.
PRÓLOGO

Meu garoto está sendo suspeito e não sabe xingar


Ele simplesmente soa como se tentasse ser o pai dele
(Quem é você?)
Meu garoto chora feio, mas é um belo mentiroso
E, com isso, quero dizer
Ele disse que mudaria
My Boy | Billie Eilish

O amor é uma farsa.


Era tudo que conseguia ouvir na medida que meu coração
parecia explodir contra o meu peito.
Ainda doía e era indescritivelmente assustador. Nada era
possível para fazer a dor cessar.
O pior, sentia que a cada segundo o sentimento ia crescendo
sem parar.
Meu lábio inferior tremia, enquanto podia ouvir as palavras
dele reverberando, como um raio determinado a me destruir. O som
das palavras da minha mãe, dizendo calorosamente as mesmas
coisas de anos atrás, soavam na borda dos meus ouvidos e
preenchia a oficina dos James. Atrás dele via peças de trabalho
jogadas, chaves e outras ferramentas bagunçadas e constatava que
já não era o mesmo local de trabalho organizado.
Pisquei.
A voz da minha mãe retornou quando visualizei o rosto dele
uma última vez.
O amor é uma farsa, minha criança. Você não viu? Não vê o
meu casamento? Somos uma farsa, querida. Deveria aprender com
sua mãe. Sabe por quê? Eu sei mais.
Pisquei.
Mamãe realmente sabia mais.
E pior, ela estava certa desde o início que criar laços
irreparáveis com Alexander James II, me faria cair e sem perceber.
Eu caí, no entanto, Lilian errou em um detalhe.
Meu coração tinha sido dado para uma faceta que Alexander
criou unicamente para mim.
O Alex James.
Para ele que dei meu coração.
Para ele que me entreguei e tive em troca suas primeiras
vezes.
Para ele concedi mais chances do que deveria, entretanto,
acabei escorregando nos meus passos e caí em um precipício.
Uma queda dolorosa.
Sem volta.
Sem reparos.
Restando apenas destroços.
Minha alma cansada de lutar por algo sem futuro.
Meus retalhos foram jogados pelo caminho.
Enterrei meu amor naquela noite.
Não houve um dia em que eu não lembrasse daquele
momento.
Ela continuaria marcada em mim perpetuamente.
01

VIVENDO OU SOBREVIVENDO?
Eu não sei o que devo fazer
Assombrado pelo seu fantasma
Me leve de volta para a noite em que nos conhecemos
The Night We Met | Lord Huron

INÍCIO DE ABRIL
Nunca tive uma perspectiva de vida.
Às vezes, um turbilhão de perguntas me rondava e eu nunca
sabia qual seria o fim delas. Tudo ficou ainda mais difícil à medida
que a maioridade veio chegando, onde diversas responsabilidades
encheram a minha cabeça quando eu ainda nem sabia qual curso
eu escolheria, depois que me formasse. Em que lugar iria morar ou
se continuaria vivendo no apartamento com meus amigos, mas na
forma drástica que o ciclo da vida das pessoas ao meu redor ia
mudando, meu instinto percebia que eu seguiria sozinho, assim que
todo meu teatro da faculdade acabasse.
As máscaras teriam que ir ao chão.
Isso se eu unisse forças suficientes para aguentar meus
demônios.
Era aterrorizante como tudo ia piorando na minha vida, a
cada ano que seguia.
E, de certa forma, eu sentia que tudo estava saindo do meu
controle e ainda não sabia ao certo como realmente viver.
O que eu poderia fazer?
Estava vivendo ou sobrevivendo?
Não lembrava o exato momento que tudo simplesmente
começou a ruir. Houve apenas o estrago surgindo, como se não
fosse algo novo. De repente estava ali, despencando cada vez mais
forte. Simples assim.
Não teve um dia sequer na minha existência, sem que eu
acordasse temendo o que poderia acontecer ao decorrer do dia. O
pesadelo percorria por longos anos, nada era bom para me arrancar
um sorriso verdadeiro. E os que vinham, eram totalmente falsos.
A verdadeira vida adulta estava por vir.
Isso me fez prender o ar entre os pulmões sem perceber,
mas logo em seguida soltei.
Não somente uma vez, foi preciso perder a conta para ter o
controle do domínio das minhas mãos novamente, enquanto prendia
a textura metálica entre os dedos.
Precisava ir até o andar de baixo para pegar comida e
alimentar Brigitte, a minha macaquinha de estimação, que se
encontrava do outro lado do meu quarto.
Dormindo de forma serena.
Sua pelagem escura preenchia cada centímetro do seu
corpo. Nada mudou desde que a adotei há mais ou menos cinco
anos.
Na época não parecia tão insano a ideia de adotar um
animal, quer dizer, nas palavras de Mônica, a minha antiga
psicóloga da universidade, que me aconselhou quando achou que
manter a mente ocupada seria uma boa ideia.
Ela dizia que acolher um animal de estimação poderia me
fazer pensar menos no meu passado, e nas escolhas impulsivas
que precisei fazer por amor. Tudo por amor. Um que sempre esteve
determinado a falhar pela minha covardia.
Às vezes, as sessões me faziam ficar irritado.
Não tinham muito efeito proveitoso sobre mim, já que tudo
que rodava na minha cabeça eram meus problemas do passado e a
possibilidade de perder a minha garotinha.
Na época, ela ainda era um bebê alegre e sem
preocupações.
De maneira alguma eu deixaria que algo acontecesse. Seria
capaz de morrer por ela antes que algo afetasse sua vida.
Então, como se fosse minha salvação, achei que a terapia
fosse minha luz brilhando no fim do túnel e que poderia me ajudar
com os meus demônios do passado. A longo prazo ajudou, o
conselho de adotar um animal se tornou o mais viável.
Brigitte foi incrivelmente bem recebida pela família.
Pareceria ser impossível pensar em construir um laço
fraternal anos atrás. E mesmo que meus genitores não estivessem
ao meu lado quando eu mais precisei, eu tive uma família de
verdade quando conheci Nathaniel Sullivan e Eric Peterson.
Por hora, não estava pronto para revelar o motivo da minha
falta de sono, dos meus sumiços nos momentos mais importantes, e
o porquê odeio tanto ser Alexander James.
A aberração de Boston.
Isso era passado.
Olhando para Brigitte novamente, a ilusão do seu corpo
maculado nos lençóis me trouxe a vontade de trocar nossos corpos.
Não queria ter as preocupações e os pesadelos que meu verdadeiro
eu carregava dentro de si.
Queria ser livre.
Tranquilo como o sono de Brigitte.
Mas era algo que mudaria em alguns instantes, pronta para
comer sua primeira refeição do dia, porém, meu corpo parecia não
querer seguir minhas ordens. Até que de repente uma força foi
descarregada nos músculos, como se tudo dependesse unicamente
da porta que me separava das pessoas que moravam na casa.
Na verdade, isso era exclusivo para uma pessoa.
Uma garota.
Hannah Jane Peterson.
A mulher que atormentava meus sonhos desde que eu tinha
dezoito anos.
O pior, ela sempre esteve ali. Por mais que mil coisas
tivessem acontecido entre nós dois, continuamos frequentando os
mesmos lugares, tínhamos os mesmos amigos, dividimos um
apartamento, mas acima de tudo, fazia anos desde que trocamos
mais de cinco palavras, ou melhor, iniciamos uma conversa de
verdade.
Sem estarmos aprisionados com as memórias que ambos
guardamos. Elas, definitivamente, nunca deixariam nossas almas,
estavam enterradas em algo mais profundo. Encravadas em nossos
corações, entretanto, eu guardava mais que uma catástrofe nos
meus pensamentos.
Havia culpa.
Um arrependimento cruel.
E uma mente quebrada.
— Vamos lá, não é a primeira vez que você tem que fazer
isso — meus sussurros foram direcionados para mim mesmo.
Era apenas um estímulo para enfrentar meus pesadelos em
carne e ossos, que além de tudo, carregava um par de olhos verdes
surreais. Um sorriso arrebatador, que definitivamente me fazia ficar
de joelhos. Todavia, eles já não eram dados com frequência.
O pequeno gesto que fez parte da minha Jane adolescente,
já não existia mais.
Ele.
O namorado de Hannah acabou com o pouco que restou de
ânimo na vida caótica dela, mas para mim, ela sempre seria Jane. O
seu segundo nome, que era pronunciado apenas por duas pessoas.
Seu pai e eu.
— Certo. Um, dois... — Um nó apertou minha garganta, foi
impossível declarar o número seguinte.
Droga, eu não conseguia sair daquele quarto, mas era
necessário, todos iriam estranhar. Sempre soube que meus amigos
me observavam e notavam que a máscara carregada por anos, era
apenas uma fachada para algo destruidor.
Preferia que todos me vissem como o Alex idiota do que
sentir pena.
Apertei os olhos, ainda mantendo os dedos na maçaneta.
Então, algo aconteceu.
No momento em que o “três” se extraiu dos meus lábios
como uma pluma, fui capaz de respirar melhor, ao mesmo tempo
que meus dedos destrancavam a porta.
Um sorriso falso esboçou cada ponta dos meus lábios.
Tudo mentira.
Sacudi os ombros, parecendo ter acabado de acordar
naquele horário à medida que deslizava os dedos até o alcance da
cabeça, e pressionava de um lado para o outro. Um estalo, mesmo
baixinho, foi ouvido logo em seguida.
Pensei que teria alguns minutos até alguém surgir por
qualquer cômodo da casa, mas tudo isso foi por água abaixo
quando ouvi o ranger da porta de Eric sendo aberta bruscamente. O
corpo do loiro, coberto por apenas uma calça jeans escura, tomou
minha atenção. Havia alguns hematomas arroxeados na
extremidade da costela, isso me fez retrair os ombros.
Sabia bem de onde vinha aquilo.
Eric lutava boxe desde adolescente, após ter sido
diagnosticado com TEI[1].
Sempre que meu amigo sentia que as coisas estavam saindo
dos trilhos, descarregava todo o estresse acumulado no saco de
boxe. A forma como ele lidava com todo o processo e os sintomas
era impressionante, porque o loiro há poucos centímetros de mim
tinha um controle indestrutível quando se tratava do seu diagnóstico,
eram poucas as vezes que realmente o vi fora de si, e quase em
todas se tratava de Stéfany.
A mesma garota agarrada no seu pescoço.
Seus cachos castanhos se detinham presos por um elástico
de cabelo, enquanto a pele negra estava coberta pelo uniforme do
time de futebol americano. Os lábios naquele horário não
compartilhavam o fiel batom vermelho nos lábios, sua marca
registrada.
Porra, não bastava a época em que tive que ver Ana e
Nathaniel praticamente transando em cada cômodo da casa, Eric e
Stéfany resolveram tomar o pódio, ficando em primeiro lugar no
ranking dos sem-vergonhas.
— Eu realmente não preciso de pornô amador pela manhã,
pessoal — falei, sem ter o menor cuidado em esconder minha
aversão com a cena diante dos meus olhos.
— Oh, me desculpe, senhor puritano. Suas preciosas pupilas
não estão preparadas para o verdadeiro show. — Stéfany
respondeu, deixando o sarcasmo dançar ardilosamente na sua
língua.
Eric olhou para mim como se tudo que a sua garota falasse,
ele assinasse embaixo. Meu amigo estava apaixonado, melhor
ainda, estava amando. Sté com seus métodos peculiares fez mágica
e até poderia perguntar como, entretanto, nada poderia ter o mesmo
efeito que causou no cara à minha frente.
— Com toda certeza desse mundo, essa cena é demais para
meus olhos virgens.
— Eu duvido muito, Alex — instigou a garota ao girar seu
corpo, a posição que ambos mostravam para mim já não era a
mesma. Stéfany estava de frente, enquanto as mãos de Eric
envolviam as laterais da sua cintura coberta pelo uniforme dos
Crows Blues Legs.
— Discordo, gatinha. — devolvi e Eric pigarreou com o
apelido que nunca deixei de chamá-la nos últimos tempos.
Era algo que eu sempre fazia. Provocava meus amigos
assim, mas os dois sabiam que não era algo para se preocupar,
mesmo que não soubessem que na minha mente e no meu coração,
garotas da universidade não tinham espaço.
Era impossível ter alguém dentro do meu peito.
— Você tem uma sorte do caralho, se não, estaria com um
olho roxo logo pela manhã, cara. — O timbre do loiro soou pelo
corredor me tirando do fundo do poço. Quase agradeci o ato, mas
seria estranho pra caralho.
— Certo, acho que já deu de conversa e você sabe que estou
morrendo de fome. — Os ombros de Stéfany encolheram no
momento que ela inclinava o rosto na direção do namorado, em um
sinal de advertência por não ter preparado algo mais cedo.
— Tudo bem, vamos. — Eric disse, por fim.
— Prepare o meu também, docinho — zombei, vendo-o se
aproximar em conjunto da namorada. As írises azuladas se
intensificaram como se estivesse me enforcando mentalmente.
Levei as mãos contra os lábios, e soltei um beijo estalado. — Se eu
te tratar com carinho durante o café eu ganho uma sobremesa?
— Talvez ganhe um gancho de direita, Alex.
— Isso aí! Nesse queixo ridículo, amor! — Sté deu um sorriso
recheado de escárnio.
Filha da mãe, quase xinguei em controversa, mas por hora
preferi entrar na sua jogada.
— O que custa dividir seu homem, Fany? — continuei
provocando e notei Eric arquear as sobrancelhas.
— Ele é só meu, cara.
— Gostava mais de você quando odiava ele. — Indiquei meu
olhar sobre Eric.
— É uma pena, Alex. — Assisti suas mãos puxando-o para o
corredor a nossa frente, seus corpos ultrapassando-me enquanto eu
já pressentia paralisar no mesmo lugar. Reaja, Alex. — Ah, estamos
indo para o ateliê da Holly em alguns minutos, se quiser ir junto eu
deixo você ficar no mesmo carro que meu homem. — Isso me fez
contrair os lábios, sabia que ela estava tirando uma com a minha
cara. Entrando na minha bizarrice, a garota já entendia tudo que
rolava comigo.
Ah, Stéfany. Obrigado por isso.
— Não perderia a oportunidade, e só por isso, deixo você ir
no banco de trás. — Forcei um sorriso de lado, não conseguia dar
outro em um curto espaço de tempo.
— Nem sonhando.
— Que merda é essa, vocês dois? — Eric grunhiu.
Quando finalmente ouvi seus passos pelos degraus da
escada soando, pude respirar melhor. Enquanto seguia a mesma
trilha que Eric e Sté fizeram, os picos de memória de uma noite
distante encheram minha mente.
A conversa que tive com ela no momento que nunca pensei
que a deixaria ver.
Estava frágil, e pior, ela poderia tirar meus segredos sem que eu
percebesse. Responderia sem perceber.
Não lembrava totalmente se fui muito longe. E ainda temia
perguntar a ela o quanto deixei escapar, entretanto, um por cento do
incômodo foi tirado das minhas costas. Lembrava que tinha bebido,
era algo que eu relutava muito a fazer. Descarregar qualquer coisa
no álcool me fazia parecer ele.
Não queria ser como ele.
Não queria nada que me vinculasse a Alexander James, o
meu genitor.
No segundo que vi Stéfany sentada na escada meses atrás,
completamente sozinha e sem armadura, me permiti deixar as
minhas caírem também pelo menos uma vez, com alguém que me
entendesse. Não que meus amigos não poderiam me entender, mas
era diferente. Porque desde o primeiro momento que troquei uma
única palavra com ela soube que parecia um pouco comigo.
Sté tinha um olhar felino, ao mesmo tempo tão inofensivo,
mas sempre na defensiva com qualquer pessoa nova, não gostava
de sair da sua zona de conforto. O primeiro detalhe que sempre
chamava a atenção eram suas tatuagens. Ela possuía várias pelo
corpo, principalmente no braço esquerdo, as quais encobriam um
passado tortuoso. Em cada uma delas cabia uma mensagem
destrutiva da cabeça de alguém tão jovem.
Stéfany podia ser considerada uma mistura de Nathaniel pela
aparência e vícios, mas uma grande porcentagem comigo na parte
que nos vinculamos com nossos passados.
Enquanto ela fumava como Nathaniel, quando chegou em
Boston, Stéfany tinha memórias fodidas dos pais como eu.
Era apenas uma garota sozinha.
Perdeu tudo que era seu por direito de um instante para o
outro, e no fim, sabia que não podia negar um lar para ela, quando
precisou na noite em que foi expulsa de casa, na Filadélfia. Essa,
definitivamente, foi a minha melhor decisão.
Algo que eu quis que alguém tivesse feito por mim.
Sempre soube que gostaria de Stéfany, em algum momento
da nossa convivência no apartamento, desde que a conheci ainda
caloura, percebia que as coisas iriam mudar a partir do momento
que um vínculo surgiu inesperadamente com um dos meus
melhores amigos.
Eric Peterson.
Filho mais velho do prefeito da cidade, irmão da garota que
sempre foi um território fora do meu alcance, desde o colegial, e
pelo visto nada mudou a partir do momento que eu não podia ser
alguém na vidinha quase perfeita de Hannah.
Eric nunca soube do nosso envolvimento, e se um dia
chegasse aos seus ouvidos... Oh, o loiro encheria minha cara de
golpes que me deixariam inconsciente por vários dias. Sabia da
potência que poderia envolver seus punhos, entretanto, não queria
ser mais um a sentir sua ira, mesmo que eu merecesse por ter feito
o que fiz com sua irmã gêmea.
Às vezes, suspeitava que ele soubesse de algo. Embora em
nenhum momento, de todos esses anos, tivesse dado pistas mais
claras do que sabia, eu senti que a nossa amizade havia mudado
após minha colisão destrutiva pela sua irmã.
Todos do nosso vínculo desde o ensino médio percebiam que
havia algo acontecendo.
Palavras que nunca foram ditas e continuam embargadas na
minha garganta.
Houve um passado feliz por pouco tempo.
Mas ainda compartilhamos um presente doloroso.
Hannah foi a única mulher que tive na minha vida e seguia
assim desde então, nunca me permiti deixar outra pessoa entrar.
Era apenas dela. Seu lugar por direito, o mesmo que sempre esteve
reservado para ela. Porque em hipótese alguma daria para alguém
reivindicar.
Por mais que eu tenha ocultado esse detalhe por anos, ainda
não pude fazer o que meu coração desejava.
Era cedo demais para colocar tudo a perder e o motivo
principal, eu me formaria em alguns meses. Precisava primeiro me
estabilizar completamente, somente assim, teria o controle da minha
vida e da única pessoa que a vida dependia de mim.
Confesso que em algum momento desejei ser livre disso
tudo; Das amarras que me aprisionam e do medo de fazer tudo
errado e ferrar com tudo.
Engoli em seco, tomando controle dos meus passos até o fim
do corredor. Não tinha certeza se estava há muito tempo parado ali,
completamente perdido nos meus pensamentos destrutivos.
Hora da realidade, o meu subconsciente sempre me
alertando.
Quando finalmente cheguei no começo da escada, meu olhar
desceu por cada degrau.
Me permiti pensar em tudo que vivi enquanto meus pés
tocavam a madeira.
De um em um, pensei em Hannah.
Dei outro pensando nos meus amigos.
Pensei na faculdade.
Pensei na oficina.
E por fim, no meu futuro.
Apertei os olhos, à medida que meu peito parecia ter sido
pisoteado, no momento que imaginei um lugar solitário sendo real
na minha vida.
Essa seria a minha nova realidade em alguns meses.
Precisava aguentar um pouco mais.
Parado na frente da cozinha, o cheiro forte de ovos mexidos fluía
nas minhas narinas. Odiava ovos. Passei tanto tempo dependendo
deles que simplesmente não aguentava mais sentir o cheiro. Eles
me lembravam dos dias que aquela era a única opção de refeição
para o dia todo, para aguentar ir à escola, trabalhar e participar dos
treinos do time de futebol.
Porém, essa era minha realidade, pelo menos tinha algo para
me alimentar e que pudesse deixar mais dinheiro sobrando para o
leite ou fraldas de Margô. Ela era mais importante, e precisava de
algo melhor.
Para a minha menina eu daria sempre o melhor.
Eu poderia passar dias vivendo à base de ovos e água. Às
vezes, nem isso.
— Você quer ovos, Alex? — Stéfany indagou me vendo
entrar na cozinha.
O gosto amargo inundou minha língua.
— Hmm... — Meu timbre repercutiu pelo cômodo
completamente rouco. Sabia que era o bolo preso que dificultava,
por isso parei e limpei a garganta.
— Alex não gosta de ovos mexidos, Sté — Eric contou por
mim.
— Ah, como nunca soube disso? — Levantou as
sobrancelhas em conjunto do fraco sorriso que surgiu nos seus
lábios.
— Porque não como pela manhã. Talvez seja por isso,
gatinha — comentei.
— Certo. — Notei seus lábios se juntando um no outro.
Compartilhei um sorriso, não foi sincero, mas não queria que
ela se sentisse mal.
Enquanto Stéfany e Eric preparavam seus respectivos pratos,
meus pensamentos me levaram para longe. Para alguém que
estava longe e ao mesmo tempo tão perto.
A todo segundo eu deveria lembrar das minhas escolhas do
passado.
Ela ainda precisa de mim.
Sempre precisou.
Era apenas por ela que temia não ser capaz de estar ao seu
lado.
Margô James.
Definitivamente, aquela garota me tinha na palma da mão.
Oh, a criança sabia tirar tudo de mim quando podia, até minha
vontade de morrer vinte e quatro horas por dia quando não a
visitava do outro lado da cidade.
Seu sorriso fazia meus dias chuvosos serem ensolarados.
Sua pureza era o pouco que eu podia ter após perder a
minha.
A garotinha não precisava de muito para me fazer entender o
motivo que escolhi ela.
Uma escolha que mudou em todos os sentidos a sua vida e a
minha para todo o sempre.
Ela era o motivo de Hannah me odiar, mesmo sem saber da
sua existência e nosso laço sanguíneo, entretanto, a Pequena
Peterson que carregava o meu coração desde os meus dezoito
anos, amava outro homem.
Estava aprisionada a um relacionamento que a destruía a
cada ano.
Dia após dia.
Mês após mês.
Tudo que eu queria era voltar no tempo em que éramos
felizes, sendo dois adolescentes sem medo.
Queria apenas voltar para quando nos conhecemos.
02

ATOS E CONSEQUÊNCIAS
Você virou as costas para o amanhã
Porque você se esqueceu de ontem
Eu investi o meu amor em você
Mas você o desperdiçou
Você não pode esperar que eu esteja bem
Payphone | (feat. Wiz Khalifa) Maroon 5

— Então, você já pensou no que vai usar? — O som sereno


saiu dos lábios de Holly.
Ainda presa em um universo fora da Terra, meu coração
errou uma batida quando fui arrancada do meu momento confortável
pela morena de olhos claros.
— Perdão? — Uni as sobrancelhas, percorrendo meu olhar
na extensão estática de Holly, a dona do Zach´s Ateliê, o lugar onde
eu me encontrava apenas para ajudar minha melhor amiga com
seus bebês.
— Seu vestido, gracinha. Já decidiu o que vai querer para a
sua formatura? — indagou outra vez.
A menção de vestidos e formatura em uma frase só fez com
que meus ombros encolhessem despercebidamente, continuava
sendo inevitável não sentir o constrangimento quando se tratava
desse tipo de comemoração.
Algumas garotas que eu conhecia estavam em êxtase com
tudo aquilo, outras já tinham seus vestidos encomendados na lista
extensa de Holly. Porém, no meu caso, eu odiava formaturas e pior,
as festas que eram feitas depois pelos próprios formandos, em
busca de festejar mais ainda, porque a que foi proporcionada a eles,
não tinha sido o suficiente.
Eles ansiavam por mais.
Por mais que fosse meu último ano na Crows Blues
University, o desejo de ir a outra formatura fracassada era
exatamente zero. Não iria me permitir passar pela mesma
experiência de anos atrás.
Estava esgotada de tudo isso.
Não tinha mais fôlego para aguentar exposições
desnecessárias.
Os episódios ainda pareciam frescos em minha mente,
mesmo depois de anos do ocorrido.
— Desculpe, eu irei apenas na colação de grau, já é o
suficiente para mim. — A resposta fez Holly murchar, deixando uma
mecha dos seus cabelos escuros cair contra seus olhos.
A proprietária do estabelecimento era jovem e se não a
conhecesse, diria que tínhamos idades próximas, entretanto, seu
senso de moda deixava claro que era superior e mais apurado que o
meu, levando em conta que sua vida toda era dedicada unicamente
ao ateliê de costura.
O mais famoso de Boston.
Desde o momento em que as portas foram abertas, e a placa
identificadora foi exposta, com a palavra ABERTO em letras
garrafais, a minha manhã já não era a mesma. Mas, mesmo ainda
sendo sábado, eu me prontifiquei a salvar Ana com seus pequenos
monstrinhos.
A loira, assim como eu, não quis atrapalhar Sté com a folga
do curso de Medicina, que a esgotava, então, preferi não
interromper seu final de semana.
— Sabe, você é a primeira garota que não chegou aqui louca
por um agendamento... Ana e eu estamos lotadas, ainda mais com
o evento beneficente deste ano... — comentou, indo até a mesa de
Ana, e abaixando-se para pegar a cópia perfeita de Nathaniel
Sullivan.
Bolhas de saliva formavam-se ao redor dos seus lábios
incrivelmente desenhados.
O amontoado de mechas escuras que estava preso em dois
lacinhos, eram tão escuros quanto os do pai. As nuances azuladas
remetiam à mesma tonalidade da sua mãe, mas era claro que a sua
personalidade era bem ativa ou melhor, surpreendentemente
agitada, se parecia ainda mais com Nathaniel, o cara que foi meu
segundo melhor irmão, no período que precisei do seu apoio.
— Venha aqui, coisinha mais linda desse mundo... —
Embalou a sobrinha nos braços, acalmando-a.
Ellie parecia maravilhada em estar com a tia. Ela era uma
garota sorridente, não existia tristeza na vida da pequena, mas
também não carregava calmaria. E havia outro detalhe, a garota
tinha tudo que queria com apenas alguns balbucios. Ela poderia não
saber dizer uma única palavra corretamente, mas isso não a
impedia de fazer o que bem entendesse com todos ao seu redor.
E que Deus tivesse piedade dos caras que surgissem em seu
caminho. Ellie sem sombra de dúvidas faria ótimo uso disso, estava
claro, apenas assistindo o olhar vitorioso que surgiu em questão de
segundos.
Voltando para o meu agrupado de pensamentos, a lembrança
de obrigação listada no fundo da minha mente me atormentou. Algo
que não queria lembrar naquele instante.
— Agora que você mencionou a festa beneficente da minha
mãe, vou precisar de um vestido novo. — falei baixo.
Não lembrava desse evento, era apenas uma farsa que
Lilian, minha mãe, inventava de fazer todos os anos para parecer
ser uma maldita santa sob todos os holofotes da cidade.
Uma farsa que ela criou anos atrás.
Mamãe odiava ser caridosa. Continuava sendo uma verdade
que apenas a sua família conseguia distinguir em seus olhos, assim
que ela abria as portas da sua casa.
Os eventos somente existiam para que todos da cidade
vangloriassem apenas ela: A esposa perfeita do prefeito.
Lilian nunca escondeu o quanto gostava de se sentir o centro
das atenções e não houve um dia, desde que eu me entendia por
gente, que não vi outra personalidade da minha mãe sem ser o
velho narcisismo estampado no semblante.
Eu teria que ver todo o show sendo apresentado outra vez.
Porque ela fazia questão de obrigar todos os filhos a
presenciar.
Todos os anos era sempre a mesma coisa.
Lilian Peterson no centro de tudo e todos.
— Tem algum modelo em mente, meu bem? — Holly me
puxou de volta à realidade. Graças a Deus. Continuar no tormento
que a minha cabeça me afundava, era deprimente demais para
apenas uma pessoa.
Pensando na pergunta de Holly, um sorriso se alastrou em
meus lábios cativando-a apenas com um olhar. Ela sabia o que viria
logo em seguida com o olhar expectante.
— Me surpreenda, quero algo bem diferente e ousado, algo
como o vestido que minha cunhada usou no ano passado.
Soube há pouco tempo que havia sido Holly, quem tinha feito
o vestido que Stéfany usou ao acompanhar Eric, na tentativa de
fingirem ser um casal, no aniversário de casamento dos meus pais.
O mesmo que foi parar em todos os jornais da cidade, na
verdade, ela não o fez totalmente, apenas deu vida ao pedaço de
pano avermelhado que Lilian mandou por meio de Eric.
Mamãe foi traiçoeira quando decidiu enviar, como presente,
um vestido três vezes maior que o número que Stéfany usava.
Frustrante.
— Perfeito! Se quiser podemos tirar suas novas medidas, já
faz um tempo que peguei as últimas — Holly declarou ainda
balançando a criança nos braços, mas não foi apenas isso que me
fez contrair os ombros.
Ela me pediria para tirar meu casaco, assim teria as medidas
fiéis do meu corpo. Isso seria um problema. Ninguém podia ver o
que preenchia meus pulsos.
— Oh, acho que não vou poder tirar as medidas hoje. Em
alguns minutos meu namorado vem me buscar e... — As palavras
saíram desajeitadas, fazendo com que Ana e Holly estranhassem a
pressa em cuspir cada sílaba na velocidade máxima.
— Tudo bem, querida. — Piscou, mudando a expressão de
segundos atrás, principalmente depois de ouvir a campainha da loja
ecoando em nossos ouvidos. Não consegui ver mais do que o
formato de três sombras surgindo e, de repente, se tornaram
reconhecíveis.
Até demais.
Usando botas de cano alto em conjunto de uma camisa
enorme e o cinto envolta da sua cintura, Sté entrou no cômodo,
seguida pelo seu namorado e por fim, menos importante, o
causador de um erro na batida do meu coração.
Alexander se encaminhou logo atrás com o amigo, mantendo
o seu animal de estimação nos ombros.
Tentei ao máximo evitar contato visual, porém, Brigitte
desceu do seu ombro quando notou-me no ambiente, e seguiu
diretamente na minha direção. O gesto me fez encontrar suas íris,
mas no segundo em que o vale dos seus olhos castanhos escuros
se colidiram com o meu, eu tive certeza de que a presença dele não
fazia bem aos meus sentidos.
Um sentimento doloroso ruía cada célula minha.
Isso não deveria ser mais surpresa.
Alexander tinha sido moldado no meu consciente para ser um
desconhecido, desde o dia em que me destruiu. Mas, pelo visto, o
lado sentimental não ouvia o que meu cérebro me obrigava. Ele não
deveria mais deixar que momentos como esse continuassem a
prevalecer por anos.
Ele é seu inimigo, pense nisso, Hannah. Alex a magoou sem
pensar nos seus sentimentos.
A cada ano que passava ficava mais difícil conviver com suas
mentiras, embora, ele camuflasse a todo custo o que fez. Alexander
passou anos enganando a si mesmo, que nada aconteceu no nosso
baile de formatura. Como se fosse algo que somente eu vivi e
continuava alimentando o ódio dentro de mim por tanto tempo.
Ele era o real motivo e o culpado por eu odiar bailes e festas
acadêmicas.
O causador do meu coração destroçado.
E pior, Alexander James foi um amor falho da minha
adolescência. Quando eu precisava viver a minha vida como
deveria, sem medo de ter as minhas asas cortadas.
Parecia tudo um sonho. Eu vivi nas nuvens por meses. Até o
segundo que a verdade saiu dos lábios dele.
Mesmo com todos os sinais claros, eu preferi não enxergar a
realidade.
Me senti inútil.
Uma burra por persistir.
— O que fazem aqui tão cedo, gracinhas? — a tia de
Nathaniel interrogou unindo as sobrancelhas.
— Achei que você precisava do colírio dos seus olhos, Holly.
Não gostou da surpresa? — Alexander começou, e droga, eu o
odiava tanto. Precisei desviar meu olhar, não queria que soubesse
que tinha minha atenção nas suas conversas furadas.
— Uau! — Holly zombou, notei um sorriso estonteante
aparecendo quando sem querer olhei para ela. — Se Zach ouvisse
você falando isso, arrancaria suas bolas, criança. — A menção de
ter suas partes íntimas tirada do seu corpo fez Alexander sacudir os
ombros.
Rapidamente procurei me ocupar em algo.
— Ainda é cedo para imaginar essa cena horrenda, Holly-
Gata.
Me sentei ao lado de Ana, mas com um movimento mal
executado, senti uma parte da minha cintura doer, fazendo uma
careta surgir no meu semblante. Isso chamou a atenção da loira,
seus olhos azulados esgueiraram-se sobre mim, em meio ao
tumulto que se alastrou no seu local de trabalho.
— Você está bem? — sussurrou, por mais que ninguém
estivesse prestando atenção em nós duas. Por um lado, foi
conveniente, era melhor assim. Todavia, assenti em resposta,
sentindo um nó envolver minha garganta.
Não queria ser percebida naquele momento.
— Hannah? — Como em todas as minhas respostas fajutas,
Ana não acreditou nessa. — Por que você não conta o que está
acontecendo? — Era de se imaginar a estranheza comigo quando
tudo que eu fazia era deixá-las mais preocupadas comigo.
Mentir se tornou um escape.
Era necessário.
E em algum momento elas tomariam um sentido diferente na
minha vida.
Eu faria de tudo para que isso pudesse mudar.
Mas até aquele instante a força no meu corpo não era o
suficiente.
Notava que a cada dia uma parte de mim se perdia pelo
horizonte.
Não existia mais Hannah Peterson.
Somente uma alma solitária lutando por liberdade dentro de
mim.
Me salve desse tormento, por favor.
Talvez meu olhar pudesse realmente dizer algo, como as
pessoas ao meu redor tinham costume de dizer, mas seria
impossível declarar em voz alta. A mentira continuava sendo a
salvação de imediato.
— Está tudo sob controle, Ana. Não precisa se preocupar...
— Se preocupar com o que? — O timbre inconfundível vibrou
entre meus ouvidos.
Era Stéfany perguntando à medida que seus passos iam
encurtando nossa distância. Isso me fez engolir em seco e o meu
corpo novamente estremeceu pela quarta vez no dia.
— O-Oh, nada demais — minha voz tremeu.
Caramba, minha voz realmente tremeu. Inconsequentemente,
meu olhar deslizou na direção de Eric e, ao seu lado, estava Alex.
Sabia que ali meu irmão se daria por vencido e por mais que eu o
amasse, não queria Eric metido no pouco que restou do meu
relacionamento com Ethan.
Eu poderia tomar as rédeas sozinha.
Não queria que nenhum dos meus amigos tomasse minhas
dores, tinha medo das consequências que haveriam se soubessem
o que estava acontecendo. Talvez eles me odiariam por permitir que
tudo isso continuasse a seguir, mas em outros momentos, a voz da
minha mãe me obrigando a prosseguir com esse namoro, fadado ao
poço, sem chances de redenção, me enlouquecia.
Mas não podia deixar de ouvi-la.
Anos atrás optei em seguir minhas próprias escolhas e
acabei sendo destruída.
Dessa vez, as coisas poderiam melhorar, em algum momento
isso poderia acontecer, assim como o casamento dos meus pais.
Ao respirar, notei um olhar cauteloso depositado na minha
direção. Ana e Stéfany pareciam querer dizer algo, eu sentia isso,
na verdade, há muito tempo percebia que elas sempre hesitavam
em iniciar uma conversa que eu mesma temia a todo custo.
— Hannah... — Ana começou sussurrando, para nenhum dos
rapazes ao nosso redor pudesse ouvir além de nós três. — Você
sabe que pode confiar na gente. Somos suas amigas...
Pisquei.
— De novo isso? Onde vocês estão querendo chegar?
Uma lufada de ar foi ouvida em nosso meio.
— Han, percebemos que nos últimos meses você tem
andado tão para baixo e... isso vem nos preocupando, entende?
Queremos te ajudar. — Stéfany declarou, calma e serena, parecia
um anjo querendo me acolher em seus braços.
Mas eu não precisava de ajuda, apenas de um tempo para
recuperar meus sentidos.
Ficaria bem.
— Agradeço a preocupação, entretanto, não estou
precisando de ajuda — Suspirei, por fim.
Um silêncio tenebroso repercutiu.
Letal e constrangedor.
Como se minha palavra final tivesse feito o ambiente se
tornar outro, fazendo-me desviar meu olhar em busca de algo, no
entanto, meu socorro não veio, apenas encontrei abrigo nos olhos
traiçoeiros de Alexander.
O último lugar que eu procuraria consolo e alento.
Jamais ali.
Poderia cair fogo tortuoso do céu, todavia, nenhuma fagulha
de esperança voltaria a arder no meu coração para tê-lo novamente.
Mais uma vez estávamos juntos, encarando um ao outro, como
sempre fazíamos no decorrer dos anos desde que tudo acabou.
Às vezes, nenhuma palavra era capaz de ser absorvida.
Apenas um olhar era o suficiente.
Até que... o som ecoou por todo o ateliê.
O sino que tocava todas as vezes que alguém entrava e a
imagem que tinha bem diante dos meus olhos, por mais que
esperada, me assustou. Ethan estava parado, com o olhar em
sintonia absoluta sob todos os meus músculos. Qualquer movimento
em falso poderia ser a causa de uma catástrofe logo a seguir.
Eu não queria isso.
Ter um Ethan irritado era a última coisa que poderia pedir
naquele momento.
Estávamos em paz durante aquela semana.
— Está pronta, Hannah? — Foi apenas o que ele disse. Nada
mais. Ethan estava irritado, seus olhos poderiam não demonstrar
emoção alguma, mas eu sentia que toda a paz que construímos em
todos esses dias já era escassa.
— E-estou.
— Então vamos, amor.
Eco.
Era tudo que eu conseguia ouvir.
Não poderia dar nenhum movimento errado enquanto me
deslocava na direção do meu namorado. Ethan não estava pedindo,
o tom autoritário somente eu conseguia decifrar em meio às
palavras.
O homem há poucos metros de distância, não me chamava
de amor com frequência nas frente dos meus amigos. Contudo, eu
sabia que o gesto tinha sido direcionado para o cara logo atrás de
mim. Poderia não estar vendo Alexander, mas sabia que ele estava
se segurando para não dizer algo provocativo em troca.
Pelo silêncio interminável, não precisava me preocupar com
algo vindo de Alex.
Pegando minha bolsa, eu dei um aceno, me despedindo de
Stéfany e Ana. Em troca, recebi um meio sorriso de ambas,
enquanto eu me aprontava para ir embora com Ethan. Já estava
direcionando meu caminho em direção a porta, quando uma voz
quase foi capaz de parar meus passos.
— Não está esquecendo nada? Você tem algo que me
pertence, Jane. — Quebrando o silêncio quase interminável,
Alexander desdenhou da forma mais lasciva que poderia romper a
nossa barreira.
Me virei, encarando-o.
Babaca.
Ele não poderia escolher pior hora para dizer alguma coisa.
— Acho que você se enganou, não tenho nada que te
pertença — proferi, ainda alinhando nossos olhares.
Parecia que sempre que trocávamos meias palavras, meu
peito trabalhava em uma voltagem máxima. E isso não era nada
bom. Carregava dentro de mim o pior quando precisava revidar
qualquer provocação.
Na maioria das vezes, eu optava em ignorar ou fingir que ele
não existia mais.
Era apenas uma memória distante. Ou um pesadelo que me
assombrava.
— Na verdade, sim.
Ele deu um passo encurtando a distância.
— O que?
— Brigitte. Ela é minha. Ou há algo mais que tenha em você
que me pertença também, Jane?
Filho da puta descarado.
Droga. Droga. Droga.
Meu corpo entrou em desespero enquanto eu notei a
macaquinha, ainda nos meus braços. Quase me xinguei à medida
que mordia minha bochecha, ao colocar Brigitte no chão, porém não
dei tempo para que Alexander pudesse rebater a minha falha.
Fiz apenas isso e voltei ao meu foco inicial: ir embora.
Era somente isso que me restava fazer.
Ethan ainda permanecia assistindo a cena, calado,
analisando cada um dos meus movimentos. Algo comum na pessoa
que era Ethan Hinxton.
O silêncio para mim nem sempre foi reconfortante, na minha
adolescência, eu era uma pessoa que não calava a boca, na maioria
das vezes, precisava ouvir alguma ordem para que eu me calasse,
mas nos últimos tempos se tornou um refúgio.
Eu ansiava por silêncio a todo custo.
Mas com Ethan era diferente.
Seu silêncio me deixava nervosa, porque a qualquer
momento eu sabia que viria algo à medida que passava ao seu lado,
onde se encontrava estático na porta do ateliê. Somente quando eu
já estava fora do alcance dos meus amigos, ele me seguiu até o seu
carro. Ainda sem dizer uma única palavra.
Ethan abriu a porta do veículo para que eu pudesse entrar,
em seguida, se acomodou no banco do motorista. Suas mãos
seguravam o volante, ficando por pelo menos cinco segundos
pensativos, antes de direcionar os dedos até a chave e girar a
ignição, ligando o carro.
Meu namorado não tinha olhado uma única vez na minha
direção, com os olhos presos no trânsito, entretanto, com o passar
dos segundos naquele veículo, o medo me fez tremer. Todos os
meus ossos sentiam que algo ruim poderia acontecer a qualquer
momento, cada célula minha vibrava em combustão na mistura do
pavor.
Ethan conseguia ouvir o medo transpirando na minha
respiração.
— Por favor, diga algo. — Engoli em seco. — Ethan...
Eu deveria insistir?
— Que merda foi aquela, Hannah? — Meu namorado virou o
volante, entrando em uma das ruas sem saída de Boston.
Sua versão quieta já não existia mais, apenas o meu temido
Ethan assustador.
— Ethan... não aconteceu nada.
— Cala a porra da boca, Hannah! — Sua voz pareceu um
trovão cortando minhas desculpas.
— Me escuta, eu juro... — Mas uma vez fui interrompida no
instante em que uma das suas mãos apertou minhas bochechas
com um só movimento. Foi o suficiente para fazer minha voz ceder
às suas ordens, eu já imaginava que não adiantaria.
Deveria ter ficado calada.
Na verdade, não deveria ter trocado uma única palavra com
James.
A culpa era minha, no fim das contas. Como Ethan
costumava dizer com frequência.
— Eu espero que isso não aconteça nunca mais, Hannah.
Porque eu juro que acabo com a vida daquele merdinha — cuspiu
sua ira, ainda prendendo os dedos no meu rosto. Os olhos dele
pareciam ter modificado de cor, existia apenas raiva em cada
pigmentação.
Balancei a cabeça, assentindo cuidadosamente.
Às vezes, eu me perguntava como tinha deixado meu
relacionamento chegar àquele ponto. Não era assim quando tudo
começou. Ethan era gentil, me amava. Me salvou da dor, mas como
recompensa de ser uma péssima namorada, estava ganhando sua
pior versão.
Eu deixava Alexander James ser pauta em nosso namoro.
Sabia que Ethan o odiava.
E nunca deixaria que o sentimento mudasse dentro do seu
peito. Porque James não me deixaria em paz.
Eu estava cansada de tudo isso.

— Quando você vai vir morar aqui?


Ethan parecia outra pessoa.
Estava tranquilamente irreconhecível, enquanto trocava o
canal da sua TV. Em todo caso, não tive coragem de trocar
nenhuma palavra desde que chegamos no seu apartamento, meu
corpo estava seguindo no automático, fiz todos os movimentos
mecânicos que sempre fazia, enquanto dormia com ele.
— Achei que íamos esperar mais um tempo.
Assisti sua cabeça manear de um lado para o outro, sem
olhar para mim.
— Acho que passou da hora, Hannah — rebateu, ajustando
sua coluna em uma posição favorável para si mesmo. Analisei seus
movimentos, pensando o que deveria dizer em seguida.
— Por que você acha isso?
— É o melhor no momento, estamos juntos desde o começo
da faculdade. Então, não vejo problema em tomarmos essa decisão
agora. — Era impressionante a leveza que cada palavra parecia ter
enquanto saía dos seus lábios.
— Em breve a faculdade vai acabar, Ethan. E me mudar para
seu apartamento vai me tirar dos trilhos, sem me preparar. — A
resposta fez seu tronco tirar na minha direção. Notei sua mandíbula
apertada, à medida que cruzava os braços.
— Você está se esquivando demais. Por que não quer sair de
perto do James, Hannah? — Sua estranheza me fez entrar em
alerta.
— Ethan, por Deus. Meu irmão também vive naquele
apartamento. E minha vida não gira em torno de Alexander! —
rebati, incrédula.
Era horrível quando simplesmente tudo que acontecia
conosco, acabava nesse ponto. De uma maneira que eu não podia
reverter a situação.
— Já percebeu que na maioria das nossas conversas, a
pauta é sempre ele?
— Porque é sempre você que traz o nome dele à tona!
Ethan ficou calado, mas infelizmente, o momento não durou
mais do que dois segundos. Uma linha tênue entre eu e o homem
que conviveu comigo por tantos anos. Queria calmaria, todavia, isso
tinha se tornado irrelevante para nosso namoro, com um prazo de
cinco minutos.
Talvez esse fosse o nosso maior recorde de todos.
— Por que nós não fingimos que ele não existe, Ethan? Por
que sempre o motivo das nossas brigas é exatamente por alguém
que já não faz parte da minha vida? — Praticamente implorei
apenas encarando-o.
— Você está certa, Han. — Ele se levantou do sofá, largando
o controle da TV. Ethan respirou fundo, passando as mãos entre os
cabelos cheios. Estavam mais curtos naquela época, no entanto,
continuavam sendo parte da sua personalidade. Os cabelos sempre
com o comprimento grande. — Venha aqui — falou baixinho, como
se tivesse outra pessoa além de nós dois no apartamento.
A passos cautelosos, eu removi nossa distância em poucas
passadas. Seus braços envolveram minha cintura com firmeza, sem
se preocupar na expressão de incômodo que surgiu no meu rosto.
— Você me ama, Jane? — Quase torci o nariz em uma
careta.
Apenas meu pai e Alexander me chamavam pelo meu
segundo nome, entretanto, mantive a postura. Não sabia onde ele
queria chegar com aquilo.
— Eu o amo, mas não me chame de Jane, por favor.
Ethan ergueu as sobrancelhas.
— Por que não?
— Odeio que me chamem de Jane.
E odiava mais ainda o segundo homem que me chamava
daquele jeito.
03

IRREPARÁVEIS
Eu preciso chorar
Mas não consigo tirar nada dos meus olhos
Ou da minha cabeça, eu morri?
Eu preciso correr
Mas eu não consigo sair da cama por ninguém
Juliet | Cavetown

PASSADO

— Pare de chorar, por favor — sussurrei, enquanto tentava


acalmar a criança em meus braços.
Seu rosto encontrava-se completamente avermelhado, as
bochechas na mesma tonalidade e os olhos em lágrimas. Eu não
sabia qual passo seria o próximo, já tinha tentado de tudo, no
entanto, nada resolvia. Pelo visto, eu teria que faltar mais um dia.
Estava entrando na terceira semana sem ir à escola.
— O que você tem dessa vez? — perguntei, abrigando-a
contra meu peito.
Parecia que Margô tinha um estoque de lágrimas ilimitado
dentro de si, com apenas três meses de vida.
— Faça essa merda parar de chorar, porra! — Alexander
rosnou na sala de estar.
Enquanto eu andava em círculos pelo quarto, conseguia ter a
visão do cômodo independente da distância. Era possível vê-lo
estirado sobre o sofá, com a lata de cerveja barata entre os dedos e
os seus olhos presos na TV, onde passava algo sobre o baile anual.
Era comum vê-la organizando eventos beneficentes para
instituições.
— Uma grande vadia — ouvi ele xingar.
Tinha se tornado um hábito ver meu genitor reagir daquela
forma, com qualquer notícia referente a família Peterson. Ainda me
lembrava do dia em que algumas fotos da primeira-dama
acompanhada de sua filha, retornando para Boston, após dois anos
em outro país, apareceram nos jornais.
Ninguém nunca soube o que tinha acontecido para ambas
terem passado esse período longe.
Puxei o ar, tentando entrar em um consenso comigo mesmo.
Precisava de uma solução.
A única coisa que eu poderia fazer naquele segundo era me
acalmar, entrar em desespero com um bebê nos braços não
ajudaria na situação.
— Shh... calminha. Está sentindo dor? O que você tem? —
Dei algumas batidas leves nas suas costas com a posição nova,
talvez isso fosse ajudar.
Aquela seria a minha última tentativa, caso não fosse a
solução, eu teria que recorrer ao meu plano B: A sra. Darla, nossa
vizinha, que morava três casas depois da oficina.
Arrastei meu olhar pelo quarto, procurando minha mochila e
algumas coisas de Margô. Precisava sair daquela casa logo, caso
contrário, uma grande merda poderia acontecer com Alexander
completamente bêbado.
Eu o odiava sóbrio, mas o sentimento crescia ainda mais
quando ele estava embriagado.
Sentindo um aperto revirando meu estômago, saí do quarto
sem que meu pai nos visse. As portas dos fundos estavam
entreabertas, para minha sorte. Então abracei a garotinha nos meus
braços, que parecia entender o desespero que surgia nos meus
olhos, mesmo sem ter trocado um único olhar desde que a coloquei
contra o peito. Talvez ela pudesse identificar as batidas
descontroladas do meu coração, à medida que nos distanciamos de
casa.
— Você vai me ajudar dessa vez, meu amor? — sussurrei
para ela, implorando mentalmente que não fosse algo sério,
ouvindo-a chorar.
Por um segundo, pensei que seus pulmões fossem explodir
enquanto o seu choro aumentava a um limite desconhecido. Os
olhares dos vizinhos me seguiram, mas nenhum deles me parou.
Todos os dias eu implorava para que o poder divino mudasse
o trajeto que criou para mim. Isso era demais para uma pessoa,
todavia, eu tinha que lutar pela minha vida. Era minha última
chance, e se eu não aparecesse nas aulas tudo ia por água abaixo.
O meu futuro iria virar pó bem diante dos meus olhos. E tantas
coisas aconteceram nas últimas semanas, não dava para deixá-la
sozinha outra vez com aquele filho da puta.
Não depois de encontrar as marcas de cigarros nos seus
bracinhos.
Foi ali que percebi que a garotinha nunca estaria segura
enquanto permanecesse morando debaixo daquele teto, sem que
eu estivesse ao seu lado, mesmo sem poder dar o melhor suporte,
tentava a todo custo que Margô crescesse em uma vida melhor que
a minha.
Prometi a mim mesmo que jamais deixaria ela sem
supervisão, no entanto, era difícil manter a promessa quando
precisava comandar a oficina para sobreviver. Era a minha renda, o
único meio de conseguir dinheiro para as necessidades da pequena.
Leite, fraldas, remédios... basicamente tudo que um bebê
precisava para viver, mas com dezoito anos se tornava quase
impossível lidar com tudo isso. Embora eu conseguisse dar conta
dela na maior parte do tempo, não existia apenas nós dois, tinha o
inútil do meu pai também.
Sua vida era movida apenas pela bebida.
Alexander James era o homem mais desprezível que tive o
desprazer em conhecer. Ele se tornou a razão de me transformar
em quem eu sou, e só continuei vivo por Margô. Caso contrário, não
haveria uma constante batalha interna dentro de mim, as opções
não teriam me feito resistir.
Diante da textura amadeirada, eu depositei três batidas na
porta. Quando estava prestes a dar mais uma, a porta se abriu. Não
foi a Senhora Darla que me recebeu, foi Judy, a sua única filha.
As sobrancelhas uniram-se na minha direção, deixando claro
que estava confusa ao me ver naquele horário.
— Cara, não era para você já estar...
— Sim, eu sei. — Não dei chances para que ela pudesse
completar a frase. — Cadê a sua mãe, Judy? — A forma exagerada
em cada sílaba me deixava mais nervoso.
Por favor, apenas alguns minutos.
— Ela não está, Alex. — Respirou fundo, deixando seus
olhos caírem pela criança que ainda gritava. — Por que ela está
assim? — perguntou, em um tom rígido, pegando-a de mim. — Por
Dios, mierda![2] — sua voz verberou, virando as costas para mim ao
caminhar para dentro da sua casa novamente.
Sempre que estava irritada, Judy acabava falando em
espanhol. E naquele exato momento não tinha dúvida em identificar
a sua impaciência comigo, ou melhor, desprezo por deixá-la chegar
naquele estado.
— Eu não sei o que ela tem, por isso a trouxe aqui. Achei que
sua mãe pudesse me ajudar. Não tenho tempo o suficiente, Judy. —
Segui seus passos pelo corredor, até vê-la entrando em um
cômodo, na verdade, no seu quarto.
Paredes azuis escuras encheram meus olhos, enquanto
tentava desvendar o que Judy faria nos minutos seguintes. Ela tinha
mais jeito com Margô do que eu. Analisei a garota colocar o bebê
sobre sua cama, a cada movimento feito o meu interior se contraia.
— Ela está com cólica, cara. Como não percebeu antes? —
indagou, segurando suas duas perninhas e as flexionando para
frente e para trás. Não demorou cinco segundos e gases se
extraiam do seu corpo. Margô foi parando de chorar aos poucos,
apenas assistindo Judy salvando-a.
Porra, como não pensei na cólica?
— Não tinha cogitado cólica. Foi mal, mais uma vez você me
salvou. — Esfreguei a nuca, encarando-a, no entanto ela não estava
fazendo o mesmo. Sua atenção estava somente na pequena sob a
cama.
— Logo vai passar essa fase, ela está caminhando para o
quarto mês, de qualquer forma — suspirou, encarando a pequena.
— Judy?
— Fala.
— Você pode ficar com ela, apenas por essa manhã? — A
sugestão surpreendeu até eu mesmo.
— Eu? — Girou o tronco na minha direção, sem saber o que
responder, enquanto mantinha os olhos arregalados.
Judy ajustou a coluna ficando em um silêncio quase perpétuo
diante de mim. Ah, foda-se, eu teria que apelar pelo visto.
— Eu posso pagar, se for necessário. — As palavras saíram
rápido demais, sem preparação tanto para ela, quanto para mim,
que me encontrava encurralado.
Estava claro desde o início que aquilo não era para a minha
vida. Como se todas as minhas tentativas anteriores tivessem sido
um sinal para desistir de toda essa merda, mas por Margô eu estava
tentando arduamente.
— Alex... caramba. E-eu... eu não sei se consigo passar a
manhã com ela — ela declarou, fixando o olhar na garotinha ao seu
lado.
— Não é a primeira vez, você já conseguiu dar conta antes.
— Sim, mas foi apenas por duas horas. Você estava com
muito trabalho na oficina. Então, era claro que eu podia.
— São apenas algumas horas a mais, Judy. Se eu não for
hoje, perderei a bolsa antes mesmo de usá-la. É a porra da St
Emery College.[3] Nem eu mesmo acreditava conseguir a vaga, você
sabe como é quase impossível alguém como nós ter isso.
— Eu sei, Alex. Eu queria muito poder ajudá-lo, mas mamãe
precisa de mim também.
— Ela piorou?
Assentiu, desviando seu olhar embaçado. Algumas poças de
lágrima surgiram bem diante de mim. Judy era uma garota forte, até
demais. Estava lutando para salvar sua mãe, precisou parar de
estudar apenas pelo medo que atormentava seus pensamentos, de
não chegar em casa a tempo de socorrer a Senhora Darla quando
mais precisasse da filha. Sua vida se resumia a apenas isso.
Lute pelo seu bem maior, eu escolhi lutar pela minha mãe,
Alex.
As palavras de meses atrás voltaram para meus
pensamentos.
Todos tínhamos que escolher uma causa, aquela que nos faz
lutar por algo mesmo quando todas as fichas parecessem ter sido
usadas e o trilho da nossa vida ter mudado a rota.
Havia sempre uma decisão a se fazer.
As minhas decisões tinham chegado a um ponto cruel.
Viver ou desistir da realidade.
E eu escolhi viver por Margô.
— Eu sinto muito, Judy. Realmente sinto.
— O câncer de mama se espalhou rápido demais, e eu não
sei o que fazer. Não consigo encarar a verdade bem diante de mim.
— Ela respirou fundo, voltando a me encarar. — Alex? Eu fico com
ela, vou precisar da grana de qualquer forma. Mamãe não pode
mais trabalhar, tenho que tomar as rédeas da nossa família por
enquanto.
— Obrigado — meus sussurros alcançaram seus ouvidos,
fazendo com que a sua cabeça balançasse em confirmação. Puxei o
ar, deslizando meus dedos em busca do dinheiro no bolso da calça.
Havia apenas cento e cinquenta dólares, era tudo que eu tinha
naquele momento. Sabia que quando eu retornasse para casa no
fim da tarde, teria que pegar uma demanda mais alta na oficina. —
Aqui. — Entreguei as três notas de cinquenta para ela.
O que sobraria, eu teria de fazer durar pelo menos duas
semanas.
Esperava que o meu pai nunca soubesse da existência desse
dinheiro.
— Alex...
— Se não for o suficiente nós nos acertamos quando eu
voltar?
Ela riu, mordendo o lábio inferior.
— Ah, acho que será o suficiente. Não se preocupe, darei um
jeito.
Sem perceber, deixei uma leve movimentação tomar conta
dos meus sentidos, causando um meio sorriso surgir.
— Ei, isso é um sorriso? — Judy brincou, tocando meu rosto
na região.
O gesto fez com que ele desaparecesse rapidamente.
— Eu preciso ir agora, quanto mais tempo eu ficar aqui, mais
a chance de perder a bolsa vai se tornando alta — expliquei,
caminhando em direção a cama dela.
Ajoelhei próximo do corpo pequeno de Margô, ela já estava
mais calma, chupando os punhos ao mesmo tempo que balançava
as perninhas para o alto. Seus cabelos eram tão castanhos quanto
os meus, os olhos eram da mesma cor, no entanto, a garotinha tinha
algo que faltava em mim.
O desejo impressionante de viver.
Oh, e como gostava de gastar cada fôlego que se extraía de
si toda a manhã.
Ela tinha o poder de fazer todo sentimento ruim desaparecer
com apenas um sorriso seu.
Minha Margô.
Você é a minha luz na Terra.
— Posso te fazer uma pergunta?
— Deveria ter dito “posso te fazer duas perguntas?” já que a
primeira você acabou de fazer.
— Espera, o que? Pare de ser babaca — grunhiu, após
revirar os olhos.
— Faça logo sua pergunta, Judy-Gatinha.
— Que nojo, não me chame assim. — Sacudi a cabeça,
antes de tocar as bochechas de Margô com a ponta dos dedos. —
Como você vai justificar suas faltas? São quase três semanas sem
dar sinal de vida, eles podem achar que você é um mierda
irresponsable.[4]
— Ei, olha a boca, Judy. — Apontei para Margô, seus olhos
estavam sobre mim. Assistindo meus movimentos calmos sob ela,
no segundo seguinte, alguns gritinhos extasiados repercutiram pelo
cômodo.
— Ela nem entendeu o que falei, você sabe, não é? Falando
nisso, ela acabou de fazer aquilo, cara — Judy resmungou,
torcendo o nariz. Realmente, a garota estava com a fralda suja. Era
hora de trocá-la. — Vou dar um jeito nisso, é melhor você ir logo.
— Boa sorte com essa, e respondendo a sua pergunta, eu
consegui alguns atestados médicos. Se tiver sorte, eles vão
acreditar no meu resfriado de três semanas. — Ela parecia incrédula
com a revelação, mas independente disso, eu daria um jeito como
sempre dei a minha vida inteira.
— Você é louco, cara.

O St. Emery College era um dos melhores colégios de elite


da cidade.
Com os pés sobre o porcelanato percebi o motivo dele ter
sido nomeado o melhor. Qualquer pessoa que nasceu do meu lado
na cidade faria de tudo para entrar.
Eu fiz isso, e faria novamente se fosse necessário. Tudo que
tinha em mente dependia dessa merda toda e não poderia voltar
atrás nessa decisão.
Todos os anos a instituição disponibilizava bolsas de estudos,
para estudantes de colégios carentes, mas valia ressaltar que
tínhamos que ter uma média acima de todos.
St. Emery escolhia os melhores de cada turma.
Quando eu soube disso, não pensei duas vezes em ser eleito
o melhor da classe.
Ser bom com números me ajudou mais do que o necessário,
e eu sabia mentir com petição, embora isso não fosse título de
modéstia, veio a calhar para entrar no colégio.
— Senhor James, pode me acompanhar? — A coordenadora
chamou-me, indicando que me levaria até a sala onde passava o
ano inteiro. Apenas acenei, seguindo-a cuidadosamente. O plano do
atestado foi mais difícil do que pensei. Em silêncio permaneci,
enquanto ajustava minha gravata, parte uniforme que era designada
a todos os estudantes. — Aqui, essa é a sua sala. — Indicou, antes
de me empurrar uma folha entre meus dedos. — E os seus horários
— declarou, por fim.
Embora eu soubesse me virar mais do que gostaria, senti
falta de alguém para coordenar meus passos.
Tudo ainda parecia deslocado para mim. Sabia que não
pertencia a esse ciclo.
Meu mundo simplesmente não tinha cor, era sem vida. Existia
apenas um vácuo, um corpo pedindo abrigo, para alguém capaz de
me iluminar de alguma forma. E seja qual fosse a ideia do Cara lá
de cima, ele ouviu meus pensamentos, porque em seguida, um som
repercutiu entre os corredores e de repente, eu a vi entre suas
nuances.
— Ela de novo, não — A coordenadora xingou, visualizando
o corpo da garota há metros de distância. Com um suspiro exausto,
me deixou antes de revelar: — Preciso verificar isso, sr. James.
Espero que consiga se adaptar às dependências da instituição.
Meu mundo que era escasso, se tornou outro quando
mechas rosas e um par de olhos verdes claros olharam para mim,
notando que estava em perigo após ter sido pega em flagrante.
Odiosos que queimavam a pele.
Parecia ser capaz de ver minha alma suja.
Um reflexo rápido entre nós dois.
Eu não sabia seu nome.
Entretanto, imaginei que ainda poderíamos nos esbarrar por
aqueles corredores, eu finalmente o descobriria, e quando
aconteceu, ainda me perguntava por que seu olhar foi capaz de me
tirar dos trilhos, tanto que, perdi um ano do colegial por ela.
A garota tinha me deixado aos seus pés sem nunca ter
trocado uma única palavra comigo. E, por isso, uma ideia absurda
me guiou para tê-la, mesmo na distância entre nossos mundos.
Causei minha reprovação para estar na mesma turma que
Hannah Jane Peterson.
A princesa e filha do prefeito de Boston.
Ela era a garota que eu não podia ter.
04

RECUPERANDO OS SENTIDOS
Lembro quando você costumava me ligar tarde da noite
Eu te dei as minhas horas e conselhos, apenas tentando te
consertar
E todos os seus problemas com o seu pai
Mas agora nem sequer sinto mais a sua falta
Então, eu quero de volta todas as lágrimas que chorei
Fingers Crossed | Lauren Spencer-Smith

— Pronta? — Meu irmão perguntou ao estacionar seu carro


em uma das vagas disponíveis.
— Na verdade, não. Estou nervosa, Eric. — Foi tudo que
consegui dizer, à medida que meus dedos tremiam.
Não estava frio, afinal, o verão se aproximava cada vez mais.
No entanto, eu temia não conseguir fazer a entrevista para o
estágio.
Podia ver o nome da instituição entrando no meu foco de
visão.
Connelly Heaven Academy.
Uma das melhores escolas privadas de Boston.
Analisando sua arquitetura reconheci cada centímetro
quadrado dela.
Eric, Mason e eu tínhamos estudado naquela escola anos
atrás. Era algo comum entre filhos de pessoas conhecidas
socialmente, terem o privilégio de ganhar a melhor educação do
país.
Puxando o ar, dedilhei as pontas dos dedos sobre a lavagem
clara do jeans que eu usava naquela manhã. Precisava estar o mais
apresentável que poderia para a entrevista, e acima de tudo,
pontual.
Continuava sendo algo que a escola mantinha.
Pontualidade sempre.
Típico.
— Você vai mandar bem. — Desviei meus olhos da extensão
chamativa do prédio, tornando meu olhar e atenção unicamente sob
Eric uma outra vez.
— Você acha?
— Com toda certeza. — Sorriu de lado, enquanto esticava
seu braço e inclinava-se na direção dos meus fios loiros,
bagunçando-os. — Quem não aceitaria você? Porra, eles estariam
perdendo feio se não te escolhessem para o estágio.
— Uau, você é tão modesto, irmãozinho — zombei, rindo
nasalmente, esticando meu corpo e cabelos para longe dele.
— A modéstia faz parte da genética dos Peterson.
— Ah, claro. Mamãe que o diga.
Notei suas íris, azuis como um lago cristalino, rolando quando
a menção de nossa mãe se tornou palco na conversa.
— Isso é algo que não está no vocabulário de nossa mãe,
Hannah — resmungou, balançando a cabeça em negação.
— Bem, ela não se preocupa muito em esconder esse
detalhe...
— Sim, e é por isso que você deveria parar de ouvir tudo que
ela fala. A maioria não compensa o tempo perdido — declarou em
um tom neutro, quase o habitual de sempre.
— Eu não faço isso.
— Não? Então, por que ainda está com Ethan? — Paralisei,
tentando juntar todas as energias que o universo tinha para me
oferecer naquele momento.
Caramba, estava aflita com o estágio e em questão de
segundos, precisava me preocupar em fingir que meu
relacionamento não era um fracasso.
— O que você quer dizer com isso?
— Que não entendo por que ainda fica empurrando com a
barriga tudo isso. Todo mundo já percebeu.
Não era segredo para todos que minha mãe havia feito o
impossível para que Ethan e eu fossemos um casal. Ela conseguiu,
me fez enxergar que minhas próprias escolhas não valiam tanto a
pena. Eram destrutivas para mim mesma.
— Eric, por Deus.
— Não, Hannah. Você não parece ser a mesma pessoa de
antes, a cada dia que passa a verdadeira Hannah fica mais
escondida. Onde está ela?
— Ela está bem diante de você, e nunca foi embora, talvez
tenha se perdido um pouco nas suas vontades de adolencente
idiota, quando pensou que se envolver com James fosse boa ideia.
— Às vezes, eu prefiro o Alex a continuar tentando descobrir
o que Ethan faz com você — murmurou, fazendo com que todo o ar
daquele carro desaparecesse da atmosfera. Minha respiração
parecia cada vez mais agitada.
— Alex? — Eu ri, mas sentindo a merda do coração doendo.
— Não, Eric. Qualquer pessoa é melhor que Alexander. Acho
melhor você cuidar do seu relacionamento e deixar o meu em paz,
por favor. — Bufei, procurando a maçaneta da porta do carro. No
entanto, somente meu irmão poderia liberar a passagem. — Preciso
ir.
Com um suspiro cansado ele abriu, mas no segundo em que
me ergui do banco para partir, uma das suas mãos seguraram meu
braço, impedindo-me de sair.
— Você sabe que eu te amo, não é? E que eu só quero o seu
bem. É somente isso que me importa, foda-se quem é o cara. O
importante é você, Hannah. Lembre-se disso.
— Eu também te amo, mas nunca me meti na sua vida,
mesmo quando era necessário. Então, posso lidar com os meus
problemas, Eric.
Ah, meu irmão. Eu tinha tanto medo que você pudesse me
odiar um dia por minhas palavras.
Mas eu estava cansada, e tudo que eu poderia fazer era
continuar com meus passos desastrosos. Em algum momento, ele
ganharia uma rota nova, entretanto, a hora não tinha chegado para
mim.
Estava fadada a continuar com Ethan, e esperar que algum
dia ele pudesse melhorar.
— Hannah... — O som traiu meus sentidos.
— Eu realmente preciso ir. — Umedeci os lábios, procurando
algo que não me fizesse chorar na frente do meu irmão.
Eric era a pessoa mais importante da minha vida, na verdade,
ele e meu pai, estavam competindo o mesmo lugar no pódio de
pessoas que tinham meu coração. Era raro as vezes em que
chegamos a brigar por qualquer coisa. Embora, só chegasse a ser
uma bola de neve quando se tratava de Mason, o nosso irmão
caçula.
Meus dedos ainda permaneciam da superfície áspera da
maçaneta, e antes que eu pudesse fechar a porta do seu veículo
totalmente, dei um último olhar para ele. O olhar parecia um tanto
irritado ao analisar as íris azuis que ainda me assistiam.
Cada fodido movimento meu.
— Boa sorte, Hannah. Ainda quer que eu te espere?
— Obrigada, se estiver livre ainda vou querer, senão, chamo
algum carro de aplicativo. — Foi exatamente tudo que consegui
declarar, caso contrário, iria chorar diante dele.
Não tinha facilidade em chorar perante outras pessoas, mas
ultimamente minha vida estava mudando de figura. Uma mistura de
sentimentos borbulhando ao mesmo tempo.
Medo. Culpa. E, por fim, raiva de não conseguir fazer as
coisas certas.
Tudo estava bagunçado diante dos meus olhos.
— Certo, Hannah... você precisa estar calma para lidar com
as pessoas que vão te avaliar... — sussurrei para mim mesma, na
tentativa de amenizar minhas emoções à flor da pele.
Inspirei uma, duas, até que a terceira vez veio.
Repeti todo o processo até ultrapassar os portões bem diante
de mim. Havia dois homens parados, fiscalizando quaisquer
pessoas que entrassem. Era impossível saber seus nomes por não
ter um crachá nos uniformes, apenas era possível estudar as
feições de cada um para diferenciá-los.
Ambos pareciam ter a mesma altura, mas um deles tinha o
topo da cabeça careca, enquanto o outro, mantinha algumas
madeixas acobreadas com uma mistura acinzentada ocupando
grande parte. Imaginava que em breve os dois se aposentariam do
trabalho, pois pareciam estar na casa dos sessenta. Mas com muita
saúde e uma pitada de longevidade.
— Pois não? — o ruivo alto com algumas mechas grisalhas
indagou, mantendo os braços cruzados.
O tom rouco, no entanto, autoritário, repercutiu no ambiente.
Eu não sabia se daria meia-volta em direção ao carro do meu irmão
ou enfrentaria esses grandalhões sem educação.
Eu tinha dois irmãos, cacete.
O medo não podia falar mais alto.
— Boa tarde, me chamo Hannah Peterson. Vim pela
entrevista de estágio. — A serenidade era tudo que eu poderia
transmitir naquele segundo, mesmo que todo meu corpo e minha
mente estivessem trabalhando unicamente na minha ruína, eu
precisei reunir autocontrole para conseguir me manter confiante.
Observei que ambos se entreolharam.
Naquele segundo, me perguntei se realmente valeria a pena
o estágio.
Um deles moveu-se, havia sido o careca com alguns
punhados de cabelos castanhos escuros, permitindo minha entrada
da escola, no entanto, nenhum dos dois me instruiu onde poderia
ser a sala.
— A sra. Magnólia vai lhe orientar — declarou o companheiro
de segurança do ruivo, como se pudesse ouvir meus pensamentos.
Observei seu olhar castanho claro sobre mim.
— E onde está ela? — Procurei a moça pelo espaço vazio,
existindo apenas três pessoas, até o número ser redefinido com
uma voz nova soando pelo ambiente.
Vento gélido beijou meus ombros exposto quando o som
ecoou.
— Estou aqui. — Lentamente virei meu tronco, procurando-a.
Minhas sobrancelhas se erguem quando visualizei sua
imagem bem diante de mim.
Vislumbrei cada centímetro aparente, enquanto ela
caminhava em uma passarela a passos suaves e, na medida que a
distância se encurtava, sondei mais dos seus detalhes, desde os
seus cabelos ondulados, que tinham uma textura cheia, a pele clara
fazendo jus ao seu nome, tão clara quanto às flores de Magnólia,
até seus olhos escuros.
Aquela mulher definitivamente não era de Boston, o sotaque
francês a entregava.
— Você é a Hannah Madison?
Diante de mim ela parecia mais alta, talvez fosse por conta
dos saltos onde se equilibrava, com delicadeza e perfeição. Como
se tivesse passado a vida inteira treinando sobre eles, para não
cometer nenhum desastre inesperado, enquanto estivesse usando
seus scarpins escuros.
Adoraria ter seu equilíbrio algum dia.
— É Peterson. Hannah Peterson. — Um sorriso constrangido
escapou de mim.
Os lábios ficaram entreabertos, parecendo envergonhada
com o erro do meu sobrenome. Esperava que nada mudasse dali
em diante, apenas por carregar o nome da minha família. Não seria
a primeira vez.
Ser uma Peterson poderia ter seus privilégios mas, na
mesma balança, nos impossibilitava de algumas oportunidades.
— Oh, deve ter ocorrido um engano quando nos passaram
seu nome. Perdão, estávamos esperando por você. Pode me
acompanhar?
Somente assenti, seguindo-a pelos corredores enquanto
observava cada detalhe.
— Vamos precisar subir as escadas? Lembro que eram
muitas da última vez que estive aqui.
As lembranças me fizeram ficar nostálgicas, mas não tive
saudades da minha infância naquela escola, longe disso. Odiei cada
segundo que permaneci até chegar na St. Emery College.
— Para a diretoria, não. Agora há alguns elevadores que os
funcionários podem usar. Quando foi a última vez que esteve na
Connelly?
Sorri.
— Tem mais ou menos dez anos... Estudei aqui.
— Ah, agora eu entendo — Magnolia divagou, apertando os
lábios, nos direcionando para o elevador.
Um silêncio constrangedor inflamou o ambiente enquanto não
chegava ao nosso andar. Em casos de pavor, não conseguia ser
gentil com as pessoas que eu acabara de conhecer. Outrora, recebi
alguns olhares dela, queimando minha pele, as coisas pareciam ter
ficado diferente após saber meu verdadeiro sobrenome.
— Chegamos — Indicou. — Pronta?
— Para ser sincera... não.
— Oh, cherie[5]. — O sotaque foi proeminente outra vez. —
Acredito que vai se sair bem, apenas mantenha a calma. Entrevistas
podem ser assustadoras, mas tente parecer confiante.
Balancei a cabeça, vendo-a abrir a porta diante de nós duas.
Um homem sentado atrás da mesa, teclando em seu
notebook, entrou no meu campo de visão. A cabeça estava
abaixada, mas era possível ver seus trajes sociais, os cabelos
escuros e a barba castanha.
Ah, merda... Meus olhos correram para seu nome próximo ao
quadro com ele.
Sr. Hinxton.
Merda. Merda. Merda.
— Olá. — As nuances castanhas me lembraram os do seu
filho, quando Magnólia o chamou.
— Hannah? — O pai do Ethan uniu as sobrancelhas ao
mesmo tempo que tocou as duas mãos sob a mesa, se pondo em
questão de segundos em pé.
Diante de mim estava o meu sogro, fazendo o ambiente
parecer um pouco pesado.
Oscar Hinxton tinha um nome importante na sociedade, ainda
mais quando possuía alguns números bons na sua conta bancária e
várias propriedades da cidade. Tinha um grande prestígio entre as
mulheres, depois que ficou viúvo, quando Ethan tinha dez anos.
Sabia que tinha se casado, mas nunca era visto com sua
esposa. Havia rumores que ela não gostava de ser exposta. Em
algumas ocasiões, tinha sido alvo de burburinhos e, a maioria deles,
saíam dos lábios da minha mãe, nos eventos organizados por ela
mesma.
Tudo que eu sabia dela era por meio de Ethan, entretanto,
ele quase nunca mencionava a madrasta. Meu namorado não
queria que ninguém ocupasse o lugar da mãe.
E o seu contato com o pai foi se desalinhando após ganhar
um irmão mais novo.
— Vocês já se conhecem, Oscar? — A morena indagou.
— Querida, ela é a Hannah, namorada do Ethan — disse,
ajustando a postura.
— Me desculpa, eu não lembrava... — Magnólia tocou os
dedos contra o peito. — Vou deixá-los sozinhos para a entrevista. —
Gesticulou com as mãos, apertando os lábios e logo depois fechou
a porta.
— Sente-se, Hannah. — Apontou para a cadeira bem na sua
frente, em seguida também se sentou.
Concordei, caminhando para o lugar indicado.
— Eu não sabia que o senhor era diretor da Connelly — falei
primeiro, enquanto me acomodava na cadeira.
— Ethan não contou? Há mais ou menos um ano e meio que
assumi o cargo.
— Não... Ethan quase nunca fala sobre você.
Notei a respiração de Oscar mudar com a confissão.
— Ele não é mais o mesmo desde que me casei novamente.
Poderia dizer que era compreensível, mas quando se tratava
do meu namorado nem sempre ele estava certo. Porque Ethan fazia
parecer que, em todas as situações do universo, a única pessoa
merecedora de razão era somente ele.
— Pelo visto, você já conheceu a nova Sra. Hinxton.
Franzi o cenho.
— Já?
— Sim, Magnólia é minha esposa.
Foram incontáveis as vezes em que abri a boca para dizer
algo, mas era quase impossível organizar as palavras.
— Isso explica um pouco a reação dela...
— É a sua agora também. — Riu sem mostrar os dentes. —
Meu filho parece que omitiu muitas notícias dos últimos anos. É
realmente a cara dele fazer isso. Sinto muito por ter ficado perdida,
Hannah.
Nunca entendi porque Ethan e Oscar não se davam bem.
Olhar para o homem diante de mim fazia o questionamento ser mais
intenso.
Com um suspiro, assisti meu sogro desviar seu olhar de mim
e pegar alguns papéis sobre a mesa. Não precisei vê-los para
adivinhar que seria o meu currículo.
— Vamos começar?
— Sim, mas antes queria fazer um pedido — inquiri.
— Pode dizer.
— Não me dê o estágio só porque estou com seu filho. Não
acho que seria justo com as demais candidatas.
— Tudo bem, há apenas você, afinal de contas. Todavia,
serei honesto. Pronta?
Assenti.

Talvez a entrevista não tenha demorado nem um hora.


O Sr. Hinxton havia feito algumas perguntas sobre minha
experiências nas escolas em que passei. Embora eu estivesse
nervosa antes de entrar na sala, parecia que todo medo e receio se
dissipou na primeira pergunta.
Ao final da entrevista, ele me deu uma resposta.
— E então? — Eric indagou enquanto me acomodava no
banco do passageiro.
Respirei fundo, procurando seu olhar. Meu irmão me
encarava com incerteza, como se estivesse carregado de dúvida.
Afinal, tínhamos tido um desentendimento antes de entrar no
colégio.
— Eric... — Rapidamente ele identificou minha expressão
nada boa.
— Ah, merda. Você não foi bem pelo que... — Seus olhos
encolheram na medida que segurava o volante com uma das mãos.
— Na verdade, eu... CONSEGUI! — Interrompi, antes que
continuasse falando o que eu já imaginava. Já era impossível
mascarar tudo que estava sentindo. O Sr. Hinxton cumpriu com meu
pedido e ao chegar na última pergunta, decidiu que eu estava apta a
ser estagiária de uma das professoras do primário. — Vou começar
na próxima semana.
— Parabéns, maninha! — Eric abriu um largo sorriso de
ponta a ponta.
Meu irmão realmente estava feliz por mim.
— Obrigada. — Sorri em contrapartida.
E quando menos esperei seus braços me abrigaram.
Naquele momento, percebi que eu tinha outra vez o apoio
dele. Éramos outra vez Eric e Hannah, aqueles que, independente
da situação, eram o alicerce um do outro. Meu gêmeo, por mais que
fosse ranzinza quase 24 horas por dia, ainda era o meu irmão e
sempre estaria comigo quando todos soltassem minha mão.
Eric nunca me deixou.
Namorados e casos perdidos iam e viam a todo momento,
mas aquele loiro que me apertava com seus braços de jogador e
lutador, jurou que correria para me acolher em qualquer lugar.
— Já sabe onde vamos comemorar?
Um som ecoou entre nós dois e, no segundo seguinte,
identifiquei que era a notificação de mensagem do meu celular. Me
afastei, levantando o celular até os meus olhos.
— Pelo visto, na casa dos nossos pais — declarei, olhando
para a tela. — Contei para o papai enquanto saía do prédio. Ele
disse para jantarmos lá... Lilian nos convidou.
— Topo em pedir pizza e comemorar no apartamento — Eric
resmungou fazendo-me olhar no mesmo instante para ele, notando
seus olhos fixarem na movimentação do trânsito há alguns
quilômetros de distância.
— É só um jantar.
— Nunca é só um jantar com Mason e Lilian na mesma
mesa, Han.
Minha mãe sempre gostou de dar jantares.
Era algo bem a sua cara.
— Vamos somente passar lá, então. Faz tempo que não vejo
o papai. Por favor, Eric.
Ele respirou fundo, ligando o carro.
— Ok, mas não vou ficar muito tempo lá.
— Eu. Te. Amo!
— Sua sorte é que te amo também — resmungou, olhando
para o retrovisor.
Desde que saímos de casa, quando decidimos fazer
faculdade na CBU, a notícia que eu mais recebia era um dos seus
convites nada inusitados. Todos tínhamos uma surpresa
desagradável em conjunto da sobremesa.
Que delícia era o fim da noite carregada de caos.
Nos primeiros anos, ainda era suportável e papai conseguia
segurar as rédeas da nossa mãe, mas no último jantar, não houve
escassez de produção, principalmente com o retorno do meu irmão
caçula.
Mason.
Compartilhavamos apenas alguns meses de diferença, já que
mamãe não perdeu muito tempo para dar ao meu pai mais um
herdeiro. Fechou com chave de ouro a família Peterson, mas
mesmo com três filhos, sua preferência de destruir a vida da única
filha veio a calhar quando decidiu se separar de papai por dois anos.
As lembranças daqueles anos ainda me causavam
pesadelos.
Estávamos apenas nós duas e o seu intuito de mudar
completamente minha vida.
Lilian fez o impossível ao me fazer emagrecer mais de quinze
quilos, porque na sua cabeça, uma pré-adolescente de treze anos
estar acima do peso era inadmissível.
Pobre Lilian.
Talvez se negava a entender que fez da minha vida um
inferno.
Eu estava praticamente sozinha, em uma cidade que não
conhecia ninguém, e não poderia ter contato com meu pai ou meus
irmãos. Tudo porque não queria que eu fosse infectada por mais
ninguém, na sua lavagem cerebral naquele período, apenas ela
poderia fazer aquilo.
E ela conseguiu.
Porque tudo que eu queria era sua atenção por anos.
A sua validação era tudo que eu conseguia, já que amor e
carinho não tinham o mesmo significado de uma mãe comum. Ela
sempre dizia que era sua forma de me amar. Acreditei fielmente em
cada palavra, mas quando ela decidiu voltar para Boston e
recuperar todos os seus cargos de primeira-dama e chefe de
cirurgia geral, do maior hospital da cidade, acabei sendo jogada
para escanteio.
Decidi que ser sua boneca não era mais algo que eu queria.
Desejava ser apenas a Hannah.
Minha mãe foi a primeira pessoa a quebrar meu coração, não
foi um garoto como acontecia com as outras meninas ao meu redor.
Tinha sido Lilian Peterson.
Na noite que estávamos prestes a voltar para cidade, comprei
algumas tintas e pintei meu cabelo de rosa. Eu não chorei como as
pessoas costumavam fazer, quando eram magoadas. Aprendi que
chorar doeria mais.
— Chegamos ao inferno.
Meu corpo se arrepiou por inteiro quando a voz do meu irmão
preencheu o carro.
— Nem é pra tanto — censurei, abrindo a porta do carro,
enquanto Eric fazia o mesmo.
Para ele, a melhor escolha que fez foi dividir um apartamento
com seus dois melhores amigos. Somente assim não viveria sob o
teto de Lilian.
— Não posso dizer o mesmo.
Suspirei, arrastando meus passos sobre os degraus que
havia, antes de chegar na porta da mansão. Com dois toques na
campainha, uma das empregadas surgiu para nos receber. Eric
mantinha suas mãos dentro dos bolsos de sua calça, ao entrar na
casa que viveu por toda sua infância e adolescência. Na verdade,
ele tinha passado mais tempo dentro da biblioteca do que em
qualquer outro cômodo existente.
— Estão atrasados.
A voz intensa de nossa mãe ecoou às minhas costas
enquanto meus olhos corriam pela estrutura da casa.
— Como sempre, muito receptiva, mamãe. — Os olhos azuis
como os de Eric, pareciam semelhantes aos de águia quando
encontramos Lilian.
— Você sabe que eles receberam o convite em cima da hora,
Lilian — Papai alertou a esposa. — Olá, crianças. — Oliver parecia
feliz em nos ver.
Era impressionante como todas as vezes que eu o via, meu
coração parecia derreter. Poderia ser possível existir alguém igual
ao meu pai? Esperava que ele nunca fosse capaz de me deixar
outra vez. Ao ouvir sua voz, corri ao seu encontro, envolvendo meus
braços ao redor da suas costas.
Meu pai era meu abrigo.
E em todas as vezes que eu o abraçava me sentia com cinco
anos outra vez.
— É bom te ver, Jane — sussurrou e o meu coração
amoleceu.
Eram momentos como esse que eu lembrava que Lilian
odiava abraços.
Lentamente me soltei do seu aperto, no entanto, suas mãos
se mantinham nas minhas costas, percebendo que ela nunca tinha
me abraçado.
Na verdade, aconteceu uma única vez. A lembrança não
escapou da minha memória, havia sido no final da noite do baile de
formatura. Estava chovendo e desde que me entendia por gente,
não tinha visto raios e trovões como aqueles, tomando todo o céu
de Boston.
Minha mãe tinha me permitido dar um único abraço nela,
enquanto me consolava por não ter seguido seus conselhos sobre
James. E, na medida que me aninhava em seus braços, como uma
mãe protetora, prometeu que não deixaria Alexander arruinar minha
vida outra vez.
Ela cumpriu.
Entretanto, se tornava difícil ele se manter longe de mim, sem
que todos não deduzissem nossa mudança brusca depois do
colegial. Fingi que Alexander James era invisível, que sua existência
e todo amor que senti foi apenas um fruto da minha imaginação.
Parecia ser loucura, mas na época eu só queria que ele
desaparecesse da cidade.
No começo, Alex fez o mesmo. Me evitou por semanas, até
que um dia provocou minha ira quando descobriu que eu estava
com Ethan, me chamando de Jane outra vez.
Esse nome era praticamente minha kryptonita.
— O que é preciso para uma pessoa jantar aqui? — A voz
inconfundível de Mason surgiu ao mesmo tempo que sua sombra
vinha à sua frente, pelas paredes claras, descendo os degraus.
O olhar de Eric foi a primeira coisa que procurei.
— Uau, temos convidados. — Mason disse, quando
finalmente chegou no fim da escada. — Oi, Hannah-Cara-De-
Aranha. — desviou os olhos azuis na direção do nosso irmão mais
velho. — Oi, maninho.
— Mason. — O tom de voz do nosso pai era rígido e
ameaçador.
— O que há? Não posso mais comprimentar os meus irmãos
em grande estilo? — provocou, lascivamente.
— Dispenso, Mason — divaguei sem humor.
— Existe outros modos de se referir a alguém, porra! — O
loiro chiou.
— Vamos lá, Eric. Pare de ser um careta de merda.
— Oliver, controle seus filhos. Eu vou verificar em quanto
tempo o jantar vai ser servido. — Mais uma vez estávamos
presenciando um momento que era comum durante nossa infância.
Lilian não tinha paciência para nos colocar na linha e seu
meio, às vezes, era duro demais, quando achava necessário
assumir as rédeas.
Nas suas palavras: Oliver era fraco demais.
— Vamos para a mesa de jantar. — Foi tudo que nosso pai
disse em um tom neutro.
Por um breve instante, voltei a ter treze anos e tínhamos
acabado de ver Mason e Eric sendo separados de mais uma briga.
O clima era o mesmo. A tensão com todos sentados nos seus
lugares marcados nunca tinha mudado, e meu gêmeo não escondia
que queria sair daquela casa o mais rápido possível.
Com uma troca silenciosa de olhares, eu toquei em uma das
suas mãos que estava sobre a mesa.
— Me desculpa por ter feito você passar por isso.
— Não esquenta, já é algo que está premeditado a acontecer
em todas as vezes que estamos aqui. É como a porra de um ciclo.
Nunca mudamos, Hannah. — Seus olhos se inclinaram para Mason.
Um fogo se alastrou por cada nuance, causando um arrepio
assustador na minha espinha.
— Eric. — Oliver não escondia o cansaço.
— De fato, nunca podemos mudar, Eric. Esse é o espírito! —
O moreno ergueu sua taça vazia para o alto.
— Vai se ferrar, merda! — Cuspiu sua ira, apertando a borda
da mesa onde seus dedos prendiam. Minha mão ainda estava
pousada em cima da sua e a cada segundo, eu o segurava ainda
mais.
— Mas que droga, vocês não conseguem sobreviver a um
jantar? Dá para ouvir da cozinha! — As palavras de Lilian me ruíram
por dentro, enquanto ela se aproximava, os saltos repercutiram pela
sala de jantar como se quisesse ser o centro de tudo.
— Eric, não vale a pena — murmurei.
— Realmente, não vale a pena. — Levantou-se empurrando
a cadeira, ficando de pé.
— Por favor, filho, fique — nosso pai pediu, passando as
mãos contra o rosto.
Nem ele mesmo conseguia sustentar a imagem de bom em
tudo. Às vezes, eu acreditava que ele sempre tinha o poder de
resolver as coisas. Oliver Peterson sabia melhor do que ninguém
fazer isso.
Algum dia queria ter esse poder. Todavia, parecia estar longe
do meu alcance.
— Sinto muito por decepcioná-lo nessa. — Eric nos deu as
costas.
Meu primeiro instinto foi levantar logo em seguida, para ir
atrás dele.
— Estou indo também — declarei, olhando para meu pai. Ele
assentiu, entendendo que não podia segurar o filho e mudar seu
gênio duro.
Eu soube bem naquele minuto que nunca seríamos uma
família feliz. Todos os nossos encontros seriam regados de insultos,
independente de quem começasse o show de horrores. Essa era a
verdade que carregaríamos para o nosso túmulo, e somente um
integrante não tinha forças para mudar isso.
Fadados a nunca deixar as máscaras de mentiras cair, esse
era o lema da família Peterson.
Éramos a nossa própria ruína.
05

CERCADO DE MEMÓRIAS
E eu ficarei bem
Admirando de longe
Porque mesmo quando ela está perto de mim
Nós não poderíamos estar mais distantes
E ela tem gosto de bolo de aniversário, histórias e outono
Mas para ela
Eu não tenho gosto de nada
She | Dodie Clark

Sempre senti que minha vida estava em declínio.


Parecia que o mundo inteiro à minha volta evoluía, exceto eu.
Todos os dias minha vida corria em um tortuoso círculo, nada
mudava. Era a porra da minha sina. E sabia que tudo isso era
apenas um alarme sobre meu futuro.
Sabia que ele seria decadente.
Nada me fazia pensar o contrário.
A maldição que meu pai deixou naquela casa se tornou mais
real do que nunca, mesmo que eu me obrigasse a acreditar que
tudo aquilo era apenas uma maneira de se enfurnar na minha
mente, depois que ele deixasse o mundo. Entretanto, era algo que
nunca saiu da cabeça.
Sempre estaria comigo.
Dia após dia suas palavras ainda parecia uma chama viva
queimando meu coração.
— Sua vida será como a minha, garoto. — Ouvi meu genitor
sussurrar no meu ouvido, fazendo-me balançar a cabeça para
afastá-lo de mim. — Você nunca vai conseguir sair dessa casa,
Alexander. Sabe por que, porra? — Podia sentir seu cheiro de
cerveja barata, ainda conseguia vê-lo encostado no batente da porta
da oficina, enquanto estava debaixo do carro.
— Cala a boca. Cala a merda da boca. Você não é real. Você
morreu! — sussurrei, apertando os olhos.
Arrastei meu corpo sob o suporte, fazendo-me sair de baixo
do carro. Minha respiração estava acelerada quando curvei meu
corpo para frente, abraçando meus joelhos. O seu fantasma nunca
deixou aquela casa, ele continuava ali, sempre me assombrando
enquanto eu estava na oficina.
Eu nunca entrava na casa, apenas trabalhava na oficina, que
ficava bem ao lado. Talvez fosse por Alexander ter morrido em cima
do carpete da sala de estar. A imagem do seu corpo convulsionando
ainda era fresca diante dos meus olhos. Eu o vi morrer na minha
frente, ouvi seu último suspiro e quando ele foi inexistente, o último
olhar que ele deu foi sobre mim.
E mesmo que fizesse quase seis anos desde o seu
falecimento, o único lugar que eu não podia correr era daquela
oficina. Fazia chuva ou sol, eu estava ali com as mãos cheias de
chaves e cobertas de graxa.
A oficina sempre foi isso para mim no decorrer dos anos.
Sabia que quando morresse minha alma poderia vagar entre
as ferragens, pelos parafusos e chaves. Em cada espaço existente
da oficina. Era um pensamento idiota a se pensar, já que a maioria
das pessoas não querem morrer tão cedo.
Eles anseiam por viver.
No entanto, eu não queria.
Queria acabar com tudo isso pouco a pouco.
A solidão que embargava meu peito a cada pesadelo no meio
da noite me destruía. Porque no dia a dia, eu tinha alguém para
compartilhar um espaço de momento. Alguém para interagir, fazer
rir, ou consolar, mas nunca houve uma pessoa para me acolher
quando a porra do meu genitor aparecia nos sonhos.
Ou quando era ela se devastando diante dos meus olhos.
Magnólia estava sempre presente, seja nos meus
pensamentos ou nos meus pesadelos. Ela nunca foi embora de fato,
como queria que tudo tivesse acontecido, onde a sua imagem fosse
apenas um fruto da minha imaginação perversa.
Eu a odiava por isso.
Odiava por ter partido.
Não deveria, entretanto, ela acabou deixando a
responsabilidade unicamente nas minhas costas. Sem uma rede de
apoio presente na medida que Margô crescia e aprendia algo novo.
Eu sabia que em todos os instantes da vida daquela criança, ela
seria a pessoa mais extraordinária que já existiu nesse universo de
merda. Não merecia a família que ganhou, e acima de tudo, eu não
a merecia.
Meus dedos tremiam, quando a ideia de vê-la surgiu em
meus pensamentos.
Fazia um tempo que não via Margô pessoalmente, apenas
por ligações ou quando Judy me ligava para informar tudo que
acontecia com a pequena. Contudo, as ocasiões estavam sendo
mais caóticas, e tudo cooperava para que sempre algo desse
errado. Tinha perdido as contas de quantos imprevistos me
assolaram no decorrer dos meses.
Não lembrava a última vez que tinha visto ela pessoalmente.
E assim como ela, eu não via Hannah há pelo menos uma semana
desde o ocorrido no ateliê. A pequena Peterson estava se
esforçando muito para não acabar se esbarrando comigo.
Hannah mal dormia em casa, e nas vezes em que estava no
apartamento, nunca nos encontrávamos. Poderia dizer que tinha se
mudado para casa do filho da puta. Porque sua companhia tinha
sido somente dele a semana toda.
Ethan, o cara que eu adoraria passar com meu Jeep por cima
do seu corpo diversas vezes.
Oh, Jane não faça isso. Meu coração dói em imaginar as
mãos dele passando por algo que ainda me pertence.
Jane era completamente minha.
Nunca dele.
Não era hora para ser possessivo, mas meus pensamentos e
ações só tinham ligação a ela. Sempre ela. Poderia cair pedras e
canivetes do céu, mas ainda assim, odiaria cada centímetro de
Ethan.
Eram anos aguentando algo por nós dois, mantendo
distância, mas em hipótese alguma correndo para longe. Porque, às
vezes, eu tinha a sensação de ter sido programado apenas para
estar à mercê de Hannah Peterson.
Em qualquer coisa que ela precisasse, mesmo odiando-me.
Ela ainda tinha razão para transbordar mágoa do seu coração
para mim, assim como as palavras que pareciam flechas sendo
lançadas contra meu peito. Eu merecia tudo isso.
— Você fez uma grande merda, cara — sussurrei para mim
mesmo, afastando lentamente meu corpo até tocar a parte de trás
da cabeça sobre a lataria do carro que estava mexendo.
Deslizei meus dedos sob um dos bolsos da calça surrada,
aquele volume ainda que imperceptível estava ali. Por um segundo,
eu cogitei seguir o movimento, mas tudo aquilo se dissipou quando
um barulho refletiu, fazendo-me paralisar e sair da bola de tensão.
Aquele barulho não parou, apenas se misturou com uma
vibração no chão da oficina.
Eu realmente estava prestes a fazer aquilo.
Porra, eu realmente ia.
Meus olhos correram em direção ao meu celular, esticado no
chão ao meu lado.
O apelido que eu tinha dado para Nathaniel brilhou no visor:
Projeto de badboy.
Prendi a respiração, vendo seu nome piscando. Sabia que
precisava atendê-lo. Tive um total de dois segundos para pegar o
aparelho e aceitar sua ligação.
— Alô?
— Ei, cara. Você ainda está na oficina? — Indagou do outro
lado da linha.
— Estou, o que aconteceu?
— Preciso que você dê uma olhada no motor de um carro.
Estou chegando em cinco minutos. — Uni as sobrancelhas. Carro?
— Você não vai acreditar no que eu consegui! — Seu tom de voz
parecia o mesmo que Margô usava quando ganhava um presente
novo nos dias que eu ia vê-la.
Nathaniel encerrou a ligação fazendo a curiosidade se
espalhar por completo dentro de mim. E como ele havia dito, em
apenas cinco minutos, estava na frente da oficina e com o carro que
ele tinha mencionado na chamada.
Bem diante de mim estava o carro que eu não via há quase
três anos.
O seu Mustang.
— Cara, só me diz como? — Foi a primeira pergunta que saiu
dos meus lábios.
Eu sabia que era o mesmo carro, não tinha dúvidas,
principalmente depois de ter passado seis meses trabalhando nele.
Conhecia cada defeito daquele Mustang. Tudo ainda estava
gravado na minha memória. Havia um arranhão que parecia um N e
Z ao mesmo tempo, do lado de um dos faróis. Nathaniel dizia que
aquele carro estava predestinado a ser seu por conta daquela
marca.
— Comprei de volta, infelizmente, essa belezinha vai precisar
das suas mãos outra vez — declarou, dando algumas batidas no
carro. — Mas você pode fazer isso depois.
— Ah, cara, consigo fazer isso em dois segundos.
— Eu sei, mas Ana nos convocou para uma surpresa.
Franzi o cenho.
— Que surpresa?
— Hannah passou na entrevista do estágio. — Sabia que
Nathaniel viu minha expressão mudar quando o nome dela entrou
na conversa.
— É... uau, mas não sei serei bem-vindo — murmurei,
esticando as costas.
Meu tom parecia o mesmo de sempre, apenas com uma
pitada de cansaço aparente. Qualquer pessoa que passasse o dia
debaixo de carros saberia do que estava falando.
— Claro que vai, porra. Porque não seria?
— Você sabe bem. Hannah e eu no mesmo ambiente nem
sempre é bom.
— Alex?
— Fala.
— Você ainda a ama? — Engoli em seco. Por mais que meu
interior gritasse com todas as forças a resposta que queria, o
consciente preferiu permanecer calado. — Acredito que seu silêncio
fale por si só.
— É? — Arqueei uma das sobrancelhas na sua direção.
— Sim, e agora seus olhos me confirmaram. Por que não
tenta consertar as coisas?
— Porque ainda não é a hora, preciso esperar mais um
tempo e... — Mais uma vez eu estava bombardeando uma
enxurrada de desculpas furadas, aquelas que nem eu mesmo era
capaz de acreditar.
— Quanto tempo, Alex? — Abriu os braços, como se
estivesse de saco cheio das minhas desculpas. Entre meus dois
amigos, Nathaniel foi o que passou todo esse tempo tentando
descobrir o que fiz com Hannah. Talvez ele nunca fosse saber de
fato. — Já se passaram cinco anos.
— Não sei, irmão. Mas ainda não posso fazer algo, e não
tenho absolutamente nada para oferecer a ela. Sou só a porra do
mesmo mecânico de cinco anos atrás. Nada mudou. — Olhei para
mim mesmo, e quando a sujeira da graxa entrou no meu campo de
visão a realidade acertou.
Nada iria mudar.
— Ah, já chega disso! — Senti seu timbre alterado. —
Hannah gostava de você pelo que era, Alex. Ela estava ciente que
você não podia dar o luxo que estava acostumada, sabia que não
tinha um carro do ano ou um título importante, mas isso não foi um
empecilho para querer que todos soubessem da verdade entre
vocês dois. Ela queria que todos soubessem, queria que você fosse
conhecer seus pais e toda essa baboseira. Hannah só queria parar
de esconder o jogo de todo o mundo, e você vai lá e faz o que?
Quebra a porra do coração dela e age como se nada tivesse
acontecido durante cinco anos.
O encarei por quase um minuto.
Na verdade, paralisei por um tempo indeterminado.
As palavras dele me deixaram tonto em questão de
segundos.
— Palavras elaboradas não vão fazer as coisas que fiz
mudarem, Nathaniel. É mais do que simplesmente pedir desculpas a
ela. Hannah disse que nunca me perdoaria. Eu posso ouvir a voz
dela, me dizendo tudo que disse naquela noite, todos os dias. Posso
até repetir as exatas palavras dela a você, irmão. Por isso, eu sei
que no momento não vale a pena. É e sempre será uma luta falha,
principalmente agora.
— Você está adiando o inevitável, e ela continuará te
odiando, seja lá o que você fez. Mas eu te digo uma coisa, Alex, um
dia todo mundo vai acabar sabendo. Não posso te dizer exatamente
quando, mas a verdade sempre vem à tona. Eu sei disso.
Eu também sabia.
Nathaniel não imaginava, mas a verdade era que eu me
forçava a pensar todos os dias que ainda eram os mesmos de cinco
anos atrás. E ela continuava sendo a minha garota de mechas rosas
e uma câmera entre as mãos. Que ainda tínhamos momentos bons,
onde ela me abraçava como se eu fosse o seu mundo.
Não havia outra pessoa no mundo que tivesse mais certeza
do que eu mesmo.
Era o meu castigo por todo esse tempo.

Nathaniel foi o primeiro a sair do Jeep, no entanto, não trocou


mais nenhuma palavra durante todo percurso até o apartamento e
por conta do Mustang com problemas, ele tinha deixado na oficina e
pegou uma carona comigo.
Íamos para o mesmo lugar, afinal de contas.
— Não faça merda — ameaçou e eu levantei as mãos em
rendição.
— Você quem manda, cara. — A provocação veio junto com
um sorriso de canto, mas ele não durou tanto, o gesto simplesmente
sumiu quando Nathaniel virou as costas.
Diferente dele, eu não tive pressa em entrar na casa,
tampouco encarar Hannah no mesmo espaço. Tudo por ela ter sido
pauta no meu desentendimento com Nathaniel. Embora ela não
tivesse culpa, eu adoraria ignorar sua existência um pouco mais.
— Você é um covarde de merda, James — me acusei,
apoiando a cabeça contra o votante.
Estava claro que continuar me inspirando em voz alta não
mudaria o rumo da minha vida, mas ajudava a lembrar o quão filho
da puta eu era.
Um grande merdinha que deveria sumir.
— Chegou a hora. — Apertei os lábios, enquanto levantava
meu olhar para a garagem, restando somente o eco da noite. —
Que tenebroso — sussurrei, saindo do cinto de segurança e pulei do
carro.
Segui para a entrada da casa em passos lentos, quase
silenciosos. Quando entrei, percebi uma decoração improvisada dos
últimos aniversários, havendo somente o “Parabéns”. Em seguida,
três pares de olhos me cercaram. Ana, Nathaniel e Stéfany olharam
para mim por pouco tempo, em seguida, Sté disse:
— Que bom que chegou. Esconde essas caixas. — Apontou,
mostrando que elas estavam ao meu lado. Todas eram de
decorações passadas. Para minha sorte eram apenas duas e
ambas eram pequenas, conseguia levá-las de uma vez só.
— Poxa, gatinha. Eu mal entrei e tenho que fazer todo o
serviço pesado.
— Não é pra isso que servem os homens? — Sté rebateu e
Ana riu enquanto lambia o dedo sujo de chantilly.
— Você precisa ajudar em algo, Alex. — A loira divagou,
sendo envolvida pelos braços do marido tatuado.
— Já faço isso, cadê os gêmeos? — Não tinha visto eles
desde que tinha posto os pés dentro do apartamento.
— Qual dos dois? — Ana indagou, unindo as sobrancelhas.
— Ah, tanto faz. Achei que Eric e a irmã já estivessem.
Em meus pensamentos, eu seria o último a entrar na casa. E
mesmo que eu não quisesse parecer interessado no paradeiro da
Hannah, o modo de como citei ela, fez com que todos se
entreolhessem de forma curiosa.
Merda, dei mancada. E das feias.
— Hannah e Eric estão chegando, e pelo modo da
mensagem da Hannah, algo aconteceu enquanto estavam na casa
dos pais. Agora os meus gêmeos estão ali. — Inclinou o queixo
para um ponto não tão distante de mim.
Ambos pareciam entretidos enfiando os chocalhos na boca.
— Sabe, eles parecem maiores do que da última vez que os
vi — declarei, sabendo que eu fingi não ter ouvido a menção sobre a
noite de Hannah e o seu irmão.
— Você não os viu ontem? — Stéfany colocou as mãos na
cintura.
— Foi?
Ela revirou os olhos.
— Vai logo guardar essas caixas, a qualquer momento eles
podem chegar. — E foi apenas Stéfany fechar a boca que ouvimos
um carro estacionando do lado de fora.
Eram eles.
— Eu sei, não precisa falar duas vezes. — Mascarei um
sorriso nos lábios.
Girei os calcanhares, e em seguida, inclinei meu corpo para
baixo, pegando as caixas. Como predestinado, eu não estaria na
sala quando Hannah entrasse. Ficaria no andar de cima até achar
que seria necessário.
Merda, sabia que agir assim não melhoraria meus pontos
com Hannah, na verdade, eles só caiam. Era melhor assim, ainda
não tinha chegado o tempo. Em todos os casos, continuava doendo.
Doeu quando precisei dar um ponto final.
Doeu mais ainda quando a vi chorar, mas nada se comparava
aos momentos em que eu precisava fingir que ela não existia,
quando realmente queria chutar minha bunda.
Quando cheguei no topo com as caixas nas mãos, parei ao
ouvir a porta rangendo. Naquela distância eu sabia que nem Eric e
nem Hannah me veriam e naquele momento, permiti alguns
segundos de destruição gratuita para mim mesmo.
Nenhuma data comemorativa passou em branco quando se
tratava desse grupo de amigos. Éramos realmente como uma
família sem ligações sanguíneas. Faziam mais do que recebiam do
nosso verdadeiro sangue. Achei que essa era a graça, mas às
vezes, alguns pensamentos idiotas me deixavam pensar que nunca
me encaixaria entre eles.
Respirei fundo, apertando as caixas contra o peito.
Em seguida, foi a vez dela.
Assim que Jane colocou os pés dentro da porta, vi o modo
como seus dedos prenderam na bolsa pendurada no seu ombro, no
momento em que gritaram. Por um segundo, ela se assustou, mas
instantemente seus olhos ganharam outra expressão. Algumas
janelas ainda estavam abertas, talvez esse fosse o motivo do meu
corpo ter contraído de uma forma estranha, quando eu ainda a
encarava silenciosamente.
Ela sorriu.
Merda, Hannah tinha dado um sorriso de verdade. Não era daqueles
forçados que pareciam com um dos meus.
Porque uma coisa que eu sabia bem era identificar uma
mentira, claro. O maior mentiroso sabia bem como mascarar um
sorriso. Principalmente quando se tratava dela, eu conhecia todos
os traços que Hannah poderia dar a alguém. Sejam verdadeiros ou
não, mesmo que nos últimos meses quase todos foram uma farsa.
Assim como nós dois.
Entretanto, ela estava em casa. Não porque tinha chegado no
apartamento. Ela tinha encontrado a parte do seu quebra-cabeça.
Hannah se encaixava tão bem neles.
E nos segundos seguintes, vários abraços fizeram Jane
desaparecer do meu campo de visão. Eram de fato como uma
família, o verdadeiro clube. Cada um poderia ser considerado
facilmente como uma peça do quebra-cabeça. Eles se
completavam.
Isso foi o suficiente para me fazer dar as costas.
Mais uma vez eu estava fodendo com tudo. E principalmente
comigo mesmo.
06

UMA VEZ CULPADA, SEMPRE CULPADA


Eu estava lá por você
Nas suas horas mais difíceis
Eu estava lá por você
Nas suas noites mais sombrias
Mas me pergunto, onde você estava?
Quando eu estava no meu pior momento
Maps | Maroon 5

— Parabéns, nova estagiária! — Abri um sorriso quando


Nathaniel bagunçou minha franja, ao me comprimentar.
— Ainda não acredito que vocês fizeram isso. — Gesticulei
para a decoração feita pelas meninas.
Todos estavam ali, exceto ele. Não o tinha visto desde que
entrei em casa. Alexander James parecia ter virado pó ao completar
exatamente uma semana que eu não o vi.
Onde ele poderia estar certamente não era da minha conta.
— Cadê o Alex?— Nathaniel indagou, procurando-o entre
todos nós.
Certo, ele estava no apartamento.
Pressionei meus lábios um no outro para mantê-los fechados.
— Espera, ele ainda não voltou? — Stéfany franziu o cenho.
— Da onde? — Deslizei meu olhar sobre o bolo, ouvindo
cada um fazer uma pergunta diferente. Ninguém estava olhando
para mim, então passei um dos dedos sobre o chantilly e lambi a
ponta.
— Alex tinha ido deixar as caixas de decoração no andar de
cima... estranho. — Ana divagou, pensativa.
No entanto, notei a troca de olhar que Nathaniel e Eric deram
um para o outro.
— Logo ele deve estar de volta, então — O moreno com os
braços repletos de tatuagens declarou, por fim.
Respirei fundo, sentada na cadeira mais próxima do bolo.
— Agora eu tenho uma pergunta: quando vamos partir esse
bolo? Ele parece delicioso! — Todos os olhares se voltaram para
mim.
— Não acredito que você já passou o dedo, Hannah! — Sté
acusou, fazendo-me esconder as mãos sujas do pequeno crime em
dois segundos.
— Não resisti. — Encolhi os ombros, contraindo o sorriso.
Pela primeira vez em dias consegui dar mais de três sorrisos
em uma única noite. Todos eram graças ao meus amigos, aquele
dia parecia acabado com apenas uma visita à minha antiga casa.
Pensei que teria uma jantar decente, mas a última coisa que a
família Peterson poderia compartilhar era decência.
— Ok, enquanto o Alex não desce, vamos cortar o bolo. —
Stéfany indicou, enquanto caminhava até os utensílios de cozinha.
Observei ela pegar uma faca pequena, em seguida, colocou sobre
minha mãos. — Faça as honras.
— Tuuudo bem! — Mordi o lábio inferior, analisando por onde
deveria passar a lâmina.
Cuidadosamente cortei a primeira fatia e logo depois fiz o
mesmo gesto com todo o bolo. Coloquei todos separados nos pratos
plásticos e sinalizei para meus amigos se servirem. Enquanto cada
um pegava seu pedaço, um pensamento surgiu: Onde estava Alex?
Horas depois, todos estavam acomodados no sofá. Ana
estava subindo com Ellie para o quarto, ao lado de Stéfany
carregando Aaron contra o peito, eu iria em seguida, quando
terminasse de limpar a mesa.
Cada um tinha feito uma tarefa após a comemoração.
Faltavam somente a minha e Nathaniel terminar de lavar a
louça suja. O silêncio permaneceu entre nós dois por alguns
segundos, até que a voz carregada de sotaque britânico surgiu no
espaço.
— Hannah? — Nathaniel indagou, baixo. Quase
imperceptível de ouvi-lo.
— Oi.
— Você sabe porque Ana está estranha? — Virei o rosto na
sua direção, vendo-o com expressões confusas no seu olhar. —
Não sei explicar, ela parece diferente nas últimas semanas. E
sempre que pergunto acaba desviando do assunto principal.
— Eu não estou sabendo de nada — confessei, apertando os
lábios.
Tinha ficado um pouco ausente após passar quase todos os
dias na casa de Ethan, em uma tentativa de resolver as coisas, mas
acabou que não correu como eu gostaria. Parecia que eu estava
andando por cima de uma corda bamba.
— Entendi, achei que soubesse de alguma coisa.
Ultimamente estou perdendo muita coisa com o time. Isso tem me
deixado louco e preocupado.
— Vocês brigaram ou algo do tipo?
— Não, e é por isso que não entendo. Achava que tudo
estava normal, até encontrar Ana chorando duas vezes durante a
semana. E nessas duas ocasiões perguntei o motivo, mas sabe
quando você se sente no escuro e tem certeza que está perdendo
tanta coisa ao seu redor? Estou me sentindo um merda por isso.
— Nathaniel...
Olhando para o homem diante de mim, a sensação de um
déjà-vu fodido me acertou.
Estávamos novamente no colegial e ele estava me contando
sobre Ana e como a deixou em outra cidade. Na época, Nathaniel
era rude, agressivo, mas se tornava uma outra pessoa enquanto
contava sobre a garota que amava livros, uma melhor amiga que
precisava de ajuda tanto quando ela, e o medo irreversível da morte
que ela tinha, após o falecimento do seu pai.
Lawrence era nova demais quando isso aconteceu.
Tinha dez anos e, de uma hora para outra, seu mundo se
desmanchava bem diante dos seus olhos. Pobre Ana. O destino
havia sido cruel com ela.
Parecia que as rachaduras que surgiram no seu coração se
encaixavam tão bem no garoto tatuado. E em meio às rupturas de
dois adolescentes, eles se encontram um no outro.
Eu conheci um Nathaniel que talvez Eric e Alexander nunca
soubessem da existência desse seu lado.
Vi de perto como passou meses escrevendo cartas às
escondidas, entre uma aula e outra e, às vezes, até quando ficava
de banco nos treinos.
Não existia uma pessoa que fosse compatível com Nathaniel
Sullivan da mesma forma que Ana Sullivan era. Para sempre seria
ela. Poderia chegar uma calamidade tempestuosa no seu
casamento, mas de maneira alguma, seria o motivo para um fim.
— O que eu faço? — Instigou uma resposta.
— Lute pelo seu casamento, é tudo que eu posso sugerir.
Embora eu não soubesse o que era viver um casamento,
sem dúvidas, era a menos indicada para dar conselhos amorosos.
Porque eu não estava conseguindo lidar com meu próprio
relacionamento.
Nathaniel esticou o canto dos lábios, deixando um riso
nasalado se extrair.
— Farei isso. — disse. Sorri, deslizando o pano novamente
sobre a mesa. Nathaniel voltou sua atenção à louça. O silêncio
trouxe de volta uma lembrança e naquele segundo vi a oportunidade
bem diante de mim.
— Nathaniel? — chamei, incerta enquanto reunia coragem no
meu peito.
— Aqui. — Seus olhos seguiam presos na pia, meio
entretidos ao mesmo tempo em que ensaboava alguns talheres
sujos.
Pensei diversas vezes se deveria seguir com a pergunta
idota, causando um incômodo doloroso no meu peito. Eu me senti
mais instável do que nunca, percebendo que apenas uma troca de
olhar estava me deixando louca.
— O que foi aquele olhar que você e Eric trocaram quando
mencionou o James?
— Não lembro. — Desviou o olhar de volta para a pia.
— Sério? — Era possível identificar o descontentamento na
minha voz.
— Não é algo que você deva se preocupar, Hannah. É só o
Alex sendo… bem, o Alex. — Ainda que ele tenha falado da maneira
comum de sempre, percebi algo doendo dentro de mim.
Ah, foda-se.
Era quase hilário.
Alex sendo Alex, claro.
Isso nunca foi realmente bom.
Ele era como uma caixinha de surpresa, a cada dia uma nova
personalidade poderia existir em seu semblante dissimulado para o
mundo. Houve momentos em que isso entreteu meus dias, mas, na
mesma intensidade, acabei aprendendo a odiar amargamente cada
fragmento.
Nem sempre Alexander soube organizar suas máscaras.
Elas acabavam se misturando entre si, fazendo-o perder o
controle.
Não sabia como Nathaniel ou Eric nunca perceberam. Como
nunca se perguntaram porque ele fingia que nada aconteceu no
passado, simplesmente agiu sem pensar nos meus machucados.
Nunca odiei alguém tanto quanto ele.
— Entendi. Bom, eu já terminei aqui. — Puxei o ar,
silenciosamente, deixando a toalha cair sobre a mesa e saí do
cômodo.
O clima tinha mudado em poucos segundos, enquanto me
perdia nas minhas lembranças, uma aura pesada infiltrou por todo
espaço da cozinha, fazendo minha respiração ficar densa.
Porque era isso que Alex causava sem estar de fato no
ambiente.
Isso era uma ferida dolorosamente aberta, e que talvez nunca
tivesse a chance de fechar.
No momento em que parei no batente da cozinha, presa nos
meus pensamentos, vi Eric deitado no sofá. A cabeça se mantinha
apoiada em um dos braços. Seus dedos rolando sob a tela do
celular, parecia entediado até que lentamente, comecei a me mover
na sua direção.
Seu olhar se moveu sobre mim no mesmo instante.
Os flashes de mais cedo ficaram frescos na minha mente,
deixando meus ombros encolhidos. Eu precisava me acertar com
meu gêmeo, algo que não tinha feito desde que saí da escola. Eric
parecia ter me perdoado, mas era necessário resolver isso em voz
alta.
— Me desculpe por ter insistido naquele jantar. Afinal, você
estava certo. Comemorar no apartamento foi bem melhor. — Contraí
o canto dos lábios, ao tocar minha mão no seu ombro. Embora
fosse uma confissão rápida, eu precisava fazer aqui. — E me
desculpe pelo que aconteceu no carro.
— Não tem importância, Hannah. — disse, abaixando o
aparelho para longe dos seus alcance. As íris azuis me encaravam
e irradiavam calmaria, uma genuinidade que pouco via no meu
próprio irmão.
A vida não foi muito boa com os irmãos Peterson.
Não tivemos pais presentes. Não tivemos o amor condicional
merecido.
Éramos apenas nós dois contra o mundo.
— Incrível como você mente tão bem. — Soprei, curvando
uma das sobrancelhas.
Eric não era muito de intenções, isso tinha ficado unicamente
para mim na partilha das personalidades de gêmeos. Meu irmão era
duro com tudo e todos, não sabia medir seus sentimentos e, às
vezes, perdia o controle quando não tinha o domínio do seu próprio
jogo.
Eu era cuidadosa com meus atos, amava com devoção e
odiava ser ignorada. Injustiça era meu ponto fraco, e a segurança
dos meus atos era algo quase inexistente dentro de mim.
— Deve ser algo de família — retrucou, fazendo-me abrir os
lábios.
Touché, Peterson.
— Ok, isso me pegou desprevenida. — Havia incredulidade
na minha voz, após ter sido difamada pelo meu próprio irmão. —
Preciso subir. Boa noite, Eric. — Mostrei a sombra de um sorriso no
rosto.
Era tudo que eu podia compartilhar para ele naquele
momento de tensão.
— Boa noite, Hannah — sussurrou por fim, calmo e sincero.
Calmamente, avancei alguns passos até chegar na escada. A
cada degrau a imagem de Ethan seguia mais forte nos meus
pensamentos, deixando claro que ele não me perguntou sobre o
estágio. Não me pediu para dar notícias se tudo correu bem ou não.
Quando cheguei no topo da escadaria, senti meus ombros
encolhendo, e pensar nele me entristecia.
Tinha se tornado comum, quase como uma rotina diária.
Eu fiz algo que o chateou e não percebi?
Às vezes, Ethan dizia que as causas do nosso
relacionamento se desequilibrar era por minha culpa, como se eu
não desse a mínima para ele e a única coisa que me importava era
estar com meus amigos, e nisso, sempre acabava frisando James
dentre eles.
No final das contas, eu sabia que estava fazendo exatamente
isso, deixando que Ethan tivesse total poder nas suas palavras. Por
isso, ele acabava quase sempre se descontrolando, como no último
episódio dentro do carro. Tive sorte dele não ter feito algo pior,
aquilo tinha sido o de menos.
Eu causei a raiva de Ethan.
Como sempre acontecia.
Às vezes, eu chegava a ficar com algum corte, e quando
conseguia escapar era apenas leve marcas que ele deixava nos
meus pulsos depois de ter afundando seus dedos sem medo na
carne pálida. Em alguns momentos, eu precisava cobrir com
maquiagem para que ninguém pudesse ver os hematomas que
surgiam.
Não houve uma única vez que não tenha ficado em mim seus
vestígios.
Tudo que eu sentia por Ethan era medo.
Medo dele acabar me vendo respirar o mesmo ar que
Alexander e em seguida, o descontrole surgir sem aviso prévio,
tanto para mim, quanto para ele mesmo.
A cada toque uma parte de mim morria. No primeiro aperto
Ethan disse que aquilo não ia se repetir. Entretanto, houve uma
segunda, terceira e outras incontáveis vezes durante cinco anos.
Ele dizia que eu o coagia a ser agressivo comigo.
Eu. Eu. Eu.
Apenas a inútil da Hannah.
Mamãe sempre dizia que, para não acabar sozinha, eu tinha
que fazer sacrifícios, e precisava ter alguém na minha vida. Ser
somente Hannah Peterson não bastava. Eu precisava de mais.
Sempre mais.
Uma ganância sem fim destilava dos seus lábios.
Anos se passaram, e as suas palavras continuavam as
mesmas:
Case com alguém que possa te dar uma estabilidade melhor.
Ethan Hinxton sempre foi um excelente partido, Hannah.
Hannah faça isso. Não seja idiota, Hannha.
Hannah.
Hannah.
Hannah.
Simplesmente queria deixar de ter esse nome.
Mal sabia o peso que ele tinha anos atrás.
Caminhando no automático, apanhei meu celular em um dos
bolsos e desbloqueei a tela. A primeira coisa que fui verificar foram
as mensagens que mandei, antes de chegar no apartamento.

Hannah (13h45): Pode me levar para uma entrevista de


estágio?
Hannah (16h50): Não precisa mais, Ethan. Meu irmão vai me
levar.
Ethan (16h51): Ok.
Hannah (18h47): Consegui o estágio.

Ethan tinha apenas visualizado a mensagem.


Desviei meus olhos, procurando a hora. Já era tarde,
passava da meia-noite enquanto caminhava pelo corredor em busca
do meu quarto, e de repente, um ranger de madeira sendo arrastado
soou pela atmosfera, fazendo-me parar inclinando meu olhar.
Paralisei, bruscamente.
Diante de mim, a poucos centímetros de distância, estava
Alexander.
Sem a porra de uma camiseta.
Cacete, eu tinha toda visão periférica de todo seu corpo
diante de mim.
Desde os seus músculos, passando pela pele bronzeada, até
as veias cheias entre a curva do seu pescoço. E mais algum lugar
que eu forcei a não deslizar a merda do olhar. Seria demais para
minha perdição.
Vai se ferrar, Alexander James. As palavras estavam presas
na minha garganta, causando um nó insuportável na região.
Tudo tinha mais definição do que quando eu tinha dezoito
anos.
Parecia outro depois de cinco anos.
Ele já não era o cara que conheci no colegial, óbvio, nem eu
mesma era mais aquela garota. A verdadeira Hannah que ficou
aprisionada em Boston, quando me mudei para o outro lado do
mundo e deixei minha família. Todavia, James tinha uma língua
mais afiada para contar suas mentiras, um sorriso de molhar
qualquer calcinha e os olhos cada vez mais sombrios.
— Parabéns pelo estágio.
Eu não me movi. Segui estática, praticamente plantada
naquele local, na intensidade que seus olhos mantinham-se presos
nos meus. A loucura estava me cegando, deixando claro que eu
precisava reagir.
— Obrigada. — respondi, breve e seco.
— Ah, Jane. Não precisa fazer essa cara, o seu cachorrinho
não está por perto, de qualquer maneira. — zombou, encostando-se
na parede.
O comentário fez meu sangue esquentar, enquanto o sorriso
surgia no canto dos seus lábios.
— Você nunca cansa, não é?
— É uma diversão ver você ficando puta comigo, já que não
posso ter outra versão sua.
— Claro que levaria isso como uma diversão. — Bufei,
forçando meus pés a andarem para quilômetros longe dele. Era uma
droga ser preciso passar ao seu lado para chegar até meu quarto. E
tudo ficou ainda pior quando seu corpo impediu minha passagem.
— Você tem dois segundos para sair da minha frente, James.
— E o que vai fazer quando terminar a contagem?
— Não queira saber. — Cuspi o desprezar em seu rosto.
Estávamos próximos. Puta merda, próximos de uma maneira
arriscada.
— Eu amo esse seu jeito selvagem. É sexy para caralho,
Jane.
— Vá se foder, Alexander. — Empurrei minhas mãos contra
seu peito.
A raiva se acumulou ainda mais quando percebi que o
empurrão não surtiu em nada. Alex não se moveu nenhum
centímetro sequer. Cacete, a força que eu depositei em meus dedos
pareciam de formiga.
De repente, meus pulsos foram envolvidos por seu toque. A
cabeça foi inclinada para o lado, especificamente na direção dos
meus ouvidos.
Minhas mãos ainda estavam tocando-o.
Cacete.
— Está gostando de pôr as mãos novamente em mim, Jane?
— O som da sua voz fez todos os meus sentidos vibrarem. — O que
aquele merdinha faria se visse você com as mãos em mim?
Você nem sonharia no que ele faria se me visse assim.
Seria minha condenação.
— Me solta — sibilei, encarando-o fixamente.
O castanho dos seus olhos tinha toda a minha atenção,
assim como o verde dos meus permaneciam presos nele, no seu
som, na maneira como ele puxava o ar, frenético, como ele
segurava cada pulso sem me machucar de fato, como Ethan fazia
quando estava irritado.
— Você quem manda, Jane.
Assim como ordenei, ele fez. Alexander já não estava com as
mãos em mim. Havia somente nossa respiração e o som do meu
coração. Parecia desesperado por uma fuga. Como se quisesse
correr para um lugar seguro, onde não houvesse medo ou
desespero.
Apenas paz.
Era tudo que meu coração ansiava.
— Jane...
— Alexander. — Eu não precisei tocá-lo para saber que todos
seus músculos se enguiçaram de uma vez, apenas ouvindo seu
nome por inteiro.
Ele odiava ser chamado dessa maneira. Sempre soube, e era
minha forma de lutar contra o homem que estava bem diante de
mim.
Nem todos os xingamentos do mundo fariam ele ter a mesma
reação ao ser chamado por Alexander James.
— Isso é golpe baixo, Jane.
— Cada um luta com as armas que têm.
— Assim você me quebra, querida.
— Cale a boca!
— Porque ficou tão estressada? O filho da puta não quis
participar da surpresa?
— Está falando de você mesmo? — Arqueei uma
sobrancelha.
— Não. — Vi o segundo em que a mandíbula ficou tensa,
mas não durou muito para ser substituída por um sorriso cafajeste.
— Mas isso significa que sentiu minha falta, Jane? Se quer saber,
eu prestigiei o momento da escadaria.
Ele estava ali o tempo todo?
— Ah, você não fez falta em momento algum. Sabe, acho
que ninguém se importou. — Estava sendo traiçoeira além da conta,
mas naquele momento eu só queria atingi-lo.
Alex umedeceu os lábios.
— Quer saber um segredo?
— Um dos milhares que você carrega, durante anos? Não,
quero viver livre disso.
— Não, esse não. No momento, o único que preciso revelar é
o quanto você mente mal, Jane.
— O troféu de quem mente melhor é apenas seu, James.
Fique com ele apenas para você. Se quiser, continue com esse
joguinhos idiotas. Eles não me afetam.
— Não?
Cacete, sim.
— Não! — Depositei uma camada de determinação.
— Gosto de quando continua mentindo — sussurrou. — Até
mesmo quando mente mal.
— Por que não para com isso de uma vez? — Por pouco
meus ombros não desceram. Não queria que ele soubesse o quanto
eu achava tudo isso cansativo. Anos e mais anos. Nada mudava. —
Por que você não vai embora de uma vez?
— É minha sentença, Jane. Não posso ir. Preciso continuar
me torturando dia após dia.
— É torturante me ver feliz? — Instiguei.
— Não, é torturante ver você se definhando todos os dias. —
Eu estava a um passo de despejar alguns milhares de xingamentos
novos, no entanto, ele voltou a falar: — Me insultar não vai mudar
sua vida. Você ainda vai ser infeliz, e eu continuarei vendo tudo isso
de perto.
— Bem, não tem como eu ser mais infeliz do que você. Seria
pior viver na sua pele, James. Pense nisso. Estou no lucro
comparado ao que você tem hoje em dia. É como você disse, é sua
sentença, mas não estou me despedaçando.
— Mesmo?
— Com toda certeza.
— Então por que você age como se fosse um sacrifício sorrir
ao lado daquele filho da puta? Eu te conheço tão bem, Jane.
Sacudi a cabeça dando passos para trás.
— Não, você não me conhece! — interrompi o seu papinho
furado. — Na verdade, eu também não te conheço. É como se fosse
apenas uma sombra que me persegue, por tantos anos, e nunca
mostra a real face. Quando vai parar de esconder quem é de
verdade, Alexander?
— Você não iria gostar de descobrir quem eu sou.
— Não há problema quanto a isso, eu já te odeio de qualquer
maneira.
— O sentimento continua inquebrável? — Seus olhos me
examinavam atentos aos meus movimentos, no entanto, não fui
capaz de movimentar um único dedo. Somente assobiei brevemente
em um só fôlego.
— Sem sombra de dúvidas.
— É comovente. — Ele suspirou, mostrando um sorriso
maroto.
Foi meu fim. Como esse filho da mãe conseguia me deixar
louca em menos de cinco minutos? Nunca mais houve paz depois
que tudo acabou entre nós. Alexander James era mais que uma
alavanca para minha devastação. Havia mais, era o gatilho certeiro
para minha ruína.
— Comovente? — minha língua se atreveu a perguntar.
— Sim, não há outra palavra para definir isso tudo. Porque
não existe mais nada comovente do que vê-la enganando a si
mesma. Você não me odeia, Jane.
Ri sem humor. Zombei, sentindo meu peito afundando.
Desenhei, apenas mais uma mentira nos meus lábios, quando o que
eu mais queria era fugir para bem longe de todos.
— Você não enxerga? É somente uma marionete dessa
farsa.
— É irônico vê-lo dizer que estou dentro de uma mentira,
quando você mesmo inventou um mundo que nunca te pertenceu,
James. Você não é o mocinho dessa história. Eu não sou a princesa
em perigo, que quer tanto salvar, quando na verdade você mesmo a
destruiu. Como era mesmo? Ah, sim. Tudo não passou de uma
grande tolice. Foi isso que falou?
Eu não sabia o que ele queria de mim naquele momento.
Era um grande disparate continuar remoendo um passado
que já tinha sido finalizado.
Em que grande estupidez você se meteu, Hannah?
— Nunca disse que você era uma princesa em perigo, e
também não falei que era o mocinho. Longe disso. — Seu polegar
envolveu o meu queixo, em seguida deslizou o toque por toda
extensão lentamente.
Rejeitei o gesto, afastando de uma vez seus dedos para
longe, como se fosse algo contaminado que, por um acaso, fosse
capaz de sujar minha alma.
— Afaste-se de mim — cuspi, dolorosamente.
Alex piscou como se tivesse voltado para a Terra ao ouvir
meu ranger de dentes.
— Tudo bem, fique aí nesse seu mundinho colorido que você
tanto fantasia. Talvez seja melhor que a realidade de fato. — A
acidez corroeu meus sentidos e minha mente.
— Qualquer mundo é melhor onde você não existe, James.
— Foi fatal para ambos.
Meias verdades que nunca pensei que citaria para seus
ouvidos. Fui venenosa além do que esperava, talvez porque a
realidade nua e crua fosse minha melhor escolha para ser resistente
às amarradas que tanto lutei para me desvencilhar.
Eu dei um ponto final bem ali.
Seus olhos pareciam ser capazes de ler o meu coração, e por
um minuto me perguntei se ele podia identificar minha alma
despedaçada.
James foi atroz comigo anos atrás, aquilo que eu havia tido
não cobria nem a metade da minha moeda de troca para o que ele
me fez sentir.
Eu me quebrei em milhares de pedaços.
Não foi apenas uma noite, foram um compilado de noites e
encontros maus resolvidos, mentiras disfarçadas e uma devastação
na noite mais chuvosa de Boston, no baile de formatura.
Era para ser um dia memoravelmente bom, porém, acabou
se tornando o mais devastador da minha vida.
Foi quando eu me permiti chorar por um cara no colo da minha mãe.
Implorei para Eric não fazer nada com Alex, mesmo odiando-o por
cada acontecimento.
E, enquanto, seguia para meu quarto, vi que Alexander
merecia cada palavra ácida ou destruidora.
Nada mais me importava se tudo aqui doía nele.
Porque ele não se preocupou se doeria em mim antes.
07

INCOMPATÍVEIS
Eles dizem que é melhor ter amado e perdido
Do que nunca ter amado antes
Isso pode ser um monte de merda
Mas eu só preciso contar a todos vocês
Alguns erros são cometidos
Tá tudo bem, tudo ok
Moral Of The Story | Ashe

PASSADO
Eu odiava o inverno.
Era a época do ano que mais afetava Margô, principalmente
depois de ter sido diagnosticada com asma, quando ela tinha um
ano de idade. Isso me deixava nervoso e ocasionalmente, não
conseguia me concentrar nas aulas.
Engoli em seco ao passar as mãos contra o rosto. Deveria ter
comprado os remédios dela, no entanto, não estava com o dinheiro
e os seus anti-inflamatórios e a solução para nebulização eram
caros demais para nunca deixar faltar. Para piorar tudo, a demanda
na oficina estava uma merda para mim.
Alexander seguia pegando todos os trabalhos que surgiam e
no final, a grana ficaria unicamente para ele sustentar o vício em
bebidas e drogas.
Ele continuava sendo um filho da puta.
Apertei os olhos, pegando a caneta entre os dedos. Por um
segundo, achei que todos aqueles números escritos na folha
estavam se embaralhando entre si.
— É só uma equação — sussurrei, prendendo minha atenção
no caderno.
Números eram algo simples para mim. Não havia mistério
algum. Ainda mais quando eles faziam parte do meu dia-a-dia. Judy
dizia que eu era um gênio da matemática. Ela sempre implorava
para que eu fizesse suas lições da escola, na época que ainda
frequentava.
Por mais que eu me esforçasse a focar no dever, as risadas
que vinham do outro lado do refeitório me distraíam. Em questão de
segundos, uma batida do meu coração falhou quando meu olhar
encontrou a garota de cabelos rosa, mesmo depois de um ano, ela
mantinha a cor chamativa entre os fios loiros.
Hannah nunca me percebeu.
Às vezes, eu me sentia invisível.
Como se nenhuma das pessoas daquele colégio tivessem me
enxergado, pelo menos uma vez. Todas elas viviam em seu próprio
teatro, era inegável como qualquer um deles agia como se estivesse
atuando pelos corredores, porque quando o mundo ao seu redor
não é capaz de te ver, você acaba se tornando um observador.
Era isso que eu fazia todos os dias.
Observava cada corpo fingindo ser algo que não era.
Sabia cada ponto de todos eles.
Entretanto, ninguém sabia da minha existência naquele lugar.
— Ei, Hannah-Cara-de-Aranha. — Revirei os olhos quando
ouvi a voz de Mason, um dos irmãos dela se aproximando.
Havia uma bola de futebol americano debaixo dos braços,
quando ele encostou seu corpo ao lado do corpo dela. O Peterson
caçula parecia ter a mentalidade de um girino e nunca na vida seria
sucedido por méritos próprios.
Ele era o tipo de cara que sempre viveria na barra da saia da
mãe. Mason não andava sozinho, sempre tinha dois fiéis
cachorrinhos idiotas nas suas costas, para rir de algo sem graça ou
ajudar a aterrorizar algum nerd.
Tudo que eu conseguia pensar ao encarar o moreno, era que
alguém deveria exterminar essa raça.
Mas então, um sorriso surgiu nos meus lábios quando
Hannah ergueu o dedo do meio para o irmão. Isso era algo que eu
gostava na Pequena Peterson, ela sempre foi corajosa e, ao mesmo
tempo, uma das piores alunas da St. Emery.
Como alguém poderia manter essa pose por tanto tempo?
Não lembrava quanto tempo eu estava encarando-o, mas
sabia que havia sido o suficiente para o acéfalo me notar. Pela
distância, podia calcular que não estávamos tão longe. Isso foi
apenas uma brecha para ele lançar a bola na minha direção. Em um
gesto rápido, consegui apanhar a bola antes que pudesse acertar
meu rosto.
Fazer parte do time da minha antiga escola fez meus reflexos
melhorarem, assim como ter mais firmeza com as mãos. Na cabeça
do Paterson caçula, eu era um zero à esquerda e não sabia como
lançar uma bola. Todavia, acabei me surpreendendo ao ver o lance
fraco de Mason, a Wilson estava diante de mim, quase tocando no
meu tênis.
O pirralho não colocou a precisão necessária ao jogá-la.
Patético.
— Foi quase, amigão — Sorri, zombando-o enquanto
esticava uma das mãos, no entanto não foi o suficiente. Tive que
colocar o caderno ao lado do meu corpo. Ao sentir a textura, a vaga
lembrança de quase um ano sem tocar em algo parecido atrapalhou
meus pensamentos. — Na próxima, tenta colocar mais força —
declarei, encarando Mason.
— Joga a bola de volta, mendigo. — Seus olhos estavam
cerrados na minha direção.
Mendigo? Existia tantos adjetivos para me nomear, riquinho
de merda.
Enquanto me colocava de pé, apertei a Wilson com força, na
ideia de mostrar quem era a porra do mendigo para o pateta.
— Claro, é pra já! — Sorri, mantendo minha atenção nele,
mas por um breve segundo, desviei os olhos dele para a garota ao
seu lado.
Hannah. Bem ali, diante de mim.
A inseparável câmera fotográfica estava presa entre seus
dedos na altura dos seios.
Era uma das primeiras vezes que eu a via, sem estar fazendo
algo que a colocasse em problemas. ela havia ficado na detenção
por dar um soco em um estudante, que tentou passar a mão por
debaixo da sua saia. No entanto, Hannah passou horas ao lado do
assediador.
A memória me fez ter uma ideia absurda.
Minha ideia inicial era acertar a bola de volta no rosto do seu
irmão babaca.
Entretanto, fiz um ato totalmente diferente na medida que
prendia a bola entre os dedos, por um minuto olhei com destreza
para a Pequena Peterson, claro, sem que ela desvendasse o que
estava prestes a acontecer em questão de segundos.
A bola foi lançada com um intuito certeiro.
Aquela distância, que separava Mason de mim, foi o
suficiente para chegar ao meu verdadeiro objetivo: a câmera dela.
E, de repente, aconteceu.
Todos os olhares dos estudantes de St. Emery estavam sobre
mim, e por fim, o dela. A máquina fotográfica estava no chão.
Hannah encarava o objeto caído no gramado, completamente
estática. Demorou três segundos para que seus olhos voltassem
para minha direção. Eu consegui ver a ira expandindo em conjunto
da sua respiração fora do ritmo normal.
Hannah J. Peterson estava furiosa.
— Ah, porra. Pelo visto o mendigo é ruim de mira! — Risadas
provocativas foram palco do ambiente.
Eu não liguei para isso, minha intenção era somente dela e
qual seria sua reação. O lance tinha o intuito apenas de chamar sua
atenção, e o que poderia vir logo em seguida. Eu precisava daquilo;
A sua atenção.
Hannah apanhou a câmera e examinou a gravidade do seu
aparelho preferido. Pela carranca que se formou no seu semblante,
percebi a maior burrada que tinha feito na vida. A câmera quebrou.
— Você é louco? — vociferou, enquanto andava a passos
fundos, na minha direção. Notei que a câmera estava entre os
dedos.
Quando parou na minha frente, senti meu sangue virando
gelo apenas por estar respirando o mesmo ar que ela.
Hannah era mais bonita de perto e tinha um cheiro
imensuravelmente bom – a fragrância exalou entre minhas narinas,
deixando-me embriagado cada vez mais por ela. Havia alguns sinais
pelo seu rosto, algo que nunca tinha percebido. Existia duas lado a
lado na bochecha, outra no lábio inferior, um pontinho escuro que
ficava no meio do pescoço e só. O esverdeado dos seus olhos
parecia mais claro naquele momento, mas isso não impedia de
demonstrar a raiva assombrando aquele olhar.
Então, sem que eu estivesse preparado para um ato seu,
senti sua mão fechada acertando uma das minhas bochechas com
uma força absurda. Um golpe que me fez sacudir a cabeça para
voltar a raciocinar.
— Isso é pela minha câmera quebrada, cacete!
O ambiente foi tomado pela agitação dos alunos, houve uma
gritaria que chamou a atenção dos funcionários.
— Foi mal, eu... — Senti suas mãos tentando me empurrar
para trás, no entanto, foi impossível.
— Foi mal um caramba! — Outro soco foi desferido na região
atingida segundos antes.
Ela não amenizava na medida que a gritaria se elevava a um
nível fora de controle.
— É isso ai, maninha! — Mason vibrou, sorrindo com a ação
violenta da sua irmã.
Ele queria fazer o mesmo, ou talvez pior comigo. Entretanto,
duas mãos puxaram os ombros de Hannah para longe de mim.
— Caramba, Hannah! — A imagem da versão masculina de
Hannah surgiu em meio a confusão.
Aquele era Eric Peterson, irmão gêmeo de Hannah.
Éramos quase do mesmo tamanho, porém, o loiro tinha mais
músculos e um porte mil vezes mais saudável que o meu. Ah, porra.
Aquele momento seria o meu último na Terra, apenas por uma ideia
estúpida.
— Senhor e senhorita Peterson, Senhor James, para a
diretoria! Agora! — A coordenadora exclamou, causando um silêncio
na algazarra que havia se formado.

Detenção.
Desde que comecei a estudar ali, nunca havia ficado de
detenção, como a maioria dos baderneiros costumava ficar após
algum incidente. Às vezes, eram por coisas mínimas, mas no meu
caso, ganhei algumas horas extras na biblioteca por um soco. Que
eu levei.
Fazia exatamente três horas que eu estava naquela sala com
os gêmeos Peterson, e eu sabia que as aulas não tinham terminado,
pelo horário. Ouvíamos apenas o velho e insuportável tic-tac do
relógio de ponteiros.
Ao olhar para o passado, percebi que somente fui existir
quando acabei quebrando a câmera da garota de mechas rosas.
Não estava nos meus planos quebrar a câmera.
Havia feito sem pensar nas consequências que viriam logo
em seguida.
Essa definitivamente não era a maneira que eu queria que
fosse nosso começo. Poderia ser patético, mas havia sonhado com
cada detalhe.
Porque desde o momento em que a vi, percebi que essa
seria minha missão. Tê-la unicamente para mim. Entretanto, as
chances de uma trégua estavam o mais longe possível dos
pensamentos da Pequena Peterson.
Seus olhos estavam outra vez sobre a câmera fotográfica,
quebrada em uma das mesas da biblioteca, e ela provavelmente
estava a ponto de cair em um colapso, sem o sinal de vida do
aparelho. E tudo na minha cabeça girava em torno de reverter a
situação, sabendo que uma entrada formal não seria bem-vinda
após o desastre.
Os olhos me perfuraram e, por um segundo, desejei sumir
instantaneamente, sem pretensão de algum momento voltar para
essa realidade.
— Olha...
— Não quero ouvir nada que venha de você — O brilho
acinzentado das pecinhas do seu aparelho odontológico afundou
minha atenção.
Todavia, eu fiz o que ela ordenou. Porque sempre seria
assim: ela mandaria e, sem pensar duas vezes, eu obedeceria às
suas ordens, por mais loucas e insanas que fossem.
Desviei minha atenção para a mesa, ao nosso lado onde se
encontrava Eric Peterson, encarando-me com fervor nos olhos
azulados.
— Acho bom você continuar calado, cara. — Ríspido como a
irmã em seus momentos de raiva.
Ambos eram parecidos tanto na aparência quanto nas
emoções.
Que porra insana.
Levantei as mãos em rendição e o silêncio voltou a reinar por
pelo menos cinco minutos, até que um ranger da porta soou. Duas
pessoas entraram: a bibliotecária e um garoto tatuado que nunca
tinha visto na vida. Quase como um projeto de badboy ambulante,
percebi unicamente pelo cheiro de cigarro, que exalou nele desde
que entrou, e pelas tatuagens que não havia pudor algum em
escondê-las.
— Você vai escrever “não devo fumar nas dependências
do colégio. Trezentas vezes!”. Estamos entendidos, Sr. Sullivan?
— O garoto revirou os olhos cinzentos ao ouvir as palavras.
— Como quiser, senhora — cuspiu as palavras com
desprezo, enquanto ela entregava a ele papéis e canetas, que era o
suficiente para que Sullivan pudesse terminar seu castigo na
detenção. — Ótimo, estou na época da tortura.
— É, não se preocupe, cara. Daqui alguns segundos ela bate
na sua mão com uma daquelas colheres de pau — Não acreditei
que meu humor tinha se tornado ácido por um instante, as palavras
simplesmente escorreram dos meus lábios.
O moreno tatuado ergueu as sobrancelhas.
— Alguém te perguntou algo, porra? — chiou, fechando a
cara. Após o xingamento, assisti ele tirando a mochila das costas,
jogando-a sobre a mesa.
Os únicos materiais que ele tirou de lá foram o caderno e
uma caneta. Apenas isso.
— Ah, vamos com calma, projeto de badboy — falei,
erguendo as mãos em rendição.
Após o meu comentário, ouvi um riso baixo ecoando pelo
lugar. Era Hannah. O momento foi rápido, mas consegui ver o brilho
metálico do aparelho, com ligas escuras entres os dentes. Quando
notou meu olhar sobre ela, rapidamente fechou a boca.
— O silêncio estava mais confortável — Eric resmungou,
passando as mãos entre os cabelos claros.
— Sem conversas! — A senhora que nos vigiava bateu a
mão na mesa.
— Pelo visto, não vamos sair tão cedo daqui — A loira de
mechas rosas disparou, batendo a cabeça contra a mesa. — E tudo
por culpa dele. — Apontou para mim.
— Bem, o culpado aqui recebeu um soco e ainda assim, está
feliz. — A confissão me deixou surpreso, tanto quanto ela ao erguer
as sobrancelhas na minha direção.
— É um dia feliz? Sério isso?
— Hannah, quanto menos interagir, melhor — seu irmão
aconselhou.
— Sim, hoje definitivamente foi um dia feliz, Jane — ignorei
Eric, focando meus olhos somente no esverdeado ofuscante diante
mim.
— Como sabe meu nome? — Franziu o cenho, endurecendo
a coluna.
— O certo seria: quem não sabe seu nome?
— Que merda é essa? — O seu gêmeo loiro resmungou,
fazendo uma careta.
Apenas isso foi necessário para nossa interação acabar.
Porque, no segundo seguinte, Hannah voltou sua atenção para o
caderno à sua frente e o seu irmão fez o mesmo, enquanto eu, vez
ou outra, admirava os gestos dela.
Me senti corajoso por alguns minutos, somente por trocar
mais do que meia dúzia de palavras com ela. E esse foi
definitivamente o dia mais feliz, em anos da minha vida.
Eu sorri sem que Jane precisasse se esforçar.
Eu fui feliz por um dia.
08

PRESA AO PASSADO
Se eu falhar, vou desmoronar
Talvez tudo isso seja um teste
Porque eu sinto que sou a pior
Oh No! | MARINA

— Eu acho que não vou conseguir terminar a faculdade —


Ana murmurou, olhando fixamente para o chão.
Ela não precisou olhar na minha direção para eu saber que
estava prestes a chorar.
Foi naquele momento que a pergunta de Nathaniel ecoou na
minha mente, era esse o motivo.
Sua voz embargada lhe entregava, enquanto assistia Ellie e
Aaron dormindo no carrinho. Quem olhasse para os dois naquela
posição serena, não imaginaria o escândalo que haviam feito meia
hora atrás. A sorte era que minha primeira aula do dia tinha sido
cancelada, e eu consegui ajudá-la com eles.
— Ana... — Talvez eu não fosse a pessoa mais indicada para
aconselhar uma mãe, já que era impossível lidar com a minha, que
eu lutava para termos um convívio decente sempre que podia. —
Você sabe que sempre, independente de qualquer coisa, vai ter um
de nós para te ajudar. Em tudo que precisar.
— Nem sempre eu vou ter uma de vocês para me socorrer,
Hannah. Essa é a verdade. Eles estão crescendo e a cada dia fica
mais difícil lidar com duas crianças, na mesma fase, ao mesmo
tempo. Sabia que em algum momento chegaria a isso, e eu amo vê-
los crescer, é lindo tudo isso, Mas também existem episódios como
o que acabou de acontecer. A maternidade não é tão romântica
como o mundo costuma panfletar, na medida que é encantadora, há
instantes que eu penso em sumir.
Os gêmeos estavam entrando no nono mês de vida, uma
fase onde eles estranhavam a movimentação e rostos diferentes ao
seu redor. Eles só queriam ter Ana para si. Todavia, isso vinha
afetando os horários da minha amiga. Outrora, ela precisava sair no
meio da aula com ambos.
— Nathaniel sabe disso? — Já imaginava qual seria sua
resposta, mas queria entender porque ela ocultou seus medos do
pai do seus filhos, que também era o seu marido.
Quando ela negou, eu acabei respirando fundo, apertando as
mãos no colo.
— Ele nem sonha que isso vem acontecendo. Preferi não
contar... — Sua voz era baixa, como se estivesse contando um
segredo para mim.
— Mas por que não? — Franzi o cenho.
— Nathaniel está no auge da carreira com a equipe, Hannah.
A última coisa que ele precisa, é saber que não consigo lidar com os
nossos filhos. — Soltou uma risada amarga, sem motivação alguma
no tom de voz.
— Ele é o pai deles, Ana — inquiri, ainda surpresa. Por um
segundo, notei que minha voz exalava descaso. Foi então que parei
de falar, tentando medir minhas palavras. — O peso não pode ficar
somente no seu lado da balança. E também, não é justo com
Nathaniel.
— Eu sei, porém, se eu contar, Nathaniel não vai pensar duas
vezes em largar o time. — Algo dentro de mim apertou. — É isso
que temo, não tenho dúvidas que entre a carreira e os gêmeos, ele
escolheria nossos filhos, Hannah. Se tem uma coisa que eu tenho
mais certeza no mundo, é isso. Ele sempre nos escolheria.
Mordi a bochecha, analisando a situação.
— Você deve estar se perguntando por que tenho tanta
certeza, não é?
— Talvez...
— Ele mesmo disse com essas mesmas palavras. — Em
uma fração de segundo o meu coração amoleceu. Droga, Ana tinha
o melhor marido do mundo. — Mas não se preocupe comigo, Han.
Em breve, vamos ter férias, então, posso aguentar mais um pouco.
— sorriu, triste.
Nathaniel cada vez passava mais tempo viajando com o time.
Às vezes, quando Ana podia, ela ia junto ver seus jogos. A loira era
como um amuleto da sorte do marido, isso ficou claro para todos
quando os New England Patriots mandaram ver na última
temporada.
Eles seguiam no topo da liga.
— Se quiser, estou disponível para ajudar todos os dias
dessa semana, talvez fique mais leve o fardo.
— Assim faz parecer que eles... — Inclinou o queixo para os
filhos sonolentos. — São um peso na minha vida, Han.
— Oh, eu não quis dizer isso. — arregalei os olhos. Ana
sorriu, balançando a cabeça, ao mesmo tempo que eu cobria os
lábios com as mãos. — No entanto, acho que você deveria falar
com Nathaniel também, entende? — A loira assentiu e, em seguida,
desviou o olhar para as líderes de torcida no ensaio.
Os cabelos castanhos escuros se moviam junto com o corpo,
pareciam mais longos, a pele cada dia mais clara, e o olhar cada
vez mais severo. Samantha Dawson com as mãos na cintura
exposta, fazendo alguns passos da coreografia para o próximo jogo
do time de futebol americano.
— Ela continua a mesma, não é? — O olhar estava preso
nela.
Samantha parecia em outra jogada, não tinha mais um alvo
só, depois que foi dispensada por Nathaniel. Soube que semanas
depois do ocorrido, ela ainda era a mesma megera do campus. E
fazia qualquer cara da CBU lamber o chão que pisava, mas nenhum
deles conseguiu tê-la de fato.
Dawson sempre foi invejada por quase todas as garotas da
faculdade e, pelos corredores, não havia uma garota que não
quisesse ser Samantha Dawson.
Ela era a capitã das cheerleaders mais desejada da Crows
Blues Legs.
— É a Dawson, afinal de contas — Movimentei os ombros,
cerrando meu olhar nos passos que ela fazia e, em seguida, todas
as outras garotas faziam o mesmo. — Uma vez, Eric disse que a
viu na academia de artes marciais que ele treina. — O comentário
fez Ana unir as sobrancelhas em dúvida.
— Samantha? — Ana perguntou, confusa, como se não
estivéssemos falando da mesma garota diante de nós.
— Exatamente, mas não soube o motivo. Ela estava com o
pai dela.
Desde que deixou a irmandade há alguns anos, Samantha
voltou a morar com ele. A garota já não era mais uma Raven.
Entretanto, ainda tinha espírito competitivo. Dawson sempre queria
ser a melhor em basicamente tudo, não importava como fosse. Ela
queria a liderança acima de tudo.
A única coisa que ela passou para mim foi o cargo de
presidente da irmandade.
Calouras não eram o seu forte para interações, nunca
descobri de fato o motivo para o ódio e porque nunca quis ter
amigas no período em que morou no casarão.
— Estranho. — Concordei com Ana, desviando para o relógio
no meu pulso, onde sinalizava que minha próxima aula começava
em vinte minutos, mas antes precisava passar na biblioteca para
pegar um livro.
— Acha que consegue dar conta deles agora? Posso esperar
a Sté aparecer... — Ana balançou a cabeça, interrompendo-me.
— Não, eu vou pra casa. Nathaniel vai chegar em algumas
horas de qualquer maneira — comentou, apertando os lábios,
enquanto inclinava seu corpo para acariciar a lateral da bochecha
rechonchuda da filha que ainda dormia tranquilamente.
Quem olhasse para os gêmeos naquele segundo, não
imaginava o berreiro que haviam feito.
Pareciam dois pequenos anjos. Todavia, não eram os mesmo
quando estavam acordados.
Pobre, Ana. Seus filhos tinham a personalidade do pai deles.
— Já sabe como vai para casa? — Procurei seu olhar,
fazendo-a encontrar meus olhos. Com a respiração mais tranquila,
ela assentiu, voltando para a posição anterior.
— Vou pedir um carro de aplicativo, acho que eles não irão
acordar durante a viagem. — comentou, procurando seu telefone.
Os seus movimentos seguintes foram procurar um motorista
disponível para levá-la em casa, e eu só saí do seu lado, quando ela
já estava dentro do veículo, com os bebês.
Eu esperava que tudo se resolvesse para a minha amiga,
porque era a primeira vez que eu a via chorando por não conseguir
dar conta de algo.
Inspirando fundo, senti um leve tremor, seguido do barulho de
notificação, vindo de um dos bolsos do meu moletom esportivo, que
eu usava naquela manhã. Cuidadosamente deslizei uma das mãos
para apanhar o celular, dando de cara com o nome de Ethan no
reflexo do visor.
Li as mensagens que caiam uma seguida da outra, fazendo-
me perder a respiração.
Ethan: Onde você está?
Ethan: Responda assim que ver essas mensagens.

Uni as sobrancelhas, ainda relendo as mensagens.

Hannah: Faculdade. Onde mais eu estaria a essa hora?

Ethan: Sem graça, Hannah.

Droga, eu realmente era assim?


Às vezes, algumas coisas que Ethan dizia sobre minha
personalidade doía dentro de mim, não era como se eu ligasse
muito para o que o mundo falava sobre mim, mas havia momentos
que eu pensava em como agir, como falar, como andar e o que
comer para agradar aqueles que estavam ao meu redor.
Apenas para ser aceita entre eles, ou melhor, ser amada por
eles.
Porque minha verdadeira personalidade e jeito, não cativava
fácil como eu gostaria, tinha que reinventar uma Hannah melhor.
Uma que pudesse ser adorável e apaixonante.

Hannah: Estou indo na biblioteca. Tenho aula em alguns


minutos.

Ethan: Não. Esquece essa merda, quero te levar a um lugar.


Hannah: É uma aula importante, Ethan. Não posso perdê-la :/

Ethan: Só hoje, Han. Você vai gostar. Estou esperando a


semana toda por isso.

Mordi o lábio inferior, apertando o celular entre os dedos.

Hannah: Ok, vou apenas pegar um livro didático na biblioteca


antes.

Ethan: Beleza, te espero no estacionamento.


Hannah: Em 15 minutos estarei aí.

Esse era o tempo necessário para atravessar o campus e


chegar na biblioteca.

Cacete, Ethan não fazia isso com frequência. Ele, na maioria


das vezes, não lembrava e pouco se importava com datas
comemorativas, e em encontros não me dava muita atenção. Meu
namorado era maravilhoso no começo, foi bom tê-lo quando o
mundo desabou sobre mim.
Ele me fazia feliz por um tempo.
E, quando menos esperei, começamos a brigar.
Brigas de casal sempre foram algo normal na minha vida, vi
isso no casamento dos meus pais, então, imaginava que todos os
relacionamentos ao meu redor eram movidos por
desentendimentos, em algum momento da vida conjugal.
Até que Ethan me empurrou contra a porta do meu quarto,
uma vez.
No mesmo segundo, um pedido de desculpas soou. Não.
Ethan implorou por perdão. E eu o perdoei quando ouvi dizendo que
isso nunca mais aconteceria novamente.
Meses depois, os acontecimentos vieram em uma sequência
assustadora e eu não soube dar um basta na situação. Eu não tive
forças porque sabia que tudo aquilo tinha sido causado por mim
mesma.
O que eu poderia fazer quando a causa inicial de tudo era
minha?
No final, quem começou a pedir desculpas diversas vezes foi
eu.
Meses após meses, e quando menos percebi, já estávamos
há mais de quatro anos juntos. Empurrando um relacionamento
conturbado. Talvez, eu ainda tivesse esperanças que algo pudesse
mudar, em algum momento. Ethan não seria mais esse homem que
eu tanto temia.
Sem perceber, um dos meus dedos roçou sobre a câmera
fotográfica, não lembrava que o fio estava envolta no meu pescoço.
Era quase uma parte de mim aquele aparelho que mantive por cinco
anos, e por mais que tenha sido Alex a me presentear a máquina,
eu carregava um carinho imenso por ela.
Independente de tudo.
Havia tantas memórias de anos nela.
E naquele instante, algo me fez repensar em um pequeno detalhe.
Eu não tinha fotos com Ethan gravadas nela, nenhuma com ele e
nem mesmo sozinho, como costumava tirar dos meus amigos.
E somente naquele exato segundo, que percebi que nunca
houve um momento que me interessei em fotografar momentos com
meu próprio namorado.
Parecia que com ele não existia memórias boas para
registrar.
Afinal, esse era o intuito quando ganhei minha primeira
câmera fotográfica, do meu pai. Lembrava quase todas as palavras
que ele disse no dia, e como era importante registrar momentos, até
aqueles que aconteciam sem previsão e que esses eram os
melhores para deixar guardados.
Meu pai dizia para viver intensamente, porque a vida era um
sopro, e precisávamos ter memórias, mas as mais importantes
seriam aquelas que ficariam na mente.
Ele não disse isso apenas para mim, papai havia entregado
para meus dois irmãos também, no entanto, somente eu segui com
sua ideia. Eric e Mason seguiram outras rotas, tinham outros
hobbies.
Entretanto, eu acabei me apaixonando por tudo aquilo.
Era como parte de mim e, no dia que vi a coisa que eu mais
amava sendo destruída, bem diante dos meus olhos, entrei em um
estado de choque.
Alexander tinha quebrado-a, intencionalmente. Foi naquele
momento que tive que criar memórias do zero. A longo prazo, a
experiência não havia sido prazerosa como tinha sido quando
ganhei a primeira.
Eu tinha três fotos com Mason, uma delas durante o
momento ele me chamava de Hannah-Cara-De-Aranha.
Doze fotografias com Eric, mesmo ele sendo reservado e
odiasse fotografar a si mesmo.
Mais de cinquenta com Ana e Sté.
Dez com Nathaniel.
E mais de duzentas fotos com Alex.
Juntos.
Somente ele.
Sorrindo falsamente.
Me beijando.
E mentindo.
Houve milhões de vezes que cogitei apagá-las, mas seria em
vão.
Não mudaria meu passado, as memórias continuariam
existindo e borbulhando na minha mente.
Engoli em seco, lembrando das sessenta e sete fotos com
meu pai. Em duas delas, ele estava no seu escritório, trabalhando.
Ao vê-lo entretido com seus problemas sobre a cidade, que ele
comandava dia e noite, por ser o prefeito, me deixou encantada.
Capturar o momento foi inevitável, era quase como uma obra de
arte.
Era assim que eu via o mundo com olhos que poucas
pessoas viam.
Isso me fazia lembrar que tinha apenas uma fotografia com a
minha mãe, distraída.
Mamãe odiava fotos, mesmo amando ser o centro das
atenções, mas às vezes, pensava que o problema era quem estava
fotografando-a.
E isso doía para cacete.
Nossas únicas fotos em família eram aquelas tiradas para as
primeiras colunas de jornais. Parecíamos tão felizes em pedaços de
papel, ou nos sites de fofocas e nos posts das redes sociais.
Sorrisos forçados. Corações corrompidos. Almas
despedaçadas.
Quanta ironia, éramos um exemplo para a merda da
sociedade.
Um vislumbre da maravilhosa família tradicional americana.
Suspirei, era um fardo que todo nosso sangue iria carregar
para sempre.
Na medida em que caminhava pelo campus, o sopro gélido
tocou suavemente contra meu rosto. Isso me fez erguer o olhar para
a direção das árvores, a ambientação de alguma maneira começou
a mudar de figura.
Eu vi algo.
Consegui ver harmonia no aglomerado de flores e árvores
balançando em sintonia, foi bem ali que decidi capturar o instante.
Firmei meus dedos sobre a máquina, levantando-a na altura do olho
esquerdo.
Talvez fosse um hábito que adquiri desde meus primeiros
registros fotográficos.
Sempre assim.
A câmera sempre bem perto dos olhos.
O indicador esquerdo próximo ao botão.
Cinco segundos para disparar o click.
E voilá!
Uma foto nova na minha galeria imensa de fotos aleatórias,
com valores e sentimentos diferentes. Eu via tudo e, ao mesmo
tempo, nada. Era minha realidade em uma recordação que em
algum momento iria ser descartada da humanidade.
Um minuto foi o suficiente para que eu tomasse iniciativa
para minha próxima parada: a biblioteca.

A biblioteca da CBU era gigantesca.


E eu estava atrasada com o horário que marquei com Ethan.
Bufei, esticando meu corpo para tentar alcançar o livro. Meus
dedos quase roçaram sobre a lombada, mas estava alto demais. Me
inclinei ainda mais, ficando na pontinha dos pés.
— Que droga! — resmunguei, baixinho.
Se a srta. Silvia me ouvisse xingando, me expulsaria daqui
sem pensar duas vezes.
Talvez tivesse se passado cinco minutos tentando apanhar a
porcaria do livro e se eu não estivesse realmente precisando dele,
para a aula, teria desistido no primeiro segundo.
Poxa, eu era alta, mas pelo visto não o suficiente para pegar
o livro, que estava a sete sentimentos acima de mim, na prateleira.
Quando estava perto de chamar a bibliotecária Silvia, senti algo nas
minhas costas.
Minha mão ainda estava esticada para o alto.
Não movi meu corpo porque temia quem poderia estar ali.
Um cheiro exalou.
Era preocupantemente conhecido, mas em nenhum momento
consegui ver com clareza quem era. Cacete, seus dedos ficaram
acima dos meus, entretanto, minha respiração ficou falha.
Não podia ser.
— Peguei. — Seu corpo ainda estava atrás de mim, deixando
minha coluna rígida pelo contato surpresa.
Mas que merda, Alexander James II.
Nossas respirações se misturavam entre o eco da sala. Havia
somente a Srta. Silvia na biblioteca, naquele momento.
Eu sabia que aquela merda de perfume era familiar, ainda era
inconfundível, mesmo depois de anos. Alex usava a mesma
fragrância, eu não sabia o nome, todavia continuava igual. Algo
dele.
Puta merda, pare já de pensar no passado e nesse traidor
Hannah Jane Peterson!
— Já pode se afastar — minha voz foi quase inaudível. Um
fio inexistente, todavia o medo falava mais alto na minha mente.
Estávamos próximos demais para duas pessoas que não
deveriam estar a menos de dois metros de distância. No entanto,
nenhum dos dois se moveu.
Eu estava perdida, encarando os livros diante de mim, e
Alex... cacete, eu só conseguia ouvir sua respiração agitada. Ou
seria a minha? Meu coração batia forte, desgovernado e com medo.
Precisava sair dali, Ethan estava me esperando.
— O-Obri... — Minha voz rouca agitou seus sentidos,
fazendo-o se extrair. Limpei a garganta e, em seguida, apertei os
olhos ao perceber que algo cutucou a parte de trás da minha
cabeça. — Pare, por favor.
Por favor.
Ah, merda. O que foi isso?
— Você está mesmo implorando, Jane? — sussurrou e todo
meu corpo se arrepiou.
Engoli seco, tentando raciocinar com clareza.
— Não, Alexander.
Com isso, ele se afastou.
Graças a Deus.
— Eu queria pedir desculpas, por ontem. Não deveria ter
acontecido, Jane — confessou.
— Não importa, James. Não faria diferença de qualquer
forma. — Encostei minha cabeça contra a madeira da estante. —
Você sempre vai achar uma maneira hostil de me confrontar.
— Jane… — Suspirou, chamando por aquele nome.
Caramba, quando ele iria dar um fim nisso? Quando ele
deixaria de ser uma marca do passado e simplesmente seguiria sua
vida, e me deixaria viver a minha?
— Não me chame assim, cacete! Nunca mais. — sussurrei
alto, mas meu olhar claramente mostrava o quanto estava odiando
tudo aquilo à medida que mostrava os dentes, quase rosnando.
— É mais fácil um raio cair no mesmo lugar duas vezes, do
que eu parar de chamá-la de Jane. Ainda é algo meu. — disparou,
prepotente, enquanto um sorriso balançava nos seus lábios.
Idiota.
A ira me sucumbiu.
Eu já estava de saco cheio de toda baboseira que saía da
boca dele. Alexander James não seria mais a porra do meu karma,
isso estava levando a um nível que eu não conseguia ter controle.
Só me restando ficar contra a parede.
O dia anterior foi a gota d’água.
— Não, isso significa outra coisa, James. — Apontei meu
dedo contra o seu peito. Meus olhos o perseguiram em contato com
o dele, duramente. Como se fosse impossível quebrar o contato
com o castanho sombrio do seu olhar. — Nós dois sabemos que
nunca mais vai acontecer. — Eu precisei sorrir.
Estava à frente da situação, colocando Alex no seu devido
lugar.
— Não? Como pode ter tanta certeza? — Cerrou as íris, mas
ainda permanecia me encarando, curioso.
A dúvida emanava claramente na sua voz aveludada.
— Eu teria que voltar a ser sua. — Cuspi, sentindo minha
língua queimar. Era possível ver fogo e desgosto nos globos dos
meus olhos. Estava mais claro que tudo, nenhum espelho seria
necessário para mostrar a raiva em meu olhar.
— Mas você ainda é, deveria entender isso de uma vez, e
parar de brincar de casinha com Ethan. — Paralisei, engolindo em
seco.
As últimas palavras foram o suficiente para me petrificar,
enquanto nossos rostos pareciam cada vez mais próximos, tanto
que eu podia até sentir o ar que saía da sua boca, beijando a minha
face. Tentador demais.
E o perigo começou a piscar diante dos meus olhos, mas
então, algo pior aconteceu.
Um pigarreio ecoou.
Nós dois viramos os rostos ao mesmo tempo.
Não foi um barulho vindo da bibliotecária.
Caramba. Caramba. Caramba.
Ethan estava no fim do corredor, olhando para Alexander e
eu com uma expressão neutra que só eu conhecia. Ah, não.
Eu sabia que tinha me metido em maus lençóis quando virei
meu rosto de volta para James, que tinha uma mão apoiada na
prateleira ao meu lado.
Como se estivéssemos flertando ou em um encontro às
escondidas.
— Ethan, não... — O embolado de palavras veio de repente.
Eu estava no automático, agitada como se realmente tivesse
feito algo de errado. Sabia que precisava me explicar. Apertei meus
olhos, sentindo meu coração bater rápido sem controle. Pela mãe,
meu corpo todo formava uma gelatina.
— Você estava demorando, Hannah. Achei que estivesse
com problemas. — Foi tudo que eu ouvi sair dos seus lábios. O
olhar indecifrável, os ombros gordos, e umas das mãos fechadas.
Por favor, não.
Eu já estava com medo do que ele poderia fazer.
— Jane não está com problemas — James expõe por mim.
— Cale a boca! — chiei para o homem ao meu lado. —
Ethan... não aconteceu nada que está pensando — falei
rapidamente, indo na sua direção, deixando Alex sozinho. Meus
passos eram apressados, atropelados. — Ethan. — Ele ainda não
tinha falado nada, apenas permanecia olhando para James.
— Infelizmente nada aconteceu, amigão — Alex zombou
detrás de mim.
— É? Como posso acreditar?
— Hannah é a pessoa mais leal que já conheci, mesmo que
você não a mereça. — Alex abriu um sorriso perigoso para o meu
namorado.
— Ethan, vamos embora. — Puxei sua mão, mas ele
continuou parado.
— Eu não a mereço? — Meu namorado riu, e eu não senti
humor na risada. Senti raiva e ódio, na verdade. Cacete. Cacete.
Cacete, precisava fazer algo. E já! — Eu conheço Hannah muito
bem, sei de tudo sobre ela. E também sei que você não deveria ficar
tão perto dela como estava, James.
— Ethan, vamos logo! — Toquei seu rosto, puxando-o para
mim. No segundo que seus olhos se desviaram rapidamente, vi o
que aconteceria comigo se eu interrompesse novamente seu jeito
hostil de marcar território. — Por favor.
— Jane, não precisa implorar porra nenhuma. Não fizemos
nada demais. Foi apenas uma conversa de velhos amigos — A
provocação de Alex me fez tremer ainda mais. — Se bem que… me
fez relembrar muitas coisas.
— Chega! — rosnei para James, em seguida, olhei de volta
para Ethan. Sua mandíbula estava apertada, e eu senti os ossos do
seu rosto se contraindo com firmeza sob meus dedos. — Eu juro,
não aconteceu nada. Vamos embora, por favor — sussurrei para
que apenas meu namorado pudesse ouvir.
Ethan pareceu pensar, e logo depois, suas mãos tomaram as
minhas, segurando apenas um dos meus pulsos. Eu o senti apenas
intensificando o aperto na medida que íamos saindo da biblioteca.
Eu não estava com os meus livros, e quando fui pegar minha
coisas no armário, do lado de fora, vi a pele na região do pulso
sendo tomada pela coloração arroxeada. Meu namorado tinha
depositado tanta força em apenas um gesto, que parecia ser
simples, no entanto, tomou uma proporção maior.
Por um segundo, eu quase me permiti chorar.
A caminho do carro, ele não disse nada. Somente encostou a
cabeça na janela do carro por alguns segundos. Minhas pernas
ainda tremiam, e eu cogitei fazer algo.
— Isso nunca vai acabar? — Foi naquele instante que eu vi
toda minha vida passar diante dos meus olhos.
— Ethan...
— Não é a primeira vez, nem a segunda, E TÃO POUCO A
PORRA DA TERCEIRA, HANNAH! — O estacionamento estava
vazio, então, não havia ninguém que pudesse nos ver ou ouvir
Ethan gritando por todo o pátio.
Ele já não estava mais se segurando, o homem diante de
mim parecia prestes a explodir mediante a ira se mudando no seu
ser.
Por favor, não faça nada comigo.
Implorar internamente era a única coisa que eu poderia fazer
naquele momento.
— Ethan, eu te juro que não aconteceu nada. Acredite em
mim! — Súplicas pareciam ser um grande nada comparado às
expressões sombrias dele.
Foi então que seu corpo se endireitou e sua cabeça girou na
minha direção. Em uma fração de segundo, meu corpo foi
empurrado contra a porta do carro, fazendo minhas costas se
colidirem com força. A dor se tornou real no meu olhar naquele
momento.
Um gemido se alastrou entre meus lábios.
— Por favor, me escuta — implorei.
Ele sorriu.
— Escutar o quê, querida? Que você continuava agindo
como uma vadia em todos os corredores existentes da faculdade,
com aquele filho da puta?
— Estávamos brigando! Eu estava tentando pegar o livro que
precisava e então, ele apareceu!
— É? será que se eu tivesse demorado mais dois minutos,
vocês não teriam se pegado? — ouvi seus dentes rangendo contra
meu rosto.
— Óbvio que não, isso nunca aconteceria. Eu já te falei isso.
Você é o meu namorado, não ele.
Ethan ficou em silêncio, mas ainda dava para calcular sua
respiração fora de controle. Estava acelerada para caramba. Seus
olhos pareciam vermelhos. A raiva se mantinha presente em cada
átomo do seu corpo.
Assisti-o virando-se de costas para mim.
Eu virei para o lado, notando que ainda estávamos sozinhos,
em seguida olhei para Ethan novamente. Seus dedos passeavam
pelos seus cabelos médios de forma atordoada. Quase em
desespero meu corpo uniu coragem para tocar seu ombro, mas algo
aconteceu.
Eu perdi meu ar quando um soco duro foi desferido contra o
meu abdômen.
— Fique longe, porra! — gritou, enquanto eu curvava meu
corpo para baixo, me abraçando.
Os lábios entreabertos sentindo a dor se espelhando. Minha
respiração misturada com a dor, fazia ser difícil entrar oxigênio nos
meus pulmões. Nunca tinha sentido algo parecido.
Doía para caralho.
Sentia toda a extensão ardendo cada vez mais forte.
Eu tentei falar, mas a minha voz não saía.
Tentei me mover, outrora, meu corpo não tinha forças.
Eu queria correr, gritar. Entretanto, a única coisa que
consegui fazer foi apenas chorar à medida que minhas costas
deslizavam com facilidade pela lataria do seu carro de luxo. Vi
minha vida passando novamente pelos meus olhos, os momentos
bons estavam sendo apagados.
Só restava dor.
E medo.
— Está vendo o que você faz, Hannah? — Ethan xingou,
abaixando seu rosto para encontrar o meu. — Mas que droga! —
Ele gritou, pegando na minha cintura. — Tenta respirar, amor.
Devagar... — Seus sussurros pareciam querer invalidar o que tinha
acabado de acontecer.
Meu namorado tinha me dado a porra de um soco.
— Não, me solta! — Finalmente consegui falar.
— Me desculpa, vem, vou te ajudar a entrar no carro. — Os
lábios compartilhavam uma mansidão de outro universo.
Não era mais o Ethan de segundos atrás. Era o meu Ethan,
que conheci no fim do colegial. Eu deixei que ele me conduzisse
para dentro do veículo, enquanto eu me mantinha em silêncio.
E mesmo chorando, Ethan me abraçou. Implorou por
desculpas ao mesmo tempo que ligava o carro. Enquanto dirigia
para fora do estacionamento e meus olhos seguiam virados para a
janela. Ele não parou até estarmos na casa onde eu morava e me
levar até o quarto.
Em cada passo eu podia ouvir as palavras da minha mãe,
dizendo que Ethan era o melhor partido que eu poderia ter.
Quando estávamos no carro, ouvi meu irmão gêmeo dizer o
quanto me amava, que eu era a princesinha da família.
Ouvi minhas amigas me perguntando se eu estava bem.
Ouvi Nathaniel dizendo que poderia contar sempre com ele.
E em todos esses episódios a imagem de uma pessoa ficou
na minha cabeça.
Samantha Dawson estava no seu carro quando Ethan e eu
saímos do estacionamento.
Ela viu a agressão.
Puta merda.
Eu falhei mais uma vez.
09

PEDIDOS E MEDOS
De vez em quando penso em todas as vezes que você me
ferrou
Mas me fazia acreditar que era sempre algo que eu tinha feito
Mas eu não quero viver desse jeito
Analisando cada palavra que você diz
Somebody That I Used To Know | (feat. Kimbra) Gotye

Chuva.
Era tudo que existia no céu de Boston.
Não era época de chuvas, mas o clima tinha mudado em
questão de segundos, depois que entrei no apartamento com Ethan.
O clima tinha se tornado completamente outro após o que
aconteceu naquele estacionamento.
Ninguém estava em casa ainda, além de nós dois.
Fazia anos que não me sentia assim;
Desolada.
Tinha quase uma hora que eu estava daquela maneira.
Quieta, sem querer trocar uma única palavra com o homem que
achei que nunca me machucaria.
A última vez que fiquei tanto tempo em silêncio, eu tinha treze
anos. Passei horas sem abrir a boca, tentando entender porque
tinha que ir embora da casa em que cresci com meus irmãos e
porque estava deixando meu pai.
Meus pais brigavam tanto.
Mas nunca vi papai levantar a mão para minha mãe, isso era
tão irônico porque presenciei uma vez Lilian dar um tapa na cara de
Oliver. Eles não me viram passar pelo escritório, foi algo que
somente meus olhos viram, nem Eric ou Mason sabiam daquilo.
Eu só queria descobrir o motivo das brigas de todas as
noites. Até descobrir que minha mãe estava se encontrando com
outro homem.
Não tive informações de quem seria, ou se mamãe estava
traindo meu pai porque havia uma grande diferença nas palavras de
Oliver.
“Por que você está se encontrando com esse homem
novamente, Lilian?”
E instantes depois, começaram a discutir e acabou virando
algo pior, foi naquele segundo que vi minha mãe levantar a mão
contra meu pai, por ter insinuado que ela estava o traindo.
Eu entrei em um estado de choque.
Lilian poderia ser tudo, menos uma traidora.
E na noite em que fomos embora, passei as seguintes 72h
sem dizer absolutamente nada. Só existia silêncio. Nada mais fazia
sentido. Optei por ficar entre as sombras, porque lá, eu me senti
segura com o eco. Era melhor.
— Hannah, fale comigo — Ethan sussurrou novamente me
tirando do meu conforto.
Levantei meus olhos lacrimejados para ele. Talvez não
houvesse mais vida no meu olhar.
— O que quer que eu fale? Nada é o suficiente. — Solucei
mais uma vez.
Era tudo que eu conseguia fazer enquanto abraçava meus
pés contra o meu peito, e meus joelhos serviam de apoio para
descansar meu queixo.
— Eu perdi o controle, me desculpa.
— Não sei se consigo.
Era verdade, não tinha sido a primeira agressão, mas eu
sempre acabava perdoando-o. Ethan de alguma maneira conseguiu
mudar meus pensamentos.
Silenciosamente, assisti seus passos lentos na minha
direção. Meu namorado sentou-se sobre o colchão macio, bem
próximo de mim. Uma das mãos envolveu minhas bochechas e logo
senti meu corpo se contrair pelo frio tocando meu rosto.
— Linda, eu não queria ter feito isso. Caramba, me diz se
você está me vendo naquela mesma situação? Eu fiquei puto
quando vi vocês dois juntos.
— Eu te falei que não aconteceu e que não ia acontecer
nada, Ethan!
— Olhe para mim, por favor. Eu estava feliz antes de tudo
aquilo, tinha preparado uma surpresa para você, mas não consegui
tomar as rédeas dos meus atos, quando vi aquele merdinha
praticamente te beijando. Queria te levar para um lugar maneiro e
feito o pedido da melhor forma possível.
Uni minhas sobrancelhas.
Um alerta vermelho piscou na minha cabeça imediatamente.
— Pedido? — indaguei com cautela.
— Sim. — Ethan deslizou uma das suas mãos para o bolso
da sua calça feita sob medida.
Uma caixa vermelha aveludada entrou no meu campo de
visão. Ali estava a sua surpresa. E quando o pequeno objeto foi
aberto, vi o brilho do pequeno diamante ofuscar completamente
tudo. Aquilo valeria milhões de dólares, cacete.
— Achei que estávamos no momento certo para fazer isso.
São quase cinco anos juntos, linda.
— Ethan... — balancei a cabeça, mas no mesmo segundo,
ele levantou a mão, me fazendo encolher os ombros.
— Hannah, eu não vou te bater. Eu juro, quero que as coisas
melhorem entre nós dois. Quero ser uma pessoa melhor para você.
Passei semanas para conseguir encontrar um anel que fosse
perfeito e hoje pensei que seria o dia ideal para o pedido.
— Ethan, depois de hoje... eu não sei se quero continuar com
isso.
— Eu prometo que vai ser diferente. Vamos ser felizes de
verdade. Eu quero que você se torne a verdadeira Senhora Hinxton,
quero que depois da faculdade você venha morar comigo. Melhor,
se case comigo. Quero que você carregue todos os nossos bebês.
É uma promessa que eu faço agora para você, Hannah.
Meus pensamentos corriam para todos os lados. Eu não
sabia como reagir.
— Vai mesmo ser tudo diferente?
— Com toda certeza, Han. — Ethan me encarava
atentamente, segurando a caixinha entre os dedos.
— Não sei, Ethan. Realmente não sei. — O ocorrido de
minutos atrás, no estacionamento da universidade, ainda estava
fresco na minha memória e na dor que ainda lateja no meu
abdômen.
Minha cabeça estava barulhenta demais. Não obtive
descanso desde que entrei no quarto.
Ethan é a melhor escolha que você terá.
Ethan me deu um soco.
Ethan me ama.
Ethan mudou meu jeito de pensar.
Ethan quer casar comigo.
Um compilado de emoções brigavam entre si dentro do meu
peito, em busca da melhor solução para o embate que acontecia na
minha mente. Ouvir a razão ou a emoção doente?
Nenhuma das duas parecia ser coerente.
— Como posso ter certeza que isso não vai acontecer de
novo? — murmurei, sentindo a garganta apertava. Ethan se
aproximou mais ainda, pegando em uma das minhas mãos. Parecia
carregar ternura no olhar, no instante que acariciava com o polegar
o torço da minha mão.
— Você tem minha palavra. Serei o que quiser a partir de
hoje, linda. Eu a amo tanto, não quero te perder. — Seu rosto se
aproximava cada vez mais, até estar colado no meu. Os lábios
praticamente juntos e nossas testas encostadas uma na outra. Um
beijo suave foi depositado na minha boca. — Por favor, Hannah. Só
mais essa chance. — Me beijou novamente, seus lábios foram
tocando minha bochecha, pescoço e ombros.
A cada toque ele me pedia perdão. Que seria um novo Ethan.
— Pare, Ethan — declarei, afastando seu corpo do meu.
— Me responde, você ainda quer casar comigo? Eu prometo
que tudo vai ser diferente. — repetiu, mostrando a joia novamente, e
se minha mãe tivesse do meu lado já teria empurrado a aliança
entre meu dedo sem pensar duas vezes.
Mas não estava me importando com o valor ou o quão era
valioso aquele anel. Eu poderia me dar um igual de qualquer
maneira.
A única coisa que queria era a verdade de Ethan.
— Então? — indagou novamente. Aceite logo, sua tonta,
mamãe sussurrou no meu ouvido. — Você está me deixando louco,
Han.
Fechei meus olhos por dois segundos, e quando abri,
balancei a cabeça confirmando.
Eu aceitei o pedido de casamento.
Acabei determinando minha própria sentença aceitando
aquele pedido.
Ele sorriu, tirando o anel da caixinha de veludo e colocou no
meu dedo. Eu me senti como se estivesse entrando em uma gaiola
de ouro, porque era apenas isso que a joia significava para mim
naquele momento. E mais nada.
Noiva.
Eu realmente estava noiva.
A realidade me acertou, ela tinha um brilho doloroso e um
pequeno diamante que chamaria atenção por onde eu passasse.
Qualquer pessoa faria tudo para ter algo tão valioso, mas
tudo que eu podia ver, era uma pequena jaula em volta do meu
dedo anelar. Não era confortável, me apertava, em hipótese alguma
tinha sido feito para mim.
Porque eu não me encaixava completamente no mundo de
Ethan.
— Eu te amo tanto! — soprou, beijando meus lábios
novamente.
Somente segui seus movimentos, enquanto sua língua
envolvia a minha com suavidade e uma das suas mãos descia até
minha cintura. Pela primeira vez em anos, eu senti repulsa em beijar
meu próprio namorado. Pior que isso, eu estava me sentindo suja
na medida que o beijo crescia.
Ethan estava sob mim, apoiando os cotovelos no colchão. A
boca trabalhava com agilidade dentro da minha, entretanto, sentia
suas mãos tirando minhas roupas. Virei para o lado, sabendo
claramente onde iríamos acabar com aquele beijo, sem uma única
fagulha de tesão dentro de mim. Meu olhar estava distante ao
mesmo tempo que abria a gaveta da mesinha de cabeceira do lado
da cama.
Quando peguei o que queria, empurrei o preservativo para
Ethan.
— Aqui — declarei.
— Camisinha? Mas...
— Não rola sem e você sabe, Ethan.
Ele bufou, pegando-a.
Naquele momento sentia minha alma deixando meu corpo,
enquanto deixava meu noivo entrar dentro de mim. Foi diferente,
Ethan parecia saborear cada segundo. Todavia, eu queria que ele
fosse mais rápido e terminasse logo.
Apenas isso.
Ethan continuava dizendo que seria o melhor marido que eu
poderia ter, enquanto estocava repetidas vezes. Obrigando-me a
assistir cada uma das suas confissões olhando nos seus olhos,
fazendo a dor crescer ainda mais.
Meu coração doía.
Meu peito parecia em estilhaços.
Minha alma já tinha me deixado.
Eu definitivamente me arruinei.
Pobre, Hannah. Você ainda acredita em recomeços, mesmo
quando seu mundo é um castelo de mentiras.
10

ABOMINÁVEIS
Eu tenho essa coisa de ficar mais velha, mas nunca mais
sábia
As meias-noites se tornam as minhas tardes
Quando minha depressão resolve trabalhar no turno da noite
Todas as pessoas que eu ignorei ficam paradas no meio do
cômodo
Anti-Hero | Taylor Swift

PASSADO
Não era a primeira vez que eu ficava na detenção.
No último ano, isso acontecia com mais frequência do que eu
poderia evitar. E, o melhor disso tudo, era que minha mãe vinha com
mais frequência no colégio, aos poucos, estava conseguindo o que
queria : a atenção de Lilian Peterson.
Ser uma Peterson sempre me deu passe livre para muitas
coisas na minha vida, menos para uma.
Porque quando se é uma criança, você acaba não
entendendo como funciona isso. O desenrolar era perigoso, não
tínhamos todo o controle do poder que recai em nossas mãos.
Apenas acontece e com ele, danos abomináveis.
Eu tinha seis anos quando senti o gosto de perto.
Poderia ser bom a longo prazo, mas com isso, ganhei
inimigas. Claro, não era normal crianças do jardim da infância
tramarem um corretivo para outra, mas isso acontecia, e pior, por
debaixo dos panos, e ninguém imaginava o quão traiçoeiras elas
poderiam se tornar para pregar uma peça.
Foi então que minha classe inteira começou a me ignorar
durante um ano.
Elas fingiam que eu não existia e nos trabalhos em grupo,
nunca era chamada. Hannah Peterson se tornou um nada, e isso
gerou consequências para o meu desenvolvimento, no decorrer da
minha vida, porque já era algo que acontecia antes mesmo de ir à
escola.
Mamãe me ignorava.
Era difícil conseguir sua atenção por mais de dois segundos.
Passava muito tempo em casa com as babás, que contratava
enquanto ela estava no trabalho. Nos dias que tinha folga ou férias,
Lilian não queria contato com seus filhos. Houve uma época que ela
ficou afastada do hospital e, com isso, pensei que teríamos algum
momento de mãe e filha, depois que meu pai voltou a ficar
sobrecarregado com as campanhas eleitorais.
Contudo, isso não aconteceu, pelo contrário, acabei ganhando aulas
de balé. E eu odiava balé.
Não por conta da modalidade, mas porque não me encaixava
entre as meninas, com postura que treinavam desde que eram mais
novas. A Hannah de seis anos era apenas uma garota
desengonçada, medrosa e que só queria ficar longe de todas as
outras crianças da sua idade.
Ainda carregava o medo insuportável de receber outro
castigo do silêncio pelas garotas do balé. E conforme ia crescendo,
ficava mais claro que eu precisava escolher outros meios de ter a
atenção da minha mãe.
Notei que não valia a pena ser a princesinha perfeita, a
menina de ouro dos Peterson, porque Lilian não dava a mínima.
Todavia, tudo mudava de figura quando eu ia mal na escola e
continuava sendo uma péssima bailarina.
Os meus acertos não eram o suficiente para minha própria
mãe.
Vi no meus defeitos ultrajantes que eu só teria sua atenção
daquela maneira.
Ninguém deseja implorar o amor de uma mãe ou a presença
do pai.
Queremos apenas acordar um dia e receber tudo que
deveríamos ter por direito, sem pedir, apenas tê-lo com facilidade.
Era humilhante precisar de atenção e achar que é um peso por isso.
O incômodo afligia a vida de milhões de crianças e eu sabia
que o que passava poderia estar acontecendo na casa ao lado,
como também podia existir crianças sendo amadas há duas quadras
do meu bairro.
Simples assim.
Fazia dois dias desde a detenção, e quando minha mãe
recebeu a ligação da direção, Lilian passou uma hora inteira
brigando comigo, dizendo o quão inútil continuava sendo por não
dar valor a escola cara que ela pagava.
Por causa daquela tralha que provavelmente não irá durar até
o próximo ano?
Mamãe não sabia o quanto aquela câmera era importante
para mim, eu carregava uma vida registrada. Era minha maior
paixão. Meu pai havia me dado quando era mais nova, e foi o
primeiro presente que mais gostei de receber. No entanto, só existia
os seus estilhaços.
Tudo por culpa dele: Alexander James.
O garoto que eu não sabia da existência até dois dias atrás.
Descobri que estudávamos na mesma sala, mas nunca tinha
percebido ele. Sabia que era repetente, e que deveria ter se
formado no ano passado. Era bolsista, e pelas notas
impressionantes não perdeu sua bolsa, mas um fato curioso
impregnou minha mente.
Alexander tinha notas melhores que Eric, o meu irmão,
entretanto, de alguma maneira reprovou no último ano do colegial.
E eu iria descobrir o porquê. Não sabia como daria o primeiro
passo, mas iria.
Suspirei, apertando meus passos para os fundos do colégio.
Talvez, se eu tivesse sorte conseguiria pular o muro sem que as
câmera pudessem me ver. Era apenas questão de ângulo e esperar.
Contudo, meu plano parecia ter ido escada abaixo quando ouvi o
barulho de spray.
Ah, merda.
Alguém estava ali.
Apertei os olhos, antes de olhar para os dois lados.
Não havia nenhum inspetor.
Silenciosamente, me aproximei da parede que me separava
da pessoa que estivesse ali do outro lado. E com cuidado, tentei
descobrir quem poderia ser. Ergui as sobrancelhas quando
tatuagens grosseiras entraram no meu campo de visão e logo o
reconheci.
Nathaniel Sullivan, o novato que tinha ficado na detenção
comigo, por fumar nas dependências do colégio.
— Nossa, não imaginei que você fosse tão vingativo, projeto
de badboy — declarei, chamando sua atenção.
Cacete, eu usei o mesmo apelido que aquele babaca usou.
A lata em uma das suas mãos paralisou no ar quando ele
ouviu minha voz, entretanto, no segundo que me identificou voltou a
pichar a parede.
— Vai embora, Hello Kit. Não tem nenhum mendigo para
bater hoje?
— Isso foi pesado.
— Jura, gênio? — zombou com a voz rouca.
— Demais. — Afirmei, balançando a cabeça.
— Foi uma pergunta retórica, Hello Kit.
— Ah, dane-se. Não vai ser eu que vai para a detenção
novamente por pichar. — Li outra vez o que ele tinha escrito: Vai se
foder, Sra. Olivia.
Genérico, eu diria.
A senhora Olivia o tinha mandando escrever trezentas vezes
sobre não fumar, durante a detenção.
— Você sabe que vai acabar tendo que esfregar tudo isso,
não é? — comentei, me esquivando das câmeras de movimento.
— Eu não te mandei ir embora, filha da Barbie?
— Tudo bem, estou indo. Só se liga nessas câmeras ali, te
gravando. Em alguns minutos, algum inspetor vem te buscar.
Tchauzinho, otário! — Fiz o gesto saindo devagar para não ser
pega, se alguém já tivesse visto ele, acabaria chegando a qualquer
momento, e isso significava que meu plano de matar aula não podia
mais acontecer.
Que droga, Sullivan.
Enquanto dava meia volta, ouvi a lata sendo arremessada
para algum lugar que eu não consegui identificar. Demorou dez
segundos para Nathaniel se encontrar do meu lado com as mãos na
calça social do seu uniforme. Ele não usava o blazer, apenas a
camisa branca de botões onde as mangas estavam arregaçadas até
os cotovelos e por fim, sem a gravata.
Todos podiam ver suas tatuagens.
Enquanto meu olhar passeava por elas, percebi que
nenhuma tinha um significado ou propósito. Quando eu fizesse a
minha primeira, definitivamente significaria algo.
— Assim vão pensar que eu estava com você — xinguei,
empurrando seus ombros, sendo completamente ignorada pelo
comentário.
O garoto permaneceu do meu lado.
— Como sabia que tinha câmeras ali?
— Você deveria lembrar que estou a mais tempo aqui do que
você, cara. A propósito, são três câmeras com sensores de
movimento, mas há um ponto cego — contei, caminhando.
— E o que você ia fazer lá trás, Hello Kit? — indagou, o
moreno repleto de tatuagens.
— Não é da sua conta. — Sorri, olhando finalmente para ele.
Os olhos cinzas pareciam mais escuros naquele momento e
os cabelos tinham uma tonalidade incomum dos moradores de
Boston. Aquele cara com toda certeza não era da cidade. E mesmo
que eu carregasse parte do sangue texano do meu pai, sabia
identificar quem era forasteiro ou não.
O garoto diante dos meus olhos tinha um sotaque novo.
— Você é de Londres, garoto problema?
Ele uniu as sobrancelhas.
— Como você sabe?
— Seu sotaque é meio óbvio — contei, como se todo mundo
soubesse a diferença. — Você tem muito a aprender ainda! —
divaguei, ouvindo o som que anunciava o intervalo.
Não demorou muito para que os alunos saíssem
imediatamente das suas salas, enchendo todos os cantos do
colégio. Com isso, deixei Nathaniel para trás.
A poucos centímetros dei de cara com Stacy, a namorada do
meu irmão. Ela era o tipo de garota que todos adorariam ter como
sua ao lado. Os cabelos eram claros, um olhar hipnotizante,
inteligente e uma possível médica no futuro.
Tinha tudo para ser a rainha do baile naquele ano, algo que
todas as meninas almejavam. Eu só queria um par para
compartilhar o momento. Realmente ansiava por aquilo. Dançar com
alguém a noite inteira, sorrir com ele sem ter vergonha do aparelho
e registrar o acontecimento enquanto explodia de felicidade.
— Ei, onde você estava? — ela indagou, franzindo o cenho.
— Por aí... — murmurei, passando as mãos entre os fios
loiros com as chamativas mechas rosas.
— Eric perguntou por você — Stacy comentou, mastigando
algo. Não tinha percebido que ela estava mascando um chiclete.
— Hm, estava pensando em matar aula, no entanto, não deu
certo.
Talvez eu pudesse confiar na minha cunhada para contar
meus segredos. Ela já era quase parte da família após oficializar o
namoro com meu irmão.
— Por que? Foi pega?
— Não. Havia testemunhas.
— É, pelo visto você terá que ter uma desculpa muito boa
para a próxima aula.
— Acho que você ainda não aprendeu os benefícios que se
ganha por ser rica, Stacy. Ninguém vai dar a mínima por não ter
aparecido nas primeiras aulas.
— Mas vão falar...
— Como assim? — Procurei seus olhos.
— Você e o novato. — Inclinou o queixo para algo atrás de
mim, eu não precisava virar para saber que ela se tratava de
Sullivan. — Vão pensar que vocês estavam juntos.
E com isso, eu não consegui esconder a careta no meu rosto.
Argh!
— Pela mãe, isso não.
— Pois é, você tem dez minutos para pensar em algo.
Como esperado.
Ninguém havia sentido minha falta na aula, apenas Eric fez
algumas perguntas e no fim, me deu uma bronca por quase matar
aula. Meu irmão era o mais consciente dentre os três filhos de Lilian
e Oliver Peterson, já que eu estava na minha fase rebelde e Mason
não ligava para nada, a não ser ele mesmo.
Uma família e tanto.
— Certo, turma. Formem seus grupos da aula passada! —
Gilda, a professora de Artes declarou, fazendo-me erguer as
sobrancelhas.
A aula dela tinha acontecido no dia em que fiquei de
detenção, já que quando fui mandada para a diretoria, perdi a aula.
Ótimo.
— Senhorita e senhor Peterson, senhor James e senhor
Sullivan, como vocês não estavam presentes na aula passada, irão
fazer o trabalho juntos — Voltou a falar, enquanto folheava alguns
papéis sobre sua mesa.
Ah, droga. Obrigada, universo.
Olhei para Eric, vendo-o jogar a cabeça para trás. Isso foi o
sinal de que ele estava odiando a notícia tanto quanto eu. Já
bastava as horas que tínhamos que suportar um ao outro na
detenção, e naquele instante faríamos pelas próximas semanas.
— Isso tinha como piorar? — sussurrei, enquanto inclinava
meu rosto para o lado procurando Sullivan e James.
O Destruidor de Câmeras Alheias foi o primeiro que eu
encontrei. Ele estava no fundo da sala, sentado no canto da parede.
Um pensamento surgiu na minha mente, enquanto o encarava,
talvez fosse por isso que nunca notei na sala. Mesmo com todos os
meus problemas com a escola, sempre sentava nas primeiras
cadeiras da frente.
Já A Chaminé Ambulante se encontrava na penúltima
cadeira, também no fundo daquela classe.
— Vamos logo — resmunguei para os três.
Eu seria a única garota no meio deles. Isso chamou a
atenção dos outros alunos, enquanto Sullivan e James se
levantavam. Entretanto, minha atenção ficou somente nele.
Alexander James.
Havia algumas olheiras surgindo debaixo dos seus olhos, o
olhar exausto parecia implorar por socorro. Franzi o cenho.
O que aquele garoto estava fazendo?
Continuei observando-o e a cada passo que ele dava na
minha direção, dúvidas sobre ele sussurravam nos meus ouvidos.
Quem era ele?
Por que nunca o notei?
E por que tinha um corte, na verdade uma linha reta aberta,
em uma das suas bochechas?
A ferida naquele lugar me fez passar a aula inteira olhando
para ela. Praticamente em todas as oportunidades que eu tive, mas
nunca perguntei a ele. Foi uma curiosidade que nunca desvendei.
— Se você continuar me olhando assim, eu vou achar que
tem algo errado em mim, princesinha — sussurrou baixinho,
deixando-me desprevenida.
Eu realmente não esperava por aquilo.
— Princesinha? — Não me contive em silêncio, trazendo meu
olhar sobre ele mais uma vez.
— Não é isso que você é? A Princesa de Boston? — O
garoto parecia zombar de mim.
Foi aí que Alexander James passou a ser uma incógnita para
mim. Todavia, isso acabaria.
Eu teria respostas sobre ele.
— Se você puder não dirigir a palavra a mim, eu agradeceria
muito — jorrei a raiva que incomodava o centro da minha língua. Um
veneno hostil.
— É impossível — disse em contrapartida.
— Não, não é. Já que, passou meses à espreita, sem que
ninguém o notasse. Pode voltar para a escuridão.
— Ainda estou na escuridão — deixou escapar. — Mas de
alguma maneira, você me puxa de lá toda vez que troca alguma
palavra comigo. — Meu estômago deu um giro estranho, algo
desconhecido.
Eu parecia uma garotinha que nunca havia falado com
nenhum cara, mas estava longe de ser assim. Os dois anos fora da
cidade me fizeram fazer coisas que nunca imaginei aos treze, a
idade que fiquei com minha mãe no seu divórcio de fachada. E nada
mudou no momento em que pisei na capital de Massachusetts
novamente.
Garotas não deveriam ter que ser pressionadas a ter sua
primeira vez aos quinze anos.
— Gosto de quando você fala.
— E eu adoro quando você fica calado — chiei.
— Se não se importam, eu gostaria de fazer parte da
conversa — Eric zombou, bufando.
Droga, não sabia por quanto tempo estávamos assim.
— Não estávamos conversando nada.
— Claro, apenas flertando. — Sullivan disse, passando as
mãos entre os cabelos.
Encarei seus olhos com desdém, jogando minhas costas
contra a cadeira. Meus braços estavam cruzando quando os lábios
de Eric sussurram nos meus ouvidos.
— O que está havendo?
— Está tudo bem.
Normalmente não agia assim, não era a verdadeira Hannah
por trás da máscara de garota rebelde. Suspirei, dando uma última
olhada no garoto de cabelos castanhos escuros, seus olhos eram da
mesma tonalidade, no entanto, mais chamativos. Notei seu uniforme
surrado como se essa fosse sua única vestimenta. A gravata
vermelha estava frouxa demais no seu pescoço, percebi que ele não
dava a mínima para as normas da escola.
St. Emery College era rígida demais. Um verdadeiro colégio de elite,
onde agrupava os herdeiros de Boston. Todos com títulos
impressionantes, e qualquer pessoa daria sua vida para estudar
naquele lugar.
Contudo, os efeitos davam oportunidades para pessoas
carentes terem oportunidade de pisar no chão valioso da instituição
a partir de bolsas integrais.
— Aqui está o tema do trabalho de vocês. — Uma folha foi
despejada sobre nossa mesa, e quando meus olhos visualizaram o
título podia jurar que algo brilhou no meu olhar.
Artes Cênicas.
— Cada grupo ganhou um tema para apresentar, e vocês
terão oito semanas para trabalharem em conjunto. Escolham algo
que melhor representa o projeto em questão. Pode ser através de
uma peça de teatro, circo... o que preferirem — a professora
declarou e com isso eu soube que minha nota em artes estava
garantida.
— Peça de teatro e circo? — Nathaniel repetiu, folheando as
folhas. — Estou fora.
— Sinto muito em dizer, mas você quem escolheu Artes na
sua grade, sr. Sullivan. Então, se quer se formar terá que fazer parte
disso. Cada componente será avaliado individualmente, por isso,
caprichem! — E com isso, ela voltou à sua mesa, sentando-se.
Uau, um a zero para a senhora Gilda.
— Hoje não é seu dia, projeto de badboy — Alexander
debochou.
— Fica na sua.
— Calma, zangão. Se quiser, podemos apresentar Romeu e
Julieta. — Um sorriso surgiu nos lábios de James, enquanto ele
zombava do garoto problema. — Adoraria ser seu Romeu, como
remissão das brincadeiras.
Apertei o sorriso que queria aparecer no canto da minha
boca, sentindo o aparelho nos meus dentes roçando na carne
inferior. Sorrir com ele me deixava desconfortável, na maioria das
vezes, no começo eu achava normal, mas após alguns comentários
que Mason deixava, com o passar do tempo acabei deixando de me
sentir livre com o material.
E todas as vezes que eu sorria, acabava cobrindo a boca
com as mãos sem perceber.
Seria uma tarefa impossível me conter, enquanto
estivéssemos juntos nesse trabalho. Alexander parecia ter sempre
algum comentário sarcástico para dizer. E não fazia nem dois
minutos que a sua última jogada continuava nos meus
pensamentos. Até que, como uma lâmpada bem na minha cabeça,
vi o tema do nosso projeto.
Romeu e Julieta era perfeito.
— Sabe que a ideia não é tão ruim? — disparei, organizando
meus pensamentos.
— O quê? Os dois irão fazer um par romântico?
— Não, Eric. A peça. — Percebi que os três pareciam
confusos, na verdade, Nathaniel estava mais para entediado. —
Vamos trabalhar sobre Romeu e Julieta! Você sabe tudo sobre
Shakespeare. Eu tenho uma... — Quando lembrei da ausência da
minha câmera, meus ombros murcharam. Ainda era ridículo o
quanto eu estava mexida por não ter aquela máquina.
— O que você tem? — Sullivan indagou.
— Quer dizer, eu tinha uma câmera. Podemos usar os
celulares, de qualquer forma — falei por fim.
A menção sobre o aparelho deixou Alexander tenso, um tanto
desconfortável nos minutos seguintes. Foi tudo que eu pude notar
enquanto fazíamos pesquisas a fundo sobre Artes Cênicas e
Literatura. Outrora, haviam diversas trocas de olhares enquanto eu
fazia as anotações. Às vezes, pensava que isso era coisa da minha
cabeça, até ver que realmente estava acontecendo.
Ele não tirava os olhos de mim.
Seu olhar se intensificava ainda mais quando eu cobria a
boca, tentando não mostrar o aparelho odontológico. Temia que em
algum momento ele pudesse fazer igual o meu irmão caçula, e
tornasse esse trabalho um fiasco.
Tentei esvaziar minha mente, desviando meu olhar dele e
sem pretensão, vi Nathaniel escrevendo algo. Não era referente ao
nosso trabalho. Parecia uma carta. E ela se direcionava para uma
garota, sem sombra de dúvidas. Eu não pude ver seu nome, mas vi
outra coisa.
Abelhinha.
Nathaniel Sullivan passou até o final da aula escrevendo para
ela.
E, na medida que seus dedos colocavam sua caligrafia no
papel, ele se perdia entre seus pedidos de desculpas. Havia uma
garota na vida dele? Nathaniel não demonstrava saber como tratar
uma garota, ele era ignorante, hostil e acima de tudo, condizia ser
um cara que não queria alguém consigo.
Sullivan realmente era um projeto de badboy.
11

MOVERIA CÉUS E TERRA


Eu tenho um coração e eu tenho uma alma
Acredite em mim, eu vou usar os dois
Nós fizemos um começo
Talvez seja falso, eu sei
18 | One Direction

Ethan não merecia Hannah.


Se havia uma verdade que eu poderia contar naquele
momento era essa. Eu também não a merecia, e talvez ninguém no
mundo. Ela era demais para qualquer pessoa. Entretanto, aquela
garota não imaginava isso.
E por mais que eu jogasse duro com ela quando se tratava
do namorado de merda, Hannah nunca me daria ouvidos, parecia
estar cega. Não de amor, mas de medo. Tudo nela gritava medo.
Seu olhar. Seus gestos. Suas reações.
Eu temia que minha intuição estivesse certa.
Queria que tudo que surgia na minha mente fosse fruto do
meu ódio por ele. Todavia, os sinais estavam claros.
Todos eles me faziam imaginar o pior.
Estava torcendo para que Ethan não tivesse tocado um único
dedo nela, depois do que viu na biblioteca. Porque ele seria um filho
da puta morto nas horas seguintes, se esse fosse o caso.
Eu vi minha mãe passar pelo mesmo e não consegui protegê-
la. Não consegui fazer o mesmo por Margô, mas não deixaria que
isso acontecesse com a mulher que eu amava. E mesmo que não
fosse o momento certo, eu faria o impossível para derrubar Ethan do
pedestal que ele mesmo se colocou.
Apertei os olhos, tentando focar minha atenção em tudo
menos neles. Era pior, talvez fosse somente minha cabeça zoando
comigo mesmo. Eu esperava que sim.
Porém, de repente, um trovão ecoou pela biblioteca fazendo-
me unir as sobrancelhas. Chuva? Estávamos no início de maio, na
época considerada a mais seca de Boston. Pelo visto, Hanks faria o
time inteiro treinar na chuva.
Que beleza.
Estava super afim de treinar naquele campo cheio de lama,
principalmente após os time inteiro correr de um lado para o outro. E
pior, o treinador começou a pegar mais pesado desde que ficamos
fora da última temporada, descarregando toda sua frustração em
nossas cabeças.
A temporada passada mexeu com todos nós, em especial
comigo mesmo. Depois que quebrei a merda do braço quase três
anos atrás, meu desempenho virou nada. Como se eu nunca
conseguisse superar ficar fora da final.
Quando vi que meu futuro tinha sido destruído, minha mente
voltou a me sabotar, eu virei um inútil de vez. Passei meses
mentindo para meus amigos, e para mim mesmo, que aquilo não
tinha sido nada.
Entretanto, tinha um peso imensurável, se tornando anos
remoendo uma dor que nunca passava. O futebol americano em um
dia era minha vida e, no outro, minha derrota. Entreguei tudo de
mim e no fim das contas, sobrou só o gosto amargo daquilo que em
algum momento trouxe expectativa de um futuro.
Minha vida dependia daquele jogo.
Era a primeira vez que um time com jogadores mais novos
entravam na final.
Na época, eu tinha acabado de fazer vinte e um anos.
Contudo, minha mente só pensava no jogo e por muito tempo,
aquela realidade impregnou meus pensamentos e ações. Perdi meu
foco, acabei me tornando jogador reserva. E logo depois, assim
como eu, todo o time ficou desestabilizado. Até mesmo Eric, que
sempre colocou o futebol acima de tudo, caiu naquela areia
movediça.
O semestre passado foi o pior da história da CBU.
Hanks estava disposto a mudar aquela situação. Ele nos fez
jurar que iríamos mudar, de qualquer maneira, o status que
ganhamos após todas as derrotas. O draft daquele ano era nosso.
Respirei fundo, saindo da biblioteca.
Precisava ir para o vestiário em menos de trinta minutos.
Para minha sorte, o time reserva tinha seus benefícios.
Eu não entraria em campo naquela tarde.
Sorri, vitoriosamente bem.

Hanks só podia estar louco quando decidiu me fazer entrar


naquele gramado.
Havia lama por toda parte e, principalmente em, mim.
Enquanto tentava me limpar, a presença de Eric chamou
minha atenção.
— Aquele velho careca me paga! — xinguei, tirando o
uniforme sujo em uma das portas das cabines que haviam no
vestiário. — Não era ele que não colocava o time reserva de banco
nos treinos?
— Ah, pense que isso seja um sinal.
— Sinal de que? Que Hanks odeia todos nós? — resmunguei
para o loiro ao meu lado, também sem o uniforme superior. — Olha
essa nojeira! — passei a mão sobre um dos meus braços, tirando
ainda mais resíduos de lama que eu nem sabia que haviam ali.
Mas que porra. Estava com medo de encontrar barro em
lugares piores.
— Não, cara. Talvez o treinador te coloque na linha de frente
outra vez — contou, compartilhando um olhar solidário comigo.
Eric era definitivamente meu melhor amigo, assim como
Nathaniel. Ele sabia o quanto sair do meu posto me afetou.
Somente Sullivan foi privado das minhas confissões, não queria que
ele se sentisse mal de contar como era estar em um time
profissional.
O futebol americano também era a sua vida. E qualquer um podia
ver o brilho nos seus olhos quando o esporte era mencionado em
rodas de conversas que tínhamos, nos seus finais de semanas
livres.
Eram momentos como esses que me faziam perceber que a
St. Emery me deu os melhores amigos que alguém poderia ter.
Unidos por um sonho.
E foi por esse sonho que demos o braço a torcer e viramos
de fato amigos.
Melhor que isso, nós nos tornamos irmãos.
— Você acha?
— Hanks pode ser um velho chato, mas tem estratégias
impressionantes. Por isso, ficou um pouco claro que ele quer você
de volta, como um dos jogadores principais. — Eu queria muito não
parecer impressionado com aquilo, mas de alguma forma foi
impossível esconder os resquícios de animação no meu peito.
Como uma fagulha quase apagada voltando a ficar mais firme e se
tornando uma brasa ardente.
Porra, era tarde demais.
— Ah, cara. Hanks está ficando um velho doido da cabeça.
Eric ergueu as sobrancelhas e apertou os lábios.
Fodido. Eu estava completamente fodido quando ouvi o
limpar de garganta soando pelo vestiário, fazendo todo o tumulto
carregado de testosterona, virasse um silêncio só.
— O treinador está atrás de mim, não é? — O loiro
confirmou. — Merda, cara! — cuspi, girando meus calcanhares e
dando de cara com Hanks, em carne e osso, com seus braços
cruzados.
Olhares cercavam ele, que antes era dono de poucos cabelos
grisalhos na cabeça e, naquele instante compartilhava a cabeça
careca, uma barriga avantajada e a pele negra sépia.
— O velho doido da cabeça queria te dar uma chance,
James. Mas pelo jeito, você não está dando valor o suficiente para
jogar na linha de frente.
Hanks era um filho da mãe sarcástico, e se eu não o
conhecesse, saberia que ele me daria alguns estilhaços, mas
acabaria perdoando tudo que eu havia dito. Poderia considerar o
velho diante de mim como a porra de um pai. Sabia bem a diferença
do que era ser pai e ser um doador de esperma.
Alexander era apenas meu genitor, onde nunca havia sido um
pai que eu pudesse me orgulhar. Em todas as minhas lembranças
acabava sendo ele mesmo: um grande filho da puta.
Hanks tratava todo o time como se fossem seus filhos. E isso
acabou me deixando um pouco desconfortável no começo, já que
ninguém está preparado para ter alguém se preocupando com você
de verdade, e não se tem dinheiro para contribuir com drogas ou
bebidas.
Com um aperto no peito, abri um sorriso, lançando todos os
pensamentos sobre Alexander para longe. Aquele idiota sem
dúvidas estava ardendo no infernos naquele instante e, por isso, eu
não precisava me lembrar dele ou das coisas que fez.
Mesmo que ele tenha fodido com minha vida para sempre.
— Eu sabia que você estava aí, treinador. Não é, Eric? —
Apontei para meu loiro, colocando-o na jogada. Sabia que ele não
me deixaria na mão.
Porra, voltar para linha de frente era tudo que eu queria. Era
tudo que eu mais queria.
— É... — Eric limpou a garganta. — O senhor sabe como
Alex é, treinador...
— Não coloque Peterson nessa, James — declarou,
severamente. As íris estavam cerradas na minha direção. — Quero
ter uma conversa com você na minha sala. E sem papinhos furados,
me entendeu?
Levantei as mãos em rendição, apertando os lábios.
— Como quiser, Hanks! — Fiz um sinal de continência. No
segundo seguinte, seu olhar vagou pelo vestiário, analisando os
jogadores. — Vocês foram bons hoje, quero que tenham essa
mesma garra e disposição quando estivermos em campo. No mais,
descansem! — Com isso ele saiu de nossas vistas, fazendo-me
olhar para Eric.
Tudo que eu recebi foi um sorriso e um empurrão no ombro.
— Se fizer isso de novo, te dou um soco na frente dele, seu
maluco! — Meu amigo chiou, tirando o resto da roupa e entrou no
chuveiro livre.
Isso me lembrou que eu teria que encontrar alguma cabine
vaga naquele instante. Se Eric visse a porra da tatuagem que eu
encondia por anos na minha pelve, me mataria. E eu chutaria a
minha bunda até a eternidade por ter deixado isso acontecer.
Soltei a respiração que tinha segurado sem perceber, quando
vi um dos meus colegas de time saindo de uma cabine. Aquela era
minha chance. Somente precisava ser rápido e sair antes que Eric
saísse da sua.
Minutos depois, eu estava vestindo minhas roupas.
Para minha sorte, antes que Eric saísse do chuveiro.
Droga, quando eu chegasse em casa iria ter que tomar outro
banho.
Mais uma vez obrigado, treinador Hanks.
Nos segundos seguintes o loiro surgiu com as madeixas
molhadas e uma toalha em volta da cintura.
— Já? — Uniu as sobrancelhas.
— Com certeza, quero saber o que Hanks tem a dizer —
menti, arduamente.
— Entendi, vai querer que eu te espere?
Neguei.
— Você sabe, ele gosta de falar.
— Beleza, vou indo pra casa, então — divagou, indo atrás
das suas roupas.
Não esperei que ele dissesse algo a mais, apenas peguei a
mochila e coloquei nas costas, indo em direção a sala do treinador.
A menção da conversa fez meu estômago se revirar.
Esperava que tudo corresse bem.
Pouco menos de sete minutos, eu estava com os punhos
prestes a bater na porta. Com um suspiro quase contido, criei
coragem para ir em frente, dando três batidas na superfície.
— Entre. — Foi somente isso que escutei do outro lado.
Respirei fundo, tocando meus dedos sobre o metal gelado da
maçaneta, em seguida abrindo a porta diante de mim. — Senta aí,
garoto. Prometo que serei breve.
Por mais que ele disse aquilo, eu já estava nervoso. Parecia uma
eternidade. Não passava nunca. Os segundos demoravam.
Era como se o tempo tivesse congelado no momento em que
coloquei meus pés dentro daquela sala.
— Certo, James. Há algumas semanas que eu pretendia ter
essa conversa com você.
— Manda a bomba, treinador — falei enquanto me
encaminhava até uma das cadeiras, que estavam na sua frente. Ele
balançou a cabeça, deixando um sorriso esticar seus lábios.
— A bomba é que quero você na linha de frente como
comentei no vestiário, porém, quero mudança nos seus hábitos.
Você parece cada vez mais distante do esporte, principalmente,
depois do vexame do semestre passado.
— Ah, e quem não fica? Perdemos feio! — resmunguei,
abrindo os braços.
— Calma, garoto. Não é todas que se pode ganhar, é o que
dizem, mas somos os Crows Blues Legs.
— Os melhores da liga — completei, baixo.
— É esse o espírito, mas com determinação. Preciso que
você deposite isso nos próximos treinos, e cuidado com o ombro
dessa vez. Oremos que isso não venha a se repetir.
Assenti.
— Somente isso, até o próximo treino.
— Obrigado, treinador.
— Fique na linha, James, estarei colocando pressão em
você.
— Assim você me anima pra caralho! — zombei, sorrindo
falso.
— Se manda.
E com isso, eu desapareci da sua vista.
Indo para casa.

Demorei cerca de uma hora para chegar em casa.


A chuva tinha deixado o trânsito ainda mais caótico que o
normal. E quando coloquei o pé dentro do apartamento, ouvi meu
estômago roncar. Caramba, não tinha almoçado ainda. O lembrete
me fez ir diretamente para a cozinha. Sabia que teria que preparar
algo, já que todos estavam na CBU pela manhã.
Essa era a vida de quatro universitários. Às vezes, só nos
víamos pela noite.
Passei meus olhos pela cozinha, a única coisa mais rápida
que eu poderia fazer era alguns sanduíches.
Certo.
Sanduíches.
Ok.
Preparei os sanduíches como sempre fazia. Quando o
primeiro estava pronto, comi sem pensar duas vezes. Assim como o
segundo, terceiro e quarto. Quando estava prestes a dar a mordida
no quinto, ouvi o meu celular vibrando sobre a ilha. O nome de Judy
surgiu na tela.

Judy: Preciso que venha aqui.


Judy: URGENTE!
Judy: Margô está passando mal e não estou conseguindo
chamar um táxi, ou motorista de aplicativo para levá-la até o
hospital.
Paralisei, lendo as mensagens.
Porra, o que tinha acontecido?
Peguei meu celular e liguei para Judy, sem pensar duas
vezes.
— O que aconteceu com ela? — disparei quando ela atendeu
no segundo toque.
— E-eu não sei, Alex. Mierda, vem logo!
— Tudo bem. Em meia hora chego aí. — Era o mais rápido
que eu conseguia chegar.
Foi tudo o que eu disse ao encerrar a ligação.
Margô estava doente, precisava que eu fosse pegá-la para
levá-la ao hospital. O medo me preencheu, não conseguia tirar a
preocupação dos meus ombros. Uma menina com menos de sete
anos tinha um poder extraordinário sobre mim.
A única que precisou de mim desde que nasceu e a que eu
tive que escolher entre a mulher que eu amei.
Vivia por ela. Aguentei tudo por ela.
Precisava sempre lembrar disso.
Era tudo por era.
Margô James era a razão de tudo.
Escolhi ela, para deixar Hannah sair do meu mundo sombrio.
E mesmo depois de anos, eu ainda sentia os destroços da
minha alma me atormentando, me tornando algo que nunca
imaginei ser.
Toda a alegria que um dia tive foi ao lado da pequena
Hannah Jane Peterson. Uma mulher longe do meu alcance, desde
que coloquei Margô em primeiro lugar, na noite do nosso baile de
formatura.
Naquele instante, precisava me deslocar para o outro lado da
cidade. Tinha que ir o quanto antes para reverter a situação. Apalpei
os bolsos da minha calça, enquanto procurava minhas chaves.
Esperava que o Jeep não me deixasse na mão, pelo menos naquele
momento. De repente consegui identificar o volume e espessura
pequenas do chaveiro, em seguida o barulho ecoou.
Na confirmação, eu me encaminhei até a sala de estar,
ouvindo algumas vozes. Claro, meus amigos estavam no cômodo,
era difícil ter silêncio naquele lugar. Quando estava próximo da porta
que me levaria até a sala, consegui identificar a voz de Hannah.
— Preciso contar uma grande novidade para todos —
Hannah anunciou, parecia animada, ao contrário da pessoa que
havia se tornado nos últimos tempos. Nem parecia a mesma que vi
na biblioteca pela manhã.
Existia somente seu corpo vagando pelas ruas de Boston,
não restava nem um terço da garota que foi na
adolescência. Quando roubou meu coração e eu destruí o seu, aos
dezoito.
— Estou noiva! — O esboço de um sorriso mergulhou nos
seus lábios ao mesmo tempo que mostrava o anel envolta do seu
dedo.
A jóia refletia um brilho a qual não teria condições de dar a
ela, em uma época distante. Meu sangue congelou.
— Oh... Hannah, felicidades! — Stéfany mal sabia o que
dizer.
Eric apenas assistia a cena como eu, em silêncio. Hannah
apertou os lábios, sentindo o desconforto da amiga, enquanto
escondia uma das mãos para trás, deixando que todos vissem
apenas a que continha o anel de noivado.
Uma camada peculiar de surpresa penetrou na minha pele,
arrepiando-me por completo. Eu queria muito que aquelas palavras
que acabaram de sair dos seus lábios fossem apenas mera
imaginação.
— Pretendemos nos casar em breve — completou Ethan, o
filho da puta.
Ou melhor, o cara que me substituiu após eu terminar com
tudo. Mesmo que não houvesse nada oficial na época. Apenas dois
adolescentes embarcando na vida adulta, com a ilusão
momentânea.
Meu corpo não conseguiu reagir bem com a notícia.
O ar parecia ter acabado do cômodo, eu não conseguia
respirar direito. Estava completamente paralisado, enquanto
ninguém me percebia vendo a cena dos pombinhos felizes, bem
diante de mim. Apertei as mãos, sentindo a umidade cobrir toda a
pele, deixando-me ainda mais nervoso.
Eu sabia que um dia teria que lidar com algo parecido, estava
me segurando por muito tempo, aguentando calado as atitudes que
presenciei ao longos dos anos.
Mas um casamento?
Porra, não.
Jane ainda era minha.
Aquele casamento não iria acontecer. Eu moveria céus e
terras para acabar com aquilo.
E pior, passaria por cima das ordens de Lilian Peterson.
12

PLANOS
E se o mundo não acabar
Eu irei sacudi-lo
Porque, afinal, sou um jovem homem, ooh
E quando as estações mudarem
Você ficará ao meu lado?
Porque sou um jovem homem fadado a falhar, ooh
Mind Over Matter | Young The Giant

Talvez a adrenalina que corria entre minhas veias tenha me


feito chegar mais rápido que meia hora, e algumas multas na
carteira. Ainda não tinha conseguido digerir a notícia.
Porra, casamento?
Se ela dissesse que me odiava, doeria menos.
Voltei minha atenção para a superfície amadeirada, com a
respiração ainda acelerada batendo na porta. Dois toques na
campainha foram o suficiente para Judy abrir a porta.
No segundo em que sua figura surgiu na porta, com a
maçaneta presa entre os dedos, eu soube bem ali que algo estava
errado. A morena não expressava um olhar preocupado ou pânico
como fazia parecer na ligação. Era somente ela, a Judy de sempre.
— Onde está ela? — Questionei prestes a entrar, mas algo
de repente aconteceu.
Judy me deu a porra de um soco.
— Hijo de puta! — chiou, pressionando uma mão com a
outra.
Passei pelo menos três segundos para raciocinar e absorver
a cena desastrosa que tinha acabado de acontecer comigo. Sacudi
a cabeça e em seguida pressionei a mão sobre minha mandíbula.
— Que merda você tem na cabeça, Judy? Cadê a Margô?
— Eu? O que você tem na cabeça, Alex? Ao menos lembra a
última vez que ligou para saber dela?
— É claro que eu lembro, porra.
— Então, deve estar ciente o quão irresponsável você é. Tem
dois meses que você não põe a porra dos pés nesse apartamento.
— Desviei meu olhar, não podia negar que estava sendo ausente
nos últimos meses para Margô.
Abri a boca para falar algo, mas alguém fez antes de mim.
— Didy? — A voz da garotinha surgiu atrás de Judy, à
medida em que se aproximava cuidadosamente na direção da porta.
Vestida com um dos seus pijamas favoritos na cor arroxeada,
Margô brilhou no meu campo de visão como uma luz no meio do
vão escuro. Os cabelos castanhos escuros, como os meus, estavam
presos deixando somente que a franja nova cobrisse sua têmpora.
Gô havia insistido demais para fazer o corte que acabei
acabei cedendo, vencido pela insistência da minha pequena.
Semanas depois Judy fez a franja e, naquele instante, era a primeira
vez que eu via com o novo corte.
— Estou aqui. — Seu tom continha delicadeza. Foi
instantâneo, um instinto protetor quando se tratava de Margô. —
Hijo de puta. — Mesmo que a menina não soubesse como se
pronunciava algum tipo de palavrão em espanhol, Judy sempre se
certificava em não dizer na frente dela, em hipótese alguma.
Margô já tinha seis anos, e criança naquela idade costumava
repetir completamente tudo que ouvisse. E Judy não podia cogitar
esse deslize acontecer.
— Não consegui dormir... — Margô parou de falar quando
percebeu minha presença. Pensei que ela iria correr e me abraçar
como sempre fazia, mas não, a garota simplesmente deu as costas,
fazendo-me entrar para dentro do apartamento.
— Gô? — Chamei, enquanto a seguia.
Foi então que ela começou a correr em direção ao seu
quarto, fechando a porta com força. O estrondo causado fez um eco
ensurdecedor nos meus ouvidos, e um crec no meu peito.
Parei no mesmo segundo, virando o rosto em busca de Judy.
— Que porra foi essa? — sussurrei para ela.
— Ela está chateada — Judy declarou, cruzando os braços.
— Então, você armou tudo isso? Mentiu para que eu viesse?
— questionei. Ela arqueou uma sobrancelha. -- Merda, Judy!
— Cale a boca, você não está em posição de agir dessa
forma. Foi necessário.
— Me ligar dizendo que ela estava passando mal? Eu fiquei
louco de preocupação!
— Ok, vai embora. E me desculpa, pelo incômodo, se quiser
faça igual a mãe dela, finja que ela não existe também, mesmo
sabendo que a menina só tem você nesse mundo! — Paralisei,
notando meu corpo ardendo com as palavras.
Eu jurei para mim que nunca faria isso com Margô, não
depois de sentir na pele o que era ser esquecido. Gô era a última
pessoa que eu queria deixar ir.
— Não fale sobre isso, Judy. Se ela ouvir...
— Então, lide com suas consequências. Margô sente sua
falta. E você não imagina tudo o que ela aprende. Cada dia uma
coisa nova, e sempre pergunta quando vai vir vê-la, porque quer
mostrar para você pessoalmente. Ela não quer que eu ligue. Gô é
inteligente, acha que se você quisesse mesmo vê-la, viria sem ter
alguém te obrigando. Outro dia ela me perguntou quem era Jane.
Desviei o olhar novamente.
— Como ela... — Franzi o cenho.
— Ela disse que você tinha uma tatuagem com esse nome.
— Margô aprendeu a ler? — A surpresa explodiu no meu
peito.
Cacete. Eu estava sabendo disso somente naquele
momento.
— Viu? Tem dois meses que ela lê tudo que vê pela frente e
queria contar para você, mas o bonitão esqueceu das
responsabilidades que têm, pelo visto! — Cruzou os braços.
— O que eu faço?
— Você sabe o que é preciso para fazê-la te perdoar —
declarou, dando um passo para trás, como um sinal que eu deveria
ir logo e consertar as coisas com Margô.
Respirei fundo, passando as mãos entre os cabelos. Sabia
que provavelmente estava uma bagunça, por ter passado o trajeto
anterior me remoendo dentro do Jeep pelas duas mulheres que
mexiam com minha cabeça de maneiras diferentes.
Silenciosamente, caminhei até o quarto de Margô.
Ela tinha um apenas dela, e isso não era problema porque o
apartamento era enorme com duas suítes e dois quartos de
hóspedes, uma cozinha com ilha que dividia com a sala. Minha
garota ganhou uma vida bem melhor do que tinha quando ainda era
um bebê.
Não foi preciso muito para encontrar seu quarto com a
madeira pintada de roxo. A sua cor favorita. Com o dorso da mão,
dei algumas batidas anunciando minha chegada e toquei a
maçaneta.
— Quem é? — Ela perguntou no exato segundo que abri a
porta.
— Eu. — Fiquei parado diante da garotinha, escondida
debaixo das suas cobertas.
E com esses minutos extras, me permiti dar uma olhada no
seu quarto. Haviam utensílios novos, algumas fotos pregadas na
parede, isso me fez sorrir. Margô gostava de registrar fotos como
Jane fazia. A memória me faz imaginar se um dia, elas poderiam se
conhecer independente das circunstâncias que impediram
descobrirem a existência uma da outra.
Talvez, não.
Era tolice demais pensar que poderíamos ser como uma
família.
Isso me fez desviar a atenção, encontrando mais duas
bombinhas novas para suas crises de asma sobre sua escrivaninha
e ao lado estava alguns DVDs, que eu trazia quando ela era mais
nova.
A sua paixão eram filmes animados.
Em especial Anastasia, não a meia-irmã da Cinderela, mas
aquela inspirada nos acontecimentos da família Romanov. Margô
me fazia voltar várias e várias vezes, na música que a princesa
perdida dançava no palácio. Foi no mês de Dezembro. Podia
confessar que sabia todos os versos de cor e salteado.
— Se esconder aí embaixo não vai fazer você fugir de mim,
Gô — divaguei, me aproximando da sua cama imensa. Era uma
cama de casal, aconchegante, parecia estar nas nuvens quando
deitei sobre o colchão.
— Acho q-que estou ficando lelé da cuca, Didy. Parece que
estou ouvindo vozes! — gritou, me fazendo gargalhar, isso foi o
suficiente para puxar os lençóis, encontrando-a de olhos fechados.
— Não, você não está, princesa. O homem que mais te ama
no mundo está bem aqui! — sussurrei, passando as pontas dos
dedos sobre sua barriga até encontrar suas axilas e fazer cócegas
na região.
— Sai, sai! — Ela gritou em meio aos risos tentando se
esquivar. — Para, não quero falar com você. Estou brava!
— Por que? Vim te visitar, Gô. — Afastei minha mão dela, me
ajustando sobre a cama.
— Eu ouvi a Didy ligando para você. — Apontou para a porta
do quando, cruzando os braços na medida que erguia o queixo.
Margô era durona. Não gostava de ser contrariada. Tinha um gênio
forte. E só havia uma coisa que a fizesse me perdoar: uma
maratona de filmes de princesa. — Se quiser, pode ir embora. A
Jane talvez precise mais de você do que eu.
Abri a boca, querendo dizer que a garota que Margô
mencionou há poucos segundos não precisava. Entretanto, não
podia misturar as duas. Eram problemas diferentes.
Mundos divididos.
— Você vai jogar duro comigo, gatinha da minha vida? Achei
que me amasse. — Toquei uma das suas bochechas.
— Não te amo mais. — Virou o rosto, recuando do meu
toque. Isso estava chegando a um ponto que começava a doer. Não
queria ser rejeitado pela única pessoa que restou do meu sangue.
Não por Margô.
— Não? — ignorei a ardência no meu peito. — Nem mesmo
se eu assistir Anastasia com você? — Um brilho surgiu nos seus
olhos. — Depois Encanto... e...
— Ainda tem mais? — Parecia ter esquecido tudo como um
passe de mágica.
— Claro, não falei que vim te visitar? Estava com saudades
de assistir com você.
— Mesmo?
Assenti.
— Eu também senti saudades — Margô confessou, baixinho.
O tom amoleceu meu coração, fazendo-me respirar fundo. — Não
quero mais ficar longe de você, Lex — No instante em que seus
olhos marrons escuros piscaram, notei algumas lágrimas que ela
tentava a todo custo segurar. — Por que não moramos juntos? Didy
disse que já tínhamos morado na mesma casa uma vez.
— Ela disse? — Passei meus dedos no topo da sua cabeça,
notando agora que seus cabelos cacheados estavam soltos, quando
seus braços envolveram minha cintura.
Depois daquilo, eu sabia que seria difícil ir embora.
— Sim.
— É verdade.
— Então, por que não fazemos isso de novo?
— Você não gosta de morar com Judy? Ela vai ficar triste se
souber disso.
— Eu gosto, mas queria que você também morasse conosco.
Respirei fundo.
— Vou te contar um segredo, ok?
— Ok!
— Em alguns meses, você vai poder morar comigo de novo.
— Sério? — Parecia incerta em perguntar quase sem voz.
— Sim — sussurrei no mesmo tom. — Não vai demorar
muito, não se preocupe. Mas precisa esperar como uma mocinha.
Está bem?
Margô assentiu, sorrindo.
— Sim! Agora vamos assistir Anastasia! — gritou,
desvencilhando suas mãos do meu corpo.
Assisti seus movimentos apressados para encontrar o
controle da TV. E ali estava a minha garota de sempre. Precisava de
tão pouco para fazê-la a pessoa mais feliz do universo e deixá-la
chateada na mesma proporção.
E tudo isso eu amava nela.
13

INCONSOLÁVEIS
Quando você é jovem, eles deduzem que você não sabe
nada
Sorriso brilhante, batom preto
Políticas sensuais
Quando você é jovem, eles deduzem que você não sabe
nada
Cardigan | Taylor Swift

PASSADO
Março havia chegado com duas notícias.
O baile de formatura e a temporada de inscrições para o time
de futebol americano, que havia aberto na semana passada.
Nos corredores de St. Emery não se falava de outra coisa.
As garotas já estavam à procura do seu par para o baile, os
caras loucos para a seleção, entretanto, seria uma chance para
conseguir bolsas de estudo por ser atleta em algum esporte do
colegial.
Era um dos privilégios que aqueles garotos tinham. E um belo
jeito de conseguir uma chance de se tornar jogador profissional.
Bem, se realmente levassem o esporte a sério, como se valesse
suas vidas.
— Não vai se inscrever para o time? — Perguntei para Eric,
enquanto caminhávamos em direção ao seu carro, que valia uma
fortuna.
Papai havia dado a ele de presente, no nosso aniversário de
dezessete anos. Já que meu irmão não queria uma festa de
aniversário. Todavia, acabou ficando somente para mim toda a
chuva de atenção.
Seria incrível se no final da noite, minha mãe não tivesse me
tratado como um produto para as suas amigas socialites com seus
filhos babacas. Eu era a aniversariante que não conseguia nem a
metade dos convidados que estavam presentes daquela festa.
— Não — o tom tenso me fez voltar para o estacionamento.
— E por que não? — franzi o cenho.
— Estamos quase nos formando, então, não vale a pena me
inscrever — comentou, abrindo a porta do veículo.
— Ah, isso é o de menos, Eric. Você sabe que consegue uma
bolsa, apenas por participar do time — Os ombros dele relaxaram,
parecia tenso com as inscrições. — Pode te ajudar também...
— Não.
— Mas, Eric…
— Não quero que saibam disso. — Seu tom era quase
inaudível, como se fosse um segredo que ninguém ao nosso redor
pudesse descobrir. — Vai ser pior.
— Você está falando como se fosse um problema para a
sociedade, e isso não é verdade. — Cruzei os braços, encarando-o.
Meu olhar parecia julgador demais para quem só queria abrir os
olhos do garoto diante de mim.
— Você é impossível — disparou, um pouco mais tranquilo.
Percebi seus ombros mais descontraídos nos segundos em que
permanecemos estáticos um para o outro.
Isso arrancou um sorriso maroto dos meus lábios.
O diagnóstico do TEI foi um baque para o meu irmão anos
atrás e ainda continuava sendo tortuoso, saber que ele carregaria
para sempre consigo. Tudo por conta de uma lacuna que surgiu no
meio da nossa família, quando éramos novos demais para
entendermos que ficaríamos separados de uma hora para outra. Foi
um compilado de momentos que acabou nos destruindo.
Todos fomos afetados de alguma maneira sem perceber.
Eric, Mason e eu.
Somente anos depois de todo caos ter sido manifestado no
meio dos Peterson, que consegui ver as consequências.
Meu irmão mais velho – por alguns minutos, apenas – sofria
com fúria explosiva, mas não era sempre. Naquela época, ele
conseguia ser, na maior parte do tempo, o melhor cara do mundo,
entretanto, houve tempos que nada o fazia ficar sem seus picos de
crises, alguns deles ocasionados por nosso irmão caçula.
Mason tinha o poder de acabar com a tranquilidade de Eric
em um estalar de dedos.
Comigo já era mais difícil, não parecia ser um bicho de 7
cabeças. Conseguia lidar com a personalidade irritante de Mason.
Entretanto, havia dias que nem eu tinha um escudo para bloquear
os ataques gratuitos vindo da sua parte. Nunca entendi como tudo
começou. Era como se sempre estivesse ali.
— Então, o que vai fazer? — Indaguei, voltando à tona.
— Darei uma chance a essa droga. — Bufou.
— Serei sua torcedora número um, maninho!— garanti,
encarando-o com um grande sorriso nos lábios. Meus braços
rapidamente envolveram seu pescoço na medida que tentava
alcançá-lo.
Eric era alto pra caramba.
— Quanta animação! O que estou perdendo? — A voz
aveludada era de Stacy, minha cunhada bem diante de nós dois.
— Eric vai se inscrever para o time de futebol americano! —
exclamei no meio do corredor, naquele momento alguns alunos
passavam por nós, fazendo com que minha animação fosse o
centro das atenções por poucos segundos. — Me desculpa —
sussurrei para meu irmão.
— Sério? — Stacy parecia surpresa com a notícia.
— Nada demais, amor — Eric declarou dando de ombros.
Os olhos azuis, exatamente iguais ao de nossa mãe, estavam
convencidos de que não passaria de uma inscrição. Eu conhecia
aquele loiro como a palma da minha mão e sabia que no segundo
que estivesse no campo, não conseguiria sair mais dele.
— Nada demais... — O imitei fazendo uma voz semelhante,
mas um pouco mais grossa que a sua. — Você sabe que não será
isso nos próximos dias! — contestei para meu gêmeo ranzinza,
enquanto eu o soltava.
— Está mesmo segura de si, Hannah. — Stacy deixou uma
risada extravasa no ar.
— Sempre estou certa do que falo! — Coloquei minhas mãos
na cintura assistindo os dois pombinhos se abraçarem na minha
frente.
Minutos se passaram e quando vi, já estávamos indo para
nossa próxima aula.
A aula de Artes.
Eu sabia o que me esperava nela no momento em que eu
colocasse meus pés dentro da sala.
Lá estaria Alexander James, o garoto que estava entre todos
os meus pensamentos. Não havia um segundo em que ele não
estivesse impregnado na minha mente. Seja eles desprezíveis ou
não, James tinha uma inconsolável aversão de um lado meu.
Genuíno em algumas partes, entretanto, não o suficiente para
esquecer da câmera que ele detonou semanas atrás. E pior, ter sua
companhia não fazia bem para minha consciência. Eu não era o tipo
de pessoa que guardava rancor por muito tempo, todavia, o estoque
em que aquela maldita bola acertou a única coisa que me fazia feliz
tudo mudou.
Poderia ser algo sem importância para algumas pessoas,
contudo para mim, tinha um valor sentimental. Eram anos em uma
única câmera, e pior, eu a perdi no dia em que fiquei na detenção.
Droga, deveria parar de ser tão careta e ouvir o que minha mãe
tinha dito quando soube... pela boca de Mason.
A tralha, como ela havia mencionado, realmente não duraria até a
faculdade, talvez. Além disso, meu pai não sabia do que havia
acontecido já que eu mal o via, nossos horários não se encontravam
mais. E quando estava em casa passava mais tempo no seu
escritório.
Eu sentia tanto sua falta, mesmo morando debaixo do mesmo teto.
Porque ainda que morássemos juntos, pareciamos tão distantes.
Não havia momentos em família.
Os jantares eram regados de silêncio quanto estava somente
Lilian, meu pai seguia ocupado com seus problemas da cidade, e
minha mãe com o hospital, vivendo apenas para seus plantões dia
após dia.
Sonhava com um dia que eu não precisasse implorar por
companhia e ter finalmente uma família de verdade. Sem mentiras
ou almas dilaceradas. Já não aguentava sobreviver de falsas
esperanças, que minha cabeça me forçava acreditar.
Em algum momento poderia mudar.
Ou não.

O sino de St. Emery ecoou por toda escola anunciando o fim


da aula.
Com a respiração pesada eu levantei da cadeira, puxando a
mochila sobre o ombro, enquanto observava os alunos saindo pela
porta, sabendo o que tinha que fazer nos segundos intermináveis
que passavam diante dos meus olhos.
Certo, Hannah. Não vai te partir ao meio se falar com ele...
Na verdade, adoraria parti-lo, se pudesse.
Um sorriso contraiu entre meus lábios no momento em que
tive esse pensamento. Era tentador demais, por sinal, mas não
queria ser mandada para um reformatório aos dezessete anos.
Havia muito para viver ainda.
De qualquer forma, precisava falar com Alexander e
Nathaniel.
Grande ideia, senhora Gilda. Me colocou com dois caras que
me faziam odiar todos os homens da face da Terra.
— Se quiser posso fazer isso — ouvi meu irmão dizer, ao
meu lado.
Eric encarava Alexander e eu não sabia dizer o que o olhar
de James poderia significar. Suas íris estavam neutras e assim
como meu irmão e eu, o garoto me observava.
— Não precisa, mas se quer falar com alguém, tente alcançar
o carinha tatuado. Não o vi saindo — avisei, fazendo-o unir as
sobrancelhas.
— Tem certeza?
— Absoluta.
— Certo — disse ele e seguiu para a porta, como os outros
alunos.
— Parado aí, James — declarei, assistindo ele se aproximar
cada vez mais. Foi então que vi o canto da sua boca esticando para
o lado, como se estivesse achando aquilo tudo hilário demais.
Ah, foda-se.
— Sou todo seu, Jane. — Abriu os braços.
Torci o nariz com seu comentário.
— Argh, James. Menos, bem menos — grunhi para ele.
— O que há? É tão difícil compartilhar o mesmo ambiente
que eu, princesinha?
— É impossível — cuspi, apoiando a palma em uma das
mesas ao meu lado.
— Sabe, isso só melhora minha manhã.
— Jura?
— Sim, hoje é um dia feliz e ele nem terminou ainda.
Era incrível como James conseguia falar coisas que,
dificilmente, alguém do meu cotidiano diria. Eu demorei para
entender que essa era uma característica apenas sua e que
nenhuma outra pessoa seria capaz de me tirar do sério e me colocar
em uma linha tênue, em questão de poucos números, como ele
fazia.
Alexander James era um mistério surpreendente para mim.
— Isso é bizarro, sabia? — cruzei os braços na altura dos
seios. Em algum momento ele achou que fosse um sinal para
contornar meu confronto sobre o quão desafiante Alexander podia
ser.
— O que você define como bizarro, Jane?
— Você.
— Isso é bom?
— Depende do ponto de vista. Parece ser impossível ser tão
feliz assim. Como consegue? Adoraria descobrir — Dúvidas foram
enterradas nos meus pulmões, fazendo-me respirar de maneira
pesada. Já não existia ninguém na sala quando notei que o silêncio
tinha tomado conta do ambiente.
— Me diga você, princesinha de Boston. — Se aproximou. —
Como é viver fazendo de tudo para chamar a atenção de alguém?
— Engoli em seco, percebendo o que ele queria dizer.
— Não entendi. — Certo, eu sabia que mentiria de qualquer
maneira.
— Se quer lidar assim, tudo bem, Jane. Eu entendo, no fim
das contas.
— Deveria ser mais claro, Alexander. — Um músculo da sua
mandíbula se movimentou quando o seu nome foi soprado entre
meus lábios. — Joguinhos não são exatamente o meu forte.
James ergueu o olhar.
— Essa é a melhor parte, e você não imagina a diversão que
perde...
— Não há nada de divertido. Gosto das coisas claras e, com
isso, preciso mencionar que quero adiantar esse trabalho. Quanto
mais rápido terminarmos, logo me livrarei da sua presença, de uma
vez por todas.
— Uma grande pena.
— Não, é um acontecimento. Anseio por esse dia mais que
tudo, se quer saber — contei, duramente. Sentia como se fosse
minha mãe falando. O tom severo, sem compaixão das suas
palavras. Merda, não queria ter esse seu lado.
— Talvez você não anseie tanto assim, quando esse dia
chegar, o trabalho pode até acabar, mas ainda estaremos na mesma
classe.
— Dessa vez você errou, sabe por quê?
— Não, me diga você.
— Estamos no último ano do colegial, em breve irei para
faculdade, e será outro mundo mais distante do que um trabalho
idiota. Agora chega disso e vamos ao que realmente importa.
— O que importa tanto assim?
— Quero você às quatro horas da tarde, na minha casa.
Traga tudo que achar importante para completar o projeto,
Alexander. — Outra vez percebi seu corpo tensionando diante dos
meus olhos, era possível notar isso todas as vezes que seu nome
era citado.
— Acha mesmo que sei onde é sua casa? — provocou.
A cada segundo que passávamos juntos, James se tornava
mais irritante. Meus nervos sempre ficavam nas alturas quando
precisava lidar com sua personalidade complexa e, ao mesmo
tempo, curiosa.
— Todo mundo sabe onde é minha casa.
— É, você tem um ponto, Jane-Gatinha. — Grunhi no mesmo
segundo que ouvi o novo apelido soando dos seus lábios. — Já que
insiste tanto, estarei lá. — E com isso ele saiu da sala, deixando-me
completamente sozinha.

Havia passado duas horas depois do horário combinado, no


momento em que ouvi o mordomo abrir a porta principal.
Eric, Nathaniel e eu estávamos na sala de estar organizando
nossas ideias para o tão famigerado trabalho. Quer dizer, apenas
uma pessoa estava realmente fazendosua parte.
Porque o garoto tatuado diante de mim tinha sua atenção
apenas na quinquagésima carta que ele escrevia. Não sabia dizer
quantas tinha no total, mas poderia considerar que eram muit que
ele perdia escrevendo para a garota desconhecida. Sempre
assinava como “abelhinha’’ e no fim ele terminava com um
“Somente seu, Nathaniel”. Caramba, quem poderia imaginar que
aquele coração de pedra estaria escrevendo cartas de perdão?
Respirei fundo, folheando a página mais uma vez.
Cadê você, James?
— Cheguei a tempo? — Alexander entrou na sala de estar,
orientado pelo mordomo.
As mãos estavam dentro do bolso da calça jeans desgastada
e os cabelos estavam uma bagunça.
— Não queira que eu te responda como deveria — rangi,
ignorando sua presença.
— Onde você estava? — Meu irmão indagou, deixando-me
levemente surpresa com a sua intenção.
— Aconteceram alguns imprevistos, me desculpem —
contou, caminhando na nossa direção.
Eu precisei me esforçar muito para não manter meus olhos
sobre ele, à medida que encurtava nossa distância. Até que ele
sentou ao meu lado. Isso fez com que Eric parasse de prestar
atenção no livro e me encarasse, franzindo o cenho, apenas porque
Alexander escolheu justamente aquele lugar específico.
Aquele olhar significava muitas coisas, mas fingi que não
havia nada acontecendo no meio das incógnitas invisíveis nos olhos
do meu irmão. Houve vezes que encarei o garoto ao meu lado
despercebidamente, tentando digerir tudo que havia acontecido nas
ultimas semanas.
Então, horas se passaram até a porta principal outra vez ser
aberta, mas dessa vez não foi preciso nosso mordomo abrir.
Sendo assim, havia somente duas alternativas. Lilian ou
Oliver poderiam surgir naquela porta.
De relance vi o vislumbre irreconhecível da minha mãe. Ali
estava Lilian Peterson, com suas roupas luxuosas, saltos de grife e
as joias mais caras do país. Ela parecia tão inebriada que jurei que
não nos notaria, como todas as vezes que chegava em casa,
entretanto, aquele não foi o caso.
Ela parou.
Encarou todos os rosto e viu os livros espalhados pela
mesinha de centro e no sofá. Não havia bagunça para que pudesse
se alarmar, no entanto, mamãe era a mulher mais imprevisível que
eu conheci na vida.
— O que é isto aqui? — Ouvi-a esbravejar, porém, nunca ela
tinha agido daquela maneira com alguém que meus irmãos ou eu
havíamos convidado para vir até nossa casa.
— Estamos fazendo um trabalho, mãe — eu falei,
percebendo que o silêncio que havia se instalado no ambiente não
acabaria se dependesse de Eric, para dissipá-lo.
Para ele, ignorar nossa mãe era a melhor solução.
Talvez isso funcionasse um dia para mim.
— Deveria ter me consultado antes, Hannah. Por Deus,
olhem como está minha sala! — Mamãe parecia que iria surtar a
qualquer momento.
Aquilo era tão incomum para a mulher que eu conhecia no
dia a dia. Lilian Peterson adorava ver sua casa cheia de
desconhecidos.
— Achei que não fosse o caso, eles são meus colegas do
colégio... — murmurei me sentindo um pouco envergonhada pelo
show que ela estava fazendo.
Vi seus olhos deslizando pelos garotos ao meu lado,
analisando-os. Primeiro por Nathaniel que usava suas roupas
escuras, os ombros estavam a amostra, deixando que todos
pudessem ver suas tatuagens estranhas, no entanto, não durou
mais do que dois segundos. Mas a demora houve quando se voltou
para Alexander.
Não precisava olhar para James e saber como eram suas
roupas, e ainda lembrava de algumas manchas de graxa que havia
visto despercebidamente quando o coloquei dentro de casa. A calça
jeans estava surrada, o tênis escuro um pouco desgastado.
Uma cara que eu conhecia bem surgiu.
Era nojo.
Caramba. Caramba. Caramba.
— Estão aceitando qualquer um na St. Emery agora,
Hannah? — Repulsa explodia em cada sílaba que saía dos lábios
vermelhos da minha mãe.
Caramba, se dez minutos atrás eu estava envergonhada,
naquele instante eu queria abrir um buraco no meio da sala e me
enterrar.
— Qual o problema com isso? — Eric interviu percebendo
que eu não conseguia lidar com a maneira que mamãe estava
agindo.
Meu Deus, eu me senti inútil por não dizer uma única palavra.
— O problema é que não quero essa bagunça na minha
casa!
— Garanto que sua casa estará impecável antes que chegue
a noite, sra. Peterson. Tem minha palavra. — Alex garantiu. Um
calor incomum beijou minha bochecha, eu podia não ver, mas sabia
que a cada minuto que se passava mais vermelha as maçãs do meu
rosto se tornavam.
— E quem é você? — Uma das sobrancelhas de Lilian
ergueu-se, prepotentemente, fazendo-me passar as mãos entre as
mechas rosas.
Houve silêncio e um incômodo insuportável no meu peito.
Continha um pavor que nunca tinha experimentado em todos
os meus dezesste anos de vida.
— Alex... — Virei meu rosto na sua direção vendo-o parar de
falar. Parecia que dizer seu nome fosse a última coisa que ele
quisesse no mundo. Como se odiasse dizê-lo completo. Por que
você odeia seu nome? Eu queria perguntar algum dia. — Alexander
James, senhora. — Apertou a mandíbula após terminar.
Não era a primeira vez que ele reagia daquela maneira.
— James? — A cor havia desaparecido do rosto de Lilian,
parecia ter visto um fantasma diante de si à medida que encarava
Alexander.
Eles se conheciam? Não, caso contrário não deveria ter
perguntado seu nome ou tê-lo praticamente humilhado na frente de
todos nós. Todavia, James não pareceu ofendido. Lidou bem com a
situação. Como se já tivesse passado por momentos semelhantes.
De alguma maneira, senti meu coração apertando contra o
peito. Aquilo me deixou com mais a culpa ainda por ter causado
tudo isso. No fim das contas, sabia que quando tudo acabasse
nenhum de nós olharia na cara um do outro.
— Hannah, venha aqui — Lilian ordenou após voltar a tona, o
tom parecia mais rígido. Mamãe estava tomada pela neblina que
queimava seus sentidos, fazendo-a deixar a sala de estar e seguir
pelas escadas do segundo andar.
Passei as duas mãos pelo cabelo antes de girar meu
calcanhares e olhar para Alexander, ainda com as bochechas
queimadas de vergonha. Todos os sentimentos semelhantes
sucumbiram à minha sanidade.
Seguindo as trilhas invisíveis que minha mãe havia deixado
pelo cômodo, o perfume caríssimo ainda refletia em cada objeto
existentente daquele lugar. Quando a encontrei vi seu corpo
andando de um lado para o outro. As mãos estavam na cintura. Sua
respiração parecia ofegante e tudo aquilo me deixava cada vez mais
confusa.
— Você tem dez minutos para mandar aqueles dois embora.
— Apontou para a sala onde os garotos estavam, indicando que
queria ambos garotos na rua o mais rápido possível.
Droga, nunca tive que fazer isso, expulsar alguém da minha
casa.
— Mas eles não fizeram nada demais, mãe.
Ela riu nasalmente.
— Não me contrarie, apenas faça o que estou mandando,
garota! Irei para meu quarto tomar um banho, quando eu descer não
quero mais vê-los na minha casa, estamos entendidas? E, no
momento em que pensar em trazer alguém para casa, me notifique
antes.
— Você quase nunca está em casa — soprei sem perceber
que eventualmente poderia ser repreendida.
— Não importa, Hannah. A última coisa que quero é essa
gentinha na minha casa! Você me entendeu?
— Sim... — murmurei, desviando meu olhar. Lilian não
esperou mais nenhum segundo para seguir até o seu quarto,
todavia, resmungou pelo caminho algo que me obriguei a não
entender.
Lentamente, voltei para a sala de estar.
Alexander encarava o chão sem expressar algo. Parecia
perdido naquele espaço.
— Me desculpa por isso, acho melhor terminarmos isso no
colégio, de qualquer forma — murmurei, fazendo ser quase
impossível identificar completamente minhas palavras.
— Se eu soubesse que sua mãe era uma louca, pouparia
meu tempo em não ter vindo — Nathaniel resmungou já de pé,
passando a mão no bolso da sua calça escura. Foi então que ele
deslizou a palma para dentro, em seguida surgiu a carteira de
cigarro entre os dedos.
Alexander não disse nada, apenas recolheu suas coisas e foi
embora juntamente com o garoto tatuado.
Aquele se tornou o dia em que eu mais odiei em toda minha
vida.
Na manhã seguinte, não encontrei Alexander na sala de aula
para tentar me desculpar como deveria. No segundo dia, ele
também não foi, até que havia uma semana que James não
aparecia na escola.
Ninguém sentiu sua falta durante todos os cinco dias letivos,
parecia que eu estava falando sobre um fantasma, que ninguém
conseguiria descobrir seu paradeiro.
Eu me senti culpada por aquilo.
Sabia que tinha sido pelo o que minha mãe havia dito. E não
podia tirar seu direito de me ignorar, mas estava preocupada por
não ter notícias suas.
Por favor, James, apareça.
14

ESTRAGANDO TUDO
Se eu não disser isso agora eu certamente enlouquecerei
Como se deixasse a última coisa que quero ter
Perdoe a urgência, mas apresse-se e espere
Meu coração começou a se partir
Look After You | The Fray

Margô dormiu com a cabeça apoiada no meu ombro.


Parecia serena, um pequeno anjo enquanto dormia e o filme
ainda passava na TV, diante de nós dois.
Já não era um filme de princesa, naquele momento a música
de Irmão Urso[6] surgia no visor. Great Spirits, uma das incontáveis
músicas da trilha sonora, que Margô me fazia ouvir sempre que
podia. Os dois filmes da franquia estavam na disputa com
Anastasia.
Talvez os únicos filmes que a pequena amava sem ser de
contos de fadas.
Calmamente, me afastei da garotinha sem que ela
acordasse. Contudo, a tentativa foi falha. Apertei os lábios,
segurando o palavrão que queria escapar no segundo que vi a
merda que havia feito diante dos meus olhos.
— Não vai embora... — Ela resmungou, sonolenta,
provavelmente exausta do dia que teve. Os olhos mal abriam,
todavia Margô conseguiu falar seu medo mesmo que o sono
pudesse vencê-la a qualquer momento. Paralisei esperando que
voltasse a dormir, e quando isso aconteceu voltei a movimentar. —
Não, por favor. — Senti seus dedinhos agarrando a minha camisa.
— Ei, calma — sussurrei em uma tentativa de acalmá-la, para
que pudesse ter seu descanso merecido. — Prometo que volto. —
sussurrei me aproximando para depositar um beijo leve no topo da
sua cabeça.
Esperei mais alguns segundos observando-a dormir de fato.
À medida que sua respiração se aprofundou, eu soube que
poderia ir e deixá-la dormir. Era imensurável o quão grande ela
estava. Parecia que tinha sido dias atrás que eu enlouquecia para
nos manter vivos, naquela casa imunda carregada de drogas e
bebidas por toda parte.
Meu olhar desceu para uma das suas mãos expostas.
Foi inevitável não sentir meu estômago se revirando quando
notei as cicatrizes de cigarro ainda presentes no seu corpo. Tudo
que eu mais almejava era voltar na porra do tempo e ser forte o
suficiente para evitar que aquelas marcas existissem nela.
Eu fui fraco quando deveria tê-la protegido.
Um grande merda inútil.
Isso não iria acontecer nunca mais, forcei meus pensamentos
a se tranquilizarem quando lembrei que meu genitor não estava
mais vivo para fazer algum mal a Margô , e nem a mim mesmo.
Alexander deveria estar queimando no inferno naquele exato
segundo.
Com uma lufada de ar, deixei o quarto a passos lentos e
cautelosos. Eu chutaria minha bunda um milhão de vezes se fizesse
qualquer barulho que pudesse acordá-la novamente.
Quando cheguei na cozinha, enxerguei Judy sentada à mesa
de jantar. Havia uma garrafa de vinho barato na mesa e uma taça
empunhada nos seus dedos, ao lado da bebida estava a casinha de
Billy, o hamster de Margô, comendo sua ração.
No momento em que suas íris me viram ela ergueu uma das
sobrancelhas.
— O que é, seu bundão? — Semicerrou os olhos, como se
estivesse passando por um julgamento mental da minha parte e
com isso, apenas dei de ombros, puxando uma cadeira.
— Ah, nada. Estou apenas admirando sua companhia para o
vinho — zombei, dando outra olhada no bichinho. Margô conseguiu
me fazer adotar um hamster para ela no verão passado, ela tinha
um poder de persuasão muito bom, afinal. — Achei que não
gostasse de beber, Judy.
— Vinho é sempre a melhor pedida. — Empunhou a bebida
para o alto em um brinde silencioso. Apenas soltei uma risada
nasalada, deixando que todo o cômodo absorvesse meu falso riso.
— Está me encarando demais.
— Não quero seu vinho, mulher. Pode ficar despreocupada. É
todo seu, se te tranquiliza — declarei, escorregando minhas costas
sobre o assento macio à sua frente.
— Que bom que sabe. — Sorriu, prepotente até demais. Mas
o seu sorriso não durou muito, logo deu lugar a um olhar sério e
rigoroso. Parecia que eu tinha voltado para o colegial e Judy me
colocava na linha, mesmo sendo uma versão pior que eu.
Ela sempre teve esse jeito protetor. No fundo, só queria
salvar alguém como não conseguiu fazer com sua mãe, após
descobrir o câncer.
Naquele semestre iria completar cinco anos do falecimento
da senhora Darla. Ela acabou nos deixando quando o tumor se
espalhou sem chance de esperança para a família Sanchez.
Foi assim que Judy virou orfã, como eu.
Ela não tinha ninguém.
Judy nunca havia conhecido seu genitor, ao menos, ela teve
essa sorte. Ele tinha deixado a senhora Darla grávida após
descobrir que estava esperando um filho seu. Não deu satisfações,
apenas partiu.
Era somente isso que eu sabia sobre a família dela.
E por mais que a garota fosse um livro aberto na maior parte
do tempo, Judy nunca mais quis falar sobre o seu doador de
esperma, porque simplesmente não sabia basicamente nada sobre
ele, nem mesmo seu primeiro nome.
Judy carregava consigo orgulhosamente o sobrenome de
solteira da sua mãe.
— Quando vai voltar a vê-la? — Ela indagou, cortando meus
pensamentos sobre seu passado. A menção de vir outras vezes fez
meus ombros ficarem tensos. — Não me diga que vai sumir outra
vez.
— Judy…
— Sem essa de Judy, apenas confesse logo, Alex. Agora. —
Deixou a taça sobre a mesa.
Passei dois meses ignorando meus deveres e não percebi o
estrago que aquilo poderia fazer. Estava tudo uma merda. Não tinha
forças para vir simplesmente com a cara mais lavada do mundo
inteiro e parecer feliz. Mesmo que Margô pudesse me tirar os risos
mais sincero do mundo.
Tudo estava caindo ao meu redor. Nunca tinha estado tão
fraco como seguia nos últimos dias.
— Prometo que venho com mais frequência.
— Sério? — Fixou mais ainda seus olhos em mim.
— Palavra de escoteiro. — Fiz um sinal de continência,
enquanto declarava a confissão.
— Você nem é e nunca foi escoteiro, seu babaca! — chiou,
torcendo a pontinha do nariz.
— Escoteiro tem palavra de honra, Didy. — Inclinei a cabeça
para o lado dando um sorriso maroto.
— Esse apelido somente Margô tem o privilégio de usar,
Alex. Nem ouse repeti-lo outra vez. — Fingiu estremecer os ombros
diante dos meus olhos. — Agora falando sério, o que vai fazer
quando a faculdade acabar?
— Você sabe, vou ter que alugar outro apartamento. Esse é
grande demais para conseguir manter Margô e eu. Você também
pode vir, se quiser. — Dei de ombros. — Acho que Margô não
sobreviveria sem você, de qualquer maneira.
— Não sei se é uma boa. E nem sei como vou seguir com a
minha vida depois que você estiver finalmente com ela.
— Você não precisa fazer isso, sabe que estou sempre aqui.
— É claro que eu sei, senhor-dois-meses-vadiando. —
Mostrou seu descontentamento com o meu sumiço.
— Nunca vai deixar isso para trás? — indaguei, curioso.
— Não, como Margô já deve ter te perdoado eu irei relembrar
a você sempre que puder, James.
— Que porra, Sanchez.
— Alex? — O tom estava diferente.
— Oi, Judy. — Esperei sua pergunta.
— Porque você sumiu?
Puxei o ar, desviando meus olhos de Judy. Demorei alguns
segundos para criar coragem e responder com sinceridade.
— Estava adiando o inevitável.
— Por que isso agora?
— Porque eu estou com medo, Judy. Medo pra caralho do
que pode acontecer daqui uns meses. E quase... — Quase tive uma
recaída.
Não queria comentar, Judy me odiaria para sempre. Ela
nunca sonharia sobre o que pretendia fazer na oficina. Ela teria nojo
de mim. Talvez não permitiria que eu visitasse novamente Margô.
— Quase o quê?
— Nada. Isso não é importante.
Ela suspirou, encarando o vinho. Seu dedo dançou pela
borda da taça lentamente enquanto o breu nos consumia pela luz
fraca da sala.
— Sabe, todos os dias eu tento imaginar como seria nossa
vida, se fosse do jeitinho que a gente sonhava no colegial. Talvez eu
estivesse formada, teria um trabalho, talvez um namorado.
— Você não precisa ter uma vida diferente para conseguir
realizar seus olhos da época de pirralha, Judy — inquiri.
— Mesmo? Qual você já realizou? — Sentia em cada
corrente sanguínea do meu corpo o sinal de zombaria, refletido no
seu tom de voz. — Não conseguimos nada, Alex. Eu sou uma
fracassada, sem nada. E quando tudo isso acabar, ficarei em
destroços. Como vou conseguir um trabalho se em todo lugar é
necessário experiência ou um diploma?
— Você não vai ficar sozinha, Judy. Eu dou minha palavra,
mesmo que ela não esteja valendo pelo menos um dólar, eu aposto
minhas palavras de que você nunca mais precisará voltar para
aquele ciclo.
— Estou com medo, Alex. Realmente estou. — Apertou os
lábios, após deslizar o vinho praticamente todo pela boca.
— Se te consola, eu também estou. Mas como disse, te dou
a minha palavra e farei como sua mãe me pediu.
— O quê? — Vi seus olhos brilharem após a menção de sua
mãe.
— Cuide bem da minha garota, que xinga como um
caminhoneiro chileno. — A confissão a fez rir, e pelo menos uma
vez na vida, eu soube que precisava quebrar aquele clima que
denunciava aparecer a qualquer segundo.
Sempre que colocava meus pés naquele apartamento, que
valia mais que a vida de Judy e Margô juntas, sentia a verdade
vindo cada vez mais rápido.
Sem pressa de me destruir.
Eu sentia culpa por pisar naquele lugar.
Me sentia uma pessoa com duas faces, a pior era aquela que
eu lutava para esconder de todos ao meu redor. O apartamento
extraía todo sentimento bom que poderia existir de mim. Margô e
Judy eram minhas motivações, ainda que minha prioridade fosse a
pequena, Judy estava em todos os meus planos.
Eu devia minha própria vida a ela.
— Vou indo, Didy. — Vi seu dedo do meio aparecendo,
enquanto ela apoiava o cotovelo sob a mesa.
— Já falei que na sua boca esse apelido não deve estar,
cara. — Bufou, esticando umas das mão para pegar sua taça.
— Tchau, Judy.
— Tchau, Alex — declarou, quando eu caminhava até a porta
e em seguida, abri.
Após suas últimas palavras, eu saí, fechando outra vez a
textura amadeirada atrás de mim. No mesmo segundo algo molhado
deslizou da minha bochecha, à medida que meu corpo escorregava
as costas por ela.
Não estava conseguindo respirar com facilidade, parecia ser
a coisa mais difícil que tentava fazer naquele momento. O ar parecia
ter entrado em ebulição por todo o prédio, deixando-me atordoado.
Lágrimas seguidas de outras surgiram.
Eu menti para Judy.
Eu não sabia como iria funcionar quando chegasse o
momento.
E enquanto atravessava a cidade, segui todo percurso
daquela forma, chorando por um futuro tão distante e ao mesmo
tempo, perto.
Era inevitável mudar aquela situação.
Principalmente quanto eu estava prestes a estragar tudo.
15.1

PARTE I: FALANDO EM CÓDIGOS


E eu posso ir aonde eu quiser
A qualquer lugar que eu quiser, menos para casa
My Tears Ricochet | Taylor Swift

Estava quase me arrependendo.


Já era a segunda ligação que eu fazia para ela.
— Vamos lá, atende... — sussurrei baixinho contra o celular,
enquanto mordia a ponta do polegar.
— Olá, Hannah — minha mãe soprou do outro lado da linha.
O tom continha descaso, quase sem interesse em continuar com a
ligação.
Ah, mamãe... eu também não queria ter essa conversa.
— Estou noiva — falei rapidamente, como se fosse a porra
de um segredo que eu precisava contar para ela.
Houve silêncio por alguns segundos na chamada, mas logo
Lilian retornou com sua casual voz aveludada:
— Sério? Pela primeira vez você me conta algo realmente
importante, veja só. Quando vão fazer a festa de noivado? — As
palavras que saíram dos seus lábios foram como um golpe bem na
minha barriga.
Por um instante, me arrependi de ter contato. E logo em
seguida, me senti uma tonta por aquilo continuar me afetando.
— Ethan me pediu em casamento ontem, mãe. Não pensei
em festa de noivado ainda... — E era verdade, ainda tentava
absorver toda aquela informação de ser noiva de alguém, enquanto
mantinha um relacionamento conturbado com essa pessoa.
A última coisa que minha mente queria saber era de
organizar uma festa para celebrar algo que nem tinha certeza se era
mesmo a coisa certa.
— E o que está esperando para fazer algo, garota? Melhor,
deixe que eu resolvo isso por você. — Seu tom era o de sempre,
arrogante e cruel. — O que acha de um jantar? É o mais adaptável
para a situação. — Meu ventre se revirou ao ouvir isso.
— Situação?
— Sim, você falou que ficou noiva e ainda não vi a notícia
correndo pela cidade. Você é filha do homem que comanda toda
Boston, Hannah. Deveria ter pensando nisso.
Fiquei em silêncio na chamada.
Com isso, ela viu como sinal para continuar em frente.
— Ligarei para Oscar vir ao jantar, talvez assim, a nova
esposa saia da caverna. — E quando meus ouvidos absorveram o
comentário hostil, entendi porque Magnólia não queria ser
apresentada para a sociedade como esposa de Oscar Hinxton.
Mamãe havia citado ela algumas vezes, mas nunca tão
afundo, apenas que ela recusava seus convites de se encontrarem
com as outras esposas troféus da cidade, que passavam seus
horários livre tomando champanhe e falando mal das que não foram
convidas.
Em algumas das conversas Magnólia foi pautada, no entanto,
seu nome não foi mencionado. Ela era conhecida apenas por ser a
esposa de Oscar que ninguém conhecia, havia boatos de que
esteve internada em alguma casa de reabilitação. Todavia, as fontes
daquelas mulheres nunca eram confiáveis de fato para se acreditar.
— E quando será isso? — indaguei, levando o polegar entre
os dentes.
— Como você avisou muito em cima da hora, o melhor a se
fazer é deixar para esse final de semana.
— Esse final de semana? Tão rápido assim? — Era quinta-
feira, então eu teria apenas um dia para processar aquilo.
— Claro, quanto mais rápido melhor. Ah, compre algo novo
para a ocasião, Hannah. Diga para o seu irmão também vir, é o
mínimo que ele pode fazer depois do último jantar. — Podia já
visualizar o rosto de Eric bem diante dos meus olhos, se estivesse
ouvindo as palavras de nossa mãe.
— Acho que ele não vai querer ir, mãe.
— E por que não?
— Eric anda um pouco ocupado com a faculdade e o time,
provavelmente, não vai ter tempo para ir ao jantar…
Era errado, eu sabia, mas mesmo assim optei em mentir para
encobrir meu irmão de mais um dos castigos que sempre eram seus
jantares. E o pior de tudo, não conseguir ser capaz de deixar ir. No
fim da noite, Hannah Peterson celebrava mais um jantar na casa
que eu guardava as piores lembranças.
— Vai ser no sábado, Hannah. Enfim, conte a ele, caso
contrário, eu falarei.
— Como quiser. — Com isso, ela encerrou a ligação.
Lentamente deslizei o celular até o colo, percebendo que
tudo continuava a mesma coisa, ainda que tivesse passado pouco
tempo desde o último jantar.
Sem saber como dirigir toda aquela informação, corri para o
banheiro mais próximo. Não conseguia pensar direito, parecia que
tudo estava acontecendo ao mesmo tempo na minha cabeça. Não
havia um espaço de tempo entre cada voz falando simultaneamente
ali dentro.
Era um completo desastre, como uma bomba prestes a
explodir a qualquer momento. Eu sabia que não iria durar por muito
tempo, porque a conta já estava batendo na porta.
O desespero tomava meus sentidos, causando ainda mais
medo com o que poderia acontecer nos próximos dias, ao mesmo
tempo em que fechava o punho ao redor da alça da minha bolsa.
Aquele gesto fez com que eu sentisse o pequeno círculo ao redor do
meu dedo.
O maltido anel de noivado.
Senti como se ele estivesse me sufocando à medida que
causava o incômodo e sem pensar duas vezes, eu arranquei a jóia
do dedo, colocando-a no meu bolso. Daquela forma poderia evitar
olhares sobre a novidade que eu carregava, como se fosse uma
jaula, e voltaria a respirar melhor, pelo menos no pouco tempo que
conseguiria me permitir.
Com aquele pensamento me rondando, quase passei sem
perceber do banheiro diante dos meus olhos. Suspirando pesado,
eu entrei, visualizando as portas abertas. Somente isso foi
necessário para que eu me permitisse chorar ali dentro, estava
sendo impossível aguentar toda aquela barra, e ainda tentar
esquecer o que estava acontecendo dentro do meu coração.
Os soluços se deixaram ser mais altos, ecoando entre as
paredes esbranquiçadas do banheiro. Meus dedos tremiam sobre a
pia, enquanto eu apoiava as mãos sobre o mármore com a cabeça
abaixada.
De repente, algo aconteceu.
Ouvi um barulho enchendo o ambiente, como se fosse
alguém vomitando em uma das cabines atrás de mim. Ah, merda.
Rapidamente abri uma das torneiras e limpei meu rosto. Não queria
que me vissem chorando, mesmo que a garota que saísse dali
acabasse me vendo não estando na minha melhor aparência.
E como eu temia, aconteceu. A garota saiu, revelando seu
rosto. Naquele segundo preferia que fosse qualquer pessoa, menos
ela.
Cacete, tinha que ser mesmo Samantha Dawson?
Já não bastava ela ter presenciado o acontecimento de dias
atrás, agora estava me ouvindo tendo uma crise de choro.
Enquanto eu secava meu rosto, ouvi passos e vozes
entrando pela porta do banheiro. Estava entrando mais gente ali,
que droga...
Poderia ter aproveitado a situação e ido embora, mas algo
precisava ser feito antes disso. Queria ter certeza que meu segredo
estava seguro, ainda que estivesse dependendo de Dawson.
Esperei ansiosamente cada uma sair, à medida que
Samantha ligava a torneira e limpava os lábios. Em nenhum
momento ela trocou um único olhar comigo, apenas fazia sua
higiene pessoal de maneira serena, como se não estivesse com
mais pessoas no ambiente.
— Você me ouviu, não foi? — Cortei o silêncio entre nós duas
quando a última garota saiu.
O eco ainda estava ali enquanto Dawson seguia checando
sua maquiagem.
— Depende, eu ouço muitas coisas, Peterson. Mas, às
vezes, meus olhos simplesmente não vêem nada e meus ouvidos se
tornam surdos. Então... seja mais explícita, querida. — ela apoiou as
mãos sob a pia, inclinando seu corpo para frente do espelho.
A garota Dawson estava no seu melhor ângulo e olhando-a
daquela maneira, me fazia entender porque ela era o sonho de
qualquer universitário. Somente um louco conseguiria entrar em um
relacionamento com Samantha.
Na verdade, tinha que ter mais adrenalina injetada no seu
sangue. Porque lidar com a megera diante de mim, tinha que ser
realmente um homem fora da casinha. Eu falava por experiência
própria, morar com ela por um período me fez enxergá-la de outra
maneira.
— Sabe, meu pai sempre comenta sobre o que acontece na
delegacia, quando chega no trabalho. E quase sempre é a mesma
coisa. Que eu me questionava diversas vezes por quê aquilo
acontecia. Consegue adivinhar o que é, Peterson? — Ergui as
sobrancelhas.
— Você está sendo misteriosa e, infelizmente, a minha bola
de cristal não está funcionando hoje — rebati.
— Não, Hannah. Estou sendo o mais direta possível. Porém,
parece que você não quer entender. Mas vamos jogar o seu
joguinho, então… Meu pai sempre comenta em casa que as
ocorrências mais recorrentes na delegacia são sempre envolvendo
violência doméstica, mas, você acredita que em noventa por cento
das vezes as denúncias são anônimas? — a ironia escorria de sua
boca, fazendo meu peito se apertar mais. — Quase nunca é a vítima
que procura socorro, às vezes, é uma vizinha, irmão ou irmã, os
próprios filhos… É bem curioso, não acha? — questionou,
encarando-me pelo espelho.
— Você viu — sussurrei, constatando o que já sabia. —
Pode, por favor, não contar para ninguém? — Engoli em seco.
Em nenhum momento da minha vida me imaginei implorando
para alguém encobrir uma agressão que eu sofreria. Principalmente,
depois da história que ela tinha acabado de contar sobre a vítima
não ser capaz de denunciar.
É porque não tínhamos forças.
Esperamos sempre que em algum momento a pessoa
mudasse. Ou, não ser o suficiente para estar em um novo
relacionamento, já que não havia sobrado partes felizes para
aproveitar.
Mas comigo, seria diferente. Ethan prometeu para mim que
nunca mais me agrediria. Ele seria um homem diferente daquele dia
em diante.
— O que você tem na cabeça, Peterson? — Samantha não
hesitou em compartilhar a decepção nos seus olhos. Parecia que
ela havia tomado as rédeas da conversa, deixando-me contra a
parede.
— Eu sei que você não dá a mínima para o que eu faço, só
queria que você fingisse que nunca viu aquilo acontecer. Pode fazer
isso? — questionei, prendendo a respiração entre os pulmões.
— É isso mesmo que quer? — Franziu os cenho.
— Sim, acredito que não vai voltar a acontecer. Então, não
precisa ficar preocupada comigo, Samantha.
— Claro que você acredita. — Ela riu, balançando a cabeça.
Dawson tinha facetas demais, e poucas pessoas sabiam disso, não
era do seu feitio se sensibilizar com alguém. Para a garota diante de
mim, a única pessoa que Samantha realmente se importava era
consigo mesma. — Vejo que é pior do que eu imaginava, mas se
quer manter esse namoro fracassado por mais tempo, vivendo
dessa forma, pode ficar tranquila. Mas espero que você sempre
lembre do soco que ele te deu, e das outras coisas que ele deve ter
feito, porque eu imagino que não deva ter sido a primeira vez que
aconteceu.
Eu queria dizer para que não falasse assim, eram verdades
que não queria ouvir, porque sabia que ela estava certa. Aquele
soco não foi o primeiro, e implorava para o poder divino se negasse
a permitir outra agressão.
A cada situação uma parte de mim ia junto,
despercebidamente.
Houve momentos em que eu pensei em desistir de tudo.
Do meu relacionamento.
Da faculdade.
Dos meus amigos.
Da minha família.
E de mim.
Era difícil sempre se manter no controle, e todas as pessoas
estavam propensas a isso, ninguém conseguia segurar o mundo
nas mãos, pelo menos não sozinho. Em algum momento haviam
tempestades maiores do que poderia aguentar.
— Irei sempre lembrar, Samantha, se isso te consola e a faz
dormir à noite... — murmurei, desviando meu olhar dos seus.
— Oh, Peterson. Durmo muito, se quer saber, independente
se você está com aquele escroto ou não. O aviso foi dado, é apenas
isso que posso dizer, não sou sua mãe para cuidar do seu bem-
estar.
— Você não consegue ser uma pessoa sensível, não é
mesmo? — questionei, cruzando os braços.
O comentário a fez sorrir com se fosse a porra de um elogio,
quando na verdade, era um verdadeiro insulto de como Samantha
poderia ser amarga.
— Vamos deixar claro uma coisa, Hannah. Não há
necessidade de tentar suavizar essa situação, é uma violência.
Ponto. Eu já detestava Ethan por ser um asno de natureza, agora,
sinto nojo dele. Pense bem na próxima vez de “deslizar” com ele,
talvez o próximo soco seja na boca ou no seu olho, nem sempre
eles dão o mesmo golpe duas vezes no mesmo lugar.
— É para me deixar com medo? — arqueei uma sobrancelha.
— Mesmo sendo do meu feitio, Peterson, não estou falando
isso intencionalmente, é apenas um aviso para se preparar. Já que
é isso que dá para entender quando se permite viver com um cara
que te agrediu em um estacionamento, sem ter medo de haver uma
câmera ter flagrado ou qualquer um passando por ali, naquele
momento. Você sabe que a faculdade é cheia de câmeras de
seguranças, certo?
— Quem não sabe, Dawson? — resmunguei, respirando
fundo.
— Isso melhora ainda mais o meu dia, espero que alguém
inspecione e o denuncie. — Sorriu, em seguida ajustou uma mecha
que tinha caído sob seu rosto. — Você já tomou muito do meu
tempo. — censurou, encarando seu reflexo no espelho, vi seus
dedos limpando a borda dos lábios e logo depois, seu olhar estava
sobre mim outra vez. — É isso, Peterson. — Suas últimas palavras
me acertaram no momento que percebi que ficaria sozinha outra
vez.
Quando a garota sumiu da minha vista eu pude respirar
melhor, senti o ar entrar com facilidade nos meus pulmões, algo que
não conseguia com as palavras de Samantha terem tido um impacto
maior.
Sabia que não seria capaz de aguentar outra aula depois da
conversa que tive com a Dawson. Sentia meu peito doer e uma
vontade absurda de chorar novamente. Queria fugir, ir para um lugar
que ninguém pudesse me encontrar ou visse a dor estampada nos
meus olhos.
Apenas fugir.
Eu queria paz.
Queria voltar a viver sem dor ou medo.
Porque era impetuoso temer o que poderia acontecer quando
se diz algo errado por engano, ou tem uma atitude inesperada e
acaba sendo atacada por algo tão bobo.
Nunca imaginei que viveria isso até presenciar cada
momento apavorante.
Eu precisava viver um dia de cada vez... Só isso.
15.2

PARTE II: ASSOMBRAÇÕES DO PASSADO


Dizem que depende do que fazemos
Eu digo que depende do destino
Está marcado na minha alma
Tenho que deixar você ir
Seus olhos, eles brilham tanto
Quero guardar esta luz
Não consigo fugir disso agora
A menos que você me mostre como
Demons | Imagine Dragons

— Hannah realmente está noiva? — Não pude ignorar o


gosto amargo que se formou na minha garganta quando peguei a
bola entre os braços, enquanto ouvia a pergunta de Nathaniel.
— Infelizmente, sim — Eric resmungou, recebendo meu
lance.
Era incontestável o quanto o gêmeo de Hannah não aprovava
o noivado da irmã, entretanto, ele não mostrava sua oposição de
maneira clara, somente deixava que a loira comandasse suas
escolhas, independente se as opiniões dele fossem contrárias.
— Que porra, achava que ela não tinha esse plano agora. —
Me mantive ainda em silêncio deixando as palavras do tatuado
ecoarem na medida que ele apoiava as mãos nos joelhos,
demonstrando que estava cansado. — Preciso de cinco minutos —
ofegou, levantando a mão em rendição.
Eric e eu assentimos, sentamos no gramado sentindo a
exaustão nos preencher.
— Ana contou ontem à noite, pensei que fosse um mal
entendido, mas pelo visto, estava enganado — Nathaniel voltou a
falar, deixando uma risada nasal se extrair pelo ar.
— Acredito que Stéfany tenha contado a ela... — Eric divagou
passando as mãos entre os cabelos molhados pelo suor. — Ela
ainda não levou a sério a notícia, aliás, quem levou?
— Espero que terminem antes de se casarem ou ele morra
atropelado. — Um par de olhos azuis e cinzas esquentam meu
corpo quando notei que pensei alto demais. — Foi mal, não percebi
que tinha dito alto... — Massageei a nuca, vendo as sobrancelhas
escuras de Nathaniel erguerem-se na minha direção.
— Não posso negar que adoraria que isso acontecesse —
Eric resmungou.
— E quem não adoraria? — Nathaniel disse, por fim,
deslizando a mão até o bolso do short. — Ah, porra...
— O que rolou? — inclinei meu olhar sobre a babá eletrônica
entre seus dedos.
— Ellie acordou — o tatuado voltou, tomando impulso e
fôlego para se pôr de pé. — Ainda não está chorando, mas se
perceber que ficou sozinha com Aaron, em poucos segundos vai
começar o berreiro.
— Então, vamos entrar — Eric sugeriu, se levantando e eu fiz
o meu movimento, seguindo ambos para dentro da casa.
Estava há mais ou menos meia hora jogando conversa fora e
treinando algumas jogadas com Nathaniel, já que era seu dia de
folga e ele estava cuidando dos filhos, enquanto Ana estava na
faculdade.
Como o trabalho de Nathaniel sendo jogador profissional
tomava mais tempo do que ele imaginava, Ana acabava tendo que
levar os filhos consigo para as suas aulas quase todos os dias.
Contudo, ela tinha amigos para ser sua rede de apoio. Quando não
era as meninas, Eric e eu a ajudávamos com o que precisava.
Sabia que cuidar de uma criança era trabalhoso e com duas,
o trabalho era dobrado.
— E aí, alguma novidade com o time? Da última vez que
conversamos sobre, vocês disseram que estavam quase desistindo
deles... — Nathaniel perguntou, abrindo a porta do apartamento.
— Hanks colocou Alex de volta no time titular — Eric contou,
fazendo-me ter alguns resquícios de felicidade ao lembrar da
conversa.
Estávamos treinando duro para o draft, sabíamos que seria nossa
última chance, porque logo nos formaríamos e a vida seria outra.
Não teríamos mais oportunidades de estar em um campo de futebol
americano, sendo jogadores.
— Sério, cara? — Nathaniel sorriu, batendo no meu ombro.
— Eu não falei que ele voltaria atrás? Hanks não consegue viver
sem vocês fazendo mil piadas engraçadas. Como está se sentindo?
— Um puta nervoso, mas acredito que passe com o chegar
da hora do vamos ver.
— Fica tranquilo, irmão. Você já tem experiência de qualquer
forma. Vai se dar bem! — Quando olhei ao redor percebi que
estávamos chegando no quarto das crianças. Nathaniel abriu a
porta, fazendo com que se ouvisse os balbucios de Ellie e em
seguida de Aaron, denunciando que também estava acordado. —
Vem aqui , minha princesa. Está com fome? E você, meu garotão?
— No mesmo instante, o loirinho no berço escuro sorriu para seu
pai, reconhecendo-o.
— Posso pegar um deles, se quiser.
— Já que insiste, pegue meu furacão de cabelos escuros. —
Com isso, Eric pegou a garotinha que sorria graciosamente para um
dos seus padrinhos e voltamos para o sofá.
Porém, enquanto conversávamos, Hannah entrou como a
porra de uma tormenta pela porta.
Nathaniel, Eric e eu assistimos a cena acontecer diante dos
nossos olhos. Ela parecia irritada, nervosa com algo, tanto que nem
notou nossa presença e simplesmente correu pelas escadas.
Ou talvez tenha percebido e decidiu nos ignorar.
Podia se esperar tudo e mais um pouco de Hannah Peterson,
a garota que era o meu raio de sol e a minha tempestade em uma
pessoa só. Única mulher que me fazia pensar em todos os
instantes, independente do nosso passado e da convivência no dia-
a-dia, e ainda amava cada partícula sua.
— O que deu nela? — Nathaniel indagou, apoiando as coisas
de Aaron com uma das mão e com a livre, levava a mamadeira até
os lábios do filho.
— É difícil saber o que se passa na cabeça dela, cara.
Hannah anda muito estranha… — Eric divagou em contrapartida, ao
mesmo tempo em que acolhia Ellie no seu colo.
A declaração me fez ficar pensativo.
Eu daria qualquer coisa para descobrir o que estava
acontecendo, seja qual fosse o motivo, faria o impossível para vê-la
melhor. Porque ver Jane mal, resultava na minha destruição. Ela
poderia duvidar, mas ainda estávamos ligados pelo fio invisível que
nos uniu, no primeiro dia em que a vi.
Aquela garota foi minha motivação para viver meus dias de
pesadelo e aguentar fielmente todos esses anos destrutivos.
— Na verdade, todos estamos assim... — Nathaniel divagou,
ao encarar seu filho entre seus braços tatuados.
Aaron parecia inebriado com todas as figuras e rabiscos pelo
corpo do seu pai, à medida que batia seus dedos sobre os
desenhos.
— O que você quer dizer com isso? — perguntei, confuso.
— Ana — soprou o nome da sua esposa. — Estou
preocupado com ela.
— Aconteceu algo?
— Meio que sim, descobri algo que vem acontecendo nos
últimos dias… — suspirou. — No dia da festa surpresa do estágio
da Hannah, ouvi as três conversando sobre. Ana está
sobrecarregada com os gêmeos, principalmente, dentro da sala de
aula. Ela estava cogitando trancar o curso, porque não quer me
incomodar com o que vem acontecendo.
— Porra, cara... — murmurei.
— Queria fazer algo que a fizesse se sentir melhor, cacete.
Ela passa praticamente o dia inteiro cuidando dos nossos filhos. —
Observei ele passar as mãos entre os cabelos escuros, frustrado.
— As suas férias estão chegando, porque não faz uma
viagem com ela, irmão? — Eric incentivou enquanto subíamos as
escadas até o quarto que havia se tornado das crianças.
— Viagem?
— É, tente convencer a sua sogra ou a sua mãe para cuidar
dos gêmeos, então você tira alguns dias com ela. Simples. — O
loiro abriu os braços como se tivesse dito a solução de todos os
problemas do mundo.
— Até que é uma boa ideia — Nathaniel sorriu.
Com isso me despedi, lembrando que havia alguns carros
para dar uma olhada na parte da tarde.
Droga, paz ainda não era tão real assim como imaginávamos.
O trabalho me esperava.
E depois de quase duas semanas sem parar, eu estava de
volta.
Já tinha trocado alguns pneus carecas, calibrado, checado
marchas e freios, e quando vi, estava trocando o óleo de um carro,
que o cliente iria buscar no fim da tarde.
Quando pensei que poderia ser ele, virei o rosto vendo uma
mulher diante de mim, na entrada da oficina.
— Alex?
Paralisei quando reconheci a voz.
Continuava exatamente a mesma, carregada com seu
sotaque francês. Isso não podia estar acontecendo. Caralho, eu
suplicava que fosse apenas uma alucinação, como sempre
acontecia, mas a única pessoa que atormentava meus pensamentos
era o meu pai.
Nunca tinha acontecido com Magnólia, todavia, preferia ser
assombrado a ter que vê-la diante de mim. Lentamente, virei
completamente o corpo, encontrando o corpo magro há poucos
metros de distância, usando roupas que nem em sonho imaginei
que pudesse ver.
— O que está fazendo aqui? — Tomado pela preocupação,
praticamente rosnei a pergunta, fazendo-a dar um passo para trás,
enquanto apertava a bolsa pequena contra a barriga.
— Eu v-vim... — Engoliu em seco.
— Fale logo, Magnólia. — O pavor em minha voz não era
possível de identificar se ela pudesse, mas eu estava nervoso com
sua presença. Era como se eu estivesse vendo um fantasma na
minha frente, depois de tantos anos longe.
Fazia exato cinco anos.
A idade que Margô tinha, porque ela havia partido dois dias
depois que a menina nasceu. Simplesmente foi embora do hospital,
deixando a filha para trás e foi somente no dia seguinte que eu
soube da notícia.
— Eu vim ver a minha filha, Alex — disparou, fazendo uma
risada ácida de mim ecoar pela oficina. Ela só podia estar
brincando. — Ela está aqui?
— Isso não é engraçado, se pensou que iria simplesmente
sumir por cinco anos e aparecer dizendo que quer ver a filha que
abandonou, Magnólia. Você não tem direito algum. Aliás, Margô
nem sabe da sua existência — cuspi o desprezo.
— Eu sei que eu errei, mas eu apenas queria vê-la…
Meu coração se apertou ouvindo cada palavra. Eu não
conseguia acreditar em tudo aquilo. Era demais para mim.
— Vá embora. É o melhor para todos, não sabe o inferno que
foi depois que você sumiu. Aquele filho da puta ficou louco, quando
descobriu que tinha ido embora do hospital.
— Me perdoe, por favor, eu sinto muito. — Deu um passo a
frente, fazendo-me notar seus olhos brilhando. Eu não sabia que vê-
la me afetaria tanto, como se visse meu genitor vivo, na minha
frente, porque Magnólia era um dos meus maiores gatilhos. — Por
favor, Alex.
— Mas que merda, você tinha que voltar justo agora? Porque
não continuou no buraco onde se meteu por todo esse tempo?
— Filho... — Outro passo encurtou nossa distância,
deixando-me em alerta imediatamente. Minha respiração estava
pesada, sendo impossível respirar sem sentir meu coração doendo.
— Não me chame de filho, porra. Não me chame assim! —
ralhei, apertando meus punhos. — Tudo piorou quando você foi
embora. Ao menos, deveria ter levado a menina, Magnólia. Ela
sofreu tanto… eu não conseguia sequer protegê-la. Eu não
consegui! — gritei, perdendo o controle das minhas emoções.
A mulher que me colocou no mundo estava ali, paralisada, chorando
silenciosamente. Não sabia como reagir ao meu ataque histérico.
— Eu não podia, Alex. Eu não conseguia olhar para o
rostinho dela, quando estava nos meus braços. Ficou claro que eu
não podia cuidar dela naquele momento.
— E ir embora foi a solução que encontrou?
— Eu fui impulsiva, apenas vi uma oportunidade. Não
suportava pensar em voltar para essa casa, preferi trilhar sem rumo
pela cidade, do que conviver com o seu pai.
Eu ri.
— Como se você fosse a única pessoa a odiar conviver com
ele... porra, no dia que vi ele morrendo na minha frente, foi o dia que
eu voltei a respirar melhor. Você sabe, não é? Claro que sabe, caso
contrário, não teria vindo até aqui fazer exigências absurdas.
— Não estou fazendo exigências, filho.
— Irei repetir: pare de me chamar assim. Você deixou de ter
esse direito, Magnólia.
— Você nunca vai me perdoar?
— Nunca — rangi, apertando meus olhos.
Eu sabia que estava chorando. Sabia que nunca conseguiria
ter uma conversa com ela, sem que meus sentimentos entrassem
em ebulição dentro de mim.
No meio da noite, quando Margô ainda era um bebê, eu quis
que ela voltasse, eu teria perdoado sua fuga. Entretanto, eram
pensamentos momentâneos. Porque horas mais tarde, um ódio
consumidor me preenchia por inteiro, deixando claro que não teria
salvação para isso.
Magnólia preferiu partir.
— Na época em que fui embora, não tinha forças para nos
manter, Alex. Sabia que acabaria cuidando melhor de Margô do que
eu. E sempre achei que não viveria por muito tempo nas ruas, o
vício dos opióides não era para me tornar parecida com seu pai.
Apenas queria fugir do que tinha acontecido, mas conheci Oscar...
ele me ajudou. Estou limpa, filho.
— Estava bom demais para ser verdade, sabe.
— Agora eu posso cuidar de vocês...
— Não, mãe. — Frisei a palavra para que pudesse sentir a
repulsa que eu tinha em chamá-la assim. — Você não pode cuidar
de nós. Eu não preciso da sua esmola, chegou tarde demais. Então,
faça um favor a nós dois e volte para o seu homem salvador,
continue fingindo que não tem dois filhos. Volte e nos esqueça de
vez. Margô é incrível…. Ela é inteligente pra caralho. — Sorri. — E
nem sabe que você existe. Nunca sentiu sua falta, porque eu
precisei ser mãe e pai para ela. Precisei fazer escolhas que
mudaram o meu futuro, porque você achou que uma foda fosse
melhor do que sua família. — Cada palavra que saía dolorosamente
dos meus lábios, tinham um impacto diferente. Ela estava ouvindo
tudo o que o meu coração guardou por anos, sem saber que haveria
um momento como aquele.
Magnólia chorava sem dizer nenhuma palavra, enquanto eu
assistia as lágrimas deslizando por suas bochechas. Quem a visse,
não imaginava que tinha somente quarenta anos. Parecia ter
menos, mesmo que tivesse ficado grávida aos dezessete anos. Tão
jovem e sem ninguém. Era somente uma francesa pela cidade de
Boston, tentando ser alguém quando encontrou o meu genitor.
O mundo foi cruel com ela.
Mas acabou sendo tirano comigo também, mastigando cada
parte minha quando pensei que seria salvo. Não tive ninguém que
pudesse me ajudar. Era eu por mim mesmo, nos meus dias mais
difíceis.
— Eu queria poder ter dado um pai melhor para você, meu
filho. Queria que não tivesse passado por tanto, Alex. Por isso, eu
estou disposta a vir todos os dias, até você me perdoar e permitir
que eu veja a minha menina. Está no seu direito de protegê-la, mas
lembre-se que eu não sou seu pai. Eu imagino o que deve ter
passado, afinal, convivi ao lado dele por quase dezoito anos. — Ela
estava prestes a continuar com suas palavras de redenção, mas
algo a fez parar imediatamente quando uma criança entrou na
oficina, chamando por ela.
— M-mamãããe!
Aquela foi a gota d’água.
— Já pode ir embora, Magnólia. Sua nova família parece que
precisa mais de você — declarei, quando o menino enroscou os
braços ao redor de umas das suas pernas. Com rapidez, ela pegou
o garoto no colo, e me encarou de volta. — Agora sei porque
demorou tanto para voltar, mamãe. Você já tinha um filho para
cuidar. É claro, dois seria trabalhoso demais. — O sarcasmo
escorreu em cada parte da minha língua.
— Não é isso, Alex. Eu juro que não foi esse o motivo —
limpou as lágrimas.
— P-por que tá chorando? — O garotinho perguntou, falando
tudo errado, para sua mãe, ao mesmo tempo que tocava suas
bochechas.
— A mamãe está bem, querido. Estou conversando. Eu não
falei para me esperar no carro? — indagou, quando ele descansou a
cabecinha no seu ombro. — Ele se chama Cole. — olhou para o
menino e, em seguida, disse: — Ele tem um ano e meio. Nasceu
depois de um ano que saí da clínica de reabilitação, Alex. Foram
dois anos intensos lá, sentindo que eu não iria sobreviver sem
aqueles remédios para dormir. Oscar quem pagou tudo, ele não
tinha pretensão em cobrar sua ajuda ou receber algo, com
segundas intenções. Ele me deu uma segunda chance quando me
pediu em casamento.
Eu tinha notado a aliança no seu dedo, mas havia preferido
não mencioná-la.
— Minha proposta ainda está de pé, Alex. Irei voltar aqui até
encontrá-la — jurou, firmemente.
As íris não deixavam que Magnólia mentisse ou talvez, ela
soubesse bem como enganar qualquer pessoa. Não me dei ao
trabalho de responder, apenas continuei encarando-a com a criança
no colo. Minha mãe tinha mais um filho. Aquele que, provavelmente,
cresceria com todos os privilégios que alguém conseguiria ter.
Não iria precisar temer em algum momento, ter sua pureza
destruída quando menos esperasse, porque viu seu pai espancando
sua mãe no chão da sala, enquanto estava grávida. Não se sentiria
impoentente, por não ter forças o suficiente para apagar o homem
que a faria chorar. Não iria precisar fazer economias exageradas,
apenas para ter o que comer pela semana inteira.
Ele seria o moleque mais sortudo daquele mundo. Bastava
apenas visualizar as marcas de grife que usava quando entrou na
oficina, tudo de alta costura, feito sob medida. O garoto teria a vida
ganha e a melhor que poderia ter.
Exausta por não obter respostas de mim, ouvi seu suspiro
baixo, soprando pelo ambiente. Movida pelo cansaço, ela me deu
mais um olhar, e saiu da oficina. E foi naquele exato segundo que
consegui voltar a respirar sem dificuldade.
Aquele dia ficaria marcado pela história.
16

INCONTESTÁVEIS
Segredos que tenho mantido em meu coração
São mais difíceis de esconder do que pensei
Talvez eu só queira ser seu
Eu quero ser seu, eu quero ser seu
I Wanna Be Yours | Arctic Monkeys

PASSADO
Uma semana desde o fiasco na casa da família Peterson,
que também contabilizava os dias em que não ia para a St. Emery.
Os últimos dias acabaram se tornando cansativos demais
quando precisei me dedicar unicamente ao trabalho da oficina.
Estava sem nenhum tostão furado nos bolsos e, fora isso, eu
precisava cumprir a promessa que fiz a mim mesmo, semanas
atrás.
Prometi que iria conseguir outra câmera fotográfica para
Hannah.
Era essa uma das minhas motivações para continuar
trabalhando e vivendo, caso contrário, não existiria mais Alex,
depois de uma semana compartilhando o mesmo espaço que o meu
pai.
Não havia paz quando se respirava o mesmo ar que ele.
Eu precisava estar com os olhos e ouvidos bem abertos,
diante de qualquer situação que o envolvesse. Margô estava em
completo perigo, a cada segundo que eu me obrigava a trabalhar
constantemente. Não era algo que eu queria. Porra, ninguém
merecia ficar em alerta a cada choro de uma criança e temer o pior
acontecendo, no lugar que ela deveria está segura.
Entretanto, aquele não era o caso.
Alexander era o diabo em pessoa.
Não havia mais sanidade correndo em seus sentidos, existia
apenas um vício irreversível pelas drogas e suas bebidas
diariamente, e por isso, precisava estar ciente nas minhas decisões.
Porque qualquer passo em falso com ele, mudaria todas as rotas
que vinha percorrendo para dar um basta nisso tudo.
Meus ombros estavam tensos quando coloquei Margô no
berço. Os cabelos cresciam a cada dia, formando alguns cachos
ainda mais ondulados. E mesmo que ela estivesse um pouco abaixo
do peso ideal para a sua idade, a garotinha carregava as bochechas
mais redondas que eu já vi na cidade de Boston.
Sua respiração estava serena.
Foi esperando por isso que a deixei no quarto, implorando
que ela tivesse algumas horas de sono, o suficiente para me deixar
trabalhar na oficina.
Enquanto me aproximava do local, ouvi um barulho indo na
direção que meus pés estavam acostumados a ir. Puta merda, o que
podia ser? Meus passos se tornaram lentos à medida que encurtava
os movimentos, somente para descobrir quem estava ali.
Parei bem no meio da porta e encontrei a figura do homem
que há meses não entrava naquela oficina por nada. Podia ver
somente suas pernas para fora ao mesmo tempo que se mantinha
por debaixo do carro.
Que merda ele estava pensando em fazer?
— Puta que pariu! — Ouvi ele rosnando, parecia irritado com
algo debaixo do carro. Quando estava prestes a dar um passo para
trás e ir embora, percebi as rodinhas do suporte rolando. — Ah, é
você. Me dê uma chave estrela, seu merdinha — ignorei a
percepção do meu estômago se revirando, no momento em que vi o
pequeno pino de droga ao lado do seu corpo. Não tinha visto antes,
se soubesse, não teria ficado tanto tempo vacilando na oficina.
Era um mau sinal.
Deslizei meus olhos sobre Alexander e vi o pó esbranquiçado
sujando todo seu nariz, com isso, eu apenas conseguia sentir nojo
do homem diante de mim. Aquele era o meu genitor, a pessoa que
eu tanto lutava para viver longe.
Talvez eu nunca tenha odiado alguém tanto quanto eu odiava
ele.
Alexander destruía tudo que tocava.
Era o pior homem que existia na Terra.
Às vezes, eu tentava aceitar que foi por isso que Magnólia foi
embora. E se realmente fosse, ela tinha se livrado do mal que
Margô e eu vivemos após sua partida. Ainda restava tudo que um
dia foi seu, guardado em caixas no sótão, poucas lembranças, na
verdade. A maioria Alexander havia jogado na frente da casa, em
um dos seus surtos, enquanto estava cego pela cocaína.
Lembrar dela me fazia ficar perdido, eu queria explicações.
Lutava por isso.
No modo automático, eu segui até a caixa de ferramentas e
peguei a chave de fenda, em seguida, entreguei a ele. Quando
pensei que estava livre, senti algo sendo lançado na minha direção.
Em um instante, a ferramenta estava nas mãos de Alexander
e, no outro, cortando a minha bochecha esquerda.
— Porra, eu falei chave estrela, filho da puta! Nem para isso
você presta? — Tensionei a maxilar enquanto deslizava meus dedos
até o corte, não conseguia ver, somente senti-lo.
Pela proporção da ardência, podia perceber que o corte tinha
sido profundo, enquanto o pouco de sangue começava a pingar no
piso sujo da oficina. Meu genitor não pensou que, ao lançar a chave
em mim, poderia causar algum ferimento. Na verdade, ele estava
pouco se fodendo para o que acontecesse comigo ou Margô.
Éramos apenas os filhos imprestáveis que acumulavam problemas
na sua vida.
E se não fosse pela minha insistência em aprender a
comandar a oficina, Margô e eu teríamos morrido de fome. Porque
para o desgraçado, tudo que importava, era seu próprio nariz.
Assisti ele deixando o ambiente, levando consigo outro pino
que não havia visto quando entrei. Era melhor assim, ansiava pelo
dia em que o vício fosse maior e ele tivesse uma morte lenta e
dolorosa. Porém, parecia que o universo estava contra isso, nada
saía da maneira que eu queria.
Os últimos dias que aconteceram foram um fiasco.
Não somente para mim, mas para Margô também. Em um
momento de deslize não a ouvi chorando, estava conversando com
um cliente, fazendo ser impossível de identificar qualquer choro que
denunciasse o bem-estar da minha menina. E quando finalmente
percebi, corri para ver o que estava acontecendo.
Vi meu pai tentando sufocar Margô com um travesseiro. Os
olhos vermelhos e a voz deixavam nítido que ele estava drogado.
Pior que das últimas vezes.
Nas palavras dele, a menina estava dando-lhe dores de
cabeça e foi seu modo de acabar com dois problemas.
Podia dizer que nunca senti tanto medo na minha vida, como
senti naquela tarde.
Como uma pessoa poderia fazer tanto mal a alguém?
Eu me odiei por não ter notado seu choro antes.
Me odiei por não ter conseguido ir embora com ela.
E me odiei por ter sido um fracasso.
Um erro na vida de todos.
Às vezes, passava pela minha cabeça abandonar a ideia de
voltar para o colégio. Deixar que Hannah conhecesse alguém que
se encaixasse com ela. Todavia, segundos depois surgia um
sentimento possessivo, onde um alerta piscava no meio dos meus
pensamentos.
Jane deveria ser apenas minha.
Mesmo que em cada palavra dela houvesse repulsa e uma
pitada de aversão, eu lutaria até conseguir uma trégua.

Respirei fundo.
Havia todos os tipos de câmeras fotográficas que eu nunca
imaginei ver na vida.
Câmeras profissionais, digitais e analógicas.
Imaginava que se Hannah estivesse aqui, pensaria que eu a
levei para o paraíso. E apenas por esse pensamento, um sorriso
brotou nos meus lábios. Inspirei, procurando o olhar de Judy que
balançava o carrinho de Margô para frente e para trás, repetidas
vezes.
— Qual você acha melhor?
— Ah, cara... por que você não compra o mesmo modelo que
ela já tinha? — Judy deu de ombros.
Fiquei pensativo, sabendo que a câmera quebrada estava
comigo, desde o dia da detenção. Hannah não tinha percebido, mas
acabou deixando o aparelho, e foi ali que vi uma oportunidade de
um possível perdão.
— Tem desse modelo? — perguntei para o atendente e os
seus olhos analisaram a câmera com cuidado.
— Infelizmente, não temos, é um modelo que já não é mais
produzido. Tenho somente peças para consertos. Porém, temos
outra que é um modelo muito parecido com a sua, se quiser ver.
Assenti.
— Por favor — assenti.
Dois minutos depois ele estava de volta com a câmera em
mãos.
— Aqui está. — Analisei com cuidado qual poderia ser a
melhor escolha, porque simplesmente não fazia ideia de como
funcionava o mundo das câmeras.
Por fim, acabei pedindo a ajuda do vendedor, imaginando que
ele entendesse mil vezes mais. Meu lance eram carros, poderia
colocar qualquer veículo na minha frente que eu saberia dizer seu
modelo completo.
— Vou levar esta — declarei e paguei. A câmera antiga de
Hannah havia ficado na loja para conserto, eu também entregaria se
tivesse salvação, mesmo estando com uma das lentes quebradas.
— Foi uma boa escolha — Judy disse, olhando para o
aparelho na caixa. — O atendente gato tem um bom gosto. — Fiz
uma careta ao ouvir seu comentário, enquanto caminhávamos para
fora do estabelecimento.
— Eu não preciso ouvir isso, cara.
— Eu só falei que ele era gato, Alex — resmungou. Naquele
momento quem guiava o carrinho de Margô era eu e, enquanto
seguíamos para a praça da cidade, Judy cortou nosso silêncio.
— Você realmente gosta dessa garota, não é?
— Acha mesmo? — Franzi o cenho pensativo.
— Desde a primeira vez que você a viu, fala nela. Ainda tem
dúvidas? — relembrou quando eu descrevi cada detalhe de Hannah
à Judy.
De como ela tinha sido a primeira garota com mechas rosas,
em um colégio de elite, que me fascinou. Ainda conseguia lembrar
tudo que senti no momento em que meus olhos viram ela.
O sentimento perpetuava descaradamente mesmo depois de
tempos.
— É... talvez, eu goste dela.
— Traduzindo: você está de quatro por ela. — ironizou,
balançando a caixa entre os dedos. — Sabe quantos caras
passariam dias empenhados em conseguir dinheiro para comprar
uma câmera dessa? Pelas minhas contas o número é bem baixo,
praticamente nulo. Ninguém se daria ao trabalho, Alex. A garota
poderia ter quantas câmeras quisesse, simples assim.
— Eu tinha que fazer isso, Judy. Eu joguei aquela bola de
propósito.
— Sim, e porque queria chamar a atenção dela. Aliás, você
deveria se inscrever para o time de futebol americano, antes que
fechem as inscrições
— Isso... Argh! — Não sabia como me defender.
— RÁ!
— Tudo bem... você está certa, Judy. Estou completamente
de quatro pela Hannah. No entanto, a vida começou a imitar a arte
depois que decidimos fazer um trabalho juntos, sobre Romeu e
Julieta, e com isso, quero dizer que a mãe dela não me quer perto
da sua doce filha.
— Uau, que lei da atração foi essa? — Ela riu da minha
desgraça.
— Menos, por favor — resmunguei, revirando os olhos.
— Se é isso que quer, oh, Romeu — imitou uma das falas de
Julieta Capuleto, enquanto gargalhava.
— Você é insuportável! — grunhi.
Judy se tornou minha melhor amiga sem que eu tivesse
chance de escolha. E quando menos esperei, ela estava ao meu
lado, trilhando um caminho que nunca sonhei atravessar. Onde
havia muitos encalços e trajetos perigosos demais para dois jovens,
ainda no começo da vida.
Tão novos e tinham que carregar em silêncio o fardo.
Eu prometi a mim mesmo que, quando fosse embora daquele
lugar, daria um jeito de levá-la junto com sua mãe, a qual a filha
tanto lutava pela recuperação. Entretanto, a cada dia que passava o
diagnóstico se agravava.
Judy não comentava, porém, era possível ver em seus olhos
o quanto estava mexida por ver sua mãe a deixando, pouco a
pouco.
Não restava nenhuma saída.

Suspirei.
Era bom estar de volta.
Tudo parecia exatamente igual, menos eu mesmo.
Tinha apenas um desejo, enquanto procurava por Hannah
pelos corredores, e ele era entregar a câmera em suas mãos. E
ainda que eu não fosse merecedor, queria ter sua simpatia.
Não tinha segundas intenções, mas receberia de bom grado
caso ela optasse em deixar seu rancor para trás.
E quando a encontrei, Hannah não me notou, enquanto
conversava com sua cunhada, até que... Um sorriso surgiu nos
meus lábios, quando vi ambas se despedindo. Stacy seguiu para o
lado oposto, contudo, a garota de mechas rosas caminhava na
minha direção, com o celular tomando sua atenção.
Esperei até que ela se aproximasse até onde eu estava.
Quando o momento chegou, puxei sua mão fazendo nós dois
entrarmos na única sala vazia daquele corredor.
— Olá, Jane.
Hannah demorou um total de dois segundos para entender o
que estava acontecendo.
— Alexander? Pela mãe, você sumiu. O que aconteceu? — O
verde dos seus olhos pareciam querer saltar para fora.
— Pode me chamar de Alex, Jane — sussurrei, sentindo-me
incomodado a cada vez que se referiam a mim por aquele nome.
Odiava que me chamasse de Alexander, fazia parecer que
éramos a mesma pessoa. Iguais.
Alexander era desprezível.
Um grande filho da puta. E eu não era assim.
— Tudo bem, Alex... acho que vou demorar para me
acostumar, mas irei me esforçar — Sorri fraco, enquanto estava
sendo tomado para o fundo dos seus olhos verdes. — Por que você
sumiu?
— Precisei resolver algumas pendências.
Ela arqueou a sobrancelha.
— Eram mais importantes do que sua educação? Você
perdeu aulas demais!
— Ah, pode crer que sim. Aliás... — Tirei a mochila das
costas e procurei a caixinha que tinha colocado dentro antes de sair
de casa. — Aqui. — Coloquei o embrulho nas suas mãos.
— O que... — indagou enquanto abria o presente. — Ai meu
Deus. Ai meu Deus! Não acredito que você fez isso! — exclamou,
sorrindo. O mais puro sorriso que eu poderia receber. — Mas por
quê?
— Era minha obrigação depois do que fiz com a sua.
— Tudo bem, eu sei que fui um pouco hostil no dia da nossa
detenção e depois também... e sobre a situação constrangedora na
minha casa, semanas atrás, queria pedir desculpas.
— Você já pediu, Jane. Aquilo não teve importância para
mim, de qualquer maneira — no fundo tinha uma parcela de
ressentimento, mas no fim, seria apenas incluída no fundo da minha
memória.
Era algo que gostaria de fazer com todas as lembranças que
me aterrorizavam.
— Certo... se o que diz é verdade, gostaria de lhe fazer um
convite. Meu aniversário de dezoito anos está chegando e eu decidi
fazer uma festa para comemorar, na minha casa.
— Jane... — Tentei interrompê-la.
— Eu sabia que você iria reagir assim, mas não se preocupe.
Meus pais não estão na cidade, então, a casa vai estar liberada —
revelou. — O que me diz?
— Prepare um lugar especial para mim, Jane-Gatinha.
Estarei lá.
Um sorriso largo se formou nos seus lábios. E merda, eu
acabaria indo sem muito esforço. Seria necessário apenas mostrar
esse sorriso mais uma vez e eu já estaria acampando na frente da
sua casa.
Hannah não sabia o poder de persuasão que tinha sobre
mim.
Eu esperei ansiosamente até o dia do seu aniversário.
Porque a cada dia o sentimento que existia dentro do meu
peito, crescia de forma assustadora. Eu passava todos os segundos
que tinha pensando nela. Adorando-a com devoção.
Sonhando com o dia em que ela seria minha, ainda que eu
temesse a rejeição cruelmente.
Eu guardaria esse segredo a sete chaves.
17. 1

PARTE I: ENCENAÇÕES DE NOIVADO


Transformo a minha mágoa em ouro precioso
Você irá me pagar de volta e colher o que plantou
(Você vai desejar nunca ter me conhecido)
Rolling In The Deep | Adele

O jantar iria ser servido em alguns minutos.


E tudo que eu conseguia observar era o mundo, pouco a
pouco, querendo desabar sobre minha cabeça, a qualquer
momento.
Minha pernas estavam agitadas. As mãos se remexiam a
todo segundo, porém, de uma forma que ninguém pudesse notar o
meu desespero se tornando cada vez mais real. Tudo parecia ficar
ainda mais desconfortável quando o aperto do anel, ao redor do
meu dedo, ficava mais aparente.
— Você pode, por favor, parar de agir igual uma louca? —
Ethan sussurrou contra o meu ouvido, ao mesmo tempo que sua
mão ficou sobre a minha, fazendo com que minhas pernas
parassem de se mover imediatamente, não porque a presença do
meu noivo me confortasse, mas por medo do que ele faria se eu não
parasse. — O que há, hein?
— Nada... — murmurei, respirando com dificuldade.
— Ótimo, coloque pelo menos um sorriso no rosto. Todos
estão percebendo, Hannah. — Eu assenti, sorrindo como se ele
tivesse dito algo gentil e não uma ordem para mascarar meu
nervosismo com aquele jantar.
Procurei algo que pudesse me entreter enquanto aquele
show de horrores não começava, de uma vez por todas. Naquele
segundo, meu pai conversava com meu sogro sobre política, e com
isso, foi possível lembrar que a esposa dele não estava presente.
— Sr. Oscar, por que sua esposa não veio? — Droga, em voz
alta a pergunta pareceu idiota demais. Os olhos do homem diante
de mim encontraram calorosamente minha figura, do outro lado da
mesa.
No mesmo instante, Ethan pigarreou.
— Não há importância sobre a presença dela aqui, amor —
Ethan respondeu antes do seu pai, fazendo-o tensionar os ombros.
— É apenas uma intrusa.
— Mag não estava se sentindo bem, Hannah. Aliás, ela pediu
desculpas por não poder comparecer ao jantar — declarou,
ignorando totalmente as palavras do seu filho, que cerrava os olhos
sobre ele.
Naquele momento, percebi mais um conflito sendo instaurado
no meio da sala de jantar.
— Sempre há uma outra oportunidade, meu amigo — papai
declarou, revogando a aura ruim que tinha se formado. Não era a
minha intenção, estava apenas curiosa em saber.
— É claro, em uma próxima, consigo apresentar minha
esposa a todos. — Foi esse o seu gran finale, deixando uma olhada
tensa sobre Ethan ao meu lado.
A mão do meu noivo ainda estava apoiada na minha coxa e
entre ela se mantinha minha mão presa, sendo sufocada pelo aperto
que ele depositava.
— Não mencione aquela putinha do meu pai outra vez nessa
mesa, Hannah. Ela não merece ter o sobrenome dos Hinxton.
Estamos entendidos?
— Me desculpa. — Encolhi os ombros e o jantar começou a
ser servido.
Eu não queria acreditar, mas no fim das contas, isso se
tornou tudo o que imaginei. Um caos formado bem diante de mim,
parecia ser o banquete completo, que os sites e revistas de fofoca
adorariam ver.
A sociedade amava uma boa e velha fofoca, principalmente,
quando eram de grande porte.
Suspirei, esticando meus dedos para o vinho sobre a mesa.
Tudo que eu podia me permitir era isso; Afogar minhas
frustrações do jantar que nem havia começado e já se propagou um
descaso ao mundo. Gostaria de voltar ao momento que contei para
Lílian, assim teria evitado estar presa ao show de desastres que
seria até o fim da noite. As alfinetadas estavam apenas começando,
e o bolo na minha garganta parecia crescer a cada segundo, que as
mãos de Ethan apertavam minha perna.
Eu o queria longe de mim.
Mas no momento em que pensava ir embora, os olhos da
minha mãe voltavam para mim. Como se pudesse dizer: não
estrague as coisas, Hannah.
Era então que meus ombros encolhiam imediatamente.
A cada encontro ficava mais difícil ir até aquele lar e Eric
estava certo em não estar presente. Ele pediu desculpas somente
para mim, por não ter estômago o suficiente para aguentar o jantar.
— E então, vocês já têm uma data para o casamento? — Ah,
mamãe perguntas difíceis uma hora dessas? Eu não queria sequer
me casar, quem diria, marcar uma data para o acontecimento.
— Ainda não sentamos para debater uma data, sra.
Peterson.
O sorriso que Ethan deu foi algo que eu ainda não havia
visto. Era falso? Por Deus, tudo em Ethan gritava mentiras. Todavia,
queria que sua promessa de mudar fosse verdadeira. Caso
contrário, eu não aguentaria viver ao seu lado.
— Por que não marcam para maio? É o mês das noivas,
afinal. E Hannah sempre sonhou em casar nessa época. — Deu de
ombros, fazendo-me encarar seu rosto, enquanto ela afundava seu
garfo no salmão grelhado.
Nunca tínhamos chegado ao ponto de contar meus sonhos
para quando me tornasse uma mulher adulta, já que ela sempre
esteve longe quando eu precisava de uma mãe.
— É? — Ethan indagou, curioso com os olhos inertes no meu
rosto.
— Sim, é o mês da primavera — tomei mais um gole do
vinho. Eu precisaria de mais uma garrafa para aguentar até o fim
daquele martírio e escapar de uma crise de ansiedade.
— Pelo visto já temos a data, Hannah. — Tirou a mão da
minha perna, apenas para entrelaçar nossos dedos sobre a mesa.
— O que acha de maio, amor?
— É... perfeito. — Levantei a taça como se estivesse fazendo
um brinde silencioso.
— Claro que sim, meu bem. Você será a noiva mais falada
dos últimos tempos. Apenas veja. — Mamãe contraiu o canto dos
lábios. Luxúria consumiu seus olhos azuis claros. Eu não queria ter
essa atenção, sempre quando eu pensava em casamento, via
apenas os meus amigos nele. E parentes próximos. Uma igreja
aconchegante... onde eu poderia recitar os votos que tinha
preparado. — Aliás, você já preparou seu vestido para o evento
beneficente, Hannah?
Era óbvio que isso seria mencionado durante o jantar.
Isso me fazia lembrar que, em nenhum momento, Lilian
perguntou como eu estava me sentindo após ter sido pedida em
casamento.
Se eu estava nervosa ou feliz.
Nem ao menos um parabéns recebi dela.
A mente da minha mãe girava em torno somente dos
assuntos que beneficiavam seu nome. Apenas isso, e nada mais,
foda-se o seus sentimentos, Hannah.
— Sim, não poderia ficar sem um vestido novo para os seus
eventos, mamãe — ironizei, olhando para uma das empregadas que
me servissem com mais vinho. — Por favor. — Indiquei.
— Que bom, tudo que eu quero é os meus filhos ao meu
lado, em um evento tão importante para mim. Mesmo que nenhum
dê a mínima aos meus esforços.
— Lilian... — meu pai alertou.
— Não é a verdade, Oliver? Onde estão Mason e Eric nesse
jantar?
— Hannah já explicou porque Eric não pôde vir — censurou a
esposa, e enquanto isso, percebi Oscar sem jeito com o que estava
por vir. Todavia, eu também ao mesmo tempo que assistia o vexame
se alastrando, de repente, senti um beijo sendo depositado na
minha bochecha à medida em que despejava uma boa quantidade
de vinho entre os lábios.
— Chega de vinho para você, amor. Vai acabar ficando
bêbada — sussurrou, rápido, mas não tanto para eu me fazer de
desentendida.
Com isso, dei o último gole olhando para Ethan, de relance.
Podia perceber minha respiração tensa quando ele falava de
maneira rígida mesmo quando os seus olhos pareciam dizer o
contrário. Esse era o mais me apavorava em Ethan, nem sempre
conseguia captar o próximo ato.
Era exaustivo.
Apenas queria paz.
Queria um minuto de descanso.
Mas estava sendo algo tão distante para a Hannah que tanto
ansiava.
Queria parar de mentir, isso tinha se tornado um hábito que
adquiri sem perceber durante esses cinco anos com Ethan.
Tudo que eu podia ouvir transbordando na minha mente eram
as palavras de Samantha.
Vejo que é pior do que eu imaginava, mas se quer manter
esse namoro fracassado por mais tempo, vivendo dessa forma,
pode ficar tranquila. Mas espero que você sempre lembre do soco
que ele te deu, e das outras coisas que ele deve ter feito, porque eu
imagino que não deva ter sido a primeira vez que aconteceu.
Logo depois vieram as promessas de Ethan, jurando que
nunca mais encostaria um único dedo em mim. Eu precisei de muito
para continuar acreditando em nossa história, o relacionamento
doentio.
Ethan iria mudar, mesmo que estivéssemos em uma
encenação do nosso noivado diante dos nossos pais.
Nunca imaginei que me submeteria a algo parecido.
17. 2

PARTE II: A QUEDA DO TRAIDOR


Você não é meu dono
Eu não sou um dos seus brinquedinhos
Você não é meu dono
Não diga que eu não posso sair com outros garotos
You Don't Own Me (feat. G-Eazy) | SAYGRACE

UM MÊS E MEIO DEPOIS


A cada segundo que meus olhos visualizavam a aliança
enjaulando meu dedo, uma fagulha de medo era acendida contra o
meu peito.
Pensei que o medo mudaria com o passar dos dias, mas
quando notei que estávamos nos encaminhando para o segundo
mês de noivado, tudo mudou.
Tinha certeza de apenas uma coisa na minha consciência:
esse casamento jamais aconteceria se nada mudasse de figura.
Ethan não mudou.
Ele continuava o mesmo homem agressivo e a cada dia mais
possessivo pela ideia de sermos mais do que namorados. Eu não
conseguia mais ser Hannah Peterson, tinha me tornado um ser sem
forças, para me desvencilhar das amarras invisíveis que Ethan havia
posto, sem que eu percebesse.
Tinha que andar na linha, caso não quisesse sofrer as
consequências. Principalmente depois dos desentendimentos que
aconteciam entre Ethan e seu pai, os episódios se sucediam mais
vezes do que eu podia contar.
Ethan não aceitava a esposa do pai como sua madrasta, e
pior, dizia que o irmão mais novo era um bastado. Os ataques se
tornam mais constantes, quando meu noivo achou que acabaria
ficando sem nada. Para ele, Magnólia colocaria toda sua herança
para seu filho, Cole.
Era mais uma novidade que eu não sabia.
Durante cinco anos, a família de Ethan era apenas um
espaço em branco. Eu não conheci sua mãe, não sabia que seu pai
tinha se casado novamente e era pai de um garotinho maravilhoso,
o qual conheci semanas atrás, quando Magnólia o levou para o
colégio.
Cole ainda era um bebê.
Tinha uma fusão incrível dos seus pais, de bochechas
rechonchudas e sorriso sapeca.
Os cabelos castanhos escuros como a mãe, a pele clara e as
nuances dos olhos âmbares iguais ao seu pai. Era um menino doce,
gentil e atencioso. Quem o visse, não imaginaria que era irmão
caçula de Ethan. Às vezes, eu tentava entender qual era o real
problema, se seria realmente esse, ou não conseguia enxergar o
lado do filho mais velho de Oscar.
Suspirei, desviando meu olhar para a jóia no meu anelar.
A região estava avermelhada, deixando claro o incômodo que
me fazia dia após dia, por ser um número menor do que eu usava.
Tentei ao máximo não ligar para a dor, porém, se tornava difícil
disfarçar.
— Hannah? — Stéfany chamou minha atenção.
— Oi — sussurrei.
— Tudo bem? Você meio que... — Ela não precisou terminar
a frase para eu entender que ela se referia ao meu anel.
— Ah, estou bem. Acho que engordei e o anel acabou
ficando apertado — Forcei um sorriso, enquanto contava umas das
mil mentiras que mais falei no último mês.
— Oh, entendi. Não seria mais apropriado o cosinha trocar o
anel pela numeração certa? — Cerrou os olhos esmeraldas.
Era incrível como Ethan seguia sendo odiado pelo meu grupo
de amigos. Nenhum deles conseguia esconder o desgosto em cada
palavra, quando o mencionavam.
— Ethan já tentou fazer a troca. — Mais mentiras indo para a
conta.
Não podia ficar surpreendida com a facilidade com que elas
saíam. Porque Ethan não deu a mínima quando mencionei o
tamanho do anel, apenas constatou que eu estava engordando
quando, na verdade, meu peso só abaixava na balança, e desde o
dia em que fui pedida em casamento, já havia perdido seis quilos.
Estava perdendo muitas roupas, quase todas ficando
impossível de usar.
Largas demais ou simplesmente não paravam no meu corpo.
E ainda assim, o anel machucava o meu dedo.
— Tire isso logo, Hannah. Está na cara que está te
machucando.
— Acho melhor não... — Se ele me visse sem esse anel, teria
um surto no meio da faculdade.
Eu não pagaria para ver isso acontecendo e tampouco, testar o
pouco de paciência que existia nele. Era como se o meu antigo
Ethan tivesse partido, deixando uma réplica idêntica, mas com um
humor ácido, agressivo demais e sem um pingo de compaixão.
— Hannah, ele nem está aqui. E se aparecer, é só colocar de
novo. Que mal pode acontecer se ele ver você sem o anel?
Ah, Stéfany. Você não pode nem sonhar qual seria a reação
de Ethan, caso me encontrasse sem a prisão de muitos quilates que
ele havia colocado no meu dedo.
Mesmo que eu soubesse das possíveis consequências, fiz o que
minha amiga sugeriu. Tirei o anel e o coloquei no bolso da mini-saia
de alfaiataria escura. Precisava lembrar de pôr de volta, antes do
jogo dos meninos começar.
— O que é isso? — Stéfany perguntou, olhando para a tela
do celular. Muitas mensagens estavam chegando, uma atrás da
outra. — Quer ir comigo até o vestiário? Eric pediu para deixar
algumas aspirinas lá e o jogo vai começar em menos de uma hora.
— Ah, claro. — Dei de ombros, levantando junto com ela.
Stéfany começou a recolher os livros de anatomia humana e o
notebook de cima da mesa.
— Seu irmão tem que me amar muito, Hannah. Já estou
cansada apenas por imaginar que terei que atravessar dois blocos
inteiros para deixar esses remédios — resmungou, puxando uma
lufada de ar profundamente.
— O amor tem dessas, Sté — zombei, contendo o riso.
Presenciar o namoro de Stéfany me faz ter esperanças de
que nem todos os namoros eram caóticos como o meu. Sabia que
minha amiga nunca se deixaria submeter às mesmas coisas que
permiti ao longo de todos esses anos.
— Sério? Eu deveria ter sido avisada, poxa. Ninguém me
contou sobre isso! Sarcasmo escorreu pelos seus lábios, enquanto
caminhávamos para o nosso destino final: o vestiário masculino.
Era o lugar onde se propagavam as notícias mais indecentes
da CBU.
E quase vinte minutos depois, estávamos vendo o letreiro
que indicava o nosso destino. Para nossa sorte, Eric estava do lado
de fora, esperando sua namorada chegar com o seu socorro em
pílulas.
— Se perderam? — A voz rouca soou pelo gramado.
— Não acredito! — exclamei, cobrindo os lábios. Nathaniel
estava se aproximando logo atrás de Stéfany e eu, com Aaron no
colo e ao seu lado estava Ana, segurando Ellie. — Ai meu Deus, ela
está vestida de líder de torcida da CBU.
— E Aaron com o uniforme da casa! — Voltei meus olhos
para o loirinho nos braços tatuados do pai.
— Então, era isso que você tanto escondeu — Sté acusou.
— Estava esperando a oportunidade chegar para mostrar —
a loira revelou na medida que as perninhas de Ellie se tornavam
inquietas nos braços da mãe. — Ela adorou. — Indicou a alegria
estonteante que a menina mostrava, enquanto abocanhava o seu
próprio punho.
— Ei, cadê o Alex? — Stéfany perguntou, enquanto
entregava a aspirina para Eric.
— Estou bem aqui, gatinha. — Meu corpo se agitou quando
ouviu sua voz preenchendo o espaço aberto com Brigitte nos
braços.
— Como sempre, pontual.
— É a minha especialidade.
Não, não era.
Semicerrei meus olhos quando o ouvi falando. Aquela foi minha
deixa para não entrar mais na conversa. Era sempre assim, se Alex
se tornasse o centro das atenções, Hannah não participaria dali em
diante.
— Que cara é essa? — Eric sussurrou para mim.
Respirei fundo, me afastando do grupo junto com ele.
Stéfany notou nossos movimentos e nos olhou de relance, no
entanto, não disse nada.
— Hannah, você tem algo pra me contar?
— Do que você está falando, Eric? — Eu não deveria estar
me fingindo desentendida, mas a ocasião pedia para continuar
mentindo.
Caramba, meu irmão mataria Ethan.
— Desde o jantar de noivado você parece outra pessoa, não
te reconheço mais. Seu corpo está diante de mim, mas parece que
sua alma nos deixou. — acusou.
Desviei meu olhar. Aquilo era a porra de uma tapa sendo
desferido na minha cara. A verdade nua e crua para os meus
ouvidos.
— Você está feliz? Quer mesmo se casar agora com o
Hinxton? Porque se não quiser, é só falar. Não é obrigada a estar na
porra de um compromisso sério sem realmente querer. Você pode
ditar as regras, Hannah.
Pela primeira vez em meses, alguém me perguntou como eu
estava me sentindo com o pedido de casamento. A minha opinião
valia ser ouvida? Sempre achei que fosse ao contrário, que deveria
acatar os desejos de todos, menos os meus.
Porque sempre acabava fazendo a escolha errada.
— Está tudo bem, irmão. Sério, confiei e-em mim... —
murmurei, notando minha voz errar a pronúncia.
Eric percebeu e isso o deixou ainda mais intrigado.
— Porra, Hannah. Tome cuidado com essas escolhas.
— Estou ciente.
Mentira.
— Tudo bem, se você diz, confiarei — declarou, balançando
a cabeça em concordância. — Bem, pessoal. Já deu nossa hora. —
Eric caminhou em direção a Stéfany e depositou um beijo rápido nos
seus lábios. Suas mãos deslizaram pela cintura desenhada da sua
namorada, enquanto ela dizia algo para ele, fazendo-o apertar a
mandíbula.
A despedida logo acabou com Eric e Alexander indo para
dentro do vestiário.
Nathaniel, Ana, Stéfany e eu seguimos para o estádio, onde
aconteceria o jogo, junto com os gêmeos, na expectativa de
encontrar um lugar bom para assistir a partida.

As líderes de torcida estavam fazendo a abertura.


Enquanto assistia a coreografia, percebia minhas pernas
ficarem cada vez mais agitadas. Ethan ainda não tinha chegado,
pelo menos, o jogo não havia começado ainda. Era basicamente o
tempo que ele tinha para chegar e não perder a partida.
Em questão de segundos, todos das arquibancadas bateram
palmas para as garotas, sendo uma animação sem fim,
principalmente depois das três últimas vitórias da CBU.
O time estava voltando ao que eram anos atrás.
Os Crows Blues Legs sempre foram imbatíveis.
Senti que esse seria o ano das suas vidas.
Torcia para que o meu irmão conseguisse seu lugar em um
time profissional, porque não havia ninguém mais maluco por futebol
americano do que ele. Eric merecia ter esse gosto de viver sua vida
como um jogador, com um contrato grande. Sempre soube que a
melhor decisão já tomada por ele, tinha sido se inscrever na seleção
do colegial.
Desde então, ele vivia o futebol. O esporte era sua casa.
Perdida no encerramento da apresentação, acabei não
percebendo as mensagens de Ethan caindo no celular. Ah, droga.

Ethan: Em qual fileira você está?


Ethan: Responde, porra.
Ethan: Caralho, você tem a merda desse celular para o quê,
Hannah?

Quando estava prestes a digitar a resposta, senti uma mão


envolvendo meu cotovelo por trás. Em uma reação imediata eu
arregalei os olhos, principalmente depois que seus lábios roçaram
contra meu ouvido e em seguida, ele falou:
— Por que caralho você não responde?
— Ethan... eu estava prestes a fazer isso — indiquei,
mostrando o celular nas minhas mãos.
O que era para ser uma olhada rápida, se tornou uma
expressão severa. Segui seu olhar sobre o aparelho, mas Ethan não
estava olhando para o meu celular e sim, para o meu dedo desnudo.
— Cadê o seu anel, Hannah?
Senti como se o mundo tivesse congelado após a pergunta.
Ele não esperou uma resposta da minha parte, simplesmente
me puxou para fora da fileira. Os gritos, misturados com algumas
vaias dos torcedores rivais, soaram no momento em que foi
anunciado o seu nome.
As arquibancadas gritavam, enquanto os meninos apareciam
pelo pequeno túnel que havia ali. De relance, pude ver meu irmão e
Alex entrando. Todavia, eles não conseguiram me ver sendo
praticamente arrastada para o lado oposto, que era onde estava a
saída.
No segundo em que chegamos do lado de fora, Ethan
empurrou minhas costas contra a parede.
— Vou te perguntar só uma vez, porra. E espero que me
responda. Cadê. A. Merda. Do. Anel? — rosnou bem no centro do
meu rosto.
Uma das suas mãos envolveram a base do meu pescoço,
começando a apertar a região.
Não tive forças para lutar.
— Ethan, por favor. — supliquei entre fôlegos.
— Por que você não está usando o anel, amor? É para
ninguém saber que está noiva?
— Não é nada do que está pensando, Ethan. Eu juro! —
Toquei no seu peito por cima da camisa clara. — O anel está aqui
comigo, eu o tirei apenas por alguns minutos, estava machucando o
meu dedo.
— Sabe onde ele deveria estar? Independente de estar
doendo ou não? Na sua mão, filha da puta! — Sentia a pressão que
ele depositava nos seus dedos crescendo. Até que um som de
sapatos rastejando até nós dois, soou.
Era Samantha, fazendo Hinxton se soltar de mim.
— Porra. — Rapidamente me soltou. — Fique na linha,
Hannah. Lido com você mais tarde — sussurrou, antes de se
afastar.
Um último olhar foi dado, mas não para mim, havia sido uma
troca de olhares confusa entre os dois.
— Por favor, não conte nada a ninguém, Dawson! — implorei,
assistindo seus passos acabando com nossa distância. Samantha
ainda usava os seus trajes de capitã.. Sempre usando, como seu fiel
escudo.
— Sabe, Peterson. Me admira muito esse cara ainda
continuar respirando, quando você tem Nathaniel, Eric e Alex como
seus fiéis cães de guarda. — Notei suas sobrancelhas erguendo-se,
enquanto censurava a cena que tinha acabado de ver.
Ethan já não estava mais ali, deveria ter ido embora de
qualquer maneira.
— Samantha...
— Garota, o que se passa na sua cabeça? — Era engraçado
como ela nunca conseguia medir a grosseria no seu tom, isso
sempre emanava em cada fragmento que Samantha Dawson.
Nunca pensei que estaria prestes a dividir minhas
inseguranças com a garota que odiou Ana e Stéfany, anos atrás.
— Eu não sei — sussurrei, desviando meus olhos para o anel
no meu punho.
— Então, os boatos são verdadeiros. — Ela riu, como se não
fosse capaz de esconder desprezo.
— O quê? — Havia tanta dúvida na minha pergunta,
carregada de cansaço.
— Não há uma pessoa que não falou sobre seu noivado,
garota. Meus pêsames! — Uni as sobrancelhas, eu não tinha
anunciado para ninguém sobre isso.
Quer dizer, Ethan deve ter feito por mim, da mesma forma
que fez ao compartilhar nas minhas redes. Fora isso, havia somente
o jantar na casa dos meus pais.
— Você o odeia tanto assim? — Soltei uma risada sem
humor algum.
— Hannah, como você não enxerga isso? Ethan está te
apagando, não vê, porra?
Encolhi os ombros.
Eu já estava apagada há muitos anos.
Não existia mais Hannah Peterson.
— Consegue ver tudo isso de longe, Dawson?— murmurei
sem olhar para seu semblante.
— Ah, Peterson. Quem está de fora, consegue assistir tantas
coisas... É como se todos fossem seus espectadores, vendo a sua
queda. Por isso, não dou um passo em falso, pense sempre no
próximo, querida.
— Isso é a sua cara, fazer uma metáfora ao seu favor.
— Cale a boca e responda, você quer mesmo se casar com
esse pedaço inútil de gente? — Não restava um pingo de filtro na
sua língua, quando o assunto era insultar alguém.
Ali seu alvo era Ethan Hixton.
— Eu... — hesitei, o sinal esquentou meu corpo por completo.
Eu não queria, realmente.
— Vamos lá, querida. Apenas responda.
— Eu não sei, acho que não estou pronta.
— Entendo — murmurou, olhando para os ponteiros do
relógio. — Deve estar sendo uma barra aguentar tudo isso. —
Franzi o cenho, analisando-a. — Quer um conselho, mesmo que eu
não seja sua amiga? — Ela não esperou minha resposta. —
Converse com aquele merdinha, fale que você quer repensar sobre
o noivado. Sugiro que faça isso agora!
— Eu não sei se ele ainda está por aqui, Samantha.
— É claro que está, querida. Posso te acompanhar, se achar
que não é seguro ir sozinha. — Tudo em suas palavras estava me
deixando com um pé atrás.
— Não, não precisa. Quero ir apenas ao banheiro, verificar
como estou — sussurrei.
Não sabia se havia marcas das suas mãos ao redor do meu
pescoço, após ter me enforcado.
— Banheiro? — Não falei nada, apenas assenti, passando as
mãos pelos cabelos loiros. Enquanto tomava coragem para procurar
o banheiro mais próximo, notei que Samantha ainda persistiu em me
acompanhar. — Por que não cortamos caminho e vamos para o
vestuário feminino? Está mais próximo que os sanitários.
Vencida pelo cansaço, eu assenti. A cada segundo que nos
afastamos do estádio, podíamos ouvir os universitários vibrando
pelo time.
— Você soube?
— Do que, Samantha? — Uni as sobrancelhas.
— A universidade rival é a mesma que a da Harley.
— Ela está aqui?
— Talvez. — Deu de ombros. — Vamos, estou quase
passando mal.
Sem tentar contradizê-la, eu a segui, mas no momento em
que chegamos, ela parou.
— Pelo visto, a minha dor passou. Pode ir sozinha, ficarei
aqui te esperando. — Dawson estava estranha demais. Sem querer
seguir com tudo aquilo.
Toquei na maçaneta, foi naquele exato momento que tudo
mudou, assim que gemidos ecoaram, eles explodiram nos meus
ouvidos.
E todos vinham da porta diante de mim e, à medida que a
raiva ardia entre as minhas veias, a coragem de encarar a realidade
crescia. Eu iria acabar com aquilo de uma vez por todas.
Então, eu fiz.
Abri a porta.
Puta merda, eu sabia o que acabaria encontrando, mas ouvir
a voz do cara que ferrou com minha vida, fez minha mente ficar em
branco.
Ethan estava com as duas mãos segurando a cintura da
garota a sua frente, enquanto ela seguia sentada na borda da pia,
com os braços envolta do pescoço, ele fazia movimentos rápidos
dentro dela, desleixado exatamente como fazia comigo, e ela gemia
de uma maneira muito constrangedora
Meu noivo estava comendo a garota muito mal e no segundo
em que perceberam que estavam com plateia, a garota que eu
conhecia muito bem, empurrou o filho da puta para longe.
— Merda! — Ethan foi o primeiro a falar, fazendo-me rir, ao
mesmo tempo, em que subia as calças. — Hannah, não é o que
parece! — Apertou os lábios.
Levantei uma das mãos, vendo-o se mover na minha direção.
— Ah, não precisa parar, não. Já estou indo embora, de
qualquer maneira, Ethan. Pelo visto, você conseguiu descontar sua
raiva em outra coisa, ou melhor, alguém. — dei uma boa olhada na
garota. Ela não tinha mudado muito desde que tinha se transferido
para outra universidade. Deveria estar na CBU por conta do jogo.
— É bom vê-la novamente, Harley. — Sorri, lascivamente, quando
na verdade, eu queria desaparecer.
Meus dedos e pernas tremiam sem parar, meu coração
parecia querer sair pela boca, enquanto minha visão queria virar
breu, antes que eu pudesse chegar até a porta.
A tristeza tomou meu corpo naquele momento, não era por
ter pego Ethan fodendo outra garota, tudo que eu estava sentindo
era raiva, por achar que eu tinha arruinado meu relacionamento.
Aquele filho da puta sempre me fazia parecer errada. Que
todas as merdas em nosso namoro, foram por minha causa.
— Hannah! — Sua voz me causava ânsia enquanto eu ouvia
seus passos atrás de mim.
— Vá se foder, Ethan! — rosnei, procurando a saída. — Ou
melhor, volte a foder e me deixe em paz!
— Me escuta, porra.
— Escutar o que? O seu pedido de desculpas de merda ou
que eu estou vendo miragem, e você não estava trepando com a
Harley no vestiário? — A acusação o fez congelar.
Estava claro que eu não deveria continuar ouvindo-o. Quando
vi que Ethan não tinha mais palavras para se defender, eu sorri mais
ainda, deixando-o.
Do lado de fora, Samantha estava com os braços cruzados.
— Você sabia, não é? — acusei, ao me aproximar.
— Do que? Algo aconteceu no vestiário? — Um sorriso
surgiu nos seus lábios, quando apoiou as mãos ao lado do corpo.
Ali, diante de mim, estava a verdadeira Samantha Dawson,
uma garota puro veneno, que poderia acabar com a sua reputação
com apenas uma palavra e se redimir da mesma maneira.
Nunca tivemos problemas, aliás, isso era até estranho de
mencionar. Porque realmente nunca tivemos um motivo para
qualquer richa. Dawson sabia ser uma pessoa decente, nos seus
momentos mais raros.
— Não precisamos de jogos, Samantha.
— Ah, vamos lá, Peterson. Seja mais clara.
— Você me fez ir para o vestiário e, no fim das contas,
desistiu? Pensei que Harley fosse sua amiga.
— Duas coisas: eu não tenho amigas, nunca tive. E sobre
Ethan, você demorou para entender, Hannah. Na verdade, demorou
cinco anos. — Seu sorriso ficou mais largo, à medida que mordia a
língua entre os dentes. — Eles transam desde o começo da
faculdade, pior, seu querido Ethan passou por todas as camas, de
todas as garotas que entravam naquela irmandade.
— Até você? — Droga, essa pergunta não deveria ter saído.
— Claro que não. — Pareceu ofendida. — Acredito que só de
respirar o mesmo ar que ele, eu perderia dez anos de vida. —
Grunhiu, sacudindo os ombros. — É por esses e outros motivos que
eu odiava calouras. Falando nisso, espero que tenha usado
camisinha. Imagine, além de ficar grávida, você poderia acabar
pegando uma DST’s daquele escroto.
Era um baque saber de tudo aquilo. As pessoas ao meu redor
sabiam o tipo de homem que Ethan era e eu não.
— Então, todos da CBU sabiam ou passaram pela cama
dele?
— Quer mesmo descobrir isso agora, Peterson?
A resposta estava nas entrelinhas.
Eu era a maior chifruda que existia naquela universidade.
— Tudo bem, eu preciso ir embora daqui. Não aguento mais
nenhum segundo nesse lugar — declarei, exasperada.
Com o coração doendo, pedi um carro de aplicativo para
voltar ao apartamento. Infelizmente, eu só saberia do placar do jogo
dali a algumas horas. Entretanto, seria necessário para que eu
pudesse absorver o que havia acontecido.
As pessoas nunca imaginam que vão viver um
relacionamento abusivo até estar, de fato, em um. É algo que se vê
constantemente em noticiários, filmes, novelas... em tudo. Então,
percebemos que uma porta foi aberta, e você não sabe como
passar novamente por ela, para sair. Andamos em círculos,
tentando achar meios e outras diversas formas de se libertar.
Mas simplesmente não dá.
Estamos aprisionadas.
Não havia saídas.
Existia apenas o eco do pânico em seu peito.
Porque era isso que significava viver com alguém que te
destruía, a cada segundo. Cada partícula ia se estilhaçando em
míseros pedaços, e você não conseguia recolher todos.
Eu precisava recolher os meus, mesmo que a maioria Ethan
tivesse tirado de mim.
18

FORA DO CONTROLE
Eu vou trazer a sensualidade de volta (é)
Os filhos da puta não sabem como agir (é)
Venha aqui para compensar as coisas que lhe faltam (é)
Pois você está em chamas, preciso agir rápido (é)
Sexyback | (feat. Timbaland) Justin Timberlake

A vitória de CBU estava sendo o motivo da agitação de todos.


Tínhamos passado para a próxima fase do campeonato.
Podia visualizar a galera eufórica após o fim do jogo, porque,
finalmente, o time estava voltando para o topo. E, de alguma forma,
havia surtido efeito nos pensamentos de cada integrante, desde que
vencemos o primeiro jogo.
Era o sinal subliminar que estávamos no caminho certo.
Perdido nos meus pensamentos, parei o carro tentando
entender o que estava acontecendo.
— O que é isso? — Eric indagou no banco de trás, com
Stéfany ao seu lado.
No banco da frente estava Brigitte, em uma daquelas
cadeirinhas de bebês.
Prioridades.
— Pelo visto, o pessoal preferiu fazer sua própria festa —
bufei.
Estava sendo impossível atravessar. Porra. Tinha em mente
passar uma noite tranquila, sem música alta ou universitários
chapados enchendo o saco. Por esse motivo, neguei o convite para
comemorar a vitória do time, com o resto dos caras.
Queria apenas a minha cama.
— Nossa, achei que todos tivessem ido para o bar — Stéfany
declarou, confusa.
O som da música explodiu ainda mais alto, à medida que eu
me aproximava de casa. Uni as sobrancelhas, analisando os
diversos carros luxuosos que surgiram, quando foi inviável seguir.
Havia a porra de um engarrafamento bem diante de nós.
Só faltava essa mesmo.
— Merda — Bati a mão contra o volante, reverberando o som
da buzina pelo carro
— Onde é isso? — Sté perguntou.
Seus olhos esverdeados cerraram para ver onde seria a
festa. Embora, eu estivesse curioso e ao mesmo tempo irritado,
pelos carros atrapalhando a passagem, me poupei de fazer o
mesmo.
Entretanto, desliguei o motor e abri a porta do veículo.
— Para onde vai, cara? — Eric indagou.
— Já que estamos impossibilitados de ir de carro, decidi que
vamos andando para casa. — abri o cinto de segurança da
cadeirinha e em seguida peguei Brigitte. Eric respirou fundo e Sté
pegou sua bolsa do colo e no fim, estavam ao meu lado na rua.
Empurrei as chaves do carro contra o bolso da calça jeans.
Então, meu celular apitou e em menos de cinco segundos, o de Sté
e Eric também. Mensagens caiam no aplicativo, deixando-me
confuso. Minhas redes sociais, que eram privadas, pareciam ter sido
expostas sem que eu soubesse entender o motivo.
— Quem morreu? — Pensei alto, falando sem perceber a
primeira coisa que veio à minha mente.
Havia alguns nomes que consegui reconhecer entre uma
notificação e outra, a maioria eram universitários da CBU.
— Mandaram o mesmo para vocês? — Eric perguntou,
mostrando os vídeos que caiam na sua caixa de mensagens e uma
enxurrada de áudios, seguidos de fotos.
— Pessoas chapadas e bebendo como se fosse o último dia
de suas vidas? Sim, querido, recebi — Sté resmungou, enquanto eu
lia as mensagens de um integrante do time.

Número desconhecido: Cara, agora entendi porque você


não quis ir para a comemoração no bar. Realmente, a sua festa está
dando de 10000x0! Aliás, achei que estivesse aqui, mas só vi a irmã
do Peterson.

Minha festa?
Levantei a cabeça.

Eu: Como assim? Festa?

Número desconhecido: Que pergunta é essa, James? A


galera toda da CBU está aqui! Como você não está sabendo da
festa no seu próprio apê?

— Não pode ser — sussurrei, inerte.


— Puta que pariu! — Eric ralhou, fazendo-me levantar o olhar
na sua direção.
Capturei o momento em que os dedos de Stéfany rolavam
sobre a tela. E então, sua expressão mudou ao mesmo tempo que
cobriu a boca com a mão livre.
Ela também tinha descoberto.
— Acabei de descobrir o responsável pela festa no bairro, na
verdade, a responsável.
— A responsável? — Eric e eu dissemos em uníssono.
Franzi o cenho quando ela virou a tela do seu celular onde
um vídeo rodava e nele, uma garota destoava de todo o caos ao
redor: Jane.
Hannah estava dançando em cima da ilha da cozinha e havia
uma garrafa de vodka em uma das suas mãos. Se me lembrava
bem, ela não usava as mesmas roupas que estava vestindo no jogo,
mais cedo.
— Caralho, Hannah. Só pode ser brincadeira. — Eric grunhiu,
nos deixando para trás.
Stéfany e eu nos entreolhamos. Aquilo não era um bom sinal.
Porque tudo que vinha na minha mente, naquele momento,
era Hannah em seu aniversário de dezoito anos. Cada lembrança
voltando à tona com tudo. Parecia que todo meu passado resolveu
atormentar meu presente, eu sabia que tinha algo errado, sempre
esteve estampado nos seus olhos.
— Isso não é bom! — repeti em voz alta a minha
preocupação, sentindo meu peito doer. O que tinha acontecido
durante o jogo? Eu não tinha visto sinal dela. — Aconteceu algo
durante o jogo? Hannah não estava lá.
— Eu não sei. — Franziu as sobrancelhas castanhas. — Em
um segundo, ela estava conosco na arquibancada, e no outro,
simplesmente tinha desaparecido com Ethan.
— Ethan? — repeti o nome do filho da puta.
— É, cara.
— Só piora. — Passei as mãos entre os cabelos.
Antes que eu pudesse fazer outra pergunta, ouvi uma buzina
soando logo atrás de mim. Desviei meu olhar para o carro e
imediatamente reconheci o veículo e o dono, com as mãos no
volante. Ao lado estava Ana, a sua esposa.
— Chegaram no momento certo — Sté ironizou. Tínhamos
marcado para todos irem para o apartamento. Seria uma
comemoração apenas nossa, mesmo que eu não estivesse afim de
ser incluído. — Pelo visto, vocês também já sabem.
— Está sendo impossível encontrar um ser vivo da CBU, que
não esteja compartilhando cada acontecimento dessa festa —
Nathaniel contou, balançando a cabeça em negação. — Porra,
parece que voltamos para o colegial. Aliás, ela já pintou o cabelo?
Ana revirou os olhos.
Espera, ela sabia da história por trás da piada interna?
— Nathaniel acha que Hannah e Ethan terminaram — a loira
expôs o marido.
— Aposto cem dólares que estou certo, abelhinha.
— Viu?
— Espera, você está muito seguro disso, cara! — Sarcasmo
deslizou entre os lábios avermelhados.
Enquanto eu estava ainda pensativo sobre as palavras de
Nathaniel, não podia negar que um vestígio de felicidade borbulhou
no meu estômago, porra. Essa era a melhor notícia da história.
Todavia, não podia confiar completamente. Não era a
primeira vez que eles terminavam. Hannah e Ethan viviam um ciclo
vicioso quando se tratava de romper o namoro e voltar dias depois.
Isso me fazia perder as esperanças de que, um dia, ela
voltaria a ser minha.
— Bem, se é verdade ou não, irei verificar eu mesmo —
declarei, girando meus calcanhares, pedindo mentalmente para o
Carinha lá de cima atender ao desejo do meu coração angustiado.
Que seja definitivo.
Eu só preciso dessa chance.
— Espera, não é melhor irmos todos de uma vez? — Sté
propôs.
Parei de andar.
— Droga! O som está muito alto para levar as crianças,
Nathaniel. Acho melhor você ir, enquanto eu fico com eles até
conseguirem amenizar esse caos. — Ana disse. Ela e Nathaniel
tiveram uma silenciosa troca de olhares.
— Não vou deixar vocês sozinhos aqui, abelhinha.
— Eu fico com ela — Sté garantiu.
— Vamos sobreviver — Ana tranquilizou o marido.
— Certo. — Nathaniel ainda não estava convencido.
— Então, está tudo certo? — Eu estava exasperado com a
situação, queria ir o mais rápido possível até Hannah, mesmo que
ela não precisasse ser salva de algo ou, pelo menos, era o que eu
esperava.
— Sim, podem ir. — Ana compartilhou um sorriso torto na
minha direção. — Qualquer coisa, nos avisem! — disparou fazendo
Nathaniel e eu assentir.
— Você pode ficar com a Brigitte? — perguntei a Stéfany e
sem ter muita opção, a garota concordou.
— Cadê ela, afinal de contas?
— Ficou no carro. — Deslizei uma das mãos até o bolso
direito da calça. — Aqui, as chaves. — Lancei o molho no ar,
fazendo Stéfany apartar com rapidez. Após isso, dei um último olhar
para as duas garotas e segui com Nathaniel até o apartamento.
A cada passada exasperada, notava carros surgindo em cada
espaço existente.
Caralho, ela realmente estava agindo como a Hannah do
colegial. E não me surpreenderia se eu a visse com as antigas
mechas rosas outra vez. Outrora, não existia mais a mesma garota
de anos atrás.
Ela tinha sido morta e enterrada no dia nosso baile.
— O que você acha que aconteceu com a Hannah?
Nathaniel sabia mais do que ninguém sobre a história dela.
Na época em que estudava na St. Emery, ambos se encaixavam tão
bem. A princesa dos Peterson queria ser a garota problema da
família, se tornando alvo de falatórios em qualquer oportunidade que
encontrasse. Enquanto Sullivan, tinha todas as características de
um garoto problemático:

1. Tatuagens antes dos dezoito anos.


2. Um vício preocupante com o cigarro.
3. Problemas com o pai.

O combo perfeito para serem as catástrofes do St. Emery


College.
— Ana já disse... — Riu sem humor na voz. — Deve ter algo
a ver com o Hixton, cara. Faz meses que Hannah está agindo
estranho. Então, o que faz uma pessoa que raramente consegue
dar um sorriso, do nada, planejar uma festa dessa proporção, em
menos de duas horas?
— Um coração partido?
— Exatamente.
Eu não queria estar certo.
Quando pensei que ela reagiria da pior maneira possível,
apenas ganhei o maior gelo da história. A loirinha me ignorou por
meses, até encontrar Ethan e embarcar em um relacionamento com
ele.
— Bem, agora é a hora da verdade — Nathaniel gritou por
cima da música, parado na porta juntamente comigo. — Faça as
honras, irmão. — Indicou a maçaneta na nossa frente.
Puxei uma lufada de ar tensa, enquanto aproximava meus
dedos sobre o aro prateado, e na medida que meus pensamentos
me mostravam Hannah, tive coragem para girar a maçaneta,
liberando a passagem.
Lady Gaga detonava absurdamente bem na caixa de som.
Durante a minha tentativa de passar pelos corpos suados e
elétricos, tocava Poker Face. Garotas dançando com bebidas em
mãos, alguns casais se beijando no canto da parede, escada e sofá.
Em cada espaço existente do apartamento havia alguém.
— Merda, cadê o Eric?
— Não sei, ele veio na frente quando descobriu que Hannah
estava dançando, na ilha da cozinha — revelei e Nathaniel arqueou
as sobrancelhas.
— Cacete, a coisa foi séria mesmo, então.
— Espero que não — murmurei.
— Acho que vi ele! Eric! — gritou, tentando soar mais alto
que Lady Gaga.
— Onde?
— Descendo as escadas.
Ambos levantamos as mãos para chamar atenção do loiro. Foi
necessário alguns segundos para ele nos perceber e quando nos
viu, Eric rapidamente veio ao nosso encontro.
Porra, Hannah. Sua sorte é que sou louco por você.
— Hannah? — Eu perguntei, nervoso.
Ele negou.
— Ela está por aqui, mas não consegue sentar a bunda em
um único lugar. Estou prestes a mandar esse bando de filhos da
mãe desocupados para fora — resmungou sua ideia, a qual eu
adoraria realizar.
— O que acha de nos separamos?
— E você vai procurar a Hannah sozinho? — Eric indagou,
desconfiado.
Era inegável como ele estava preocupado com a sua gêmea,
mas ainda assim, não largava sua pose de irmão mais velho.
— Não é uma ideia ruim — Nathaniel interviu, apoiando
minha sugestão. — Seria uma boa, porque otimiza nosso tempo,
Eric.
Observei o loiro entrar em um embate silencioso dentro de si.
Por fim, ele suspirou pesado.
— Ah, foda-se. Vamos! — resmungou.
Forcei-me a conter o sentimento de satisfação que se
aglomerava dentro do meu peito. Não esperei mais nenhum
segundo para me separar deles, porém, Sullivan segurou meu
braço.
— Não faça nenhuma merda, caso acabe encontrando
Hannah primeiro, ok?
— O que eu faria, cara?
— Não sei, Alex. Só estou alertando caso seus impulsos
falem mais alto.
— Não farei nada, Nathaniel.
— Tudo bem. — Foram suas últimas palavras, em seguida,
ele desapareceu entre a multidão, que pulava com a batida da
música.
Deslizei uma das mãos até a nuca e massageei a região,
enquanto dava uma olhada parcial pelo apartamento. Ele parecia
menor com aquele número de pessoas.
— Pela mãe, eu amo essa música! — Uma voz feminina
gritou atrás de mim, fazendo meu corpo congelar depois que
reconheci a dona dela.
Hannah J. Peterson.
A mulher que desgraçou todas as minhas emoções, durante
cinco anos.
E estava em cima da mesa de jantar. Uma das suas mãos
mantinha uma garrafa de tequila, diferente da que tinha consigo no
vídeo que vimos. Porra, ela já estava na segunda garrafa?
À medida que a música soava, Hannah movimentava seu
corpo com mais sensualidade. Mesmo que não soubesse dançar
igual as outras garotas. Ela fazia da sua maneira o seu próprio jogo,
deixando claro que não ficava para trás.
Havia determinação em seus olhos.
— Caralho, Jane! — grunhi.
Hannah era a rainha daquele património, e eu seria seu fiel
súdito até o fim da minha vida. Porque ela merecia ser adorada para
sempre. Ethan era um filho da puta, mas naquele momento, eu
agradeci por ser possivelmente o motivo daquela reação pós-
término. Contudo, se eu o visse dentro do apartamento, faria
questão de expulsá-lo à minha maneira.
Como eu sempre quis.
Hannah agitou o busto, coberto pelo espartilho tomara que
caia, de renda escura, e merda, ela usava uma saia preta de couro,
que mal cobria sua bunda. Ela parecia feliz dançando, e por isso, eu
poderia deixá-la aproveitar os seus últimos momentos da festa.
Entretanto, haviam muitos abutres rondando seu espaço.
Era a minha deixa para fazê-los vazarem dali.
Dei uma última olhada ao redor, verificando se Eric ou
Nathaniel estavam por perto. Não tinha nenhum sinal deles.
Ótimo.
— Espero que não estejam tentando descobrir qual a cor da
calcinha dela, filhos da puta. — Rosnei, fazendo-os me encarar. —
Sumam. — Soprei ríspido, carregando urgência em cada sílaba.
Então, sem que eu precisasse mover um único dedo, eles foram
embora. Olhei para Hannah, notando seus olhos verdes revirando-
se. — Você adora uma mesa, não é, Jane?
— Você não é bem-vindo, pode ir embora.
— Eu moro aqui. Posso acabar com isso tudo em menos de
cinco minutos, amor. — Dei um passo à frente e junto com o
movimento, Hannah dobrou os joelhos para se abaixar, ficando com
rosto fodidamente próximo do meu.
— Tente acabar com a minha diversão, e eu acabo com você!
Eu sorri encarando-a, enquanto escutava o verso que soava
naquele momento.

Eu não vou te dizer que te amo


Te beijar ou abraçar
Porque estou apenas blefando sobre ficar com você
Não estou mentindo, estou apenas atirando
Com a minha pistola de amor
Como uma garota no cassino
Tire suas fichas antes que eu te leve à falência
Eu juro, eu juro
Olhe essa mão, porque eu sou maravilhosa

— Isso explica por que é uma das suas preferidas. — Me


referi à música, abrindo um sorriso de canto. — Desça daí antes que
se machuque, Jane — toquei seu queixo com delicadeza.
O cheiro de álcool era mais forte do que qualquer coisa em
Hannah.
— Não me diga o que fazer — ela rebateu, mudando a
posição.
Hannah sentou sobre o mármore da bancada, fazendo com
que nossos rosto ficassem nivelados. Estávamos perigosamente
próximos outra vez. Um movimento em falso e poderíamos acabar
tocando nossos lábios, porém, não faria isso com ela estando
bêbada. Nunca.
— Se eu fosse você não me provocaria dessa maneira,
amor...
Notei seu rosto se aproximando ainda mais, com os lábios
entreabertos mas, quando pensei que ela acabaria com a minha
sanidade, Hannah desviou o caminho e sussurrou no meu ouvido:
— E se eu continuasse... — roçou os lábios na região, e
então segurou a minha nuca. — O que você faria, James?
— Não me tente, Jane.
— Por que não? Afinal, hoje é um dia feliz! — riu, soluçando. Virei
pedra ao ouvir aquelas palavras. — Não acha? — Afastou seu rosto,
lendo minhas expressões.
Vi o momento em que seus olhos desviaram para algo atrás
de mim, mas menos de dez segundos depois, suas íris estavam de
volta no seu alvo.
Eu mesmo.
— Você pode continuar sendo um filho da puta, Alexander.
Porém, eu adoraria sentir sua boca outra vez — murmurou para que
somente eu pudesse ouvi-la.
— Você vai se arrepender, eu sei disso.
— Não, e caso isso aconteça, será um problema para a
Hannah do futuro. Aqui e agora é a Jane quem quer beijá-lo. —
Umedeci os lábios, encarando a sua boca, chamando a minha
silenciosamente.
E no segundo em que desviei meu olhar da tentação, vi seus
olhos outra vez voltarem para um ponto atrás de mim. Estava
prestes a ver o que era, no entanto, fui impedido por ela, cobrindo
seus lábios nos meus.
Sua língua ainda estava molhada pelo álcool, fazendo-me
provar o sabor à medida que ela se movimentava com a minha.
Havia uma explosão de todos os sentimentos surgindo de uma vez
só. As mãos envolveram meu pescoço, puxando meu corpo para
encaixar no seu. Porra, tínhamos sido feitos no mesmo molde,
porque nunca consegui me unir tão fácil assim a alguém, como
conseguia com Hannah.
Então, eu senti medo, culpa e, por fim, saudade do seu beijo.
Eram cinco anos acumulando um amor indestrutível no meu
coração.
Podia sentir tudo e mais um pouco, mas jamais conseguiria
descrever as sensações que consumiam meus sentidos. Eu tinha
que parar. Porra, não era certo. Porque, na manhã seguinte, ainda
restaria ódio dentro da mulher que eu amaria pela eternidade e
além.
Apertei sua cintura prestes a me afastar. Todavia, alguém fez
antes que eu pudesse.
Senti meu corpo sendo puxado para longe de Hannah.
— Pelo visto, eu estava certo o tempo todo — Ethan vomitou
sua ignorância sobre nós dois. A forma que ele dirigia as palavras à
Hannah me causava ânsia. Respirei fundo, vendo pelo canto dos
olhos Eric e Nathaniel seguirem na minha direção.
— Estou seguindo a minha vida, Ethan. E da melhor maneira!
— Jane cruzou os braços, mas ainda estava ofegante do nosso
beijo. Se Ethan conhecesse Hannah tão bem quanto eu, saberia o
quanto as palavras dela eram da boca pra fora. Ela não estava se
divertindo ou feliz.
— Se manda, Hixton — me coloquei na frente de Hannah.
Ele riu.
— Ninguém quer você aqui, Ethan. Não é bem-vindo! —
Hannah completou, na ponta dos pés, para olhá-lo sob meu ombro.
— Espero que, no momento em que você passar por aquela porta,
nunca mais me procure na vida. — Raiva suncubia os sentidos de
Hannah, ela estava tomada pela ira.
Antes que eu pudesse impedi-la, ficou frente a frente com
Ethan. Contudo, eu não me movi, ficando praticamente suas costas
coladas em meu peito.
— Está certa disso, amor? Você não vai aguentar passar uma
noite sem mim. Aparecerá na minha casa e rastejará para
reatarmos. — Foi a minha vez de rir, e quando menos esperei, meus
dois melhores amigos pararam do meu lado.
— O que está acontecendo? — Eric questionou, sério,
intercalando seu olhar entre nós três.
— Nada demais, Eric. É apenas Ethan sendo o filho da puta
que é. Ele achou que seria uma boa aparecer aqui, como se nada
tivesse acontecido. — Hannah deu um passo na sua direção.
Aquilo estava fugindo dos trilhos. Na verdade, ela estava fora
de controle.
— Se acha que temos chance de reatar, está redondamente
enganado, Ethan. Aqui está seu anel de merda! — tirou o anel do
bolso da saia. — Enfie ele na sua bunda! — jogou a jóia em seu
peito.
No entanto, Ethan não pegou, deixando que caísse pelo chão
e se perdesse. As narinas dele cresciam cada vez mais, enquanto
ele respirava fundo.
Pensei que Ethan fosse reagir ou simplesmente ir embora.
Entretanto, achei errado.
— Eu realmente te conheço como a palma da minha mão. E
sempre soube que você acabaria abrindo as pernas para ele. Porra,
Hannah. Logo o mecânico? — Eu tive que me conter. — Os boatos
estavam certos... Você não passa de uma vagabunda, Hannah. A
putinha, não é mesmo? — Os olhos dela marejaram imediatamente.
Foi tudo muito rápido.
Antes que eu pudesse socar a cara dele, Hannah o fez,
acertando em cheio no nariz de Ethan. Isso o fez ficar puto, indo
sem pensar duas vezes para cima dela. Contudo, Eric e Nathaniel
fizeram uma barreira, impedindo-o de chegar à Jane. Já eu,
empurrei Ethan dando um soco seguido de outro, no seu rosto feio.
Sangue escorria do seu nariz depois do terceiro golpe.
Vi minhas mãos sendo manchadas pelo seu sangue podre.
Eu estava fora de controle.
Queria acabar com a merda da vida dele.
Porém, de repente, senti algumas mãos puxando-me para
longe de Ethan. Não conseguia ouvir o que estavam falando para
mim, eu seguia em uma espécie de névoa, enquanto encarava
Hannah, chorando com a mão contra o seu peito, provavelmente
sentindo dor. Os olhos dela estavam fixos em Ethan, com rosto
coberto de sangue, na medida em que Eric a acolhia em um abraço
de urso.
— Eu vou acabar com todos vocês! — Hixton disparou e em
seguida cuspiu o sangue que havia por toda sua boca. —
Principalmente, você. — Apontou para mim.
— Estarei esperando ansiosamente esse dia chegar, porra!
— gritei por cima da música. — Agora, eu o quero bem longe da
minha casa. E se um dia, você ousar tocar um dedo em Hannah
novamente, será o último da sua vida. Eu te mato sem pensar duas
vezes, porque não vai haver ninguém para te salvar dessa.
Vi Nathaniel indo até a caixa de som, e logo depois, bradou:
— A festa acabou, porra. Fora!
Uma vaia explodiu, mas Nathaniel gritou novamente.
— Vamos, quero todos fora!
Rapidamente uma fila se formou até a porta. Havia
universitários empurrando um ao outro e logo Ethan tinha
desaparecido das nossas vistas. Todavia, Hannah ainda chorava, e
de repente, vi seu corpo deslizando até o chão.
Chorando sem parar.
Depois de quase dez minutos, o apartamento já estava vazio,
restando os gêmeos, Nathaniel e eu. Pouco tempo depois, a porta
se abriu. Eram Ana e Stéfany.
E no momento em que viram Hannah chorando, entregaram
os bebês à Nathaniel e Eric e Brigitte a mim, apenas para dar um
abraços na amiga.
Hannah estava acolhida entre os braços das suas melhores
amigas.
Finalmente, as coisas estavam voltando para os trilhos.
Iríamos começar uma nova frase.
19

IMBATÍVEIS
E no meu aniversário de 18 anos, nós fizemos tatuagens
iguais
Costumávamos roubar as bebidas dos seus pais e subir no
telhado
Conversar sobre nosso futuro como se soubéssemos de algo
The One That Got Away | Katy Perry

PASSADO

— Você sabe que isso vai te colocar em problemas, não é?


— Eu sei, Eric. Mas o que é pior do que fazer dezoito anos e
não poder dar uma festa em comemoração?
— Hannah, você está fazendo uma festa, enquanto nossos
pais estão viajando. Deveria imaginar que isso vai te colocar em
maus lençóis!
Eric era o gêmeo cauteloso, sempre pensando nas
consequências que, em muitas das vezes, eram causadas por mim.
Entretanto, era seis de abril. Dia do nosso aniversário de
dezoito anos.
E mais um aniversário que passava sem meus pais.
— É aquilo que dizem...
— O que dizem?
— Que só se vive uma vez, irmão. Quero um aniversário da
minha maneira, como tudo que tenho direito e poder ser eu mesma.
A verdadeira Hannah. Não a falsa, princesinha de Boston —
declarei, encontrando os olhos receosos do meu irmão sobre mim.
O mar azulado parecia entrar em tormenta diante da minha
confissão, porque ele sabia mais do que ninguém o quanto doía ser
impedida de viver a vida do jeito que queria.
— Esteja ciente que Mason pode te delatar, Hannah.
— Estou disposta a pagar o preço.
Ele suspirou.
— De todas as maneiras, isso vai chegar aos ouvidos dos
nossos pais, eu sei disso, mas o que me preocupa é como Lilian vai
reagir quando souber que metade do colégio estava na casa dela.
— Essas e outras preocupações estou deixando para a
Hannah do futuro lidar, irmão. Preciso aproveitar a oportunidade, e
não vou voltar atrás, faltando apenas algumas horas. Fique feliz por
eu estar sendo corajosa, Eric.
Notei sua respiração pesada.
— Tudo bem — declarou, por fim.
Sorri.
Eu teria a melhor e maior festa que a cidade de Boston já
presenciou, isso era um fato que todos iriam concordar na manhã
seguinte.
Respirei fundo, olhando para os preparativos pela casa. Não
havia nenhum empregado naquele momento, já que eu havia dado
folga a todos.
Estava tudo nas minhas mãos. Eu viveria por uma noite da
minha maneira.
Seria eu mesma como sempre ansiava ser.
Naquela noite não haveria um bolo de aniversário, como nos
anos anteriores.
Isso já não era importante para mim, eu queria uma noite
inesquecível.

A casa estava lotada e Britney Spears seguia agitando meus


convidados.
Todos pareciam animados, rindo, dançando.. se pegando.
Entretanto, eu era a única que não conseguia vibrar igual eles.
Puxei o ar, indo até a mesa de bebidas. Talvez fosse isso. Eu
estava precisando de uma bebida para agitar minha noite.
Cacete, como não pensei nisso antes?
Peguei um dos copos avermelhados ao lado das garrafas e
despejei uma boa quantidade de álcool dentro. O primeiro gole
estremeceu minha língua. A bebida desceu amarga pela minha
garganta, mas isso não me impediu de levar mais líquido até os
lábios novamente.
Sabia que aquele copo não seria o suficiente para me deixar
altinha.
Isso me fez lembrar a antiga cidade onde morei com minha
mãe, foi lá que descobri como fazer uma festa de verdade. Eu tinha
acabado de fazer quinze anos quando conheci os privilégios de ser
Hannah Peterson, além das máscaras da sociedade.
Os quinze anos não deveria ter sido o ano dos meus
descobrimentos, mas foi algo que não consegui impedir. Porque
quando se é nova demais em um ciclo com idades diferentes,
ficamos a mercê de impressionar. Eu fui essa pessoa.
E por fim, tentei mostrar o quão madura poderia ser.
Ainda que não soubesse nada de verdade.
Filhas de grandes socialites e empresários levavam bebidas
em suas garrafas d’água, alegando que era suco ou até mesmo
água. A primeira vez que experimentei acabei odiando o gosto,
porém Susian, uma antiga colega do colegial, contou que o melhor
seria quando eu passasse de contar no quarto drink ou shot. Assim
fazia todas as vezes que queria me sentir melhor. Não importava se
eu iria ser descoberta.
Eu queria estar feliz.
Apenas isso.
E a bebida me proporcionou esses momentos.
Desviei meu olhar para a porta sendo aberta. Alguém estava
entrando. Pelo horário, achei que não chegaria mais ninguém. Já
tinha mais ou menos uma hora e meia que a festa tinha começado.
Todavia, parecia que haviam passado somente dez minutos.
No momento em que meus olhos visualizaram o corpo de
Alexander James, mesmo com a luz fraca, senti meu coração se
agitando. Seu olhar passeou pelo ambiente, e como isso, entendi o
sinal, indo na até ele.
— Você veio — sorri.
— Falei que viria, Jane.
— Bem, pelo que vejo, somente nossos horários que não
conseguem se acertar — brinquei. Levei a bebida que ainda
segurava entre os dedos para a boca, fazendo o olhar de James se
tornar confuso.
— Estou muito atrasado?
— Um pouco, mas quem liga pra isso? Acabou chegando na
hora certa. Vem! —
Peguei sua mão e o puxei para a mesa de bebidas. Não tive
tempo para escolher uma bebida com precisão, apenas olhei por
cima, e peguei a primeira que minha intuição mandou. James
parecia sem jeito, enquanto me assistia pegando a garrafa.
— Então, essa é a sua maneira de diversão? — perguntou,
fazendo-me olhar encontrar o seu.
— Minha maneira de diversão é outra, James. O álcool é
apenas um complemento. — As íris castanhas mal mostravam sua
cor, o foco de luz estava baixo demais, impossibilitando de vê-lo. —
Alex. — o chamei.
— Sim, Jane?
— Acho que quero uma trégua — murmurei, encarando seus
lábios.
— Quer?
— Sim... os dezoito anos parece que me deram mais
responsabilidade. — Despejei mais um pouco de vodka pela
garganta. O gosto não estava tão ruim quanto antes. Pelo menos
isso para melhorar minha noite.
Alex riu, balançando a cabeça.
— Claro, me mostra mais como está sendo tão responsável?
Mas eu quero ver a verdadeira Hannah.
De algum modo, me senti livre para agir como realmente
deveria.
— Não sei se voce vai gostar dessa Hannah, ela não é muito
requisitada — confessei, caminhando em direção às escadas que
nos levaria para o andar de cima. Especificamente, o meu quarto.
— Como pode ter certeza? — Erguia a bebida diretamente na
boca.
— É a verdade. — Dei de ombros. — Ninguém se interessou
até o momento, eles preferem a Hannah festeira. — Melancolia
podia brilhar nos meus olhos, e se eu visse como eles poderiam
estar, me sentiria uma molenga por conta das minhas frustrações
em pleno aniversário.
Meu convidados estavam se divertindo mais do que eu
mesma
— Acho que você não entendeu, Jane. Eu quero conhecer
todas as suas versões. Sejam elas boas ou ruins, apresentáveis ou
não. Tenho certeza que todas valem a pena conhecer.
— Poderia te dar um beijo aqui mesmo! — brinquei, sorrindo.
Caramba. Mesmo com o meu humor estalando em cada
palavra, de maneira certeira, aquilo mexeu um pouco com a Hannah
de treze anos.
Ela adoraria ouvir algo parecido.
— É assim que você consegue conquistar as garotas e levá-
las para sua cama? — Voltei a falar, tentando camuflar o sentimento
que crescia dentro de mim.
— Não, isso não costuma acontecer.
— O que? Conquistar garotas com essa lábia? — Levei a
garrafa até os lábios.
— As duas coisas... Se fosse bom mesmo, você já seria
minha. — Não sei se era o álcool tomando meu corpo, mas a cada
palavra que saía dos seus lábios, uma carga elétrica se espalhava
pelo meu corpo.
Quando dei por mim, estava já no andar de cima.
Conversar com Alex me fazia sair de órbita. Como? Eu não sabia
explicar.
— Incrível como você fala essas coisas com facilidade, quase
nem sente, não é mesmo?
— Ah, pode ter certeza que eu sinto, mesmo que tudo que eu
fale saia desgovernadamente, Jane. — Minha respiração falhou,
encarando seus olhos tão próximos dos meus.
— Você não pode sair falando tudo que pensa assim, James.
As pessoas não costumam reagir bem a esse tipo de situação.
— Autocrítica?
— Sem sombra de dúvidas.
— Porra, Jane. É um dia feliz. Gosto de quando consigo fazer
isso, porque normalmente as palavras não saem do jeito que eu
gostaria.
— Hoje é um dia feliz?
— Um dos melhores que eu já tive.
— Não tem como, Alex. A festa está um porre, e ainda não
bebi o suficiente para agitá-la.
— E por que você precisa do álcool para a festa se tornar
boa? Faça a sua festa particular. Apenas comigo, Jane. Te prometo
que pode acabar sendo melhor.
— Ah, Alex... Não é tão simples assim. A bebida é como um
energético para mim, se quero esquecer dos meus problemas,
somente com uma garrafa do meu lado e música no volume mais
alto possível. Britney Spears ou da Lady Gaga me salvaria. É auto-
destrutivo, eu sei, mas o que posso fazer se é isso que faz o meu
dia melhor?
— Me passe a garrafa, Jane.
— O que vai fazer?
— Quero sentir as sensações que você disse. Talvez, eu
esteja precisando tanto quanto você. — Ainda que meus
pensamentos mostrassem incerteza, eu entreguei a garrafa em suas
mãos.
Alex levou até os lábios uma quantidade generosa, enquanto
mantinha seu olhar em mim, em cada movimento meu, assistindo
minha respiração ficar tensa à medida que íamos dividindo a bebida.
Puxei o ar entre os pulmões.
Poderia ser uma ideia absurda e perigosa, mas a bebida
tinha dessas, ela liberava tudo o que omitimos, enquanto estávamos
sóbrios.
— Vem. — Deslizei minhas mãos sobre seus dedos,
entrelaçando-os e abri a porta do meu quarto. — Você tem medo de
altura? — indaguei, pensando na possibilidade de, ao mesmo tempo
que, bebi demais.
— Não tenho — Ele franziu o cenho quando eu empurrei a
garrafa em suas mãos.
— Que bom, a gente vai escalar a janela do meu quarto. É
um dos meus lugares preferidos. Se um dia você voltar aqui e não
souber onde me encontrar, pode ter certeza que estarei sentada
naquele telhado. — Segui até a janela, vendo-a aberta.
Passei uma perna em seguida a outra, e quando dei por mim,
estava me arrastando entre as telhas, com Alex ao meu lado. Não
havia ninguém por perto. Era somente nós dois e o céu estrelado
de uma noite de abril.
— O que há de tão bom aqui?
— Não sei. É para onde eu venho quando os meus pais ou
meus irmãos começam a brigar. Acabo vindo aqui. — Respirei
fundo, pensativa. — Sabe o que é engraçado? — disparei, dando
uma pausa para receber a garrafa.
— Compartilhe comigo, Jane.
— É que te conheço há apenas alguns meses e já estou
expondo os podres da minha família. Você se sente incomodado
com isso?
— Não, eu gosto de ouvir você falar. É um dos melhores
momentos. E quando estou na fossa, penso na sua voz. —
Surpresa me encheu, enquanto bebericava a bebida.
— Você me faz parecer a pessoa mais encantadora do
mundo.
— Bem, acertou em cheio. Porque é isso que você é, Jane.
Eu soube disso quando passei o semestre inteiro observando você,
de longe. A cada sorriso que eu te via dar, me deixava ainda mais
curioso para te conhecer. Acho que todos da St. Emery adorariam
passar um dia com você.
— Não sou tão adorada assim, James. Nada do que finjo ser
é real. Ninguém da St. Emery é quem diz ser. Isso acaba sendo
normal e não existem conflitos expostos. Pode haver sempre um
grupo que queima todos no escuro, mas é isso que cada herdeiro
desenvolve. São nossas armaduras. Cada um vive uma guerra
interna. Cada um vive um medo.
— E qual é o seu?
— Não, estou falando demais. Fale o seu medo, Alex. Por
que não gosta de ser chamado de Alexander. Por que sempre
some. E por que nunca sai das sombras?
Empurrei a bebida para ele.
— Tome um pouco de coragem extra, James. — E assim ele
fez, bebeu o líquido mais do que seu gole anterior.
Estávamos em um jogo perigoso.
Onde certamente um de nós sairia ferido.
— Bem, eu sou mecânico. Trabalho em uma oficina desde
que aprendi a diferenciar as chaves e ferramentas. Sempre estou
nas sombras, porque não sou rico como a maioria das pessoas que
estudam naquele colégio. Sou bolsista, Jane. E sobre o nome...
Alexander é o nome do meu pai, isso faz com que nós dois sejamos
Alexander James. Ele o primeiro e eu, o segundo. — Havia raiva
sendo incrementada a cada palavra ao mencionar o pai.
Os olhos de Alex pareciam ficar escuros, densos e sombrios.
Não tinha mais leveza ou charme na sua voz.
Apenas amargura.
— Isso é um problema?
— Bem, não seria se ele não fosse um filho da puta.
— Ele é um pai tão merda assim? — Peguei a vodka da sua
mão, encostando meu corpo na parede.
— Da pior espécie, espero que você nunca tenha a
oportunidade de conhecê-lo. Meu genitor não merece saber que
você existe. Gosto de saber que somente eu tenho acesso a esse
lado seu.
— Gosto de compartilhar isso com você.
— Certo, eu tenho outra confissão.
— Manda ver, James.
— Eu gosto de você.
E foi assim que Alex James me conquistou
despretensiosamente, com um sorriso nos lábios e sem dar a
mínima em como eu reagiria.
— Mostre-me o quanto você gosta de mim, Alex.
Então, lentamente, ele se aproximou. Uma das suas mãos tocou o
meu queixo, em seguida, deslizou o polegar pela região, enquanto
meus lábios estavam entreabertos. Alex parecia disposto a seguir
com sua ideia.
Ele iria mesmo fazer o que eu estava pensando?
Puta merda.
Minha respiração acelerou.
— Quero um beijo seu, Jane.
— Então me beije, Alex.
Alexander James sorriu leve e todo receio se dissipou no
meio do castanho escuro dos seus olhos. Todavia, ele não
conseguia se mover. E para acabar com as dúvidas, eu quebrei
nossa distância e o beijei.
A noite não acabou apenas com um beijo.
Ela seguiu regada de mais álcool e duas tatuagens.
Na manhã seguinte, eu estava com uma sua inicial e uma
chave que sinalizava seu trabalho como mecânico, marcada na
minha pele e ele, com o nome Jane e uma câmera fotográfica
marcadas na sua.
Somente descobri que isso havia sido isso que ele pediu para
tatuar, quando fui verificar as fotos que tínhamos tirado na noite
anterior. Eram muitas lembranças que eu não conseguia lembrar.
Beijos que eu podia sentir ainda nos meus lábios.
E um sentimento novo surgindo.
Alexander James II veio para bagunçar a minha vida como
uma tormenta.
Naquele momento, ele sabia de tudo sobre a minha vida.
E eu da sua.
20 |

PERDIDA ENTRE FRAGMENTOS


Somos jovens demais para isso?
Sinto que não posso me mover
Softcore | The Neighbourhood

Minha cabeça parecia querer explodir a qualquer momento.


Cacete, doía demais.
— Tome isso, talvez ajude com as dores — Stéfany empurrou
uma xícara fumegante nas minhas mãos.
O aroma do café preencheu minhas narinas no mesmo
segundo que levei aos lábios. Dei um gole na bebida, notando o
quanto estava forte.
— Meu Deus, quem fez esse café? — Fiz uma careta,
estremecendo.
— Eric. Agradeça depois — declarou, rindo da minha
expressão enjoada.
— Lembrarei quando vê-lo. — Quando fechei a boca, a porta
se abriu, mostrando a figura do meu gêmeo.
As íris azuis me analisavam com dúvida, enquanto segurava
uma bandeja.
— Pode começar agradecendo agora, Hannah —
resmungou.
— Cacete, se eu soubesse que ganharia esse tratamento de
princesa, depois de encher a cara, teria feito uma festa há muito
tempo! — Forcei um sorriso, mas logo foi substituído por uma
careta, no segundo em que a dor voltou a ser impertinente.
— Não tem graça.
— Na verdade, tem sim — sua namorada discordou,
contraindo o riso nos lábios. Eric levantou as sobrancelhas na sua
direção. — Convenhamos que o acontecimento da noite passada,
nos rendeu mais do que o esperado!
— O que aconteceu na noite passada? Além da festa, é claro
— indaguei, segurando minha cabeça, como se o próximo
movimento fosse capaz de tirá-la do meu corpo, enquanto esperava
a resposta de Stéfany e Eric, no entanto, recebi apenas um
tenebroso silêncio. — Sério, tão ruim assim?
— Depende do ponto de vista. — Sté deu de ombros.
— Acho que agora não é o momento. Coma algo, Hannah —
Eric resmungou, me empurrando a bandeja com o café da manhã.
— Uma hora ela vai precisar saber, Eric. Não é o fim do
mundo. — Sté contrapõe. Meu irmão encarou a namorada.
Notei que a troca de olhares significava que eles estavam tendo
bem na minha frente. Até que Eric respirou fundo.
— Não vai ser eu a pessoa que vai contar — expôs,
ajustando a postura. A voz estava severa, e pelo que conhecia, Eric
estava irritado. Pelo clarão que surgia entre as brechas da janela,
diria que ainda era de manhã.
— Que bicho te mordeu? — Vi seus olhos se reviraram. —
Estou começando a ficar apreensiva em perguntar o que aconteceu
ontem — gemi, sentindo o latejar aumentar.
— Não se lembra de nada sobre ontem? — Sté uniu as
sobrancelhas.
— Não. Eu sei que vim para o apartamento e decidi fazer
uma festa... e então, estou aqui, com uma fodida dor de cabeça! —
me contraí, apoiando as duas mãos na cabeça.
— É melhor você comer mesmo, antes que acabe passando
mal — minha amiga relatou.
O incômodo de não lembrar da noite anterior estava me
deixando cada vez mais preocupada. E analisando a reação do meu
irmão, sentia que havia fodido com tudo.
— Sté?
— Oi, Hannah. — Ela apertou os lábios, olhando diretamente
para mim.
— O que aconteceu ontem depois do jogo?
Notei seus olhos se desviarem.
— Quer mesmo saber?
Assenti,
— Certo... ontem, ainda no jogo você sumiu, ninguém sabia
onde estava. Pensamos que estivesse com Ethan ou algo do tipo.
Quando entramos em contato, você não respondeu. Viemos para
casa e você estava fazendo uma festa. A CBU inteira estava aqui e
gravaram você dançando e bebendo sobre as mesas. —
Imediatamente, cobri os lábios com as mãos.
— Merda. — Apertei os olhos.
— E... — Levantei meu olhar, franzindo as sobrancelhas.
— Ainda tem mais? — Estiquei uma das mãos até a bandeja
que Eric havia deixado para mim. Levei uma das torradas aos lábios
e mordi um pedaço.
— Você teve um dia mais agitado do que pensa.
— É pior do que fazer uma festa e dançar em cima de
mesas? — Parei, mas em seguida, voltei a mastigar o alimento.
— Bem, se você considerar boatos sobre Alex e você se
beijando no meio da festa, e Ethan assistindo tudo, pior do que
isso.... — Deu de ombros.
— Espera, eu beijei o Alex? — estagnei.
— É o que está rolando pela CBU. Eu não sei se é verdade,
já que você não lembra. Eric e Nathaniel não viram... Ana e eu
ficamos fora, por conta dos gêmeos. A música estava muito alta e
havia universitários bêbados por todos os lados.
— Mas não se preocupe, deve ser lorota que Ethan inventou,
porque você deu um soco nele.
— Eu dei? — minha sobrancelhas subiram no teto.
— Sim e muito bem dado,, depois que ele te chamou de
vagabunda. Depois disso, os meninos mandaram todos ir embora.
Você passou um tempo chorando e quase ninguém conseguiu te
acalmar.
— Quase ninguém? Quem conseguiu?
— Alex.
Nada podia ser pior que encontrar acolhimento de alguém
que odiava, enquanto estava bêbada. Era o meu fim, caramba. Eu
não sabia se tinha coração para ir atrás de Alexander, apenas para
tirar satisfação da noite passada.
— Eu falei algo mais? — indaguei, preocupada.
Eu tinha virado outra pessoa, cacete.
— Ah, pelo que eu saiba não...
— Tudo bem.
Respirei fundo.
Stéfany e Eric me deixaram sozinha para que eu pudesse
assimilar tudo que tinha acontecido. E quando eu menos esperei, fui
acertada com as memórias de Ethan no vestiário feminino, trepando
com a minha ex-colega de faculdade.
Eu tive mesmo coragem de dar um soco nele? Uau. O álcool
realmente faz maravilhas, antes de te humilhar e te deixar na
sarjeta..
Encarei a bandeja diante de mim, lembrando da forma que
Eric agiu quando acordei. Naquele momento tudo se encaixou,
deixando claro a razão do seu comportamento.
Ele sabia do beijo.
Coloquei a torrada de volta na bandeja e em seguida, tomei o
comprimido que havia ao lado do café e então, saí da cama. Era
hora de enfrentar meus problemas. Mesmo que tudo que eu
quisesse fosse ficar trancada no quarto e nunca mais sair.
Parecia ser mais seguro.
Meus ombros pesavam enquanto eu caminhava até o
banheiro, no caminho peguei uma toalha e atravessei um cômodo
para o outro.
Deus, me ajude.

Quase trinta minutos depois a minha dignidade estava quase


toda voltando para o corpo. Havia uma tonelada de mensagens,
caindo sem parar no meu celular e, dentre elas, estavam o nome da
minha mãe.
Ethan devia ter contado tudo que aconteceu a ela.
Não tinha coragem para encarar as mensagens. E preferia continuar
daquela maneira.
— As coisas não deveriam ter sido dessa maneira... —
sussurrei para mim mesma.
Eu não sabia o que fazer. Como continuar minha vida.
Era um relacionamento de quase cinco anos, que tomou boa
parte da minha vida. Eu não sabia o que era ser uma pessoa sem
estar atada a um compromisso com outra pessoa. Porque sempre
que Ethan e eu terminavamos em brigas, acabávamos voltando na
mesma semana.
Nunca tinha sido um período tão grande.
Principalmente quando ele enchia minha cabeça de
promessa, recomeços e desculpas sem fim.
Até que as agressões começaram e tudo ficou pior.
Temer as reações de alguém que deveria amar, foi um ponto
alto para repensar nas escolhas que tomei, no momento em que
deixei de ouvir a voz do meu coração. Eu não estava triste pela
traição, estava ardendo de ódio por todos os anos que me fez jogar
no lixo.
— Parado aí! — ralhei, vendo Alexander sair da cozinha,
enquanto eu descia a escada com pressa.
— Oi, Jane. — Ele sorriu.
— Não vem com essa de Oi, Jane — Apontei para ele. — Por
que todo mundo está dizendo que você me beijou?
— Na verdade, foi você quem me beijou, Jane-Gatinha.
Como poderia esquecer do nosso beijo? — Alex parecia certo das
suas palavras. — Quer que eu refresque sua memória?
Cerrei as íris.
— Você estava dançando em cima da mesa de jantar. Eu me
aproximei para tirar você de lá ou acabaria se machucando, porque
porra, Jane. Você estava no limite, dizendo que não se arrependeria
do beijo. Como foi que disse mesmo? Ah, sim. Disse que seria um
problema para a Hannah do futuro, porque naquele momento, era a
Jane quem queria um beijo meu.
Algo aconteceu.
A lembrança voltou.
— Se eu fosse você não me provocaria dessa maneira,
amor...
— E se eu continuasse... — sussurrei, roçando os lábios na
região do lóbulo da sua orelha, e então agarrei sua nuca. — O que
você faria, James?
— Não me tente, Jane.
— Por que não? Afinal, hoje é um dia feliz!
Eu o senti endurecer com meu toque quando ouviu minhas
palavras. Eu sabia o poder delas sobre Alex e usaria de bom grado
naquele momento. Principalmente depois de ver Ethan entrando
pela porta.
Filho da puta.
— Não acha? — Afastei meu rosto, lendo suas expressões. Em
seguida, meus olhos desviaram novamente para a imagem de
Ethan, e logo voltei a encarar James. — Você pode continuar sendo
um filho da puta, Alexander. Todavia, eu adoraria sentir seu gosto
outra vez — murmurei para que somente ele pudesse me ouvir.
— Você vai se arrepender, eu sei disso.
— Não, e caso isso aconteça, será um problema para a
Hannah do futuro. Aqui e agora é a Jane quem quer beijá-lo. — Alex
umedeceu os lábios, encarando a minha boca, ele estava sedento,
enquanto eu o chamava silenciosamente.
Por um segundo, procurei Ethan entre os universitários.
Merda, ele finalmente nos viu. Aquele era o meu momento. E por
pouco falhou quando James quase tentou ver para onde eu estava
olhando, fazendo-me cobrir seus lábios com os meus.
— Lembrou, Jane? — Alexander zombou. Ele deve ter
notado minha expressão, enquanto os flashes de memórias
retornavam. — Eu queria que esse beijou tivesse acontecido em um
momento que ambos estivessem sóbrios. Para que você lembrasse
sempre, quando pensasse em nós dois.
— Eu não tenho pretensão de lembrar disso, James. Quero
apenas que fique longe. E se quer saber, aquele beijo não significou
nada para mim — explodi minha angústia nele.
— Se é assim que você quer lidar com os acontecimentos da
noite passada, tudo bem. Eu já imaginava algo assim vindo de você,
afinal, estamos falando de Hannah Peterson, não é mesmo?
O embate entre nós dois sempre existiria. Alex e eu nunca seríamos
bons um para o outro.
Era tudo o que eu conseguia perceber, enquanto me perdia
em seus olhos, até que o ranger da porta sendo aberta, me tirou da
escuridão. Nathaniel, Ana e seus filhos entraram. Pelas escadas
desciam Stéfany e Eric.
Ótimo.
O grupo estava formado.
— Chegamos bem na hora! — Ana declarou indo até o sofá
com Aaron nos braços.
Não pude deixar de notar o quanto haviam crescido nos
últimos meses e em breve, estariam completando um ano de vida.
— E aí, cara. — Nathaniel cumprimentou Alex e Eric com um
toque rápido. Ellie estava no seu colo, olhando para tudo ao seu
redor, enquanto mastigava o polegar e balbuciava algo
desconhecido. — Oi, Stéfany. — O tatuado acenou para minha
cunhada.
— Olá — disparou, indo na direção de Ana. — Meu Deus,
parece que eles crescem um centímetro a cada dia! — Seus dedos
acariciaram os cabelos loiros de Aaron, enquanto ele dormia
serenamente.
— Estou pensando o mesmo — Ana contou, rindo. — Quero
ver como irei passar esse tempo longe.
— Como assim? — Todos unimos as sobrancelhas para a
loira.
— Nathaniel e eu temos uma novidade para contar. Aliás, se
tiverem algo marcado para o quatro de julho, cancelem!
— E por que, loirão?
— Essa deixa é comigo. — Nathaniel indicou, chamando a
atenção de todos. — Vocês lembram sobre a ideia que me deram
sobre a viagem?
Viagem? Que viagem?
— Com todos os acontecimentos nos últimos dias, pensamos
em realizar uma viagem, mas com todos nós juntos, já que em
breve teremos as férias de verão. O que acham?
Todos ficaram em silêncio.
— Eu gostei da ideia — anunciei, quebrando a tensão. — Faz
muito tempo que não viajo, o convite veio em boa hora! — Apoiei as
mãos na cintura.
— Hannah. — Eric me chamou.
Havia alerta no seu tom de voz.
— O que há?
— Segura a onda. — Meu irmão sabia que minha
confirmação imediata tinha um motivo.
— Não estou entendendo você. — rebati. Eric estava agindo
daquela maneira desde cedo.
— Eric, por favor. — Houve um embate silencioso entre ele e
Sté. — Eu concordo com Hannah, estamos mesmo precisando de
férias. E tudo melhor por ser em outra cidade. Aliás, já tem em
mente a cidade?
— Passamos muito tempo escolhendo o destino perfeito. E a
escolha foi uma cidadezinha no interior do Texas!— Ana declarou,
fazendo-me sorrir.
— Qual? — Alex, depois de muito tempo em silêncio,
perguntou.
— Fneyport — Nathaniel declarou.
— Não acredito! — Cobri os lábios.
Caramba, Fneyport era uma cidade que anualmente
celebravam o solstício de verão. A cidade ficava maravilhosa
naquela época do ano.
Lembrava da primeira vez que coloquei os pés naquele lugar
e, por muito pouco, não quis voltar para Boston. Tinha quatro ou
cinco anos, e para a Hannah daquela idade as atrações pareciam
mais divertidas, do que qualquer outra coisa.
— E quando vamos? Meu Deus, podemos ir agora? —
perguntei exasperada.
Não ficava empolgada com algo, daquela maneira, há anos.
E aos poucos conseguia sentir a vida florescendo dentro de mim
novamente.
— Vemos aqui alguém um pouco ansiosa — Sté zombou.
— Quando chegamos a Fneyport você vai entender o porquê
dessa ansiedade!
Aquela cidade sempre carregaria o meu coração consigo.
E falar sobre ela, em qualquer momento, me fazia ainda mais
feliz. Caramba, era disso que eu precisava para superar um término.
Depois de horas conversando sobre cada detalhe da viagem,
eu subi para o andar de cima. Meu corpo ainda estava cansado com
todos os acontecimentos da festa. E antes que eu pudesse chegar
ao meu quarto, ouvi a voz de Eric me chamando.
— Hannah.
Parei, encostando minhas costas na porta do quarto.
— Oi, Eric. Se for para me tratar como uma criança é melhor
deixar para amanhã. Estou cansada. — cruzei os braços.
— Não, não estou aqui para isso. Só queria ter uma conversa
franca com você.
Suspirei, olhando para os lados, em seguida, abri a porta do
meu quarto.
— Entra aí — indiquei para meu gêmeo cabeça-dura.
Eric entrou e logo sentou na minha cama.
— Fiquei preocupado com você ontem, Han.
— Me desculpa — sussurrei.
— Por que você sempre mentia quando eu perguntava se
estava acontecendo algo a respeito de Ethan?
— O que quer dizer com isso, Eric?
— Que você ainda encobre o que ele fez com você. E eu sei
que a viagem só está sendo um pretexto para sair da cidade.
Sabemos o quanto ama Fneyport, mas para quem estava chorando
tudo que existia no corpo, há algumas horas, você me deixou
preocupado.
— Isso não tem nada a ver!
O nervosismo persistiu.
— O que Ethan fez?
— Nada, Eric. Ethan não fez nada, apenas cansei de
continuar sustentando algo que não iria para frente.
— Hannah, ninguém em sã consciência dá um soco em
alguém, como você fez, a troco de nada. E eu gostei de vê-la
lidando com a situação, e o golpe foi o melhor que já vi. — Eric
declarou. — Tudo bem, você não querer contar, mas adoraria ser o
primeiro a saber. Independente do que ele fez.
21 |

PRIMEIROS PASSOS
Oh, espero que algum dia eu consiga sair daqui
Mesmo que demore a noite toda ou cem anos
Preciso de um lugar para me esconder,
mas não consigo encontrar nenhum por perto
Quero me sentir viva, lá fora não consigo enfrentar meu medo
Lovely (feat. Khalid) | Billie Eilish

DIAS DEPOIS

— Você está pensando o mesmo que eu? — ouvi Sté


cochichando com Ana.
— Estou — A loira disse em contrapartida.
— O que vocês estão pensando? Quero pensar igual
também! — chiei, vendo Ana ruborizar as bochechas.
— Stéfany e eu já estivemos nessa cidade. Somente agora
lembramos... — A loira passou as mãos entre os cabelos, parecia
um pouco envergonhada.
— Quanto? — Uni as sobrancelhas.
— Tem por volta de uns quatro ou cinco anos — Stéfany
declarou. — Ao mesmo tempo que parece diferente em alguns
ângulos, ela parece ser a mesma cidade. Olhe, Ana. — Inclinou o
queixo para o estúdio de tatuagens. — Fiz essa rosa bem ali.
— Sério? — Indaguei, lembrando vagamente que Nathaniel
havia feito uma também naquele lugar. — A única vez que viemos
aqui, tem mais ou menos esse período. Parece que estamos no
mesmo lugar e só nos conhecemos na faculdade. — Eu ri, tínhamos
chegado a pouco tempo.
Não lembrava exatamente a última vez em que estive ali.
No momento que pisei em solo texano um novo sentimento
inflamou meu peito. Fneyport era a cidade onde meu pai havia
nascido e sido criado por muitos anos, o Texas foi seu lar.
Aquela cidade o transformou no homem que era atualmente. Um
dos melhores pais que o universo poderia criar. Seu único problema
era a ausência, e com isso, deixava claro o quanto me afetou por
anos.
Puxei o ar, vendo meu primo se aproximar.
Os cabelos loiros, puxados para o platino, tal qual Jack
Foster, era o que mais chamava atenção em Reece Kennedy[7].
Seus olhos castanhos claros pareciam felizes ao nos encontrar e ao
seu lado estava Jasmin, sua namorada. Jas compartilhava os
cabelos castanhos um pouco abaixo dos ombros, mas a franja
sempre acompanhando-a.
Reece e Jas estavam um pouco diferentes, desde a última
vez que os vi.
— Olá, pessoal! — A namorada de Reece acenou para todos
ao cumprimentar.
— Oi! — Ree sinalizou, sorrindo.
— Meu Deus! — Ana exclamou.
— É você mesmo? — Sté parecia surpresa em encontrar
Jasmin.
Ana estava igual, assim como Jas. Reece e eu não sabíamos
o que fazer. Apenas assistíamos a situação.
— A gente meio que se conheceu anos atrás, quando eu fiz
minha primeira tatuagem. O Estados Unidos está a cada dia menor,
pelo visto — brincou.
— E você aparentemente nos escutou — Stéfany constatou,
olhando para Reece e em seguida, para Jasmin.
Ree e Jas eram o maior clichê que já conheci na vida.
Eles eram melhores amigos desde que estavam na barriga
das suas mães. E talvez seja por isso que eles sempre estiveram
destinados a ficarem juntos.
Alguns tinham a sorte de ter uma história fácil, sem muitos
eventos dentre seus capítulos. A minha parecia uma folha em
branco e dois capítulos depois, surgiam os impasses, um seguido
do outro. Amores mal resolvidos, brigas e desilusões, o próprio suco
do entretenimento.
— Porra, qual das três está de mudança? Essa mala aqui
está prestes a explodir! — Alex chegou, puxando as malas e logo
atrás, Eric e Nathaniel com o mesmo número.
— Me digam que isso não foi uma competição?
— Deveria ser, mas eu acabei perdendo o dinheiro que não
tenho, em apostas!
— Você deveria saber que não jogamos limpo — Nathaniel
disparou, rindo para o amigo.
— Mas que porra, Nanthnaiel.
— Na próxima você consegue, Alex.
— Na próxima? Um caralho, isso sim. — Eric riu ao meu lado.
— Uau, vocês estão bem agitados! Deveriam guardar um
pouco dessa animação para hoje à noite, na abertura de um
barzinho próximo aos eventos do solstício — Jasmin contou como
se fosse um segredo.
— Chegamos definitivamente na melhor época do ano!
— E que Deus tenha piedade dos homens essa noite... —
Eric resmungou. — Vamos logo, quero conhecer a casa que vamos
passar o verão. — Ninguém sabia de fato como era o lugar e
Nathaniel disse somente que era uma casa grande o suficiente para
nós seis.
Contudo, algo dentro de mim queria discordar.
Não entendi o motivo, mas a todo segundo que eu percebia
que estávamos mais próximos de chegar na casa, meu coração
balançava.
Cada um deles trouxe o seu carro, já que o Texas não ficava
muito longe de Boston. Quando chegamos, eu fui a primeira a sair
do carro de Eric, com Sté ao meu lado.
Logo atrás, chegaram Ana e Nathaniel e por fim...
Ele.
Alex desceu do seu carro, tirando os óculos escuros do seu
rosto e penteando os cabelos para trás, com os dedos.
Contive o incômodo que começou a crescer dentro de mim,
eu precisava curar isso. Não era normal sentir meu corpo
formigando sempre que dava de cara com ele.
Alex já deveria ter esquecido das minhas lembranças e o
beijo continuava significando um grande nada.
Já tinha semanas desde aquele fiasco.
— O proprietário disse que temos sauna, piscina, academia
no terraço, banheira e chuveiro em todos os quartos, assim como
um quintal grande. Caso for decidido como iremos comemorar o 4
de julho, poderia colocar a mesa para fora e fazer nessa área.
— Não vejo problema, e quanto aos quartos? — Indaguei.
Foi naquele momento em que o silêncio preencheu o quintal.
— O que houve? — Todos, exceto Alex, se entreolharam.
Isso me fez franzir o cenho. O que tinha acontecido?
— Vamos checar essa parte agora — Nathaniel declarou,
respirando fundo.
Os olhos cinzas pareciam preocupados, fazendo com que
meu consciente entrasse em alerta. Observamos ele abrir a porta e
em seguida, nos dar passagem para entrarmos.
A casa era definitivamente grande.
— Todos os quartos são no andar de cima.
— E quantos são? — Alex perguntou.
— Três — Nathaniel soprou, deixando-me estagnada na
porta.
— Três? — Alex e eu falamos em uníssono.
— E onde eu vou dormir? — Eu não estava acreditando no
que estava acontecendo.
Eram três quartos para seis pessoas. Um casal de
namorados e o outro casados. Todos sabiam o que deveria ser feito
quando restava somente Alex, eu e apenas um quarto sobrando.
— Você vai dormir no mesmo quarto que o Alex, Hannah. —
Olhei para meu irmão, à medida que minha respiração ficava falha,
após receber a notícia.
— Sinto muito, eu não vou dividir o quarto com ninguém! —
ralhei.
— O que há, Jane? Não é tão ruim dividir a mesma cama que
eu.
— Eu prefiro dormir no chão ou nesse sofá, James.
— Acha mesmo que vou permitir que você durma no sofá,
quando se tem uma cama de casal em um quarto confortável, Jane?
Posso ser tudo, menos um filho da puta que deixaria alguém dormir
em um sofá duro.
Talvez essa resistência sempre iria existir quando se tratava
de James. Era o meu karma. O homem que me tratou como um
nada.
— Dormirei no chão, então, Jane. Apenas fique com o quarto,
não irei se aproveitar da sua boa vontade — disparou, se
aproximando. — Quero somente uma trégua. — Todos observavam
em silêncio, mas que merda.
Foi bem naquele momento que eu percebi o que estava
acontecendo.
Aqueles quatro tinham armado isso. Era coincidência demais ter
somente três quartos de casal.
Eu sabia que não teriam problemas em alugar uma casa com
quartos suficientes para passar as férias.
— E então? — Ana perguntou.
Suspirei.
— Aceito a trégua, mas com uma condição.
— Qual, Jane?
— A cama realmente vai ficar apenas para mim —
desdenhei, parecendo a porra de uma garotinha mimada.
Alexander respirou fundo ao colocar as mãos dentro dos
bolsos da calça jeans.
— Sem problema algum. Eu aceito.
— O mesmo — resmunguei.
Assim seguimos com as malas para o andar de mim. E Alex
fez questão de levá-las para mim.
Horas mais tarde, Stéfany, Ana e eu estávamos no quarto
que eu passaria o verão inteiro.
— Então, qual vai ser o seu primeiro passo na nova vida de
solteira? — Stéfany indagou para mim. O verde dos seus olhos
pareciam extasiados à espera da minha resposta.
— É um grande momento! — Ana disparou. — Já tem algo
em mente?
— Antes de tudo, preciso ir ao salão.
Meu cabelo estava implorando por um corte novo.
— E depois vamos às compras. Porque preciso de algo mais
ousado para usar hoje a noite — decretei.
— Sugiro que o melhor é: compramos as roupas e ir ao salão
em seguida — Sté estava certa, deveríamos fazer daquela maneira.
Assim eu estaria pronta a tempo, quando a noite chegasse.
Notei o quanto aquele amor sombrio de Ethan me fazia mal.
Acabou me destruindo dolorosamente. Eu tinha perdido a garota
dentro de mim e achei-a implorando para ser salva.
Eu me salvei.
Nada nem ninguém seria capaz de destruir minha noite.
Eu procuraria o status de solteira para meu proveito, durante
todos os dias que eu estivesse na cidade.
— Estou pronta para ir. — Me coloquei de pé e peguei minha
bolsinha.
Stéfany e Ana fizeram o mesmo, em seguida, fomos para o
melhor salão da cidade.
22 |

INFELIZES
Mas eu desmorono completamente quando você chora
Parece que mais uma vez você teve que me cumprimentar com um
adeus
Eu estou sempre a ponto de estragar a surpresa
Tirar minhas mãos dos seus olhos cedo demais
505 | Arctic Monkeys

PASSADO

Passei um minuto encarando o banner de divulgação, que


haviam colocado naquela manhã, no mural.
A ideia parecia tentadora demais.

Ú
ÚLTIMO DIA:
Seleção para novos atletas!
Faça parte dos Boston Red Coats.

Durante os meus quatorze até os meus dezesseis anos, fiz


parte do time de futebol americano da minha antiga escola. Eu sabia
todas as jogadas. Tinha um bom lance. E tudo que era necessário
para se manter em um time.
Todavia, o momento em que estava minha vida, me fazia
repensar se valeria a pena sacrificar o pouco de tempo livre que
tinha. Respirando fundo, li os nomes que seguiam na lista dos
inscritos e dentre eles estava um nome conhecido.
Nathaniel Sullivan.
Lembrei vagamente do seu rosto e dúvidas encheram meus
pensamentos.
Até ele se inscreveu e eu ainda continuava sendo corroído
pela dúvida.
Por um longo período o futebol americano foi minha casa, o
time se tornou uma família para mim. Eu passava todas as tarde no
estádio do colégio, porque simplesmente não conseguia
permanecer em casa.
Meu pai fazia ser impossível passar mais do que dez minutos
ao seu lado. E minha mãe vivia no seu mundo de calmantes.
Ela tinha virado uma completa viciada neles, havia remédios
por todos os lados, que se pudesse imaginar naquela casa.
Magnólia viveu daquela forma por dois anos, e tudo piorou quando
descobriu que estava grávida novamente.
Margô era sua terceira gravidez.
A segunda gestação havia sido interrompida, em uma das
agressões que ela sofreu de Alexander. Magnólia estava no começo
da gravidez e por ser de risco, depois dos golpes ela perdeu o bebê,
em uma madrugada fria de outono.
Eu a vi chorando dia após dia.
Entrando em um colapso por meses.
Foi dessa forma que encontrou salvação nos seus
comprimidos. Dois anos mais tarde, ela recebeu a notícia que
estava grávida novamente, porém, sua reação não foi a das
melhores.
Minha mãe não agiu bem quando viu o resultado e o uso dos
remédios ficavam cada vez mais constantes. Ainda podia encontrar
seus remédios pelos esconderijos improvisados, no quarto que
dividia com Alexander.
Respirei fundo, sacudindo a cabeça.
Não era hora de xeretar as lacunas que ainda existiam dentro
de mim ou da forma de como reagir quando tive que arcar com
todas as responsabilidades de Margô como um pai para ela.
Eu não sabia o que era ser essa imagem para alguém, ainda
mais quando não se tinha uma pessoa como referência, para poder
seguir os seus rastros. Tive que aprender tudo sozinho.
Sem uma mãe e sem um pai.
Bufei, eu não podia deixar isso ser palco na minha vida.
E certo disso, peguei a caneta ao lado do cartaz e assinei meu
nome. Todos veriam Alex James no meio daquele campo.
Isso talvez ajudasse a ingressar na faculdade, acabava sendo mais
fácil quando se praticava um esporte no colegial. As chances se
tornavam melhores.
— Você vai participar do time? — Uma voz soou de repente,
mas então, eu reconheci.
Hannah Peterson. O tom doce e gentil. Ao seu lado, estava
seu irmão e a namorada dele.
— Eric também vai participar, não é? — Stacy indagou,
semicerrando os olhos claros.
— Por livre e espontânea pressão da Hannah— resmungou o
loiro.
— Mentira, seu filho da mãe! — Parecia indignada com a
acusação.
Tudo que eu conseguia pensar era na noite passada.
Eu tinha feito a porra de uma tatuagem com ela. E ao analisar as
expressões dela sobre mim, notei o desconforto em todas as vezes
que ela desviava seus olhos para qualquer pessoa, que não fosse
eu.
Caralho. Caralho. Caralho.
Os poucos flashes da noite passada surgiram bem diante dos meus
olhos. Lembrava de ter perguntado o que queria ganhar de
aniversário e ela simplesmente disparou que sempre quis fazer uma
tatuagem, no entanto, ela não acreditou que iríamos até um estúdio
e fazer a tatuagem que escolhesse.
Quando acordei pela manhã e vi o desenho no meu corpo
agradeci por tudo o que vivi na noite anterior com a minha Jane.
Porra, o beijo.
Tinha sido o meu primeiro. Isso era algo que nem mesmo
Judy sabia.
Nunca tive vontade de viver tudo que um adolecente gostaria.
Nunca tive uma namorada.
Nunca havia dado meu primeiro beijo.
Ainda era virgem.
E nunca estive tão apaixonado por alguém como estava por
Hannah Jane Peterson.
Quem sabe um dia eu conte a ela.
— Preciso ir até a biblioteca. — A namorada do Eric cortou o
silêncio que havia preenchido o corredor. — Quer vir comigo, Eric?
— indagou para ele. Vi o loiro deslizando seus olhos sobre a
Hannah e eu, em seguida, concordou com Stacy.
— Vamos, preciso trocar alguns livros, de qualquer forma.
Hannah assistiu seu irmão a deixando pouco a pouco,
quando notou a considerável distância se aproximou mais.
— Oi, Jane.
— Oi, Alex. Hoje é um dia feliz? — murmurou, descansando
a lateral da cabeça na parede.
As nuances esverdeadas tinham toda a minha atenção.
Hannah parecia um anjo na forma que o rosto se mantinha inclinado
para o lado.
— Não tem como não ser feliz depois de ontem.
Não sabia se era cedo demais para mencionar tudo que
aconteceu ontem.
— Obrigada.
— Pelo que, Jane?
— Por ter melhorado a minha festa sem esforço algum.
Acabou sendo melhor do que eu pretendia e ainda ganhei uma
tatuagem. — Sorriu, mostrando o aparelho, mas logo ele
desapareceu quando ela cobriu a boca com a mão.
— Não se arrependeu dela?
— Não, não me arrependo de nada que aconteceu. — Sua
resposta me fez sorrir. — Só há uma coisa de que eu me arrependi
ontem. — A fala me deixou nervoso, fazendo-me repensar em tudo
que fiz na noite passada.
— O que?
— A lista. Destrua, por favor.
— Não posso, Jane. — Ela franziu o cenho.
— Por que não?
— Se tornou meu dever cumprir cada uma delas, Jane —
declarei, e mesmo que soasse prepotente demais, não estava
dando a mínima.
— Está tão certo disso?
— Completamente.
— Eu preciso ir, mas te desejo boa sorte com o teste do time.
Acho que os três vão conseguir entrar — divagou.
— Tem certeza?
— Absoluta!
— Gosto de dizer que tudo que eu falo acontece de fato.
Eu ri.
Hannah tinha uma facilidade absurda de conseguir me fazer
rir. Era sempre assim, como se fosse um toque de mágica, ela
estalava seus dedos me enfeitiçando, apenas dizendo a primeira
coisa que visse na sua cabeça;
— Depois me conte como foi a seleção, Alex.
Ela estava prestes a girar seus calcanhares.
— Jane.
Ela parou, franzindo os lábios.
— Preciso de algo seu para a seção mais tarde. Algo que
provavelmente você acha que me daria sorte — Isso a pegou em
cheio. — Qualquer coisa, não precisa pensar muito.
— Qualquer coisa, Alex? — Repetiu.
Hannah olhou para os dois lados dos corredores e logo
depois, me puxou para uma das salas vazias que era comum
encontrar pelo colégio. Com uma das mãos livres ela empurrou a
madeira, fechando os pontos de luz do ambiente. Estava
completamente escura a sala.
— Ei, calma — sussurrou bem próximo do meu rosto. Eu
pude sentir seu hálito fresco soprando contra minha bochecha. —
Me pediu algo que te desse sorte e eu tenho algo que talvez te dê
mais disposição.
— E o que seria?
— Um beijo por cada ponto, James.
Se Hannah queria me deixar motivado, ela conseguiu.
23 |

SOMOS UM ERRO
Se você fosse minha, eu nunca deixaria ninguém te
machucar
Eu quero secar aquelas lágrimas, beijar aqueles lábios
Isso é tudo que eu tenho pensando
Can I Be Him | James Arthur

No terceiro toque, Judy atendeu.


— Alô?
— Oi, Didy. — Eu podia visualizar com perfeição seus olhos
se revirando. — Pare de revirar os olhos, mulher.
— Como você...
— Sou muito bom nisso, pode falar! — Sorri. — Cadê a
Margô?
— Terminando de jantar.
— Queria falar com ela...
— Se quiser, posso chamá-la…
— Não, deixe ela terminar de jantar. Em outro momento eu
ligo. Tchau, Judy.
— Tchau, Alex. — Encerrei a ligação.
Não tive tempo de me despedir dela antes de viajar e estava
me sentindo mal por isso. Tinha prometido a mim mesmo que seria
mais presente na vida dela, depois que Magnólia ressurgiu das
cinzas.
Minha mãe havia passado tanto tempo longe, que minha
preocupação não existia quando se tratava dela. Houve uma época
que pensei seriamente que ela teria morrido. Por conta do vício que
ela carregava consigo. Contudo, naquele momento ela estava bem,
viva e com uma família ao seu lado.
Eu tinha medo de que ela tirasse Margô de mim. Imaginava que ela
teria dinheiro suficiente para contratar diversos advogados prontos
para servi-la e realmente tomasse minha garotinha de mim.
Magnólia não tinha esse direito.
Respirei fundo, enquanto ouvia os sons de Nathaniel e Eric
descendo as escadas.
— Já está pronto? — Nathaniel indagou.
— Estou. — Abri os braços. — Como vai ser, vamos na frente
e elas nos alcançam?
— Algo assim — Eric falou.
Hannah, Stéfany e Ana haviam sumido cedo.
Nathaniel havia comentado sobre elas terem ido comprar
roupas para aquela noite. Eu só conseguia pensar em qual roupa
Hannah iria usar, isso era algo que estava mexendo com a minha
cabeça.
— Vamos? — Chamei.
— Vamos.
O bar não ficava tão longe como eu imaginava. Era mais ou menos
vinte minutos minutos de carro.
No momento em que colocamos nossos pés dentro do
estabelecimento, notei algo nas pessoas agitadas pelas músicas e
nas bebidas em suas mãos.
Suor.
Bebida.
E música.
A soma das três palavras poderiam causar um estrago
inesperado a uma pessoa, principalmente em uma cidade onde não
era seu habitat natural. Com corpos se movendo na energia da
música, eu consegui identificar a que tocava naquele exato
momento. Era Rompe do Daddy Yankee.
Somente em outra vida, e a qual eu não conhecesse Judy,
acabaria não lembrando dessa garota quando tocasse qualquer
música latina. Principalmente essa, em especial. Ela passava quase
todos os dias ouvindo Daddy Yankee com o som no último volume,
quando Margô estava fora.
Típico de Judy Sanchez.
— O que deseja? — Meus olhos recaíram sobre o barman
diante de mim.
— Até o momento nada, amigão — sentei no banquinho.
Não queria beber naquela noite. Estava sem clima para isso e além
do mais, eu voltaria dirigindo de qualquer maneira. Não era sempre
que eu estava disposto a encher a cara, havia momentos
específicos, ocasiões que pedem uma dose de álcool para consolo.
No entanto, acabava exagerando mais do queria. E pior, eu na
maioria das vezes, acabava expondo vários episódios da minha vida
quando adolencente ou até mesmo minha vida adulta. Haviam
assuntos que não deveriam ser jogados assim, em uma conversa de
bar.
Eu tinha que ser mais sigiloso.
— Elas chegaram. — Foi tudo que Eric disse, fazendo meu
tronco endurecer. Seus olhos não olharam para mim em nenhum
momento, seguiam somente sobre o celular em suas mãos. Até que
em uma fração de segundos, seu olhar se fixou na minha estrutura.
— O que você quer tanto com a Hannah?
— Do que você está falando, cara?
Droga, eu odiava ter que mentir para eles. Todavia, tinha se
tornado um vício, algo que mesmo se eu quisesse, não conseguiria
parar.
— Não vamos por esse lado, Alex. Eu não sou cego, vejo e
gosto de observar. Então, não pense que eu não sei de algo.
Minha respiração falhou.
— Se você ousar machucar minha irmã, eu esqueço que foi
meu amigo um dia.
Nathaniel assistia a cena quieto, sem saber em que lado ficar.
Ali não era necessário escolher um partido, mas se fosse para
escolher um, que fosse o de Eric. Ele tinha razão. Ele sabia tanto
quanto eu, que eu zelava por nossa amizade. E deixar isso
acontecer me fez me sentir culpado.
Porra, eu amava Hannah. Tentava pouco a pouco ter sua confiança
de volta.
— Fica frio. — Soprei para o loiro.
Eric me deu uma última olhada e em seguida, sentou ao lado
de Nathaniel.
Quando ousei olhar para frente, meu corpo paralisou.
Elas tinham chegado e as três usavam um vestido preto.
Mas havia algo diferente.
— O que se esperar de Hannah Peterson vestida para matar
— Nathaniel riu quando viu Hannah.
Nunca pensei que a veria daquela forma. Puta merda, não
imaginava que Hannah podia ficar ainda melhor com os cabelos
ruivos. Parecia que a cor acobreada tinha escolhido ser boa em
suas mechas. Enquanto, elas se aproximavam entre os flashes de
luzes, a música Bailando, do Enrique Iglesias.

Eu te olho e fico sem fôlego


Quando você me olha, meu coração sai pela boca
(Meu coração bate devagar)
E num instante de silêncio, seu olhar diz mil palavras
Nessa noite, imploro para o Sol não nascer

Puta merda, eu mal conseguia raciocinar.


O vestido tomara que caia preto, de um volume favorecedor ao seu
corpo, lhe caía muito bem. E como parte do look, ela usava uma
luvas da mesma cor.
Todas elas estavam lindas, mas somente Hannah conseguiu
fazer meu coração bater forte.
E vendo meu olhar sobre ela, Hannah foi diretamente para o
bar e pediu um drink ao barman.
— Vão querer algo? —indagou para as amigas, no entanto,
ambas negaram. Observei o funcionário atrás do balcão entregando
o pedido da ruiva e logo ela bebericou a taça. — Está tocando
Enrique Iglesias! Vamos dançar agora!

Dançando (dançando)
Dançando (dançando)
Seu corpo e o meu, preenchendo o vazio
Subindo e descendo (subindo e descendo)

Acompanhei as três com o olhar, indo para o meio da pista.


Hannah parecia feliz.
E isso me deixou mais feliz ainda.
Eu preferi deixar que ela aproveitasse a festa. Aproveitasse
sua vida de solteira.
As palavras de Eric ainda circulavam na minha cabeça.
Por um segundo me permiti olhar para ele outra vez, quando meu
olhar cruzou o seu, notei um sorriso nos seus lábios vendo sua irmã
e namorada dançando juntas. Pareciam duas crianças brincando, e
logo em seguida, pegam cada uma, a mão de Ana e giraram ao
mesmo tempo.
— Dá para acreditar que o trio tem idades diferentes?
— Na verdade, elas parecem que dividem o mesmo neurônio.
Olha isso! — Eric se perdeu em uma risada.
O que eu pensei que seria apenas duas horas no bar, se
tornaram quatro horas.
E finalmente estávamos em casa.

Eu não conseguia tirar meus olhos dela.


— Deveria parar, James — Hannah disparou, sem olhar para
mim.
Notei que ela evitava o máximo possível manter contato
visual comigo, como se por um segundo fosse tropeçar nas suas
promessas de me odiar eternamente.
— Seja mais clara, querida Jane — instiguei, ainda
encarando-a.
Porra, aquele vestido se tornou minha destruição. Nunca
imaginei que ficaria louco para tirar algo de alguém, tanto como eu
queria fazer naquele momento.
Esperei pela resposta dela, no entanto, Hannah optou pelo
silêncio. Seu eco me envolveu ainda mais, fazendo-me cortar o
pouco de distância que nos separava.
— Vamos lá, estou curioso.
— Está?
— Para caralho, amor. Não tem como não ficar fascinado por
tudo que você diz. Veja. — Abri os braços, vendo-a revirar os olhos
sem pensar duas vezes.
Para Hannah tudo que eu dizia era com um vasto nada,
entretanto, cada sílaba continha as verdades que eu não soube
contar quando deveria. Nos momentos que acabei preferindo mentir
e destruir o nosso paraíso na Terra.
— Acaba sendo cansativo tudo isso, sabia? — Cruzou os
braços, saindo do quarto.
Não queria que essa conversa acabasse daquela maneira, e
foi pensando nisso que segui seus passos até o banheiro. A porta
estava aberta, era um sinal que deveria dar continuidade.
— Só é cansativo quando você não está disposta a tentar,
Jane. É simples assim.
Porra, eu sabia que não seria facil. Todavia, usei as jogadas
que estavam em minhas mãos, onde ambos ficavam seguros. Era
uma batalha intensa lutar contra o nosso passado e as dores que
ele nos deixou.
— Não é tão simples quando se é a pessoa que foi magoada,
Alexander — Ela cuspiu, ao ver minha imagem sendo refletida no
espelho. As mãos estavam apoiadas na pedra de mármore, os olhos
esverdeados pareciam flechas na minha direção, esperando
unicamente um sinal para serem disparados sobre mim.
Eu era seu alvo onde ela mais queria ferir.
— Está no seu direito, Jane — me aproximei atrás dela, e na
medida que meus passos iam nos juntando, pude contemplar o
momento que seu corpo se agitou com os movimentos. Minha
garota... não tenha medo de mim. — Não tenha pena de mim, sei
que mereço receber essa carga de raiva. — Dei outro passo. —
Libere em mim. — Mais um até meu corpo estar junto do seu,
recebendo o seu calor, assim como ela provavelmente estivesse
sentindo eu aquecendo-a pouco a pouco.
— Somos um erro, Alex. Nunca vamos deixar de ser isso: a
porra de um grande erro.
— Somos?
— Com toda certeza.
— Você está acabando comigo, amor...
— Eu nem ao menos comecei, James.
— Você ainda tem a nossa tatuagem? Eu vejo seu nome
todos os dias — murmurei. Passei anos tentando imaginar o que ela
tinha feito com sua tatuagem, mesmo que fosse um simples A com
uma chave.
— Não, eu removi ela quando entrei na CBU — disse a
rebote, cerrando os olhos.
Encarei seu reflexo, avaliando se era verdade suas palavras.
— O quanto você bebeu essa noite, Jane? — sussurrei,
contra o lóbulo da sua orelha, com suas costas apoiadas em meu
peito, ao mesmo tempo que assistia sua expressão denunciado o
quanto estava sendo afetada. Os olhos se mantinham fechados,
enquanto minha boca praticamente beijava a lateral do seu pescoço.
— Eu não bebi.
— Mas eu vi aqueles drinks que passavam várias vezes por
sua mão.
— Não eram alcoólicos. Sei me divertir sem precisar de
álcool, ao contrário do que pensam.
— Isso me deixou ainda mais sedento por você, amor. —
Beijei seu ombro, sabendo que bem ali havia um pontinho escuro.
Era um sinal de nascença. Em seguida cobri meus lábios no que
havia no seu pescoço.
Somava-se ao todo cinco pintinhas. No pescoço, ombro, dois
na bochecha e mais um no lábio inferior.
— Acha que isso vai resultar em algo?
— Ah, Jane. Beijarei todos os sinais que você tiver pelo corpo
até chegar no mais importante. — revelei encarando seu reflexo.
Hannah fazia o mesmo, enquanto minha mão se mantinha
por cima da sua. Seus olhos... porra, eu estava ficando louco.
— Qual, James? — sussurrou, contorcendo o corpo ao
mesmo tempo em que minha respiração batia contra a extensão.
— Esse que você tem no lábio inferior. Será um beijo épico.
— Observei sua respiração ritmada, na medida que os seios subiam
e desciam.
Por um segundo, notei seus olhos se fechando enquanto
deslizava as mãos na curva da sua cintura, por cima do vestido.
Lentamente, rocei meus dedos em uma das suas coxas ainda
assistindo Hannah em meus braços.
— Posso? — indaguei contra o lóbulo da sua orelha.
— Vai em frente. — Sua voz era quase inaudível. — Me faça
esquecer que te odeio, Alex.
Com a respiração pesada, subi minha mão para debaixo do
seu vestido preto.
Foi nesse momento que encontrei o tecido da sua calcinha.
Circulei sua extensão por cima da renda movendo meus dedos em
círculos sob sua boceta, podia sentir seus espasmos surgindo ao
mesmo tempo que eu a tocava. E por um momento de aflição,
Hannah apertou as pernas com a minha mão ainda entre suas
coxas.
— Você está ardendo pra caralho. Abra bem essas pernas,
Jane. Porque vou mostrar um pouco da falta que senti nos últimos
cinco anos, sem tê-la ofegante por debaixo de mim, já que uma
noite nunca será o suficiente. — No segundo em que arrastei o
tecido para o lado, tendo um acesso melhor a toda sua boceta
quente, percebi suas pernas se abrindo ainda mais. — Boa garota
— eu sussurrei.
Hannah gemeu, arqueando seu corpo para frente do espelho,
diante de nós dois.
— Ainda posso sentir seu gosto na minha língua, Jane. —
Deslizei a boca contra o seu pescoço, chupando a região, enquanto
meus dedos permaneciam trabalhando entre suas pernas. Eu vi
Hannah engolindo em seco, antes de jogar sua cabeça para trás.
— Alex... — sibilou, arfando no segundo em que eu deslizei
dois dedos para dentro dela, fazendo o velho movimento de vai e
vem. Assim Hannah apertou os dedos sob a borda da pia, quase se
desestabilizando por completo.
Tirei meus dedos, virando-a. Com um pequeno impulso na
sua cintura, eu a coloquei sobre a pia. Lentamente me ajoelhei na
sua frente, pronto para tirar sua calcinha. E como pensei, era de
renda.
— Você mentiu — declarei, vendo a letra ainda ali, na lateral
da sua pélvis.
— Achava mesmo que te daria esse gostinho? Posso não ter
removido ela, mas esconde o tanto que pude, que em um dia eu já
não lembrava dela.
— Pare de mentir, Jane. Eu sei que você fez o mesmo que
eu, sabe por quê? Aquela noite foi inesquecível, nem se quisesse
conseguiria apagar da sua memória. — Ela não ousou falar
nenhuma palavra.
Respirando fundo, peguei uma das suas pernas e apoiei no
meu ombro.
— Você não sabe o quanto eu senti sua falta, Jane. Todos os
dias eu penso em você.
— Pare de falar, Alex. Apenas me foda. Eu não quero
sentimentos. Não é necessário envolver isso. — Seus olhos
pareciam duas fagulhas diante de mim.
Eu fiz o que ela pediu. Mas da minha maneira.
Deslizei a língua por toda extensão da sua boceta.
A cada movimento, eu precisava prender meus dedos com
mais força ao mesmo tempo em que Hannah se contorcia.
— Não feche a porra das pernas, Jane — rosnei, encarando-
a. Requisitos de suor brilhavam na sua pele, os lábios estavam
entreabertos e por fim, as bochechas coradas.
— Não pare, Alex... — Ela sussurrou queimando ainda mais
por dentro.
— Não irei.
E realmente não iria.
Queria sentir cada partícula dela.
Mostrar o quanto Hannah ainda era minha.
Porque era assim que as coisas funcionavam.
Eu sempre iria possuir a minha garota por inteiro.
Tudo isso girava nos meus pensamentos, enquanto movia
minha língua em círculos sobre o seu clitóris, ouvindo-a gemer mais
alto.
— Segure-se, Jane ou todos vão descobrir que estou
fodendo a princesinha de Boston — provoquei, segurando suas
mãos entre meus cabelos. Hannah apertou, mostrando que também
estava no controle.
Cuidadosamente, tirei suas mãos e acariciei sua bochecha
ruborizada.
— Na frente de todos você pode ser quem quiser, amor, Não
tenho problema que todos saibam que você me governa, mas no
segundo em que eu estiver te fodendo, as coisas mudam de figura.
Você será a minha Jane. Apenas minha. — As pálpebras de
Hannah pareciam exaustas, entretanto, ela não tinha recebido tudo
que guardei para ela.
A boca entreaberta me chamava.
Porra.
Descansei minha testa na sua.
Respirando com dificuldade, segurei seu pescoço roçando
meus lábios nos seus.
Eu não aguentei ficar longe deles e imediatamente juntei
nossas bocas, com mais urgência do que senti em toda minha vida.
Eu precisava do seu beijo.
Sua língua se juntou à minha, enrolando-a perfeitamente uma
na outra, a cada movimento cada vez mais íntimo entre nós dois.
Era como uma dança.
Eu perdi o controle.
Seja dos sentidos ou da sanidade.
Eu perdi ambos.
— Você é a minha chama, Jane — sussurrei em meio ao
caos que nós dois formamos, enquanto ela jurava mentalmente que
éramos errados um para o outro. Todavia, eu não estava ligando
para mais nada. Eu queria apenas ela.
— Por que eu sou isso para você?
— É o pouco que sobrou de nós dois, é essa chama que eu
guardei por anos, é o que me faz permanecer vivo. Eu ardo por
você. Cada célula minha queima unicamente por você, Jane.
Lembre-se disso, nos momentos que pensar em mim. Porque eu
penso todos os dias. Não há um instante que eu não tenha pensado
em você.
Levantei seu vestido, tendo pelas melhores horas da minha
vida, sua boceta.
— Está pronta para receber o meu amor por você, Jane?
— Faça isso logo, James. Eu não quero implorar.
Respirei fundo, sentindo a ereção incomodar. Porra, eu
estava prestes a explodir a qualquer momento. Em busca de alívio,
abri minha calça liberando o meu pau duro. As nuances de Hannah
estavam somente nele, enquanto se segurava na borda da pia.
Deslizei o punho para cima e para baixo, sentindo toda tensão
sendo acumulada na glande.
Puxei o seu quadril para ter mais proximidade, enquanto
ainda observava suas expressões. Ainda segurando meu
comprimento pela base, o levei para a entrada de Hannah e após
um suspiro denso, me empurrei para dentro da sua boceta.
Pressionei meus dedos na sua cintura enquanto ouvia suas arfadas,
ecoando pelo box do banheiro. E ali estávamos nós dois,
encontrando redenção um no outro, sofrendo por sermos uma causa
perdida. Não havia outro modo para nos expressar.
Sempre seríamos duas almas despedaçadas que se
completavam.
24 |

NOITE DE KARAOKÊ
Essa luxúria é um fardo que nós dois carregamos
Dois pecadores não podem se redimir com uma única oração
Almas unidas, entrelaçadas pelo orgulho e pela culpa
Daylight | David Kushner

Não foi mais um sonho.


Foi real.
Alex me chupou na porra da pia do banheiro, começou a me
foder lá e depois me levou para a cama.
Apertei os olhos, vendo o seu lado vazio. Inspirei fundo, ainda
sentindo-o impregnado no meu corpo.
Para quem era virgem, James se saiu bem melhor do que na época
do colegial. Eu tinha sido sua primeira garota. Só não sabia se
continuava sendo assim.
Quando pensei em me levantar, um barulho soou pelo quarto. Eu
uni as sobrancelhas. Estava prestes a perguntar quem era ou até
mesmo gritar. Porém, no segundo seguinte, ele surgiu na minha
frente, usando apenas uma toalha no quadril.
Quando me viu deitada e completamente nua entre os
lençóis, sorriu vitorioso.
— Eu bati a cabeça no banheiro e morri?
— Do que você tá falando?
— Porra, Jane. Eu só posso estar no paraíso! — Foi
impossível não revirar os olhos.
— Você é impossivel, cara! — Cobri meu corpo com os
lençóis, e me levantei da cama.
Guiei meus passos para o banheiro, deixando a porta
entreaberta. Esperava que ninguém tivesse ouvido o que aconteceu
naquele quarto, caso contrário, adoraria me enterrar no quintal.
De frente para o espelho eu conseguia ver qualquer pessoa,
menos eu mesma.
Ainda estava tentando me acostumar com o cabelo ruivo, mas sabia
que isso logo deixaria de ser um problema. Uma vontade absurda
de rir surgiu quando imaginei minha mãe vendo a nova cor. Ela
odiaria sem sombra de dúvidas.
Qualquer coisa nova era odiável para Lilian Peterson.
Haviam exceções, claro, mas apenas quando a beneficiava.
Permaneci encarando meu reflexo.
Será que um dia essa dor acabaria?
Eu perdi cinco anos da minha vida... cinco fodidos anos.
Não queria que me visse chorando ou sofrendo, eu preferia
fazer da dor a minha própria munição de autocuidado. Reprimir tudo
que eu estava sentindo se transformou no meu maior alicerce, ainda
que a conta tenha vindo maior do que o esperado.
Iria viver o término da minha maneira.
Sentindo meus ombros pesados, deixei que a toalha caísse
no chão e entrei no banheiro. Liguei o registro, deixando a água cair
sobre meus cabelos. A hora do banho sem dúvidas era uma das
minhas favoritas. Eu pensava mais do que costumava no dia a dia.
Quando coloquei os pés para fora do banheiro, com uma
toalha enrolada no corpo, os olhos escuros de Alex me cercaram
como se eu fosse sua próxima presa.
— Por que está me olhando assim? — questionei, colocando
as mãos na cintura.
— Porque olhar para você me faz lembrar de ontem.
— Que morte lenta. Ouvi dizer que isso é falta do que fazer,
sabe? Não tem nenhum quintal para capinar, peixes para pescar,
casa para arrumar, não?
— Não, prefiro a morte lenta mesmo.
— Argh! — Fiz uma careta.
— O que vamos fazer hoje, Jane-Gatinha?
— Eu vou aproveitar cada segundo do meu precioso tempo
longe de você — falei, indo até o guarda-roupas e procurei uma
roupa confortável para ficar no ar livre.
Quando achei, voltei ao banheiro, coloquei a roupa e saí.
Tudo sendo supervisionado por Alex.
Peguei meu celular e corri para a porta, e antes que eu
pudesse sair completamente, ele falou:
— Tchau, Jane-Gatinha.
E sorriu.
— Ok, isso não me afeta. Isso não me afeta. Argh, isso me
afeta, sim!
Era impossível dizer que passar várias noites com James não me
traria problemas. Ele era o perigo que dormia ao meu lado. Deveria
lembrar constantemente disso dali em diante.
Repeti mentalmente, enquanto descia as escadas e via de
longe minhas melhores amigas. Stéfany foi a primeira a perceber
minha presença, logo depois o azul cristalino me encontrou:
— Você chegou na hora certa! — Ana disparou, puxando
uma das cadeiras para que eu pudesse sentar. Me acomodei ao
lado dela e só então notei uma variedade de comida para o café da
manhã.
— Coma, você está precisando — Sté empurrou algumas
coisas para ficar mais perto de mim. Concordei, deixando um bocejo
se espalhar pelo ar. A primeira coisa que eu fiz foi pegar uma xícara
bem generosa de café. — Principalmente, depois de ontem.
Engasguei no primeiro gole.
— Espera, o que? — disparei enquanto limpava os goles de
café que respingaram. — O que aconteceu ontem?
Se um dia eu quisesse mentir na vida, eu teria que aprender
primeiro.
Puta que pariu!
— Eric que me contou — Sté abriu um sorriso diabólico.
— Vocês estão me deixando maluca!
— A gente estava brincando, ok? Não ouvimos nada que
provavelmente não deveríamos ouvir. — Ana constatou. — Isso é só
a Sté querendo passar a perna em você, mas...
— Sempre há um mais, hum?
— Todo mundo já percebeu, só não queríamos ser invasivas
ou rudes, por conta do término. Entendemos perfeitamente que você
não quer falar sobre o escroto do Hinxton, mesmo que já faça
semanas. — Encarei o rosto de ambas, elas eram minhas melhores
amigas.
Contudo, não sabiam de todo inferno que passei com Ethan
ou como fui magoada por Alex. Eu estava sendo tão estúpida,
procurando o que me faltava em outro corpos, sem medo de dizer
que estava usando alguém.
Sim, era exatamente isso. Não queria ter que aceitar a
verdade, ainda que eu estivesse no mesmo cômodo que Alexander
James. O cara que um dia me disse coisas que me fizeram mudar
minhas perspectivas sobre os homens.
Relacionamento ou reconciliação estavam definitivamente
fora da minha lista.
Era o momento de descobrir quem era Hannah Peterson.
A mulher ou garota que viveu um relacionamento abusivo e
que tinha medo de como poderia ser julgada. Eu ouvi tantas coisas
sobre Ethan, e isso me causava medo antecipado de falarem “eu
avisei”. Porém, ninguém quer saber quantas vezes foi avisada, já
nos sentimos estúpidas o suficiente por não sermos capazes de
deixar para trás o agressor.
O medo era implacável.
E só cabia a mim mesma aprender a controlá-lo.
— Hannah, você sabe, somos suas amigas.
— Pode contar conosco, para qualquer coisa.
— Eu sei que posso, de alguma maneira, essa viagem serviu
para me ajudar a pensar e...
— E? — Stéfany fez um gesto com as mãos para que eu
completasse.
— Cometi alguns deslizes. Aliás, ainda estou cometendo
desde o dia daquela festa desastrosa.
— Já passou, Han — Ana segurou minha mão e apertou,
num gesto reconfortante.
— Exatamente. Aproveite a viagem, cometa mais deslizes,
encha a cara, dance, beije outros caras. Mas não faça da sua vida
adulta um porre. Estamos em um lugar incrível demais para se
lamentar por coisas que não merecem a nossa atenção.
— É para isso que amigas servem, Hannah.
Senti meus olhos ardendo.
— E por isso, queríamos saber se ainda está tudo bem sobre
dividir o quarto com o Alex... — Ana disse, cautelosa.
— Foi uma ideia que tivemos, mas depois vimos que
erramos.
— Ela achou válida a ideia porque deu certo com ela.
Ana ruborizou.
— Stéfany!
— Ok, ok... Agora falando sério. Fomos um pouco invasivas,
e queríamos nos desculpar. Imagino que esse assunto era algo que
você gostaria de evitar, mas sabemos o que rola por debaixo dos
panos. Na verdade, todos sabem. Alex não sabe esconder e você
pior ainda.
— Vocês...
Elas assentiram.
— Pensei que conseguiria esconder isso para sempre, pelo
visto, não — murmurei.
— Acha que tem volta? — Ana indagou na expectativa.
— Não. Definitivamente, não.
Uma parte de mim não queria passar por tudo aquilo de novo.
A outra estava sendo resiliente, levando consigo a dor e
transformando em uma superação forçada. Porque era isso que
estava acontecendo.
Eu dizia que havia superado e bola pra frente. Entretanto,
quando a noite chegava, com as nuvens traiçoeiras, eu
desmoronava.
Dor era tudo que se fundou em mim.
O resto era uma farsa.
Era noite quando decidimos ir para o centro da cidade.
O karaokê de Fneyport era uma das atrações mais requisitadas da
cidade. Todos os anos era aberto um espaço para moradores e
visitantes prestigiarem. E a cada ano, o número de turistas
aumentava consideravelmente, levando o evento ser realizado a céu
aberto no centro da cidade.
— Me digam que vocês irão participar do karaokê? — Jasmin
perguntou, sentando no colo de Reece.
Estávamos todos em uma única mesa. Nathaniel ao lado de
Ana, Stéfany com Eric, e por fim, Alex surgiu ao meu lado, com uma
cadeira nas mãos.
— Estou de volta, Jane — sussurrou ao sentar ao meu lado.
Qualquer pessoa que nos visse imaginaria que éramos um
casal, como os nossos amigos.
Peguei minha terceira margarita e virei meu rosto para o lado,
ignorando-o.
Eu precisava de coragem líquida para subir naquele palco.
— Vamos sim. Aliás, todos nós! — Ana disparou olhando
para o marido.
— Nós? — Nathaniel repetiu.
— Exatamente. Precisamos aproveitar a viagem, amor.
— Você sabe que vamos também, não é? — Sté se virou
para Eric. — Se prepare, coisa loira!
— Sinto muito, my heart. Não sei cantar.
Eu ri, sabendo que todos os homens na mesa não tinham a
coragem das meninas.
Horas atrás estávamos conversando sobre o karaokê e
combinamos de cantar todos uma única música.
— Ah, mas é Summer Nights de Grease, Eric. Você conhece
essa música de trás para frente! — acusei, cerrando os olhos na sua
direção.
Grease era um dos meus filmes favoritos. E quando sugeri
que essa fosse a escolhida, minhas amigas prontamente acolheram
a ideia. Faltava somente convencer eles.
— Porra, Hannah — chiou.
— Está feito, todos conhecem Summer Nights.
— Ei, e a minha opinião não conta? — Alex questionou
— Olhe bem para minha cara, Alex. Você iria cantar de
qualquer maneira, que eu sei! — Stéfany acusou, cruzando os
braços.
Nathaniel esfregou a nuca e Eric respirava fundo, sabendo
que acataria o desejo da namorada.
— Como tem tanta certeza assim?
— Quer mesmo que eu fale? — arqueou uma sobrancelha.
Era palpável o que ela queria insinuar. Todos daquela mesa
sabiam. Era necessário apenas nos observar que rapidamente a
pessoa teria a resposta.
— E então? — Jasmin indagou.
— Coloque todos os nossos nomes, Jas — Ana declarou.
— Certo, certo. A vez de vocês será depois de Reece e eu.
— Observamos ela escrever no bloquinho de notas e em seguida,
sorriu. — Tudo pronto, é só aguardar agora! Vamos, Ree.
Ree olhou na nossa direção e sinalizou na linguagem dos
sinais:
— Boa sorte, pessoal!
— Obrigada. — Sorri.
— Uma pergunta genuína — Alex perguntou com as nuances
castanhas em completa névoa. — Vamos todos cantar juntos ou
alguém vai ficar em destaque?
— Que bom que lembrou, Alex! — Ana cobriu os lábios. —
Meu Deus, como ia esquecer isso?
— Só porque ajudou, você vai cantar a parte do Danny. —
Stéfany abriu um sorriso.
— E quem vai fazer a Sandy? — Nathaniel indagou,
pensativo.
Aquilo me fez quebrar qualquer contato visual entre eles,
mesmo que, naturalmente, não funcionasse.
— Que decisão difícil... — Stéfany estalou a língua. — E eu
percebi que não sei cantar.
Eu não podia acreditar que elas estavam realmente fazendo
isso.
— Pra mim isso, está meio óbvio.
— O que? — Eric perguntou, franzindo o cenho.
— A ganhadora premiada, irmão.
Levantei meus olhos.
— Quem seria? — Meu irmão estava mais perdido que eu e
ele juntos.
— Hannah, óbvio. A maior fã de Grease — Sté foi envolvida
pelos braços de Eric, quando ela mencionou meu nome como se
fosse a melhor escolha que todos poderiam ter feito.
Eu encarei o grupo com incerteza, mas no fim das contas,
sabia que entraria na diversão. A bebida já estava aquecendo meu
corpo à medida que o tempo corria, bem diante dos nossos olhos.
Minutos se passaram, talvez quatro pessoas cantaram até
chegar a vez de Jasmin e Reece. Todos os anos, eles se
apresentavam juntos.
Eram o tipo de casal que ninguém nunca imaginou se
separarem. Porque se completavam como nunca visto antes.
Eram almas gêmeas.
Jas era o raio de sol na vida dele, enquanto Reece era a lua
brilhante para a sua garota.
— Olá, Fneyport! — Jasmin se apresentou, ela estava
sentada em cima do instrumento musical que Reece tocaria naquela
noite, em seguida, Ree fez o mesmo na língua dos sinais, antes de
sentar no banquinho e começar a tocar All I Wanted da banda
Paramore.
Era sempre assim.
Reece tocava o piano e Jas cantava.
A dupla perfeita.

Pense em mim quando você estiver fora, quando você estiver


lá fora
Implorarei de joelhos, gentilmente
E quando o mundo te tratar de maneira muito justa
Bem, é uma pena que sou um sonho

Os olhos de Jasmin estavam sobre o namorado, que também


a olhava. E naquele momento, qualquer um podia sentir o amor
deles sendo enraizado nas notas e melodias.
Era lindo.
Puro e genuinamente encantador.
Não se via todos dias um casal que se amava de verdade,
além de todas as dificuldades do mundo.
Tudo que eu queria era você
Tudo que eu queria era você

Acho que vou andar pelo meu apartamento algumas vezes


E adormecer no sofá
E acordar cedo para reprises em preto e branco
Que escaparam da minha boca
Oh, oh

Reece e Jasmin mudaram minha percepção sobre isso.


O amor às vezes não tinha sido feito para todos, eu fazia
parte das estatísticas que fracassaram, por não ser feliz nos meus
relacionamentos.

Tudo que eu queria era você


Tudo que eu queria era você
Tudo que eu queria era você
Tudo que eu queria era você

Eu poderia seguir você até o início


Só para reviver o começo
Talvez assim nós lembraríamos de diminuir a velocidade
Em todas as nossas partes favoritas

Despercebidamente, olhei para o lado, encontrando os olhos


castanhos de Alex me encarando. Ele estava todo esse tempo me
assistindo e, quando chegou no último refrão, seu olhar ainda
estava sobre mim.

Tudo que eu queria era você


Tudo que eu queria era você
Tudo que eu queria era você
Tudo que eu queria era você
Tudo que eu queria era você

Ainda com os olhos presos em Alex, notei a chuva de


aplausos sendo direcionada a eles, mesmo antes mesmo de
agradecerem.
— Obrigada! Muito muito obrigada, Fneyport! — Ela acenou
para nós enquanto Reece, meu primo, se colocava de pé ao lado
dela, no piano.
Ele sorriu, olhando para Jas, que percebeu seus olhos sobre
ela, e de repente, suas duas mãos estavam presas nas bochechas
do garoto de madeixas claras, e o beijou. Gritos ecoaram, fazendo
com que todos da praça vibrassem pelo beijo final da apresentação.
Aquilo me lembrava uma coisa.
A nossa chamada viria mais rápido do que eu esperava.
Queria esbarrar em Jas e Ree e pedir para os dois voltarem
para o palco e cantassem mais uma música.
— Você está pronta para ser minha Sandy, Jane?
Sua voz rouca beijou o lóbulo da minha orelha, me trazendo
um sentimento incomum no meio daquele estabelecimento.
Não o respondi.
Não tinha nada para dizer.
O medo me preencheu quando vi Jas e Reece se
aproximando novamente.
— Vamos, galera! — Stéfany chamou, fazendo todos ficarem
de pé e seguirem seus passos, como uma boa líder. Menos uma
pessoa fez isso, quando procurei por Alex, seus olhos estavam
presos na tela brilhante do celular.
Seu corpo havia virado uma pedra na frente de todos.
De repente, tudo mudou.
Alex levou o celular contra o ouvido e começou a falar com
alguém.
Naquela distância, eu conseguia ver seus olhos felizes com
ela.
— Não esquenta, Hannah — Nathaniel declarou olhando
para a mesma direção. — Eu posso substituir o Alex e ser a
segunda voz?
— Posso pegar alguns refrões também — Eric sugeriu.
— Sem problema algum. — Sorri.
Microfones foram ligados no momento em que todos estavam
no palco, exceto ele. Segundos depois o som soou pelo ambiente e
a letra pareceu no telão logo atrás de nós.

O amor de verão me divertiu muito


O amor de verão aconteceu muito rápido

Eu comecei.

Conheci uma garota louca por mim


Conheci um rapaz muito lindinho
Nathaniel cantou, erguendo as sobrancelhas, fazendo Ana,
Stéfany e eu rirem.

Dias de verão estão se transformando


Em, oh, oh, aquelas noites de verão

Bem-a, bem-a, bem-a, huh


Me conte mais, me conte mais
Até onde você chegou?
Me conte mais, me conte mais
Tipo, ele tem um carro?

Um coro foi formado por Stéfany, Ana e eu.


Não ficamos sozinhas, todas as garotas que assistiram
gostaram cantando cada nota ou letra.

Ela nadava perto de mim, teve uma câimbra


Ele corria perto de mim, molhou meu maiô

Salvei a vida dela, ela quase se afogou


Ele se exibia, espirrando água em volta

Eric cantou essa parte.

Sol de verão, alguma coisa começou


Mas, oh, oh, aquelas noites de verão
Bem-a, bem-a, bem-a, huh
Me conte mais, me conte mais
Foi amor à primeira vista?
Me conte mais, me conte mais
Ela resistiu?

Todos cantaram juntos.


Como se fossemos perfeitos um para o outro, de certa forma.
Amizades verdadeiras se fundiam assim, sem medo ou
vergonha. Apenas uma união de almas quebradas.

Levei ela pra jogar boliche no fliperama


Nós fomos passear, bebemos limonada

Nós demos uns amassos debaixo do cais


Nós ficamos fora até às dez horas

Namorico de verão não significa nada


Mas, oh, oh, aquelas noites de verão

Me conte mais, me conte mais


Mas não precisa se gabar
Me conte mais, me conte mais
Porque parece que foi ruim

Ele foi ficando carinhoso, segurando minha mão


Bem, ela foi ficando carinhosa lá na areia
Ele foi meigo, mal tinha completado dezoito anos
Bem, ela foi boa, vocês sabem o que quero dizer

Calor de verão, rapaz e moça se conhecem


Mas, oh, oh, aquelas noites de verão

Me conte mais, me conte mais


Quanta grana ele gastou?
Me conte mais, me conte mais
Ela poderia me arrumar uma amiga?

Esfriou, é aí que acaba


Então disse para ela que ainda seríamos amigos

Então fizemos nossa jura de amor verdadeiro


Me pergunto o que ela está fazendo agora

Os sonhos de verão foram descosturados


Mas, oh, aquelas noites de verão

Me conte mais, me conte mais

— Obrigada, galera! — Um sorriso não conseguia


desaparecer do meu rosto. Todos nós descemos e fomos procurar
as nossas cadeiras. E com isso, notei que Alex não estava mais ali.
Esperava não vê-lo. — Vou ao banheiro — avisei.
A ida ao banheiro foi rápida e logo eu já estava voltando.
Sem preocupações ou dores de cabeça.
— Jane. — Pensei cedo demais.
— Saia do meu caminho — rosnei.
Porque eu estava tão chateada assim? Era só uma música.
— Eu não fiz aquilo de propósito. Era uma ligação importante.
Acredite em mim, por favor.
— Está na hora de mudar o disco, Alex.
— Não tem como — rebateu, se aproximando.
— Tem sim, apenas vá embora da minha vida. Não digo isso
por conta do karaokê. Digo por tudo, em geral. — O álcool se
manifestou.
Eu era uma pessoa corajosa apenas quando tinha contato
com a bebida.
Ótimo.
— Você acha que tudo para mim é um jogo, não é?
— Não, na verdade, você sempre disse que, sem jogos, não
tem graça.
— Não desse jeito. É torturante isso, Jane. — Alex me
encarou. — Se você soubesse como eu sou completamente devoto
a você... E que não há nada nesse mundo que vai me fazer parar de
te querer. Se quiser, faça o inferno nesta Terra, me ignore ou vá
embora. — Houve uma pausa, melodramática. — Você nunca vai
sair daqui. — Suas mãos tocam as minhas, levando até o seu
coração. — É onde você pertence e domina.
Era impossível encontrar palavras para rebater.
Eu sentia tudo naquele momento. Um misto de dor, raiva, amor e
medo.
Alex tornou uma batalha para mim, perdoá-lo. Era o que mais
doía, porque ele me fazia ter amor e ódio andando ao meu lado.
— É doloroso te odiar, mas acaba sendo pior ainda te amar.
Eu não estou pronta para enfrentar essa guerra, e talvez, nunca
estarei. Porque ninguém merece viver desse jeito.
— Eu não te odeio por isso, acho que te amo ainda mais, por
estar começando a se colocar, pela primeira vez, acima de outras
pessoas, Jane. É assim que a vida tem que ser. — Ele se
aproximou, apertando ainda mais minha mão presa a sua.
Alex não queria me soltar.
Eu não queria também.
— Você deveria se ouvir falando, Alex. Às vezes, é bom
aprender a dar atenção para os próprios conselhos. Eu vejo que não
mudou muito, desde o colegial. Ainda guarda tanto aqui. — Apertei
minha mão sobre seu peito. — Deveria aliviar esse fardo.
— Achei que compartilhasse do mesmo pensamento, amor.
Porque você mesmo sabe que não é fácil dizer a alguém, sem que
haja uma dose líquida de coragem no sangue. — Ele esticou o
canto dos lábios, enquanto desviava o olhar. — Foi dessa maneira
que você conseguiu parte do meu passado.
— É?
Ergui uma sobrancelha.
— Preciso de quantas doses de vodka para ter minhas
respostas? Uma garrafa? Duas? Acho que três seria o suficiente,
para você contar com quem fala todos os dias? — Golpe baixo, eu
sabia que aquilo era. Ele não era o único com o coração partido.
O meu também estava.
— Você não precisa de nada disso, amor.
— Não? Já são cinco anos nesse ciclo, Alexander.
— Em algum momento chegará. Não sei quando, mas eu te
prometo que você saberá de tudo. — Ele engoliu em seco,
abaixando minha mão presa entre o seu coração e a palma pesada.
— Eu sei que não estou em posição de exigir nada, mas eu te
imploro, Jane. Quando você souber da verdade, escute os meus
motivos, mesmo que não queira. Apenas… me escute.
— Me dê um motivo conveniente.
— Não há motivos.
Eu ri nasalmente, percebendo o cenário que me encontrei.
— A única coisa que posso dizer é que eu te amo. Você
nunca deixou de ser a garota que domina meus pensamentos.
Sempre foi você a dona de todo amor, que um dia pensei que não
existisse.
— Amor, Alex? O amor nunca me trouxe coisas boas. Ele
chegou na minha vida de mansinho e me quebrou milhares de
pedaços. Quer saber mais o que o amor fez comigo? Ele me
humilhou, me disse coisas horríveis, me destruiu, me abandonou
numa noite importante.
— O amor não é assim, Hannah.
Pela primeira vez, em anos ele me chamou de Hannah pela
primeira vez na noite, e eu soube bem ali que estávamos travando
nossa própria destruição. Alex e eu fomos moldados por espinhos.
Mundos diferentes e tão parecidos ao mesmo tempo, mas as
chances de sermos bons um para o outro, eram quase zero.
O amor que tinha sido descrito para mim era diferente.
Era um versículo bíblico que dizia:

O amor é paciente, o amor é bondoso. Não inveja, não se


vangloria, não se orgulha.
Não maltrata, não procura seus interesses, não se irá
facilmente, não guarda rancor.
O amor não se alegra com a injustiça, mas se alegra com a
verdade.
Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta.[8]
E ouvindo Alex falando que o amor não destruía, não
humilhava, só fazia meu coração doer ainda mais.
— Como é o amor, Alex? Qual a sua maneira de vê-lo?
— Eu não o vejo, mas sei que o amor vai te machucar, sim.
Na maioria das vezes, nunca é por mal, ele não faz por diversão,
porque tudo ao nosso redor já é incompreensível. São as pessoas
que fazem do amor um sentimento amedrontador. O amor
verdadeiro está bem diante de mim, Jane. Ele tem olhos verdes, um
cabelo que muda a cada temporada, um sorriso lindo e uma
personalidade rebelde. O amor me odeia, mas eu sei que ele está
certo por isso.
Alex respirou fundo.
— O amor tem medo de amar, e eu só queria a chance de
mudar isso.
Meus olhos queimam. Nunca, nem em um milhão de anos, eu
pensei que estaria naquela situação tão jovem.
A vida estava me quebrando pouco a pouco.
— Você não pode me descrever como um tema singelo e
achar que irei esquecer tudo. Ainda está aqui! — Apontei contra
meu peito. — Droga, Alex — resmunguei.
— Só me deixe tentar, Jane. É tudo que eu peço. Apenas
isso.
Eu me neguei no começo. Mas estava tão cansada para discordar.
Sem forças para tudo, de qualquer forma.
Eu permiti aquela trégua.
25 |

INALCANÇÁVEIS
Por que você não pode me abraçar na rua?
Por que eu não posso te beijar na pista de dança?
Eu queria que pudesse ser assim
Por que não podemos ser assim?
Porque eu sou sua
Secret Love Song (feat. Jason Derulo) | Little Mix

PASSADO

Havia passado quase dois meses desde o dia em que Alex e


eu nos beijamos.
Eu achei que não passaríamos de uns amassos de uma noite
de bebedeira. Porém, quando dei por mim, já estava completando
quase dois meses que estávamos nos pegando.
Não existia um dia em que não nos encontrávamos, dentro e
fora, das dependências da St. Emery... Até chegar o dia em que ele
começou a furar nossos encontros.
Estava tentando não parecer uma louca por isso, já que Alex
e eu não tínhamos nada oficializado. E também não passamos de
alguns beijos.
Temia que ele me achasse ingênua demais para ir além.
Encarei o chão, notando minhas pernas balançando sem
parar. Uma agonia repugnante persistia em me nervosa, entretanto,
era quase impossível se manter sã com os últimos acontecimentos.
E a maioria envolvia Alex James.
De certa forma, era válido lembrar porque éramos proibidos
um para o outro.
Não sabíamos o que aconteceria se Eric soubesse de Alex, já que
haviam se tornado amigos depois que entraram no time de futebol
americano. E não somente meu irmão, mas Nathaniel estava
incluído.
Três personalidades extremamente diferentes, mas que se
encaixavam tão bem.
Encolhi os ombros, passando o olhar pelos estudantes no
refeitório, até que enxerguei um corpo alto, pele clara, cabelos
escuros e algumas tatuagens visíveis, enquanto as mangas da
camisa social de botões se mantinham dobradas.
Nathaniel estava de costas, então, não me veria se chegasse
ao seu lado de fininho. Era o meu momento para conseguir
informações sobre Alex.
Principalmente nas últimas semanas que estiveram juntos, na
reforma do Mustang que Nathaniel havia comprado de Alex.
Com extremo cuidado, eu me coloquei de pé e fui na sua direção.
Ainda vendo-o de costas, consegui vê-lo escrevendo algo. Me
surpreendi quando percebi que ainda eram as cartas.
— Quem é abelhinha? — Indaguei, sentando ao seu lado.
Imediatamente, percebi sua coluna endurecer e em seguida,
fechou o caderno. Os olhos cinzentos pareciam perdidos, não havia
mais o badboy mal-humorado que conheci no primeiro dia de aula.
— Ninguém. — Saiu mais rápido do que ele esperava. — O
que você viu?
— Agora, nada demais. Porém, não posso dizer o mesmo
das demais cartas.
Em quase quatro meses o vi esquecer mais de cem cartas a
mão. Todas elas eram direcionadas à famosa abelhinha.
Pouco a pouco, a máscara de garoto problema ia se
desfazendo da sua personalidade. Nathaniel já não era tão
arrogante como era quando chegou em Boston. Aquela farsa
acabou sendo o seu disfarce, enquanto se adaptava ao novo lugar,
pessoas diferentes, e desentendimentos com o próprio pai, ainda
maiores depois que entrou no time de futebol americano.
Sullivan optava em demonstrar o mínimo de sentimento,
porque para ele nem todos mereciam ver o seu verdadeiro eu. A
vida não tinha respostas para a dor de cada ser humano, todos
tinham algo dentro de si que machucava.
Nathaniel, Eric, Alex e eu.
Todos nós tínhamos algo em comum.
Como se fossem peças faltando em um quebra-cabeça.
— Mudou de ideia quanto ao baile?
— Não — Nathaniel disparou, sério.
— Isso significa que a tal abelhinha é o motivo de você não
convidar ninguém para o baile? — indaguei, vendo sua postura
ficando cada vez mais tensa sob meu olhar. Arqueei uma
sobrancelha, analisando atentamente o movimento seu.
— Sim, ela é. — Suspirou, revelando o que eu sempre soube.
Sullivan ganhou uma fila de garotas podre de ricas nas suas costas,
mas no fim das contas, todas elas não tinham a atenção dele. — Só
não conte a ninguém, ok? — A voz rouca, carregada de medo e
desolação, praticamente me implorou pelo meu silêncio.
— Claro, mas... o que você fez com ela?
— Uma merda muito feia, Hannah.
Quem nos visse conversando sobre o seu passado, nem
imaginaria que, em nossa primeira conversa, eu queria esmagá-lo
igual uma barata por ter atrapalhando a minha fuga da escola.
— Bem, não pode ser tão ruim... — Dei de ombros.
— Me desculpe por decepcioná-la, mas é.
— O que você fez, Sullivan?
Ele engoliu em seco.
— O nome dela é Ana, mas eu gostava de chamá-la de
abelhinha. É brega, eu sei. Porém, acabou perdendo esse sentido
quando a conheci. Ela era minha namorada.
— Era?
— Sim, era. Imagino que ela nunca mais queria me ver
novamente… — Havia um embargo desolador em cada sílaba que
se extrai dos seus lábios, e isso me deixou preocupada.
Nathaniel era o tipo de garoto que odiava tudo e todos, tal
qual meu irmão Eric, dois sem-vergonhas.
— Como pode ter tanta certeza disso?
Nathaniel falava como se estivesse convicto de suas
palavras, e feito a pior coisa do mundo com a garota.
— Se eu disser que estou preocupada em perguntar, você
acreditaria em mim?
— Não me impressionaria, Hannah. Eu mesmo me odeio por
isso. É algo que vai sempre ficar marcado em mim — despejou suas
frustrações nos meus ombros.
Os olhos cinzas ainda compartilhavam culpa em cada
nuance.
— Eu fui embora de Boston sem dar nenhum aviso ou
chance de despedida.. eu sei, Hannah. Fui um merdinha por isso.
Precisei de cinco segundos para absorver a notícia. Quem vai
embora de uma cidade e não avisa a ninguém? Pensei em lhe dar
um esporro, mas Nathaniel já parecia carregar culpa o suficiente.
— Espere, então, as cartas... Todas elas... Você já enviou as
outras? — indaguei, em choque.
— Não, e não irei.
— Por que não?
— Não tenho coragem, acho que ela vai apenas ver quem
mandou e quando descobrir que são minhas... é capaz de rasgar
todas. — Ali estava Nathaniel Sullivan, o cara que tinha uma fila
enorme de garotas esperando-o, mas seu coração já tinha uma
dona e era possível ela o odiasse, mas ele, ainda assim, a amava.
— Guarde-as então, algum dia pode ser necessário.
Sullivan pensou por alguns minutos, em seguida olhou para
mim.
— Tem razão...
— Eu sempre estou certa!
Aquele era o meu momento de triunfo. E para registrar o
momento, peguei minha nova câmera e a levei a milímetros do meu
olho esquerdo.
— De-me um sorriso, senhor Sou-O-Último-Romântico.
Mas ao contrário do que pedia, Nathaniel colocou seu dedo
no médio na frente do rosto. Filho da mãe.
— Você estragou a foto com esse seu dedo feio —
resmunguei olhando para a foto, mas não iria apagar, deixaria
guardada como todas as outras. — Preciso da sua ajuda para algo.
Nathaniel uniu os lábios.
— Se estiver ao meu alcance.
— Com certeza, está. — Estiquei os lábios para o lado. —
Preciso que me diga onde o Alex mora ou a oficina que ele trabalha,
por favor. — Sabia que, no meu olhar, o desespero por uma notícia
sua, era maior do que qualquer outra coisa dentro de mim.
Já estava cansada de como nossos caminhos estavam sendo
nos ultimos dias.
Em um dia marcamos um encontro e no outro, ele me
deixava na mão esperando por horas.
— Hannah...
— Por favor, eu realmente preciso de respostas, Nathaniel.
— O que está rolando entre vocês dois?
— Nada — disparei, rapidamente. — Apenas preciso verificar
a parte que ele fez em nosso trabalho. Então, você sabe onde é?
Ele assentiu.
— Se você me contar, prometo que não pergunto mais nada
sobre a sua amada abelhinha. Fechado? — estiquei uma das
minhas mãos na sua frente.
Parecia um daqueles programas onde o cara dá o seu valor
para o comprador, e ele diz, no final: “trato feito!”.
— Fechado, Hannah. — Me deu um olhar exausto,
apertando minhas mãos.

Finalmente havia encontrado sua casa.


Na verdade, meu motorista havia conseguido. Só esperava
que minha mãe nunca soubesse desse detalhe.
Lilian morreria se sonhasse que eu usava nosso motorista
para me encontrar com Alex. Na sua cabeça, eu tinha ouvido suas
ordens para não me misturar com a laia dele. Estar perto da família
James, não era algo de orgulho. Em suas palavras ela derramava
repulsa, raiva e tudo de ruim que se podia imaginar.
— Obrigada, Manny. Você pode me deixar aqui, e não
precisa me esperar. — Os olhos dele me procuram pelo espelho. As
íris estavam em completa confusão, tentando saber se realmente
poderiam ir.
— Tem certeza, senhorita?
— Absoluta. — Meu olhar deslizou pela estrutura da oficina.
O lugar parecia ser grande, quer dizer, muito grande. — Aviso se for
necessário. — Ele assentiu, aceitando minhas ordens.
— Como quiser. — Sorri, acenando, antes de sair do carro.
Eu assisti Manny ir embora, até notar o carro longe das
minhas vistas, sem nenhum sinal dele, para seguir até oficina
fechada.
Podia compreender o quão privilegiada eu era.
Respirei fundo, levantando o punho e em seguida, bati no
portão metálico.
Não obtive resposta.
Fiz novamente, colocando mais força.
Nada.
Bufei, indo tentar pela terceira vez.
— O que você está fazendo aqui? — Uma voz soou atrás de
mim.
Lentamente, girei meus calcanhares, encontrando-o. Alex
estava com algumas sacolas de compras nas mãos. Os olhos
apreensivos me observavam com dúvida e, ao mesmo tempo, com
terror.
— Você sumiu, Alex Achei que merecia uma resposta...
Então, é aqui o seu esconderijo?
— Não entendi — desconversou, se aproximando.
— Perguntei se aqui é o seu esconderijo.
— É minha casa, na verdade. A oficina fica na frente e a
casa, lá atrás — apontou. Os olhos em completa exaustão deixavam
claro o porquê de não ter ido ao colégio naquele dia. Analisei seus
movimentos até conseguir abrir o portão. — Vem — disse entrando.
Entrei atrás dele e logo depois, ele fechou o portão, mas não
trancou como estava antes.
A oficina era dividida, onde havia prateleiras e chaves por
toda parte e do outro lado, várias peças e carcaça de carros. No
canto, eu pude ver o Mustang de Nathaniel, completamente
reformado.
Me aproximei do veículo lentamente.
— Sinto muito por não ter conseguido te levar no farol ontem
— Alex eliminou o silêncio entre nós dois.
— Tudo bem, eu posso ir sozinha, assim como o parque, o
drive-in... Só não posso fazer o mesmo com o nosso trabalho de
artes. — murmurei, passando meu olhar pelo carro praticamente
novo diante de mim. — Gilda não vai repor sua nota, você sabe,
certo?
— Eu sei. Você ficou muito tempo me esperando? —
perguntou, baixinho.
— Não.
Era mentira.
Eu o esperei mais do qualquer outra pessoa podia esperar.
Fui a última pessoa a sair, mesmo estando na entrada do
parque. Ouvi todas as falas de Grease passando, enquanto ficava
sentada no portão principal, para assistir o filme com ele. Passei
horas olhando nossas fotos, para não ver o pôr do sol surgindo atrás
de mim, porque queria vê ao seu lado no farol.
— Isso não vai acontecer na próxima vez.
— Sério? — indaguei, encarando-o. — Você sabe que o baile
de formatura está próximo, então, preciso que prometa para mim
que vai estar lá, Alex. — O vi largando as sacolas longe de nós dois,
e em seguida, se aproximou. As íris me analisando com destreza à
medida que o calor das suas mãos, envolveram minha cintura.
— Eu prometo, Jane. Serei a primeira pessoa a chegar.
— Eu espero, caso contrário, nunca mais olhe para mim. —
Sorri.
Era importante para mim, mais do que qualquer encontro
fracassado. Eu sonhava com aquele baile desde que entrei no
ensino médio.
— Jane... — Naquele instante sua voz era um sussurro
quase inaudível.
Todo o disfarce de Alex estava caindo, pouco a pouco. Eu
podia ver mentiras se desmanchando dos seus olhos.
— Hoje é um dia feliz, Alex?
Era possível transmitir tanta dor apenas com um olhar?
— Definitivamente, não. Mas você fez isso mudar em questão
de alguns segundos, apenas por estar aqui.
Encostou a testa na minha.
— Você faz ser difícil te odiar. Isso deveria ser simples...
— É isso nos faz ser perfeitos um para o outro, Jane. Eu não
consigo ficar longe de você. — A sua boca conseguia se encaixar
tão certa na minha, enquanto suas mãos seguraram meu quadril,
seus dedos prendendo a pele sensível.
Alex parecia curioso demais à medida que explorava alguns
centímetros dos meus lábios, com uma devoção que nunca havia
percebido antes.
Havia luxúria e tensão transbordando nas suas nuances
castanhas.
Eu poderia me perder facilmente ali.
Dia após dia.
Até virmos o pó da Terra.
— Não acha surreal como somos bons juntos, Jane?
— Você acha?
— Com certeza. — sussurrou entre seus beijos quentes,
carregados de paixão pura, ao mesmo tempo em que ousei deslizar
uma das mãos por debaixo da camisa clara do uniforme da escola.
Senti seu corpo tenso, talvez com medo?
— Tudo bem?
— Estou bem, é apenas o nervosismo querendo me fazer
foder com tudo — resmungou ele, tirando seus dedos do meu
quadril e os colocando nas laterais da minha bochecha.
Naquela posição Alex parecia mais alto, protetor, de uma
forma que eu não via sempre.
— Relaxa, não precisamos ter pressa — sussurrei,
encostando nossas testas uma na outra. Por um fração de segundo,
virei meu olhar, encontrando a porta da oficina aberta. — Tem
certeza de que não vai entrar ninguém aqui?
— Absoluta.
— Que bom, precisava ouvir apenas isso.
Prendi meus dedos na barra da sua camisa e puxei para
cima, encontrando seu abdômen. Alex era magro, porém tinha
alguns gominhos formados em seu abdômen e bíceps definidos.
Em um movimento ágil, ele me colocou sentada sobre o capô
do Mustang.
Agarrei seus ombros, pega de surpresa, e ele sorriu, safado.
Porém, seu riso logo morreu quando, me vingando, enrolei minhas
pernas em seu quadril, prendendo e puxando-o para mim.
— Dois podem jogar esse jogo, querido — arqueei uma
sobrancelha.
— Eu não ficaria nem um pouco triste em perder para você,
Jane — uma de suas mãos subiu para a minha nuca, firme, mas
sem me machucar. Alex era sobre delicadeza e firmeza nas
dosagens certas. — Seria um prazer, amor — um arrepio desceu
pela minha espinha no momento em que murmurou na minha
orelha, seu hálito quente batendo contra a minha pele.
Então, ele se afastou, olhando em meus olhos.
— O que você quer de mim, Alex? — exalei, alternando o
olhar entre suas íris e seus lábios carnudos.
Maldita tentação.
Fui sentindo seus dedos deslizando sobre as minhas coxas,
vagarosamente, chegando perigosamente perto da bainha da minha
saia, que subiu quando enrosquei Alex e agora, dava um vislumbre
da minha calcinha rosa e de corações a ele.
— Quero você, Jane, há muito tempo. Tempo demais… —
beijou o meu queixo, erguendo minimamente o tecido que cobria a
minha virilha. — Só quero você.
— Já fez isso alguma vez? — perguntei, fechando os olhos
ao sentir seus lábios descendo devagar pelo meu pescoço.
— Nunca — garantiu, levantando o rosto para olhar
novamente nos meus olhos.
E aquela, foi uma das raras vezes que Alexander James II
não mentiu para mim.
— Eu já — admiti, baixinho. — Mas as minhas experiências
não foram as melhores — fiz uma careta, tentando descontrair.
Alex deu de ombros.
— Só que entre nós, Jane… — aproximou seu rosto do meu
novamente, daquela vez, tão próximos que a ponta dos nossos
narizes se tocavam. — Vai ser épico.
E então, ele me beijou.
Alexander James me devorou naquele beijo. Ele me
reivindicou e dançou comigo.
Suas mãos impacientes subiram até a minha bunda, por
debaixo da minha saia, e me puxaram mais ainda para ele,
deixando nossos corpos colados. Sequer uma agulha passava entre
nós dois.
Agarrei sua camisa quando seus dedos brincaram com o
tecido da minha calcinha, me atiçando.
— E se alguém chegar e nos ver? — murmurei entre fôlegos,
quando sua boca desceu novamente para o meu pescoço.
— Eu garanto que ninguém aparece por aqui quando a
oficina está fechada — beijou acima da minha pulsação acelerada.
— Confie em mim, Jane.
E eu confiei. Cometi o maior erro da minha vida naquele
exato instante.
Daquela vez, fui eu quem o beijei, enquanto tirava uma das
suas peças de roupa com pressa e um pouco atrapalhada. Já ele,
encontrou o caminho nos botões da minha camisa, abrindo cada um
com calma, parecendo apreciar cada minuto.
Quando conseguiu se livrar de todos os botões, me ajudou a
tirar a camisa e em seguida, seus olhos brilharam ao ver meus
seios, que eram pequenos, mas ele não parecia se importar nem um
pouco.
— Posso? — apontou para o meu sutiã meia-taça e eu
assenti.
Soltei uma risada quando ele se atrapalhou com o fecho,
porém, de repente, vi a peça sendo jogada longe e então, os meus
seios estavam bem na sua cara.
Alex não esperou um segundo e os chupou com fome, me
fazendo jogar a cabeça para trás, arqueando as costas e apoiando
as duas mãos no capô do carro. Meu sutiã estava jogado sobre um
carrinho onde haviam algumas ferramentas sujas de graxa, junto
com o resto das nossas roupas.
— Você gosta assim, Jane? — ele arrastou de leve os dentes
pelo meu mamilo duro, fazendo uma onda de excitação ir direto para
o meu núcleo.
— Apenas… continue, James. — Ofeguei. — Tem certeza
que nunca fez isso antes?
Péssimo erro.
Um sorriso safado cobriu seus lábios.
— Por você, eu me torno o melhor em tudo, amor — soprou
contra o meu outro mamilo, antes de me abocanhar novamente.
Eu podia senti-lo cada vez maior e mais duro contra o meu
abdômen e para revidar a sua gracinha, usei todo o meu
conhecimento sobre mim mesma e esfreguei meu quadril nele,
fazendo seu grunhido rouco ecoar pelo lugar.
A oficina nunca deveria ter ficado tão quente quanto estava
naquele momento.
Alex e eu completamente entregues um ao outro.
Seus olhos ficaram nublados e quando sua expressão se
tornou obstinada, eu sabia que estava ferrada. Puta merda, eu
sentia minhas bochechas virando fogo diante de cada ato e sem que
eu percebesse, suas mãos abriram o zíper da minha saia e num
puxão, ele tirou a peça e jogou-a longe, fazendo-a encontrar as
demais roupas jogadas pelo lugar.
— Alex! — Bati em seu peito por rasgar o meu uniforme. —
Como vou sair daqui depois, idiota? Seminua? — Choque e
preocupação me preencheram imediatamente.
— Depois a gente se preocupa com isso, Jane... — Beijou a
minha boca. — Porque agora, nós vamos nos ocupar com outra
coisa.
— Do que… — me calei quando sua boca voltou a cobrir meu
seio ao mesmo tempo que seus dedos afastaram o tecido da minha
calcinha para o lado e espalharam a minha lubrificação por toda a
minha boceta, resvalando propositalmente no meu clitórios. — Meu.
Deus. — gemi, apertando meus lábios.
— Não, Jane, nada de se reprimir — Alex balançou a cabeça,
enquanto lambia o meu mamilo e brincava com o meu clitóris. —
Quero ouvir todos os seus gemidos. Eles são meus.
Puta merda, seus dedos, apesar de um pouco afoitos, se
moviam da maneira certa para me fazer ver estrelas e juntando sua
boca chupando meus peitos, aquilo estava me levando a outro nível
muito rápido. Soltei um gemido alto quando seu dedo médio
começou a entrar, com cuidado, dentro de mim.
— Merda, Hannah. Como isso pode ser incrível se nem
terminamos ainda? — ele disse, rouco. — Você engole meus dedos
tão bem, isso me deixa mais ansioso para saber o que será do meu
pau. — Alex começou com um movimento de vai e vem, devagar,
enquanto sua outra mão trabalhava no meu clitóris.
Minhas unhas arranharam a lataria do carro, conforme o
orgasmo crescia dentro de mim, me fazendo chegar na porta do
paraíso. Ele não parou, mesmo com as minhas coxas prendendo
suas mãos e chupou com mais força o meu peito, quando os
tremores começaram a sacudir meu corpo.
— Alex! — gritei o seu nome, gozando forte, como nunca
havia gozado antes.
Quase caí sobre o capô, sem forças, mas ele me segurou.
— Espetacular — sussurrou no meu ouvido, me segurando,
enquanto os últimos tremores saíam de mim.
— Sim — concordei, respirando fundo. — Mas agora… —
levantei o rosto para encará-lo. — Eu quero você por completo.
E lá estavam os olhos nublados e o sorriso safado
novamente. Levei minha mão até o cinto da sua calça,
desafivelando e abrindo o zíper. Ele me ajudou a puxar sua calça
para baixo, juntamente com a sua boxer, liberando o seu membro
rígido, em plena glória, e vê-lo daquela maneira me deu uma ideia
para provocar James.
De relance, consegui ver o meu nome tatuado na sua pélvis.
— Ainda não acredito que você tatuou meu nome.
— Você está eternizada em cada parte de mim, Jane.
Principalmente aqui — tocou na sua cabeça. — Você nunca sairá
daqui.
Empurrei-o dois passos para trás, afastando nossos corpos, e
abaixei meu tronco lentamente, sob o olhar afiado de Alex, até estar
com o rosto bem próximo do seu comprimento e, quando cheguei
com a boca mais perto, ele se retraiu.
— Hannah… — avisou.
— Só quero retribuir o favor.
— Hoje não — declarou, engolindo em seco. — Em outro
momento, eu prometo que deixo você retribuir o favor. Acredito que
não vou aguentar por muito tempo, estou a um passo só de te ver
nua, Jane.
Sorri, gostando de saber que eu o deixava naquele estado.
E antes de ficar em pé novamente, cobri os lábios sobre sua
extensão deixando um beijinho na cabeça do seu pau, espalhando
seu pré-gozo com a língua, fazendo-o estremecer e xingar alto no
segundo seguinte.
— Porra, Jane — gemeu e segurou a minha mão,
delicadamente. — Vem aqui. — Estávamos frente a frente um do
outro, quando puxei seu rosto para o meu, beijando-o com vontade,
na ponta dos pés.
Alex gemeu quando nossas línguas se tocaram e agarrou
minha bunda com força quando minha mão passou entre nossos
corpos, até encontrarem seu pau, e o envolvi entre os meus dedos,
o tocando lentamente..
— Tem certeza, Jane? — murmurou, separando nossas
bocas e encostando sua testa na minha. Olhei dentro dos seus
olhos, enquanto colocava mais pressão nos dedos, intensificando a
punheta.
— É o que mais quero agora, Alex.
— Tudo bem... — murmurou. — Fique de costas para mim,
Jane. — Beijou o meu ombro nu. — Agora. — Minhas pernas quase
falharam quando o ouvi. Caramba, um misto de paixão e luxúria me
consumiram, enquanto eu seguia suas ordens. — Se segure.
Senti umas de suas mãos agarrando o meu quadril e a outra
passeando pelas minhas costas desnudas, jogando o meu cabelo
para o lado.
— Linda demais — murmurou. — Sabe o quanto sonhei com
esse dia, Jane? — esfregou a base do seu pau pela minha boceta
lentamente, fazendo-me ofegar ao fechar os olhos com a sensação
de tê-lo antes mesmo de estar por completo dentro de mim.
Gemi, sentindo a excitação voltar a crescer como um vulcão
entrando em erupção.
— Cacete, James — gemi, apertando as laterais do capô
entre os dedos. — Vai logo... — Eu estava quase sem fôlego,
assinado para ser preenchido a cada segundo.
Alex riu.
— Muito, Jane. Eu sonhei muito com esse dia. — Se inclinou
sobre mim, seu peito encostando em minhas costas, sem depositar
o seu peso. — E agora, vou entrar no paraíso.
E com um impulso ele estava entrando em mim, lentamente.
Entreabri os lábios, sentindo-o me preencher e precisei afastar mais
as pernas para acomodá-lo melhor.
— Meu Deus, Alex — mordi o lábio inferior.
— Eu sei, amor, eu sei — ele agarrou meu quadril com as
duas mãos.
Alex começou a estocar, um pouco sem ritmo no começo,
mas depois, me fez ver estrelas. Não ia nem muito rápido e nem
devagar. Do jeito certo, acertando maravilhosamente o ponto que
me fez gemer alto, sem perceber.
Arfei em uma das suas estocadas mais brutas, adorando
aquilo, e para provocar, joguei meu quadril contra o seu, indo ao seu
encontro, o fazendo entrar mais fundo.
— Está brincando com fogo, Jane… — alertou, ofegante.
— E eu quero me queimar. — rebolei mais uma vez,
seguindo meu instinto, porque nunca havia sido ousada daquele
jeito.
Alex continuou me fodendo até que minhas pernas
começaram a tremer e eu senti a sensação familiar crescendo
dentro de mim. Eu estava muito próxima de gozar e podia sentir que
ele também.
— Vá mais rápido, estou tão perto... — Não precisei dizer que
estava quase gozando, quando ele aumentou o ritmo, fazendo o
som dos nossos corpos se chocando reverberar por toda a oficina.
— Caramba, Jane — xingou, se perdendo. — Vou gozar fora.
Cobri a boca com uma das mãos, percebendo o prazer
dentro de mim sendo liberado. Ao mesmo tempo, fui capaz de sentir
Alex se contraindo dentro de mim e no segundo seguinte, ele já não
estava dentro de mim, somente identifiquei o líquido quente tocando
minhas costas.
Meu peito subia e descia com rapidez e eu sentia meu corpo
grudando de suor, mas, acima de tudo, me sentia incrivelmente bem
fodida.
Senti a testa suada de Alex em minhas costas e sua
respiração quente em minha pele. Estiquei minha mão para trás e,
sem precisar dizer nada, ele entrelaçou nossos dedos.
— Jane. — Me virei, ainda segurando sua mão sob a minha.
— Oi — sussurrei.
— Tudo que eu mais quero é que você seja minha.
— E eu quero que você seja meu.
— Eu já sou seu, Jane. Desde antes de você imaginar que eu
existia.
Naquele instante, as palavras não eram necessárias.
Éramos só eu e ele. Alex e Hannah.
Aquele era um dos pouquíssimos momentos bons de nós
dois que eu guardava com carinho, bem no fundo do meu coração,
escondido de tudo e todos, até de mim.
— Quero que todos saibam de nós — sussurrou.
Eu também queria.
— Prometo que todos vão saber, cansei de esconder isso,
Jane.
— Você vai mesmo fazer isso?
— Sim.
— E se forem contra? E se minha mãe descobrir?
— Seremos somente eu e você, apenas Hannah e Alex,
contra tudo.
26.1 |

PARTE I: TERRA DESABITADA


Mas quando você me contou toda a história
Eu quis vomitar
Eu consigo ver no seu rosto, foi difícil
Deixou um gosto ruim em sua língua
Daddy Issues | The Neighbourhood

Às vezes, me surpreendia pela maneira que eu guiava minha


vida.
Desde a conversa que Hannah e eu tivemos nos fundo do
karaokê, minha cabeça só conseguia pensar nisso, nas suas
palavras e na minhas.
Com os olhos atentos, observei Nathaniel e Ana surgindo da
cozinha. Algo estava presente nos seus olhares,
— Qual é o destino de hoje? — Indaguei.
Em poucas semanas estaríamos de volta para nosso
cotidiano, na velha cidade de Boston, então o Texas seria apenas
uma lembrança distante em nossos pensamentos. De alguma
forma, eu não queria voltar.
Parecia mais seguro continuar em Fneyport, principalmente
quando tudo caminhava para o rumo certo.
— Vamos voltar para Boston — Nathaniel disparou fazendo
todos o encararem.
— Espera, o que? — perguntei, unindo as sobrancelhas.
— Não, gente. Somente Nathaniel e eu. Vocês podem ficar,
se quiserem... — Ana apertou os lábios.
Suas expressões não pareciam boas.
— As crianças estão doentes... por conta da viagem, minha
mãe disse que tem a ver com saudade. Por conta do emocional,
estão febris e bem sentidos. — Nathaniel suspirou.
Era possível identificar a preocupação nos seus olhos, era a
culpa.
— Ei, cara. Tudo bem por mim. Eu volto, sem problemas —
tranquilizei.
— Por mim, também — Eric disse, logo em seguida.
— O mesmo — Stéfany ergueu a mão.
— Acho que cansei de festas. — Hannah deu de ombros,
sorrindo gentil. — Está na hora de voltar.
E estava mesmo.
Nas horas seguintes já estávamos na estrada. Também não
demorou muito para eu chegar na oficina e verificar o motor do meu
Jeep.
Tinha passado a tarde inteira trabalhando nele, por conta do
esforço que foi viajar até o Texas. Enquanto, passava o óleo nas
peças, um barulho ecoou.
A oficina estava fechada.
Estranho…
Levantei do chão e fui em direção a porta, com cuidado,
fazendo mínimo de barulho possível.
No segundo em que abri a porta, eu vi uma imagem que não
gostaria de ver tão cedo.
Magnólia.
— O que está fazendo aqui?
— Eu vim aqui a semana inteira, para tentar falar com você.
— Eu não estava na cidade. O que quer?
— Margô. Eu preciso ver ela, Alex. Preciso conhecê-la
mesmo que seja de longe.
— Vai embora.
— Alex...
— Agora, Magnólia — rangi, queimando por dentro.
Cada partícula minha ardia por vê-la na minha frente.
— O que eu preciso fazer para você me dar uma chance de
me explicar? Você quer a verdade, não é?
— Nem se você contar a melhor mentira vai ser o suficiente,
mamãe.
Ela me encarou com pavor no olhar. Por um segundo, pensei
que ela fosse embora, movida pela exaustão. No entanto, Magnólia
era mais teimosa do que eu, permanecendo estática ao me analisar.
— Vamos lá, me conte porque está de volta. Me conte porque
nos deixou. O fardo era grande, eu sei, mas continuei e ainda estou
aqui. Apenas pela Margô.
Eu sentia como se vidro fosse fincado no meu peito, a cada
palavra que saía e guardei dentro de mim, por tantos anos.
Perguntas que eu quis respostas e por muito tempo, não tive.
Magnólia respirou fundo.
— Eu fui embora porque... Margô, o bebê que eu perdi e
você, são frutos de vários abusos sexuais. Os três foram concebidos
a partir disso. — revelou, baixinho.
Cada sílaba parecia um soco sendo desferido contra o meu
coração, fazendo-me demorar mais de dez segundos para desviar
meu olhar do seu.
Margô, o irmão ou irmã que não pôde nascer e eu, éramos
consequências de estupros.
— Magnólia...
— Você me perdoa, Alex? Eu não queria que a sua vida
tivesse sido dessa maneira. Um pai viciado e uma mãe sem
responsabilidade. Eu juro que não queria, nem com você e nem com
Margô, filho.
Eu não conseguia falar, não conseguia respirar.
Caralho.
Caralho.
Caralho.
— Eu nunca amei o seu pai — voltou a falar, mas deu uma
pausa puxando o ar. Ela parecia tão nervosa quanto eu. — Ter
dezessete anos me fez acreditar que tinha responsabilidade, mas
era somente uma garota sozinha e rebelde, que achava que podia
tudo… Até conhecer Alexander, quando ele tinha vinte e cinco anos.
— ouvir seu nome sempre me faria ter calafrios. — Eu era nova
demais para entender que o primeiro bebê que esperava era
resultado de um abuso sexual. — Era de mim que ela estava
falando, antes de deixar um riso amargo sair dos seus lábios. —
Claro, não tive uma família para me dar apoio ou segurança. No
entanto, não posso culpar minha própria negligência.
— Mãe… — eu a chamei, vendo-a segurando as lágrimas. —
Não precisa continuar. — Eu sabia que ela tinha vindo até a oficina
justamente para isso, entretanto, não conseguia assimilar tudo,
enquanto queria vomitar.
— É necessário, não só por você, mas por mim. Foram quase
dezoito anos daquela maneira. Um ciclo destrutivo, principalmente
depois que ele começou a se envolver com as drogas. Alexander já
era agressivo por si só, nada era bom, mas quando se juntava ao
álcool com aquelas porcarias... — Seus ombros tremeram. — Era o
combo perfeito para querer morrer. Porque era isso que eu sentia
todos os dias, uma sede incurável para dissipar toda dor E foi vendo
a sua autodestruição, que fiz dos remédios os meus melhores
amigos.
Todas lembranças dela tomando remédio fortes, todos os
dias, brilhavam na minha cabeça. Cada peça estava finalmente se
encaixando e, pouco a pouco, vinha o alívio de saber que ele estava
morto.
O próprio vício o matou.
Eu o vi morrendo afogado no próprio vômito.
— Quando eu descobri que estava grávida pela terceira vez,
foi o meu fim. Eu não queria aceitar, Alex. Não queria colocar outra
criança com o sangue dele no mundo. Queria poupá-la desse
sofrimento, por saber como eram as nossas vidas. Você já era
praticamente adulto e em algum momento, poderia ir embora.
Não conseguia olhar para ela. Meus olhos não queriam vê-la
chorando.
— A primeira vez que eu vi a minha menina nos braços, ela
tinha todas as características dele, em uma versão delicada e
genuína. Foi naquele momento que eu não quis mais vê-la. Não
queria nada que me lembrasse dele. Eu não suportava respirar o
mesmo ar. — Ouvi um soluço alto repercutindo pela oficina.
Um estalo ecoou na minha cabeça.
— E isso acabou me incluindo, não é mesmo? — A encarei,
sem expressão.
Todos à minha volta diziam que eu era a imagem idêntica do
meu genitor.
Os olhos, cabelo e altura.
Era óbvio que eu estava incluído. Ela não suportava encarar
a própria filha que acabara de nascer.
— Eu estava transtornada, filho. No dia em que me deram
alta, a única coisa que pensei foi em ir embora. Na minha cabeça,
era a única chance de ser libertada daquela vida. Então, vaguei
pelas ruas de Boston sozinha, ainda no processo de puerpério, pós-
parto. Passei dois dias nas ruas até Oscar me encontrar, em uma
calçada de um bairro que eu nem conhecia. Eu pensei que morreria.
Pensei... meu Deus, pensei tantas coisas.
Notei seus olhos se fechando. Imaginava que estivesse
lembrando cada detalhe.
— Fui levada para o hospital mais próximo, os médicos
disseram que se demorasse mais cinco horas, eu teria morrido.
Passei duas semanas presa novamente em uma cama. Todos os
dias, Oscar verificava como estava o meu processo de recuperação.
Ele foi um homem maravilhoso, e quando soube dos meus
problemas com remédios, fui para uma clínica de reabilitação.
Passei quase dois anos lá, a única visita que tive foram as dele.
Passei por vários psicólogos, psiquiatras e especialistas, até que
descobri que tive depressão pós-parto. Aquele era o motivo de tudo.
Por isso não a levei embora comigo. Tenho medo de imaginar o que
poderia ter feito se ela estivesse comigo.
Magnólia parou, respirando fundo.
— Minha única consolação, em todos esses anos, foi saber
que ela estaria segura com você. Teria alguém para dar o amor que
não consegui. Estou orgulhosa de você, Alex.
Pisquei.
— Por que demorou cinco anos para aparecer?
— Depois que eu saí da clínica, tive medo de encontrar seu
pai. Na minha cabeça, ele estaria em todas as esquina que eu
passasse, então, optei em não sair de casa.
— Ele teve uma overdose quando Margô tinha um ano.
— Eu soube disso… Oscar conseguiu informações do
paradeiro dele, depois que saí da clínica e contei sobre a minha vida
e tudo que eu tinha perdido. Eu vi que tinha passado tanto tempo
presa na clínica que não conseguia mais sair de casa, e quando me
casei com Oscar, foi em uma cerimônia simples, com um juiz de paz
e os empregados como nossas testemunhas.
— Pensei que tinha morrido — deixei uma lágrima cair.
Eu guardei tanto ódio dos meus pais a vida inteira.
— E morri, de alguma forma. A Magnólia que morava nesta
casa, morreu.
— Cinco anos, mãe. Foram cinco anos mentindo sobre você,
porque tinha medo de como Margô reagiria. Foram cinco anos tendo
que abdicar da minha vida. Sempre colocando ela na frente de tudo
e todos. Eu quis acabar com tudo tantas vezes… Foram incontáveis
os jeitos que tentei e no final desisti, porque ela não teria mais
ninguém.
— Me perdoe, por favor, me perdoe. — Senti seus braços
apertando minha cintura, enquanto seu corpo tremia contra o meu.
— Eu sinto muito, filho. Eu não queria que vocês tivessem tido esse
futuro, eu queria ter dado o meu melhor como mãe, mas acabei
fracassando.
Eu tinha um julgamento preparado para ela antes de
descobrir tudo sobre nosso passado, mas naquele segundo, não
conseguia raciocinar direito. Havia dúvidas e medos por toda parte.
— Você tem o meu perdão, mãe. — Levantei as mãos,
tocando suas costas. Naquela posição ela não conseguia ver as
lágrimas escorrendo pelas minhas bochechas.
— Alex?
— Oi, mãe.
— Ela está aqui? Posso vê-la?
— Mãe…
— Prometo que não direi nada. Só quero vê-la, Alex.
— A Margô não mora comigo, mãe.
— Mas.. por que não?
— Ela mora com a Judy, não têm como eu cuidar dela,
enquanto eu faço faculdade — sussurrei a mentira. — Mas posso
deixar você vê-la. Margô está no parquinho da cidade agora.
— Eu posso? — Notava-se em seus olhos, a dúvida.
— Sim.
Apenas queria não me arrepender daquilo.

Desliguei o Jeep quando paramos no parquinho. De longe


conseguia vê-las.
— Ali — apontei para a garota e a menininha perto de um dos
brinquedos.
— Ela cresceu tanto... — Magnólia murmurou, encantada.
Margô estava subindo no escorregador, enquanto Judy a
acompanhava. Quando ela chegou no topo, segurando uma das
mãos da garota para ter um pouco de segurança, no momento em
que descesse.
— Ela se parece mais com você — declarei, olhando para
minha irmã sorrindo, enquanto soltava os dedos de Judy. — Os
cabelos, o sorriso...
— E os olhos ainda são dele?
— Um pouco mais claro. Não se preocupe, ela não tem muito
dele. É apenas ela, a minha Margô. — Eu podia sentir seus olhos
sobre mim.
— Ma petite fille[9] — sussurrou em francês ao cobrir os
lábios. — Eu sei que é cedo, mas... quando eu vou poder falar com
ela? — A pergunta foi como um soco dentro de mim.
— Eu não sei, Magnólia. Margô não imagina que a mãe dela
existe. Preciso me preparar para isso e preparar ela também.
— Tudo bem, eu entendo, de qualquer forma. — Suspirou. —
Obrigada por isso, Alex. Muito obrigada.
26.2 |

PARTE II: CONEXÕES


Mal sabe você
Que estou tentando me reerguer
Pedaço por pedaço
Mal sabe você que eu
Preciso de um pouco mais de tempo
Little Do You Know | Alex & Sierra

Nunca pensei que odiaria Boston depois de voltar de uma


viagem.
Já fazia semanas que tínhamos voltado para nossa cidade, a
vida continuou e os últimos dias da faculdade começaram a bater na
porta.
A formatura persistia mais próximo do que qualquer outra
coisa, assim como os últimos jogos dos Crows Blues Legs na final
do campeonato.
Precisava lidar com os sentimentos que seguiam se
manifestando dentro de mim, a qualquer custo. Era a merda de um
gatilho, e se dependesse de mim, não iria.
Todavia, Eric, Nathaniel, Stéfany e Ana, jamais me
permitiriam perder a formatura.
Soltei uma lufada de ar, enquanto descansava a cabeça no
vidro do carro, a caminho do meu estágio.
As aulas haviam começado mais cedo que o previsto e foi até
melhor de certa forma, eu ocuparia meus pensamentos com algo
que amava e facilmente seria minha profissão para sempre. Desde
os meus dezessete anos, um desejo muito forte se instalou no meu
peito, quando decidi que ser professora era algo que eu queria para
minha vida.
Minha mãe, na maioria das vezes, dizia que ser professora
não me daria o futuro que eu merecia. Você é minha filha, Hannah.
Vai mesmo ser uma professora? Havia tanta incredulidade em todos
os momentos que ela fazia questão de discriminar as escolhas do
meu futuro, mas no momento em que o curso estivesse ao seu
favor, não importava se me daria dinheiro o suficiente para os meus
luxos.
Odiava ver que a ambição sempre estaria em primeiro lugar. Mesmo
que fossemos muito ricos, Lilian sempre iria querer mais e mais.
Levantei o meu olhar, encontrando o grande prédio da Connelly
Heaven diante de mim. Respirei fundo, sabendo que não seriam os
mesmos rostos que eu havia encontrado no semestre passado.
Eram crianças novas, personalidades diferentes, e cabia a mim lidar
com todas elas.
Olhei para o relógio em meu pulso, sabendo que estava um
pouco atrasada, por conta do trânsito caótico de Boston naquela
manhã.
— Prontinho — o motorista de aplicativo avisou, parando o
carro.
— Obrigada! — falei com pressa, enquanto entregava as
notas de dinheiro em suas mãos e saí do carro.
Quando cheguei no portão, mostrei meu crachá de estagiária e logo
foi permitida a minha entrada. Segui meus passos até a sala de
Magnólia. Infelizmente, precisava justificar o atraso.
Com três batidas na porta, ouvi sua voz soando com o
aveludado sotaque francês transbordando pelo ambiente, para que
eu entrasse no cômodo.
— Olá, chéri! — Magnólia parecia feliz, mais do que a vi em
todos os meses que estagiei no primeiro semestre.
Havia um sorriso largo e um brilho diferente nos olhos. Talvez
fosse coisa da minha cabeça, mas ela sempre pareceu ter algo
peculiar no olhar, não tinha muito ânimo, mesmo que ela tentasse, a
todo custo, ser graciosa com o restante dos funcionários.
Descobri que Magnólia não sabia muito a respeito da minha
turma de alunos, já que era recente o seu trabalho no colégio, e que
Oscar tinha dado o cargo a ela, para ajudar a se familiarizar com as
pessoas ao seu redor. Talvez passar muito tempo isolada de todos,
tivesse a afetado mais do que imaginasse.
Lembro-me que dias depois do meu noivado com Ethan, ela
pediu desculpas por não comparecer, mas que desejava felicidades
no meu relacionamento com seu enteado. Aquele dia só me deixou
com mais curiosidade em descobrir o que acontecia com a família
Hixton, depois que Magnólia começou a fazer parte dela.
Em todos os momentos que Ethan surgia nos meus
pensamentos, ficava claro que ele era o verdadeiro problema do
nosso relacionamento e não eu, como costumava acusar.
— Olá, acabei ficando presa no trânsito e não consegui
chegar antes... — murmurei.
— Oh, tudo bem! A Sra. Panny deve ter começado sua aula
não tem muito tempo, Hannah. Se correr, acabará pegando a
apresentação dos alunos — aconselhou, fazendo-me assentir.
— Farei isso, obrigada. — E com isso me despedi dela e
encaminhei meus passos para a sala das crianças novas. Era
sempre a mesma, e eu já tinha estagiado nela no semestre anterior.
Quando encontrei a porta, dei um leve suspiro e levantei o
punho em direção a madeira clara da porta. Havia um espelho que
fazia Panny me ver do outro lado, e com apenas um olhar, assentiu
a minha entrada, enquanto falava com os alunos. No instante em
que entrei, dezenas de olhares grandes estavam sobre mim.
— Crianças, essa é Hannah Peterson. Ela irá acompanhar o
processo acadêmico de vocês, ao longo desse semestre! — contou.
— Olá, crianças — Acenei para cada um deles.
— Como ela ainda chegou a tempo da apresentação, vocês
podem dizer apenas o primeiro nome — ressaltou, encostando o
quadril na ponta da sua mesa.
— Abigail — uma garotinha loira declarou, levantando a mão
para alto.
Eu sorri em resposta. Em seguida foi a vez de outras
crianças. Brianna, Cassandra, Daffiny, Deven, Edward... até o último
aluno. Quando pensei que tinha acabado, ouvimos a porta sendo
aberta novamente.
Uma mulher e uma menina entraram.
— Hola... quer dizer, olá, Me desculpem pelo atraso,
acabamos tendo um imprevisto. Ela teve uma crise de asma
enquanto estávamos vindo, porém não quis perder o primeiro dia de
aula de jeito nenhum — relatou, passando as mãos pelos cabelos
da criança.
Havia uma bombinha para asma entre os dedos pequenos da
garotinha de cabelos escuros e ondulados, os olhos castanhos e um
par de bochechas redondas, para completar, ela tinha uma franjinha
linda.
— Ela não perdeu muito, você é... — Panny questionou,
sorrindo gentil para a sua aluna, que ainda não tinha olhado para ela
e nem para mim.
De repente, suas grandes nuances estavam sobre mim, e em
seguida para a sua professora.
— M-Margô — disse voltando a olhar para mim e depois para
a mulher que segurava sua mão.
Uni as sobrancelhas, tentando entender o que tinha acabado
de acontecer naquela sala. Notei seus dedos puxando sua
responsável e em seguida sussurrou algo.
Meu Deus.
Acompanhei um sorriso surgindo nos lábios da mulher.
— É, parece mesmo. — Caramba. O que parecia? Quase
perguntei no segundo em que ela abaixou, ficando da altura da
menina. — Eu vou indo, ok? Se você tiver outra crise, use a sua
bombinha ou peça para me ligarem, por Dios![10] — Acabei
percebendo que ela misturava as suas línguas em alguns
momentos.
— Está bem, Didy.
Didy?
Não demorou muito para ela ir embora, notei que a tal Didy
deveria ter mais ou menos a minha idade, pela sua aparência. Todo
o constrangimento que rolou nos últimos minutos se dissipou
quando Margô achou uma cadeira na quarta fileira, bem próximo da
que eu usaria para ficar mais próxima dos alunos e assim, ajudar na
comunicação da turma.
De vez em quando, eu podia sentir os olhos de Margô sobre
mim e isso, consequentemente, me fazia olhar para ela de volta.
— Você está precisando de ajuda, Margô?
Ela balançou a cabeça, negando.
— Ok... se quiser me contar algo, estou aqui, tudo bem?
— Tudo bem. — Sorriu. — Posso te contar um segredo,
então?
Endireitei a postura, atenta.
— Claro — sussurrei.
— Você parece muito com a minha princesa favorita!
Cobri os lábios.
— Qual princesa? — indaguei com dúvida.
— A Anastasia. Anastasia Romanov, você nunca assistiu o
filme?
Havia assistido há alguns anos atrás. Alex tinha colocado
para passar na TV da sala de estar, fazendo todos que estavam
presentes assistirem junto com ele. Lembro que não consegui ver
todo o filme, porque Ethan não queria participar daquilo, deixando
que eu também não participasse.
— Você acha mesmo que eu pareço?
— Demaisss! — Os olhares dos colegas caíram sobre a
menina, fazendo com que ela encolhesse os ombros. — Desculpa...
eu gosto de falar sobre ela. — observei Margô passando as mãos
pela franja, envergonhada.
— Tudo bem, eu também gosto de falar das coisas que eu
amo.
— E... o que v-você gosta? — Percebi que Margô falava com
a voz cansada, como se tivesse corrido uma maratona antes de
chegar no colégio.
Era assim que algumas pessoas ficavam após uma crise de
asma.
— Eu gosto de fotografar e... — Parei pensando no que mais
eu gostava. — Também gosto de filmes antigos! — contei a ela.
Havia um calor aquecendo meu coração enquanto surgiam
estrelas nos olhos da pequena. Ela era comunicativa, gentil, e
notava-se o gênio forte.
— Eu também gosto de fotos — revelou, baixinho.
— E eu tenho uma câmera.
Seus olhos se arregalaram quando escutou sobre a minha
máquina fotográfica.
— Você me deixa ver algum d-dia?
Sorri.
— Deixo sim, adoraria mostrar ela para você.
Era verdade, havia graça em cada palavra depositada pela
pequena. Uma conexão imediata. E naquele segundo, eu soube que
Margô seria uma das garotas que eu mais sentiria falta quando meu
estágio acabasse.
27 |

AMULETO DA SORTE
Todos os seus amigos estão aqui há muito tempo
Eles devem estar esperando por você para seguir em frente
Garota, eu não gosto disso, já estou longe demais
Eu não estou pronto, estou com os olhos pesados agora
Seus sentimentos estão à mostra, como se nunca tivesse sido
amada
Você corre em círculos, agora veja o que fez
Te dou minha palavra enquanto você a pega e corre
Gostaria que você me deixasse ficar, eu estou pronto agora
Friends | Chase Atlantic

Não imaginava que, ficar tão próximo da final do campeonato,


poderia me deixar completamente nervoso.
Os últimos meses da faculdade estavam sendo intensos.
Era um aglomerado de responsabilidades e medos se
juntando para ver quem acabaria com minha sanidade primeiro.
Faculdade.
Draft.
Margô.
E Hannah.
De algum modo, fizeram uma transformação no meu último
ano na CBU, o fazendo ser o mais catastrófico de todos.
O semestre anterior não teve tantas emoções como estava
sendo os últimos dias, mas a melhor parte, era que eu seria liberto
daquelas amarras que me prendiam.
Haviam se passado três meses desde as férias de verão e a
cada dia, o fim de tudo vinha com mais precisão que o esperado.
Era exatamente trinta e um de outubro, e o sol raiava com
fervor, antes dos jogadores se preparem para o jogo e eu só
precisava colocar a minha mente no lugar e ficaria bem, mesmo que
todos os meus pensamentos dissessem o contrário, eu não mudaria
minha decisão.
Seria a hora da verdade, por mais que definisse, de forma
drástica o meu futuro e o de Margô, eu não voltaria atrás com a
promessa que fiz a mim mesmo. Não perderia a mulher que eu
amava para as minhas escolhas impulsivas, teriam uma salvação.
Eu lutaria por ela.
Não houve um único dia que eu não tenha sonhado com um
mundo paralelo, em que tenhamos ficado juntos. E neste mundo,
não havia Alexander e seu vício maldito, não existia a implicância de
Lilian… Tudo era absolutamente perfeito.
Ela e eu.
Astros indestrutíveis.
Apenas em pensar no seu nome, meu corpo reagia no
mesmo instante.
— Ei, Alex. — Olhei para o lado, saindo do meu transe. — O
que você tem? — O timbre de Eric soou pelo ar.
Os olhos estavam na minha direção, analisando-me a cada
segundo que passava. Ainda não estávamos prontos, na verdade,
nenhum cara da nossa equipe estava.
— Estou com medo — revelei, pela primeira vez.
— Pelo jogo?
— Sim. — Deixei um suspiro escapar.
Era um medo incomum, desde a última vez em que estive na
final de um campeonato. Tinha sido há quase três anos e, ainda
assim, o pavor indestrutível me cercava ano após ano. O medo não
era de quebrar o braço outra vez, mas de perder mais uma chance.
— Relaxa, vamos ficar bem e detonar tudo!
Assenti, tentando não pensar no jogo.
— Eu quero muito acreditar nisso, Eric. Acho que só vou
conseguir respirar em paz quando ver o placar sinalizando nossa
vitória, sabe? — suspirei e Eric contraiu o canto dos lábios,
parecendo dar um meio sorriso.
— Sei sim, mas fica frio aí, irmão. Logo vamos estar jogando
em uma das maiores ligas de futebol americano. — Bateu no meu
ombro e eu consegui relaxar um pouco.
— É, você está certo — murmurei.
— Vou encontrar Stéfany, ok?
Assenti.
— Fica tranquilo, temos alguns minutos antes do jogo. —
Balancei a cabeça novamente sem ter muito o que falar para ele.
Precisava daquele momento sozinho.
E foi o que eu fiz pelos minutos que se passaram, permaneci
sentado naquele vestiário até os demais jogadores aparecerem para
a reunião que Hanks sempre fazia antes de uma partida importante.
Na verdade, era o seu discurso motivacional.
— Vocês estão prontos, Crows Blues Legs? — bradou
enquanto fazíamos um pequeno círculo apertado, com as mãos no
meio.
— Estamos, treinador!
— É isso que gosto de ouvir. Vão lá arrebentar tudo, garotos!
— exclamou, quando todos levantamos nossas mãos e começou a
bater palmas, como uma comemoração antecipada.
Depois disso, todos nós corremos para o campo formando
uma fila única. Naquela tarde, jogaríamos a semifinal em casa.
Tudo estava acontecendo tão rápido que eu não conseguia
acompanhar claramente.
Vi a moeda sendo lançada para ver quem começaria o jogo.
Vi nosso time ganhando vantagem.
E me vi perdendo todas as bolas e passes.
Quando deram a pausa para o segundo tempo, Hanks me
chamou.
— O que está acontecendo com o meu camisa vinte e cinco,
hein? — O tom era sério, eu podia sentir os olhares de todos do
time sobre mim. Hanks respirou fundo, fazendo-me levantar o olhar
para ele. — Dallas, você vai substituir James nesse segundo tempo.
— Suas palavras me fizeram unir as sobrancelhas. — Certo,
James?
— Certo.
— Se estiver com a cabeça fria, te coloco no próximo tempo
novamente. Somente isso, garotos. Quero mais disposição, estamos
na semifinal, então é aqui que temos que dar duro! — Eu podia
sentir todas as palavras perfurando meu peito, enquanto dava um
olhar rápido para Eric.
Assisti o time saindo do vestiário e, em seguida, voltar para o
estádio.
Preferi ficar sozinho.
Precisava rever o que tinha me deixado nervoso.
Não sabia quantos minutos tinha se passado até ouvir passos
ecoando.
Senti meu tronco rígido a cada passo que soava.
E de repente, a imagem dela surgiu.
Hannah Peterson, usando um vestido azulado quase
compartilhando o mesmo tom da minha roupa, e uma jaqueta jeans
escura. Engoli em seco, vendo-a se aproximando.
— O que houve? — indagou, cruzando os braços.
— Estou nervoso. — Declarei tirando alguns equipamentos
de proteção.
— Mas porque? Vi que você não entrou com o resto do time.
Fiquei preocupada, James.
— Uau, você está mesmo preocupada comigo, Jane? —
Sorri, vendo seus olhos rolando.
— Não, não estou mais — declarou, enquanto me colocava
de pé. Sorrindo, encurtei nossa distância.
— Saber que você veio até que me deixou feliz — sussurrei.
Ela ergueu uma das sobrancelhas.
— Por que você não entrou junto com os outros jogadores,
Alex? — descansou a cabeça na parede ao seu lado, ainda me
olhando.
— Porque eu estava ferrando com o time. — Parei na frente
dela, apoiando uma mão acima da sua cabeça, o verde cristalino
dos seus olhos me encaravam com dúvida.
— Você estava indo bem nos últimos jogos... O que
aconteceu?
— Nunca estive bem. — Abri um sorriso para camuflar o
desejo de ir embora. — Mas sabe o que me deixaria melhor?
— O que?
— Um beijo seu. — Deslizei minhas mãos ao redor da sua
cintura. — Talvez dois, me façam marcar um touchdown para você.
— É uma grande proposta — brincou, intercalando seu olhar
entre meus olhos e minha boca, enquanto seus lábios se mantinham
entreabertos.
— Tentadora, não é mesmo?
Em um movimento ágil, deslizei as mãos nos quadris de
Hannah, para que ela pudesse tomar impulso e entrelaçar as pernas
ao redor da minha cintura.
— Estou começando a acreditar que você adora sentir o
gosto do perigo, Jane. E sabe o melhor disso tudo?
— Hm?
— É excitante pra caralho! — Encostei minha testa na sua,
enquanto eu era tomado pelo desejo de ter sua boca cobrindo os
meus lábios.
E, consumidos pela loucura, encaminhei meus passos até os
bancos que haviam no meio do vestiário e me sentei com ela em
meu colo.
— Você não estava nervoso, James? Estou te sentindo
animado demais — declarou, movendo os quadris ao abraçar meu
pescoço. — Acha que podemos ser pegos? — roçou sua boceta no
meu pau, a fricção era maior por ela estar usando um vestido.
— Todos estão ocupados com o jogo, Jane. Não vão querer
perder um único segundo.
— Isso é bom.
— Muito bom. — Soprei, chupando seus lábios. — Eu
poderia facilmente sentir o seu gosto por dias.
— Então, faça isso. Mostre que me quer, James.
— Eu já estou fazendo há meses, anos, Jane. Tudo que eu
mais quero é você! E sei que será minha novamente.
— Como tem tanta certeza disso? — Moveu os quadris
novamente, me provocando.
— Ah, Jane… O que te mostrei sobre mim no colegial, não é
nem um terço do que realmente sou. Acredite em mim quando eu
disser que será minha novamente, e dessa vez é para sempre.
Choquei minha boca na sua, enquanto sentia o meu volume
crescer, ao sentir sua calcinha ficando úmida a cada movimento.
Hannah estava completamente molhada e eu nem tinha tocado
meus dedos na sua boceta ainda.
— Me dê tudo que você tem, Alex.
— Como quiser, Jane.
— Me dê suas mentiras. Me dê suas verdades. Me dê seus
medos. Eu quero absolutamente tudo.
— E o meu amor? Você não quer? — sussurrei contra sua
boca.
— Me dê ele também.
E eu fiz como pediu.
A beijei lentamente mesmo estando em um vestiário.
Eu precisei de tanto esforço para não foder Hannah naquele
lugar, mas ela merecia o melhor, e não uma transa em um vestiário
masculino. Iria preparar algo que estivesse à sua altura, com tudo o
que aquela mulher tinha direito.
Quando voltei para o estádio, vi que o time ainda estava em
declínio e o treinador não teve outra opção a não ser me colocar de
volta na jogada. Eu estava mais motivado. Tinha sede e sangue nos
olhos, enquanto eu cumpria o desejo de Hannah.
— Dedique todos os seus pontos para mim, James.
E eu fiz.
Hannah foi meu amuleto da sorte durante aquele jogo.
A cada ponto, eu procurava seu olhar na arquibancada,
enquanto todos da universidade vibravam por cada um de nós e,
quando o placar anunciou a vitória da CBU, eu quase explodi de
felicidade.
Tínhamos conseguido.
Estávamos na final.
Era o início de um grande sonho.
E vendo que todos estavam animados e ansiosos para a
festa, que fariam logo após o time ser liberado, eu só queria saber
de pegar Hannah, colocá-la no meu Jeep e ir para casa.
Nada mais seria melhor que ter a mulher que eu amava
sendo apenas minha, pela noite inteira.
28 |

DESCOBERTAS

O terror não floresce de uma hora para a outra, não


Ela está correndo pela cidade em uma fúria
Apertando os dedos até os ossos quebrarem
Consume (feat. Goon Des Garcons) | Chase Atlantic

Acompanhei os passos de Stéfany com um cappuccino


gelado, vindo até a mesa em que Ana e eu estávamos. De alguma
maneira desconhecida, ela amava tomar a bebida com algumas
pedras de gelo.
Coisas de Stéfany que eu não deveria lutar muito para
entender, já que nas suas palavras, era o melhor modo de tomar
cappuccino gelado.
— Como está indo no estágio? — Ana indagou, chamando
minha atenção. Estava perdida nos meus pensamentos que nem
conseguia ouvi-la.
Eu tinha que estar no estágio em algumas horas.
— Está indo bem, sabe? As crianças estão colaborando
comigo pouco a pouco... — murmurei, pensativa.
Não tinha parado para pensar o quão diferente eles poderiam
ser da turma que cuidei no semestre passado. Eles tinham um
poder surreal em me fazer repensar se a pedagogia infantil era
realmente o meu sonho.
Respirei fundo.
— Você vai se dar bem — Ana sorriu.
Seu sorriso era sempre acolhedor e positivo. Tudo que eu
precisava para ter certeza que tudo iria dar certo.
E enquanto eu lhe devolvia o sorriso, vi Stéfany parada no
refeitório com o seu cappuccino em uma mão e na outra, o celular
vendo algo.
— O que aconteceu? — sussurrei.
— Como assim? — A loira ao meu lado estava com as
sobrancelhas unidas.
Inclinei o meu olhar, mostrando Stéfany e de repente, o som
dos nossos celulares ecoam. Sté havia enviado uma mensagem no
grupo que tínhamos.

Sté: Venham aqui, urgente!


Ana: O que houve?
Sté: Não sei, Eric disse para irmos ao estacionamento.

Eu: Fazer o que lá?


Sté: Eu. Não. Sei.
— Vamos? — olhei para Ana.
— Vamos!
Rapidamente, recolhemos nossas coisas e seguimos em
direção a nossa amiga, que ainda nos esperava com pressa nos
olhos. Foi quando notei a movimentação se alastrando ao nosso
redor.
— Todos estão indo para o estacionamento também? — Ana
perguntou, parando na frente de Stéfany.
Aquilo, definitivamente, era estranho. Não lembrava a última
vez em que algo parecido rolou pela universidade.
As pessoas estavam cansadas por seus próprios problemas.
— Talvez. — Deu de ombros. — Agora venham, se ficarmos
aqui não vamos chegar a tempo! — ressaltou.
Eu não podia negar que estava curiosa, caramba, adorava
receber informações privilegiadas, ou, como muitos nomeavam,
fofoca.
Sem perder mais um segundo, atravessamos a universidade
até chegar no estacionamento, como nunca tinha feito antes.
Quando chegamos ao lugar ocupado por diversos carros, vimos a
movimentação se alastrando pelo lugar.
Samantha Dawson estava com as mãos no volante, enquanto
havia um cara que eu jurava já ter visto antes, na frente do seu
veículo. Havia fúria indomável nos seus olhos, à medida que sua
respiração estava acelerada.
O que... ah, droga!
— Ai, meu Deus... ela vai... — sussurrei, imaginando que
todos sabiam o que ela estava prestes a fazer com o motor do carro
ligado.
— Ela vai. — Alex murmurou atrás de mim, notei seus passos
cada vez mais próximos e, de repente, segurou uma mão na minha
cintura, sem que outras pessoas pudessem ver.
Meu corpo inteiro queimou com as sensações elétricas
consumindo cada partícula minha.
Nós estávamos nos encontrando às escondidas, como se
ainda fôssemos dois jovens de dezoito e dezenove anos. A cada
segundo em que nos víamos sozinhos, acabávamos deixando o
fogo nos queimar.
Porque era assim, mesmo de forma complicada, que Alex e
eu nunca deixaríamos um ao outro, ainda que caísse fogo do céu
tortuoso, seríamos um do outro.
Almas despedaçadas que seguiam destinadas a ficarem
juntas.
— Quem é ele? — Ana uniu as sobrancelhas para o cara
alto, de cabelos escuros e a pele clara, completamente tatuada, que
se arriscava em frente ao carro de Dawson.
Ele lembrava um pouco a fisionomia do Nathaniel de costas,
a única diferença era os desenhos pintados no seus braços.
O cara diante de nós tinha muito mais.
— William Clark — Sté e eu dissemos em uníssono, ao ver
Samantha acelerar o carro em uma tentativa clara de atropelar Will.
Ela não tinha medo das consequências que poderiam vir.
Claro, Samantha era filha de um policial.
— Puta merda! — gritou, cobrindo os lábios.
— Saia da universidade, Clark. Eu te avisei o que faria se
continuasse no meu caminho! — rosnou, depositando ódio em cada
palavra.
Samantha estava sendo consumida pelos seus sentimentos
por William, o seu ex-namorado, antes de entrar na Crows Blues
University.
Ele foi o pivô de tudo que aconteceu com Samantha anos
atrás.
A capitã das líderes de torcida um dia amou alguém mais do
que se podia imaginar, deu tudo de si, e, de repente, ele já não era o
amor da sua vida. Era apenas William Clark, amigo de Eric, filho de
um treinador de boxe e o cara que destruiu qualquer tentativa de
Sam de amar alguém.
Foi daquele dia em diante que Samantha se tornou outra
garota.
A megera da CBU.
Usando todos os caras da universidade por saber que era
desejada, porém, não durou muito tempo. Dawson queria ser amada
outra vez e embarcou em uma batalha para ter Nathaniel.
Samantha tinha um tipo, isso era invejável, mesmo que
lutasse em dizer o contrário. E todos eles eram, de alguma forma,
parecidos com William.
— Voltei para ficar, Dawson. Lide com isso, a universidade
não é sua. Posso ir e voltar quando eu bem entender, e você não
pode mudar isso — ele sorriu com uma prepotência maldosa,
fazendo com que o rosto de Samantha entrasse em chamas.
— Era apenas isso que faltava para o ano acabar bem! —
Sté pareceu animada com a notícia e fazendo-me rir pelo
comentário.
Era verdade, estava faltando algo para finalizar aquele ano
com chave de ouro, algo que todos comentassem por semanas.
Capitã das líderes de torcida é flagrada atropelando novato,
ou melhor, ex-namorado?
Os burburinhos rodaram pelos corredores mais rápido que
notícia ruim.
Claro que sim, afinal, havia o nome de Samantha Dawson no
meio da fofoca.
Era óbvio que seria assunto por muito tempo.
Um grande escândalo! E mistério…
Ninguém havia se recuperado do que viu pela manhã.
Samantha e William eram dois nomes que eu não imaginava
ver juntos, na mesma frase novamente.
Respirando fundo pela milésima vez, apertei a bolsa no meu
ombro e segui em direção a sala de aula. Pelo horário, Panny já
deveria ter chegado. Ela era pontual e raramente faltava e, por isso,
havia sido nomeada pelas demais professoras como a Senhora
Relógio.
Eu não conseguia reprimir a vontade de revirar os olhos todas as
vezes que esse apelido escroto era falado na sala dos professores.
Mas, isso era o que eu menos deveria me preocupar. Precisava
apenas chegar na sala. Somente isso.
Entretanto, diferente do que eu queria, a sala estava aberta,
mas sem Panny.
Uni as sobrancelhas.
Estranho.
Dei meia volta, indo em direção a sala de Magnólia. Olhei no
relógio mais uma vez me sentindo Panny com seus horários
malucos. Achei que estava adiantada mais do que o normal, mas
não, em um minutos os alunos entraram em suas salas.
Quando encontrei a sala de Magnólia, dei três batidas como
sempre fazia para anunciar a minha entrada.
— Entre. — Após ouvir sua voz, eu girei a maçaneta entre os
dedos e abri a porta. Vendo-a fechar uma caixa de presente
rapidamente. — Olá, aconteceu algo? — ela uniu as sobrancelhas.
— Panny ainda não chegou, estou um pouco preocupada...
— Ah, eu ia justamente te avisar sobre isso. — Ela passou
as mãos pela testa. — Panny precisou ir ao médico agora à tarde,
nada sério, apenas exames de rotina.
— Oh... entendi, e as crianças?
— Bem, eu queria saber se você pode ficar com eles. Você
teve experiência em outras escolas e no semestre passado, certo?
— Sim. — Porém, eu sempre tive a supervisão das
professoras, eu era apenas a pessoa que tirava o “peso” delas com
as crianças. — Mas...
— Você não precisa passar nenhum conteúdo hoje, deixe a
aula moderada para eles se sentirem um pouco livres — Magnólia
aconselhou, fazendo minha coluna ficar rígida. E quando eu estava
preste a rebater com a minha insegurança, ela voltou a falar, um
pouco tensa. — Os pais passam o dia fora trabalhando, então, na
maioria das vezes são obrigados a passar a tarde inteira aqui,
mesmo sem aula e mesmo com babás, alguns não confiam o seus
filhos à elas.
— Bem, creio que consigo lidar com eles.
Mesmo que sejam vinte e seis crianças.
— Perfeito! Irei providenciar alguns materiais para você. —
Sorriu, se levantando da mesa, enquanto meu olhar se fixava na
caixa de presente da cor rosa. — Se caso achar que não está dando
conta, me avise, ok? Acredito que irá fazer um bom trabalho, chéri.
— Eu espero também... — murmurei, enquanto ela me
entrega algumas folhas e um pote com lápis de cor.
Balancei a cabeça certa que tudo ficaria bem. Poxa, eu havia
passado cinco anos para saber como dar aula e tudo relacionado a
área infantil, estava claro que daria certo.
Olhei para Magnólia uma última vez e recebi um sorriso seu.
Ela parecia mais feliz.
Com a tensão consumindo cada músculo do meu corpo, eu
saí da sua sala, deixando-a sozinha com a sua pilha de papéis e a
caixa misteriosa.
Vamos lá.
Voltei para a sala das crianças, percebendo cada uma em
suas devidas carteiras, enquanto uma monitora os vigiava da porta.
— Olá, crianças! — declarei, entrando. — A Sra. Panny
precisou se ausentar da escola hoje, então, terão a minha
companhia. — Sorri, colocando os papéis e o pote sobre a mesa.
— Vamos pintar? — Stella, uma garotinha ruiva e bochechas
redondas, perguntou.
— Isso! Vamos fazer algo bem legal.
— O que vamos fazer? — Margô perguntou, com a voz
distante.
Parecia triste com seus grandes olhos castanhos murchinhos.
Uni as sobrancelhas, confusa. O que havia acontecido? Não era a
mesma menina que me perguntou se eu podia mostrar minha
câmera a ela.
— Quero que desenhem a melhor memória que se lembrem.
Algo que ficou marcado e que sentem saudades!
— O que é saudade?
— Vejamos...
Como eu poderia descrever o que era saudade para uma
criança de seis anos?
— Saudade é um sentimento que fica aqui dentro. — Toquei
o meu coração. — E que, quando você lembra, deseja que esse
momento ou sensação volte — expliquei.
Margô ainda estava pensativa, enquanto abaixava a cabeça.
— Entendi! — Kennedy, um menininho de óculos do Batman,
exclamou, dando um sorriso com um dos dentes da frente faltando,
fazendo-me dar outro na sua direção.
— Prontos? — Todos disseram sim, exceto Margô.
Algo realmente aconteceu.
Puxei o ar e soltei, antes de entregar folhas em branco para
cada um dos alunos, até chegar na garotinha dos olhos tristes. De
algum modo, eu via a minha imagem de seis anos em seu olhar,
mas esperava que o motivo da sua tristeza não fosse grave.
Lentamente, me aproximei da sua mesa. Ela sempre sentava
próxima da mesa da professora, mas naquela tarde, Margô sentou-
se bem longe.
— Tudo bem? — sussurrei para que nenhum dos seus
colegas pudesse nos ouvir.
Seus olhos moveram-se na minha direção, enquanto eu
entregava uma folha em suas mãos.
Margô permaneceu em silêncio.
— Se não quer falar, desenhe na folha o que te faz triste, ok?
Ela assentiu, pegando alguns lápis do pote. Minutos se passaram,
enquanto todos se mantinham ocupados, até que Abigail gritou,
anunciando que havia terminado o seu desenho.
— Quer falar para os seus colegas o que desenhou? —
indaguei, vendo-a assentir no segundo seguinte.
— Eu desenhei a casa na árvore que meus avós construíram,
quando eles eram mais novos. Toda vez que vou visitá-los no verão,
me deixam brincar lá. Aqui está a casinha e os meus avós. —
Apontou para o desenho.
Havia de fato uma casa e dois bonequinhos de palito, de
mãos dadas, lado a lado, desenhados na folha.
— E você sente saudade?
— Sim, no verão passado eu não pude ir...
— Acredito que você vai ter outras oportunidades, Abby! —
confortei a garotinha e em seguida ela sentou, dando a
oportunidade para outra criança, até chegar a vez de Margô. Eu
estava ansiosa para saber sobre o seu desenho. — Você quer
mostrar o seu desenho, Margô?
— Sim... — concordou baixinho, o som era quase inaudível
pela distância que eu estava.
Os olhos brilhantes de Margô estavam sobre mim, e em
seguida, no papel. Ela precisou respirar fundo duas vezes para
conseguir falar.
— O que desenhou? — incentivei.
— Eu desenhei Judy e eu.
— Quer se aproximar para que eu possa ver? — Ela
assentiu, atendendo o meu pedido. Havia três pessoas no desenho.
— Quem é esse terceiro integrante?
— Meu irmão.
— É dele que você sente falta?
— Sim, sinto saudade de quando ele morava comigo… mas
ele me disse que iríamos morar juntos outra vez. Ele, Judy, a
Brigitte, o Billy e eu. — Indicou os dois bichinhos que eu não
conseguia identificar.
— Brigitte e Billy são bebês?
— Nããããão, Brigitte é a macaquinha de estimação do meu
irmão e Billy, é o meu hamster! — Seu tom parecia orgulhoso, no
entanto, a menção do nome da macaquinha chamou minha atenção.
O nome da macaquinha do seu irmãoera o mesmo que a
macaquinha de Alex?
— Uau. — Sorri. — Como é o nome do seu irmão? — ousei
perguntar sabendo que estava indo longe demais.
Margô pareceu em dúvida com a pergunta.
— O nome dele é... — O sino que anunciava o fim da aula
soou.
Só podia ser brincadeira.
Margô olhou para mim, em dúvida se ia ou não embora, junto
com seus colegas que arrumavam seu material escolar.
— Pode ir. — Apertei um sorriso nos lábios.
Assisti ela girando seus calcanhares até a sua carteira e em
seguida foi embora, me deixando com um milhão de perguntas na
cabeça. Talvez fossem apenas coincidências.
Mas que tipo de pessoa teria uma macaquinha de estimação
chamada Brigitte? Eu só conhecia uma.
Quando todos os alunos tinham saído, eu pude finalmente ir
embora também. Enquanto recolhia o restante das folhas que
sobraram, percebi meu celular vibrando sobre a mesa. A palavra
Pai surgiu logo em seguida na tela.
Ah, droga!
Respirei fundo, pegando o aparelho.
— Alô?
— Oi, princesa. Você sumiu... — A voz do meu pai fez toda a
muralha que construí por meses cair por terra. — Está tudo bem,
Jane?
— Oi, pai. Está sim…— sussurrei.
— Sua mãe estava reclamando que você não atende as
ligações dela. Sabe como Lilian é, acaba surtando por pouco —
contou, calmo e gentil, não havia semelhança com a hostilidade que
continha na voz da minha mãe, sempre que ligava para mim. Por
isso não quereria atender suas ligações, ela me faria voltar a ser a
Hannah de meses atrás.
A sua boneca de pano.
— Eu viajei nas férias de verão com meus amigos, e quando
voltei, acabei ficando sem tempo para retornar as ligações perdidas
— revelei, sabendo que parte daquilo era mentira.
— Oh, entendi. Só queria saber se você está bem, Jane. E
sua mãe quer saber se você vai estar no evento beneficente... —
Houve uma pausa enquanto escutava a voz da minha mãe no
fundo. — Lilian falou para você vir com Ethan. — Um gosto amargo
molhou minha língua.
Eles ainda não sabiam que Ethan e eu não estávamos mais
juntos. Puta merda!
— Eu... pai... — não consegui terminar a frase. — Preciso
desligar agora. Te vejo no evento da mamãe, ok? — contei a
mentira.
— Tudo bem, filha. O papai te ama demais!
— Eu também te amo, pai.
Encerrei a ligação, deslizando o celular contra o peito.
Como eu contaria que não estava mais noiva de Ethan, com
Alex ao meu lado?
29 |

O AMOR É PACIENTE
E se você tiver um minuto, por que nós não vamos
Falar sobre isso num lugar que só nós conhecemos?
Isso pode ser o final de tudo
Somewhere Only We Know | Keane

Nunca pensei que faria isso.


Ou veria o momento que sempre evitei, acontecendo bem
diante dos meus olhos. Todavia, era real. Minha mãe estava ao meu
lado, em carne e osso, e, acima de tudo, viva.
Mesmo que o sentimento guardado por anos continuasse
aceso dentro de mim, eu precisava pensar em como seria a vida de
Margô, depois que conhecesse sua mãe biológica.
Era algo diferente de quem cresceu com uma mãe, enquanto
ela não teve mais do que cinco minutos do seu colo, quando
nasceu.
Margô não imaginava que sua mãe estava bem do seu lado.
— Você não vai falar nada ainda, não é? — Indaguei,
desligando o carro.
Pelo horário, Judy estaria chegando no apartamento depois
de buscar Margô no colégio. Voltei meu olhar para Magnólia,
sentada no banco.
— Não, posso esperar mais um pouco, se é isso que quer —
ela sussurrou, olhando para as mãos.
— É apenas preocupação, Magnólia. Margô nem sonha que
você voltou ou que voltaria um dia.
— Ela sabe sobre mim?
— Não, todas as vezes que perguntou sobre você tive que
inventar algo. Não foi fácil por ela ser esperta pra cacete, mas
consegui escapar das suas perguntas do tipo por que minha mãe
não vem nas minhas apresentações? ou por que ela não vem me
visitar?
Em uma dessas perguntas quase cogitei dizer que Magnólia
havia morrido. Assim não teria que dar falsas esperanças.
— Sinto muito que você tenha passado por isso.
— Eu também — sussurrei para que ela não pudesse ouvir.
— Chegamos. — Inclinei o queixo na direção do prédio. Os olhos de
Magnólia observavam com destreza o tamanho do edifício de cima a
baixo duas vezes. Havia dúvida e um milhão de perguntas no seu
olhar. — Eu sei que você quer perguntar algo.
— Sim, eu quero... — Respirou fundo. — Por que ela não
mora com você?
Congelei no banco.
— Eu não consegui cuidar dela quando tentei me dividir entre
o time de futebol, a faculdade e a oficina.
Parte aquilo era verdade. Não conseguiria lidar com tantas
responsabilidades ao mesmo tempo. Eu não era capaz.
— Você consegue manter um aluguel nesse prédio? Ele
parece ser bem luxuoso, Alex — comentou, voltando as íris para
admirar mais uma vez o apartamento do lado de fora.
— Digamos que sim.
De repente, vi a imagem da Judy e Margô passando para
dentro do prédio.
— Olhe ali. — Indiquei. — Elas chegaram. — Tirei o cinto de
segurança e em seguida, abri a porta do carro. Magnólia fez o
mesmo, e saiu do veículo. — Está pronta? — ela assentiu e depois
respirou fundo.
Com isso, nos encaminhamos para a portaria. Tínhamos que
anunciar nossa chegada no prédio, como todas as vezes que eu
fazia para subir. Enquanto estávamos no elevador, um desejo
incansável de contar tudo surgiu.
Será que ela poderia me ajudar?
— Mãe?
— Oi. — Ela sorriu.
— Preciso te contar algo. — Vi as sobrancelhas escuras de
Magnólia se unindo uma na outra. — Eu menti. — Havia confusão
no seu olhar, eu precisava me explicar melhor. — Sobre o
apartamento... não sou eu que paga o aluguel. É impossível para
mim, principalmente agora que quero acabar com tudo isso.
— Eu estou perdida, Alex.
— Na noite em que Alexander morreu, eu fiquei sem nada. —
O ar parecia estar no fim a cada andar que subia. — Precisei fazer
tantas coisas… O velório, as coisas para Margô que, na época, era
apenas um bebê. Eram tantas despesas que eu me vi em um beco
sem saída.
— O que você fez, filho?
— Eu fiz um acordo com Lilian Peterson.
Seus olhos castanhos quase saltaram para fora quando ouviu
aquele nome saindo do meus lábios.
— Lilian? Lilian Peterson, a esposa do prefeito Oliver
Peterson, Alex? — Capturei o segundo em que ela apoiou as mãos
na cabeça, em choque. — Que acordo?
Foi naquele momento que eu senti mais culpa, do que em
toda minha vida.
Eu precisei contar tudo que aconteceu.
Detalhe por detalhe.
— Meu Deus, Alex. Essa mulher... ela foi namorada do seu
pai, na época em que estava na faculdade e depois que soube
sobre seu pai e eu, Lilian entrou em outra jogada, algo maior do que
ficar com o mecânico bêbado. — Magnólia parecia reviver cada
lembrança. — Oliver estava em ascensão na sua carreira política,
era um partido bem melhor do que Alexander. Depois de um ano,
você já tinha nascido e Lilian acabou engravidando dos gêmeos. A
proposta que ela te fez aceitar, era apenas para você ficar longe da
filha dela e, para sempre, ficar à mercê desse acordo.
Joguei a cabeça para trás, fechando os olhos.
PUTA QUE PARIU!
— Eu vou dar um jeito nisso — Magnólia me tranquilizou. —
Fique tranquilo, ok?
— Certo. — Respirei fundo.
— Aliás, Hannah é uma garota maravilhosa. Gosto dela. —
minha mãe revelou, fazendo minhas sobrancelhas se unirem. Eu
não tinha dito a ela o nome da Hannah, apenas mencionado por
alto.
— Como você...
— Ela faz estágio na escola em que Oscar é diretor, e me
deu o cargo de secretária quando decidi que sairia de casa. Depois
de conviver com as pessoas do colégio, fui me adaptando melhor e
consegui ir atrás de você.
Eu não tinha ideia qual era a escola que Hannah estava estagiando.
Nunca tínhamos chegado nesse assunto já que em nenhum
momento havia sido abordado.
— Qual o nome do colégio? — perguntei.
— Connelly Heaven Academy.
— Só pode ser brincadeira — falei. — Margô estuda lá. —
Magnólia arregalou os olhos, e em seguida, sorriu. — É, Boston está
ficando pequena, pelo visto. — Passei uma mão pelo rosto, notando
que tínhamos chegado no nosso andar de destino.
— Chegamos — declarei quando as portas se abriram.
Magnólia assentiu, saindo primeiro.
Seguimos em direção ao apartamento e bati na porta. Não
demorou muito para Judy nos receber. Ela não imaginava que me
encontraria hoje e tão pouco Margô.
Seria uma surpresa dupla.
No segundo em que seus olhos cruzaram com os de
Magnólia, a vi cobrindo a boca em choque depois de soltar um
palavrão em espanhol.
— Oi, Judy.
— O-Oi, eu... Dios Mio! — se perdeu entre suas palavras, em
seguida se virou para mim, dando um soco no meu ombro. — Por
que você não me contou?
— Queríamos fazer surpresa, chéri. — Minha mãe respondeu
por mim.
— Oh, certo. Venham... entre... — gesticulou com as mãos, e
enquanto ela nos recepcionava para dentro da casa, ouvimos a voz
doce de Margô soando.
Judy olhou para mim, em choque, perguntando mentalmente
o que deveria fazer. No entanto, dei um olhar seguro para ela.
— Didy, v-você pode fazer um bolo de chocolate? — minha
garotinha surgiu no corredor. — ALEEEEX! — ela gritou e sorriu,
correndo na minha direção.
Me abaixei para recebê-la e senti seus braços se apertando
ao redor do meu pescoço. Minha garota. Sorri, genuinamente bem.
— Oi, Gô. — Passei a mão nos seus cabelos castanhos, e
em seguida, peguei ela no colo, beijando sua testa. — Sentiu minha
falta? — Ela confirmou, balançando a cabeça e depois escondeu
seu rosto no meu pescoço.
Pensei que ela não notaria Magnólia ao meu lado por muito
tempo, mas antes que eu pudesse dizer algo, Margô virou a cabeça
para o lado.
— Quem é você? — indagou curiosa para a mulher com os
olhos marejados.
— Me chamo Magnólia e vim te conhecer — minha mãe
sussurrou.
— Em breve te conto quem ela é, ok? — murmurei no seu
ouvindo.
— Está bem— cochichou.
Suspirei, olhando para Judy que assistia toda a cena com
receio.
— Ouvi que você queria comer bolo, e sabe o que eu sei
fazer? — Magnólia perguntou para a filha.
— O que?
— Bolo de chocolate!
— Eu posso afirmar que são bons — tentei ajudar.
Margô era seletiva com as pessoas que ela queria dentro da
sua vida. Nem todos conseguiam a sua simpatia de imediato.
— Posso fazer um, se quiser.
— Você faria? — perguntou, curiosa.
— Sim, e você pode me ajudar também!
— Humm, eu gosto de bolo de chocolate com chantilly...
— Eu amo esse. — Piscou para a garotinha.
Seus olhos se encheram de alegria.
Pronto, Magnólia já tinha conseguido a confiança da
menininha nos meus braços.
Minha irmã balançou as perninhas, querendo descer do meu
colo e depois de dar outro beijo em sua bochecha redondinha, a
coloquei no chão. Então, Margô saiu puxando Magnólia para a
cozinha, fazendo-me rir.
— Está tudo bem mesmo? — Judy indagou quando não
tínhamos nenhum sinal das duas na sala.
— É seguro sim, Judy. — E com isso, notei sua respiração se
regularizando, indo para a cozinha comigo ao seu lado.
Enquanto via Margô e Magnólia brincando juntas, eu pude
respirar um pouco melhor também, Minha mãe estava se dedicando
ao máximo para deixar a garotinha a vontade ao seu lado, e em
momento algum cogitou dizer que minha irmã e ela eram mãe e
filha.
Finalmente eu iria conseguir dar um fim nisso.
Eu queria ser feliz. Queria que Hannah me amasse.
Eu iria explicar tudo. Só precisava fazer uma ligação.
Peguei meu celular, procurando o número dela na lista e
liguei.
No quarto toque, ela atendeu.
— Alô?
— Olá, Sra. Peterson.
— Quanto tempo, não é mesmo? O que aconteceu para você
me ligar depois de tantos anos?
Meu coração batia rápido, entretanto, me mantive firme.
— Acabou, não quero mais continuar com o acordo. — Porra,
estava feito.
— Vai colocar tudo a perder, querido? — A risada
maquiavélica soou do outro lado da linha como uma grande vilã.
Porque era isso que ela sempre foi, a vilã. A matriarca da família
Peterson estava por trás de tudo por todo esses anos. A proposta.
Os luxos para Margô. E o motivo de eu ter destruído o que tinha
com sua filha, no baile do colegial.
— Cansei disso, pode tirar todos os privilégios que me
prometeu naquela noite. — Dei de ombros, à medida que meus
dedos corriam em direção aos bolsos da minha calça escura.
— É uma pena que a criança vai ter sua vida jogada no lixo
por um capricho seu, Alexander. — Sorriu, ao mesmo tempo que
pronunciava meu nome por inteiro. Eu podia ver lábios pigmentados
de vermelho, diante dos meus olhos. Pareciam o verdadeiro inferno,
sabia que o segundo seguinte destruiria minhas expectativas de
desfazer nosso acordo. — Se você acha que irei permitir que se
aproxime da minha filha, querido, está absolutamente enganado.
Não tocará nem mais um dedo nela.
— Jane já é uma mulher adulta, Lilian. Ela pode viver a vida
que tem como bem entender, ao lado de quem quiser. Foda-se você
e o seu desejo narcisista de colocar as escolhas dela de lado, para
que as suas venham em primeiro lugar.
— Cale sua boca, seu merdinha.
— Merdinha? Pensei que alguém como você não usaria
palavras tão baixas, primeira dama — zombei, curvando o canto dos
lábios.
Ouvi o barulho dos seus dentes rangerem, fazendo minhas
sobrancelhas ergueram sem surpresa.
— Achei que existisse uma linha tênue entre seu pai e você,
mas pelo que vejo, a única diferença é que seu pai está morto. —
Minha mandíbula apertou, não pelo insulto sobre meu pai estar há
sete palmos abaixo da terra, mas pela comparação grotesca entre
dois.
Eu não era nada parecido com aquele monstro.
Éramos diferentes, porra!
— Está explicado por que ele te trocou pela minha mãe, é
praticamente impossível suportar alguém como você. — rebati.
Houve silêncio.
— Então, você sabe sobre o passado dos seus pais, não é?
Não perca seu tempo acreditando nessas mentiras, somente eu sei
sobre o que aconteceu. E quando vier atrás de mim novamente, que
seja por algo sério, querido. — e lá estava a voz prepotente
novamente. — Uma última coisa: não ouse aparecer no meu evento!
E com isso ela encerrou a ligação.

Dias se passaram.
E com ele o evento que me assombrava desde a ligação para
Lilian, tinha chegado. Estávamos todos prontos para sairmos.
— Vocês precisam ver isso! — Hannah gritou, no meio da
porta, chamando nossa atenção e compartilhando um puta sorriso
nos lábios levemente rosados.
Seus olhos brilhavam enquanto falava.
Notei o vestido escuro que envolvia seu corpo até o fim dos
pés, ele continha uma pequena fenda, deixando suas pernas à
mostras. Voltei meu olhar para seu sorriso animado.
Era inegável o quanto estava feliz.
Nathaniel, Eric e eu nos entreolhamos confusos, entretanto,
não esperamos que ela dissesse mais nada porque, no minuto
seguinte, Hannah já tinha desaparecido da porta.
— Vamos ver o que está acontecendo — Nathaniel deixou
sua bebida na ilha da cozinha.
Assim como Eric e eu, o tatuado usava um smoking preto e
gravata borboleta.
— Venham logo ou vão perder o momento! — Stéfany gritou
da sala.
— Pelo visto, é uma intimação — arqueei as sobrancelhas.
A regra era clara, tínhamos que acatar as ordens delas, caso
contrário, estaríamos ferrados.
— Vamos — Eric disse por fim, tomando as rédeas e dando
os primeiros passos a frente.
O loiro foi o primeiro a encontrar as meninas na sala de estar
e quando as viu, paralisou no meio da porta, assim como Hannah
havia feito segundos antes.
Unindo as sobrancelhas, acelerei as passadas.
— O que está havendo aí? — questionei, curioso.
Era tão impactante assim?
— Venham! Rápido! — o irmão gêmeo de Hannah estava
com os olhos arregalados, olhando para Nathaniel e eu. —
Principalmente você, cara. — Inclinou seu olhar sobre Sullivan, à
medida que sorria de canto, mostrando uma felicidade incomum em
seus olhos.
— Caralho, estou ficando preocupado — zombou, mas foi
possível identificar o receio no seu tom de voz rouco.
Assim como ele, depositei mais agilidade nos pés, chegando
finalmente à sala. Quando meus olhos visualizaram Ellie e Aaron
sozinhos em pé, senti o ar aquecendo meu inteior, e porra, tudo
comecou a fazer sentido.
Os gêmeos de Ana e Nathaniel estavam finalmente dando os
seus primeiros passos.
Ambos estavam parados com a postura um pouco torta,
como se fossem cair a qualquer momento diante de sua mãe e
madrinha. Os olhos grandes do garotinho loiro pareciam hesitantes,
se iria até Ana ou sentaria no chão.
Todavia, Ellie se mostrava determinada a seguir em frente, foi
com esse impulso que a pequena deu um passo, fazendo todos ao
seu redor assistir orgulhosamente.
Por um segundo, eu me permiti desviar a atenção da
garotinha e visualizar minha Jane, gravando cada detalhe com um
grande sorriso estonteante nos lábios. Contudo, um movimento
vindo de Nathaniel, fez meus olhos voltarem para seus filhos, no
momento em que ele caminhou até sua esposa e agachou ao seu
lado.
— Vamos, minha princesa. Venha aqui... — O som cálido fez
com que a sua cópia minúscula desse um sorriso aberto, mesmo
que existisse apenas dois requisitos de dentes aparecendo.
— Da-da! Da-da! — Ellie balbuciou, sorrindo.
Foi o impulso necessário para fazê-la da outra passada na
direção dos seus pais. E para a surpresa de todos, Aaron fez o
mesmo, rindo.
Porque Ellie parecia ser a sua condução, guiando o irmão
para suas aventuras desde a barriga da mãe. Era assim que os
gêmeos funcionavam, não havia formas de descrever como era a
irmandade daqueles dois, não tinham semelhança com Hannah e
Eric.
Aaron e Ellie eram únicos da sua maneira distinta e nada
poderia provar o contrário.
— Venha, querido, Venha até a mamãe! — Ana sussurrou,
chamando seu garotinho com as mãos. O estímulo deu resultados,
fazendo com que o loirinho inclinasse mais um pé, ainda que
estivesse tomado pela dificuldade. — Isso, meu amor... — A voz não
escondia o quão feliz ela estava.
Eu sabia perfeitamente como ela estava se sentindo,
principalmente, por ter visto em primeira mão os primeiros passos
de Margô quando tinha quase a mesma idade. Quando aconteceu,
eu não esperava sentir o turbilhão de emoções que provei, ao
entender que a pessoa que eu mais amava no mundo estava
crescendo.
Era um sentimento extraordinário.
Uma das sensações é de que parece que o coração vai
explodir a qualquer momento de ansiedade. Um calor corre por cada
célula do corpo.
Puxei o ar, sentindo que, de um segundo para o outro, meu
peito estava apertado e a respiração estava presa entre meus
pulmões. Me permiti assistir aquele momento que nem em um
milhão de anos sonhei em ver com meus amigos ao lado. Eu
observava o futuro do grupo crescendo diante dos meus olhos, a
geração que marcaria a cidade de Boston ou qualquer outro lugar
do mundo.
Porque seria sempre assim, sabia que ambos nem sempre
iriam querer seguir nossos passos, entretanto, a escolha caberia
somente para os dois. O mundo estaria melhor, e não teriam que
seguir um caminho oposto que seus pais.
Seríamos para sempre sua família. Ainda que não
tivéssemos o mesmo sangue, eu os amava. Eram como meus
sobrinhos.
— Isso... com calma, crianças. — Ana dizia para os dois,
mantendo os braços abertos, enquanto Nathaniel apoiava uma das
mãos nas suas costas, incentivando igualmente seus filhos, ao lado
da esposa.
Porra, esposa.
Quando eu iria pensar que viveria para ver o projeto de
badboy do colegial sendo pai e, ainda por cima, casado?
O pensamento me fez respirar fundo e olhar para Stéfany e
Eric juntos, as mãos do loiro mantinha-se ao redor da cintura da sua
namorada, enquanto ela carregava consigo um sorriso singelo nos
lábios, talvez estivesse pensando exatamente o mesmo à medida
que via seus sobrinhos andando até sua melhor amiga.
Stéfany sabia como ninguém que Ana merecia viver tudo
aquilo. Entendia perfeitamente o quanto valia vê-la sorrindo. Aaron e
Ellie trouxeram vida para a sua Ana novamente.
Um bater de palmas soou, trazendo-me de volta para aquele
cômodo.
Vi Ellie parada ainda de pé, com os enormes olhos virados
para o irmão. Ela esperava serenamente Aaron chegar ao seu lado
e quando isso aconteceu, suas mãos se juntaram, fazendo ambos
sorrirem. Somente isso foi necessário para uma comoção surgir no
meio da sala.
Aaron e Ellie caminharam lado a lado, até encontrarem os
braços de seus pais, que logo abraçaram ambos.
— Por Deus, vocês foram incríveis! — Ana exclamou,
beijando as bochechas do filho e em seguida, fez o mesmo com a
sua filha, fazendo-a rir ainda mais.
— Droga, acho que o vídeo gravou o som do meu choro —
Hannah sorriu, limpando as lágrimas com a ponta dos dedos. Os
olhos compartilhavam uma mistura de verde com um leve vermelho,
deixando que uma risada fosse extraída de mim. — Não ouse fazer
nenhuma piadinha!— Vi seu dedo erguido na minha direção.
— Não irei, Jane. — Levantei minhas mãos em rendição.
Talvez em algum momento eu pudesse usar esse
acontecimento a favor do meu humor.
— Certo, agora preciso retocar a maquiagem e podemos ligar
para a sua mãe — Ana disse.
Todavia, não foi somente ela a fazer isso, Sté e Hannah
fizeram o mesmo e depois de meia hora, todas estavam prontas e a
mãe de Nathaniel esperando os netos em seu carro.
— Olhem como eles parecem dois anjinhos dormindo, lindos
da vovó! — Fez uma voz fina, enquanto admirava os gêmeos
dormindo.
E realmente, ambos pareciam dois anjos imaculados quando
dormiam e tínhamos apenas que se preocupar com a vida, no
momento em que faltavam derrubar a casa a baixo.
Ellie quem o diga.
Observamos Nathaniel e Ana se despedindo dos filhos. Eles iam
passar a noite com a avó, enquanto íamos ao evento anual de
Lilian.
A cada segundo o nervosismo me abatia.
Faltava tão pouco.
Tudo daria certo!
Era o que eu esperava.
30 |

O AMOR É DESTRUTIVO

Isso não é suficiente


Me meti numa confusão, me sinto totalmente perdida
Se estou pedindo ajuda, é apenas porque
Estar com você abriu meus olhos
Como eu poderia acreditar numa surpresa tão perfeita?
All The Things She Said | t.A.T.u

O evento beneficente que minha mãe organizava era sempre


maior a cada ano.
Podia ver o quanto ela tinha esbanjado em cada detalhe à
medida que Love Story, de Beethoven, soava no ambiente. Era claro
que tocaria algo clássico, faltava somente isso para o sonho perfeito
da minha mãe ser real.
Não tinha nem cinco minutos que havíamos passado pelos
portões e meu coração já estava palpitando. Somente o calor dos
dedos de Alex nos meus me fizeram acalmar, não totalmente, mas
parte do nervosismo foi se dissipando pouco a pouco.
Tínhamos entrado juntos.
Sabia que não demoraria muito para minha mãe aparecer, já
que os fotógrafos tinham conseguido fotos nossas de mãos dadas.
Ótimo, poderia imaginar o que estaria escrito.

URGENTE!
A princesa de Boston foi vista com outro affair no evento da
sua mãe. Ela não estava noiva? Esperamos saber até o fim da
noite.

Eu poderia facilmente ser a garota que fazia as chamadas


nos jornais.
— Hannah — Alex me chamou, fazendo-me unir as
sobrancelhas, enquanto fugia dos meus pensamentos.
Ele tinha me chamado de Hannah?
— Oi?
— Eu preciso te contar algo, mas não sei se é o momento
certo para isso… — Alex começou a falar, fazendo-me unir as
sobrancelhas.
— Do que você está falando? — franzi o cenho.
Alex estava estranho há alguns dias, e que o conhecesse
bem, saberia que ele não ficava daquela forma como de costume.
— Jane, eu...
— Eu falei que não queria você aqui, garoto! — A voz raivosa
da minha mãe soou atrás de mim, fazendo-me virar para ela ainda
mais confusa. Só faltava isso para completar. — Se esqueceu do
que aconteceu, minha filha? Esse garoto destruiu o seu baile de
formatura, falou coisas horríveis para você e ainda assim traz ele
aqui?
— Mãe... — sussurrei, tocando seus braços. Ela parecia
querer expulsar Alex a qualquer custo. Respirei fundo, puxando-a.
— Vamos conversar.
— Não, não quero conversar. Cadê o Ethan? Você deixou o
Ethan para voltar com esse merdinha?
— Mãe, por favor! — Balancei a cabeça, procurando por Alex
uma última vez, antes de subir com minha mãe. Eric, Sté, Ana e
Nathaniel nos encaravam com dúvida no olhar. Entretanto,
imaginavam o que estava acontecendo. Sabia que se não tirasse
Lilian dali, iria acontecer o maior escândalo que haveria na história
daquela mansão. — Eu volto logo — sussurrei, indo para o andar de
cima. — Vamos resolver isso no escritório, no seu quarto ou no
meu, mas lá embaixo não, por favor.
Foi nesse segundo que consegui o seu silêncio.
Todavia, ele não permaneceu quando entramos no meu
antigo quarto.
— Que merda você tem na cabeça, Hannah? — ela
exclamou ardendo de raiva.
— Mãe, estou com Alex novamente.
— Justamente por isso, garota. Você tinha alguém que podia
te dar um futuro e, de uma hora para outra, acaba com tudo?
— É sério isso, mãe? Ethan te falou isso? — Eu estava
incrédula com suas palavras. — Ethan não é o anjinho bom que
você acha que é. Não há nada além de dinheiro, não tem amor
quando se trata de Hinxton.
— Pare de ser burra, Hannah. Apenas pare! — bradou com a
voz embargada.
— Burra? Estou fazendo a escolha mais inteligente que já fiz
na minha vida, mãe. Estou escolhendo o que me faz feliz. Eu amo o
Alex, é só isso importa. — Pela primeira vez em meses, eu disse o
que tanto escondi no meu peito.
Eu, definitivamente, amava Alex James.
— AMOR NÃO ENCHE BARRIGA, HANNAH! — Lilian
explodiu, sua ira alavancou toda a estrutura do cômodo.
Eu podia sentir seu ódio consumindo cada átomo dentro de
si, enquanto assistia nossas respirações se misturando, ambas já
não aguentavam mais permanecer naquela farsa.
A família perfeita foi arruinada, éramos como um castelo de areia,
se tornando pó. Cada grão que construímos para sermos firmes e
fortes, tudo tinha acabado bem diante de nós duas.
O amor incondicional tinha se desmanchado. Se transformando em
nada.
— Acha que será um conto de fadas esse romance trágico,
como Romeu e Julieta? Não, minha criança. O amor não é isso. O
amor te destrói. Te consome, e no fim, sabe o que ele faz? Te
devora por inteira. Não seja idiota outra vez, como eu fui. Escolha a
razão. — Lágrimas estavam sendo expostas nos seus olhos.
Era a primeira vez que eu a via chorando. Mamãe nunca
chorava, ela talvez fosse a pessoa mais resistente que eu já tinha
visto na vida.
— Como tem tanta certeza, mãe?
Ela riu. Não, Lilian gargalhou.
— Por que eu passei por isso, antes daquele garoto existir,
eu conheci o pai dele. Alexander James, eles têm o mesmo nome —
contou como se eu não soubesse. — Quando o conheci, eu era uma
estudante de medicina, quase finalizando o curso. Foi nesse período
que eu o conheci. Alexander era um perigo para qualquer pessoa.
Ele sempre foi hostil e um grande filho da puta. Eu pensei que
daríamos certo um dia, pela sorte de sempre ter sido ambiciosa,
perdi ele para uma garota muito mais nova. Sabe o nome dela?
Magnólia Russel. E, por um curto tempo, ela foi James. — Deu uma
pausa como se estivesse revivendo o momento. — Ela tinha
dezessete anos na época. Eu me vi desolada, claro, o primeiro
coração partido sempre dói. Entretanto, se eu tivesse me importado
com isso, não teria conhecido o seu pai. Oliver foi como uma luz
depois de descobrir que a pirralha tinha ficado grávida e nove
meses depois, o filho deles nasceu. — Um sorriso correu de ponta a
ponta em seus lábios. — E por um deslize, eu acabei ficando
grávida do seu pai. Grávida de gêmeos.
— Deslize?
Pelo sorriso no rosto dela, não havia sido isso.
— Sim, e eu poderia agradecê-la por ter me premiado,
Hannah.
— Não foi deslize — sussurrei, identificando a verdade por
trás dele. — Você engravidou de propósito.
— Pode ser que sim, mas não muda o fato de que hoje sou
bem sucedida. Tenho o meu hospital e tudo do bom e do melhor! Já
Magnólia, não teve a mesma sorte. Imagina,, poderia ter sido eu…
Foi bom a pirralha “rebelde” ter entrado na nossa vida.
Lágrimas deslizavam do meu rosto.
— Mas então, o filho dela cresceu e foi logo atrás de você!
Por isso, naquele dia em que o vi pela primeira vez, na minha casa,
o mandei ir embora. — Riu nasalmente. — O garoto é a imagem
cuspida do pai, porém, é o que dizem… a fruta nunca cai longe do
pé.
— Por favor, pare. — implorei.
— Você se lembra da noite em que te levei na casa dele?
— Claro, você fez muita questão de ir lá.
— Pois é, eu tinha o encontrado mais cedo, no hospital. O
garoto estava tão desesperado que aceitou um acordo para ficar
longe de você, em troca eu daria todos os luxos que ele quisesse,
tanto para ele, quanto para sua irmã.
Congelei.
— A melhor parte, sabe qual foi? Ele fez exatamente como
pedi.
— Foi por causa de um acordo, mãe? — E antes que ela
pudesse ver, a sombra de alguém passou pela porta entreaberta.
Alguém estava ouvindo nossa conversa? Eu tinha que
verificar aquilo, mas antes, deveria tirar tudo que estava doendo no
meu coração.
— Eu escolhi a razão uma vez, mãe. Lembro que, na minha
cabeça, eu sempre pensava que deveria ter escutado você e no
quanto tinha sido realmente burra. E quer saber o que aconteceu?
Quando Ethan e eu completamos dois anos de namoro, ele me
empurrou contra a parede do meu quarto, porque disse que Alex
estava olhando muito para mim. — contei, deixando as lágrimas
caírem. — Dois meses depois, ele me deu um tapa na cara porque
havia chegado muito tarde em casa, depois da faculdade e um
minuto depois, Alex entrou pela porta. Ele presumiu que eu
estivesse com James. Foram um aglomerado de situações que não
quero lembrar novamente, mãe.
Lilian estava paralisada.
Eu não podia mais continuar ali.
Meus ombros tremiam.
Meu coração doía.
E ainda não tinha parado de chorar.
Apenas queria correr o mais rápido possível para longe
daquela festa.
Com um último olhar para minha mãe, eu a deixei sozinha no
quarto e desci para o andar de baixo.
Eu sabia que não aguentaria mais.
Queria ir para casa.
Queria descansar.
Porém, enquanto eu descia as escadas com uma mão no
corrimão, vi Alex e Ethan trocando alguns socos se todos os
convidados olhavam para eles. Até que os seguranças os
separarem ..
Ethan foi o primeiro a me ver e em seguida, Alex.
— Ei, amor. Finalmente você apareceu! — Ethan zombou,
olhando para mim, enquanto o sangue escorria pelo seu nariz. —
Conte para todos o que você fez para sua maravilhosa Jane? —
Desviou sua íris para Alex,, que estava com alguns hematomas pelo
rosto.
— Ethan, pare! — gritei. — Pare de estragar a minha vida.
Apenas pare!
— O que há, Hannah? Todos estão curiosos em saber sobre
o cara pelo qual você me trocou. O mesmo que fez um acordo por
dinheiro com a sua mãe, não é isso?
Todos os olhares foram para Alex.
— Hannah, me deixe explicar, por favor. — Levantei a mão,
sinalizando para que ele parasse e em seguida, Ethan se
aproximou, achando que tinha algum direito. — Não! Não se
aproxime de mim! — O pavor era real nos meus olhos. — Fique
longe de mim! — Lembrei de todos os episódios que haviam
acontecido entre nós dois. — Eu odeio, Ethan. Eu te odeio!
As lágrimas tinham criado uma neblina perigosa nos meus
olhos. E mesmo que todos estivessem me assistindo, eu não tinha
mais vergonha de chorar na frente dos convidados da farsa de
Lilian.
Eu estava cansada de tudo aquilo.
Tinha voltado a ter treze anos e corri para o andar de cima,
procurando o único lugar que conseguia me acolher dos meus
demônios infernais. O telhado do meu quarto. Eu precisava ir para
lá.
Não havia mais salvação para Hannah Jane Peterson.
Era tudo que eu pensava enquanto fugia daqueles olhares. Meu
corpo não parava de tremer, enquanto escalava a janela do meu
antigo quarto. Lilian já não estava mais ali então, eu poderia passar
a noite inteira.
Porém, encolhi os ombros ao ouvir a porta sendo aberta.
— Ei, Hannah-Cara-De-Aranha!
— Vai embora, Mason.
— Não, hoje serei sua companhia.
— Eu só quero ficar sozinha, apenas isso. — Solucei.
— Vai ficar tudo bem, irmãzinha. Deixei uma surpresa para o
filho da puta do Ethan. Aliás, pega isso aqui — declarou, pegando
algo no seu smoking. A lâmina parecia afiada, porém eu não sabia
que ela faria um estrago muito grande.
— Por que está me entregando uma faca e o que você fez?
— indaguei enquanto ele subia na janela e se sentava ao meu lado
no telhado.
— É para ter suas digitais caso descubram que eu furei os
pneus do carro dele.... Qualquer coisa, você diz que não sabe de
nada, Cara-De-Aranha. — Eu ri em meio ao choro, até que a porta
foi aberta novamente e meu sangue gelou.
Voltei a respirar melhor quando vi Eric.
Meu irmão estava prestes a dar meia-volta.
— Fique, Eric — supliquei, ainda soluçando. — Está tudo
bem.
Mesmo relutante, meu irmão gêmeo se aproximou e veio até
nós.
Então, o silêncio reinou, enquanto os dois me abraçavam.
E com isso, me senti segura novamente.
31 |

QUEBRA-CABEÇA
Como podemos não falar sobre família
Quando a família é tudo que nós temos?
Tudo o que passei
Você estava lá, ao meu lado
See You Again | (feat. Charlie Puth) Wiz Khalifa

NATHANIEL SULLIVAN

O salão parecia querer explodir a qualquer momento.


A última vez que senti uma tensão semelhante foi quando
Stéfany estava em coma.
Pelo canto do olho, podia ver Eric encarando um dos seus melhores
amigos, como se fossem completos desconhecidos. Talvez o loiro
sempre soubesse do caso que Alex teve com sua irmã, durante o
colegial, mas a jogada era outra naquele momento.
Burburinhos se alastraram quando Hannah saiu indo
diretamente para as escadas Era possível vê-la chorando ainda
mais.
Lilian fez o mesmo. Subiu as escadas sobre o salto fino do seu
Scarpin.
O prefeito, Oliver, respirou fundo, sabendo que ele deveria
tomar as rédeas da situação. Metade da alta sociedade esperava
por aquilo. Oliver parecia cansado, o olhar não negava seu
esgotamento com tudo que ocorreu bem diante dos seus olhos.
Afinal, era sobre a sua família.
Sua esposa e a garota que ele mais amava.
Não era segredo para o povo de Boston como Hannah era
sua princesa, ele a endeusava. Todos sabiam que aquela ruiva
sempre seria seu ponto fraco, assim como Ellie era o meu.
— Peço, de antemão, desculpas pelo ocorrido. Sei que todos
não esperavam, tampouco eu, e por isso, o evento beneficente se
encerra agora. Espero que entendam a situação! — Com a voz
rouca, essas foram as palavras que conseguiu articular, à medida
que afrouxava sua gravata e suor deslizava pela sua têmpora.
Porra, todos estavam um caco diante da situação.
Alex foi o primeiro a passar pelas enormes portas, deixando
vários olhares seguindo os seus passos. Havia pânico, medo e tudo
que não era bom em suas íris, enquanto passava pelos fotógrafos.
— E agora, Nathaniel? — Ana sussurrou ao meu lado,
apertando meus braços entre seus dedos pequenos.
Seu olhar denunciou o que ela queria fazer a seguir. Minha
mulher parecia estar prestes a correr atrás de Hannah, eu sabia o
quanto as três eram unidas. Porque se uma estivesse em perigo,
elas seriam capazes de comandar um exército para ir ao socorro em
questão de minutos.
— Eu não sei, abelhinha. Simplesmente não sei.
Um suspiro foi extraído dentre seus pulmões quando ouviu
minhas palavras.
— Vamos ver como Alex está — sugeri a ela.
— Vamos — murmurou, assentindo.
Olhando ao redor, senti falta de Eric e Stéfany. Percebi que nenhum
dos dois estavam ali dentro
A movimentação parecia se dissipar pouco a pouco.
Até que...
— Eric! — Stéfany gritou, vendo seu namorado e o melhor
amigo indo para fora da mansão. Olhei para Ana, confuso, e segui o
mesmo trajeto que ambos fizeram. — Caramba, Eric! — Pelo canto
do olho, vi Sté tirando seus saltos.
Quando minha esposa e eu chegamos do lado de fora,
podíamos ver o Eric pisando fundo na direção de Alex. Stéfany
olhou para mim em busca de ajuda. Sinceramente, não tinha ideia
do que fazer. Peterson tinha o seu direito como irmão, mas James
era um dos meus melhores amigos também.
— Eric, não vale a pena. Depois vai acabar se arrependendo!
— bradei, me aproximando.
Entretanto, Peterson parecia estar surdo e cego pela raiva.
Como se cada palavra que eu falasse não tivesse efeito.
— Eu te avisei, James. Eu te falei o que aconteceria se você
magoasse a minha irmã, porra! — exclamou para ele. Alex parecia
conformado com o seu destino, não movia um único dedo. — Eu
vou acabar com você, filho da puta!
— Manda ver, Peterson — Alex rosnou, provocando o amigo.
— Mostre-me do que é capaz, lutador. Eu preciso disso, eu quebrei
sua irmã de novo. Faça isso, merda!
— O que ele está fazendo? — Ana gritou, assustada com as
palavras de Alex.
Até mesmo eu não estava entendendo onde ele queria
chegar, instigando Eric a bater nele. Procurei respostas a todo
custo. Foi então que percebi o estalo acontecendo.
Alex queria aproveitar que Eric estava puto e caso ele o
provocasse, o loiro não teria pena pelo o que James causou. Ele
queria sentir dor.
Caralho, James!
— Eu sei que você quer fazer isso — A voz em completo
embargo, os olhos sem emoção, enquanto parecia implorar para
Eric destruí-lo. Não vá por esse lado, irmão. As coisas não deveriam
ser resolvidas assim. — Vem, seu filho da puta! — Foi então que
um sorriso moldou seus lábios, atiçando a névoa perigosa que
cegava a visão e os sentidos de Eric.
— Eric, não! — gritei, mas o loiro me ignorou, empurrando
Alex no gramado da casa dos pais.
Foi então que o primeiro golpe ecoou, causando um creck por
todo espaço.
— Puta merda. Chame algum segurança, Ana. Agora! —
pedi, deixando Ana para trás ouvindo os gritos de Stéfany, em
completo desespero.
— É isso? Achei que soubesse bater, Peterson!
Mais um soco.
Outro e outro.
Incontáveis golpes.
— Cale a boca, Alex! — Stéfany gritou enquanto o seu
namorado ainda estava em cima da barriga dele.
James persistia provocando Eric ao receber sua raiva a cada
golpe dado, parecendo não sentir dor. Era como se estivesse
anestesiado..
Sangue respingou do nariz de Alex, ao mesmo tempo em que
ele ria.
— Eu deveria ter feito isso quando você furou com a Hannah,
James. Deveria ter acabado com você naquela noite! — rosnou,
puxando a gola da sua camisa.
Daquela forma seus rostos ficaram mais próximos e ambos
se encararam, mas diferente de Eric, Alex não tinha nada nos olhos.
Nenhum sentimento.
Somente vazio.
— Faça isso, Eric. Acabe com minha vida. Isso é tudo o que
eu mais quero. — Não existia mais vontade de viver e eu sabia
perfeitamente o quanto aquilo incomodava.
Ele estava deixando a dor vencer. Alex desistiu de lutar por
sua vida.
Droga, não.
Sem que Eric pudesse me notar atrás dele, eu o puxei
bruscamente, ouvindo Alex gritar:
— NÃO! Deixe ele fazer isso, Nathaniel. Eu mereço isso,
porra!
Balancei a cabeça, segurando os braços de Eric e puxando-o
para bem longe de James. Eu não podia permitir que aquilo
acontecesse, mesmo que Hannah fosse como uma irmã para mim e
também estivesse puto com Alex, ainda assim, não seria capaz de
permitir aquela merda.
— Se acalma, porra! — eu rugi para o loiro que se debatia
nos meus braços.
Eric era uma força da natureza, não sabia como ele
conseguia acumular tanta raiva e ódio em seu corpo. Enquanto
segurava meu amigo, olhei pelo canto do olho James, paralisado,
enquanto nos encarava.
Ele já não estava deitado no chão, apenas se mantinha
sentado, abraçando os joelhos, ao mesmo tempo que encarava o
gramado à medida em que sua respiração seguia acelerada e um
terror absurdo acabava com seus pensamentos.
— Eu preciso acabar com isso. EU PRECISO! — Antes que
eu pudesse impedi-lo, Alex se arrastou pelo chão até conseguir se
levantar.
Pavor estava presente no seu corpo enquanto ele olhava de
um lado para o outro.
— Alex, fica aqui! — mandei, derramando todas as minhas
forças nos braços para que Eric não se soltasse e fosse atrás dele
de novo. Foi quando os seguranças chegaram, fazendo-me soltar
meu amigo. — Obrigado. — Respirei fundo, me afastando dele.
Pensei que ele fosse ir atrás de Alex, mas não fez.
Apenas ficou sentado no gramado observando.
— Ele era meu amigo, Nathaniel... eu apoiei os dois, mas ele
preferiu quebrar minha irmã pela segunda vez. Sabe o que é olhar
para ela e vê-la chorando? Meu dever sempre foi proteger Hannah,
nossos pais não conseguiram fazer isso conosco, irmão.
— Eu sei que você queria protegê-la.Afinal,, Hannah é a sua
irmãzinha. Não somos irmãos de sangue, mas sempre prezei pela
felicidade dela também. Porém, você via apenas um lado, Eric. Alex
nunca te contou o que realmente acontecia naquela época e aquele
filho da puta não falou a verdade, ele mentiu em praticamente tudo.
— O acordo era mentira?
Desviei o olhar.
— Não sei, mas tente acreditar em Alex também, Eric. Todos
foram afetados nessa merda. Alex e Hannah precisam de nós
inteiros e com a cabeça no lugar — bradei, encarando-o.
— Estou indo atrás do Alex, tenho medo do que ele pode
fazer estando transtornado. Você vem?
Eric não respondeu.
— Ficarei com a Hannah. — Foi tudo que disse ao se
levantar da grama.
O loiro havia escolhido seu lado, mesmo que não fosse
necessário.
Éramos uma unidade.
Respirei fundo, notando Sté se aproximar.
— Você vai com eles? — seu namorado indagou.
— Irei.
— Certo. — Assentiu, enquanto sua respiração subia e
descia mais rápido. — Boa sorte com aquele filho da puta. —
Apertei os olhos, acompanhado-o sumir das nossas vistas.
Olhei para Ana e Stéfany.
— E agora?
— Vamos atrás dele. — Sté deu de ombros ao responder,
mesmo que não tivesse um plano formado na sua cabeça.

Alex não atendia as ligações.


Não tínhamos sinal dele.
E fazia mais ou menos uns vinte minutos que tínhamos saído
do apartamento onde morávamos, no entanto, não havia sinal dele.
Minha última alternativa era a casa dos seus pais.
Espero que você esteja lá, Alex.
Eu só consegui voltar a respirar quando vi o Jeep
estacionado e as luzes da casa ligadas.
— Ele está aqui! — saí do carro com pressa.
Para nossa sorte, a porta estava aberta quando entramos na
casa. Enquanto, procurávamos por ele, a única coisa que eu
conseguia notar era a bagunça que tinha se formado pelo lugar.
Havia remédios por toda parte e pinos de drogas espalhados pela
casa.
Ah, porra!
— Alex? Alex!
Ana e Stéfany também chamaram por ele.
— Vocês não precisam lutar por essa causa perdida. Eu não
mereço que lutem por mim — a voz arrastada veio da única porta do
andar debaixo.
— Não vamos ir embora até tirar você daqui. Abre essa porta,
James! — desferi socos e mais socos contra a madeira que nos
separava.
— Vai embora, Nathaniel. Você deveria fazer igual a Eric.
Deveria desistir de mim! — gritou do outro lado da porta, a cada
segundo que ele passava ali dentro o pânico se instalava cada vez
mais forte dentro do meu peito.
Era um cenário doloroso ver seu melhor amigo perdendo a
esperança na vida, ver que tudo que lutou por anos, não valia mais
nada.
— Eu vou arrombar essa porta se você não abrir, irmão. Por
favor, abre.
— Não, você não vai gostar do que vai ver. Eu estou na
merda, cara. Eu te decepcionei.
— Não, não e não, Alex. Eu não vou te julgar, eu sou seu
amigo, lembra? Apenas abra a porta. — Minhas mãos tremiam
pelos segundos que se passavam, até que ouvi seu choro se
alastrando pelo cômodo fechado.
Alex não respondeu.
Ele passou quase um minuto em silêncio, fazendo meu sangue
congelar. Olhei para Ana e Stéfany na minha frente, deixando-me
saber que algo não estava certo.
— Não — sussurrei com os olhos presos em Ana. Em
questão de segundos, eu me coloquei de pé e dei alguns passos
para trás. — Alex? Se afaste da porta, caso esteja me ouvindo! —
Respirei fundo, me aproximando com velocidade e depositando um
chute na madeira. Ela apenas se moveu pouco. Droga, precisava
colocar mais força.
Se eu não fosse mais rápido Alex poderia morrer.
Eu vou te salvar, irmão.
Me espere mais um pouco, pensei, antes de apertar a
mandíbula e dar novamente mais alguns passos para trás. Havia
determinação e raiva por não conseguir impedir toda aquela porrade
acontecer. Movido pela angústia, eu chutei outra vez a porta.
Quase sorri, quando vi a porta aberta, mas encontrei Alex
encolhido no canto do quarto, segurando uma câmera nas mãos.
Meu estômago embrulhou quando o vi deitado em posição
fetal.
Havia ao seu lado alguns remédios e quando notei os frascos
ali, meu coração acelerou enquanto corria na sua direção.
— Porra, Alex. Me diz que você não fez isso? — Vi seus
olhos girando, ele estava ficando inconsciente. Sua respiração
estava falhando e a cor desaparecendo do seu rosto. De repente,
minha esposa e sua melhor amiga surgiram na porta. Pânico surgiu
nos olhares das duas. — O que eu faço?
— Ele engoliu todos? — Ana perguntou, pálida.
— Merda, vire ele de lado e tente mantê-lo acordado! —
Stéfany me direcionou, teclando algo rápido no celular, em seguida
colocou contra a orelha.
— Certo... Alex, olha pra mim. Mantenha seus olhos sobre
mim! Vai ficar tudo bem, apenas fique comigo. Fique comigo, irmão!
— exclamei, sacudindo seu corpo de um lado para o outro até que
senti as mãos de Ana tocando meu rosto.
— Vai ficar tudo bem, meu amor. Alex vai ficar bem! —
declarou, me consolando.
Ana estava chorando e os seus lábios tremendo, assim como
as mãos no meu rosto. A cada segundo os dedos dela limpavam as
lágrimas que ardiam nos meus olhos, enquanto eu lutava por Alex e
por mim.
Eu faria o possível para salvá-lo.
Alex tinha depressão desde os dezessete anos.
Soube disso quando ele recebeu seu diagnóstico pela
psicóloga da CBU, na época, ele ia com bastante frequência, e
quase um mês depois, Monica chegou ao seu diagnóstico.
Episódio depressivo moderado e pouco a pouco subindo a
um grau mais sério.
32 |

NOSSO DECLÍNIO
Nós sempre andamos em uma linha muito frágil
Você sequer me ouviu (você sequer me ouviu)
Você nunca deu um sinal de aviso (eu dei tantos sinais)
Todo esse tempo
Eu nunca aprendi a ler sua mente (nunca aprendeu a ler
minha mente)
Eu não conseguia mudar as coisas (você nunca mudou as
coisas)
Porque você nunca deu um sinal de aviso (eu dei tantos
sinais)
Exile (feat. Bon Iver) | Taylor Swift

PASSADO
O baile de formatura havia chegado, deixando claro que
faltava poucas horas para o mundo saber sobre Jane e eu.
Eu tinha prometido a ela que todo o suspense e mentiras
acabariam naquela noite, eu poderia contar a verdade sobre Margô
e a minha vida.
Hannah finalmente saberia o motivo dos meus sumiços, eu
não queria mais esconder, estava se tornando sufocante guardar
tudo aquilo somente para mim. Às vezes, eu sentia que não sabia
prender aquela dor no meu coração. Todavia, acabava sendo
vergonhoso dizer que tinha um pai alcoólatra e viciado em drogas,
acho que ninguém quer dizer essas palavras em voz alta. Ninguém
quer sustentar um fardo por muito tempo.
Entretanto, seria por mais pouco tempo.
O pesadelo iria acabar depois que vendi o Mustang para
Nathaniel.
Eu tinha dinheiro o suficiente para ir embora daquela casa e
ficar o mais longe possível do bairro que morei, praticamente a
minha vida inteira.
Era somente questão de tempo.
Nas férias eu começaria a busca de um lugar acessível e
aconchegante, para Margô e eu. Não precisaria ser algo exagerado
ou grande demais. Seria apenas para sobreviver e abrir minha
própria oficina. Infelizmente, não iria para a faculdade. Acabou
ficando fora dos meus planos quando vi que era quase impossível
cuidar de uma criança, que estava começando a andar e falar como
nunca.
Não queria continuar dependendo de Judy, ela tinha os seus
próprios problemas para lidar. Aquela noite seria a última vez que
pediria para ficar com Margô, enquanto eu estivesse no baile do
colegial com Hannah.
Tudo mudaria no final da noite.
Respirei fundo, tentando ao máximo não parecer perdido no
meio da conversa com Eric e Nathaniel, sobre o assunto mais falado
do mês, ou melhor, desde que havia sido anunciado.
— Não vai levar ninguém para o baile de formatura mesmo?
— eu perguntei, enquanto mantinha a bola de futebol americano
entre os dedos.
Nathaniel havia revelado meses atrás que não convidaria
nenhuma garota para a festa, não tinha ao menos intenção de
marcar presença nele, quanto mais se divertir.
Nenhuma garota do St. Emery conseguiu conquistar seu
coração de pedra.
Claro, a arrogância do projeto de badboy dificultava
basicamente tudo, quando se tratava de flertar com alguma
estudante daquele colégio, não falta uma única garota que tivesse
interesse em Nathaniel. Talvez porque o gostinho do perigo
alucinava, e cada uma adoraria tê-lo na sua mão.
O típico garoto problema, com marra de badboy, carregado
de tatuagens pelo corpo e um incontestável cigarro entre os dedos.
O velho clichê que rodava pelos corredores do colégio.
E por onde passava, todas as garotas não falavam de outra
coisa a não ser nele. E não haveria uma única alma que se negaria
a ser sua parceira no baile de formatura, se ele pedisse. Entretanto,
Nathaniel não queria saber de baile ou festas.
Preferia continuar sozinho ou não ir para o baile.
— Não estou a fim de ir. Se for, irei sem par — levou o cigarro
entre os dedos para a borda dos lábios, em seguida, tirou, soprando
uma grande quantidade de fumaça. — Hannah disse que chutaria
minhas bolas se eu não fosse, vamos ver qual a probabilidade.
Podia considerar Nathaniel e os cigarros um casal quase
inseparável.
Todavia, era mais que um simples vício que ele adquiriu
quando entrou na sua fase adolescente anos atrás, cada um tinha
sua maneira de encontrar forças para o mundo lá fora. Não era fácil
viver ou melhor, se manter vivo. Caso contrário, não sobraria uma
única pessoa para contar a história.
Era deprimente a forma como ele se matava de uma maneira
lenta, mesmo sabendo perfeitamente as consequência que o cigarro
resultaria dali a uns anos.
Respirei fundo.
— Sabe, parei para pensar numa coisa — Nathaniel deixou
suas palavras se extraírem entre uma tragada e outra, chamando
nossa atenção. Eric estava quieto, apenas observava a conversa
atento, mas sem entrar de fato a fundo nela.
— O que? — indaguei, unindo as sobrancelhas.
— Você não revelou qual garota que vai levar ao baile —
Nathaniel me acusou de omitir esse detalhe.
Ele sabia bem quem era a garota, não precisava de pistas
para descobrir que eu levaria Hannah Peterson para a festa e não
podia descumprir a promessa.
— Isso, quem é ela? — Eric finalmente falou e para o meu
desespero não era algo que eu gostaria de responder.
Porra, ainda estava me preparando para esse momento,
prinpalmente porque sabia as regras sobre não pegar a irmã de um
amigo.
Poderia apanhar feio.
Então, tinha que agir como se nada estivesse acontecendo,
mas, na verdade, eu queria espalhar pelo mundo o quão louco eu
estava por Jane. Eu estava sentindo algo por uma garota e ela
sentia o mesmo por mim.
— Meus planos são de mostrá-la apenas no baile, amigão —
eu anunciei, lançando a bola na direção do Nathaniel, que sem
perder tempo a pegou no ar.
Era tudo que eu podia dizer naquele momento.
Faltava mais ou menos uma hora para o baile.
Eu ainda não estava pronto, tinha que comandar a oficina
antes de começar a me preparar. A minha sorte era que eu só
precisava terminar a troca de um carburador e aquilo não iria
demorar mais do que trinta minutos.
E só então poderia dizer adeus a este lugar.
Tudo que eu podia fazer era sonhar alto, já que não podia
dizer em voz alta que estaria me mandando daquela podridão com
minha garotinha. Daria a vida que ela realmente merecia sem temer
que a sua segurança fosse violada, por compartilhar o mesmo
ambiente que aquele filho da puta.
Por sinal, ele estava desaparecido desde o dia anterior. Bom, era
melhor ele longe do que em casa.
Só Deus sabia onde Alexander poderia estar, talvez em
algum lugar sustentando seus vícios ilícitos, mas o que me chamava
atenção era que ele tinha dinheiro, caso contrário, estaria no meu
pé, me obrigando a dar algo contra minha vontade.
A minha sorte foi que escondi toda a grana do Mustang,
restando na minha carteira apenas os trocados que surgiam na
oficina, a maioria era troca de remendo ou de óleo.
Depois de mais ou menos quinze minutos.
Quando desviei meu olhar sobre o relógio bem acima da
porta, que separava a oficina de casa, notei que estava atrasado.
Puta merda. Uma camada quente se formou ao redor do meu
estômago quando vi a hora passando em um piscar de olhos.
Estava atrasado.
Na verdade, muito atrasado.
Eu precisei correr para não perder ainda mais a hora, tinha
prometido para Hannah que não iria deixá-la na mão outra vez.
Podia sentir a testa úmida com o suor que se formava, enquanto me
dirigia até o andar de cima para ver Margô, sabia que em alguns
minutos Judy apareceria para pegá-la e levar para sua casa,
enquanto eu iria para o baile.
Lentamente, girei a maçaneta do seu quarto e fechei a porta
no segundo seguinte, encontrando-a dormindo.
Era somente assim que eu conseguia respirar melhor em
meio aos problemas da nossa vida, vê-la bem me fazia bem, e nada
mais importava. Apenas eu e ela, se o mundo desmoronasse sob
minha cabeça, sabia que Margô estaria ao meu lado até o fim.
— Tudo vai melhor depois de hoje, princesa — sussurrei,
vendo-a no seu berço.
Antes que eu pudesse pegar o dinheiro que deveria dar para
Judy, por aquela noite, fui até a porta e passei a chave pela
fechadura. Não podia deixar ela aberta em hipótese alguma, caso
contrário, seria pego. Quando vi que estava seguro, voltei para o
berço e o puxei para frente, sem acordar a bebê.
Havia um buraco lá atrás. Alexander não sabia que eu
guardava todo o meu dinheiro em uma caixa com coisas
importantes.
Ok, vamos lá...
Tirei o tijolo que cobria a parede e o coloquei ao meu lado. A
caixa estava ali.
Ufa!
Cuidadosamente, tirei ela lá de dentro, também deixando-a no chão.
Porém, quando a abri, meu coração acelerou.
— Não pode ser. Não pode ser. Não pode ser! — Eu quis
gritar quando vi que não tinha um único centavo dentro da caixa.
Nem mesmo um único dólar.
Em choque e medo, deixei a caixa cair no chão, levanto-me
rapidamente.
Meus dedos tremiam à medida que eu sentia o ar se
esvaziando do quarto.
Aqui não podia estar acontecendo.
Meu Deus, onde estava aquele dinheiro?
Não eram dez, cem ou quinhentos dólares.
Eram quase dois mil dólares que eu havia guardado por
meses.
— O que eu faço? — sussurrei para mim mesmo, perdido na
névoa que se formou naquele cômodo. — O que eu faço? — Passei
as mãos trêmulas pelo rosto na medida que eu sentia meus olhos
arderem.
Mais e mais perguntas surgiram nos meus pensamentos,
enquanto tentava descobrir o que podia ter acontecido, só entrava
naquela casa, Margô, Alexander e eu... espera.
Não consegui me mover.
Alexander.
— Filho da puta! — rosnei, no segundo em que ouvi garrafas
sendo quebradas no andar de baixo. Só podia ser isso.
Rapidamente, corri até a porta destrancando-a e fui para o cômodo
que ele poderia estar.
NÃO PODIA SER!
No segundo em que meus pés tocaram o começo da escada,
vi sua imagem sentada no sofá velho da nossa casa. Seu corpo
estava inclinado para a mesinha de centro. Eu não precisava ser
nenhum gênio para descobrir que Alexander estava cheirando
cocaína sobre.
Aquilo me deu mais raiva ainda.
Porque havia vários pinos de droga naquela mesa, mais do
que eu poderia contar no topo da escada. Com a ira me
consumindo, eu pisei fundo por cada degrau existente. Alexander
ouviu que eu estava descendo, porém, em nenhum momento, seu
olhar me procurou, apenas continuou cheirando toda aquela merda.
Naquele novo ângulo, podia ver as demais carreiras de
cocaína sobre a mesinha de centro. Foi então que ele me olhou pela
primeira vez no dia. Os olhos estavam vermelhos e eu não precisei
ficar tão próximo dele para notar suas pupilas dilatadas.
Havia uísque do mais caro que os dois mil dólares poderiam
comprar.
— Ei, garotão. Quer se juntar a mim? Tenho o suficiente para
nós dois! — Sorriu com a proposta que deslizava venenosamente
dos seus lábios, enquanto passava as mãos pelo nariz
esbranquiçado.
Eu quis vomitar com aquela cena.
Nunca havia sentido tanto nojo como estava sentindo
naquele segundo.
Filho da puta.
Eu queria matá-lo com minhas próprias mãos.
— Voce é doente, porra! Como arrumou dinheiro para tudo
isso? — rosnei, ressaltando que ele não tinha um tostão furado para
comprar ao menos um pino de droga.
— Eu encontrei, garoto. Às vezes, a sorte está do nosso lado,
e você precisa agarrar a oportunidade e fazer tudo que deseja. Cá
estou eu aqui, aproveitando tudo isso! — levantou o copo com a
bebida. — Você não deveria ter escondido toda essa grana do seu
velho aqui. — Balançou a cabeça como se estivesse decepcionado.
— Era meu! Eu trabalhei por ele!
— Não, filho da puta. A oficina é minha, então, tudo que sai
dela, consequentemente, é meu! — Me encarou de volta, mas,
naquele momento, em mim, só havia raiva.
Um aglomerado de sensações, enquanto ele passava a
língua pelos lábios e depois, abaixou a cabeça, cheirando mais do
pó branco. Quando seu rosto levantou outra vez o vi fungar,
balançando de um lado para o outro.
Por muitas vezes, eu quis entender o porquê de tudo aquilo.
Porque ele destruiu sua família.
Porque ele se rendeu tão fácil.
Mas só havia uma resposta.
Alexander James I era um filho da puta.
— O convite ainda está de pé, garoto. Acho que somente
assim você vai sentir o verdadeiro prazer da vida. Venha aqui e
aproveite com o seu velho. Siga o legado dos James, assim como o
seu pai. — Eu queria esfregar a cara dele naquela merda, até que
algo rompeu meus pensamentos.
Era isso.
Cuidadosamente me aproximei, ficando frente a frente dele.
— Não, somente você está fadado a cair nesse vício, porra.
Eu me recuso.
— Acha mesmo que sua vida vai ser diferente da minha? —
Ele riu, jogando a cabeça para trás.
Alexander tinha somente quarenta e quatro anos, mas
aparentava ser bem mais velho. As drogas e as bebidas
envelheceram meu genitor muito mal.
— Eu farei ser diferente.
Alexander gargalhou.
— Como? Você não tem nada de especial. Será a porra de
uma mecanicozinho de merda. Nunca vai conseguir ser mais que
isso. Acha que vai para faculdade no próximo semestre? Você não
vai, porra. É um inútil. A única coisa que sei, é que somos iguais,
queira você ou não acreditar. Até no péssimo gosto para mulheres.
Congelei.
— Todos sabem que a filha daquele vadiazinha sempre vem
aqui. Eu sei como é, no começo, vale a pena. Elas realmente são
gostosas, e por sinal, a garota lembra um pouco a mãe.
— Não fale dela, porra!
— Ciúmes? Não precisa disso, filhão.
— Cale a boca e me diga, cadê o resto do dinheiro? —
bradei, apertando a mandíbula.
— Está aqui bem diante de você. Olhe, é o paraíso! —
declarou, antes de cheirar outra fileira que ele havia feito.
Foi naquele segundo que o baque me preencheu.
Ele não fez isso.
Ele não torrou todo dinheiro.
— Vamos, experimente. Assim você relaxa um pouco... — A
voz carregada de álcool fez meu sangue esquentar ainda mais.
— CHEGA, PORRA! — Passei a mão pelos resquícios de
cocaína na mesinha, espalhando o restante da droga pelo ar.
Eu não queria ver mais aquele merda diante de mim,
enquanto eu sentia minha respiração acelerada pela reação rápida.
— Seu merdinha, olha o que você fez! — Se levantou, zonzo.
As drogas haviam fodido com a cabeça dele. Não restava
mais nada do Alexander de anos atrás e pior, eu não lembrava de
um único dia que ele tinha sido um bom pai. A única lembrança de
nós dois juntos, foi quando ele me ensinou a consertar meu primeiro
carro, não para ter um momento em família, mas sim, para ter
alguém que fizesse o seu trabalho.
Senti suas mãos empurrando meus ombros.
— Como sempre fazendo merda, porra! — Deu um soco no
meu rosto, quando pensei que viria outro, notei seu corpo
cambaleando para trás.
Os olhos vermelhos olharam para o chão, entretanto,
voltaram para mim. Vi o segundo em que seus joelhos cederam e
antes que eu pudesse contar, acompanhei o momento que ele caiu
no chão, convulsionando.
— Merda! — xinguei, me aproximando, todavia, parei no meio
do caminho.
Eu sabia o que estava acontecendo. Alexander estava tendo
mais uma overdose naquele ano, mas diferente das outras vezes,
eu não iria socorrê-lo.
Assisti cada segundo dele se sacudindo no chão e, em
seguida, vomitar em si mesmo. Era uma cena repugnante, que
ninguém no mundo merecia ver. As nuances escuras de Alexander
me imploraram por ajudar, entretanto, eu não fazia aquilo.
Não quando ele tinha fodido com a minha noite.
E então, eu lembrei dela. Hannah. Pelo horário, ela já estaria
me esperando no baile. Estava claro que eu havia perdido metade
do baile.
O que eu deveria fazer?
Meu peito doía enquanto meus olhos estavam sobre
Alexander, com os lábios esbranquiçados e as pupilas mais
dilatadas.
Respirei fundo, puxando as pernas dele, no momento em que
o vi vomitando no pouco que sobrou do carpete.
— Ah, porra! — rosnei, ainda puxando-o. Meus dedos
tremiam enquanto tentava colocá-lo em uma posição melhor. — Eu
te odeio tanto, seu filho da puta. — Queria ter descarregado tudo
que estava sentindo naquele momento, mas o pavor era o
sentimento que me dominava.

Não acreditava no que tinha feito.


Tinha chamado uma ambulância para Alexander.
E cá estávamos nós, na emergência, enquanto médicos
passavam por todos os lados.
Até que notei um rosto familiar.
Lilian Peterson vindo na minha direção.
Seus olhos visualizaram meu pai sobre a maca, enquanto eu
não sabia se ele ainda estava vivo. Com uma lufada de ar pesado,
vi ela checando os batimentos e em seguida, olhando para mim.
— Sinto muito, garoto. Ele já chegou sem vida — revelou,
rouca. — Em algumas horas o corpo dele vai ser liberado para a
funerária que você desejar. — Engoliu em seco, dando alguns para
trás.
— Espera, eu... meu Deus, não tenho como fazer isso.
— Isso o quê? — ela questionou. Senti vergonha de contar.
— Um funeral. Eu não tenho nada, Sra. Peterson. O que
tinha, há poucas horas ele pegou e… aqui estamos. — Minha voz
era amarga enquanto deixava nas entrelinhas o que havia
acontecido e, de repente, os olhos azuis dela deslizaram sobre
Margô em meus braços.
— Quem é ela?
— Minha irmã.
— Posso ajudar com isso — disse sem olhar para mim. —
Posso pagar o funeral... Posso dar uma vida melhor para você e
para ela agora. Imagino que não tenha mais ninguém além dele,
não é?
Havia a minha mãe, mas eu não podia considerar que ela
ainda estivesse viva.
— Não precisa se preocupar, eu posso lidar com as minhas
questões, senhora — constatei, encarando-a, enquanto apertava
mais o corpinho de Margô, que estava enrolado em uma manta
quentinha, contra o meu peito.
De repente, um sentimento enorme de proteção por ela
estava me atingindo, como se meu subconsciente me avisasse que
estávamos entrando em uma zona perigosa.
— Não seja orgulhoso, você acabou de me dizer que não tem
nada. Vai deixar essa criança passando necessidades?
— Eu... não, não irei deixar — sussurrei.
— Foi isso que pensei.
— Eu sei que tem um “porém” nisso, o que é? Ninguém em
sã consciência faria uma proposta dessa.
— Situações desesperadoras pedem propostas
desesperadas, criança. E como eu falei, a proposta está de pé e te
dou tudo que quiser. Um futuro melhor para a menina, um lugar
longe de ferramentas e graxa, mas quero que fique longe da minha
filha.
— O quê?
— Sim, isso mesmo ou você acha mesmo que, um dia, vai
conseguir ser alguém que poderá arcar com todos os luxos que a
Hannah merece? Você mal a conhece, querido. Hannah gosta de
sair a todo momento, gosta da vida boa que tem e eu nem preciso
dizer muito pelo seu gosto por homens. A maioria por quem ela se
desviou são todos filhos de empresários ou nomes requisitados. O
que acha, hein?
— Senhora Peterson...
— Pense na criança, querido. Um romance proibido não vai
colocar comida na mesa.
Aquilo foi como um soco.
— Seja prudente, é a única chance que estou lhe dando.
Dividido entre a mente e o coração, eu passei a única mão
livre pelo rosto.
A vida de Margô estava em jogo.
E lembrar sobre seu problema de saúde me deixava nervoso
ainda. A cada segundo que se passava, Lilian dizia algo que me
fazia acreditar que Hannah merecia o mundo, e eu nem em um
milhão de anos poderia dar tudo aquilo a ela.
— Eu aceito. — Dor se mantinha presente em cada palavra.
— Mas, tudo vai ser para Margô. Apenas para ela.
— Tudo bem, criança. Providenciarei tudo. Entretanto, quero
que acabe com tudo com a minha filha, hoje mesmo!
— Certo. — Assenti, sentindo o coração apertado.
Naquela noite, eu fiz a pior decisão da minha vida.
Os flashes de memórias surgiam como um soco no meu
estômago.
— Você prometeu! — Ela chorava para cacete.
— Eu não estava interessado em ir nessa merda. — Cada
palavra rasgava meu coração. — Acha mesmo que eu me
encaixaria nesse ciclo? Não, o meu lance é outro, Jane. Nunca
vamos dar certo.
— É sério isso?
— É apenas a verdade, somos completamente diferentes. Eu
percebi hoje. É irreal achar que a princesinha de Boston e o
mecânico repetente poderiam continuar se envolvendo? O mundo
não é cor de rosa, Jane. Todos os dias ele derruba um.
— Tudo o que tínhamos vai acabar assim?
— Nunca tivemos nada, de fato. — Senti um soco sendo
desferido no meu peito, com as minhas palavras soando.
— Você é um filha da puta!
— Eu sei.
— Eu esperei por você, James.
— Eu sei.
— Eu odeio tanto você agora.
— Eu sei, Jane.
— Sabe o pior?
— Não, mas me diga antes de ir.
— Eu acreditei fielmente em cada palavra.
Essas foram suas últimas palavras antes de me deixar para
trás, enquanto voltava para o carro chorando. Lilian estava lá dentro,
sabia que tinha permitido Hannah vir, apenas para que eu
concluísse o acordo.
Aquele foi definitivamente o pior dia da minha vida.
O começo do nosso declínio.
33 |

SEM SALVAÇÃO
Essa é para os solitários
Aqueles que sempre se perguntam para onde seus amigos
foram
O garoto que não consegue parar de chorar
A garota que desistiu de tentar
Lonely Ones | LOVA

Eu não consegui.
A realidade me acertou.
Eu não consegui acabar com tudo.
Fui impulsivo e sabia que teria consequências me esperando,
assim que a porta do quarto de hospital fosse aberta. Me forçava a
pensar que ainda éramos os mesmos de cinco anos atrás. Ela
continuava sendo a minha garota de mechas rosas e uma câmera
entre os dedos. Que ainda tínhamos momentos bons, onde ela me
abraçava como se eu fosse seu mundo.
Na minha cabeça, Jane ainda me amava e nunca me deixou
pensar o contrário.
Era tudo que eu queria acreditar.
Precisava dela.
Do seu amor.
Por que sem ela... eu estava sem salvação.
34 |

SEGUINDO MEU CAMINHO


Eu nunca precisei de você como preciso agora
Eu nunca te odiei como odeio agora
Porque tudo que você sempre faz é me fazer
Desisti de você umas 21 vezes
Senti aqueles lábios me contarem 21 mentiras
Você vai ser a minha morte
Make Me (Cry) (feat. Labrinth) | Noah Cyrus

Uma semana tinha se passado desde o evento beneficente


promovido pela minha mãe.
Uma semana que todos ao meu redor temiam falar algo
relacionado a Alex, entretanto, eu sabia o que tinha acontecido com
ele, no dia em que descobri todo acordo e mentiras.
Eram sete dias tentando fingir que não estava abalada
quando, na verdade, o mundo desabou sobre minha cabeça e me
deixou em pedaços. No fim, mesmo que não tivesse para onde
correr, queria achar uma solução para o resto que sobrou de mim.
Queria uma salvação mesmo não sendo digna de tal feito,
mas faziam dias que eu não conseguia acordar sem me desidratar
em lágrimas, quando pensava nele.
No seus olhos me encarando.
Na sua boca me beijando.
Na sua voz dizendo o quanto me amava.
No entanto, na calada da noite eu conseguia visualizar
perfeitamente Ethan expondo todo o seu passado, sem pensar nas
consequências. Não havia somente Alex naquela festa, estava toda
a cidade sendo palco do seu show. Ele sabia o quanto aquilo iria
nos arruinar.
Inspirei fundo, abraçando minhas pernas e apoiei o queixo
sobre os joelhos. Não conseguia raciocinar ou pensar em uma
maneira de como tocaria minha vida, a partir daquele momento.
Ainda me sentia desesperada, no meio do labirinto que se tornou
minha mente.
Cacete.
Estava tudo muito bom para ser verdade.
Alex e eu.
Felizes.
Juntos...
Uma parte de mim continuava com James. E pior, ele havia levado
mais do que da última vez. Talvez fosse por isso que eu sentia como
se um buraco tivesse sido aberto no meio do meu peito.
Algo estava faltando em mim.
Faltava ele.
Sempre restaria aquele espaço dentro de mim.
Batidas ecoaram pelo quarto, enquanto eram transferidas
sobre a porta.
— Entra.
A maçaneta girou, mostrando a imagem da minha mãe, era a
primeira vez que eu a via naquela semana, enquanto dormia na sua
casa.
Não tinha coragem de ir para o apartamento. Sabia que Alex
já estaria lá depois da tentativa de suicídio que ocasionou em uma
overdose.
Eu nunca tinha sentido algo parecido quando me contaram o
que ele havia feito, depois que saiu da festa de Lilian.
— Aconteceu algo? — franzi o cenho.
Minha mãe estava estranha.
— Ethan sofreu um acidente.
Cobri os lábios com a notícia, mas não me senti triste.
O acerto de contas chegava para todos.
— Está vivo?
— Sim, mas entre a vida e a morte na UTI. Possivelmente,
não vai mais poder andar. Não responde nenhum movimento do
pescoço para baixo.
Eu tinha entrado com uma medida protetiva, após uma
ocorrência que fiz dois dias depois do evento beneficente.
Finalmente consegui expor o que passei ao lado dele, por anos.
Mas como nem tudo era um mar de rosas, Ethan não foi detido por
informações insuficientes. No final das contas, era apenas a minha
palavra contra a dele.
— Como isso aconteceu?
— Ele estava dirigindo alcoolizado, depois que soube que os
seus bens tinham sido retirados dele. — mamãe contou.
Oscar sabia o que o filho havia me feito passar, sabia do
afronte que foi ao ter meu boletim de ocorrência invalidado e Ethan
ter rido da minha cara.
Tinha sido um inferno.
Com provas insuficientes, lembrei da câmera que havia no
estacionamento, mas Ethan estava um passo à frente e tinha
subornado o segurança, um dia depois do seu pedido de
casamento, para que ninguém soubesse a verdadeira índole de
Ethan Hinxton.
— Hannah?
— Oi, mãe.
— Sobre o acordo, eu omiti muitas coisas. Não foi
exatamente daquela forma. Eu o coagi para que ele aceitasse e
deixasse você seguir sua vida. — Lilian confessou, fazendo meus
olhos assistirem a cada ato.
— Mãe... — sussurrei.
— Eu sempre quis que, você e seus irmãos, tivessem a vida que eu
não tive. Precisei sacrificar muitas coisas para que vocês não
precisassem passar pelo mesmo que eu passei. — ela suspirou,
desviando o olhar do meu. — Eu confesso, engravidei do seu pai
pensando no meu futuro, era uma chance de segurá-lo. — Ela riu,
sem humor. — E deu certo. São quase vinte e cinco anos juntos,
Hannah. — Lilian respirou fundo. — Não estou aqui em busca de
redenção e perdão, apenas quero que saiba a verdade. Sei que vou
continuar sendo sua mãe, de qualquer forma.
— Você ama o meu pai?
— Aprendi a amá-lo com o passar dos anos e
companheirismo, é somente isso que você precisa saber. Às vezes,
o amor é só uma simples palavra, nem todos querem senti-lo
verdadeiramente. E está tudo bem. — me olhou uma última vez e
então, saiu do quarto.
Eu estava inerte com suas palavras.
Tentando raciocinar com tudo que ela havia dito.
O acidente de Ethan.
Os bens que foram tirados dele.
A verdade sobre a minha mãe.
E a verdade sobre… Alex.
Era irônico pensar que o garoto que era mestre em mentir
precisava apenas da verdade para libertar.
35 |

PERDENDO A SANIDADE
Mas isso não foi sua culpa, mas sim minha
Era seu coração na linha
Eu realmente fodi tudo dessa vez
Não foi, meu caro?
Little Lion Man | Mumford & Sons

— O que eu faço?
— Dê mais algum tempo para ela digerir toda essa
informação, Alex — Nathaniel suspirou, passando as mãos pelos
cabelos do filho.
Eu estava inquieto pra caramba.
Não conseguia respirar sem sentir todo meu corpo doendo,
tendo, nas próximas quarenta e oito horas, um jogo marcado. Era a
porra da final dos jogos universitários. O time tinha conseguido uma
chance para fazer acontecer o maior draft da história.
Depois da overdose que tive, precisei passar alguns dias
fora, me recuperando.
E pela ação divina, eu estava liberado para jogar na final.
Implorei para Hanks me permitir jogar. Mas para isso, foi exigido um
exame toxicológico e eu fiz. Não foram encontradas drogas no meu
sangue.
Aquilo foi uma dádiva, porque quase cogitei usar aquela
merda que guardei por cinco anos. Quando entrei naquela casa pela
primeira vez, após a morte do meu genitor, vi que tudo estava igual
como deixei. Havia pó espalhado por todos os lados, coisas
quebradas, pinos de cocaína intactos.
Desde o dia em que me mudei para o apartamento que
dividia com Eric e Nathaniel, não conseguia entrar mais lá. A todo
segundo uma memória surgia. E todas eram ruins.
Passei anos guardando a maior lembrança da minha
destruição.
A porra de um pino que eu nem sabia se era viável usar.
E a cada recaída dos meus pensamentos suicidas, eu sentia
vontade de experimentar o poder que aquela droga tinha e porque
Alexander sempre consumia, nas suas noites de farra, regada de
bebidas.
— Você acha que ela vai voltar? — sussurrei. — Ou se irá
assistir a final?
— Não, irmão. Hannah é imprevisível. Entretanto, torça para
que o seu coração duro amoleça, e ela venha ver a final.
Eu ri, girando um dos brinquedos de Aaron nas mãos.
Margô, Ellie e seu irmão brincavam juntos no canto da sala,
mesmo que a diferença de idade entre eles fosse grande, acabaram
se dando bem.
Minha irmã e Judy estavam passando os últimos dias em um
quarto de hóspedes, que não era usado no apartamento em que eu
morava. Eu podia ver Margô a todo momento agora, já que as aulas
haviam sido encerradas.
Faltava somente a final e a formatura para estar livre.
Tirando-me dos meus pensamentos, a campainha soou.
Nathaniel e eu nos entreolhamos.
— Isso?— Bufou, se levando.
Contraí o sorriso, girando o brinquedo novamente.
— Alex, é para você. — Meu coração errou uma batida.
Poderia ser ela?
Olhei para a porta, vendo duas pessoas entrando e
rapidamente, os identifiquei. Era Magnólia e seu marido, com o filho
nos braços.
Tinha chegado a hora, pensei olhando para minha irmã ainda
brincando. Ela não tinha notado a presença da mãe.
— Gô, pode vir aqui, por favor? — indaguei para a garotinha,
enquanto ela montava alguns blocos.
Os olhos castanhos inclinaram-se na minha direção e em
seguida, foram diretamente para Magnólia.
— Lili! — exclamou, não dando a mínima para mim.
Passei a mão pelo pescoço, esfregando a região, enquanto
sentia um incômodo crescendo no meu peito. Suspirei, vendo minha
irmã correndo para abraçar as pernas de Magnólia.
Ela ainda não conseguia pronunciar o nome da mãe, apenas
a chamava de Lili. Mas seria por pouco tempo, em breve, Margô
acabaria chamando Magnólia de mãe, porém, ela ainda não sabia
que aquela mulher, que a enchia de presentes, era sua verdadeira
mãe.
— Oi, princesa! — Magnólia a pegou nos braços, enquanto
Oscar sorria para ela, no momento em que seu olhar procurou o do
marido. — Tudo bem, Alex? — direcionou sua voz para mim, à
medida que eu me enfiava em um transe.
— Ah... tudo sim.
Porra, era inegável o quanto estava nervoso.
— Chegou a hora? — ela questionou.
— Chegou. — assenti. Magnólia suspirou, aliviada.
— O que chegou? — Margô perguntou, curiosa.
Respirei fundo, chamando para que eles se aproximassem.
Nathaniel havia se afastado e estava ao canto, brincando
com os bebês. Sentamos todos no sofá e deixei Margô no meio,
sentando na sua frente, na mesinha de centro.
— Você lembra quando perguntou sobre nossa mãe? —
peguei suas mãozinhas entre as minhas.
— Lembro. V-ocê, você disse que ela estava viajando —
notei sua gagueira, era normal para a sua idade.
— Sim, e sabe a boa? — decidi ir para um caminho mais
lúdico.
Margô tinha só seis anos, porra.
— O que? — seus olhos me encaravam com curiosidade e
ansiedade.
— Ela voltou! — exclamei. Os olhos grandes de Margô
ficaram ainda maiores, quando ela arregalou as íris. — Quer
conhecê-la? — instiguei, com cuidado. Ela ficou pensativa.
— Onde ela está? — perguntou baixinho, apertando seus
dedinhos em torno dos meus.
— Ali. — Inclinei o queixo na direção de Magnólia.
Margô virou o rosto lentamente para ela e então olhou para
mim novamente, com o cenho franzido.
— A Lili é minha mãe?
— Sim, querida. — Magnólia disparou nervosa, enquanto
minha irmã se mantinha sem reação, paralisada, olhando para mim.
Percebi seus olhos se encherem de água e, em um
movimento ágil, Margô se jogou em seu colo.
— Promete que não vai viajar de novo? — Margô pediu
baixinho, com os braços em volta do pescoço dela.
Porra! Aquilo era demais para mim.
— Eu prometo, meu amor. Prometo que nunca mais vou
deixar você! — Meu coração voltou a bater normalmente quando vi
que minha irmã não sofreria pela falta da mãe de novo.
Implorava para que ela nunca sentisse desejo de conhecer
seu genitor, ainda que estivesse morto.
Alexander James I não merecia amor.
Nem em vida, tampouco depois da sua morte.
36 |

JOGADA FINAL
Digo a mim mesma que eu não me importo muito
Mas eu sinto que estou morrendo até eu sentir o seu toque
Só o amor, só o amor pode machucar assim
Só o amor pode machucar assim
Deve ter sido um beijo mortal
Só o amor pode machucar assim
Only Love Can Hurt Like This | Paloma Faith

Faltavam exatamente sete minutos para o jogo começar.


Eu sabia que Hanks estava preocupado comigo, quando
entrasse naquele campo. Aliás, todos naquele vestiário
compartilhavam o mesmo sentimento de apreensão.
Respirei fundo, encarando o piso esbranquiçado.
— James e Peterson, venham aqui! — A inconfundível voz do
treinador soou pelas paredes do vestiário.
Olhei para Eric pela primeira vez desde que entramos. No
ônibus, que usamos para nos locomover até a universidade rival,
não tive força ou coragem para encarar meu melhor amigo.
Ainda morávamos no mesmo apartamento, mas aquela era a
única vez que nos encontrávamos desde a festa da sua mãe. Eric
sabia do que tinha acontecido comigo semana atrás e na minha
recuperação, só tive apoio de Nathaniel.
Ana e Stéfany seguiam ao lado de Hannah, por escolha
minha.
Não queria que eles se dessem ao trabalho de me ajudar a
colocar minha vida nos trilhos. O meu orgulho falava maior que
todos os outros sentimentos. Eu não merecia tê-los como meus
amigos.
Não depois de tudo que fiz. Ainda que por um bem maior.
Eu não deveria ter aceitado aquele acordo. Ele me fez passar
cinco anos longe da mulher que eu amava mais do que minha vida.
E agora, estava sem meus amigos, sem Hannah e quase sem um
futuro. Dependia somente daquela final ou tudo estaria arruinado
para sempre.
— Vamos, garotos. Não tenho todo tempo do mundo para
esperar a boa vontade de vocês! — Hanks persistia em alinhar
aquele time, por qual tanto lutou desde o começo do semestre.
Ainda éramos como seus filhos e, mesmo que brigássemos,
nos mandaria fazer as pazes.
Olhares dispararam sobre nós dois.
Claro que o time inteiro imaginava que algo sério havia
acontecido entre nós dois. Os hematomas dos socos de Eric ainda
estavam no meu rosto.
Meu corpo tremia enquanto me colocava de pé, até chegar
na frente de Hanks, fora do vestiário. Eric não lançou um único olhar
na minha direção, fazendo-me ficar ainda mais tenso com a
situação.
— Pois não, treinador? — falei primeiro.
O silêncio conseguiu ser cada vez mais tenebroso, enquanto
Hanks nos encarava.
— Sejam sinceros comigo — impôs. Respirei fundo, vendo o
olhar duro de Eric quando ousei olhá-lo outra vez. — O que está
acontecendo? Estamos a um passo de vencer o campeonato e
vocês decidem se desentender?
— Senhor Hanks... — murmurei.
Ele levantou a mão, fazendo-me parar de falar.
— Espere, James. Não vou me prolongar muito, temos
menos de cinco minutos e quero que usem esse tempo para ter uma
conversa franca, de homem para homem, e se resolverem. Caso
contrário, os dois não vão jogar a final.
Uni as sobrancelhas.
Ele não podia fazer isso.
— Mas que merda, treinador — Eric disparou primeiro, com o
semblante inconformado.
— Somos titulares, Hanks. Se não jogarmos, o time vai ficar
em desfalque — falei, passando as mãos no rosto.
Olhei para o cara que me considerava um dos seus melhores
amigos. Ele sabia o quanto a porra do jogo era importante para
ambos. Era o nosso sonho desde o colegial, e o quanto eu senti na
pele o que seria ficar sem o futebol na minha vida.
Ele seria tão egoísta ao ponto de foder com nossas vidas?
Eu sabia que tinha destruído nossa amizade, pelo que
aconteceu com sua irmã. E lembrar disso sempre seria uma tortura.
Eu ainda ouvia todas as palavras que foram ditas, o seu olhar, o
desprezo, a fúria... tudo.
Hanks simplesmente nos deu as costas, sem nos responder,
nos deixando a sós.
— Eu sei que você não vai começar isso porque é orgulhoso
pra caralho, então, vou dar o primeiro passo — declarei, baixinho. —
Eu sei que arruinei nossa amizade aceitando o acordo com a sua
mãe, mas, se pensa que gostei de seguir com ele, está enganado.
As circunstâncias me fizeram aceitar, Eric. Eu queria ter ido ao baile,
queria ter te dito que Hannah e eu estávamos juntos. Queria fazer
as coisas do jeito certo, porém, não me orgulhava da vida que eu
tinha. — respirei fundo. — Você nunca se perguntou porque eu não
gostava que fossem na minha casa, quando estávamos no colegial?
Estava tudo tão claro, tudo pelo ar, era somente necessário ler as
entrelinhas.
— Você deveria ter aberto o jogo conosco, James. Éramos os
seus amigos acima de tudo. — Éramos. A palavra piscou na minha
mente. Não éramos mais amigos? — Às vezes, o fardo pode ser
leve quando é dividido, sabe?
— Na prática, não é tão simples assim — contestei, cansado.
— É um tormento sem fim. Não é legal contar que eu apanhava
quase todos os dias porque tinha um pai alcoólatra e viciado em
drogas, que nunca me viu como filho, só como um saco de pancada.
Você nunca precisou fazer o possível e o impossível para garantir
que Hannah tivesse algo para comer. — apertei os olhos. — Não é
sobre isso que quero falar, é passado.
— Sinto muito, James.
— Queria que as coisas voltassem a ser como antes —
admiti.
— Ainda podemos.
— Como?
— Começando de onde paramos. — Ele finalmente me dirigiu
o olhar. — Sinto muito pelos socos. Eu admito que perdi o controle,
não deveria ter feito aquilo, mas você sabe, certo? Sempre vou
tomar as dores da Hannah, independente de tudo. Acredito
fielmente que você faria o mesmo pela sua garotinha.
Oh, ele sabia sobre Margô. Era melhor assim.
— Sem dúvidas, irmão. E eu sei, preciso pedir desculpas
para você também. Tenho consciência que vacilei. Amigos de novo,
então? — Coloquei minha mão entre nós dois.
— Amigos de novo. — Eric apertou, puxando-me em seguida
para um abraço.
Eu conseguia sentir meus ombros mais leves.
— Eric?
— Sim, Alex.
— Você faz parte do meu quebra-cabeças.
— Bem, você também faz parte do meu. Agora vamos,
precisamos ganhar essa final!
— Vamos.

Um... dois... três!


Corri para dentro do estádio, sendo recebido pelas duas
fileiras das líderes de torcidas com seus pompons balançando no ar.
Gritos eufóricos, misturados com música, soavam nos meus ouvidos
até o momento em que parei ao lado de Eric.
Os minutos seguintes foram apenas de apresentações das
meninas, e entre elas, estava Samantha Dawson, capitã da equipe.
Basicamente todos da universidade estavam ali no estádio
naquele momento.
Quando os dois times se juntaram no campo e a moeda foi lançada
para o alto, vimos a sorte ao nosso lado. Cada jogador estava
disposto a dar a vida por aquele jogo. E eu também.
Todos se colocaram em suas posições e quando a bola foi
lançada, não demorou mais do que cinco minutos para o primeiro
ponto dos Crows Blues Legs ser marcado no placar.
A cada segundo que passava eu dividia minha atenção para
a arquibancada, procurando por ela. Hannah Jane Peterson, a única
universitária que não tinha ido torcer.
Ana, Nathaniel e Sté estavam sentados em seus acentos,
torcendo por cada ponto feito. E, no final do segundo tempo, quando
estava sentindo o cansaço me abater, olhei por um segundo para a
arquibancada.
O inconfundível cabelo ruivo estava preso em um rabo de cavalo.
Hannah usava um vestido florido com uma jaqueta jeans por cima.
Dei um olhar para Eric, sabendo que ele também tinha visto
sua irmã no estádio. No entanto, permaneci ciente que não deveria
sair do jogo.
Era minha última chance.
E as arquibancadas estavam cheias de olheiros, analisando
cada jogador, em como cada um fazia seus passe, lances, o seu
modo defensivo. Tudo estava sendo acompanhado. E no segundo
em que chegamos no quarto e último tempo, a torcida vibrava
conosco. Hanks gritava algumas jogadas para nos auxiliar e as
meninas se mantinham como nossas torcedoras fiéis, em todos os
pontos.
Hannah se mostrava apreensiva com o jogo, ao contrário
dela, eu estava eufórico por ter seus olhos sobre mim, mesmo que
fosse por poucos segundos. Ela era o meu amuleto. Nunca deixou
de ser.
Por isso sua presença era importante.
— Um minuto! — Hanks gritou quando formamos a posição
inicial.
Bucker passou a bola para o nosso quarterback, que lançou
para Eric, enquanto eu corria o mais rápido possível para a
endzone. Era a minha chance, eu deveria pegar aquela bola.
Eu era o único dos Crows Blues Legs a estar na endzone.
Com um impulso nos pés, eu saltei, prendendo a bola nas
mãos.
PUTA MERDA!
O tempo acabou e eu consegui pegar a bola e jogá-la no
chão.
Vitória para a CBU.
Éramos os campeões!
— Porra! — gritei, cedendo ao cansaço e caindo de joelhos
no gramado, não demorou muito para o restante do time correr na
minha direção e gritar:
— Somos os campeões! Somos os campeões! Somos os
campeões! Somos os campeões! Somos os campeões!
Todavia, meu olhar estava nela, vibrando por mim da
arquibancada.
Eu sempre a encontraria.
Em qualquer lugar ou situação.
37 |

FORMATURA
E se eu estiver longe de casa?
(Oh, irmão, vou ouvir você chamar)
E se eu perder tudo?
(Oh, irmã, eu vou ajudá-la)
Oh, se o céu estivesse desmoronando, por você
Não há nada neste mundo que eu não faria
Hey Brother | Avicii

Eu tinha que ver os Crows Blues Legs se tornando


campeões.
E eu fui.
Vi o jogo arriscado que virou em tão pouco tempo, mas a
CBU estava indo bem. Porém, quando vi o último ponto ser marcado
e a vitória dos meninos se tornando real, eu fui embora.
Ainda não era hora.
— O processo de crescer, o processo de descobrir quem
somos, pode ser tão emocionante e recompensador, quanto o
processo de dominar alguma habilidade. O processo de expansão
da sua mente e seu coração, o processo de amadurecimento, o
processo de se sentir útil na sociedade, o processo de se apaixonar
– não há nada melhor do que essas experiências. E, como
graduados da Crows Blues University, vocês tiveram a oportunidade
de se expandir para abraçar todas essas coisas.
O discurso soava pelos meus ouvidos, mas não fazia a
mínima ideia do que se tratava. Minha mente e atenção estavam em
outra pessoa.
Alex não estava na formatura.
— Algo errado? — Eric indagou, confuso, enquanto eu
voltava meus olhos para ele.
O loiro, assim como eu, usava os trajes preto, azul e branco
da colação. As cores simbolizavam a universidade.
— Ah, nada demais. Acabei me distraindo… — menti,
sabendo que eu estava procurando por Alex.
Não havia nenhum sinal dele, e nenhum dos meus amigos
mencionaram seu nome. Era como se estivessem evitando colocar
Alexander como pauta.
Apertei minhas mãos uma na outra, enquanto chamavam o
nome das últimas pessoas. Em breve poderíamos ir para casa, no
entanto, a maioria esperava pela festa que aconteceria após a
formatura.
Meu nome já tinha sido excluído.
Festas era a última coisa que eu queria naquele momento.
Não estava animada.
Eu só conseguia pensar nas gravações de Alex.
Ele guardou a minha câmera antiga – a que quebrou no
colegial – por cinco anos. E lembrar dele a cada segundo, fazia meu
peito arder. Uma sensação que nunca havia sentido por outra
pessoa. Meu coração era dele, isso estava claro.
Alexander James II era, definitivamente, o homem que
moraria perpetuamente dentro do meu peito. Ele não precisaria
mover céus e terras para ocupar aquele lugar.
O amor tinha dessas de brincar com nossas ações, mas
como Alex disse uma vez, ele não fazia por mal.
— Ei, você quer sair daqui? — Sté indagou, tocando sua mão
sobre a minha.
— Quero. — Já tinha conseguido o diploma, ele já estava ao
meu lado então, não seria problema ir embora.
Eric, Sté, Ana e Nathaniel, com seus gêmeos, fizeram uma
troca de olhar rápida, anunciando que iríamos embora.
E assim fizemos.
Cada um se colocou de pé e saiu em uma fila única. Pelo
caminho eu fui me desfazendo da beca, abrindo cada botão, um por
um, até chegar no estacionamento. Naquele local podíamos ver o
tamanho da universidade, cada lugar me trouxe uma lembrança,
seja ela boa ou ruim, todas voltaram.
A biblioteca.
O vestiário masculino e feminino.
O estádio.
— Vamos, Hannah? — Eric indagou, com a porta do carro
aberta.
Stéfany já estava acomodada no banco da frente. Ana e
Nathaniel lutavam para colocar Ellie e Aaron nas cadeirinhas. Os
gêmeos estavam numa fase de teimosia difícil.
— Minha filha, você precisa usar o cinto! — Nathaniel
choramingou para Ellie, fazendo a bebezinha rir.
— Oh, Deus — Ana empurrou o marido para o lado com o
quadril, dando fim ao problema em menos de dois minutos. — Viu?
— Você é a melhor, abelhinha!
Ana revirou os olhos.
— Vamos logo, Nathaniel — resmungou ao fechar a porta
traseira.
Isso foi a minha deixa para entrar no carro e deixar que o
casal lidasse com os filhos.
Ri nasalmente.
— Vamos dar uma parada rápida no apartamento, tudo bem?
Stéfany quer trocar os sapatos — Eric explicou.
— Desculpa. — Sté sorriu, sem nenhuma vergonha.
— Eu avisei que eles deixariam seus pés doloridos. — meu
irmão resmungou.
— Eles eram lindos demais para não usar, Eric! — contestou,
enquanto tirava os saltos.
— Ah, sem problemas. Eu fico no carro. — Dei de ombros,
desviando minha atenção para os carros no estacionamento.
Ouvi Eric ligando o motor do veículo e em seguida, deu
partida. Nathaniel fez o mesmo e como seu Mustang estava em uma
vaga acessível, acabou passando mais rápido pelo portões.
Depois de vinte minutos, estávamos chegando no
apartamento.
— Ah, uma coisa que estava quase esquecendo. Achei isso
aqui. — Sté levantou um objeto para o máximo que podia. —
Consegue ver o que tem nela? Não sei mexer nessas câmeras. —
Indicou, entregando para mim.
— Chegamos! — Eric disparou, anunciando, mas meus olhos
estavam apenas na câmera digital. Ela levava a que ganhei do meu
pai quando era mais nova. — Não vamos demorar muito.
— Ah, ok! Vou esperar aqui... — falei sem tirar os olhos da
câmera.
Em um reflexo rápido, vi os quatro entrando no prédio e junto
com eles estavam os gêmeos. Respirei fundo, pegando a câmera
até que a imagem de Alex surgiu na telinha:
— Oi, Jane. Sei que fiz a maior burrada da minha vida com
você. — Alex deu uma pausa, abaixando a cabeça até encostar no
joelho dobrado. E antes que ele pudesse fazer todo o movimento, vi
sangue deslizando pelo seu nariz ainda que a sombra escura
dificultasse minha visão. Havia lágrimas se misturando com o
sangue. Medo nos seus olhos, e uma voz ainda mais trêmula a cada
palavra. — Não sei se vou conseguir passar de hoje, está doendo
tanto… É possível alguém sentir tudo isso? —Parou, respirando
fundo. — Preciso te contar tudo que aconteceu. Preciso dizer que
não fui aos nossos encontros porque quis, em todos eu tive motivos.
Ele parou, olhando para algo na sua mão.
— Eu tenho uma irmã de seis anos, uma das pessoas mais incríveis
do mundo. É difícil não se apaixonar por Margô, Jane. Às vezes, ela
nem parece ter a idade que tem, é durona, mas carrega um coração
tão puro. Ama os filmes das princesas da Disney, mas a sua
princesa favorita é a Anastasia Romanov. — Ele sorriu enquanto
falava sobre a irmã, e de repente, o sorriso se desfez. — Quando
Margô tinha alguns meses, descobri que ela tinha asma, as crises
eram mais frequentes quando era recém-nascida. — Sua respiração
estava acelerada. — A noite em que eu iria te levar ao parque, ele
teve uma crise forte, eu fiquei entre você e ela. Em meio ao
desespero, fui direto ao hospital. Eu deveria ter te contado, mas
meu medo falou mais alto. — Alex chorou ainda mais. — No dia do
drive-in, eu levei uma surra do meu pai. Você talvez deve lembrar
das minhas dores nas costas, nos jogos do colegial — disse,
baixinho.
Sim, eu lembrava.
Era comum ouvir Alex se queixando de dores musculares o
tempo inteiro. Ele dizia que era por conta do trabalho pesado na
oficina, e em outras, contava que era o peso de ser um grande
gostoso.
Essa era uma das características de Alex, havia sempre uma
piada ou zoação. Ninguém nunca imaginava que existia conflito no
seu lar.
— Ele me bateu tanto, Jane… Eu posso sentir a dor
novamente. Não consegui me levantar por horas… na mesma
semana, tive que faltar na apresentação de artes pela dor ser
insuportável, e com isso, soube que havia fraturado alguns ossos da
coluna.
Sua voz tremeu.
— Na noite do farol… porra. Naquela noite do farol, eu
imaginei como seria, praticamente sonhei com cada detalhe, sabe?
— Ele fungou. — Era pra ser o melhor encontro para compensar os
outros, eu diria que te amava e diria que você era minha, desde o
primeiro segundo que te vi. Porque foi exatamente isso que
aconteceu. Seria loucura demais repetir um ano na escola, só para
ficar na mesma turma de uma garota, que só viu apenas uma vez na
vida? Poderia, mas eu fiz isso, e faria outras vezes, se fosse
necessário, Jane. Assim como a sua câmera, acabei jogando a bola
propositalmente para ter sua atenção, sabe, foi difícil ganhar sua
confiança, Hannah. Entretanto, todo esforço valeu a pena.
Cada palavra eram como facadas no meu coração.
— No dia do nosso baile, eu tinha comprado um smoking
preto, que valeu uma nota, só para te impressionar. Também
comprei aquela pulseira horrorosa de flores, que sempre usam nos
filmes. — Jogou a cabeça para trás. — Queria ter feito tudo certo,
porque eu tinha condições, quando a venda do Mustang me rendeu
uma boa grana e que me garantiu uma oportunidade de fazer a
noite do nosso baile, ser a melhor de todas. Todavia, eu sonhei cedo
demais, não imaginava que meu pai tivesse encontrado o dinheiro e
gastado tudo com drogas e bebidas. Eu não tinha mais nada.
Estava zerado, e na mesma noite, ele acabou morrendo. Alexander
consumiu mais do que poderia aguentar, Jane. Ele morreu no
caminho para o hospital. Meu pai morreu me deixando com dívidas
do seu funeral. — Ele deu uma pausa. — Sua mãe estava no
hospital, ela quem me contou sobre a morte dele.
Minha mãe?
— Ela viu a oportunidade perfeita para fazer a proposta: Eu
pago tudo e dou uma vida melhor para sua irmã, mas antes, saia da
vida de Hannah. — Engoliu em seco. — Eu estava perdido, amor.
Eu não sabia como acordaria no dia seguinte, porque Margô berrava
de fome. Eu poderia aguentar um pouco, mas ela não sabia o que
era passar fome, Jane. Eu fiz o possível para que ela nunca
sentisse isso. — Alex estava rouco. — Então, eu sinto muito por ter
falado aquelas merdas, quando poderia ser a verdade. Sinto muito
por não ter lutado por nós. Eu não aguento ser odiado por você mais
uma vez. Não vou aguentar mais cinco anos, Jane. Eu não aguento
mais sentir essa dor, não só por você, mas por ser um peso na vida
das pessoas ao meu redor. — Um nó surgiu na minha garganta,
enquanto eu cobria os lábios.
Soluços saiam da minha boca, misturados com as lágrimas.
Meu Alex… não.
— Se, em algum momento, você acabar tendo acesso a essa
gravação saiba que eu te amei, Jane. Saiba que tudo que tive que
dizer eram mentiras. Queria ter confessado o meu amor por você,
cada segundo foi valioso. Você me fez feliz. Olhar para você pela
primeira vez foi um dia feliz. Obrigada por isso. Obrigado por ter
feito minha vida ser menos dolorosa.
A filmagem ficou escura.
Gritos soando no fundo, enquanto Alex chorava.
Balancei a cabeça de um lado para o outro, deixando a
câmera cair no meu colo.
Abaixei a cabeça deixando todo o choro sair.
Então, ouvi a porta do carro ser aberta e a familiar sensação
da presença do meu gêmeo ao meu lado.
— Por que não entra e resolve todas as pendências com o
Alex? — Eric perguntou, baixinho, vendo-me chorar. — Ele está lá
dentro, disposto a resolver as coisas.
Sim, já era hora.
38 |

TENTATIVAS ENCERRADAS
Você ainda me deixa nervoso quando você aparece
O frio na barriga volta quando estou perto de você
O tempo todo, a única verdade
É que tudo me lembra você
E eu sei que isso é errado
Que eu não consigo seguir em frente
Mas existe algo em você
This Town | Niall Horan

— E se ela não aparecer?


— Cale a boca, Alex. — Judy resmungou, sem paciência.
— Não acredito, James. Não sabe o trabalho que deu
inventar toda essa mentira para, no fim, você jogar energias
negativas? — Sté cruzou os braços, irritada.
As íris permaneciam cerradas na minha direção, quando viu
meu nervosismo ficando cada vez mais aparente. Conforme os
minutos iam correndo sem que percebêssemos, o ambiente parecia
esquentar, deixando minhas mãos suando.
Droga, acho que nunca fiquei tão nervoso como estava
naquele momento.
Tudo seguia da maneira que imaginei.
Havia um arco de luzes improvisadas, duas mesas com
bebidas e um mini buffet, que normalmente havia nos bailes de
formaturas de colegial. Mesmo que eu não tenha participado do
meu, a decoração ficou por conta de Ana e Stéfany. Judy acabou se
tornando a babá provisória das crianças, enquanto elas faziam todo
o trabalho.
Todos estavam à caráter com as roupas de gala.
Claro, tinham ido para a formatura prontos para a surpresa
que preparei para Hannah. Ela teria o seu baile de formatura. E
mesmo que ela não me perdoasse, faria o possível e o impossível
para dar a melhor noite de todas. Eu devia isso a ela.
E, àquela altura do campeonato, ela já teria assistido a
filmagem que fiz, na noite em que tudo desabou. Foi difícil me
convencer que seria uma boa ideia deixá-la ver o vídeo gravado na
sua câmera antiga, mas acabei cedendo. Queria que ela realmente
me conhecesse, até a minha versão podre.
— Ficou melhor do que eu imaginava — Ouvi a voz rouca de
Nathaniel surgindo.
— E aí, cara! — fiz um toque rápido com ele.
— Preparado?
Encolhi os ombros.
— Coloque um sorriso no rosto, irmão. Sua garota pode
entrar a qualquer momento.
— Ela aceitou vir? — perguntei, preocupado.
Nathaniel sorriu.
— Me fala o que não conseguimos fazer, Alex. — Seu sorriso
prepotente ficou ainda mais largo, fazendo-me revirar os olhos.
— Deixe-o em paz, Nathaniel — Ana alertou, aparecendo ao
seu lado segurando as mãos de Ellie e Aaron. — Pegue um,
querido.
— Quem está mais estressado? — Perguntou, se referindo
aos filhos. — Ouvi um deles chorando, mas estavam longe para
conseguir saber quem.
— Você ainda pergunta? — Ana inclinou o queixo para a
garotinha de cabelos pretos e olhos azuis.
Nathaniel se abaixou para pegar sua menina nos braços,
dizendo:
— Venha aqui, abelhinha rabugenta do papai! — Depositou
um beijo nas suas bochechas grandes. — O que aconteceu? —
perguntou para ela e logo tivemos uma chuva de balbucios irritados,
vindos da pequena. — Jura? — arregalou os olhos, como se tivesse
entendido tudo o que a filha tinha resmungando.
— Tudo isso por que não a deixei pegar as lâmpadas que
sobraram para enfiar na boca, você acredita? Imagine quando ela
estiver na pré-escola? — Ana disse, balançando a cabeça em
negação. — Vem, Aaron. Vamos com a mamãe procurar a tia
Hannah!
— Pelo visto, ela já está vindo... — murmurei.
— Boa sorte, Alex.
— Obrigado — Sorri e eles saíram de perto, com os gêmeos.
Respirei uma, duas, três vezes, até ver seu corpo se moldou
contra as luzes que as garotas tinham colocado. E lá estava ela,
usando um vestido longo, azul escuro. Eu podia ver nele as duas
faixas brilhantes, de um tom mais claro que envolvia suas curvas.
Os cabelos ruivos estavam soltos e com cachos nas pontas.
Antes que eu pudesse raciocinar, a voz de Freddie Mercury
soou nos meus ouvidos, cantando Love Of My Life.
Hannah estava paralisada na porta, com uma mão cobrindo
os lábios.
— Meu Deus, Alex... — sua voz era quase inaudível.
— Estava devendo para você esse baile há cinco anos, Jane.
Nada mais justo que ter um somente seu, não acha?
— Você não precisava ter feito tudo isso — disparou,
enquanto eu me aproximava para quebrar nossa distância. Sabia
que se dependesse de Hannah, ela ficaria bem ali a noite todinha.
— Vem, Jane.
Coloquei minha mão na sua frente e quando notei sua
demora para pegar, fiquei nervoso.
— Acha que isso chega aos pés do baile que você sonhou
em ir? — O verde dos seus olhos brilhavam na minha direção.
— Eu nunca fui em um...
— Ah, porra. Desculpa...
— Estou brincando, Alex. É de fato uma das melhores festas
que eu já estive... — sussurrou para mim, enquanto eu pensava em
deslizar uma das mãos pela sua cintura.
Tudo precisava ser do jeito Hannah.
— Posso? — Ela assentiu, me fazendo comemorar por
dentro.
Ouvimos Love Of My Life até o fim, enquanto a cabeça dela
estava na curvatura do meu pescoço.

Você se lembrará
Quando isso tudo acabar
E tudo se perder pelo caminho
Quando eu envelhecer
Eu estarei lá ao seu lado
Para te lembrar de como eu ainda te amo (eu ainda te amo)

Volte logo, volte logo


Por favor, devolva-me
Porque você não sabe
O que isso significa para mim (significa para mim)

Amor da minha vida


Amor da minha vida
Ooh, ooh

— Jane...
— Oi, Alex.
— Você me perdoa pelo o que eu fiz?
Eu queria sua verdade. E fazer tudo dar certo daquela vez,
era a minha nova missão.
Queria ser feliz por completo.
Queria o seu amor.
— Eu já te perdoei, querido. Há quase dez minutos atrás, no
carro do Eric, no tempo em que ouvi sua filmagem na minha
câmera. Bem ali, eu soube que seria impossível te odiar, Alex. —
sussurrou, calma e serena. — Não tem como não perdoar você.
Eu sorri.
Porra, eu só poderia estar sonhando.
Era a Nirvana em pessoa ver o sorriso da mulher que eu
amava, sendo lançado para mim. Os seus sorrisos, beijos, risadas e
choros eram todos meus.
— Jane... — Não conseguia mais evitar o meu peito ardendo,
enquanto a encarava.
Ela continuou olhando fixamente para mim.
— Pode falar, Alex. — Soprou, baixinho.
— Eu te amo — confessei, mesmo que os sinais estivessem
claros para nós dois.
Eu precisava dizer em voz alta.
— Ei, Alex — Hannah me chamou, causando um
desequilíbrio no meu coração.
— Oi, Jane.
— Eu te amo também — Meu coração ficou acelerado com a
notícia.
PUTA MERDA!
— Mesmo? — Não acreditava que tinha ouvido o que tanto
desejei por anos.
Eu não queria duvidar da sua palavra, mas gostaria de ouvir
mais vezes. Era surreal ouvir que a garota que eu amava sentia o
mesmo por mim, mesmo depois de tantas merdas que aconteceu na
minha vida.
O momento poderia ser melhor, se o meu celular não tivesse
atrapalhado tudo. Quando deslizei uma das mãos até os bolsos da
calça social e tirei o aparelho do bolso, meus olhos leram o nome do
treinador na tela.
Eu ia ignorar, mas Hannah me disse suavemente para
atender.
— Foi mal — sussurrei, atendendo a ligação.
— Eu espero que tenha uma caneta reservada, James — Ele
não me deu tempo para me preparar.
Caneta?
— Como assim, treinador? — Compartilhei minha dúvida.
— Digamos que você vai precisar assinar um contrato. Então,
separe duas, quero você e Peterson amanhã no meu escritório! Três
dos times mais cobiçados da NFL querem vocês dois.
Pu-ta-mer-da!
Paralisei.
— Eu… Meu Deus, obrigado, treinador Hanks. Estaremos aí!
A chama que estava quase se apagando meu peito havia
voltado a fumegar. Íamos ser um dos nomes mais falados do
mundo.
— O que aconteceu? — Hannah perguntou.
— Você está olhando para o homem que te dará o mundo,
Jane-Gatinha.
— Wow, que ligação foi essa, hein? Você não estava assim
dois minutos atrás.
— Bem, é porque dois minutos atrás eu não sabia que tinha
três times profissionais que querem me contratar! Aliás, Eric e eu!
— Ai, meu Deus! — Hannah gritou, pulando nos meus
braços. — Parabéns! Parabéns! Pessoal, venham aqui! — A sua
empolgação se tornou a minha, enquanto meus amigos chegavam.
— Vocês não vão acreditar.
Todos uniram as sobrancelhas.
— Alex e Eric vão entrar em um time profissional!
Surpresa encheu os olhos de todos.
Foi naquele momento que eu soube que tinha os melhores
amigos do mundo inteiro.
Que vibravam a cada conquista.
Que, independente da situação, estavam comigo.
Éramos peças que se completavam de um quebra-
cabeças.
Após terem seus amores em jogo.
EPÍLOGO

Você não é algo para admirar?


Porque o seu brilho é algo como um espelho
E eu não posso deixar de reparar
Que você reflete neste meu coração
Se você um dia se sentir sozinha e
A luz intensa tornar difícil me encontrar
Saiba apenas que eu estou sempre
Paralelamente do outro lado
Mirrors | Justin Timberlake

DOIS ANOS DEPOIS

— Pelo poder investido em mim, eu vos declaro marido e


mulher. Pode beijar a noiva! — Hannah sorriu para mim largamente,
era possível visualizar os brilho resplandecendo nos seus olhos,
vestida de noiva.
Eu não esperei mais nenhum segundo para beijá-la, tendo-a
finalmente como minha esposa, depois de oito anos.
Se contasse com o semestre que eu repeti para ficar na
mesma turma que ela.
Jane era oficialmente minha, em todos os sentidos, minha
para amar, proteger e cuidar. Naquele momento, enquanto minha
mãos deslizavam por suas bochecha e aproximei meu rosto do seu,
ela sussurrou:
— Eu preciso de você com urgência, amor... — Merda, foi
meu fim.
Decepei a distância entre nossos rostos colando minha boca
na sua, logo seus lábios me deram passagem para deslizar a língua
com facilidade, enquanto arqueava seu corpo para trás, sentindo
sua coxa apoiada no meu quadril.
Gritos eufóricos ecoaram, enquanto eu beijava minha esposa
como se não houvesse mais ninguém naquela igreja, somente nós
dois.
— Eu te amo, Jane — sussurrei contra seus lábios.
— Eu te amo, Alex. — Depositou um beijo rápido. — Acho
que precisamos guardar esses beijos para nossa lua de mel, amor
— provocou, murmurando contra o lóbulo da minha orelha, à
medida que entrelaçou os braços ao redor do meu pescoço.
— Ah, querida. Eu não vejo a hora desse momento chegar...
Vamos, Senhora James? — indaguei, me perdendo no esverdeado
claro dos seus olhos.
Nunca deixaria de admirar seu olhar. Seria uma das obras
mais fascinantes que alguém poderia ser capaz de admirar, se eles
fossem pintados. Eu compraria todos os quadros, estariam em cada
espaço da minha casa.
— Vamos! — Abriu um sorriso, respirando fundo.
Era a realização de um sonho, que o Alex de dezoito anos
jamais pensou que iria conseguir, quando viu a menina de cabelos
rosas pelos corredores daquele colégio e não imaginou que faria
loucuras por ela, até te-la de fato como sua, usando a porra do
mesmo sobrenome e tendo a chance de pôr um anel que ela
merecia no dedo.
Após quase dois anos na liga profissional, eu consegui ter
dinheiro o suficiente para dar o anel de noivado que sempre quis a
ela. Hannah dizia que não importava quantos diamantes a joia
poderia ter, acabaria sendo importante se não houvesse nenhum, do
mesmo jeito. Porque seria algo que eu tinha preparado para ela.
Todavia, essa tinha sido a minha motivação. Não parei até
encontrar os diamantes que sonhei em colocar no dedo dela.
E ali estavam, mesmo que a ganância não fizesse parte de
mim, queria dar sempre o melhor para a minha Jane. Ela merecia.
Podia dizer que consegui.
Enquanto passávamos pelo corredor da igreja, pequenos
grãos de arroz foram jogados sobre nossas cabeças, ao mesmo
tempo em que ouvimos um coro celebrando nossa união.
— Viva os noivos! — Ana, Nathaniel, Stéfany e Eric
exclamaram.
Ao lado deles estavam Aaron e Ellie, que completaram três
anos. No mesmo banco, ainda podia ver Judy ao lado do namorado,
Margô com sete anos e Dean, o primo de Stéfany, com oito anos.
Mais a frente estava a minha mãe com Cole, meu irmão mais
novo, e Oscar jogando os grãos. Do lado esquerdo se encontravam
os pais de Hannah, batendo palmas e sorrindo em nossa direção.
Eles ainda estavam juntos, e acho que nunca iriam se separar,
morreriam e ainda estariam casados. Na mesma fileira podia ver
Mason, o caçula dos Peterson, seguindo os mesmo movimentos
que o resto dos convidados.
Havia uma garota ao seu lado.
A namorada com quem ele estava em um relacionamento
sério já fazia mais ou menos seis meses. Nora era a primeira garota
com quem Mason namorava, depois de Stacy, e depois de anos,
tomou um pouco de vergonha na cara. Não era cem por cento a
melhor pessoa do mundo, e na maioria das vezes, ainda tinha seu
espírito provocativo.
Certas coisas nunca mudariam.
Mas, independentemente disso, eu estava feliz para cecete,
compartilhando um momento mágico com a mulher que eu amava
desde que era um fedelho sem experiências e todas as pessoas que
mais importavam para mim, estavam felizes tanto quanto eu.
Apenas queria viver cada segundo daquele sonho.
Trilhamos um caminho tortuoso até finalmente encontrar
nosso Nirvana. Passamos por uma espera de dois anos até
finalmente nos casar, talvez se não tivesse todos os empecilhos não
íamos ter história que tínhamos para contar aos meus netos,
quando eu me tornasse um velho gostoso.
— Pronta para viver um novo ciclo ao meu lado, Jane? —
perguntei baixinho e respirei fundo, circulando minhas mãos ao
redor da sua cintura.
— Estou pronta para tudo, meu amor. Mas... você está pronto
para viver algo maior neste ciclo?
Uni as sobrancelhas.
Maior?
Eu ainda era bom em números.
Era só mandar que eu resolveria a questão em dois
segundos, mas charadas não eram meu forte.
— O que... — Parei de falar, descendo meu olhar sobre suas
mãos, que acariciavam a barriga ainda sem sinal de nada.
— Você quer ir ao banheiro, é isso, Jane-Gatinha? — zombei,
engolindo a risada.
Porra, não podia perder a oportunidade. Seria um grande
vacilo como alívio cômico.
— Só pode estar brincando com a minha cara. A gente
acabou de casar, Alexander.
— Me desculpe, Jane. — Segurei a curva do seu pescoço
pronto para beijar sua bochecha, entretanto, minha amada noiva
virou o rosto.
Linda pra caralho!
Os cabelos ainda estavam ruivos, e Hannah tinha gostado da
cor, porém, não sabia por quanto tempo ela iria manter a coloração.
Virei o rosto observando a mulher mais linda que eu já vi
muito inteiro e que tinha os olhos brilhantes virados para mim.
— Eu te amo, Jane. Poderia até fazer uma declaração
envolvendo matemática, mas não sei nenhuma...
A única coisa que eu sabia era que estava ficando irritado
com esse lance de jogar arroz na minha cabeça. Havia arroz em
todos os lugares possível.
Hannah revirou os olhos.
— Não me ama mais?
— Te amo, Alex. Eu e o bebê te amamos. — Uni as
sobrancelhas.
— Que bebê? — Ainda mantinha as íris cerradas, até que um
estalo aconteceu na minha cabeça. — Espera! — Arregalei os
olhos. — VAMOS TER UM BEBÊ? — Foi naquele segundo que a
chuva de arroz foi revogada, dando lugar às palmas dos nossos
convidados.
— Parabéns aos noivos! — Meus amigos fizeram um coro
improvisado.
Ainda estava extasiado pela notícia quando levei o corpo da
minha esposa para o alto. Um sorriso absorveu a tensão que
acampava seu nervosismo.
Porra, eu ia ser pai!
Stéfany e Ana abraçaram Jane, enquanto Eric e Nathaniel me
parabenizaram.
— Pronta para nossa lua de mel? — Não íamos fazer festa,
partiríamos para nossa viagem direito do casamento.
— Pronta! — Em uma rápida despedida, todos os nossos
amigos nos desejaram uma boa viagem, enquanto nos
aproximávamos do carro com nossas malas. Mas então, algo nos
impediu.
Margô se aproximou, usando seu vestido branco rodado com
alguns babados. Os cabelos estavam maiores, e alguns dentes
faltavam na sua boa.
— Você vai voltar, não é? — perguntou, fazendo-me tirar seu
corpo do chão.
— É claro que vou, Gô. Sempre irei voltar para você! —
contei como se fosse um segredo que nem mesmo minha esposa
pudesse saber. — Se comporte, ok?
— Ok! — Sorriu, circulando seus braços ao redor do meu
pescoço com toda força que podia existir nos seus braços
pequenos. — Tchau, irmãozão — falou, baixinho.
— Tchau, irmãzinha. — Beijei sua bochecha e em seguida, a
coloquei no chão.
Dei um último olhar para meus amigos e o restante das
nossas famílias.
Tínhamos nos tornado um único laço.
Mesmo depois de muitas guerras.
Hannah e eu acenamos antes de entrar no carro e depois de
me acomodar, olhei nos seus olhos e falei com as palavras mais
sinceras que podiam existir no mundo.
— Obrigada, Jane.
Ela sorriu em dúvida.
— Por que está me agradecendo, amor?
— Por me deixar construir uma família ao seu lado.
— Ah, Alex. Já temos uma família há anos. Ela está apenas
ganhando mais integrantes — sussurrou em resposta. — Você está
pronto para recebê-lo e dar amor a uma versão nossa, em
miniatura?
— Estou, mas espero que seja uma menina. Eu imagino que
ela tenha os seus olhos, cabelos loiros e o seu sorriso… — contei,
imaginando o bebê em meus braços com as íris idênticas as de
Hannah.
— E se for um menino? — uniu as sobrancelhas.
— O mesmo — sorri.
— Amor, e o que eles teriam de você? Até agora, você só
citou algo meu. — Hannah parecia incrédula com minhas palavras.
— Gosto de imaginá-los idênticos a você. Eles seriam lindos
e saudáveis, como a mãe deles. — meu sorriso aumentou. Na
minha cabeça, se eles puxassem algo meu, lembraria meu pai
também. — Não poderia estar mais feliz tendo isso. Aliás, em
quantos meses vou poder ter ele nos meus braços?
— Em seis meses, amor.
E em seis meses, Declan chegou.
Nosso garoto risonho.
Declan tinha os meus olhos e cabelos castanhos claros,
bochechas grandes e pernas muito agitadas. Ao completar sete
meses de vida, descobrimos que ele gostava do mar mais do que
qualquer coisa, quando viajamos para Miami em um dos meus jogos
da NFL.
Sabíamos que, daquele dia em diante, nosso garoto não iria
querer ficar longe das águas salgadas.
— Jane, preciso te contar algo — sussurrei, passando a mão
na sua barriga de oito meses, enquanto ela se mantinha deitada de
lado na toalha, para pegar um pouco de sol.
Hannah dizia que aquela era a única posição que o final da
gravidez permitia.
Eu faria qualquer coisa para que ela pudesse ficar mais
confortável. Entretanto, seria por pouco tempo. Logo nossa Grace
chegaria para completar a família.
— O que você quer contar?
— Hoje é um dia feliz, Jane. Aliás, você conseguiu fazer com
que todos os meus dias ao seu lado se tornassem felizes. Obrigado
por isso. Obrigada por me amar e permitir que eu pudesse retribuir o
seu amor. Eu te amo. — Beijei seus lábios.
— Eu te amo! — sussurrou, me dando seu lindo sorriso.

FIM.
NOTA DA AUTORA: PARTE II

Desde o começo do processo de escrita, eu soube que


deveria fazer isso: uma segunda nota de autora.
Porque era realmente necessário falar mais um pouco sobre
minha experiência com essa série.
Vocês já devem estar cansados de ler isso, mas é algo que
eu me sinto bem depositando em cada verso deste livro.
São os meus sentimentos.
Aqueles que não posso expressar em voz alta, porque sou
tímida demais para contar para o mundo real, e é nessas páginas
que você lê o que eu sinto sendo eu mesma. A April Jones. Uma
escritora que nasceu em meados de 2020 e se viu sozinha, sem
amigos. E que quase morreu.
A pessoa, antes da April existir, estava completamente
sozinha.
Entrou em uma fase ruim da vida, podemos dizer que
desenvolveu depressão aos dezesseis anos. Ela não tinha
motivação, não tinha vontade de mandar um mero “oi” para as
pessoas que sempre via pela manhã, quando ia à escola, antes da
pandemia chegar.
Viu que não se encaixava mais naquele ciclo e de uma hora
para outra, percebeu que se afastar era a melhor solução.
Às vezes, em alguns momentos você vai precisar ser um Alex
sem perceber o quão é importante, mesmo que doa. Foi nesse
universo que eu me encontrei e ainda estou me descobrindo. É
sinistro, eu sei.
Um dia você é um nada e no outro, está finalizando mais um
livro, quando sempre pensou que não tinha jeito com palavras, mas
há anos amava escrever cartinhas que nunca foram correspondidas.
Talvez você não tenha percebido, mas as formas de
demonstrações de amor dos meus personagens são diversos meio
de comunicação. Nathaniel escreveu cartas depois que eu prometi a
mim mesmo que nunca mais escreveria uma. Eric deixou centenas
de ligações para Stéfany e meu maioral... Alexander James II, que
se tornou um dos meus mocinhos quebrados favoritos, gravou
várias fitas para a garota que ele amava, desde os dezoito anos.
Entretanto, não era sobre isso que eu queria escrever desde
o início.
Eu queria contar como foi minha trajetória até aqui, até
Shattered Souls.
É, chegamos ao fim.
Ao fim de uma história que me marcou por ter sido escrita em
uma transição de cidade, de uma hora para outra na minha vida…
Eu me senti na pele da Ana, quando chegou em Boston, uma cidade
não tão longe da famosa Filadélfia.
A vida imitou a arte.
Eu saí da minha cidade para fazer faculdade longe de casa,
do lar que pensei que acabaria vivendo uma vida toda. Um lugar
pacato, onde carregava minhas maiores lembranças felizes e
dolorosas, minhas mágoas e paixões, amores mal resolvidos,
pessoas que jurei levar para vida, mas hoje não troco uma única
palavra.
Acabei virando uma personagem que criei sem muita
pretensão, estava em um lugar que não conhecia, estudando em
uma faculdade com um total de zero amigos.
Havia somente um sonho.
Um recomeço.
Todavia, me trouxe alguns problemas. Eu estava em um lugar
novo, mas escrevendo um livro que, na época, era Sublime Deal.
Quando comecei a escrever Shattered Souls já tinha as rédeas
quase sob controle. Até que lembrei o que abordaria em SS, eu iria
escrever sobre irmãos mais novos que não moram juntos.
Aquilo começou a doer dentro de mim.
E lembrar disso me faz chorar, porque eu estava e estou
passando por isso. Deixei meus dois irmãos, uma menina de oito e
um menino de seis anos. Todos os dias eu recebia áudios do tipo
“quando você vai voltar?” e, embora minha mente quisesse dizer
que nunca, meu coração se apertava por não ter respostas para dar
a eles.
Eu não queria voltar para a minha cidade natal, eu queria
realmente viver. Houve um episódio que mais me doeu e eu precisei
colocar no livro, com um contexto parecido, onde a Margô conta que
a melhor lembrança dela, era quando o Alex estava ao seu lado.
Minha irmã fez isso, disse que a maior saudade dela era
quando morávamos juntas. Lembro como se fosse exatamente
agora, minha mãe me encaminhando o áudio, onde a professora
dela conta o que minha irmã disse.
Uma lágrima traiçoeira desceu no mesmo instante, porque foi
doloroso ouvir aquilo.
Com isso, todos os momentos que passei escrevendo de
Alex e Margô juntos, eu lembrava de algo que tinha acontecido
comigo. Ou quando eu estava em call com Annie, e a irmã dela
surgia entre as chamadas e perguntava sobre a minha irmã.
Elas eram melhores amigas, diga-se de passagem, e só
conversaram duas vezes, enquanto jogavam Roblox.
Isso é uma carta aberta, que talvez não haja sempre que eu
termine um livro. Apenas senti que deveria escrever isso, e contar
como foi tudo o que eu senti. Passei o mês de agosto com o
coração nervoso, pensando que não conseguiria entregar esse livro
em setembro, como estava combinado, porque me senti inútil por ter
perdido meu prazo.
Era o meu dever.
Foram noites sem dormir para entregar o melhor.
A faculdade me deixando exausta e quase nunca podendo
pegar o notebook para escrever.
Uma viagem marcada para um evento que eu sempre sonhei
em ir: a tão famigerada Bienal do Livro, no Rio de Janeiro.
Foram um aglomerado de situações que me fizeram ter
crises, mas agora posso dizer:
Eu venci.
A guerra acabou.
E a trilogia está finalizada.
Vocês acabaram conhecendo várias partes minhas, que
nunca imaginei que pudesse existir.
Eu fui uma Ana em uma cidade nova. Carrego até hoje uma
relação conturbada com meu pai, mas eu me sinto uma idiota por
amar e odiar ele ao mesmo tempo, saibam que vocês não precisam
se culparem por sentirem o mesmo.
Fui um Eric, por ser duro demais consigo mesmo, e você não
é um monstro por não controlar seus sentimentos.

Acabei sendo Sté e Nathaniel, quando tudo que eu mais


queria era o amor do pai e que ele estivesse presente em meus
melhores momentos e não fosse a pessoa mais ruim que conheci na
vida.
Fui Alex, quando pensei que nunca me encaixava no ciclo de
amizades que entrava, mas encontrei o trio do Cano (vocês são
parte do meu quebra-cabeça).
Por fim, não menos importante, eu não posso deixar de dizer
que fui mais Hannah do que ela mesmo, cada um de nós tem um
traço dela, querendo ou não.
Hannah era uma das minhas meninas mais complexas, que
sempre estava ali para todos, mas achava que seus problemas não
eram tão importantes para serem compartilhados, e, do fundo do
meu coração, eu espero que, assim como ela, eu possa evoluir.
É bom ter uma madrugada de terapia com suas melhores
amigas.
Você sente um por cento da sua dor se extraindo, e quando
vê, não dói mais tanto.
Não precisa ter medo de sorrir.
Não precisa ser a melhor em tudo.
Você não precisa implorar por atenção.
Você já é o centro do universo e nem percebe o poder que
tem.
Seja você mesmo.
Estamos todos aprendendo, mesmo que a passos de bebês.
É isso.
Não é um adeus, é um te vejo em uma nova história.
AGRADECIMENTOS

Após choros, crises e gritaria interna... chegamos aos nossos


maravilhosos Agradecimentos.
O primeiro agradecimento vai para o meu Deus, Todo
Poderoso, que me deu forças e um belo tapa na cara, para criar
vergonha e ir escrever. Sem Ele, esse livro não teria sido finalizado.
Como já disse, foram noites sem dormir, medo me tomando a cada
segundo, mas eu tive Alguém para segurar minha mão e não me
deixar falhar. Obrigada, Deus!
Depois, quero agradecer à L. Júpiter, por ter passado aquelas
noites e madrugadas comigo, me apoiando, me ajudando no que eu
precisasse. Você é um anjo na minha vida, e por mais que seja
ignorante pra cacete, eu amo você com todo meu coração. Obrigada
por ser minha parceira nos sprints, principalmente aqueles que a
gente conversava mais do que escrevia, de fato (Annie, pule essa
parte). Foram momentos maravilhosos, obrigada por ser a garota a
dar um tapa virtual, todos os dias, e ser a responsável por me fazer
rir das figurinhas que eu acabo fazendo suas. Garota, você é um
meme ambulante. Agradeço demais a Deus por ele ter te colocado
na minha vida, asteca. Incrível como temos tantas coisas em
comum, e por mais que brigamos todos os dias, novamente volto a
dizer: eu te amo. E outra coisa: DEVOLVE MEU ADM DO GRUPO,
SUA CACHORRA. Beijos <3
Agradeço à Annie Belmont, por estar comigo em mais um
agradecimento e por me aguentar todo esse tempo, são
basicamente dois ou três anos? Não sei, somos de humanas, né?
Cálculos não são nosso forte, mas o Cano serve bem para servir
sempre, quando se trata de ser O Cano. E sabe o que é engraçado?
Você está nesse meu mundo louco há tanto tempo, que é difícil
acreditar que você ficou e se tornou uma das minhas melhores
amigas, e em alguns dias, vamos ter as criadoras de AEJ e SV
juntas. Estou torcendo para que seja único, porque foi eles que nos
uniram. Agradeço também a Deus por termos um elo surreal e, às
vezes, é até engraçado como nossas mentes trabalham em sintonia.
Nossos gêmeos que o diga. Foi apenas uma coincidência de
avatares iguais, mas foi o suficiente para duas loucas, às 1h da
manhã, estarem escrevendo um crossover. Nenhuma das duas
conhecia a escrita uma da outra, estávamos em processos
diferentes, mas ouvimos nossas leitoras e criamos um dos maiores
esquemas de pirâmide (e puxamos a Júpiter para isso também
HAHAHA). Te amo, sereia. Obrigada pelos melhores oito dias com
você, no seu país RJ!!
Um adentro especial para agradecer ao Grupo do Cano, ele
sempre vai ter um agradecimento apenas seu, em praticamente
todos os meus livros. Esse grupo (que, na verdade, é composto por
três autoras movidas a base de energético: Annie, Júpiter e eu) se
tornou a melhor parte do meu dia. Nossos sprints que, às vezes, se
tornam terapias da madrugada, fizeram meus dias melhores. Vocês
se tornam essenciais para minha vida. Me tiram as melhores risadas
sinceras, animam meu dia. O cano se tornou meu melhor ciclo de
amizade. Somos como um elo, uma equipe, e talvez mais que isso,
o Cano é facilmente definido como o meu quebra-cabeça. Obrigada
por me mostrarem o sinônimo de amizade de verdade e por me
ouvirem, quando ninguém mais me ouviu. Amo vocês, minhas
meninas.
Agradeço ao meu grupo de betas, é a primeira vez que posso
dizer: achei as melhores pessoas para trabalhar, nesse processo
caótico que é escrever um livro. Vocês foram essenciais, obrigada a
todos vocês por cada conselho, feedbacks, macetadas duras e todo
aprendizado que foi ter vocês na minha equipe, acredito que sem
vocês Shattered Souls não seria tão incrível como ficou.
Um agradecimento especial para as minhas parceiras que
estavam a todo vapor, criando conteúdo, vídeos, e fazendo tantas
pessoas conhecerem meus filhotes. Obrigada por todo carinho
depositado nessa parceria. Obrigada por terem embarcado nesse
lançamento e dado o melhor de si em cada post, vídeo... em TUDO!
Vocês são as melhores, espero tê-las novamente comigo e na
loucura que é cada lançamento meu :)
Agradeço à Pigmalateia, por ter feito parte da Leitura Crítica e
Revisão desse livro.
Todas vocês foram impecáveis em tudo! Obrigada por terem
me ajudado a lapidar essa história com a maior dedicação, sem isso
SS não seria o mesmo.

Obrigada!
MINHAS OBRAS:
FOREVER YOU - LIVRO UM (AMORES EM JOGO)

Ela é caloura da universidade.

Ele é o quarterback bad boy.

Ela o odeia há anos.


Ele ainda a ama mesmo sabendo que é impossível reconquistá-la.

Uma festa de máscaras.

Um beijo.

Um segredo.

Ana Lawrence buscava um recomeço ao se mudar para Boston,


mas mal sabia que lá estava um dos segredos do seu passado que
ela menos esperava encontrar: Nathaniel Sullivan.

O causador da sua ruína anos atrás.

Ambos opostos. Intensos. Imperfeitos.

Um lembrete fatal.
SUBLIME DEAL - LIVRO DOIS (AMORES EM JOGO)

ENEMIES TO LOVERS - FAKE DATING - CONVIVENCIA


FORÇADA - BAD GIRL X GOLDEN BOY

Construída por tatuagens e batons vermelhos, Stéfany Taylor sabe


bem fazer uso proveitoso da fama que construiu no segundo em que
se mudou para Boston.

A cidade nunca esteve tão quente desde que ela chegou.


E Eric Peterson soube disso após um incidente.

Ela não negou seu desprezo.

Ele cansou de se redimir.

Marcados pelas feridas do passado, eles terão que passar por cima
de qualquer mágoa e se submeterem a um namoro falso.

O acordo acabou unindo-os, talvez, não da melhor forma possível, o


que era para ser apenas por uma noite, se tornaram três meses de
farsa.

A aventura estava apenas começando, mas segredos e verdades


foram revelados. Traumas foram ressuscitados.

E uma chama de medo surgiu.

Uma colisão de duas pessoas que se odeiam, irão conseguir manter


as aparências de um namoro falso?

O amor e o ódio andam lado a lado. Entretanto, desses


sentimentos quem irá falar mais alto?
ENTRELAÇOS - LIVRO ÚNICO

Uma data acabou unindo Reece Kennedy a Jasmin Lawson todos


os anos de suas vidas.

Todavia, isso não impediu a família Kennedy de se mudar para outra


cidade, causando um rompimento na pequena paixonite de Jasmin
pelo seu melhor amigo Reece.

Um segredo que ambos guardam para manter o status de melhores


amigos permanente, mas tudo desmorona quando a verdade vem à
tona no dia em que deveria ser especial.
Reece tinha duas escolhas quando chegou à sua cidade natal:
confessar para sua melhor amiga os seus sentimentos ou guardar
seu segredo.

Ele teme destruir sua amizade.

Ela também o ama em segredo.

Ele mal consegue se manter estável no mesmo espaço que ela.

Ela o deseja mais do que deveria.

Uma amizade. Uma mentira. Um segredo.

O que pode acontecer se tudo acabar sendo revelado?


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SUMARIO

SHATTERED SOULS
NOTA DA AUTORA
AVISO DE GATILHOS
PRÓLOGO
01
02
03
04
05
06
07
08
09
10
11
12
13
14
15.1
15.2
16
17. 1
17. 2
18
19
20 |
PERDIDA ENTRE FRAGMENTOS
21 |
PRIMEIROS PASSOS
22 |
INFELIZES
23 |
SOMOS UM ERRO
24 |
NOITE DE KARAOKÊ
25 |
INALCANÇÁVEIS
26.1 |
PARTE I: TERRA DESABITADA
26.2 |
PARTE II: CONEXÕES
27 |
AMULETO DA SORTE
28 |
DESCOBERTAS
29 |
O AMOR É PACIENTE
30 |
O AMOR É DESTRUTIVO
31 |
QUEBRA-CABEÇA
32 |
NOSSO DECLÍNIO
33 |
SEM SALVAÇÃO
34 |
SEGUINDO MEU CAMINHO
35 |
PERDENDO A SANIDADE
36 |
JOGADA FINAL
37 |
FORMATURA
38 |
TENTATIVAS ENCERRADAS
EPÍLOGO
NOTA DA AUTORA: PARTE II
AGRADECIMENTOS

[1]
Transtorno explosivo intermitente (TEI) é uma condição psicológica que consiste em
constantes explosões de raiva e comportamentos agressivos
[2]
Tradução: Por Deus, merda!
[3]
Colégio fictício que foi criado unicamente para a construção do enredo e todo o arco da
história.
[4]
Tradução: Irresponsável de merda.
[5]
Traduzido do francês: Querida.
[6]
Filme infantil.
[7]
Protagonista do livro Entrelaços da autora April Jones.
[8]
1 Coríntios 13:4-7
[9]
Tradução do francês: Minha garotinha
[10]
Tradução do espanhol: Por Deus!

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